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Sexta-feira, 30 de Março de 1990 I Série - Número 59
DIÁRIO da Assembleia da República
V LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1989-1990)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 29 DE MARÇO DE 1990
Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários: Exmos. Srs.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
Júlio José Antunes
Daniel Abílio Ferreira Bastos
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 13 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se como da entrada na Mesa da proposta de lei n.º 139/V e dos projectos de lei n.ºs 506/V e 507/V, de requerimentos e de respostas a alguns outros.
O Sr. Deputado Carlos Brito (PCP) abordou os graves problemas que atingem o Algarve e as suas populações, respondendo a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados António Vairinhos (PSD) e José Apolinário (PS).
Do mesmo modo, o Sr. Deputado Filipe Abreu (PSD) pediu atenção para algumas carências existentes no Barlavento algarvio, após o que respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Carlos Brito (PCP).
O Sr. Deputado Júlio Henriques (PS) referiu-se à realidade sócio-económica da sub-região do Interior do País ocupada por pinhal.
O Sr. Deputado André Martins (Os Verdes) criticou a política ambiental do Governo, nomeadamente o projecto de Decreto-Lei sobre a avaliação de impactes ambientais.
O Sr. Deputado Barbosa da Costa (PRD) alertou para os prejuízos resultantes da construção dos lanços da auto-estrada Porto-Braga e Porto-Amarante.
O Sr. Deputado Jorge Catarino (PS) chamou a atenção para os problemas com que se defronta o Centro de Estudos de Profilaxia da Droga - Centro Regional do Norte.
O Sr. Deputado Luís Bartolomeu (PCP) sublinhou as potencialidades do Alentejo e a necessidade do seu aproveitamento integrado.
O Sr. Deputado Virgílio Carneiro (PSD) enalteceu a política do Governo no sector da educação.
Ordem do dia. - Foi aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre substituição de um deputado do PCP.
Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.º 33/V (PCP) - Garante a todos o acesso aos documentos da Administração, 65/V (CDS) - Lei do Segredo de Estado, 333/V (Os Verdes) - Acesso dos cidadãos aos dados relativos ao ambiente, 467/V (deputados Independentes Pegado Lis e Alexandre Manuel) - Direito dos cidadãos à Informação, 468/V (PS) - Liberdade de acesso aos documentos administrativos e 497/V (PSD) - Acesso aos documentos administrativos, intervieram no debate, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares (Carlos Encarnação), os Srs. Deputado José Magalhães (PCP), Mário Raposo (PSD), Alberto Martins (PS), Adriano Moreira (CDS), Marques Júnior (PRD), Herculano Pombo (Os Verdes) e Alexandre Manuel (PRD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 30 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados: Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santos Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda de Queirós.
António Augusto Ramos
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Ourique Mendes.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Amónio da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Armando Lopes Correia Costa.
Arnaldo Ângelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Casimiro Gomes Pereira.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcíneo António Campos Rebelo.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Gilberto Parca Madaíl.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues:
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Cosia da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José de Vargas Bulcão.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Luís Amónio Martins.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Augusto Pinto Barros.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel José Dias Soares Costa.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Antónia Pinho Melo.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
António Manuel Henriques d'Oliveira.
António Miguel de Morais Barreto.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Luís.
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Edite Fátima Marreiros Estrela.
Edmundo Pedro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Helena de Melo Torres Marques.
Henrique do Carmo Carmine.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Leonor Coutinho dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel António dos Santos.
Maria do Céu Oliveira Esteves.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raúl d'Assunção Pimenta Rogo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Pedro Machado Ávila.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alfredo Brito.
Carlos Vítor e Baptista Cosia.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Antunes Mendes.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Maria Bartolomeu Afonso Palma.
Manuel Anastácio Filipe.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Sérgio José Ferreira Ribeiro.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Alexandre Manuel Fonseca Leite.
António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Natália de Oliveira Correia.
Rui José dos Santos Silva.
Centro Democrático Social (CDS):
Narana Sinai Coissoró.
Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PEV):
André Valente Martins.
Deputados independentes:
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário veio dar conta dos diplomas, requerimentos e respostas a requerimentos quo deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa e foram admitidos os seguintes diplomas: proposta de lei n.º 139/V, da Assembleia Legislativa de Macau, sobre alterações ao Estatuto Orgânico de Macau, que baixou à 3.º Comissão, e projectos de lei n.ºs 506/V, apresentado pelo Sr. Deputado Luís Roque e outros, do PCP (adopta medidas tendentes a suspender o encerramento de linhas, ramais e estações e define as condições a que deve obedecer o dimensionamento da rede ferroviária nacional), que baixou à 12.ª Comissão, e 507/V, apresentado pelo Sr. Deputado Manuel dos Santos e outros, do PS (sobre a Lei de Enquadramento Orçamental), que baixou à 7.ª Comissão.
Foram também apresentados na Mesa nas últimas reuniões plenárias os requerimentos seguintes: ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados Rui Ávila, Barbosa da Costa, Jerónimo de Sousa e Miranda Calha; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Silva Marques, José Magalhães, Armando Vara e Carlos Brito; ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, formulado pela Sr.ª Deputada Helena Torres Marques; ao Ministério do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelos Srs. Deputados José Magalhães e Carlos Brito; ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados Rui Vieira, João Camilo, Ilda Figueiredo e Miranda Calha; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Ilda Figueiredo, Barbosa da Costa e Alexandre Manuel; ao Ministério das Finanças, formulado pela Sr.ª Deputada Helena Torres Marques; à Secretaria de Estado da Segurança Social, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Brito; às Secretarias de Estado da Cultura e dos Assuntos Fiscais, formulados pelo Sr. Deputado Alexandre Manuel; a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, formulados pelo Sr. Deputado António Mota.
Por sua vez, o Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Julieta Sampaio, na sessão de 30 de Maio; Herculano Pombo, nas sessões de 27 de Julho e 6 de Março; António Barreto, na reunião da Comissão Permanente do dia 21 de Setembro; Rui Silva, na reunião da Comissão Permanente do dia 4 de Outubro; Daniel Bastos, na sessão de 17 de Outubro; Júlio Antunes, na sessão de 20 de Novembro; Barbosa da Costa, nas sessões de 28 de Novembro, 11 e 18 de Janeiro; Miranda Calha, nas sessões de 28 de Novembro e 18 de Janeiro; Hermínio Martinho, na sessão de 7 de Dezembro; Caio Roque, na sessão de 9 de Janeiro; Cerqueira de Oliveira e Arons de Carvalho, na sessão de 19 de Janeiro; António Filipe, na sessão de 25 de Janeiro; Helena Torres Marques, na sessão de 30 Janeiro; Luís Roque, na sessão de 23 de Janeiro e 1 de Fevereiro; Roque da Cunha, na sessão de 13 de Fevereiro;
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Rogério Brito, na sessão de 20 de Fevereiro; Apolónia Teixeira, na sessão de 20 de Fevereiro; Álvaro Brasileiro, na sessão de 14 de Fevereiro.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão inscritos vários Srs. Deputados para intervir no período de antes da ordem do dia. Vamos, porém, até porque estamos quase a entrar no período de férias, contar os tempos negativos que cada um dos partidos for utilizando. Anotá-los-emos e faremos depois, na próxima quinzena, a correcção nos tempos disponíveis.
Está também acordado que não haverá prolongamento do período de antes da ordem do dia, mas, se no final houver ainda tempo disponível, faremos uma consulta aos grupos parlamentares para decidir sobre esta questão.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A gravidade de alguns problemas que tem atingido o Algarve e as suas populações nos últimos meses, justifica que chamemos para eles a atenção do Plenário da Assembleia da República, no seguimento de iniciativas que já desencadeámos através de requerimentos ao Governo.
Comecemos por salientar que não estão, de maneira alguma, saradas as feridas deixadas pelas chuvas torrenciais de Novembro e Dezembro. Há zonas fortemente flageladas que não são abrangidas pela linha de crédito, como acontece com o extremo Sotavento e, em particular, o concelho de Castro Marim.
Há agricultores cuja economia está tão debilitada que já não estilo em condições de. recorrer à linha de crédito, pois não podem assumir novos encargos, mesmo com juros bonificados. Há pescadores artesanais que perderam as embarcações e não receberam qualquer subsídio.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - É preciso que o Governo saiba disso!
O Orador: - Subsiste o problema das pontes de Tavira, tanto no que se refere aos financiamentos para a reconstrução da ponte romana, como à instalação de uma ponte provisória que possa funcionar na época alta do turismo e, finalmente, aos estudos e aos financiamentos de uma nova ponte definitiva.
Novas calamidades naturais se abateram, entretanto, sobre a costa algarvia, designadamente no porto da Baleeira (Sagres) e na ilha de Faro, pondo em evidência a incúria, a desatenção em relação às queixas e protestos das populações e a incapacidade para tomar medidas a tempo por parte dos governantes, o que origina situações de uma extrema gravidade, quase irreparáveis ou de difícil reparação.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - A tempestade que fustigou o porto da Balieira nos primeiros dias do mês provocou o desmoronamento, numa extensão de cerca de 400 m, do paredão que protegia o molhe e deixou este à mercê, da força das vagas, para que não está preparado. A não serem tomadas medidas com toda a urgência, o porto da Baleeira, onde em 1989 foram vendidos 731 000 contos de pescado, está, pura e simplesmente, ameaçado de desaparecimento. Os prejuízos dos pescadores são
extremamente elevados. Muitos barcos foram afundados pela força das vagas, alguns ainda permanecem no fundo, outros já começaram a ser reparados e apresentam grandes estragos. São, pois, necessárias medidas urgentes de apoio a estes pescadores.
Torna-se agora evidente que a dimensão dos estragos verificados não se deve apenas à violência da tempestade, mas à fraca qualidade das construções portuárias. As ruínas revelam, aliás, a escassez do cimento e a fragilidade do ferro, confirmando a voz do povo sobre a falta de fiscalização de que beneficiou o empreiteiro.
O porto, neste momento, com o mar a galgar o molhe com toda a facilidade, não apresenta as mínimas condições de segurança, sendo de permanente sobressalto a vida daqueles que ali tom os seus barcos ancorados. O Governo tem de actuar com toda a urgência, pois a situação não se compadece com as demoras do costume.
Em meados de Março, o mar voltou a «engolir» uma larga extensão da praia de Faro, devorou parte da estrada e ameaçou edifícios e instalações balneares. Há muitos anos que este perigo começou a desenhar-se e há alguns anos que está a concretizar-se. Portanto, não há nenhuma surpresa no que se passa agora. Os especialistas tem adiantado várias hipóteses, mas até hoje não se viu, da parte governamental, o empenhamento nos estudos e a adopção de medidas à altura dos riscos, que não se reduzem à ilha de Faro, mas são extensivos ao aeroporto e à própria capital algarvia.
Deixemos a inclemência da natureza.
A via longitudinal do Algarve, que, ao ser anunciada, foi motivo de regozijo e que devia ser razão de esperança de desenvolvimento da região, tem-se tornado mais uma verdadeira calamidade que se abate sobre o Algarve e as populações algarvias.
Os esclarecimentos aqui prestados pelo Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações na última sessão de perguntas ao Governo nada tem a ver com os traços de prepotência, secretismo e escândalo que rodeiam o processo já tristemente famoso, nacional e internacionalmente, da via longitudinal do Algarve.
Diga o Ministro o que disser, a verdade é que não houve diálogo nem com as autarquias nem com as populações. É inadmissível que o Governo estabeleça como definitivo um traçado que continua a merecer uma tão forte oposição na região, onde é considerado como susceptível de acarretar graves consequências para o desenvolvimento futuro do Algarve.
Chamo a atenção da Assembleia da República para a necessidade de se apurarem as responsabilidades em relação às circunstâncias em que se tem verificado o reiterado incumprimento das normas comunitárias acerca dos estudos de impacte ambiental que deveriam ter antecedido a elaboração do projecto e que podem comprometer ou retardar a comparticipação comunitária para este empreendimento, que é de cerca de 10 milhões de contos. A Assembleia da República deveria, igualmente, contribuir para que sejam esclarecidas as circunstâncias em que foi adjudicado o projecto de execução às firmas PROFABRIL, PROPONTE e ENGIVIA, bem como as circunstâncias em que foi adjudicado à firma MESOPLANO o estudo do impacte ambiental da Via do Infante. A Assembleia da República deve informar-se lambem das circunstâncias em que se desenrola o processo de decisão para a adjudicação da obra.
Finalmente, a Assembleia da República não pode desinteressar-se das circunstâncias em que estão a ser
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feitas as expropriações, uma vez que nos chegam queixas da parte dos proprietários atingidos sobre as ilegalidades e prepotências que estão a ser cometidas.
Para que este órgão de soberania possa começar (sublinho «começar») a pegar nesta meada de forma responsável, o Grupo Parlamentar do PCP vai propor a Comissão de Equipamento Social que diligencie no sentido de assegurar a vinda à Comissão do presidente da Junta Autónoma de Estradas para prestar esclarecimentos em relação às maiorias indicadas.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - É fundamental!
O Orador: - Hoje mesmo apresento na Mesa, com outros camaradas do meu grupo parlamentar, requerimentos ao Governo sobre a grave situação de salários em atraso em que se encontram os trabalhadores do Hotel Vasco da Gama, em Monte Gordo, e sobre a ameaça de despedimento colectivo que pesa sobre trabalhadores da Torralta, em Portimão.
Falando na Assembleia da República sobre os problemas do Algarve, quero aproveitar a oportunidade para saudar a realização do 6.º Congresso do Algarve, entre 14 e 17 de Fevereiro, da iniciativa do Racal Clube, como uma positiva instância de reflexão e de procura de caminhos para a problemática algarvia.
Aqui salientamos como revestindo especial interesse para a Assembleia da República as conclusões do Congresso favoráveis a aceleração do processo de regionalização e à criação da região administrativa do Algarve. Comporia especial interesse o pronunciamento firme do Congresso a favor da rápida aprovação da lei quadro da regionalização.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Não é da parte do PCP, como bem se sabe, que há dificuldades em corresponder a este voto de uma parte tão representativa da opinião pública algarvia.
Peço aos outros partidos, especialmente aos que tem dificuldades, que também tenham isso em conta!
Aplausos do PCP e do deputado independente Raul Castro.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontram-se nas galerias, acompanhados dos seus professores, alunos das Escolas Secundárias de Rio de Mouro, da Moita, de Ílhavo, de Marco de Canaveses e de Santo António dos Cavaleiros, aos quais prestamos a nossa habitual homenagem.
Aplausos gerais.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Amónio Vairinhos.
O Sr. António Vairinhos (PSD): - Sr. Deputado Carlos Brito, 6 com agrado que vejo aqui serem colocadas algumas questões que preocupam o Algarve e os Algarvios, embora não concorde, na sua grande pane, com as afirmações que aqui foram feitas.
Começaria por abordar o facto de ler aqui referenciado o 6.º Congresso do Algarve, associando-me também a essa manifestação. Gostaria também de manifestar o meu apoio ao Racal Clube com esta iniciativa, que ocorre de dois em dois anos e que lenho lido a oportunidade de acompanhar desde o seu início.
No que se refere concretamente à questão das intempéries e da situação que o Algarve tem vivido nos últimos meses, penso não ter ficado muito claro na sua intervenção o facto de se tratar de condições anormais. De facto, o Sr. Deputado tentou esconder um pouco isto, misturando cimento e ferro. Considera ou não o Sr. Deputado que a situação que o Algarve viveu desde Novembro passado, que já vinha acontecendo há vários meses, é anormal? Considera ou não que a situação na ilha de Faro é anormal?
Gostaria de lhe dizer, Sr. Deputado, que tive oportunidade, na passada sexta-feira, de visitar a ilha e de acompanhar os trabalhos que estavam a decorrer. Assim, devo dizer que, quer da parte do Governo, quer da parte das forças armadas, quer da parte da Câmara de Faro, houve uma actuação rápida no sentido de resolver o problema e que ela durou 48 horas. Considera o Sr. Deputado que isto não é actuar com prontidão?
Gostaria ainda de lhe perguntar, no caso concreto da ilha de Faro, que tipo de soluções é que preconiza. Parece-me que referiu vários estudos feitos por peritos, que desconheço, assim como desconheço muitas coisas de que se fala. Penso que o problema da ilha de Faro é extremamente grave. Se o Sr. Deputado conhece um estudo publicado pela CCR, que remonta ao século XIV, constata ser facilmente demonstrável que, naquilo que concerne às ilhas-barreiras do Algarve, desde o Fundo do Saco, em Caceia, até ao Ancão, em Loulé, é um sistema em mutação contínua e que a situação das barras se desloca periodicamente em dezenas de anos.
Considera o Sr. Deputado que o problema da ilha de Faro 6 facilmente solúvel? Como? Será mandando abaixo as casas que lá estão construídas? Será construindo esporões? Que estudos suo esses em que o Sr. Deputado baseia as suas afirmações? E qual é a posição do Partido Comunista Português sobre esta maioria? Gostaria que a deixasse bem clara.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário.
O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Deputado Carlos Brito, tomo a palavra sobretudo para saudar, mais uma vez, a chamada à Assembleia da República de questões relativas a região do Algarve e para sublinhar que algumas das preocupações que expendeu são também comuns ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista. Quero salientar que, em relação, nomeadamente, ao porto da Baleeira, se verifica nos últimos anos uma clara opção de desinvestimento, acompanhado, aliás, de um quase abandono dos pescadores daquela zona, que vivem à base da pesca artesanal e que tem merecido da parte do Governo aquilo que considero um grande desprezo.
Gostaria apenas de perguntar ao Sr. Deputado, à laia de pedido de esclarecimento, como 6 que vê aquilo que é a incongruência, a manifesta contradição e o desprezo pela opinião pública do Algarve e do País que revela o discurso oficial do Governo, nomeadamente o do Sr. Primeiro-Ministro, que com uma mão agita a flor do ambiente e com a outra decide, a torto e a direito, contra a opinião da região e os seus interesses, nomeadamente
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numa época em que «caem os muros das ideias», procurando impor um «muro de alcatrão» que é contrário aos interesses, as preocupações e aos sentimentos da população do Algarve. Gostaria de saber como é que o Sr. Deputado avalia esta contradição entre o discurso pseudoambientalista do Sr. Primeiro-Ministro, que, inclusive, o leva à televisão, e a prática e as realidades concretas no caso da Via do Infante.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Agradeço os pedidos de esclarecimento que me colocaram.
Começando por responder ao Sr. Deputado António Vairinhos, chego à conclusão de que a área de convergência e muito maior do que a área de desacordo, a avaliar pelas perguntas que me dirigiu, que, ao fim e ao cabo, se cingem quase exclusivamente à questão da praia de Faro, visto que em relação às outras questões nada disse que revelasse qualquer discordância, provavelmente por escassez de tempo.
Vamos, então, à questão da ilha de Faro. Considero que em relação aos temporais e chuvas torrenciais de Novembro e Dezembro se tratou efectivamente de situações excepcionais, mas não, de maneira alguma, em relação à ilha de Faro. Aliás, o Sr. Deputado, nas considerações que produziu a seguir, revelou que pensava da mesma forma quando disse que é um sistema em permanente mutação; que o é não só desde a Idade Média, mas desde a mais remota Antiguidade; que todas as notícias que se conhecem revelam isso, ou seja, que e um sistema em grande mutação que ao longo dos séculos tem tido as configurações mais variadas. A partir daí, o Sr. Deputado perguntou-me o que é que nós pensamos. Pensamos, por isso mesmo, que e uma situação extremamente grave e que importaria prever o que é que o futuro nos reserva, visto que, como se sabe, aquilo que está em causa não é nas a praia de Faro ou o aeroporto, mas a cidade de Faro, toda aquela zona da ria Formosa, e sabe-se lá se também a cidade de Olhão. É isso que está em causa, é isso que temos de ver! Portanto, seria importante estudar aprofundadamente essa questão. Aliás, sabe-se que, nesse sentido, há as hipóteses mais variadas, desde os que responsabilizam a marina de Vilamoura e os esporões de Quarteira, até aos que dizem que a circulação das areias foi interrompida...
O que apontamos e que traduz a nossa posição é que e fundamental que esta questão não seja encarada como mais um problema que se deixa arrastar, que se deixa ir, mas, sim, que seja atiçado em força, por aquilo que significa e representa e pelos perigos que hoje se estão a desenhar à vista de todos nós. É essa falta de medidas que censuramos e são estas medidas que exigimos.
O Sr. Deputado referiu as medidas tomadas. Não referiu, segundo creio, o município de Faro, que leve um papel diligente nesta operação. Os esforços feitos por todas as forças que ali convergiram são positivos. Mas, como sabe, isto é um remendo para aquela situação que não resolve o problema de fundo! Foi para o problema de fundo que eu quis sensibilizar a Assembleia da República, não numa atitude demagógica no sentido de que aquilo tem uma solução fácil e rápida, mas sim no de que é necessária uma política e uma atitude de fundo em relação a uma questão da maior gravidade. É essa a nossa posição!
No que respeita às questões da via longitudinal, agradeço as considerações que foram feitas pelo Sr. Deputado José Apolinário. Temos, como é sabido, uma grande convergência em relação a este problema.
Relativamente às questões que abordei, conto com a solidariedade do Partido Socialista para trazermos aqui o presidente da Junta Autónoma das Estradas, como início de um processo de apuramento de uma série de responsabilidades a um conjunto de questões que a imprensa tem trazido a lume e que não tiveram, até agora, cabal resposta das autoridades.
O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações esteve aqui e teve uma excelente oportunidade para esclarecer alguns destes problemas, mas não o quis fazer. Não iremos trazer cá novamente o Sr. Ministro. Pensamos que devemos começar pelo presidente da Junta Autónoma das Estradas e depois subir até ao Governo e tomar as medidas que forem adequadas. No entanto, a Assembleia da República tem de intervir neste processo.
Quanto à pergunta que o Sr. Deputado colocou sobre a posição do Primeiro-Ministro, devo dizer que entendo que esta atitude do Primeiro-Ministro e do Governo do PSD em relação à questão da via longitudinal do Algarve, como em relação a muitas outras, revela o entendimento que o Governo tem do Estado de direito: para o Governo do PSD, o Estado de direito e o Estado de direito da conveniência do PSD, é o Estado de direito de conveniência...
Protestos ao PSD.
É esta situação que lemos de desmascarar, Srs. Deputados!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Abreu.
O Sr. Filipe Abreu (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, uma vez mais uso da palavra nesta Assembleia, no exercício das minhas funções de deputado eleito pelo círculo do Algarve, para dar voz às populações que aqui represento.
Aliás, o deputado da província, por lhe ser possível manter um contacto mais activo e personalizado com cidadãos residentes nas pequenas cidades, vilas e aldeias, consegue aperceber-se mais facilmente das suas dificuldades, viver mais intensamente os seus pequenos e grandes problemas, os sonhos e as carência das populações locais.
Quero referir-me hoje a dois assuntos concretos, que reputo de extrema importância e grande significado para a vida quotidiana do Barlavento algarvio: a construção do grande hospital do Barlavento e os urgentes e inadiáveis melhoramentos do importante porto de pesca da Baleeira, em Sagres. Estes são dois assuntos mais do que suficientes para dar voz perante o Plenário e perante o Governo, aos que apenas a tem através dos seus representantes nesta Assembleia da República.
Não se trata de tecer louvas minhas ao Governo (que apoio), até porque é meu entendimento inequívoco que
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qualquer governo existe exactamente para governar, administrar e estar atento a satisfação possível das necessidades e das carências que ainda se fazem sentir no nosso país.
Após difíceis e prolongadas diligências, o Governo entendeu, finalmente, optar pela construção de raiz do grande hospital do Barlavento do Algarve, de forma a garantir uma assistência condigna, pronta e eficaz a uma vasta faixa da população algarvia que abrange os concelhos de Portimão, Lagoa, Silves, Monchique, Lagos, Aljezur e Vila do Bispo.
A decisão tomada, que nos apraz registar, vem ao encontro das aspirações e reivindicações há muito sentidas por essas populações, das quais sempre fizemos eco junto dos competentes departamentos governamentais.
Este vultoso investimento do Governo numa grande e moderna unidade hospitalar vem, afinal, coroar de êxito tantas canseiras e preocupações. Mas vem também calar outras tantas críticas e incompreensões, vindas exactamente daqueles que sempre tudo prometeram mas nunca nada decidiram - e muito menos concretizaram - quando foram poder.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - No entanto, porque nos lemos preocupado também com a situação do actual Hospital Distrital de Portimão, que cobre toda a vasta zona atrás referenciada, não podemos deixar de salientar a garantia dada pelo Ministério da Saúde de que estão assegurados, desde já, alguns melhoramentos conjunturais nesse Hospital, no sentido de minorar as enormes carências que ali se fazem sentir, proporcionar melhores condições de atendimento a todos os utentes que procuram assistência e de trabalho a quantos ali desempenham a sua actividade profissional.
Relativamente ao hospital do Barlavento algarvio, cuja urgente necessidade de construção o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lagos teve a oportunidade de referenciar, há dias, ao Sr. Primeiro-Ministro, sentimos que cumprimos o nosso dever e que estamos de bem com a nossa consciência. Mais uma vez o Governo, ao contrário do que a oposição pretende, afanosa e eleiçoeiramente, fazer crer, soube ouvir, soube reflectir e soube decidir acertadamente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, apesar disso, não nos quedamos na contemplação ou no regozijo, mais ou menos diletante, deste ou daquele investimento, por mais importante que ele seja ou pelo especial significado que tenha para nós. Somos, por natureza, permanentemente exigentes e insatisfeitos, dado que esta postura, na vida e na política, está ínsita no nosso ideal social-democrata.
Por isso vimos aqui, como já disse, levantar a nossa voz, a voz dos que não tem voz, a voz dos que não podem fazer greves nem tem tempo para manifestações mais ou menos folclóricas, a Hm de chamar a atenção do Governo para os problemas gravíssimos que, desde há anos, preocupam e afectam os numerosos pescadores que utilizam, na sua faina diária, o porto da Baleeira, situado na bela e épica vila de Sagres.
Correspondendo à solicitação de um grupo de pescadores visitei esse importante porto de pesca no passado mês de Janeiro, ainda antes do violento temporal que, nos dias 3 e 4 do corrente mês de Março, assolou aquela zona. Tive, então, a oportunidade de me inteirar de um vasto rol de necessidades, deficiências e anomalias nas instalações ali já existentes, que pela sua extensão não vou aqui enumerar.
Não nosso, porém, deixar de realçar e fazer eco das reivindicações dos pescadores de Sagres, no sentido da rápida construção das infra-estruturas terrestres há muito programadas no seu porto de pesca, que compreendem um novo e funcional edifício para a lota, armazéns para aprestos e para o comércio de pescado, a respectiva instalação das redes de água, esgotos e electricidade, bem como a construção dos necessários pavimentos da zona portuária.
Estes equipamentos, considerados imprescindíveis para o normal funcionamento do porto da Baleeira, obrigam o Governo, de acordo com as estimativas fornecidas pela Junta Autónoma dos Portos do Barlavento do Algarve e pela Direcção-Geral de Portos, a um vultoso investimento, da ordem dos 320000 contos.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, como costuma dizer o nosso povo, «um mal nunca vem só». Para maior desdita daqueles que, diariamente, trabalham no mar para ganhar a vida e que, não raras vezes também, têm de lutar contra os elementos da natureza para salvar a sua própria vida, sofreram, inesperadamente, nos primeiros dias deste mês de Março, mais um rude golpe ao verem o seu porto de abrigo ainda mais danificado e as suas condições de trabalho e de segurança mais difíceis e precárias.
Mais uma vez, um violentíssimo temporal fustigou, predominantemente, o extremo barlavento, causando enormíssimos estragos no muro de abrigo que sustém as vagas e na cabeça do molhe do porto da Baleeira, estando agora este porto ainda mais vulnerável às investidas do mar.
Segundo estimativas autorizadas, serão necessários mais de 100 000 contos para reparar os estragos. É caso para dizer que os pescadores de Sagres andam permanentemente «com o credo na boca».
Pela nossa parte estamos atentos e estamos solidários com esses trabalhadores. Como responsáveis eleitos para este órgão de soberania e cuja representatividade nos advém do voto livre que todos nós, enquanto candidatos, solicitámos aos cidadãos nas campanhas eleitorais, sentimos ser nosso dever indeclinável levantar estas questões em Plenário, não como questões menores mas antes reconhecendo ser este o local próprio para o fazer, o que só dignifica a função do deputado e do Parlamento.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, falou-se aqui na via longitudinal do Algarve, afirmando-se que essa via seria uma calamidade e que todos os trabalhos a ela inerentes tem sido levados a cabo através de processos de secretismo.
É preciso dizer, de uma vez por todas, que a terceira opção, a opção final tomada pelo Conselho Superior de Obras Públicas, já sofreu, neste momento, ao contrário do que aqui foi afirmado, tantas alterações como isto: no traçado inicial estava prevista a expropriação de mais de 200 ha de solos com aptidão agrícola e, na sequência do diálogo que se tem mantido com as populações locais e com os agricultores, a área de solos com aptidão agrícola a ser expropriada situa-se agora nos 93 ha. Isto é a prova do interesse que o Governo, as autoridades e as entidades competentes têm posto no diálogo e na concertação em relação a tal problema.
No entanto, vemos agora o PCP e o Partido Socialista a fazerem a sacralização da propriedade privada.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados, sempre defendi a propriedade privada, mas entendo que essa mesma propriedade privada tem de desempenhar a sua função social. É essa a minha convicção como social-democrata Estranho agora que, «como caldo retardado», o Partido Socialista e o Partido Comunista venham sacralizar essa mesma propriedade privada, privilegiando os interesses de uma minoria aos interesses de toda uma região e de toda uma população.
A realidade, Srs. Deputados, é que existe uma zona non edificandi e se por acaso se pudesse construir mesmo à margem da Via do Infante, então a guerra seria outra!... Todos quereriam que a Via do Infante passasse pelos seus terrenos pois, afinal, isso seria bom dado que poderiam construir. É este o problema!
Todos dizem que querem estradas, todos dizem que querem vias rápidas..., mas não as que passem pelos seus terrenos. Tem de passar pelos terrenos dos vizinhos.
O problema e lambem eminentemente político. Há que fazer queixinhas, há que atrasar, há que manipular, há que inviabilizar, há que dificultar a acção do Governo para, depois, se poder dizer que o Governo não fez, que o Governo não foi capaz de fazer, que, afinal, a, Via do Infante era necessária mas o Governo não cumpriu.
Sabemos quais são os intuitos da oposição, mas não embarcamos nesse comboio. A Via do Infante será feita, obviamente, para bem do Algarve e para servir as populações condignamente.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Filipe Abreu, começo por saudar a sua posição em relação ao porto da Baleeira e a solidariedade que manifestou para com os pescadores. O Sr. Deputado esteve lá antes do temporal e eu fui lá já depois dele, também a convite dos pescadores, com quem tive a oportunidade de conversar.
Em relação à grande unidade de saúde para ó Barlavento algarvio, não há nenhuma razão para nos regozijarmos com a decisão agora tomada pelo Governo, dado que ela e uma decisão arrancada a ferros.
Tenho estado nessa lula há vários anos e posso mesmo dizer-lhe que já em 1986 foi aprovada, nesta Assembleia, para o Orçamento do Estado de 1987, uma proposta da minha autoria, pedindo uma dotação para os estudos dessa grande unidade de saúde para o Barlavento algarvio. Só agora, em 1990, o Governo toma a decisão de o construir, depois de, em certo momento, ter interrompido) todo o diálogo que havia entre entidades de saúde do Algarve, responsáveis do Hospital de Portimão, deputados e elementos das autarquias locais. O diálogo foi mesmo proibido pelo Governo, que vem agora dar a mão à palmatória!...
O que acontece, Sr. Deputado, e que o Governo só agora vem reconhecer a necessidade de uma unidade de saúde no Barlavento algarvio. Não há, portanto, motivo para regozijo.
Em relação à Via do Infante, o Sr. Deputado deformou completamento a nossa posição! O que nós propomos - e propomo-lo ao PSD - e que se faça uma intervenção responsável da Assembleia da República nesta questão. Propomos, desde já, que o presidente da Junta Autónoma de Estradas aqui se desloque, para podermos começar a desenrolar toda esta meada, para tentarmos apurar responsabilidades relativamente à ausência de estudos de impacte ambiental antes de o projecto entrar em fase de execução, ausência que pode levar, pelo menos, ao atraso de uma importantíssima dotação de 10 milhões de contos.
Queremos também ver esclarecidas, uma vez que apareceram tantas informações estranhas na comunicação social, como foram feitas as adjudicações das obras e conhecer o nome das respectivas empresas; queremos saber como é que foi feita a adjudicação do estudo de impacte; queremos saber em que situação se encontra a adjudicação da obra, pois sobre isso lêem-se também coisas muito, estranhas; queremos saber como está a questão das expropriações e ó só nesse sentido que vem a questão da propriedade privada a que fez referência! De resto, Sr. Deputado, essas são grandes questões de Estado!
Trata-se de uma importante questão de direitos das pessoas, a que o Sr. Deputado disse que aderia. Então, com mais razão ainda, vamos ver como é que estão a ser feitas as expropriações, pois só assim poderemos saber se há ou não ilegalidade e prepotência. São estas as nossas propostas concretas. Responda o Sr. Deputado qual é a posição do PSD - da sua própria - em relação a elas.
É este o nosso entendimento do modo como a Assembleia da República deve abordar o problema da Via do Infante.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Abreu.
O Sr. Filipe Abreu (PSD): - Sr. Deputado Carlos Brito, congratulo-me pela sua intervenção em defesa do Algarve, embora não concorde com alguns pontos.
Também não estou de acordo com V. Ex.ª quando diz que não lemos de regozijar-nos com a decisão tomada pelo Governo no sentido da construção do grande hospital do Barlavento algarvio.
Sr. Deputado Carlos Brito, de facto, V. Ex.ª está nesta Assembleia há muito mais anos do que eu próprio e, segundo afirma, encetou essa sua lula em 1986. O que posso dizer-lhe é que vim para esta Assembleia em 1987, que, na altura, falei com a Sr.ª Ex-Ministra sobre este assunto e que também já o abordei com o actual ministro da tutela.
Ora, as decisões já foram tomadas e congratulo-me por, em menos tempo do que V. Ex.ª, ter conseguido sensibilizar o Governo no sentido de tomar essa medida, pela qual me regozijo por ser de grande interesse para aquela zona do Algarve.
que, obviamente, tenho de regozijar-me porque o Governo soube ouvir, soube decidir, soube reflectir, soube até emendar a mão, dado que estava para não se verificar uma construção de raiz de um hospital.
Claro que V. Ex.ª leve o seu papel e eu o meu próprio e iodos nós, na nossa qualidade de deputados eleitos pelo círculo eleitoral do Algarve, devemos sentir-nos satisfeitos para defesa desta região.
Quanto às expropriações de propriedades devidas à construção da futura Via do Infante, posso afirmar-lhe, com toda a segurança, que estão a decorrer no estrito cumprimento da lei.
Ainda no que diz respeito à Via do Infante, gostaria que esta Assembleia da República pudesse deslocar-se em peso à zona em questão para fazer um reconhecimento local de toda a problemática relacionada com esta via, cuja importância tem sido empolada e minimizada, não passando este problema de uma luta política.
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Se os Srs. Deputados conhecessem, de facto, todo o processo e o terreno tão bem como eu próprio ou como outros deputados do Algarve, então a construção da Via do Infante não constituiria uma polémica, passando a ser uma matéria absolutamente pacífica. É que só não o é por se travar de permeio uma luta política.
Mas, Sr. Deputado, na hora cena, os Algarvios hão-de dizer quem foi que quis, quem tentou e quem «fez queixinhas» no sentido de atrasar todo um investimento, todo um melhoramento que é imprescindível para o Algarve,...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: -... em relação ao qual, a solução tomada pelo Conselho Superior de Obras Públicas pode considerar-se intermédia, equilibrada e justa para os algarvios e para o Algarve.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Júlio Henriques.
O Sr. Júlio Henriques (PS): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Seguro de trazer a esta Câmara, perante VV. Ex.ªs, o levantamento de questões importantes para a vida das populações e para o futuro de vastos espaços do Interior do País, onde a esperança estiola e o quotidiano é «purgatório», e na presunção, porventura ingénua, de que a minha voz seja ouvida pelo Governo, proponho-me abordar a problemática que envolve aspectos de subdesenvolvimento (por paradoxal que pareça) numa zona do Centro do País rica de recursos naturais - a sub-região do pinhal interior.
Desta sub-região permito-me destacar, pela oportunidade do conhecimento mais próximo que deriva de visita que o meu grupo parlamentar efectuou no último fim-de-semana ao distrito de Leiria, o seu espaço geográfico a nordeste, com toda a carga que o vocábulo comporta, integrando os concelhos de Alvaiázere, Ansião, Figueiró dos Vinhos, Pedrógão Grande e Castanheira de Porá - este último sofrendo, desde já, gravíssimos problemas sociais em razão da crise que afecta a indústria têxtil (lanifícios) no momento em que são lançados no desemprego centenas de trabalhadores, sensivelmente 21% da sua população activa.
Mas... voltemos à sub-região do pinhal interior para referir que se trata de um espaço geográfico, singularmente homogéneo, que compreende 18 municípios dos distritos de Leiria, Castelo Branco e Coimbra, «encaixado» entre os vales do Zêzere e do Mondego, espaço por onde se estende - por quanto tempo ainda? - um coberto florestal que constitui a maior mancha contínua de pinheiro bravo de toda a Europa, riqueza imensa que a fúria do lucro fácil e a tragédia dos fogos florestais vem dizimando ano após ano, assistindo-se, sistematicamente, ao desaparecimento do pinhal para dar lugar, infelizmente, à massificação do eucaliptal.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A realidade sociológica da sub-região do pinhal interior, englobando 18 municípios reunidos em associação, a que se poderiam somar outros do distrito de Santarém (Ferreira do Zêzere, Vila Nova de Ourém, Sardoal, Mação) e a necessidade de alterar uma situação de atraso insustentável na democracia que se pretende para todos os portugueses, levaram o Partido Socialista, em 1986-1987, a empenhar-se a fundo, ultrapassando aspectos de natureza meramente partidária, no estudo e lançamento de um projecto de desenvolvimento para a zona do pinhal, nele envolvendo os agentes económicos, sociais e culturais - enfim, todas as forças de progresso da região que quiseram dar-lhe contributo. Assim se fez! O diagnóstico veio confirmar as nossas preocupações e mesmo acentuar os contornos de um quadro sub-regional bem negro, caracterizador de uma das zonas mais deprimidas do todo nacional.
Não só para que conste mas, sobretudo, para que sejam objecto de reflexão e de acção, Sr. Presidente e Srs. Deputados, vou dar alguns indicadores:
A população tem vindo a decrescer e a desertificação é uma ameaça: 266 000 habitantes, em 1950; 194 000, em 1981, o que conduz a uma densidade de 47 habitantes/km2, inferior a metade da que se verifica no continente;
Taxa de actividade reduzida: 36%, evidenciando os efeitos do processo migratório e de envelhecimento da população;
Analfabetismo atingindo quase 50 000 pessoas, o que significa mais ou menos 25%;
População activa registando uma fortíssima concentração no sector primário: 40%, contra os 18% do continente e os 8% da França mediterrânica;
Indústrias extractivas (resina) e transformadoras (têxtil), responsáveis por 19% do emprego, ameaçadas de encerramento - as primeiras por falta de matéria-prima, em consequência dos fogos florestais, e as têxteis por falta de apoios efectivos à sua reestruturação, com destaque para os aspectos de modernização tecnológica;
Por último, quero dizer que a sub-região do pinhal interior é, no contexto nacional, a zona mais carenciada em matéria de acessibilidade intra e inter-regional. Com efeito, as vias de comunicação ou não existem ou encontram-se profundamente degradadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perante um quadro de referencia assim, numa zona de prevalência conservadora que o PSD vinha dominando politicamente sem necessidade de realizar obra convincente, o Governo tem feito pouco mais que nada. E era preciso que tivesse feito! E é-lhe exigido, em nome da democracia, em nome da justiça e da solidariedade nacional, que se cumpram as promessas de desenvolvimento e sejam esbatidas as assimetrias que tendem, afinal, a aprofundar-se.
É preciso, a pensar nesta e noutras regiões do País, que o Governo esclareça o que se passa com o PDR, em geral, e com a «Subvenção global para o pinhal interior», em especial, já que nela se prevê (cf. ficha n.º 56 do PDR) um investimento total de 7,86 milhões de contos no triénio de 1990-1993, sendo certo que, sem plano e sem projectos, não se vê como vai ser possível investir segundo o objectivo apontado para o corrente ano, ou seja, 1 900 000 contos... É preciso, é mesmo imperativo, que se corrijam distorções graves em matéria de financiamentos via PIDDAC, para que não mais assistamos ao que se vem verificando, por exemplo na área da CCR do Centro, em que o índice varia entre 0 e 30, isto em quatro anos consecutivos, sendo a média de
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4,2 contos/habitante. E o mais grave ainda é que se situam no escalão O cinco dos mais pobres concelhos da sub-região do pinhal interior. Simplesmente, deplorável!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente; Srs. Deputados: No projecto de plano de desenvolvimento para a zona do pinhal, empreendido pelo Partido Socialista - e que tive a honra de coordenar -, inscrevia-se, como nota introdutória: «Que sentido tem a democracia sem desenvolvimento, sem, igualdade de oportunidades, sem justiça social, quando o tempo se consome no esquecimento, no isolamento, na promessa não cumprida e na resignação?» Decorridos três anos, porque actual, a pergunta aqui fica. Bem gostaria que a resposta não ficasse para 1991!
Aplausos do PS.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Maia Nunes de Almeida.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.
O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: Como é do conhecimento de VV. Ex.ªs, o Partido Ecologista Os Verdes não acredita na política de ambiente deste Governo! E não é porque não tenham sido consideradas algumas das nossas propostas, não é porque somos um partido da oposição, não é porque «estar contra» seja o nosso lema, não é porque não gostamos da cara de alguns dos Srs. Ministros!...
Risos do PS.
Simplesmente, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, é porque não há o que quer que seja de concreto que este Governo tenha leito que nos mereça alguma confiança na seriedade das medidas que tem anunciado para a defesa do ambiente e a melhoria das condições e qualidade de vida dos Portugueses, incluindo a criação do Ministério do Ambiente e a proposta de criação de um plano nacional para o ambiente.
A razão desta nossa desconfiança, mais uma vez, acaba de ser confirmada pelo expresso no decreto-lei, aprovado em Conselho de Ministros e que se encontra para promulgação na Presidência da República, sobre a avaliação de impactes ambientais e que, de acordo com o que já foi tornado - público, é contraditório com os propósitos propalados pelo Governo no que diz respeito à defesa do ambiente.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A Lei de Bases do Ambiente, aprovada nesta Assembleia em Abril de. 1987, no seu artigo 27.º, relativo aos instrumentos da política de ambiente, prevê a avaliação previa do impacte provocado por obras, pela construção de infra-estruturas, pelo introdução de novas actividades tecnológicas e de produtos susceptíveis de afectarem o ambiente e a paisagem.
O artigo 30.º, relativo aos estudos de impacte ambiental, refere, expressamente no n.º 1 «Os planos, projectos, trabalhos e acções que possam afectar o ambiente, o território e a qualidade de vida dos cidadãos terão de ser. acompanhados de um estudo de impacte ambiental.» No n.º 3 afirma-se que a aprovação de um estudo de impacte ambiental é condição essencial para o licenciamento final das obras e trabalhos pelos serviços compclcnics, nos lermos da lei.
Passados três anos sobre a aprovação da Lei de Bases do Ambiente, que deveria ter sido regulamentada até Abril de 1988, e quando são passados cerca de dois anos sobre a data limite para a transposição da directiva comunitária sobre a mesma maioria, o Governo decidiu agora aprovar um decreto-lei relativo a avaliação de impactes ambientais.
A pergunta não pode deixar de ser feita, Srs. Deputados: por que é que o Governo não cumpriu atempadamente o estipulado na Lei de Bases do Ambiente e na legislação comunitária?
Em nosso entender, Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados, foi apenas porque este Governo pactua e está comprometido com interesses contrários a defesa do ambiente, apesar de nos querer convencer, por todas as formas, de que não é assim.
Se a legislação sobre a avaliação dos impactes ambientais já tivesse sido publicada, alguns dos projectos realizados nos últimos anos não o leriam sido da forma prejudicial como o foram e outros nem sequer poderiam ler sido executados por constituírem autênticos atentados ao ambiente, à saúde das populações e aos interesses da economia nacional.
Só depois de a própria Comunidade Económica Europeia ter ameaçado processar Portugal relativamente a projectos que contrariam os compromissos por ele assumidos como Estado membro, é que o Governo se sente obrigado a regulamentar a avaliação dos impactes ambientais.
Naturalmente, são irreparáveis os efeitos negativos resultantes da execução de empreendimentos que deveriam ler estado condicionados por estudos de impacte ambiental e não podemos deixar de atribuir a respectiva responsabilidade ao actual Governo e à sua política anti-ambientalista.
Mas, apesar de tudo isto, o Governo elaborou um decreto-lei que, além de não respeitar o expresso na Lei de Bases do Ambiente, nem sequer faz a transposição completa da directiva comunitária sobre a avaliação dos impactes ambientais.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Partido Ecologista Os Verdes considera que os estudos de impacte ambiental não servem para viabilizar projectos, mas, antes, para, preventivamente, saber se da realização desses projectos resultam efeitos negativos para o ambiente e para a qualidade de vida das populações - aliás, como o prevê a própria directiva comunitária.
Contrariamente a esta perspectiva, o decreto-lei que o Governo agora apresenta serve, no fundamental, para viabilizar e justificar a execução dos projectos. É assim quando admite que a avaliação dos impactes ambientais só em início na fase de licenciamento de um empreendimento, desrespeitando o princípio da prevenção que deve enformar todo o processo de decisão. É assim quando reconhece a possibilidade de aprovação tácita e quando estipula um prazo de 60 dias para avaliação dos impactes ambientais.
Além disso, o referido diploma não reconhece como vinculativo o parecer do Ministro do Ambiente e não submete à avaliação de impacte ambiental projectos de instalações para a produção de energia hidroeléctrica, de, pasta de papel e de cimentos e para a extracção de inertes, de entre outros.
Nestas condições, temos umas perguntas a fazer.
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Para que serve o Ministério do Ambiente e dos Recursos Naturais se o seu parecer não é vinculativo em projectos de reconhecido impacte ambiental? Para que servirá um plano nacional para o ambiente se se é complacente com situações que, à partida, são desrespeitadoras de qualquer política de defesa do ambiente?
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Partido Ecologista Os Verdes não tem pactuado - e jamais o fará! - em relação a este ou a outro qualquer governo, quando estão em causa a defesa do ambiente e dos recursos naturais do nosso País.
A luta por um desenvolvimento ecologicamente equilibrado, garante da melhoria das condições e da qualidade de vida das populações presentes e vindouras, será sempre o objectivo primeiro que continuará a nortear a nossa acção política.
Por estas razões, Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados, o Partido Ecologista Os Verdes, imediatamente após a publicação, no Diário da República, do decreto-lei do Governo relativo à avaliação do impacte ambiental, pedirá a sua ratificação por esta Assembleia.
Aplausos de Os Verdes, do PCP e do Deputado Independente Raul Castro.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.
O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É inesquecível a importância das vias rápidas e auto-estradas para o progresso das regiões, para o desenvolvimento económico, para um mais fácil relacionamento entre comunidades, enfim, para o progresso geral das zonas envolvidas.
Só que... não há bela sem senão! Começam a ser preocupantes as repetidas situações de conflito que se geram pelas mais variadas razões.
Já aqui tivemos oportunidade de comunicar a existência de problemas criados em algumas zonas do País.
Desta vez, entendemos fazer eco das preocupações das populações que vêem ser cortado o território onde vivem, o que, por si só, já constitui motivo de mágoa e de frustração.
Todavia, o furacão demolidor na legítima ânsia de atingir o objectivo deixa para trás um rasto de destruição que tarda a ser remediada para mal dos mais directamente atingidos.
E o que actualmente se passa com as obras nas auto-estradas Porto-Braga e Porto-Amarante, que tem gerado graves prejuízos de ordem sócio-ambiental às populações de Pedrouços e de Águas Santas, no concelho da Maia.
Acusa-se a empresa concessionária de «negligencia, desrespeito, mutismo e prepotência», pois não tem criado, como lhe competia, os acessos necessários e as rectificações de traçado indispensáveis à normalização da vida local.
Do alargado coro de protesto fazem parte os autarcas do concelho e das freguesias interessadas e as populações, que já desesperam perante a arreliadora manutenção dos problemas criados.
Na freguesia de Pedrouços há situações particularmente graves, já que há lugares que foram privados das suas ligações normais, sem acessos definitivos, águas residuais a correrem a céu aberto, para além da existência de inúmeras casas danificadas.
A juntar a tudo isso - e que já não é pouco -, existem graves problemas de segurança e de perigo permanente para os peões, face à inexistência de sinalização adequada, bem como de infra-estruturas dignas desse nome para os utentes, que se vêem obrigados a caminhar ao longo das faixas de rodagem.
A inexistência de valetas e o facto de os pisos estarem a um nível superior ao das habitações conduzem inevitavelmente as águas pluviais e lamas para o interior das habitações adjacentes às vias.
Em Águas Santas, mais propriamente na povoação de Paredes, foi eliminada a sua única via de acesso, criando tal situação um notório mal-estar na população, que reclama a reposição das condições anteriormente existentes.
Estes são alguns dos problemas criados que a BRISA tem prometido resolver, mas que não tem passado de pias intenções.
Segundo informações veiculadas pela comunicação social, designadamente pelo Jornal de Notícias, está a Câmara Municipal da Maia a pensar formalizar uma reclamação ao ministério da tutela e à Procuradoria-Geral da República, bem como à Comunidade Económica Europeia, que subsidiou as obras e a quem solicitará a cessação de todos os pagamentos ao empreiteiro caso subsistam os problemas denunciados.
Situação semelhante foi criada no concelho de Vila Nova de Gaia à população de Alheira, na freguesia de Pedroso, que se vê privada do acesso à estrada nacional n.º 222 por obras, em fase de realização, da Junta Autónoma de Estradas, sem percursos alternativos aceitáveis.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Bom seria que tal tipo de situações não se repetisse, pois não aproveitam a ninguém e criam nas gentes simples do nosso país um indesejável clima de suspeição perante as estruturas necessárias e indispensáveis ao desenvolvimento.
Aplausos do PRD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Catarino.
O Sr. Jorge Catarino (PS): - Em 5 de Março passado, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista recebeu um abaixo-assinado dos utentes do Centro de Estudos de Profilaxia da Droga - Centro Regional do Norte, autêntico grito de angústia e revolta dos marginalizados da sociedade portuguesa. Pressurosamente inquirimos e indagámos, chocados pelo desprezo e abandono a que estão votados os toxicodependentes da região Norte.
De facto, o Centro Regional do Norte não dispõe de meios humanos, de meios económicos e de instalações condignas para apoiar esta comunidade, que vive em permanente desespero e conflito social, lendo sido obrigado a suspender as consultas.
Orçamentos exíguos, reestruturação de quadros e propostas de ampliação que aguardam resposta desde 1985, envolvendo a mais completa ignorância dos governantes, levaram à rotura funcional de um organismo que tão relevantes serviços tem prestado ao Porto e ao País.
Gastaram-se 92 000 contos só com programas de publicidade na rádio e na TV para, em véspera de eleições legislativas, vender à opinião pública o Centro
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das Taipas, mas desde 1985 que o projecto de um centro de dia, orçado em apenas 8000 contos, aguarda melhor oportunidade!
Em causa está, agora, a continuação do tratamento de milhares de toxicodependentes, alguns quase recuperados para a sociedade, e o atendimento de milhares de outros em stand-by, enquanto, demagogicamente, se lançam parangonas do Projecto Vida, mascarando realidades e marasmo com propaganda e jactância. \
A obra do Centro Regional do Norte e do seu director, Dr. Iduíno Lopes, e relevante e ímpar num sector tão difícil como a toxicodependência.
Analisemos os factos.
A qualidade do apoio prestado pelo Centro Regional do Norte permitiu, quer em 1986 quer em 1987, que 71 % dos indivíduos do sexo masculino e 50 % do sexo feminino, utilizando o método de tratamento único no País do narcótico substituto - metadona -, exercessem uma actividade profissional.
Também os comportamentos associais baixaram drasticamente para níveis quase idênticos aos da população em geral.
Quanto à seropositividade dos consumidores de heroína, que é de 70 % na Europa, no âmbito da área abrangida pelo CRN tem vindo a diminuir desde 1987 em cerca de 50% na população abrangida pela sua área de intervenção.
Este tipo de tratamento, que, por exemplo, nos Estados Unidos é subsidiado a 100 % pelo Governo Federal, permite também uma reinserção social progressiva e o custo médio anual é de apenas, 120005 por doente tratado.
Mas a Divisão Psicossocial do Centro Regional do Norte, onde funciona a equipa de prevenção primária na área da toxicodependência, detém também, desde 1984, o número mais elevado de intervenções na comunidade - 1088 -, o que nos dá bem a imagem da eficiência deste multi-facetado serviço.
Frequentam o Centro cerca de 700 doentes por dia. Esta avaliação estatística global da actividade desenvolvida assume maior importância se fizermos referência que a estimativa dos adictos dependentes da heroína, só na área do Grande Porto, ronda os 6000, sendo de 29 anos a sua média etária!
Tendo em conta os estudos efectuados pelo Centro, o custo do consumo anual de heroína em Portugal ronda os 9 milhões de contos!
O orçamento do CEPD (Norte) para o ano de 1987 foi, apenas, de cerca 40 000 contos, mas os vultosos investimentos efectivados no Centro das Taipas, onde os resultados obtidos são estatisticamente inferiores, comprometeram, de algum modo, lodo o desenvolvimento do sector assistêncial adstrito à droga, pois consumiram todas as verbas disponíveis! Gestão irresponsável!
Mas também as questões levantadas pela nova legislação são graves.
Vejamos.
Todo o quadro jurídico em vigor é da autoria do ex-Ministro Almeida Santos, possuindo Portugal a mais avançada legislação na matéria da toxicodependência. De referir que o recente Decreto-Lei n.º 83/90, além de conter graves lacunas, como, por exemplo, quando afirma que os decretos-leis que criaram o Gabinete de Coordenação do Combate à Droga, os CEPD e os CICD (Decretos-Leis n.º 790/86, 792/86 e 791/86) e que foram criados no âmbito do Ministério da Justiça, erra grosseiramente, pois, de facto, todos tiveram origem na Presidência de Conselho de Ministros! Só a lei orgânica (Decreto-Lei n.º 365/82), pioneira a nível internacional, os Decretos-Leis n.ºs 430/83 e 71/83 e o Decreto Regulamentar n.º 71/84 provêm do Ministério da Justiça.
Mas a ignorância não acaba aqui, pois as Porcarias n.ºs 217/90 e 208/90, que acabam de ser publicadas, confundem, de uma forma inaceitável, as tabelas das substâncias medicamentosas, não criando uma tabela específica para os chamados produtos benzodiazepínicos, como a lógica da distribuição dos princípios activos das tabelas do Decreto-Lei n.º 480/83 indiciava, colocando agora estes produtos nas tabelas 1-A, n-B, n-C e IV, penalizando a posse de um simples comprimido de Valiam... Talvez, hoje e aqui, alguns de nós estejamos em condições de ser presos pela Brigada de Combate à Droga!
O que se pretendia, na verdade, era um controlo correcto dos circuitos de manufacturação, distribuição, prescrição e recolha de receitas. Objectivo claramente gorado!
A nova legislação e os novos centros aparecem, sem uma prévia consulta às instituições que no terreno atendem os toxicodependentes, com o grave risco de confundir a realidade com o desejo, desconhecendo que a aditividade das drogas do tipo opióide é uma criação de características crónicas com frequentes e repetidas recidivas e que, mais do que nunca, há necessidade de cuidar dessas pessoas vitimizadas, libertá-las da marginalização e aliviar os familiares do sofrimento.
Urge, pois, que a Comissão Parlamentar de Saúde visite o Centro Regional do Norte, enquanto serviço modelar de lula contra a toxicodependência.
Urge que o Sr. Ministro da Saúde responda aos apelos lancinantes dos utentes do Porto, urge passar da palavra à acção.
À gestão economicista da saúde que não suceda a economicista gestão da problemática da droga.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As estatísticas suo aterradoras, a proliferação de centros como é Centro Regional do Norte, é urgente.
Aqui fica o alerta e a preocupação da nossa bancada quanto à situação em que se encontra esta área crucial da sociedade portuguesa, sobretudo no Norte do País.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimentos os Srs. Deputados do PSD António Bacelar e Jorge Paulo, que vão ficar inscritos para o período de antes da ordem do dia da próxima sessão, visto já não haver tempo disponível para pedirem esclarecimentos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Bartolomeu.
O Sr. Luís Bartolomeu (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tendo no pensamento, como é óbvio, Portugal no seu lodo, venho a esta tribuna, perante VV. Ex.ªs, falar do Alentejo, das suas gemes e dos seus anseios, que, ao longo dos tempos, não têm merecido a atenção que lhes é devida.
Durante muitos e muitos anos quiseram convencer o Alentejano do inevitável que era ter de sair da sua terra para angariar o sustento e o dos seus.
A saída para os grandes centros, sobretudo Lisboa, e também para o estrangeiro apresentava-se como única solução.
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Apregoava-se que a nossa interioridade, as características da nossa agricultura, a quase ausência de indústria e a pouca expressão do nosso comércio obrigavam a pensar-se que o Alentejo, apesar de ocupar um terço da área do continente, não tinha espaço para os seus filhos.
E o certo é que este fatalismo quase se instalou.
De facto, muitos foram os alentejanos que partiram rumo aos mais diferentes destinos, mas muito poucos o fizeram de «corpo inteiro». Na sua aldeia, no seu monte, enfim, na planície que os vira nascer e crescer e que tanto amavam, deixavam o seu coração, no desejo de um regresso breve e definitivo.
Mas este fatalismo, sacudido pelo 25 de Abril, cedeu lugar à certeza de uma esperança num Alentejo diferente, onde todos tivessem razão para ficar e ajudar num desenvolvimento, tão necessário a região e ao País a que junto nos orgulhamos de pertencer.
Um Alentejo, lar para todos os que nele queiram viver, um Alentejo que sempre existiu na mente dos que ficaram e também dos que, por força das circunstâncias, tiveram um dia de partir, voltaram e de novo são obrigados a partir.
Hoje, esperanças e certezas fundem-se. De facto, podemos afirmar que as potencialidades do Alentejo suo tantas que, se aproveitadas, poderiam contribuir, positivamente, para que a integração na Europa dos Doze pudesse ser mais nivelada e com menos sobressaltos para os Portugueses.
Vejamos: na sua costa, onde, diariamente, se capturam toneladas de peixe, marisco e outras espécies, existem praias das mais lindas e menos poluídas de Portugal.
Que falta, então, para o desenvolvimento da pesca e turismo da região?
Apenas, e só, vontade política do poder central, pois que, todos o sabemos, as autarquias da zona estão empenhadíssimas em encontrar as soluções mais adequadas para o lançamento daqueles sectores.
Queira o Governo permitir o desenvolvimento da costa alentejana que a acção dos locais e das suas autarquias fará o resto necessário para que ali se criem condições para um turismo de qualidade e a pesca evolua no mesmo sentido.
Não se pense, contudo, que para o interior o turismo não tem hipóteses. Tem-nas e de que maneira!
Não é por acaso que o distrito de Beja já apresentou a sua candidatura para a criação da sua região de turismo, cuja aprovação tarda inexplicavelmente, e que, só recentemente, foi criada a região de turismo de Évora.
Srs. Deputados, falar do Alentejo obriga-nos a duas referências - agricultura e Alqueva. A primeira continua a desempenhar um papel importantíssimo na economia da região e do País. Quanto à segunda, para além de permitir a diversificação da primeira, tomando o Alentejo e o País mais ricos em termos agrícolas, é também importantíssima no que respeita à produção de energia eléctrica, peixe, turismo e ainda na disponibilidade de água potável para as populações.
Ó Alqueva, só por si, poderá contribuir para o aproveitamento de todas estas valências. É inaceitável que o Governo continue a impedir a sua realização quando, agora, com a reestruturação dos fundos comunitários e no âmbito do quadro comunitário de apoio, tinha uma oportunidade única de o levar para a frente.
Srs. Deputados, e que dizer da cortiça alentejana?
Quem ignora que é a melhor e mais abundante do País?
Quem ignora que, teimosamente, numa prática política anti-económica, ela continua a ser transformada a muitos quilómetros da sua origem?
Quanto se pouparia em transportes, que tão onerosos suo, se a pudéssemos transformar junto da produção!
Quem seria capaz de competir com Portugal no mercado da cónica?
Creio que ninguém. Beneficiaria, isso sim, toda uma região, há tanto tempo esquecida, e, por reflexo, a economia nacional.
Igual tratamento podia e devia ser dado às riquezas mineiras de Neves Corvo e Aljustrel.
Quanto ganhariam com isso as populações envolventes e o País? Que falia, então, para que tal aconteça?
Srs. Deputados, apenas, e ainda só, vontade política dos governantes.
Poderia ainda referir outras potencialidades e salientar as vastas influências que as apontadas exercerão em toda uma região, a nível do comércio, serviços, indústria e cultura.
Não o farei hoje!
Quero, todavia, aproveitar o ensejo para fazer um desafio à maioria desta Câmara, ao Governo e a todos o que tenham na mão o poder de decidir.
E o desafio, creio que já advinharam, trata-se de propor que a regionalização se torne uma realidade, porque, conforme foi dito no III Congresso sobre o Alentejo, «já é hora de os Alentejanos serem, em grande parte, senhores do seu destino e das suas estratégias de desenvolvimento». Sem isso, apesar de todas as potencialidades que apontei, o desenvolvimento do Alentejo continuará a ser uma questão adiada.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Virgílio Carneiro, que será a última antes do período de antes da ordem do dia.
O Sr. Virgílio Carneiro (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Vivemos uma época de profundas reformas no campo da educação e uma das expressões que mais tem sugestionado os nossos ouvidos é a de «escola cultural».
Tenho tentado convencer-me de que essa expressão representa uma redundância porque o meu conceito de escola sempre teve implícita a ideia de cultura; hoje, contudo, começo a encarar essa expressão como alguma coisa que se justifica e que não foi por acaso, ou por simples preciosismo, que o seu autor a explicitou. Talvez o desencanto, a desilusão de alguém que vive intensamente a Escola, no seu sentido total e verdadeiro, desse a/o ao impulso para lançar o brado contra uma instituição desvirtuada e lembrar a urgência de a restituir à sua plenitude.
Com efeito, para quem, durante toda a vida, tem sentido de perto os problemas da escola portuguesa, auscultado as suas virtudes e defeitos, verificado as suas carências, falando, ouvindo, observando, descrendo umas vezes, acreditando outras, numa esperança que teima em não morrer, a verdade é que encontra muitos fundamentos para que aquele brado surgisse!
O País apercebeu-se desse estado de crise educativa em que Portugal mergulhava e, através dos seus representantes
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neste Parlamento, encetou decididamente a recuperação do sistema educativo através da elaboração, que não foi fácil, da Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada quase unanimemente em 1986.
Por seu lado, o Governo, igualmente, assumiu essa premente tarefa de reformar,.com base na citada lei, as estruturas anquilosadas até agora vigentes, diagnosticando com lucidez os males de que o sistema enfermava e propondo soluções clarividentes, que se encontram insertas no seu Programa.
É que o Governo considera, com toda a verdade, que «a modernização do País 6, na essência, um processo eminentemente cultural», que «a renovação estrutural da economia e da sociedade não poderá ocorrer sem unia política de educação que valorize a nossa matriz cultural e permita vencer os desafios inadiáveis do presente e do futuro próximo», que o desenvolvimento e a afirmação das capacidades dos Portugueses decorrem, essencialmente, do sistema educativo que importa recuperar», que «a situação educativa em Portugal revela uma nítida atrofia, quando comparada com a dós países congéneres da Europa Ocidental», que «não obstante os esforços. empreendidos, o resultado desta situação é ainda patente numa população com fraco índice de estudos, numa mão-de-obra profundamente desqualificada, numa taxa de analfabetismo sem paralelo na Europa, em sérios estrangulamentos no acesso à educação, na deficiente qualidade dos serviços educativos e no grave índice de insucesso escolar, particularmente no âmbito do ensino básico».
A partir deste diagnóstico, cuja síntese deixo apenas aflorada, o Governo partiu para a reforma educativa em curso, tornando-a «como um grande desafio nacional e a opção indeclinável» destes quatro anos de mandato, com respeito absoluto de três eixos estratégicos que importa, acima de tudo, preservar: «a exigência da liberdade», «o reforço da identidade nacional» e «o desenvolvimento do sentido da solidariedade».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na sequência de tudo isto, honra seja feita não Governo, pois vasta legislação tem sido produzida, de acordo com o prescrito no artigo 59.º da lei de bases, que irá permitir mudar a face de aspectos relevantes da educação em Portugal.
Perspectiva-se, assim, um quadro optimista em relação à «generalização do acesso à Educação» «melhoria da qualidade da educação», ao «incremento da formação artística e profissional», à «informação e orientação vocacional e profissional», à «reorganização do ensino superior e desenvolvimento da investigação científica», à «liberdade de aprender e de ensinar», à «defesa e valorização da língua e cultura portuguesa», à «modernização das infra-estruturas educativas», à «acção social escolar», à «ocupação de tempos livres e desporto escolar».
Acerca de iodos estes capítulos existe já regulamentação, quer através de decretos-leis e outros diplomas governamentais, quer através de leis desta Assembleia da República, onde o Governo e outros partidos enviaram o seu contributo através de propostas e projectos de lei, como são os casos da autonomia universitária, da Lei de Bases do Desporto e da organização e gestão dos estabelecimentos de ensino superior politécnico.
É muito, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é que já foi feito pelos Co vemos, presididos por Cavaco Silva também neste complexo sector que é a educação.
Porém, isto não significa que se se desvaneceram todas as nossas angústias. Angústias provocadas pelas expectativas a que as grandes reformas sempre conduzem e pelas dúvidas que no âmago de cada um sempre surgem, mesmo quando optimista, em relação ao êxito das transformações operadas ou em vias de se operarem. São angústias que não escondemos, porque somos sinceros e leais. Elas pairam nas nossas mentes não por desconfiança, mas pela ânsia de vermos confirmadas, através das principais medidas, uma coerente linha estrutural de pensamento político e de coordenação técnica e pedagógica; uma insofismável liberdade de aprender e de ensinar, onde não tenha lugar qualquer timidez acerca do incentivo desenvolto ao ensino particular e cooperativo; uma necessária exigência na profissionalização dos docentes, onde não caiba a tentação de. aligeiramentos excessivos; uma real avaliação das acções de combale ao insucesso escolar e educativo; uma efectiva conquista da confiança e mobilização de todos os agentes educativos, mormente dos professores, para levar por diante este ingente desiderato, criando-lhes condições materiais e psicológicas de trabalho, meios mínimos e critérios transparentes de actualização e avaliação, dignificando-os profissionalmente de acordo com a sua formação, o seu social e, acima de tudo, com as responsabilidades da sua missão.
Desvanecidos, como esperamos, estes resquícios de angústia, teremos acabilitado a escola portuguesa no seu sentido total, onde volte a estar implícita a ideia de cultura.
Capacidade e dinamismo não faltam a este Governo, apesar de iodos sabermos, como ele próprio admitiu no seu Programa, que esta reforma «não pode ser obra de uma pessoa, de um grupo ou sequer de um Governo. É antes tarefa de uma geração».
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o período de antes da ordem do dia.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É para solicitar a interrupção da sessão por 30 minutos, pois o meu grupo parlamentar vai dar uma conferência de imprensa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, é regimental. Está interrompida a sessão, que recomeçará às 17 horas e 30 minutos.
Eram 17 horas.
Após a interrupção, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 17 horas e 45 minutos.
ORDEM DÓ DIA
Srs. Deputados, vai ser lido um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.
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Foi lido. É o seguinte:
Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos
Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos realizada no dia 29 de Março de 1990, pelas 15 horas, foi observada a seguinte substituição de deputado:
Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português (PCP):
António José Monteiro Vidigal Amaro (círculo eleitoral de Évora) por Joaquim António Rebocho Teixeira [esta substituição é solicitada nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 5º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), por um período de seis meses, a partir do dia 1 de Abril próximo, inclusive].
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado ó realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
A substituição em causa ó de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
João Domingos F. de Abreu Salgado (PSD), presidente - Manuel António Sá Fernandes (PSD), secretário -Alberto Monteiro de Araújo (PSD) - Arlindo da Silva André Moreira (PSD) - Belarmino Henriques Correia (PSD) - Carlos Manuel Pereira Baptista (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Domingos da Silva e Sousa (PSD) - Fernando Monteiro do Amaral (PSD)-José Augusto Ferreira de Campos (PSD) - José Augusto Santos da S. Marques (PSD) - José Manuel da Silva Torres (PSD) -Júlio da Piedade Nunes Henriques (PS) - Mário Manuel Cal Brandão (PS) - Francisco Barbosa da Costa (PRD).
Vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta e João Corregedor da Fonseca.
Srs. Deputados vamos iniciar o debate conjunto, na generalidade, dos projectos de lei n.ºs 33/V (PCP) - Garante a todos o acesso aos documentos da Administração, 65/V (CDS) -Lei do segredo do Estado, 333/V (Os Verdes - Acesso dos cidadãos aos dados relativos ao ambiente, 467/V (deputados independentes Pegado Lis e Alexandre Manuel) - Direito dos cidadãos à informação, 468/V (PS) - Liberdade de acesso aos documentos administrativos e 497/V (PSD) - Acesso aos documentos administrativos.
Encontram-se inscritos os Srs. Deputados José Magalhães e Adriano Moreira, o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares e os Srs. Deputados Herculano Pombo, Alexandre Manuel, Alberto Martins e Mário Raposo.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP congratula-se duplamente com a realização deste debate sobre a transparência e o segredo na Administração e no Estado.
Em primeiro lugar, porque o agendamento se deve à aceitação de uma sugestão feita pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista.
Depois, porque se trata de dar cumprimento à norma constitucional que expressamente consagrou a Administração aberta. Fomos pioneiros dessa ideia. E que extraordinária caminhada se fez desde aquele dia de 1987, em que coporizámos essa ideia nova sobre forma de projecto de lei e, mais tarde, como proposta de aditamento à Constituição da República. Era lá possível, di/ia-se, uma Administração aberta, coisa de utopistas e sonhadores, imprópria de gente com sentido de Estado?!
Não deixa de ser verdade, Srs. Deputados, que a Administração aberta representa uma daquelas grandes utopias libertadoras, que exprimem velhos sonhos e propõem um novo contrato social, que recusa ao Estado todos os poderes e convida os cidadãos a agir, a participar, a querer saber e a interessar-se. Ela implica um novo conceito de Estado e um novo conceito de cidadania. Um e outro fazem hoje parte da Constituição, depois de porfiados esforços. A utopia converteu-se em lei suprema.
Quanto as leis que hoje vamos aprovar, delas se espera simplesmente isto: que arrumem a casa!
Arrumar a casa significa, desde logo, inverter a política de secretismo que, ao arrepio da Constituição, vem alastrando.
Por um lado, há que eliminar as regras, instruções e práticas governamentais que vedam abusivamente a informação pública, silenciam os funcionários, fecham as portas à imprensa e aos cidadãos indagantes, em casos em que não está sequer em causa a intimidade da vida privada, nem a segurança, nem a investigação de crimes. Esse silencio imposto só tem servido para encobrir escândalos - e nem sempre -, proteger o crime, facilitar a corrupção, encorajar novas infracções.
Paradoxalmente, enquanto assim se fecha, ao arrepio da Constituição, nunca o Estado difundiu tantas versões oficiais desmentidas pelos factos, nunca frequentou tantas agências de publicidade, nunca o Governo gastou tantos milhões para dizer aos cidadãos que não há no mundo melhores governantes.
A informação institucional tem degenerado em propaganda governamental e esta em propaganda partidária, quando não em autopromoção. No Governo não há quem resista a imitar o exemplo daquele secretário de Estado (já chamado «dos sacrifícios e benefícios fiscais» que, lodo orgulhoso do «milagre do IRS», logo correu a anunciá-lo aos pastorinhos, via CTT, com selo pago pelos cordeiros fiscais em que nos quer converter. Isso não é, porém. Administração aberta, mas sim uma abertura antecipada e perversa da caça ao voto perdido!
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A perversão é, aliás, dupla: a Administração intensifica a difusão de versões oficiais, ao mesmo tempo que obstrui o acesso aos documentos esclarecedores de factos controversos, violando assim o direito geral à informação e os direitos especiais dos jornalistas. A supressão do Conselho de Imprensa, que reiteradamente condenou essa obstrução (ocorrida em relação a quase iodos os inquéritos levantados a situações de anormalidade pública, designadamente sobre mortes e motins nas cadeias), vem debilitar seriamente as garantias do combate à Administração secretista.
Falta, por outro lado - é essa segunda perversão -, uma genuína reforma administrativa que ponha cobro aos vícios do chamado modelo napoleónico «decantado», na sua versão lusa, por decénios de ditadura e desgoverno. O chamado «secretariado laranja para a modernização administrativa» não passa de uma pequena central de conselhos piedosos, que oferece às vítimas da burocracia cartazes e folhetos coloridos, onde se desenha um mundo idílico cheio de funcionários com um belo sorriso nos lábios, bem pagos e bem formados, em serviços bem organizados e bem instalados, em bichas - se isso se passa em algum sítio é no paraíso e não em Portugal!
Por outro lado, a realidade o que revela é uma selva burocrática, que a legislação hoje em debate deve contrariar, e que exige também a rápida aparição e aprovação de um código de procedimento administrativo.
Em terceiro lugar, imporia tomar consciência na perigosa extensão que hoje assume esse subcontinente invisível em que se movimentam, aos encontrões, os vários serviços de informações, militares e não militares, públicos e privados e os departamentos das forças de segurança, designadamente PJ e Serviço de Estrangeiros.
Ao défice de enquadramento e disciplina desse mundo pouco conhecido (onde volta e meia rebentam escândalos) soma-se o clamoroso défice de fiscalização democrática.
Por isso mesmo, o PCP acaba de propor ao Sr. Presidente da Assembleia da República a realização urgente de diligências que ponham cobro à comatosa abulia do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações. O segredo malsão, que recobre as suas actividades, não esconde dois factos gravíssimos: primeiro, há sinais evidentes de incumprimento da lei que criou o sistema; segundo, faltam por completo medidas correctivas das disfunções detectadas. É preciso adoptá-las, até porque, depois da revisão Constitucional, só a Assembleia da República pode legislar em matéria de informações - coisa de que o Governo parece não se ter apercebido - e, por outro lado, porque há quem queira, neste momento, semear novas disfunções.
Um projecto de reorganização da Polícia Judiciária, que por aí circula, preconiza a criação, também naquela polícia, de uma nova categoria de agentes - os agentes secretos, de rosto invisível, paga pública e controlo nenhum. John Le Carré, A Casa da Rússia, no Conde Redondo, é demais, Srs. Deputados!
Arrumar a casa significa, em quarto lugar, reavaliar as chamadas «instruções sobre segurança das matérias classificadas», que o Conselho de Ministros tem vindo a aprovar por meras resoluções. Nelas se desenha o mapa de um Portugal oculto, onde reina um plenipotente casal: o Primeiro-Ministro e a Autoridade Nacional de Segurança - sua esposa secreta. Eles controlam as classificações de manuscritos muito secretos, de cartas e notas confidenciais, de relatórios de difusão restrita, de fotos e vídeos secretos, ficheiros confidenciais e ale fitas de máquinas de escrever portadoras de segredos.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Entre outras filas!...
O Orador: - Está nas instruções.
Eles comandam a máquina que faz inquéritos de segurança para julgar sem recurso da lealdade, honestidade, hábitos e discrição de cidadãos. Eles advertem (Diário da República, n.º 279, p. 4777) dos perigos de conversas indiscretas, especialmente fora de serviço e com os jornalistas, e tem o registo dos portugueses (funcionários públicos ou privados) merecedores e não merecedores de credenciais de segurança, incluindo os contínuos, porteiros, guardas e empregados de limpeza, que possam ter contacto com materiais classificados e as empresas privadas envolvidas em certas actividades industriais, tecnológicas ou cientificas.
Sendo evidente que razões de segurança interna ou externa podem legitimar constitucionalmente restrições de acesso a certos documentos públicos, impressiona a leitura dessas dezenas de páginas, que investem os governantes e seus comissários de poderes ilimitados para proibir a própria manutenção de arquivos particulares, diários ou notas pessoais sobre matérias que no entender deles devam ser secretas e que permitem devassar, inquirir e punir largamente, sob acusação ou suspeita de violação de segurança.
Impressionam também as indefinições existentes em matéria de segredo de Estado, susceptíveis de permitirem a sua invocação para cobrir actividades de altos responsáveis, contra os interesses do Estado democrático, e de lançar um manto de opacidade sobre factos essenciais para a livre formação da opinião pública. Donde, a oportunidade do projecto de lei do CDS, sobre cujo mérito e limitações nos pronunciámos já no decurso da sua primeira leitura.
Alerto apenas, nestas circunstâncias, Srs. Deputados, para o facto de o quadro que descrevi ler duas características: primeiro, é, em diversos aspectos, inconstitucional; segundo, parece ser leira morta em vários pomos. E, talvez, a esta última luz se possam compreender notícias recentemente vindas a lume sobre a proliferação de escutas ilegais, envolvendo, inclusivamente, membros do Governo.
O n.º 5.12.2 das instruções de segurança, há pouco citadas (cuja leitura, como penitência pascal, aconselho vivamente ao Sr. Ministro Dias Loureiro, aqui representado pelo Sr. Secretário de Estado) é implacável contra as escutas - escutas passivas e escutas activas -, prevê insonorizações, inspecções de tudo, incluindo dos móveis, dos candeeiros, dos tapetes... (Diário da República n.º 279, p. 4781).
Na prática, a imprensa alude ao Estado indefeso perante escutas telefónicas e a ministros que se sentem inseguros, escutados, parece haver à solta serviços públicos e privados, nacionais e estrangeiros... Sabem-se os nomes, as histórias, e o Sr. Primeiro Ministro declara seraficamente ao semanário O Jornal que «não se tem conhecimento oficial neste gabinete da existência de escutas telefónicas».
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): -Procurem no gabinete ao lado!
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O Orador: - Perguntam-lhe, então, concretamente se dispõe no gabinete de meios de neutralização de hipotéticas escutas e se já suspeitou de ser escutado indevidamente.
Responde enigmaticamente que a lei prevê a existência do Serviço de Informações de Segurança e do Serviço de Informações Militares, com funções de contra-informação e segurança. Espantosa coisa!
Lembra aquele filósofo distraído a quem alguém perguntava se estava a chover, e que respondia «no bengaleiro há gabardinas e guarda-chuvas»! Ninguém encontra conexão entre a pergunta concreta e a resposta. É o caso.
Em nosso entender, Sr. Presidente, esta incrível conversa de surdos tem de acabar! O PCP considera essencial que a subcomissão instituída nesta Câmara para a questão das escutas seja activada. Proporemos, designadamente, que por ela sejam ouvidos os membros do Governo e outras personalidades que, segundo públicas notícias, terão sido atingidos por escutas, para adopção das correspondentes medidas. Deverá apurar também se, como concluiu um recente inquérito jornalístico, «o Estado Português está indefeso face às inovações tecnológicas no domínio da espionagem» ou, se não, em que termos.
O silêncio dos poderes públicos após esta extraordinária imputação mina a credibilidade do Estado de direito democrático e desprestigia as instituições.
A proposta do PCP, Srs. Deputados, é que a Assembleia da República quebre esse silêncio e, se necessário, legisle em conformidade, como fará hoje em relação a Administração aberta.
Quanto a esta, apenas sete curtíssimas observações, complementares do longo estudo que antecede o projecto de lei do PCP e do parecer de que, em nome da 3.º Comissão, fui relator.
Primeira observação: a consagração constitucional do novo direito fundamental de acesso aos documentos administrativos teve opositores. Importa, no entanto, que esses opositores reconheçam que perderam. O segredo tem de ser excepcional, nos termos da redacção actual da Constituição, pois trata-se de um direito fundamental que não pode ser objecto de restrição do conteúdo essencial; nos termos do artigo 18.º, a transparência é a regra de ouro.
Segunda observação: a abertura deve abranger a administração central, regional, local e empresarial, sem ambiguidades. Nesse ponto, aliás, os eleitos da CDU já vão adiante, tendo-se comprometido a aplicar nas suas autarquias a carta das garantias dos cidadãos perante a administração local, que também aqui está presente nesta Câmara para discussão e aprovação.
Terceira observação: deve garantir-se o acesso ao grosso dos documentos não nominativos, com excepções bem precisas, definidas sem recurso a cláusulas indeterminadas, que permitiriam a Administração recusar o acesso a documentos e longas guerras incitadoras de desistência.
Quarta observação: tem de ser a Assembleia da República a definir essas regras, dentro dos limites do artigo 18.º da Constituição, uma vez que se trata de direitos, liberdades e garantias.
Quinta observação: a lei geral sobre acesso não deve excluir leis especiais aplicáveis a certas áreas como a saúde, a justiça, os consumidores e o ambiente. Por isso, é meritório o projecto apresentado pelo partido Os Verdes.
Em sexto lugar, não devem instituir-se obrigações de fundamentação nem laxas moderadoras que esvaziem, na prática, a possibilidade de acesso, e o processo para a obtenção dos documentos deve ser, além de expedito, fiscalizado por uma entidade independente.
Em sétimo lugar, não deve esquecer-se a dimensão europeia do problema. Tanto na óptica da construção do mercado único, como no domínio das transformações em curso na Europa, no desejável rumo de um espaço comum em matéria de direitos fundamentais, exige-se não só a abertura das administrações nacionais como a garantia do acesso dos cidadãos aos arquivos das estruturas não nacionais, desde logo as das Comunidades Europeias. De pouco valeria que tivéssemos aberto os arquivos nacionais se nos ficassem vedados os relativos aos cada vez mais importantes actos das Comunidades Europeias.
Dizer isto sublinha bem como a lula pelo arquivo aberto toma continuamente novas dimensões, exige pertinácia, perspectiva larga e decisões audaciosas.
Durante anos só existiu nesta Casa um projecto sobre a Administração aberta - o do PCP. Hoje está acompanhado - e, diria, bem acompanhado - por quatro iniciativas de outros partidos, representando as principais forças do arco constitucional. Juntos, esses projectos, formam a base de trabalho necessária para uma boa lei da República. Seria bem significativo que pudéssemos aprovar essa lei até ao 25 de Abril, matriz dessa grande abertura que nos cabe prolongar, não por palavras, mas por actos.
É essa a nossa proposta e é também esse o nosso voto final.
Aplausos do PCP, de Os Verdes e do deputado independente Raul Castro.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Mário Raposo e Alberto Martins. Há, porém, uma pequena dificuldade que presumo que será resolvida entre os grupos parlamentares: o PCP dispõe apenas de 1,1 minutos...
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Raposo.
O Sr. Mário Raposo (PSD): -Sr. Deputado José Magalhães, com a sua imaginação e o seu verbo fervilhante, acabou por transformar um problema relativamente simples e simplificável numa tragédia cósmica. Inclusivamente, invocando questões que nada tem que ver com as informações que são prestadas aos utentes deste arquivo aberto. Designadamente, invocou o John Le Carré e A Casa da Rússia, embora, certamente, de uma Rússia já branqueada, o que nada tem que ver com este problema.
Na realidade, não estão aqui em causa problemas de serviços de informações ou de escutas telefónicas, mas de, comezinhamente, abrir a Administração ao cidadão comum; de dar rosto à Administração, criando uma relação personalizada entre a Administração e o utente dos serviços que ela lhe deve prestar.
Tudo o mais. Sr. Deputado José Magalhães, para além de boas e inteligentes palavras, são meros efeitos, os quais, ainda que, como é evidente, ajudem a dar um sal e pimenta a esta sessão, não contribuem, por certo - depois do trabalho meritório que o Sr. Deputado José Magalhães tem efectuado nesta matéria -, para ir muito além disso.
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Por conseguinte, o que o Sr. Deputado José Magalhães fez foi conseguir mesclar o problema das informações quo são prestadas através dos serviços de atendimento, isto 6, ao cidadão que se dirige a um serviço público e que, ao abrigo do artigo 268.º da Constituição, pretende ter acesso a determinadas questões que porventura lhe digam respeito, com outro tipo de informações.
Aliás, o Sr. Deputado José Magalhães sabe perfeitamente a posição que tenho relativamente a esta matéria, pois, não sendo negador do arquivo aberto - sou, pelo contrário, um velho defensor, um velho pregador, desse mesmo sistema -, entendo é que ele não deverá ser um arquivo «escancarado», não concorrendo para bloquear a Administração, em lermos de esta o rejeitar, necessitando, por isso, de ser modelado de modo realístico.
Por conseguinte, perguntaria ao Sr. Deputado José Magalhães qual é, muito concretamente, a ideia que tem sobre o que será a intervenção deste sistema em todos esses problemas. Na verdade, os problemas das escutas telefónicas, dos serviços de informações, etc., são muito importantes, são atendíveis, estão a ser equacionados ao nível da 3.º Comissão da nossa atenção será sempre intensificada. Contudo, o que é facto é que o Sr. Deputado se espraiou longamente e, embora não haja grande auditório nas galerias, a verdade é que poderá confundir os espíritos.
Em suma, o que estamos a encarar e, repito, a informação que é prestada ao titular do direito à informação, para que ele participe, para que saiba, conheça, enfim, para que possa viver a vida do País.
Consequentemente, não tem nada que ver com o serviço de informações, com o John Lc Carrc, com as escutas telefónicas ou com toda essa mirabolância douta e, como sempre, sabiamente argumentada que o Sr. Deputado José Magalhães produziu na sua intervenção.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, a sua intervenção colocou-se essencialmente no terreno da consagração e da defesa da ideia da transparência, tecendo as considerações a ela pertinentes.
Nesse plano, tem o nosso total acordo, sem que não deva lembrar - e sem que isto implique qualquer corrida às iniciativas, isto é, saber quem foi o primeiro - que a iniciativa que modelou o que se encontra hoje, a este respeito, inscrito na Constituição, foi do PS. Aliás, a fórmula do PS é quase ipsis verbis a contida no texto constitucional.
No entanto, isto não deslustra a importância dos contributos que o projecto do PCP e que as intervenções que V. Ex.ª produziu nesta matéria deram a solução deste caso.
Assim, creio que, em termos de lei ordinária, o PCP deu um contributo decisivo e determinante nesta matéria, embora, ao nível da consagração constitucional, tal contributo seja devido ao PS, aliás, até pelo facto de ter inscrito esta matéria no acordo de revisão constitucional. Com efeito, tal permitiu que a mesma ficasse consagrada, uma vez que não era, a partida, esta a intenção do PSD.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, creio quo seria importante salientar, para além da minha concordância com o que disse quanto ao arquivo aberto, não só dos Estados membros da Comunidade, mas também relativamente à própria Comunidade, e da necessidade que temos de andar depressa, uma vez que a directiva da Comunidade aponta a sua aplicação apenas para 1992. Creio que Portugal, conjuntamente com alguns outros países, é pioneiro nesta matéria, pelo que, antes de a Comunidade definir os contornos nítidos destas soluções, teremos necessidade de andar depressa.
Daí a questão que gostaria de lhe colocar: o que fazer para que nesta questão, e uma vez que não pode ser noutras, Portugal seja um guia cultural do direito democrático que poderá servir à própria Comunidade?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, a quem, uma vez que não dispõe de tempo extra, peço que seja breve nas respostas aos Srs. Deputados Mário Raposo e Alberto Martins.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Mário Raposo, agradeço as observações, extremamente gentis, de V. Ex.ª quanto ao papel do PCP no debate sobre uma Administração aberta. De facto, lutámos insistentemente nestes anos pela concretização legal e constitucional - as actas da Comissão de Revisão Constitucional atestam isso abundantemente - deste novo direito dos cidadãos.
Claro que o fazemos, não numa perspectiva idílica ou meramente teórica, mas com os pés bem mergulhados na realidade social e política do País. Por isso, é que não podemos deixar de nos preocupar com essa coisa a que o Sr. Deputado, muito originalmente, chamou «sal e pimenta» e cujo nome ordinário, comum, é o de «escutas». Na verdade, o secretismo tem invadido a Administração Pública portuguesa, por orientação negativa que lhe vem sendo imprimida pelo Executivo, ao abrigo de uma concepção fechadista, secretista. Isso traduz-se em múltiplas manifestações: proibições aos funcionários de falar, sanções, instruções de classificação que consideram secretas as coisas mais inacreditáveis!
Por último, verifica-se que, apesar de todas as trancas, apesar de todas as fechaduras, apesar de todas as seguranças, há até membros do Governo que suo dados como queixando-se de serem escutados ilegalmente!... Est modus in rebus?! Como é que isto é possível com tanta tranca, tanto medo, tanta escuta e tanto enredo numa situação que ninguém deslinda?! E o Primeiro-Ministro, face a isto, responde aquilo que tive ocasião de citar: não há escutas telefónicas... Isto e uma manifestação de autismo!
Como é que podemos deixar de nos interessar por esta matéria, num momento em que a Assembleia da República discute precisamente a lux e as trevas, a abertura e o secretismo, o lugar do segredo e o lugar da transparência?! É isto que lemos de discutir, se queremos discutir alguma coisa! De contrário, fazemos como aquele papelinho cor-de-rosa que há pouco mostrei e que traça um retrato ideal da nossa Administração, como cheia de abertura, onde o Sr. Deputado Mário Raposo sabe tão bem que não há abertura, mas fechadura - e um fecho que dói aos cidadãos!
Por conseguinte, e preciso discutir em concreto, sendo que, para o fazer, é necessário discutir todas estas coisas, designadamente as instruções governamentais que tem fechado a Administração.
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Tudo isto para tirar a conclusão que, sem despique - esta é uma alusão a uma observação do Sr. Deputado Alberto Martins -, se tem de extrair a partir da Constituição. É verdade que o PCP foi o primeiro a apresentar um projecto, em lei ordinária, acerca desta maioria. Porém, também é verdade - Sr. Deputado Alberto Martins, tenha paciência, mas em matéria de padrões de descobrimentos e no resto é preciso ser rigoroso - que foi o PCP o primeiro partido a apresentar um projecto de revisão que colocava a questão da Administração aberta. Na verdade, fomos autores do projecto de lei de revisão constitucional n.º 2/V, enquanto VV. Ex.ªs o foram do n.º 3/V...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Não, o primeiro a falar da Administração aberta foi o cidadão Zenha!
O Orador: - Chegaram depois, paciência...
Mas isso não é grave, uma vez que colaborámos na revisão constitucional neste ponto para conseguir uma boa norma. Aliás, as respectivas actas revelam até que ponto essa colaboração foi e porque é que a norma não consente certas restrições que alguns opositores da Administração aberta agora gostariam de assumir. Por isso, ó que eu disse: quem perdeu que aceite honradamente a derrota...
Por exemplo, o Sr. Deputado Mário Raposo teve ocasião de fazer uma declaração de voto de vencido em que sublinhava que se tinha ido longe demais, que não se devia - aquele Ministro Fernando Nogueira ... - ter aceite essa norma no acordo de revisão constitucional e que a mesma fora um erro.
Meus senhores, quanto a nós foi excelente! O resultado foi positivo e há que acatá-lo! Na verdade, os senhores estão agora perante um direito fundamental, a Assembleia da República não pode restringi-lo de forma a atingir o seu conteúdo essencial e, por isso, é que temos a garantia constitucional de que venha a ser elaborada uma boa lei.
Além disso, acrescentava que gostaríamos que essa lei fosse elaborada pelo mais amplo consenso possível. Aliás, o nosso projecto é de uma extrema flexibilidade, sendo susceptível de ser aprovado por qualquer dos partidos com assento nesta Câmara. Pela nossa parte, não teremos nenhum preconceito em fazer outro tanto em relação às outras iniciativas.
O que nos parece fundamental é romper as amarras, clarificar, garantir que a transparência dó novos passos.
Sei que isso não se fará de hoje para amanhã. No entanto, hoje se abrirá o caminho para que se faça alguma coisa sólida amanhã. É esse o nosso voto!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Mário Raposo (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Pede a palavra para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de pedir a palavra para defender a minha honra, embora não esteja profundamente em causa a minha honra. Mas estará a figura regimental da defesa da honra.
Portanto, invoco essa figura ...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vou dar-lhe a palavra, embora ainda ontem lenha sido sugerido na conferência de líderes que eu perguntasse aos deputados quais as razões por que pediam a palavra e que, se as mesmas não fossem suficientes, eu próprio eliminasse essa possibilidade.
Ora, o Sr. Deputado acabou de confessar que não irá usar essa figura regimental, propriamente para os seus verdadeiros fins.
De qualquer modo, vou dar-lhe a palavra, mas invoco um aspecto pedagógico para que não utilizemos esse tipo de figuras quando não há razão para tal.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Presidente, devo esclarecer V. Ex.ª de que exerço o mandato de deputado há já alguns anos e de que terei utilizado esta figura regimental uma ou duas vezes.
Na realidade, não está, neste momento, em jogo uma grande honra - no fundo há as grandes e as pequenas honras. De qualquer modo, neste caso trata-se como de uma honra «intelectual».
Na verdade, fiz uma declaração de voto, mas não me opus à consagração constitucional do arquivo aberto, e o Sr. Deputado José Magalhães sabe isso perfeitamente.
Ao invés, e como já referi, sou, desde há muito tempo, um pregador - como diria António Sérgio - da Administração aberta, da defesa do cidadão contra os poderes, de uma mescla de Alain com Mounier, enfim, da defesa do pequeno cidadão contra o poder de rosto cinzento e não recortável, de rosto anónimo, e contra o qual não há defesa possível por parte daquele.
Por outro lado, entendo que só através de uma Administração aberta pode haver um verdadeiro debate público dos grandes problemas nacionais, os quais são, normalmente, escamoteados à discussão e ao conhecimento do público em geral. Consequentemente, fui sempre um defensor do arquivo aberto.
O que entendi foi que a formulação constitucional estava textualizada em termos demasiado amplos, o que poderia implicar, numa hermenêutica não excessiva, a sua aplicabilidade directa, caso fosse considerada um direito fundamental dos cidadãos por via da aplicação do artigo 48.º, n.º 2, da Constituição. Isto porque tal impediria a sua regulamentação e a tal Administração aberta tornar-se-ia, como há pouco referi, uma Administração escancarada, o que inviabilizaria, de imediato e totalmente, o funcionamento do sistema.
Aliás, o Sr. Deputado José Magalhães sabe perfeitamente que concordou, designadamente no seu muitíssimo bem elaborado parecer - não regateio elogios quando eles são devidos -, com a minha perspectiva.
Portanto, já há pouco o Sr. Deputado entendeu que eu eslava a misturar a questão das escutas telefónicas e o «sal e pimenta», quando, afinal, referi dois momentos da minha intervenção completamento diferentes. O Sr. Deputado meteu o sal fora da pimenta e a pimenta fora do sal, e realmente uma coisa não tem nada que ver com a outra.
Para que o Sr. Deputado fique bem esclarecido, queria apenas reiterar que sou um defensor do arquivo aberto.
Na verdade, fiz uma declaração de voto, não me guardando para uma crítica nos bastidores ou nos corredores. Com efeito, fi-la em sede da própria revisão constitucional e inserida no Diário da Assembleia da República, dando a motivação que, aliás, o Sr. Deputado José Magalhães reproduziu no seu parecer.
Por conseguinte, gostaria que isto ficasse bem precisado. E embora não considere que isto seja a defesa
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da honra no sentido essencial da palavra, é, pelo menos, a daquela honra intelectual que temos também o direito de ter.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Mário Raposo, em momento algum inculquei que V. Ex.ª tivesse dito o contrário do que acaba de dizer in extenso. Aliás, até tive o cuidado de quase citar literalmente aquilo que agora vou citar literalmente.
É que V. Ex.ª, no Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.º 89, a p. 4448, em declaração de voto (aquela a que acaba de aludir) diz ipsis verbis: «Só que o n.º 2, proposto pela CERC e que fez vencimento, parece ir, descuidadamente (na forma),» - garanto-lhe que não foi nada descuidadamente, pois está pensado ao milímetro... - «parece ir longe demais, permitindo a perspectivação de distorções da excelente intencionalidade que lhe está subjacente. Com um salto de Gulliver, passou-se do zero para o infinito. E criou-se um preceito que, vistas bem as coisas, e embora dotado de força jurídica directa (n.º 1 do artigo 18.º),» - não sou eu que o digo, é V. Ex.ª - «estará (o futuro o dirá ) 'condenado' a ser fonte ou de resistência ou de perturbações.»
Depois, obviamente, continua ao longo de página e meia, pelo que não tenho agora tempo para continuar a fazer a leitura. Apenas gostaria de sublinhar...
O Sr. Mário Raposo (PSD): - O Sr. Deputado não referiu a necessidade que invoquei de regulamentação!
O Orador: - Ah!, obviamente que, em alguns dos parágrafos seguintes, o Sr. Deputado dá um código de boa conduta para a regulamentação deste preceito. O que sucede é que esse código de boa conduta está dependente da Constituição.
Portanto, tratando-se, como se traia, de um específico e abertíssimo direito constitucional e direito fundamental com essa natureza precisa, só a Assembleia da República pode regulamentar tal matéria, não podendo a questão ser devolvida ao Governo e este não a pode resolver, designadamente através de instruções aprovadas por resolução do Conselho do Ministros, pois são pura e simplesmente inconstitucionais.
Por outro lado, a restrição a fazer sobre o direito tem de obedecer às regras e parâmetros do artigo 18.º da Constituição, só podendo fazer-se na estrita medida e dentro dos estritos condicionalismos que a Constituição prevê.
Srs. Deputados do PSD, é isto que advertimos que tem de ser tido em conta, porque foi esta a solução constitucional e não outra! Os senhores não podem ler a revisão constitucional por metade, encarando-a como uma espécie de gelado bicolor, em que comem a parte de que gostam e não comem a parte de que não gastam! A Constituição é um todo e tem que a cumprir! Para além disso, há, nesta matéria, garantias constitucionais específicas que apontam para o seu cumprimento!
Em relação ao John Le Carré e ao «sal e pimenta», gostaria só de dizer que aludi a um facto grave a que o Sr. Deputado Mário Raposo, que foi ministro da justiça, não pode ser insensível. Pois se aparecem projectos que pretendem que a Polícia Judiciária tenha agentes secretos pagos por dinheiros públicos, de identidades desconhecidas e sem fiscalização pela Procuradoria-Geral da República, isto é, A Casa da Rússia, nome do famoso romance, no Conde Redondo, não pode ser!... Isso é um sistema de espionagem aplicado à segurança interna, são undercover agents aplicados a uma situação de segurança interna, o que é preocupante em termos de construção do Estado de direito democrático.
Portanto, isto é uma coisa para citar, denunciar e discutir aqui. Mas se V. Ex.ª quer fugir à discussão, então «muito boa tarde!», está no seu direito pleno, mas nós registamos as consequências.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS deu o apoio a iniciativa que tem em vista a definição do arquivo aberto, pois julgamos que ela é oportuna. De facto, será bem-vindo o esforço que a Câmara terá de fazer para, através da conjugação dos projectos apresentados, apresentar uma solução que corresponda ao interesse do País.
No entanto, falta referir um aspecto importante que é o segredo de Estado, que está empobrecido, porque o Governo ainda não apresentou aqui uma proposta de lei que, aliás, já foi anunciada por várias vexes.
Contudo, penso que a Câmara não tem de esperar pelas propostas do Governo, por isso entendi que tínhamos de discutir este problema. E porquê? Porque o segredo de Estado é uma excepção na vida dos países e ele está a ser invocado, em Portugal, na Administração Pública, como se houvesse uma lei que o autorizasse, e não há!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Por consequência, o segredo de Estado precisa de ser regulamentado.
Considero, pois, que este assunto é fundamental para o interesse público, pelo que, insisto, deve ser apreciado.
Num Estado de direito o segredo de Estado é, por princípio, uma excepção c,, por isso, deve existir um regime legal que defina as circunstâncias em que pode ser utilizado. Esta questão de princípio não pode levar a esconder que, ao mesmo tempo, a clandestinidade do Estado se tornou numa característica dos poderes com peso na hierarquia das potências, algumas destas reclamando-se de serem o paradigma dos Estados democráticos. Os estados directores de ambos os blocos militares que partilharam a regência mundial neste último meio século, sustentam, cada um deles, uma frente de acção clandestina à dimensão do globo, que, de vez em quando, se deixa descobrir em abusos contra a legalidade interna e internacional.
O autorizado Schlesinger adianta a hipótese de que o Presidente Nixon foi levado a exceder internamente os seus poderes, contra os seus adversários, por impulso derivado do exercício clandestino que lhe era consentido na política internacional. Talvez seja razoável entender que a divisão de poderes do Estado racional normativo também diferenciou o problema do segredo de Estado, que era unitário no velho regime, pelo legislativo, judicial e executivo.
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No que respeita ao legislativo, a estrita legalidade e a pré-definição jurídica afastaram, de direito, as leis secretas que tinham o seu equivalente jurídico-político nas leis mentais e na regra de que o príncipe tinha o poder de dispensar a lei. Mas a Europa voltaria a conhecer as leis secretas no regime nazi e, às vezes, ao menos no domínio fiscal, dá a impressão de que o amontoado de instruções, circulares, despachos e interpretações suo muito o equivalente das leis secretas, porque raros conseguirão guiar-se naquele emaranhado.
No domínio do judicial, o segredo revestiria uma forma acabada e acatada no Ocidente com o nome de segredo de justiça. Regimes totalitários viriam a ressuscitar os processos secretos que frustraram as finalidades do segredo judiciário e as garantias do contraditório e da publicidade do julgamento.
A questão foi sempre mais difícil com o executivo porque, como disse Alexandre Hamilton, «energia no executivo é a característica principal de um bom Governo» e, com esta autoridade, as grandes democracias da frente marítima ocidental não dispensaram os serviços secretos, a clandestinidade do Estado e o segredo de Estado. Nisto coincidiram os Estados Unidos da América, a Inglaterra, a França, as forças armadas que receberam a lição de Frederico da Prússia e de Bismark e os estadistas que a receberam de Richelieu e de Maria de Medícis.
O Pacto da Sociedade das Nações condenou o secretismo na vida internacional, a Carta da ONU procedeu de igual modo, mas a prática não abrandou, antes se alargou com os problemas do secretismo nas áreas da investigação científica fundamental, da tecnologia e das patentes industriais.
Nem todos os Estados tom razões para se preocuparem com esta última área, mas os centros dominantes precisam de responder a este novo desafio. Todavia, mesmo os Estados dependentes nesta área, obrigados a acolherem-se à organização de grandes espaços ou à invasão das multinacionais, mio escapam a um fenómeno que se intensificou com a crescente internacionalização e dependências mundiais: é o problema das fidelidades múltiplas.
Na vida interna não pode ignorar-se que essa questão existe, levando a conflitos entre as fidelidades ao Estado, ao governo, ao partido, à liderança, à instituição profissional. Mas a gravidade crescente reside nas fidelidades múltiplas relacionadas com a integração internacional e transnacional. A pertença a vários grandes esforços, económicos, políticos, militares, as relações de serviço, a fidelidade a organizações transnacionais políticas ou confessionais, obrigam os Estados a procurarem defender-se com o segredo.
Mas acontece que o saber secreto é, um adicional considerável do poder político, que o controlo da legalidade desaparece ao menos no período útil, que a degenerescência do Estado é uma real ameaça. Os Estados Unidos da América abundam em conflitos desta natureza, umas vezes no percurso dos seus instrumentos de internacionalização da vida privada, outras vezes, o que é mais grave, no exercício das competências públicas.
Com isto mio se encontra conclusão mais tranquilizadora nos autores do que a de dizer que apenas uma sólida moral de responsabilidade dos titulares do poder político é remédio contra o abuso do saber secreto, contra a violação da legalidade, contra a degenerescência do Estado.
Posto isto, sugerimos os seguintes pontos de referência para uma discussão: o regime de segredo de Estado não implica, por si mesmo, qualquer desvio do princípio da estrita legalidade na marcha do Governo e da Administração, pois, limitando o acesso ao conhecimento dos factos e dos processos, condiciona negativamente as intervenções fiscalizadoras e correctoras dos órgãos aos quais compete, legal e politicamente, esta função.
A internacionalização e interdependência crescente dos Estados também implicam que a variável da política internacional se desenvolva, com maior intensidade que anteriormente, no sentido de desenvolver o secretismo da acção do poder político nesse domínio.
O mesmo se verifica no âmbito da defesa, domínio tradicional do secretismo do Estado, quer pela paz ambígua da situação internacional quer em resultado do método da defesa organizada em blocos permanentes que não consentem, por natureza, uma publicidade aberta dos seus objectivos e procedimentos.
Os mesmos fenómenos de internacionalização e interdependência, também evidentes entre as formações políticas e as organizações da sociedade civil, tornaram excepcionalmente relevante, sobretudo nas sociedades industrializadas, afluentes e de consumo, o fenómeno das fidelidades múltiplas, que, frequentemente, afecta a eficácia do executivo nos domínios da defesa e da alta tecnologia.
A experiência das democracias estabilizadas ocidentais, servindo de exemplo os Estados Unidos da América, mostra que, mantendo-se embora a definição formal constitucional, o equilíbrio dos poderes é afectado por aqueles factores e pelo secretismo consequente, permitindo a clandestinidade do Estado e o desvio eventual da legalidade, porque o saber secreto é uma componente importante do poder político.
A degenerescência do poder, esse vício de que Aristóteles não excluía nenhum regime, é favorecida pelo secretismo, e princípios fundamentais, como a estrita legalidade, o equilíbrio dos poderes e a salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias, perigam, eventualmente.
Uma lei que regule o segredo de Estado é necessária, mas nada substitui o sentido da responsabilidade e a vinculação à moral de responsabilidade dos detentores do poder.
No nosso entendimento, na falta de uma lei que regule o segredo de Estado, o Estado português não tem o poder de usar esse regime, que é uma excepção à regra da Administração e da gestão política abertas.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Parece que entre nós está a passar-se exactamente o contrário e que o Estado julga poder reservar qualquer maioria, tomando público apenas aquilo que lhe parece. Por isso, deveria ficar claro, neste debate, que não existe incriminação por violação do segredo de Estado neste país enquanto não houver uma lei que permita ao Estado estabelecer esse regime de excepção.
Quanto a este aspecto, há a notar o seguinte: em primeiro lugar, a simples falta de informação sobre os negócios correntes e que é devida ao eleitorado e aos legais representantes tende para tomar inseguros e não realistas os seus juízos e decisões; em segundo lugar, favorece o aparecimento do poder que resulta do saber secreto, o qual é favorecido pelos gabinetes restritos, pela falta de actas dos órgãos políticos, pela simplificação do
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poder normativo do executivo; em terceiro lugar, a liberdade de escolha pelo Executivo das perguntas as quais deve responder aos parlamentares define um secretismo sem regras, pondo de lado as regulamentações derivadas das obrigações militares internacionais, domínio este onde as regras não são ditadas pela soberania isolada.
O nosso projecto é extremamente restritivo, porque apenas permite usar o segredo de Estado para dossiers individualizados para servir de base a um acto de inteligência, administrativo, político, com fundamentos por tempo determinado e responsabilidade de um agente político. Para além disso consagra apenas o secretismo, eventualmente necessário, de arquivos, como é da tradição, e talvez venha a ser útil se houver alteração do quadro das altas autoridades.
Em suma, nas condições actuais do regime não é fácil encarar com realismo que seja aprovada solução muito diferente, e talvez nem esta, o que entretanto se verá.
Aplausos do CDS, do PSD, do PS, do PCP e do deputado independente Raul Castro.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Deputado Adriano Moreira, como é do seu conhecimento, o projecto de lei n.º 65/V - Lei do segredo de Estado -, apresentado pelo CDS, já foi objecto de discussão na generalidade, em 6 de Julho de 1988, embora não tenha sido objecto de votação, tendo baixado às Comissões de Defesa Nacional e Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para ser discutido antes da votação.
Em primeiro lugar, gostaria de saber se esta questão foi ou não objecto de nova apreciação - penso que não! -, e sublinho o facto de já terem passado cerca de dois anos após a sua apresentação em Plenário. Aliás, recordo, já nessa altura foi invocado o facto de o Governo não ter apresentado aqui uma proposta de lei relativamente a matéria tão importante como esta.
Por outro lado, e evidente que este compasso de espera, perdoe-se-me a expressão, teve a vantagem de responder a uma outra questão que está subjacente à discussão deste mesmo diploma - e que, aliás, foi equacionada na altura da discussão -, que tem a ver com o acesso a informação, nomeadamente no que diz respeito à garantia de acesso dos cidadãos aos documentos da Administração, maioria sobre a qual temos hoje aqui para apreciação vários projectos de lei.
As críticas que então foram feitas, em especial pelo meu companheiro de bancada Galvão Teles - e gostaria de sublinhar que as críticas foram de alguma contundência -, justificavam-se, na altura, e justificam-se hoje, embora num quadro diferente, uma vez que agora estão em discussão outros diplomas. De qualquer forma, relativamente a este diploma permanecem algumas das dúvidas então suscitadas.
Penso que a intervenção do Sr. Deputado Adriano Moreira esclarece algumas das dúvidas suscitadas por este diploma. No entanto, permanecem outras, já na altura colocadas, que gostaria de ver esclarecidas.
Quais os limites na definição do segredo de Estado, ou melhor, quais os interesses públicos susceptíveis de fundamentaram o segredo de Estado? Há neste momento, depois deste tempo de espera, novas respostas para as interrogações que na altura se colocaram, como, por exemplo, quanto à natureza dos interesses do Estado a salvaguardar, quanto à matéria sobre a qual o regime do segredo de Estado pode incidir, quanto à salvaguarda dos direitos fundamentais?
Obviamente que isto não põe em causa a necessidade de uma lei do segredo de Estado, que, do nosso ponto de vista, também e muito importante, na medida em que a actual situação, conforme o Sr. Deputado Adriano Moreira acabou de referir na sua intervenção, em que tudo é ou pode ser segredo de Estado, sem qualquer critério, tem de ser rapidamente alterada.
O problema fundamental é sempre o mesmo, isto é, saber quais são os limites até onde vai a possibilidade do acesso e até onde pode ir a proibição. Isto acontece, nomeadamente, em situações de fronteira, que é o caso onde conflituam dois ou mais direitos e interesses constitucionalmente estabelecidos.
Para o PRD, passados que são cerca de dois anos após a apresentação deste projecto de lei, era importante saber se o CDS tem ou não resposta para estas questões - que, no nosso entender, são importantes - ou se espera que agora, em paralelo com os demais projectos apresentados, que tratam do inverso desta matéria, seja possível encontrar em comissão as respostas adequadas, que, repito, não são fáceis. Diria mesmo que este é um daqueles casos em que é mais fácil dizer aquilo que está mal do que encontrar as soluções perfeitas ou adequadas, reconhecendo, desde já, que é importante encontrar respostas para as questões que então e agora levantamos.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Deputado Marques Júnior, tenho todo o prazer em responder as suas perguntas, que considero pertinentes.
Em primeiro lugar, quero dizer que não basta notar que já passaram cerca de dois anos sobre a apresentação deste projecto de lei; é preciso é admirarmo-nos que o Estado tenha podido viver durante esses dois anos sem se inquietar com a definição do segredo de Estado.
Ora, no meu entender, isto acontece porque o Estado se sente suficientemente abrigado no arbítrio com que define segredo de Estado, sem lei que o autorize a fazê-lo. Por isso, sustento que a incriminação de segredo de Estado que existe no Código Penal português não é aplicável porque não há nenhuma lei que autorize a Administração a declarar o segredo de Estado. Julgo que esta situação não é aceitável para nenhum Estado e todos têm de ter uma definição deste regime.
Recordo-me das observações que, aquando da apresentação deste projecto de lei, foram feitas pelo Sr. Dr. Galvão Teles, mas, tal como na altura referi - e disse-o a ele próprio -, penso que ele leu muito apressadamente a matéria do projecto, razão pela qual, no seu entender, grande parte do que nele estava contido tinha ficado no regime de segredo de Estado - isto porque, repito, ele não tinha lido com atenção todas as disposições e a estrutura do diploma.
Julgo que no contexto actual a questão está muitíssimo mais clara, porque os projectos de lei agora apresentados sobre a transparência da Administração dos arquivos abertos, tornam muito mais claro o significado da lei do
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segredo de Estado, porque esta é a excepção, para que, legitimamente, o poder legislativo autorize o executivo a usá-lo em casos que tem de ser de interesse nacional.
Agora surge o problema técnico e difícil que é o de definir esse interesse. Devo dizer-lhe que vi com bastante cuidado, na altura, o que se passava nos países para os quais este problema tem maior acuidade, porque, naturalmente, são os que tem maiores responsabilidades internacionais. Por exemplo, o caso doa Estados Unidos da América ou da discreta Inglaterra, de cujos serviços pouco se fala.
Ora bem, os remédios para o abuso do poder secreto que resulta do segredo de Estado resumem-se todos nesta afirmação dos autores: apenas a moral de responsabilidade dos indivíduos que exercem o poder político é garantia contra o abuso do poder de segredo na Administração Publica. E os Estados Unidos tem uma grande experiência neste domínio, pois, como sabe, são constantemente afectados pela descoberta do abuso do poder secreto do Presidente da República. Apesar disso, não modificam a legislação, porque não se encontra maneira legal de suprir o arbítrio que pode nascer da falta de moral de responsabilidade do responsável pelo poder político.
O remédio que se pode dar é definir áreas. É a tentação imediata na área da defesa. Não sei se seria exagerado em Portugal dizer «na área de investigação fundamental e da alta tecnologia», mas porque não, para ficar o panorama mais composto. Contudo, isso não resolve o problema. Dentro de cada uma dessas áreas, não podemos consentir que toda a matéria seja secreta, é sempre precisa a identificação.
Por isso nós, com simplicidade e na ideia de que isto é uma limitação excepcional à Administração aberta, aquilo que pedimos foi que isso só fosse possível caso por caso - é o dossier de formação de uma decisão. Tem de haver um responsável político que assuma a declaração do segredo de Estado e que tem de dizer por que razões e por quanto tempo para que nós, oportunamente, possamos fiscalizar a legalidade.
Porque o segredo de Estado não dispensa da legalidade e o perigo que queremos evitar é que esse segredo possa cobrir o desvio da legalidade. Essas são as intenções simples de um projecto simples pura um problema que não pode ser adiado.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares (Carlos Encarnação): - Sr. Presidente Srs. Deputados: Seja-me permitido fazer um breve intróito, ou seja, quase uma dedicatória àquilo que foi dito pelo Sr. Deputado José Magalhães. Porque, muito consternados, ficámos hoje a saber que o Sr. Deputado José Magalhães e muitos jornais, lê ainda mais livros de espionagem, está sempre de ouvido atento a toda e qualquer escuta e é incomodado pelo silêncio. Ficámos a saber que o Sr. Deputado José Magalhães sofre e sofre principalmente porque o Sr. Primeiro-Ministro não liga a boatos, porque o País não está preocupado com aquilo que o Sr. Deputado José Magalhães se preocupa e que o País não acompanha a sua preocupação.
Gostaria agora de passar ao assunto de que nos deveríamos ocupar hoje e não destas pequenas minudências que, pelos vistos, preocupam mais o Sr. Deputado José Magalhães do que estes mesmos assuntos.
Ninguém ignorará, por certo, que o crescimento do Estado e a expansão indiscriminada das suas actividades produziram a própria crise da Administração Pública. E também não causará nenhuma polémica a afirmação de que a vertigem do gigantismo desse mesmo Estado proporcionou uma espiral de novos serviços públicos para satisfazer as necessidades de outros serviços públicos. Daí a sensação natural e normal de grande incomodidade para o cidadão.
O cidadão sentiu, na transição do século passado para o actual, uma invasão dos seus direitos desproporcionada em relação às utilidades fruídas. E as novas correntes do pensamento administrativo formularam e transmitiram novas exigências comuns.
A elas e à sua aceitação não é indiferente o tipo de sociedade em que nos é permitido viver. Não foram as sociedades tidas por mais revolucionárias que se aproximaram dos cidadãos. Por isso ficaram com o estigma do conservantismo. Foram e são as sociedades abertas que conseguiram gerar as reformas necessárias. Por isso, também, ficaram e ficam com o benefício da invenção dos novos direitos do cidadão. E é neste quadro de evolução das sociedades abertas, hoje irrecusavelmente contagiante para as sociedades em mutação, que nos é particularmente grato analisar o fenómeno da modificação da Administração.
Modernização é hoje a palavra de ordem. Isto significa não só o romper com a tradição da burocracia em excesso mas também introduzir a alteração do seu perfil, acentuando o apelo aos valores de gestão, de personalização das relações, de avaliação dos resultados. A Administração é obrigada a ter outro comportamento e a falar outra linguagem com o administrado.
Daí que para a construção de um entendimento novo, sadio e útil se torne cada vez mais urgente modificar as regras, actualizar os procedimentos, repensar a repartição dos deveres e dos direitos.
E a relação entre a Administração Pública e o administrado não deve ser só mais expedita e fácil como é imperioso que seja ainda mais justa, aberta, equilibrada e transparente.
Não fomos imunes, enquanto País, ao crescimento do Estado e ao fechamento da burocracia. Houve mesmo alguns partidos políticos que se especializaram na sua prática e tem disso abundantes provas dadas. E foi particularmente penoso evoluir num processo através do qual os novos direitos do cidadão representavam uma nova fonte de conflito com a tradição estabelecida.
Os sociais-democratas portugueses assumiram sempre, neste particular também, uma postura de apoio à modernidade e à reforma das mentalidades e dos métodos.
Como seria normal, porém, com prudência e equilíbrio, porque as soluções legislativas adoptadas num Estado de direito democrático são sempre resultantes de um compromisso entre valores como os da justiça, imparcialidade e eficiência, por um lado, e os da informação, da participação, do controlo democrático directo e da protecção jurídica dos interessados, por outro.
E é fácil e oportuno fazer aqui apelo a algumas afirmações contidas no Programa deste Governo, aprovado pela Assembleia em 1987, para documentar três preocupações essenciais a conseguir.
A melhoria do papel e função do Estado junto do cidadão, o reforço das garantias dos administrados, a facilitação do acesso aos documentos administrativos.
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Em suma, o que o Governo quer conseguir e afirma como propósito essencial do programa de actividades da Secretaria de Estado da Modernização Administrativa é a realização da Administração aberta, ou Administração dos cidadãos.
Destes princípios fluiu necessariamente a atitude dos deputados do PSD na revisão constitucional.
Se como dizia Braibant, não é todos os dias que se inventam direitos do homem e é preciso saudar a aparição de novos direitos que se ligam à ideia de informação, não é igualmente usual a oportunidade de trabalhar na sua consagração prática.
E a Constituição da República Portuguesa viu acolhidos vários e importantes benefícios, quer através das novas redacções dos artigos 268.º e 35.º, quer através da manutenção e precisão de outros normativos.
Foi, por exemplo, o direito de saber completado com a consagração do direito de acesso. Mas é sobretudo o conjunto das disposições e o seu efeito conjugado que é particularmente enriquecedor e coloca novos desafios ao nível da legislação ordinária.
As modificações impõem a produção de vários diplomas. Há, neste domínio, duas formas de encarar os procedimentos a seguir.
Ou se opta pela tentativa de ultrapassar problemas de consciência (principalmente da má consciência de quem pouco ou nada fez) e se produzem projectos de diplomas esparsos e apressados ou se escolhe, tendo em especial conta a dignidade e a seriedade das matérias em causa, um método de abordagem globalizante e acertada no tempo.
Por nós preferimos decididamente este segundo caminho.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - A intervenção prova o contrário!
O Orador: - E é por isso mesmo que nos recusamos a entrar em qualquer tipo de competição do tipo de corrida para a produção legislativa.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Má desculpa!
O Orador: - No nosso próprio calendário, que não é necessariamente o tempo de afirmação dos outros e que não tem nada a ver com a angústia da procura dos novos campos abertos à afirmação do socialismo, encaremos as soluções diversas.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É como a remodelação!
O Orador: - Esta matéria do acesso aos arquivos e documentos administrativos não pode deixar de ser regulada em conjugação com outros diplomas que terão por objecto, designadamente a protecção de dados pessoais, o segredo de Estado e a segurança de matérias classificadas, a classificação de documentos administrativos, o procedimento administrativo, o contencioso administrativo e o direito de petição.
E é este acervo de diplomas, cuja produção a realizar de forma partilhada entre o Governo e a sua maioria parlamentar, que gostaríamos de anunciar como um todo.
O Sr. José Magalhães (PCP):- Ah!...
O Orador: - Deste conjunto já deram entrada nesta Assembleia duas das suas peças e é precisamente no momento em que se inicia a discussão da primeira de entre elas que entendemos dever dar conhecimento daquela nossa intenção.
O Sr. José Magalhães (PCP): - A primeira com um atraso fabuloso!
O Orador: - Uma renovação legislativa desta densidade e natureza só pode ser bem sucedida se profundamente pensada, discutida e analisada.
E, apesar das várias tentativas das oposições, esta nossa visão globalizante da reforma da Administração, da salvaguarda dos direitos da intimidade dos administrados e do respeito pelas razões de segurança é a única que se apresenta com coerência e equilíbrio. Só a produção deste conjunto de diplomas legislativos permitirá organizadamente atingir os objectivos em jogo.
No fundo, o que pretendemos alterar toma como pontos essenciais cinco grupos de exigências directamente dirigidas ao procedimento administrativo: a disciplina e a organização da Administração Pública na intenção de racionalização da actividade dos serviços; a regulação da formação da vontade da Administração na intenção da decisão legal, útil e oportuna; a garantia de informação dos interessados e da sua participação na formação das decisões que lhes digam directamente respeito; a salvaguarda da transparência da acção administrativa e o respeito pelos direitos e interesses legítimos dos cidadãos; o evitar a burocratização e o promover a aproximação dos serviços públicos aos administrados.
Acrescentamos, pois, à reforma da dimensão do Estado os ingredientes indispensáveis à existência do melhor Estado, certos de que, com estas medidas, anunciamos a construção exigente e continuada de um País diferente, de um País conquistado pura os direitos dos cidadãos.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Não façam promessas que depois não cumprem!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados José Magalhães, Alberto Martins e Adriano Moreira.
Para esse eleito, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, que não dispõe de tempo mas que julgo irá utilizar tempo cedido pelos Verdes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, não gostaria de usar do tempo dos Verdes, pois quero contestar, nos termos e pela forma regimentalmente correcta, as observações iniciais do Sr. Secretário de Estado, isto é, aquele pequeno intróito com que o Sr. Secretário de Estado abriu a sua intervenção sobre as questões de fundo.
Quanto as questões de fundo não disponho de tempo para fazer perguntas, mas quanto ao intróito, sem dúvida.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de fazer um comentário adicional, julgo que todos gostamos de saber qual é a nossa vida e prepararmo-nos.
Por isso, informo os Srs. Deputados que hoje não haverá votações, pelo que a sessão terminará com o debate deste conjunto de diplomas. Amanhã não há
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reunião plenária. Na segunda-feira há uma reunião solene, que está marcada para as 16 horas e 45 minutos, mas, precisamente pela sua natureza, pedia aos Srs. Deputados que estivessem presentes na Sala uns momentos antes, ou seja, os tradicionais 15 minutos para nos podermos arrumar e para que a sessão corra no devido tempo.
Quanto ao pedido de palavra do Sr. Deputado José Magalhães, quero dizer-lhe que V. Ex.ª usou uma pere-frase para solicitar o exercício do direito de defesa da honra ou da consideraçâo. Não posso, pois, deixar de dizer a mesma coisa que disse há pouco ao Sr. Deputado Mário Raposo. Efectivamente, o Sr. Deputado José Magalhães foi citado, mas, em meu entender, não foi ofendido.
Apesar de tudo, dou-lhe a palavra, mas não deixo de chamar a atenção da Câmara, mais uma vez, para nos irmos, quanto mais não seja gradualmente, cingindo as disposições regimentais.
Como a defesa da honra tem precedência, para esse efeito, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, pedi a palavra pura esclarecer a questão do tempo do Partido Os Verdes.
Assim, quero dizer que Os Verdes são autores de um projecto de lei e utilizarão o tempo de que dispõem para a sua defesa, no entanto, cedemos dois minutos ao Sr. Deputado Adriano Moreira em nome do interesse que, prevemos, irá ter a sua intervenção e caso sobre ainda algum tempo cedê-lo-emos, pelo mesmo motivo, ao Sr. Deputado Mário Raposo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: ía V. Ex.ª veloz, deslizando sobre uma graça quando se estatelou!... Creio, no entanto, que não foi por acaso, mas sim porque V. Ex.ª estava a fazer graça com uma coisa extremamente séria.
É estranhíssimo que, lendo eu dito o que disse do alto da tribuna sobre matérias que não são propriamente para fazer sorrir criancinhas, V. Ex.ª tenha entendido transformar isso, não em motivo de explicação, mas em motivo de chalaça.
E chalaça com coisas extremamente curiosas. Primeiro: eu, enquanto deputado, leio os jornais. Confesso isso. Leio, e bastantes! Sei que o Sr. Primeiro-Ministro não autoriza os Ministros a fazê-lo e portanto V. Ex.ª só às escondidas na casa de banho é que lê os jornais, e não diz a ninguém. Sei disso, mas eu não estou subordinado a essa lei dura e fera. Nós não estamos, e, portanto, leio. E o que é que leio? Leio que ministros do seu partido e notáveis governantes, que não um deputado citado que já se descitou, acusam entidade obscura de os escutar. O que é que faço? Meto o jornal dentro da pasta e digo: tretas! boatos! Se o Primeiro-Ministro não se preocupa, por que me hei-de preocupar eu, que sou um simples deputado!... Não posso fazer isso, Sr. Deputado. Creio que o Governo faz mal ao assumir esta posição.
Está V. Ex.ª preocupado porque eu sofro. Sofro, e creio que devemos todos sofrer, porque é inconcebível que, correndo isto as bocas do mundo, o Gabinete do Sr. Primeiro-Ministro responda tão-só: «Não temos conhecimento de que haja escutas telefónicas.» - e acho que isto dito em voz de robot ainda deve ser mais impressionante. Só que o problema é que nós também escutamos o que se diz por aí e não podemos ser insensíveis e dizer que são meros boatos!
Sr. Secretário de Estado, nesta matéria é preciso ter cuidado. VV. Ex.ªs tem uma noção sui generis de boato: a remodelação era um boato execrável em Novembro; era um boato abjecto em Dezembro; era um boato incrível ainda em Janeiro; era milimetricamente pensado, ao segundo, quando o Primeiro-Ministro a anunciou com o resultado «catrapum» que se sabe.
Portanto as inquietações de VV. Ex.ªs não são propriamente o barómetro. E eu devo dizer que, portanto, a piada de V. Ex.ª tem pouca piada. E o que teria piada era que V. Ex.ª dissesse: estamos de acordo com a vossa proposta e os ministros A, B e C comparecerão junto da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para tirarem tudo isto a limpo.
E quanto a essa declaração, feita por um jornal, de que Portugal é um país indefeso e que qualquer tipo metido numa carrinha escuta o que se diz no Gabinete do Sr. Primeiro-Ministro - que horror,... pense V. Ex.ª como isto é grave, porque ainda por cima pode ser uma potência externa ou um serviço privado,... sabe-se lá quem pode ser -, se alguém afirma isto, repito, VV. Ex.ªs deveriam dizer esclareça-se, apure-se cabalmente, garanta-se a segurança externa e interna como a Constituição manda! Isto seria uma coisa incontraditável, mas VV. Ex.ªs não só não fazem isso, como, ainda por cima, escolhem o caminho da chalaça!
Sr. Secretário de Estado, tal como V. Ex.ª se estatelou aqui, o Governo arrisca-se a estatelar-se ali. Só que aí é grave porque estará envolvido o prestígio do Estado Português, e era isso que nós não quereríamos e daí as nossas propostas, que estão de pé, cabendo a VV. Ex.ªs rirem-se ou aceitarem-nas. Devo dizer que, por nós, preferiríamos que aceitassem.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Secretário de Estado-Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Deputado José Magalhães, com muito gosto lhe dou explicações porque me permitem esclarecer uma questão: eu não estava a fazer graça!
O Sr. José Magalhães (PCP): -Ah, não?!...
O Orador: - Não, V. Ex.ª fez uma tentativa, porventura inteligente, de aproveitar as minhas afirmações e dizer que eu estava a fazer graça, mas, de facto, não estava.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Era humor britânico!
O Orador: - Eu estava era profundamente preocupado com o seu estado de alma.
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O Sr. José Magalhães (PCP): -Ah!...
O Orador: - Era com isso que eu estava preocupado, mas isso também é natural. Pois V. Ex.ª não tem tido, nos últimos tempos, tantos dissabores na sua vida e no seu partido? Pois V. Ex.ª não nasceu já preocupado? Não está preocupado? Não há-de continuar preocupado? V. Ex.ª não estará preocupado, dentro do seu partido, com as escutas que há, sendo o seu partido - o tal das paredes de vidro - aquele de onde V. Ex.ª teve de sair...
O Sr. José Magalhães (PCP):- Sair?!
O Orador: -... ou quase sair para fazer uma coisa qualquer chamada o INES? É com estes assuntos sérios que nós estamos preocupados.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Tão fraquinho, tão fraquinho!
O Orador: - Agora com notícias de jornais, ainda por cima não confirmadas, que não nos dizem nada, com isso, devo dizer que, de facto, não estamos preocupados!
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Tão rasteirinho!...
O Orador: - E também não estamos preocupados com a sua inimaginável preocupação
O Sr. José Magalhães (PCP): - Dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Deixe-me concluir o meu raciocínio.
E não estamos mais preocupados porque, ao fim e ao cabo, o Sr. Deputado, se calhar, também é capaz, de ser um crítico, mas um crítico acerbo do seu secretário-geral, que disse coisas muito mais graves e V. Ex.ª, nessa altura, não se incomodou. O seu secretário-geral deu a entender que as modificações no Leste não passavam de boatos, que a crise dos partidos comunistas não passava de boato e V. Ex.ª não se incomodou com isso, ou incomodou?
Pode interromper-me agora, se faz favor.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Interrompo, sim, Sr. Secretário de Estado.
O discurso de V. Ex.ª é verdadeiramente típico do famoso sujeito, o tal filósofo, a quem se perguntava: chove, pá? E ele dizia: há gabardinas e guarda-chuvas no bengaleiro. Isto é, não há relação nenhuma entre a problemática que nós colocámos e a questão que V. Ex.ª está a levantar. Por isso, perguntei: VV. Ex.ªs estão disponíveis para indagar, para investigar as alegadas actividades que colocam em risco a segurança do Estado Português e que permitem que altas personagens, como o Primeiro-Ministro e o Presidente da República, sejam objecto de escutas electrónicas? Estão VV. Ex.ªs dispostos a apurar se o Ministro X ou Y, que se queixa de ser perseguido pedestremente, o é ou não, e por quem? E V. Ex.ª respondeu-me: porque «patati»..., o Sr. Deputado tem o problema tal... - e não sabe os problemas que tenho em minha casa, porque, se soubesse, imagino o que diria...
Risos.
O Orador: - Ainda bem! Ainda bem!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Até receei que V. Ex.ª me aconselhasse alguma coisa de drástico.
O Orador: - Ainda bem que fala nisso, porque eu já tinha compreendido!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas isso é desconversa! Isso é conversa de bengaleiro. Se V. Ex.ª quer ir conversar para o bengaleiro, nós saímos os dois, vamos conversar para o bengaleiro e quando acabarmos voltamos e discutimos então os diplomas que estilo hoje em apreciação. Está bem?
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Mas sem bengaladas!
O Orador: - Se V. Ex.º permitir que eu o interrompa ...
Risos do PSD.
... foi aquilo que V. Ex.ª me fez, acrescentaria que já tinha percebido que o Sr. Deputado andava com outros problemas, problemas domésticos a este nível, ao nível do seu próprio partido. E esses problemas domésticos causam-lhe uma psicose de dominação e de perseguição tais...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não é ao Dr. Dias Loureiro?
O Orador: -... que o fazem transportar os seus próprios problemas para os que suo de outrem, da sociedade, e, então, resolve dizer que toda a gente anda preocupadíssima com aquilo que preocupa V. Ex.ª Se eu estivesse na sua situação, provavelmente também estaria. Se eu tivesse que discutir os problemas do meu partido numa agremiação paralela, também estaria, mas na verdade não estou.
V. Ex.ª o que tem aqui. nesta Assembleia, é uma Comissão que está a fazer investigação aturada.
O Sr. José Magalhães (PCP):- Não está!
O Orador: - Está a fazer...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não está!
O Orador: -... e tem objecto para fazer isso.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não reuniu!
O Orador: - No entanto, V. Ex.ª vem para aqui e acusa-me de estar a fazer chalaça quando estamos a tratar de um assunto sério. E vem V. Ex.ª para aqui tentar incluir um assunto que não tem absolutamente nada a ver,...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Nada?!
O Orador: -..., que V. Ex.ª leu no jornal, não sei onde, se calhar quando estava a tomar o café da manhã ou noutro momento mais angustiante da sua vida...
Risos do PSD.
Veio trazer para aqui esses problemas e acha que eu lhe devo dar ouvidos e discutir isso consigo. Francamente,
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Sr. Deputado, não estou para isso.
Aplausos do PSD.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Má saída!... Daqui a poucas semanas saberemos isso!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS) : - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado: Vou fazer um pedido de esclarecimento e alguns comentários.
O pedido de esclarecimento faço-o porque me pareceu, e não gostaria de ir para casa com esta dúvida, que o Sr. Secretário de Estado disse que estas matérias importantíssimas de que nos estamos a ocupar vão ser objecto de minucioso exame e de propostas estabelecidas entre o Governo e a sua maioria parlamentar. V. Ex.ª não tenta propor a dissolução do resto da Câmara? É que, nessa hipótese, não fica cá a fazer nada. Por conseguinte, talvez pudesse inaugurar essa nova figura quando faz anúncios dessa natureza. Espero que tenha havido algum excesso verbal e que V. Ex.ª não nos desanime completamento quanto à convicção, em que estamos, de que nos pertence exercer aqui uma função pública que não pode ser diminuída.
Em segundo lugar, devo dizer que pode haver alguém igual, mas mais devoto do que eu do trabalho minucioso, do estudo cuidado e do tempo talvez não haja ninguém.
Sr. Secretário de Estado, desde o momento em que o problema do segredo de Estado foi levantado na Câmara, o Governo já teve dois anos para o estudar. Incidentalmente, recordo-lhe que, estando nós obrigados em organizações internacionais, que pesam gravemente sobre os nossos interesses, principalmente a NATO, o problema do segredo de Estado não deixou de ser, durante todo este período, minuciosamente examinado a dimensão da organização.
Certamente que o Sr. Secretário de Estado terá conhecimento de que, por exemplo, o problema das credenciais no ambito da NATO está a ser gravemente afectado pela questão que já aqui levantei, ou seja, a questão das fidelidades múltiplas.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Claro!
O Orador: - E a respeito de fidelidades múltiplas e de não se ligar importância ao problema, a única coisa em que reparei, neste panorama da nossa vida política, nos últimos tempos, foi em como foi possível acusar de falta de patriotismo um eurodeputado português.
Em meu entender, trata-se de um problema relacionado com as fidelidades múltiplas; não tem nada a ver com as boas maneiras, mas apenas com as fidelidades múltiplas. É preciso assumir este problema, não podendo o Governo vir aqui dizer que as oposições - como V. Ex.ª gosta de dizer, utilizando o plural - tem muita pressa, com o objectivo de nos convencer de que o Governo tem muito tempo para apresentar soluções e o País ainda tem mais tempo para esperar por elas.
Não considero que isto seja aceitável, nem que faça bem à vida pública.
Sr. Secretário de Estado, creio ser necessário um pouco mais de consideração por aquilo que se chamam as oposições, porque quando alguém se põe «nos bicos dos pós», aquilo que consegue e que o País ande de pé atrás, o que não é bom para a condução dos negócios públicos.
Por outro lado, gostaria ainda de salientar que não é agradável, apropriado nem, sequer, aceitável que o Governo continue com esse ar displicente, que adoptou, para falar das oposições, dizendo que elas fazem tudo apressadamente, que não conhecem os problemas nem apresentam soluções concretas. Sr. Secretário de Estado, os senhores acabam por me dar razão quanto ao que aqui já tenho sustentado sobre a admissão ao ensino superior: os senhores foram todos dispensados, aprovados com distinção e nós estamos à espera que nos permitam fazer a prova geral de acesso. Não vamos, pois, subordinar-nos a esse regime. Aliás, devo dizer-lhe ainda que não é a mesma coisa ser eleito com maiorias ou ser qualificado por grau de inteligência. Portanto, é melhor não fazerem essa confusão porque são capazes de se atrapalhar na Administração da coisa pública.
Finalmente, não posso deixar de salientar que dois anos é o tempo necessário para fazer um mestrado, pelo que VV. Ex.ªs já tinham mais do que tempo de apresentar aqui a dissertação que se chama a proposta de lei.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Maia Nunes de Almeida.
O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, há mais um deputado inscrito para pedir esclarecimentos. V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - No fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Secretário de Estado, a interpretação que o Sr. Deputado Adriano Moreira acaba de fazer é, de facto, possível e retirável das suas palavras.
Na interpretação que fiz, também possível, encaminhei-me noutro sentido, talvez mais benévolo para a sua intervenção, uma vez que considerei que, em função dos factos negativos passados, o Governo vinha, finalmente, aqui dizer que iria ser oposição à oposição. E tem boas razões para ser oposição à oposição; tem as boas razões decorrentes da qualidade e da importância das iniciativas legislativas da oposição!
Neste particular, o Partido Socialista tem uma situação muito própria, segundo a qual o Governo e o PSD não tem tido a celeridade exigível face à magnitude dos problemas que tem sido tratados. A título de exemplo, lembro o debate sobre os direitos do cidadão face à informática, durante o qual, ou em momento próximo dele, foi dito, como sempre é dito, que estava a ser ultimado o diploma respectivo - aliás, estão sempre a ser ultimados os diplomas do Governo ou do PSD - e foram necessários cinco meses para essa ultimação ocorrer.
O mesmo, em grau menor, se passou em relação ao diploma sobre o Conselho Nacional de Ética, o mesmo se irá passar em relação ao direito de petição e à Administração aberta, isto é, os diversos diplomas estão a ser ultimados, como sempre, em atraso e o Governo não responde nem tem capacidade de resposta para ser oposição à oposição.
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E não diga mal dos nossos projectos, porque não é justo. Aliás, há pareceres de eminentes técnicos juristas da sua bancada, ou melhor, da bancada do PSD, que apontam a qualidade da generalidade desses projectos. Portanto, nesse sentido, não são projectos apressados, o Governo, ele sim, é que é retardado.
Finalmente, Sr. Secretário de Estado, vou colocar-lhe uma única questão. Deixemos de lado a questão da qualidade, que essa é manifesta nos projectos da oposição, deixemos de lado a questão dos projectos que estão a ser ultimados, nesse rol anafado de diplomas que V. Ex.ª citou. Assim, pergunto-lhe apenas quanto tempo vamos esperar. Cinco meses, como aconteceu em relação à Lei da Informática, ou os dois anos que citou o Sr. Deputado Adriano Moreira relativamente ao problema do segredo de Estado?
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Dois anos já passaram! Talvez, seja no último ano desta legislatura!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Srs. Deputados, a última coisa que fúria na minha vida, porque tenho uma especial consideração pelo Sr. Deputado em causa, era deixar o Sr. Deputado Adriano Moreira ir para casa angustiado.
V. Ex.ª, Sr. Deputado Adriano Moreira, fez algumas afirmações que, confesso, não compreendi muito bem. V. Ex.ª referiu que o Governo tinha vindo aqui dizer que não tinha consideração alguma pelo trabalho das oposições. Devo salientar que é mentira, pois eu não disse isso! Referiu ainda que nesta Câmara só quem existe é o Governo e o seu grupo parlamentar. É mentira, Sr. Deputado! Isso não acontece! Disse também que o Governo tem uma visão autoritária ou exclusivista da relação partidária e política. É mentira, a posição do Governo não e essa!
Sr. Deputado, peço-lhe muita desculpa, mas não poderia deixar de refutar as suas afirmações.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Permite-me que o interrompa, Sr. Secretário de Estado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Secretário de Estado, gostaria de lhe dirigir um agradecimento, pois, na verdade, não me tinha lembrado de dizer todas essas coisas do Governo!
O Orador: - Mas disse, Sr. Deputado, o que é mais grave! Se V. Ex.ª não pensou que disse e disse, ainda é mais grave do que eu supunha!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado, a única coisa que aqui disse, e mantenho, foi que - e isto serve também de resposta ao Sr. Deputado Alberto Martins - as iniciativas das oposições são esparsas e apressadas. E é verdade!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Esparsas e apressadas?
O Orador: - Por exemplo, perante este conjunto de diplomas, que todos nesta Câmara sabem que são essenciais, como também e essencial a sua interligação e conjugação, verificamos que o CDS apresenta o projecto de lei sobre o segredo de Estado, o PS não apresenta nenhum, o PCP tão-pouco apresenta algum, além de que nenhum partido da oposição apresentou, por exemplo, um projecto de lei sobre um problema essencial como é o do contencioso administrativo ou o do procedimento administrativo.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Está o Dr. Freitas Amaral a prepará-lo!
O Orador: - Como VV. Ex.ªs podem verificar, a vossa visão não é globalizante nem acabada e era importante que o fosse. O Governo é a única entidade que, em conjugação com a maioria parlamentar - e por que não, uma vez que todos estão a trabalhar para o êxito de um Governo que saiu dela -, tem por função este trabalho que, aqui, agora, anunciamos e apresentamos.
Portanto, como V. Ex.ª vê não há qualquer violação do estatuto desta Assembleia nem do estatuto da intervenção política dos partidos políticos, inclusive dos grupos parlamentares, pelo que V. Ex.ª não tem razão. Aliás, também gostaria de dizer-lhe, Sr. Deputado Adriano Moreira, que não é ao examinador que cabe, nunca, nem sempre, nem as mais das vezes, a garantia da qualidade da inteligência do examinando.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Isso é verdade!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Onde é que quer chegar com essa observação?
O Orador: - Em relação à crítica do Sr. Deputado Alberto Martins sobre a nossa demora, gostaria de dizer-lhe que a nossa demora é, por vezes, e nestes casos, também benéfica.
Disse-lhe, e repito, que nestas matérias era conveniente, por exemplo, esperar pela revisão da Constituição e não fazer como fez o CDS ou o PCP, que apresentaram um projecto antes da revisão constitucional, que agora terão, eventualmente, de modificar substancialmente.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Nem uma vírgula. Conseguimos a consagração desse princípio. É o contrário do que diz!
O Orador: - V. Ex.ª, com certeza, compreenderá que nestas matérias havia questões fundamentais...
O Sr. Deputado José Magalhães está a dizer isto mas não está a sentir...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Estou a sentir perfeitamente, é uma evidência!
O Orador: - De facto, o Sr. Deputado está a fazer o mesmo que fez há pouco, pois sabe, perfeitamente, que, do ponto de vista jurídico-constitucional, aquilo que diz não é verdade! De resto, não vale a pena estar a alargar-me em considerações. Se o fizer, estou a permitir que o Sr. Deputado me interrompa, o que já há pouco aconteceu «superabundantemente».
O Sr. José Magalhães (PCP): - Isso é insultuoso!
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O Orador: - Mas como estava a dizer, era importante haver um momento diferente em relação a esta maioria e haver um momento importante de reflexão em relação a este conjunto de matérias, concretamente em relação à protecção de dados pessoais.
V. Ex.ª sabe que a iniciativa legislativa que o Governo apresentou sobre a protecção de dados pessoais é uma iniciativa acabada, que surgiu depois da que os senhores apresentaram também antes da revisão constitucional e que, embora não seja completa - e admito isso -, tem em consideraçâo várias maiorias que nem sequer eram abordadas no vosso projecto de lei. Portanto, como vê, valeu a pena esperar para que o diploma se apresente um pouco mais completo.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Está a recordar-se de que há uma inconstitucionalidade por omissão?
O Orador: - Em relação à outra maioria que naquele debate enunciei, V. Ex.ª não tem razão, porque V. Ex.ª fez uma acusação genérica dividida em duas: uma no sentido de que esta matéria da prestação de dados pessoais tinha sido muito demorada e outra de que ainda não tínhamos apresentado a proposta sobre criminalidade informática. Ora, V. Ex.ª sabe tão bem como eu, ou melhor, os percalços que tem sofrido a proposta de directiva que a própria CEE apresentou em relação a esta matéria. Portando, nós, que estávamos a acompanhar o projecto de directiva da Comunidade, vimo-nos, de um momento para o outro, com uma alteração importante e profunda do visionamento que esta matéria tem ao nível da Comunidade e, então, entendemos reformular o nosso projecto. Daí a razão de ser do atraso que V. Ex.ª citou.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Foi um precalço!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Se V. Ex.ª me permite, não gostaria de deixar sem reparo a observação feita pelo Sr. Secretário de Estado, segundo a qual uma das interrupções que pratiquei traduziria uma posição fingida, ou não sentida, quanto ao alcance de um projecto e de uma importante iniciativa do PCP. Gostaria de rectificar, porque estas coisas, mesmo ditas de forma solta, tem a sua gravidade.
O Sr. Presidente: - Então, pede a palavra para um reparo?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sim, Sr. Presidente, creio que é uma forma perfeitamente adequada para defender a bancada, que é o que está em causa.
O Sr. Presidente: - Se é nos termos do Regimento e no âmbito do acordo da conferência, tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Secretário de Estado tem o péssimo hábito de acusar, mesmo quando está distraído, as oposições de fingirem, de não sentirem aquilo que dizem, de dizerem aquilo que não pensam, de pensarem coisas diáfanas que, de resto, também não sabem exprimir, de «meter os pés pelas mãos» e, no fundo, está a retratar com isto a própria maneira como o Governo se comporta em relação a várias maiorias.
Isto é triste, porque o exemplo concreto dado é particularmente infeliz. No caso da Administração aberta o que ocorreu é que, tendo o PCP insistido particularmente, ao longo de todo o ano de 1987, na consagração legal desse novo direito e desse novo conceito, transvazou para o seu projecto de revisão constitucional uma norma, uma cláusula, tendente a elevar a esse nível supremo a obrigação de instituir a Administração aberta. Lutámos durante todo o processo de revisão constitucional pela consecução desse desiderato, que, de resto, viria a figurar no próprio acordo de revisão constitucional, como o Sr. Deputado Alberto Martins, orgulhosamente, aqui sublinha e eu registei, e ele veio a ser consagrado sob forma de direito fundamental.
Portanto, quando aqui sublinho que a iniciativa do PCP é coerente no plano da lei ordinária e no plano da Constituição e quando agora retornámos ao plano da lei ordinária e não tivemos de alterar uma vírgula no nosso projecto, uma vírgula, repito, pois o projecto é actualíssimo desse pomo de vista, consagra em termos vastíssimos o direito de acesso aos arquivos e registos e o próprio PSD teve ocasião de reproduzir várias normas constantes desse diploma - portanto, não será coisa assim tão dispicienda, uma vez que o PSD emendou «comer» parte dela, embora não toda, o que só nos honra e devo dizer que ainda bem que assim foi -, não se pode assacar ao PCP qualquer fingimento. Creio que o Sr. Secretário de Estado, só por um destempere de linguagem, devido ao adiantado da hora e também por o Governo estar em mora, porque de facto não apresentou qualquer destas reformas, eu sei que encomendou ao Sr. Professor Freitas do Amaral um Código de Procedimento Administrativo...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É por essa razão que o CDS não apresenta um projecto!
O Orador: - Portanto, o mérito será do Professor Freitas do Amaral, quando muito. Nós não encomendámos ao Professor Freitas do Amaral qualquer Código de Procedimento Administrativo, mas vamos apresentar o nosso textozinho honesto e honrado, que está a ser estudado, de reforma do Código de Procedimento Administrativo.
Em matéria de protecção de dados, o Governo demorou meses para apresentar aquilo que o Dr. Mário Raposo, como ministro, já tinha produzido e que cá veio parar, anos depois, aos trambolhões, o famoso projecto do Dr. Raposo, «travestido», depois de uma grande espera.
Em matéria de segredo de Estado não sei o que é que o Governo está a fazer!
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Nada!
O Orador: - Mas encomendou uma lei que Deus sabe quando é que aparecerá! Chamar a isto visão global e assacar aos outros irresponsabilidades, Sr. Secretário de Estado... V. Ex.ª hoje está brincalhão mas sem piada!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado-Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares.
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O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Vou fazê-lo, mas não num tom tão jocoso, como concluiu agora o Sr. Deputado José
Magalhães, ...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Agora tem de fazer uma intervenção a sério!
O Orador: -... que acabou de dizer que eu tinha de fazer uma intervenção a «sério».
As minhas intervenções são sempre a sério; Sr. Deputado José Magalhães, a forma é que pode ser diferente.
Compreendo que V. Ex.ª me diga, por teimosia, por defesa da sua dama in extremis, que se fizesse hoje um projecto o faria exactamente na mesma. V. Ex.ª está no seu pleníssimo direito. Agora, o que V. Ex.ª não pode dizer é que a versão do seu projecto de lei coincide com a versão que foi aprovada, designadamente para a aplicação do artigo 268.º, n.º 2, da Consumição, na revisão constitucional.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Coincide rigorosamente!
O Orador: - Se V. Ex.ª dissesse isso, certamente o Sr. Deputado Alberto Martins tinha razões profundíssimas para discordar de si, para o invectivar e para lhe dizer: «Este senhor não está dizer a verdade toda, não está a ser correcto, porque a formulação acabada foi muito mais próxima da proposta do Partido Socialista do que da sua.»
Ora, V. Ex.ª pode continuar a dizer aqui, durante toda a noite...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Até de madrugada!
O Orador: -... e até ao fim da semana, que mantém o projecto exactamente na mesma. Não é verdade!
O Sr. José Magalhães (PCP): - É!
O Orador: - V. Ex.ª nesta altura tem de ter um projecto diferente se quer absorver os ditames do artigo 268.º, n.º 2, tal como foi aprovado, por acordo entre o Partido Socialista e o Partido Social-Democrata, na revisão constitucional.
O Sr. José Magalhães (PCP): - E por unanimidade no Plenário! Leia o projecto! Veio para o debate sem ler o projecto! O que e que havemos de fazer?!
O Sr. Secretário de Estudo Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Não, não!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, informo que se encontra na galeria do corpo diplomático uma delegação da Comissão de Cultura, Ciência e Instrução da Câmara dos Deputados Italiana, que estabeleceu hoje, um encontro com a nossa Comissão de Educação, Ciência e Cultura, a quem saudamos e agradecemos a presença.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: «No dia em que comerdes desse fruto, vossos olhos se abrirão e sereis como deuses.»
Todos conhecemos a insinuação satânica que in illo tempore terá desencadeado a ira divina, a ponto de estigmatizar com a mácula original toda a humanidade. Mas foi este primeiro acto de rebeldia dos nossos bíblicos pais que semeou em nós a insatisfação permanente e a miragem das utopias do saber, que nos catapultou definitivamente de um paraíso de tédio para a conquista da morada dos deuses. E se desde sempre foi a chave do saber o abrir as portas do poder, hoje, como nunca antes, vivemos a era de comunicação, gerimos montanhas de informação e tomámos consciência de que o futuro pertence aos informados e de que só os mais informados sobreviverão.
O que está em jogo aqui, hoje, é pois muito mais do que a criação de simples mecanismos para a satisfação da insaciável curiosidade humana; trata-se, isso sim, de tornar presente e construir uma condição sine qua non do verdadeiro exercício do controlo democrático dos órgãos de poder pelos cidadãos. O respeito pelo princípio da Administração aberta, que a nossa Consumição já consagra, impõe-nos não só a criação dos meios legais para aceder à informação, mas sobretudo a adopção de estratégias de verdadeira campanha de alfabetização democrática, com o sentido de, recuperando inabilidades seculares, proporcionar a todos o domínio dos meios de aproximação aos centros do poder e do saber. De nada valerá a instituição de princípios ou a implementação dos meios de acesso se o cidadão ignorar o seu uso ou a Administração continuar a pavonear-se com o esoterismo da linguagem ou a refugiar-se em metáforas e mensagens cifradas.
Cumpre-nos, pois, dar forma e dinamismo ao princípio constitucional, de cuja aplicação dependerá em boa medida a revitalização da participação democrática dos cidadãos, que apresenta preocupantes sintomas de apatia.
Do leque de projectos em apreço, o que subscrevemos poderá à primeira vista parecer redutor do princípio, dado que visa apenas consagrar o acesso aos dados da Administração relativos ao ambiente. Não se trata, porém, de um intuito reducionista, muito menos de uma fixação freudiana às questões ambientalistas. O facto de ter sido um dos primeiros projectos de lei a corporizar o princípio da Administração ateria - feito ainda no anterior quadro constitucional - recomendou na altura a escolha de um caminho experimental que permitisse não só testar um sistema praticamente novo, como satisfazer o sector da opinião pública já então mais carente de informação fidedigna, face ao crescimento imparável da consciência ecologista na sociedade portuguesa e ao ímpeto desenvolvimentista que sobre nós se abateu nos últimos anos. Acresce que também ao nível comunitário os esforços dos legisladores apontavam no mesmo sentido e as várias recomendações entretanto produzidas levaram à aprovação recente, pelo Conselho das Comunidades, de uma directiva que consagra a liberdade de acesso à informação em matéria de ambiente.
Mas é ainda, e uma vez mais, a angustiante realidade ambiental portuguesa a ditar a razão do nosso projecto de lei.
O black out informativo, o boato, a resposta evasiva, o acesso preferencial, a promiscuidade do poder com os lobbies devem agora ceder o lugar à informação útil e atempada, qual fruto finalmente permitido, que evitará que este país à beira de um ataque de nervos continue a ser a selva onde caçam emboscados os lobbies mais informados. O segredo foi chão que deu negócios - a infor-
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mação será o chão de onde brotará o respeito pelos direitos de todos.
Situações escandalosas como as da Via do Infante, do Campo de Tiro de Alcochete, os novos troços de auto-estrada, a instalação ou manutenção de indústrias produtoras de resíduos tóxico-perigosos nas margens dos rios ou na proximidade de centros populacionais, a localização enigmática do futuro aeroporto de Lisboa, os projectos florestais assassinos e tantas outras que projectam sobre o nosso dia-a-dia a sombra ameaçadora do desequilíbrio ecológico terão de ser definitivamente exorcizadas mediante um relacionamento correcto entre o poder decisório e os cidadãos interessados, sem alibis ou subterfúgios que inquinam a transparência característica do poder democrático.
Estamos conscientes de que a aplicação do princípio de liberdade de acesso gera novas tentações - por um lado, o eventual uso abusivo por parte de cidadãos menos conscientes e, por outro lado, a confusão, característica das administrações fechadas, entre propaganda e publicidade dos actos.
Mas é na previsão dos riscos que assenta a convicção de que ganharemos mais este desafio.
E já agora e para variar, seria bom que o orgão legislativo nacional não ficasse sentado à espera da normativa comunitária ou não criasse legislação que ficasse aquém dos princípios nela consagrados. Iniciativas legislativas não nos faltam e grande é a expectativa criada nos cidadãos; que não seja aquilo a que pomposamente chamamos «vontade política da maioria» a trair aquilo que é uma imposição constitucional e, mais, aquilo que é uma imposição da vida.
Aplausos do PS, do PCP, do PRD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alexandre Manuel.
O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O reforço dos direitos dos cidadãos perante a Administração Pública constitui seguramente um dos pontos mais marcantes da revisão constitucional de 1989. E não apenas pelas portas que fez ou que irá abrir, mas também, talvez mesmo principalmente, pelos tabus que a sua aplicação irá necessariamente ajudar a destruir. E a chamada «Administração transparente», em que qualquer acto, quase todos os actos, podem, a qualquer momento, ser chamados à praça pública. Exceptuam-se, no caso, apenas aqueles que dizem respeito à vida privada dos cidadãos ou que estejam classificados como segredo de Estado.
Valerá a pena referir aqui o facto de, pela primeira vez, a Constituição, no n.º 2 do artigo 268.º, reconhecer aos cidadãos «o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos», mesmo em matéria relativa a segurança interna e externa, à investigação criminal e a intimidade das pessoas. Caberá agora a lei determinar o modo e as formas de tal acesso. Daí o cuidado com que terá de se proceder à elaboração de uma lei que, tendo embora de atentar nesses princípios, não poderá, como alguns parecem pretender, anular esse novo direito constitucionalmente consagrado e ao qual corresponde uma obrigação por parte da Administração Pública: a obrigação de informar, dentro de um prazo máximo a estabelecer por lei ordinária.
Sem ignorar o tal espaço jurídico comum de que se vem falando (um debate importante e urgente) e sem esquecer que, agora, após a revisão constitucional, tal normativo se aplica não apenas ao andamento de processos em que os cidadãos sejam directamente interessados ou as consequentes resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas mas, de uma forma geral, ao acesso aos arquivos ou registos administrativos, relativamente aos quais e independentemente de um interesse directo, é facultada aos cidadãos, a todos os cidadãos, a consulta e obtenção de certidões do que deles constar, sem se interrogar sobre o porque de tal interesse, nem cuidando de saber quem é o autor da pergunta, mas apenas e tão-só respondendo. Ou seja e por outras palavras, a partir de agora já não apenas por razões de princípio, mas também por imperativos constitucionais, teremos de advogar (praticar) a ideia de uma Administração ao serviço dos cidadãos, de todos os cidadãos e não apenas de alguns.
Tal facto implica, pois, que aos seus trabalhos, estudos, pareceres, etc., todos possam ter acesso, se para tanto o necessitarem ou simplesmente o desejarem.
É, no caso, a dimensão de um Estado que pretende estar ao serviço de todos e não apenas beneficiando alguns. É, afinal, a concretização (parcial, evidentemente) de um princípio advogado na Constituição - na sua versão original e nunca alterada -, quando determina, no artigo 267.º, que a Administração Pública «será estruturada de modo a evitar a burocratização, a aproximar os serviços das populações e a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efectiva». E tudo isto se defende, visando a eficiência e eficácia da Administração Pública e ainda, como muito bem se recorda no parecer sobre o projecto de lei n.º 497/V ontem mesmo aprovado pela Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias Individuais, como instrumento de participação política, viabilizador do direito basilar (artigo 48.º), segundo o qual «todos os cidadãos tem o direito de tomar parte da vida política e na direcção dos assuntos públicos do País» e «de ser esclarecidos objectivamente sobre actos do Estado e demais entidades públicas».
Foi aqui que, em conjugação com o n.º1 do artigo 268.º, alguns encontraram as razões para advogar uma legislação semelhante à que hoje aqui se debate, antes mesmo da consagração constitucional.
Simultaneamente, a revisão reforçou a dificuldade da existência de actos secretos, ao determinar, no n.º 3 desse mesmo artigo, que os actos administrativos «estão sujeitos a notificação» aos interessados.
Tudo isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, assume importância fundamental diante de uma Administração Pública que continua dominada por inúmeras confusões, pelos pequenos «Luís XIV» que, conforme se pode ler no relatório da 3.ª Comissão referente aos projectos de lei n.ºs 467/V e 468/V, da autoria do seu presidente, o Sr. Deputado Mário Raposo, «sentem que o Estado são eles», têm dificuldade em se reconduzirem à justa e exacta tarefa de servidores do Estado e não compreendem o que significa o princípio de um Estado ao serviço das pessoas e da ética, da responsabilidade e do interesse geral». É a Administração que, herdada do modelo napoleónico, assenta na burocracia e na hierarquia de tipo militar, abjurando tudo o que signifique participação.
Talvez, venha a propósito citar aqui palavras insuspeitas do professor Freitas do Amaral, pronunciadas há cerca de quatro anos na Universidade do Minho. Aí, em curso organizado pela Associação Jurídica daquela cidade, Freitas do Amaral sublinhava a importância e urgência da publicação do Código de Processo Administrativo Grã-
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cioso, porque «só desse modo passaremos verdadeiramente da Administração Pública burocrática, hierárquica, de tipo militar, que o modelo napoleónico nos legou, para a Administração Pública moderna, participada, democrática, que o 25 de Abril prometeu, mas ainda não cumpriu».
E aqui chegados, Sr. Presidente e Srs. Deputados, dois princípios devem sobrepor-se aos demais: o princípio da celeridade na resposta da Administração aos pedidos dos cidadãos (sem embargo, evidentemente, do justo equilíbrio de interesses e porque as informações correctas exigem o seu tempo) e o princípio da transparência, que tem muito a ver com a liberdade. Só não deve haver livre acesso - uma vez mais se afirma - às matérias que envolvam a privacidade das pessoas ou classificadas como segredo de Estado. Neste caso, no entanto, invertendo a. prática usual de tudo considerar secreto, mas antes impondo que as matérias consideradas classificadas constem expressa e taxativamente da lei, partindo sempre do princípio - hoje comummente aceite - de que ele, o segredo de Estado, constitui ou pode constituir um entrave à liberdade de acesso à informação e é uma necessidade militar face ao inimigo.
Parece, de facto, já ser tempo de a Administração Pública deixar de olhar os cidadãos como inimigos, de continuar a classificar como segredo de Estado tudo aquilo que se diz em defesa dos interesses do Estado, quaisquer que sejam esses interesses. Como aqui mesmo nesta bancada do PRD afirmou o deputado e constitucionalista Miguel Galvão Teles, «nenhuma lei cautelosa sobre segredo de Estado pode, num Estado democrático, deixar de delimitar os interesses públicos susceptíveis de fundamentarem o segredo; delimitar as matérias relativamente às quais o regime de segredo pode funcionar; salvaguardar os direitos fundamentais e a dignidade das pessoas; excluir a possibilidade de segredo de Estado quanto a factos que constituam infracção criminal».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não pretende este projecto, como aliás se advoga no seu preâmbulo, ir além da regulamentação do preceito constitucional constante do n.º 6 do artigo 268.º da Constituição, quando determina que «a lei fixará um prazo máximo de resposta por parte da Administração».
Foi essa, de facto, a ideia que presidiu à sua elaboração, tanto por minha parte, como por parte do outro subscritor, o então deputado a esta Assembleia, Jorge Pegado Lis. Não se peça, pois, a ele aquilo que ele não quis dar, programadamente. Sempre se acrescentará, no entanto, que, além do mais, ele pretende colaborar na destruição da burocracia e, consequentemente, tornar mais transparente a Administração. Talvez aquilo que, para alguns, poderá constituir uma das suas limitações busque aqui a sua razão de ser.
Refiro-me concretamente à constituição da comissão prevista em todos os restante projectos, porque temo que ela mesma se possa constituir em entrave, em apoio daquilo contra o qual queremos lutar, a burocracia. Apesar de tudo e sublinhados este princípios, aceitamos que ela possa ser importante (não de todo na constituição advogada por alguns), sobretudo nesta fase inicial, não para decidir sobre os documentos que são de livre acesso, mas para se pronunciar, nos casos de eventuais conflitos de interesses, entre, por exemplo, a defesa da privacidade e o acesso a determinada informação.
Perante estes princípios, tudo o resto deixa de ter significado importante. E assim, pois, que deve ser olhado este projecto.
Aplausos do PRD, do PS. do PCP e do CDS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares, Srs. Deputados: A Constituição da República Portuguesa é seguramente uma das mais modernas cartas de cidadania do nosso tempo.
Ao consagrar, após a última revisão constitucional, «o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos», a Constituição, neste domínio, identificou-se com a mais avançada «geração» de novos direitos, designadamente os que respeitam à «intimidade», ao saber e à informação.
O Partido Socialista orgulha-se da sua iniciativa de revisão constitucional que modelou a Constituição da República Portuguesa nesta matéria, a qual corresponde à afirmação e ao reconhecimento de um direito autónomo à documentação.
O princípio da transparência administrativa foi, assim, pela primeira vez, entre nós, inscrito como princípio constitucional, configurando-se como uma modalidade específica do direito à informação e exigência de exercício da cidadania.
A transparência, como regra, e o segredo, como excepção, exprimem-se, agora, como uma necessidade da modernização administrativa, sobretudo quando esta estende a sua acção aos mais diversos níveis da vida económica e social, pública e privada.
Quando já se fala, sobretudo com o tratamento automatizado de dados que permitem compor os perfis dos administrados, nas «perigosas máquinas sociais de discriminar os homens», o acesso à documentação constitui, desde logo, uma garantia fundamental de salvaguarda das liberdades públicas.
A recepção, no texto constitucional, do livre acesso à documentação constitui um passo decisivo no movimento universal para a transparência, que ganhou, sobretudo a partir dos anos 60, de ocidente a leste, um significativo incremento.
É certo que o acesso público aos documentos administrativos tem a sua origem precursora e remota na Suécia do século XVIII, mas só a partir de meados deste século se expandiu e ainda agora, a 22 de Março último, a reunião de Ministros do Ambiente da Comunidade aprovou uma directiva respeitante à liberdade de acesso à informação em matéria de ambiente, a qual tem particular importância ao consagrar o princípio de que «a liberdade de informação em matéria de ambiente deve impor-se não só às autoridades públicas dos Estados membros como também às instituições comunitárias e, nomeadamente, à Comissão».
Tal como se diz, ainda, na proposta da Comissão, há o «objectivo de impor nas instâncias comunitárias a mesma transparência que é proposta para as administrações dos Estados membros».
Ora, como foi salientado nas conclusões do Colóquio de Graz, do Conselho da Europa, em Setembro de 1976, a latitude do regime regra da liberdade de acesso tem de conformar o direito à informação com o direito à vida privada e o direito ao bom governo.
Nesse sentido, ao enunciar o princípio do «arquivo aberto», a Constituição da República definiu-lhe as restrições apenas em matérias de segurança, de investigação criminal e de privacidade. A modelação legal desta interacção de valores e prescrições exige, porém, uma ponderação adequada, de modo que as restrições do direito
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de informação e de participação apenas sejam condicionadas em medida necessária, e proporcionada, a salvaguarda daqueles núcleos essenciais de restrição, tomando sempre como centro e ponto de referência os direitos do cidadão e a sua individualidade.
O projecto de lei do Partido Socialista agora em discussão, como solução normativa mediadora do texto constitucional e não obstante este ser de aplicação directa, procura incorporar a reflexão disponível sobre este domínio já ensaiada entre nós e reter soluções legais do direito comparado, encaminhando-se ou aproximando-se das soluções testadas em organizações administrativas cuja filosofia e modelo genético esteja próximo do nosso. Destas, destaca-se a experiência francesa, ensaiada a partir da Lei de 17 de Julho de 1978, que constitui, pela proximidade institucional do modelo centralizado de Administração, uma referência privilegiada a reter nas soluções a adoptar e que também serviu de matriz aos projectos do PCP e do PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A transparência administrativa representa não só uma exigência de controlo da Administração mas ainda num instrumento de diálogo, que permite ao cidadão o exercício adequado do direito de crítica e de contestação e implica uni processo de alterações estruturais e uma mudança nas mentalidades, na formação e nas rotinas dos agentes do serviço público, sejam estes da administração central ou local.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sem dúvida!
O Orador: - Se o conhecimento empírico que cada um de nós tem destas questões não bastasse - e estou certo que basta -, uma pequena recolha de elementos sobre o exercício dos direitos de informação e documentação dos deputados era, só por si, esmagadora.
O Sr. Carlos Luís (PS): - É verdade!
O Orador: - Assim e reportando-nos apenas a esta V Legislatura, dos 1596 requerimentos apresentados pelos deputados e enviados quer à administração central quer local (respectivamente, 1525 e 71), na 1.ª sessão legislativa de 1596 só 951 foram respondidos;...
O Sr. Carlos Luís (PS): - É uma vergonha!
O Orador: -... na 2.ª sessão legislativa, dos 1401 enviados só 758 foram respondidos (717 pela administração central, 39, pela administração local e 2, dos 5 enviados, pelas regiões autónomas).
Por certo que não será abusivo admitir que todos estes requerimentos suscitam, pelo menos, o envio de documento ou ofício de resposta da Administração. E tudo isto se passa quando existe a consagração constitucional e legal do dever de cooperação, cujo incumprimento é susceptível até, no limite, de procedimento criminal.
O Sr. Carlos Luís (PS): - É uma vergonha!
O Orador: - A liberdade de acesso aos documentos e registos administrativos compreende o direito à informação sobre o conteúdo dos documentos e a possibilidade da sua reprodução material; um autêntico direito de «resposta» que se consubstancia no direito de correcção das informações inexactas e no suprimento de omissões; e um direito a «publicidade» dos documentos produzidos pela Administração ou, no mínimo, referência à sua existência.
Para o exercício deste direito, nas propostas citadas e particularmente na nossa, é relativamente irrelevante o lugar do seu exercício, mas já não a qualidade do emissor do documento, a qual define a natureza de documento administrativo: o ter sido produzido pela Administração do Estado, das regiões autónomas, das autarquias, de um instituto público, empresa pública, pessoas colectivas de direito público e pessoas de direito privado que exercem poderes públicos.
Também a qualidade do cidadão requerente é decisiva para a amplitude do seu direito. A regra geral é a do acesso livre de todos, sem necessidade de fundamentação, aos documentos não nominativos, enquanto os documentos «personalizados» só são acessíveis ao próprio ou, excepcionalmente, a terceiros a quem o documento respeite e após apreciação prévia do seu interesse pessoal e legítimo.
O acesso aos documentos e registos não colide, porém, com a chamada «reserva da intimidade administrativa» no que respeita aos processos e momentos preparatórios de elaboração de uma decisão. Não sendo abrangido o acesso às notas, dados, esboços e apontamentos pessoais, é garantida a possibilidade de aceder aos documentos preparatórios de uma decisão, a partir do momento em que tem lugar a referida decisão.
O exercício do direito de acesso está subordinado, no nosso diploma, à apresentação de um pedido de acesso escrito, o qual deve ser suficientemente preciso e referenciar-se a documentos existentes, o que corresponde ao direito normal do cidadão a receber uma informação que lhe é útil.
A recusa de acesso aos documentos só pode verificar-se se a classificação do documento o autorizar, em função da sua natureza. A Administração deverá, em qualquer circunstância, informar o requerente em prazos adequados.
Os deveres da Administração no âmbito da lei do processo administrativo continuam a manter-se, sendo, por sua vez, objecto de legislação própria as matérias respeitantes ao acesso ao registo civil, comercial e predial, aos arquivos históricos e ainda ao tratamento automatizado de dados com recurso a informática.
A comissão de acesso aos documentos e registos administrativos que agora se cria tem, neste quadro, um particular papel institucional, sendo simultaneamente um orgão de aconselhamento e de reflexão. É uma autêntica magistratura de influência, capa/de gerar uma deontologia do acesso aos documentos e de relacionamento com a Administração. Cabe-lhe citar pelo cumprimento das disposições legais; apreciar as queixas sobre recusas ou dificuldades no acesso, sobre a rectificação de dados, sobre a utilização de informações inexactas, sobre o acesso de terceiros a documentos nominativos, dar parecer obrigatório na classificação de documentos e pronunciar-se sobre soluções legislativas e regulamentares necessárias ao acesso, elaborando ainda um relatório que dê conta da actividade administrativa e suscite o necessário debate público.
O Sr. Carlos Luís (PS): - Muito bem!
O Orador: - A função pública da comissão de acesso aos documentos e registos administrativos e a sua composição projectam-se como entidade pública independente, capaz de estabelecer uma acção diversa do modelo jurisdicional ou administrativo, de recurso à norma ou a decisão, isto é, propondo-se, como seu objecto central, a recomendação ou a opinião esclarecida.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os projectos de lei do PS, do PCP e do PSD, integrando-se numa matriz comum, são susceptíveis de alcançarem uma convergência em que a transparência e as «paredes de vidro» da Administração ganhem uma evidência total, e não apenas bibliográfica.
Os projectos de lei apresentados, respectivamente, por Os Verdes e por deputados independentes parecem-nos integráveis, pela sua amplitude, ainda que mais restritos, nos projectos referidos de enquadramento global do dispositivo constitucional da transparência. A matéria de segredo de Estado, apresentada pelo CDS, já amplamente discutida em Plenário em momento anterior, insere-se desta feita, de modo muito nítido, como um espaço residual e extraordinário que ganha em ser restringido e aperfeiçoado em sede de especialidade.
Em qualquer circunstância, em suma, a globalidade dos projectos, ao consagrar a transparência como regra e o segredo como excepção, apontam para a necessidade constitucional de uma Administração mais aberta, transparente, desburocratizada, próxima dos cidadãos e participada. Esperemos que deste debate e da sua sequência se possa dizer que a Assembleia da República deu mais um passo para que haja mais democracia, na democracia portuguesa.
Aplausos do PS. do PSD, do PCP e do CDS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Raposo.
O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como aqui já foram referidas algumas histórias marginais ao próprio debate, eu contaria também uma: quando Anatole France foi, pela primeira vez, candidato à Academia Francesa teve apenas um voto e cuidou de saber: «Quem é que votou em mim?» Disseram-lhe: «Foi Victor Hugo». Então, ele disse: «Estou eleito».
Eu, da mesma forma, dado o adiantado da hora, vejo neste hemiciclo, já com uma cara vagamente cansada e zangada do rolar, do acastelar do debate, alguns Srs. Deputados. Pela qualidade que representam - e estou a olhar, no fundo, para todos -, direi: «Vale a pena falar. Tenho justificação para dizer alguma coisa».
Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Não se poderá dizer que a Administração Pública, e os funcionários que personalizadamente a perfiguram, possam colocar-se indiscriminadamente no limbo do interno. Quando normalizadamente exercida, a função pública, nas suas diversas expressões, será de encarar com o respeito e o não desfavor que qualquer actividade profissional justificará. Mas só por beatífica ingenuidade se concluirá que ela é sempre normalizadamente exercida.
Ora, se o poder, qualquer poder, nunca estará imune à tentação do abuso, sobretudo o pequeno ou o médio poder - o poder cinzento e não personalizado - tenderá demasiadas vezes ao abuso. Aliás, nem se tratará de um mal exclusivamente pátrio. Por toda a parte, em maior ou menor grau, isso vai acontecendo.
A Administração Pública é o somatório de todos os funcionários, dos bons e dos maus. E como o cidadão comum, antes de com ela contactar, não poderá exigir um
certificado sobre a exactidão do acolhimento que lhe será dispensado e para que não fique ainda mais embaralhado no expor das suas pretensões, cuidou a Constituição em ditar deveres à Administração e em assegurar garantias aos administrados.
Os artigos 266.º a 272.º da lei matricial são mesmo um exemplo acabado de «modernidade», de bom senso e de bem conseguida institucionalização de saudáveis práticas democráticas. Só que, como irei justificar, não há bela sem senão, não há virtude sem réstea de pecadilho.
Realmente, já antes da segunda revisão constitucional, o n.º 1 do artigo 268.º mandava que os cidadãos tem o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados. Trata-se, no fundo, de uma alteração ou de uma decorrência da regra contida no n.º 2 do artigo 48.º
Está em causa um direito fundamental de participação e de controlo dos actos dos poderes públicos, explicitado para a esfera administrativa naquele n.º 1 do artigo 268.º
É de supor que, mesmo antes do artigo 268.º, n.º 2, que é o fait nouveau criado pela revisão de 1989, já qualquer cidadão poderia pedir esclarecimentos ou informações sobre a gestão dos assuntos públicos, mesmo que neles não fosse directamente interessado. Sobre isto devo dizer que no parecer que elaborei na 3.ª Comissão sobre o projecto de lei relativo ao segredo de Estado, em fins de 1987, tive ocasião de pré-anunciar que o artigo 48.º era uma forma de acolhimento do sistema de arquivo aberto. Estamos aqui todos em despique a saber quem e que ingressou primeiro no sistema de arquivo aberto, mas, na realidade, lenho a ideia de que na altura já linha falado nisso. E se havia o direito a saber, também existia o dever de responder, embora, obviamente, dentro de certos limites, a parametrar por lei, e com carácter necessariamente excepcional.
Olhadas bem as coisas, o sistema designável por «arquivo aberto», repito, estava já desenhado nesse n.º 2 do artigo 48.º.
Trata-se de um preceito de que não se lançou mão frequentes vezes, talvez pela irremissível pecha de as leis - mesmo a lei fundamental - não serem suficientemente conhecidas e praticadas.
Dava-se ainda o caso de, não obstante se tratar de um direito fundamental e de se tratar de um preceito explícito e concludentemente injuntivo, o artigo 268.º, n.º 1 - esse, sim, mais conhecido -, não ter prosperado na sua aplicabilidade. Tradicionalmente fechada sobre si mesma, contar-se-ão pelos dedos de uma centopeia os casos em que a Administração deixou de prestar, hic et nunc, as informações que, com os melhores modos e os maiores medos, lhe foram solicitadas. E as consequências da falta de resposta, da recusa de um razoável atendimento, nem sequer serão imediatas: raramente funcionará o controlo hierárquico ou, quando funciona, esbarra ele próprio com a «resistência» do establishment burocrático - resistência subtil, artimanhosa e diluída na penumbra dos corredores. .. Sr. Presidente, Srs. Deputados: O certo é que vivemos num País do «oito» ou do «oitenta», da aventura ou da rotina, das brandas soluções ou das duras dificuldades.
E eis senão quando, na segunda revisão constitucional, foi introduzido, logo a seguir ao preceito que já imputava o «direito de informação» aos directamente interessados (artigo 268.º, n.º 1), um outro, de sentido e conteúdo incomensuravelmente muito mais amplos.
É exactamente o n.º 2 do artigo 268.º
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Não enferma de dúvida o excelente desígnio da nova regra constitucional: o de «abrir» uma Administração - como muito bem disse o Sr. Deputado Alexandre Manuel e tal como eu disse no parecer - napoleonicamente fechada e centralizada e o de fazer com que cada cidadão possa controlar os seus actos e comportamentos. Só que, como logo tive ocasião de dizer, ter-se-á passado, com um salto de Gulliver, do «zero» para o «infinito». À Administração fechada, ou semicerrada, sucederia, de jacto, uma Administração escancarada - ou uma Administração que, pela impraticabilidade do sistema, adoptasse a má usança de mandar às malvas o bem intencionado ditame constitucional, como que «condenado» a ser fonte ou de resistências ou de perturbações.
Bastaria, noutro plano, que um conjunto concertado de cidadãos metodicamente exercitasse o seu «direito de acesso», em profusão e por mero caprichismo, para que a Administração, se quisesse cumprir a regra constitucional, ficasse afogada em pedidos de acesso, bloqueada e quase que paralisada pelo atendimento desses pedidos. E à burocracia endógena já existente, aditar-se-ia uma nova e irresponsável burocracia, essa exógena: a do atendimento a avalanche das pretensões deduzidas. Os saudáveis e espevitadoras surtos de participação e de controlo cedo poderiam converter-se em bola de neve.
O direito atribuído na nova revisão é um «bom» direito, quando tributário de uma consciente afirmação de «cidadania cívica», mas não se poderá, como é meridianamente óbvio, converter num direito potestativo e indiscriminadamente exercitável, por discutíveis propósitos de afirmação ou por feios propósitos de excessiva intromissão.
As coisas são como são, e não tenho o hábito de dourar as regras que possam deteriorar o sistema; no que sempre apostei e aposto é em tornar viável a regra, essa sim, de ouro, de fazer com que as burocracias não troquem as boas funções que lhe dão um sopro de humanismo pelas censuráveis disfunções em que tantas vezes se desmantela a intrínseca dignidade da Administração Pública.
Dá-se ainda a circunstância - não de somenos relevo - de, se intocada ficasse a «soberania» do n.º 2 do artigo 268.º, esvaziado ficaria o sentido utilizável do n.º 1. Pois para que proclamar o direito à informação relativa inscrito no n.º 1 se qualquer pessoa, em qualquer caso, passasse a ter, ressalvadas as bem contadas excepções do n.º 2, o direito absoluto neste proclamado?
Ou por outras palavras: o n.º 2 do artigo 268.º absorveria, se nenhum tentame hermenêutico fosse ensaiado, aquele n.º 1. Realmente se qualquer cidadão tem o direito de saber o que consta de qualquer processo, ocioso será atribuir-lhe o direito de ser informado sobre o que consta daqueles em que seja directamente interessado.
Ao arrepio desta leitura, quase que apocalíptica, apenas poderá optemperar que o n.º 1 do artigo 268.º contempla um direito singular, quase que de natureza privatístico, das pessoas, supeditado pelos seus interesses, enquanto com o n.º 2 se prossegue um direito instrumental de um fundamental interesse público, que 6 o da transparência e o da consequente lisura da Administração. Pelo canal do n.º 1 farão os cidadãos valer os seus interesses, enquanto pela via do n.º 2 eles actuarão em abono e proveito do interesse geral da colectividade. Será, mutatis mutandis, o que contradistingue a acção popular ou comunitária das acções dirigidas à sustentação de interesses interessados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Indo ao fundo dos lúcios, sustentável será que o n.º 2 do artigo 268.º 6 de aplicação directa, por aplicação do n.º 1 do artigo 18.º da Constituição.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sem dúvida!
O Orador: - Isto foi uma coisa que o Sr. Deputado José Magalhães, que sabe muito, aprendeu comigo.
Mas os textos têm que ser vistos por todos - e até pelo Sr. Deputado José Magalhães - no seu contexto e na sua subjacência volitiva.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!
O Orador: - E a subjacência volitiva dos textos não é a que o Sr. Deputado José Magalhães quer, mas a que se encontra nos textos e a que o legislador quis.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!
O Orador: - Como logo adverti na referida declaração de voto - que terá refreado um pouco o iniciático entusiasmo do encore pas vu - leria o preceito que ser regulamentado, em termos de praticabilidade, realismo e meridiana sensatez..
O Sr. José Magalhães (PCP): - Claro! Como todos.
O Orador: - Aliás, se assim não fosse, descambaria num preceito fadado a não ser acatado - e nada pior pode sobrevir a um preceito que ficar «condenado» ao contumaz desrespeito ou a uma reticente observância.
Ora, na hipótese está em causa uma regra normativa emblemática e indispensável,...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Emblemática?
O Orador: - Sim, emblemática!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Concretize!
O Orador: -... tendente a abrir uma Administração secularmente fechada, pervertida por situações e mecanismos «artesanais» de um secretismo quase que de «direito divino».
E nisto, Srs. Deputados, estamos todos de acordo. No fundo, nós, aqui, por diversas formas e por diferentes palavras, dissemos todos o mesmo: todos nós estamos concentrados no mesmo propósito de fazer com que uma Administração fechada se abra para que todos os cidadãos tenham acesso a Administração. Contudo, e necessário que esse acesso não seja de tal forma incontrolável que obrigue a Administração a estabelecer, ela própria, fórmulas de controlo, que não tem censurabilidade ou sindicabilidade jurídica, e que, consequentemente, podem perverter por completo o sistema, tornando-o inoperante. O que pretendemos é criar um sistema que, de facto, funcione.
Estou convencido de que, da congregação dos projectos de lei do PSD, do PS, do PCP, em suma de todos os projectos de lei, e seja qual for o resultado da votação, que não posso antecipar - aliás, nem aqui estarei na terça-feira porque sairei em missão parlamentar da União Interparlamentar, e portanto nem sei qual vai ser o sentido de voto - poderá aproveitar-se muita coisa. Sobre-
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tudo, está subjacente a iodos eles a mesma preocupação em encontrar meios de tornar praticável este fundamental desígnio de abrir uma Administração que e, em si mesma, fadada para se fechar sobre si mesma, isto é, para se fechar no seu casulo tradicional.
E digo que não podemos cair no «oitenta», porque, pela aplicação directa, hipotizável numa hermenêutica estreme, do n.º 2 do artigo 268.º, iríamos muitíssimo mais além do que os sistemas escandinavos. E isso está explicitamente dito no meu relatório e no texto, que várias vezes já foi citado, do Dr. Barbosa de Melo, para além daquilo que nós próprios agora dissemos, e na própria lei francesa, que serviu de padrão - e muito bem!- ao projecto de lei do Partido Socialista.
O relatório do Colóquio de Grãz - que, aliás, já citei exactamente em fins de 1987, no parecer que elaborei e que foi aprovado em sede de comissão sobre o projecto de lei relativamente ao segredo de Estado - aponta para a adopção de cláusulas gerais e para a fixação de determinados documentos oficiais que terão de ficar subtraídos ao acesso público, o que terá de acontecer por via legislativa e não pelo arbítrio indiscriminado de não controlável da Administração.
O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado Mário Raposo.
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Reparei que, há pouco, teve dificuldade em ver qual era o tempo de que dispunha...
O Orador: - De facto, os meus óculos.
O Sr. Presidente: - Mas a Mesa tem todo o prazer em informá-lo que já está com tempo negativo.
O Orador: - Sr. Presidente, termino já.
O que pretendo dizer é que temos de encontrar uma fórmula que torne praticável o sistema; temos de refrear qualquer impetuosidade que possa advir da aplicação cega do artigo 268.º n.º 2; temos de aceitar que aquela ideia da fuga de informações, aquela obrigação de segredo a que deve continuar adstrito o funcionário, não se transforme agora numa virtude, de modo que o funcionário público que provocar mais fugas de informações terá uma condecoração por serviços distintos ao fim de tantos anos...
Evidentemente, não podemos modificar a vida, nem o sistema, nem o ordenamento geral da vida, tal como não aconteceu na Escandinávia. O que temos, sem qualquer dúvida, é que descodificar o gigantismo burocrático. É esse o escopo fundamental, embora seja evidente que terá de haver documentos confidenciais.
Termino exactamente recordando uma recomendação do Conselho da Europa, que passo a transcrever e com a qual finalização: «Na quase totalidade dos Estados membros - e isto é uma recomendação de Outubro de 1978. ...
O Sr. José Magalhães (PCP):- 12 anos! ...
O Orador: - Mas 12 anos também não alteram a vida! Há umas coisas que andam mais depressa mas outras andam mais devagar! No Conselho da Europa às coisas andam relativamente depressa, porque elas já estavam relativamente bem há 12 anos. Noutros sítios e que não estavam ...
Mas repito: «Na quase totalidade dos Estados membros do Conselho da Europa, não dispõe o público de um direito de acesso aos documentos ou processos oficiais e não existe uma obrigação geral para os poderes públicos de lhe comunicar informações. Pelo contrário, em muitos casos, os funcionários devem abster-se de divulgar informações e sujeitam-se a sanções disciplinares ou penais se violarem essa regra ...]. A regra do segredo deixa aos funcionários e ou poderes públicos, a nível nacional ou local, o critério de decidir se comunicarão as informações ao público ou a cenas pessoas e o de escolher o momento em que o farão.»
Ora, é evidente - e aí dou inteira razão ao Sr. Deputado José Magalhães ?- que este condicionalismo está ultrapassado,...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Completamente!
O Orador: -... mas não está ultrapassado nas legislações, Sr. Deputado! Está ultrapassado na perspectiva que devíamos ler das várias legislações. O Sr. Deputado encontrará as legislações escandinavas, a legislação francesa de 1978 - que, aliás, é contemporânea deste relato- e poucas mais. O que tem, evidentemente, de figurar é um conceito bem definido de segredo de Estado e das excepções àquelas ressalvas contidas no n.º 2 do artigo 268.º
E, de tudo isto, certamente resultará uma Administração mais transparente, mais aberta e posta em mais directa consonância com os interesses de todos, o mesmo é dizer com o interesse geral do País, que não se coaduna com o interesse particular do Sr. Deputado Alberto Martins, que até «desmaiou» com esta frase bombástica - e digo isto porque, como todos reparámos, há momentos atrás, até caiu da cadeira abaixo, quando, ao que julgo, a mesma se partiu.
Risos.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, como se vê, recuperei rapidamente do «desmaio»...
Risos.
Quero lembrar ao Sr. Deputado Mário Raposo que a legislação em vigor nos Estados membros do Conselho da Europa e da Comunidade sobre estas matérias tem tido, nos últimos tempos, uma grande velocidade de adaptação, e o certo e que, por exemplo, na Dinamarca, a lei, que é de 1985, traduz uma grande amplitude no direito de acesso aos documentos administrativos; a Constituição grega, de 1986, abre também, de forma muito nítida e ampla, o acesso aos documentos administrativos; a Constituição espanhola é a pioneira nesta matéria e tem uma amplitude similar à da Constituição portuguesa; em França, a lei de 1987 sobre esta matéria reajusta no sentido da maior abertura o acesso aos documentos administrativos; na Itália, a lei de Julho de 1986, onde não havia legislação, tem também esta amplitude suficientemente alargada e, do mesmo modo, outras legislações, como a do Reino Unido e a dos Países Baixos, abrem também um novo espaço neste domínio ao nível da Administração Pública.
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Isto é um documento que poderei considerar indiscutível, como que oficial, da Comissão das Comunidades Europeias, em que traça o novo perfil/Estado da situação da Administração aberta e onde a situação portuguesa ocupa, hoje, um lugar pioneiro, sim, mas não um lugar com essa voracidade excedentária, de transparência de paredes e telhados de vidro - esses poderão existir, mas não é pelas paredes de vidro -, tal como foi aqui citado pelo Sr. Deputado Mário Raposo, aliás numa intervenção, no essencial, muito adequada e rigorosa, mas neste particular, a meu ver, inadequada e inajustada, face à realidade actual da situação.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desta vez, é verdade. O Sr. Deputado Alberto Martins colocou a questão fundamental nesta matéria e assinalou a pecha principal do discurso do Sr. Deputado Mário Raposo.
Creio que o Sr. Deputado Mário Raposo está excessivamente fixado a uma fase determinada da construção da figura do arquivo aberto, do fim dos anos 70, em que, a certa altura, a preocupação pela abertura se compaginava com grandes apreensões quanto às suas consequências. Essa fase, como acaba de sintetizar o Sr. Deputado Alberto Martins, está largamente ultrapassada não só nos países comunitários como também noutros países que vem adoptando medidas similares.
Por outro lado, ainda que assim não fosse, o Sr. Deputado Mário Raposo será, seguramente, o primeiro a admitir que a prevalência das normas constitucionais obrigar-nos-ia sempre a elaborar legislação ordinária compatível com o quadro constítucional. Ora, o quadro constítucional, na sequência do texto que VV. Ex.ªs também aprovaram - aliás, foi aprovado por unanimidade-, é extremamente claro ao consagrar um direito fundamental para o exercício individual ou colectivo dos cidadãos de acesso aos arquivos ou registos da Administração em termos que só podem sofrer restrição com fundamento em motivos de segurança interna e externa, de necessidade de investigação criminal ou de preservação da intimidade da vida privada das pessoas.
E esse o quadro perante o qual estamos. Não vale a pena arrimarmo-nos a uma fase ultrapassada do direito comparado para justificar o embaraço que, porventura, possa provocar o facto de esse direito ter sido consagrado na ordem interna com uma amplitude tão grande, mas a verdade é que o foi.
Igualmente me congratulo com o facto de o Sr. Deputado Mário Raposo, na sua intervenção, ter sublinhado que são ilegítimas certas formas de regulamentação desta matéria por via de meras resoluções ou actos governamentais, porque se trata, de facto, de matéria de lei e em que só a Assembleia da República pode, portanto, intervir. E é isso o que agora vai acontecer,
A nossa esperança, Sr Deputado Mário Raposo, é a de que seja possível atingir-se um articulado equilibrado, o mais consensual possível, e que obedeça fielmente ao paradigma constítucional, até porque se não obedecesse aconteceria ou poderia acontecer uma coisa normal, que seria funcionarem as instituições e o diploma vir a ser objecto de sindicação junto da entidade jurisdicional competente, o que poderia ser, aliás, um atraso para a concretização do desiderato da Administração aberta.
Portanto, o nosso voto é no sentido de que nada disso seja necessário e que venha a ser possível a elaboração de um texto equilibrado que mereça a unanimidade desta Câmara.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Muno Raposo, vou dar-lhe a palavra para responder, mas peço-lhe que seja breve e que, em particular, evite que outro Sr. Deputado «desmaie»...
Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Mário Raposo (PSD): - Com certeza, Sr. Presidente, vou ser extremamente rápido.
Sr. Deputado Alberto Martins passou-me, com essa sua habitual brandura de palavras, um atestado de démodé. Estou démodé! ...
Risos do PS
Devo dizer-lhe que fiz um ponto da situação nesta matéria e que conheço a legislação escandinava. Exactamente a legislação escandinava de 1985, salvo o devido respeito, ao invés do que o Sr. Deputado acabou de afirmar, se, por um lado, abre, por outro, restringe, porque enuncia um maior número de restrições, que suo algumas centenas.
Entretanto, as Constituições grega e espanhola proclamam princípios, não os regulamentam. Os princípios ainda não estão devidamente regulamentados. Há evidentemente uma abertura muito maior... Só que, Sr Deputado, podemos andar de candeia acesa - à cautela com uma lâmpada de 200 volts!... - à procura de uma lei que se possa inspirar e cumprir fielmente, numa aplicação meramente textual e cega, o n.º 2 do artigo 268.º que não a encontraremos em parte alguma. E devo dizer que o próprio ...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Em Espanha é de aplicação directa!
O Orador: - Será de aplicação directa, mas esta surge com problemas... Se a nossa e ou não... Quem refêz a Constituição fomos todos nós e só daqui a cinco anos é que é refeita. Mas a verdade é que isso é um outro problema que me excede, pois estamos a falar em sede de lei ordinária.
Se bem me recordo, o próprio projecto de lei do PCP - e muitíssimo bem - estabelece restrições, que, aliás, são as que constam, salvo erro, de uma recomendação - e não estou tão démodé como isso! - do Conselho de Europa dos anos 80 e tal (já ultrapassei a barreira dos 80!...), naquilo que pode prejudicar a economia do País. Recordo-me perfeitamente das duas coisas.
Em suma, a coisa não é tão distorcida nem há uma pecha tão grande. O que temos, evidentemente, é de encarar a lei com olhos abertos para que haja realmente uma Administração aberta, para que tudo tique aberto e seja praticado. Não podemos estar, realmente, com rigorismos, e estou convencido de que todos os Srs. Deputados pensam da mesma maneira.
O Sr. Ferraz de Abreu (PS)- - Os deputados presentes!
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O Orador: - Neste caso até há uma certa unanimidade. Tenho até a impressão de que até parece haver uma certa «vergonha» de pensarmos todos quase da mesma maneira; no entanto, na unanimidade, porque, no fundo, somos todos pessoas de bom senso. Espero que o Sr. Secretário de Estado me releve, e até o Governo, por eu estar a falar em seu nome,...
O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Secretário de Estado também aprovou a revisto constitucional!
O Orador: - ... porque já sei que o Sr. Deputado está com olhos de quem concorda, está com olhos bem abertos. O Sr. Secretário de Estado até deveria estar um pouco molestado com o Sr. Deputado José Magalhães, mas, como tem um grande coração, vai perdoar-lhe.
Termino dizendo que suponho ter esclarecido que não estava tão démodé como isso e que, para além das Constituições que podem ser entendidas como de aplicação directa - aliás, Oscar Alzaga considera, no seu comentário, que o preceito da Constituição espanhola de 1978 não é de aplicação directa, mas a verdade é que pode ser considerada como tal... Claro, o Alzaga lá teria as suas razões!...
Risos.
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Todos tem!
O Orador: - Isso é outra história.
A verdade é que poder-se-á encontrar uma forma consensual, não num compromisso apócrifo de encontro ou de «comércio» de palavras, mas um compromisso que ao País aproveite, que sirva este conjunto de cidadãos que somos todos nós e que faça com que, na realidade, tenhamos a cidadania plena que nos dá a possibilidade de ter acesso não na medida em que somos deputados, ministros, isto ou aquilo, mas na medida em que somos cidadãos, à vida e à actividade da Administração Pública.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dou o debate por encerrado e informo que os diplomas apreciados quer na terça-feira passada quer hoje serão oportunamente votados.
A nossa próxima reunião plenária será uma sessão solene de boas-vindas a S. Ex.ª o Presidente da República da Índia e realizar-se-á na segunda-feira, dia 2 de Abril, às 16 horas e 45 minutos.
Terça-feira haverá uma outra reunião plenária, às 10 horas, e terá como ordem do dia a interpelação n.º 12/V, ao Governo, da iniciativa do PCP.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 30 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
António José Caeiro da Mota Veiga.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Pereira.
Arménio dos Santos.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Dinah Serrão Alhandra.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Flausino José Pereira da Silva.
Jaime Carlos Maria Soares.
João Álvaro Poças Santos.
João José da Silva Maçãs.
Joaquim Eduardo Gomes.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Leite Machado.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Rui Gomes da Silva.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Carlos Manuel Natividade Costas Candal.
Jorge Lacão Costa.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Partido Comunista Português (PCP):
António da Silva Mola.
João António Gonçalves do Amaral.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Octávio Rodrigues Pato.
Partido Renovador Democrático (PRD):
José Carlos Pereira Lilaia.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
José Luís Nogueira de Brito.
Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PEV):
Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Deputados independentes:
Maria Helena Salema Roseta.
Faltram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Henrique Nascimento Rodrigues.
Joaquim Fernandes Marques.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Pereira Lopes.
Licínio Moreira da Silva.
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Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Alberto Limpo Salvada
Partido Socialista (PS):
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Laje. Francisco
Fernando Osório Gomes.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Rosado Correia.
Laurentino José Castro Dias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Partido Comunista Português (PCP):
Ana Paula da Silva Coelho.
António Filipe Gaião Rodrigues.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Domingos Abrantes Ferreira.
Maria Elisa Amorim.
Deputados independentes:
Carlos Matos Chaves de Macedo.
Os REDACTORES: Anita Pinto da Cruz - José Diogo - Cacilda Nordeste - Isabel Barral.
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DIÁRIO da Assembleia da República
Depósito legal n.º 8818/85
NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.
AVISO
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2 - Para os novos assinantes do Diário da Assembleia da República, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano Os números publicados em Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa
3 - Os prazos de reclamação de faltas do Diário da República para o continente e regiões autónomas e estrangeiro são, respectivamente, de 30 e 90 dias à data da sua publicação
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