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I Série - Número 79

Quarta-feira, 30 de Maio da 1990

V LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1989-1990)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 29 DE MAIO DE 1990

Presidente: Exmo. Sr. José Manuel Mala Nunes de Almeida

Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
Júlio José Antunes
Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas, dos requerimentos apresentados e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Alberto Martins (PS) criticou a anunciada proposta do Governo de suspensão do sistema de actualização automática dos vencimentos dos titulares de cargos políticos. Respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Pacheco Pereira - que também exerceu o direito de defesa -, Silva Marques e Luís Filipe Meneses (PSD) - que usou ainda da palavra para o direito de defesa -, Natália Correia (PRD) - que também deu explicações ao Sr. Deputado Silva Marques (PSD) - e Octávio Teixeira (PCP) - que usou (finda da palavra para dar explicações ao Sr. Deputado Pacheco Pereira (PSD).
O Sr. Deputado João Camilo (PCP) referiu-se ao acidente ferroviário da linha de Sintra, condenando a falta de condições de segurança naquela via.
A Câmara aprovou os votos n.ºs 153/V, de congratulação pelos 15O anos de vida da Beneficiência Portuguesa, e 152/V, de protesto pelos confrontos nos territórios ocupados por Israel, entre a polícia e a população palestiniana.

Ordem do dia. - Foram aprovados os n.º 66 a 69 do Diário.
Entretanto, a Câmara autorizou um Sr. Deputado a depor como testemunha em tribunal.
Usando do direito potestativo de marcação da ordem do dia, o Sr. Deputado Rui Silva (PRD) abriu o debate sobre o Serviço Nacional de Protecção Civil, lendo intervindo ainda, a diverso título, além do Sr. Ministro da Administração Interna (Manuel Pereira) e do seu Secretário de Estado Adjunto (Branquinha Lobo), os Srs. Deputados Narana Coissoró (CDS), Ângelo Correia, Jaime Soares e Antunes da Silva (PSD), Herculano Pombo (Os Verdes), Eduardo Pereira (PS), Tida Figueiredo (PCP), Gameiro dos Santos (PS), José Puig (PSD) e Lino de Carvalho (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 21 horas e 55 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, lemos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio dos Anjos Gomes.
Américo de Sequeira.
Amónio Abílio Costa.
António Augusto Ramos.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arnaldo Ângelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Casimira Gomes Pereira.
Cecília Pua Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.

aniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcíneo António Campos Rebelo.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.

ernando Barata Rocha.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Cosia.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva..
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Carlos Maria Soares.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maria Oliveira Martins.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Licínio Moreira da Silva.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Augusto Pinto Barros
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Cosia Andrade.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Amónia Pinho e Melo.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delcrue Alvim de Matos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Virgílio de Oliveira Carneiro.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes Silva Braga.
António Manuel Henriques de Oliveira.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Miguel de Morais Barreto.
Carlos Manuel Luís.
Edmundo Pedro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.

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Helena de Melo Torres Marques.
Henrique do Carmo Carmine.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Barbosa Mota.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Castro Dias.
Leonor Coutinho dos Santos.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Miguel Tavares Rodrigues.
Rui Pedro Machado Ávila.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António da Silva Mota.
Carlos Alfredo Brito.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Luísa Amorim.
Maria Odeie Santos.
Miguel Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Sérgio José Ferreira Ribeiro.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior.
Hermínio Paiva Fernandes Maninho.
Isabel Maria Ferreira Espada.
Natália de Oliveira Correia.
Rui José dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PEV):

Herculano da Silva P. Marques Sequeira.

Deputados independentes:

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura dos diplomas, requerimentos e respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: ratificação n.º 134/V, apresentada pelos Srs. Deputados Vítor Costa e outros, do PCP, relativa ao Decreto-Lei n.º 128/90, de 17 de Abril, que estabelece o enquadramento da Universidade Católica Portuguesa no sistema de ensino superior português; projecto de lei n.º 541/V, apresentado pela Sr.ª Deputada Paula Coelho e outros, do PCP, que reformula o subsídio de inserção dos jovens na vida activa, que baixa a 14.º Comissão; projecto de lei n.º 542/V, apresentado pelos Srs. Deputados António Filipe e outros, do PCP, que proíbe a discriminação salarial dos jovens, assegurando-lhes remuneração igual à dos demais trabalhadores, que baixa à 14.º Comissão; projecto de lei n.º 543/V, apresentado pelo Sr. Deputado João Salgado, que estabelece as regras sobre o uso da Bandeira Nacional, que baixa à 3." Comissão; proposta de lei n.º 149/V, que autoriza o Governo a legislar em matéria de exercício do direito de associação dos pais e encarregados de educação, que baixa à 8.ª Comissão; proposta de lei n.º 150/V, que concede ao Governo autorização legislativa para estabelecer o regime jurídico das infracções às normas reguladoras do mercado de valores mobiliários, que baixa às 3.º e 7.º Comissões, e proposta de lei n.º 151/V, que dá nova redacção à Lei n.º 14/79, de 16 de Maio - Lei Eleitoral para a Assembleia da República -, que baixa à 3.ª Comissão.
Entretanto, foram apresentados na Mesa, na última reunião plenária, os requerimentos seguintes: ao Ministério da Indústria e Energia, formulado pelo Sr. Deputado António Mola; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados José Lello, Elisa Damião e Ilda Figueiredo; no Ministério da Administração Interna, formulados pelos Srs. Deputados Carlos Luís e Luís Roque; a diversos ministérios, formulado pelo Sr. Deputado Rui Ávila: ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulado pelo Sr. Deputado Júlio Antunes; à Secretaria de Estado do Orçamento, formulado pelo Sr. Deputado Jerónimo de Sousa; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados António Vairinhos, Cerqueira de Oliveira, António Mota e Luís Roque; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Luís Roque, e à Câmara Municipal de Ribeira da Pena, formulado pelo Sr. Deputado António Mota.
Por sua vez, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: António Coimbra, na sessão de 5 de Dezembro; Odeie Santos, na sessão de 11 de Janeiro; Jerónimo de Sousa, na sessão de 12 de Janeiro; Paula Coelho, na sessão de 15 de Fevereiro; Alberto Martins e Filipe Abreu, na sessão de 15 de Fevereiro; Sérgio Ribeiro e Apolónia Teixeira, nas sessões de 20 de Fevereiro e de 19 de Março; Rogério Brito, na sessão de 23 de Fevereiro; Leonor Coutinho, na

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sessão de 13 de Março; Carlos Brito, na sessão de 22 de Março, e Marques Júnior, na sessão de 3 de Abril.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, prosseguindo o período de antes da ordem do dia, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Meneses.

O Sr. Luís Filipe Meneses (PSD): - Não, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. António Guterres (PS): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, de acordo com as regras do PAOD, as intervenções fazem-se por partidos. Não querendo o Sr. Deputado Luís Meneses usar da palavra, ela deverá ser dada a outro Sr. do PSD, antes do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não temos outra inscrição do PSD e o Sr. Deputado Luís Filipe Meneses considera não se encontrar ainda em condições para fazer a sua intervenção.

O Sr. António Guterres (PS): - O que quer dizer que o PSD perde a vez!

O Sr. Luís Filipe Meneses (PSD): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, esta manha comunicámos aos serviços da Mesa, não lhe posso precisar bem de que maneira, que prescindíamos da nossa inscrição no lugar em que a tínhamos.

O Sr. Presidente: - Então, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: É sobre vencimentos dos titulares de cargos políticos que irá incidir a minha intervenção, a qual se justifica pela recente deliberação do Conselho de Ministros, de que a imprensa se fez eco, relativa à suspensão da actualização automática dos vencimentos dos titulares de cargos políticos.
Em 7 de Novembro último, o Partido Socialista e toda a oposição disseram de modo impressivo, nesta Câmara:
O País está profundamente chocado com o aumento dos vencimentos para os quadros superiores da Administração Pública e, por arrastamento, para os cargos políticos em geral. E está chocado por duas ordens de razões.
Em primeiro lugar, porque 6 manifesto o exagero no desequilíbrio. Não tem sentido que, no mesmo momento em que se exerce uma repressão salarial significativa sobre muitos sectores da nossa vida económica e social, que conduzem a aumentos de salários pouco acima ou na ordem dos 10%, o
Governo aumente um conjunto de portugueses, entre os quais ele próprio, em cerca de 56% ...
Não há, por outro lado, evolução dos leques salariais induzidos pela CEE que justifique uma tal ruptura, tilo rápida, tão abrupta, que conduz, do nosso ponto de vista, a efeitos perversos, porque, em vez de atenuar, acelera os mecanismos de alargamento do leque salarial em Portugal.
O que não creio é que seja possível que o Sr. Primeiro-Ministro, autor material do aumento de 56 %, venha dizer perante o País que não foi ele quem propôs isso, mas sim a Assembleia cia República.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Devolva o aumento!

O Orador: - O povo português percebeu a esperteza provinciana e tomou consciência de que se o Governo quisesse evitar, então, a aplicação automática do aumento, na sequência do sistema legal de indexação e actualização em função do vencimento de director-geral e em referência ao Presidente da República, podê-lo-ia facilmente conseguir, propondo à Assembleia da República a suspensão das disposições que desencadeiam o aumento automático, como fez em 1988 e, ao que se sabe, parece querer fazer agora.
O Governo, então, preferiu a suprema hipocrisia de se aumentar, servir-se do aumento, aproveitar-se dele, mas transferir o ónus, o odioso, o pérfido da solução, para a Assembleia da República.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Tratou-se, na altura, de uma solução de injustiça relativa, como denunciámos, em face da forma como cia nasceu.
O Primeiro-Ministro ensaiou a farsa histórica, à medida da literatura de poche ou de «cordel», de quem «lava as mãos», insatisfeito, mas passivo, perante o despudor de deputados ávidos e insatisfeitos, aliás da sua bancada.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A história é por vezes ingrata. E é-o, sobretudo, para os contadores de histórias falsas ou para os heróis de aventuras cujo epílogo real vem, na verdade, a conhecer-se no futuro.
Este ano, ano pré-eleitoral, «ano um» depois do aumento e «ano um» antes das eleições, o Primeiro-Ministro descobre que, afinal, ele e só ele, o seu Governo e o seu grupo parlamentar, eventualmente a seu mando, e, por extensão, a Assembleia da República, podem suspender o automatismo do aumento dos políticos.
Isto é, depois dos 56%, chegou a moralidade, depois dos 56% de pretensa imoralidade da Assembleia da República, chegou a falsa moralidade do Governo.

Aplausos do PS, do PCP e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Primeiro-Ministro descobriu, no ano da graça de 1990, o que a oposição lhe sugeriu que fizesse em 1989.

Chegou tarde e parece que, na ausência de explicações plausíveis, quer ainda vestir o hábito de quem se enganou com o canto da sereia da moralidade revisitada, do «ano zero», distraído das leviandades e pequenezas de um aumento de 56%.

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Os Portugueses exigem transparência nas decisões, têm direito a ela, a democracia confere-lhes esse direito e, por isso, o Sr. Primeiro-Ministro tem de explicar por que motivo se aumentou, no último ano, 56%. manteve as regras que o permitiam - e podia ter desencadeado mecanismos para as alterar - e agora suspende aumentos normais.

O Sr. José Sócrates (PS): - Porque há eleições!

O Orador: - Quererá o Sr. Primeiro-Ministro reconhecer que o aumento do ano anterior foi exagerado, como o disse a oposição?
Quererá o Sr. Primeiro-Ministro reconhecer que errou e assumir o erro perante os que acusaram?
Quererá o Sr. Primeiro-Ministro penitenciar-se de ter usado, de modo gratuito, não sério e despudorado, a Assembleia da República, para cobrir um acto que, no limite, era da sua responsabilidade e do seu interesse?

Aplausos do PS.

Quererá ainda o Sr. Primeiro-Ministro informar-nos sobre o alcance da actual suspensão?
Quererá o Sr. Primeiro-Ministro informar-nos do aumento dos técnicos superiores da Administração, que vai agora, seguramente, propor?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Temos como certeza, como certeza segura (perdoem o tom pleonástico), que os invocados critérios de transparência, rigor e justiça, a que se alude para justificar a decisão governativa de agora, não nasceram em 1990.

Aplausos do PS.

Admitimos, porém, sem rebuço, que muitas coisas terão nascido em 1990. Por certo que o frenesim eleitoral do PSD, compreensível pelos últimos dados eleitorais, não seria o menos importante dos nascidos em 1990.
Mas importa dar o nome as coisas e recusar julgar qualquer vocação de angelismo, um angelismo ou angelicanismo serôdio e hipócrita, com que o actual Governo procura apresentar-se.
É uma exigência ética fundamental, inerente ao exercício democrático e não como resultado de qualquer pretexto ou monopólio de virtude, conhecer o fundamento das decisões, das não decisões e das mudanças súbitas de posição.
O Primeiro-Ministro tem de explicar por que se serviu, servindo-se, da caução democrática da Assembleia da República, pela obediência do seu grupo parlamentar, para um aumento de 56% e pretende, agora, os louros angélicos de um moralismo tardio.
Para seguir a voga cultural, eu diria até que, depois do aumento dos 56% do ano passado e desta súbita tentativa de suspensão, o Sr. Primeiro-Ministro se tornou no «primeiro português pós-moralista».

Aplausos do PS.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Tem de me explicar o que isso é!

O Orador: - A democracia exige uma nova ética da acção pública, assente na capacidade de diálogo, de respeito pelas regras e normas, numa clara identificação com mecanismos de transparência e de procedimento rigoroso e isento.
Pela nossa parte, desafiamos o Governo a que se deixe de equívocos sobre o que pretende.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Devolvam o aumento!

O Orador: - A única atitude digna que o Primeiro-Ministro poderia tomar perante o País seria: em primeiro lugar, reconhecer que o aumento de 56% dos titulares de cargos políticos por ele decidido em 1989 foi injusto; em segundo lugar, reconhecer que, tendo consciência desta injustiça e tendo receio da opinião pública, quis atirar com o odioso da decisão, de que só ele é responsável, para a bancada do PSD nesta Câmara; em terceiro lugar, propor à Assembleia da República não uma qualquer alteração de critérios, que sempre seria ele a decidir em última instância, como líder do PSD, mas a única coisa que os Portugueses poderiam compreender, ou seja, que, tendo sido exagerado, ou injustificado, o aumento de 56% concedido em 1990, não haja qualquer aumento em 1991 e que os novos critérios, quaisquer que eles sejam, só se apliquem a partir de 1992.

Aplausos do PS.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sejam coerentes e devolvam o aumento!

O Orador: - Vejo que os Srs. Deputados do PSD ficaram incomodados com a sugestão!

Protestos do PSD.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, termino concluindo...

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, pedia silêncio, para que o Sr. Deputado possa terminar a sua intervenção.

O Orador: - Como ia dizendo, termino concluindo que a democracia - e vale a pena lembrá-lo -, sobretudo em centros decisivos da acção pública, não pode cumpliciar-se com a duplicidade em que a voragem da autoconservação no poder tudo justifica.

Aplausos do PS, do PCP e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Pacheco Pereira, Silva Marques, Luís Filipe Meneses, Natália Correia e Octávio Teixeira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Deputado Alberto Martins, pensava que o recente Congresso do Partido Socialista tivesse tido, pelo menos, o mérito - não digo de vos dar mais imaginação, pois isso seria difícil - de suscitar um pouco mais de habilidade (já não peço imaginação!) da vossa parte. Infelizmente, os senhores resolveram iniciar o vosso período pós-congresso não falando dele (o que compreendo muito bem, porque nele nada existiu que mereça a pena ser falado),...

Aplausos do PSD.

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...quebrando, assim, uma praxe parlamentar, ou seja, a de, após os congressos, caso haja alguma coisa para dizer, vir aqui dizê-la.
Efectivamente, o último Congresso do Partido Socialista, à imagem do programa de governo que apresentou, foi completamente vazio de tudo. Consequentemente, não havia nada para aqui dizer.

Protestos do PS.

Em contrapartida, o Sr. Deputado veio aqui fazer uma coisa que, devo dizer-lhe, muito nos alegra, ou seja, veio aqui mostrar a substância da posição hipócrita de sempre do Partido Socialista em relação a esta questão de Estado: os vencimentos dos cargos políticos. E de hipocrisia, nesta matéria, os senhores tem toneladas.

Aplausos do PSD.

Em primeiro lugar, os senhores preocupam-se porque sabem que, a partir do momento em que a proposta do Governo comece a ser aplicada, deixará de haver aumento dos cargos políticos sem co-responsabilização da oposição, ou seja, os senhores não poderão continuar a fazer a hipocrisia que sempre fizeram, a de meter o aumento nos bolsos, andar contentes pelos corredores com esses aumentos, pedir-nos pelas alminhas para os aumentar...

Aplausos do PSD.

... e, depois, dado que a medida é impopular, transformar o PSD e o Governo em «bodes expiatórios», para tirar proveito político desses aumentos, enquanto beneficiam das vantagens económicas. Isso acabou!... Acabou!...
Tenho autoridade para falar sobre esta matéria, porque me manifestei, claramente, a favor do último aumento. Como lenho essa especial autoridade, quero dizer que os senhores foram hipócritas nessa matéria, como todos nós sabemos.
Ficaram contentes com o aumento, mas aproveitaram-se dele politicamente. Isso acabou!... Aumentos de vencimentos de cargos políticos, de responsabilidade de um único partido, acabaram-se!... Tais aumentos passarão a ser co-responsabilização do Governo e da oposição, ou seja, o ónus de uma medida que diz respeito a uma questão de Estado passa a ser comum à responsabilização do partido do Governo e à dos partidos da oposição.
Sei que isso é incómodo para os partidos da oposição, pois os senhores vieram hoje fazer aqui o discurso dessa incomodidade.
Se, daqui a um ano, daqui a dois anos, daqui a três anos ou a quatro anos, quiserem que haja aumento dos vencimentos de quem ocupa cargos políticos, apresentem então uma proposta nesse sentido e responsabilizem-se por uma questão de Estado de que deixaram de se co-responsabilizar, inclusive, esquecendo compromissos que tinham aceite.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados do Partido Socialista, além disso, a lei cuja aplicação passará a ser suspensa é uma lei vossa, assinada por um primeiro-ministro que era membro do Partido Socialista e por um Presidente da Assembleia da República que era também membro do Partido Socialista.
Os senhores não só não querem assumir as responsabilidades passadas como não querem, eventualmente, assumir as responsabilidades futuras.
Termino dizendo que compreendo que o secretário-geral do Partido Socialista, numa rara confissão de sinceridade, dissesse que o Partido Socialista tem um problema de credibilidade. Como contribuição diária para esse problema de credibilidade está a intervenção que o Sr. Deputado acabou de fazer.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Alberto Martins, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Alberto Martins (PS): - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Alberto Martins, também a mim me surpreende que, após o seu Congresso, os socialistas nos venham falar de dinheiro.
Julguei que viriam falar-nos da governação - era esse, pelo menos, o título do papel que aprovaram no vosso Congresso -, mas, afinal de contas, a convicção é pouca quanto à governação e, sobretudo, a preocupação é ainda menor. Afinal, a seguir ao vosso Congresso, aquilo de que os senhores nos vêm falar é de dinheiro!
De há uns tempos para cá os senhores não pensam noutra coisa senão em dinheiro! Foi a lei do financiamento dos partidos e agora é a questão da remuneração dos deputados. Os senhores estão obcecados pelo dinheiro!
Julguei que, ao menos, os senhores nos viessem falar de alguns aspectos menos brilhantes do vosso Congresso, como, por exemplo, do «amiguismo»! Todos os jornais falaram do «amiguismo»! É pior ainda, convenhamos, que o clientalismo, na medida em que o clientalismo é um conceito mais amplo! Eu diria, antes, que os senhores vão no «amiguismo».
Julguei que vinham justificar-se da notícia que vem publicada na primeira página dos jornais de hoje acerca do dinheiro que receberam ilegítima e ilegalmente dos Alemães, mas tal não aconteceu. Nada! Silêncio!

Aplausos do PSD.

Julguei que os senhores nos viessem hoje dizer, não só a nós, mas, sobretudo, ao País, o seguinte: «Deixámos de ter calotes, temos as nossas dívidas à Segurança Social pagas.»

Aplausos do PSD.

Mas os senhores não vieram falar das vossas dívidas e da forma de as pagar à Segurança Social. Os senhores deveriam ter um pouco de pudor e não falar em dinheiro enquanto tiverem essa dívida ou, pelo menos, enquanto não celebrarem um acordo com a Segurança Social para o seu pagamento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os senhores não vieram falar de nada disso, mas sim do que vos preocupa: dinheiro para o

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vosso partido e para os vossos deputados. A vossa preocupação hoje 6 apenas um problema de financiamento.
Pior do que isso, Sr. Deputado Alberto Martins, é que, como já referiu o meu colega Pacheco Pereira, os senhores têm tido uma conduta ético-política inadmissível. O vosso comportamento nesta Assembleia, quando se tratou do último aumento das remunerações dos cargos políticos, foi de bradar aos céus. A vossa atitude foi de um oportunismo revoltante.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Devolvam-no!

O Orador: - Se hoje, aqui, quisessem manter um mínimo de ética política - não vos estou a atacar pessoalmente -, o Sr. Deputado deveria ter subido à tribuna para dizer: «Srs. Deputados, aqui está o retomo que eticamente nós devemos sobre as remunerações que temos recebido e que rejeitámos!»

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Meneses.

O Sr. Luís Filipe Meneses (PSD): - Sr. Deputado Alberto Martins, na nossa opinião, o Partido Socialista, durante estes dois anos e meio de oposição, uma oposição que, pela amostra, se prevê longa, tem definido a sua intervenção, em termos de oposição, moldada essencialmente em quatro vertentes.
Uma das vertentes é a que, perante os factos, não pode deixar de reconhecer os progressos e o desenvolvimento a que o País assiste, mas atribui esse desenvolvimento a uma conjuntura interna e externa superfavorável.
Uma segunda vertente aponta para, de uma forma seguidista e inconsistente, se colar a tudo o que é maldizer, reivindicação, conflito social, a tudo o que ponha em causa o bom nome do Governo, por mais ilegítimos que sejam os argumentos envolvidos.
A terceira assume, de uma forma despudorada e com cândido descaramento, tudo o que são propostas históricas do Partido Social-Democrata e que hoje o Partido Socialista abraça como tendo sempre sido suas, quando ainda há bem poucos meses as repudiava de uma forma muito frontal. Poderia referir muitos lemas, como, por exemplo, o da televisão privada e o das privatizações.
Em quarto lugar - esta é para mim a questão mais importante que está ligada à intervenção do Sr. Deputado Alberto Martins -, o Partido Socialista, dando voz ao que ainda são alguns tiques maniqueístas muito ligados aquilo que é o passado político da maioria dos seus actuais dirigentes, tem a tentação permanente de estabelecer uma fronteira na vida política portuguesa, fronteira essa definida por conceitos pretensamente morais e éticos: de um lado estilo os bons e do outro os maus; de um lado estuo os puros e do outro os impuros; os puros são sempre os socialistas ou os seus compagnons de route e os impuros todos os outros.
Felizmente, a vida política portuguesa teve aquilo que para o Partido Socialista parecia ser um passo para a reconquista do Poder, mas que, perversamente, pode ser um passo para que fique durante mais uns largos anos longe do Poder: foi dar-lhe uns razoáveis resultados nas últimas eleições, particularmente nas autárquicas. Então, o Partido Socialista assume o Poder em algumas autarquias importantes e, ao fim de muito pouco tempo, pouco mais de 100 dias, os tais 100 dias de estado de graça que passaram, vê, de uma forma que não esperava, ser posta em causa esta quarta vertente essencial do que tem sido o seu discurso político dos últimos anos.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Um pobre discurso!

O Orador: - Peço então ao Sr. Deputado Alberto Martins que nos esclareça em relação a três ou quatro exemplos que nos parecem paradigmáticos.
Primeiro exemplo: onde é que estão a pureza e o comportamento eticamente irrepreensíveis do presidente da Câmara de Lisboa, que ignora a Administração Pública, os serviços camarários e a dedicação dos trabalhadores da Câmara, quando se preocupa em erradicar a praga dos pombos, mas vai enxamear a Câmara de Lisboa com a praga dos assessores...

Aplausos do PSD.

... e, segundo consta, com ordenados chorudos? Segundo se pensa, isto vai fazer com que o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa vá ter mais assessores do que o Sr. Primeiro-Ministro e com que todos os vereadores comunistas e .socialistas da Câmara de Lisboa venham a ser assessorados por um número de pessoas muito superior aos que o Governo do País tem na sua totalidade!

O Sr. Silva Marques (PSD): - É a avidez!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mais, Sr. Deputado Alberto Martins: onde está a ética política quando, por exemplo, o Sr. Presidente da Câmara do Porto faz bandeira eleitoral daquilo que era um compromisso que iria cumprir a seguir às eleições, ou seja, abandonar o Parlamento Europeu para se dedicar em exclusividade à Câmara do Porto?

Aplausos do PSD.

Terceiro exemplo: onde é que está a ética quando um presidente de câmara, muito conhecido do seu partido, que até é o actual presidente da Associação Nacional de Municípios, contrata como assessor para a Câmara de Vila do Conde um técnico que chefiou uma comissão de inquirição, que nada apurou, à Câmara Municipal de Vila do Conde?

Vozes do PSD: - É incrível!

O Orador: - Quarto exemplo: o Sr. Presidente da Câmara de Vila Viçosa, com os meios, o papel timbrado, os serviços e o pessoal da Câmara, organiza uma reunião partidária do Partido Socialista para promoção do seu secretário-geral e candidato a primeiro-ministro.
Sr. Deputado Alberto Martins, quando aquilo que é e tem sido a vertente fundamental do discurso político do Partido Socialista, em 100 dias e com as responsabilidades tão limitadas como suo as de governar autarquias, quando comparadas com as de governar o País, põe em causa essa vertente fundamental, que credibilidade tem para se apresentar ao eleitorado e querer governar Portugal, numa época tão importante para a nossa história como é a que agora estamos a atravessar?

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Deputado Alberto Martins, confesso que não é muito do meu estilo meter a foice nesta seara das remunerações de cargos políticos. Há, todavia, uma pergunta que a inteligência, a lógica e tudo quanto toma o indivíduo racional me obrigam a formular.
Quer-se congelar os proventos dos detentores dos cargos políticos, alagando-se o propósito de moralizar a respectiva classe. A ilação a tirar é, então, a seguinte: quando, por arrastamento determinado pela lei do aumento de 56% das remunerações dos directores-gerais, foi decidido pelo Governo aumentar os vencimentos dos detentores de cargos políticos, acaso se pretendeu com essa medida implantar a imoralidade na classe política?
A lógica da moralidade que agora se pretende estabelecer mediante o congelamento das remunerações levaria a essa conclusão... Ai de mim pensar que o Governo vem moralizar os políticos, apertando-lhes o cinto, num espectacular mea culpa de os ter empurrado para a imoralidade dos aumentos que lhes impôs!...
A razão é, portanto, outra: é difícil ver nela algo que não seja um gesto histriónico de farisaísmo eleitoralista.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Isso é injusto!

A Oradora: - Para si é injusto...

O Sr. Silva Marques (PSD): - O farisaísmo é vosso...

Vozes do PS: - Esteja calado, Sr. Deputado.

A Oradora: - Deixe-me acabar, Sr. Deputado...

Urna voz do PS: - Está a desestabilizá-la!

A Oradora: - Não, o Sr. Deputado Silva Marques não me desestabiliza. Eu sou das poucas pessoas neste Parlamento que estuo sempre a defender e a justificar as suas traquinices.

Risos.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Essa do farisaísmo é injusta!

A Oradora: - É, é evidente que 6 farisaísmo. Vou dizer-lhe porquê, vai ver o meu remate...

Protestos do deputado do PSD Silva Marques.

Não seja impaciente, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Vocês votaram contra e receberam o dinheiro!

A Oradora: - Mas vocês também gostaram de o receber! Gostaram todos!

Risos.

Mas, Sr. Deputado, não seja impaciente. Sente-se e ouça o que tenho para dizer.
Ora aí está o que me desagrada neste súbito puritanismo do congelamento dos salários.
E agora ouça, deliciado e enamorado das minhas palavras, se querem saber o que penso: acho que só seres inefáveis, seráficos, que não correspondem ao modelo humano dos que desempenham cargos políticos ou sejam que cargos forem, porque estão no convento, é que aceitam um congelamento que tem de lhes desagradar, sobretudo quando a inflação é uma sombra que alastra ameaçando devorar os salários. Mas lá que é farisaísmo eleitoralista sem dúvida que é!

O Sr. Silva Marques (PSD): - O farisaísmo é de quem votou contra e recebeu o dinheiro!

A Oradora: - Só se fossem parvos é que não o recebiam!...

Risos.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Alberto Martins, associamo-nos completamente, pela nossa parte, à denúncia que o Sr. Deputado fez sobre a posição farisaica e hipócrita do Governo e do Grupo Parlamentar do PSD em matéria de aumentos dos rendimentos dos titulares de cargos políticos.
Essa hipocrisia manifestou-se agora pela boca de um Sr. Deputado do PSD, quando apregoou que a partir de agora todos os aumentos serão transparentes.
A questão concreta que lhe colocaria é esta: porquê só a partir de agora?

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Não deturpe!

O Orador: - Por que não a partir de Novembro de 1989, quando o PSD, sozinho, votou contra o projecto de lei n.º 437/V, apresentado por deputados do PCP e de outros grupos parlamentares, que previa precisamente a suspensão do automatismo nos aumentos dos vencimentos dos titulares de cargos políticos? Por que é que só depois de receberem o aumento de 56% em 1989 é que vem agora com essa nova filosofia?

Vozes do PSD: - Vocês não receberam?...

O Orador: - Terá sido porque na altura os Srs. Deputados do PSD tinham a preocupação do dinheiro? Era isso, Sr. Deputado?

Aplausos do PCP e do deputado independente Raul Castro.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Silva Marques inscreveu-se para que efeito?

O Sr. Silva Marques (PSD): - É para exercer o direito de defesa, Sr. Presidente, porque a Sr.ª Deputada Natália Correia fez uma referência pessoal que imensamente me comoveu e contristou.

Risos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Não pode regimentalmente.

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O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputada, eu estou a invocar o direito de defesa.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Ah, bom!... É que em geral o Sr. Presidente não me deixa falar!...

Risos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr.ª Deputada Natália Correia, faço-lhe confiança porque a Sr." Deputada não é como o outro a quem faltava o golpe de asa. Eu acredito no seu golpe de asa. A Sr.ª Deputada é o além na poesia portuguesa e eu acredito em si. Não consigo conceber que o poeta se possa desligar das suas outras actividades: o poeta é o deputado e o deputado o poeta, a personalidade humana é uma unidade só. E a Sr.ª Deputada é-o com certeza. Por isso acredito na Sr.ª Deputada e em consequência tomo a palavra.
Concordei inteiramente com o discurso da Sr.ª Deputada e apenas reagi quando acusou outrem de farisaísmo, sendo certo que, se nos quisermos ater aos factos, o farisaísmo mais revoltante e mais caracterizado teve lugar quando a bancada socialista votou contra o aumento que foi aplicado aos cargos políticos, o recebeu e, no entanto, procedeu como uma galinha atordoada, esganiçando-se de farisaísmo, precisamente renunciando aos dinheiros como se não os quisesse. Foi a essa parte do seu discurso que reagi.
Concordo com ele, mas a Sr.ª Deputada tem de ter um acto de justiça. Não quero pedir-lhe que elogie outrem que não lhe agrade elogiar, mas é de uma injustiça flagrante acusar os outros de farisaísmo, quando foi precisamente a bancada socialista que teve o comportamento mais farisaico que pudemos ver aqui, neste Plenário, nos últimos anos.
Foi este ponto, Sr.ª Deputada Natália Correia, que me fez reagir. Tenho a maior consideração pela Sr.ª Deputada e não posso aceitar nem consigo imaginar que a sua personalidade se possa desdobrar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - O Sr. Deputado, e muito bem, dentro de um critério romântico que nos identifica, porque é um romântico envergonhado e eu sou uma romântica descarada... Sr. Deputado Silva Marques, é lindo ser-se romântico.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Pertenço ao romantismo do PSD!

A Oradora: - E eu pertenço ao romantismo português!

Aplausos gerais.

Mas, como romântico que realmente é, identificou, e muito bem, as minhas atitudes como deputada com a minha poesia. Está certo, pois é um ponto de vista romântico.
Defendo o poeta da vida tal como ele é a escrever. Estou plenamente de acordo, aceito e aplaudo.
No entanto, não posso, neste momento, acusar o PS de farisaísmo a propósito do congelamento dos salários, porque não foi ele que propôs esse congelamento e lambem está em campanha eleitoral.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Ó Sr.ª Deputada, não diga uma coisa dessas!

A Oradora: - Sr. Deputado, é verdade! Quem o propôs foi o Sr. Primeiro-Ministro! Estão ambos em campanha eleitoral, mas quem o propôs foi o Primeiro-Ministro.
Em relação ao Primeiro-Ministro, que, aliás, não é assim tão mau como as pessoas dizem, porque ele até é um pouco feminista - se querem saber a minha opinião.

Risos gerais.

Malgré lui.... Matgré lui, até é. Esconde isso para mostrar aquela inflexibilidade, mas no fundo daquela alma, aparentemente inflexível, há um gruo de feminismo apaixonado.

Risos gerais.

Mas, de qualquer maneira, o Sr. Primeiro-Ministro tem de «apanhar» porque é primeiro-ministro...

Vozes do PSD: - Ah! Ah! Ah!

A Oradora: - Ah! Então o Sr. Deputado Silva Marques não é um romântico a sério!

O Sr. Silva Marques (PSD): - E os socialistas não «apanham»?!

A Oradora: - Mas não estão no Poder, coitados! Risos gerais.

Quando eles estiverem no Poder... Risos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira, para exercer o direito de defesa da honra relativamente a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Octávio Teixeira ao Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - O Sr. Deputado Octávio Teixeira referiu que eu tinha dito que a partir de agora os aumentos iriam ser transparentes. O Sr. Deputado deve ter uma ideia estranha sobre o que é uma coisa transparente e o que é uma coisa opaca, porque se houve aumentos transparentes foram aqueles que ocorreram há pouco tempo. Foram claríssimos, e tão claríssimos foram que justificaram toda a discussão surgida à sua volta. Pelo contrário, uma atitude hipócrita em relação a esta matéria é a que corre o risco de tornar estas questões opacas e não transparentes.

que digo não é que se substitua um sistema transparente por um sistema opaco, mas sim outra coisa.
Se há presente que eu gostaria de receber depois do Congresso do Partido Socialista é este, pois o Sr. Deputado do PS acabou de revelar publicamente o discurso escondido por todas as bancadas da oposição há meia dúzia de meses, ou seja, o discurso do desejo que elas gostariam de ter tido, e que não tiveram, mas que a actual

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medida do Governo revela e põe ao de cima. Todos se estuo a lamentar por acabar uma medida de indexação que gostavam que continuasse para manterem a hipocrisia em relação a estas matérias.

Aplausos do PSD.

Por isso agradeço ao Partido Socialista esta brilhante estratégia de ter invertido o debate em relação ao que se passava aqui há meio ano e ter mostrado que uma atitude tomada há meio ano por ele próprio, pelo Partido Comunista e pelo PRD, que foram os que falaram, era efectivamente hipócrita nestas matérias. Esta é uma contribuição imprescindível para a clareza e para a transparência do debate político.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Pacheco Pereira, V. Ex.ª veio confirmar apenas aquilo que há pouco referi, isto é, a hipocrisia da bancada do PSD que, em Novembro de 1989, votou contra um projecto de lei que previa a suspensão do automatismo e vem agora, através do Governo, apresentar uma proposta de lei idêntica.
De facto, em 1989, os Srs. Deputados estavam preocupados exclusivamente com o dinheiro...

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Em vésperas de eleições autárquicas?!

O Orador: - ... e agora, para 1991, estão mais preocupados com os votos. É essa a hipocrisia dos senhores!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Os Srs. Deputados do PSD ficaram efectivamente muito nervosos com a intervenção que acabei de fazer...

Protestos do PSD.

... e têm, de facto, boas razões para isso, porque ficou hoje aqui claro que o aumento de 56% feito no último ano é da exclusiva responsabilidade política do PSD.

Aplausos do PS.

O Sr. Silva Marques (PSD): - É claro, votaram contra!

O Orador: - Ficou também aqui claro, mais uma vez, que há um manifesto acto medroso e hipócrita por parte do Sr. Primeiro-Ministro, quando não assumiu as responsabilidades do aumento e as imputou ao seu grupo parlamentar.

Aplausos do PS.

Não é verdade que o Partido Socialista não tenha tomado, em tempo, uma posição clara sobre esta matéria.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não vimos!

O Orador: - Em 7 de Novembro do ano passado, aqui, no Plenário da Assembleia, votámos favoravelmente, contra a vontade do PSD, uma proposta de suspensão da aplicação automática do mecanismo do aumento. Aliás, todos os partidos da oposição votaram contra esse automatismo imediato, só o PSD votou a favor!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Mas todos receberam!

O Orador: - Portanto, devo dizer também ao Sr. Deputado Pacheco Pereira que a nossa posição é clara: somos contra o aumento! A nossa posição é de tira-teimas, de congelamento imediato e também de congelamento para o próximo ano, se os senhores quiserem. Essa é a nossa posição!
Responda-nos a esta proposta. Não quer e não consegue responder, porque quer mais dinheiro!

Aplausos do PS.

Por isso, o Sr. Deputado Pacheco Pereira pode dizer que a minha intervenção é uma intervenção com pouca habilidade; na verdade, deixo as habilidades para o Sr. Deputado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Silva Marques, o que está em causa não é o método que aqui está a ser analisado, mas sim a questão do volume. E a questão simples do aumento.
Achamos que não «nasce» moral, depois de um aumento de 56 %, por «obra e graça
do Espírito Santo». Os senhores não têm moral, depois do aumento que fizeram, para dizer que querem ser moralistas a partir de agora.

Aplausos do PS.

E, em matérias de dinheiro, devo lembrar-lhes alguns factos, relativamente recentes, sobre os quais o Partido Socialista tomou uma posição clara: quanto ao financiamento de partidos, queremos transparência e por isso apresentámos um projecto de lei nesse sentido; quanto às incompatibilidades dos altos cargos políticos e públicos, queremos que não haja carreirismo, duplos vencimentos e compadrios, queremos transparência e não queremos dois ordenados; quanto à acumulação e desvio das verbas do Fundo Social Europeu, queremos transparência, rigor e verdade, enquanto os senhores fizeram esconder o inquérito.

Vozes do PS:-Muito bem!

O Orador: - Quanto às nossas dívidas, queremos lembrar que as temos, mas assumimo-las. Somos pobres, mas honrados. Iremos pagá-las e não temos qualquer riqueza não explicada.

Aplausos do PS.

Quanto ao que disse o Sr. Deputado Luís Filipe Meneses, devo lembrar-lhe que, quando falei aqui em ética, não me referia à ética individual, nem à ética

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pessoal, nem ao vulgarismo moral, pois não estou para aí virado. Referi-me à ética dos procedimentos políticos, à transparência e à lógica de um procedimento isento, rigoroso e não contraditório. Foi nisso que falei e não me referi às outras éticas, nem me quero referir, pois não me deixo cair no descaminho de trazer à Assembleia boatos sobre comportamentos de pessoas. Fiquem descansados a esse nível!

Aplausos do PS.

Quanto ao que disse a Sr.ª Deputada Natália Correia, devo dizer-lhe que o que está em causa é apenas o problema do aumento de 56% do último ano, que cominou uma injustiça relativa; isto é, quando existem portugueses que tiveram um aumento degradado, injustificável e injusto, o Primeiro-Ministro aumentou-se em 56%!

O Sr. António Vairinhos (PSD): - E o Presidente da República?!

O Orador: - Isso é intolerável numa democracia! Aplausos do PS.

Portanto, Srs. Deputados, a última palavra que vos deixo é: nada de hipocrisias, mas sim transparência...

Protestos do PSD.

... e resposta a esta questão concreta e à nossa proposta de congelamento imediato dos vencimentos dos cargos políticos e não aumento em 1991.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Pacheco Pereira pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Para defesa da honra, Sr. Presidente, a pretexto das habilidades.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - O Sr. Deputado Alberto Martins falou em habilidades e eu gostava de lhe dizer alguma coisa sobre isso: em primeiro lugar, não há maior habilidade do que a de vir aqui dizer que o Partido Socialista propõe o congelamento imediato dos aumentos dos salários dos políticos durante o próximo ano.
Efectivamente não há maior habilidade, nem maior demagogia - dessas nós lembramo-nos todos os dias pela manha, mas não têm dignidade para ser trazidas a esta Assembleia -, porque isso é uma pura habilidade política e os senhores sabem-no tão bem como nós...
Aliás, é interessante ver que os senhores não propõem uma única medida concreta de como passar, a partir de agora, a aumentar os vencimentos dos cargos políticos, mantendo a tradição de apenas criticar as medidas tomadas pelo Governo sem avançar com nada contra. Compreendo... maior habilidade do que essa não existe. Mas isso é ridículo, porque o que os senhores querem dizer é «como estamos em vésperas de eleições»... mas isso é que é um puro argumento traiçoeiro.
O Partido Socialista não está disposto a participar nem a avançar com qualquer proposta neste sentido, mas isso é a melhor tradução do desejo de o fazerem.
Aproveito para vos dizer que não admito nenhuma habilidade que passe pelo seguinte: ser contra os aumentos e a favor dos recebimentos. Isso é que é uma habilidade!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Luís Filipe Meneses pede a palavra para que efeito?

O Sr. Luís Filipe Meneses (PSD): - Para defesa da honra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Alberto Martins pretende responder já ou no fim?

O Sr. Alberto Martins (PS): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Deputado Pacheco Pereira, em matéria de habilidades, a minha opinião confirmou-se. Aliás, devo dizer-lhe que o Sr. Primeiro-Ministro e o Governo não tiveram a coragem de propor nada, apenas lendo suspendido.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Se fosse antes do congresso, já não era eleito!

O Orador: - No debate de 7 de Novembro de 1989, o PS propôs - está registado no Diário da Assembleia da República e vou lê-lo para que não haja dúvidas - que fosse realizado «em reunião plenária da Assembleia, com a presença do Governo, um debate político sobre a questão da evolução previsível dos leques salariais em Portugal, sobre os critérios de remuneração dos quadros em geral e, em particular, dos funcionários e agentes da Administração Pública e dos titulares de cargos políticos».

Vozes do PSD: - É só debates!... Qual é a vossa proposta?!

O Orador: - Portanto, isto significa que assumíamos, como assumimos e mantemos agora, a responsabilidade de fazer um debate sobre esta matéria, sobre a qual propusemos, no imediato, as medidas que anunciei, isto é, a suspensão dos aumentos para 1991.

Aplausos do PS.

Vozes do PSD: - Mas qual é a vossa proposta?!

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito regimental de defesa da honra, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Meneses.

O Sr. Luís Filipe Meneses (PSD): - Sr. Deputado Alberto Martins, referiu V. Ex.ª que eu tinha feito uma confusão entre aquilo que num partido, em sentido lato, é a ética política e aquilo que pode ser a ética ou comportamento individual de um ou outro titular de cargo político num determinado partido. Além disso, referiu lambem que os exemplos que dei eram a mera manifestação oral de boatos incomprováveis.
Sr. Deputado, em relação à questão da ética, admito - e não confunde nunca a «nuvem com Juno» - que o

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comportamento individual deste ou daquele político não arrasta atrás de si a boa imagem de um partido. No entanto, quando o comportamento se refere, não a um qualquer político de determinado partido, mas a políticos relevantes, com cargos de alta responsabilidade dentro do partido ou a um número quantitativamente significativo de titulares de cargos políticos desse partido, é a ética política dessa formação política que, em sentido lato, está em causa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, Sr. Deputado Alberto Martins, quanto aos boatos, referi quatro casos, sendo dois deles por de mais evidentes.
Na verdade, é público e por ele assumido o incumprimento da palavra por parte do Sr. Presidente da Câmara do Porto, o que acarretará consequências que, em lermos eleitorais, se irão provavelmente verificar daqui a alguns anos.
Em relação às contratações, por parte do Sr. Presidente da Câmara de Lisboa, de um sem-número de assessores, o Sr. Presidente da Câmara não o desmentiu quando, em sessão municipal, foi interpelado sobre esse facto.
Em relação aos outros dois casos, terei muito gosto em, na próxima reunião e em sede de interpelação à Mesa, entregar à comunicação social documentos que comprovam o comportamento, no mínimo eticamente reprovável, da Câmara de Vila Viçosa e do Sr. Presidente da Câmara de Vila do Conde, através de uma deliberação camarária que está publicada e que assume a contratação desse técnico que referi.
No entanto, Sr. Deputado, se eu tiver errado, não teria nenhum preconceito em vir aqui retractar-me.
Aliás, lembro-lhe, por exemplo, que há cerca de um ano, aquando da discussão do pedido de inquérito parlamentar do «caso Cadilho», desafiei o seu partido e o PCP, na altura na pessoa do Sr. Deputado Octávio Teixeira, referindo que quando as autoridades judiciais dissessem a última palavra sobre esse assunto e se tivéssemos razão, certamente poderia contar com o vosso retractamento público. No entanto, há poucas semanas, o Sr. Procurador-Geral da República tornou públicas as conclusões do inquérito que fez ao «caso Cadilho»...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, seria bom não se afastar da matéria que motivou o sou uso de palavra...

O Orador: - Eu termino já, Sr. Presidente.
Mas, como ia dizendo, o que se passa é que em relação a esse caso, como relativamente a muitos outros, quando a justiça nos vem dar razão, o vosso comportamento é o de ignorar as decisões da justiça!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É falso, porque a Procuradoria-Geral da República não fez nada daquilo que o senhor disse!

O Orador: - Também aqui se vê o que é o comportamento «eticamente irrepreensível» do PS!

Aplausos do PSD. Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Deputado Luís Filipe Meneses, depois do que se passou no Ministério da Saúde, no Ministério das Finanças e no âmbito da aplicação das verbas provenientes do Fundo Social Europeu, não cometerei a indelicadeza de tratar esses assuntos neste momento.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Camilo.

O Sr. João Camilo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O acidente ferroviário ontem ocorrido na linha de Sintra, que já provocou dois - mortos e mais de duas centenas de feridos, alguns dos quais em estado grave, só por acaso não se tornou numa tragédia de proporções incalculáveis.
Em vez de assumir as graves responsabilidades que lhe cabem, o Governo, em nota nessa manhã divulgada, procurou ligar o acidente à ocupação da via férrea por utentes da. CP na estação de Campolide, indignados com a situação que diariamente vivem: sobrelotação de comboios, degradação das carruagens, falta de segurança e supressão de composições.
Também o «rigoroso inquérito» na mesma nota prometido acabará, tudo leva a crer, por constatar a habitual «falha humana», desculpa com que o Governo e a CP sistematicamente se branqueiam de uma situação intolerável que nos faz ocupar um lugar no triste pódio dos acidentes ferroviários europeus: segundo lugar em vítimas mortais; terceiro lugar em número de acidentes na CEE e em quarto lugar a nível da União Internacional de Caminhos de Ferro, estrutura que abrange 19 países.
Os trabalhadores ferroviários tem repetidamente denunciado, através dos seus sindicatos, a situação de degradação em que se encontram comboios e vias férreas, bom como o facto de a tecnologia de segurança estar hoje completamente ultrapassada. Tal denúncia, que só tem encontrado ouvidos moucos por parte do Governo, tem sido tragicamente ilustrada por sucessivos acidentes ao longo dos últimos anos.
Enquanto o Sr. Primeiro-Ministro, ainda no passado sábado, numa das suas cada vez mais necessárias operações promocionais, prometia a renovação do nó de Campolide e as ligações Cascais-Alcântara-Azambuja e Sintra-Azambuja, continuam por concretizar as muito mais antigas promessas contidas em sucessivos PIDDAC, que se enchem e esvaziam ao sabor das marés eleitorais.
A hipocrisia governamental que diz que, em matéria de comboios, vamos ter o melhor, porque o Governo tem governado bem, contrasta com a dura realidade dos que todos os dias se deslocam de e para Lisboa, vindos de Sintra, Cacem, Queluz, Amadora, Vila Franca ou Azambuja, em comboios sem quaisquer condições de conforto e segurança, vendo-se frequentemente impossibilitados de chegar a tempo e horas ao seu destino por falta de material circulante.
Com efeito, há que confrontar promessas e realidades, e, para isso, nada melhor que recordar a resolução do Conselho de Ministros de Fevereiro cie 1988, sobre o plano de acessos a Lisboa e o plano de modernização da via férrea.
Se constatarmos que, dos 2,5 milhões de contos que a resolução inscrevia como verba a gastar pelo Gabinete do Nó Ferroviário de Lisboa para o biénio 1988-1989, a execução se ficou pelos 665 000 contos, tendo o Governo

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inscrito para este ano uma verba de 1 230 000 contos, quando na cilada resolução previa uma verba de 3,5 milhões de contos, ficamos com uma ideia do que pode a demagogia e a falta de vergonha e de como objectivos meramente eleitoralistas e de propaganda se sobrepõem 5 necessária protecção da segurança e do bem-estar dos cidadãos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Porque é de segurança que também tem de se falar quando há anos o Governo vem com grande alarido anunciando a entrada em funcionamento de mecanismos automáticos de segurança a instalar nos comboios, sem que até hoje se tenha dado pela sua existência.
Assustado com a repercussão pública dos acidentes, pressionado pelos trabalhadores ferroviários e pelas comissões de utentes, é natural que o Governo, mais uma vez, venha a desdobrar-se em promessas de verbas e medidas. Só que já há muito que o seu capital de crédito foi desperdiçado e os Portugueses já não lhe dão confiança.
A Assembleia da República deve intervir para contrariar este estado de coisas.
Com este objectivo, o PCP, além de um voto de pesar, para ser discutido e votado nesta mesma sessão, apresentará um projecto de deliberação, tendo em vista uma audição parlamentar, requerendo a presença do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, do presidente do conselho de gerência da CP e do director do Gabinete do Nó Ferroviário de Lisboa.
Com esta audição, pretende-se aprofundar o conhecimento da situação, para que se possam propor as medidas mais adequadas ao interesse das populações.

Aplausos do PCP.

O Sr. António Guterres (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, pedi a palavra para solicitar uma interrupção dos trabalhos.
No entanto, como o Sr. Deputado Rui Silva pretende pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado João Camilo, interpelaria a Mesa nesse sentido no final desse esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos ires minutos e meio de tempo útil no período de antes da ordem do dia e, porque foram já apresentados há bastante tempo, a Mesa estaria na disposição de colocar à votação, sem discussão, dois votos de protesto e de congratulação - votos n.ºs 152/V e 153/V -, este último subscrito por deputados de todos os grupos parlamentares.

O Sr. António Guterres (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, caso não haja discussão nem declarações de voto, não nos oporemos a que isso seja feito antes da interrupção. Porém, na eventualidade de haver discussão ou declarações de voto, pediríamos a interrupção dos trabalhos na sequência imediata da resposta ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a proposta da Mesa acolhe o facto de não haver tempo para que haja discussão e declarações de voto. Assim, votar-se-iam os votos e, posteriormente, aceitar-se-iam declarações de voto por escrito.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, obviamente que o pedido de interrupção do PS é regimental e será, portanto, certamente atendido.
No entanto, estou inscrito para intervir neste período de antes da ordem do dia - aliás, penso que há outras inscrições - e, assim sendo, o que pergunto a V. Ex.ª é se reataremos ou não os trabalhos ainda em período de antes da ordem do dia. É que há já bastante tempo que não utilizo esta prerrogativa e pensava fazê-lo hoje, até porque ou abordo hoje o tema que pretendo tratar ou o mesmo perde qualquer actualidade.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Herculano Pombo, o período de antes da ordem do dia termina às 16 horas e 30 minutos, pelo que se a reunião for interrompida de imediato, ainda iremos ter três minutos de período de antes da ordem do dia após o seu recomeço.
Assim, a proposta que a Mesa fazia era votarem-se os votos referidos, interrompendo-se imediatamente a reunião após essa votação.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, não temos qualquer objecção a que se proceda, desde já, à votação do voto n.º 153/V.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques, a informação que a Mesa dispõe é a de que eslava prevista para hoje a votação de ambos os votos, até porque foram considerados como tal e já distribuídos - o voto n.º 152/V no dia 22 e o voto n.º 153/V no dia 24...

Pausa.

Srs. Deputados, vamos então proceder à votação do voto de congratulação n.º 153/V.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.

É o seguinte:
A Beneficência Portuguesa do Rio de Janeiro está a comemorar os 150 anos da sua admirável história de acção humanitária.
Criada em Maio de 1840 por um pequeno grupo de homens como João Marcelino da Rocha Cabral,

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Hermenegildo Pinto e João Nunes de Andrade, constituiu um primeiro núcleo inspirador do associativismo dos portugueses dispersos no Brasil recém-independente. Valer aos compatriotas no desemprego, na doença, na velhice, concedendo donativos, oferecendo trabalho, alfabetizando, fazendo formação profissional, foi o seu objectivo inicial, evoluindo, com o tempo, as necessidades, crescentes meios e contributos, para o domínio da assistência hospitalar, tornando-se uma instituição mobilizadora e representativa da comunidade e lambem verdadeiro paradigma da organização dos Portugueses no Brasil inteiro, movidos que eram pelos mesmos generosos sentimentos de solidariedade e entreajuda.
A Beneficiência Portuguesa merece assim ser considerada um símbolo da nossa presença no Brasil e no mundo. A dimensão material da que é uma das maiores e melhores unidades de assistência hospitalar de toda a América do Sul e uma obra filantrópica extraordinária, é dada, realmente, pela dimensão humana dos seus fundadores e dos que, de geração em geração, a foram engrandecendo: os autênticos construtores das comunidades portuguesas, cujo historial e existência actual se confunde e identifica com a de entidades instituídas e mantidas à semelhança desta.
A Assembleia da República, ao lembrá-lo, associa-se às comemorações que no Rio enaltecem um século e meio de vida da Beneficiência, felicitando todos quantos lhe dão dedicada colaboração e os dirigentes, cuja reconhecida capacidade de continuar o espírito e os altos fins originários é certeza da sua plena prossecução futura.
Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação do voto de protesto n.º 152/V.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.

É o seguinte:
Nos últimos dias, intensificaram-se e agravaram-se os confrontos nos territórios ocupados por Israel - Cisjordânia e faixa ocidental de Gaza -, entre a polícia e o exército israelita e a população palestiniana.
Destes confrontos resultaram já dezenas de mortos e centenas de feridos na população palestiniana.
Numa altura em que se alarga o esforço no sentido da paz e do desanuviamento mundial, a situação imposta por Israel nesta região do Mundo, violadora e impeditiva dos direitos do povo palestiniano, nomeadamente o direito do povo palestiniano à sua pátria, não pode deixar indiferente a comunidade internacional.
Neste sentido, a Assembleia da República, não podendo ficar alheia a estas gravíssimas violações e atentados aos direitos do homem e à liberdade de um povo, protesta contra a repressão levada a cabo por Israel nos territórios ocupados da Palestina contra um povo que lula pelos direitos ao reconhecimento, à sua liberdade e à sua pátria.
Fica registado que o Sr. Deputado António Mota, bem como outros Srs. Deputados, enviarão à Mesa declarações de voto escritas.
Sr. Deputado Rui Silva, se conseguir fazer o seu pedido de esclarecimento em 30 segundos, tem a palavra.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, dado que a matéria sobre que incidiria o meu pedido de esclarecimento tem a ver com a intervenção do Sr. Deputado João Camilo, matéria essa que igualmente abordarei durante a intervenção que irei proferir já no período da ordem do dia, e porque, de facto, desejamos acelerar o processo, prescindo do pedido de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, conforme já linha anunciado há pouco, solicito uma interrupção dos trabalhos de 30 minutos, por forma que o meu grupo parlamentar dê uma conferência de imprensa, com vista a apresentar um projecto de lei quadro de áreas protegidas.

O Sr. Presidente: - É regimental e, por isso, está concedido, recomeçando os trabalhos às 17 horas. Está interrompida a reunião.

Eram 16 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 17 horas e 25 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em apreciação os n.ºs 66 a 69 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias dos dias 24 a 27 de Abril.

Pausa.

Como não há oposição, consideram-se aprovados. Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura de um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Srs. Deputados, há um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos, a solicitação do 2.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, relativo ao Sr. Deputado João Costa da Silva, no sentido de autorizar este Sr. Deputado a ser inquirido, na qualidade de testemunha, em processo que se encontra pendente naquele Tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação o parecer que acabou de ser lido. Não havendo inscrições, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta e João Corregedor da Fonseca.

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Srs. Deputados, vamos dar início ao debate sobre o Serviço Nacional de Protecção Civil, da iniciativa do Partido Renovador Democrático.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: As Nações Unidas decretaram o decénio que teve início em 1 de Janeiro passado como o decénio da redução de catástrofes naturais.
O Conselho da Europa e a Comunidade Económica Europeia iniciaram conversações tendo em vista a implantação de medidas conjuntas que visam minorar os efeitos das catástrofes naturais.
A Legislação existente, nomeadamente em diversos países da Europa e da América, prevê medidas com carácter de urgência e aplicação imediata em casos de catástrofes naturais, à imitação do que acontece no nosso país, mas com a única diferença de que, em Portugal, a questão da protecção civil continua a ser encarada como uma questão menor e ainda não mereceu por parle dos responsáveis e também dos responsabilizados a importância e a preocupação que esta matéria encerra.
A protecção civil, particularmente nas sociedades de tecnologia avançada, aparece no centro de uma problemática: a industrialização e urbanização das sociedades contemporâneas suscitam, com efeito, um aumento dos riscos que ampliam de forma considerável as consequências das catástrofes sobre as populações. Hoje, a opinião pública conhece, provavelmente melhor do que no passado, a incidência do risco e o seu carácter múltiplo e aceita mal que o contínuo aperfeiçoamento das técnicas não permita minimizar, paralelamente, os efeitos menos desejáveis.
Confrontados com a dupla necessidade de promover o avanço tecnológico e de melhorar a segurança dos cidadãos, «é da responsabilidade dos poderes públicos desenvolverem uma acção que vise dois objectivos fundamentais: prevenir os riscos de qualquer natureza; assegurar a protecção das pessoas, dos bens e do ambiente contra os acidentes e catástrofes.
A história ensinou-nos que quando uma catástrofe tem probabilidades de ocorrer, mais tarde ou mais cedo acontece. E o passado recente do nosso país tem demonstrado esta realidade! Veja-se o que sucedeu ontem na linha de Sintra, situação que vinha a ser alertada por parte dos diversos organismos responsáveis para a eminência deste acontecimento, que registou 2 mortos e 350 feridos, confirmando, uma vez mais, aquilo que se linha vindo a alertar de há longos anos atrás.
Em 1967, as cheias provocaram 457 vítimas na região de Lisboa; em 1978, a queda de um avião na ilha da Madeira provocou 131 mortos; em 1980, nos Açores, 70 mortos vítimas de um sismo; em 1985 e 1986, em Alcafache e Póvoa de Santa Iria, 81 mortes provocadas por acidentes ferroviários.
A combater incêndios nas nossas florestas, em dois anos seguidos, perderam a vida cerca de 30 bombeiros, aos quais se juntaram mais 6 na época passada, vítimas de acidente de viação quando se dirigiam ou regressavam dos locais de incêndio.
Em 1755, o terramoto de Lisboa provocou 20 000 mortos, ou seja, 10% da população de Lisboa da época, aos quais se juntaram 50 000 feridos e desalojados. O que aconteceria hoje, Sr. Presidente e Srs. Deputados, se a tragédia se repetisse? As medidas cautelares existem?
Os meios de apoio e assistência estão implantados? Existem programas de acção imediata e a prazo para a minimização do risco sísmico? Estuo, de facto, a ser implantadas medidas preventivas para minorar os efeitos catastróficos dos fogos florestais que têm assolado o nosso país nos últimos cinco anos? Em suma, a população portuguesa pode ou não sentir que vive num país onde a segurança e a salvaguarda das suas vidas estuo asseguradas? É o que tentaremos esclarecer no debate que hoje terá lugar nesta Câmara.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não queremos nem desejamos que, com as conclusões deste debate, se instale o pânico ou a suspeição no seio da sociedade portuguesa, mas não podemos, sob pena de sermos hipócritas, esconder ou escamotear a realidade da protecção civil do nosso país, que, séria e honestamente, desejamos hoje aqui debater, alertando e contribuindo para a sua inovação, modernidade e eficácia, de modo a podermos todos assumir a responsabilidade nesta matéria que, dizendo respeito a cada cidadão em gerai, deverá, em particular, merecer a atenção primeira de quem governa e legisla.
Existem, em nosso entendimento, quatro razões suficientemente justificáveis para que em Portugal se invista em protecção civil: primeira, razões humanas - as vítimas atrás ciladas suo por si só suficientes; segunda, razões sociais - os fogos florestais já destruíram mais de 600 000 ha de mata e floresta, alterando substancialmente o ambiente e as condições de vida da população residente nas áreas sinistradas; terceira, razões económicas - as cheias de 1978 custaram ao País 1 milhão de contos, as cheias de 1979, 2,5 milhões de contos, as cheias de 1983, 18 milhões de contos, e todos os anos ardem em Portugal milhões de contos de área florestal; quarta, razões de desenvolvimento - no Faial, por exemplo, a erupção de 1957 e os sismos de 1958 e 1973 custaram cerca de 1 milhão de contos, verba superior ao produto interno bruto da Regulo desenvolvido no mesmo período.
Por estas razões, não temos receio de afirmar que investir em prelecção civil não tem só a ver com a componente de segurança, mas também com razões humanas, sociais e económicas, e que é urgente e necessário que se encare esta realidade como uma prioridade deste ou qualquer governo, sob pena de se estar a contribuir, irresponsavelmente, para a descaracterização geográfica e ambiental do nosso país, simultaneamente semeando amargura, sofrimento e morte nos nossos cidadãos.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A protecção civil no nosso país está basicamente apoiada em dois organismos principais: Serviço Nacional de Protecção Civil e Serviço Nacional de Bombeiros.
O primeiro, criado pelo Decreto-Lei n.º 78/75, de 22 de Fevereiro, desempenhou funções provisórias através da sua comissão instaladora, que se manteve nessa missão de provisoriedade ale 1979, data em que foi criado o Centro Nacional de Emergência de Protecção Civil, definitivamente instalado em 1980 pela publicação da lei orgânica do sistema através do Decreto-Lei n.º 510/80.
Este organismo, dependendo directamente do Primeiro-Ministro, delega as suas competências no Ministro da Administração Interna, em tempo de paz, e no Ministro da Defesa Nacional, em tempo de guerra, e tem o seu sustentáculo nos serviços regionais, distritais e municipais. Pela sua grandeza e complexidade, ao que se associa uma total falta de meios humanos e materiais, não pode, nas

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actuais condições, ser um garante da salvaguarda das populações. Senão vejamos.
Não existe uma ligação directa via rádio eficaz entre os diversos organismos descentralizados. Os serviços centrais contactam por telefone sempre que é necessário obter ou dar qualquer informação. Por sua vez, estes organismos não têm, também cies, uma ligação directa com os diversos órgãos com que devem concertar estratégias em caso de acidente ou calamidade, nomeadamente Serviço Nacional de Bombeiros, Cruz Vermelha, Serviço Nacional de Meteorologia e Geofísica e forças de segurança (PSP, GNR e Guarda Fiscal), já para não falar das forças armadas.
Como resultado, em caso de necessidade de concentrar esforços e eficácia de serviços, o planeamento é difícil, para não dizer impossível. Bastará recordar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que no referido acidente da Póvoa de Santa Iria não houve policiamento que disciplinasse a curiosidade da população que acorreu ao local, e o trânsito ficou congestionado por completo, nomeadamente pelas dezenas de ambulâncias que para ali se deslocaram, tudo consequência do péssimo planeamento de estratégia adoptado. E pode dizer-se que este foi um acidente de pequenas dimensões! O que acontecerá se, por exemplo, um avião, ao aterrar na Portela, cair sobre a cidade de Lisboa? Podem-se imaginar as consequências?
Os centros coordenadores distritais de protecção civil, cujos delegados dependem, em primeira instância, do Sr. Governador Civil do distrito, confrontam-se com inúmeras e inexplicáveis dificuldades.
Primeiro: não se entende - isto, sem querer de modo algum pôr em causa a bondade da capacidade e experiência dos Srs. Governadores Civis - que um delegado distrital, a quem foi dada formação adequada para intervir em caso de emergência, não lenha a mínima autonomia para decidir seja aquilo que for sem prévia consulta ao governador civil. Nalguns casos, nem viatura própria possui e os meios financeiros são, na sua quase totalidade, disponibilizados pelas verbas do respectivo governo civil.
Os mesmos delegados distritais não possuem um único documento pessoal identificativo das suas funções e responsabilidades e vêem, muitas vezes, impossibilitado o acesso a locais de catástrofe onde se preveja que possa acontecer. E tais delegados, a quem a lei obriga uma disponibilidade de 24 horas diárias, não possuem sequer um subsídio extraordinário de isenção de horário.
Não há um único inspector de protecção civil, embora o quadro contemple a nomeação de sete elementos, o que significa que em todo o território nacional não se faz um único serviço de inspecção. E de um quadro total de 121 elementos previstos, apenas estão nomeados 61 - 50% para uma área tão melindrosa é, de facto, inexplicável.
E como é que se entende que a autoridade máxima distrital seja o governador civil, que, por força de lei, deve compatibilizar a sua actuação com as câmaras municipais, na pessoa do seu presidente, fazendo cumprir leis e normas, dependendo o primeiro do Ministro da Administração Interna e o segundo do Ministro da Administração Local. O governador civil não tem competência para proceder à execução da lei e, durante esta «troca de galhardetes», o delegado distrital pode passar a ser um mero espectador de algumas cenas, nalguns casos, dramáticas.
Mas o caso mais irresponsável é o do não cumprimento da lei por parte das autarquias locais, e, se estas são culpadas de não cumprir, não podemos também deixar de responsabilizar o Governo por não obrigar ao cumprimento da mesma.
Concluímos já que não há fiscalização nesta matéria. As comissões municipais de protecção civil não funcionam nem sequer existem na esmagadora maioria das autarquias locais. A alínea i) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 100/84, de 29 de Março, é suficientemente clara quanto à atribuição, às autarquias locais, da missão mediata de protecção civil das populações.
Numa recente sondagem, efectuada em 163 câmaras municipais, a que corresponde 59% da totalidade das câmaras, concluiu-se que apenas 6 câmaras possuíam serviço municipal de protecção civil, sendo, nalguns casos, total o desconhecimento deste órgão ao nível da autarquia. De facto, assim não temos nem podemos ter, de modo algum, implantado um verdadeiro serviço de protecção civil.
Convocado recentemente pelo Sr. Ministro da Defesa Nacional, reuniu o centro operacional de emergência de protecção civil, tendo sido dadas directrizes para se efectuar, com carácter de urgência, um estudo sobre o planeamento de medidas a adoptar em caso de catástrofe no nosso país. Não queremos ter a veleidade de supor que foi o agendamento deste debate que provocou esta medida, mas a nossa imodéstia também não nos impede de supor que alguma influência teve. E com isto não estamos naturalmente a afirmar que reprovamos esta medida, mas, muito pelo contrário, o que gostaríamos é que esta comissão não levasse outros quatro anos a apresentar um relatório circunstanciado do objectivo pretendido.
É urgente que se elaborem estudos sobre a ocupação sócio-económica das zonas potencialmente sinistráveis, que se façam levantamentos expeditos de meios e recursos existentes, previsões de necessidades de emergências médicas - compete-nos aqui recordar que ontem os serviços de emergência dos hospitais ficaram completamente saturados, sem capacidade de resposta -, estudos dos movimentos das populações, comportamentos das vias de comunicação, provisões de roupas, agasalhos, alojamento, alimentação, telecomunicações de emergência, meios de comunicação social, energias alternativas, planos preliminares anticatástrofes, nomeadamente sísmicas, de inundações ou incêndios de grandes portes, e que se procedam a exercícios regulares de prevenção.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se algumas destas medidas tivessem sido implementadas a tempo, como o sentido de responsabilidade assim o exigia, talvez, por exemplo, o nosso Chiado e a Baixa Lisboeta não tivessem sofrido tantas e tão graves consequências como resultado daquele incêndio; talvez a nossa costa da Madeira e Porto Santo não tivesse sido atingida pela trágica maré negra de há alguns meses atrás.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: São necessárias e urgentes medidas pedagógicas a nível nacional; é necessário investir, ensinando e responsabilizando quem de direito; é necessária a publicação urgente da lei de bases da protecção civil, cujo agenciamento aguarda há já 15 anos. Só assim se fará que o sistema se torne eficaz, coerente e garante de uma salvaguarda responsável e responsabilizada.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: No que se refere ao Serviço Nacional de Bombeiros e ao trágico flagelo dos incêndios florestais, muito se tem falado nestes últimos anos. O PRD, através de

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O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, então peço a palavra para defesa da honra e da consideração.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr: Angelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, muito obrigado por me ter concedido a palavra. De facto, justificava-se esta minha intervenção, mais do que em termos de defesa da honra e consideração pessoal, em termos de verdade política.
O Sr. Deputado Narana Coissoró acaba de nos lembrar o Sr. Engenheiro Adelino Amaro da Costa e os seus 15 princípios. Todos nós os recordamos! O Sr. Deputado Narana Coissoró acaba de recordar-nos que nenhum ministro da Defesa, a seguir, depois da morte do Sr. Engenheiro Amaro da Costa, teve a capacidade de implementar as suas medidas, invocando que tudo isso pertencia ao património cultural, pretérito do PSD.
Ora, o Sr. Deputado Narana Coissoró faltou à verdade, e fê-lo duplamente!
Em primeiro lugar, porque o ministro da Defesa, de Setembro da 1981 a Fevereiro de 1983, chamava-se Prof. Doutor Diogo Freitas do Amaral. Em segundo lugar, porque o ministro da Defesa, de Fevereiro de 1983 a Junho de 1983, chamava-se Ricardo Baião Horta, ambos do CDS!
Quem em primeiro lugar faltou à execução do testamento político do Sr. Engenheiro Adelino Amaro da Costa, nas palavras do Sr. Deputado Narana Coissoró, foi, nada mais, nada menos, aquele que hoje é o líder do CDS, partido ao qual o Sr. Deputado Narana Coissoró pertence.
Este debate, aparentemente, era sobre calamidades e catástrofes, mas transforma-se num debate político, por interposta pessoa. O Sr. Deputado do CDS quis atingir o seu líder! A cada um sua verdade!...

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, o que o meu querido amigo, Sr. Deputado Angelo Correia, acaba de fazer é confessar a sua própria incapacidade de, como Ministro da Administração Interna e principal responsável, durante algum tempo, pôr em execução muitas daquelas medidas que estavam aqui previstas no que cie próprio chamou de «testamento político do Sr. Engenheiro Adelino Amaro da Costa» quanto à protecção civil, não o ter feito e atirar para outros a execução das medidas no dia seguinte à morte de Amaro da Costa. Isto é, se o ministro põe 15 medidas para serem feitas durante o mandato, não é nos meses seguintes à sua morte que o Prof. Freitas de Amaral as iria pôr em execução!
Isto era um plano para médio prazo, era um plano para ser posto em execução através dos anos, porque o que está aqui é: «promover e coordenar a elaboração de estudos, desenvolver a cooperação de organizações que no País executem ou venham a executar acções no sector da protecção civil. Fomentar a criação e desenvolvimento de organizações públicas, adquirir materiais, comparticipação na aquisição, atribuir subsídios, contratar entidades ou organizações internacionais», etc., que, naturalmente, não podiam ser feitas imediatamente em 1981.
A única coisa que eu disse, e mantenho, é que faltou sempre a vontade política ao PSD, depois da experiência da AD, através dos seus sucessivos ministros, fossem da Defesa ou fossem da Administração Interna, para levar a cabo essa obra que tínhamos iniciado...

Vozes do PSD: - E o Baião Horta?!

O Orador: - O Baião Horta era da AD e esteve lá poucos meses e não as podia fazer, por motivos já sabidos. Além disso, sabe-se como é que o governo da AD caiu, o que é que então se fazia e não se deixava fazer.
Quando se trata do «bloco central», o PSD não assume responsabilidades, porque estas são sempre do Sr. Dr. Mário Soares. Agora, quando se trata de governos da AD, a responsabilidade é de cada ministro e não do primeiro-ministro. É a verdade! É a justiça que vocês prestam ao Sr. Dr. Pinto Balsemão. Realmente, com ele não se podia contar para nada! É esta homenagem que vocês prestam ao Sr. Dr. Mário Soares e não prestam ao Sr. Dr. Pinto Balsemão! Porque com o «bloco central», o PSD não teve nada a ver com isso porque a responsabilidade era dos socialistas! Com os governos do Sr. Dr. Pinto Balsemão, não era nada com o PSD nem com o Pinto Balsemão, era com cada ministro, porque era um confederação de ministros, o primeiro-ministro lavava as mãos cada vez que havia um problema importante.
Era isso que pretendia dizer o Sr. Deputado Ângelo Correia, que acabou por prestar a devida homenagem ao Sr. Engenheiro Adelino Amaro da Costa, como bem ele merece.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Soares.

O Sr. Jaime Soares (PSD): - Sr. Deputado Rui Silva, em primeiro lugar quero dizer que lenho muita consideração pelo meu querido amigo porque sei que é um homem há muitos anos ligado aos bombeiros, sei que tem alguns conhecimentos nesse sentido e trá-los aqui a esta Câmara.
Em relação à intervenção que hoje produziu, há alguns pontos como os quais concordo. Mas permitir-me-á que puxe aqui dos meus galões e lhe diga que sou bombeiro voluntário há 30 anos - se calhar, o decano dos presidentes das câmaras de Portugal depois do 25 de Abril - e, por isso, tenho uma experiência adquirida de uma prática do dia-a-dia, o que me permitirá chamar a atenção de V. Ex.ª para algumas coisas que entendo como menos certas.
A primeira questão prende-se com aquilo que o meu querido amigo abordou quando referiu que a protecção civil em Portugal continua a ser uma questão menor.
Ora, não concordo com isso por várias razões. Sabemos que os centros distritais de protecção civil estão a funcionar já com equipamento moderno. Sabemos também que foi criada legislação no sentido de as câmaras municipais deste país instalarem o seu serviço municipal de protecção civil e este Governo, tal como esta Câmara e todos os autarcas, desejam manter a sua autonomia. Se porventura algumas autarquias deste país ainda não têm a funcionar a sua comissão municipal de protecção civil não é porque não haja mecanismos legais para que isso aconteça!
Mas, aqui, haverá mais, meu querido amigo: há também dificuldades financeiras. Aliás, infelizmente, isso não se verifica só neste campo! Quantos serviços existem onde faltam verbas para conseguirmos ultrapassar as dificulda-

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des? Estas são questões de um país debilmente económico, de um país que vem tentando assumir-se, dia a dia, para atingir um estádio próximo dos valores da Europa. Garanto-lhe, Sr. Deputado, que não é, porventura, a falia de capacidade humana, mas sim - e também aceito - a falta de alguns meios motivados só por essa situação.
Falou o Sr. Deputado Rui Silva nos fogos florestais. Sr. Deputado, sabe, porventura, que a partir de 1985, portanto nos governos do PSD, já aqui existia o Decreto Regulamentar n.º 55/81, que não passava do papel, quando os governos do PSD constituíram um grupo de trabalho interministerial que tinha representantes dos bombeiros, da protecção civil, das florestas, das autarquias, para elaborarem um relatório que permitiu a constituição de uma comissão nacional especializada de fogos florestais?
Sabe V. Ex.ª que foi criado, nessa altura, o lugar de coordenador nacional de fogos florestais? Sabe que essa comissão elaborou relatórios que foram a Conselho de Ministros e que as orientações que daí saíram foram postas em prática? Sabe V. Ex.ª que em 1985 não havia qualquer CEFF (comissão especializada de fogos florestais) municipal a funcionar? Sabe que em 1986 funcionaram 14; em 1987, 60; em 1988, 80; em 1989, 110, e que em 1990 estilo a funcionar cerca de 130 CEFFs municipais? Sr. Deputado Rui Silva, temos de analisar calmamente todas estas questões.
Sr. Deputado, em Portugal não nos falta potencial humano; quanto muito, faliam-nos alguns materiais, como disse na sua intervenção, pelo que gostaria que me explicasse a questão dos subinspectores distritais, dos corpos profissionais, dos corpos mistos, e me dissesse como é que quer que isso funcione.
O Sr. Deputado, como bombeiro voluntário que é, pensa que já se potenciaram os valores máximos do associativismo que são o sustentáculo do voluntariado em Portugal? Não será este o melhor caminho, porque nós não temos problemas de meios humanos, para conseguirmos ler um corpo interventivo e manter viva a defesa dos bens e dos haveres das populações em Portugal? Não será que, de facto, teremos de contar com as estruturas dos bombeiros voluntários em Portugal?
Temos de ver a eficácia, os custos, e analisar as questões que podemos ter dentro de uma estrutura com tradições históricas na sociedade portuguesa, com valores ímpares no espaço universal, que é o associativismo e o voluntariado em Portugal.
Sr. Deputado, penso que teremos oportunidade de trocar mais algumas impressões sobre este e outros aspectos que telegraficamente estou a focar, mas ainda gostaria de dizer-lhe o seguinte: a doença está descoberta, a medicamentação também é conhecida, sendo certo que temos de utilizar não as aspirinas mas, sim, antibióticos, pelo que temos de procurar esses antibióticos e não fazer dos fogos florestais uma cobaia.
Para finalizar, gostaria de referir que V. Ex.ª esqueceu-se de falar na prevenção: os fogos florestais, como muitas outras coisas, evitam-se, não se combatem!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna (Branquinho Lobo): - Sr. Deputado Rui Silva, concordo e aplaudo parte da sua intervenção, pois, tal como o Sr. Deputado, sou adepto de medidas pedagógicas e não de proposições ou afirmações demagógicas.
No entanto, o Sr. Deputado falou durante grande parte do seu discurso sobre os bombeiros e sobre o Serviço Nacional de Bombeiros. Quanto a este aspecto, discordo de si, parcialmente, porque considero o Serviço Nacional de Bombeiros uma vertente de um sistema global e globalizante de protecção civil.
De qualquer maneira, gostaria que me esclarecesse alguns pontos, parte dos quais já foram referidos pelo Sr. Deputado Jaime Soares.
Na intervenção que produziu, o Sr. Deputado afirmou que as corporações de bombeiros e o Serviço Nacional de Bombeiros estuo em rotura. Ora; eu pergunto-lhe - e faço-o em termos de protecção civil; portanto em termos mais vastos - se considera que é rotura das corporações de bombeiros o esforço que tem sido feito na sua formação e na sua sensibilização.
Tendo em conta os meios que têm vindo a ser sucessivamente investidos no combate aos fogos florestais, quer em termos do aumento do número de grupos especiais de primeira intervenção, quer em termos do aumento de meios aéreos e respectivo material; considera o Sr. Deputado Rui Silva que não tem vindo a ser feito um esforço significativo neste domínio?
Permito-me, quanto a esta última questão, dizer-lhe que, de facto, tem vindo a ser feito um esforço significativo e com resultados. Vou tentar explicar-lhe por que razão o Sr. Deputado referiu valores de 1985 e de 1986 - se não estou em erro -, sobre qual o total da área ardida, mas esqueceu-se de uma coisa muito importante, que é o número de hectares por fogo. Trata-se de um dado objectivo e se compararmos os valores que apresentou com os do ano de 1989, que foi um ano terrível em termos de incêndios florestais, chegará à conclusão que, dada a redução desse número, os bombeiros estão melhor apetrechados, conseguem detectar mais rapidamente os incêndios e combatê-los com mais eficiência. Isto é um dado objectivo, e o Sr. Deputado, que e bombeiro, sabe-o bem! Não ponho em causa a sua boa-fé, mas estou a dar-lhe este dado. Perante isto, considera ou não que também nesta área há progresso? Na verdade, todos lamentamos os fogos florestais e a quantidade total de área ardida. Mas não será que se têm feito progressos?
Indo investir o Governo, como vai este ano, mais meio milhar de contos...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Meio milhar, não! Meio milhão!

O Orador: - Exacto, Sr. Deputado, muito obrigado pela correcção!
Como estava a dizer, indo investir o Governo mais meio milhão de contos em meios aéreos e em grupos especiais de primeira intervenção, aumentando os primeiros para 340, tendo no ar, quer no aspecto da prevenção quer no do combate a fogos florestais, 34 meios aéreos, entre os quais, pela primeira vez, um helipesado e um avião pesado, e ainda 32 brigadas heli-transportadas, o Sr. Deputado considera ou não que tem havido por parte do Governo um esforço, e não só, no aspecto material?
Finalmente, pergunto-lhe se considera ou não que e através destes meios, sobretudo da formação, que os

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bombeiros têm tido um contributo e não estão, como afirmou, em rotura.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Antunes da Silva.

O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Sr. Deputado Rui Silva, com toda a sinceridade, felicito-o pela iniciativa que o PRD tomou, particularmente o Sr. Deputado, ao proporcionar este debate, na generalidade, sobre protecção civil.
As questões que vou colocar-lhe prendem-se com os fogos florestais e com as corporações de bombeiros.
A dada altura da sua intervenção o Sr. Deputado defendeu a alteração da estrutura do Serviço Nacional de Bombeiros. Quanto a este assunto, embora o Sr. Secretário de Estado já tenha feito algumas observações, gostaria de dizer que estou de acordo com o Sr. Deputado relativamente à pretensão de alteração da estrutura de bombeiros porque entendo que este serviço, através das suas cinco inspecções regionais, deve ser dotado de meios humanos para que possa ter outra acção de fiscalização, designadamente de edifícios, escolas, casas de espectáculo, etc. Mas, se a reestruturação do Serviço Nacional de Bombeiros passa por uma diminuição das prerrogativas, das competências e dos poderes das corporações de bombeiros, então já não estou de acordo com o Sr. Deputado, pelo que peço que esclareça um pouco melhor esta parte da sua intervenção.
Relativamente ao reforço dos meios aéreos e dos grupos especiais de intervenção, devo dizer que a suficiência ou insuficiência dos meios de combate a incêndios não pode ser medida quantitativamente só por si; a suficiência ou insuficiência dos meios, na minha modesta opinião, depende das acções que são tomadas quer antes dos incêndios, em termos de prevenção, quer depois nas acções que são tomadas, de forma a racionalizar o repovoamento das áreas queimadas.
Na verdade, nunca houve, como actualmente, tantos meios postos à disposição do Serviço Nacional de Bombeiros, das corporações e das forças que articuladamente fazem protecção civil e, infelizmente, a floresta nunca ardeu tanto! Portanto, pergunto-lhe: será que não teremos de encontrar, noutras áreas, as razões para a situação que temos vivido nos últimos anos.
Finalmente, o Sr. Deputado defendeu a semiprofissionalização dos comandantes dos bombeiros e dos elementos de comando. Ora, Sr. Deputado, não sei se consciente ou inconscientemente, V. Ex.ª está a pôr em causa a capacidade das nossas corporações de bombeiros - também eu sou sócio fundador n.º 1 de uma corporação de bombeiros.
Pergunto-lhe, pois, se ao defender a semiprofissionalização dos comandantes e dos elementos de comando o Sr. Deputado não estará a pôr em causa a estrutura das corporações de bombeiros que assenta, e muito bem, no voluntariado. Ai de nós - a seguirmos o exemplo de outros países - quando destruirmos o voluntariado, quando destruirmos essa manifestação de solidariedade que iodos devemos enaltecer!... Mal da nossa sociedade se alguma vez destruirmos essa solidariedade!
A este propósito pergunto-lhe: será que as corporações de sapadores-bombeiros funcionam melhor do que as de voluntários.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Srs. Deputados, terei de ser breve, porque o meu partido ainda tem outra intervenção para fazer sobre esta matéria.
Penso que ficou justificada a necessidade de termos agendado esta matéria, porque conseguimos verificar - e não queremos acusar nem o Sr. Deputado Angelo Correia nem o Sr. Deputado Narana Coissoró - que, ao longo dos últimos anos, a discussão política tem-se centrado na evolução dos partidos dentro da sua própria estrutura partidária e têm sido descuradas várias matérias, entre elas a da protecção civil. Mas, ainda bem que hoje conseguimos apurar isso e nos encontramos aqui para, construtivamente, discutir a problemática da protecção civil.
Sr. Deputado Narana Coissoró, agradeço as suas palavras ao manifestar solidariedade com o nosso agendamento. De facto, foi em 1980, com o Decreto-Lei n.º 510/80, do Prof. Adelino Amaro da Costa, que teve início a implementação das tais 15 medidas constantes no diploma.
Concretamente, o Sr. Deputado perguntou-me se há ou não medidas previstas. É claro que há medidas previstas, mas não houve, ainda, vontade política de, responsavelmente, as pôr em execução. Lembro que estamos todos conscientes de que é preciso fazer muito mais do que aquilo que tem vindo a ser feito.
Sr. Deputado Jaime Soares, em primeiro lugar, quero agradecer-lhe as suas manifestações de carinho e de apoio, pois o senhor é bombeiro voluntário há 30 anos e conhece a situação melhor do que eu que, não sendo bombeiro voluntário, sou membro directivo há apenas 12 anos e tenho a minha sensibilização própria para esta matéria.
O Sr. Deputado falou na falta de capacidade humana; referiu que em 1985 se formou um grupo de trabalho, tendo sido criada a Comissão Nacional Especializada de Fogos Florestais; falou no coordenador nacional de fogos florestais; falou na existência de 132 CEFFs...
Sr. Deputado, eu apenas citei números! Mas, apesar de tudo o que o senhor referiu, mesmo assim, não se impediu que no ano passado houvesse mais do triplo dos fogos que seriam iminentemente necessários ou desejáveis para que não se continuasse a degradar a nossa floresta.
Portanto, a minha questão mantém-se e coloca-se: houve aumento de verbas; formaram-se estruturas; instituíram-se coordenações; aumentaram-se os grupos de intervenção especial, mas o que é certo é que a floresta continuou a arder. É isso que nos preocupa e é sobre isso que teremos de pensar! Serão necessárias as comissões especializadas ou os coordenadores a nível nacional? Quem tem ou não responsabilidade pelo facto de os fogos aumentarem? Enfim, é para discutir isso que nós estamos hoje aqui.
O Sr. Deputado Jaime Soares falou da doença, da terapêutica, da medicamentação, do facto de não se dever fazer das corporações de bombeiros a cobaia desta situação e perguntou por que razão é que não falei na vertente da prevenção. Sr. Deputado, recordo-lhe que em 1985 iniciei uma intervenção nesta Câmara dizendo que «os fogos florestais combatem-se no Inverno». Porém, tenho impressão de que V. Ex.ª não estava cá na altura...

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[...] Estas suo questões de um país debilmente económico, de um país que vem tentando assumir-se, dia a dia, para atingir um estádio próximo dos valores da Europa. Garanto-lhe, Sr. Deputado, que não é, porventura, a falta de capacidade humana, mas sim - e também aceito - a falta de alguns meios motivados só por essa situação.
Falou o Sr. Deputado Rui Silva nos fogos florestais. Sr. Deputado, sabe, porventura, que a partir de 1985, portanto nos governos do PSD, já aqui existia o Decreto Regulamentar n.° 55/81, que não passava do papel, quando os governos do PSD constituíram um grupo de trabalho interministerial que tinha representantes dos bombeiros, da protecção civil, das florestas, das autarquias, para elaborarem um relatório que permitiu a constituição de uma comissão nacional especializada de fogos florestais?
Sabe V. Exa que foi criado, nessa altura, o lugar de coordenador nacional de fogos florestais? Sabe que essa comissão elaborou relatórios que foram a Conselho de Ministros e que as orientações que daí saíram foram postas em prática? Sabe V. Exa que em 1985 não havia qualquer CEFF (comissão especializada de fogos florestais) municipal a funcionar? Sabe que em 1986 funcionaram 14; em 1987, 60; em 1988, 80; em 1989, 110, e que em 1990 estão a funcionar cerca de 130 CEFFs municipais? Sr. Deputado Rui Silva, temos de analisar calmamente todas estas questões.
Sr, Deputado, em Portugal não nos falta potencial humano; quanto muito, faltam-nos alguns materiais, como disse na sua intervenção, pelo que gostaria que me explicasse a questão dos subinspectores distritais, dos corpos profissionais, dos corpos mistos, e me dissesse como é que quer que isso funcione.
O Sr. Deputado, como bombeiro voluntário que é, pensa que já se potenciaram os valores máximos do associativismo que são o sustentáculo do voluntariado em Portugal? Não será este o melhor caminho, porque nós não temos problemas de meios humanos, para conseguirmos ter um corpo [...] e manter viva a defesa dos bens c dos haveres das populações em Portugal? Não será que, de facto, teremos de contar com as estruturas dos bombeiros voluntários em Portugal?
Temos de ver a eficácia, os custos, e analisar as questões que podemos ter dentro de uma estrutura com tradições históricas na sociedade portuguesa, com valores ímpares no espaço universal, que é o associativismo e o voluntariado em Portugal.
Sr. Deputado, penso que teremos oportunidade de trocar mais algumas impressões sobre este e outros aspectos que telegraficamente estou a focar, mas ainda gostaria de dizer-lhe o seguinte: a doença está descoberta, a medicamentação também é conhecida, sendo certo que temos de utilizar não as aspirinas mas, sim, antibióticos, pelo que temos de procurar esses antibióticos e não fazer dos fogos florestais uma cobaia.
Para finalizar, gostaria de referir que V. Exa esqueceu-se de falar na prevenção: os fogos florestais, como muitas outras coisas, evitam-se, não se combatem!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro
da Administração Interna.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna

(Branquinho Lobo): - Sr. Deputado Rui Silva, concordo e aplaudo parte da sua intervenção, pois, tal como o Sr. Deputado, sou adepto de medidas pedagógicas e não de proposições ou afirmações demagógicas.
No entanto, o Sr. Deputado falou durante grande pane do seu discurso sobre os bombeiros e sobre o Serviço Nacional de Bombeiros. Quanto a este aspecto, discordo de si, parcialmente, porque considero o Serviço Nacional de Bombeiros uma vertente de um sistema global e globalizante de protecção civil.
De qualquer maneira, gostaria que me esclarecesse alguns pontos, parte dos quais já foram referidos pelo Sr. Deputado Jaime Soares.
Na intervenção que produziu, o Sr. Deputado afirmou que as corporações de bombeiros e o Serviço Nacional de Bombeiros estão em rotura. Ora, eu pergunto-lhe - e faço-o em termos de protecção civil, portanto em termos mais vastos - se considera que é rotura das corporações de bombeiros o esforço que tem sido feito na sua formação e na sua sensibilização.
Tendo em conta os meios que têm vindo a ser sucessivamente investidos no combate aos fogos florestais, quer em termos do aumento do número de grupos especiais de primeira intervenção, quer em termos do aumento de meios aéreos e respectivo material, considera o Sr. Deputado Rui Silva que não tem vindo a ser feito um esforço significativo neste domínio?
Permito-me, quanto a esta última questão, dizer-lhe que, de facto, tem vindo a ser feito um esforço significativo e com resultados. Vou tentar explicar-lhe por que razão: o Sr. Deputado referiu valores de 1985 c de 1986
- se não estou em erro -, sobre qual o total da área ardida, mas esqueceu-se de uma coisa muito importante, que é o número de hectares por fogo. Trata-se de um dado objectivo e se compararmos os valores que apresentou com os do ano de 1989, que foi um ano terrível em termos de incêndios florestais, chegará à conclusão que, dada a redução desse número, os bombeiros estão melhor apetrechados, conseguem detectar mais rapidamente os incêndios e combatê-los com mais eficiência. Isto é um dado objectivo, e o Sr. Deputado, que c bombeiro, sabe-o bem! Não ponho em causa a sua boa-fé, mas estou a dar-lhe este dado. Perante isto, considera ou não que também nesta área há progresso? Na verdade, todos lamentamos os fogos florestais e a quantidade total de área ardida. Mas não será que se têm feito progressos?
Indo investir o Governo, como vai este ano, mais meio milhar de contos...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Meio milhar, não! Meio milhão!

O Orador: - Exacto, Sr. Deputado, muito obrigado pela correcção!
Como estava a dizer, indo investir o Governo mais meio milhão de contos em meios aéreos e em grupos especiais de primeira intervenção, aumentando os primeiros para 340, tendo no ar, quer no aspecto da prevenção quer no do combate a fogos florestais, 34 meios aéreos, entre os quais, pela primeira vez, um helipesado e um avião pesado, e ainda 32 brigadas helitransportadas, o Sr. Deputado considera ou não que tem havido por parte do Governo um esforço, e não só, no aspecto material?
Finalmente, pergunto-lhe se considera ou não que é através destes meios, sobretudo da formação, que os [...]

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[...] bombeiros têm tido um contributo e não estão, como afirmou, em rotura.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Antunes da Silva.

O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Sr. Deputado Rui Silva, com toda a sinceridade, felicito-o pela iniciativa que o PRD tomou, particularmente o Sr. Deputado, ao proporcionar este debate, na generalidade, sobre protecção civil.
As questões que vou colocar-lhe prendem-se com os fogos florestais e com as corporações de bombeiros.
A dada altura da sua intervenção o Sr. Deputado defendeu a alteração da estrutura do Serviço Nacional de Bombeiros. Quanto a este assunto, embora o Sr. Secretário de Estado já tenha feito algumas observações, gostaria de dizer que estou de acordo com o Sr. Deputado relativamente à pretensão de alteração da estrutura de bombeiros porque entendo que este serviço, através das suas cinco inspecções regionais, deve ser dotado de meios humanos para que possa ter outra acção de fiscalização, designadamente de edifícios, escolas, casas de espectáculo, etc. Mas, se a reestruturação do Serviço Nacional de Bombeiros passa por uma diminuição das prerrogativas, das competências e dos poderes das corporações de bombeiros, então já não estou de acordo com o Sr. Deputado, pelo que peço que esclareça um pouco melhor esta parte da sua intervenção.
Relativamente ao reforço dos meios aéreos e dos grupos especiais de intervenção, devo dizer que a suficiência ou insuficiência dos meios de combate a incêndios não pode ser medida quantitativamente só por si; a suficiência ou insuficiência dos meios, na minha modesta opinião, depende das acções que são tomadas quer antes dos incêndios, em termos de prevenção, quer depois nas acções que são tomadas, de forma a racionalizar o repovoamento das áreas queimadas.
Na verdade, nunca houve, como actualmente, tantos meios postos à disposição do Serviço Nacional de Bombeiros, das corporações e das forças que articuladamente fazem protecção civil e, infelizmente, a floresta nunca ardeu tanto! Portanto, pergunto-lhe: será que não teremos de encontrar, noutras áreas, as razões para a situação que temos vivido nos últimos anos.
Finalmente, o Sr. Deputado defendeu a semiprofissionalização dos comandantes dos bombeiros e dos elementos de comando. Ora, Sr. Deputado, não sei se consciente ou inconscientemente, V. Exa está a pôr em causa a capacidade das nossas corporações de bombeiros - também eu sou sócio fundador n.° 1 de uma corporação de bombeiros.
Pergunto-lhe, pois, se ao defender a semiprofissionalização dos comandantes e dos elementos de comando o Sr. Deputado não estará a pôr em causa a estrutura das corporações de bombeiros que assenta, e muito bem, no voluntariado. Ai de nós - a seguirmos o exemplo de outros países - quando destruirmos o voluntariado, quando destruirmos essa manifestação de solidariedade que todos devemos enaltecer!... Mal da nossa sociedade se alguma vez destruirmos essa solidariedade!
A este propósito pergunto-lhe: será que as corporações de sapadores-bombeiros funcionam melhor do que as de voluntários.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Srs. Deputados, terei de ser breve, porque o meu partido ainda tem outra intervenção para fazer sobre esta matéria.
Penso que ficou justificada a necessidade de termos agendado esta matéria, porque conseguimos verificar - e não queremos acusar nem o Sr. Deputado Angelo Correia nem o Sr. Deputado Narana Coissoró - que, ao longo dos últimos anos, a discussão política tem-se centrado na evolução dos partidos dentro da sua própria estrutura partidária e têm sido descuradas várias matérias, entre elas a da protecção civil. Mas, ainda bem que hoje conseguimos apurar isso e nos encontramos aqui para, construtivamente, discutir a problemática da protecção civil.
Sr. Deputado Narana Coissoró, agradeço as suas palavras ao manifestar solidariedade com o nosso agenciamento. De facto, foi em 1980, com o Decreto-Lei n.° 5 10/80, do Prof. Adelino Amaro da Costa, que teve início a implementação das tais 15 medidas constantes no diploma.
Concretamente, o Sr. Deputado perguntou-me se há ou não medidas previstas. É claro que há medidas previstas, mas não houve, ainda, vontade política de, responsavelmente, as pôr em execução. Lembro que estamos todos conscientes de que é preciso fazer muito mais do que aquilo que tem vindo a ser feito.
Sr. Deputado Jaime Soares, em primeiro lugar, quero agradecer-lhe as suas manifestações de carinho e de apoio, pois o senhor é bombeiro voluntário há 30 anos e conhece a situação melhor do que eu que, não sendo bombeiro voluntário, sou membro directivo há apenas 12 anos e tenho a minha sensibilização própria para esta matéria.
O Sr. Deputado falou na falta de capacidade humana; referiu que em 1985 se formou um grupo de trabalho, tendo sido criada a Comissão Nacional Especializada de Fogos Florestais; falou no coordenador nacional de Fogos florestais; falou na existência de 132 CEFFs...
Sr. Deputado, eu apenas citei números! Mas, apesar de tudo o que o senhor referiu, mesmo assim, não se impediu que no ano passado houvesse mais do triplo dos fogos que seriam iminentemente necessários ou desejáveis para que não se continuasse a degradar a nossa floresta.
Portanto, a minha questão mantém-se e coloca-se: houve aumento de verbas; formaram-se estruturas; instituíram-se coordenações; aumentaram-se os grupos de intervenção especial, mas o que é certo é que a floresta continuou a arder. É isso que nos preocupa e é sobre isso que teremos de pensar! Serão necessárias as comissões especializadas ou os coordenadores a nível nacional? Quem tem ou não responsabilidade pelo facto de os fogos aumentarem? Enfim, é para discutir isso que nós estamos hoje aqui.
O Sr. Deputado Jaime Soares falou da doença, da terapêutica, da medicamentação, do facto de não se dever fazer das corporações de bombeiros a cobaia desta situação e perguntou por que razão é que não falei na vertente da prevenção. Sr. Deputado, recordo-lhe que em 1985 iniciei uma intervenção nesta Câmara dizendo que «os fogos florestais combatem-se no Inverno». Porém, tenho impressão de que V. Exa não estava cá na altura...

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O Sr. Jaime Soares (PSD): - Estava, estava!

O Orador: - De facto, fui o primeiro a alertar para esta situação.
Já agora recordo a parte final dessa minha intervenção quando referi medidas que se deviam situar a médio e longo prazos no campo da prevenção e a curto prazo no da vigilância directa sobre a floresta e as arcas rurais. Portanto, não há dúvida, foquei essa problemática na minha intervenção.
Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, não 6 só o Serviço Nacional de Bombeiros que hoje está aqui em causa. Recordo-lhe que, por exemplo, uma das acusações que tem sido feita ao Serviço Nacional de Protecção Civil e ao Serviço Nacional de Bombeiros é serem dois organismos que continuam de costas viradas um para o outro. V. Ex.ª sabe muito bem que, por exemplo, em Espanha o inspector principal dos bombeiros é simultaneamente o primeiro inspector do Serviço Nacional de Protecção Civil.
Ora, isto quer dizer que em Espanha se conciliam esforços, pois de dois organismos que têm a mesma vertente, a mesma indicação de protecção contra incêndios e contra situações de catástrofe e calamidades, gerou-se um único organismo dependente de um ministério - o Serviço Nacional de Protecção Civil, o Serviço Nacional de Bombeiros.
No nosso país continua a não haver qualquer coordenação neste sentido. E o pior ainda é que, como já há pouco referi, Sr. Secretário de Estado, não há um único inspector do Serviço Nacional de Protecção Civil. Desde 1975 que, no quadro do Serviço Nacional de Protecção Civil, estão previstos sete e, no entanto, hoje não há um único inspector. E a única câmara onde existe um delegado do Serviço Nacional de Protecção Civil é a de Estarreja, isto quando eles deveriam existir em iodos os sítios com propensão para catástrofes. De facto, em mais nenhuma outra câmara existe um delegado municipal junto do Serviço Nacional de Protecção Civil.
Isto significa que só Estarreja está em condições ou admite-se a hipótese de haver calamidades ou catástrofes? São estas as situações para que alertei e, desde já, reafirmo que continuo a manter a minha posição.
Sr. Secretário de Estado, não tenho qualquer dúvida de que os meios foram intensificados. De facto, mais meios aéreos e mais grupos sociais de intervenção têm aparecido em cena, não só apoiando os bombeiros como também reforçando a acção da protecção civil em Portugal, mas continuam a ser insuficientes para que as corporações de bombeiros tenham, de facto, capacidade para fazer face às situações com que são confrontados.
Permita-me, agora, Sr. Secretário de Estado que lhe leia o seguinte:
A Federação dos Bombeiros do Distrito de Braga, reunida em plenário na sede da Real Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Vizela, em 30 de Setembro de 1989, sendo alertada pela gravidade da elevada frequência dos fogos já acorridos, aprovou a seguinte moção [isto em 1989]: Tendo-se verificado, até à presente data, excepcional número de fogos florestais, com consequente desgaste material de incêndio e total exaustão dos meios humanos envolvidos, a Federação dos Bombeiros do Distrito de Braga e há mais, não é só em Braga!...!, através de relatórios e de informações das suas federadas, conclui estar na presença de uma situação de ruptura, de pré-ruptura operacional, pelo que alerta todas as instâncias com responsabilidade no sector.
Sr. Secretário de Estado, não fui eu quem disse isto. Na realidade, não existe só em Braga, existe em outros organismos. É bem certo que acreditamos que este distrito está flagelado pelos incêndios, mas, de facto, existem zonas críticas e sensíveis que V. Ex.ª bem conhece.
Sr. Deputado Antunes da Silva, vou colocar-lhe só estas questões: V. Ex.ª é sócio fundador? É dirigente associativo? É bombeiro? V. Ex.ª passa 24 horas por dia numa associação de bombeiros? Está por dentro do problema? Assiste às dificuldades? Tem, muitas vezes, de deixar de dormir para poder corresponder às exigências que as populações fazem a uma corporação de bombeiros?
Perdoe-me, Sr. Deputado, mas acho que não! Ser sócio, Sr. Deputado, não é exactamente o mesmo que estar 72 horas no meio das chamas ou ter de estar disponível para servir o seu semelhante.
Apesar disto, acredito que, em algumas situações, V. Ex.ª possa ter alguma razão, mas não a tem toda!

O Sr. Antunes da Silva (PSD): - Não respondeu às questões que lhe coloquei!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna (Manuel Pereira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, gostaria de louvar a iniciativa do Partido Renovador Democrático por ter trazido a esta Assembleia um debate tão importante como o que respeita à protecção civil.
Apesar de o início deste debate ter levado um caminho que, em meu entender, não é o mais adequado para discutirmos a protecção civil, ou seja, desviou-se para aspectos sectoriais da protecção civil, sem termos a ideia do globo, do que significa este sistema, é sempre útil discutir estes assuntos, mesmo quando a preocupação maior é apenas elencar as carências e dar-nos conta de situações que todos reconhecemos e temos bem presentes.
Sr. Deputado, devo ainda salientar que o Governo participa neste debate com o maior interesse que é devido à natureza da matéria a tratar e, sobretudo, a um aspecto em que o Governo está particularmente interessado, que é o de fazer compreender melhor a todas as instituições e a todos os cidadãos, em geral, o que é verdadeiramente a filosofia e o enquadramento de um sistema de protecção civil. Acentuo, claramente, esta ideia de sistema para que não se continue a falar apenas de serviços sectoriais e para que possa ter-se a ideia globalizante do que pode representar, em termos de filosofia, em termos de direito e mesmo em termos constitucionais, o sistema integrado de protecção civil, pois é disso que se trata.
Se me permitissem - sem estar, de maneira nenhuma, a tentar canalizar o debate para um determinado aspecto -, gostaria de pôr a tónica, isto e, de acentuar, especialmente, o que é a diferença entre um serviço e um sistema.
Com efeito, a protecção civil, tal como a Constituição da República a qualifica - e também nós a entende-

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mos, não é pertença ou monopólio de qualquer serviço nem deve ser levada a cabo por qualquer organização com o privilégio de gerir, administrar ou executar. Como função essencial do Estado, a protecção civil constitui um sistema, multidisciplinar e multissectorial, cabendo, em primeira linha, aos cidadãos, às instituições públicas e privadas de nível local ou regional e, seguramente, ao Estado e aos órgãos de soberania. Seria, por isso, demasiado fácil atribuirmos ao Serviço Nacional de Protecção Civil a única responsabilidade pelas deficiências de organização do sistema, impedindo aquilo que viemos procurar aqui: um debate amplo e construtivo, uma troca de ideias e de experiências em que também o Governo procurou aprender e explicar de modo a obtermos perspectivas novas e orientações seguras.
Repito que o Governo participa neste debate com a consciência de que ele se reveste de muita utilidade, assumindo a parcela de responsabilidade que lhe cabe, mas deseja agora aprofundar as circunstâncias e as contrariedades legais e materiais com que, desde 1975, o Serviço Nacional de Protecção Civil tem vindo a deparar-se, apelando a outras responsabilidades não assumidas, com a simples intenção de mostrar a complexidade do problema, de sensibilizar outras instituições para o papel que lhes cabe na protecção civil e não como meio de diluição de responsabilidades.
Como o Sr. Deputado Rui Silva referiu, o sistema de protecção civil, como serviço, surgiu com o Decreto-Lei n.° 78/75, de 22 de Fevereiro, que especificava que ao Serviço Nacional de Protecção Civil competiria estimular o espírito de entreajuda dos cidadãos, o voluntariado como forma de provimento dos quadros e a regionalização como meio de actuação do Serviço.
Mais tarde, foi o Decreto-Lei n.° 510/80, de 25 de Outubro - que, como o Sr. Deputado Rui Silva também acentuou, continua ainda a ser o diploma fundamental da orgânica da protecção civil -, que um pouco se afastou desta filosofia inicial e o Serviço Nacional de Protecção Civil era agora concebido como um serviço prestado aos cidadãos e já não como um sistema em que os cidadãos tinham um papel importantíssimo a desempenhar.
De facto, este decreto-lei dizia que, a nível nacional, o serviço que seria assegurado pelo Serviço Nacional de Protecção Civil tinha como missão superintender e assegurar a coordenação geral dos estudos, planos e programas a elaborar e pelas acções a executar pelos departamentos do Estado e demais organismos que concorrem para a eficácia da protecção civil.
Também neste diploma foram atribuídas especiais responsabilidades às autarquias locais, que, aliás, só vieram a concretizar-se porque este decreto remetia para legislação posterior, como foi a Lei n.° 100/84, o que V. Exa. também referiu.
Isto significa que o sistema instituído pelo já mencionado decreto-lei tinha uma filosofia específica: descentralização do sistema; subsidiariedade - ou seja, o nível inferior somente recorre ao nível superior depois de esgotada a sua capacidade de actuação; coordenação a nível dos escalões superiores, especialmente do Serviço Nacional de Protecção Civil, órgão que, portanto, pressupunha toda uma estrutura de base a justificar a sua acção.
Feita esta pequena digressão, pergunta-se: em que situação nos encontramos neste momento?
No que respeita a serviços municipais, V. Exa. foi mais longe até do que eu pensava, pois falou apenas em meia dúzia de serviços municipais criados. Devo dizer que há aqui um longo caminho a percorrer, quer no que respeita a serviços municipais quer no que respeita a serviços distritais.
Devo realçar, no que respeita a serviços municipais, que a autonomia dos órgãos locais impossibilita qualquer intervenção do Estado, uma vez que a protecção civil representa uma das diversas atribuições do município, que é livre de escolher as suas prioridades, e nenhum diploma lhe comete esta acção como um dever, mas apenas como uma faculdade.
Face a este quadro jurídico e funcional, poderá dizer-se que os cidadãos não se encontram protegidos? É claro que não! Os bombeiros portugueses continuaram abnegadamente a cumprir as suas missões; a Comissão Nacional Especializada de Fogos Florestais (CNEFF) e as comissões especializadas de fogos florestais (CEFFs) - estas de âmbito concelhio - têm actuado no combate aos incêndios florestais com as limitações que V. Exas. aqui apresentaram. A Cruz Vermelha Portuguesa, a Caritas, os Serviços de Emergência Médica, as forças de segurança e as instituições de solidariedade social prestaram e prestam serviços inestimáveis às populações.
O Serviço Nacional de Protecção Civil desempenhou missões importantes quer na coordenação e apoio aéreo aos fogos florestais de 1983 a 1986 quer no apoio aos serviços locais, em ocasiões graves, como as cheias de 1979, de 1983 e de 1989; apoiou tecnicamente os exercícios de simulação de acidentes em Sines e Estarreja em 1988 e 1989, a pedido dos serviços municipais de protecção civil; realizou seminários, conferências, divulgou brochuras e panfletos para sensibilização dos cidadãos e das autarquias.
O que faltou, por ausência de um dispositivo legal, foi a integração destas acções num sistema coerente, assente em princípios claros em que a participação de cada elemento fosse aceite como um dever jurídico, e não apenas como uma fórmula de cooperação mal definida. Faltou a sensibilidade para o valor e alcance de uma estrutura baseada no dever dos cidadãos e das instituições intermédias, isto é, a criação de uma mentalidade de segurança.
O Serviço Nacional de Protecção Civil actuou neste quadro mal definido e deficientemente organizado. Não tem podido coordenar porque não existem as entidades de grau intermédio! Não tem participado na elaboração de planos operacionais porque não se criaram as instituições que deviam tomar a iniciativa dos mesmos - e refiro-me especialmente àquele ponto, que foi assinalado, das ausências de alguns serviços municipais.
Esta é a análise que o Governo tem vindo a levar a cabo, tendo concluído pela necessidade da elaboração de uma Lei de Bases da Protecção Civil, como consta do seu Programa do Governo. Teve em consideração todo este manancial de experiência recolhido nestes últimos 15 anos, os constrangimentos e os sucessos revelados e a evolução que se tem verificado nas instâncias internacionais a que pertencemos.
Compreendendo que se tornava necessário criar um sistema novo e não meras adaptações da legislação existente, optou pela ponderação, participação e diálogo, com vista à obtenção de consensos. Por vezes, é fácil montar um serviço, mas criar um sistema que represente um salto qualitativo relativamente ao que existe torna-se mais difícil.
A Lei de Bases da Protecção Civil, que o Governo começou já a analisar, procura ser o resultado de todo este conjunto de experiências e de ideias.

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Não é um trabalho acabado porque, por natureza, um sistema de protecção civil está em constante evolução, que é determinada quer pêlos avanços tecnológicos, quer peto crescimento urbano, quer pelas circunstâncias naturais. É um ponto de chegada relativamente a todo o acervo de experiências passadas e um ponto de partida face à evolução do futuro. É um trabalho que aguarda as melhorias que lhe possam ser introduzidas pêlos serviços que foram auscultados: o Conselho Superior de Defesa Nacional, o Conselho Superior de Segurança Interna os serviços regionais e outros. Para além dessas melhorias, a contribuição desta Assembleia da República, através deste debate, será de extrema importância para o Governo.
Na verdade, tratando-se de uma lei que visa organizar uma das mais importantes funções do Estado, ela carece de obter um vasto consenso, dadas as implicações que vai ter na atitude dos cidadãos e das instituições a que se impõe.
Ao lado da Lei de Defesa Nacional, da Lei do Estado de Sítio e do Estado de Emergência e da Lei de Segurança Interna, a Lei de Bases da Protecção Civil representará um passo decisivo para o enquadramento das funções essenciais do Estado e, tal como aquelas leis estruturamos, ela não pode confundir-se com os serviços que cooperam naquela função. Do mesmo modo que a Lei de Defesa Nacional ultrapassa a acção das forças armadas e a Lei de Segurança Interna não se esgota na acção das polícias, também a Lei da Protecção Civil não se poderá confinar à definição dos serviços, seja de bombeiros, de municípios, de distritos ou dos demais organismos do Estado.
É, antes - como se disse -, um sistema integrado que começa nos cidadãos como agentes de direito - o direito à informação sobre os riscos que corre-e como sujeito de deveres, na medida em que cada um contribui para a segurança da colectividade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pretendemos organizar um sistema de protecção civil para a realização desta função do Estado e não criar serviços. Em democracia, as funções essenciais do Estado dizem respeito a todos e responsabilizam todas as pessoas e todas as instituições. Os serviços são meros executantes.
É esta a mudança de filosofia que procuramos introduzir no sistema de protecção civil. Julgamos que ele será mobilizador das pessoas e das instituições, isto é, da sociedade. Julgamos que poderá incentivar o sentido de autoprotecção e de solidariedade, correspondendo melhor às necessidades actuais e aos riscos que a evolução tecnológica e o urbanismo comportam para os cidadãos.
Estaremos sempre disponíveis para ouvir todos quantos desejem contribuir, com o seu saber e a sua experiência, para a criação de um sistema de protecção civil mais eficaz e útil para a comunidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Herculano Pombo, Eduardo Pereira, Rui Silva, Narana Coissoró e lida Figueiredo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Ministro, já constatámos que, por razoes alheias à vontade de todos nós, o fogo deste debate parece estar já extinto, o que é pena porque este é um debate que interessa à generalidade dos cidadãos e por isso não se deve restringir a um sector da protecção civil, seja ele qual seja, nem sequer ao dos incêndios, que é, provavelmente, aquele que mais nos tem afectado e sobre o qual, penso eu, infelizmente teremos muitas e outras ocasiões para falar ainda este ano.
A questão que eu lhe quero colocar relaciona-se com outra área. O Sr. Ministro referiu exercícios efectuados, quer em Estarreja quer em Sines, e nós sabemos que em Portugal existem bolsas de elevado potencial de risco em termos de catástrofe humana e ecológica. Estas serão, de acordo com a sua tipificação nos livros, mais ou menos, cinco ou seis e dessas as de Estarreja e de Sines serão as mais complicadas, aquelas onde a catástrofe, de difícil contenção e até de difícil avaliação, é iminente e pode acontecer a qualquer hora. Ora o que se passou, Sr. Ministro, foi que, pelo menos de há alguns anos a esta parte, se têm feito os referidos exercícios de protecção civil, que são coordenados pêlos respectivos presidentes das câmaras, e a pergunta que eu lhe coloco é a seguinte.
Perante o resultado da avaliação dos exercícios efectuados em Estarreja e em Sines; perante os relatórios a que todos tivemos acesso; constatadas as deficiências e carências nas respectivas áreas, nomeadamente carências de infra-estruturas de saúde, que face a uma catástrofe são importantes - a zona de Sines não tem onde recolher os sinistrados e também tem dificuldade em evacuá-los para outras zonas - e não havendo essas infra-estruturas não vale a pena cuidar dos sinistrados porque n3o há onde cuidar deles em termos consequentes; perante dificuldades de infra-estruturas de comunicação e tendo-se feito unicamente exercícios de avaliação limitada dado não estarem incluídos os riscos de transporte de substâncias perigosas por caminho de ferro ou estrada e não querendo eu sequer questionar a participação empenhada de todos quantos participaram nesses exercícios, desde os autarcas ao Serviço de Protecção Civil, à Força Aérea, população, etc., e apesar de no último exercício em Estarreja - esta é a minha impressão - se ter passado uma espécie de repetição anual dos jogos sem fronteiras ou dos jogos de guerra em tempo de paz, em que há uma saudável emulação entre corpos de bombeiros, mas donde não resulta mais do que a consciência agravada e comprometida de que, ano a ano, se descobrem novas carências, novas deficiências e se alerta o Governo, se alerta o Ministro da Administração Interna, para que junto do Ministério da Saúde e dos outros ministérios se corrijam as deficiências e carências para finalmente se chegar à triste e lamentável situação de se aproximar o mês de Junho com exercícios anunciados para Estarreja e para Sines e os respectivos autarcas anunciarem à comunicação social que se negam a fazer os exercícios por as promessas de restabelecimento das infra-estruturas não terem sido cumpridas de há dois anos a esta parte.
Ora bem, isto é gravíssimo porque tanto Estarreja como Sines, Barreiro/Seixal e Cacia podem ser Sevezo ou Bhopal aqui em Portugal, e devemos ter consciência disso. O que aconteceu ontem foi um acidente ferroviário, apesar de tudo, menor, felizmente com apenas uma vítima mortal e muitos feridos, que embatucaram completamente os serviços de saúde em Lisboa; e Lisboa é Lisboa. Mas o que acontecerá se um dos depósitos de combustível líquido de Sines explodir? O que acontecerá se uma daquelas obsoletas empresas que continuam a fabricar produtos químicos altamente tóxicos em Estarreja tiver um problema, como já tem tido e como recentemente [...]

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aconteceu e não foi devidamente comunicado? O que acontecerá aos cidadãos que ali habitam?
É que quando se trata da protecção civil não basta haver um sistema, não basta haver um serviço, sendo fundamental haver informação da população. Sabe a população de Estarreja o que se fabrica em todas aquelas unidades industriais? Ou, escondendo-se a Administração atrás daquilo a que se chama o segredo industrial, escondem-se da população as verdadeiras substâncias e os seus efeitos nocivos em caso de catástrofe?
É preciso que se diga claramente às populações de Estarreja e de Sines - só para citar estes dois casos - com o que é que podem contar, por que estradas 6 que podem fugir, como podem ser evacuadas, a que sinais devem responder, porque, como é sabido, as comunicações suo um sector dos mais débeis neste tipo de exercícios.
Há deficiências enormes. Neste momento, as pessoas começam a falar e a estar preocupadas com o transporte e armazenamento de resíduos tóxicos, nomeadamente nas regiões de Sines e de Setúbal. Hoje os Portugueses continuam sem saber o que vai nesses camiões por essas estradas fora sem serem devidamente identificados. Quantas vezes os próprios motoristas não sabem o que transportam, e um acidente em qualquer ponto do País, mas sobretudo em zonas de elevado potencial de risco como são Estarreja e Sines, será de consequências imprevisíveis
E, ou bem que se tomam medidas e o Governo aceita este desafio com seriedade, e não digo isto com demagogia ou com intuito de ofender, mas com seriedade, e com seriedade não é executar exercícios que tenham relatório positivo, mas sim avaliar estes exercícios, identificar as carências e corrigi-las de imediato, porque não é direito que há dois anos se tenham determinado em Estarreja e em Sines carências de natureza infra-estrutural, nomeadamente na área da saúde, e nada, nada absolutamente, tenha sido feito para corrigir essas deficiências. Esta é talvez a razão pela qual os presidentes das respectivas câmaras se negam a repetir o mesmo jogo de guerra em tempo de paz ou o mesmo concurso de bombeiros com que as populações têm vindo a ser brindadas ao longo destes anos.
Sr. Ministro, 6 este o desafio que lhe faço. É ou não verdade que vai haver exercício? É ou não verdade que o Governo e o Sr. Ministro estão empenhados em reconhecer as carências, que carências há em todo o lado, mas estuo empenhados, sobretudo, em corrigi-las?

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro da Administração Interna, como há mais oradores inscritos para lhe formularem pedidos de esclarecimento, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Prefiro responder no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Ministro da Administração Interna, farei, em tempo oportuno, uma pequena intervenção, mas não me ficava bem se, desde já, não dissesse que, em linhas gerais, estou de acordo com a sua intervenção. E estou de acordo com a sua intervenção porque, na verdade, a função protecção civil que o Sr. Ministro descreveu é uma função «protecção civil» aceitável que deve ser desenvolvida.
Congratulo-me que esteja iminente o lançamento de uma lei de bases gerais de protecção civil e desde já nos oferecemos, os deputados desta bancada, para colaborar na elaboração dessa lei de bases dado que a função protecção civil é uma função cultural e nacional, é uma função de todos, e não unicamente do Governo.
Existem problemas na protecção civil que são naturais ... porque o Serviço de Protecção Civil é um serviço coordenador que por vezes não tem nem os meios nem o nível para poder fazer coordenação, sobretudo quando tem de fazer coordenação de serviços mais desenvolvidos e mais importantes do que ele próprio, visto que não foi concebido - ou pelo menos não foi possível concebê-lo - como um sistema adequado e harmónico.
Todavia, embora tenha algumas críticas a fazer, reservo-as para a intervenção que farei durante este debate.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Administração Interna: Também eu tenho de congratular-me pelo teor da intervenção de V. Ex.ª e agradecer igualmente as amáveis palavras que me dirigiu como promotor deste debate sobre o Serviço Nacional de Protecção Civil.
Sr. Ministro, à laia de intervenção, gostaria de referir - e tive oportunidade de dizê-lo não só em diversos órgãos de comunicação social, mas também numa intervenção que proferi -, que a nossa primeira intenção ao dar o pontapé de saída para este debate foi, de facto, apoiar toda e qualquer iniciativa que o Governo tenha em vista para que a protecção civil em Portugal conheça outro caminho, que seja mais moderno, mais eficaz e que traga maior e mais segurança para as populações.
No entanto, Sr. Ministro, não podemos de modo algum deixar de dizer que todo este Serviço - que, como V. Ex.ª disse, e muito bem, deverá estar enquadrado num sistema- tem andado muito devagar! V. Ex.ª admitiu-o!... V. Ex.ª veio aqui com humildade dizer que tudo isto leva o seu tempo, mas, Sr. Ministro, não podemos continuar de costas viradas para esta realidade.
Gostava de colocar-lhe apenas uma questão concreta: os órgãos de comunicação social ultimamente têm referido que a Lei de Bases da Protecção Civil está prestes a sair. Ela deverá ser enviada à Assembleia da República e desde já nos disponibilizamos, dentro das nossas possibilidades, para nela participar e colaborar. Mas em relação a essa lei tive o cuidado de contactar diversas autarquias locais e devo dizer que nenhuma foi consultada pelo Governo: ou tive azar naquelas que consultei ou o Ministério da Administração Interna esqueceu-se de que há um Serviço Municipal de Protecção Civil.
Gostava, pois, que me esclarecesse sobre se há ou não a intenção de consultar as autarquias locais. É porque se não há está a dar razão às autarquias locais quando dizem que o Governo não quer implementar os serviços locais de protecção civil.
Quero ainda perguntar-lhe se, apesar das dificuldades inerentes aos mecanismos orçamentais, pensa, ou não, que é necessário e urgente preencher os quadros do Serviço Nacional de Protecção Civil. Esta foi uma das queixas que mais ouvimos. Neste momento não existem delegados distritais em Bragança e em Faro - um porque se de-

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mitiu, outro porque faleceu, e não existem elementos para substituí-los. Também é verdade - e lenho conhecimento disso - que foi aberto concurso há muito pouco tempo e que ninguém respondeu porque continuamos a dar vencimentos de miséria a pessoas que têm de estar disponíveis 24 horas por dia.
Pensa V. Ex.ª vir a rever a situação dos delegados distritais, os quais, como disse na minha intervenção, não têm qualquer subsídio de isenção de horário, o que, como V. Ex.ª saberá, provoca alguma desmotivação nesses mesmos delegados distritais?
Finalmente, arriscar-me-ia a perguntar a V. Ex.ª e ao Sr. Secretário de Estado - a quem não tive oportunidade de responder na totalidade - se 500 000 contos a mais para o Serviço Nacional de Bombeiros - e recordo que, em 1986, os meios aéreos custaram ao Serviço Nacional de Bombeiros, se não estou em erro, 700 000 contos e irão custar este ano 2,5 milhões de contos -, isto 6, se metade de todo um orçamento de um organismo que se chama Serviço Nacional de Bombeiros é para ser consumido em quatro meses, então eu pergunto se VV. Ex.ªs estão ou não de acordo comigo em que, havendo 433 corporações neste país e disponibilizando, depois de pagos os vencimentos e todas as verbas ligadas ao sistema burocrático, qualquer coisa como meio milhão de contos, de acordo com as minhas contas, fica menos de 1000 contos para cada corporação!!...
Termino dizendo o seguinte: existem em Portugal 2000 viaturas de combate a incêndios, que têm uma duração média - e eu sei disso, porque tenho conhecimento de causa - de 10 anos; quer isto dizer que deveriam entrar em Portugal 200 viaturas por ano, mas estão a entrar, no máximo, 30 a 40, e mesmo assim uma grande percentagem tem de ser suportada pelas corporações de bombeiros, o que, feitas as contas, Srs. Ministro da Administração Interna e Secretario de Estado, originará que daqui a 10 anos o nosso parque automóvel de viaturas de combate a incêndios esteja caduco.
Assim sendo, pensa ou não o Governo rever o fornecimento das verbas e o subsídio a atribuir ao Serviço Nacional de Bombeiros? É porque, se tal não for feito, daqui a 10 anos nenhuma corporação de bombeiros lerá um carro operacional.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Ministro, em primeiro lugar, devo felicitar V. Ex.ª pela humildade com que fez a sua intervenção, o que não e hábito dessa bancada, e exprimir-lhe também o nosso agrado pelo facto de ter dito que vai procurar o maior consenso possível para a lei de bases. Espero que o faça porque, conhecendo V. Ex.ª, sei que é cumpridor da sua palavra, e não trará aqui uma proposta de lei para a debater na generalidade, em 30 ou 60 minutos, impor um voto e, depois, dizer que baixa à comissão, rejeitando aí as emendas, com o voto da bancada do PSD. Por isso, temos de agradecer a V. Ex.ª essa disponibilidade. Vamos ver se o Governo, pela mão de V. Ex.ª, pelo menos nas vésperas das eleições, muda de agulha e entra em consensos para as leis que, como acabou de dizer, são estruturamos e ainda faltam fazer.
Em segundo lugar, começou V. Ex.ª por dizer que é preciso distinguir a função do Serviço. Isso é doutrina tradicional. Já o Decreto-Lei n.º 510/80 começava mesmo assim: «Entendeu-se, à partida, fazer destrinça entre a função protecção civil e Serviço Nacional de Protecção Civil. A função, pode dizer-se, é uma actividade multi-disciplinar e plurissectorial» - o que V. Ex.ª citou - «que diz respeito a todas as estruturas da sociedade, responsabilizando cada um e todos os cidadãos. O Serviço pretende ser o instrumento do Estado capaz de dar execução às directivas e determinações emanadas superiormente.» Portanto, V. Ex.ª não trouxe nada de novo em relação a essa definição, velha de uma década.
Ao dizer que este decreto-lei, pela primeira vez, mudou a natureza - isto é, em vez de o Serviço ser subsidiário passou a ser ele o promotor e não o subsidiário das populações -, parece que não atentou bem em que este decreto-lei dava uma especial atenção à autoprotecção das populações. Ou seja, deixava ao próprio Serviço (ao Governo e ao Estado, portanto) o encargo de criar as condições necessárias para que, em primeira linha, surgisse a autoprotecção e só os serviços é que eram uma espécie de plataforma ou base de apoio para essa autoprotecção. E esta autoprotecção far-se-ia através de quatro acções principais: em primeiro lugar, «elevar o grau de conhecimentos e promover a preparação e treino da população em matéria de protecção civil, divulgando os seus objectivos e possibilidades globais e motivando a adesão consciente e participação desinteressada nas suas acções»; em segundo lugar, «incentivar o voluntariado como meio de assegurar a execução de todas as tarefas de protecção civil e nomeadamente fomentar o ingresso de voluntários nos corpos de bombeiros, Cruz Vermelha e outras organizações que normalmente executem tais tarefas»; em terceiro lugar, «inspeccionar e tomar conhecimento da situação nas várias organizações em função e no âmbito dos planos e programas de protecção civil»; e, em quarto lugar, «prever a organização, instalação e guarnição, com pessoal e meios, de centros operacionais de emergência de protecção civil, para a conduta do combate às catástrofes ou calamidades, tendo em vista uma acção conjugada das várias organizações intervenientes».
Quer dizer, o peso fundamental do decreto-lei era posto na autoprotecção, no serviço de voluntariado, na própria acção das populações, sendo o Serviço um mero suporte dessas acções. O que, julgo, o Governo deveria fazer era promover essas acções e não esperar pela lei de bases para fazer isso. Poder-nos-á dizer V. Ex.ª que espécie de actividade desenvolveu para pôr em execução estas quatro acções fundamentais de autoprotecção para ensinar às populações como devem agir e como devem fazer face, preventiva e repressivamente, às calamidades? O que é que o Governo tem vindo a fazer para essa autoprotecção?
Quanto à lei de bases, mais uma vez, esperamos pelo seu projecto de lei para ver se alcançamos um consenso e não uma medida imposta, partidária, sobre a Assembleia.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Ministro, o discurso que V. Ex.ª fez foi, em minha opinião, demasiado generalista, pouco tendo dito sobre as questões que, em concreto, hoje e aqui, deviam estar em debate. Refiro-me a três questões que me parecem fundamentais, uma das quais e a prevenção.

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Todos estaremos de acordo em que mais vale prevenir do que remediar. Então, que medidas de prevenção é que o Governo vai tomar?
Infelizmente, sobre isso o Sr. Ministro disse «nada»!
Por exemplo, que levantamento dos riscos vai ser feito com a maior urgência? Que medidas de prevenção e de defesa contra as cheias?
Devo dizer que nos debates feitos pelo País foi referida a falta de um modelo matemático que permitisse prever com o máximo de exactidão possível a probabilidade de ocorrência de catástrofes e tomar, a priori, as medidas necessárias. Sei que, num caso ou noutro, algo se fez nesse sentido, mas, por
exemplo, na generalidade do País e na zona do Douro, isso ainda não existe.
Onde está, por exemplo, a base de dados que permita, a cada momento, ter não só o ponto da situação dos problemas de riscos como também a avaliação económica dos custos desses riscos? Sobre isto, Sr. Ministro, infelizmente, o senhor disse «nada» e eu agradecia-lhe que, ainda na sua resposta, dissesse algo sobre o assunto, porque o que conheço em relação ao problema leva-me, de facto, a lamentar a situação que se vive em Portugal.
Um segundo aspecto tem a ver com os meios técnicos, humanos e financeiros do Serviço Nacional de Protecção Civil. Deixando de lado a discussão teórica - a que, aliás, o Sr. Deputado Narana Coissoró já se referiu -, direi que os meios técnicos suo fracos! Nós sabemos que o sistema de aviso funciona mal, porque, em muitos locais e em muitos distritos, apesar de haver uma rede própria, não há rádios para que a rede própria funcione, logo o sistema de aviso mio funciona. Mas o mesmo se passa com os meios humanos: todos sabemos que o Serviço Nacional de Protecção Civil tem apenas cerca de 50% dos funcionários que deveria ter. Também sobre isto, o Sr. Ministro disse «nada»!
Um terceiro aspecto é o da informação, da educação e da ligação às escolas e à população. Sobre isto, Sr. Ministro, o que é que tem sido feito? Muito pouco, muito pouco! Que medidas é que vão ser tomadas para avançar neste campo?

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim desejar, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, gostaria de agradecer aos Srs. Deputados o interesse que puseram nas questões que me colocaram.
Começarei por responder ao Sr. Deputado Herculano Pombo, que, julgo, me colocou dois problemas principais, o primeiro dos quais respeitante à informação das populações. Penso que o Sr. Deputado colocou esta questão na sua dupla vertente: o direito das populações relativamente à informação sobre determinados riscos que eventualmente possam correr e o direito à informação no sentido da sua sensibilização para melhor se prepararem e resolverem os problemas que podem surgir.
Quanto à primeira questão, devo dizer-lhe que a futura Lei de Bases da Segurança Interna contém precisamente esse princípio: o direito de todo o cidadão à informação acerca dos seus próprios riscos e dos riscos que corre. Trata-se de uma inovação relativamente ao sistema anterior: o direito a ser informado dos riscos...

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Ministro, aonde eu quero chegar é a um ponto muito simples, muito lhano. Conhece a população de Estarreja - tomemos Estarreja como exemplo, porque é talvez aquele local onde, um dia destes, pode surgir a maior catástrofe da nossa história - todo o tipo de produtos químicos que são produzidos, transformados ou rejeitados, no seu entorno ambiental? Se toca uma sirene em Estarreja, sabe a população que tipo de sinal é aquele, o que é que deve fazer e para onde é que deve fugir? Ou há ainda - como penso - muitas substâncias que ali são produzidas por processos já obsoletos, em maquinaria à beira da ruptura, e que podem provocar a catástrofe sem que os próprios serviços estejam preparados para identificar, de imediato, de que tipo de catástrofe é que se trata? Pode ser explosão, pode ser fuga de gás tóxico, pode ser derrame de cloro, pode ser fuga de hidrocarbonetos, pode ser um incêndio de grandes proporções, pode ser ... pode ser... pode ser... na zona de Estarreja e de Cacia. Como é que vamos avisar esta população? Vamos tocar uma sirene e cada um foge para seu lado? Ou a população sabe que determinada fábrica produz isto, aquilo e aqueloutro, que tem estes, aqueles e outros riscos e que, em caso de acidente, há este alarme e é preciso tomar estas medidas concretas? Existe, ou não, uma fuga a este direito a ser informado, escudando-se a Administração, e as próprias empresas e indústrias, no legítimo direito e salvaguarda do chamado «segredo de indústria»?
É aí que quero chegar, Sr. Ministro!

O Orador: - Sr. Deputado, a completar a minha informação, devo dizer-lhe que as populações participaram nos exercícios de simulação que foram efectuados em Estarreja. Inclusivamente, e em termos mais detalhados, houve exercícios dirigidos imediatamente para a evacuação de escolas, tendo em vista o conhecimento e a sensibilização das crianças.
No que respeita à informação do público em geral - e com isto respondo a outras questões -, devo dizer, Srs. Deputados, que não se tem estado parado. Há inúmeros livros, brochuras, etc. (cerca de 20), publicados pelo Serviço Nacional de Protecção Civil, até com alguma colaboração de câmaras municipais. A título de exemplo, citarei: Manual de Protecção Civil para as Câmaras Municipais, Medidas de Autoprotecção face a Acidentes Químicos - isto também responde ao Sr. Deputado Herculano Pombo-, Noções Elementares sobre Sismos e Vulcões, Noções Elementares sobre o rogo, Medidas de Autoprotecção face a Acidentes Industriais Graves, A Protecção Civil e a Família, A Protecção Civil, Uma Tarefa de Todos e para Todos, Quinze Maneiras de Proteger a Sua Casa contra incêndios, Prevenção contra Incêndios... E muitos mais obras lhes poderia citar, porque realmente há um longo trabalho produzido pelo Serviço Nacional de Protecção Civil precisamente nesta área, pelo que, julgo, nesta matéria não podemos imputar-lhe responsabilidades... Poderemos, eventualmente, interrogar-nos sobre se estas informações atingiram devidamente os destinatários, se foram adequadamente ponderadas e sentidas pelas populações, mas esse já é um problema de marketing que caberia às câmaras municipais resolver - aliás, toda esta documentação foi-lhes enviada... e de alguns destes trabalhos até se tiraram alguns milhões de exemplares.

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Sr. Deputado Eduardo Pereira, agradeço a sua intervenção e, com certeza, vou receber algumas lições no momento em que fizer a sua intervenção de fundo, porque o Sr. Deputado tem uma larga experiência deste sector e gosto sempre de ouvir as pessoas que me trazem a sua experiência e me dão algum conhecimento. E, como o Sr. Deputado não me colocou qualquer pergunta específica, aguardarei a sua intervenção.
O Sr. Deputado Rui Silva colocou um problema importante que é o de saber como é que a futura Lei de Bases da Protecção Civil pode chegar a um destinatário que é uma parle importantíssima em todo este processo: os municípios. Como deve calcular, em termos legislativos, é sempre muito difícil ouvir 303 câmaras e, se fôssemos mais longe, as cinco ou seis mil freguesias (porque também suo agentes responsáveis pela protecção civil), e ficarmos eternamente à espera das respostas, para depois coordenarmos todas as informações. Isso - terá de admiti-lo! - seria como plebiscitar um determinado diploma, o que não é fácil. Mas ela vai ser enviada, sim, depois destas consultas de sentido obrigatório, à Associação Nacional de Municípios, que, esse sim, é o órgão representativo e que poderá recolher depois as informações que entender adequadas.
Relativamente ao preenchimento dos quadros do Serviço Nacional de Protecção Civil, o Sr. Deputado respondeu à sua própria questão. Efectivamente, temos tido necessidade de preencher lugares. Trata-se de um serviço que, pela sua qualidade e sensibilidade, muitas pessoas não se julgam em condições de poder exercer, e daí os lugares do quadro estarem vagos, e, outras vezes, porque, relativamente ao próprio Serviço Nacional de Protecção Civil, são exigidas determinadas qualificações e pressupostos técnicos que levam a que as pessoas não se interessem pelos cargos.
Compreenderá que um bom engenheiro químico não vai para um serviço para trabalhar em protecção civil; não é com facilidade que se colocam no Serviço de Protecção Civil um bom arquitecto ou um bom especialista em explosivos, etc.
A forma como pensamos resolver este assunto é a de preenchermos - e estamos a tentar fazê-lo! - alguns lugares, que são absolutamente essenciais, e deixar que os casos da alta especialização sejam tratados por outras entidades, como o Laboratório Nacional de Engenharia Civil. Por outro lado, a futura Lei de Bases da Protecção Civil também prevê uma cooperação intensa entre o Serviço Nacional de Protecção Civil e as instituições científicas universitárias.
Ao Sr. Deputado Narana Coissoró direi que, ao nível da divulgação e do ensino, a pedagogia é uma parcela importantíssima. Posso adiantar-lhe que a própria Lei de Bases da Protecção Civil prevê, para o ensino secundário, a existência de disciplinas ligadas, precisamente, ao sistema de protecção civil, porque - como V. Ex.ª disse, e muito bem! - os sistemas de autoprotecção são efectivamente os mais eficazes, sistemas estes não apenas no sentido de cada um se sentir mais protegido e de saber melhor como fazê-lo, mas no sentido de ao autoproteger-se estar a proteger a própria colectividade em geral. É esse precisamente o sentido da lei de bases, ou seja, é esse o papel e a responsabilidade que cada indivíduo tem, digamos assim, na formulação dos cuidados da segurança colectiva. Este aspecto é muitíssimo importante, Sr. Deputado!
Por outro lado, não é necessário fazermos a distinção entre funções e serviços, pois sei que o Decreto-Lei n.º 510/80 já a fazia, embora neste momento, parece, estejamos a ir um pouco mais longe, porque o que está em causa não é a função, mas sim um sistema que implica uma integração.
Devo dizer que as deficiências de articulação entre vários serviços que ocorrem no Serviço Nacional de Protecção Civil resultam, a meu ver, da circunstância de não haver conselhos superiores ou órgãos de cúpula que sejam representativos de todos os serviços dos ministérios e da própria sociedade civil, porque é através dessa participação num conselho superior que se dá corpo ao empenhamento de todas as entidades e se poderá - e já agora respondo também ao Sr. Deputado Rui Silva - evitar que as instituições andem de costas voltadas umas para as outras.
Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, já respondi a algumas questões colocadas por V. Ex.ª No entanto, posso dizer-lhe que há um plano operacional de estudos sobre a zona sísmica de Lisboa, ao qual, em princípio, deveriam seguir-se outros para as zonas de Santarém e do Algarve. O que neste momento posso dizer-lhe é que esse estudo ainda continua a ser feito, infelizmente, embora tenha começado em 1982, com colaborações várias, câmaras municipais, etc., esperando-se que haja ainda várias participações para que cada uma das 16 subdivisões desse estudo possa ficar completa.
Relativamente à questão da base de dados, Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, é evidente que se trata de um instrumento indispensável para quem cuida desses problemas, assim como os meios técnicos da rede de aviso. Devo dizer-lhe que para a rede própria de telefones e para radiocomunicações já foi lançado o concurso público, que se realizará dentro de poucos dias, havendo uma dotação de 270 000 contos, se não estou em erro, para esse efeito.
Quanto aos meios humanos - embora já tenha respondido a esta questão, repito a resposta -, penso que é difícil conseguir alguns meios humanos, como já expliquei, a não ser aquele tipo de pessoal que será, com certeza, o menos necessário para um serviço nacional de protecção civil.
Quanto à questão da informação das pessoas, já respondi, Sr.ª Deputada.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Aos riscos naturais que sempre existiram (cheias, secas, sismos, ciclones, etc.) juntaram-se outros, cada vez mais complexos, resultantes do actual tipo de desenvolvimento, como explosões, incêndios, descarrilamentos de comboios - que tomam uma amplitude cada vez maior e cujas consequências são cada vez mais gravosas.
Num trabalho de divulgação do Serviço Nacional de Protecção Civil intitulado «A protecção civil e a família» afirma-se que «como o homem isoladamente se sente incapaz de fazer face aos novos riscos, houve a transferência de uma responsabilidade individual para uma responsabilidade colectiva. E a pressão da necessidade e a exigência da colectividade fazem que a prevenção revista hoje um carácter técnico, quando não mesmo científico,

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e que a coordenação do socorro tenha passado de uma forma empírica para um sistema racionai».
Só que a realidade ó bem diferente destes princípios. Por exemplo, ainda hoje não há uma lei de bases da protecção civil.
O desastre ferroviário de ontem, com mortos e elevado número de feridos, veio, mais uma vez, demonstrar a contradição entre o «paraíso» contido nas palavras dos membros do Governo e a dura realidade da vida.
Por todo o País há situações graves de catástrofe eminente. As mais conhecidas são as cheias e os incêndios. Mas há as contaminações químicas em várias zonas industriais, a explosão de paióis de munições, as quedas de aviões, os naufrágios de navios de transporte e barcos de pesca, os constantes derramamentos de crude nas águas da ZEE portuguesa, os desastres ferroviários.
São acidentes graves, catástrofes e calamidades de que se fala quando acontecem - e, então, choram-se os mortos, os prejuízos, a destruição!...; movem-se todas as vontades possíveis para remediar o problema. Mas depois é o esquecimento e tudo continua mais ou menos na mesma.
Na prática, não há uma política de prevenção de acidentes graves e de catástrofes, questão essencial para evitar os mortos, os prejuízos, a destruição.
Não estão ainda completamente detectadas as zonas de risco. Não há um cálculo do custo dos riscos em Portugal e por muito que se afirme que investir em protecção civil é um acto de desenvolvimento económico, porque quando uma catástrofe tem probabilidades de ocorrer é certo que, mais tarde ou mais cedo, acontece, a verdade é que, em Portugal, os responsáveis governamentais prosseguem a política do «deixa andar».
Por exemplo, apesar de o quadro de pessoal do Serviço Nacional de Protecção Civil prever 120 pessoas, o seu preenchimento fica-se pelos 50%. Em mais de metade dos distritos do País funcionam de forma muito incipiente ou não funcionam os centros distritais de coordenação da protecção civil, na dependência dos governos civis.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - E sendo fundamental a existência de uma rede própria de telecomunicações de protecção civil, para que funcione o «sistema de aviso», a verdade & que apesar de haver um plano aprovado, com frequências consignadas a nível nacional e regional, o seu funcionamento d irregular porque faltam rádios a nível nacional e a nível distrital só existem em quatro ou cinco distritos.
O Sr. Ministro acaba de dizer-nos que foi agora aberto um concurso público, esperemos que a curto prazo este problema seja resolvido, porque é um dos certamente graves em qualquer catástrofe ou acidente.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Em geral o Serviço Nacional de Protecção Civil não dispõe de meios próprios quer aéreos quer marítimos ou terrestres, com a agravante de o Serviço não se articular devidamente com as diferentes estruturas da Administração Pública, o que, aliás, acontece com outros serviços que prosseguem fins semelhantes - até os aviões usados no combate contra os incêndios, antigamente pelo Serviço Nacional de Protecção Civil e agora pelos bombeiros, são alugados a empresas durante os meses de Verão!... Assim, no Inverno, quando há cheias ou naufrágios, o Serviço Nacional de Protecção Civil e os bombeiros não dispõem sequer de um helicóptero. De algo semelhante se queixam a Polícia Marítima e as capitanias, a braços com reduzidos meios quando há acidentes graves no mar.
No entanto, como é sabido, Portugal está hoje particularmente sujeito às «marés-negras», aos naufrágios, aos navios encalhados!... Onde estuo as medidas de prevenção? Onde está o levantamento de toda a costa, incluindo das zonas a proteger por razões ecológicas e económicas, bem como dos meios de combate mobilizáveis em cada região do País? Não há, assim como não há sequer o estabelecimento de normas mínimas de segurança de navegação para reduzir o risco de acidentes dos navios que transportem mercadorias perigosas ou poluentes.
Por parte do Grupo Parlamentar do PCP, foi já dado um contributo para resolver esta lacuna com a apresentação de um projecto de lei que estabelece as condições mínimas exigidas aos navios que transportem mercadorias perigosas ou poluentes embarcadas em águas da ZEE portuguesa.

Vozes do PCP: -Muito bem!

A Oradora: - Esperemos que o PSD não impeça o seu agendamento e aprovação a curto prazo, como tem feito sistematicamente.
Outra das catástrofes a que estamos sujeitos são as cheias. Neste domínio, é particularmente grave a escassez de medidas de prevenção e defesa contra cheias, apesar de periodicamente estarmos sujeitos a esta catástrofe natural. Por exemplo, ainda recentemente, na reunião realizada no Governo Civil do Porto com as diversas entidades que intervieram nas cheias do Inverno passado, ficou clara a necessidade de reforço da prevenção e dos meios de actuação, bem como a necessidade de melhorar a articulação interdepartamental e de, a curto prazo, dispor de um modelo matemático e de uma base de dados que preveja com exactidão a probabilidade de ocorrência destes fenómenos.
Mas é igualmente necessário dar particular atenção à gestão dos recursos hídricos, ao planeamento e ordenamento do território, à defesa do leito de cheia, a limpeza e protecção adequadas dos cursos de água, à implementação de uma política de seguros contra cheias, à dinamização de campanhas de sensibilização e informação da população em colaboração com autarquias locais e escolas e ao desenvolvimento do programa de avaliação económica de prejuízos causados pelas cheias.
Só que estas conclusões, no essencial, já foram adiantadas até pelo próprio Serviço Nacional de Protecção Civil no seu relatório final dos temporais de Novembro de 1983, em que se considerou que a estimativa total dos danos sofridos rondara os 18 milhões de contos. Seis anos depois a tragédia voltou... e tudo estava praticamente na mesma!
É que, como recentemente afirmou o presidente da Camará Municipal de Sines, a propósito do exercício «Gazela Vermelha», que culminou numa série de acções que permitiram dotar o Complexo Industrial de Sines de um plano de emergência externo, «de nada valerão inventários de carências, insuficiências de infra-estruturas básicas em relatórios oficiais, lamentações sobre burocracias e incapacidades, se cada vez que houver um aci-

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dente a sério, ou um exercício de simulação, tudo ficar na mesma». E o que é certo é que tudo ficou na mesma!
É preciso actuar ao nível do poder central, do Governo, e com determinação. Mas isso é o que tem faltado. E tem faltado em todas as áreas, ato na dos incêndios, sejam florestais, sejam urbanas!.. Mas sobre os incêndios florestais iremos produzir outra intervenção. Por mim, vou ainda referir-me a alguns dos graves riscos que ameaçam os centros urbanos.
O incêndio do Chiado, por exemplo, veio .chamar a atenção para os centros urbanos antigos, particularmente em Lisboa e no Porto. Que política de prevenção existe face à possibilidade de ocorrência de incêndios, inundações ou sismos nestas zonas?
Há muito que se sabe que é necessário tomar medidas para reduzir o risco de ocorrência de incêndios, limitar a sua propagação dentro dos próprios edifícios e destes para a vizinhança, estudar a possibilidade de evacuação dos edifícios em condições de segurança para os ocupantes e facilitar a intervenção dos bombeiros. Mas isto só pode ser posto integralmente em prática quando se proceder à reabilitação urbana dessas zonas. É certo que o Governo, na sequência do incêndio do Chiado, nomeou um grupo de trabalho para apresentar um relatório que caracterizasse os problemas específicos dos centros urbanos antigos e apresentasse propostas nas vertentes do planeamento, detecção, prevenção e luta contra incêndios, inundações e sismos. Mas onde estão as medidas concretas? Não há!
Das medidas concretas, posteriormente, tomadas apenas se conhece a legislação que trata, de um modo geral, as normas de segurança contra riscos de incêndio em estabelecimentos comerciais, edifícios de habitação ou serviços públicos. Não foi lida em conta a especificidade dos centros urbanos antigos, que exigem legislação própria e uma intervenção coordenada pelas autarquias, mas com a participação, nomeadamente financeira, da administração central para que seja possível a sua recuperação e reabilitação - como, aliás, propõe o Grupo Parlamentar do PCP no projecto de lei n.º 276/V, que visa, exactamente, a recuperação e a reabilitação urbanística em zonas de interesse patrimonial histórico, que é da maior importância, pelo que devia de ser aprovado com a maior rapidez possível.
É que basta um incêndio numa viela do Porto ou de Lisboa para que o País veja destruída parte da sua história. E que tragédia humana, social e económica espreita o dia-a-dia de milhares de pessoas de vivem nessas zonas históricas de habitação profundamente degradada, como é o Bairro da Sc, no Porto, onde os fios condutores de energia eléctrica estão descarnados e se tornam verdadeiras espoletas de incêndio em dias de chuva. Só a vigilância permanente da população, o seu medo da catástrofe e o seu espírito de solidariedade têm evitado a tragédia.
Mas um mundo de perigos rodeia as grandes cidades. Por exemplo, na zona de Lisboa registaram-se vários acidentes graves nos últimos anos, com as consequências conhecidas: o incêndio do Chiado, a explosão de um contentor com produtos tóxicos num camião em Santa Apolónia, os incêndios em bairros de barracas, os naufrágios de navios, os acidentes ferroviários. Ainda ontem, mais um! E que consequências não teria, Sr. Ministro e Srs. Deputados, um eventual incêndio na Petroquímica, um desastre de avião sobre a cidade ou no aeroporto, ali tão perto! Que planos de emergência estuo previstos?
A população desconhece-os e a Assembleia da República também!
Impõe-se, pois, que se acabe com a política do «deixar andar», confiando apenas na capacidade de «desenrascanço» de cada serviço e de cada indivíduo.
É necessário que se implemente uma autêntica política de protecção civil, dando especial atenção à prevenção, à colaboração dos vários serviços da administração central, regional e local, à educação e à participação das populações. Mas é igualmente necessário dotar os serviços e os diferentes níveis da Administração de meios humanos, técnicos e financeiros.
Essa será a melhor maneira de celebrar este ano de comemoração das catástrofes naturais.
É que mais vale prevenir que remediar!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Soares.

O Sr. Jaime Soares (PSD): - Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, claro que todos nós demoraríamos semanas ou meses a discutir este problema da protecção civil.
A sua intervenção teve alguns aspectos que, embora com valor, terão de ser analisados, mas gostaria que me respondesse a uma questão.
A Sr.ª Deputada afirmou que até os aviões e outros meios utilizados no combate aos fogos florestais têm de ser alugados a empresas da especialidade, ou seja, que o Serviço Nacional de Protecção Civil deveria ter um staff, uma estrutura, que pudesse responder às solicitações, embora pense que é uma situação quase impossível para não dizer que o é. Pergunto-lhe: em que parte ou em que local do mundo é que existe uma estrutura de protecção civil com os meios necessários para fazer face ao que quer que seja?
Sr.ª Deputada, o que penso ser importante é criar, nesta área, uma estrutura que permita um levantamento do risco, da sua localização, das principais incidências e consequências, o levantamento dos meios e organizar esquemas e exercícios dentro do âmbito da protecção civil, mas só como órgão coordenador de todas estas acções.
Não podemos criar uma estrutura quando elas já existem. O que devemos é coordená-las em todo esse processo para as rentabilizar, para retirar delas todas as suas potencialidades, desde os bombeiros, o exército, os hospitais, tudo, no fim de contas. A lei de bases a ser criada, da forma como o Sr. Ministro aqui a apresentou, virá, com certeza, a esta sede para que todos nós possamos dar o contributo a fim de existir uma verdadeira lei de bases porque, até agora, ninguém teve essa preocupação.
Gostaria ainda que me respondesse o que é que havia em relação à prevenção e à segurança nos edifícios. Até há bem pouco tempo não existia nada; hoje há uma quantidade de legislação devidamente estudada por organismos próprios e que já está a ser aplicada e desenvolvida em todas as autarquias deste país, em consonância com os bombeiros, o que permitirá, numa sociedade que caminha para a modernização e para a segurança, encontrar soluções que até aqui muita gente propalava mas que ninguém agarrou da forma como o está a ser neste momento.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

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A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Deputado Jaime Soares, é evidente que 6 necessário rentabilizar os serviços que existem -a minha intervenção foi muito nesse sentido -, ou seja, no sentido de deles tirar o maior proveito e também de os dólar dos meios necessários, quer humanos, que a própria legislação e o próprio quadro de pessoal prevê, quer técnicos, quer financeiros. O Sr. Deputado sabe que o que estou a dizer é rigorosamente verdade, mas sabe também que em vários países - e o Sr. Deputado Rui Silva referiu-se há pouco a isso - os serviços de protecção civil ou os bombeiros dispõem de meios aéreos próprios. Eu mio defendi aqui que o Serviço Nacional de Protecção Civil tivesse uma dezena de aviões, mas era importante que dispusessem de alguns meios aéreos próprios, não apenas para o Verão, não apenas para o combate aos incêndios, mas também para o Inverno, para os naufrágios, para as cheias, para toda essa situação de calamidades que vamos tendo no nosso país, como a experiência demonstra.
Sr. Deputado, quanto à última questão que me colocou, devo dizer-lhe que, pela nossa parte, estamos disponíveis para dar lodo o contributo. Aliás, até já referi que o PCP apresentou, nesta matéria, dois projectos de lei, para dar resposta aos problemas prementes que é preciso resolver. Assim, o PSD e o Governo estejam disponíveis para aceitar essa colaboração, aprovando nomeadamente os projectos de lei que apresentámos!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carneiro dos Santos.

O Sr. Carneiro dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em Portugal a protecção civil não passa de uma ideia vaga.
Quando, anos atrás, se criou o Serviço Nacional de Protecção Civil (SNPC), teve-se em conta as grandes situações de risco existentes, designadamente a localização de parte significativa do Sul do País em zona sísmica, a grande mancha florestal no Norte e Centro, as bacias hidrográficas com fraca ou nula regularização, como o vale do Tejo, as importantes concentrações industriais, com destaque para as de Estarreja, Barreiro e Sines, a extensa costa, onde passam elevado número de petroleiros, as estruturas aeroportuárias em zonas de grande concentração urbana, a possibilidade de ocorrência de graves acidentes rodoviários, ferroviários e aéreos e as calamidades naturais.
Perante este quadro, o Serviço Nacional de Protecção Civil deveria ler elaborado um plano de acção que visasse a coordenação das diversas entidades vocacionadas para as acções de prevenção e socorro, tais como os bombeiros. Cruz Vermelha Portuguesa, forças militares e de segurança, autarquias e serviços de administração pública (meteorologia, florestas, hidráulica, ordenamento do território, etc.).
Só que, passados estes anos, o SNPC não passou do estado embrionário. Não se estruturou. Não criou mecanismos de coordenação eficientes. Não procedeu a um esforço de descentralização regional e local devidamente alicerçado.

Vozes do PSD: - Não é verdade!

O Orador: - Em suma, o SNPC não passou de um nado-morto.

Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Mas será que tudo isto aconteceu por acaso? Claro que não!
As fracas dotações do Orçamento do Estado e a pouca dinâmica do próprio SNPC são deveras elucidativas.
Por isso, as estruturas são poucas e ineficientes: as instalações quase não existem; os equipamentos são poucos e não adaptados às diversas entidades ligadas à protecção civil; os meios humanos são exíguos.
Mas, se os serviços centrais vivem no marasmo conhecido, as estruturas descentralizadas dos governos civis são pouco mais operacionais, e mais uma vez por falta de instalações adequadas, equipamentos eficientes e meios humanos suficientes.
Com tais estruturas não admira que os planos de prevenção não existam e que os planos prévios de acção não estejam elaborados.
E se não fosse a capacidade de trabalho, muitas vezes pouco profissionalizada, das associações e corporações de bombeiros, a situação seria bem grave.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Quando, em 1980, foi criado o Serviço Nacional de Bombeiros gerou-se algum optimismo porque se considerou que, com um serviço coordenador, seria possível, de uma forma organizada e planificada, ir atenuando os grandes desequilíbrios existentes no País.
Nos primeiros anos, foi possível desenvolver uma acção planeada para resolver algumas situações de ruptura operacional, fundamentalmente através da subsidiação de viaturas e equipamentos para o combate aos fogos florestais.
Mas, infelizmente, ultrapassada esta fase, o Serviço Nacional de Bombeiros entrou num período de estagnação, a que não foi alheia a redução de verbas afectas pelo Orçamento do Estado.
Neste momento, não existe um verdadeiro plano de apoio às associações e corporações de bombeiros para a aquisição de viaturas e equipamentos de socorro e salvamento.
Os apoios são concedidos de uma forma casuística, sem se ter em conta as diversas situações de risco atrás enunciadas.
Nas zonas florestais ainda existem enormes carências de meios.
Nas zonas de grande risco industrial a situação não é melhor.
Atente-se, neste domínio, às constantes reclamações das corporações de bombeiros e das autarquias locais, desprovidas de meios financeiros para apoiar os diversos centros operacionais.
É que se às autarquias locais, nos termos da Lei n.º 100/84, cabe a tarefa de criar e colocar em funcionamento os serviços municipais de protecção civil - e muitas delas já os tem devidamente organizados - o Governo não se pode alhear das enormes responsabilidades que tem nesta matéria.
Mas será justo exigir tanto às autarquias locais quando o Governo vem reduzindo, sistematicamente, as suas receitas?
Não bastava já a redução do Fundo de Equilíbrio Financeiro, e veio o Governo em 1988 retirar às autarquias locais a receita do imposto para o serviço de incêndios, que, em 1987, atingiu cerca de 700 000 contos, verba não desprezível.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A época de fogos florestais está aí à porta.

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Os bombeiros portugueses vão ser chamados, mais uma vez, a uma árdua tarefa. Mas os meios ao seu dispor não sofreram grande evolução nos últimos anos.
A nova rede de comunicações, essencial ao aumento da eficácia operacional das corporações de bombeiros, iniciou-se, em 1988, na zona norte de Santarém e sul de Castelo Branco, mas ficou por aí, apesar das promessas de que se iria gradualmente espalhar pelo resto do País.
Os centros de coordenação operacional estão a ser implementados com lentidão, muitas vezes à custa das próprias associações de bombeiros e das autarquias.
Meios informáticos para gestão operacional não existem, salvo honrosas iniciativas das próprias associações e corporações de bombeiros.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As associações e corporações de bombeiros terão, mais uma vez, de suportar enormes encargos com as acções de combate aos fogos florestais, mas, desta feita, esperam que as respectivas comparticipações não venham a ser regularizadas um ano depois e com grandes cortes (como aconteceu, infelizmente, em 1989).
Os bombeiros portugueses estão cientes das suas responsabilidades, mas esperam que o Governo cumpra também as suas obrigações.
O PS, à semelhança do verificado em 1989, vai apresentar nesta Câmara um projecto de resolução tendente à criação de uma comissão de acompanhamento da problemática dos fogos florestais e espera que, deste feita, o PSD não inviabilize tal iniciativa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Soares.

O Sr. Jaime Soares (PSD): - Sr. Deputado Gameiro dos Santos, vai-me perdoar aquilo que lhe vou dizer, mas, efectivamente, ficaria de mal comigo próprio se o não fizesse.
V. Ex.ª traiu aquilo que eu, efectivamente, pensava ver e ouvir de si, já que 6 um homem que tem grande experiência no âmbito dos fogos florestais e em tudo o que os envolve e na área da protecção civil. Tinha, pois, obrigação de dizer muito mais! Fiquei desiludido porque em relação às questões reais V. Ex.ª não disse nada e do pouco que disse - o que é mais grave - induziu em erro todos os que aqui o ouvimos (e todo o País, se a comunicação social o transmitir).
Dou-lhe um exemplo: sabe, porventura, o Sr. Deputado Gameiro dos Santos que as dotações para a protecção civil desde 1985 a 1990 aumentaram mais de 400%? Sabe V. Ex.ª que as dotações em 1985 eram de 348 000 contos e em 1990 de 1340000 contos? Francamente, Sr. Deputado, esperava que V. Ex.ª fosse mais cuidadoso porque continuo a reconhecer em si um homem que tem responsabilidades e que sabe do assunto. Creio, pois, que hoje se precipitou um pouco na sua intervenção.
V. Ex.ª participou comigo, ao longo de todos estes anos, na discussão destas questões dos bombeiros, assistiu à evolução (que partiu quase do zero) que ocorreu a partir de 1985, soube de todo o desenvolvimento - e já o disse aqui ao Sr. Deputado Rui Silva - que se processou através das comissões e desta comissão nacional que engloba todas as estruturas, todas as forças vivas e activas nestas questões de protecção civil dos fogos florestais, de tudo o que diga respeito à protecção civil e vem agora aqui dizer que é preciso criar uma nova comissão! Gostaria, Sr. Deputado, que me indicasse quais os fins, os princípios, os objectivos da constituição dessa comissão. O que é que ela vai fazer? De que áreas é que se vai ocupar?
Vamos sobrepor questões só para criar factos políticos, só para lançar poeira nos olhos das pessoas e dizer que estão agora a inventar o que quer que seja? Sobre estas questões, Sr. Deputado, nada mais há a inventar! Há é que acabar com a tentativa de criar cobaias, com fins que não são aqueles que interessam à resolução deste problema, e, efectivamente, que dar contributos. O Governo, o PSD e todos aqueles que sabemos que esta questão ainda não atingiu o objectivo que desejamos estamos dispostos a dar contributos reais e sérios para conseguir ultrapassar estes problemas. Garanto-lhe, Sr. Deputado, que nós estamos totalmente abertos para receber esses contributos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Gameiro dos Santos.

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - Sr. Deputado Jaime Soares, gostaria de lhe dizer que, ao contrário do que quis deixar transparecer, as questões reais são muitas, e já foram aqui afloradas. De todo o modo, o meu camarada Eduardo Pereira ainda hoje vai abordar essas questões numa intervenção que irá produzir. Como sabe, as intervenções têm que se complementarizar!
Entretanto, gostaria de lhe dizer o seguinte: a questão da protecção civil é importante para um país como o nosso. Quando o Sr. Deputado diz que as dotações para a protecção civil aumentaram 400%, o problema que aqui se coloca não é esse mas, sim, o de considerar que as verbas ainda são exíguas. Senão, como é que se justifica que o próprio Serviço Nacional de Protecção Civil se lamente que não tem meios humanos, que não tem quadros, que não tem meios operacionais? Como é que se justifica? É porque, de facto, as dotações não tom sido suficientes!
E não vou falar sequer no Serviço Nacional de Bombeiros, a que o Sr. Deputado se referiu. O que é facto - e sabe isso tão bem como eu - é que os meios financeiros colocados à disposição das associações de bombeiros para investimento têm vindo a ser reduzidos de ano para ano.
O Sr. Deputado sabe tão bem como eu que isto é verdade!
O Sr. Deputado também sabe que as comparticipações para os fogos florestais de 1989 ainda não chegaram às associações de bombeiros! Só agora chegou um postal a dizer que isso vai ser processado. O Sr. Deputado sabe que essas comparticipações levaram um corte drástico em 1989, portanto não pode vir aqui escamotear uma realidade que e conhecida de todos. E V. Ex.ª sabe perfeitamente que não estou aqui a fazer demagogia, estou, sim, a retratar a situação real em que vivemos.
O Sr. Deputado sabe, por exemplo, que as inspecções regionais não têm meios humanos, não têm meios operacionais para poder fazer a coordenação! Sabe que os meios de comunicação suo fundamentais e não existem! Sabe que os meios informáticos são fundamentais para a gestão operacional e não existem! O Serviço Nacional de Bombeiros ainda não avançou nada nesta matéria.

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Quer que lhe diga mais, Sr. Deputado? Julgo que já é suficiente! O Sr. Deputado conhece 15o bem como eu essa realidade!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jaime Soares, pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Jaime Soares (PSD): - Sr. Presidente, desejo usar da palavra para defesa da honra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jaime Soares (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Carneiro dos Santos precipitou-se e não respondeu às questões que lhe coloquei e fez algumas considerações que não correspondem exactamente h verdade. Nós, PSD, praticamos o rigor, a transparência e temos as contas como devem ser feitas e apresentadas. Esses tom sido pontos de honra desta bancada ao longo de muitos anos.
O Sr. Deputado Gameiro dos Santos conhece a modernização que se tem vindo a operar nos próprios corpos dos bombeiros, as movimentações que se deram dos corpos e dos comandos operacionais, toda uma acção que se tem vindo a desenvolver. Havia, efectivamente, um desconhecimento de normas que deveriam funcionar. Se houve atrasos no envio de pagamentos de contas foi para que as coisas pudessem ser clarificadas e para que os corpos de bombeiros não viessem precipitadamente a ser prejudicados recebendo menos do que aquilo a que unham direito. O Serviço Nacional de Bombeiros apurou e concretizou em tempo o envio das comparticipações a que os bombeiros tinham direito.
Pode ter a certeza, Sr. Deputado Gameiro dos Santos, que agora isso está a acontecer e que se estuo a pagar essas despesas. Não se pode esquecer que há uns atrás - antes de 1985 - tínhamos as despesas, a intervenção, mas nada se pagava aos bombeiros de Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Gameiro dos Santos.

O Sr. Carneiro dos Santos (PS): - Sr. Presidente, de facto não estou a ver onde é que o Sr. Deputado Jaime Soares defendeu a sua honra. Se calhar, veio aqui defender a honra de outros ou, talvez, defender os erros que as estruturas da Administração vêm cometendo.
Por acaso, acho curioso ouvir isso da parte do Sr. Deputado Jaime Soares. Digo isto porque, implicitamente, esteve aqui a defender o Serviço Nacional de Bombeiros que tanta critica.
O Sr. Deputado acha correcto que as compensações para os encargos com os fogos florestais de 1989 ainda não tenham sido entregues aos bombeiros em Maio de 1990? O Sr. Deputado acha isto correcto? Isto acontece só por ineficiência dos serviços? Se calhar também é, mas aí o Governo também tem responsabilidades! Ou será que o Governo desconhece que a direcção do Serviço Nacional de Bombeiros perdeu um vogal há cerca de um ano e tal, que saiu por razões da sua vida particular, e que ainda não o substituiu? Será que o Governo desconhece que o próprio presidente desse Serviço tanto esteve para ser presidente da câmara como deixou de o ser, tanto esteve para ser governador civil de Aveiro como deixou de o ser? Será que desconheço isto? Será que desconhecemos todos a forma como está a funcionar o próprio Serviço Nacional de Bombeiros?
Sr. Deputado, por amor de Deus, não me obrigue a dizer mais porque creio que isto já é suficiente! O Sr. Deputado sabe que estes encargos tiveram um corte substancial e sabe de quanto é que foi. Se calhar, esse corte foi de mais de 50% dos encargos suportados pelos bombeiros, e isto, de facto, é que é grave!
Espero que para o ano isto não volte a acontecer! Se isso se verificar, quando quisermos ter os bombeiros, que são fundamentais para a época que se avizinha, não os teremos. Digo isto porque já há muitas associações de bombeiros que se endividaram para cumprir obrigações que deveriam ter sido mais bem apoiadas pelo Governo e que não o foram. É lamentável que isso tenha acontecido!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.

O Sr. José Puig (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Segundo o Decreto-Lei n.º 510/80, de 25 de Outubro, o Serviço Nacional de Protecção Civil pretende ser o instrumento do Estado capaz de dar execução às directivas e determinações emanadas superiormente.
A função protecção civil, pode dizer-se, é uma actividade multidisciplinar e plurissectorial que diz respeito a todas as estruturas da sociedade, responsabilizando cada um e todos os cidadãos.
De facto, assim é. E o normativo instituído por aquele diploma legal veio acolher esta realidade.
No mesmo sentido, a Lei n.º 100/84 define a protecção civil como atribuição das autarquias locais e refere, entre as competências do presidente da Câmara Municipal, a de dirigir o Serviço Municipal de Protecção Civil.
Aliás, a função protecção civil não pode ser concebida plenamente, com eficácia, sem a responsabilização conjunta de muitas instituições públicas e outras particulares, já para não referir a responsabilidade de todos, individualmente considerados.
Mas o papel dos municípios detém, neste âmbito, uma particular relevância, já que outras competências que lhe estão legalmente atribuídas se encontram directamente relacionadas com as condições de funcionamento dos serviços de protecção civil.
A título de exemplo, podia ler-se, hoje, num matutino portuense, a propósito do acidente ferroviário ontem ocorrido na linha de Sintra: «Passageiros com fracturas e escoriações aguardaram cerca de meia hora que lhes chegasse socorro. Dificuldades no trânsito e algumas carências de avaliação do sinistro terão determinado a ausência de maior prontidão na prestação de cuidados.
Apesar da centena de agentes da PSP de imediato destacados para o ordenamento do trânsito, toda a zona de Benfica e Sete Rios ficou com escoamento paralisado, o que dificultou a movimentação das ambulâncias.
E a velha questão do trânsito em Lisboa, aliás protagonista de aceso debate e promessas várias na última campanha para as eleições autárquicas.»

Risos do PS, do PCP, do P RD e do CDS.

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Este debate, se encarado na perspectiva multifacetada e multidisciplinar inerente ao tema, pode, aliás, revestir-se da maior utilidade.
Desde logo, considerando e apresentando sugestões numa área fundamental, que é a da sensibilização de instituições e cidadãos. Assim, não seria dispiciendo que se encarasse a hipótese de estas matérias, enquadradas, numa disciplina de educação cívica, merecerem uma especial atenção no ensino preparatório ou secundário.
Por outro lado, não podemos deixar de conceder o devido destaque aos exercícios de alto nível, que nos últimos anos têm sido organizados pelo Serviço, Nacional de Protecção Civil.
Com efeito, exercícios como os de evacuação do Complexo Químico de Estarreja, a que se procedeu em 1988, e o de Sines, em 1989, para alem da preparação específica proporcionada aos intervenientes, podem acarretar, desde que amplamente acompanhados e divulgados pelos órgãos de comunicação social, nomeadamente televisivos, uma forte ajuda na sensibilização da opinião pública para os cuidados necessários numa situação de emergência.
As redes rádio distritais e municipais de protecção civil, em ligação e coordenadas pelo Serviço Nacional de Protecção Civil, são outro pressuposto essencial ao bom funcionamento deste sector. Aqui, e principalmente no âmbito municipal, existem ainda muitas lacunas a suprir. É certo que, por vexes, é por falta de meios indispensáveis à sua concretização.
Mas não podemos esquecer que nesta área em nenhum país do mundo os meios disponíveis são suficientes. Há, sim, que investir na sua máxima rentabilidade.
E aqui, com frequência, haverá que investir na modificação de mentalidades, quantas vezes quase indiferentes ao tema em análise.
Particularmente significativos são os estudos e consequente difusão, levada a cabo pelo Serviço Nacional de Protecção Civil, de medidas de autoprotecção das populações face a acidentes naturais e tecnológicos.
As inundações do Algarve, bem como as dos vales do Tejo e Douro, ocorridos no ano transacto, são 'bem demonstrativos da crescente importância, da crescente necessidade deste tipo de acções.
E, Sr. Presidente e Srs. Deputados, como reflexão final ficaria a questão dos serviços municipais de protecção Civil.
De facto, apesar da legislação vigente acima enunciada, que, aliás, se inspirou na legislação dos países comunitários, como sejam a francesa, a italiana e a alemã-federal, apenas meia dúzia de municípios apresentam serviços neste âmbito minimamente organizados.
Assim, falhando as mais das vezes o escalão que, de imediato e com maior proximidade, devia actuar junto das populações, tem que surgir, supletivamente, o escalão superior, com os inerentes prejuízos e atrasos.
Deste modo, a questão da reestruturação de todos estes serviços, mediante uma lei de bases que defina uma política nacional de protecção civil 6 o grande desafio que hoje se coloca.
Pensamos mesmo que o PRD, ao agendar este debate, pretendia apresentar um contributo decisivo neste sentido.
Mas, para nossa mágoa, assim não sucedeu.
Esperamos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que brevemente sejam dados passos firmes e inequívocos para podermos atingir este objectivo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado José Puig tem hoje a felicidade de ter colegas na sua bancada para ouvir, a esta hora, a sua intervenção final, porque não é costume. Geralmente deixam-no aqui pendurado e vão-se embora, ficando V. Ex.ª a fazer a intervenção para três ou quatro pessoas da sua bancada.

Risos.

De qualquer modo, é sempre agradável ouvi-lo, mesmo quer seja através do circuito interno de televisão, quer nos gabinetes, quer em qualquer outra sala. Agora, Sr. Deputado, vir dizer, quase no termo do debate, que o sinistro de ontem não foi prontamente socorrido por falta de transportes é realmente digno de atribuição de prémio Nobel...

Risos.

Se V. Ex.ª tivesse lido com cuidado a imprensa de hoje teria exactamente o filme daquilo que sucedeu: as declarações do maquinista, as declarações do chefe da estação, as declarações do responsável das relações públicas da CP e, principalmente-já agora por causa dos transportes da cidade, V. Ex." para escrever essa prosa nem sequer teve tempo de lê-lo - o artigo do engenheiro Oliveira Martins, que, como ele próprio se identifica no jornal Público, ex-ministro das Obras Públicas. É nesta qualidade que ele escreve o artigo, em que diz que o problema dos transportes em Lisboa é um problema do Governo central e não dos municípios e que é preciso uma articulação entre o Governo central, as empresas concessionárias e o município, sem a qual não é1 possível resolver o problema.
Com certeza que, ao escrever este artigo, ele não imaginava que, no dia
seguinte, iria dar-se o acidente em Campolide. Foi realmente uma coincidência má para ele, mas, de qualquer modo, é uma resposta para si. Isto é,' até o ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, que saiu há poucos dias, diz que este problema não e do município, e, sim, da administração central.
Além disso, V. Ex.ª devia ler com cuidado a resolução do Conselho de Ministros n.º 17/85, sobre esta questão dos transportes, que diz o seguinte:
Considerando que a função de protecção civil, como actividade multidisciplinar e plurissectorial, respeita a todas as estruturas da sociedade;
O Conselho de Ministros, reunido em 28 de Março de 1985, resolveu:

l - Recomendar aos serviços do Estado, ainda que personalizados, bem como às empresas públicas [...] metro, carris, rodoviária, ele. [...J e às concessionárias de serviços públicos, no âmbito da respectiva concessão, sediados ou em actividade nos concelhos, que prestem às autarquias locais toda a colaboração na organização e funcionamento do serviço municipal de protecção civil, previsto no artigo 53.º do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março.
Aquilo que aconteceu ontem - e por isso é que V. Ex.ª, do alto daquela tribuna, fez a queixa - é que

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esta resolução nem sequer foi cumprida, porque se ela fosse cumprida estariam lá todos os serviços das empresas concessionárias de transportes para prestar a assistência devida e nunca o corpo da Polícia de Segurança Pública, como aconteceu.
O que era preciso é que as empresas concessionárias lá acorressem. Era isto que V. Ex.ª devia ter dito, e falhou. E falhou porque? Porque a resolução é leira mona! Porque tudo o que se escreve e se legisla na protecção civil é desconhecido da totalidade das pessoas e principalmente daqueles que tom a responsabilidade de conhecer antes de vir aqui fazer a intervenção parlamentar.
Portanto, se V. Ex.ª nem sequer soube aqui dizer que a culpa foi das empresas públicas e das concessionárias dos serviços públicos, que nao prestaram a devida atenção e por isso é que o desastre se arrastou pela manhã toda e houve ioda aquela confusão de trânsito em Lisboa, foi exactamente porque não se cumpriu esta resolução do Conselho de Ministros, que está em vigor e que é uma resolução óptima.
Ora bem, Sr. Deputado, não acha que esses problemas merecem um pouco de mais cuidado, mais reflexão e mais sentido de oportunidade ao serem tratados, em vez de vir aqui dizer que não se faz por culpa de outros e que o Governo tudo fez, etc., como V. Ex.ª disse e com a responsabilidade de deputado do partido do Governo?...
V. Ex.ª representa aqui o partido que apoia o Governo, o PSD, e está a deitar as culpas daquilo que se passou ontem sobre o nó de Campolide para cima dos transportes, quando o que faltou foi, em primeiro lugar, a modernização da rede de caminhos de ferro e de material, a falta de horários sincronizados pela CP; em segundo lugar, falta de atenção, de segurança e de treino dos motoristas e daqueles que conduzem os comboios - e isto foi dito pelo próprio condutor do comboio -; em terceiro lugar, a falta de apoio por pane das empresas públicas que unham obrigação de tratar do sinistro no próprio local, e, em quarto lugar, a falta de articulação que existe entre as empresas concessionárias e o Governo central, como propõe o engenheiro Oliveira Martins e que não ó feito.
Era isto que V. Ex.ª devia dizer, porque isto é que é a verdade dos factos! É isto que está na lei e nas declarações dos responsáveis honestos, dos responsáveis do PSD, que deixaram de ser governo e que, por isso mesmo, tom hoje a liberdade de dizer o que não diriam quando estavam no Governo.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.

O Sr. José Puig (PSD): - Sr. Deputado Narana Coissoró, de facto, a minha sina ó estar normalmente bem acompanhado e poucas vezes só! Entristece-me um pouco é que a sina do Sr. Deputado Narana Coissoró seja um pouco a inversa, isto 6, está normalmente só. Mas mais vale estar só do que, eventualmente, estar com colegas de que não goste!
Aliás, ainda há pouco ouvimos algumas afirmações a propósito dos ministros da Defesa que se seguiram ao Sr. Ministro Adelino Amaro da Costa que nos levaram a compreender a sua opinião sobre algumas pessoas que podiam estar aí.
Por outro lado, Sr. Deputado, gostava muito de aceitar o prémio Nobel que quis atribuir-me sobre a questão dos transportes de ontem, mas não posso, por uma questão de modéstia. É que as considerações que teci sobre a questão dos transportes de ontem não foram mais do que a transcrição do matutino portuense...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - De um matutino?...

O Orador: - Do Jornal de Notícias, que, nesse aspecto, até deve ser mais ou menos insuspeito - penso!
Mas, como estava a dizer, as considerações que tive o cuidado de fazer sobre a questão do trânsito foram, exactamente, uma transcrição do Jornal de Notícias de hoje.
O prémio Nobel terá, pois, de ser atribuído ao Sr. Jornalista que escreveu o artigo!
De qualquer modo, notei a preocupação que a leitura da notícia provocou, na altura, às bancadas do PS e do PCP. Se calhar por ser mesmo do Jornal de Notícias.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Não sei qual é a piada!

O Orador: - Quanto a os transportes serem ou não uma questão da administração central ou do município - e também fiz uma consideração muito breve sobre isso-, quis realçar apenas uma coisa: é que, se calhar, ale corresponde um pouco à realidade; se calhar, todas as competências, todas as grandes questões deste país tom de ter uma perspectiva e uma análise coordenada com os vários órgãos do poder. Aliás, temo-lo dito aqui muitas vezes.
Mas quando falei em promessas várias, referi-me a um programa que, em determinada altura de campanha, permitia a resolução urgente só com um poder, só com uma mudança, numa estrutura de um poder local. Referia-me a isso em concreto, não me referia à questão de fundo, em relação à qual, de facto, V. Ex.ª tem razão. Só com a interligação, a coordenação e um diálogo profundo entre todos os poderes neste país poderemos, de facto, abordar as grandes questões. E uma delas é esta da protecção civil!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Não vou falar de dotações, não vou falar de outros serviços que não sejam os de protecção civil. Penso que confundiria ainda mais o debate se falasse de outros serviços.
Das várias calamidades e sinistros, gostaria de abordar duas grandes áreas: a dos sismos e a dos fogos.
Considero que na verdade, o que o Sr. Ministro disse sobre o que eu chamei de função de protecção civil, e que se há-de traduzir num sistema de protecção civil, está correcto. Ela deve manifestar-se, como até agora, através de uma actividade multidisciplinar e plurissectorial que diz respeito a iodas as estruturas da sociedade, responsabilizando todos os cidadãos. É na verdade uma função, digamos, cultural, em que as futuras bases, uma ampla divulgação e permanentes campanhas são muito necessárias, e destina-se a evitar a ocorrência de desastres ou catástrofes e a minimizar os seus efeitos destruidores, a estudar e a planear, a todos os níveis, acções de socorro e assistência, a efectuar estudos e a elaborar planos que possibilitem acções de reconstrução e de recuperação de áreas afectadas.

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Na verdade, a protecção civil não é, em si, um serviço, embora haja necessidade dele. Criámos um serviço para dar execução a algumas tarefas ou a algumas directivas superiores, enfim, para fazer uma determinada aglutinação. Confundimos um pouco. Creio que ao criticar demasiado o Serviço Nacional de Protecção Civil por vezes estamos a prejudicar a função protecção civil.
Esta função compreende um conjunto de medidas destinado a proteger o cidadão como pessoa humana e a população no seu conjunto, tudo o que represente perigo para a sua vida, para a saúde, para os nossos recursos e para os nossos bens culturais e materiais, limitando os riscos e minimizando os prejuízos quando ocorram sinistros, catástrofes ou calamidades, incluindo os imputáveis à guerra.
Creio que ao longo deste debate algumas das áreas da função de protecção civil - falo da prevenção - foram minimizadas em relação às condições de gestão da própria catástrofe. Penso que temos bons e bastantes bombeiros. Temos fogos a mais, mas agricultura e ordenamento florestal a menos. O problema dos fogos não é propriamente, como o dos sismos, uma catástrofe para a qual nos tenhamos de preparar de determinada forma. Continuo a dizer que o problema dos fogos não é um problema do Ministério da Administração Interna, mas sim do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, e tem estado sempre muito mal resolvido até hoje.
Quero ainda chamar a atenção para o facto de que uma adequada política de ambiente que combata os desmandos e desvios é ainda complementar, de uma função de protecção civil. A protecção civil está muitas vezes a «apagar fogos» que os serviços do ambiente foram semeando por alguma incúria, falta de legislação ou falta de meios.
Falou-se aqui do Serviço Nacional de Protecção Civil. Concordo com o que foi dito pelo Sr. Deputado Narana Coissoró no que se refere ao diploma preparado pelo então ministro Amaro da Costa. Discordo, no entanto, que aquelas 11 medidas, e não 15...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É que há uma que tem quatro alíneas.

O Orador: - Sim, são 11, mas uma delas está dividida nos pontos 4.1, 4.2, 4.3 e 4.4.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O que dá 15.

O Orador: - Sim, dá 15.
Discordo - dizia eu - da afirmação de que essas 11 medidas nunca tenham sido implementadas. De facto, isso não é verdade. Se lermos bem as medidas, talvez muitas delas não tenham atingido o grau de satisfação, mas tem vindo a ser implementadas.
Penso, aliás, que este Serviço Nacional de Protecção Civil precisa de ser modificado. Nasceu mal, em 1975, como já aqui foi dito, numa concepção, diria, revolucionária.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Gonçalvista!

O Orador: - Eu diria revolucionária, no bom sentido, e não gonçalvista. Quando utilizo o termo «gonçalvista» é no mau sentido.
Esse serviço resultou de um concepção revolucionária nó bom sentido, visto que fazia apelo a toda uma co-ajuda e a uma intervenção democrática. Ao fim e ao cabo, o associativismo estava traduzido de outra forma, mas, na verdade, esteve cinco anos dentro de uma gaveta, com uma comissão instaladora, só aparecendo em 1980. Só em 1984 é que é criada legislação para os serviços municipais de protecção civil.
Existe toda a legislação necessária. O que tem havido não é propriamente falta de interesse dos municípios: há uma acção descentralizadora de protecção civil que tem sido mal feita pelos diversos governos. A protecção civil nasceu para ser regionalizada e municipalizada. O comando central deve ser um comando feito à distância, complementar, produzindo legislação e regras adequadas, mas é- ao nível do conselho e da região que estes problemas são sentidos e poderão ser resolvidos. Enquanto não fizermos o suficiente por isso, não há serviço de protecção civil que possa vingar, e considero importante que se modifique um pouco essa situação.
Todos nós sabemos que o cérebro do Serviço é o Centro Operacional de Emergência de Protecção Civil, que tive ocasião de, por várias vezes, visitar em plena operação, e digamos que sempre me agradou o seu trabalho.
Penso que a protecção civil é mal conhecida em Portugal; os nosso serviços são mal conhecidos. Na verdade, são melhores, têm mais capacidade para actuar e produzem elementos convenientes para as acções que são pouco conhecidos, e é uma pena que assim seja.
No entanto, há um problema gravíssimo no Serviço Nacional de Protecção Civil que teria de ser resolvido. É que este relacionamento com os bombeiros, com as Forças Armadas, com os serviços .de segurança, etc., não se afigura adequado. Aliás, chego até a pensar que talvez o Sr. Primeiro-Ministro não devesse delegar a direcção deste Serviço no Ministro da Administração Interna, de modo que o mesmo pudesse estar colocado num nível suficientemente alto, no vértice de uma pirâmide. Com efeito, ele está, neste momento, muito nivelado com outros serviços, aliás também importantíssimos. Há, assim, demasiada responsabilidade do Serviço, mas poucos meios, pouco poder, pouca possibilidade de actuar, e essa ordem de coisas deveria ser modificada.
Falámos hoje aqui sobretudo de fogos. No entanto, falámos muito pouco de sismos e relativamente pouco de inundações e de outros acidentes de origem tecnológica (industrial e atómica). Assim, procurarei dar, com o exemplo dos sismos, a ideia de algumas dificuldades que deveriam ser ultrapassadas.
O Serviço Nacional de Bombeiros é o elemento por excelência do grupo da protecção civil, e quer no que se refere aos fogos - de que depois falarei um pouco -, quer em relação a qualquer outro tipo de catástrofe em que, invariavelmente, os bombeiros têm de intervir, há um problema que não está resolvido, que nunca se conseguiu resolver e que, na verdade, terá de ser dirimido.
Assim, inscrevo-me como número um para defender o voluntariado, pois considero que é à base do voluntariado que o Serviço Nacional de Bombeiros tem de existir e viver. Porém, não há dúvida nenhuma de que o voluntariado é cada vez menos compatível com uma entrega total, com uma ocupação de tempos como hoje o exige o combate aos fogos florestais e com uma maior profissionalização. Então, para remediar essa situação, estamos a recorrer aos GEI's, que, embora sejam grupos excelentes, são pequenos grupos de sapadores incrustados no meio dos bombeiros voluntários. Esta situação não é clara e tem de acabar por se resolver.

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Neste momento, não quero apontar como é que isso se fará, na medida em que se trata de uma questão sensível que terá de ser tratada através do diálogo entre os vários serviços, por fornia a encontrar a solução ideal. De qualquer modo, arrisco-me a dizer que alguma coisa se tem de profissionalizar para que o voluntariado não morra e para que depois não tenhamos nem profissionais nem voluntários.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Esta parece-me ser uma questão da maior importância, a qual gostaria fosse devidamente tratada.
Sr. Ministro, queria agora, e com alguma rapidez, colocar-lhe algumas questões sobre uma das áreas que mais me preocupa: o problema dos sismos. O Sr. Ministro já fez uma pequena viagem nessa área, mas, aí sim, muito foi deixado de lado e há que o retomar rapidamente.
V. Ex.ª sabe que, com vista à minimalização do risco sísmico em Portugal, foi elaborado pelo Serviço Nacional de Protecção Civil um programa de acções que se encontra em execução desde Fevereiro de 1981. Sabe também o Sr. Ministro que esse programa linha três fases: uma do concelho de Lisboa que, na verdade, existe, embora não seja de divulgação, mas não está completa. Porém, relativamente à região envolvente de Lisboa, não há nada. E um sismo em Lisboa afectará tanto esta cidade como a sua região envolvente. Também não há nada em relação ao litoral alentejano, nem ao Algarve, nem a outras regiões de risco sísmico significativo, como sejam os Açores e outras zonas continentais.
Todo o trabalho existente é, na verdade, de grande valia e está - digamos - bastante adiantado quer quanto à microzonagem da cidade quer quanto ao comportamento sísmico do parque imobiliário ou ao estudo das estruturas e das redes. Quem nos dera ler para as outras zonas o que já temos para a zona de Lisboa!
No entanto, como o Sr. Ministro sabe, um sismo - e eu não queria entrar no detalhe dos cenários - poderia produzir magnitudes de 9, 10, 11 na cidade de Lisboa e poderíamos ter imensidades em que os 10 000 mortos de 1775 fossem uma brincadeira em relação ao que poderia passar-se. Portanto, depois de este estudo ser apresentado e digerido - e este estudo foi apresentado em 1984-1985-, aqui, sim, é que os sucessivos governos têm tido falhas apreciáveis, numa área onde - digamos que a microzonagem que está feita de Lisboa tem que ser uma microzonagem dinâmica, isto é, que vá atendendo todos os edifícios que vão aparecendo, que comporte a situação populacional a determinadas horas( que não é em 1990 a mesma de 1985 - o problema é muito grave e sério.
Portanto, pedia ao Sr. Ministro uma preocupação especial nesta área porque se qualquer coisa acontecer não vamos ter possibilidade de remediar facilmente.
Queria ainda dizer alguma coisa, de forma muito rápida, sobre os fogos.
Considero, na verdade, que o dispêndio com o reequipamento permanente dos bombeiros é louvável, mas pergunto: o que é que se tem feito ao nível dos sucessivos Ministérios da Agricultura para que não haja fogos? É que nós não precisamos de muitos bombeiros mas sim de poucos fogos. Portanto, perguntaria: o que é que hoje se está a fazer, por exemplo, em relação àquele manto florestal que era aproveitado e que hoje fica? Por que é que não existem parques de máquinas distritais para limpeza desse manto? Porque é que se não investe nesta área? Porque é que se «atiram» os bombeiros durante quatro ou cinco meses, chegando a estar trinta e quarenta horas sem dormir, quando a montante há toda uma acção que está descurada, que não se faz?
É que isto não é só um problema do Ministério de Administração Interna, mas sim de ordenamento florestal, problema esse que tem de ser atacado rapidamente porque é a única forma de terminarmos com os fogos. E é também um problema de outros ministérios.
Primeiro, levámos anos a discutir se o Canadair era o avião adequado ou por qual se deveria substituir o C-130. E criou-se um dossier que deve ter um metro de altura. Depois vieram os Canadair para se experimentar e toda a gente verificou que serviam, podendo até ser utilizados, em outras épocas do ano, em vigilância a náufragos, acidentes em praias, etc, tendo, portanto, imensa aplicação. Mas quem vence o Estado-Maior da Força Aérea e o Ministério da Defesa neste sentido?!

O Sr. Jaime Soares (PSD): - Já está!

O Orador: - Mas já está o quê?
Temos de fazer algumas modificações porque, caso contrário, a única diferença que vai haver é que no próximo ano já teremos algumas bases da protecção civil mas daqui a dois anos estamos novamente a lamentarmo-nos da mesma situação.
Sr. Ministro, chamo-lhe a atenção para os problemas do voluntariado, do equipamento de combate a fogos florestais, quer a montante no ordenamento
florestal quer a jusante, sobretudo no combate aéreo, e para a dificuldade de planeamento e de coordenação entre vários serviços componentes do Serviço Nacional de Protecção Civil, coordenação essa que continua a não ser feita adequadamente.
Finalmente, chamo-lhe ainda a atenção no sentido de vencer algumas das dificuldades do seu partido, isto é, mesmo que não sejam capazes de fazer a regionalização, regionalizem e descentralizem o Serviço Nacional de Protecção Civil.

Aplausos do PS e do CDS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Deputado Eduardo Pereira, ouvi com muito gosto a sua intervenção mas, mesmo assim, gostaria de colocar-lhe algumas questões suscitadas pelo seu discurso.
V. Ex.ª disse, a determinado momento, que o Serviço Nacional de Protecção Civil
não deveria estar na dependência do Ministério da Administração Interna, mas, sim, na do Primeiro-Ministro.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Chego a pensar que não devia!...

O Orador: - Exacto, mas isso dá-me oportunidade pára colocar a questão no outro plano.
De acordo com a filosofia enunciada no início da minha intervenção - e com a qual V. Ex.ª concordou - a protecção civil deve ser concebida como um sistema que tem na sua cúpula um órgão, o Conselho Nacional

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de Protecção Civil, obviamente presidido pelo Primeiro-Ministro - como não pode deixar de ser! - e um órgão mais virado para a parte executiva, funcional e para a organização de planos, que seria, por exemplo, a Comissão Nacional de Protecção Civil.
Esta estrutura, no fundo, é a mesma que corresponde a outras áreas das grandes funções do Estado, por exemplo, na Lei de Defesa Nacional e na de Segurança Interna. Portanto, é nessa Comissão - que é presidida, como no caso do Conselho Superior de Segurança Interna, pelo Primeiro-Ministro -, onde estão representados os diferentes órgãos que intervêm, necessariamente, na protecção civil, nomeadamente os próprios ministérios e serviços responsáveis, que está o elo de ligação, de vinculação e onde as responsabilidades dos vários ministérios se ligam.
Gostaria, pois, de saber a opinião do Sr. Deputado Eduardo Pereira relativamente a este assunto..
Um segundo aspecto que gostaria de referir liga-se com a sua preocupação, que é das mais legítimas, relativamente ao plano de protecção sísmica da zona de Lisboa. Como V. Ex.ª sabe, esse plano previa três fases: uma para a região de Lisboa, uma para a região de Santarém e outra para o Algarve, no sentido da protecção da faixa sísmica portuguesa.
Tratou-se de um trabalho intensivo. Não sei se o Sr. Deputado - que o acompanhou mais de perto - leve, nessa altura, ocasião de verificar que era um trabalho multidisciplinar, onde se encontravam municípios, o Laboratório Nacional de Engenharia Civil, serviços geológicos nacionais, etc. Uma imensidão!
Gostaria também de saber se teve oportunidade de verificar, no seu tempo, pois isso também é importante para meu conhecimento, quais as dificuldades de articulação de todas essas entidades. Isto porque como ele continha 16 subprogramas, tendo sido dado a, uma determinada entidade cada um desses subprogramas, talvez esteja aí ainda o impasse que o Sr. Deputado, enquanto ministro da Administração Interna, e, eventualmente, os outros ministros que se lhe seguiram notaram.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Soares.

O Sr. Jaime Soares (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Eduardo Pereira, acredite que há coisas na vida que honram muito os homens e eu, neste momento, sinto-me extremamente honrado não só pelo facto de poder fazer-lhe algumas perguntas, tal é a consideração que lenho para com V. Ex.ª, mas também pela troca de impressões que, ao longo dos anos, temos vindo a fazer sobre estas matérias.
Quero dizer-lhe, mais uma vez, em reforço do que lhe disse antes, que gostei da sua intervenção, dos pontos que aqui colocou e também gostaria que me ajudasse a ultrapassar algumas preocupações, que não são só minhas mas, com certeza, também de V. Ex.ª, em relação ao ordenamento florestal, que não existe. Porém, o Sr. Deputado tem conhecimento das dificuldades, que ainda existem neste País, de um ordenamento urbano, que ainda não está feito.
Penso que os planos directores municipais (PDM) deveriam preocupar-se com a área do ordenamento florestal.
Sabe V. Ex.ª igualmente das dificuldades deste país no que concerne à floresta, já que 84% são floresta privada e, mesmo que haja uma grande vontade política, haverá sempre um problema de gerações, um problema cultural, um problema que, efectivamente, obrigará muitas pessoas a alterar o seu percurso.
V. Ex.ª referiu-se ao Serviço Nacional de Protecção Civil. Como sabe, as autarquias continuam a ter algumas dificuldades financeiras: passaram a época do «esgoto» e agora estão na fase do desenvolvimento económico, tendo à mão um meio importante, que são os seus bombeiros, pois as autarquias assentam muito as suas estruturas e a defesa da protecção civil nos seus bombeiros. Agora, terá de haver articulação e as comissões municipais de protecção civil terão de entrar em sintonia. Temos, efectivamente, não de duplicar mas, sim, de aproveitar e coordenar as tais potencialidades existentes.
O voluntariado e o associativismo são, efectivamente, fenómenos e valores que a sociedade portuguesa tem nas suas mãos. Tem havido lacunas e uma das maiores é a de não se ter compreendido este fenómeno do voluntariado. Uma das grandes lacunas do Serviço Nacional de Bombeiros é a de ainda não ter conseguido entender o grande valor que tem à mão e de que pode dispor, mas estou convencido de que as pessoas serão capazes de fazer alterações ao percurso e entender que estes valores não podem perder-se e que têm de rentabilizar-se ao máximo.
Sr. Deputado Eduardo Pereira, temos que fazer algumas coisas nesse sentido; só que nunca poderemos misturar profissionais com voluntários. Aceito que tenha de ser criada uma estrutura e aproveitar-se a Escola Nacional de Bombeiros. Sou defensor de que essa Escola tem de existir, mas também penso que é a escola que tem de ir ao encontro do bombeiro e não o bombeiro ao encontro da escola. Por isso, conseguiremos «regionalizar» a Escola Nacional de Bombeiros e, através dessa «regionalização», criar corpos de intervenção em áreas específicas que, paralelamente, apoiarão os voluntários. Assim, conseguiremos sempre manter esta chama forte e viva, que poupa milhões de contos ao erário público e que é insubstituível. Garanto-lhe, Sr. Deputado, que os grandes corpos profissionais deste País não têm melhores conhecimentos nem são capazes de actuar melhor no combate aos fogos do que os corpos de bombeiros voluntários, donde há comandantes dos bombeiros operacionais dos melhores que existem no mundo. Não tenha qualquer espécie de dúvida, Sr. Deputado! Porém, temos que fazer alguma coisa.
Sr. Deputado Eduardo Pereira, gostaria também de dizer-lhe que, neste momento, há um pacote de legislação que está a ser reformulado, pois o Governo está preocupado com a situação actual e já está a trabalhar no sentido da revisão da Lei Orgânica, através .do Decreto-Lei n.º 418/80. A matéria relativa à tipificação dos corpos de bombeiros está também em estudo e o estatuto jurídico das associações de bombeiros está a ser revisto.
Está, assim, a ser revisto um conjunto de diplomas que, com certeza, irão contribuir para melhorar profundamente a situação algo preocupante que ainda hoje se vive.
Quanto à questão dos meios aéreos, não podemos esquecer, Sr. Deputado Eduardo Pereira, que eles são um complemento do combate aos fogos florestais. Mas a grande preocupação deve incidir na prevenção, nas linhas de corta-fogo, nas estradas, nos caminhos, nas balças de água, de forma a poder permitir-se a penetração de corpos de bombeiros, possibilitando-lhes assim uma intervenção mais rápida.

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Aproveito a oportunidade para dirigir uma mensagem ao Governo, solicitando que a entenda e tome boa nota dela, se bem que ele - penso eu - certamente gostaria de já lhe ter dado resposta, mas ainda não foi possível, como acontece com outras coisas.
Como sabemos, as verbas da Comissão Nacional Especializada de Fogos Florestais, que tem vindo a produzir um bom trabalho ao nível das infra-estruturas, são exíguas e não chegam para executar todas as acções pretendidas. Assim, chamo aqui a atenção para que, no próximo Orçamento do Estado para 1991, a Comissão Nacional Especializada de Fogos Florestais seja contemplada com um aumento de verbas, uma vez que tem vindo a produzir um trabalho válido e, através dessas infra-estruturas, tem conseguido resolver alguns problemas. Sei que o Governo está atento a esta situação e que as minhas palavras não irão cair em saco rolo.
Na verdade, não temos razões para acreditar no contrário, pois sempre que os deputados do PSD, que aqui representam a maioria, depois de auscultarem as necessidades do povo português, expressam aqui as suas solicitações ao Governo - pois são mandatários do povo e não do Governo - e elas têm vindo efectivamente a ser atendidas.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Essa foi a melhor que ouvi hoje!

O Orador: - É verdade! V. Ex.ª, às vezes, não está atento!...
Em relação aos meios aéreos, Sr. Deputado Manuel Pereira, isto é, Eduardo Pereira...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Mais atenção aos nomes, Sr. Deputado!

O Orador: - O senhor está a tentar baralhar-me! Devia, antes, estar atento para aprender alguma coisa sobre a protecção civil!
Mas como eslava a dizer, em relação aos meios aéreos, penso que o C-130 vai ser posto de parte, porque é um meio pesado e não tem interesse. Estou absolutamente convencido de que não há razão para ter medo de proceder a alterações e de dizer «não» ao C-130.
Com efeito, as propostas dos bombeiros e dos comandantes operacionais são neste sentido e, com certeza, que tudo vai ser devidamente analisado. Não há aqui medo de ministério algum! O Governo vai fazer a análise do custo e da eficácia dessas propostas e, com certeza, no próximo ano, vai permitir que possamos contar com um reforço de meios aéreos mais versáteis, mais aligeirados, possibilitando assim, como, no fim de contas, todos queremos, que este flagelo dos fogos florestais venha a diminuir, uma vez que, num país de influência mediterrânica, por muito que se faça, nunca se conseguirá acabar com os fogos florestais.
No entanto, poderemos já - e estamos todos, certamente, a tentar fazê-lo - é diminuí-los, fazendo a profilaxia do fogo, que também ainda não foi feita. Penso que a Direcção-Geral das Florestas terá aí um papel muito importante, assim como todos nós, pois o problema dos fogos florestais é nacional e todos os contributos dos cidadãos deste País, à semelhança do que fez o Sr. Deputado Eduardo Pereira, serão bem aceites.
Mais uma vez e para terminar, gostaria apenas de salientar que me senti muito honrado em estabelecer este diálogo com V. Ex.ª, Sr. Deputado Eduardo Pereira.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Ministro, como sabe, inicialmente, o Serviço Nacional de Protecção Civil esteve sob a tutela do Ministério da Defesa Nacional, tendo sido num governo a que pertenci que passou para o Ministério da Administração Interna. O problema é que o Ministro da Administração Interna (diz-mo a experiência) não tem peso específico suficiente para arrastar os outros ministérios nesta luta. E como assim é, ou subimos a protecção civil ou podemos ter um problema. Isto não quer dizer que seja o Sr. Primeiro-Ministro a despachar com o director e não o Sr. Ministro da Administração Interna, mas é preciso que o Primeiro-Ministro sinta o Serviço Nacional de Protecção Civil como uma direcção-geral sua.
Fez-me uma pergunta, que não sei se percebi bem, mas à qual vou responder na exacta medida em que a compreendi.
Penso que o Serviço Nacional de Protecção Civil tem que ser elevado, não esquecendo embora que isso tem de ser feito com cuidado e através do diálogo porque a sua subida não pode, de forma alguma, significar diminuição do campo de acção de outros serviços que pertencem à função «protecção civil», digamos assim.
No entanto, duvido que seja possível fazê-lo através de um simples conselho. O Conselho Superior de Protecção Civil existe e não resulta muito bem, uma vez que reúne apenas duas vezes por ano - não é isso que vai resolver os problemas!...
O Sr. Ministro falou-me da sua ligação ao Conselho Superior de Segurança Interna, mas, como sabe, eu próprio, em determinado momento, «naveguei» nessa água e tive, dos vários intervenientes da protecção civil e das forças políticas, geral oposição a esse sistema. Penso que essa oposição derivou do mau entendimento do que se pretendia, mas penso também que não é solução pacífica e daí que não me sinta capaz de lhe dar um conselho sobre este assunto.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Eduardo Pereira, solicito-lhe que abrevie.

O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente.
Ao Sr. Deputado Jaime Soares agradeço as referências que me fez e que são produto de uma amizade de vários anos. É, aliás, sempre com muito prazer que discuto este tipo de problemas com o Sr. Deputado. Estou convencido de que a única solução para os problemas, no campo, quer da protecção civil quer dos fogos florestais, passa por um maior empenhamento voluntário das autarquias na solução do problema. Quando os presidentes das câmaras perceberem que os fogos são, hoje, um problema económico, que delapidam o que eles tem no seu concelho e que a riqueza vai para os bolsos de alguns, mas que prejudica o País, creio que estão reunidas as condições para que sejam eles os motores das soluções.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, registando positivamente a presença ardorosa de alguns

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Srs. Deputados a esta hora nesta parte do debate, que é um debate de inegável interesse nacional, irei ainda abordar algumas questões ligadas com o espectro dos incêndios florestais, que aí estão, de novo, com o aproximar do Verão.
Com eles, o País ouvirá, de novo, lamentos, reivindicações e promessas do Governo, novos inquéritos serão lançados, dezenas de páginas de jornais serão preenchidas com opiniões e notícias, mas, passado o calor do momento, o silêncio que atravessa a floresta ardida cai, tantas vezes também, sobre as promessas feitas e sobre as medidas de fundo que se impõem tomar não só, e sobretudo, na prevenção mas também na detecção e no combate aos incêndios florestais.
Hoje, a responsabilidade de: actuação em matéria de incêndios florestais passou quase exclusivamente para o âmbito do Serviço Nacional de Bombeiros e da Direcção-Geral das Florestas.
E a primeira questão fica no ar: por que. é que o Serviço Nacional de Protecção Civil deixou de intervir nesta matéria quando, pela experiência acumulada, poderia ser um eficaz elemento de coordenação e um dos vértices do triângulo?
A floresta portuguesa, Srs. Deputados, é um património inestimável: abrangendo mais de 3 milhões de hectares, contribuindo com mais de 16% para total das exportações e 3,4% para o PIB, garantindo cerca de 100 000 postos de trabalho, a sua importância económica, social e ambiental exige medidas sérias e estruturais para a sua preservação e defesa contra os incêndios.
Apesar dos esforços feitos nos últimos anos, designadamente aos níveis dos bombeiros e da própria Direcção-Geral das Florestas, a verdade é que a nossa floresta continua a arder ano após ano. Só em 1989, a área ardida ultrapassou os 100 000 ha (cerca de 5 vezes mais do que em 1988) e em toda a década de 80 a área percorrida pelos incêndios florestais ultrapassou os 720 000 ha, isto é, cerca de 25% da área florestal do País.
Estamos a aproximar-nos velozmente da época estival e, apesar de algumas medidas tomadas e da disponibilidade do Exército para intervir, ainda há dias, ouvimos o presidente do Serviço Nacional de Bombeiros declarar estar apreensivo com a próxima época de fogos florestais.
A situação não é para menos porque, conhecendo-se as grandes áreas a exigirem intervenção - a política de arborização, a organização do aproveitamento das matas, os sistemas de detecção e alerta, a investigação das causas, os meios técnicos e humanos adequados ao combate aos incêndios e a actuação nos rescaldos, a coordenação das diversas entidades envolvidas; estas são as questões de fundo - tardam as necessárias medidas estruturais que reduzissem os incêndios florestais a números insignificantes.
Procurando dar uma contribuição positiva para a resolução deste flagelo, vamos entregar na Mesa um projecto de resolução, propondo as seguintes quatro medidas, que visam prevenir e combater os incêndios florestais.
A primeira medida - que é, necessariamente, uma medida a prazo que urge tomar - propõe-se realizar o ordenamento do espaço florestal. Enquanto se persistir em não definir, uma política de ordenamento do espaço florestal, não será possível impedir ou limitar os incêndios de uma forma definitiva.
Neste âmbito é necessário haver uma política de arborização que tenha em conta as nossas características climáticas, recusando uma política monocultural e privilegiando a floresta de uso múltiplo; apoiando as espécies florestais de crescimento lento; instalando cortinas de espécies florestais adequadas, .como as folhosas junto às linhas de água e nas encostas, designadamente para dificultar o avanço dos fogos; apoiando o ordenamento das explorações florestais; e promovendo uma política de construção de infra-estruturas e rede viária.
Promovendo-se, ou permitindo-se, uma arborização, desordenada, como tem estado a suceder, assente sobretudo numa floresta monocultural com espécies de crescimento rápido, como o eucalipto, sem criar outras alternativas aliciantes e rentáveis para os agricultores e produtores florestais, o Governo está a criar pasto para as chamas.
Com a segunda medida pretende evitar-se a acumulação de desperdícios provenientes da exploração das malas. O absentismo de muitos proprietários florestais e os interesses imediatos de muitos madeireiros levam à acumulação, nas matas, de despojos dos cortes, calculando-se em cerca de 30% este material altamente combustível (ramos, cascas, etc.) que vai ficando no interior das nossas florestas.
O PCP propõe a criação de estaleiros ou parques de recepção de material lenhoso que contribuiriam em muito para evitar este risco e que estimulariam o necessário associativismo dos produtores florestais, tornando economicamente rentável o aproveitamento dos desperdícios.
Por outro lado, é altamente criticável que o Governo não actue com mais determinação na limpeza apropriada dos matagais - não na limpeza total, porque as várias mantas e os vários andares constituem, eles próprios, um elemento de equilíbrio do ecossistema - com uma boa silvicultura que defenda o equilíbrio natural entre os vários andares existentes na floresta.
Propomos ainda que se estudem medidas em vigor noutros países, como por exemplo na Suécia, onde 10% do produto de venda é depositado à ordem dos proprietários florestais para uma utilização obrigatória em acções de beneficiação e rearborização das matas.
A terceira medida vai no sentido de apoiar acções de investigação das causas dos incêndios, organizar a coordenação das diversas entidades envolvidas na prevenção e combate e dotá-las dos meios necessários.
Um dos aspectos mais gritantes da incapacidade do Governo é o que se relaciona com os meios à disposição das diversas entidades que têm de intervir nos incêndios florestais, desde a investigação das causas à detecção e alerta, desde o combate às operações de rescaldo e de vigilância pós-rescaldo.
Sabe-se que em mais de 80% dos casos desconhecem-se as causas dos incêndios e, nos últimos anos, essa percentagem tem tido tendência para ultrapassar os 90%. Razões: falta de meios para uma investigação sistemática e científica.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lino de Carvalho, solicito-lhe que tenha em conta que já ultrapassou o tempo.

O Orador: - Sr. Presidente, solicito à Mesa que tenha para nós a mesma condescendência que teve para com os restantes grupos parlamentares.

O Sr. Presidente: - Tem para todos, Sr. Deputado. A Mesa é aquela que proporciona a igualdade. Mas, de

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qualquer maneira, é bom que tenha em conta que também já tem o «tracinho».

O Orador: - Está registado, Sr. Presidente.
Dizia eu que as razões desta ausência de conhecimento das causas reside na falta de meios para uma investigação sistemática. É paradigmático que a única brigada de investigação das causas dos incêndios existentes no País tenha, por exemplo, como material de apoio uma lupa de coleccionador de selos que os seus elementos trazem de casa!
Por sua vez, as administrações florestais, por falta de verbas e devido ao esgotamento do PAF, para onde foram transferidos, estão a perder parte do pessoal necessário tanto às acções de rearborização como à sua participação nas brigadas de combate aos incêndios.
Os bombeiros têm feito um esforço heróico e sobre-humano, inclusivamente com perda de vidas, que importa elogiar. Mas o Governo não tem correspondido a esse esforço com a criação de corpos próprios especializados de bombeiros, com formação profissional adequada, que permita aumentar a eficiência no combate aos incêndios, proteger os próprios bombeiros e defender o património florestal. O mesmo se diz agora do Exército, que vai participar nesse combate, designadamente nas acções de rescaldo e vigilância pós-rescaldo, para as quais é necessária uma formação específica.
O que se passou, no ano passado, no incêndio que atingiu 2000 ha do Parque Nacional de Peneda-Gerês é um caso exemplar: os primeiros bombeiros chegaram ao local, horas depois da deflagração do incêndio; um presidente da câmara impediu a saída de auto-tanques para combater o incêndio; o inspector regional de incêndios da Zona Norte só se apercebeu da gravidade do incêndio pela comunicação social e os meios aéreos só actuaram dois dias depois do incêndio. Onde está, a propósito, o inquérito logo pomposamente anunciado pelo Sr. Secretário de Estado do Ambiente? Que interesses se escondem por detrás destas dificuldades (para não lhes chamar outro nome) no combate a estes e outros incêndios florestais? Por que é que não se adquirem meios aéreos próprios e se insiste exclusivamente no aluguer, implicando custos acrescidos e uma menor operacionalidade? Por que é que não se promove a indispensável coordenação das diversas entidades envolvidas com a participação do Serviço Nacional de Protecção Civil?
A quarta medida visa promover a participação e a sensibilização das populações. O velho adágio «floresta ocupada é floresta que não arde» só é realizável se se assegurarem condições que impeçam a desertificação do meio rural, designadamente do meio serrano, para o que é necessário desenvolver-se a floresta de uso múltiplo, integrar-se a actividade florestal com a actividade pecuária e a silvopastorícia, estimularem-se outras actividades complementares para as populações serranas e, simultaneamente, sensibilizarem-se as populações e as autarquias (como disse o Sr. Deputado Eduardo Pereira) com campanhas de educação para a importância da defesa do meio florestal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O País não pode continuar a enfrentar os incêndios florestais unicamente com base no esforço abnegado e patriótico dos bombeiros e assente no lusitano princípio do improviso e da boa vontade.
É necessário que o Governo, em vez de se preocupar quase somente com declarações de intenção e acções de propaganda, se empenhe efectivamente numa política global para a floresta, utilizando os meios orçamentais adequados que, definitivamente, limitem drasticamente os incêndios florestais.
Da nossa parte, PCP, aqui deixamos uma mão-cheia de sugestões, sob a forma de projecto de resolução, que, esperamos, possam ser discutidas e votadas nesta Casa com o apoio da maioria do PSD.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Soares, a quem peço o favor de ser rápido.

O Sr. Jaime Soares (PSD): - Com certeza, Sr. Presidente.
O Sr. Deputado Lino de Carvalho anunciou uma série de medidas que todos desejávamos, mas algumas são quase impossíveis de pôr em prática. Havemos de desenvolvê-las, pois já estão a acontecer, Sr. Deputado. Não é nada de novo! Não vou agora referir aquelas que já têm bolor. Peço-lhe que me perdoe e que não fique ofendido com isso, mas que elas já estão há muito tempo a ser praticadas, isso é verdade!
Em relação à investigação, as Universidades do Minho e de Coimbra, através desta Comissão Nacional Especializada de Fogos Florestais, estão a produzir estudos altamente avançados e também manuais das várias áreas sobre o fogo, sobre a metereologia, sobre todas essas questões.

Sr. Deputado também não tomou nota do que eu lhe disse sobre as CEFF, mas eu repito-lhe: em 1985, eram 7, em 1986, passaram a 20, e, neste momento, são já 120 as CEFF que estão a trabalhar em pleno.
Quanto às comparticipações, elas foram, no ano passado, cerca de 450 000 contos e penso que, este ano, as verbas disponibilizadas estarão próximas desse montante.
Relativamente à sensibilização das populações, dir-lhe-ei que ela também está a realizar-se, através de toda uma dinamização...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Estamos todos «descansados», Sr. Deputado!...

O Orador: - Não é isso! Temos é que ver que isto é um problema nacional e preocupante.
V. Ex.ª disse há pouco que o Estado devia limpar as matas. Sabe, porventura, que só 3% delas é que são de intervenção estatal?
Sr. Deputado, o que temos de fazer é encontrar, nesta Câmara, soluções viáveis e possíveis. Todos nós aqui dizemos que é preciso fazer isto e aquilo, mas o que temos é de ver, efectivamente, a forma de fazê-las.
Volto a repetir, vamos fazer disto um problema nacional, de todos nós, um problema a que temos de pôr cobro, mas com coisas concretas e reais, em que ninguém estará contra ninguém, de forma a produzirmos as tais propostas que tenham viabilidade e não algumas demagógicas, como agora acabei de ouvir.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Deputado Jaime Soares, quero apenas referir uma contradição em que

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caiu: começou por referir que eram medidas que todos desejávamos, mas, depois, acabou por dizer que, por um lado, são impossíveis de pôr em prática e, por outro, demagógicas, embora todos as desejássemos.

O Sr. Jaime Soares (PSD): - Claro!

O Orador: - Sr. Deputado Jaime Soares, estamos de acordo em que a questão do ataque aos incêndios florestais e um problema nacional que tem de ser resolvido não atacando unicamente as suas consequências mas as suas causas e os factores que proporcionam os incêndios florestais. E isso tem de passar primeiro por uma política de longo prazo, assente na política de ordenamento do espaço florestal, como aqui referimos através de uma proposta muito concreta que apresentámos. Sc assim não fizermos, todos os anos lamentamos, todos os anos estamos a desviar mais meios orçamentais, mais meios materiais, mais meios humanos para o ataque aos incêndios, mas não estamos a intervir naquilo que é nunclear e fundamental: a resolução das causas, que passam, decisivamente e primeiro que tudo, pela ordenação do espaço florestal. Essa é uma crítica que o Sr. Deputado está, com certeza, de acordo comigo quando a referimos e quando a analisamos não como medida impossível ou demagógica mas como medida já implementada noutros países e que há muito já deveria ter sido feita, ou pelo menos iniciada, em Portugal.
Aliás, recordamos que, neste aspecto, o Governo e o seu partido detêm a tutela do Ministério da Agricultura há longos anos, pelo que já tiveram bastante tempo para tomar esta medida prioritária e estratégica em relação não só aos incêndios mas, no caso que estamos a discutir, à prevenção dos mesmos, porque é por aí que deve começar-se.
Sr. Deputado, nós não referimos que o Estado devia limpar as matas; o que dissemos foi que o Estado deveria criar as condições, através de incentivos e de estímulos - e demos até o exemplo de outros países. Como é que são medidas impossíveis de realizar, Sr. Deputado, se para alguns casos os Srs. Deputados acenam-nos com os exemplos de outros países da Comunidade e para outros, que não lhes interessam, já dizem que são medidas demagógicas? Não, Sr. Deputado! O que dissemos aqui foi que o Estado deveria promover, apoiar, estimular, criar as condições para que não só os proprietários florestais como também o Estado viessem limpar os matagais equilibradamente, recolher os desperdícios dos cortes, designadamente através da criação de parques de recepção de material lenhoso, porque, se assim não for, não estamos a promover o sector florestal. E, mais, ninguém vai recolher desperdícios de cortes, porque isso não e rentável, e, como tal, deixam-se no meio das florestas, sendo portanto elementos altamente combustíveis para os fogos. A criação de parques de recepção de material lenhoso ou de estaleiros, pura e simplesmente, que poderiam ser criados pelos próprios proprietários florestais, individualmente...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lino de Carvalho, peço desculpa de interrompê-lo, mas para haver igualdade tem de haver um esforço da sua parte, senão é fortemente beneficiado.

O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
Esta não é uma medida demagógica, mas concreta, eficaz e que, penso, deve merecer o apoio de todos nós, se for ponderadamente analisada nesta Câmara.
Os estudos têm de se basear na recolha no terreno, em brigadas que, logo a seguir ao incêndio, recolham os indícios, que façam a pesquisa. Ora, essas brigadas não existem e as que existem não têm meios adequados à sua disposição. É isso que resulta dos vários relatórios, Sr. Deputado!
Em resumo: este é, evidentemente, um problema nacional que tem de ser combatido com medidas estruturais de longo prazo, de prevenção, independentemente de outras medidas - que também são necessárias - de ataque imediato, para as quais são precisos meios humanos, materiais, técnicos e que este debate revelou estarem ainda por se realizar e concretizar.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, sei que já ultrapassei o tempo de que o meu partido dispunha e que utilizei grande parte do tempo de Os Verdes.
No entanto e com a benevolência do Sr. Presidente, a fechar este debate gostaria de dizer, única e exclusivamente, que os objectivos que pretendíamos alcançar com este debate foram amplamente atingidos. Basta olhar para o quadro dos tempos para verificar que todos os grupos parlamentares dedicaram a esta matéria o interesse e a preocupação que ela, no início deste nosso debate, nos merecia.
Pensamos que num futuro muito próximo nos deveremos voltar a debruçar sobre a problemática do Serviço Nacional de Protecção Civil. Ficou aqui bem patente que existe um capital humano dentro da Assembleia da República que poderá permitir não só ao Governo como também ao País e a toda a população adquirir ensinamentos que poderão, a muito curto prazo, trazer boas perspectivas de melhoramento do Serviço Nacional de Protecção Civil.
Sr. Presidente, permitir-me-ia dizer que, contrariamente àquilo que o Sr. Deputado José Puig disse na sua intervenção, não foi para recolher louros políticos que propusemos este debate, não foi para acusar ninguém nem para estarmos contra quem quer que seja, mas, isso sim, para pôr o País a pensar connosco e a resolver os problemas da protecção civil. É um problema nacional! Portanto, de todos nós!
Chegámos à conclusão de que vários são os ministérios que deverão estar integrados nesta problemática - os da Administração Interna, da Defesa Nacional, da Saúde, dos Transportes, do Ambiente, da Agricultura -, bem como toda a população e as autarquias.
Suponho que o Sr. Ministro vai levar desta Câmara, através de intervenções que não partiram só de mim mas também dos Srs. Deputados Jaime Soares, Narana Coissoró, Eduardo Pereira (este com a experiência que todos nós lhe reconhecemos!) e também dos Srs. Deputados do Partido Comunista, propostas sensatas, que poderão ajudar não só o Governo mas também todo o País a resolver, finalmente, a problemática do Serviço Nacional de Protecção Civil.
Congratulamo-nos com a participação de todos os grupos parlamentares e do Sr. Ministro e esperamos que este debate possa contribuir para que, num futuro muito

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próximo, a protecção civil seja no nosso País a realidade que todos nós desejamos.

Vozes do PS: -Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, considero encerrado o debate e informo que a próxima reunião plenária realizar-se-á dia 31 de Maio, quinta-feira, as 10 e às 15 horas, e terá como período da ordem do dia a discussão das propostas de lei n.ºs 134/V, relativa ao Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, e 142/V, sobre a segunda revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 21 horas e 55 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
António Maria Ourique Mendes.
António Paulo Martins Pereira Coelho
Arménio dos Santos.
Fernando dos Reis Condesso.
Flausino José Pereira da Silva.
João José da Silva Maçãs.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José de Vargas Bulcão.
Luís António Martins.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Rui Gomes da Silva.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Carlos Cardoso Laje.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
José Apolinário Nunes Portada.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.

Partido Comunista Português (PCP):

Ana Paula da Silva Coelho.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Maria de Lourdes Hespanhol.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Augusto Lacerda de Queirós.
António Maria Pereira.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando Monteiro do Amaral.
Henrique Nascimento Rodrigues.
João Domingos de Abreu Salgado.
Joaquim Fernandes Marques.
José Augusto Pereira de Campos.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Manuel da Silva Torres.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel António Sá Fernandes.
Mário Jorge Belo Maciel.
Walter Lopes Teixeira.

Partido Socialista (PS):

Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António José Sanches Esteves.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
João António Gomes Proença.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.

Partido Comunista Português (PCP):

Domingos Abrantes Ferreira.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Santos Magalhães.
Octávio Rodrigues Pato.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Francisco Barbosa da Costa.
José Carlos Pereira Lilaia.

Centro Democrático Social (CDS):

José Luís Nogueira de Brito.

Deputados independentes):

Carlos Mattos Chaves de Macedo.
Maria Helena Salema Roseta.

DECLARAÇÃO DE VOTO

Declaração de voto enviada à Mesa para publicação, relativa ao voto n.º 152/V, de protesto pelos confrontos nos territórios ocupados por Israel, entre a polícia e a população palestiniana.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP, ao apresentar o voto de protesto, teve como objectivo denunciar a forma brutal e indiscriminada como é reprimido o povo palestiniano, na Cisjordânia, Faixa de Gaza e Jerusalém Ocidental, ocupados por Israel.
Nos últimos tempos tem-se vindo a intensificar a violência por parte de Israel sobre estas populações, que, com meios desiguais, luta pelo direito à autodeterminação, à liberdade e ao reconhecimento do Estado Palestiniano.
O mundo caminha hoje no sentido do desanuviamento, da democracia, dos direitos do Homem; no entanto, nesta

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região tudo isto é negado, intensificando-se a guerra contra o povo palestiniano.
O ocupante utiliza nestes territórios as formas mais sofisticadas, como a guerra psicológica imposta nas cidades, aldeias e nos campos de refugiados, sujeitando o povo ao toque de recolher, entradas dos campos fechados, escassez de alimentos e medicamentos, acentuando-se o isolamento destas populações, ainda mais com a falta de água, de energia e de telefone, criando-se assim condições de muito difícil sobrevivência.
Nos últimos dias, registaram-se já dezenas de mortes e centenas de feridos do lado palestiniano.
Quem, na passada sexta-feira, assistiu ao Telejornal, pôde testemunhar a brutalidade com que são espancados cidadãos indefesos na via pública.
A comunidade internacional tem de tomar consciência da verdadeira dimensão deste conflito.
Alcançar a paz e a segurança nesta região, que há mais de 40 anos vive sobre a ameaça militar, é viável unicamente através de uma solução política global na base de um acordo recíproco.
Não pode existir e nunca existirá paz autêntica só por um lado, à custa dos interesses dos restantes.
A solidariedade e simpatia pela luta deste povo tem de traduzir-se em acções políticas eficazes e concretas, com vista a chegar a uma solução global de crise do Próximo Oriente, cuja medula é, de facto, o problema palestiniano.
A democracia é na prática inseparável da liberdade e não pode haver democracia para indivíduos quando se nega a mesma a todo um povo, que está impedido de exercer e seu direito à autodeterminação, à liberdade, à democracia, o direito a ter uma pátria, a viver em paz e a construir uma vida de felicidade.

Pelo Grupo Parlamentar do PCP, António Mota.

Os REDACTORES: José Diogo - Anita Pinto da Cruz - Maria Leonor Ferreira - Ana Marques da Cruz - Isabel Barral.

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