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I Série - Número 30
Quarta-feira, 16 de Janeiro de 1991
DIÁRIO da Assembleia da República
V LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1990-1991)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 15 DE JANEIRO DE 1991
Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários: Ex.mos Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
Apolónia Maria Pereira Teixeira
Daniel Abílio Ferreira Bastos
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a alguns outros entrados na Mesa.
Foi aprovado um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos relativo à substituição de um deputado do PCP.
Em declaração política, o Sr. Deputado Mário Montalvão Machado (PSD) congratulou-se pela reeleição do actual Presidente da Republica e pela forma como decorreu o acto eleitoral, tendo ainda criticado o Sr. Deputado Jorge Sampaio por só ter regressado à Assembleia após as eleições. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Narana Coissoró (CDS) e Carlos Brito (PCP).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Jorge Sampaio (PS) saudou o Presidente da República eleito e os que o apoiaram, tendo, depois, referido as principais linhas de actuação de um futuro governo PS. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Domingos Duarte Lima e José Pacheco Pereira (PSD), Fernando Cardoso Ferreira, João Pedreira Matos e José Silva Marques (PSD), que também usou da palavra em defesa da honra e consideração.
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Carlos Alfredo de Brito (PCP). analisando as eleições presidenciais, valorizou os resultados da candidatura de Carias Carvalhas.
Finalmente, em declaração política. o Sr. Deputado Carlos Lilaia (PRD) salientou o elevado índice de abstenção registado nas eleições presidenciais e teceu comentários sobre as diferentes candidaturas. Prestou depois esclarecimentos ao Sr. Deputado Narana Coissoró (CDS).
O Sr. Deputado Adriano Moreira (CDS) abordou a problemática da guerra no Golfo e, depois, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Manuel Alegre e Sottomayor Cárdia (PS), João Amaral (PCP) e Marques Júnior (PRD).
Entretanto, a Sr.a Deputada Natália Correia (PRD) louvou-se na atitude dos partidos e do Governo quanto à não participação militar de Portugal no conflito do Golfo.
A Mesa deu conta do pedido de renuncia do mandato de deputado apresentado pelo Sr. Deputado Vítor Constando (PS).
Foi aprovado um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos no sentido de não autorizar uma deputada a depor em tribunal.
Ordem do dia. - Após a aprovação dos votos n.ºs 178/V a 181/V (PS) - respectivamente, de congratulação pela reeleição do Dr. Mário Soares no cargo de Presidente da Republica; de congratulação pelo desenvolvimento do processo de transição para a democracia de Cabo Verde; de protesto petos graves Incidentes ocorridos na República da Lituânia; e exortando o Governo e o povo do Iraque a darem cumprimento a todas as resoluções do Conselho de Segurança da ONU -, produziram declaração de voto os Srs. Deputados Manuel Alegre (PS), Carlos Alfredo de Brito (PCP), Joaquim Fernandes Marques (PSD). Barbosa da Costa (PRD) e Nogueira de Brito (CDS).
Procedeu-se à apreciação do texto alternativo elaborado petos Grupos Parlamentares do PSD e do PS aos Inquéritos parlamentares n.ºs 20/V (PS) e 21/V (PSD), sobre os perdões fiscais atribuídos pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que mereceu a aprovação da Cornara. Intervieram no debate, a diverso título, os Srs. Deputados Rui Machete (PSD), Octávio Teixeira (PCP). Manuel dos Santos (PS), Rui Alvarez Carp (PSD). Rui Silva (PRD) e Nogueira de Brito (CDS).
O texto alternativo, apresentado peto PSD, á proposta de lei n. º 159/V (Regula o regime dos loteamentos urbanos) foi aprovado em votação final global, tendo antes sido aprovada, na especialidade, uma proposta de alteração ao artigo l.º. apresentada ainda peto PSD. Produziram declarações de voto os Srs. Deputados Ilda Figueiredo (PCP), Leonor Cominho (PS), Nogueira de Brito (CDS) e Rui Silva (PRD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 50 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 25 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda Queirós.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Casimira Gomes Pereira.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcíneo António Campos Rebelo.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maria Oliveira Martins.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Alfredo Godinho da Silva.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Licínio Moreira da Silva.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Antónia Pinho e Melo.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rosa Maria Tomé e Costa.
ui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Gomes da Silva
Rui Manuel Almeida Mendes.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.
Walter Lopes Teixeira.
Partido Socialista (PS):
Ademar Sequeira de Carvalho.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
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Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
António Miguel de Morais Barreio.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Edmundo Pedro.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Helena de Melo Torres Marques.
Henrique do Carmo Carminé.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
Jorge Lacão Costa.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Castro Dias.
Leonor Coutinho dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Pedro Lopes Machado Ávila.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
Ana Paula da Silva Coelho.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Antunes Mendes. J
osé Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Maria Odete Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Octávio Rodrigues Pato.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Alexandre Manuel Fonseca Leite.
António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
José Carlos Pereira Lilaia.
Natália de Oliveira Correia.
Rui José dos Santos Silva.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
Narana Sinai Coissoró.
Deputados independentes:
Carlos Matos Chaves de Macedo.
Herculano da Silva Pombo Sequeira.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
Manuel Gonçalves Valente Fernandes.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente que deu entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa e foram admitidos, os seguintes diplomas: proposta de lei n.º 165/V - Define o regime de protecção social dos eleitos locais (Altera a Lei n.º 29/87, de 30 de Junho, Estatuto dos Eleitos Locais)-, que baixa à 6.º Comissão; projecto de lei n.º 658/V-Reorganização administrativa do concelho de Oeiras em nove freguesias: Algés, Barcarena, Carnaxide, Linda-a-Velha, Oeiras e São Julião da Barra, Paço de Arcos, Porto Salvo, Cruz, Dafundo e Queijas-, apresentado pelo Sr. Deputado Jorge Paulo Cunha e outros, do PSD, que baixa à 6.ª Comissão; projecto de lei n.º 6S9/V - Alteração da denominação do concelho de Santa Maria da Feira -, apresentado pelo Sr. Deputado Manuel Baptista Cardoso, do PSD, que baixa à 6.ª Comissão; projecto de lei n.º 660/V- Elevação de Santo António dos Cavaleiros à categoria de vila-, apresentado pelo Sr. Deputado Jerónimo de Sousa e outros, do PCP, que baixa à 6.º Comissão; projecto de lei n.º 661/V-Financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais-, apresentado pelo Sr. Deputado Hermínio Martinho e outros, do PRD, que baixa as 3.ª e 8.ª Comissões; projecto de lei n.º 662/V- Elevação da povoação de Estômbar à categoria de vila-, apresentado pelo Sr. Deputado António Esteves e outros, do PS, que baixa à 6.ª Comissão; ratificação n.º 15 l/V, relativa ao Decreto-Lei n.º 401/90, de 20 de Dezembro, que aprova o plano técnico de frequência e as condições técnicas necessárias para o exercício da actividade de televisão, apresentada pelo Sr. Deputado Carlos Brito e outros, do PCP; ratificação n.º 1S2/V, relativa ao Decreto-Lei n.º 7/91, de 8 de Janeiro, que transforma a empresa pública Electricidade
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de Portugal, E. P., em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, apresentada pelo Sr. Manuel dos Santos e outros, do PS.
Deram também entrada na Mesa, nas últimas reuniões plenárias, os requerimentos seguintes: ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados José Manuel Mendes, Cerqueira de Oliveira e João Proença; ao Ministério da Indústria e Energia, formulados pelos Srs. Deputados Júlio Antunes e Raul Castro; ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulados pelos Srs. Deputados Jorge Lemos e Vítor Costa; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Jorge Lemos, José Apolinário, Vítor Costa, Carlos Brito, Guerreiro Norte, Daniel Bastos e Fernando Conceição; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados José Apolinário, Marta Soares, Armando Reis e João Rui; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado José Apolinário; à Secretaria de Estado da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado António Varinhos; a diversos ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Barbosa da Costa; ao Ministério das Finanças, formulados pelos Srs. Deputados Apolónia Teixeira, Jerónimo de Sousa, Octávio Teixeira, Ilda Figueiredo e Raul Castro; ao Ministério do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelos Srs. Deputados Apolónia Teixeira e Virgílio Carneiro; a diversas câmaras municipais, formulado pelo Sr. Deputado António Varinhos; ao Ministério da Educação, formulado pelos Srs. Deputados Luís Roque, Jorge Lemos, Carlos Brito, Virgílio Carneiro e António Filipe; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais e ao Ministério da Administração Interna, formulados pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelo deputado João Amaral; ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, formulados pelos Srs. Deputados Rogério de Brito e Cerqueira de Oliveira; à Secretaria de Estado da Segurança Social, formulado pelo Sr. Deputado Cerqueira de Oliveira; ao Governo Regional dos Açores, formulado pelo Sr. Deputado Rui Ávila.
Por sua vez, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Maia Nunes de Almeida, na sessão de 13 de Fevereiro; Carlos Luís, na sessão de 22 de Fevereiro e na Comissão Permanente do dia 19 de Setembro; Caio Roque, na sessão de 29 de Março e na Comissão Permanente do dia 28 de Agosto; Lourdes Hespanhol, nas sessões de 29 e 31 de Maio; Dinah Alhandra, na sessão de 5 de Junho; Casimiro de Almeida, na sessão de 12 de Junho; Odete Santos, na sessão de 19 de Junho; Laurentino Dias nas sessões de 4 de Julho, 13 de Agosto e 10 de Setembro; Lino de Carvalho, na sessão de 10 de Julho e na Comissão Permanente do dia 6 de Setembro; Filipe Abreu e Virgílio Carneiro, na sessão de 12 de Julho; Júlio Antunes, nas sessões de 13 e 25 de Julho e na sessão de 24 de Outubro; Helena Torres Marques e Ilda Figueiredo, na sessão de 25 de Julho; José Apolinário, nos dias 13 de Agosto e 1 de Outubro e na sessão de 16 de Outubro; Hermínio Martinho e Sérgio Ribeiro, na Comissão Permanente do dia 28 de Agosto e na sessão do dia 4 de Outubro; Sérgio Ribeiro, na Comissão Permanente do dia 28 de Agosto e na sessão de 24 de Outubro; Herculano Pombo na Comissão Permanente do dia 13 de Setembro; Carlos Luís, na sessão de 22 de Fevereiro e na Comissão Permanente do dia 19 de Setembro; Armando Vara, na Comissão Permanente do dia 19 de Setembro; Fernando Conceição, no dia 4 de Outubro; Mário Maciel, na Comissão Permanente do dia 13 de Setembro;
Leonor Coutinho, nas sessões de 16 de Outubro e de 15 de Novembro; Mota Torres, na sessão de 16 de Outubro; Joaquim Teixeira, na sessão de 18 de Outubro; José Magalhães, na sessão de 18 de Outubro; Jerónimo de Sousa, na sessão de 19 de Outubro; Luís Roque, na sessão de 24 de Outubro e 5 de Dezembro; Miranda Calha, na sessão de 30 de Outubro; Valente Fernandes, na sessão 9 de Outubro; Vítor Costa, na sessão de 15 de Novembro; António Mota, nas sessões de 20 de Novembro e 7 de Dezembro; Cristóvão Norte, na sessão de 29 de Novembro; Oliveira Martins, na sessão de 20 de Novembro; António Filipe, na sessão de 7 de Dezembro.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.
Foi lido. É o seguinte:
Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos
Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos realizada no dia 3 de Janeiro de 1990, pelas 15.00 horas, foi observada a seguinte substituição de deputado solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português (PCP):
Rogério Paulo Sardinha Sousa Moreira (círculo eleitoral de Lisboa), por João Camilo Vieira Carvalhal Gonçalves. Esta substituição é solicitada nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), por um período de dois meses, com início em 1 de Janeiro corrente, inclusive.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
João Domingos F. de Abreu Salgado (PSD), presidente- Alberto Marques de O. e Silva (PS), vice-presidente - Manuel António Sá Fernandes (PSD), secretário - Alberto Monteiro de Araújo (PSD) - António Paulo M. Pereira Coelho (PSD) - Arlindo da Silva André Moreira (PSD) - Belarmino Henriques Correia (PSD) - Carlos Manuel Pereira Batista (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Domingos da Silva e Sousa (PSD) - Fernando Monteiro do Amaral (PSD) - João Álvaro Poças Santos (PSD) - José Augusto Ferreira de Campos (PSD)- José Augusto Santos da S. Marques (PSD) - José Manuel da Silva Torres (PSD)- Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD) - António A. Lacerda de Queiroz (PSD) - Valdemar Cardoso Alves (PSD) - Carlos Cardoso Lage (PS) - Carlos Manuel N. da Costa Candal (PS) - José Luís do
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Amaral Nunes (PS)- Júlio da Piedade Nunes Henriques (PS) - Mário Manuel Cal Brandão (PS) - Hermínio Paiva Fernandes Maninho (PRD).
Srs. Deputados, está em discussão. Pausa.
Como não há inscrições, vamos votá-lo.
Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, José Magalhães e Raul Castro.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Montalvão Machado.
O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste mundo louco, envolvido numa perspectiva de terrível guerra a curto prazo, com as trágicas consequências que daí vão advir e que todos nas, apavoradamente, adivinhamos; neste mundo cão, em que morrem de fome milhões de seres humanos por ano e outros tantos por doenças curáveis mas que matam pela inexistência de cuidados módicos; neste mundo irresponsável, em que se esquecem as mais elementares normas de qualquer Estado de direito e do direito internacional; neste mundo desumano, em que se esquecem e se atropelam os direitos do homem e em que se vê a razão da força a sobrepor-se à força da razão, Portugal vai, serena e conscientemente, construindo a sua democracia, buscando a paz, cuidando do bem-estar das populações, impondo o respeito pela lei e respeitando os tratados internacionais, desenvolvendo e modernizando as suas estruturas, criando a riqueza que lhe é possível e de que precisa, preparando o seu povo, a sua economia e os seus agentes pata o grande embate do 1992.
Vivemos em democracia, em paz, em liberdade, com a estabilidade política e social indispensáveis ao actual desenvolvimento do nosso país. As instituições democráticas respeitam-se, cada uma sabe o papel que lhe compete.
Vamos, todos nós, continuar neste caminho, para bem do povo que aqui representamos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Vamos reprovar qualquer tentativa de destabilização por interesses menores. Este caminho será indispensável ao futuro do nosso país e das nossas gentes.
Aplausos do PSD.
Foi neste livre e feliz clima que se realizaram as eleições para a Presidência da República. Não houve atropelo dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Os candidatos não se viram coarctados no desenvolver das suas campanhas. Todos disseram quanto lhes aprouve, quando e onde quiseram.
Venceu o Dr. Mário Soares. E ainda bem que assim foi, por tudo quanto fez no seu primeiro mandato, pela confiança em que estamos de que vai repetir no segundo e por ser aquilo que tem sido através de toda a sua vida: - um defensor da democracia pluralista e um defensor da liberdade.
Aplausos do PSD.
Como ele tantas vezes tem afirmado e não se cansou de repelir para certas orelhas moucas durante a sua campanha o já depois de reeleito, temos a fundada esperança de que irá continuar a exercer a mais alta magistratura da Nação no respeito do quadro constitucional, com a isenção por ele tantas vezes afirmada em relação as diferentes forças partidárias. Confiamos que o Dr. Mário Soares vai continuar a não favorecer, por qualquer forma, qualquer partido político.
Aplausos do PSD.
Como ele referiu no debate da sua reeleição, continuará a fazer a mesma leitura da Constituição, continuará, com o mesmo empenhamento, a colaboração indispensável à solução das grandes questões nacionais.
Estamos certos, lambam, de que o Dr. Mário Soares, que não deseja menos do que nós o progresso do País, se irá empenhar na manutenção da estabilidade política e do clima de confiança que para esse progresso são essenciais.
Por tudo isto, aqui fica, para o Sr. Presidente da República, a tão devida como cordial saudação do Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata.
Aplausos do PSD.
Como aqui fica também, sem nenhum esforço, uma palavra de saudação para os restantes candidatos, pela coragem e pelo esforço que tiveram no desenvolvimento das suas campanhas.
Aplausos do PSD.
A propósito destas eleições, vão necessariamente surgir, para alem das que já vieram a lume, catadupas de análises políticas, por certo com divergências, o que sempre é salutar em regimes democráticos como o nosso. Todas serão legítimas, desde que respeitadoras quer para o vencedor quer para os que não ganharam. As lutas eleitorais democráticas, durante elas e depois delas, têm de ser tratadas, todas, com o respeito por quem defende, legitimamente, os seus pontos de vista e os seus projectos. Todas serão legítimas desde que, nas suas conclusões, não esqueçam o que mais imporia num estado democrático - a vontade do povo expressa nas urnas. Qualquer análise política que vá contra essa verdade da expressão do voto será menos legítima.
Nessas análises irá encontrar-se, por certo, a posição do Partido Social-Democrata perante as eleições presidenciais. E as opiniões irão ser, certamente, diferentes, o que só ficará a dever-se ou a má fé ou ao desconhecimento daquilo que ocorreu.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - É evidente que o meu partido não toma posições políticas ao acaso. Costuma pensá-las, costuma discuti-las, tendo sempre em primeira conta a satisfação do interesse nacional.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Foi por isso que, no nosso congresso de há quase um ano, definimos, no essencial, a nossa posição. Dissemos então, expressamente, que era inegável que o povo português, maioritariamente, apoiava a forma como o Dr. Mário Soares vinha exercendo a presidência.
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Decidimos vir a apoiá-lo caso ele viesse a recandidatar-se, como era nosso desejo, porque ele, durante cinco anos, nos dera aquelas garantias que exigimos, nos termos constitucionais, de um Presidente da República: isenção, busca de consenso entre as forças partidárias, convergência com o Governo nas questões e opções essenciais para o interesse do País, defesa intransigente da liberdade e da democracia.
Não nos arrependemos da posição que tomámos. Pelo contrário, estamos confiados que foi uma boa decisão. Os resultados eleitorais vieram dar-nos inteira razão.
Pode dizer-se - e o meu companheiro Pacheco Pereira já o disse na noite das eleições - que nesta campanha presidencial se enfrentaram duas posições quanto ao papel intervencionista do Sr. Presidente da República: uma, a defendida pelo Dr. Mário Soares, a de que a sua intervenção nos negócios do Estado foi a bastante e a necessária. Interveio, conforme ao que lhe permite a Constituição, quando e onde entendeu. Não interveio quando não precisou de intervir ou não devia intervir. A outra posição, defendida pelos restantes candidatos, era a de uma presidência diferente, uma presidência mais interventiva, para não lhe chamar até conflituante ou antagónica com o Governo.
O eleitorado, ao escolher o Dr. Mário Soares, veio dar razão a quem já a tinha.
O Sr. Silva Marques (PSD):- Muito bem!
O Orador: - Veio demonstrar que o poder e a medida de intervenção que o Sr. Presidente da República utilizou durante cinco anos são, precisamente, aqueles que o povo português deseja.
Aplausos do PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Social-Democrata não procura tirar ganhos da reeleição do Dr. Mário Soares. Não os quis antes nem os quer agora. Para ser o que é - o maior partido político português - basta-se a si próprio, chegam-lhe os seus méritos e a sua capacidade há muito demonstrada, para resolver os problemas nacionais.
Aplausos do PSD.
O Sr. Caio Roque (PS): - Mas não tiveram capacidade para apresentar um candidato.
O Orador: - Saudamos a vitória do Dr. Mário Soares como uma vitória do País, com a qual nos irmanamos. Foi uma vitória de todos aqueles que o apoiaram e de todos aqueles que ele vai servir. E o Dr. Mário Soares sabe bem que é assim quando repete, vezes sem número, que tem sido e continuará a ser o presidente de todos os portugueses e não apenas de alguns.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A reeleição do Dr. Mário Soares terá tido - e para além de tudo o mais - a consequência de termos entre nós, hoje e ao que parece apenas durante alguns dias, quinze dias, o Sr. Deputado Jorge Sampaio, ilustre secretário-geral do Partido Socialista. Seja bem-vindo.
Aqui terá com facilidade, Sr. Deputado, lugar adequado e cadeira apropriada na sua bancada - a primeira que não a sexta - para se sentar em sítio próprio. Não terá a dificuldade que teve para se mostrar na noite das eleições.
Risos e aplausos do PSD.
... em que foi patente, para quem viu a televisão, a estratégia de «cunha», para não lhe chamar política de «cunha», que V. Ex.ª teve de empregar para se meter, quase à força, entre o Sr. Comandante Gomes Mota e o Sr. Dr. Mário Soares, por forma a ficar ao lado deste, na varanda do MASP.
Aplausos do PSD.
Não me leva a mal, Sr. Dr. Jorge Sampaio, que lhe diga que, em minha humilde opinião, não considero boa a hora que V. Ex.ª marcou para o seu regresso temporário às lides parlamentares.
Para quem tem a ambição de vir a ser Primeiro-Ministro deste país - e as ambições são gratuitas -, melhor teria feito V. Ex.ª se aqui tivesse vindo aquando da discussão das Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado.
Aplausos do PSD.
Aí, Sr. Deputado, é que nós e o País podíamos ter aquilatado da capacidade de V. Ex.ª para os grandes problemas de Estado. Lamentámo-lo na altura. Criticámos até a ausência de V. Ex.ª Mas V. Ex.ª preferiu continuar à frente da Câmara Municipal de Lisboa. A escolha, Sr. Deputado, foi de V. Ex.ª
Chegar agora, no rescaldo das eleições presidenciais, tem o perfume de uma colagem ou de um aproveitamento ilegítimos de uma vitória que não é de V. Ex.ª
Aplausos do PSD.
Terá o cheiro de um aproveitamento de méritos alheios. Será como que uma confissão indirecta da falta de mérito próprio. Mas foi V. Ex.ª quem escolheu o momento da sua reentrada, vindo por isso a sofrer as consequências que daí lhe poderão advir. Os tempos perdidos, Sr. Deputado, raras vezes se recuperam. Certas ausências, em momentos cruciais, só por milagre se justificam.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A reeleição do Sr. Presidente da República veio contribuir para a continuação do clima de estabilidade política em que vivemos. Foi, digamos assim, o primeiro passo, neste ano de 1991, para que essa estabilidade se vinque, cada vez mais, na nossa vida política.
A segunda etapa será aquela que nós, sociais-democratas, vamos ganhar. Essa, sim, seremos nós e só nós que a vamos ganhar. Será a das eleições legislativas que vamos ganhar, com maioria absoluta.
Aplausos do PSD.
Será o segundo passo deste ano para que continuemos a viver com estabilidade, em paz, com liberdade democrática, com o desenvolvimento e a modernização do País, com criação de riqueza para os Portugueses, com o tão especial, como necessário, enquadramento na Comunidade Económica Europeia.
Não nos enganámos no nosso apoio ao Sr. Presidente da República. Também não nos enganaremos na nossa vitória maioritária nas próximas eleições legislativas.
Aplausos do PSD, de pé.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como regra e de acordo com o espírito do que ficou combinado na conferência de líderes, o excesso de tempo utilizado no período de antes da ordem do dia de hoje desconta no tempo global deste período.
A Mesa informa que se encontram inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Narana Coissoró e Carlos Brito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Mário Montalvão Machado, como era de esperar, o «saco» do MASP rasgou-se! Vemos agora os gatos a atirarem-se uns aos outros...
Risos dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e José Magalhães.
É realmente triste verificar como V. Ex.ª, que com tanto resguardo e com tanta parcimónia, esteve sempre na obscuridade do MASP,...
Vozes do PS: - Muito bem!
Protestos do PSD.
O Orador: -... porque não quis aparecer nem na primeira nem em qualquer outra fila, mas sempre muito lateralmente...
Protestos do PSD.
Vozes do PS: - Na galeria!
O Orador: -... nem na galeria, mas sempre a deixar escapar para a imprensa que tinha sido convidado, venha agora dizer, e repetir, os slogans do MASP, como nem mesmo os mais férreos «maspianos» o fizeram durante a campanha eleitoral.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E fá-lo V. Ex.ª, com a mesma convicção, o mesmo sorriso e o mesmo à vontade com que em 1986 defendia, denodadamente, os poderes presidenciais, um projecto de sociedade contra Mário Soares, contra a esquerda, porque era, então, preciso um novo presidente com esta mesma Constituição, com os mesmos poderes, para bater aquele candidato que não servia para Presidente da República.
Que grande exemplo dá V. Ex.ª de adaptação à cor do ambiente!
Muda a cor do ambiente, muda V. Ex.ª de cor...
Aplausos do PS.
Sr. Deputado Mário Montalvão Machado, é triste que o mesmo líder que acabou com o bloco central, em 1986, tenha vindo reeditá-lo, em 1990, porque não teve uma personalidade do seu próprio partido para ombrear com o fundador do Partido Socialista e que é a primeira referência do socialismo português.
Dizem VV. Ex.ª que vão ganhar as eleições legislativas por maioria absoluta. As afirmações podem ser feitas, são gratuitas, como V. Ex.ª costuma dizer-para utilizar as suas próprias palavras.
Mas o que é que V. Ex.ª veio aqui dizer? Afinal, o que aqui veio anunciar foi que o bloco central presidencial não foi mais que um oportunismo, porque os socialistas e os sociais-democratas portugueses são adversários em tudo...
Uma voz do PSD: - É evidente!
O Orador: -... menos numa coisa: onde não se pode exercer o poder.
Onde não se pode discutir o poder, o PSD cola-se ao poder. Não podia ganhar a eleição para um outro Presidente da República, o PSD colou-se ao actual Presidente da República.
Vozes do PS:- Muito bem!
O Orador: - Quando, nas autárquicas, não podia ganhar a presidência de uma câmara, «comprou» o candidato a presidente de câmara ao CDS! É a técnica de se perpetuar no poder, é a técnica do poder pelo poder, é a técnica do pragmatismo para estar sempre à tona de água!
Sr. Doutor Montalvão Machado, a nossa declaração política não vai ser hoje sobre as eleições presidenciais, mas aproveito a oportunidade de o Dr. Basílio Horta estar presente aqui, neste hemiciclo, para dizer que ele encarnou em Portugal, como adversário, com a mesma legitimidade, a mesma coerência e a mesma coragem, como fez Freitas do Amaral contra Mário Soaras, em 1986, que travou galhardamente o mesmíssimo combate pelos poderes presidenciais.
Levantou problemas que o PSD trata entredentes ou manda tratar, através de segundas figuras, mas que não foi capaz de debater abertamente na campanha eleitoral para as presidenciais. Todos os problemas relativos à função presidencial que o candidato Basílio Horta levantou ficaram sem resposta, nem os defensores do PSD da candidatura do Dr. Mário Soares a deram, apenas souberam criticar o adversário pela negativa.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Narana Coissoró, uma vez que o CDS se encontra inscrito para uma declaração política, queira terminar, Sr. Deputado.
O Orador: - Apenas um antigo «maspiano», o Dr. Pacheco Pereira, o único que saiu à liça, veio - não para definir poderes presidenciais, não para responder aos problemas que o Dr. Basílio Horta levantou-, mas subservientemente dizer que o Dr. Mário Soares não devia exercer os seus poderes.
Vozes do PSD:- O CDS ficou em casa!
O Orador: - Quero aqui prestar homenagem ao Dr. Basílio Horta, que aqui se encontra,...
Protestos do PSD.
...pela coragem...
Protestos do PSD.
... sim, pela coragem com que defrontou o PSD...
Aplausos do deputado independente Carlos Macedo.
Protestos do PSD.
...e esperamos que o PSD dê as respostas, ao menos agora, que a campanha eleitoral para as presidenciais terminou, aos problemas que com coerência e com legitimidade ele levantou durante o seu combate eleitoral.
Aplausos do deputado independente Carlos Macedo.
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Vozes do PSD: - Coitado do Basílio, merecia mais!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Alfredo de Brito.
O Sr. Carlos Alfredo de Brito (PCP): - Sr. Deputado Mário Montalvão Machado, ouvi com toda atenção a sua declaração política e quero lambem dizer-lhe que vou a seguir fazer, em nome do meu grupo parlamentar, uma apreciação das eleições presidenciais, estão por que só lhe coloco duas brevíssimas questões.
Agora que as eleições presidenciais estão concluídas, que o Presidente da República está reeleito, gostaria de saber por que e que o PSD nunca conseguiu explicar a razão de nunca ter apresentado um candidato.
Vozes do PCP: - Muito bem! Protestos do PSD.
O Orador: - O que é um escândalo institucional!
Em nenhum outro país, com um regime semipresidencial e com um Presidente da República eleito por sufrágio universal e directo, acontecia esta situação: o principal partido não apresentar um candidato.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Bom, a segunda questão que quero colocar-lhe é, digamos, muitíssimo mais concreta.
Ouvi tudo o que disse acerca do estatuto constitucional do Presidente da República, na interpretação do PSD, ouvi as suas esperanças relativas ao segundo mandato do Dr. Mário Soares e já há dias linha ouvido, na própria noite do apuramento dos resultados eleitorais, o Dr. Dias Loureiro e fiquei com uma grande dúvida, que gostaria de ver esclarecida. Os senhores dizem: «não queremos tirar partido da reeleição do Dr. Mário Soares e do apoio que lhe demos». Mas, entretanto, aquilo que os senhores estão a fazer não poderá ser a apresentação de um caderno de encargos ao Presidente da República, em nome do apoio que lhe concederam?
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Não!
O Orador: - Dito de outra maneira: os senhores dizem que não querem tirar partido, mas não estarão a apresentar uma factura ao Dr. Mário Soares?
Esclareça este ponto, que é muito importante.
Aplausos do PCP.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Nada disso! Essa questão está liquidada. Já foi discutida!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Montalvão Machado.
O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Deputado Narana Coissoró, V. Ex.ª fez, aqui o pedido de esclarecimento que eu já esperava que fizesse. É seu timbre, em ocasiões desta natureza, fazer intervenções deste género, pelo que já estamos habituados a cias, desde há longos anos, pois já nos conhecemos há muito tempo.
V. Ex.º perguntou-me, por exemplo, por que é que eu estive tão escuro, tão «cinzento», no MASP, quando eu, no entanto, não me tinha cansado de dizer aos jornalistas que havia sido convidado para a comissão de honra do MASP. Devo dizer a V. Ex.º que não disse a jornalista algum que linha sido convidado para a comissão de honra do MASP.
Quanto ao facto de estar ou não numa zona cinzenta de apoio a uma candidatura, pergunto: onde é que V. Ex.º esteve durante a campanha na candidatura do Dr. Basílio Horta?
Aplausos do PSD.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Aqui!
O Orador: - Em que fila é que V. Ex.º se posicionou no apoio à candidatura do seu companheiro do lado?
Aplausos do PSD.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Estive duas vezes na televisão, perante três milhões de portugueses!
Vozes do PSD: - Esteve foi a ver televisão em casa!
O Orador: - Sr. Deputado, só tenho pena que não lenha visto os sinais afirmativos, feitos pelo seu companheiro do lado, enquanto eu lhe dava a resposta.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não gosto de voltar a cara a V. Ex.º!
Risos do PSD.
O Orador: - V. Ex.º devia ter visto os sinais afirmativos, vindos do seu companheiro do lado, que me vieram dar grande razão.
Risos do PSD.
O Sr. Deputado Carlos Alfredo de Brito colocou-me duas questões. À primeira das quais, por ter sido já tantas e tantas vezes debatida, tenho de fazer-lhe justiça por V. Ex.ª já saber a resposta.
Há pouco eu disse aqui, muito claramente, que somos um partido que não tomamos decisões políticas ao acaso, que costumamos pensar nas questões, discuti-las e só depois emitir, efectivamente, um pensamento e uma orientação.
No nosso congresso de há quase um ano, de Abril do ano passado, dissemos, muito claramente, o que já hoje referi na minha intervenção, ou seja, que a maioria esmagadora do povo português apoiava a maneira como o Dr. Mário Soares vinha exercendo o seu cargo presidencial. Sendo assim, no nosso entendimento, não tínhamos o direito de vir a provocar uma desestabilização do País, invocando, apoiando ou apresentando um outro candidato.
Nenhum partido, repito, nenhum partido político é obrigado a apresentar um candidato. E, que eu saiba, não foram estes senhores aqui do lado que apresentaram a candidatura do Dr. Mário Soares. Não foram VV. Ex.as que apresentaram a candidatura do Sr. Dr. Carlos Carvalhas. Não foi o CDS -esse então!... - que apresentou a candidatura do Sr. Dr. Basílio Horta.
Risos do PSD.
Nenhum partido é obrigado a apresentar candidaturas. Esta questão está, assim, mais do que explicada.
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Quanto à factura ou, como V. Ex.º disse, ao caderno de encargos, levo isso a um pensamento tortuoso da parte dos senhores, a um pensamento calculista que, em lugar de compatibilizar, ordenar, juntar, pretende 6 distorcer e fazer com que as pessoas se distanciem cada vez mais umas das outras. Ao fim e ao cabo, esta insinuação constitui quase uma injúria ao Sr. Presidente da República, que não 6 pessoa a quem se apresentem cadernos de encargos e muito menos facturas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Nós fazemos dele esse juízo. Sc os senhores não o fazem, isso ó com a vossa consciência. Não lemos nenhuma factura nem nenhum caderno de encargos. Temos é a esperança, fundada e credível, de que o Sr. Dr. Mário Soares vai cumprir o segundo mandato com a isenção, a liberdade e a correcção com que cumpriu o primeiro. Isso nos bastará!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Sampaio.
Aplausos do PS, de pé.
O Sr. Jorge Sampaio (PS):-Permita-me, Sr. Presidente, que, neste regresso à actividade desta Casa, saúde particularmente V. Ex.ª e a Mesa, saudação que estendo aos colegas de todas as bancadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É natural que comece por assinalar as eleições presidenciais de domingo último, desde logo para saudar a notável vitória de Mário Soares: socialista de uma vida inteira, ele demonstrou, no exercício do seu alto cargo, a isenção institucional do democrata, que é, aliás, a primeira convicção de um socialista.
Aplausos do PS.
Por isso, quando o sufrágio o consagrou e ele falou à multidão, foi com orgulho que nós, no MASP, o ouvimos dizer: «O MASP extinguiu-se hoje aqui.» Isto ó sentido de Estado. E os socialistas (que apoiaram a sua recandidatura desde a primeira hora e que estiveram com ele no terreno ato à última) bateram-se pela coerência e por princípios - e não na mira de contrabandos ou boleias para combates do futuro.
Vozes do PS: - Muito bem! Vozes do PSD: - Ah, Ah, Ah!...
O Orador: - Depois, quero deixar uma palavra de apreço a todos aqueles que tiveram a coragem de vir a esta campanha afirmar a sua diferença, fosse ela qual fosse. A democracia vive disso e não do silêncio ou da dissimulação.
Aplausos do PS.
Refiro-me aos Srs. Deputados Carlos Carvalhas e Basílio Horta.
Enfim, quero saudar os socialistas, os independentes e o punhado de dirigentes partidários alheios ao PS que se envolveram por actos na campanha e que assim tornaram possível esta grande vitória.
Esta página foi voltada e para nós, uma vez mais, da melhor maneira.
Cumpre-nos agora olhar para o futuro, que se joga, já daqui a nove meses, nas próximas eleições legislativas. O PS, que nunca se furtou a um combate democrático, vai disputá-las e para ganhar. Somos a única alternativa de que Portugal dispõe para acabar com esta política, conservadora, clientelar, fomentadora de desigualdades e injustiças sociais e que tantas vezes tem rejeitado a transparência, a participação e a isenção do aparelho de Estado.
Aplausos do PS.
Só o PS pode operar essa enorme e indispensável mudança. E nós vamos mudar o que está mal. Vamos acabar com a partidarização do Estado.
Vozes do PSD: Está a falar da Câmara Municipal de Lisboa?
O Orador: -Uma coisa 6 a legitimidade que as umas conferem para formar um governo e prosseguir uma política; outra a utilização dos meios de um Estado que 6 de todos para o proveito de um partido ou de alguns dentro de um partido.
Aplausos do PS.
Vamos assegurar a neutralidade da comunicação social pública, nomeadamente na televisão.
Aplausos do PS.
A chocante manipulação da opinião a que os cidadãos diariamente assistem tem de acabar, desgovernamentalizando a RTP.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Vamos avançar por actos, com a abertura da televisão à iniciativa privada, para corrigir a cínica situação criada por um Governo que tanto nisso falou mas que, como há muito o PS anunciara, arranjou formas práticas e álibis para que cia não aparecesse a tempo das eleições legislativas.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Vamos fomentar o aparecimento das rádios locais.
Quanto ao escândalo da atribuição de frequências para rádios regionais, reitero aqui solenemente que o futuro governo socialista porá em causa, custe o que custar, a situação que este Governo criou.
Aplausos do PS.
Temos o sentido de Estado. Não £ nosso hábito questionar no poder os actos que outros, ao leme do mesmo Estado, antes de nós praticaram. Mas este 6 um caso excepcional e um escândalo de dimensões nacionais. É precisamente o sentido de Estado que nos leva a prevenir o País de que esta será, inapelavelmente, a atitude do governo do Partido Socialista.
Vamos definir, em diálogo com os agentes económicos, sociais e políticos, uma estratégia nacional de modernização e desenvolvimento.
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Há que desenhar para o País, num contexto europeu, um modelo de especialização produtiva e, sobretudo, há que estancar o esbanjamento de recursos irrepetíveis que agora nos são facultados, para os aplicar na prática de uma política coerente, compreendida e partilhada.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Vamos definir um modelo de sector empresarial do Estado compatível com a nossa visão de que ao mesmo Estado apenas cabe, para além de um mínimo de sectores obviamente estratégicos, uma função reguladora e decrescentemente supletiva das carências que ainda existem. Só em função desse modelo é que se pode prosseguir uma política lógica, transparente e acelerada de privatizações.
Vamos reformar o Estado, aligeirando-o e desburocratizando-o, potenciando-o sobretudo para as suas responsabilidades nas questões cruciais da vida cívica e da justiça social: a habitação, a saúde, a suspensão das iniquidades do sistema de ensino e da precariedade da Segurança Social. Há que operar a grande mudança que converta um Estado que é hoje um ónus do contribuinte e do utente num Estado que seja a mão estendida ao cidadão e ao carenciado.
Aplausos do PS.
O Estado que queremos é um vigilante das liberdades públicas e um regulador das assimetrias sociais, que protege quem dele precisa e não limita a criatividade e a iniciativa individual. É um Estado que descentraliza e cumpre o objectivo constitucional da regionalização, para corrigir as notórias assimetrias da distribuição da riqueza e das oportunidades de aproveitamento dos recursos. É um Estado preparado para apoiar os agentes da cultura e da ciência, na adequada medida das suas necessidades e expressas solicitações. É, Sr. Presidente, Srs. Deputados, um Estado com memória e gratidão, que, por isso, não esquece o que a terceira idade fez na sua vida activa para permitir o que somos e o que temos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É um Estado que encoraja a cidadania, tornando-se transparente e dando àquela os meios para o questionar e enfrentar, se preciso for. É um Estado de fiscalidade justa, que não faz pagar ao factor trabalho a benevolência com que trata, por exemplo, os ganhos na especulação financeira.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É um Estado capaz de proporcionar uma justiça célere, segura e economicamente acessível, em vez do pesado e inerte aparelho que hoje temos e que virtualmente nos conduz para uma sociedade censitária.
Este enunciado, não exaustivo, é contudo o bastante para deixar entrever o abismo que separa o Estado que pretendemos daquilo que os alegados liberais deste Governo cultivam e não cessam, aliás, de aumentar.
Como socialista, não renego a história de uma prática centenária que é a nossa. Soubemos evoluir, sem capitular, para uma concepção de Estado que não se dispensa de intervir mas que é ele próprio o exemplo das regras da vida democrática. Isto é: não aceito o «salve-se quem puder» do «darwinismo» social do PSD.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Mas não deixo de registar o extraordinário paradoxo que é a forma como este Governo acumula os efeitos injustos do cinismo social dos liberais de direita com os defeitos, não menores, de um Estado tentacular, sempre em crescimento e condicionador da cidadania.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Neste particular, penso até que ideologicamente o Governo do PSD está isolado, porque nem quem se reclama da doutrina social da Igreja nem quem brande ainda a bandeira do marxismo pode aceitar esta mistura de laxismo e estatismo e de negligência e prepotência que é a actual governação.
Aplausos do PS.
E, porque isto assim é, daqui apelo a que as grandes famílias ideológicas saibam definir sem ambiguidades a sua identidade.
O PS, que não se envergonha do seu interclassicismo,...
Vozes do PSD: - Ah, Ah, Ah!...
O Orador: -... orgulha-se de ser um partido profundamente popular, que sempre se assumiu como mediador democrático de várias lutas emancipadoras.
Por isso, penso sinceramente ter chegado a hora do esgotamento do carnaval das ideologias e dos nomes. O PSD, num país de cidadãos, tem de assumir o centro-direita e a direita que de facto é.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Nós somos o centro-esquerda e a esquerda democrática e temos por fronteira actual o PCP.
Risos do PSD.
O Sr. João Salgado (PSD): - Só falta o «paz, pão, povo e liberdade»!...
O Orador: - E, porque as fronteiras tanto irmanam como dividem, bom será esclarecer que não é o Partido Socialista quem impede um clima que permita repensar o que há de comum nos valores da esquerda.
O Sr. Basílio Horta (CDS): - Ah, Ah, Ah!...
O Orador: - Esse é um antigo mito da direcção do Partido Comunista. O dualismo dos blocos, a guerra fria e uma herança de crispação, que até podemos entender pelas duríssimas condições da resistência organizada à ditadura, longamente lhe permitiram agitar também este fantasma.
Hoje, embora com novas complexidades, o desanuviamento vingou sobre a tensão dos blocos e a guerra fria está sob os escombros do muro de Berlim. Em todo o Leste se procede a uma revisão de valores que questionam, desde as práticas mais recentes, até ao leninismo e porventura ao marxismo. Nos dois únicos países em que o sufrágio popular consagrou a permanência no poder dos homens de ontem, ainda aí foi necessário que os partidos mudassem de nome, de atitudes, se não genuinamente de valores.
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Para o Partido Socialista, a democracia vem primeiro e está primeiro. Rejeitamos o monolitismo ideológico da classe operaria ou de qualquer outra. Não aceitamos o determinismo de uma sã classe predestinada ao poder, nem a uma vanguarda organizada que lhe aparece e se lhe impõe. Os socialistas não conseguem conceber a postura democrática interna e externa de um partido que não renuncie ao conceito de «centralismo democrático», como não concebe que se mantenha uma perspectiva de sociedade terminal, sem Estado nem classes, e geradora do «homem novo», porque, se isso 6 consentâneo com o acatamento das regras democráticas de acesso ao poder, é certamente incompatível com a abdicação voluntária dele, quando por efeito da vontade popular.
Vozes do PS:-Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estas são questões hoje inadiáveis e indisfarçáveis que se colocam à direcção do Partido Comunista. Só a clarificação de que conceitos como o centralismo democrático esgotaram o seu ciclo histórico; só a aceitação do código da democracia representativa, do primado do mercado e da liberdade da iniciativa privada; só uma afirmação de compatibilidade com um projecto português para uma Europa de cidadãos, na coesão económica e social - só tudo isto pode desbloquear um diálogo adulto e descomprometido entre os partidos da esquerda.
Vozes do PS: -Muito bem!
O Orador:-Não 6 a maior ou menor quantidade do voto comunista em Portugal que influencia, neste ponto, a posição dos socialistas...
Risos do PCP.
... mas, sim, valores e princípios como aqueles que expus. Nesta matéria, o nosso compromisso democrático não nos permite ceder um palmo.
Quando hoje passei pelo Sr. Deputado Carlos Carvalhas, cumprimentei-o pelo resultado obtido no domingo passado.
Vozes do PSD: -Nós também!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os socialistas afirmam-se, antes de mais, como patriotas, depois como democratas e só então proclamam o nome e hasteiam a bandeira. Temos o sentido da pátria, do regime e do Estado. E é dentro disso que nos batemos pelos nossos valores. Demos disso sobejas provas, que me dispenso de relembrar.
Hoje, Portugal defronta-se com um desafio complexo e de longo prazo, que é o da Comunidade Europeia e do figurino da sua inserção nela, ao mesmo tempo que se adensam os horizontes imediatos de uma possível conflagração no Golfo, de dimensão e consequências ainda não totalmente previsíveis. São matérias graves de mais para que deixemos submergir os interesses nacionais nas contingências do normal e saudável duelo democrático. São matérias em que o PSD, o PS e os demais partidos têm de pôr à prova a sua flexibilidade, o seu espírito consensual e o seu empenhamento patriótico.
A Europa, por entre algumas dúvidas e vicissitudes, vai fazendo o seu caminho. Portugal está lá dentro e o que importa é que saibamos encontrar as vias para contribuir para o projecto comum, não pela passividade, mas pela afirmação propositiva e pela salvaguarda da nossa identidade. Disso nos ocuparemos proximamente.
Quero anunciar à Assembleia que faremos hoje mesmo entrega ao Sr. Presidente da República, ao Sr. Primeiro-Ministro, ao Sr. Presidente da Assembleia da República e a todos os Srs. Deputados e grupos parlamentares de uma contribuição do Partido Socialista para a reforma dos tratados que hoje se inicia com a realização das conferências intergovernamentais.
Hoje mesmo se nos coloca a ameaça de um potencial e provável conflito no Golfo. É outra matéria sobre a qual temos de conversar -Governo e oposição- profundamente e todos os dias, porque é também Portugal que está em jogo. É fácil - embora necessário - acordarmos em ideias vagas. Todos preferiríamos a paz, a melhor expressão da nossa solidariedade europeia, o mais escrupuloso cumprimento dos nossos compromissos com a NATO. Mas chega isto para dar coesão a uma causa nacional? Não tropeçaremos amanhã numa qualquer divergência de circunstância? Trocámos poucas palavras -PSD, PS e todos os restantes partidos da oposição - para tão grande problema. Cabe obviamente ao Governo uma permanente iniciativa neste domínio, mas quero aqui declarar que, quando tanto está em jogo, o PS está inteiramente aberto e disponível para colaborar com todos na concepção de uma postura que permanentemente sirva a paz e a dignidade internacional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O País espera de todos nós coerência nas diferenças claramente assumidas, transparência no modo de fazer política, determinação na construção de um futuro comum.
Eu e o Partido Socialista afirmamos esta vontade, para que amanhã Portugal seja outro: um Portugal onde o poder sirva o País e um Pais onde o poder seja instrumento da vida democrática.
Por isso cá estamos, para isso cá estaremos.
Aplausos do PS. de pé.
O Sr. Presidente:-Srs. Deputados, como sabem, o tempo em excesso será descontado no tempo global do período de antes da ordem do dia, mas o nosso acordo é no sentido de o tempo em excesso não ser excessivo.
Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Domingos Duarte Lima, José Pacheco Pereira, Carlos Alfredo de Brito, Fernando Cardoso Ferreira, João Pedreira Matos e José Silva Marques.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Domingos Duarte Lima.
O Sr. Domingos Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Jorge Sampaio: Agora nós, digo eu, utilizando um slogan publicitário, suponho que a um novo dentífrico, que desde ontem anda espalhado pela cidade.
Risos do PSD.
E quero começar por felicitar V. Ex.ª sinceramente e sem hipocrisia, por estar aqui, hoje, na Assembleia da República. O PSD. já em tempos e em particular aquando da discussão do Orçamento do Estado, disse que V. Ex.ª devia estar presente. Aliás, esclareço que é óbvio, para nós, que V. Ex.ª é senhor do tempo em que deve vir a esta Câmara, pois que esse é um direito seu e, consequentemente, deve ser V. Ex.º a escolher esse momento.
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No entanto, consentirá também V. Ex.º que e um direito nosso fazer a interpretação política, e apenas essa, do momento que escolhe para tal. Digo isto porque o PSD entendeu que V. Ex.º devia ter vindo à Assembleia da República durante a discussão do Orçamento do Estado, porque é esse o momento político mais importante da legislatura, aquele em que se discute o principal documento que conduz a vida económica. Financeira e até política do País. Assim sendo, era naturalíssimo que o líder do principal partido da oposição, aquele que é candidato à liderança da governação, aqui estivesse para dizer ao País, para dizer institucionalmente à Camará, o que pensa da forma como, económica e financeiramente, o País deve ser conduzido.
No entanto, V. Ex.º, no uso de um pleníssimo direito que nós não regateamos nem contestamos, entendeu que não devia vir... ou, se só chegou agora tendo entendido que devia vir antes, então esteve parado no trânsito que V. Ex.ª tem, em Lisboa, numa situação caótica, como deve saber.
Risos do PSD.
Entendeu, pois, que devia estar hoje aqui, no pós-presidenciais, e daí que a conclusão que o PSD tem que tirar e tem toda a legitimidade para o fazer- seja a de que V. Ex.º preferiu o «foguetório», a colagem à vitória presidencial, a associação da vitória presidencial ao seu partido, para da/tirar os dividendos políticos normais.
Assim sendo, Sr. Deputado Jorge Sampaio, não nos fale em política clientelar e em transparência, porque é muito triste, quando V. Ex.º fala em transparência, aquilo que V. Ex.º fez e está a fazer todos os dias, nos jornais, naquele célebre anúncio de página inteira em que publicita a actividade da Câmara Municipal de Lisboa e em que existe essa aberração de os jornais do Porto trazerem o que o Sr. Presidente da Câmara de Lisboa está a fazer. Ou seja, o Sr. Presidente da Câmara de Lisboa faz, no Porto, para os cidadãos do Porto, publicidade ao que faz na sua terra! Isto é um pouco como se o presidente da Câmara de Sesimbra fosse para Vila Nova de Foz Côa publicitar, num jornal local, a actividade do seu executivo! Está ali o jornal, pode ler-se...
Aplausos do PSD.
Isto, Sr. Deputado Jorge Sampaio, e as boas festas dadas através dos jornais, a expensas da Câmara de Lisboa, são tudo menos transparência e sobre isso o melhor seria todos guardarmos de Conrado o prudente silêncio, pois ficariam melhor V. Ex.º e o seu partido.
No entanto, retorno à minha questão inicial. Não podemos fazer muitas perguntas ao deputado Jorge Sampaio pelo discurso que aqui trouxe, porque ele não teve novidades, foi antes a enunciação do óbvio, das generalidades habituais que aqui trouxe nos discursos anteriores. Tenho a certeza de que, no seu íntimo, a maior parte da sua bancada está convictamente desiludida. Está tão desiludida hoje como estava há uma semana, porque o seu discurso, que foi envolvido numa capa de sebastianismo - «vem aí o Dr. Jorge Sampaio, ele vai abrir a sessão parlamentar» -, foi um balão que se esvaziou quando ele saiu daquela tribuna, dado que, de facto, de novo nada disse
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. José Lello (PS): - O único balão que se esvaziou foi o senhor!
O Orador: - Mas a razão por que nós queríamos que V. Ex.º aqui estivesse é a seguinte: V. Ex.º, com mérito próprio, foi eleito presidente da Câmara Municipal de Lisboa e seria natural que, ao fim de um ano, pudesse fazer o balanço da sua actividade. Não que o presidente da câmara tenha que prestar contas à Assembleia da República, não é isso, Sr. Deputado Jorge Sampaio, mas porque V. Ex.º é o líder da oposição e foi candidato à Câmara de Lisboa para mostrar ao País que sabia governar e que era tão bom governante como o Prof. Cavaco Silva. Ora, era bom que hoje viesse aqui dizer alguma coisa sobre a sua experiência na Câmara de Lisboa, mas V. Ex.º não o disse, não disse uma única palavra, porque o que se passa, hoje, é que a experiência do Dr. Jorge Sampaio, ao longo deste ano, na Câmara de Lisboa, é a mais completa frustração - isto é preciso ser dito com clareza.
Sr. Deputado Jorge Sampaio, é preciso ter credibilidade para se assumir, como V. Ex.º o fez, como alternativa à liderança do Governo. V. Ex.º ganhou essa credibilidade quando conseguiu a vitória autárquica para a Câmara de Lisboa mas perdeu-a ao longo deste ano, com a sua gestão. É por isso que eu termino como comecei. V. Ex.º fez bem em vir aqui porque o caos instalou-se na cidade que governa há cerca de um ano. V. Ex.º encalhou nesta cidade como o Tollan há uns anos atrás.
O Sr. Deputado disse «agora nós», mas se estiver alguns meses connosco, os cidadãos de Lisboa vão dizer «enfim sós, agora finalmente nós».
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Sampaio, havendo mais oradores inscritos para pedidos de esclarecimento, V. Ex.º deseja responder já ou no fim?
O Sr. Jorge Sampaio (PS): - No fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado José Pacheco Pereira.
O Sr. José Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Deputado Jorge Sampaio, há no seu discurso dois aspectos que eu penso ser interessante discutir.
O primeiro diz respeito àquilo que são posições políticas sobre o momento político e o segundo refere-se ao Estado e à concepção de socialismo que defendeu.
No que diz respeito às posições políticas, anotámos, com muito interesse, a sua reafirmação sobre a extinção do MASP porque uma coisa é o Sr. Presidente da República afirmar, como já fez em 1986, que não há maioria presidencial e que, portanto, a instituição que organizou a sua campanha termina no acto da sua eleição e outra é a necessidade que o Sr. Deputado Jorge Sampaio teve de vir aqui dizer e repelir que o MASP se extinguiu. Esta reafirmação é importante porque significa a consciência de que as expectativas que o Partido Socialista teve durante a campanha não se realizaram e que sente a necessidade de se demarcar do conteúdo e da forma de uma campanha na qual o Partido Socialista não teve o empurrão de que necessitava para as eleições legislativas. Anoto a festa pela extinção do MASP.
O segundo aspecto tem a ver com a preocupação com a votação do Partido Comunista, que teve, como todos nós
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sabemos -e lendo em conta as dificuldades do momento presente-, um bom resultado eleitoral que, evidentemente, prejudica a estratégia do Partido Socialista em relação as eleições legislativas de 1991. Perante este resultado, o Partido Socialista tem apenas duas maneiras de contrariar essa situação: ou faz uma política a esquerda para conquistar o eleitorado do Partido Comunista ou faz acordos com a direcção deste partido para obter os seus votos, mesmo que isso não signifique uma política realizada à esquerda.
No entanto, aquilo que o Sr. Deputado Jorge Sampaio aqui veio indiciar, Talando para a direcção do Partido Comunista, e não para o eleitorado do PCP, é o princípio de um debate que irá. inevitavelmente, levar a qualquer espécie de acordo, pró ou pós-eleitoral, com o Partido Comunista para as eleições de 1991.
Vozes do PSD: -Muito bem!
O Orador: -No que diz respeito ao conteúdo do seu discurso, já tive ocasião uma vez de lhe dizer, e até intelectualmente tentei não o dizer hoje, que lenho imensa dificuldade em perceber quais são as posições concretas do Sr. Deputado Jorge Sampaio. V. Ex.º fez aqui uma redacção sobre o Estado e o socialismo que não contam um único ponto de demarcação em relação àquilo que são as ideologias vagas e dominantes que os Portugueses têm sobre todas as coisas. Sc exceptuarmos as críticas concretas que são feitas ao Governo, o conteúdo do seu socialismo - «patriótico», «democrático)», «que defende a Pátria, o regime e o Estado» - é Ião conservador como qualquer ideia conservadora circulante na discussão política e não nos diz nada sobre a substância do que irá ser um governo socialista distinto de qualquer outro governo.
Este, sim, é que é o problema do Partido Socialista porque, ao mesmo tempo que nas funções concretas de gestão para que tem responsabilidades não só não introduz qualquer ruptura quando ela é necessária, como, quando toma iniciativa, não é capaz de produzir melhor governação, independentemente de tudo aquilo que é o debate político mais imediato, essa é a experiência da Câmara Municipal de Lisboa!
A verdade é que, depois, faz um discurso grandiloquente sobre os objectivos do socialismo, mas não diz uma única coisa concreta. Eu perceberia que V. Ex.ª chegasse aqui e, por exemplo, dissesse que entendia que o Estado deveria ter um papel mais interventor, inclusive admitir a hipótese de fazer nacionalizações, que se deveriam fazer privatizações, que os impostos deveriam atingir estes ou estes sectores; em suma, ter ideias concretas, propostas concretas sobre o que iria mudar de modo que o eleitorado, em 1991, soubesse o que ia mudar.
Devo dizer-lhe que, se não conhecesse os socialistas e se não tivesse referências que não fossem vagas e abstractas, o que VV. Ex.as dizem é aceitável por toda a gente, exceptuando os adjectivos e acentuando as classificações.
E isso, Sr. Deputado Jorge Sampaio, que toma difícil que o seu discurso altere alguma coisa na prática. O Sr. Deputado disse que o Estado deve garantir que haja menos desigualdades - nós também o dizemos -, que o Estado deve garantir mais transparência e menos clientelismo - mas nós também o dizemos. V. Ex.º pode dizer que nós não o fazemos -tem toda a legitimidade para isso-, pode apontar exemplos concretos e eu nem lhe devo dizer que, em abstracto, em alguns sítios, isso não se passa, mas a verdade é que isso não chega para apresentar uma proposta alternativa de governo que lenha significado.
Sr. Deputado Jorge Sampaio, se foi para isso que voltou a esta Câmara, digo-lhe que não disse nada que justificasse esse regresso.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente:-Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Alfredo de Brito.
O Sr. Carlos Alfredo de Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados. Sr. Deputado Jorge Sampaio: V. Ex.ª trouxe aqui uma plataforma programática. Mas lambem eu lamento - e lamento muito, acredite - ter que lhe dizer que é uma plataforma palavrosa, vaga, abstracta, e com a qual - disse-o o Sr. Deputado José Pacheco Pereira, e isso só mostra a verdade da asserção - qualquer de nós pode estar de acordo.
E o Sr. Deputado esqueceu questões candentes, urgentes. Por exemplo, como é que esse seu partido, interclassicista, considera a questão do iníquo pacote laborai que o Governo se prepara para trazer à Assembleia? Como é que esse partido interclassicista. que é o seu, considera a questão das indemnizações pelas nacionalizações - uma coisa candente, importante e aqui discutida?
Ora, era interessante ver alguns destes temas concretos esclarecidos pelo Sr. Deputado Jorge Sampaio.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Não esqueça os contratos a prazo!
O Orador: - Estes já chegam!
V. Ex.ª apresenta aqui uma plataforma para governar. Mas como ú que o PS vai chegar ao governo? Há aquela história famosa do gato e dos ratos...; dito de outra maneira, como é que o PS vai pôr o guizo no pescoço deste gato?
Risos do PCP e do PSD.
O Sr. Deputado Jorge Sampaio não nos falou de alianças. Será que vai chegar ao governo sozinho? Com que votação? Essa posição tem alguma credibilidade, mesmo até depois destes resultados de 13 de Janeiro?
No entanto, V. Ex.ª dá uma resposta: é atacar o PCP. £ lançar o Leste contra o PCP. Vejo, Sr. Deputado Jorge Sampaio, que acabou por ceder a certas vozes dissidentes do PCP, mas olhe que essas vozes enganam-se muito, enganam-se quase sempre, e agora, por exemplo, acabaram de o enganar em relação ao resultado das presidenciais.
Aplausos do PCP.
Ê por isso que o Sr. Deputado está nesta má disposição, neste desconforto. Fez contas erradas, calculou uma coisa e saiu-lhe outra completamente oposta. O Sr. Deputado diz que cumprimentou o meu camarada Carlos Carvalhas - é verdade e eu sou testemunha -, mas fê-lo com um sorriso bastante amarela
Risos do PCP e do PSD.
Sr. Deputado Jorge Sampaio, se quer batalha ideológica, tê-la-á. mas vai tê-la em relação ao Leste, em relação a Portugal, em relação os posições do seu partido, em relação as alianças do seu partido, em relação às posições do seu partido como, por exemplo, na revisão constitucional. Devo dizer-lhe que não temos medo, não temos dúvidas. Vamos a isso!
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No entanto, não quero deixar de dizer que não lhe fica bem ter vindo, pela primeira vez, da Câmara Municipal de Lisboa à Assembleia da República em pé de guerra contra o PCP quando o senhor é um presidente de câmara eleito com os votos do PCP, e, se calhar, com votos maioritários em relação ao PS.
Aplausos do PCP e do PSD.
O Sr. Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Cardoso Ferreira.
O Sr. Fernando Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Deputado Jorge Sampaio, não estranhará, certamente, tantos pedidos de esclarecimento da minha bancada porque, estando de passagem, não sabemos quando poderemos voltar a falar com V. Ex.ª
O Sr. António Guterres (PS): - Pede uma audiência!
O Orador: - Mas a questão que queria colocar-lhe é a seguinte: V. Ex.º trouxe aqui uma série de generalidades, filosofou sobre as origens socialistas do seu projecto mas, no fundo, não fez mais do que censurar todos os aspectos negativos, em abstracto, de uma sociedade, que nós também temos censurado, e propor-se fazer tudo aquilo que nós temos vindo a fazer.
Há, de facto, aqui, um equívoco muito grande da sua parte quando fala, por exemplo, em abrir à iniciativa privada a televisão. Mas nós já o fizemos, Sr. Deputado Jorge Sampaio.
Percebo que têm sido coisas que, provavelmente, V. Ex.º gostaria de ter feito com o seu partido se, eventualmente, fosse Governo.
Mas, espremido todo o seu discurso, chega-se à conclusão de que não quer fazer ou não se propõe fazer nem mais nem menos do que aquilo que nós temos vindo a fazer e não critica nem mais nem menos do que aquilo que nós criticamos e procuramos corrigir na sociedade portuguesa.
Uma das questões a que o Sr. Deputado Jorge Sampaio se referiu foi a da crise do Golfo. É aí está um exemplo evidente de como o seu partido se comporta com dificuldade no que toca a questões como esta, de grande interesse para o Estado.
Estamos todos lembrados das declarações mais inconcebíveis oriundas de altos responsáveis do seu partido, logo no início, e, hoje, pela sua boca, à saída de uma audiência promovida pelo Primeiro-Ministro para dar conhecimento, se aconselhar e, de alguma forma, trocar impressões com todos os dirigentes partidários acerca do conjunto de decisões que têm estado a ser tomadas, vimos a prova mais evidente do reconhecimento de V. Ex.ª como líder do Partido Socialista, de que o Governo tem andado bem, tem sido prudente, tem sido avisado no conjunto das suas decisões.
Por mais que queira, Sr. Deputado, não merece a pena criticar o Governo sem ler fundamento. E V. Ex.º, à saída dessa audiência, confirmou, mais uma vez, que não há fundamento.
Muitas outras questões poderiam ser aqui colocadas exactamente da mesma forma.
Quando aqui, durante a discussão do Orçamento do Estado, foram feitas algumas débeis e envergonhadas críticas por parte da sua bancada ao Orçamento, elas não poderiam ir mais longe porque não havia fundamento para críticas sérias.
Sr. Deputado, V. Ex.º veio aqui, hoje, dar algum ânimo à sua bancada, que bastante se entusiasmou com a sua presença, mas o saldo desta sua intervenção, o saldo da sua actuação política até agora levar-me-ia a dizer que o senhor tem a Câmara de Lisboa,...
O Sr. José Lello (PS): -E os senhores a de Oeiras!
O Orador: -... que Lisboa não tem presidente e que, seguramente, o Partido Socialista não tem um candidato a primeiro-ministro.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Pedreira Matos.
O Sr. João Pedreira Matos (PSD): - Sr. Deputado Jorge Sampaio, V. Ex.º vem hoje a esta Assembleia na qualidade de líder da oposição ao Governo.
No entanto, é bom que o Sr. Deputado Jorge Sampaio não se esqueça que também tem sido governo, nos últimos tempos, da cidade de Lisboa, cuja câmara tem mais de 11 000 funcionários, um orçamento de algumas dezenas de milhões de contos e que tem, de uma forma bem concreta, de resolver e ultrapassar as dificuldades como as que a área metropolitana de Lisboa tem, quando está inserida numa cidade como esta.
No entanto, o Sr. Dr. Jorge Sampaio, ao regressar a esta Assembleia, envolto numa nuvem de nevoeiro qual D. Sebastião regressado de África, como já disse um colega meu, parece que vem numa situação de vitória, querendo demonstrar a todos nós e ao País que, de facto, o Partido Socialista tem como única tese para este país a da transparência e da isenção.
E é exactamente sobre esta tónica, que o Sr. Deputado referiu durante a sua intervenção, que eu queria fazer algumas observações e, mais do que isso, queria demonstrar ao País que, de facto, o Sr. Dr. Jorge Sampaio, na qualidade de presidente da câmara, não foi mais do que um gestor adiado, que não vai resolver os problemas da cidade de Lisboa.
Para isso, basta ver aquilo que o Dr. Jorge Sampaio fez, utilizando - e esta é a transparência do Partido Socialista - os dinheiros públicos para publicar, em alguns órgãos da comunicação social, um conjunto de obras, facto que eu gostava que todos os Srs. Deputados, e particularmente os Lisboetas, tomassem em devida conta.
São elas: novas vias, eixo norte-sul, prolongamento da Avenida de Ceuta, prolongamento da Avenida Central de Cheias, etc., etc. Mas queria, fundamentalmente em relação a algumas das questões que aqui estão referidas, centrar--me, em particular, na questão dos túneis e viadutos. E concretamente em relação a esta questão, Sr. Deputado, vou passar a ler por não ter tudo de memória.
Vozes do PS: -É melhor ler tudo!
O Orador: - «Túneis e viadutos - Praça de Espanha - Anúncio n.º 3/90 de um concurso internacional para a remodelação do sistema viário e de esgotos». Lembro aos Srs. Deputados que este concurso foi aberto, ainda, pela anterior vereação.
E continuando: «Diário Municipal - Anúncio da entrega das propostas até 23 de Abril». Em 16 de Abril sai no Diário Municipal um aviso de 25 de Novembro adiando o
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prazo da entrega das propostas para 23 de Maio do 1990. No dia 23 de Maio de 1990 sai o aviso n.º 32/90 a adiar o prazo para 23 de Junho. No dia l de Agosto de 1990 sai o aviso n.º 49/90 que torna a adiar para 23 de Agosto de 1990. No dia 12 de Outubro de 1990 sai o aviso n.º 67/90 que adia para o dia 21 de Novembro de 1990. No dia 14 de Novembro de 1990 sai o aviso n.º 79/90 que adia para o dia 9 de Abril de 1991.
Risos do PS. Protestos do PSD.
Sn. Deputados, são seis adiamentos no período de um ano. que representam um ano de atraso desta obra. Pergunto, pois, quando será o próximo adiamento, e nem sequer pergunto para quando a conclusão desta obra.
É preciso, de facto, falar em transparência e em rigor, e por isso 6 que nós há muito tempo andamos a demonstrar ao País que o Sr. Deputado não tem qualidades para ser o líder da oposição e muito menos para se assumir, um dia, como governante deste país e desempenhar as funções de primeiro-ministro.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Silva Marques.
O Sr. José Silva Marques (PSD):-Sr. Deputado Jorge Sampaio, há um fosso político que nos separa mas que. de qualquer modo, não quebrou, até hoje, nem quebrará a relação de amizade pessoal que nos liga. Mas esse fosso, porque nos separa, impele-nos inevitável e legitimamente ao confronto político. Todavia, existe um ponto de excepção a esse fosso político na medida em que, hoje, ambos defendemos a Presidência da República entendida como um poder moderador, o que não acontecia antes quanto ao Sr. Deputado, mas que, como sabe, eu preconizei quando no meu partido se discutiu a questão.
De qualquer modo, quanto ao fosso político que nos separa relativamente a quem deve liderar Portugal-e este «quem» não é propriamente a pessoa, embora, hoje, com todos estes anos de amadurecimento -como dizia a escritora Mary MaCarty -, já vivi suficientemente para saber que, se as ideias são importantes, os homens não o são menos. Mas vamos às ideias porque não quero - longe de mim - pessoalizar este debate.
Várias vezes aqui tomei a palavra em resposta às intervenções do Sr. Deputado, sobretudo porque elas têm sido sistematicamente, diria mesmo abusivamente, lições de transparência, lições de ética, lições de rigor. Só que. Sr. Deputado, a pior pedagogia é aquela em que o mestre não dá o exemplo, assim como a pior lição de moral é aquela em que o pregador não dá, também, o exemplo.
Mas, Sr. Deputado, sem querer desenvolver a questão e considerando a minha intervenção como reacção a essas lições, e apesar de todos nós evidentemente pecarmos, uns mais outros menos, o seu partido esforça-se por cometer poucos pecados. Ora. também o meu. No entanto, quantas mais são as lições de moral mais em evidencia ficam esses pecados.
Contudo, permitia-me, apenas no tocante à transparência e rigor, chamar-lhe a atenção para o facto de que o seu partido linha a obrigação de justificar a presença do Sr. Deputado, hoje, aqui, pela razão simples de que foi o seu partido que tomou a iniciativa de pedir uma aclaração da questão regimental e legal sobre a compatibilidade do seu mandato de presidente da câmara e de deputado.
Ora bem, se o seu partido e o Sr. Deputado resolveram vir aqui, antes de esperar pela resposta de quem de direito, tinha obrigação de dar uma explicação à Câmara.
Como vê, Sr. Deputado, é fácil dar lições mas é muito mais difícil dar o exemplo.
Permitia-me, ainda, referir um segundo caso que é o de o Sr. Deputado, na parte ideológica do seu discurso, ter dado lições a todos, nomeadamente ao Partido Comunista, embora eu pense que tenha feito uma apreciação aligeirada. É que o PCP teve uma boa votação, Sr. Deputado, não por causa das atribulações das flutuações ideológicas mas porque revelou coerência e o povo português ainda aprecia muito esse valor, independentemente dos manuais ideológicos. Assim, o PCP teve um resultado que tem como explicação a coerência...
O Sr. José Lello (PS):-Coerência é que vocês não tiveram!
O Orador: -... e os senhores sabem quanto eu os tenho combatido ideologicamente, muito antes dos senhores e do Sr. Deputado.
De qualquer modo, o Sr. Deputado Jorge Sampaio, na parte ideológica, reafirmou hoje, de forma clara, vários princípios políticos e, entre eles, o do primado do mercado. Pois bem, Sr. Deputado, pergunto-lhe, e julgo que com legitimidade, se essa frase consta da revisão do vosso programa. E se sim, então, pergunto: revisão com que legitimidade, em que órgão?
Ora. quando o Sr. Deputado nos acusa de falta de transparência, quando, às vezes, nos acusa de menos democraticidade, então pergunto: não vê que a própria pressa da adaptação à conjuntura política também vos obriga a alguns atropelos?
Por último, diz o Sr. Deputado que é preciso abordar as grandes questões do País, tendo essa afirmação implícita a critica de que nós não o fazemos. E quando o Sr. Deputado escolhe como exemplo a questão das questões, ou seja, a questão do Golfo, que está aí, é sobre ela que temos de conversar? Sr. Deputado, nós temos de conversar, só que quem deseja dirigir os destinos de um país também tem que decidir.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Sampaio.
O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Os meus agradecimentos pelo interesse que VV. Ex.as manifestaram e pelo estímulo que representam as vossas observações.
Há duas questões prévias que queria relevar de imediato.
Em primeiro lugar, não tenho de pedir licença ao Sr. Deputado Duarte Lima e ao PSD para vir à Assembleia da República.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador:-Esta é uma matéria óbvia.
Em segundo lugar, queria apenas dizer ao Sr. Deputado Carlos Brito, que me interpretou mal. que, se há alguém neste país -e tenho sempre uma grande modéstia na apreciação - que tenha dado um contributo arriscado, mas
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importante, para a necessidade de algumas alterações e de diálogo na esquerda, esse alguém fui eu. No entanto, queria que V. Ex.º também soubesse que, tendo sido feito, como foi, um acordo claro e transparente sobre essa matéria, não me considero refém de coisa nenhuma para debater com consideração e respeito, no quadro da esquerda, alguns problemas que penso serem essenciais e que nada têm a ver com o respeito que dois partidos políticos de esquerda devem ter um pelo outro, e que sempre lenho pautado ao longo de larga vida política, mesmo nos tempos em que isso era difícil.
Aplausos do PS.
E nem sequer, Srs. Deputados - tal não seria, porventura, correcto da minha parte -, gostaria de relevar hoje algo que não esperava encontrar, mas que penso ser, com certeza, transitório: ver o Sr. Deputado Silva Marques a apoiar tão vivamente o Sr. Deputado Carlos Brito.
Admito que, da minha parte, haja um ano de desactualização - não tenho cá estado. De qualquer modo, houve um aggiornamenlo mútuo Ião rápido que não vale sequer a pena comentar essa matéria...
Vozes de PS: - Muito bem!
O Orador: - Portanto, firmeza neste ponto.
E quando coloquei algumas questões ao Partido Comunista, fi-lo como talvez ninguém em Portugal o possa fazer, porque em nenhum momento por lá passei, em nenhum momento fui um anticomunista primário e, pela primeira vez, talvez tenha jogado, como alguns disseram, um destino político ao patrocinar uma coligação de que muito me honro, que está hoje alargada e onde estuo apenas isolados os senhores representantes do PSD.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E aproveito para dizer ao Sr. Deputado João de Matos, cujos talemos municipais ficaram tão óbvios, que não vou transformar esta Câmara, como VV. Ex.as têm feito, numa assembleia municipal, mas que será com o maior gosto que verei V. Ex.º pedir a sua transferência transitória para a Assembleia Municipal de Lisboa, onde irá certamente reforçar, com enorme vantagem, as bancadas debilitadas do seu partido.
Aplausos do PS.
Relativamente ao Sr. Deputado Duarte Lima, não sei se foi o Sr. Deputado que, num recente debate da Assembleia da República, falou sobre o sotaque de alguns colegas do Norte...
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Não, foi um colega seu!
O Orador: - Foi o Sr. Deputado Duarte Lima. Sempre vou lendo o Diário da Assembleia da República.
V. Ex.ª também irá explicar depois às pessoas do Porto, até pelo interesse nacional que a privatização do Jornal de Notícias leve, por que é que não deveria haver tanto interesse se não fosse um jornal nacional. E não percebo que, falando o Jornal de Notícias tantas vezes sobre a Câmara Municipal de Lisboa, não possa ao menos haver a resposta desta entidade sobre o que é que ela está a fazer!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Mas há algo, Sr. Deputado Duarte Lima, que não lhe posso perdoar...
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Não me assuste!...
O Orador: - É a insinuação que o Sr. Deputado fez de que os cumprimentos de boas-festas feitos por mim, como secretário-geral do PS, leriam sido custeados pela Câmara Municipal de Lisboa! É falso, Sr. Deputado, e é dramático que lhe lenha passado pela cabeça que isso lenha acontecido! Na verdade, tenho a noção clara da diferença entre um cargo e outro e, para que V. Ex.ª saiba, quando há uma actividade política partidária, nem sequer utilizo o carro da Câmara Municipal! Portanto, Sr. Deputado Duarte Lima, encerremos este capítulo, pois, nesta matéria, V. Ex.º e o seu partido tem certamente muito que esclarecer a sociedade portuguesa!
Aplausos do PS.
Passo agora a abordar questões de maior substância, nomeadamente a relativa à colagem à vitória presidencial. Ó Sr. Deputado Duarte Lima, é espantoso, vindo de V. Ex.ª, que não vi em lado nenhum nesta campanha, de V. Ex.º que, em 1985, presumo que estivesse onde deveria estar - e era o seu direito -, dizer isto ao Partido Socialista depois de me ter ouvido falar sobre esta matéria e de me ter ouvido discursar por lodo o País sobre a forma como concebemos o exercício do mandato presidencial! V. Ex.º estava, no mínimo, distraído!...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Quando fala de colagem, Sr. Deputado, olhe para si próprio, olhe para o seu partido, e então talvez tenha de usar essa denominação, não a dirigindo para quem, desde a primeira hora, tem lutado por essa candidatura!
Aplausos do PS.
Relativamente à questão da extinção do MASP, penso que é preciso ter também algum despudor vir aqui falar nisto. Como se não tivesse sucedido assim em 1985, como se não fosse natural que assim acontecesse...
Sr. Deputado, eu apenas sustentei, desde a primeira hora, ser esta a concepção do sufrágio directo e universal para a Presidência da República. Aliás, acho que é de louvar o sentido de Estado do Sr. Presidente da República, que neste mesmo dia disse, como o disse em 1986, que este movimento está extinto. E quem sabe como as coisas são, sabe bem que assim aconteceu.
Pela nossa parte, não é surpresa; já estávamos habituados, e ainda bem porque já lá estávamos da outra vez.
Mas passemos adiante, Srs. Deputados. Este ciclo está encerrado e à nossa frente está a necessidade da continuação - e a certeza de que assim será - do exercício do mandato presidencial com a isenção com que se desenrolou o primeiro, a batalha eleitoral, a batalha política e aquilo que são também os grandes problemas nacionais que exigem, num momento destes, outro tipo de atenção e de consensos.
Não quero concluir daqui que VV. Ex.as estão agora a convergir com o PCP ou vice-versa -ao PCP não faço esse comentário-, mas o que é facto é que VV. Ex.as canalizaram esta primeira parte do debate para uma convergência com o PCP tendente ao isolamento do PS.
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Porém, e em definitivo, não o conseguem! Estamos na sociedade portuguesa há muito tempo, estamos a crescer, temos um projecto, temos alternativa e, sobretudo. Sr. Deputado Pacheco Pereira, temos a vontade e a noção de que o País precisa dessa mudança! É para ela que estamos preparados, mas só o povo 6 que poderá fazer a avaliação! Nem o Sr. Deputado Duarte Lima, nem o Sr. Deputado Pacheco Pereira o podem fazer antes dele!
O Sr. Duarte Lima (PSD):-Cada qual tem a sua opção O senhor tem a sua e nas temos a nossa!
O Orador: - Sr. Deputado, V. Ex.ª também tem uma cassette... Talvez lenha a ver com as suas origens ideológicas, que muito respeito. No entanto, a verdade é que V. Ex.ª filia sempre na necessidade de coisas concretas.
Estou disponível para as discutir com o Governo que V. Ex.º patrocina, com o Sr. Primeiro-Ministro e espero bem que aqui, no debate europeu, nos honre com a sua presença. O País, a ser internacional, necessita, não de um debate em que procuremos arranhar-nos, mas para que fique claro que a Assembleia da República e o Governo estão imbuídos de um espírito nacional necessário para a participação não envergonhada na construção europeia!
Vozes do PS:-Muito bem!
O Orador:-Por isso, Sr. Deputado Pacheco Pereira, cá vamos andando, e bem! Com certeza que lemos aprendido com as lições da história e lemos a consciência de que não há na sociedade e no mundo modelos terminais e de que é preciso muito fazer para compatibilizar aquilo que são as raízes do movimento socialista democrático, tal como sempre existiu, com as exigências da igualdade de oportunidades e da solidariedade!
Querem VV. Ex.as políticas concretas? Façam VV. Ex.as aqui um debate semanal para essas políticas concretas! Cá estará a bancada do PS para as discutir!
Aplausos do PS.
No entanto, não poderá V. Ex.ª, em circunstância nenhuma, repetir esta cassem! Não é, com certeza, num ponto político de 10 minutos que vamos discutir esta questão! Mas por que é que VV. Ex.as não alargam as perguntas ao Governo, as audições parlamentares e a presença do Sr. Primeiro-Ministro aqui na Assembleia?!
Aplausos do PS.
O Sr. Primeiro-Ministro britânico vai duas vezes por semana a uma hora de debates! E o Sr. Deputado Pacheco Pereira tem, com certeza, uma antena parabólica e tem também tido esta questão todos os dias perante si ou em casa de amigos!
Realmente, eu não posso praticar a política do debate entre Governo e oposição. Só posso servir-me do que em outras democracias se pratica todos os dias...
O nosso desejo 6 o de que aqui se pratique isso; que duas vezes por semana o Governo esteja aqui para debater com todos os partidos da oposição! O nosso desejo é que se resolva a questão essencial de algumas liberdades públicas neste paus! VV. Ex.as, que têm a responsabilidade colossal de terem, em algumas pastas, 10 anos de Governo e de terem a maioria há cinco anos, falharam em muitas coisas, mas essencialmente em duas cruciais: na transparência da vida pública portuguesa e no pluralismo do
modelo público da comunicação, designadamente a televisão! VV. Ex.as falharam nessa questão fulcral, não fosse a vossa preocupação permanente, não de servir o poder para melhorar Portugal, mas em estar junto ao poder, custe o que custar!
Vozes do PS:-Muito bem!
O Orador: -Relativamente às questões colocadas pelo Sr. Deputado Carlos Brito, eu, que já fui acusado - felizmente que isso já foi esquecido - do chamado «pacto secreto» com o PCP - VV. Ex.as vibraram tanto com isso-, queria dizer que aquilo que referi releva de um homem de esquerda preocupado com o diálogo à esquerda, no espaço da esquerda.
O momento é de interrogação para muitos valores, para muitos fetiches e até para muitas utopias. Porém, o que disse aqui, com frontalidade -eu que, ao contrário do que acontece com muitos que estão na minha bancada, nunca passei pelas bancadas do vosso partido -foi que não interessava o passado. O que interessa é que é preciso, à esquerda, não arrumar este diálogo como se fosse uma provocação, mas senti-lo como uma verdadeira necessidade!
Foi isso que quis dizer, Sr. Deputado Carlos Brito...
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Tenha paciência, mas não dou. Continuamos amigos como sempre, mas há 30 anos que já se sabe que assim é e desejo que continue a ser!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: -Sr. Deputado Cardoso Ferreira, V. Ex.º está tão preocupado com as matarias de defesa que tenho aqui à sua disposição um dossier sobre todas as posições do PS desde o dia 2 de Agosto, sobre a crise no Golfo, quando VV. Ex.as estariam, com certeza. à procura do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros. São muitas e algumas delas entregues, directamente e em privado, ao Sr. Primeiro-Ministro.
Veja a sua sistemática e compare-as. No entanto. Sr. Deputado, quero dizer-lhe que, nessa matéria, dialogo com o Sr. Primeiro-Ministro e ele sabe, com certeza, o que lhe tenho dito em privado e que não reproduzo em público.
Aplausos do PS.
Finalmente, tendo já respondido ao Sr. Deputado João de Matos,...
Vozes do PSD:-Não respondeu, não!
O Orador: -... queria dizer ao Sr. Deputado Silva Marques que, não renegando de maneira nenhuma a amizade que V. Ex.ª refere, penso que as amizades são indispensáveis para a vida, mas não podem ultrapassar os seus limites, o seu quadro de referência. Portanto, não é a amizade que pode permitir a ultrapassagem de alguns critérios fundamentais.
Felizmente que desta vez V. Ex.ª não os ultrapassou. Por consequência, apenas lhe quero dizer que não me venha falar de programa ou de transparência e rigor.
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Sr. Deputado Silva Marques, V. Ex.º, que passou por vários partidos, deve estar, há alguns anos (há 14!), à procura desse programa no seu partido. V. Ex.ª leu recentemente o programa do PSD, que tem pautado esta prática governativa por tais contradições que não vale a pena sequer falar nelas? É assim urgentíssimo que VV. Ex.as façam uma revisão, pois, de contrário, não há maneira de terem norte sobre a compatibilização entre o que está escrito no vosso programa e aquilo que fazem todos os dias!
É melhor fazerem o programa como VV. Ex.as disseram que o iam fazer e que constitui uma forma espantosa: da prática para o programa e não do programa para a prática... É que esta é também uma novidade que VV. Ex.as têm praticado na vida portuguesa, e vamos, com certeza, ter grandes oportunidades para discutir essa matéria.
Vozes do PS: -Muito bem!
O Orador: - Quanto à questão da transparência e rigor sobre a minha vinda aqui à Assembleia, Sr. Deputado Silva Marques, eu quero crer que os Srs. Deputados do PSD presidentes de câmara - um dos quais teve possibilidade de dizer, em debate recente, que ali estava - terão esclarecido a sua situação legal, e que a esclareceram totalmente. Mas, pelos vistos, a situação não está esclarecida!
No que me toca, apenas agi com o rigor máximo, pedindo a suspensão para estar aqui presente, sem nenhuma ambiguidade quanto à minha presença - foi isso o que fiz.
Aplausos do PS.
Finalmente, Sr. Deputado Silva Marques, V. Ex.º percebeu mal aquilo que eu disse, e que está escrito, sobre a questão do Golfo. O que manifestei, mais uma vez, como tenho sistematicamente feito em questões de integração europeia, de política externa, de segurança e de defesa, é que não estou a pronunciar-me sobre estas questões para fazer demagogia ou para criar qualquer conflito partidário. E o que eu disse, única e simplesmente, sobre a questão do Golfo é que, nesta matéria e nesta altura, é necessário haver uma grande solidariedade institucional, de modo a que, num momento e num quadro internacional desta natureza, exista um diálogo permanente entre o Governo, a Assembleia da República e o Sr. Presidente da República. Foi só isso o que eu disse e tenho muita honra em o ter dito.
Aplausos do PS.
O Sr. José Silva Marques (PSD): -Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito?
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Para o exercício do direito de defesa da honra e consideração.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, quero apenas dizer--lhe que, dado o atraso que se verifica no desenrolar dos nossos trabalhos, neste caso, vou ater-me exclusivamente aos tempos regimentais quer para o exercício do direito de defesa da honra quer para a sua resposta.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Jorge Sampaio, V. Ex.ª há-de reconhecer que a sua insistência nas lições de moral lhes dá um conteúdo ofensivo e, por isso, é legítimo que eu peça a palavra para o exercício do direito de defesa da honra e consideração. Efectivamente, o Sr. Deputado, ao responder ao meu colega -e fê-lo com clareza -, relativamente a quem pagou a publicidade, não se conteve sem acrescentar «vocês é que fazem disso!». Ora, não está certo, Sr. Deputado. E, por isso, com legitimidade, peço a palavra para o exercício do direito de defesa da honra e consideração.
Repito, portanto, Sr. Deputado, que a sua insistência nas lições de moral tem um conteúdo ofensivo e o Sr. Deputado não tem resposta para esta minha afirmação e acusação, que lhe faço frontalmente, sem transpor os limites da amizade, o que espero que reconheça que nunca fiz. E é também em nome dessa amizade que não me sinto inibido para lhe colocar todas as questões, mesmo as mais inconvenientes - espero que reconheça esta regra do jogo. O Sr. Deputado diz que não precisava de dar uma explicação à Assembleia relativamente à sua presença, mas eu considero que V. Ex.ª tinha essa obrigação moral. É que, tendo os senhores colocado a questão precisamente sobre a legalidade, ou não, da sua presença e tendo resolvido estar presente antes de essa questão estar aclarada, era natural, legítimo e era imperativo moral que dissessem à Câmara: «Srs. Deputados, continuamos a aguardar a aclaração dessa questão legal ou regimental; no entanto, entendemos dever estar presente antes da sua resposta.» O Sr. Deputado não pode escamotear a questão! Ou então, os senhores colocaram a questão anteriormente como um mero álibi justificativo de uma ausência.
Outro aspecto que quero focar é o seguinte: o Sr. Deputado acusou-nos, ou autojustificou-se, relativamente a uma eventual presença semanal do Sr. Primeiro--Ministro no Parlamento. Sr. Deputado, só tem sentido exigir aos outros aquilo que se começa por se exigir a nós próprios! E, voltando à questão das lições, o Sr. Deputado sabe perfeitamente que o Sr. Primeiro-Ministro inglês está todas as semanas no Parlamento inglês, mas também lá está o líder da oposição! Ou não o é, V. Ex.ª ?! Ou não o pretende ser, V. Ex.ª ?! Por isso, Sr. Deputado Jorge Sampaio, deixe de nos dar lições, porque, à parte esse pecadilho, apreciamos imenso a sua individualidade pessoal, que não a sua política, porque ela não existe!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente:-Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Sampaio.
O Sr. Jorge Sampaio (PS): - São explicações benignas, Sr. Presidente, porque a matéria não requer maior profundidade.
Sr. Deputado Silva Marques, V. Ex.ª há-de com certeza dar-se conta de que o PS e eu próprio não podemos ficar na disponibilidade até que os Srs. Deputados do PSD entendam decidir sobre essa matéria, o que já deviam ter feito na quarta-feira passada e só o vão fazer amanhã. Penso deduzir das suas palavras o enorme zelo e rapidez com que a bancada do PSD, amanhã, na Comissão de Regimento e Mandatos, vai resolver essa matéria. Mas não vale a pena alterá-la, Sr. Deputado, porque o problema não se põe em matéria de legitimidade para aqui estar-eu tenho a mesma legitimidade que o Sr. Deputado para aqui estar! O problema põe-se noutra sede que é a de saber se os mandatos são compatíveis ou se eu tenho de pedir a suspensão no outro, no mandato autárquico para que fui eleito, em Outubro passado- essa é que é a questão!
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E resolvi essa questão - que V. Ex.º não foi capaz de ajudar a resolver, na passada quarta-feira- pura e simplesmente pedindo a suspensão antecipada.
Vozes do PS: -Ele não percebe!
O Orador:-Quanto ao mais, Sr. Deputado, é natural que cada um tenha o seu timing político.
O Sr. Presidente: - Para fazer uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Alfredo de Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República não pode alhear-se do momento particularmente grave que atravessa a vida internacional. A extrema agudização da crise do Golfo coloca a humanidade perante a ameaça crescente de uma guerra de consequências imprevisíveis, mas sempre devastadoras, incluindo para o nosso próprio país.
O PCP propôs na Conferencia de Presidentes dos Grupos Parlamentares que, hoje mesmo, o Plenário da Assembleia da República procedesse a um debate sobre esta gravíssima situação. A nossa proposta não fez vencimento e por isso aqui a reiteramos para um dos próximos dias, certos como estamos de que, perante os riscos que ameaçam a paz mundial e o nosso próprio país, todos os órgãos de soberania devem ser chamados, na área das suas competências, a participar nas decisões.
Reiteramos também a proposta, já adiantada pela direcção do PCP, de que o Governo deve fazer uma declaração formal de que as forças armadas portuguesas não participarão na Guerra do Golfo, se ela vier a ser desencadeada.
Está, no entanto, programado para hoje fazermos a apreciação das eleições para a Presidência da República.
Como era certo e seguro quando estabelecemos este calendário de trabalhos, o Dr. Mário Soares está reeleito Presidente da República por um volumoso resultado.
Iniciamos, pois, estas apreciações, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, felicitando p Dr. Mário Soares pela sua reeleição e exprimindo o desejo de que no seu segundo mandato possa ter em conta grandes preocupações e aspirações manifestadas com frontalidade por muitos que não apoiaram a sua candidatura e entre os quais nos contamos.
O Presidente reeleito proclamou no discurso da vitória que continuava a ser o Presidente de todos os portugueses e que o MASP se dissolvia com a sua reeleição. Estas positivas afirmações facilitam que recordemos algumas ideias centrais que os comunistas colocaram na campanha eleitoral, muito especialmente através da candidatura de Carlos Carvalhas.
A nosso ver o Presidente da República deve ter uma acção mais destacada, com vista à atenuação das desigualdades sociais e regionais agravadas pela política neoliberal do Governo; deve ter uma intervenção mais activa na promoção da justiça social; deve ter uma acção mais enérgica no combate à corrupção; deve acompanhar atentamente o processo das privatizações e zelar pelo interesse nacional, o património público e a transparência das operações; deve agir para favorecer a descentralização e a regionalização; deve opor-se aos avanços do autoritarismo e às novas tentativas de alterações antidemocráticas das leis eleitorais; deve reagir à invasão governamentalizadora, incluindo a que o atinge directamente, reduzindo a sua intervenção em áreas em que era reconhecida pela prática constitucional.
Houve quem, na própria noite da contagem dos votos, se prevalecesse do apoio dado à candidatura de Mário Soares para apresentar um caderno de encargos que, a ser aceite, reduziria à completa passividade o Presidente da República. Nós, que não apoiámos a sua candidatura, insistimos em algumas preocupações, para que a Presidência da República seja valorizada e revitalizada.
Agora, os apoiantes do Dr. Mário Soares, à direita e à esquerda, discutem quem mais contribuiu para a reeleição do Presidente com um tal calor que de certeza não têm em vista meros objectivos estatísticos. Nós, comunistas, que tivemos a nossa própria candidatura, demarcamo-nos desta disputa de cortesãos e formulamos, apesar de tudo, votos de um mandato presidencial liberto de compromissos eleitorais e em que o Presidente não seja reduzido a um simbólico papel que não se conforma com o que a Constituição estabelece.
A novidade mais saliente das presidenciais de 1991 foi incontestavelmente a candidatura de Carlos Carvalhas, tanto pela sua intensa campanha de esclarecimento político como pelos resultados eleitorais muito positivos que alcançou.
Aplausos do PCP.
Se a reeleição de Mário Soares era uma segura previsão de todos nós, o resultado eleitoral conseguido por Carlos Carvalhas foi uma grande surpresa para a maior parte de vós.
Estes resultados foram o justo reconhecimento de uma campanha que recusou o ataque e a agressão pessoal e partidária e privilegiou o debate sério e sereno dos problemas que mais afligem o nosso povo, designadamente os de natureza social e das grandes questões institucionais, como o papel do Presidente da República no nosso sistema político.
Vozes do PCP:-Muito bem!
O Orador: -É a merecida recompensa de uma candidatura que optou por uma atitude inequivocamente de esquerda, pela demarcação, pela diferença, pela coerência, pela determinação de enfrentar todas as dificuldades, para afirmar estes valores.
Vozes do PCP:-Muito bem!
O Orador: - Muitos esperariam encontrar-nos hoje reduzidos, confundidos e derrotados para confirmarem as suas teses sobre o declínio irreversível do PCP. Como mais uma vez se enganaram redondamente, dizem agora que este resultado não é repetível. Não o é, de facto, mas ao contrário do que pensam, porque abre o caminho para muito melhores resultados, em futuro próximo.
Aplausos do PCP.
Numa das suas últimas intervenções na campanha, Carlos Carvalhas fez o balanço da candidatura, salientando já a este propósito, e cito-o: «Onde os nossos adversários sonhavam encontrar-nos tolhidos por dificuldades, perplexidades e contradições, onde imaginavam crispação e desespero, onde julgavam poder envolver-nos e aos eleitores que em nós confiam nas malhas de seduções e abdicações, onde nos fantasiavam como uma espécie de parentes pobres do sistema democrático português, vieram
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encontrar-nos, sólidos, combativos e determinados, tolerantes, abertos para a vida e voltados para o futuro, capazes de uma visão rasgada e inovadora, destacados protagonistas de um incomparável empenhamento democrático.»
Aplausos do PCP.
Com efeito, o PCP sai destas eleições presidenciais mais confirmado como uma grande força política nacional que há que tomar em consideração em todos os projectos políticos para o País.
Os resultados das eleições presidenciais fazem cair pela base as apressadas simplificações bipolarizadoras. É uma evidência, mas que urge sobremaneira explicitar, que sem o PCP não há alternativa credível à direita.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Salientamos esta conclusão, não para criar novas dificuldades ao entendimento entre as forças que se colocam à esquerda do actual Governo, mas precisamente para contribuirmos para a convergência das forças democráticas que é a única base realista em que pode assentar uma alternativa.
Respondendo ao Dr. Jorge Sampaio, afirmamos a nossa disposição para todo o debate na esquerda. Mas um debate em que não nos coloquem sob suspeição, um debate sem condições. Também nós, Sr. Deputado Jorge Sampaio, não somos reféns de ninguém.
Aplausos do PCP.
A candidatura de Carlos Carvalhas situou-se sempre neste campo da luta e tomou como um dos seus principais objectivos contribuir para a convergência das forças democráticas.
Os resultados obtidos dão mais força e dão mais fôlego à acção oposicionista que tem em vista a substituição do actual Governo do PSD e da sua política.
O Governo e o PSD beneficiaram de uma espantosa trégua, durante a pré e a campanha eleitoral, concedida especialmente pela candidatura de Mário Soares, mas também por outras candidaturas e pelo próprio PS, envolvido pelas vagas oceânicas do MASP.
Só a candidatura de Carlos Carvalhas demonstrou que é impossível definir um rumo presidencial sem inventariar os grandes problemas do País, questionar as orientações que lhe são imprimidas e a acção governativa que lhes dá expressão concreta.
O Governo e o PSD aproveitaram a trégua para compor a maquillage e gizar, como foi aliás tornado público, o seu plano de assalto às legislativas com o uso e o abuso, naturalmente, do aparelho e dos recursos do Estado.
A suspeitíssima operação da sondagem para as legislativas, obviamente manipulada, lançada pela RTP na noite do apuramento dos resultados das presidenciais, dá novas indicações dos métodos que o Governo se propõe utilizar.
É tempo de revigorar decididamente a acção oposicionista. No entanto, isto não se faz apenas com declarações programáticas e ainda mais se são abstractas e vagas. Os grandes problemas do nosso povo e do nosso país não dão tréguas. Centenas de milhares de trabalhadores vão ser envolvidos em grandes processos de contratação colectiva. O Governo prepara-se para concretizar a toda a pressa o iníquo «pacote laborai». A inflação não abranda e deteriora rapidamente os magros aumentos salariais e das reformas e pensões. Estão por solucionar os processos retributivos dos médicos, dos professores e, em geral, dos trabalhadores da função pública. Iniciada a segunda fase da integração europeia, a situação da agricultura é caótica. Apesar dos escândalos denunciados, o Governo insiste em prosseguir com o programa de privatizações. Estão por esclarecer casos de corrupção, ou suspeita dela, que fizeram sensação nos últimos meses e outros que se lhes juntaram.
Aos partidos da oposição é exigida uma atitude e uma intervenção clara e enérgica em relação a estas e outras questões da maior importância para o País.
O PCP, que pela sua parte não concedeu qualquer trégua ao Governo, está na firme disponibilidade de dialogar, se entender e convergir com as outras forças da oposição democrática, incluindo em acções parciais, em tomo destes grandes objectivos.
Tendências hegemonizamos, alimentadas em certos sectores da oposição (e que nada justifica), são hoje o principal obstáculo à concretização de uma alternativa democrática.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Esperamos que os resultados das presidenciais, em especial a mensagem e a votação da candidatura de Carlos Carvalhas, contribuam para desfazer as ilusões das «alternativas sozinhas» e abram as portas a uma ampla e aguerrida convergência democrática a caminho das legislativas.
Aplausos do PCP e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.
O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mário Soares foi reeleito. Foi uma vitória anunciada, permitida pelo insólito unanimismo que se gerou em torno da sua candidatura. Mas foi uma vitória incontestável. Por isso, queremos felicitar o novo Presidente da República e desejar-lhe os maiores sucessos no exercício das suas altas funções.
O grande leque de apoios de que o candidato Mário Soares disfrutou no momento do lançamento da sua candidatura, uns reais, outros de mera circunstância, foi manifestamente prejudicial para o esclarecimento das suas opções políticas e das propostas concretas que ele teria a fazer ao povo português para o segundo mandato que disputava. Sobretudo para alguns dos seus apoiantes, tal postura foi inibidora e castradora de críticas e de tomadas de posição, deixando passar em claro atitudes e posturas do candidato que em outras alturas teriam merecido da sua parte sentidos reparos políticos.
Ainda que por pouco tempo - é esse o nosso desejo - instalou-se na sociedade portuguesa um «unanimismo político», ditado por circunstâncias momentâneas, por vezes mesmo «comodismo» e que levou em momento menos feliz da campanha o candidato ganhador a dizer «quem está contra mim está contra Portugal».
É necessário que as forças políticas que se acomodaram se libertem e que continuem a apreciar com sentido político
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crítico, no interesse do País, todas as posições políticas do Presidente da República.
Mas os resultados das eleições permitem extrair ilações que importa valorizar politicamente. De entre elas, salienta--se o elevado índice de abstenção registado. Trata-se do aspecto que alguns têm pretendido desvalorizar, porque o facto é politicamente sintomático e elucidativo.
É verdade que o nível de abstenção foi semelhante ao que se registou nas últimas eleições autárquicas. Mas também o é que a abstenção, nas presidenciais, tem uma leitura política diferente.
Do nosso ponto de vista, o facto em apreço radica menos no argumento de que vencedores antecipados não carecem de apoio activo do que na discordância passiva que mais de três milhões de portugueses evidenciaram relativamente à forma como Mário Soares exerceu o seu primeiro mandato. Se a esse numero de abstencionistas juntarmos o número de votos brancos e nulos -também eles sem precedentes em eleições presidenciais -, concluiremos que Soares teve poucos mais votos do que aqueles que manifestaram alheamento pelas eleições e ou discordância pelos comportamentos assumidos pelo Presidente no exercício do seu primeiro mandato.
O Sr. José Magalhães (Indep.):-Parece o Jardim a falar!
O Orador: - Não podemos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, desvalorizar o significado da abstenção verificada, nem podemos socorrer-nos do argumento de que a taxa é semelhante às europeias. São argumentos que não colhem na situação portuguesa. O que devemos é contribuir para despeitar no cidadão comum, não o dever de votar, mas o gosto de votar.
Só assim aprofundaremos a democracia política e lograremos desenvolver a democracia representativa de base local. A indiferença e o hiperindividualismo que se instalaram na sociedade portuguesa constituem um fenómeno recente e perfeitamente erradicável se quisermos dar ao voto de cada cidadão um novo sentido e um novo alcance, fazendo com que os cidadãos se sintam agentes e beneficiários do processo de desenvolvimento económico e social.
O Presidente reeleito terá, nesta matéria, um papel importante a desempenhar, competindo-lhe converter-se num aguilhão do aprofundamento do processo de democratização política, económica e social do País.
Mas, para o elevado nível de abstenção registado também terá contribuído, em escala considerável, o fraco nível qualitativo da campanha eleitoral. Para além de uma grande «lavagem de roupa suja» - que, apesar de tudo, não erradicou muitas nódoas que terão caído nos «melhores panos»...-, nem uma ideia nova ou renovada surgiu. Imperaram os lugares-comuns, os tabus, os dogmas e as frases feitas. Claro-e é isto que é preocupante - que a culpa não foi só dos candidatos mas também, e sobretudo, dos partidos que os apoiavam.
Vozes do PRD:-Muito bem!
O Orador:-O «bloco central» alargado que apoiou Soares terá, na melhor das hipóteses, guardado as suas ideias para as legislativas ou, então, o PSD e o PS não quiseram evidenciar que as suas ideias e os seus projectos são. no essencial, iguais.
O Partido Comunista, apesar de poder reclamar um bom resultado eleitoral para o candidato que apoiou, não trouxe, como seria desejável, ideias novas, minimizando a crise que assolou o mundo comunista.
O CDS não soube valorizar a democracia cristã enquanto alternativa credível à social-democracia e ao socialismo democrático, o que obrigou o seu alegado candidato a refugiar-se muitas vezes na apologia de valores que só fazem vencimento na direita ortodoxa.
O discurso da paz e da concórdia nacional de Carlos Marques não foi secundado por projectos de esquerda que pudessem ser atribuíveis à UDP.
A campanha eleitoral foi. pois, uma mera formalidade, vazia de conteúdo e despida de mérito e interesse social. Ela foi um ponto de chegada de ideias feitas e não, como seria desejável, um ponto de partida para novas ideias e ideias novas. Por isso, ela inspirou, necessariamente, larguíssimo número de abstencionistas.
Enterrado o MASP - essa grande união nacional de monárquicos e republicanos, comissários e militares, cientes e descrentes, sérios e oportunistas, lúcidos e lúdicos, diabos e beatos e outras figuras antitéticas-, resta, agora, desenterrar a bipartidarização, oportuna - e, quiçá, oportunisticamente interrompida.
A maioria absoluta é o objectivo almejado pelo PSD e até pelo próprio PS. A confrontação vai ser impiedosa. A arte de prestidigitação voltará a ser o voto útil. E os abstencionistas serão o grande grupo alvo de intervenção.
Seria bom que os Portugueses tomassem, desde já, consciência de que uma nova maioria monocolor seria negativa para o País. As maiorias monocolores democraticamente eleitas podem alhear-se do aprofundamento da democracia e podem gerar efeitos astuciosos redutores ou retardadores da resolução dos grandes problemas do País. Uma maioria absoluta monocolor seria, aliás, extremamente perversa para o presidente reeleito, podendo colocá-lo numa posição difícil para exercer, adequadamente, as suas funções enquanto «presidente de todos os portugueses».
Um presidente que, queira ou não - e queiram ou não os analistas políticos-, será foiçado a modificar, radicalmente, a filosofia, o estilo e os comportamentos assumidos no primeiro mandato; um presidente que terá de ser mais actor que espectador, que terá de ser o expoente da consciência colectiva dos Portugueses no difícil momento de transição para a união política e para a união económica e monetária; um presidente que terá de estimular os ajustamentos e reformas estruturais de que o País tanto carece na educação, na formação profissional, na investigação e desenvolvimento; um presidente que terá de empurrar o processo de regionalização, fomentando os consensos e optimizando as energias necessárias; um presidente que não poderá descurar os problemas ambientais e que deverá promover a reforma do Estado e da Administração Pública; um presidente que terá de ser um gestor de conflitualidades, um pólo das convergências nacionais, e não a personificação de consensos de conveniência.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, é esta a leitura que fazemos do exercício das funções presidenciais. Não basta assegurar a legalidade e o normal funcionamento das instituições democráticas. É preciso que o País mude.
Esperamos que. no seu segundo mandato, o Presidente da República assuma, claramente, as suas funções constitucionais com a coragem e a tenacidade que se lhe reconhecem.
Aplausos do PRD.
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O Sr. Presidente - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (COS): - Sr. Deputado Carlos Lilaia, ouvi com muita atenção a sua intervenção, principalmente, a parte referente aos vícios e virtudes da democracia cristã e ao candidato que apoiamos.
Gostava de saber qual é a doutrina do seu partido para que um dia qualquer possamos apontar-lhe virtudes e vícios! Também, já agora, se pudesse, dizia-nos qual era o vosso candidato para sabermos como é que ele se comportou nesta última campanha!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.
O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Deputado Narana Coissoró, muito obrigado pela questão que me colocou porque ela permitirá esclarecer melhor aquilo que disse na minha intervenção e que, provavelmente, V. Ex.ª não apreendeu na sua totalidade. Talvez por falta de atenção no momento, mas, enfim!...
Sr. Deputado, dizer-lhe-ei que aquilo que referi na minha minha intervenção foi que, em minha opinião, o candidato do CDS não soube valorizar a democracia cristã enquanto alternativa credível à social-democracia e ao socialismo democrático,...
O Sr. Narana Coissoró (CDS) - Queria a sua doutrina, a do seu partido, a do seu candidato! Está a repetir o que já ouvi!
O Orador: - ... tendo-se, efectivamente, refugiado - tal como disse na minha intervenção e V. Ex.ª não ouviu - naquilo que serão os valores tradicionais de uma direita ortodoxa. Foi a posição que o candidato apoiado pelo CDS...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Isso já ouvi. Quero a sua doutrina, a do seu partido, a do seu candidato! Está a repetir o que já ouvi!
O Orador: - V. Ex.ª fez uma observação e, em primeiro lugar, estou a responder à sua observação para, em seguida, responder à sua pergunta!
Relativamente àquilo que estava a dizer-lhe, digo que, portanto, foi a sua posição, que foi a posição do seu partido. Isto é, terem apoiado um candidato que se refugiou em princípios e valores da designada direita ortodoxa. Fiz apenas um comentário relativamente a esta matéria. E apenas a posição do meu partido relativamente a ela. E parece-me que é também a posição do País relativamente àquela votação que o candidato apoiado pelo CDS, efectivamente, teve.
Quanto à posição do meu partido relativamente á' esta matéria, sempre temos defendido que os partidos não têm que apoiar candidatos, não têm que ter candidatos!
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Há seis meses andavam a dizer o contrário disso!
O Orador: - Dissemos isso há muito tempo. Mas, também com toda a honestidade dissemos ao País que não nos reconhecíamos em qualquer dos candidatos que se apresentaram ao eleitorado!...
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hoje é dia 15 de Janeiro de 1991.
A reabertura dos trabalhos da Assembleia da República verifica-se numa data em que se desenvolve a mais grave ameaça para a ruptura da paz desde o fim da Segunda Guerra Mundial, naquilo que respeita, pelo menos, à Europa e ao Mediterrâneo. A gravidade da agressão do Iraque ultrapassou todos os limites da capacidade de tolerância dos Ocidentais e da própria ONU, como se verificou com as sucessivas resoluções do Conselho de Segurança. E justamente este ponto exige uma observação destinada a chamar a atenção do Governo.
O Conselho de Segurança pode tomar decisões obrigatórias para os Estados e, nesse caso, apenas há que escolher entre obedecer ou desobedecer à comunidade internacional. Mas as sucessivas decisões do Conselho de Segurança nesta matéria não são, no que respeita à guerra, imperativas; são permissivas, no sentido da autorização e legitimação da iniciativa dos Estados Unidos da América e dos Estados que se lhe associaram. Por isso mesmo o Governo Português deve ser extremamente atento à necessidade de manter informados os outros órgãos de soberania que também têm responsabilidades nas questões da guerra e da paz. Não é um domínio em que seja aceitável muita distinção conceituai sobre cooperação, ajuda, envolvimento ou guerra. Os actos praticados, cada um dos actos praticados até hoje pelo Governo, fazem parte da estrutura da escalada que tem a maior probabilidade de chegar aos extremos nos dias próximos.
As responsabilidades do Presidente da República, da Assembleia da República e do Governo não podem convergir apenas na hipótese de se concretizar num perigo agudo, já visível; têm de ser organizadas ao longo do processo. E não se trata de simples informação do público ou às oposições: trata-se da consciente e progressiva tomada de posição por todos os intervenientes obrigatórios nas decisões finais. Parece necessário sublinhar este ponto, designadamente em vista do teor de vários dos comentários públicos que rodearam o acto da convocação do Conselho de Estado em plena campanha eleitoral.
Entendemos que o Conselho foi apropriadamente convocado e que a grandeza dos riscos e do desastre iminente não tornam dispensável qualquer acto de meditação, de consciencialização, de tomada de responsabilidade moral, jurídica e política. Nunca se revelaram exactas as previsões feitas e proclamadas no passado antes de cada guerra, sobre a rapidez e os custos previstos e aceitáveis. A interdependência mundial e a nossa incapacidade comprovada de totalizar as variáveis de cada desafio não aconselham a que se contribua para que a opinião pública não se inquiete com a gravidade da ameaça. Uma coisa é o alarmismo, outra é a informação exacta. Por outro lado, não é admissível qualquer quixotismo neste domínio: o cavaleiro da triste figura ficou célebre porque confundiu os moinhos de vento com gigantes; é mais grave confundir ou tentar confundir gigantes com moinhos de vento! A prudência governativa, que o Ministro da Defesa tem comprovado, é necessária para evitar qualquer desses erros fatais.
É extremamente preocupante que o perigo agudo da crise do Golfo tenha sido acrescido pelas hesitações do processo reformista na URSS. Este período, que já foi chamado do' desfile das nacionalidades no espaço soviético, pode coincidir, como sempre foi receado por muitos obser-
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vadores, com a desagregação do Estado ou o regresso do Estado as violências que a perestroika, tal como linha sido entendida e assumida pelo Ocidente, prometia eliminar definitivamente. As repercursões podem ser sérias: desde as Colunas de Hércules até à Indonésia, um cinturão muçulmano devide o Norte do Sul do Mundo. Talvez 50 milhões de fiéis fazem parte do império cuja logística está em revisão. A desagregação do Estado russo ou o retrocesso do processo reformista soviético podem disfuncionar muitas das esperanças de paz nessa vasta área. Em vista da situação portuguesa, das nossas afinidades e das obrigações internacionais, a dimensão do nosso envolvimento prudente no processo a caminho da guerra é suficiente para que nos devamos considerar na linha da frente quanto aos riscos, que, sendo europeus, são desde logo nossos-e parece evidente a necessidade de reforçar os meios e medidas de segurança interna. O lacto, na nossa opinião, deve ser tomado em grande conta quanto a quaisquer iniciativas legislativas que possam reflectir-se sobre a capacidade de o Governo responder, como é seu dever legal exclusivo, por essa segurança interna.
Estamos perante um conflito que, para além do confronto de interesses, provoca enfrentamentos gravíssimos de áreas culturais e de patrimónios históricos de queixas. Existe um perigo: a mistura de imagens das Cruzadas e da guerra das estrelas. A segurança interna europeia, onde se inclui a nossa, encontra aqui mais uma fonte de preocupações fundadas e, no que nos respeita, não estamos, portanto, em situação de completa tranquilidade. Depois de 1974, é a primeira vez em que um desafio externo toma necessária a intransigência na exigência da solidariedade institucional de todos os órgãos de soberania: é a Constituição que o exige, é o dever governativo que o não dispensa, é o sentido cívico que o impõe!
O processo eleitoral findo, não obstante ter andado frequentemente afastado da meditação dos grandes desafios externos que enfrentamos, deve concluir agora pela atitude coincidente de todos os órgãos de soberania -Presidente da República, Governo, Assembleia da República- na defesa dessa solidariedade institucional.
Felicitamos o Sr. Dr. Mário Soares pela vitória que obteve e queremos sublinhar a sua declaração imediata a respeito da função presidencial que definiu como completamente acima e fora das contingências do debate eleitoral. Nessa declaração está expresso o sentido exacto do valor superior da rés publica; é a virtude do serviço da rés publica que exclusivamente nos deve orientar ao enfrentarmos este tremendo desafio a todas as esperanças com que nos preparávamos para entrar no século XXI.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente:-Srs. Deputados, inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Manuel Alegre, Sottomayor Cárdia. João Amaral e Marques Júnior.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Deputado Adriano Moreira, em primeiro lugar, quero felicitá-lo pela sua intervenção, por ter tomado a iniciativa de fazê-la e pelo alto sentido de Estado e de responsabilidade política de que se resvestiu.
Partilhamos as suas preocupações, partilhamos o seu ponto de vista de que esta é uma hora de solidariedade institucional e de partilha de responsabilidades. Aliás, penso que, recentemente, os Estados Unidos deram-nos o exemplo do que é, numa hora destas, o equilíbrio do poder e a importância que deve ter a instituição parlamentar.
Aquilo que pergunto a V. Ex.ª é se não entende que, para além dos canais que o Governo tem utilizado para comunicar com as forças representadas nesta Assembleia, é também a hora de a opinião pública portuguesa ser informada através de um debate na sede própria que é a Assembleia da República.
O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Adriano Moreira: É inútil, também, dizer-lhe que o felicito pela qualidade da sua intervenção porque esse é o timbre das suas intervenções.
Não será surpresa para V. Ex.ª se lhe disser que em muitas aspectos partilho das preocupações que manifestou. Temos tido algumas reuniões úteis na Comissão de Negócios Estrangeiros, onde tem havido o diálogo que tem podido haver entre o Governo e a Assembleia da República.
Afigura-se-me que, infelizmente, vamos assistir, pela televisão, à primeira guerra do século XIX. Eu ignoro, completamente, a extensão possível das consequências de tal acto... E não pretendo que qualquer de nós conheça suficientemente das razões que conduziram a este estado de coisas. Eu não sei o que conduziu a este estado de coisas...; imagino que o que conduziu a este estado de coisas foi «aquilo que nos dizem que conduziu a este estado de coisas»!...
E aproveito o ensejo para perguntar a V. Ex.ª se tem algum comentário que nos queira transmitir relativamente à teoria que, tanto quanto sei, surgiu nos Estado Unidos há menos de dois anos sobre os «conflitos de média intensidade».
Eu não vou aqui explicar do que se trata - não tenho tempo, aliás, para prosseguir no uso da palavra-, mas V. Ex.ª explicará, se assim o entender. E, além de informar a Câmara do que é a teoria dos «conflitos de média intensidade», o Sr. Professor Adriano Moreira poderá dar--nos também a sua opinião sobre o que isso pode, eventualmente, significar sobre o prenúncio do estado de coisas a que se chegou. Eu, por mim, lenho curiosidade em ouvir a opinião de V. Ex.º
O Sr. Presidente: - Igualmente para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP):-Sr. Deputado Adriano Moreira, considero extremamente importante a intervenção que fez, hoje. dia 15, em que, no essencial, aditou, juntou, sublinhou as razões institucionais, que se somam às razões políticas que tornam necessário o debate aqui, na Assembleia da República, e no conjunto dos órgãos de soberania, em torno de toda a questão da participação de Portugal na crise.
Desde o fim de Agosto, em sede de Comissão Permanente, que vimos sublinhando essa necessidade, mas, hoje, ela é muito mais evidente, e mau seria que voltasse a repetir-se o que sucedeu, por exemplo, na semana passada, quando não foi aceite, em conferência de líderes, e de alguma maneira por pressão do próprio Governo, a proposta que formulámos no sentido de o debate poder ocorrer hoje, dia 15.
Paralelamente, eu gostaria de fazer algumas reflexões, que julgo poderem ajudar a um melhor esclarecimento da
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questão. Há um problema que pode, de alguma maneira, preocupar o conjunto da comunidade internacional: é que a lógica de impor estas resoluções da ONU pela força, quando ao mesmo tempo outras resoluções o não são, pode conduzir à situação de a aplicação e o respeito do direito internacional ficar dependente dos interesses de uma determinada potência num quadro que já não é bipolar, isto é, num quadro em que já não há um sistema de contrapesos.
Sr. Deputado Adriano Moreira, acompanhar-me-ia na reflexão de que isso enfraqueceria, pelo menos eticamente, o direito internacional e seria um problema efectivo para os pequenos países como Portugal?!
Não considera que isso não é uma razão de fundo a acrescentar à necessidade de reclamar o quadro necessário para que outras resoluções, nomeadamente naquela zona, sejam também respeitadas?!
Além disso, em que quadro é que essas outras resoluções devem ser aplicadas?
Então neste momento, em que não há resoluções necessárias à declaração de guerra, a ONU não decretou a guerra para 15 de Janeiro, a ONU não obrigou à guerra em IS de Janeiro, eu perguntaria se neste quadro não é ainda a altura de pensar que o caminho para a paz, o caminho para a solução das questões está na aceitação do princípio do inter-relacionamento dos problemas, isto é, na necessidade de uma ponderação de toda a situação no Médio Oriente.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Deputado Adriano Moreira, em primeiro lugar, quero também associar-me às posições assumidas pelos colegas que antes de mim o interpelaram relativamente à importância e à qualidade da sua intervenção.
Sem prejuízo da importância das declarações políticas que acabaram de ser feitas nesta Câmara, e que não será de mais sublinhar, julgo que a comunicação feita pelo Sr. Deputado Adriano Moreira, neste preciso momento e atendendo à conjuntura internacional, não pode passar despercebida - aliás, pela sua qualidade, nunca passaria!
Mas eu gostaria de sublinhar duas questões que resultam da sua intervenção e que me parecem importantes: uma respeita ao facto de o Sr. Deputado ter chamado a atenção - contrariando, de certo modo, vozes técnica e politicamente qualificadas - para o desenvolvimento da crise e à guerra em si no caso de a conclusão desta crise ser mesmo a guerra, no sentido de que ela será rápida e de efeitos, nomeadamente os efeitos imediatos, restritos. Na verdade, como referiu e relativamente aos grandes conflitos mundiais, as previsões ficaram sempre muitíssimo aquém das consequências da própria guerra.
E por entender também que provavelmente estamos no limiar de uma guerra, eu gostaria de sublinhar que, pelos meios tecnológicos que envolve, bem lhe poderíamos chamar a primeira guerra do século XXI, na medida em que é manifestamente impossível e imprevisível fazermos um cômputo daquilo que serão as suas causas - e refiro-me apenas às causas imediatas desta guerra.
Por outro lado, outra questão que me pareceu ter sido abordada na sua intervenção - e, se assim não for, gostaria que V. Ex.ª me esclarecesse- refere-se àquilo que tem sido a gestão desta crise. A ideia que tenho é a de que a gestão da crise tem sido feita de uma maneira tripla, ou seja, feita pela ONU, pelos Estados Unidos e pela CEE ou pela Europa.
Se esta minha perspectiva é correcta, quais serão, no entender de V. Ex.º, as consequências para a Europa e para Portugal desta gestão diferente da crise? É porque, necessariamente, ela tem tido graus diferentes de gestão: enquanto a gestão dos Estados Unidos conduzia à guerra, a gestão feita pela Europa - que, aliás, de certo modo se apagou nesta crise- tenderia a ser uma gestão da crise tendo como meta a guerra mas admitindo patamares de discussão e de ponderação que, eventualmente, poderiam evitar a guerra como elemento último presente, apesar de tudo, na gestão da crise.
O Sr. Presidente: -Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero agradecer a atenção que mereceu a modesta intervenção que fiz e que só tem importância porque o problema excede-nos em muito! Mas, embora nos exceda em muito, não podemos ser espectadores apenas, porque isso seria faltar à nossa responsabilidade humana.
Assim sendo, e procurando responder pela ordem das interpelações, começarei por dizer ao Sr. Deputado Manuel Alegre que sou partidário de um debate aqui, na Assembleia, a respeito desta matéria. E sou-o não só por muitas razões institucionais mas também por uma razão que vem da estrutura da informação mundial. É porque dificilmente nesta matéria podem hoje alegar-se circunstâncias de oportunidade que rodeiam os debates públicos, quando passamos o dia a ser objecto do debate público que os outros fazem através dos meios de comunicação, que hoje produzem uma informação que é simultânea e ubíqua. A cada momento estamos a assistir a declarações, contra-declarações, que os responsáveis políticos fazem. Por consequência, julgo que é altura de nos reunirmos para fazer esse debate nesta Assembleia da República!
Devo dizer, aliás, que foi com certo cepticismo que tomei conhecimento da resolução da conferência de líderes no sentido de adiar o debate, porque deu-me a impressão de que talvez os membros da conferência não tenham reparado - salvo o devido respeito - que têm poder para regular os calendários dos debates parlamentares, mas que não o têm para influenciar o calendário da crise, gravíssima!, que se vai desenvolvendo sem que nós intervenhamos com o debate necessário!!
Vozes do CDS, do PS e do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, devo dizer que me encontro no maior dos embaraços para responder, com um conceito operacional aceitável, à pergunta que foi posta pelo Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
Grande parte da análise da situação internacional, que decorreu durante cerca de meio século em face de uma estrutura bipolar, foi um debate bastante académico, que produziu muitos conceitos que não foi necessário aplicar, um dos quais foi esse dos «conflitos de média intensidade».
Devo dizer-lhe, aliás, que para uma caracterização rápida do conceito operacional a «média intensidade» só tem senado em relação à escalada das armas que podem vir a ser utilizadas e talvez em relação à dimensão do teatro.
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Mas justamente aquilo que eu gostaria de sublinhar-lho nesta minha resposta embaraçada 6 que não conheço um caso em que aquilo que os especialistas chamam a lógica do poder militar se tenha embaraçado com esses conceitos operacionais. As guerras de intensidade limitada só se verificam se houver poderes que controlem o conflito. E cada vez é menos possível confiar na existência de poderes que controlem os conflitos, sobretudo na situação actual em que o bipolarismo parece que, definitivamente, desapareceu. Com esse conceito operacional, as nossas esperanças não podem efectivamente aumentar.
Quero também notar-lhe que a nossa humildade perante esses conceitos e essa análise só pode crescer quando nos debruçamos sobre a história dos últimos conflitos. Estou a recordar de memória - talvez com algum erro -, que no fim das campanhas napoleónicas avaliou-se que uma guerra que durara duas dezenas de anos tinha custado dois milhões de mortes; mas para o caso da Guerra de 1914-1918, que só durou quatro anos, avaliaram-se as perdas em 20 milhões de mortes; na Segunda Guerra Mundial avaliaram-se as perdas em 50 milhões de mortes. Portanto, não há conceito operacional que possa dar-nos esperança sobre qual é o desenvolvimento da lógica do poder militar, não há qualquer conceito operacional que faça suster a escalada da utilização de meios quando o conceito fundamental de um chefe militar foi enunciado por McArthur desta maneira simples: não há substituto para a vitória. A lógica do poder militar é imparável quando este é o objectivo do comando.
Quanto à pergunta do Sr. Deputado João Amaral, esta 6 uma conversa que continua muitas outras que a este respeito temos tido nas comissões especializadas da Assembleia da República. Já lhe disse a minha opinião quando respondi ao Sr. Deputado Manuel Alegre sobre o que penso a respeito da oportunidade de um debate na própria Assembleia, mas quero fazer um comentário um pouco mais céptico do que aquele que está implícito na sua pergunta a respeito da eficácia do direito internacional. É que, neste caso, vimos ressucitar a intervenção do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Ora, o Conselho de Segurança das Nações Unidas, curiosamente, é a instalação do princípio aristocrático na organização internacional.
Colocou-se o princípio democrático na Assembleia Geral, que pode tomar decisões e deliberações por maioria, que são conselhos para os países, enquanto o Conselho de Segurança dá ordens aos países. Só que neste vigora a regra democrática de que as decisões são tomadas por maioria de voto, com a condição de os cinco grandes estarem na maioria. Aí a aristocracia da hierarquia das potências foi aplicada e daí resultou a continuação do estado de fragilidade do respeito pelo direito internacional, sempre condicionado pelo acordo das grandes potências.
Porém, neste caso, curiosamente, houve, pela primeira vez, a convergência dos cinco grandes para a aplicação das deliberações: é a primeira vez que isto acontece, pois, como sabem, a Guerra da Coreia não pode servir de exemplo, uma vez que foi aprovada a intervenção porque a Rússia não tomou parte da deliberação, mas os analistas explicaram, repetidamente, que a Rússia não tinha tomado parte porque se tinha «esquecido» de ir à reunião... Ora bem, creio que a Rússia é como D. João II, que só tinha esquecimentos bem lembrados!... Portanto, a Rússia não foi à reunião porque queria que a deliberação fosse aprovada, e tanto assim foi que às reuniões seguintes já não faltou... Por consequência, a Rússia vetou todas as decisões, embora os Estados Unidos tivessem feito a Guerra
da Coreia com a bandeira da ONU-aliás, julgo que até isso pagaram, porque todas as outras deliberações foram vetadas. Neste caso não é assim!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, como esgotou o tempo de que dispunha, agradeço que conclua.
O Orador: -Termino já, Sr. Presidente.
De facto, esta foi a primeira vez em que houve uma esperança no sentido de que esta convergência anunciasse um novo patamar da paz pelo direito. Infelizmente esta enormíssima provocação à paz que é o conflito do Golfo coloca em suspenso todas as nossas esperanças.
Se o Sr. Presidente me permitisse, eu gostaria ainda de, muito rapidamente, fazer um breve comentário à pergunta que foi colocada pelo Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
O Orador: - Sr. Deputado Marques Júnior, quanto à segunda observação que fez - aliás, creio que ela é, até no seu pensamento, a mais importante- relativa à condução tripartida da gestão desta crise, nomeadamente pelas Nações Unidas, pelos Estados Unidos da América e pela CEE, creio que as Nações Unidas só intervieram para a legitimação e não têm tido qualquer outra intervenção. Daí a falta de importância que deram à visita do Secretário--Geral das Nações Unidas. Aliás, considero esta atitude grave para as nossas esperanças, mas os factos são os factos!... Portanto, foi apenas a legitimação que ali foi procurada.
A intervenção da CEE, a meu ver, só confirmou um facto fundamental que já tinha sido evidenciado pela unificação da Alemanha: a cooperação política europeia está sem conteúdo para os problemas fundamentais. E esta é uma questão que tem de ser assumida e debatida aqui - aliás, penso que este deve ser um dos pontos a abordar quando nesta Assembleia houver um debate sobre a Europa.
Finalmente, fica a lógica dominante da potência líder da Aliança que são os Estados Unidos da América. Assim sendo, esperamos que, pelo menos, essa lógica não se afaste da concordância que lhe é dada pelos valores que os seus aliados pensam que também estão a servir nesta crise gravíssima.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de entrarmos no período da ordem do dia temos ainda de proceder à votação dos votos que deram entrada na Mesa e cuja leitura, penso que os Srs. Deputados dispensarão, uma vez que eles foram distribuídos.
A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr.ª Deputada?
A Sr.ª Natália Correia (PRD): -Para interpelar a Mesa relativamente à matéria que estava a ser debatida.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr* Deputada.
A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Presidente, quero saudar, na pessoa do Sr. Presidente, esta Assembleia pelo
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consenso dos representantes dos partidos aqui presentes que, em concerto com a decisão do Governo - que é de louvar! -, optaram pela não participação militar de Portugal no Golfo, cingindo a nossa intervenção a acções humanitárias.
Com esta atitude Portugal eleva-se espiritualmente entre as nações europeias, colocando-se na vanguarda face a um futuro de valores espirituais que emergem solicitados pela exaustão de um ciclo civilizacional em que o materialismo que o foi deteriorando só encontra a saída de pôr-lhe um fim catastrófico. Sinto, pois, orgulho em ser membro desta Assembleia.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, a sua intervenção, que, no fundo, foi um voto de congratulação, ficou registada.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, gostaria apenas da dar uma sugestão, uma vez que os votos são da nossa autoria, no sentido de apenas serem submetidos a votação aqueles para cujo efeito se registasse o consenso de todas as bancadas.
Pela nossa parte, dispensamos a leitura dos votos, sugerindo que seja indicado, em síntese, o conteúdo de cada um deles e que no final das quatro votações possa haver lugar a declarações de voto para todos os grupos parlamentares que desejem fazê-lo.
O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem também a palavra o Sr. Deputado Fernando Correia Afonso.
O Sr. Fernando Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, também pela nossa parte não vemos necessidade na leitura dos votos. Contudo, pensamos ser conveniente dar a conhecer uma síntese do seu conteúdo por forma a sabermos o que estamos a votar.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos então votar o voto n.º 178/V, apresentado pelo PS, de congratulação pela reeleição do Presidente da República, Dr. Mário Soares.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Raul Castro e Valente Fernandes.
É o seguinte:
A Assembleia da República congratula-se com a eleição do Presidente da República.
A Assembleia da República saúda o Presidente eleito, o qual saberá honrar o seu compromisso de Presidente de todos os portugueses.
A Assembleia da República congratula-se com a regularidade do processo eleitoral o qual manifesta, no geral, a maturidade cívica do povo português e do regime democrático.
Aplausos gerais.
Srs. Deputados, vamos votar o voto n.º 179/V, apresentado pelo PS, de congratulação pelo desenvolvimento do processo de transição para a democracia de Cabo Verde.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Raul Castro e Valente Fernandes.
É o seguinte:
A Assembleia da República congratula-se pelo desenvolvimento do processo de transição para a democracia de Cabo Verde. Foi um processo conduzido sem conflitualidade, não provocando instabilidade política e social. As eleições agora realizadas garantem plena legitimidade democrática ao futuro governo e a prática da alternância democrática.
A Assembleia da República espera a plena consolidação da democracia em Cabo Verde e saúda os partidos políticos cabo-verdianos pelo modo como contribuíram para a transição serena para a democracia pluralista.
As relações entre Portugal e Cabo Verde são relação Estado a Estado. A Assembleia da República faz votos para que estas relações se continuem a aprofundar em todos os domínios da cooperação.
A abertura democrática em Cabo Verde, pelo modo como está a decorrer, constitui, assim, um importante exemplo e incentivo à democratização plenos dos PALOP.
Aplausos gerais.
Srs. Deputados, vamos agora passar à votação do voto n.º 180/V, apresentado pelo PS, de protesto pelos graves incidentes ocorridos na Lituânia.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do PRD, do CDS e dos deputados independentes Helena Roseta, Jorge Lemos e José Magalhães e a abstenção do PCP.
É o seguinte:
Este fim-de-semana decorreram graves incidentes na República da Lituânia, incidentes onde o uso da força foi o critério utilizado para tentar conter os problemas decorrentes do debate sobre o problema da independência da Lituânia.
A Assembleia da República exprime o seu pesar e repúdio pelos incidentes e pelas mortes decorrentes da invasão do Parlamento da Lituânia. O uso da força militar não é defensável para a solução de tão grave e delicado problema e a conjuntura internacional só sublinha essa evidência. O exercício da força sobre as populações civis, de que resultaram vários monos, é um acto condenável e não deixa de configurar um cenário preocupante para uma URSS que todos desejariam ver plenamente reinscrida na comunidade internacional e na nova arquitectura de paz, segurança e cooperação europeias.
Aplausos do PSD, do PS, do PRD, do CDS e dos deputados independentes Helena Roseta, Jorge Lemos e José Magalhães.
Srs. Deputados, vamos, finalmente, passar à votação do voto n.º 18 l/V, apresentado pelo PS, exortando o Governo
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e o povo do Iraque a que dêem cumprimento a todas as resoluções do Conselho de Segurança da ONU.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Raul Castro e Valente Fernandes.
É o seguinte:
A Assembleia da República, no dia em que termina o prazo fixado pelo Conselho de Segurança da ONU para a retirada das tropas iraquianas do território do Koweit, exorta o Governo e o povo do Iraque a que dêem cumprimento imediato a todas as resoluções do Conselho de Segurança da ONU, única forma de preservar a paz e evitar a eclosão de um conflito súbito de consequências incalculáveis.
A Assembleia da República reafirma que só no respeito escrupuloso da ordem jurídica internacional é possível garantir as condições do desenvolvimento pacífico e harmonioso da comunidade internacional.
A Assembleia da República saúda todos os esforços de mediação desencadeados e em curso, na esperança de que eles contribuam para evitar, ainda, o desencadear de uma guerra sangrenta.
A Assembleia da República dei bera fazer entrega desta deliberação às entidades iraquianas pelos meios diplomáticos adequados.
Aplausos gerais.
Srs. Deputados, de acordo com a proposta feita pelo Sr. Deputado António Guterres, cada partido terá um curto período de tempo para produzir declarações de voto.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No momento em que termina o prazo concedido pelas Nações Unidas ao Iraque para que este país retire as suas tropas do Koweit, queremos renovar o apelo às autoridades do Iraque para que se submetam às decisões das Nações Unidas e do seu Conselho de Segurança, formulando votos para que todas as mediações de paz em curso possam ser coroadas de sucesso, no sentido de que, utilizando a expressão do Sr. Deputado Adriano Moreira, as armas da guerra que aí vêm possam ainda ser substituídas pelas armas da paz e, ainda, para que se encontre uma solução política para o conflito.
No que respeita a Cabo Verde um facto novo surgiu em África! Saudamos, pois, a República de Cabo Verde por ter feito um processo de transição para a democracia pluralista de forma exemplar. Este processo pode servir de modelo e inspiração não só para os outros países, africanos de língua portuguesa como para toda a África - aliás, estamos convencidos de que este será, porventura, o primeiro regime verdadeira e genuinamente democrático em África.
Mas cumpre-nos também saudar as forças concorrentes; saudamos os vencedores, que tiveram uma votação significativa e clara, mas não esquecemos, nesta hora, os vencidos, a quem nos ligam laços históricos e tradicionais- não o regenamos! Penso que eles, na derrota eleitoral, conseguiram, no entanto, uma importante vitória moral porque ficaram associados à mudança e souberam garantir, com transparência e exemplaridade, a transição para a democracia, aceitando com serenidade e humildade os resultados dessa votação, o que só honra o processo político e as autoridades de Cabo Verde.
No que respeita à Lituânia, partilhamos das preocupações da comunidade internacional. De facto, a perestroika é uma revolução política que produziu imensas consequências não só na União Soviética e no Leste Europeu mas também nas relações internacionais em todo o mundo.
Embora, o presidente Gorbatchov e as autoridades do Governo Central da URSS tenham denegado responsabilidades nesses incidentes, eles indiciam, pelo menos, algumas contradições e algumas sombras. Por isso, formulamos votos para que os direitos humanos sejam respeitados e para que o problema das repúblicas, que é um grave problema que afecta a União Soviética, seja resolvido não pela via da violência mas, sim, pela via da negociação, pela via pacífica e política no respeito pelos direitos dos povos de disporem dos seus destinos.
Finalmente, congratulamo-nos com a reeleição de Mário Soares para o cargo de Presidente da República, sobretudo pelo carácter maciço que teve a votação, que consagra não só a forma como ele exerceu o primeiro mandato mas também o homem que dedicou toda a sua vida à luta pela liberdade e pela construção da democracia em Portugal.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Alfredo de Brito.
O Sr. Carlos Alfredo de Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP votou favoravelmente os votos sobre a eleição do Presidente da República, sobre Cabo Verde e sobre a situação no Golfo por razões óbvias, que lemos expendido ao longo das nossas intervenções em Plenário-aliás, ainda há pouco o fizemos quanto à crise do Golfo e à invasão do Koweit pelo Iraque.
Relativamente ao voto sobre a Lituânia a nossa abstenção tem uma clara razão de ser. Condenamos o uso da força contra populações civis, mas a forma como o voto eslava redigido pode, na nossa opinião, constituir uma condenação do Presidente Gorbatchov e das autoridades soviéticas.
Ora, a verdade é que o Presidente Gorbatchov, ele próprio, separou-se desta questão, condenou o uso da força nas circunstancias em que isso foi feito e deu uma explicação ao mundo de que se tratou de um acto em relação ao qual ainda não estava verificado como se tinha produzido-aliás, o Ministro do Interior da URSS fez a mesma declaração.
Assim, creio que, neste caso, são prematuras quaisquer condenações às autoridades soviéticas, uma vez que elas separaram-se e condenaram estes trágicos acontecimentos.
Vozes do PCP:-Muito bem!
O Sr. Presidente: -Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Fernandes Marques.
O Sr. Joaquim Fernandes Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito brevemente, gostaria de reafirmar que a bancada do PSD votou favoravelmente todos os votos apresentados porque qualquer deles merece a nossa absoluta concordância.
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Assim, já o dissemos claramente, regozijamo-nos com a eleição para um novo mandato do Dr. Mário Soares como Presidente da República - aliás, isso foi há pouco amplamente explanado na intervenção do líder da minha bancada - e reiteramos o regozijo que sentimos por pensarmos que o primeiro mandato do Presidente da República Mário Soares foi exercido de forma extremamente positiva. Aliás, cremos que essa forma positiva vai, certamente, continuar no mandato para que agora foi eleito.
É também com muita satisfação que vemos a evolução da República da Cabo Verde para uma democracia pluralista, pluripartidária, em que o respeito pelos direitos do homem será uma preocupação fundamental do novo regime político. Saudamos, sobretudo, o povo de Cabo Verde e todas as forças políticas que estiveram envolvidas nas últimas eleições porque pensamos que é este o caminho a seguir, isto é, que é através da paz, do diálogo na divergência política e do respeito mútuo que, naturalmente, está a consolidar-se o respeito pelos direitos do homem naquele país de expressão portuguesa, tão ligado a Portugal.
Em terceiro lugar, naturalmente que condenamos os incidentes que se têm vindo a verificar na Lituânia e que, mais uma vez, demonstraram da parte de alguns responsáveis daquele país - neste momento, não se sabe bem de quem - uma absoluta falta de respeito pela dignidade dos homens e pela vida das vítimas que, aliás, foram assassinadas.
Nós condenamos a violação dos direitos do homem quer ela aconteça na Lituânia quer em qualquer outro país do mundo. Neste momento, tivemos a oportunidade e o dever - e é com o dever que respondemos - de condenar firmemente a violação flagrante dos direitos do homem que se verificou na Lituânia.
Por último e encurtando razões, direi que, obviamente, o meu partido e a minha bancada estão de acordo com este apelo que, no fundo, é feito, como já foi referido pelo Sr. Deputado Manuel Alegre, no sentido de as autoridades iraquianas, finalmente, respeitarem as decisões tomadas pela Organização das Nações Unidas, pois só por essa via será possível, de facto, evitar-se um conflito que se sabe, eventualmente, como começa, mas não se sabe como vai terminar.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.
O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PRD votou favoravelmente os quatro votos apresentados pelo PS.
Quanto ao primeiro, relativo à reeleição do Sr. Presidente da República, naturalmente que nos congratulamos com a forma como o processo se desenvolveu e pela forma como o povo português manifestou a sua maturidade democrática e cívica neste acto importante para a vida colectiva, esperando também que o Sr. Presidente da República corresponda às expectativas de todo o povo português.
Relativamente ao voto de congratulação pelo desenvolvimento do processo de transição para a democracia em Cabo Verde, consideramos que foi um ciclo que se encerrou - o ciclo da independência e das sequelas havidas a seguir à mesma- e entendemos que, dada a voz ao povo de Cabo Verde, ele procurou escolher um caminho diferente para a sua governação. Esperamos também que, neste caso, essa governação corresponda aos seus mais justos anseios e que um novo caminho se abra para o povo de Cabo Verde, mas que se mantenha sempre uma ligação estreita, franca e fraternal com o povo português.
Quanto ao voto relativo aos incidentes na República da Lituânia, não são claras as responsabilidades da autoria da situação que foi criada, mas houve, de facto, incidentes e atentados aos direitos humanos, situação que lastimamos e que qualquer democrata pretende que não se repitam.
Entendemos que é, pelo menos, uma paragem, se não um retrocesso, na esperança que foi criada pelo anúncio e pela vivência da pereströika naquela zona da Europa e esperamos que essa situação se modifique para que estes povos tenham plena vivência da sua independência e da sua autodeterminação.
Por último, direi que é ainda com uma réstea de esperança que auguramos que a guerra não aconteça no Golfo Pérsico, guerra essa que, certamente, terá consequências gravíssimas, não só para aquela região mas para todo o mundo, sobretudo para uma estabilidade que tinha sido augurada nos dois últimos anos e que, infelizmente, por razões que se prendem com megalomanias de pessoas movidas por fundamentalismos já passados, põem em risco a paz mundial. A paz e a concórdia entre os povos devem ser valores que todos devemos prosseguir, daí que estejamos completamente de acordo com os pressupostos e com o articulado deste voto apresentado pelo PS.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS também votou favoravelmente os quatro votos apresentados à Assembleia da República pelo PS e, muito sucintamente, declara as razões da atitude que tomou.
Em primeiro lugar, no que respeita à eleição presidencial, o CDS congratula-se, obviamente, com mais este exercício democrático, a comprovar a consolidação da nossa democracia e faz votos para que o Presidente da República reeleito cumpra as suas promessas e paute o seu segundo mandato pelas regras que moldaram o exercício do primeiro.
No que respeita a Cabo Verde, o CDS saúda a abertura à democracia que faz nascer, em toda a África, uma nova esperança, e não pode deixar de congratular-se também com o facto de esta abertura e esta esperança terem nascido de um país de língua oficial portuguesa. No que respeita à República da Lituânia, lamentamos o atentado contra os direitos humanos e a interrupção do processo democrático que, sem dúvida, resultou desta intervenção da força. Esperamos que o assunto seja esclarecido e que não vá além, nas suas consequências, que já foram trágicas, daquilo a que ontem assistimos nos noticiários.
Finalmente, quanto à crise do Golfo, fazemos votos para que a paz vença a guerra, mas que essa paz seja construída sobre o respeito pelo direito internacional e que defenda o direito de todos os povos a existirem como Estados independentes no mundo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, comunico à Câmara que o Sr. Deputado Vítor Constando dirigiu a seguinte carta ao Sr. Presidente da Assembleia da República:
Vítor Manuel Ribeiro Constâncio, deputado do Partido Socialista à Assembleia da República pelo círculo eleitoral de Lisboa, respeitosamente e ao
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abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 163.º da Constituição da República e no artigo 7.º do Estatuto dos Deputados (Lei n.º 3/85. de 13 de Março), declara a V. Ex.ª que renuncia ao seu mandato a partir de l de Janeiro de 1991, inclusive.
Para os devidos e legais efeitos informa que, previamente, comunicou este pedido de renúncia ao presidente do Grupo Parlamentar Socialista.
Pede deferimento.
Vítor Manuel Ribeiro Constância.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de um parecer da Comissão de Regimentos e Mandatos.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Do 2.º Juízo Correccional da Comarca de Lisboa recebemos um pedido no sentido de a Sr.ª Deputada Margarida Borges de Carvalho intervir num processo que ali corre os seus termos, mas a Comissão de Regimentos e Mandatos é de parecer de não autorizar a suspensão do seu mandato para que essa intervenção seja possível.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Pausa.
Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, José Magalhães, Raul Castro e Valente Fernandes.
ORDEM DO DIA
Srs. Deputados, encerrado o período de antes da ordem do dia, vamos dar início ao período da ordem do dia com a discussão dos inquéritos parlamentares n.º 20/V (PS) e 21/V (PSD), relativos aos perdões fiscais atribuídos pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Mas informo VV. Ex.ªs de que às 19 horas interromper-se-á este debate para se proceder às votações que estão agendadas.
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, ao abrigo das disposições regimentais, solicito a interrupção dos trabalhos por um período de cinco minutos.
O Sr. Presidente: - O pedido é regimental, pelo que está concedida.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados, declaro reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 45 minutos.
O Sr. Manuel dos Santos (PS):- Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente:- Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, trata-se de uma interpelação à Mesa sob a forma de informação. O que se passa é que, como V. Ex.ª sabe, estão em discussão duas propostas de constituição de uma mesma comissão de inquérito para investigar um determinado assunto.
Neste momento, há contactos entre as bancadas do PS e do PSD que indiciam que será possível transformar esses dois pedidos num único, o que facilitaria, obviamente, a discussão, os trabalhos da própria comissão e, em suma, a nossa intervenção política sobre o assunto. Portanto, nos termos regimentais, peço a V. Ex.ª uma nova interrupção de cinco minutos, uma vez que me parece despropositado iniciar a discussão sem se saber se, efectivamente, vamos discutir duas propostas ou apenas uma, como tudo leva a crer que virá a suceder.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, nesse caso declaro suspensa a sessão por um novo período de cinco minutos.
Eram 18 horas e 50 minutos.
Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 55 minutos.
Srs. Deputados, deu entrada na Mesa um documento, que vai ser lido pelo Sr. Secretário e distribuído por todas as bancadas e que, por consenso entre os dois partidos subscritores, tende a substituir os textos iniciais.
Foi lido. É o seguinte:
O inquérito proposto tem como objectivo esclarecer:
1) A natureza, base legal e critérios objectivamente praticados na utilização do perdão fiscal no período de tréguas fiscais consubstanciado no Decreto-Lei n.º 53/88, de 25 de Fevereiro;
2) A identificação dos beneficiários, montantes das verbas não exigidas e as vantagens que terão ocorrido para o Tesouro dessa prática;
3) Possíveis prescrições, por esgotamento de prazos, de dívidas à Fazenda Nacional por parle de empresas e apuramento do seu montante global e discriminado;
4) Regras da Administração Fiscal com vista a evitar a prescrição de impostos;
5) Prática eventual de retenção de processos administrativos fiscais;
6) A identificação dos níveis hierárquicos dos executores das orientações traçadas;
7) Implicações para a Celulose do Caima dos despachos proferidos e suas consequências. nomeadamente se tal foi determinante para a compra da Cerâmica Campos, S. A.;
8) O relatório final da Comissão deverá ser por esta aprovado até 31 de Maio próximo, cessando a comissão as suas funções em 15 de Junho imediato.
Srs. Deputados, está aberta a discussão deste texto.
Entretanto, a Mesa, se os SÁ. Deputados estiverem de acordo, adia para depois desta discussão a votação que está agendada da proposta de lei n.º 159/V, que regula o regime de loteamentos urbanos.
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Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.
O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria apenas de proferir umas breves palavras a propósito deste inquérito parlamentar que agora é, conjuntamente, proposto por deputados de vários grupos parlamentares à actuação, designadamente, do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Oliveira e Costa, em matéria fiscal.
Assim, uma primeira observação visa sublinhar que é o próprio Sr. Secretário de Estado Oliveira e Costa, numa clara manifestação de espírito democrático e de propósito de transparência, que tem vindo insistentemente a solicitar, porque quem não deve não teme, à Assembleia da República que este inquérito tenha lugar.
Penso que é de estrita justiça sublinhar este ponto, porque ele é exemplificativo do que deve ser o comportamento de um governante num sistema democrático e revela um alto nível de exigência moral, pelo que, nesse capítulo, penso que merece a nossa consideração e respeito.
Uma segunda observação que gostaria de deixar explanada, refere-se à circunstância de o Sr. Secretário de Estado Oliveira e Costa, bem como os grupos parlamentares considerarem necessário que, face a uma matéria desta importância e deste melindre, seja, de uma maneira inequívoca, ressaltada a transparência de actuação pela via do inquérito parlamentar, que aponta para a importância do Parlamento neste domínio.
Efectivamente, julgo que nunca será de mais reiterar que é, justamente, o Parlamento o local adequado para, no campo político - não estamos a fazer juízos noutro domínio -, apreciar os comportamentos dos políticos e daí retirar as necessárias ilações, em termos de que a opinião pública não tenha dúvidas acerca do modo como os negócios públicos são geridos, para mais num aspecto de tanta importância como é o da isenção e transparência em matéria de impostos.
Nestes termos, gostaria de afirmar solenemente perante esta Câmara que o meu partido, ao propor este inquérito e ao corresponder ao desejo manifestado pelo Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, vai fazê-lo com o propósito firme de apurar, de uma maneira clara, todos os pontos que estão enunciados neste temático do inquérito, em termos de que não restem dúvidas a ninguém sobre quais foram efectivamente as atitudes assumidas e os comportamentos havidos.
Deste modo, penso que prestaremos um serviço importante à democracia e, por isso mesmo, desejamos que este inquérito decorra sem entraves, rapidamente, de modo a alcançarem-se, com a maior celeridade, os objectivos que visa.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Rui Machete, verifico agora que, pelos vistos, o Partido Socialista e o Partido Social-Democrata acordaram em apresentar apenas um pedido de inquérito parlamentar. No entanto, como um dos pontos do pedido agora apresentado decorre do pedido de inquérito inicialmente apresentado pelo Partido Social-Democrata, gostaria de ser esclarecido nesse sentido.
Assim, não entendo bem o porquê da análise da problemática dos perdões fiscais relativos ao Decreto-Lei n.º 53/88, de 25 de Fevereiro. E não entendo bem, na medida em que não me parece que os perdões fiscais que suscitaram a necessidade deste inquérito se enquadrem neste diploma. Isto porque o decreto-lei consubstanciou uma trégua fiscal para quem resolvesse cumprir as suas dívidas em matéria fiscal voluntariamente e em tempo útil, o que não é o caso. Acresce ainda que o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, reiteradamente, tem afirmado que, de acordo com a sua posição, não houve qualquer perdão fiscal, ou seja, ele não concedeu qualquer perdão fiscal.
Neste sentido, gostaria de ser esclarecido, por parte do PSD, sobre o porquê de trazer à colação a análise da problemática relacionada com o Decreto-Lei n.º 53/88, de 25 de Fevereiro.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.
O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, compreendo que V. Ex.ª coloque a questão, precisamente nos termos em que a formulou, mas devo dizer-lhe que, na minha interpretação - e não há uma interpretação autêntica, porque não fui eu que formulei os termos que consubstanciam estas bases -, trata-se de dar uma base suficientemente ampla à indagação. Não há, portanto, quaisquer propósitos limitativos.
Aliás, como no período que antecedeu a apresentação desta proposta de inquérito parlamentar uma das questões colocadas nesta matéria por vários dos intervenientes dizia respeito também aos limites e ao âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 53/88. de 25 de Fevereiro, daí decorreu certamente a sua inclusão neste n.º 1, o que não significa que a natureza e base legal dos perdões fiscais, na hipótese de eles terem existido, tenha de se circunscrever a este diploma legal. Trata-se apenas de uma referência orientadora de um princípio de investigação, não é limitativa, nem sequer pressupõe qualquer qualificação vinculativa.
A meu ver, só a comissão de inquérito deverá averiguar os factos com toda a liberdade e ajuizar da sua qualificação, quer no que diga respeito a este diploma legal, quer quanto à figura do perdão.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começaria por afirmar que a bancada do Partido Socialista concorda inteiramente com a interpretação que acabou de ser avançada pelo Sr. Deputado Rui Machete, quanto à questão que lhe foi colocada pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira, pois foi exactamente nesse entendimento que subscrevemos, conjuntamente com o Partido Social-Democrata, a proposta de inquérito parlamentar.
Também fazemos nossas as referências que o Sr. Deputado Rui Machete fez ao facto de dever louvar-se o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais por ter revelado interesse em que este inquérito se fizesse. Pensamos que, por esse facto, por essa atitude, por esse comportamento político, não podemos deixar de nos congratular, mas, face à relevância do assunto, que mereceu
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uma profunda atenção por parte da comunicação social, também nos parece importante fazer um breve historial de todo este processo.
Assim, como VV. Ex.ªs deverão estar recordados, o Partido Socialista, em 24 de Julho de 1990, apresentou um requerimento à Assembleia da República, onde se pretendia esclarecer esta questão. Sem pretender alongar-me na fundamentação do referido requerimento, sempre direi, em síntese, que ele tinha como origem um conjunto de informações trazidas a público, essencialmente, pela comunicação social e, de entre esse variado conjunto de informações, foram relevantes para a nossa atitude política, uma vez que, em termos de comunicação social, foram consideradas como matéria de facto as informações que irei destacar.
Em primeiro lugar, a afirmação de que nove administradores e sócios da firma Campos, Fábrica de Cerâmicas, S. A., arguidos num processo em que eram acusados pelo Ministério Público de burla agravada, abuso de confiança e associação criminosa, se encontravam em liberdade sob caução.
Em segundo lugar, segundo fontes ligadas à investigação, a de que o dinheiro desviado da contabilidade da empresa teria ultrapassado os 400 000 contos, tendo o dinheiro proveniente desse desvio sido usado na corrupção de funcionários públicos, em burlas de outros sócios da empresa e na fuga ao fisco.
Depois, que as investigações fiscais tinham detectado, por parte desta empresa, uma fuga a impostos da ordem dos 181563 contos, tendo determinado os mesmos serviços fiscais, através de investigações fiscais, um valor de multa, juros de mora e juros compensatórios da ordem dos 500 000 contos.
Depois, ainda, que no dia 17 de Maio de 1990 tinha dado entrada na Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais um requerimento assinado pelo presidente da referida companhia em que se propunha o pagamento dos impostos em dívida a troco dos juros e multas, argumentando-se em favor deste pedido que este era necessário para se poder vender a empresa Campos à empresa Celulose do Caima.
Finalmente, que S. Ex.ª o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, com base numa informação favorável de um técnico da sua Secretaria de Estado, em relação a esse pedido da empresa em causa, informação onde se transcrevia o pedido da empresa, que era claramente um pedido de perdão fiscal, tinha dado despacho no sentido da concordância. Isto é, tinha claramente despachado no sentido da existência de um perdão fiscal.
Nesta mesma data e na sequência deste requerimento, o Partido Socialista fez um pedido de audição parlamentar, basicamente, com o mesmo fundamento, mas onde se podia que, dada a relevância do assunto e a importância que, em termos de opinião pública, o mesmo tinha, fosse solicitada a participação não só do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, mas também a presença do chefe da Repartição de Finanças de Aveiro, por onde o processo em causa tinha corrido, do director distrital de Finanças de Aveiro, do director-geral das Contribuições e Impostos, dos técnicos da administração fiscal que efectuaram a fiscalização das contas da firma Campos e do assessor do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que linha elaborado a informação favorável.
Pedia-se ainda que fosse solicitado o depoimento do presidente do conselho de administração da firma Campos em exercício aquando da concessão do perdão, do seu actual presidente e - reparem, Srs. Deputados - do presidente do conselho de administração da Celulose do Caima, bem como do jornalista do semanário Expresso, António Marinho, uma vez que, como era óbvio e claro, eslava provado que a negociação feita com a Celulose do Caima tinha tido em conta a existência de um perdão fiscal.
No entanto, por razões que VV. Ex.ªs conhecem tão bem quanto eu, nem o nosso requerimento teve resposta, nem a audição parlamentar foi efectuada nos termos em que a propusemos. Efectivamente, realizou-se uma reunião da Comissão de Economia, Finanças e Plano que contou com a presença do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e, basicamente, nessa reunião retirámos três conclusões: que, afinal de contas, o despacho do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais não tinha sido tão célere quanto isso, pois não tinha demorado três dias mas sim sete meses; que, afinal de contas, não existia qualquer perdão de dívidas, não existia qualquer perdão fiscal, o que me parece absurdo; e, além destas duas conclusões, foi entregue - e aqui louvo o Sr. Secretário de Estado pelo facto - um volumoso dossier com muitas informações sobre o assunto.
Deste modo, em face da forma como decorreu esta reunião e em face do conjunto de informações que obtivemos nessa altura, bem como do conjunto de informações complementares que começaram a chegar ao nosso grupo parlamentar e, provavelmente, a outros grupos, dando conta da existência de situações duvidosas em outras circunstâncias -e, obviamente, vou reservar para a comissão de inquérito a divulgação concreta das situações já identificadas, embora possa, desde já, esclarecer VV. Ex.ªs de que já temos 19 situações perfeitamente identificadas-, o Partido Socialista apresentou um requerimento, no sentido de ser constituída uma comissão de inquérito, fundamentando-o da seguinte forma: «
«Num país em que a carga fiscal é já muito significativa, incidindo com particular imensidade sobre as classes médias e nos rendimentos do trabalho, torna-se necessário assegurar a mais completa transparência, isenção e equidade no funcionamento da administração fiscal a todos os níveis. Suscitar dúvidas nesta matéria pode contribuir para que na sociedade portuguesa se generalizem não só factores de desconfiança em relação às instituições democráticas, mas também comportamentos pretensamente legitimados de fuga e fraude fiscal.
Ultimamente, a comunicação social, de forma repetida e insistente, tem-se feito eco da existência de eventuais arbitrariedades na concessão de perdões fiscais a diversas empresas devedoras à Fazenda Pública.
Tais perdões são aí considerados como estando envoltos num véu de obscuridade e indiciando a prática de actos de favor, sendo necessária transparência e objectividade.
É necessário conhecer os valores envolvidos nos referidos perdões, e, sobretudo, saber quais os resultados obtidos em termos de receitas cobradas. E, bem assim, se os critérios objectivamente utilizados estão imunes à injustiça relativa e adoptam as exigíveis soluções de equidade.»
Estas preocupações do Partido Socialista são legítimas e penso que são as mesmas de todos os Srs. Deputados desta Câmara. Aliás, tiveram acolhimento na recente lei de enquadramento orçamental, aprovada por unanimidade nesta sede. na qual se insere claramente um dispositivo legal que visa permitir o conhecimento de situações de diminuição das receitas públicas, obviamente muito semelhantes, embora não necessariamente coincidentes com as situações de perdões fiscais.
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Portanto, foram estas e apenas estas as motivações do Partido Socialista.
Concluo, Sr. Presidente, Srs. Deputados, dizendo-vos que, por parte do Partido Socialista, o que está em causa e exige uma apreciação serena é a isenção do Governo e, sobretudo, o facto de se apurar se o interesse público colidiu com o privado na aplicação da lei.
Sr. Presidente. Srs. Deputados: Repito que, para o Partido Socialista, o que está em causa é, fundamentalmente, saber se a democracia tem dois pesos e duas medidas e se é legítimo que se proclame, por um lado, a ética redentora da fiscalidade e respectivas exigências para com os cidadãos comuns, enquanto, por outro lado, se abre a porta aos interesses privados contra o interesse público, com a eventual concordância dos que têm especiais deveres na defesa deste último.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Alvarez Carp.
O Sr. Rui Alvarez Carp (PSD): - Sr. Deputado Manuel dos Santos, por um lado, quero salientar as suas palavras ao louvar a vontade e o espírito de total esclarecimento destes factos, sentimentos expressamente imprimidos pelo Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Oliveira e Costa, atitude esta que é extremamente importante e que reforça as instituições democráticas.
Por outro lado, quero ainda salientar uma referência da sua intervenção à nova lei de enquadramento orçamental.
É que a referida lei contém uma norma perfeitamente inovadora, segundo a qual os actos administrativos que possam levar à perda de receita fiscal terão de ser publicados e previamente justificados.
Assim, gostaria que o Sr. Deputado Manuel dos Santos - já que sabe bem que assim é - confirmasse nesta Câmara que a referida norma foi apoiada e, salvo erro, sugerida pela própria Sr.ª Secretária de Estado do Orçamento. É um facto que, também neste domínio, o Governo tem estado em perfeita comunhão com a Assembleia da República, no que respeita à pretensão desta quanto à total transparência das medidas e dos actos que a Administração Pública pratica, em sua defesa e no seu bom nome.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Deputado Rui Carp, é com extremo gosto que correspondo à sua solicitação.
Tenho alguma dificuldade em identificar com precisão - esta minha dificuldade constitui, no fundo, um louvor ao Governo - a origem da proposta a que se referiu. É que, na verdade, em sede da Comissão de Economia, Finanças e Plano, os trabalhos decorrem com tanta fraternidade e espírito de colaboração política que, a certa altura, as propostas acabam por ser de todos nós, uma vez que todos os membros têm sempre alguma responsabilidade nas propostas que ali são elaboradas.
Assim, independentemente de quem tenha partido a iniciativa da referida proposta, confirmo que, na verdade, a Sr.ª Secretária de Estado se apressou a concordar com essa norma que é importante e que, de algum modo, também justifica, no bom sentido, este inquérito que vamos efectuar.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.
O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No âmbito das suas atribuições a Assembleia da República, por iniciativa de dois grupos parlamentares, propõe-se formar uma comissão de inquérito para análise dos perdões fiscais atribuídos no âmbito da respectiva Secretaria de Estado.
As denominadas «tréguas fiscais», contempladas no Decreto-Lei n.º 53/88, de 25 de Fevereiro, visavam solucionar de forma directa e objectiva a situação da justiça fiscal que, devido aos períodos conturbados da época, deixava aos contribuintes e ao Estado marcas bem vincadas, quantas vezes com prejuízos recíprocos.
Embora estas medidas fossem de carácter excepcional e temporário, conforme se pode ler no preâmbulo do referido diploma, as mesmas não tinham período limitado de tempo e ainda hoje este diploma se encontra assim actualizado. Foi nesta base que a Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais decretou alguns perdoes fiscais, cujo processo, não estando totalmente esclarecido, deverá a bem sê-lo, para completo e franco esclarecimento do assunto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A matéria, sendo melindrosa, porque tratando-se de incidência fiscal, transporta para o contribuinte uma carga de suspeição que interessa afastar. A carga fiscal no nosso País, incidindo maioritariamente nas classes médias e sobre o rendimento do trabalho, obriga a um cuidado e transparência na sua aplicação e nos métodos utilizados para a recuperação das verbas não entregues pelos prevaricadores. Entendemos que a aplicação do aludido decreto-lei foi útil e salvaguardou a viabilidade de muitas empresas que em quaisquer outras situações estariam irremediavelmente condenadas. No entanto, este esforço deverá ser compatibilizado com a justiça e equidade de critérios. Vozes, fundamentadas ou não, contrariam este ajuizado processamento e compete à Assembleia da República, no âmbito das suas atribuições, aprofundar e esclarecer esta e outras dúvidas.
Num Estado de direito e democrático, só teme quem prevaricou e, simultaneamente, diz o povo -e bem - que, squem não se sente não é filho de boa gente». Resta saber se a boa gente neste processo foi quem perdoou, quem recebeu o resultado do perdão, se ambos, ou, finalmente e a bem da verdade, se a boa gente é, de facto, quem, nunca faltando aos seus compromissos, se vê sempre renegado nos apoios, subsídios ou perdões.
Para que a verdade venha ao de cima é necessário que tudo seja claro e transparente. O Sr. Secretário de Estado manifestou a vontade de se instituir o inquérito e, à semelhança do já expressado pelos outros grupos parlamentares, louvamo-lo por tal atitude. Que nada seja esquecido ou omitido é o nosso desejo.
Assim, Sr. Presidente, Srs. Deputados, votaremos a favor da instituição de uma comissão de inquérito e, com a justiça e isenção que nos é peculiar, nela nos empenharemos a bem da verdade e dos princípios éticos que quem governa e decide, em nome da população que neles confia, deve respeito e promoção da dignidade institucional.
Aplausos do PRD.
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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não deixa de revestir um certo cariz sintomático que a Assembleia da República, no Âmbito das ordens do dia, inicie a sua actividade neste novo ano com mais um pedido de inquérito à actuação de um membro do Governo.
Tratando-se, sem dúvida, de uma coincidência de calendário, expressa, porém, um significado político, pois projecta para o último ano da actual legislatura uma das características marcantes da actuação do Governo ao longo dos últimos anos.
Na verdade, muitos tem sido os factos que, legitimamente, (fim justificado e imposto a abertura de inquéritos (e não só parlamentares) a actuações menos claras ou demasiado escuras, de membros do Governo, no âmbito da gestão dos negócios públicos que lhes estão confiados.
Hoje, está em discussão a abertura de um inquérito parlamentar aos perdões de dívidas Fiscais que, de forma discricionária, tem vindo a ser concedidos pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
O Grupo Parlamentar do PS não tem quaisquer dúvidas sobre a plena justificação da realização de um tal inquérito parlamentar.
Aliás, quando pela primeira vez levantámos este problema na Assembleia da República, na sessão plenária de 11 de Julho do ano transacto, tivemos ocasião de verberar o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais pela concessão de um perdão fiscal de centenas de milhares de contos a uma empresa implicada no processo conhecido por «Aveiro-Connection», porque tal perdão assentava sem razões que a razão desconhece e que nada tem a ver com o interesse público, a transparência, a ética e a justiça».
O pequeno dossier que, sobre aquela questão, o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais forneceu à Comissão de Economia, Finanças e Plano não só não dissipou as dúvidas preexistentes como veio reforçar as razões que nos assistiam para procurar esclarecer não apenas aquela situação concreta como outros perdões dimanados do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Foi essa a razão que nos levou, em IS de Novembro passado (alguns dias antes da apresentação dos inquéritos hoje em apreciação), a requerer ao Sr. Ministro das Finanças o envio da relação das dívidas fiscais (incluindo multas e juros de mora) perdoadas pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, desde 1986 para cá. Requerimento que - é importante frisar -, passados dois meses, ainda não mereceu qualquer resposta do Governo. O que, por si só, legitima que tenhamos dúvidas sobre a alegada vontade do Governo em clarificar esta como outras questões de idêntica natureza.
De então para cá, novos factos vieram adensar as suspeições inicialmente surgidas, nomeadamente o conhecimento público da concessão de perdões fiscais a outras empresas do distrito de Aveiro (aliás, não nos sendo possível ignorar a coincidência objectiva de o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais presidir à respectiva comissão política distrital do PSD), a eventual utilização de equipamentos da Secretaria de Estado para a elaboração dos pedidos de perdão fiscal; o estranho caso das fotocópias enviadas pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais à Procuradoria-Geral da República sem despachos (ou parte deles) que, alegadamente, teriam sido redigidos em tempo útil; acusações cruzadas entre o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e o ex-presidente do conselho de administração da Cerâmica Campos e o director da Repartição de Finanças de Aveiro, etc., etc.
Há, pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados, razões mais do que suficientes para que o inquérito parlamentar seja aprovado e para que a respectiva comissão, ao contrário do que tem sucedido noutros casos recentes, seja rapidamente empossada e dê início à sua actividade. Nesse sentido se pronuncia o Grupo Parlamentar do PCP e por isso votará favoravelmente o inquérito proposto, no entendimento-aqui realçado pelos Srs. Deputados Rui Macheie e Manuel dos Santos-de que os objectivos expressos para a comissão de inquérito não têm carácter ou intuito limitativo.
Repito que votaremos favoravelmente a instauração deste inquérito porque, como sempre, o Grupo Parlamentar do PCP está disponível e interessado em contribuir activamente para a defesa e reposição da transparência e legalidade na gestão dos negócios públicos.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: O CDS também votará favoravelmente as propostas de constituição de uma comissão de inquérito e, aliás, já apôs a sua assinatura num documento relativo a uma tentativa de clarificação dos objectivos dessa mesma comissão.
Com efeito, os factos que vão ser inquiridos não foram dados a público em termos susceptíveis de uma interpretação inequívoca. Por outro lado, foi-lhes dada grande relevância pública pela imprensa. Assim, a nosso ver, estão criadas as condições que justificam que sobre eles nos detenhamos e que os façamos objecto do trabalho de uma comissão de inquérito.
Efectivamente, tratando-se de actos imputados a um membro do Governo, temos que extrair deles as necessárias consequências políticas e é esse o grande objectivo de um inquérito aprovado e efectuado no âmbito da Assembleia da República.
É claro que o membro do Governo em causa neste caso - o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais - manifestou, desde sempre, a vontade de que os factos, tal como foram conhecidos, fossem objecto de inquérito nesta Assembleia da República. Esta atitude não tem sido uniforme por parte de todos os membros do Governo que a Assembleia pretende inquirir e, salientando isto mesmo, não podemos deixar de louvar a postura do Sr. Secretário de Estado Oliveira e Costa.
Agora, fazemos votos para que este elenco de objectivos, que foram assinalados à comissão de inquérito, permita fazer as reflexões políticas que o caso merece, as quais, em nosso entender, não resultam completamente satisfeitas com a norma incluída na lei de enquadramento orçamental já aqui referida.
Na verdade, é bom que, a propósito destes factos, a Assembleia possa reflectir na situação da justiça fiscal, na de autêntico «engasgue» da justiça fiscal que levou à publicação do diploma das tréguas fiscais que, em parte, está na origem destes factos. É igualmente importante que a Assembleia possa reflectir sobre a natureza e os poderes de intervenção da administração fiscal: o respectivo grau de discricionariedade nos seus variados escalões e a
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intervenção daquela na decisão de questões que são vitais para os contribuintes.
Realmente, é bom que este inquérito nos permita tirar conclusões, não só em relação às actuações pessoais envolvidas nestes factos como também quanto ao seu enquadramento político e jurídico.
Neste sentido, associamo-nos à instauração do inquérito e ao enquadramento que, hoje, lhe foi definido.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições.
Vamos, então, passar à votação do inquérito parlamentar proposto cujo texto integral já foi lido.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, Jorge Lemos e Valente Fernandes.
Srs. Deputados, a Mesa fica a aguardar a entrega de uma proposta relativa à composição desta comissão.
Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.
O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, no prosseguimento da ideia aqui expendida por várias bancadas, solicito a V. Ex.ª que peça aos vários grupos parlamentares a indicação, o mais rápida possível, dos respectivos membros que farão parte desta comissão.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa espera que, na próxima sessão, lhe seja transmitida essa composição.
Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, concordo com a preocupação do Sr. Deputado Montalvão Machado, até porque sabemos que há um prazo limite, o que significa que tem de começar-se o mais cedo possível.
Assim, sugiro que, em sede da conferência de líderes, se defina o número de membros da comissão, a fim de que, imediatamente, os diversos grupos parlamentares indiquem os respectivos representantes para que a comissão possa vir a ser instalada.
Portanto, a celeridade ou não deste processo está nas mãos da conferência de líderes.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, esta matéria fica agendada para a conferência de líderes que terá lugar amanhã.
Srs. Deputados, para cumprirmos a nossa agenda, falta discutir e votar, na especialidade, o artigo 1.º do texto alternativo à proposta de lei n.º 159/V, que regula o regime dos loteamentos urbanos, pois há uma proposta de alteração, apresentada pelo PSD, e, depois, fazer a votação final global.
Pausa.
Como não há inscrições, vamos proceder à votação, na especialidade, que referi.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, V. Ex.ª disse que não havia inscrições para o debate, mas, segundo creio, o debate já foi feito na anterior sessão plenária.
Simplesmente, já agora aproveito, gostaria de saber se houve, por parte do Governo, alguma informação posterior ao debate realizado na última sessão. Ou seja, se a Mesa tem conhecimento de alguma informação, nomeadamente, sobre o projecto de decreto-lei que o Governo pretende publicar com base nesta autorização legislativa.
O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo tem toda a razão. O artigo 1.º foi realmente discutido na especialidade, pelo que agora só se coloca o problema da votação, aliás isso foi referido na conferência de líderes. De qualquer maneira, o agenciamento da discussão passou para a agenda e para a súmula, porque havia algumas dúvidas sobre a matéria.
Quanto à segunda parte da sua interpelação, ou seja, quanto à existência de elementos novos, devo dizer que não tenho conhecimento deles.
Portanto, o que temos de fazer é a votação, na especialidade, do artigo 1.º e a final global do texto.
Srs. Deputados, vamos votar, na especialidade, o artigo 1.º do texto alternativo, que é também uma proposta de alteração, apresentada pelo PSD.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, votos contra do PS, do PCP, do PRD e dos deputados independentes Helena Roseta, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos, José Magalhães e Raul Castro e a abstenção do CDS.
É o seguinte:
É o Governo autorizado a legislar em matéria da competência dos órgãos das autarquias locais e dos tribunais, e sobre a definição e regime dos bens do domínio público municipal e dos regimes gerais das expropriações por utilidade pública e ilícitos de mera ordenação social no âmbito do regime jurídico das operações de loteamento e de obras de urbanização, bem como a estabelecer um adequado regime sancionatório, nomeadamente no que respeita à punição de infracções disciplinares.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, gostaria apenas de saber se o que votámos foi o artigo 1.º da proposta de lei ou o artigo 1.º da proposta de alteração, apresentada pelo PSD.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, pensei que tivesse ficado bem entendido, mas já agora, para que fique registado, o que votámos foi o artigo 1.º da proposta apresentada pelo PSD.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - De quê?
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, a proposta de lei tinha sido retirada e substituída por uma proposta de alteração, apresentada pelo PSD, que analisámos e votámos
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na reunião plenária de 20 de Dezembro. Agora, procedemos à votação, na especialidade, do artigo 1.º, isto é, de uma proposta também apresentada pelo PSD.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global do texto alternativo à proposta de lei n.º 159/V, incluindo o artigo 1.º, acabado de votar.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e votos contra do PS, do PCP, do PRD, do CDS e dos deputados independentes Helena Roseta, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos, José Magalhães e Raul Castro.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma declaração de voto.
O Sr. Presidente:-Faça favor.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos contra a proposta de lei n.º 159/V, bem como as propostas de alteração global de todo o texto do pedido de autorização legislativa, apresentadas pelo PSD, porque estas alargam o seu âmbito, sem que lenha sido dada qualquer explicação quanto às intenções do Governo em matérias que são de grande importância para as autarquias locais. Dessas matarias destaco a definição do regime de bens do domínio municipal, os regimes gerais das expropriações por utilidade pública e ilícitos de mera ordenação social e, ainda, por legislar em matéria da competência dos órgãos das autarquias locais e dos tribunais.
Esta situação é tanto mais irregular quanto, durante o debate na generalidade, em 9 de Novembro, o Governo fez distribuir um projecto do decreto-lei que disse pretender elaborar e para o qual tinha solicitado o parecer da Associação Nacional de Municípios Portugueses.
Ora, sabe-se que se realizou posteriormente, em 9 de Dezembro, uma reunião entre o Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território e a Associação Nacional de Municípios Portugueses, no decorrer da qual se chegou a um texto final diferente do texto do projecto de decreto-lei que foi entregue à Assembleia da República, e que foi distribuído à comunicação social, mas que continuamos a desconhecer na sua versão final.
Quando em 20 de Dezembro solicitámos o adiamento da votação, na especialidade, desta proposta de lei, pretendíamos clarificar toda a situação. Lamentavelmente, continuamos na mesma, desconhecendo as razões do alargamento do âmbito do pedido de autorização legislativa apresentado pelo Governo e ignorando o texto final do projecto de decreto-lei que o Governo pretende publicar, com base nesta mesma autorização legislativa que a Assembleia da República lhe acaba de conceder, com os votos solitários do PSD.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: -Para uma declaração de voto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho.
A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo pretendeu minimizar a discussão desta matéria na Assembleia da República.
No entanto, as operações de loteamento constituem em Portugal a forma dominante de transformação urbanística do solo, o que justificaria, em nosso entender, que esta matéria fosse debatida na Assembleia da República. Apresentámos, por isso, o nosso contributo.
Como já referimos, aquando da discussão na generalidade, o Governo nem sequer apresentou à Assembleia da República o projecto de que dispunha sobre esta matéria. Desde então, como aqui acabou de ser referido pela Sr.ª Deputada lida Figueiredo, o Governo leve uma reunião com a Associação Nacional de Municípios, em 6 de Dezembro, e, segundo temos conhecimento, existirá uma segunda versão do projecto de decreto-lei, que já estará em circulação, lamentando nós, mais uma vez, que o Governo não lenha dado conhecimento à Assembleia da República daquilo que pretende publicar.
Registamos também que o alargamento do âmbito da autorização legislativa, aqui solicitado por proposta do PSD, está, pelo que sabemos, em contradição com aquilo que constitui a segunda versão do mencionado projecto.
Registamos, finalmente, que, pelo que temos conhecimento, essa segunda versão vem contemplar algumas das críticas importantes que aqui viemos trazer sobre esta matéria, tanto no que diz respeito à eficácia dos planos directores municipais, como às cedências para o património privado das câmaras municipais. Se é intenção do Governo dar seguimento a esta sua segunda versão, que não se dignou apresentar à Assembleia da República, congratulamo-nos antecipadamente por termos contribuído para alterações que nos parecem ser positivas. Lamentamos, no entanto, que o Governo tenha tomado a atitude que tomou numa matéria tão importante em relação à qual, como se veio a verificar, era possível chegar a alguns consensos.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente:-Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS absteve-se na votação da proposta de alteração, apresentada pelo PSD, ao artigo 1.º do diploma em apreço, por entender que, embora inserindo-se num diploma contra o qual estamos (por uma questão de princípio, que explicarei de seguida), ela introduzia um melhoramento na técnica jurídica do diploma.
Quanto ao diploma em si, a questão de princípio que a ele nos opõe é a de que a matéria em causa, dados o seu melindre e as suas repercussões evidentes na autonomia municipal, deveria ter sido aqui apresentada sob a forma de proposta de lei e não, como o foi, de proposta de autorização legislativa. O Governo dispunha aliás, conforme o demonstrou, do diploma que pretende publicar no uso da autorização, pelo que poderia ter transformado o pedido de autorização legislativa numa proposta de lei material.
Daí que o CDS esteja, como sempre tem estado, contra o processo do abuso da autorização legislativa e, designadamente, em relação a uma matéria em que a discussão pública do diploma que se pretende publicar traria só vantagens e eliminaria muitos dos eventuais inconvenientes que esta matéria e a sua regulamentação podem acarretar.
Aliás, supomos que o PS terá votado contra movido pelas mesmas razões, porque, no que respeita à substancia, já tivemos ocasião de verificar que há uma grande afinidade entre os textos. Diríamos, até, que o projecto de lei aqui apresentado pelo PS terá já sido elaborado sob a égide da candidatura do Dr. Mário Soares e do bloco central, tão semelhante ele é ao projecto de decreto-lei que o Governo pretendia publicar.
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No entanto, estamos de acordo com o princípio de não abusar das autorizações legislativas e de permitir à Assembleia da República discutir a substância de diplomas com repercussões tão evidentes na vida de todos e na autonomia dos municípios.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.
O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, o nosso voto contra não foi contra o texto nem contra o objectivo que o mesmo se propunha atingir,...
O Sr. Joaquim Fernandes Marques (PSD): - Então foi contra o quê?!
O Orador:- Já explicarei, Sr. Deputado. ... dado que todos sabemos da urgente necessidade da revisão da lei sobre os loteamentos urbanos.
No entanto, o que lamentamos é que, uma vez mais, se tenha impedido os deputados, muitos dos quais são simultaneamente autarcas, de darem o seu contributo para adaptar melhor este texto à realidade daquilo que são as câmaras onde cada um de nós funciona e melhorar os objectivos que se pretendem com esta legislação. Sabendo que o conteúdo do texto que o Governo pretende vir a publicar já está determinado, não entendemos por que razão, uma vez mais, se escondeu a finalidade desse mesmo texto.
Portanto, aquilo que recusámos foi a forma como todo este processo se desenrolou e, simultaneamente, procurámos impedir que com o nosso voto se desse, uma vez mais, um cheque em branco ao Governo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Recordaria que existe um prazo limite para as autarquias elaborarem os seus planos directores municipais. Assim, devendo estes estar adaptados a esta legislação, parece-nos importante que a Associação Nacional de Municípios tivesse sido ouvida e que muitas das propostas que lhe foram apresentadas tivessem vindo a ser contempladas.
Foi por esta razão que não demos o voto favorável lamentando, uma vez mais, a forma como todo este processo tem vindo a ser conduzido nesta Câmara.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o debate dos pontos em agenda e reunimo-nos na próxima quinta-feira, de acordo com a agenda divulgada.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 50 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
António Maria Pereira.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
César da Costa Santos
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
João José Pedreira de Matos.
José de Almeida Cesário.
José Angelo Ferreira Correia.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José de Vargas Bulcão.
Luís António Martins.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Partido Socialista (PS):
António Domingues de Azevedo.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Edite Fátima Barreiros Estrela.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Luís Costa Catarino.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
Carlos Alfredo de Brito.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Centro Democrático Social (CDS):
José Luís Nogueira de Brito.
Deputados independentes:
José Manuel Santos Magalhães.
Maria Helena Salema Roseta.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Flausino José Pereira da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Henrique Nascimento Rodrigues.
Jaime Gomes Mil-Homens.
José Júlio Vieira Mesquita.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Partido Socialista (PS):
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
João Rui Gaspar de Almeida.
Partido Comunista Português (PCP):
António da Silva Mota.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Declaração de voto enviada à Mesa para publicação sobre a votação do projecto de lei n.º 550/V.
Após a votação efectuada para a aprovação na generalidade do projecto de lei n.º 550/V - Lei das Associações de Deficientes -, esta Câmara ficou com a noção exacta de quem está contra uma política social.
O PSD, e apenas este partido, ao votar contra, mostrou claramente que está também contra uma política que beneficia os mais desfavorecidos. No caso vertente as pessoas deficientes.
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Já em 10 de Dezembro de 1990, este partido mostrou a sua posição ao votar contra a proposta, apresentada pelo Grupo Parlamentar do PCP, de alteração ao Orçamento do Estado, no valor de 500 000 contos para implementação do Plano Orientador de Reabilitação.
Na reunião plenária de 27 de Novembro de 1990 o Sr. Deputado Barata Rocha, após enumerar o que «se tem feito ultimamente, no campo legislativo, na procura das melhores soluções e também de melhores condições devidas às pessoas deficientes», afirma também: «As referencias que aqui faço não podem reproduzir a nossa total satisfação, mas demonstra quanto o Governo se tem empenhado e interessado em colocar ao dispor das pessoas deficientes os instrumentos necessários para a melhoria das suas condições de vida.»
Das medidas enumeradas, refere a resolução do Conselho de Ministros que aprova o Plano Orientador de Reabilitação.
Esse Plano, na sua introdução, diz: «Uma vez definida a política de reabilitação, enumerados os princípios gerais e sectoriais a que ela deve obedecer e identificadas as medidas que, de forma mais directa, deverão responder às necessidades das pessoas com deficiências (dos Contributo para uma política racional de reabilitação), impunha-se ao Secretariado Nacional de Reabilitação, através do seu Conselho Nacional, apresentar ao Governo um plano integrado de execução, onde seriam definidos objectivos, notas temporais e eventualmente custos, e que constituiria o Plano Nacional de Reabilitação de curto e médio prazo.»
A Resolução n.º 51/88 do Conselho de Ministros aprovou esse Plano. Ao aprová-lo, o Governo comprometeu-se a cumprir os sete objectivos intermédios, abrangentes de todas as áreas de intervenção: prevenção, detecção, diagnóstico da deficiência e reabilitação médica; integração sócio-educativa; vida activa; vida autónoma; melhoria da informação sobre/para pessoas com deficiência; investigação/Formação; participação das organizações de pessoas com deficiência nas decisões políticas de reabilitação.
Conhecem-se, também, as dificuldades existentes para que os dirigentes das associações de deficientes participem nas decisões e políticas de reabilitação, nomeadamente, no fórum que é o Conselho Nacional de Reabilitação (CNR).
Sabe-se que estes dirigentes, ao contrário dos funcionários e agentes do Estado que participaram no CNR (órgão que reúne dentro das horas normais de serviço) e nos grupos de trabalho, só por militância estão presentes, pois não auferem de qualquer regalia, como acontece em outras reuniões da administração (senhas de presença; subsídios de deslocação e outros), e muitas vezes faltam porque nos seus locais de trabalho não lhes dão a competente licença.
Consciente das reivindicações do Movimento dos Deficientes, expressas nas conclusões dos quatro congressos até agora realizados, o Grupo Parlamentar do PCP apresentou o projecto de lei n.8 550/V (Lei das Associações dos Deficientes), que naturalmente votou favoravelmente.
Com este projecto visava-se colmatar uma lacuna grave e que de acordo com o Plano Orientador, devia ter sido ultrapassada na sua grande parte em 1989. Com ele pretendíamos garantir os apoios mínimos indispensáveis, para que as associações pudessem prosseguir os seus objectivos, também previstos no Plano.
O PSD, com a sua votação contra, inviabilizou este projecto de lei.
O Deputado do PCP, António Filipe.
Os REDACTORES: Maria Amélia Martins - Ana Marques da Cruz - Maria Leonor Ferrara - José Diogo.
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