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23 DE MAIO DE 1990 2579

inadiável, quer por indeclináveis razões de natureza política decorrentes da teoria democrática, quer por motivos de ordem mais pragmática ligados à própria funcionalidade daquelas assembleias.
Desse trabalho se incumbiu a segunda revisão constitucional, ao suprimir a presidência do governador civil nas assembleias distritais, que, com atribuições e competências a definir por lei ordinária, ficaram agora apenas compostas por representantes dos municípios.
É, pois, o novo preceito do artigo 291.º da Constituição que o Governo pretende regulamentar, e por isso nos solicita a presente autorização legislativa.
Ora, não se contesta a legitimidade da iniciativa governamental, já que, estando em causa matéria que briga com o estatuto das autarquias locais, é meramente relativa a competência legislativa da Assembleia da República, que, por isso, a pode delegar no Governo, como resulta expressamente do artigo 168.º, n.º 1, e sua alínea s), da Constituição.
Só que, como se pondera no relatório da Comissão Parlamentar de Administração do Território, Poder Local e Ambiente, de que fomos autor, mas que foi aprovado por unanimidade, o n.º 2 daquele preceito constitucional obriga as leis de autorização legislativa a definirem não só o objecto como o sentido da autorização, sendo certo que a proposta de lei em apreço, neste último aspecto, nem sempre fornece pistas suficientemente aclaradoras.
Como ali se disse, a proposta limita-se a referir genericamente a necessidade de ajustar a composição das assembleias distritais e de actualizar as suas competências, mas não adianta critérios que desvendam o rumo que se pretende seguir nesse domínio, abstendo-se de esclarecer, designadamente, se a representação dos municípios e as competências do órgão vão ser ampliadas ou, pelo contrário, restringidas.
Deduz-se sem esforço que essas competências serão alargadas, na medida em que as assembleias distritais passam a assumir a execução das suas próprias deliberações, e diminuídas, na parte em que as receitas e despesas a cargo dos cofres privativos dos governos civis deixam de ser incluídas no orçamento do distrito.
Mas o que a proposta não esclarece é se são só essas as competências que estão em causa e, sobretudo, em que termos e que entidades criadas necessariamente no seio da própria assembleia, virão a deter o encargo de executar as suas deliberações.
Mistério ainda mais denso é o anúncio de ajustamentos na composição do órgão, que à primeira vista se antolham supérfluos ou mesmo injustificáveis, dado que a representação dos municípios, que a Constituição exige, tem estado pacificamente garantida pelas entidades indicadas no artigo 83.º da Lei n.º 79/77.
Como não se percebe também que haja necessidade de delimitar a duração de qualquer mandato, vinculado à exigência de representatividade autárquica, como se diz na alínea c) do artigo 1.º da proposta de lei em análise. Na verdade, se os representantes do município que compõem a assembleia distrital são presidentes das câmaras e das assembleias municipais e presidentes de juntas de freguesia, o termo do referido mandato coincide com o desses cargos, para que foram eleitos por sufrágio directo.
Causou igualmente perplexidade a intenção expressa na alínea f) do artigo 1.º da proposta de lei de vir a sujeitar as assembleias distritais ao regime jurídico da tutela administrativa, pois certo é que a Lei n.º 87/89, de 9 de Setembro, que regula este instituto, em nenhuma parte exclui do seu âmbito aqueles órgãos autárquicos.
Tardiamente se dispôs o Governo a dissipar as dúvidas assim suscitadas, pois só ontem, véspera da discussão e dia em que não há trabalhos parlamentares, remeteu ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista o projecto de decreto-lei que intenta pôr em vigor ao abrigo da autorização legislativa que lhe foi concedida.
Ora, esse diploma vem justamente denunciar os verdadeiros propósitos que animam o Governo e que ele, pelos vistos, desejou ocultar enquanto pôde, por não serem facilmente confessáveis.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Verifica-se, com efeito, do exame do referido projecto que é agora, quando o Governo perde o controlo, por intermédio do governador civil, das assembleias distritais, que as competências destas são drasticamente reduzidas, em vez de, pelo contrário, serem ampliadas, como manifestamente se impunha.

O Sr. Carneiro dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - Na verdade, o Governo vibra uma machadada nas suas competências mais significativas, que lhes estavam assinaladas no artigo 87.º da Lei n.º 79/77, privando-as do seu poder de intervenção, ali estatuído, para incentivar o desenvolvimento económico e social do distrito, para promover actividades que visem o desenvolvimento dos sectores produtivos e para aprovar recomendações sobre a rede escolar respeitante aos ensinos pré-primário, secundário e médio.
Mais surpreendentemente ainda, é agora, que a supressão do governador civil da sua composição mais acentua, como é óbvio, a sua natureza de verdadeiro órgão do poder local, que o Governo pretende negar-lhes essa condição, fingindo sujeitá-las, com uma disposição expressa, à tutela administrativa prevista na Lei n.º 87/89, como se as assembleias distritais não estivessem já a ela submetidas como órgãos autárquicos que eram e, por maioria de razão, continuam a ser e como se até aqui elas estivessem imunes de qualquer fiscalização e pudessem, assim, violar impunemente a legalidade democrática.
As razões políticas que estão na base desta afrontosa e absurda iniciativa do Governo são, aliás, facilmente desvendáveis.
A derrota que o PSD sofreu nas últimas eleições autárquicas inverteu a correlação de forças no conjunto das assembleias distritais em favor do Partido Socialista, que dispõe ali e agora de fartas e numerosas maiorias.
Perdido também o seu controlo pelo governador civil, que o artigo 291.º da Constituição assegurou até à segunda revisão constitucional, o Governo, esvaziando-as das suas competências, que já eram escassas, aniquila praticamente as assembleias distritais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Não é essa a razão!

O Orador: - Pensa o Governo que, se as assembleias distritais não estão do seu lado, o melhor é acabar com elas.
Reedita, assim, o essencial do conhecido drama brechtiano: se o povo é contra o poder, suprima-se o povo.
Pensa e vai o Governo consumar esta ofensa à democracia com o presente pedido de autorização legislativa.

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