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I Série -Número 18
Quinta-feira, 29 da Novembro da 1990
DIÁRIO da Assembleia da República
V LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1990-1991)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 28 DE NOVEMBRO DE 1990
Presidente: Ex.mo Sr. José Manuel Maia Nunes de Almeida
Secretários: Ex.mos. Srs.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
Apolónia Maria Pereira Teixeira
Daniel Abílio Ferreira Bastos
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.
Antes da ordem de dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas, da apresentação de requerimentos e da resposta a alguns outros.
O Sr. Deputado Daniel Bastos (PSD) abordou os problemas que enfrenta a Região Demarcada do Douro e respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Vítor costa (PCP).
O Sr. Deputado Almeida Santos (PS) referiu-se às diferentes candidaturas à Presidência da República, tendo respondido ainda a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Basílio Horta (CDS), Guilherme Silva, Carlos Coelho, Montalvão Machado, Luís Filipe Meneses, Luís Geraldes e Correia Afonso (PSD) e Carlos Brito (PCP).
O Sr. Deputado Silva Carvalho (PSD) alertou para os problemas com que se defrontam as conservatórias, os conservadores e os oficiais de registo dos serviços de registo e notariado.
A Sr.ª Deputada Paula Coelho (PCP) deu conta das conclusões do IV Encontro Nacional de Juventude, realizado no Alvor. No final, deu explicações em relação a uma defesa da consideração do Sr. Deputado Carlos Coelho (PSD).
O Sr. Deputado Barbosa da Costa (PRD) teceu críticas a acção do Governo no que concerne aos problemas com que se defrontam as colectividades espalhadas peto País.
A Câmara aprovou o voto n.º 174/V, de pesar pela morte de Mlchel Giacometti.
Ordem do dia. - Foram rejeitados, na generalidade, os projectos de lei n.os 284/V (PCP) (Reforça os direitos e garantias dos Jovens em prestação do serviço militar obrigatório) e 582/V (PCP) (Cria o Conselho para o Serviço Militar Obrigatório) e os projectos de deliberação n.os 107/V (PCP) (Estabelece um calendário dos trabalhos parlamentares, com vista à Instituição concreta das regiões administrativas do continente) e 111/V (PS) (Metodologia s calendário regionalização).
Aprovados os requerimentos de avocação a Plenário dos artigos 8.º, 10.º, 17.º, 29.º, 30.º, 41.º e 65.º, apresentados pelo PS, e dos artigos 10.º, 12.º, 29.º, n.º l, alínea J), e 65.º, n.º 4, apresentados pelo PCP, foi aprovado, em votação final global, o texto elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre a proposta de lei n.º 134/V (Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira).
Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Guilherme Silva (PSD), José Manuel Mendes (PCP), Mota Torres (PS), Almeida Santos (PS), Nogueira de Brito (CDS), Carlos Lélis e Jorge Pereira (PSD).
No final produziram declarações de voto os Srs. Deputados Montalvão Machado (PSD) e Almeida Santos (PS).
Igualmente em votação final global, foi tombem aprovado o texto elaborado pela Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente relativamente ao projecto de lei n.º 549/V (Altera a Lei n.º 29/87, de 30 de Junho - Estatuto dos Eleitos Locais).
Finalmente, o Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 40 minutos.
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O Sr. Presidente:-Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda de Queirós.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando Lopes Correia Costa.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Léus da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel P. Baptista.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Casimira Gomes Pereira.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcíneo António C. Rebelo.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Licinio Moreira da Silva.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Amónia Pinho e Melo.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Ronaldo Alberto Ramos Gomes.
Rosa Maria Tomé e Costa.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Gomes da Silva
Rui Manuel Parente Chancerelle de Macheie.
Valdemar Cardoso Alves.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.
Partido Socialista (PS):
Ademar Sequeira de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
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António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
António Manuel Henriques de Oliveira.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Miguel de Morais Barreto.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Luís.
Edite Fátima Maneiros Estrela.
Eduardo Laís Feno Rodrigues.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Henrique do Carmo Carmine.
João António Gomes Proença.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Barbosa Mota.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Castro Dias.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
Ana Paula da Silva Coelho.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Alexandre Manuel Fonseca Leite.
Francisco Barbosa da Costa.
Isabel Maria Ferreira Espada.
José Carlos Pereira Lilaia.
Natália de Oliveira Correia.
Centro Democrático Social (CDS):
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PEV):
Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Manuel Gonçalves Valente Fernandes.
Deputados independentes:
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Manuel Santos Magalhães.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa e foram admitidos os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 630/V, apresentado pelo Sr. Deputado Daniel Ferreira Bastos e outros, do PSD, propondo a elevação da povoação de Sanfíns do Douro à categoria de vila, que baixou à 6.ª Comissão; projecto de lei n.º 63l/V, apresentado pelo Sr. Deputado Laurentino Dias e outros, do PS, propondo a elevação da povoação de Arco de Baúlhe à categoria de vila, que baixou à 6.ª Comissão; proposta de lei n.º 117/V, da iniciativa do Governo, que aprova a lei-quadro das regiões administrativas; projecto de resolução n.º 7l/V, apresentado pelo Grupo Parlamentar do PS, sobre a classificação como património nacional do conjunto de dependências que integram a Fábrica Escola Irmãos Stephens; projecto de deliberação n.º 117/V, apresentado pelo Sr. Deputado Independente José Magalhães, que visa assegurar o amplo debate público e parlamentar do acordo ortográfico.
Entretanto, foram apresentados na Mesa nas últimas reuniões plenárias os seguintes requerimentos: ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Leonor Coutinho, Barbosa da Costa, Mota Torres, Raul Castro, Valente Fernandes e José Manuel Mendes; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Álvaro Viegas, Manuel Filipe, Ilda Figueiredo e Almeida Cesário; ao Ministério das Finanças, formulados pelos Srs. Deputados Octávio Teixeira, Leonor Coutinho e António Mota; ao Ministério do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelos Srs. Deputados Sequeira de Carvalho, Vítor Costa, Oliveira Martins e Barbosa de Azevedo; à Secretaria de Estado da Energia, formulado pelo Sr. Deputado Rui Silva; ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados João de Almeida, Manuel Filipe, Miranda Calha e Ilda Figueiredo; à Secretaria de Estado da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado António Filipe; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Herculano Pombo; à Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, formulado pelo Sr. Deputado António Mota; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados Manuel Filipe, Luís Roque e Ilda Figueiredo; ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulados pelos Srs. Deputados Manuel Filipe, António Filipe, José Reis e Miranda Calha; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulados pelos Srs. Deputados Maia Nunes de Almeida e Ilda Figueiredo; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado José Magalhães.
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O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Ilda Figueiredo, na sessão de 30 de Outubro e Herculano Pombo, na sessão de 6 de Novembro.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Manuel Mendes pediu a palavra para que efeito?
O Sr. José Manuel Mendes (PCP):-Para fazer uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente:-Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, deu entrada na Mesa um voto de pesar pela morte de Michel Giacometti, encontrando-se em curso diligências no sentido de ser submetido à apreciação da Câmara e votado, pelo que solicito uma pequena pausa para que se fazer o ponto da situação.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Guterres pediu a palavra para que efeito?
O Sr. António Guterres (PS):-Para apresentar uma sugestão relativa a esse voto de pesar.
O Sr. Presidente:-Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, sugiro que se reserve, no fim do período antes da ordem do dia, um pequeno espaço de tempo para o Sr. Deputado José Manuel Mendes apresentar o voto e, nessa altura, far-se-ia a respectiva votação.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto haver acordo de todas as bancadas, seguir-se-á a sugestão do Sr. Deputado António Guterres.
O Sr. Presidente:-Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Daniel Bastos.
O Sr. Daniel Bastos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Região Demarcada do Douro distribui-se por 4 distritos e 21 concelhos, cobrindo uma área de 40000 ha de vinha. Caracteriza-se, como zona de monocultura e minifúndio, por elevados custos de produção do seu precioso néctar-o vinho do Porto.
Este produto, com uma incidência económica nacional muito importante, torna-se extremamente relevante e determinante na subsistência, desenvolvimento e qualidade de vida dos cidadãos duríenses. De vinhedos alcandorados em socalcos xistosos, dispostos nas agrestes vertentes do Douro, o plantio, o amanho e o tratamento da vinha obriga a denodado trabalho, a avultados encargos e a enormes sacrifícios. Daí que os seus vinhos, sobretudo o afamado vinho generoso, pela sua especificidade e altíssima qualidade, aliados ao seu rendível preço, é determinante fundamental do orçamento dos agricultores durienses.
Os programas de reconversão da vinha e as consequentes e mais aliciantes condições económico-financeiras que nos últimos anos se têm verificado determinaram um substancial aumento da quantidade e da qualidade do produto, motivando os agricultores e empenhando-os na rentabilização da propriedade agrícola.
Sendo a Região Demarcada mais antiga do mundo, foi ela, igualmente, a pioneira numa política de qualidade e genuinidade bem expressa em legislação que, desde o século XVII, tem definido e acautelado essa orientação.
O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Muito bem!
O Orador: - A Casa do Douro, como organismo representativo da produção, tem, desde a sua fundação, sido o elemento aglutinador de vontades e defensor dos desejos e interesses dos vitivinicultores da Região. A criação de qualquer outra associação de agricultores durienses não poderá nem deverá colidir com os objectivos da Casa do Douro como organismo unitário e federalista dos interesses regionais durienses, cujo projecto deverá prosseguir sem divisões.
Após a indefinição legal provocada pelo desmantelamento do aparelho corporativo na sequência do 25 de Abril, a Casa do Douro viu aprovados os seus estatutos nesta Assembleia, de acordo com a vontade unânime dos agricultores representados pelos seus órgãos sociais, a quem o PSD-e disso me congratulo, vivamente-deu o seu activo, empenhado e determinante apoio.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: «Negócio do século», «Negócio comprometido», «Ebulição na Casa do Douro» e muitos outros, são títulos que nos últimos tempos têm dado corpo a notícias gravosas e alarmantes sobre as condições do acordo celebrado entre a Casa do Douro e a Real Companhia Velha, pela verba aproximada de 9 milhões de contos.
ssunto altamente polémico, levantou de imediato a questão da legitimidade e compatibilidade da Casa do Douro -com funções delegadas do Governo-, em celebrar contratos que poderiam interferir com a sua natureza estatutária. O recente parecer da Procuradoria-Geral da República confirma tal incompatibilidade.
O vinho do Porto, extremamente vulnerável à competitividade e aos apetites dos seus detractores não deve estar sujeito a polémicas nocivas que põem em causa a credibilidade e implicam a instabilidade nos órgãos que interferem e certificam a sua altíssima qualidade, intocável genuinidade e elevado apreço internacional.
Daí que se considere que todas as acções que possam influenciar a normalidade do quadro existente no sector tenham de ser apreciadas com ponderação aturada e reflexão exigente, não devendo dar pretexto a situações insólitas decorrentes da vulnerabilidade de tais acções.
Cabe ao Governo dar cumprimento ao parecer da Procuradoria-Geral da República. Apresentam-se várias soluções, todas elas apoiadas por uns e reprovadas por outros, dados os interesses em presença e a natureza e motivação dos agentes em causa.
Não poderá, no entanto, a Casa do Douro, a meu ver, deixar de continuar a intervir nas matérias delegadas pelo Governo e que acautelam os interesses da produção. Há, contudo, que equacionar este problema, tendo presentes os objectivos que o ordenamento jurídico, a tradição e a história deste organismo aconselham e que são consonantes com os interesses vitais da Região que lhe deu forma. Há que encontrar o caminho mais consensual e que, de alguma forma, dê resposta às aspirações dos Durienses. Através do diálogo entre o Governo e a Casa do Douro será possível encontrar a solução mais ajustada e que reponha a normalidade neste organismo.
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Aproveite-se, igualmente, a oportunidade para a nomeação do auditor da Casa do Douro -órgão estatutário de nomeação governamental- que, pelas funções fiscalizadoras da gestão financeira do organismo, poderá obviar a situações de dúvida no cumprimento e aplicação das leis que lhe são inerentes.
É este o meu apelo em nome dos Durienses.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente:-Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Costa.
O Sr. Vítor Costa (PCP): - Sr. Deputado Daniel Bastos, como duriense, coloco-lhe uma questão muito breve.
Estou de acordo em evitar polémicas estéreis, acusações, de forma a contribuir para a valorização do Douro e do seu produto de primeira: o vinho do Porto, vinho tratado ou vinho fino, como lhe chamamos.
De há anos a esta parte a estrutura fundiária do Douro tem-se alterado profundamente graças a vária legislação da autoria, designadamente, do PSD e do Bloco Central e os cerca de 30 exportadores do Douro, progressivamente, têm vindo a controlar a própria produção. Ora, este é o drama que se coloca aos produtores do Douro, isto é, os exportadores já não controlam só a exploração, mas também a produção e de tal maneira que na última reunião do conselho geral da Casa do Douro foi dado apoio à direcção nas medidas que estava a tentar tomar, no sentido de ter também uma palavra a dizer em relação à exportação.
Pergunto-lhe: como vão os produtores do Douro encontrar defesa para os seus interesses se, progressivamente, os exportadores de Gaia vão, cada vez mais, ditando as leis no Douro?
O Sr. Presidente:-Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Daniel Bastos.
O Sr. Daniel Bastos (PSD): -Sr. Deputado e meu conterrâneo Vítor Costa, agradecendo a pergunta, quase diria que estamos de acordo que os interesses regionais Durienses são comuns a todos os agricultores do Douro. É evidente que se tem modificado bastante a estrutura fundiária no Douro, o que tem contribuído para que haja algum peso da parte dos exportadores, que até há bem pouco tempo não existia.
Por outro lado, também lhe quero dizer que a reconversão do Douro tem contribuído para que hoje aquela região se tenha transformado completamente, no sentido da maior produtividade e de motivar e aliciar os agricultores durienses para novos plantios, de forma a tirarem da terra duriense atractivos que até há pouco tempo não existiam.
Como sabe, tem subido em flecha a exportação, a não ser no presente ano, mas, de resto, aquilo que se tem feito no Douro tem também contribuído para a riqueza de toda a região duriense.
Más já que falou no problema dos exportadores, quero marcar a minha posição muito frontal em relação a esta questão. Penso que a Casa do Douro não pode deixar de manter as funções que histórica, tradicional e estatutariamente lhe foram delegadas pelo Governo e é exactamente através dessas funções que a Casa do Douro mantém o equilíbrio da região.
Consequentemente, de maneira nenhuma poderíamos permitir que a Casa do Douro visse postergadas essas funções. É aqui que reside a chave deste problema.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente:-Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Virou-se o feitiço contra o feiticeiro. A fuga à luta do PSD não está a render. E eis que surge o candidato Basílio Horta a tresmalhar as ovelhas de Cavaco Silva, umas a deixarem o redil da almejada abstenção em direcção a Mário Soares, outras seduzidas pelas promessas encantatórias de Basílio Horta.
Sic transit fortuna mundi.
O Primeiro-Ministro tem boas razões para perder o sono. A inflação teima em fazer com ele braço de ferro. A construção da Europa coloca-lhe desafios e calendários a que não sabe dar resposta. E, finada politicamente a Sr.ª Thatcher, está condenado a ter ideias próprias, o que em nada contribui para melhorar as coisas.
O Sr. António Guterres (PS): -Muito bem!
O Orador:-Entalado entre a candidatura de Mário Soares e a mais humilhante derrota, optou por uma dupla linha de abstenção. Desde logo, a de despoletar uma candidatura representativa da sua área política e depois a subliminar sugestão de que não vale a pena o eleitorado incomodar-se, que o vencedor é certo e o acto de pouca monta.
Nas legislativas sim. Aí, ele próprio e o poder estarão em causa!
Mas, de surpresa e por afinidade política, «primo» Basílio entra no palco eleitoral a escaqueirar recordações e retratos de família. E perante o tresmalhar das ovelhas e o justo receio de que, acolhidas ao redil de outros pastores, possam não regressar a penates a tempo das legislativas ou ao hábito de votar, tomou-se óbvio que a abstenção já não serve. É preciso votar em Mário Soares que, esse ao menos, não está em trânsito para nenhuma liderança partidária.
Mas a mudança de agulha não chegou à Madeira. E o profeta Jardim, a quem o Primeiro-Ministro unha perdoado milhões de contos de dívida da Região ao Estado- segundo as más-línguas por troca de alinhamento político-já tinha lançado a operação «voto em branco», no dizer dele, como «forma superior de participação». A inferior, pelos vistos é, salvo seja, o sinal da cruz.
Recuso-me a acreditar nessa troca. Mas também me recuso a aceitar a constitucionalidade desse substancioso perdão. Se o Governo não pode conceder empréstimos, nem avales além de certo montante sem prévia autorização da Assembleia da República, pode, sem essa autorização, perdoar dívidas? Quem pode o menos, pode o mais?
Não me debruçando, por agora, sobre este problema, passo também em branco a recomendação abstencionista do Presidente do Governo Regional, e até o risco de essa recomendação traduzir os secretos desígnios do líder do PSD, para tão só reter que, pôs Basílio, há que «crucificar» o boletim.
Por sobre tudo isto, o candidato Basílio Horta revelou-se audicioso no prometer, o que toma a sua mensagem
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perigosamente atractiva para aqueles a quem as promessas se dirigem. Se ela fosse perigosa para o candidato Mário Soares, o PSD digeria perfeitamente esse «sapo vivo». Más, curiosamente, cabe esse risco na pequena álea das perspectivas eleitorais do Dr. Soares e onde ela ameaça fazer mossa é nas cada vez mais duvidosas «certezas» eleitorais do Primeiro-Ministro.
Para embolsar o punhado de votos do PPM, o novo challanger prometeu promover o banimento do limite material de revisão da Constituição consistente na «forma republicana de governo». Com o mesmo objectivo assegurou a preservação da soberania portuguesa e da identidade nacional contra os demónios da integração europeia.
Boa partida pregou ele à gente de paz e de bem que hoje presta vassalagem ao último dos Braganças, porque a troca pressupõe, no Presidente, poderes que o Presidente não tem, e o limitezinho, ao fazer parte da Constituição material, continuaria a existir mesmo quando formalmente banido. Só mesmo uma revolução é que pode atingir esse resultado!
Por outro lado, eis que desponta em Portugal uma outra Sr.ª Thatcher, que faz a barba todos os dias...
Risos do PS.
...a tentar encarnar o espírito do Velho do Restelo, esquecido de que, se este não teve razão na era de quinhentos, parafraseando Pessoa, «teve-a nesse outrora agora». E que é isso de perder soberania, colocada e gerida em comum por todos os que igualmente a perdem? E que melhor caminho para a perda da identidade nacional do que voltarmos a ficar orgulhosamente sós, orgulhosamente atrasados, orgulhosamente pobres, como país terceiro numa Europa unida?
Para conseguir o apoio dos Madeirenses e o do seu líder João Jardim, disse a este que o teria apoiado se ele se tivesse candidatado, assim esfacelando, a meu ver, num juízo de prognose póstuma, a autonomia político-ideológica da sua própria candidatura em relação à do «patriarca» João.
E como não desconhece que os Madeirenses combatem a existência do órgão Ministro da República e em segunda linha o seu preenchimento por um madeirense, prometeu que, se for eleito, é mesmo um madeirense que nomeia! Isto apesar de não poder razoavelmente desconhecer que o Ministro da República representa esta na Região, ou seja, o todo na pane, e que dizer «madeirense» corresponderia, neste caso, a dizer «homem de mão» do Presidente do Governo Regional, o que equivaleria de facto ao perecimento efectivo do órgão.
De igual modo, para tentar cativar uma presumptiva e primária vaga de fundo anticomunista, foi-lhe atribuída a afirmação de que não daria posse a um Governo PS-PCP! Esta, confesso que só vendo! Não acredito mesmo! Voltaríamos então à separação das águas entre votos bons e maus, para não dar posse a um governo em que nem iodos fossem bons segundo o critério do julgador, o que equivaleria a um golpe de Estado constitucional - e não é propriamente esse o papel que os Portugueses esperam do Presidente da República!
Enfim, para captar o fundo de ressentimento que supõe ainda latente no espírito de alguns portugueses relativamente ao processo de descolonização - sem nunca pôr em causa os últimos anos da era e da guerra colonial- tenta reanimar esse fantasma, aceitando a divisão entre portugueses.
No último fim-de-semana, foi o «decálogo». Qual Moisés no regresso do Sinai, o Dr. Basílio Horta, meu querido amigo, promete densas medidas legislativas, que por o serem escapam à competência do Presidente da República, embora curiosamente não escapem à do deputado Basílio Horta, o que coloca a questão de saber o que o tem impedido de promover essas medidas.
Algumas delas justificam um apontamento: a prometida revisão da lei das incompatibilidades pende da 3.ª Comissão, onde não temos tido o privilégio da presença do deputado Basílio Horta nem o conforto das suas sugestões; a alteração do quadro normativo da Alta Autoridade contra a Corrupção em ordem a «dispor de poderes instrutórios próprios» violaria a garantia constitucional da jurisdicionalização de todos os actos instrutórios e seria, pois, inconstitucional; o reforço da independência do procurador-geral da República sugere uma crise que não há; a garantia de informação sobre as actividades dos políticos e das funções públicas «sem entraves ditados pelo segredo de Estado» coloca a questão de saber a que fica reduzido este segredo e a exigência de que as contas pessoais do Presidente da República sejam geridas por uma entidade independente toma apaixonante a questão de saber porquê só as desse órgão, que nem gere fundos significativos, e porquê as dele, instalando a dúvida onde menos justificada e desejável ela é!...
Não resisto à suspeita de que vai acontecer ao decálogo do Dr. Basílio Horta o que aconteceu ao do Moisés: ser feito em cacos.
Manifestamente mal-humorado -o que não constitui virtude presidencial- desatou a zurzir forte e feio na magistratura do Presidente Soares. Que não tem ideias; que fez uma interpretação reducionista das suas competências; que se comportou como um monarca constitucional; que não aceitou a sua sugestão de nomear já o novo Governador de Macau; que foi a Macau com propósitos eleitoralistas; que votar em Mário Soares e correr o risco de ter no Governo, não só comunistas, mas até elementos da UDP.
Tudo «evidências», como se está bem de ver! Não obstante, Basílio Horta é candidato em eleições livres e ainda bem que é, porque Mário Soares se bateu por isso com sacrifício da própria liberdade.
O Sr. Caio Roque (PS): -Muito bem!
O Sr. Basílio Horta (CDS): - Só faltava essa!
O Orador: - Mário Soares entende que lhe cabe presidir, moderar e arbitrar, mas não governar; pelos vistos, Basílio Horta, se fosse eleito, instituía um regime de duplo executivo. Acontece que o povo gosta de Mano Soares como ele é e deu-lhe crescente apoio tal como foi.
O Governador de Macau não é nomeável, nem a pedido, nem por assobio. É um acto sério que Mário Soares entendeu não dever ser cometido por um presidente de fim de estacão. Quem é que não vê que o eleitorado de Macau é decisivo para a vitória do Dr. Soares?
Quando foi real o risco de um governo comunista, o Dr. Mário Soares soube interpretar a vontade do povo!
Dito isto, desejo ao candidato Basílio Horta e meu amigo todas as felicidades menos uma: a de ser o futuro Presidente da República. Deus -em quem diz ter fé- não há-de consentir!... Mas a democracia fica a dever-
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-lhe um serviço. E não sendo a sua candidatura instrumental da do Dr. Mário Soares, também este fica a dever-lhe o seu contributo para esconjurar a abstenção como meta, até porque, desse modo, são mais os votos que lhe dá do que os que lhe tira!
Gostava de homenagear também os outros candidatos com um contributo crítico. Mas não tenho muito tempo, nem encontro muita matéria!...
O candidato Carlos Carvalhas aceitou ferir a sua candidatura com o pecado original de por antecipação o não ser. Empenha-se agora em criar suspense, afirmando que, em caso de desistência, há outras soluções além da de apoiar Soares. Cometeria o PCP um grave erro isolando-se da maioria presidencial. Em política, não raro, a solidão precede a morte. O argumento de que o PSD, desta vez, não combate Soares é um mau argumento. Não o faz por sintonia política, mas por estratégia defensiva. E o PS volta a ser a mais genuína e a mais sólida base de apoio do actual e futuro Presidente.
Das suas críticas a Mário Soares destaco uma: ele terá sido um «Presidente estátua». Pois não conheço estátua que mais se tenha movido!
Risos.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP):-Não estamos a falar de viagens! É de poderes!
O Orador: - O candidato Carlos Marques desperta em mim a simpatia instintiva que sempre despertam os que, apesar de fracos, são valentes. Não está na corrida, ao que parece, para ficar pelo caminho, não mostra deslumbramento pela Albânia e dizem-me que aparece nos debates com um exemplar da Constituição com aparência de muito uso. Se esse uso foi a leitura, é de aplaudir!
Aplausos do PS.
Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Manuela Aguiar.
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.
O Sr. Basílio Horta (CDS):- Sr. Deputado Almeida Santos, penso que a sua intervenção, muito ao seu estilo, como ao do candidato que apoia, ligeirota, tem dois capítulos: o primeiro, as bicadas habituais no PSD; o segundo, as bicadas na minha candidatura.
A terceira parte, devo dizê-lo com toda a franqueza, já não ouvi tão bem como as duas primeiras, pelo que vou apenas referir-me às duas primeiras.
Em relação ao PSD, salvo o devido respeito e melhor opinião, penso que V. Ex.ª tem de ter, como apoiante do Dr. Mário Soares, algum cuidado. Porque a candidatura do Dr. Mário Soares, que V. Ex.ª apoia, está cada vez mais no «dedo» do Sr. Presidente do PSD.
Assim, suponho que não será muito prudente V. Ex.ª vir aqui com esse tipo de intervenção, não vá o diabo tecê-las -como vê agora não falo no Nosso Senhor Jesus Cristo, falo no anjo mau-, ou seja, de o Sr. Prof. Cavaco Silva e a sua direcção acordarem menos bem-dispostas e perceberem, finalmente, que a minha candidatura não é contra eles -não é, efectivamente, contra eles, pelo contrário!- e tirarem ou reduzirem esse apoio.
Nesse dia, o Sr. Dr. Mário Soares passará por caminhos muito apertados, e vai ver o que nesse momento acontece, Sr. Deputado Almeida Santos, às sondagens.
Por isso, em relação ao PSD, todo o cuidado deve ser pouco, no que toca ao apoio à candidatura do Dr. Mário Soares, a não ser que V. Ex.ª partilhe da ideia de que o Dr. Mário Soares pode ad eternum ser eleito quando se lhe tapa a cara. Em 1985, foi eleito pelo Partido Comunista a tapar-lhe a cara e, agora, quer ser eleito pelo PSD também a tapar-lhe a cara.
É que a sorte não se repete, e o PSD pode não estar disponível para isso! Pode querer ver-lhe a cara! E nesse dia não vota nele, nesse dia o Dr. Mário Soares perde as eleições! Tenha cuidado, Sr. Dr. Almeida Santos!
Quanto ao problema da minha candidatura e aos aspectos que focou, devo dizer-lhe que tenho lido, com todo o interesse, as prosas muito instrutivas do meu amigo Dr. Almeida Santos, como sempre faço, e que está a ouvir mal, não, seguramente, por defeito auricular ou fisiológico, mas por estar, cada vez mais, empenhado na candidatura que defende.
Ora, isso às vezes perturba a isenção e até mesmo os sentidos vitais dos analistas políticos, mesmo das pessoas muito inteligentes, como é o seu caso.
Em primeiro lugar, o problema é que V. Ex.ª faz disso um cavalo de batalha, dizendo que a monarquia vem aí pela minha mão, que o «Sr. Rei» vem aí pela minha mão. Bom, nada mais ridículo, Sr. Deputado Almeida Santos!
Disse uma e outra vez que sou republicano, assumo isso. Agora, o que penso é que nos limites materiais da Constituição não tem qualquer sentido, hoje em dia, considerar o regime republicano como um limite material.
Entenda V. Ex.ª, como democrata que é, que a grande maioria do país desejava uma monarquia constitucional.
V. Ex.ª opunha-se a isso? Não desejava isso? Colocava os monárquicos todos na cadeia? O que é que V. Ex.ª fazia? O que é que prefere: uma monarquia constitucional respeitadora dos direitos, liberdades e garantias ou uma república totalitária? Prefere viver na monarquia da Dinamarca, da Holanda ou na república do Pinochet, quando ele pontificava no Chile? O que é que o senhor prefere?
De acordo com a sua Constituição, era por existir o limite material da república que não poderia haver o totalitarismo. Por aí V. Ex.ª não tem razão! Penso que os únicos limites materiais são aqueles que o Professor Queirós chamava «limites materiais emanentes», aqueles que têm a ver com os direitos, liberdades e garantias e com a estrutura democrática do regime, com certeza. Como dizia, aliás, o candidato que V. Ex.ª apoia, Dr. Mário Soares, aquilo que hoje nos separa não é tanto, dizia ele, a esquerda e a direita, entre republicanos e monárquicos, mas entre democratas e totalitários.
V. Ex.ª isso não viu, não leu! Ou então, como sempre, não tem feito as declarações que se fazem, porque toda a gente pensa que já ninguém as lê.
Portanto, o problema é realmente esse, não há que abrir a porta nem que levantar fantasmas, há apenas que deixar que a Constituição se adapte cada vez mais à sociedade, sendo certo que é a Constituição que deve servir a sociedade e nunca a sociedade servir a Constituição.
Logo, no que toca aos limites materiais, estamos conversados: não é, obviamente, trazer o rei pela mão. Se a maioria do País, se a maioria do povo, esmagadoramente, quiser uma monarquia constitucional, desde que haja a possibilidade de reversão, por que não? Onde está, então, a sua consciência democrática e o respeito pela vontade popular?
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O segundo aspecto tem a ver com o papel na Europa, o que é mais sério, Sr. Deputado Almeida Santos. É mais sério porque nem acredito que o Dr. Mário Soares acredite no que diz. Não acredito nisso! É ligeireza a mais dizer-se federalista, em termos europeus, quando já nem os mais ferozes europeus são federalistas. Nem isso!
Hoje, a realidade europeia é algo que ninguém ainda sabe o que é. A evolução da ideia de Europa, depois da unidade alemã e do acordo recente entre a Alemanha e a União Soviética, é qualquer coisa que está em mutação muito acentuada, mesmo muito acentuada.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Basílio Horta, queira terminar o seu raciocínio.
O Orador:-Mas, Sr.º Presidente, tenho mais coisas para dizer, peço desculpa...
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, o Regimento impõe, para o pedido de esclarecimentos, o limite de cinco minutos, três minutos de tempo normal com dois minutos de tolerância.
O Orador: - Sr.ª Presidente, vou tentar ser o mais rápido possível, mas é que há mais coisas para dizer, pelo que peço a sua generosidade, porque de outra forma não seria possível responder às questões colocadas pelo Sr. Deputado Almeida Santos, que foram muito longas.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Basílio Horta, noto, nas bancadas dos diversos grupos parlamentares, um consenso no sentido de lhe ser concedido, enfim, mais algum tempo, mas volto a pedir que seja o mais breve possível.
O Orador: - Com certeza, Sr.º Presidente, e agradeço a todas as bancadas a generosidade que me é dada neste momento. Muito obrigado.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Basílio Horta, atendendo à existência desse consenso, poderemos descontar o excesso de tempo agora utilizado no tempo distribuído ao CDS para o período da ordem do dia.
O Orador: - Agradeço-lhe muito, Sr.º Presidente. Aliás, era uma sugestão que gostaria de fazer, mas que não me atrevi, e ainda bem que V. Ex.ª a faz.
Dizia eu, afirmar-se federalista hoje, numa Pátria como a portuguesa, numa Nação como a portuguesa, nada mais errado e nada mais comprometedor para as gerações futuras que o Presidente da República comprometer o país.
O Presidente da República, no seu mandato, não pode nem deve comprometer o futuro da Pátria portuguesa. Não o pode fazer! Não pode defender publicamente, sem um sentido de responsabilidade, a dissolução da nossa nacionalidade numa federação europeia, que ninguém ainda sabe bem o que é. Seja prudente nesse domínio, Dr. Mário Soares! Não veja a nacionalidade portuguesa pelos olhos da Internacional Socialista! Veja-a pelos olhos do seu próprio país, e se a vir assim não defenderá, seguramente, uma solução federalista para Portugal.
Não é verdade que eu defenda ou que alguma vez tenha defendido uma solução de isolamento. Não é nada disso, obviamente! Nesta matéria estou muito mais próximo do Sr. Prof. Cavaco Silva e do Sr. Primeiro-Ministro, muito mais, e digo-o com clareza. É necessário ter prudência com a União Política, é necessário darem-se passos prudentes, é necessário ir construindo à medida das nossas necessidades e dos nossos interesses a unidade europeia.
Não podemos ser dissolvidos nessa unidade, devemos ser parte na construção europeia, e não o somos através de uma adesão a uma solução federalista. Poucos, muito poucos, a não ser o seu camarada Delors, o desejam ou apoiam.
Por isso, neste ponto, afasto-me radicalmente -é verdade!- da posição do Sr. Dr. Mário Soares e não defendo essa solução.
Defendo e reconheço a necessidade da nacionalidade europeia alargada. Sou, como dizia Jean Monnet, um partidário de que a unidade da Europa não se pode fazer sem os Estados e, muito menos, contra os Estados.
Parece-me que essa lição está esquecida pelos senhores, em benefício de lições apressadas e que não correspondem, seguramente, ao perfil da Europa, à qual aderimos ainda há bem pouco tempo!
Portanto, unidade política, sim, mas prudência! Não à defesa, em meu entender, de valores federalistas ou outros, que ainda não sabemos sequer em que podem consistir.
V. Ex.ª disse que eu tinha duo na Madeira que se o Dr. Alberto João Jardim se candidatasse eu não me teria candidatado. É verdade! Reconheço aqui que isso é verdade! Da mesma forma, se o Prof. Cavaco Silva se tivesse candidatado eu não me teria candidatado. É verdade! Porque penso que é um projecto de unidade do centro e da direita e de clarificação política em Portugal, que se tem de fazer sem o PS e, se necessário, contra o PS, como alguém já disse, e que não está feito. Obviamente, essa clarificação pode meter medo a algumas pessoas, mas a mim não me mete medo.
Se houvesse no centro e na direita uma candidatura credível que pudesse unir melhor esse espaço, eu estaria a apoiá-la e não a dividi-la, isto é, não estaria a fomentar a sua derrota. Estaria, obviamente, a apoiá-la, em termos de um projecto de defesa das posições nos sítios e nas batalhas onde sempre estive. Não posso estar hoje num sítio e amanhã em outro, o que não é o meu percurso político.
A Sr.ª Presidente:-Sr. Deputado Basílio Horta, peço-lhe, mais uma vez, que termine o raciocínio.
O Orador: - Termino já, Sr.ª Presidente.
Portanto, apoiaria, obviamente, o Sr. Dr. Alberto João Jardim, se ele se tivesse candidatado, sem qualquer problema de consciência nem, seguramente, de entorse a qualquer princípio fundamental.
Quanto ao Ministro da República na Madeira, se este cargo for por nomeação, por que não escolhê-lo de entre os Madeirenses? Será que os Madeirenses tem menos sentimento de defesa dos interesses nacionais do que os continentais? VV. Ex.as vão continuar assim?! Penso que mais autonomia corresponderá a mais coesão nacional, Sr. Deputado Almeida Santos, e menos autonomia menos coesão nacional.
Por que não escolher um madeirense? É que eu sentir-me-ia, como continental, tranquilo na defesa dos meus interesses com um madeirense. Então, por que não escolher?! Mas V. Ex.ª não o fazia, seguramente! A prova disso é a escolha que fizeram em relação ao Governador de Macau. Seguramente, não o fariam! E não fariam com
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as consequências que V. Ex.ª bem conhece, nomeadamente ao nível do relacionamento com a China, da falta de crédito de Portugal, do descrédito do nosso nome em terras do Oriente.
Ora, quando disse ao Sr. Presidente da República que deveria nomear imediatamente um governador, estava a pensar nos mais altos interesses da nossa Pátria. Para se não estar à espera mais três ou quatro meses sugeri que o nomeasse, dê uma lista de sete pessoas ou que a alargasse, que escolhesse alguém, mas que não deixasse uma situação de interinato em Macau, não deixasse que a nossa posição se degradasse tanto. Fi-lo como candidato e como cidadão, no pleno direito da defesa daquilo que entendo ser os mais profundos interesses do nosso País em terras do Oriente. Pena que não tenha acontecido!
Hoje há problemas muito mais sérios em Macau, que se projectam com profunda gravidade, e aí V. Ex.ª não pode deixar de assumir as responsabilidades da candidatura que apoia, em relação a Macau.
Houve, diz-se, estabilidade no continente, mas não foi por causa do Dr. Mário Soares que essa estabilidade existiu. Em Macau, que era o seu único espaço directo, foi o reino da instabilidade, e não só!
O Sr. Presidente da República disse que não era presidente de gang, e com razão -ainda bem que o disse, eu e toda a gente sabíamos disso-, mas que gang existia parece que efectivamente existia, Sr. Deputado Almeida Santos.
Termino dizendo que, em relação ao decalque das medidas, elas são efectivamente para aplicar. Aquelas que o Presidente da República pode assumir, assume-as no seu estatuto pessoal, as outras ficam à consciência e à responsabilidade do eleitorado.
Quanto a esta questão, Sr. Deputado Almeida Santos, lembro-o de uma coisa: não há, Sr. Deputado e meu querido amigo, derrotas antecipadas e, nesta candidatura, da maneira como está a decorrer, muito menos vitórias garantidas.
A Sr.ª Presidente:-Sr. Deputado Almeida Santos, há ainda outros pedidos de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?
O Sr. Almeida Santos (PS):-No fim, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva ( PSD): - Sr.º Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos: Depois de ouvirmos a sua brilhante intervenção e o seu empenhamento na campanha presidencial, ficamos com a sensação de que o MASP tem assento parlamentar.
V. EX.ª fez uma referência ao Dr. Alberto João Jardim e à sua posição pública relativamente as eleições presidenciais, que, salvo o devido respeito, não está correcta.
Efectivamente, o Dr. Alberto João Jardim, no quadro anterior da actual definição das diferentes candidaturas, anunciou uma determinada posição relativamente a estas eleições.
Ainda esta manhã, Sr. Deputado Almeida Santos, o seu companheiro de partido e dirigente do PS na Madeira, Dr. Emanuel Jardim Fernandes, refere num matutino que, efectivamente, o Dr. Alberto João Jardim fez um apelo ao dever cívico de votar nas eleições presidenciais. Aliás, o Congresso Regional do PSD pronunciou-se igualmente neste sentido.
Portanto, não é correcta, não é verdadeira, a posição que V. Ex.ª imputou ao Dr. Alberto João Jardim relativamente às próximas eleições presidenciais.
V. Ex.ª referiu também que, segundo as más-línguas - e custa-me a crer que lhes tenha dado atenção, reconhecendo à partida que seriam más-línguas- teria havido da parte do Governo e, concretamente, do Prof. Cavaco Silva, um perdão da dívida da Madeira a troco de eventuais posições políticas do Dr. Alberto João Jardim.
Queria esclarecer que dentro das relações do PSD, quer regional, quer nacional, não há, efectivamente, jogos de cedências de coisas fundamentais e de Estado com vista à tomada de posições neste ou naquele sentido. Esta é a primeira questão.
A segunda questão que lhe quero colocar, porque me parece que é possível deduzir isso da sua intervenção, diz respeito ao facto de V. Ex.ª e do seu partido estarem disponíveis para encararem, na Assembleia da República, o perdão da dívida da Madeira.
Gostaria que V. Ex.ª me esclarecesse se, efectivamente, é essa a vossa posição, porque ela significaria uma abertura que teríamos de ponderar. Também pretendemos verificar até que ponto a vossa vontade se mantém no momento próprio em que essa questão lenha de ser colocada.
No que diz respeito à questão do Ministro da República, quero dizer-lhe que tenho de concordar com a posição do Sr. Deputado Basílio Horta e candidato à presidência da República. Também nós, madeirenses, aceitamos uma solução que passe pela extinção do cargo de Ministro da República e pela criação de um outro cargo preenchido por um madeirense. Lembrava a V. Ex.ª que a Constituição não admite, obviamente, discriminações em função da naturalidade, o que V. Ex.ª parece ter esquecido a dado passo da sua intervenção.
A Sr.ª Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): -Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos: V.Ex.ª brindou-nos com um interessante e estimulante naco de prosa, muito ao seu estilo, no qual disse certas coisas que merecem algumas precisões.
Em primeiro lugar, o Sr. Deputado Almeida Santos assaca ao PSD uma estratégia interesseira em relação às eleições presidenciais. Refere que o PSD apoiou o Dr. Mário Soares para evitar uma derrota presidencial quando o PSD, por mais de uma vez, já afirmou e deixou bem claro que apoia o Dr. Mario Soares na sua reeleição porque considera que ele exerceu com dignidade, com inteligência e com brilho o seu primeiro mandato presidencial.
O Sr. Deputado Almeida Santos entende que não, que a razão do PSD é outra e que aquilo que move a nossa estratégia é apenas um interesse meramente eleitoral.
Sr. Deputado Almeida Santos, o que é que pensa que interessa mais aos Portugueses, ao País e, naturalmente, também ao PSD? São as intenções de voto que o Dr. Mário Soares possa ter à partida ou é a valia do seu mandato presidencial? O que é que pensa que é mais importante no discurso político, na lógica política e no comportamento dos protagonistas?
Não quereria que o Sr. Deputado Almeida Santos viesse aqui tentar empalidecer o brilho do mandato do Dr. Mário Soares. Pela nossa parte não o fazemos e foi,
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em bom rigor, devido a esse facto que determinámos a estratégia política aprovada no Congresso Nacional do PSD.
A segunda questão tem a ver com uma afirmação do Sr. Deputado Almeida Santos. V.E.ª diz que estamos «entalados» entre a candidatura do Dr. Basílio Horta e a do Dr. Mário Soares. Sr. Deputado Almeida Santos, não é com isso que estamos comprometidos mas sim com uma estratégia de futuro para Portugal, com uma estratégia de progresso para o nosso pais, com um desejo de estabilidade em Portugal e de articulação entre todos os órgãos de soberania, estamos naturalmente comprometidos com o desejo de fazer de Portugal um país cada vez mais europeu sob o ponto de vista do nível de vida e da qualidade de vida que queremos para os Portugueses.
Vozes do PSD: Muito bem!
O Orador: - Em função disso, acreditamos que, com a nossa maioria parlamentar e com a harmonia entre os órgãos de soberania que se tem verificado até ao momento, estamos da melhor maneira posicionados para alcançar esse desafio para os Portugueses.
O Sr. Deputado Almeida Santos também assacou ao Primeiro-Ministro e presidente do PSD intenções malévolas que não correspondem nada à realidade. Disse, por exemplo, que o Prof. Cavaco Silva tinha a intenção secreta de que os Portugueses não votassem nas eleições presidenciais e até sugeriu que o porta-voz mais inteligente para esse desejo secreto era o Dr. Alberto João Jardim. Mas o Sr. Deputado esqueceu-se que ainda ontem, nas câmaras da televisão, perante muitos milhões de portugueses, o Primeiro-Ministro e presidente do PSD, Prof. Cavaco Silva, disse exactamente o contrário-apelou ao voto dos Portugueses nas eleições presidenciais e recordou que o voto é uma obrigação cívica de todos os cidadãos. Mas o Sr. Deputado Almeida Santos lá tem as suas razões para pensar que aquilo que é dito pelo próprio Prof. Cavaco Silva, perante milhões de portugueses, não tem valor e que as supostas intenções secretas transmitidas pelo Dr. Alberto João Jardim é que têm valor!
Sr. Deputado, também não foi muito delicada a referência que fez ao Primeiro-Ministro dizendo que era uma Thatcher que se barbeava todos os dias.
Vozes do PS:-Essa não era para ele!...
O Orador:-Sr. Deputado Almeida Santos, o líder do meu partido tem poucas coisas em comum com a Sr.ª Thatcher, para além de fazer a barba todos os dias. Um social-democrata não é conservador como a Sr.ª Thatcher.
Aplausos do PSD.
O Orador: - E não tenha dúvidas, Sr. Deputado Almeida Santos: o lider do meu partido não desiste das eleições legislativas e vai ganhá-las com maioria absoluta.
Aplausos do PSD.
O Orador: - Sr. Deputado Almeida Santos, uma última pergunta: o que é que V.Ex.ª pretendeu com a sua intervenção? Não acredito que tivesse querido diminuir o alcance dos méritos do primeiro mandato presidencial do Dr. Mário Soares. Não acredito também que estivesse muito preocupado com as intenções de voto no candidato Basílio Horta. Também não creio que tenha querido fazer da sua intervenção um apelo ao voto, não creio que esse seja o estilo mais eficaz ou que estejamos já na altura de o fazer com algum sucesso.
Então, o que é que o Sr. Deputado Almeida Santos pretendeu com a sua intervenção? Na minha opinião, quis colar o PS à candidatura do Dr. Mário Soares, reafirmando aqui a estratégia de reboque que o PS tem seguido em diversos momentos, o que não é abonatório para este partido, que parece, assim, precisar desesperadamente desse reboque para ter uma percentagem significativa nas eleições legislativas. Mas quis, sobretudo, conduzir o próprio candidato Mário Soares a uma candidatura partidarizada, que ele é o primeiro a recusar.
Sr. Deputado Almeida Santos, creio que o senhor fez hoje aqui um bom serviço ao PS, mas fez um mau serviço ao candidato presidencial que o senhor apoia e que eu também apoio com convicção.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos: Por razões independentes da minha vontade, não tive o prazer de assistir ao início da sua intervenção, mas ainda ouvi o suficiente para ter algumas questões a colocar-lhe aqui, no Plenário.
Antes de mais e para que não fiquem dúvidas queria, de uma vez para sempre, dizer que o meu partido deseja a vitória do Dr. Mário Soares nas eleições presidenciais, que o meu partido apoia o candidato Mário Soares.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): -Muito bem!
O Orador:-Agora, aquilo que o meu partido não precisa para vencer as eleições legislativas de 1991 é de se colar à candidatura do Dr. Mário Soares.
Aplausos do PSD.
O Sr. Caio Roque (PS):-Ele também não é conservador!...
O Orador: - Não ouvi o aparte, mas calculo qual ele seja porque é semelhante àqueles que já estou habituado a ouvir.
Quero só dizer-lhe, Sr. Deputado Almeida Santos, que depois desta afirmação feita por mim e, principalmente, depois de lhe recordar que o meu partido, reunido em Congresso, numa deliberação tomada por unanimidade, quando ainda nem sequer se falava na candidatura do Sr. Dr. Basílio Horta ou em qualquer outra, foi a primeira força política neste país a dizer que, se o Dr. Mano Soares se recandidatasse à Presidência da República, não apresentaria qualquer candidato. E fê-lo por razões de interesse nacional porque nós, no PSD, movemo-nos por razões de interesse nacional e não exclusivamente por razões de interesse partidário.
Por conseguinte, Sr. Deputado Almeida Santos, penso que seriam perfeitamente desnecessárias as «bicadas» que V. Ex.ª deu, quer no meu partido, quer no presidente do meu partido. Tal não era necessário!
Neste momento e nestas eleições, estamos no «mesmo barco». Isso não quer dizer que cheguemos lá primeiro e
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que os senhores vão a reboque ou que os senhores cheguem lá primeiro e que nós vamos a reboque.
O Sr. José Sócrates (PS):-Em Dezembro também andaram muito depressa!...
O Orador:- Nas eleições seguintes estaremos em dois barcos distintos, só que o meu tem uma potência muitíssimo maior, anda muito mais depressa e obtém mais recordes.
O Sr. Alberto Martins (PS):-Olhe o Titanic!
O Orador:-Eu não quereria também dar «bicadas», nem quereria dizer-lhe, por exemplo, Sr. Deputado Almeida Santos -servindo-me daquilo que um jornal responsável hoje publicou a propósito do que se passa no MASP e a que assisto com tristeza- que há velhos dirigentes socialistas que estão no MASP de «orelhas em baixo» porque (dizem) a candidatura do Sr. Dr. Mário Soares está a ser tomada por mãos que não devem ser aquelas que os senhores quereriam que fossem.
Os senhores querem apropriar-se da candidatura do Dr. Mário Soares, querem servir-se do prestígio do Sr. Dr. Mário Soares, mas têm que se lembrar que ele foi a primeira pessoa que, com dignidade, disse ao País que não era candidato de nenhum partido, que se candidatava sozinho com o apoio de todos os portugueses e para todos os portugueses.
Aplausos do PSD.
O Orador:-Deixemo-nos pois. Sr. Deputado Almeida Santos, de «bicadas» recíprocas, que -suponho- só trarão mal para o nosso candidato comum.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente:-Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Meneses.
O Sr. Luís Filipe Meneses (PSD):-Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos: Depois de os meus companheiros de bancada Guilherme Silva, Carlos Coelho e Montalvão Machado terem falado sobre este assunto, questionando-o, é extremamente difícil colocar-lhe qualquer tipo de questão.
É difícil porque, em relação a esta temática, a posição do PSD é de tal forma clara, aberta e compreendida por todos os portugueses -ainda para mais portugueses dotados de particular brilho intelectual como os Srs. Deputados socialistas- que basta ser explicitada uma vez para que todos a tenham compreendido.
Contudo, não posso deixar de sentir um pequeno remoque e um pequeno desgosto por constatar que, para infelicidade de todos nós -deputados do PSD e da restante oposição-, não temos podido contar com o brilho e eloquência do Sr. Deputado Almeida Santos noutros debates em que o PS talvez tivesse mais a ganhar, em termos partidários, com a sua intervenção, bem como com a de outros ilustres deputados que, como V. Ex.ª, também têm primado pela ausência, privando-nos assim do seu contributo intelectual em combates difíceis. Por exemplo, na discussão do Orçamento do Estado na semana passada, a «goleada» que a maioria deu ao PS poderia certamente ter sido amenizada pelo brilho intelectual de deputados como o Sr. Deputado Almeida Santos.
Passando à questão das presidenciais, e refiro-me ao discurso de V. Ex.ª e ao pedido de esclarecimento alargado que o Sr. Deputado Basílio Horta, posteriormente, fez, transparece algo que já é muito claro para o eleitor comum em Portugal de que existem duas posturas diferenciadas em relação às eleições presidenciais: uma por parte do PS e do CDS e outra por parte do PSD.
Do lado do PSD há claramente, como os meus companheiros Carlos Coelho e Montalvão Machado referiram, uma leitura correcta daquilo que são os preceitos constitucionais que estão na génese e no desenvolvimento de uma candidatura presidencial. Há também uma postura correcta no que diz respeito a uma real compreensão do que é o interesse nacional.
Do lado do PS e do CDS, como também já foi dito, há a tentativa de aproveitamento das eleições presidenciais para demonstrar ao povo português, a um ano das eleições legislativas, algo que não se compreende que esteja a ser demonstrado desde já, que é a total e completa falta de confiança e de esperança do PS, particularmente, mas também do CDS, em ser uma alternativa viável e credível ao PSD.
Os senhores, ao colocarem-se na posição de querer retirar dividendos à força de uma candidatura que não é só vossa, mas também de muitos outros portugueses, estão a demonstrar que já não acreditam minimamente em poder competir com o PSD para uma maioria e, de preferência, para uma maioria absoluta daqui a alguns meses.
De tudo isto constatamos que a posição do PSD é, de facto, a mais correcta e que os Portugueses compreendem, mais uma vez, que têm no PSD um partido que coloca os interesses nacionais acima dos seus próprios interesses e que, nos momentos próprios, se identifica com a sua vontade maioritária.
Sr. Deputado Almeida Santos, como homem de ciência que acredita em dados objectivos não susceptíveis de serem interpretados de forma dúbia, repare como as sondagens atribuem ao candidato Mário Soares -que é o seu candidato- um apoio maioritário a níveis semelhantes em partidos como o PSD, como o PS e até o próprio CDS e o PCP. Isto tem, com certeza, algo a ver com aquilo que é a grande sabedoria do povo português, independentemente das suas posições ideológicas.
Para terminar, Sr.ª Presidente e Sr. Deputado Almeida Santos, queria colocar-lhe uma questão que não tem já a ver com esta discussão comezinha, pseudo- eleitoralista para que o seu partido quer arrastar o problema das presidenciais.
Gostaria de ouvir, sobre esta questão, a opinião sincera do Sr. Deputado Almeida Santos, o qual até tem muito a ver com a Constituição portuguesa, com as alterações que ao longo dos tempos, desde 1976, lhe foram sendo introduzidas e com muita da legislação ordinária que decorre do desenvolvimento das normas constitucionais.
O sistema semipresidencial português apontava claramente para um papel arbitrai e anticonflilos entre os partidos, num sistema político que muito dificilmente apontava para a possibilidade de um único partido conquistar a maioria absoluta. O que constatámos há quatro anos e que -estou convencido- iremos constatar nos próximos meses é que o povo português, através do seu voto, vai contrariar as opções dos deputados que, maioritariamente, têm moldado a Constituição da República e vai de novo dotar o País de uma maioria absoluta de deputados nesta Assembleia.
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Assim sendo, não será realista que, na próxima revisão constitucional, os partidos democráticos repensem, com espírito aberto, questões que tem a ver com o papel do Presidente na sociedade portuguesa, com os seus poderes e até com a forma como é eleito? Gostaria de ouvir a opinião do Sr. Deputado sobre esta matéria.
Permita-me, para terminar, que faça apenas um pequeno aparte. O Sr. Deputado Almeida Santos comparou, como já foi parodiado pelo meu colega Carlos Coelho, o presidente do meu partido e actual Primeiro-Ministro à ex-Primeira-Ministra britânica. Digo-lhe que, com alguma propriedade, podemos, sim, comparar o presidente e secretário-geral do seu partido, Jorge Sampaio, ao Sr. Neil Kinnock: como este, ele é um socialista antiquado e um perdedor nato.
Aplausos do PSD.
Vozes do PS:-Viu-se nas eleições para a Câmara Municipal!...
Vozes do PSD:-Ora, ora!...
A Sr.ª Presidente:-Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Geraldes.
O Sr. Luís Geraldes (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, a eleição do Presidente da República é, de facto, um acto sério, por se tratar da eleição do mais alto magistrado da Nação. No seu estilo muito próprio, V. Ex.ª falou hoje de coisas sérias, mas com um certo ar de graça.
Vou colocar-lhe uma pequena questão, que tem a ver com cerca de quatro milhões de portugueses residentes no estrangeiro. O que gostaria de fazer sentir -e, obviamente, estou convicto de que o Sr. Deputado comungará comigo dessa ideia- é que o Presidente da República Portuguesa só será efectivamente o Presidente de todos os portugueses quando for dada a todos os portugueses a possibilidade constitucional de poderem contribuir e participar para a sua eleição.
O que pergunto ao Sr. Deputado Almeida Santos é o seguinte: quando é que o Partido Socialista perde o seu tradicional complexo míope e decide seriamente discutir, juntando-se ao PSD, a participação dos portugueses residentes no estrangeiro na eleição do mais alto magistrado da Nação?
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, meu querido amigo, gostei, como aliás é costume, de ouvir a intervenção inteligente do patriarca António,...
Risos.
... mas reconheço que ela teve uma tal densidade de humor que, para ser facilmente inteligível, necessita de ser descodificada. É uma tarefa a que não me arrisco nem me atrevo e que deixo para os intérpretes futuros das crónicas.
O Sr. Deputado e meu querido amigo Almeida Santos falou em previsão de uma vitória presidencial. Quero apenas dizer-lhe, até por uma questão de empirismo, já que nós, social-democratas, somos pragmáticos, que a experiência recente, que o Sr. Deputado conhece bem por si mesmo, não nos permite atirar nem prever vitórias antes de se contarem os votos.
Vozes do PS:-Lá isso é verdade!
O Orador: - A lógica da sua intervenção, meu querido amigo, balanceou entre dois pólos; entre dois nomes, entre duas cruzes (no boletim de voto, entenda-se), entre duas deduções: o primo Basílio, por um lado, e o padroeiro Soares, por outro. Adiantaria talvez que a próxima eleição presidencial será um paradoxo: é que a eleição do padroeiro será talvez a vitória do laico, o que, de qualquer forma, constitui uma inovação na nossa história democrática recente.
Mas, independentemente deste aspecto de humor, que julgo ser indispensável existir entre nós, em democracia e numa Câmara como esta, creio que a eleição presidencial é um acto político sério que merece reflexão e talvez exija mais do que o que até agora foi dito.
Quando o Sr. Deputado Almeida Santos, meu querido amigo, avança, nesta Câmara, com a defesa da candidatura do Sr. Dr. Mário Soares, julgo que deveria ser dito mais. É essa, no fundo, a questão que lhe coloco: qual é concretamente o conteúdo que identifica essa candidatura, qual o seu sentido e qual o seu objectivo futuro?
Nós, nas nossas declarações, olhamos para a história e analisamos o presente, mas temos de nos comprometer com o futuro. Creio, por isso, ser indispensável nesta candidatura que haja como que um compromisso acerca daquilo que vai acontecer nos próximos cinco anos, se o Dr. Mário Soares for eleito.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP):-Sr. Deputado Almeida Santos, vou ater-me à figura regimental do pedido de esclarecimento e, por isso, não irei comentar afirmações do candidato à Presidência da República, Sr. Deputado Basílio Horta, das quais, como é natural, discordo completamente. Apenas farei perguntas ao orador.
Passo então à primeira questão que lhe quero colocar.
Ao ouvir a interpelação directa que o Sr. Deputado Almeida Santos fez ao candidato Basílio Horta, eu questionava-me: mas que grande privilégio tem este opositor do candidato Basílio Horta e que grande privilégio tem o candidato Basílio Horta em relação àquele opositor!...
O Sr. Silva Marques (PSD): -Não está cá o candidato Carlos Carvalhas!...
O Orador: - Aqui, no Plenário da Assembleia da República, o deputado pode interpelar o candidato e o candidato pode responder ao deputado...
Risos.
Perguntava-me eu o que é que os deputados opositores do Dr. Mário Soares poderão fazer para ficar em igualdade de circunstâncias com o deputado Almeida Santos...
Risos e protestos do PSD.
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... e o quo é que o candidato Mário Soares poderá fazer para ficar em igualdade de circunstancias com o Dr. Basílio Horta ou com o Dr. Carlos Carvalhas, visto que também este poderá estar aqui exactamente nas mesmas circunstâncias, o que já não pode acontecer nem com o candidato Mário Soares nem com o candidato Carlos Marques.
Vozes do PSD:-Então e o pobre do Coelho de Coimbra?...
O Orador: - A primeira questão que lhe coloco é esta: como havemos de proceder para que todos nós - os candidatos, incluindo o Dr. Mário Soares, e os deputados, incluindo todos aqueles que se opõem ao Dr. Mário Soares e também os que se opõem ao Dr. Carlos Marques- possamos ficar em igualdade de circunstâncias?
Essa é a primeira questão que tem, naturalmente, contornos políticos, mas que também comporta sérios contornos regimentais e constitucionais.
Vamos transformar a Assembleia da República num terreno de campanha eleitoral para a Presidência da República? Além dos debates entre candidatos na Radio-televisão Portuguesa e na TSF, dos debates organizados por outras órgãos da comunicação social e dos debates entre os apoiamos que se travam por iniciativa de diferentes órgãos da comunicação social, vamos ter debates na Assembleia da República e vamos reservar o período de antes da ordem do dia para aqui trazer, um a um, os candidatos, interpelando-os um a um e travando debates com eles? É esta uma quesito que gostaria de ver resolvida, ...
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP):-Muito bem!
O Orador: -... tanto mais que neste momento tenho o privilegio de estar a falar com um brilhante constitucionalista, que, como se sabe, teve uma intervenção decisiva na última revisão da Constituição da República Portuguesa.
O Sr. Silva Marques (PSD):-A culpa é dos socialistas!
O Orador:-Em todo o caso, parece-me que esta interpelação ao Sr. Deputado Basílio Horta foi, apesar de tudo, uma figura de retórica e que por detrás dela havia outras preocupações e motivações. Como já aqui foi referido, passei os olhos pela imprensa de hoje e lá vi escrito: «PS apagado no MASP.»
Risos.
Será isto uma tentativa para vir à superfície e para tomar luz dentro do MASP?
Risos.
Creio que esta interrogação é legítima.
Julgo, por outro lado, que há outras circunstancias subjacentes. Não foi referido expressamente, mas estava implícito na essência da interpelação (chamo-lhe assim pelas razões que já expliquei) do Sr. Deputado Almeida Santos, aquilo que ontem se passou na televisão.
O Sr. Duarte Lima (PSD):-Uma grande entrevista a de ontem na televisão!
O Orador: -Se o objectivo é tentar um novo reforço para afrouxar o abraço que o PSD deu ao candidato Mário Soares e se essa é a estratégia do PS para afrouxar tal abraço e se poder prevalecer de um eventual sucesso eleitoral do candidato Mário Soares, quero dizer-lhe que a partir de ontem à noite a tarefa se tomou mais complicada.
Vozes do PSD:-Pois foi!
O Orador: -É que deixou de ser a não apresentação de uma outra candidatura e um apoio velado, para passar a ser um apoio declarado, com apelo ao voto.
O Sr. Duarte Lima (PSD):-Os senhores também lá vão, é só uma questão de dias!
O Orador:-Veremos!... Não se precipite, Sr. Deputado!
Risos.
Vá devagar, Sr. Deputado, até porque muitas vezes as aparências iludem...
Risos.
Repito: a partir de ontem à noite, a situação ficou muito mais complicada. E não há belas palavras, por mais belas que sejam, que possam «labaredcar» factos políticos, quando eles se desencadeiam, como aconteceu ontem à noite. É precisamente essa a questão que está agora colocada.
O Sr. Duarte Lima (PSD):-Aquela entrevista deixou-vos preocupados!
O Orador:-As declarações do Sr. Primeiro-Ministro e presidente do PSD ontem à noite, na televisão, não alteraram nada na candidatura do Dr. Mário Soares? Ou a partir de agora essa candidatura tem já um conteúdo marcadamente diferente daquilo com quo foi lançada, através daquela famosa declaração de candidatura ocorrida no princípio de Outubro?
Vozes do PCP:-Muito bem!
A Sr.ª Presidente: -Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS):-Sr. Presidente e Srs. Deputados, sinto-me tremendamente honrado, porque, raras vezes, perante tão pouco -ao que parece não leria dito quase nada e o pouco que disse teria sido ligeiro e só gracioso-, me colocaram tantas questões. Porque tanta pergunta, tanta preocupação, tanta interpelação, tanto medo, tanto receio e tanta indagação? Se calhar, eu disse mesmo alguma coisa! Tenho uma vaga suspeita de que disse alguma coisa! Mas, então, vou responder -porque devo-vos essa homenagem- aos meus queridos amigos (que Iodos o suo!) que me dirigiram perguntas.
Meu querido amigo Basílio Horta, devo dizer que foi com muita alegria que soube que vinha hoje aqui, porque fiz questão em falar para si e não para as suas costas. O debate vivo é que tem interesse, como é óbvio! E o meu amigo é bom no debate. Portanto, nunca receei que se atrapalhasse e, mais uma vez, não se atrapalhou.
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O Sr. Silva Marques (PSD):-É mesmo bom de mais!
Risos do PSD e do CDS.
O Orador: - Diz que a candidatura do Dr. Mário Soares está cada vez mais no dedo do PSD. Julguei que o «dedo» estava nas sondagens, que chegaram a 70% e 80% e naquelas pessoas que, aos milhares, o apoiam aí pelas ruas, pelas vilas, pelas aldeias e que dizem que ele é formidável! É que mal estava o Dr. Mário Soares se estivesse no «dedo» do Dr. Cavaco Silva! Não tenho a menor dúvida a esse respeito.
O Dr. Cavaco Silva limitou-se a constatar o apoio que o Dr. Mário Soares, irrecusavelmente, tem, e foi inteligentemente por aí. Eu próprio lhe tiro o chapéu pela habilidade que teve em fugir a uma derrota! Mas não se trata de um apoio convicto, do coração; é um apoio politicamente interesseiro, e em política isso conta! Não estou a condenar isso. O que eu fiz foi dar-lhe a minha própria explicação e tenho a minha própria convicção: entre a sinceridade com que o meu partido apoia o Dr. Mário Soares e a sinceridade com que o PSD o apoia, há um abismo, como é óbvio!
O Sr. Silva Marques (PSD):-É uma convicção de Estado! É uma convicção de natureza diferente!
O Orador: - De um lado, está um amor de velha data e, de outro, está um interesse político de oportunidade.
Protestos do PSD.
Agora, diz-me assim: «Se nós reduzimos o apoio que nós próprios damos ao PSD, fazendo-lhe crítica, e se o PSD reduz o apoio ao Dr. Mário Soares, aí, o Dr. Mário Soares começa a ler que pensar sete vezes sobre o que é que lhe vai acontecer». Mas não lhe vai acontecer nada, pela razão simples de que nem eles aram esse apoio nem, se o tirassem, conseguiam tirá-lo tanto como se julga. É que o apoio é genuíno nas próprias hostes do PSD; é um apoio real!
Protestos do PSD.
Pergunta o Sr. Deputado se pode ser eleito, quando se lhe tapa a cara. Bom, o Dr. Mário Soares foi eleito quando se lhe tapou a cara. Como calcula, agora, ele vai ser duas vezes eleito, porque ninguém lhe quer tapar a cara. Aliás, ele próprio deu-a, durante cinco anos. Deu a cara em todas as circunstâncias, andou pelo Pais, não foi, de modo algum, estátua, como diz o Carlos Carvalhas. Foi o mais dinâmico e deambulante dos presidentes. E a cara foi dada ao povo, não sendo já possível tapar-lha. Todos sabem que aquela cara bolachuda é a cara do melhor Presidente da República dos últimos tempos da nova República Portuguesa. Talvez até de sempre!...
Aplausos do PS e do PSD.
O Orador:-Disse-me, depois, que estou a ouvir mal relativamente às críticas que lhe fiz. Ora, até admiti que, em relação a uma das críticas, só vendo, porque não acreditei que alguém tivesse dito isso. Há-de ter dito qualquer coisa parecida! Há-de ter dito qualquer coisa parecida! Há-de! Há-de!...
Risos do PS.
Não foi bem aquilo que disse, ou seja, «não dou posse a um governo PCP» -porque sabe que isso era inconstitucional, era um golpe de Estado-, mas terá dito «sou contra um governo PS/PCP» - se calhar, até há mais quem seja contra... Mas o problema não é esse! O problema é que não há votos bons e maus e o Presidente da República, qualquer que ele seja, por mais que odeie a coligação PS/PCP, tem de lhe dar posse.
O Sr. Basílio Horta (CDS): - Nem disse isso!
O Orador: - Muito bem! Então, eu próprio acautelei na minha intervenção que pudesse não ser assim, mas, mesmo não o tendo dito, é preciso que as coisas fiquem claras.
Nunca pensei que a monarquia viesse aí pela sua mão, porque não há nenhuma mão que possa trazer a monarquia. Nem a sua, nem nenhuma outra! Não! O que estranhei, e continuo a estranhar, é a ligeireza com que o meu amigo promete tantas coisas que sabe agradarem a quem se está a dirigir. Quer dizer: o senhor vai falar com os monárquicos, que, naturalmente, querem instaurar a monarquia, embora, se fossem lúcidos, como eu desejava que fossem, soubessem que não vale a pena. A posição deles, de fidelidade ao último dos Braganças, é bonita, mas nem o Salazar se atreveu a tirar-nos a República!...
O Sr. Basílio Horta (CDS): -Ele não era democrata!
O Orador: - O que quis dizer foi o seguinte: em primeiro lugar, o Presidente da República não tem nada a ver com a revisão da Constituição. Oiça, Dr. Basílio Horta: o Presidente da República não tem, nem deve ter, nada a ver com a revisão da Constituição. Como é que o meu amigo vai prometer influenciar a próxima revisão da Constituição, no sentido de tirar de lá um limite material, que, por acaso, até faz parte da Constituição material, tanto fazendo que esteja escrito, ou não! E, em relação ao que me perguntou há pouco, a minha resposta é: «Não!» Não é hoje possível, sem uma revolução, instaurar a monarquia em Portugal! E disse-me: «E se a maioria do povo português...». Mas nós nunca poderemos saber isso, porque não há meio institucional de saber se essa maioria existe e, portanto, só por via revolucionária é que isso é possível. Nós, republicanos (os meus avós), também fizemos a Revolução de 5 de Outubro; os monárquicos que façam outra e eu aceito o resultado dessa revolução, se lhes for favorável.
Risos do PS.
Não há problema algum!
É que há valores consagrados na Constituição que só por ruptura constitucional e não por revisão constitucional-e esse ponto é um deles! Temos de nos entender sobre isso!
O meu amigo sabe perfeitamente que nós retirámos dois limites materiais, uma vez que eles não sito eternos. O que acontece é que ainda ninguém se atreveu a propor a eliminação desse limite e, quando se atrevesse, provavelmente, em vez de uma votação, tinha uma gargalhada...!
Diz ainda o Sr. Deputado que é muito serio o problema da Europa. Pois é! É sério para mim, é sério para o Dr. Mano Soares, é sério para todos os europeístas. Como diz o Dr. Lucas Pires, num prefácio a um livro do
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Dr. Homem de Melo, há em Portugal antíeuropeístas, ultraeuropeístas e europeístas tout court. Eu estou nestes: sou só europeísta. Nem sou contra nem sou ultra. Ainda anteontem, fiz uma conferência na Guarda, em que disse: «Eu sou europeísta, mas - cuidado! - passos muito seguros, passos muito firmes!»
Agora, o que acho mal e estranhei foi o seguinte: o meu amigo, que sabe que os monárquicos são antieuropeístas, que defendem à outrance o problema da identidade nacional, que não têm a menor abertura para a construção da Europa -seja ela federalista, ou não, unida, ou não, política ou economicamente-, que foram sempre contra (honra lhes seja feita!), quando fala com eles, sabendo que eles têm esta posição, diz: «Eu defenderei que não haja reduções da soberania nacional, nem perdas da identidade nacional.» Como eu disse, o melhor caminho para a perda da identidade nacional é a miséria. E nós estaríamos condenados para sempre ao atraso e à miséria, se ficássemos como um pais terceiro numa Europa unida, como é óbvio!...
Vozes do PS:-Muito bem!
O Orador: -Portanto, a melhor defesa da identidade nacional é precisamente a integração europeia. Não há dúvida!
Por outro lado, penso que a melhor maneira de defender uma Europa economicamente unida é dar-lhe alguma dimensão política. Se é federativa, ou não, ainda é cedo para o sabermos. Mas nunca ouvi o Dr. Mário Soares dizer «Eu sou um federalista». Já ouvi o Parlamento Europeu dizer que é favorável a uma solução federativa e é ele que provavelmente vai aprovar a Constituição Europeia, de onde, quase de certeza, vai sair uma solução federalista. Então, vamos nós aí retomar as posições do Velho do Restelo e da Sr.ª Tatcher e dizer: «Federalismo, não! Isso nunca! Isso apagava a identidade nacional!» Mas então, se nós formos federalizados, a Inglaterra não o é também? A França não é também? A Alemanha não é também? E não será o poder, se for posto em comum, gerido em comum por todos? Vai ser, sim! Hoje, não tenho a menor dúvida a esse respeito. E, por isso mesmo, essa querela sobre federalização ou não federalização, não tem sentido. Não sei se é federalismo, confederação, ou outra forma qualquer de simples união. Não sei! Eu próprio não tenho posição. Mas seria o último a dizer: «Federalismo, nunca!» É que, se nós começamos a cortar soluções, acabamos por ter de sair da Europa, como a Sr.ª Tatcher acabava por ter de sair, se não o tivesse feito do lugar de Primeira-Ministra.
Disse também que, nesta matéria, está mais próximo de Cavaco Silva. Para lhe ser franco, devo dizer-lhe que já unha dado por isso!
Risos.
Mas também lhe digo que o Dr. Cavaco Silva-a quem tenho feito muitas críticas mas cujos méritos também reconheço, quando é preciso-tem feito um percurso de aproximação das nossas teses nesta matéria. Ele percebeu que a Sr.ª Thatcher ia cair, que estava isolada no concerto da Europa, e, pura e simplesmente, «pôs-se a milhas» da Sr.ª Thatcher e, hoje, já não está com ela, de maneira alguma, nem com o seu espírito. E, quando há pouco, falava numa Sr.ª Tatcher que faz a barba todos os dias, referia-me ao meu querido amigo Basílio Horta e não ao Dr. Cavaco Silva.
Risos do PS e do CDS.
Não compreendo que tenha aqui manifestado, com tanta ênfase, o apoio ao Dr. João Jardim, se ele se tivesse candidatado à Presidência da República. O Dr. João Jardim tem reais qualidades políticas, embora tenha um estatuto próprio de incontinência verbal. Ainda ontem, quando perguntaram ao Sr. Primeiro-Ministro: «Então o senhor defende a eleição do Dr. Mário Soares e o Dr. João Jardim diz que defende o voto em branco?», ele respondeu: «Sabe, ele tem assim umas originalidades...»
Risos do PS.
É claro que chamar originalidade ao voto em branco é chamar originalidade a um alto responsável político que aconselha aqueles que nele confiam a não cumprir um dever cívico, ou defraudar o cumprimento desse dever cívico, o que é muito sério.
Vozes do PS:-Muito bem!
O Orador: -E quando o meu amigo sabe que ele é assim e que, além do mais, tem uma posição de «parte-loiça» -porque não haveria ninguém que partisse mais loiça do que ele, se entrasse na «loja» da Presidência da República (estávamos mesmo a hipotecar-nos ao mais intranquilo dos presidentes da República, àquele que promovia menos estabilidade, menos segurança, menos paz social, menos concertação, menos harmonia partidária)-, o senhor ia dar o seu voto a um candidato desses? Isso é um mau apontamento sobre a maneira como dispõe do seu voto.
Vozes do PS:-Muito bem!
O Orador:-Por que não o Ministro da República? Pois claro! Por que não? Também eu digo! Por que não, um madeirense? Mas o problema não é esse. O problema é o facto de o senhor, sabendo que eles querem um madeirense a outrance, ter ido logo dizer: «Se eu for Presidente da República, aqui me hipoteco a nomear um madeirense». E sabe porquê? Porque, a seguir à reivindicação de um madeirense, vem a reivindicação do madeirense José Joaquim ou Joaquim João, ou seja, aquele que não «faz ondas», e não lenha dúvidas de que o lugar era pura e simplesmente liquidado por essa via. E é por isso que penso que essa promessa não devia ter sido feita, porque pode ser um madeirense mas lambem pode não ser. E um Presidente da República não deve, de véspera, hipotecar-se a que seja necessariamente um madeirense. Portanto, não sou eu quem estou a fazer distinções mas, isso sim, o meu amigo.
Disse também que não faria o que o Dr. Mário Soares fez em relação a Macau. Eu diria que o meu amigo não faria o que o Dr. Mário Soares fez e o que faz em relação à maioria das coisas. É claro que o senhor seria um Presidente da República completamente diferente! E aí é que residia a minha preocupação, se o senhor fosse eleito.
Vozes do PS:-Muito bem!
O Orador:-Por isso é que dirigi a Deus aquela prece: «Não consintas em que o teu devoto Basílio Horta seja eleito Presidente da República!»
O Sr. Basílio Horta (CDS):-É uma prece laica!
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O Orador: -Raras vezes o meu amigo fez o mesmo que Mário Soares, e isso é mau. Agora, devo dizer-lhe o seguinte: penso que o Dr. Mário Soares fez aquilo que devia em relação a Macau. Foi lá para assegurar estabilidade, e as notícias da imprensa dizem isso mesmo. A viagem dele representou um factor de estabilidade em Macau: falou com os chineses, falou com a gente... Teve a coragem de lá ir para fugir a qualquer inoportunismo, ao contrário do que poderia parecer! Ele não é um homem de oportunismos! Foi lá, porque entendeu que, passando lá perto, não havia razão para lá não ir. E fez o que devia! Quanto ao facto de se recusar a nomear, desde já, um governador, também faz o que deve.
Repare: coloque-se no lugar do governador que, quando fosse eleito o novo Presidente da República, admitindo que fosse o candidato Basílio Horta, a primeira coisa que tinha de fazer era pôr o lugar à disposição do novo Presidente da República.
O Sr. Basílio Horta (CDS):-Está enganado!
O Orador:-Era um governador de Macau a três meses. Sinceramente, essa não seria uma boa solução!...
Penso que, em Macau, não há propriamente gangs, mafias; agora, se há gangs em Macau, também os há cá.
O Sr. Basílio Horta (CDS):-Tem toda a razão!
O Orador:-Portanto, também não vale a pena estarmos a fazer distinções, que não são devidas.
Disse-me que não há derrotas antecipadas. Até estas eleições, também pensava assim. Mas, em relação a estas eleições, começo a modificar a minha opinião: julgo que há derrotas e vitorias antecipadas-mudei a minha opinião, o que, às vezes, acontece! - e, neste caso, vai haver.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Almeida Santos, informo-o de que esgotou o tempo. Apesar de a Mesa lhe conceder alguma tolerância, peço-lhe o favor de ser breve.
O Orador: - Muito obrigado, Sr.ª Presidente. Vou acelerar seleccionando as perguntas.
Diz-me o Dr. Guilherme Silva que o Dr. João Jardim já fez o apelo ao voto. As notícias que me chegam são as seguintes: ele começou por fazer apelo ao voto no Dr. Basílio Horta; depois, fez apelo à abstenção; depois, ao voto em branco e, agora, ao que parece, já faz o apelo ao voto em Mário Soares. Devo dizer-lhe que isto não depõe muito a favor do Dr. João Jardim. Mas ele é um impulsivo ...
Tenho aqui um documento, oriundo do Partido Social-Democrata da Região Autónoma da Madeira, onde se diz: «Em conclusão, estas eleições presidenciais pouco mais constituem do que um acto burocrático de reduzido interesse para a Região Autónoma da Madeira, mesmo que agitem a classe política de Lisboa e da sua comunicação social». Se pensam que nós devemos ficar muito satisfeitos com o PSD da Madeira e com o Sr. Dr. João Jardim, os senhores que fiquem. Eu fico profundamente indignado!
Aplausos do PS.
E devo dizer que, se não explorei mais este aspecto na minha intervenção -porque era capaz disso-, foi porque entendi que devia ser comedido na sua exploração. Portanto, não fui tão longe quanto devia em determinado tipo de exploração de factos e acontecimentos.
O Sr. Guilherme Silva (PSD):-Permite-me que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador:-Sim, se o tempo for descontado.
O Sr. Guilherme Silva (PSD):-Pretendo unicamente prestar um esclarecimento.
Em primeiro lugar, V. Ex.ª apenas leu parte do texto; não o leu na íntegra.
O Sr. Almeida Santos (PS):-Li a conclusão. Peço desculpa!
O Sr. Guilherme Silva (PSD):-Não leu, por exemplo, a minha reafirmação de que foi feito um apelo ao exercício do dever cívico de votar.
Em segundo lugar, V. Ex.ª afirmou que o Dr. Alberto João Jardim teria, a dada altura, preconizado o voto no candidato Basílio Horta.
O Orador:-Isso veio publicado nos jornais!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Desconheço! Mas como V. Ex.ª já há pouco falou em más-línguas, por certo é mais uma má-língua a que recorre!
O Orador: - É, talvez, uma informação que não corresponde à realidade, porventura e seguramente bem-intencionada mas que não corresponde à verdade. Mas lá que a li nos jornais, isso é verdade. Não tenho dúvida alguma!
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Hoje, os jornais vendem muito!...
O Orador:-Não tenha a menor dúvida de que se a questão do perdão da dívida vier a ser apreciada aqui, na Assembleia, o Partido Socialista irá votar a favor, apesar de entendermos que essas matérias devem ser discutidas pela entidade com competência para o efeito e que o facto de o Governo ter preterido a Assembleia da República numa matéria tão fundamental não depõe muito a seu favor.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Mas não preteriu!
O Orador: - Sim, sim, isso é que preteriu!
Assim, entendo que essa matéria deveria ser discutida aqui para que cada partido pudesse pronunciar-se sobre ela e posso assegurar que o meu partido se pronunciaria a favor. Se, de facto, se trata de uma medida boa, não tenho dúvida de que merece o apoio desta Assembleia. Porém, não devemos esquecer que é a esta Assembleia que compete torná-la. A Constituição é para ser respeitada!
Sr. Deputado Carlos Coelho, não lenho qualquer dúvida de que o Primeiro-Ministro está a evoluir e o Partido Social-Democrata também.
Assim, façamos a história das vossas posições: primeiro, se o Dr. Mário Soares apresentasse a sua candidatura, o PSD não apresentaria (ponto final)!
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O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Nem apoiava outro candidato!
O Orador:-Não apresentava candidato próprio ou não defendia candidato próprio! Este é o primeiro ponto.
Acontece, porém, que o PSD não disse que apoiava e nós viemos aqui desafiá-los.
Vozes do PSD: - Apoia!
O Orador:-Então digam que apoiam! Se gostam tanto do Dr. Mário Soares digam que apoiam a sua candidatura! E não disseram!...
O Sr. Silva Marques (PSD):-Já se disse isso!
O Orador:-Ontem, o Sr. Primeiro-Ministro, ao falar na televisão, fez largos progressos, mas, na verdade, o progresso deve-se àquele senhor (o Sr. Deputado Basílio Horta). E é aqui que está o conteúdo útil da minha intervenção, ou seja, dizer, a abstenção já não serve... e, no fundo, empurrar-vos para combaterem a abstenção.
Portanto, não é contra o candidato Mário Soares, porque, quanto menor for a abstenção, mais votos ele tem. E evidente!
E o que pretendi com a minha intervenção foi dizer-vos: a abstenção já não serve, façam favor de se colar a nós no combate à abstenção. É isso que quero!
Vozes do PS:-Muito bem!
O Orador:-E é esta a interpretação da minha fala, que não tem nada de contra...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Eu, por exemplo, tenho-me esforçado nesse combate. Já estive na Marinha Grande e noutros sítios!
O Orador: - O Sr. Deputado esteve na Marinha Grande, mas os seus colegas não!
Ora bem, o Sr. Primeiro-Ministro, ontem, deu um passo em frente e veio dizer o quê?
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Almeida Santos, solicito-lhe que seja muito breve, uma vez que já excedeu o seu tempo em cinco minutos.
O Orador: - Vou ser, Sr.ª Presidente. Queria apenas dar uma resposta a cada um dos Srs. Deputados que me solicitaram esclarecimentos.
Então, o Sr. Primeiro-Ministro, ontem, disse o quê? Disse: «Nós desejamos a eleição do Dr. Mário Soares...» e, quando lhe iam perguntar: «Mas...», ele respondeu: «Já disse que desejamos a eleição do Dr. Mário Soares...» De novo, a pergunta: «Mas o que eu queria saber era se...» e a resposta foi: «Já disse que desejamos a eleição.»
Ora, o que ele não disse foi: «Eu vou dizer ao PSD ou já disse ao PSD que apoie activamente o Dr. Mário Soares».
Vozes do PSD:-Disse, disse!
O Orador:-Isso ele não disse! E é essa falha que também denuncio na minha intervenção, que tem apenas essa leitura, meu caro Sr. Deputado Correia Afonso. A leitura é mesmo esta: se os senhores o apoiam, façam-no activamente, sem ambages ou ambiguidades.
De facto, se não fosse o aparecimento da candidatura do Dr. Basílio Horta -e nessa medida o cumprimentei-, a abstenção poderia ser um risco para a democracia. Agora, suponho que já não é...
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Cumprimenta-o o Sr. Deputado e o comandante Gomes Mota!
O Orador: -Não! não! Eu já disse que ele não é um instrumental do Dr. Mário Soares. Obviamente que não é, basta ouvi-lo. De facto, ele até exagera nesse aspecto.
Risos do PS.
Já disse também que a Thatcher que se barbeia todos os dias é o Dr. Basílio Horta e não o Dr. Cavaco Silva. Esse já se afastou da Thatcher, pelo que agora até tem de ter ideias próprias, o que vai ser um desastre!
Risos do PS.
A Sr.ª Presidente:-Sr. Deputado Almeida Santos, porque não gostaria de lhe retirar a palavra, solicito-lhe, novamente, que seja muito breve. Responda telegraficamente aos Srs. Deputados, pois já excedeu o seu tempo em 6,4 minutos.
O Orador: - Vou tentar, Sr/Presidente. De facto, estou a abusar!
Porém, não posso deixar de dizer ao meu querido amigo, Sr. Deputado Montalvão Machado, que, possivelmente, não deve ter ouvido o início da minha intervenção, onde me referi aos problemas do seu partido.
«O PSD deseja a vitória de Mário Soares», já ouvi isso do nosso Primeiro-Ministro. «O PSD apoia o Dr. Mario Soares.» Que pena o Primeiro-Ministro não ter dito isso!
O Sr. Montalvão Machado (PSD):-Permite-me que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador:-Faça favor!
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, meu querido amigo, julgo que os seus ouvidos lhe devem ter falhado, porque o Sr. Primeiro-Ministro, ontem à noite, disse claramente: «O PSD apoia a candidatura do Dr. Mário Soares.» Disse-o claramente!
O Orador: -Não tenho essa ideia e ouviu-o com muita atenção, como, aliás, já é costume. Devo-lhe essa homenagem e, normalmente, não falho!
Disse também que o seu «barco» vai mais depressa. Cuidado não naufrague, pois às vezes a velocidade dos barcos dá naufrágios.
«Velhos socialistas de orelhas baixas no MASP»... Meu Deus, estamos com elas tão elevadas aqui, por que haveríamos de estar com elas baixas no MASP?! De maneira alguma!
«A posição do PS é de tal forma clara...»-disse o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes. Então, por que é que os senhores precisaram de cinco interventores?
O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Pela consideração que V. Ex.ª nos merece!
O Orador:-E nenhum de vós foi claro! Risos do PS.
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E só agora o presidente do grupo parlamentar conseguiu ser.
Contudo, se VV. Ex.as precisaram de cinco interventores, então, é porque, na verdade, há alguma ambiguidade!
O Sr. Deputado Luís Geraldes diz que falei com ar de graça sobre assuntos sérios. Às vezes, a ironia é a melhor forma de tratar assuntos sérios. Sempre foi assim e sempre assim será! A prova é que às vezes as ironias doem mais do que os amavios.
Quanto ao meu caro amigo e Sr. Deputado Correia Afonso, que utiliza a expressão «o patriarca António»...
Vozes do PSD:-E os votos dos emigrantes?
O Orador: - O voto dos emigrantes? Más nós já tratámos disso sete vezes aqui. Vamos ter de repetir qual é a nossa posição a esse respeito? Não julguem que por estarmos em campanha eleitoral para a presidência, vamos mudar de posição. A nossa posição é a mesma, sempre foi e sempre será! Não vale a pena..
Vozes do PS:-Muito bem!
O Orador: - «O patriarca António...», disse o meu amigo Correia Afonso, ao salientar que não podemos contar as vitórias antes de serem contados os votos. Diga isso ao seu colega Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, que está sempre a falar em maiorias absolutas, e ao seu Primeiro-Ministro, que também fala em maiorias absolutas com absoluta certeza.
O Sr. Duarte Lima (PSD):-Outros já falaram antes!
A Sr.ª Presidente:-Srs. Deputados, a Mesa não pode continuar a usar desta tolerância...
O Orador: - Sr.º Presidente, só um segundo, vou agora passar a responder ao Sr. Deputado Carlos Brito, o último que me pediu esclarecimentos, a quem quero também homenagear e dizer...
O Sr. Correia Afonso (PSD):-Permite-me que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador:-Faça favor.
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, quando lhe chamei patriarca António, escolhi essa expressão porque tem muitos sentidos.
O Orador:-Eu sei!
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Assim, para além de me lembrar da veneração que costumamos dedicar aos patriarcas, também me suscita reminiscências antigas, de há séculos, quando se faziam processos de intenção, que, no fundo, é o que Sr. Deputado está a fazer, um processo de intenção ao PSD para saber o que é se passa na sua profundeza, visto que à superfície foi declarado, várias vezes, o apoio ao candidato Mário Soares e foi também dito, várias vezes, que não há outro candidato.
Logo, estamos perante um processo inquisitorial, que já tem séculos, e o que Sr. Deputado várias vezes tem verberado como sendo inquisição, não é mais do que este tipo de inquisição: o processo de intenção.
Julgo que o Sr. Deputado, e meu amigo, Almeida Santos, que conheço há muitos anos, nem sequer se apercebeu de que está a ultrapassar os limites do que é natural em democracia, pois pretende ir até as profundezas. Era também isto que a Inquisição fazia há já muitos anos atrás.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Correia Afonso, queira terminar.
Solicito também ao Sr. Deputado Almeida Santos que dê uma brevíssima resposta ao Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Correia Afonso (PSD):-Termino já, Sr.ª Presidente!
Se eu verberei o Sr. Deputado Almeida Santos, neste momento, também tenho de cumprimentá-lo, porque sou um homem equilibrado e a minha balança tem de ter os dois pesos.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Correia Afonso, a Mesa não pode tolerar uma situação destas. Temos de pôr fim não só às respostas do Sr. Deputado Almeida Santos, como também ao próprio período de antes da ordem do dia, pois os tempos estão todos esgotados.
Lamento, Srs. Deputados, mas a Mesa não ser mais tolerante.
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr.ª Presidente, permite-me só que termine?
A Sr.ª Presidente: - Seja muito breve, Sr. Deputado.
O Sr. Correia Afonso (PSD): - É só para dizer ao Sr. Deputado Almeida Santos que julgo que não entendeu bem que está já a ultrapassar os limites da superfície e a entrar na profundeza das intenções. E isto identifica-se com um processo inquisitorial, que tem uma triste tradição na história portuguesa.
O Orador: - Resumindo, quando o meu amigo, Sr. Deputado Correia Afonso, me chamou de patriarca, quis-me chamar inquisidor.
Risos do PS.
Não me sinto na necessidade de me defender dessa acusação. Não tenho problema algum!
Finalmente, ao Sr. Deputado Carlos Brito apenas umas breves palavras.
V. Ex.ª perguntou como é que vamos resolver esta discriminação. Muito facilmente: Carlos Carvalhas desiste e o Partido Comunista apoia o Dr. Mário Soares. Assim já não há problemas, desaparecendo deste modo o problema que colocou.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Mais devagar!
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Diga lá, desiste ou não?
O Orador:-Desiste, tem de desistir!
O Sr. Carlos Brito (PCP): -Tem de arranjar é a maneira de trazer aqui o Dr. Mário Soares!
O Orador:-Disse também que quero avivar a nossa luz no MASP. Não! Até temos luz a mais, luz que chegue!
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Diz ainda que eu quis afrouxar o abraço do Primeiro-Ministro... Chama aquilo um abraço? Ah! aquilo é um presente envenenado, abraço não!
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente: -Srs. Deputados, vamos entrar no período da adem do dia.
O Sr. Carlos Brito (PCP): -Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
A Sr.ª Presidente:-Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Brito (PCP):-Sr.ª Presidente, julgo que se gerou aqui uma situação excepcional decorrente, desde logo, da intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos, que provocou um período muito longo de esclarecimentos do Sr. Deputado Basílio Horta, o que, por sua vez, também provocou um período de respostas muito longo por parte do Sr. Deputado Almeida Santos. Tudo isto foi anormal.
Assim, creio que seria adequado que, neste momento, os grupos parlamentares que não tiveram possibilidade de intervir durante o período de antes da ordem do dia o possam fazer nos tempos de que dispõem e que estão registados no quadro.
Penso que era minimamente justo proceder desta forma, tanto mais que este período de antes da ordem do dia é excepcional, agendado excepcionalmente, para que todos os grupos parlamentares pudessem fazer intervenções, o que, na verdade, não veio a acontecer pelas circunstâncias especiais que se verificaram.
No entanto, entendo que poderá ser possível repor uma solução equilibrada, segundo a qual os grupos que não fizeram intervenções ainda possam produzi-las no tempo de que dispõem e que está registado no quadro.
A Sr.ª Presidente: -Sr. Deputado Carlos Brito, se não se verificar consenso por parte de todos os grupos parlamentares, a Mesa não poderá atender a sua sugestão.
Na verdade, quer o CDS quer o PS ultrapassaram o tempo em 3,7 e 10,7 minutos, respectivamente. A Mesa teve alguma tolerância, atendendo ao número extremamente elevado de questões que foram colocadas ao Sr. Deputado Almeida Santos, mas, mesmo que isso não tivesse acontecido, este tempo mal chegaria para a intervenção do deputado que se seguia na lista de inscrições, isto é, para o Sr. Deputado Silva Carvalho.
Se se registar consenso, a Mesa não se opõe; caso contrário, passaremos ao período da ordem do dia.
A Mesa solicita aos diferentes grupos parlamentares que se pronunciem sobre esta matéria.
O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.
A Sr.ª Presidente:-Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr.ª Presidente, a minha interpelação vai no mesmo sentido da que foi feita pelo Sr. Deputado Carlos Brito, pois não me parece nada correcto que, por razoes estranhas ao interesse dos grupos parlamentares que não tiveram oportunidade de intervir, sequer, uma vez -que é o nosso caso- se possa vir a impedir a produção de qualquer intervenção.
Creio que se a Mesa foi complacente para alguns Srs. Deputados, terá de fazer a recomposição da justiça,permitindo que os grupos parlamentares que ainda não produziram qualquer intervenção possam vir a fazê-las.
A Sr.ª Presidente:-Srs. Deputados, em face da atitude da Câmara, julgo depreender que há consenso no sentido de satisfazer essa pretensão, muito embora a Mesa se tenha limitado a dar uma tolerância mínima, que, de qualquer forma, não permitiria aos grupos parlamentares que agora pretendem exercer o seu direito de intervenção usar da palavra para esse efeito, uma vez que o deputado que eslava inscrito para intervir a seguir era do PSD.
Deste modo, entende a Mesa que não são os grupos parlamentares que agora a interpelaram que poderiam vir a beneficiar da situação.
Srs. Deputados, uma vez que há consenso, vamos continuar ainda com o período de antes da ordem do dia.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Carvalho.
O Sr. Silva Carvalho (PSD):-Sr. Presidente, Srs. Deputados: Venho aqui falar hoje de uma classe profissional, de uma função, de um serviço público, que são as conservatórias, os conservadores e os oficiais de registo.
Não se trata de um assunto menor, de uma intervenção de índole meramente corporativista como alguns estarão a pensar, porque as conservatórias tem uma acção que cobre o País inteiro e os seus serviços destinam-se a todos os cidadãos, sem distinção.
O Sr. Guerreiro Norte (PSD):-Muito bem!
O Orador:-Ora, se é certo, como é, que a Assembleia da República deve servir de caixa de ressonância de todas as questões nacionais, então este é indubitavelmente o lugar certo para se abordar o tema a que me proponho, por se tratar de um assunto de primordial importância para o País quer pela qualidade dos serviços que as conservatórias prestam quer pelo número de pessoas, funcionários e utentes que envolvem.
As conservatórias, usando uma linguagem farmaco-pcica, têm uma acção de largo espectro: tanto podem ter por objecto a mais humilde courela de terra como o mais gigantesco arranha-céus; tanto abrangem o modesto merceeiro da esquina como o mais tentacular empório comercial; tanto abarcam a mais insignificante viatura como o mais potente e sofisticado automóvel. Sem eles, continuar-se-ia a nascer e a morrer, mas é o conservador que sanciona o nome das pessoas, como é de quem, cerrados definitivamente os olhos, autoriza o enterramento, lavrando e certificando, para que conste, os assentos de nascimento e de óbito dos cidadãos.
Sem a intervenção das conservatórias os tribunais ficariam em grande parte paralisados, porque impedidos de proferir algumas das suas decisões; sem a sua acção, os canários notariais ver-se-iam impossibilitados de lavrar a maior parte das escrituras, face ao princípio da legitimação.
O valor que as conservatórias representam está bem patente na preocupação por todos manifestada, ou pelo menos sentida, relativamente a atrasos verificados na execução dos actos de registo. Se é fácil constatar esta realidade, mais difícil é determinar-se a causa dos atrasos e, pior ainda, encontrar-se a terapia adequada para tratar o mal.
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O registo predial e o comercial são de criação relativamente recente, tendo vindo a aumentar em número e complexidade os factos que constituem o seu objecto quer por exigência do normal fluir da vida quer em resultado das experiências que o direito comparado fornece e dos acordos internacionais aceites na ordem jurídica interna, mormente em resultado do actual posicionamento de Portugal em relação à Europa das Comunidades.
O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Não admira, pois, a natureza fortemente inovadora que caracteriza os actuais Códigos de Registo Predial e Comercial quer quanto ao número de actos registáveis quer no tocante à técnica registrai que impõem.
Aumentou consideravelmente o número de factos registáveis, o que se traduz em mais trabalho, e os registos passaram a ser feitos de forma diferente, em prejuízo da economia de tempo que a rotina produz. Todavia, mantiveram-se praticamente intocados os meios humanos de que se dispunha.
Por outro lado, a desburocratização, que noutras áreas produziu bons frutos, não se traduziu em vantagem palpável para os serviços das conservatórias. Antes pelo contrário, quase sempre redundou em mais serviço para os funcionários, obrigando estes a passar longo tempo com explicações, a maior parte das vezes inúteis, e a suportar trabalho que os utentes bem poderiam fazer. São horas intermináveis que uns passam à frente do balcão, enquanto os outros, ali ao lado, não conseguem ter o ambiente que lhes permita a concentração necessária a quem faz coisas que exigem reflexão.
O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Para além do minucioso e complexo trabalho de análise dos documentos e de qualificação dos actos de registo, há ainda que tomar em conta disposições legais que dizem respeito a outras repartições públicas, como, por exemplo, as relacionadas com a liquidação de impostos e toda uma actividade de carácter administrativo que exige conhecimentos especializados, nomeadamente a escrituração, em diversos livros, das receitas e despesas da conservatória, que deve ter sido congeminada numa noite de maus sonhos acerca da honestidade do conservador e dos oficiais do registo.
Assim, o conservador, directamente ou sob sua atenta fiscalização já que é ele o responsável por tudo o que é feito na conservatória, incompreensivelmente, mesmo pelos actos que são da competência específica dos oficiais do registo -, o conservador, dizia, é obrigado a resolver cada vez mais e mais complicadas tarefas que exigem por vezes um profundo conhecimento jurídico de vários ramos do direito. E tem de o fazer a sós com os seus deuses, já que ali não há lugar para o exercício do princípio do contraditório, ao invés do que sucede com o juiz de direito, que, normalmente, se limita a seguir a posição expressa por uma das partes e que dispõe de meios de consulta de via jurisprudencial que ao conservador fenecem.
O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Não obstante, está muito longe de ser reconhecido ao conservador o valor social e a importância económica da sua função, especialmente quando
comparado com os seus colegas estrangeiros. Basta falar-se do caso do registrador de Ia propriedade, da vizinha Espanha, que goza do direito ao tratamento de senhoria em actos oficiais e que é, inclusivamente, melhor remunerado que os juizes de direito. De tal forma que, quando se aposenta nos primeiros números da 1.ª classe, tem direito a receber uma pensão que é igual ao vencimento do magistrado de término, categoria profissional que corresponde ao nosso juiz conselheiro.
A pouca importância que entre nós é dada aos conservadores, que, aliás, já gozaram de grande prestígio, deve-se à sua progressiva funcionalização.
O conservador não é, porém, um funcionário público tout court. A sua acção é de tipo jurisdicional, do domínio da jurisdição voluntária, desenvolvendo a sua actividade no chamado campo da administração pública de interesses privados. E exerce ainda uma verdadeira função de mediação e assessoria das partes, que ainda mais o distingue do verdadeiro e próprio funcionário público, aproximando-o do profissional livre, característica que é também comum aos notários e que, em grande medida, constitui a justificação para a iniciativa legislativa, que alguns Srs. Deputados do Partido Socialista pretendem ver aprovada nesta Câmara, relativamente à liberalização dos cartórios notariais.
O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Este não é um problema que nos preocupe nesta altura, mas lembramos que o Partido Socialista Espanhol (PSOE) vem fazendo diligências em sentido oposto, sobretudo em relação aos registros de a propriedade, que pretendem integrar completamente nos serviços do Estado, isto é, acabando com a sua liberalização. E parece que a França caminha no mesmo sentido.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Do que acabo de dizer, podem extrair-se algumas conclusões que representam outros tantos anseios que os conservadores, desde há anos, tem vindo a manifestar, por diversas e variadas formas: primeiro, é preciso libertar as conservatórias de tarefas administrativas que não lhes dizem respeito, nomeadamente de natureza fiscal;...
O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Muito bem!
O Orador: - segundo, convém simplificar a forma de escrituração das receitas e despesas das conservatórias, devendo os conservadores e oficiais do registo ser pagos através da folha processada pelos serviços do Gabinete de Gestão Financeira;...
O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Muito bem!
O Orador: - terceiro, é necessário responsabilizar directamente os oficiais do registo pelo serviço executado no exercício das funções para que têm competência específica; quarto, deverá reduzir-se o horário de atendimento ao público e criar-se condições de trabalho para a execução dos actos de registo;...
O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Muito bem!
O Orador: - quinto, os conservadores e os oficiais do registo deverão auferir uma remuneração que seja compatível com o valor e a complexidade das suas funções.
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O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Felizmente que uma luz de esperança desponta na madrugada de um dia que já está próximo. Encontram-se em adiantada fase os trabalhos de revisão da Lei Orgânica dos Registos e do Notariado, ao mesmo tempo que se têm dado passos firmes em relação ao estatuto remuneratório da classe. É um acto de justiça, e a justiça não se agradece, mas os conservadores e os oficiais do registo saberão reconhecer o grau de disponibilidade que o actual Governo tem revelado perante as suas já velhas e legítimas aspirações.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Coelho.
A Sr.ª Paula Coelho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Realizou-se, de 16 a 18 de Novembro, no Alvor, o IV Encontro Nacional de Juventude. Reuniu mais de SOO jovens em representação de perto de duas centenas de associações juvenis, representativas dos mais diversos sectores e áreas de intervenção: desde as organizações políticas de juventude que quiseram participar até às associações juvenis de âmbito local, passando pelas associações de estudantes do ensino secundário, superior e trabalhadores, estudantes, federações de associações juvenis, entre outras.
Foi uma grande realização de juventude. De entre todos os encontros nacionais de juventude realizados, foi este o que contou com o maior número de associações juvenis participantes. Foi o primeiro em cuja organização participaram, desde o início, as componentes mais representativas do movimento juvenil: o CNJ, as federações de associações juvenis e representantes das associações de estudantes do ensino superior e secundário, tal como havia sido decidido no m Encontro Nacional de Juventude, realizado em Tróia, em Outubro de 1989.
Lamentavelmente, nem todos estes viriam a participar.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - A organização foi sectária!
A Oradora:-O Conselho Nacional de Juventude e algumas organizações que o integram, entre elas a JSD e a JS, decidiram não participar. Foi um facto que lamentamos! Consideramos que a sua intervenção teria sido enriquecedora dos debates e, porventura, das conclusões. No que se refere ao CNJ, pensamos-e foi essa a posição manifestada pela JCP ter sido precipitada a sua decisão de não participar no Encontro.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Já no que se refere à JSD, consideramos profundamente lamentável a intervenção aqui feita, antes do Encontro, pelo Sr. Deputado Carlos Coelho, que o considerava uma iniciativa manipulada e não representativa. A realidade viria prontamente a desmenti-lo. No Alvor, participaram jovens de todos os quadrantes políticos, incluindo, naturalmente, elementos da JSD, e foi opinião unânime dos participantes o carácter amplamente democrático e representativo do IV Encontro Nacional de Juventude.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Foi manipulado!
A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O IV Encontro Nacional de Juventude foi um grande espaço de convívio, de amizade, mas também de debate sobre problemas que hoje afectam os jovens. Os debates nos seminários foram vivamente participados e as conclusões do Encontro demonstram uma inequívoca disposição dos jovens de se oporem à política antijuvenil deste Governo, que tem vindo, recentemente, a ser demonstrada pelas acções de contestação levadas a cabo, designadamente pelos estudantes das Universidades de Coimbra e Porto em tomo de problemas específicos das suas faculdades, que são espelho da caótica situação que a política do Governo criou ao ensino superior.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Estas lutas são justas e merecedoras da nossa solidariedade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Daqui convidamos os membros do Governo e os Srs. Deputados a lerem com atenção as conclusões aprovadas no IV Encontro Nacional de Juventude, que constituem uma análise crítica e aprofundada da política do Governo em vários sectores de interesse juvenil e que contêm um conjunto de propostas das mais diversas áreas, que devem merecer a maior atenção da parte de todos os órgãos de soberania.
De entre as conclusões aprovadas, é importante salientar: no domínio do serviço militar obrigatório, a necessidade da efectiva redução do tempo de prestação, a elevação substancial do valor do pré, os transportes gratuitos para os jovens durante o tempo de prestação, bem como a melhoria generalizada das condições de alimentação, alojamento e higiene nos quartéis e pela regionalização do contingente.
Em relação à reforma educativa, foi salientada a necessidade urgente de generalizar o acesso à educação, à modernização das infra-estruturas educativas (hoje, em muitos casos, em patente degradação). O Encontro foi claro ao rejeitar a criação da figura de secretário-geral da escola, preconizado no projecto de decreto-lei do Governo sobre gestão escolar.
Como não poderia deixar de ser, o acesso ao ensino superior esteve presente no debate, tendo o Encontro salientado que o mesmo é injusto e não serve os interesses do País, causando graves problemas à vida daqueles milhares de estudantes que todos os anos ficam de fora do ensino superior.
O Encontro decidiu repudiar vivamente os cortes orçamentais, que estão, desde já, a condicionar o regular funcionamento dos estabelecimentos de ensino superior público.
Forte contestação teve também o sistema de apoio social escolar, que hoje vigora, nomeadamente no que se refere aos critérios de atribuição de bolsas.
O mundo do trabalho não foi esquecido e os problemas principais foram caracterizados em dois aspectos centrais: a precarização e os vínculos contratuais que têm vindo a aumentar assustadoramente o trabalho infantil como um flagelo social, que é urgente eliminar completamente.
Foi decidido, por unanimidade, propor a alteração da legislação sobre o subsídio de desemprego e de inserção dos jovens na vida activa.
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Foram ainda manifestadas pelos jovens presentes as preocupações existentes em relação ao ambiente, afirmando que continua a faltar uma verdadeira política de ambiente, apresentando propostas concretas no que diz respeito à urgente elaboração dos planos regionais de ordenamento do território, implementação de um plano de reflorestação, medidas legais que impeçam a especulação dos solos e das madeiras queimadas, efectiva protecção da Zona Económica Exclusiva, nomeadamente no que diz respeito à limpeza dos depósito dos petroleiros.
Estas são algumas das principais conclusões a que chegaram os jovens participantes no IV Encontro Nacional de Juventude, que, pela sua importância, entendemos ser nosso dever fazer chegar ao Plenário da Assembleia da República.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Carlos Coelho, V. Ex.ª pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Para defesa da consideração, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr.ª Deputada Paula Coelho, pedi a palavra por duas incorrecções essenciais que a Sr.ª Deputada cometeu na sua intervenção.
Não quero, no entanto, deixar de começar por referir que sintomaticamente as conclusões desse Encontro vêm a esta Assembleia pela sua voz, pela voz de uma deputada comunista. De outra forma, não poderia ser.
Em primeiro lugar, a Sr.ª Deputada Paula Coelho identificou, erradamente, a JSD e presumo que também a JS, tanto quanto ouvi-pela decisão de não participar no Encontro do Alvor, decisão essa que disse lamentar. Isso não é rigorosamente verdade. Sabe bem que a JSD e a JS não decidiram, tal como tentou dizer através do seu discurso, não participar naquele Encontro. O que aconteceu é que o Conselho Nacional de Juventude abandonou a organização e, com raríssimas excepções (particularmente, a JCP, a Intersindical, bem como a FL), todas as organizações nacionais de juventude decidiram acatar a decisão daquele conselho. Portanto, isto é ligeiramente diferente do que a Sr.ª Deputada disse. Não se tratou, pois, de uma decisão partidarizada.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Mas o senhor tentou partidarizar aqui!
O Orador: - Não foi a JSD que decidiu «bater com a porta», nem sequer a JS mas pela JS falarão outros-, mas, foi sim, o Conselho Nacional de Juventude, ou seja, a totalidade das organizações nacionais de juventude, excepto aquelas que estavam influenciadas pela JCP.
A segunda questão consistiu no facto de a Sr.ª Deputada Paula Coelho tentar iludir os Srs. Deputados e a opinião pública, dizendo que aquele foi um encontro pluricolor, porque estavam lá sociais-democratas. De facto, estavam lá sociais-democratas, democratas-cristãos e outros. Porquê? Porque estavam lá as organizações locais de juventude e, destas, naturalmente que estavam pessoas de todas as correntes do pensamento. Agora, não é isso que faz a representatividade deste encontro, excluídas que estavam logo pela organização as organizações nacionais de juventude.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, atingiu o limite de tempo disponível.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr.ª Presidente, julgo que tenho direito a três minutos.
A Sr.ª Presidente: - Exactamente.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Estou a falar há dois minutos, Sr. Presidente.
A Sr. Presidente: - O registo indica-nos 3,2 minutos.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr.ª Presidente, indica dois minutos. Julgo que a indicação no quadro de registo, neste caso, é a que vem em baixo do lado direito, a menos que tenha mudado...
A Sr.ª Presidente: - Na dúvida, vou dar-lhe a palavra para intervir mais um minuto, mas julgo que está errado, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Julgo que estava a seguir exactamente esse indicador, Sr.ª Presidente. Presumo que 3,2 é um somatório e não tem a ver com esta contagem. Mas, se V. Ex.ª me permite, concluo dizendo que não é pelo facto de existirem cinco ou dez sociais-democratas, no meio de 600 elementos jovens que lá estavam que toma representativo o Encontro, pelas razões que, aliás, tive ocasião de salientar aqui, em declaração política, na semana passada.
Sr.ª Deputada, para terminar, dir-lhe-ei o seguinte: se mais razões precisássemos para identificar política e partidariamente as conclusões deste Encontro, bastariam as declarações da Sr.ª Deputada. É que, de facto, há uma coincidência notável entre as conclusões do Encontro e as metas essenciais da JCP, as referências que fez à política antijuvenil e uma linguagem muito própria da JCP, sempre que se refere à política bem sucedida deste Governo em matéria de juventude, e não posso esquecer que o Sr. Deputado Carlos Brito - e com isto termino, Sr.ª Presidente - dizia-me, há uma semana, nesta Casa, que mais eloquente do que a resposta da Sr.ª Deputada Paula Coelho seriam, com certeza, as conclusões deste Encontro do Alvor, que não é o Encontro Nacional da Juventude Portuguesa.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Carlos Coelho, V. Ex.ª linha razão. Por qualquer motivo, há duas contagens de tempo no quadro, mas a debaixo era realmente a que estava a correr. A Mesa apresenta as suas desculpas.
Para dar explicações, tem a palavra a Sr.ª Deputada Paula Coelho.
A Sr.ª Paula Coelho (PCP): - Em primeiro lugar, gostaria de dizer que muito me honra, bem como à bancada do Grupo Parlamentar do PCP, lermos sido os últimos, no que refere quer ao III quer no IV Encontros Nacionais de Juventude, a trazer aqui, ao Plenário da Assembleia da República, as conclusões desses encontros tão importante, como têm sido os Encontros Nacionais de Juventude...
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A Sr.ª Rosa Costa (PSD): - Eram os únicos!
A Oradora: - Não! A Sr.ª Deputada não sabe, mas, no III Encontro Nacional de Juventude, a JSD também esteve presente e nós fomos os únicos que viemos ao Plenário trazer as suas conclusões e o mesmo foi feito em relação ao IV Encontro Nacional de Juventude.
Quanto a este último, gostaria rapidamente de dizer o seguinte: creio que é lamentável e isso ficou claro neste hemiciclo que a JSD, desde o inicio e mais visivelmente no final do Encontro, tudo tenha feito para tentar fazer crer que ele era da JCP,...
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Reformaram o carácter do Encontro!
A Oradora: -... que era sectário (palavras do Sr. Deputado Carlos Coelho), enfim que seria apenas da JCP e da Inforjovem. De acto, este Encontro teve a presença de importantíssimas estruturas do movimento associativo. Neste sentido, lembro-lhe a presença ali da Associação Académica de Coimbra, da Federação das Associações do Porto e da Associação Académica de Lisboa. Gostaríamos muito de ter mais militantes da JCP nessas estruturas, mas, infelizmente, até não lemos...
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Se não têm mais militantes, como é que poderiam ter...
A Oradora: - Mas temos noutras estruturas.
Creio que quem estiveram isoladas, em relação a este Encontro, foram as organizações de juventude ausentes. Também será justo referir o papel que a JSD teve, se calhar, junto de algumas organizações do próprio Conselho Nacional de Juventude, para que este tomasse a decisão de não participar neste IV Encontro Nacional de Juventude.
Por outro lado, gostaria de dizer que as conclusões que foram aprovadas muito nos honram, pois só quer dizer que as posições que a JCP tem tomado são, de facto, aquelas que os jovens também defendem. Com efeito, as conclusões aprovadas no IV Encontro Nacional de Juventude foram extremamente importantes, traduzindo o sentir das mais de são estruturas associativas aí representadas. Penso que não houve nenhum encontro que tenha conseguido reunir tantas estruturas associativas para discutir os problemas juvenis e que estas tenham chegado a conclusões tão importantes quer no aspecto reivindicativo quer na análise à situação caótica que o Governo tem provocado em relação às questões ligadas à juventude portuguesa.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Isso é uma grande cambalhota! Inteligente, mas não verosímil!
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.
O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A natureza social do Homem, a sua necessidade intrínseca de diálogo e de convívio, o desejo de novos conhecimentos de formas mais aprofundadas e específicas de cultura, a ânsia de debate de questões e perspectivas que a situação política então vigente
impedia, foram algumas das razões justificadoras da génese e desenvolvimento da malha imensa de colectividades que existem por todo o País.
As bandas de música, tunas, coros e orfeões, grupos folclóricos, sociedades de recreio, grupos de teatro, clubes de bairro, academias musicais, constituem este vasto e multifacetado conjunto de tão grande importância na nossa vida colectiva.
Tais instituições foram, ao longo de muitas gerações, a única escola autêntica de aprendizagem, o único fórum de debate, a única possibilidade de recreio de um número incontável de cidadãos do nosso País.
Seria natural, à luz da política do regime deposto, um olhar desconfiado e reticente perante tal realidade. Não foram, por essa razão, benquistas aos detentores do poder de então. Muitas delas, viveram em situação de semiclandestinidade que, longe de constituir uma compreensível desmotivação, era para os seus responsáveis um autêntico lenitivo para a sua actividade.
Não foi, pois, por acaso que, devolvida a democracia aos Portugueses, muitos foram os dirigentes de colectividades que foram convidados a assumirem os mais diversos cargos na vida política, com particular incidência nas autarquias.
Pelo vasto contacto com as colectividades que a minha condição de autarca me proporciona, lenho constatado a inquestionável dedicação dos seus dirigentes, o seu enorme desapego a honrarias de distinções.
Da sua acção persistente têm beneficiado as comunidades locais, que vêem neles os seus indispensáveis animadores de colectividades, das quais elas são as maiores beneficiárias.
Se é verdade que esta intervenção pode ser considerada uma homenagem às colectividades e aos seus dirigentes, não é, contudo, esse o seu principal objectivo.
Inúmeras dificuldades são os companheiros incómodos e indesejados destas instituições. Vivem, em boa parte dos casos, com receitas oriundas das quotizações dos seus associados e de um ou outro subsídio das autarquias locais.
Confrontadas permanentemente com despesas crescentes, que as condições de habitabilidade das suas sedes e necessidades de equipamento exigem, têm uma vida económica extremamente difícil.
Face à sua evidente importância e às constantes limitações, bem merecem uma atenção diferente do poder central.
A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Muito bem!
O Orador: - Nem sempre a sua acção tem sido compreendida pelos responsáveis da Direcção-Geral de Acção Cultural, que responde mal às solicitações legítimas que lhes são apresentadas.
Por outro lado, o apoio estatal à construção e reparação das suas sedes sociais é concedido de forma muito restrita e é rodeado de peias burocráticas incompreensíveis.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A acção relevante das colectividades e o seu papel decisivo no desenvolvimento sociocultural do País aconselham a uma maior atenção e apoio das entidades responsáveis, que não se poderá quedar por insignificantes subsídios que nada resolvem.
São, pois, urgentes as medidas de acção consequente que permitam a valorização do meritório trabalho já existente.
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Vozes do PRD: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário da Mesa vai proceder à leitura do voto n.º 174/V, de pesar, apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP.
O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - Srs. Deputados, o voto de pesar 6 do seguinte teor.
Morreu Michel Giacometti, personalidade admirável que, ao longo de mais de três décadas, procedeu, como ninguém, ao exaustivo inventário e à divulgação da música popular do nosso País.
Vindo da Córsega, em Portugal deixou nascer as raízes que seriam o sinal perdurável de uma paixão humano vivencial, cultural e de cidadania. Protagonizou o rasgar de percursos riquíssimos no desvendamento dos cantares do povo, remotos ou próximos dos dias que vivemos, empreendendo um impressionante labor na recolha e no tratamento de um espólio que, assim, ganhou o direito ao futuro.
Fraterno e solidário, espalhou pelas aldeias recônditas e espaços de convívio urbano amizades límpidas e o arroio de uma mensagem de esperança. Por expressa vontade, foi sepultado na terra (Pão Guarda, Ferreira do Alentejo) em que iniciara a aventura de uma vida em busca das nossas vozes profundas. Se a pátria de Camões, dos trovadores e romanceiros singulares não foi para Giacometti um «lugar de exílio», queremos nós, neste momento de dor, que lhe não seja madrasta pelo injusto esquecimento.
Daí que, reunida, em sessão plenária, a 28 de Novembro de 1990, a Assembleia da República exprima, na morte de Michel Giacometli, um fundo sentimento de pesar e o desejo de que a sua memória fulgure nas acções vivas que hão-de projectar-lhe a obra ímpar.
A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação deste voto de pesar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca, José Magalhães e Raul Castro,
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
A Sr.ª Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr.ª Presidente, ao abrigo das disposições regimentais aplicáveis, solicito a interrupção dos trabalhos por 30 minutos.
A Sr.ª Presidente: - É regimental, pelo que está concedido.
Srs. Deputados, está interrompida a sessão.
Eram 17 horas e 40 minutos.
Entretanto, assumiu, a presidência o Sr. Vice-Presidente Mata Nunes de Almeida.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 25 minutos.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entrados no período da ordem do dia, vamos proceder às votações agendadas.
Vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 284/V, que reforça os direitos e garantias dos jovens em prestação do serviço militar obrigatório, apresentado pelo PCP.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS, votos a favor do PCP e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro e abstenções do PS e do PRD.
Vamos agora votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 582/V, que cria o Conselho para o Serviço Militar Obrigatório, apresentado pelo PCP.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do PS e do CDS, votos a favor do PCP e dos deputados independentes João' Corregedor da Fonseca e Raul Castro e a abstenção do PRD.
Passamos, de seguida, à votação do projecto de deliberação n.º 107/V, que estabelece um calendário dos trabalhos parlamentares com vista à instituição concreta das regiões administrativas do continente, apresentado pelo PCP.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.
Srs. Deputados, vamos agora votar o projecto de deliberação n.º 111/V, sobre a metodologia e calendário da regionalização, apresentado pelo PS.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.
Srs. Deputados, passamos a proceder à votação final global do texto final da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo à proposta de lei n.º 134/V, da iniciativa da Assembleia Regional da Madeira, sobre o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.
Pausa.
Srs. Deputados, encontra-se na Mesa um requerimento, subscrito, nos termos regimentais, por deputados do PS, requerendo, ao abrigo do artigo 155.º do Regimento, a avocação pelo Plenário da votação, na especialidade, dos artigos 8.º, 10.º, 17.º, 29.º, 30.º, 41.º, 49.º, 59.º, 60.º, 65.º e 69.º desta proposta de lei n.º 134/V.
Informo ainda os Srs. Deputados de que deram entrada na Mesa mais quatro requerimentos de avocação, subscritos por deputados do PCP, relativos aos artigos 10.º, 12.º e 29.º, n.º 1, alínea j), desta proposta de lei.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
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O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, quero colocar-lhe a seguinte questão e solicitar uma posição da Mesa sobre esta matéria.
O processo de aprovação dos estatutos das regiões autónomas é um processo legislativo especial e, como tal, vem regulado no Regimento. Ora, salvo melhor opinião, parece-me que as avocações a Plenário têm um quadro extremamente restrito, no qual, em princípio, não me parece que se insiram as avocações requeridas pelo PS e pelo PCP.
Explicando um pouco o meu raciocínio, direi que a Assembleia Legislativa Regional envia para a Assembleia da República uma proposta de lei de estatuto, a mesma 6 apreciada e votada na generalidade, baixa à comissão para discussão na especialidade -foi, aliás, uma alteração introduzida no Regimento que levou à discussão, na especialidade, em comissão, pois, anteriormente, essa discussão era feita em Plenário- e, introduzidas as alterações decorrentes dessa discussão na especialidade, o texto 6 enviado à Assembleia Legislativa Regional para emissão de parecer, sendo de novo remetido à Assembleia da República, submetido à comissão e, posteriormente, apresentado um texto para votação final, em Plenário.
Diz o n.º 3 do artigo 172.º do Regimento que «as sugestões de alteração eventualmente contidas no parecer da assembleia regional podem ser incluídas em texto de substituição ou ser objecto de propostas de alteração a apresentar ao Plenário». Ora, no parecer da Assembleia Legislativa Regional da Madeira não há sugestões de alteração. Consequentemente, não me parece que, nesta sede, se possa permitir a apresentação de propostas correspondentes a avocações pelo Plenário.
Por conseguinte, no meu entendimento, e de harmonia com o artigo 172.º do Regimento, conjugado com o artigo 228.º da Constituição, exclusivamente nesse quadro, poderia haver avocações. É que qualquer alteração, mesmo de vírgula, que pudesse resultar de avocações pelo Plenário da Assembleia da República obrigaria a que, de novo, o texto voltasse à Assembleia Legislativa Regional da Madeira para emissão de novo parecer, que seria remetido de novo a Plenário, reabrindo-se o processo, eventualmente com mais avocações e nunca mais acabaria!
Nestes termos, essa interpretação da possibilidade de avocações fora do quadro restrito de acolhimento de sugestões expressas da Assembleia Legislativa Regional redundaria num processo infindável que bloquearia a aprovação do estatuto e, Consequentemente, conduziria a uma interpretação que, pela sua manifesta falta de senso e pelo seu absurdo, não pode, de forma alguma, ter acolhimento.
Portanto, quero deixar esta questão à consideração da Mesa, no sentido de que, fora do quadro restrito vertido no n.º 3 do artigo 172.º, não me parece, face ao disposto no artigo 228º da Constituição e a esta norma regimental, que possa haver avocações que extravasem o âmbito restrito de acolhimento de sugestões de alteração que a assembleia legislativa regional tivesse eventualmente sugerida É que o próprio Regimento fala em «eventualmente contidas», sendo que, neste caso, o parecer não contém sugestões de alteração ao texto aqui aprovado. Com efeito, manifesta uma discordância relativamente a essas aprovações, mas, na verdade, não contém quaisquer sugestões de alterações susceptíveis de serem acolhidas e trazidas a Plenário por via de avocações.
É pois, esta a questão que coloco à Mesa.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, a Mesa teve oportunidade de se debruçar sobre este debate já na perspectiva de que algo pudesse surgir. E a Mesa chegou à conclusão, em primeiro lugar, de que aquilo que é permitido à comissão, por força de razão, deve ser permitido ao Plenário e, em segundo lugar, de que a apreciação em Comissão e a discussão e votação seguem o processo normal legislativo. Como tal, não vejo que o Plenário não possa fazer a avocação de artigos para que estes aqui sejam debatidos. Np entanto, tendo em conta que esta é uma situação melindrosa, permito-me sugerir que, em vez de estarem aqui a dirimir esta questão em Plenário, os líderes parlamentares se juntassem com a Mesa para uma breve troca de impressões a fim de decidirmos o que melhor serve a Região Autónoma da Madeira, uma vez que é isso que aqui nos traz hoje.
Assim, Sr. Deputado, interromperei os nossos trabalhos por cinco minutos. Solicitava aos Srs. Deputados que não se afastassem do Plenário para que possamos continuar os nossos trabalhos a fim de os terminarmos o mais cedo possível.
Eram 18 horas e 42 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 19 horas.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, antes de iniciar a minha intervenção queria confirmar a posição da Mesa sobre esta matéria.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Guilherme Silva, a Mesa mantém a decisão, que anunciou, da possibilidade de existência de avocação.
O Orador: - Sr. Presidente, queria dizer o seguinte: não obstante o nosso entendimento ser aquele que enunciámos, não queremos de forma alguma que a nossa posição seja tida como tendente a cercear os poderes do Plenário e as expectativas que todos os grupos parlamentares tinham de intervenção e de avocação a Plenário de algumas disposições, designadamente durante o decurso dos trabalhos da 3.º Comissão quando se debateu na especialidade o estatuto da Região Autónoma da Madeira. Nessa circunstância, não nos opomos a que se façam as avocações, sem prejuízo de este ponto regimental, que é sem dúvida pelo menos duvidoso, vir a ser aclarado em momento próprio de revisão do Regimento.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente:-Sr. Deputado José Manuel Mendes deseja apresentar as avocações que tem na Mesa?
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, eu creio que a magnitude do debate propiciará que eu escolha um caminho com abertura regimental, um tanto autónomo, que é o de fazer uma declaração em que envolvo a apresentação das razões das avocações no seu conjunto. Pedia, pois, à Mesa que me fosse dada a palavra com este objectivo.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, eis-nos, finalmente, em porto seguro. Após os tormentos da viagem, as vagas naturais e as que de modo artificial se lhe associaram. 14 anos depois de uma partida esperançosa, expedita mas imperfeita, carecida de modificações que tardariam. O Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira aí estará muito em breve, escanhoado quanto possível, conquanto exibindo na face tufos rebeldes de penugem malsã.
Diremos aos Madeirenses e aos Portugueses que, vencidos os entraves erguidos pelo PSD e pelo Dr. Alberto João Jardim, se põe termo a um diploma cuja provisoriedade se ia tomando de pedra corroída pela inadequação, pelo erro, pela manifesta insuficiência.
Diremos que o novo texto legislativo, beneficiando de um quadro constitucional propício e enriquecido em 1989, responde às exigências da autonomia regional, assumindo-se como um corpo de normas flexíveis e responsáveis, capazes de garantir relações institucionais sadias, a par do desenvolvimento económico-social.
Diremos que o cais do presente, consagrando as expectativas da vida, é ainda uma instancia de largada. Há muito a fazer no sentido do progresso e da justiça, dificuldades a superar, rumos a corrigir, práticas iníquas a erradicar. Isto afirmado, imporia sublinhar que persistem em aberto questões relevantes, designadamente no âmbito financeiro. As negociações entre as entidades regionais e o Governo de Cavaco Silva não se saldaram por um clima de descrispação frutuosa. Pelo contrário, inquinaram as águas, concluíram-se por situações não raro centralistas e por um capital de queixa que se destinará a render em tempo e terreno perversos. Terá o facto determinado a razão da recusa in totwn, por parte da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, das benfeitorias introduzidas pelo consenso da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias? Talvez sim, e ainda mal! Por muito que se compreendam os motivos tácticos da postura, era de esperar gesto mais consentâneo com a atmosfera cooperante de que nasceu o articulado que iremos votar.
Cabe aqui referir as posições que defendemos aquando da apreciação na generalidade. No seguimento da leitura do molde que se inscreve na Constituição da República para as autonomias, com o arrolamento de ganhos e perdas, acentuando estas com patente satisfação, sinalizámos os traços de novidade da proposta originária, aqueles em que se detectavam as lógicas de aproximação ao legítimo e ao razoável, bem como os que traduziam a renúncia a velhos propósitos nocivos e inarrematáveis porque feridos de inconstitucionalidade e politicamente inaceitáveis. Destacámos, com clareza, os núcleos subsistentes de violação da nossa lei fundamental e os que, em sede de escolha legiferante, advogando o imperativo de uma severa poda de especialidade, se colocavam. Essa operação ocorreu valha a verdade em escala significativa. Para lá dos melhoramentos técnico-redactivos, inúmeros, foram ficando pelo caminho os preceitos que pior se insinuavam, com excepção dos que, pela sua gravidade, sobrevivendo, impuseram que recorrêssemos ao instituto da avocação.
Neles me deterei. Os artigos 10.º, 11.º e 12.º, retomando a tentativa por parte do PSD de alargar, ineditamente, o colégio eleitoral, configurando regras de engenharia ilídima, violam o princípio da proporcionalidade no apuramento da representação popular e introduzem mecanismos inconstitucionais de conformação do poder. Aquém e além dos círculos uninominais e de quanta justificada controvérsia alimentam, avultam alterações inidóneas nas cotas de eleitores recenseados necessários à eleição de deputados, ampliações do direito de voto para os emigrantes, a fixação de requisitos de elegibilidade que entendemos incontestáveis.
O propósito é óbvio: favorecer modelos eleitorais que diminuam o peso institucional das oposições e promovam a perpetuação da «maioria laranja». Quaisquer que sejam as roupagens, os discursos e os argumentos de índole tecnicista. Não corroboraremos naturalmente o intuito nem os instrumentos que o servem e agiremos em conformidade, na Assembleia da República e fora dela.
Flagrantemente agressor da Constituição é o n.º 4 do artigo 65.º, lesivo de um direito indeclinável dos trabalhadores: o direito de greve. O problema é conhecido, a circunstância de se pretender outorgar dignidade estatutária a uma má norma de legislação comum não é aplaudível nem permite a menor contemporização.
Por último e a título emblemático, segundo uma atitude de não exaustividade, chamámos à apreciação do Plenário a norma constante da alínea j) do n.º 1 do artigo 29.º que, claramente, contende com regras de autonomia financeira da Região Autónoma da Madeira e que julgámos ser uma intromissão compressora, por parte do PSD/Governo/Maioria nesta Casa, em justas aspirações dos representantes da Madeira, os que aqui têm assento e os que lá, na Assembleia Legislativa ou na sociedade civil, gostariam de ver consagrados preceitos bem mais conformes com a Constituição. Chamámos à avocação este artigo apenas para demonstrar que quem tem um discurso a favor das autonomias e uma prática que lhe é oposta é o PSD, que, no hemiciclo, votará como vai votar. Nós, hoje como no passado, assumimos uma postura claramente coerente, afirmativa e ponderada.
Em todo o caso, Sr. Presidente, Srs. Deputados, o que acaba de asseverar-se comprova que o texto que, dentro em breve, se transformará em lei nada tem a ver, em muitíssimos aspectos centrais, com aquele que aqui aportou, inçado de inconstitucionalidades, altamente imperfeito, num belo começo de tarde em que o debate da generalidade teve lugar. Quanto produzimos em Comissão foi não apenas em benefício de uma melhoria técnica e legislativa elementar, mas, acima de tudo, em favor da escorreiteza política e institucional que se nos exigia.
Eis-nos, pois, chegados, como principiei por lembrar, a bom porto. Com isso nos congratulamos. O momento é fogueiro para a Região Autónoma da Madeira, para nós, presentes - porventura escassamente - e para a democracia portuguesa, apesar das sombras cujo desenho apenas se esboçou. Que sejam igualmente fecundas as vindouras instâncias de aprofundamento da experiência autonômica nas malhas condignas da Constituição e do Estatuto, já não decerto provisório, que vamos aprovar.
Aplausos do PCP e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca, José Magalhães e Raul Castro.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há inscrições, vamos proceder à votação dos requerimentos de avocação. A questão que coloco à consideração dos Srs. Deputados chamo a vossa atenção para ela é no sentido de saber se estão de acordo em que se votem os quatro requerimentos em conjunto, três do PCP e um do PS.
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O Sr. Mota Torres (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Mota Torres (PS): - Sr. Presidente, queria interpelar a Mesa, no sentido de saber se, eventualmente, a Mesa já mandou distribuir algumas propostas que não chegaram ainda às bancadas. E que a bancada do PS ainda não tem todas as propostas.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, devem estar a ser distribuídas brevemente.
Srs. Deputados, vamos votar os requerimentos de avocação.
Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Helena Roseta e Carlos Macedo.
Srs. Deputados, entramos agora na discussão do artigo 8.º Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Muito brevemente, Sr. Presidente, para alertar para a circunstância de, em nosso entender, este dispositivo poder vir a ser considerado inconstitucional. Não é uma inconstitucionalidade clara, eu desejaria, inclusivamente, que o Tribunal Constitucional sobre ela se não pronunciasse em sentido negativo, mas existe esse risco e é minha obrigação deixar o alerta Na medida em que se diz, no n.º 2, que, nos termos da Constituição, a Região tem sistema fiscal próprio resultante da adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais, esquece-se que a Constituição diz também que a região tem poder tributário próprio e regime fiscal adequado nos termos da lei-quadro.
Se na mesma alínea do mesmo artigo se fala em regime tributário próprio e sistema fiscal adequado, falando em sistema fiscal nacional, parece-me que correremos o risco de, por esta razão, não ser ainda esta a versão do estatuto definitivo. Não vem daqui mal ao mundo, não se tratando de estar aqui a levantar um grave problema de fundo, mas trata-se de incorrermos no risco de não ser ainda este o texto definitivo do estatuto da Região Autónoma da Madeira.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, queria dizer o seguinte relativamente a esta intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos: penso que esta questão é quase discutir o sexo dos anjos porquanto não é a circunstância de se referir que a Região tem sistema fiscal próprio que vai, de forma alguma, criar aqui uma inconstitucionalidade, ainda que muito longínqua, pois diz-se logo nessa disposição qual é esse sistema fiscal que se rotula de próprio, ou seja o sistema fiscal que resulta, nos termos da Constituição, da adaptação do sistema fiscal nacional às sociedades regionais.
Há um sistema fiscal nacional e o sistema fiscal nacional da região tem de ser adaptado às suas especificidades regionais, sendo essa circunstância de adaptação às necessidades regionais, que o toma próprio da região e, neste quadro, não pode haver, de forma alguma, inconstitucionalidade.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado, correndo-se este mesmo risco disse-se uma vez que o primeiro estatuto definitivo da Madeira tinha regime judicial próprio, só que a norma que assim dispunha foi declarada inconstitucional. Por isso, a questão que levantei não é tanto o «sexo dos anjos» como parece, mas sim o nome deles. E o nome dos anjos é muito importante, pois não é indiferente ser o anjo Querubim ou o anjo Delfim. O que é facto é que houve uma declaração de inconstitucionalidade por este mesmíssimo problema, por uma simples questão de qualificação. Também aí se punha o problema da adaptação do sistema judicial, mas chamou-se-lhe «próprio» e o Tribunal declarou essa norma inconstitucional. Devo dizer que não desejo que o faça, mas receio que o venha a fazer.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, só lhe direi que há uma diferença fundamental. É que neste caso é a própria Constituição a dizer que haverá uma adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais, ao contrário do que acontece em relação à organização judiciária. Portanto, eu penso que a questão está na circunstância de essa adaptação ser ou não prevista constitucionalmente e não no rótulo de «próprio» que aqui lhe é dado. E explica-se claramente o que é esse próprio. O próprio é o que resulta da adaptação do sistema fiscal nacional. Poderia ser inconstitucional se deixasse rédea solta para a criação de um qualquer sistema fiscal próprio. Mas não se deixa essa rédea solta porque está lá, é aquele que a Constituição prevê e só aquele, isto é, o que resulta da adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Congratulo-me com o sentido final da intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos, que, para além de ter reconhecido a importância dos anjos e dos seus nomes, não deixou de sublinhar que o risco de declaração de inconstitucionalidade era muito limitado pela própria referencia à Constituição com que se introduz este n.º 2. E o Sr. Deputado Guilherme Silva acrescentou alguma coisa importante, que é o facto de, além disso, se definir o que é o sistema fiscal próprio que, efectivamente, é só próprio neste sentido e nos termos consentidos pela Constituição.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Direi apenas que todos nós conhecemos os limites do factor histórico na hermenêutica jurídica. Daí que a declaração produzida pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, apoiada pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito, valha, seja importante, mas possa não ser decisiva para uma instância de controlo de constitucionalidade da norma que estamos a apreciar. Sistema fiscal próprio é diferente
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de sistema tributário próprio. A Constituição diz o que quer dizer e não outra coisa, pelo que se impõe deixe aqui patentes as inquietações que temos neste domínio.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais pedidos de palavra, encerramos o debate relativamente a este artigo e vamos votar a proposta de substituição do n.º 2 do artigo 8.º
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca, José Magalhães e Raul Castro.
Era a seguinte:
2 - A Região adaptará o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de lei-quadro da Assembleia da República.
Srs. Deputados, passamos à discussão relativa ao artigo 10.º
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito sucintamente, neste caso não se trata de uma inconstitucionalidade duvidosa, mas de uma inconstitucionalidade patente, pelo menos a meus olhos, e que vai, seguramente, inviabilizar a aprovação definitiva deste estatuto. Se, como é provável, o Presidente da República se der conta desta inconstitucionalidade exercerá o seu direito de submeter o diploma a fiscalização preventiva e não tenho grandes dúvidas que o Tribunal Constitucional a declarará inconstitucional. Essa é a minha opinião, não é mais do que isso, mas de qualquer modo deixo aqui também esta advertência.
E porquê? Porque diz que cada município constitui um circulo eleitoral - muito bem-mas depois diz que cada um dos círculos referidos no número anterior elegerá um deputado por cada 4000 eleitores recenseados ou por fracção superior a 2000. E, sabendo nós que já com 3500 havia na Madeira dois círculos que não chegavam a eleger um deputado, subindo para 4000 é óbvio que isso agrava a inconstitucionalidade.
Como se sabe há um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que abriu uma excepção, ela própria de duvidosa constitucionalidade, mas que ainda tem alguma justificação racional, que é o caso de Porto Santo por se tratar de uma ilha e se entender que, tal como nos Açores, cada ilha deve ter uma voz própria. Todos estamos de acordo com isso, mas acontece que os círculos da ilha da Madeira não são todos ilhas, são concelhos de uma ilha só.
No entanto, acontece que, segundo o n.º 3, cada círculo elegerá sempre, pelo menos, dois deputados. Querendo fugir-se à uninominalidade agravou-se a inconstitucionalidade, porque cada vez estamos mais longe da aplicação da regra da proporcionalidade na conversão de votos em mandatos. Isto a mim parece-me de uma clareza cristalina e não sei a razão por que essa norma ficou neste estatuto, donde foram retiradas, por proposta nossa, e com bom senso, tantas incostitucionalidades que o texto continha, só que neste caso o bom senso não permaneceu.
O n.º 4 também é inconstitucional, na medida em que diz que haverá ainda mais um círculo compreendendo os cidadãos portugueses nascidos na Região e residentes fora dela, em território nacional ou estrangeiro, o qual elegerá dois deputados. Não se trata de lhe atribuir só dois deputados, excepção que já foi criada, para o País, relativamente aos emigrantes, o que não é a mesma coisa que criá-lo para os madeirenses residentes em Portugal e no estrangeiro. Aliás, a minha objecção tem a ver com o facto de a Região Autónoma da Madeira ter uma base territorial e não populacional e porque não há um povo da Madeira constitucionalmente identificado.
Por outro lado, viola igualmente o princípio da unicidade do recenseamento, pois, a ser assim, teria de haver dois recenseamentos no continente para que pudessem votar com base no nascimento e não com base na residência, como é regra geral do nosso direito eleitoral processual. Assim, esta é uma norma ao norma que por estar no estatuto dos Açores, contra a nossa opinião porque passou com o voto maioritário da então AD, isso não a toma constitucional e se nunca ninguém levantou esse problema não quer dizer que não vá ser levantado agora. No entanto, com perfeita consciência da sua inconstitucionalidade, os Açores nunca puseram em prática esta norma porque têm bem consciência que iriam levantar uma tempestade de todo o tamanho e as tempestades políticas devem evitar-se.
Srs. Deputados convido-os a uma segunda reflexão sobre este facto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, as questões que levanta têm duas partes distintas: a primeira diz respeito à alteração da base mínima para eleição de um deputado por cada círculo eleitoral e à disposição que refere que cada círculo lhes dará, pelo menos, dois deputados. A segunda parte diz respeito ao círculo para não residentes e portanto para emigrantes.
Vou apenas responder à primeira parte, porque o meu colega de bancada Carlos Léus vai ocupar-se da segunda.
Em relação à primeira parte, quero dizer ao Sr. Deputado que não há, efectivamente, qualquer inconstitucionalidade. E o Sr. Deputado sabe, tão bem como eu, que houve aqui uma tentativa de aprovar uma alteração à lei eleitoral para a Assembleia Legislativa Regional da Madeira que previa esta alteração numérica, na base mínima para a eleição de um deputado, mas que não prevenia o que vem agora prevenido, isto é, que não haverá qualquer círculo que eleja menos de dois deputados.
Efectivamente, a solução prevista nessa alteração à lei eleitoral para a assembleia legislativa regional foi considerada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, mas foi-o, exactamente, porque iria criar mais um círculo uninominal, e entendeu-se que isso desvirtuaria o princípio da representação proporcional. A solução agora consagrada, que evita a criação e elimina já os dois círculos uninominais existentes, Porto Santo e Porto Moniz, evitando desta forma que se crie mais um círculo uninominal, que seria o de São Vicente, nada tem de inconstitucional. E no Acórdão do Tribunal Constitucional essa indicação está clara, referindo até, como V. Ex.ª sabe, que esta é a solução proposta no Código Eleitoral.
Como sabe, os trabalhos de elaboração daquele Código foram presididos pelo constitucionalista insigne que é o Dr. Jorge Miranda, com a intervenção de outros consti-
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tucionalistas, designadamente do seu partido, do Dr. Nunes de Almeida e outros juristas e constitucionalistas conhecidos. Portanto, não tenho dúvidas de que esta solução, que 6, em tudo, equivalente à constante e preconizada no Código Eleitoral, nessa pane, não enferma de inconstitucionalidade.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lélis.
O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, aprendi que todas as normas jurídicas têm um mínimo ético. E é bom que se acredite neste princípio, mais até do que no princípio da suspeição.
Depois desta pequena introdução, passo directamente, quase secamente, às perguntas, para cumprir o Regimento e os tempos de intervenção.
Sr. Deputado Almeida Santos, é justiça ou é injustiça conceder esta capacidade eleitoral aos nossos emigrantes? Sr. Deputado Almeida Santos, é ou não moralizado» esta medida, como vinculo que estabelece e reforça o sentido da terra de origem do emigrante, ou é pecado alargar a torça do voto. no que respeita da representatividade, como direito adquirido jus solis, jus sanguinis? Eticamente, civicamente, como se explicará esta perda de um direito soberano-o direito ao voto-que seria apagado pela distância, quando o vínculo ao País, o vinculo nacional, subsiste e até se acima mais pelas raízes mais fortes do apego de cada um à sua própria região? E politicamente, Sr. Deputado Almeida Santos? Como vai o Sr. Deputado Almeida Santos deixar o seu camarada deputado Mota Torres, eleito pelo círculo da Madeira, nas listas do PS? Convém deixá-lo petos meandros políticos negativos da sua reconhecida e reafirmada aversão (de arquitecto jurídico do sistema) à medida aprovada pelo PSD favorável ao voto dos emigrantes?
Eu tinha ainda, com algum espanto, o sentimento, e a verificação de que teria passado, talvez à sua revelia, uma idêntica disposição nos Estatutos dos Açores, porque ela existe no corpo do Estatuto da Região Autónoma dos Açores, embora não esteja ainda cumprido o necessário recenseamento: dois arquipélagos, duas regiões, duas medidas.
Houve há pouco uma resposta sua, mas preciso de um acto mais completo, porque nunca o chamaria distraído, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma vez que o tempo é pouco, quero apenas dizer que também me preocupo com a ética, mas não há nada mais ético em política do que o respeito pela Constituição da República. E a Constituição da República diz que a conversão de votos em mandatos se faz de harmonia com o princípio da representação proporcional.
Portanto, ou se diz que a cada 3 500 eleitores recenseados corresponde um deputado, ou que cada círculo eleitoral tem dois deputados, o que não se pode é dizer as duas coisas ao mesmo tempo. Isto para mim é tão claro que nem vale a pena discutir!
Se o PSD acha que eu não tenho razão teremos, infelizmente, de nos sujeitar ao desempate do Tribunal Constitucional-e lamento, se vier a ser eu quem tem razão.
Quanto ao outro aspecto, não esperava que os Açorianos se considerassem emigrantes em Portugal, no continente. Era a última coisa que eu poderia esperar!
Que se considerem emigrantes no estrangeiro, enfim..., pois são tão emigrantes como os do continente. Mas emigrantes dos Açores em Portugal!?... Parque o que mais me choca é poder haver um círculo no continente de cidadãos nascidos nos Açores, com base no nascimento e não na residência, o que implica dois recenseamentos, contra o princípio da unicidade e contra o principio da territorialidade da autonomia regional A autonomia regional é para os açorianos que vivem nos Açores por causa da insularidade, ou também é para aqueles que vivem no continente?! Por amor de Deus, isto não tem lógica!
De qualquer modo, uma vez mais, não nos vamos empenhar em discussão, porque já sabemos qual é o sentido do voto. Vamos, antes, aguardar pelo veredicto do Tribunal Constitucional e lamentarei se tiver razão, como vou Ter é evidente!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de esclarecer que a razão que, segundo me parece, assiste agora ao Sr. Deputado Almeida Santos é maior do que a que lhe assistia há pouco, muito embora a formulação que o PS propôs fosse mais correcta. Portanto, apesar de ter sublinhado os argumentos, porventura positivos, contidos na própria argumentação do Sr. Deputado Almeida Santos em lavor da não existência de qualquer inconstitucionalidade, votei a lavor de uma formulação, que era, sem dúvida, mais correcta.
Agora, afigura-se-me que a razão do Sr. Deputado Almeida Santos é evidente tanto num caso como noutro e chamo a atenção para a gravidade do facto. Nós, CDS, que temos sido defensores constantes do voto dos emigrantes, entendemos que nesta quesito concreta realmente não faz sentido o que vem proposto, especialmente o que diz respeito à consideração de madeirenses a residirem em território nacional.
Essa é uma lógica completamente nova e diferente que vai conferir uma base pessoal à autonomia regional, o que, em linha recta, pode conduzir porventura a consequências muito mais graves que, no fundo, estou convencido que nenhum de nós pretende que sejam, efectivamente, atingidas.
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, aquando do debate na generalidade, apelámos à ponderação, por parte do PSD, de toda esta matéria. Não se trata, no essencial, de questões novas; conhecemo-las de há muito e de há muito que se nos afigura patente que o PSD vai por caminhos de clara inconstitucionalidade.
Também eu lastimo que a inconstitucionalidade tenha de vir a ser declarada na hora própria, ferindo um Estatuto que mereceu trabalho positivo no seio da Comissão e se saldou, indiscutivelmente, por resultados que consideramos de aplaudir. É que não há sustentação credível, à luz da Constituição da República, para as pretensões do
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PSD. Nem os argumentos em tomo do espaço físico, que não é idêntico ao dos Açores (e não estou com isto a dar, de alguma forma, uma espécie de benção à solução que se encontra no Estatuto dos Açores), nem os da representação defeituosa que não existe!-, nem os da tentativa de comparar o mecanismo agora proposto com a lógica da correcção ao princípio da proporcionalidade pura que vigora para o todo nacional em sede de eleições legislativas, por razões que são claramente distintas e que também são, desde há muito tempo, do conhecimento de cada um de nós.
Penso, pois, que vamos ter inteira razão, agora e no futuro, face a mecanismos que escondem objectivos políticos que, no fundo, também são claros - os de fazer com que diminua o peso das oposições nas instituições democráticas da Região Autónoma da Madeira e com que, correlativamente, o PSD venha a disfrutar de um peso acrescido; e, portanto, da máxima perpetuação possível no poder.
Vozes do PCP: - Muito bem.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar a proposta de alteração para os n.ºs 2 e 3 do artigo 10.º constante da proposta de lei n.º 134/V, apresentada pelo PS.
Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Mota Torres.
O Sr. Mota Torres (PS): - Sr. Presidente, pretendia solicitar que a votação para o n.º 2 fosse efectuada em separado e que fosse retirada a alteração referente ao n.º 3 da proposta em análise, podendo ser votada conjuntamente a proposta de eliminação dos n.ºs 4 e 5, também apresentada pelo PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai proceder-se à votação da proposta de alteração do n.º 2 do artigo 10.º
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca, José Magalhães e Raul Castro.
Era a seguinte:
2 - Cada um dos círculos referidos no número anterior, elegerá um deputado por cada 3500 eleitores recenseados, ou fracção superior a 1750.
Considera-se retirada a proposta para o n.º 3, pelo que vamos passar à votação da proposta de eliminação dos n.ºs 4 e 5 do mesmo artigo, também apresentada pelo PS.
Submetidos à votação, foram rejeitados, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca, José Magalhães e Raul Castro.
O Sr. Mota Torres (PS): - Sr. Presidente, se me dá licença gostaria de clarificar a votação realizada anteriormente, porque me parece ter havido pelo menos algum lapso na comunicação feita.
O Sr. Presidente: - Refere-se o Sr. Deputado à eliminação dos n.ºs 4 e 5, que foi rejeitada, com o mesmo resultado da votação da proposta anterior?
O Sr. Mota Torres (PS): - Sr. Presidente, é precisamente para rectificar o sentido da minha votação e dizer que também voto contra a eliminação dos n.09 4 e 5 deste artigo.
O Sr. Presidente: - Registo a rectificação, Sr. Deputado.
O resultado da votação foi o seguinte:
Submetidos à votação, foram rejeitados, com votos contra do PSD e do deputado do PS Mota Torres e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca, José Magalhães e Raul Castro.
Passamos então ao artigo 12.º.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, antes de iniciarmos a discussão do artigo 12.º, quero apenas lembrar que, embora não tenhamos proposto a alteração do artigo 11.º, ele constitui, obviamente, o prolongamento da inconstitucionalidade detectada no artigo 10.º
O Sr. Presidente:-Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, creio que o artigo 11.º constava do requerimento de avocação que apresentei, em conjunto com o artigo 10.º
O Sr. Presidente: - Refira-se apenas ao artigo 10.º, Sr. Deputado.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Certo, Sr. Presidente.
Relativamente ao artigo 12.º, que agora está em consideração, quero apenas dizer que, não obstante a invocação, há pouco feita pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, de um conhecido acórdão do Tribunal Constitucional, propendemos a considerar que a solução constante desta norma não é acolhível nem em termos das boas razões políticas nem em termos de razões jurídicas que consideramos particularmente pertinentes. Milhamos na posição, de resto com apoio jurisprudência!, segundo a qual o requisito da residência habitual é indiscutivelmente um acréscimo injustificável que, a todas as luzes, não poderemos apoiar. Daí a avocação que acabámos de realizar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas referir que o acórdão mencionado pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes não é o mesmo que citei há pouco, nem tem a ver com a questão agora suscitada a propósito do artigo 12.º. Há efectivamente um outro acórdão do Tribunal Constitucional, creio que de Abril do corrente ano, que se ocupou de uma disposição, similar a esta, constante do ainda vigente e provisório Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira. Tal acórdão foi claro na afirmação de que esta norma é
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perfeitamente constitucional e desenvolveu, aliás, pertinentes considerandos no sentido de que é perfeitamente razoável exigir-se, em termos de capacidade eleitoral e elegibilidade, algum vínculo, mínimo que seja, à Região. E por isso que esta norma subsiste, já com este agreement do Tribunal Constitucional. Pelas razões que foram desenvolvidas nesse acórdão e que mereceram um largo consenso de todos os juizes conselheiros (não tenho ideia de ter havido sequer votos de vencido), não me parece que agora possa surgir, supervenientemente, a posição diferente de considerar esta norma inconstitucional.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, parece-me que neste caso a norma é constitucional, embora não seja sensata, por permitir que o legislador ordinário defina a «habitualidade» em termos tais que retira o direito de voto a quem porventura deva tê-lo. Tirando esse risco, penso que, de facto, a norma é constitucional.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos agora ao artigo seguinte cuja avocação foi aprovada e que é o artigo 17.º
O Sr. Mota Torres (PS): - Sr. Presidente, não há lugar à votação do artigo 12.º?
O Sr. Presidente: - Penso, Srs. Deputados, que, como a avocação foi votada e não existe materialmente um artigo não se pode votar.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, é para dizer que o entendimento da bancada do PS é de que deveria ser votada mesmo assim.
O Sr. Presidente: - O que é que o Sr. Deputado entende que deveria ser votado? A avocação? Mas a avocação já foi aprovada.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, também me parece que a avocação foi, de facto, aprovada, mas a norma não. Quando se avoca uma norma, é para ela ser votada aqui e penso que essa votação ainda não foi realizada.
O Sr. Presidente: - Pretende o Sr. Deputado que se faça a votação do texto do artigo, não é assim?
O Sr. Almeida Santos (PS): - Exactamente, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Far-se-á então a referida votação.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, gostaria apenas de saber se existe algum texto alternativo que retire este...
O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado, o que iremos votar é o texto proveniente da Comissão.
Vamos então proceder à votação do artigo 12.º, com a redacção do texto oriundo da Comissão.
Submetido â votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do PRD e do CDS e abstenções do PCP e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca, José Magalhães e Raul Castro.
É o seguinte:
Artigo 12.º
São elegíveis os cidadãos portugueses eleitores, salvas as restrições que a lei estabelecer, desde que tenham residência habitual na Região.
Está em discussão o artigo 17.º
Tem a palavra o Sr. Deputado Mota Torres.
O Sr. Mota Torres (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pensa o Grupo Parlamentar do Partido Socialista que a sede do debate da proposta de lei n.º 134/V (ARM), sobre o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, seria o local privilegiado para, de uma forma clara e transparente, se consagrarem alguns direitos da oposição naquela Região Autónoma. Isso aconteceu, de uma forma muito parcelar, em relação à distribuição pelo método de Hondt das presidências das comissões especializadas da Assembleia Legislativa Regional, mas tal já não acontece quanto à composição plural da mesa da assembleia legislativa regional. A consagração desse dispositivo constitui uma velha aspiração do grupo dos socialistas da Madeira, que contemplaria não só os socialistas como todos os que estão na oposição, no sentido de garantir maior democraticidade, transparência e clareza ao regime democrático e à autonomia daquela Região.
Daí a apresentação desta proposta, que visa garantir a pluralidade da Mesa e estabelecer os critérios da sua composição e que gostaríamos de ver aprovada por toda a Câmara.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Pereira.
O Sr. Jorge Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Mota Torres acaba de levantar uma questão que considero importante.
Não posso, todavia, conceder o meu voto favorável à proposta avançada pelo Sr. Deputado, porque penso que questões desse tipo são de natureza regimental, por dizerem respeito à ordem interna da própria Assembleia Legislativa Regional da Madeira. Não tem sentido vir a Assembleia da República, nesta sede, tentar imiscuir-se naquilo que é o regimento interno da Assembleia Legislativa Regional da Madeira.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mota Torres.
O Sr. Mota Torres (PS): - Sr. Presidente, sem querer prolongar este debate, por me parecer que as posições estão mais do que adquiridas, sempre lembraria que a composição da Mesa da Assembleia da República e objecto de preceito constitucional. Não me pareceria, pois, excessivo que o Estatuto Político-Administrativo da Re-
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gião Autónoma da Madeira contemplasse a constituição da mesa da Assembleia Legislativa, deixando eventualmente para o respectivo regimento a sua composição e o modo de eleição.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora votar a proposta de aditamento dos n.ºs 3, 4, 5 e 6 ao artigo 17.º da proposta de lei n.º 134/V, apresentada pelo Partido Socialista.
Submetido â votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do PRD e do CDS e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca, José Magalhães e Raul Castro.
Era a seguinte:
3 - A Mesa da Assembleia Legislativa Regional será constituída pelo Presidente, 3 Vice-Presidentes, 3 Secretários e 3 Vice-Secretários.
4 - Os Vice-Presidentes, Secretários e Vice-Secretários são eleitos por sufrágio da lista completa nominativa.
5 - Cada um dos três principais partidos representados na Assembleia Legislativa Regional proporá um Vice-Presidente, um Secretário e um Vice-Secretário.
6 - Considera-se eleita a lista que obtiver mais de metade dos votos validamente expressos.
Vamos passar agora ao debate do artigo 29.º, n.º 1, alínea a).
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, remeto a Câmara para as considerações que fiz na declaração inicial e para a leitura, que, neste momento, solicito à Mesa, do texto do requerimento de avocação que apresentei.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Manuel Mendes, a Mesa não entendeu o seu pedido, faça favor de o clarificar.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, solicitei à Mesa que procedesse à leitura do texto que acompanha o requerimento de avocação, no qual está contido o teor da sua justificação elementar.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Manuel Mendes, embora a Mesa não compreenda bem por que é que faz essa solicitação, entende que por causa de mais alguns segundos não deve obstaculizar a que proceda à leitura do texto mencionado.
Tem, pois, a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O requerimento de avocação é do seguinte teor:
Porque contende com a autonomia regional, na moldura constitucionalmente transcrita, e se nega a consagração de garantias num domínio tão sensível como o da autonomia financeira da Região Autonomia da Madeira, por obra das opções impostas pelo PSD, entende-se fundamental o debate da matéria constante do artigo 29.º, n.º 1, alínea j), do texto final, saído da apreciação da especialidade na 3." Comissão, da proposta de lei n.º 134/V.
O resto, Sr. Presidente, Srs. Deputados, é tabeliónico e desinteressante.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Gostaria de pôr um ponto de ordem à Mesa, solicitando ao Sr. Presidente que permita a discussão em conjunto de todas as alíneas que estão em causa para não estarmos a discuti-las uma a uma.
Se este pedido fosse deferido, pronunciar-me-ia já sobre todas.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa aceita a sua sugestão, mas solicita-lhe que esclareça a que alíneas se refere.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, refiro-me às alíneas j), p) e q) do n.º 1 e ainda às alíneas a) e b) do n.º 2.
Quanto à alínea J), não compreendemos por que é que, tendo a Assembleia Regional da Madeira proposto que se deve dar àquela Região o poder de criar serviços públicos personalizados, institutos, fundos públicos e empresas públicas, o Grupo Parlamentar do PSD, contra a disponibilidade dos outros grupos parlamentares, pretenda contar a expressão sem presas públicas». Por que é que a região não há-de poder criar empresas públicas?
Na alínea p) a Assembleia Regional também propôs: «Autorizar o Governo Regional a realizar empréstimos e outras operações de crédito» e agora é apresentada uma solução complicada, que também veio por via de umas certas propostas que e digo-o com todo o respeito - cheiram muito a Ministério das Finanças, porque são sempre os mesmos subscritores e a orientação política é sempre a mesma.
E o que é que se diz agora? Empresamos internos? Muito bem, a Assembleia Legislativa autoriza! Empréstimos externos? Só a Assembleia da República!
Na verdade, isto cria uma falta de sintonia com os Açores. Aluis, também não sei por que é que a Assembleia Regional não poderá ter o poder de conceder empréstimos externos. Nós compreendemos essa autonomia, mas, infelizmente, parece que o PSD não a compreende.
Quanto à alínea q), pensamos que seria bom que a Assembleia Regional pudesse ter a competência de estabelecer o limite máximo dos avales a conceder pelo Governo Regional em cada ano, pois, se tem de autorizar empréstimos, compreende-se mal que possa, sem autorização, dar avales, que se podem traduzir em dívidas incobráveis. Deste modo, entendo que a previsão se justificava perfeitamente.
Por outro lado, consideramos ainda que a definição de leis gerais da República e de matérias não reservadas à competência própria dos órgãos de soberania deveria permanecer no Estatuto, como, aliás, vem expresso na
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Constituição, pelo que não percebemos porque é que a Assembleia Regional corta tudo aquilo de que não gosta, embora esteja consagrado na Constituição. Trata-se de normas úteis que constam do Estatuto da Região Autónoma dos Açores. É mais uma falta de sintonia entre os dois estatutos!
O Sr. Jorge Pereira (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de me pronunciar, essencialmente, sobre o n.º 1, alínea v), do artigo 29.º
De facto, comungo das vossas preocupações, ou seja, relativamente aos objectivos estou de acordo. Penso que a Região, através dos seus órgãos próprios, deveria poder criar empresas públicas e não faz qualquer sentido que não possa fazê-lo.
Por outro lado, devo salientar que, em meu entender, o texto do Estatuto aprovado também não diz, explicitamente, o contrário. Assim, por essa razão e porque penso que o princípio e o espírito que sobreleva nesta matéria é o espírito constitucional, segundo o qual a Constituição no que se refere à atribuição de poderes também não distingue as duas regiões autónomas, e só em termos de interesses específicos muito concretos admito que possa haver soluções diferentes. E, uma vez que no estatuto político-administrativo dos Açores, existe, de facto, nos poderes da Assembleia Legislativa Regional e nos poderes dos órgãos de governo próprio da Região, o poder de criar empresas públicas, faço a leitura, pela Constituição, de que esse poder também está conferido à Madeira.
De qualquer modo, penso que se cá figurasse o texto original da Assembleia Legislativa Regional, daí não viria mal ao mundo e, eventualmente, dissiparia qualquer dúvida que a tal propósito pudesse subsistir nalguns espíritos.
Por estas razões votarei favoravelmente o vosso requerimento e a norma que pretendem introduzir.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Srs. Deputados, relativamente às avocações agora em causa, diria que o CDS votará, tendo em conta as seguintes preocupações fundamentais: em primeiro lugar, tal como foi salientado, o estabelecer-se aqui uma falia de coerência entre os dois estatutos. Isso é grave e a Assembleia da República não poderá cair nesse erro! Em segundo lugar, diria que o Sr. Deputado Jorge Pereira poderá fazer grandes esforços interpretativos e de leituras, como ele diz, mas o próprio processo legislativo de transformação de um texto, que veio da Assembleia Legislativa Regional, noutro texto, saído da Assembleia da República, irá com certeza invalidar os esforços de leitura que o Sr. Deputado Jorge Pereira faz.
Aconselho-o a que convença, antes, os colegas do seu grupo parlamentar a votarem de acordo consigo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Pereira.
O Sr. Jorge Pereira (PSD): - Pretendo unicamente complementar a minha intervenção, mas antes quero agradecer as palavras do Sr. Deputado Nogueira de Brito. Chamo, pois, a atenção para um outro pormenor: é que a Região pode criar sociedades anónimas de capital exclusivamente público a 100% do capital social, mas não pode criar empresas públicas a 51% do capital - não tem senso.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em particular Srs. Deputados Almeida Santos e José Manuel Mendes, pergunto se podemos votar as três alíneas com a adopção do texto original da proposta de lei n.º 134/V?
O Sr. Jorge Pereira (PSD): - É preferível votar a alínea j) em separado.
O Sr. Presidente: - Então, vamos votar a alínea j), contemplando também a avocação feita pelo PCP, e, depois, as outras duas alíneas.
Vamos, pois, em primeiro lugar, votar a proposta, apresentada pelo PS, de adopção do texto originário da proposta de lei n.º 134/V para a alínea j) do n.º 1 do artigo 29.º, que é do seguinte teor:
j) Criar serviços públicos personalizados, institutos e fundos públicos e empresas públicas.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS, dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca, José Magalhães e Raul Castro e dos deputados do PSD, Álvaro Dâmaso, Carlos Lélis, Guilherme Silva e Jorge Pereira.
Passamos agora à votação também do texto original da proposta de lei n.º 134/V, no quadro da proposta de alteração apresentada pelos Srs. Deputados Almeida Santos e José Manuel Mendes, relativamente às outras alíneas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - O Sr. Presidente tem de pôr à votação as alíneas da proposta final da Comissão correspondentes ao artigo 29.º, porque agora o que votámos foi o texto originário.
O Sr. Presidente: - Se estivessem de acordo, votávamos no fim.
Pausa.
Como não há objecções, vamos votar as restantes alíneas da proposta original.
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, as que não foram postas em causa foram definitivamente votadas na comissão. Só estas é que foram postas em causa.
O Sr. Presidente: - Mas nós só votámos a adopção do texto da alínea j). Agora, temos de votar as alíneas restantes, que são a p) e a q).
Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Conviria esclarecer que vamos votar a proposta de alteração, a qual se reconduz à adopção do texto da proposta original da Assembleia Regional da Madeira.
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O Sr. Presidente: - Estamos todos de acordo nesse ponto e penso que todos compreenderam. No entanto, agradeço o interesse e a disponibilidade do Sr. Deputado Nogueira de Brito, principalmente para a bancada do PSD que, há pouco, demonstrou alguma oscilação em relação à votação.
Vamos votar a proposta, apresentada pelo PS, de adopção do texto original da proposta de lei n.º 134/V para as alíneas p) e q) do n.º 1 do artigo 29.º, que são do seguinte teor
p) Autorizar o Governo Regional a realizar empréstimos e outras operações de crédito que não sejam de dívida flutuante, estabelecendo as respectivas condições gerais;
q) Estabelecer o limite máximo dos avales a conceder pelo Governo Regional em cada ano.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD. votos a favor do PS. do PCP, do PRD. do CDS. dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca, José Magalhães e Raul Castro.
Vamos, agora, passar às alíneas f), p) e q) do n.º 1 do artigo 29.º do texto final da Comissão, sobre as quais recaíram estas votações que acabámos de fazer.
Vamos votar, em primeiro lugar, a alínea v).
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, votos contra do PCP, do CDS e do deputado independente Raul Castro e abstenções do PS, do PRD e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e José Magalhães.
É a seguinte:
j) Criar serviços públicos personalizados, institutos e fundos públicos.
Passamos, agora, à votação das alíneas p) e q) do n.º 1 do artigo 29.º do texto final da comissão.
Submetidas à votação, foram aprovadas, com votos a favor do PSD, do PCP, dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro e abstenções do PS, do PRD e do deputado independente José Magalhães.
São as seguintes.
p) Autorizar o Governo Regional a realizar empréstimos internos e outras operações de crédito que não sejam de dívida flutuante, estabelecendo as respectivas condições gerais, com observância dos limites máximos de endividamento regional;
q) Aprovar as contas da Região respeitantes a cada ano económico.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora passar à apreciação do artigo 30.º da proposta final da Comissão. Também neste caso se propõe a adopção do texto inicial das propostas às alíneas cc),ee), gg) e hh).
Tem a palavra o Sr. Deputado Mota Torres.
O Sr. Mota Torres (PS): - Sr. Presidente, na sequência da parte substancial da argumentação aduzida em relação ao debate e à votação anteriores, penso que a supressão das alíneas cc), ee), gg) e hh) do artigo 30.º é realmente uma restrição à autonomia regional da Madeira, sobretudo se cotejada com o Estatuto da Região Autónoma dos Açores.
Daí que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista não possa deixar de representar ao Plenário a votação destas propostas, no sentido de que, tratando-se aqui de duas regiões com o mesmo enquadramento constitucional, elas não venham a ter diferenças substanciais como as que resultariam da não aprovação desta proposta que agora apresentamos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, continua em apreciação esta proposta do Partido Socialista. Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de adiantar o seguinte: penso que a interpretação que o Sr. Deputado Mota Torres aqui expressou não é 100% pertinente e válida. Isto por uma razão simples: é que o artigo em causa fala nas matérias de interesse específico para a Região e logo a seguir refere a expressão «designadamente». De facto, não é indispensável que estejam aqui neste elenco todas as matérias, designadamente estas que são aqui referidas nessas alíneas desta pi oposta agora apresentada pelo Partido Socialista, para que, na situação concreta dá aplicação em relação à Região Autónoma da Madeira (RAM) ou das suas competências relativamente a certas matérias, se decida pontualmente se elas são ou não matérias de interesse específico. Não é o facto de lá não estarem expressas que lhes retira esse sentido.
Contudo, adiantaríamos também que veríamos alguma conveniência que lá estivessem expressas, embora se compreenda, num caso ou noutro, a razão por que foram retiradas, designadamente por razões de integração nus Comunidades Europeias. Mas, é claro que o texto não tem o sentido de se dizer que, pura e simplesmente, por aqui estarem omissas não serão amanhã consideradas pontualmente como matérias de interesse específico, até pela própria natureza evolutiva da autonomia regional e das condições específicas de cada uma das regiões autónomas. Em todo o caso, seria conveniente e esclarecedor que cias se mantivessem no texto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Si. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, gostaria apenas de fazer um pedido de esclarecimento muito simples ao Sr. Deputado Guilherme Silva: sendo assim como o Sr. Deputado diz reuniram isto porquê?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Deputado, quis deixar claro, e reafirmo, que não é o retirar destas alíneas que impede a consideração que elas sejam efectivamente matérias de interesse específico. Adiantei anula que tanto eu como os Srs. Deputados do PSD eleitos pelo círculo da Madeira não tínhamos uma atitude concordante com essa eliminação. E e bom que fiquem claras as duas questões: a interpretação que nós damos e a nossa não concordância com a eliminação das referidas alíneas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar a proposta, apresentada pelo PS, em que se propõe a
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adopção do texto inicial da proposta para as alíneas cc), ee), gg) e hh) do artigo 30.º, que são do seguinte teor:
cc) Orientação e controlo das importações e exportações; ee) Distribuição e controlo do volume global do crédito; gg) Política de utilização de remessas e poupança dos emigrantes;
M) Controlo e administração dos meios de pagamento internacionais em circulação na Região.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD e do PRD. votos a favor do PS, do PCP. do CDS, dos deputados do PSD Guilherme Silva, Carlos Lélis, Jorge Pereira e Álvaro Dâmaso e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro e a abstenção do deputado independente José Magalhães.
Vamos agora votar, à semelhança das anteriores votações, o texto que nos foi apresentado pela comissão relativamente as alíneas cc), ee), gg) e hh) do artigo 30.º
Submetidas à votação, foram aprovadas, com votos a favor do PSD, do PRD e do deputado independente José Magalhães e abstenções do PS, do PCP, do CDS e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.
Soa as seguintes:
cc) Investimento directo estrangeiro e transferencias de tecnologia;
ee) Desenvolvimento industrial;
gg) Concessão de benefícios fiscais;
hh) Articulação do Serviço Regional de Protecção Civil com as competentes entidades nacionais.
Passamos agora a uma proposta de eliminação da expressão final sob a forma de moção de confiança» do n.º 1 do artigo 41.º
O Sr. Almeida Santos (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, pedi a palavra para dizer que não vemos razão para sairmos fora do sistema. A este respeito, o sistema é o de que a aprovação dos programas de governo não seja pela fornia positiva, o que facilita a aprovação de programas de governo, mas pela fornia consagrada para a Assembleia da República e para o Governo Regional dos Açores. Então por que é que a Madeira há-de agora sair do sistema e exigir uma moção de confiança e uma votação da forma positiva?! Isso dificulta a formação de governos e quebra a unidade do sistema e, portanto, somos contra!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Peço a palavra. Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Gostaria apenas de dizer ao Sr. Deputado Almeida Santos que não há nenhum impedimento constitucional a esta fórmula. Sc ela não é usual, que diabo, a autonomia há-de-nos dar alguma originalidade, a qual não ofende ninguém nem nenhuns princípios.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor. Sr. Deputado.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Guilherme Silva, o perigo é que seja a originalidade do erro...
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Deputado, quero dizer-lhe que não conheço, em termos de ciência política e direito constitucional, nenhum catálogo que insira uma solução deste tipo como errada...
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos emito votar a proposta de emenda apresentada pelo PS e que anunciei há pouco.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD e do deputado do PS Mota Torres, votos a favor do PS, do PCP, do CDS e dos deputados independentes Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca, José Magalhães e Raul Castro e a abstenção do PRD.
Srs. Deputados, vamos proceder agora à votação do n.º 1 do artigo 41.º do texto apresentado pela comissão.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PRD e do deputado do PS Mota Torres e abstenções do PS, do PCP, do CDS e dos deputado* independentes Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca, José Magalhães e Raul Castro
É o seguinte:
1 - O programa do Governo Regional é apresentado à Assembleia Legislativa Regional, no prazo máximo de 30 dias a contar do acto de posse do Presidente do Governo Regional, sob a forma de moção de confiança.
Srs. Deputados, passamos agora ao artigo 59.º, relativamente ao qual há uma proposta de substituição do n.º 1, apresentada por deputados do PS.
O Sr. Jorge Pereira (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Pereira (PSD): - Sr Presidente, a minha interpelação vai no sentido de se corrigir o texto da comissão relativo a alínea el) do n.º 1 do artigo 44.º Efectivamente, onde se lê sa não aprovação de uma moção de censura», deve ler-se sa aprovação de uma moção de censura», porque é isso que implica a demissão do governo regional.
Trata-se de um lapso de dactilografia que gostaria de ver corrigido, Sr. Presidente.
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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, manifesto o lapso, pelo que, com o acordo de todos, a redacção ficará emendada cortando-se a palavra «não».
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Pereira.
O Sr. Jorge Pereira (PSD): - Sr. Presidente, queria continuar a minha intervenção, no sentido de pedir que esta avocação relativa ao artigo 59.º seja retirada, uma vez que trata de matéria que já foi discutida em sede do artigo 29.º Penso que estará prejudicada.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Almeida Santos considera-a como tal?
O Sr. Almeida Santos (PS): - Com certeza, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, considera-se prejudicado o debate desta matéria, tendo em conta o debate já realizado no quadro do artigo 29.º
Srs. Deputados, passamos às propostas de eliminação do n.º 4 do artigo 65.º, apresentadas pelo PS e pelo PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A norma em apreço é patentemente inconstitucional, inaceitável para quem tem das instituições democráticas uma visão escorreita e, pelos interesses dos trabalhadores, um respeito que se não contrabandeia em circunstância alguma, quaisquer que sejam os valores que, em defesa de outros princípios elementares, se venham a posicionar.
Pensamos que nem sequer a circunstância de, com todas as máculas possíveis e detectadas, a solução se encontrar já em legislação comum, pode afastar-nos de reprimendar, através do nosso voto e, naturalmente, através dos mecanismos que considerarmos convenientes -, um preceito que é afrontoso para o direito de greve e que, ademais, subtrai competências impostergáveis à Assembleia da República.
Esta a razão da nossa avocação. Esta a razão do sentido de voto que acabaremos por adoptar a seguir.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, queria apenas dizer que esta norma também nos parece inconstitucional, parecendo-me daquelas inconstitucionalidades sobre as quais não há grande margem de dúvida.
Ao colocar-se esta norma no estatuto, retira-se à Assembleia da República a competência própria de poder pronunciar-se em matéria estatutária, ficando a Assembleia amputada de uma competência própria, o que é inconstitucional.
Devo dizer que o mesmo argumento se aplica às normas sobre a parte eleitoral. Sc, no Estatuto, ficassem normas eleitorais que são da competência própria e reservada da Assembleia da República, evidentemente que a Assembleia nunca mais teria capacidade de iniciativa sobre a matéria consagrada no Estatuto. A Assembleia demitir-se-ia dessa competência e não é permitido à Assembleia demitir-se das competências que lhe são atribuídas pela Constituição.
É este o sentido da inconstitucionalidade, qualquer que seja a nossa posição relativamente à matéria de fundo.
Feliz ou infelizmente, isto não é possível e vai ser chumbado no Tribunal Constitucional.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, queria dizer que esta norma -e o Sr. Deputado Almeida Santos já adiantou que a posição que assume, bem como o seu partido, não tem a ver com a questão de fundo - é extremamente sensível às regiões autónomas.
É preciso, efectivamente, conhecer a insularidade para sentir na pele a sua necessidade. O Sr. Deputado Almeida Santos conhece mal as regiões autónomas -conhece-as, naturalmente, como turista -, mas se lá residisse, poderia constatar as situações de isolamento que as populações muitas vezes sentem, designadamente quando há dificuldades de transporte para o Continente em situações prementes.
Gostaria de ver o Sr. Deputado, por exemplo, numa situação em que necessitasse de uma intervenção cirúrgica que só poderia fazer-se em Lisboa e não poder ter essa assistência por haver greve dos transportes aéreos!
Reflicta nessa situação, Sr. Deputado! Tenha presente que a própria Lei da Greve tem previsões relativas aos serviços mínimos indispensáveis e veja da importância e do sentir das populações das regiões relativamente à necessidade de uma garantia deste tipo.
Aliás, quero dizer-lhe que os próprios trabalhadores têm sentido esta realidade e, em últimas situações de paralisação de transportes aéreos relativamente às regiões autónomas, têm, eles próprios, tido o cuidado de salvaguardar esse serviço mínimo indispensável. Não há aqui nenhuma violação dos direitos dos trabalhadores, nem nenhuma situação contra direitos consagrados em legislação laborai ou em princípios que garantem os direitos dos trabalhadores. O que há, efectivamente, é a necessidade de termos uma segurança nessa matéria, porque, no passado, vivemos muitas situações de dificuldade por não haver uma posição e uma disposição clara no sentido de assegurar os serviços mínimos.
Referiu-se o Sr. Deputado Almeida Santos ao problema da constitucionalidade, dizendo que esta não é matéria estatutária ou que se está a retirar a possibilidade de iniciativa legislativa da Assembleia da República numa mataria que ê da sua competência.
Ora bem, não me parece que esta questão também tenha pertinência e por uma razão que está, em termos doutrinários, esclarecida. Se se considerar que esta norma não deve ser materialmente ada por estatutária não é, em princípio, a circunstância de ela estar inserida no Estatuto que impedirá o exercício normal das competências que à Assembleia da República possam caber.
Esta é uma questão que cobre, no meu entender, os receios de inconstitucionalidade que os Srs. Deputados estão a levantar. Quero-vos dizer e repetir que esta é uma situação que, efectivamente, vivemos nas regiões com muita angústia e sempre que é anunciada uma greve muita gente fica receando poder estar em situação de isolamento prolongado com consequências graves, designadamente no domínio da saúde.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Só falta o violino.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
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O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Salientarei o facto de ninguém ter posto em dúvida, até agora, que era competência da Assembleia da Republica fixar esta norma neste sentido, de acordo com o Que se dispõe na Constituição sobre o direito à greve. Daí que não seja inconstitucional a Assembleia da República produzir esta norma, aliás, 6 a Assembleia da República que a está a produzir.
O Sr. Deputado Almeida Santos introduziu agora um argumento que não introduzira há pouco, mas nesse momento o que eslava em causa era a constitucionalidade da própria norma introduzida no Estatuto e que feria o principio constitucional da proporcionalidade.
Agora, não está em causa esta questão porque, efectivamente, respeita à Assembleia da República aquilo que em matéria de direito à greve lhe é reservado.
Também a questão da iniciativa nos parece que não põe em causa, no fundamental, o princípio da constitucionalidade. E quanto à legitimidade dos Madeirenses para solicitarem a inclusão desta norma e de nós a aprovarmos, não vale a pena acrescentar mais nada ao que disse o Sr. Deputado Guilherme Silva.
É por demais evidente e só defende o direito à greve consagrar esta limitação, mesmo nesta sede.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, finei apenas uma pequena clarificação.
Afigura-se-nos que a inconstitucionalidade é patente, pelas razões já expendidas, tanto na vertente de colidir claramente com o direito à greve, como naquela que tem a ver com as prerrogativas indisponíveis da Assembleia da Republica.
No entanto, o que importa é dizer que, se há um quadro da realidade com constrangimentos e dificuldades de toda a ordem, tais constrangimentos e dificuldades devem ser resolvidos, mas nunca com a compressão do direito à greve.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Do nosso ponto de vista, trata-se de um direito elementar que, tal como outros direitos dos trabalhadores, não contrabandearemos por nenhum preço.
Não invocamos apenas a lógica da constitucionalidade; invocamos também razões políticas profundas para nos opormos à norma para a qual, neste momento, pedimos uma reconsideração, por parte do PSD, antes da votação final.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Muito bem!
O Sr. Raul Castro (Indep.): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, talvez por ser mais velho, vou dar um conselho aos Srs. Deputados do PSD e ao Sr. Deputado Nogueira de Brito: não vão por aí! Não vão por aí, porque se abrem a discussão do que é estatutário e do que não o é estando no Estatuto e se parlem do principio de que nem tudo o que está no Estatuto é estatutário VV. Ex.ªs abrem um caminho terrível para que o Tribunal Constitucional diga que aquilo que não é, por sua natureza, estatutário foge à reserva de iniciativa da assembleia regional.
Não quereria que isso acontecesse, mas se os Srs. Deputados querem correr esse risco façam favor. Só que com a minha advertência: é perigoso abrir uma porta a considerar não estatutário aquilo que consta do Estatuto, isto é, o que está no Estatuto poderia ser estatutário por natureza ou apenas por lá estar, e no que fosse estatutário por natureza a reserva da iniciativa era da assembleia regional, no que fosse estatutário, só por estar no Estatuto, poderíamos perfeitamente discutir a vossa capacidade. Só que não será esse o vosso entendimento, porque V. Ex.ª disse que, apesar de estar aqui, isso não quer dizer que a Assembleia da República não possa exercer iniciativa. É isso que é perigosíssimo e por isso o meu conselho: não vão por aí!
Eu que tenho sido acusado de travar a autonomia regional estou aqui a defendê-la uma vez mais. No entanto, se acham e eu até acho que pode ser justificado de algum modo que a solução substancialmente ê boa que & que vos impede que a consagrem em lei ordinária? Dado disporem de uma maioria parlamentar, impõem a vossa vontade e até abusam disso -, tragam amanhã aqui uma proposta de lei e digam que, em matéria de greve, os serviços de transportes aéreos entre Lisboa e a Madeira são considerados serviço impreterível, essencial.
Por que é que se estão a sujeitar a mais uma inconstitucionalidade, que irá ser declarada não tenho dúvidas nenhumas sobre isso, por mais que vos pareça que não -, quando é tão simples trazerem aqui uma lei e assumirem a responsabilidade por ela?
Uma vez mais advirto: esse caminho é perigoso. Se vamos considerar as matérias estatutárias por natureza por oposição às estatutárias formalmente, ai então, um belo dia, vamos aí peneirar as que estão no Estatuto e as que não são estatutárias por natureza e dizemos: meus senhores, nesta matéria quem tem iniciativa somos nós, Assembleia da República.
Dou-vos este conselho, porque acho que é importante.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Almeida Santos, V. Ex.ª é tão exímio a argumentar que até argumenta contra si próprio.
Julguei que V. Ex.ª tivesse descoberto a panaceia para o mal que tinha encontrado na sua primeira intervenção. Isto é, o que é que o Tribunal Constitucional á fazer? Irá, efectivamente, decidir-se pela inconstitucionalidade ou irá, neste caso, decidir-se pela distinção entre matérias formalmente estatutárias e materialmente estatutárias? Isto porque se decidir e bem pela segunda, o problema fica resolvido e, quando algum Sr. Deputado quiser tomar a iniciativa de alterar esta norma do Estatuto, terá de fazê-lo na Assembleia da República. É o que estará certo! Pensei que teria, realmente, encontrado...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
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O Orador: - Faça favor.
O Sr. Almeida Santos (PS): - É assim mesmo! Mas o meu conselho está de pé! O risco e o mesmo, ou seja, é o que eu denunciei.
Eu disse se o Tribunal ... É que o «se» é sempre o diabo. Isto porque se o Tribunal Constitucional se pronunciar no sentido favorável à Madeira, tudo vai bem. E se se pronuncia no sentido desfavorável? O problema é esse! Valerá a pena correr esse risco?
Assim, tirava-se a norma do Estatuto e era apresentada à Assembleia uma lei ordinária, daqui a oito ou mesmo três dias, porque é uma coisa que se faz numa penada, que seria aprovada, embora nós votássemos contra, como é óbvio, e eslava tudo sanado.
Risos do PS.
De outro modo, arriscam-se a ter mais uma inconstitucionalidade no Estatuto. É só isto! Vamos ver se têm ou não. Vamos ver!
O Orador: - Sr. Deputado Almeida Santos, eu sei que não é assim, mas parece que V. Ex.ª quer fugir a pronunciar-se sobre o fundo da questão.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Só que não pode ser uma norma estatutária!
O Orador: - Repare, Sr. Deputado, para quem se pronunciou, até aqui, sobre o fundo da questão, será mais grave a vinda à Assembleia da República de uma lei de alteração à lei da greve, com este mesmo princípio. Ou seja, do ponto de vista dos que defenderam aqui o direito à greve, no sentido de que esse direito seria intocável mesmo em relação a esta norma, é preferível que esta norma seja estatutária.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Norma estatutária, sem aceitarmos o risco que denunciei. Sc a Assembleia coloca isto no Estatuto e se admitirmos a ficção de que tudo o que está no Estatuto é estatutário, nessa altura, perdemos a capacidade de iniciativa, o que significa que a Assembleia nunca mais poderá alterar esta norma, porque a iniciativa pertence a Madeira. Mas, se houver uma distinção entre o que está no Estatuto e não é de natureza estatutária... Mas esse é o risco que eu não quero que a Assembleia Regional corra. Devo dizer que estou na posição de dar um conselho à Assembleia Regional. Não me importo que cia se espalhe, mas gostaria que isso não acontecesse.
Por outro lado, e já o disse, o PS votará contra essa norma, porque temos uma coerência que nos leva a entender que é preciso ter cuidado nas restrições à lei da greve. Há-de haver outras soluções para isso; há instrumentos, como a requisição, etc., que resolvem esses problemas. Não nos venham agora pedir que sejamos incoerentes com a nossa posição sobre a lei da greve. Porém, penso que o PSD pode fazê-lo, uma vez que é maioritário. Como tal, basta trazer a proposta, aprová-la e assumir a responsabilidade.
No entanto, é perigoso fazer a distinção de há pouco. Cuidado com isso!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero apenas dizer que o que aqui fica demonstrado é que o Partido Socialista, à sombra de uma eventual inconstitucionalidade, está a encapotar uma posição de fundo, que é grave para as regiões autónomas, que é a de não estar de acordo em que haja, seja em que sede for, uma solução que assegure efectivamente os serviços mínimos indispensável no caso de greve de transportes aéreos. Esta é a conclusão que temos de tirar.
Quando ouvia a primeira intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos, pensei em dizer: «Pois, muito bem! Vamos correr o risco de o Tribunal Constitucional tomai a posição que entender e, se vier a considerá-la inconstitucional, vamos imediatamente, com o apoio do Pai tido Socialista, apresentar aqui uma iniciativa legislativa». Mas, infelizmente, vi, pelo desenvolver da intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos, que o Partido Socialista é indiferente a uma situação de greve de transportes aéreos para as regiões autónomas e as dificuldades que isso geraria às populações, não aceitando, em sedo alguma, encontrar uma solução.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, enterrado o debate relativo ao artigo 65.º, vamos votar as propostas de eliminação do n.º 4 deste artigo, apresentadas pelo PS e pelo PCP.
Submetidas à votação, foram rejeitadas, com votos contra do PSD e do CDS, votos a favor do PS da PCP, do PRD e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca, José Magalhães e Raul Castro.
Srs. Deputados, vamos votar o n.º 4 do artigo 65.º do texto final da Comissão.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do CDS e do deputado do PS Mota Torres, votos contra do PS, do PCP, do PRD e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca, José Magalhães e Raul Castro.
É o seguinte.
4 - Constitui serviço mínimo indispensável, a ser obrigatoriamente assegurado, em caso de greve, o transporte aéreo de passageiros entre o continente e a Madeira.
Srs. Deputados, passamos agora à votação final global do texto final apresentado pela Comissão.
O Sr. Mota Torres (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Mota Torres (PS): - Sr. Presidente, como que de me ausentar alguns segundos, não estava aqui presente no momento da votação da proposta de eliminação do n.º 4 do artigo 65.º, mas com certeza que teria votado contra.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global do texto aprovado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo à proposta de lei n.º 134/V (Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira).
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do PCP, do PRD e dos deputados independentes Raul de Castro, Corregedor da Fonseca e José Magalhães e abstenções do CDS, dos deputados do PSD Álvaro Dâmaso, Ourique Mendes e Vargas Bulcão e do deputado do PS Mota Torres.
O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.
O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Só queria anunciar que entregaremos na Mesa uma declaração de voto.
O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Pereira.
O Sr. Jorge Pereira (PSD): - Sr. Presidente, lambem quero anunciar que entregaremos na Mesa uma declaração de voto.
O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Mota Torres.
O Sr. Mota Torres (PS): - Sr. Presidente, quero informar a Camará de que entregarei na Mesa uma declaração de voto por escrito.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, julgo depreender que os Srs. Deputados Ourique Mendes, Vargas Bulcão e Nogueira de Brito pretendem entregar na Mesa as respectivas declarações de voto, o que desde já fica assinalado.
Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, eu pretendo fazer uma declaração de voto oral e não entregá-la por escrito.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, sabe que, de acordo com o Regimento, tal não é possível.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, isso significa que não posso dispor do tempo para o debate que ainda me resta?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu solicitei que entregassem na Mesa as declarações de voto por escrito, pela seguinte razão: no quadro do Regimento e podemos concordar com ele ou não, as declarações de voto, em votação final global, suo possíveis quando não há discussão na especialidade. Suponho que estamos iodos de acordo, não é assim?
Pausa.
Srs. Deputados, como não há oposição, vamos passar à votação final global do texto da Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente relativo ao projecto de lei n.º 549/V, que altera a Lei n.º 29/37, de 30 de Junho-Estatuto dos Eleitos Locais.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Helena Roseta e Carlos Macedo.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Almeida Santos, deseja usar da palavra para que efeito?
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, quero apenas anunciar, para não parecer que, por abstenção, o não faremos, que iremos também fazer uma declaração de voto sobre esta matéria.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É sabido o interesse e o empenho que Francisco Sá Carneiro sempre devotou às autonomias regionais, sendo, na nossa opinião, o principal obreiro da mudança de mentalidades que, após o 25 de Abril de 1974, propiciou a actual arquitectura constitucional nesta matéria.
É assim bem grato ao PSD, praticamente no 10.º aniversário da sua morte, em declaração de voto, expressar o seu sentido favorável ao primeiro Estatuto, dito definitivo, da Região Autónoma da Madeira. É mais uma justa homenagem esta que aqui hoje prestamos a Francisco Sá Carneiro.
Do Estatuto provisório, de inegáveis méritos, mas ultrapassado, passa-se agora a um Estatuto definitivo, cumprido que foi todo o circuito institucional e constitucional.
Para que se conseguisse um texto conforme com este desiderato, foi necessário, em sede de Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, face à diversidade das perspectivas dos deficientes partidos, proceder-se a um trabalho profícuo, com aceitos constitucionais que não invalidam o mérito da mais do documento elaborado pela Assembleia Legislativa Regional e globalmente respeitada.
A presente aprovação é também uma homenagem que se presta à própria Assembleia Legislativa Regional, nos lermos em que se cumpre, desta forma, a harmonia entre instituições prevista pela Constituição para a tramitação especial do estatuto.
O PSD está certo de que este Estatuto acolhe e cumpre os interesses da Região Autónoma da Madeira a do País.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tom a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PS votou favoravelmente, em votação final global, o texto aprovado na 3.ª Comissão e no Plenário - na parte avocada - depois de ter votado contra alguns dispositivos na especialidade, alguns deles com fundamento em inconstitucionalidade (artigo 8.º, n.º 2 e 3; artigo 10.º, n.ºs 2, 3, 4 e 5; artigo 11.º: artigo 65.º, n.º 4), por ter entendido que é tempo de a Região Autónoma da Madeira dispor de um Estatuto definitivo.
Provavelmente não será este ainda o texto desse Estatuto, visto que não é difícil prever que tenha de vir a ser expurgado das referidas inconstitucionalidades, após a declaração das mesmas pelo tribunal competente. O Grupo
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Parlamentar do PSD quis que assim fosse, desprezando as advertências dos deputados socialistas quanto a essas inconstitucionalidades.
Mas mais facilmente se expurgará um texto aprovado pela Assembleia dos dispositivos que mantêm em desacordo com a Constituição do que se repõe esse texto após ter sido parlamentarmente reprovado. Como se sabe, a reposição da proposta dependeria da Assembleia Regional e nada garante que o Presidente do Governo Regional, com cujas opiniões em regra a Assembleia coincide, não viria de novo a tomar-se de caprichos, recusando-se, por mais uns anos, a repetir a iniciativa. Aconteceu assim, como é sabido, com a primeira proposta de Estatuto definitivo, após ter sido reprovada por inconstitucionalidades várias.
O produto final mostra-se expurgado da maioria das inconstitucionalidades que o Grupo Parlamentar do PS caracterizou durante a discussão na generalidade, curiosamente com o voto favorável do Grupo Parlamentar do PSD. O destempera com que o Presidente do Governo Regional respondeu à alegação delas fica assim sem a cobertura do seu próprio partido.
Foi pena que não tivessem igual destino as que agora restam para amostra, que são tão óbvias como as que foram expurgadas. Mas a teimosia nem sempre respeita a evidencia.
O Grupo Parlamentar do PS congratula-se pelo facto de ter contribuído com grande número de propostas de alteração que foram aprovadas. Outras mereciam tê-lo sido, mas as que o foram contribuíram decisivamente para valorizar a proposta da Assembleia Regional, onde, a par dos dispositivos inconstitucionais arredados, eram detectáveis dispositivos sem dignidade estatutária.
Tudo isso - ou quase tudo - foi corrigido com espírito construtivo e algum bom senso. O que de errado permanece, com o voto contra ou a abstenção do Grupo Parlamentar do PS, tem responsável certo: o grupo parlamentar majoritário, que, por mal dos Madeirenses, pôde uma vez mais impor a sua vontade.
O mais curioso e grave da margem de imposição que no texto final deixou traço há-de consistir num conjunto de alterações à proposta da Assembleia Legislativa Regional, constantes de três propostas subscritas pelos mesmos três deputados do PSD, todas elas, ou quase, de natureza fortemente reducionista do reforço da autonomia regional que à Assembleia da República foi proposto.
Não se há-de estranhar que quanto a muitas delas o Grupo Parlamentar do PS tenha votado contra, por lhe parecerem razoáveis os reforços propostos, nem que, tendo assim votado, tenha coincidido com o seu voto o de deputados pelo círculo regional da Madeira, sem distinguir entre deputados do PS e deputados do PSD, que não puderam acompanhar o sentido de voto deste partido.
A aparência criada foi a de que aquelas três propostas tiveram génese e inspiração não de todo líquida e transparente, dados o seu comum sentido, o facto de a imprensa se ter feito eco de negociações e acordos estranhos ao Parlamento e, não menos, a singular resignação do Sr. Presidente do Governo Regional, de seu feitio tão pouco propenso a deixar passar sem um comentário áspero quem lhe apouca a dimensão autónoma. Desta vez, apesar de saber que havia no Parlamento condições para evitar esses cortes, quedou silencioso. Ou se passou algo ou está perdendo virtudes.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a próxima reunião plenária terá lugar amanhã, pelas 15 horas, constando da respectiva ordem de trabalhos a discussão conjunta dos projectos de lei n.ºs 593/V e 595/V (PCP), 627/V (PS) e 629/V (PRD), sobre reformas e pensões de velhice e invalidez, modificação do respectivo sistema de cálculo e valorização das prestações sociais em favor da infância, da juventude e da família.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 40 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
António Augusto Ramos
António Manuel P. Borges Balão.
Arménio dos Santos.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Francisco Mendes Costa.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Henrique Nascimento Rodrigues.
José de Vargas Bulcão.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Carlos Cardoso Lage.
José Apolinário Nunes Portada.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alfredo Brito.
Maria lida Costa Figueiredo.
Maria Odete Santos.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Hermínio Paiva Fernandes Maninho.
Centro Democrático Social (CDS):
José Luís Nogueira de Brito.
Deputado independente:
Maria Helena Salema Roseta.
Faltaram â sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Adérito Manuel Soares Campos.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
António Maria Pereira.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Cecília Pita Catarino.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Flausino José Pereira da Silva.
João Maria Oliveira Martins.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
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José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Manuel da Costa Andrade.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Jorge Belo Maciel.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Rui Carlos Alvarez Caro.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Edmundo Pedro.
Helena de Melo Torres Marques.
João Rosado Correia.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Leonor Coutinho dos Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui Pedro Machado Ávila.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Domingos Abrantes Ferreira.
João António Gonçalves do Amaral.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Octávio Rodrigues Pato.
Partido Renovador Democrático (PRD):
António Alves Marques Júnior.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Narana Sinai Coissoró.
Deputados independentes:
Carlos Matos Chaves de Macedo.
Declaração de voto enviada à Mesa para publicação sobre o voto de pesar pelo falecimento de Michel Giacometti.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Calou-se a voz, calaram-se os passos que, decénios a fio, buscaram a criatividade popular portuguesa, recolhendo, preservando e difundindo um património inigualável. Tudo começou com o breve itinerário de uma paixão: o jovem deixara a Córsega, demandara mundos e, um dia, depois do Tejo e da brandura melancólica de Lisboa, encontrou o fascínio das terras austeras onde se não via vivalma. Ouviu o canto dos homens e mulheres de quotidiano escondido na placidez de Peroguarda ou nas faldas sotumas do Nordeste. E, de estacão a estação, de fita em fita, registou um cancioneiro tecido de brumas e alacridade. Nenhum jorro esqueceu. Não quis que se perdessem as aves fugidias da memória musical. Devagar, num saber de porfias, minudências, devoções, foi restituindo a autenticidade e o rigor de uma arte que o descaso ultrajara, que o premeditado abandono parecera condenar. Assim: estrada após estrada, desafio a desafio. Dormia em toldos e cabanas, sob a chuva e os esplendores da lua, em casas de gente aldeã cujo pão e vinho partilhou, nos espaços exíguos entre trabalhos. Andarilho e operário, sonhador e disciplinado, exigente mas, pelos impulsos generosos, capaz de todo o perdão, o Corso, naquele seu jeito despojado, herdara dos trovadores, do Garrett do «Romanceiro», da estirpe excelente dos Aleixos, o seu destino sem remédio. Irmão de José Afonso e Lopes-Graça, de ganhões e curas de alma desbloqueada, semeou amizades, aviventou esperanças como quem toca no tojo o clamor do oiro.
De tanto coração retalhado, de tão vastos horizontes, do engenho sadio fez a obra imperecível que continuará maravilhando os nossos instantes futuros. Por ela lhe diremos, deste lado da ternura: Até sempre.
Calou-se a voz, calaram-se os passos. Morreu Michel Giacometti. E apeteceria talvez cantar. Contra o luto ou a saudade. Como ele quereria. Por amor dos outros e pelo tempo que há-de fulgir.
O Deputado do PCP, José Manuel Mendes.
Declarações de voto enviadas à Mesa para publicações relativas ao Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.
Em declaração de voto apresentada no final do debate na generalidade da proposta de lei n.º 134/V, declarou o Grupo Parlamentar do CDS que optava pela abstenção, por considerar que, sendo inegável a importância do diploma em apreço, não poderia este ser objecto de ligeira ou complacente atenção, e que as graves e reconhecidas inconstitucionalidades de que vinha ferido impediam o voto favorável do nosso partido.
Obviamente que, em sede de votação final global, não poderíamos alterar a nossa postura, que consideramos de rigor.
Sendo certo que reconhecemos constituir um assinalável passo no amadurecimento da autonomia da região o facto de finalmente ser aprovado nesta casa o seu Estatuto Político-Administrativo, não poderíamos ainda assim ignorar que o texto proveniente da comissão continua, como se comprovou na discussão em Plenário, a enfermar de vícios de inconstitucionalidade grosseiros, dos quais ressaltamos nesta declaração de voto um, pela especial gravidade de que se reveste, e que consiste no verdadeiro atentado que é perpretado ao princípio da proporcionalidade nas eleições para a assembleia legislativa regional.
Por outro lado ainda, não compreendemos que esta assembleia aprove segundo uma aparente política «de dois pesos e de duas medidas»- normas relativas às competências dos órgãos próprios das regiões autónomas que consagram soluções diferentes das que já consagrou para a Região Autónoma dos Açores.
O que fica exposto não é negável ou torneável. É, muito pelo contrário, suficientemente grave para que, apesar da natural satisfação que temos pelo facto de, finalmente, se dotar a Região Autónoma da Madeira de um Estatuto Político-Administrativo aprovado pela Assembleia da República, optemos pela abstenção.
O Deputado do CDS, Nogueira de Brito.
A Região Autónoma da Madeira disporá a partir de agora de um Estatuto Político-Administrativo definitivo.
Lamentavelmente não é o estatuto que a Madeira e o Porto Santo mereciam e a sua aprovação, longe de ser o
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resultado de um saudável e construtivo debate parlamentar pelo contrário, a sua revelia - foi o culminar de um mal conhecido e cinzento processo de negociação entre o Governo da República e o Governo Regional, de que ninguém conhece os contornos e o alcance, mas que de todo em todo não prestigiou as partes intervenientes.
Como manifestação da mais rematada hipocrisia política, a maioria PSD na Assembleia Legislativa Regional da Madeira aprovou um parecer em que refere não se justificarem, sem boa lógica democrática, as alterações introduzidas pela Assembleia da República», fazendo vista grossa ao facto de parte dessas alterações, porventura as mais substanciais, resultarem do acordo entre o Primeiro-Ministro e o Presidente do Governo Regional e terem sido impostas pela omnipotente maioria PSD na Assembleia da República.
É assim que o Estatuto da Madeira não verá contemplados direitos já há muito consagrados no dos Açores e de que o presidente da comissão política regional do PSD-Madeira (Presidente do Governo Regional) abdicou nas suas negociações com o Primeiro-Ministro, prejudicando a Madeira e os Madeirenses e contribuindo para que se ene a insólita situação de duas regiões autónomas, com o mesmo enquadramento constitucional, disporem de prerrogativas estatutárias diferenciadas em matérias essenciais.
O Partido Socialista e eu próprio lá fomos resistindo a todas as provocações, contribuindo para que o texto a adoptar correspondesse à expectativa de todos os madeirenses e porto-santenses e às exigências de um futuro tão promissor e difícil que, por si só, deveria ser capaz de uma prova de bom senso de que todos fossemos capazes O PSD já provou que não 6 capaz de bom senso; já mostrou que não merece confiança democrática para continuar a ser majoritário.
Foi assim que, de uma proposta recheada de inconstitucionalidades da sua autoria sua, do PSD -, se elaborou um texto capaz de dignificar, de forma insuspeita, a Assembleia Legislativa Regional, a Assembleia da República, a autonomia e o País. Rejeitaram-na os PSD de cá e de lá através dos seus líderes: assim será! Reafirmando eu a minha intenção de, podendo, evitar que o texto final contemple inconstitucionalidades indesejáveis para todos.
£ nem aqui, em sede de Estatuto Político-Administrativo, o PSD-Madeira, alargando a sua influência, permitiu que se desfizesse a ideia, cada vez mais vincada e compaginável com a realidade, de que a sua acção e, enquanto maioria e governo, tendencialmente antidemocrática e autoritária. De facto, inviabilizando a consagração estatutária dos direitos da oposição, o PSD, nas suas diferentes versões, remou contra o pluralismo, esgrimiu contra a democracia, combateu de forma evidente a autonomia...
O Estatuto, por agora, está aprovado. No futuro, em sede de revisão, democraticamente, procuraremos de novo fazer vingar as nossas posições sobre o regime. Sempre a seu favor, da autonomia e do País.
Assumi com muito optimismo este debate aquando da discussão na generalidade da proposta de lei n.º 134/V. Não tenho hoje, já, as mesmas razões de satisfação. Como democrata, fico confiante nas oportunidades que a democracia não deixará de dar ao futuro de Portugal.
É indiscutível que queremos o Estatuto definitivo para a Madeira. Não o é menos que, ao que fica dito, não poderei senão abster-me.
O Deputado do PS, Mota Torres.
Ao fim de 14 anos sempre foi desta que a Região Autónoma da Madeira tem um Estatuto Político-Administrativo definitivo.
Demorou demais? Demorou pouco? Talvez nem uma coisa nem outra - provavelmente, demorou o tempo necessário para que os órgãos de governo próprio, designadamente a assembleia legislativa regional, concluíssem estar a Região finalmente preparada para definir o Estatuto da sua autonomia.
Antes tarde do que nunca e antes bem que mal. Com efeito, valeu a pena a espera, só pelo facto de a proposta de lei ler recebido na votação na generalidade um amplo consenso, com apenas um partido a abster-se.
E com isto caiu pela base o argumento da má vontade dos senhores do continente contra as autonomias, em particular contra a autonomia da Região Autónoma da Madeira.
Na realidade, com este argumento não se pretendia mais do que iludir o essencial - a de que cabia à assembleia legislativa regional apresentar a proposta de lei e apresentá-la em termos tais que a autonomia saísse aprofundada, no respeito pela Constituição da República.
Em muitos aspectos tem de reconhecer-se que a proposta de lei da assembleia legislativa regional traduz uma evolução em relação à posição inicial e um esforço seno no sentido de desenvolver a autonomia sem desrespeito dos princípios fundamentais.
É para nós clara essa tentativa de autocontenção do legislador regional, tanto mais visível quando confrontada com opções específicas da proposta, em que, apesar do esforço, foi irresistível ir até ou mesmo para alem dos limites constitucionalmente estabelecidos, como a introdução de um título destinado a regulamentar a organização judiciária da região.
Mas esse facto não é, por si só, penalizador do mérito global da proposta, porque temos paia nós que munas das previsões que cia integra foram lá postas precisamente paia serem recusadas e para salvar a face de quem, na verdade, quer dar a impressão de que um passo em frente quando na verdade deu dois pasmos atrás.
Não quer isto dizer que não tenha terminado a desconfiança mútua - pelo contrário, quem canta já sabe esta farsa de cor e sabe que a popularidade é prima da originalidade das propostas, da postura e, essencialmente, do tom.
Mas não nos zangamos com isso, até porque já são muitos os que se habituaram a responder com o mesmo excesso.
Todavia, isso não impede quo lamentemos por muito do essencial ter sido, e continuar a ser, abafado pela discussão calorosa dos temas regionais.
E o essencial é ter uma ideia tão clara quanto possível do que são e do que devem ser as autonomias regionais no quadro da organização o funcionamento do Estudo.
Do que se trata é saber, em termos mais concretos do que os expressos na própria constituição, o âmbito, a amplitude e os limites das autonomias regionais.
Isto não quer dizer que já não se tenha avançado muno nessa concretização, mas a verdade é que existem aspectos
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que, sendo formais, não suo tilo decisivos que justifiquem a perda de tanto tempo na sua discussão.
A proposta de lei está eivada dessas tentativas subtis de desviar o debate do essencial, até pela simples omissão.
Mas não muito menos eivada dessas tentativas está a discussão havida na especialidade e muitas das propostas de alteração apresentadas pelos diversos partidos.
Com eleito, ao analisarmos as propostas de alteração apresentadas pelo PSD, pelo PS e, até, pelo PCP, e as respectivas votações, ficamos com dúvidas se é só sobre as ilhas que paira alguma turbulência de ideias.
Depois de se posicionarem todos na linha de partida para a corrida dos campeões da soberania vemos que estes partidos, apesar do discurso musculado, hesitam no que é realmente essencial na definição de soberania e na sua tradução prática.
Vai daí que, de tantos passos para a frente e para trás que alternadamente vão dando, no fim, aparecem estupefactos a olhar por cima do ombro uns para os outros sem perceberem muito bem quem está à fronte e sem conseguirem esclarecer se avançaram ou retrocederam mais do que, alguns metros em relação à linha de partida.
É tal a confusão que, a confirmá-la, todos se conluiam em acordo na sugestão do artigo 30.º da proposta final de que a «tutela das autarquias locais e a sua demarcação territorial» e a «orientação, direcção, coordenação e fiscalização dos serviços e institutos públicos e das empresas nacionalizadas ou públicas que exerçam a sua actividade exclusiva ou predominante na Região» (para não falar de «museus, bibliotecas e arquivos» e «espectáculos e divertimentos públicos»), constituem matérias de interesse específico para a Região, mas sempre «sem prejuízo das obrigações assumidas pois Portugal, enquanto Estado membro das Comunidades Europeias)».
Como se a tutela sobre as autarquias locais e sua demarcação, por exemplo, tivesse de ser encarada seja para o que for sem prejuízo dos ditames da CEE.
Quer dizer como concidadãos e representantes políticos do povo português, onde, naturalmente, se incluem os Madeirenses, como irmãos passamos a vida a barafustar por uma migalha de soberania perdida ou ganha a favor da soberania ou da autonomia; como filhos, tal qual alguns insistem em posicionar-nos em relação à CEE, estamos quietos porque o pai tem uma palma a dizer, se ele próprio não entender dever decidir.
Para que uma referencia deste tipo num diploma tão importante e significativo na definição da estrutura do Estado, quando se discute tão exarcebadamente a parcela de poder, as atribuições e competências de uma região autónoma?
Apesar de tudo, pensamos que o texto final votado é um diploma aceitável.
Nem tudo foi melhorado em relação a proposta de lei apresentada pela Assembleia Legislativa Regional. Realçaremos apenas um aspecto: o facto de não ter sido possível, por intransigência do PSD, alterar as normas relativas à eleição da Assembleia Legislativa Regional, que põem claramente em causa o princípio da representação proporcional e estabelecem discriminações inadmissíveis entre os cidadãos residentes na Madeira e os residentes no continente, tanto na capacidade eleitoral activa como na passiva.
Por esta e por outras, este não será o Estatuto Político-Administrativo ideal da Região Autónoma da Madeira.
No entanto, o quê o PRD receia é que ele não chegue a ser o Estatuto que era possível e, principalmente, desejável.
O Deputado do PRD, Barbosa da Costa.
Nos termos constitucionais, a Assembleia Legislativa Regional da Madeira apresentou à Assembleia da República proposta de lei do Estatuto Político-Administrativo.
Na discussão na especialidade em comissão, foram introduzidas algumas alterações.
Em conformidade com a Constituição e o Regimento, foi o texto aprovado na especialidade enviado à Assembleia Legislativa Regional da Madeira, a qual emitiu parecer discordante relativamente às alterações introduzidas.
Ao emitir o relendo parecer, enviado à Assembleia da República, a Assembleia Legislativa Regional revelou a sua vontade de, mau grado a discordância quanto às alterações introduzidas, ver aprovado o Estatuto dito definitivo, reconhecendo-o, assim, como mais benéfico para a Região do que o Estatuto até agora vigente.
A bondade do texto inicial na sua globalidade e a matriz original que subsistem, conjugadamente com a vontade manifestada pela Assembleia Legislativa Regional, foram determinantes no sentido de voto dos deputados do PSD eleitos pelo círculo eleitoral da Madeira na votação final global do Estatuto.
Em coerência com a posição assumida nas votações na especialidade, em comissão, não podem deixar de legislar o seu desacordo relativamente as alterações introduzidas no texto inicial, na medida em que desrespeitam a vontade dos Madeirenses, correcta e legitimamente interpretada pela Assembleia Legislativa Regional da Madeira.
O Estatuto ora aprovado mereceu lambam o nosso voto porquanto consagra significativos avanços relativamente ao estatuto provisório, de que se salientam, entre outros, os seguintes:
I) Mais ampla definição do âmbito territorial da Região, de modo a ficar clara a inclusão do mar circundante o seus fundos, bem como as águas territoriais e zona económica exclusiva;
II) Definição de que a representação da Região compete aos seus órgãos de governo próprio;
III) Redefinição dos círculos eleitorais em maior conformidade com a natureza específica da Região e consequente redução do número de deputados à assembleia legislativa regional, assegurando-se a plurinominalidade em iodos os círculos;
IV) Criação de círculos eleitorais para naturais não residentes, em particular um destinado exclusivamente aos emigrantes;
V) Alargamento das competências da Assembleia Legislativa Regional e dos deputados, bem como a definição dos seus direitos e obrigações;
VI) Definição de um vasto elenco de matérias de interesse específico regional relativamente ao qual o Estatuto provisório era completamente omisso;
VII) Consagração do Governo Regional como órgão de condução da política regional e
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como órgão superior da administração pública regional;
VIII) Definição do estatuto dos membros do Governo Regional e flexibilização da estrutura do Governo, com eventual inclusão de subsecretários regionais;
IX) Definição das relações entre os órgãos de soberania e os órgãos regionais e possibilidade de celebração de protocolos em várias áreas de interesse para a Região e designadamente no respeitante a acordos e tratados de direito internacional;
X) Definição do elenco de matérias de direito internacional que interessam à Região e garantia da sua participação nas negociações tendentes à celebração de tratados e acordos, bem como à sua execução £ fiscalização;
XI) Clarificação da estrutura da administração pública regional e dos princípios por que se rege, assegurando-se que a legislação nacional relativa à função pública terá em conta as especificidades da Região.
XII) Consagração de que a Região beneficiará dos apoios comunitários de âmbito nacional com consideração das especificidades regionais;
XIII) Garantia de um serviço mínimo de transporte aéreo entre o continente e a Madeira em caso de greve;
XV) Consagração estatutária da Zona Franca Industrial do Centro de Operações Financeiras Internacional (off-shore) e do Centro de Registo de Navios da Madeira;
XV) Clarificação do âmbito das receitas regionais incluindo as receitas das privatizações;
XVI) Consagração de um sistema fiscal próprio para Região;
XVII) Definição mais ampla do património público e privado da Região;
XVIII) Garantia, já em execução no Orçamento do Estado para 1991, da aproximação à média nacional das verbas destinadas aos municípios da Região com base no critério da capitação.
Importa ainda ter presente que algumas matérias retiradas do texto inicial do Estatuto estão a ter consagração legislativa noutras sedes, conseguindo-se assim, e nesses pontos, satisfazer a vontade veiculada pelo texto inicial do Estatuto.
Assim, o Orçamento do Estado para 1991 consagrará já a eliminação da percentagem que a Região pagava ao Estado como compensação pelo serviço de cobrança dos impostos, bem como a eliminação da taxa de aval dos empréstimos contraídos pela Região.
Será também criado, por diploma próprio, um tribunal administrativo de círculo na região e um tribunal tributário de 1.ª instância.
Apesar de não se tratar ainda, em toda a sua extensão, do Estatuto pretendido pela região, o texto ora aprovado não deixa de trazer os benefícios apontados, traduzindo avanço e reforço da autonomia regional.
Os Deputados do PSD Eleitos pelo Círculo Eleitoral da Madeira: Guilherme Silva -Carlos Léli - Jorge Pereira.
Em tempo. - A presente declaração de voto mereceu a concordância da Sr.ª Deputada Cecília Catarino, que só não a subscreve por se encontrar ausente no estrangeiro integrada em representação parlamentar.
Os REDACTORES: José Diogo - Isabel Barral - Cacilda Nordeste.
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