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I Série - Número 36

Quarta-feira, 30 de Janeiro de 1991

V LEGISLATURA 4.º SESSÃO LEGISLATIVA (1990-1991)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 29 DE JANEIRO DE 1991

Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo

Secretários: Ex.mos Srs.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Calo Roque
Joaquim António Rebocho Teixeira
Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação de diplomas, de requerimentos e da resposta a um requerimento.
A Comam deu assentimento à viagem de caracter oficial do Sr. Presidente da Republica á Noruega.
O Sr. Presidente informou da devolução, por Inconstitucionalidade, á Assembleia da República, do Decreto n.º 293/V - Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira -, por parte do Sr. Presidente da República.
Sobre a temática da guerra do Golfo, produziram declarações políticas os Srs. Deputados Jaime Gama (PS) - que respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Adriano Moreira (CDS), Fernando Cardoso ferreira (PSD), Hermínio Maninho (PRD) e Carlos Brito (PCP) -, José Pacheco Pereira (PSD) - que também respondeu a pedidos de esclarecimento daquele orador e do Sr. Deputado Marques Júnior (PRD) -, João Amaral (PCP) e Adriano Moreira (CDS).
Deu-se conta de uma carta do Sr. Presidente do Tribunal Constitucional contendo a acta da reunião da assembleia de apuramento geral da eleição do Presidente da Republica.

Ordem do dia. - Foi aprovado o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o recurso interposto pelo PCP relativamente à admissibilidade da proposta de lei n.º 176/V - Automação legislativa sobre o regime Jurídico do trabalho de menores, das fenos, do trabalho em comissão de serviço, do período experimental, da duração do trabalho e da cessação do contrato de trabalho por inadaptação -, a propósito do que intervieram os Srs. Deputados Odeie Santos (PCP), Laurentino Dias (PS), Narana Coissoró (CDS) e Guilherme Silva (PSD), e rejeitado o recurso, também interposto pelo PCP, sobre a fixação da ordem do dia.
A proposta de lei n. º 176/Vfoi depois aprovada, na generalidade, baixando à comissão competente para apreciação na especialidade. Intervieram, a diverso titulo, além do Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social (Silva Penedo), os Srs. Deputados Narana Coissoró (CDS), Odeie Santos e Jerónimo de Sousa (PCP), Laurentino Dias e Elisa Damião (PS), Joaquim Fernandes Marques e José Silva Marques (PSD), Barbosa da Costa (PRD), Alberto Martins e Osório Gomes (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 21 horas e 30 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda Queirós.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José de Carvalho.
António Mana Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcíneo António Campos Rebelo.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Maios.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Oliveira Martins.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Alfredo Godinho da Silva.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Antónia Pinho e Melo.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando, C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Al vim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Gomes da Silva
Rui Manuel Almeida Mendes.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Macheie.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.

Partido Socialista (PS):

Ademar Sequeira de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Carlos Manuel Luís.
Edite Fátima Matreiros Estrela.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Edmundo Pedro.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Helena de Melo Torres Marques.
Henrique do Carmo Carmine.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.

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Jorge Luís Costa Catarino.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho dos Santos.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Cosia Brito.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Pedro Lopes Machado Ávila.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
Ana Paula da Silva Coelho.
António da Silva Mola.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim Amónio Rebocho Teixeira.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Maria lida Cosia Figueiredo.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Maria Odeie Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Octávio Rodrigues Pato.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Alexandre Manuel Fonseca Leite.
Amónio Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Maninho.
Natália de Oliveira Correia.
Rui José dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
Narana Sinai Coissoró.

Deputados independentes:

Herculano da Silva Pombo Sequeira.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Santos Magalhães.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura dos diplomas, requerimentos e respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: ratificação n.º 162/V, apresentada pelo Sr. Deputado Carlos Brito e outros, do PCP. relativa ao Decreto-Lei n.º 14-A/91, de 9 de Janeiro, que cria o Gabinete da Travessia do Tejo em Lisboa - GATEL; projecto de lei n.º 666/V, apresentado pela Sr.ª Deputada Elisa Damião e outros, do PS, propondo a alteração do regime jurídico das férias, que baixa à 10ª Comissão; projecto de lei n.º 667/V, apresentado também pela Sr.ª Deputada Elisa Damião e outros, do PS, propondo a alteração ao regime jurídico da organização do tempo de trabalho, que baixa à 10ª Comissão; projecto de lei n.º 668/V, apresentado pelo Sr. Deputado José Apolinário e outros, do PS, sobre trabalho de menores, que baixa às 10ª e 14.ª Comissões; proposta de lei n.º 177/V, que autoriza o Governo a legislar com o objectivo de rever o Estatuto da Ordem dos Engenheiros, que baixa à 3.º Comissão.
Entretanto, foram apresentados na Mesa, nas últimas reuniões plenárias, os requerimentos seguintes: ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Domingues de Azevedo e Rui Ávila; ao Ministério do Planeamento e do Ordenamento do Território, formulado pelo Sr. Deputado Ademar de Carvalho; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulado pelo Sr. Deputado Herculano Pombo; ao Ministério da Saúde, formulado pela Sr.1 Deputada lida Figueiredo; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Hermínio Maninho; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado Guerreiro Norte.
Por sua vez, o Governo respondeu ao requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Barbosa da Costa na sessão de 19 de Dezembro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura de um parecer e proposta de resolução da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - É do seguinte teor. «A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação da Assembleia da República, tendo apreciado a mensagem de S. Ex.ª o Presidente da República em que solicita p assentimento para se deslocar, em viagem de carácter oficial, à Noruega, entre os dias 29 e 31 do corrente mês de Janeiro, apresenta ao Plenário a seguinte proposta de resolução: Nos termos do n.º l do artigo 132.º da Constituição, a Assembleia da República dá o assentimento à viagem de carácter oficial de S. Ex.ª o Presidente da República à Noruega, entre os dias 29 e 31 do corrente mas de Janeiro.»

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão.

Pausa.

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Como não há inscrições, vamos votar a proposta de resolução.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos, José Magalhães e Valente Fernandes.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, S. Ex.º o Sr. Presidente da República enviou à Assembleia da República o ofício que passo a ler «Tenho a honra de junto devolver a V. Ex.º, nos termos dos artigos 139.º, n.º 5, e 279.º, n.º l, da Constituição da República, o Decreto da Assembleia da República n.º 293/V, de 17 de Dezembro de 1990 -Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira-, uma vez que o Tribunal Constitucional, através do douto Acórdão n.º 1/91, de 22 de Janeiro de 1991, se pronunciou pela inconstitucionalidade dos artigos 10.º, n.º 4, e 11.º, n.º 2, do referido decreto, em sede do processo de fiscalização preventiva da constitucionalidade.»
O acórdão já foi distribuído aos diversos grupos parlamentares.
Entretanto, inscreveram-se para declarações políticas os Srs. Deputados Jaime Gama, Pacheco Pereira e João Amaral.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A guerra -todas as guerras, qualquer guerra - 6 sempre deplorável. A guerra do Golfo não foge a esta regra.
Sabemos a sua origem: a invasão e anexação de um país pequeno, a intransigência na recusa de negociações, a porta fechada a qualquer mediação, o não acatamento dos apelos e das deliberações das Nações Unidas.
Sabemos a sua origem e começamos a ver os seus efeitos: a perda de vidas, a destruição física, a preocupação e a angústia, o temor do futuro, as consequências incontroláveis.
Por mais justa que uma guerra seja nos seus fundamentos, o seu legado é sempre o de um interminável cortejo de frustrações e de miséria. A guerra é sempre deplorável.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Para o Ocidente, do Atlântico aos Urais, em especial para a Europa, é uma guerra basicamente anacrónica, a excepção ao ano do desanuviamento, dos grandes acordos de limitação de armas, das transformações na Europa Central e de Leste, do fim da guerra fria, das perspectivas de bem-estar generalizado.
Mesmo fundada no direito internacional -a sua derradeira legitimidade-, ela ficará a marcar um novo tipo de relação com a admissibilidade do recurso ao uso da força por parte dos Estados. Longe estamos, entre nós e hoje, da justificação positiva das guerras de religião, das guerras de expansão, das guerras de hegemonia ou das guerras revolucionárias.
Jurisdicionalizada, limitada, cirúrgica - a cultura ocidental quis deixar o traço da argumentação plausível pelo último recurso, o mal necessário, a temporária excepção. Nunca uma guerra esteve tão fora do tempo como esta.
Estamos agora - quase no fim da primeira fase militar do conflito - mais conscientes de algumas realidades: que era excessiva a carga ficcional com que aparecia descrita a eficácia de meios técnicos ultra-sofisticados no campo de batalha; que era falível a construção de uma ordem de segurança exclusivamente atenta ao teatro europeu e às relações entre os Estados Unidos e a União Soviética; que o profissionalismo militar e o assalto técnico não substituem a motivação nacional e o empenhamento pessoal na defesa das posições territoriais.
O conhecimento destas insuficiências e vulnerabilidades chama-nos a atenção para a imperiosa necessidade de não consentir que a guerra se conduza a si própria.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto a este ponto, de suma importância, três princípios não devem ser abandonados.
Primeiro, que a intervenção armada se deve circunscrever às deliberações da ONU, isto é, à libertação do Kowait e não a outros objectivos, como, por exemplo, o desmembramento do Iraque.

Aplausos do PS.

Segundo, que não está em causa um conflito com o mundo árabe ou com o islamismo, mas tão-só a protecção da soberania de um Estado, que, neste caso, também ele é árabe e islâmico.
Terceiro, que em qualquer altura em que o Iraque, inequivocamente e sem subterfúgio, demonstre a sua disposição para abandonar e respeitar o Kowait, a porta de uma negociação válida não deve ser fechada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A participação portuguesa no conflito, tratando-se de um país que não está no teatro de operações e que não é uma grande potência militar, tem-se situado em níveis de responsabilidade que importaria manter: apoio diplomático à acção internacional das Nações Unidas, facilidades casuísticas de trânsito às forças norte-americanas, cooperação para transporte marítimo e aéreo com o Reino Unido, disponibilidade de auxílio sanitário ao contingente francês, participação na força naval aliada do Mediterrâneo.
A convergência institucional, sob a égide do Presidente da República, permitiu harmonizar contributos e perspectivas para o posicionamento nacional face à crise.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas se é certo que este, até aqui, não tem suscitado dúvidas, conviria esclarecer dois aspectos em relação aos quais alguma confusão se está a gerar e que importaria desde já limitar nos seus efeitos perversos. Refiro-me, em ambos os casos, ao que considero tendências ullra-intervencionistas em relação à posição de Portugal na guerra.
A primeira tem por argumento a Europa e sustenta que o nosso país, para ter um lugar na futura união política, precisava de se precipitar nas areias do deserto saudita. É o argumento dos que esquematizam a noção de «Europa da Defesa» - a que agora parece reconvertido o Ministro dos Negócios Estrangeiros- e gostariam de a ver agir como nova potência entre potências, decalcando os seus métodos, os seus estilos e as suas ambições.
Nada mais inconsistente.

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A defesa e a segurança europeias assentarão na convergência e na solidariedade mas nunca na uniformização ou na imposição. A diversidade de percepção dos Estados e a liberdade nacional terão, neste caso, que ser harmonizadas com interesses comuns, mas nunca substituídas por uma nova entidade com existência e actuação próprias e desvinculadas.
A crise do Golfo vem revelar como devemos ser cautelosos em matéria sensível como esta da construção europeia, para não deixar envolver apressadamente, em nome de artificialismos abstractos, a segurança dos Portugueses.
A segunda baseia-se numa interpretação muito ampla quanto à substância e ao âmbito de aplicação do Tratado do Atlântico Norte, segundo a qual deveríamos entrar em guerra imediata caso a Turquia se envolvesse no conflito.
Não é tão automaticamente evidente.
A participação na Aliança Atlântica cria obrigações e a filosofia da organização baseia-se no conceito de indivisibilidade da segurança. Portugal tem ajudado e coopera com alguns dos seus aliados em base bilateral, mas a verdade é que a NATO, enquanto tal, não tem intervindo por razoes que tom a ver com o entendimento das suas finalidades e do âmbito de aplicação territorial do Tratado, que não seria oportuno nem conveniente rever, sobretudo numa altura em que se contrai o potencial militar soviético.
O que o artigo 5.º do Tratado estipula, de forma cautelosa e gradual, é que no caso de ataque a um dos seus signatários, cada um dos restantes assistirá as parles atacadas, tomando, individualmente e de acordo com os demais, a acção que julgar necessária, incluindo o recurso à força armada, para restabelecer e assegurar a segurança no Atlântico Norte.
O conhecimento deste dispositivo deveria, quanto a mim, justificar mais prudência da parte do actual Presidente da Turquia, separando, claramente, uma conduta de defesa e de dissuasão - sempre sustentável - do desejo activo de envolvimento numa nova frente de guerra, não enquadrável no âmbito inicial do emprego da força e, certamente, não geradora de condutas imperativas por parte dos seus aliados.
Nem a Europa nem a Aliança Atlântica podem ser utilizadas em sentido diverso do das suas definições úteis e razoáveis, nem Portugal tem a menor razão para modificar a sua conduta em função de Ião ligeiras interpretações dos tratados internacionais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Assim como não enjeitamos a colaboração militar responsável com os nossos aliados para repor o direito internacional, não devemos abdicar de cooperar em soluções negociadas ou em mediações orientadas por aquele propósito. O Médio Oriente é uma zona potenciadora de grande instabilidade para que urge encontrar soluções justas e duráveis. A anexação do Kowait é a questão dramática do momento, como ontem o foi a guerra entre o Iraque e o Irão, as invasões e ocupação do Líbano, como o é a ameaçada segurança de Israel ou o sempre adiado direito do povo da Palestina a uma pátria livre, como o será o ajuste de linhas fronteiriças entre Estados da região, a desconfiança recíproca entre a Síria e o Iraque ou a exiguidade da Jordânia.
Ninguém põe em causa a vitória militar dos Estados Unidos. É por vezes mais difícil terminar a guerra e fazer a paz do que desencadeá-la ou conduzi-la. Como trabalharão os Estados Unidos nesses dias que sucederão à catástrofe? Que papel está lambem reservado à Europa comunitária e à União Soviética no pós-guerra do Golfo?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No próximo ano presidiremos aos destinos das Comunidades Europeias. Razões de calendário obrigam-nos a acções coordenadas sobre as conferências intergovernamentais e à defesa de um acrescido papel da Europa na solução dos problemas do Médio Oriente. Desde já o nosso país começa a ser chamado a um papel não de destruição mas de construção. Saber olhar para além da guerra é, muitas vezes, o grande papel das pequenas nações.
Não podemos, por isso, dispersar o nosso empenhamento no rápido restabelecimento da paz, na realização de uma solução negociada para o conflito israelo-árabe, na convocação de uma conferência internacional que estabeleça níveis equilibrados de armamento na região, igualizando as condições de segurança militar, com eliminação dos vectores químicos, biológicos e nucleares e a contenção suficiente dos sistemas não estritamente defensivos.
As Comunidades Europeias devem desde já estruturar um plano de emergência para o desenvolvimento da cooperação com os países do Golfo, uma vez terminadas as hostilidades. A solidariedade que exprimimos a Israel quando é alvo de ataques brutais sobre populações que auto-renunciam a defender-se não nos deve fazer esquecer a questão da Palestina, que, dramaticamente, subsiste. Assim como a reprovação frontal da conduta do Presidente Saddam Hussein não nos deve desviar do desejo de bom relacionamento com o mundo árabe, sem excepção, a começar pelo povo iraquiano.
Portugal pode e deve levar esse sentido de equilíbrio à intervenção multifacetada e convergente das Comunidades Europeias, para a resolução dos problemas do Médio Oriente. Pode e deve levar esse sentido da medida aos seus aliados. Pode e deve levar essa ambição de diálogo aos seus vizinhos árabes do Magrebe. Não pensemos a guerra com a lógica e a mecânica alucinantes da guerra, mas com o espírito sóbrio e sereno dos construtores de confiança.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A ocasião não é para os braços caídos, é para o pensamento e a acção dos que não se resignam à desordem internacional estabelecida e querem uma comunidade fundada no direito, na segurança, na cooperação e na paz.

Aplausos do PS, do PSD, do PRD, do CDS e dos deputados independentes Jorge Lemos e José Magalhães.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como é habitual, os 4.7 minutos excedidos pelo Sr. Deputado Jaime Gama descontam no tempo global atribuído ao PS para o período de antes da ordem do dia.

Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Adriano Moreira, Pacheco Pereira, Cardoso Pereira e Hermínio Maninho.
Tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jaime Gama: Em primeiro lugar, quero felicitá-lo pela sua intervenção, que veio mostrar termos alguma razão quando dizemos que o debate sobre o Golfo tem de ser feito.

Aplausos do CDS e do PS.

Não podemos continuar a, esporadicamente, trazer a questão à Assembleia da República por iniciativa de um partido ou de um deputado interventor, em vez de, firan-

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camente, assumirmos um debate geral da Câmara com o Governo em relação a essa situação. A questão é demasiadamente importante para que tenhamos de a rodear de subtilezas regulamentares.
Em segundo lugar, a substância da doutrina merece-me a maior consideração. Eu próprio vou fazer uma pequena intervenção sobre a matéria, que me foi suscitada pelo seu discurso excelente. Penso que numa pergunta não teria tempo de expor os comentários que me suscita. No entanto, gostaria de pedir ao Sr. Deputado que elaborasse mais um ponto que me parece importante. Trata-se da proposta da intervenção da Europa imediatamente delineada para depois do conflito, isto é, a cooperação na reconstrução. A esse respeito gostava de saber qual é o pensamento do Sr. Deputado sobre o gradualismo da construção europeia, porque hoje este é um problema central no processo das Comunidades. Qual é, pois, a posição do Sr. Deputado e do Partido Socialista sobre o gradualismo da posição europeia? Gostaria de saber também, Sr. Deputado, que relação terá essa posição com a atitude que a Europa está a tomar quanto ao conflito no Golfo.
Temos de assumir que a Europa que está presente no conflito é, exclusivamente, a Europa representada pela Inglaterra. Em França foi hoje anunciada a demissão do Ministro da Defesa, e talvez esse seja, finalmente, um passo para a coerência da política externa da França. Mas, realmente, a Europa que está no Golfo é a Inglaterra. Isto tem de ser tomado em conta em relação ao gradualismo da construção europeia.
É este o ponto fundamental que gostaria de ver esclarecido pelo PS e por V. Ex.a

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.

O Sr. Ferroando Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sr. Deputado Jaime Gama, ouvimos com toda a atenção a sua intervenção e foi com toda a sinceridade que a aplaudimos.

O Sr. Deputado veio, finalmente, pôr alguma ordem e disciplina quanto às posições tomadas pelo PS desde o princípio desta crise.

Aplausos do PSD.

Vozes do PS:-Oh!...

O Orador: - É que temos ouvido, desde o início da crise, comentários, opiniões, temos lido entrevistas e artigos com matéria tão contraditória, tão diversa e, principalmente, tão desconexa que ficámos satisfeitos por saber que V. Ex.9, por um lado, veio pôr ordem e disciplina na posição do seu partido e que, por outro, se reconhece nas posições que o Governo tem vindo a tomar quanto à crise.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - São dois aspectos importantes, pois V. Ex.a veio aqui, com toda a capacidade que tem e com toda a idoneidade que lhe reconhemos nesta matéria, rever-se nas posições do Governo.
Isto, naturalmente, é capaz de não ter agradado a muita gente!... Felizmente, alguns já não estão na bancada do PS para que a sua intervenção não seja interpretada de forma polémica.
A política externa portuguesa tem sido muito clara! Na verdade, V. Ex.a enunciou aqui um conjunto de actuações para o pós-guerra, que tem sido exactamente aquilo que tem motivado, passo a passo, toda a actuação do Governo português, e a fundamentação usada por V. Ex.a é rigorosamente a mesma.
No plano da nossa intervenção militar aquilo que V. Ex.a legitima hoje tem sido o que o Governo Português tem feito: a circunstância da não intervenção directa, com forças militares, em pleno conflito; os quadros possíveis e as interpretações em relação ao Tratado de Washington na eventualidade de um ataque à Turquia.
De facto, V. Ex.a hoje trouxe-nos aqui a capitulação, no bom sentido, de que, afinal, um partido com responsabilidades, como é o PS, nesta hora difícil, assume uma posição de Estado e revê-se nas posições do Governo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Hermínio Martinho.

O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sr. Deputado Jaime Gama, antes de mais, quero felicitá-lo pela intervenção que produziu e, sobretudo, pela oportunidade de a mesma ter sido feita aqui, no Plenário da Assembleia da República, num momento em que nos parece ser claro que outros responsáveis políticos fogem de debater esta questão, que é da maior importância nacional e internacional, no local próprio e no momento oportuno.

Vozes do PS: - Essa é que é a questão!...

O Orador: - Muito brevemente, quero colocar-lhe algumas questões, utilizando algumas das opiniões expressas por V. Ex.a

O Sr. Deputado referiu que «nunca uma guerra esteve tão fora do tempo como esta». Ora, em minha opinião, tendo em linha de conta a sociedade e o mundo que desejamos, as guerras nunca são oportunas, isto é, nunca estão no seu tempo. Assim, solicito ao Sr. Deputado Jaime Gama que me esclareça o porquê de considerar que esta guerra, agora e neste momento, é, no seu entender, uma guerra que está, mais do que nunca, fora do tempo.
Seguidamente, o Sr. Deputado referiu as acções do Governo, com as quais pareceu manifestar concordância, na sua globalidade - e devo dizer-lhe que estou de acordo consigo-,...

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: -... e que essas acções estavam a ser levadas a cabo sob a égide do Sr. Presidente da República, o que tem também a minha concordância.
Em todo o caso, pergunto-lhe qual a sua interpretação, dado que é uma pessoa sensível e conhecedora destas matérias, para o facto de, exactamente no momento e no dia em que um emissário especialíssimo do Sr. Presidente da República vai encontrar-se com o líder da OLP, Yaser Arafat, este escolher a oportunidade para fazer um apelo público, mundial, veemente, de ataques do Iraque ao Estado de Israel.
O Sr. Deputado referiu ainda -e peço desculpa de trazer aqui a questão de Timor-Leste, que não foi abordada por si- que, sobretudo nesta guerra, está em causa a soberania de um Estado que foi invadido por outro.

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Tendo em linha de conta que, em nossa opinião, os direitos e a soberania de um povo estuo em causa há muitos anos com a invasão de Timor-Leste por parte da Indonésia e que hoje recomeçam as negociações com os Estados Unidos da América sobre o Acordo das Lajes, gostaria de saber se, em seu entender, devia ou não ser incluída nestas negociações, no campo diplomático, a posição relativa aos direitos do povo maubere, dado que a posição dos Estados Unidos da América não é idêntica e clara em relação a esta matéria como o foi em relação à invasão do Koweil pelo Iraque.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sr. Deputado Jaime Gama, ouvimos com toda a atenção a sua intervenção, que é, em meu entender, uma abordagem muito séria de uma grande tragédia que avassala a vida internacional.
Entendemos que o Sr. Deputado trouxe aqui uma contribuição muito responsável para o debate que a Assembleia da República tem querido fazer com o Governo e que até agora não foi possível.
O PCP vai hoje intervir sobre a mesma matéria, através de uma intervenção do meu camarada João Amaral, por isso não lhe farei perguntas, nem aquelas perguntas embaraçosas para determinar contradições entre a posição agora definida pelo Sr. Deputado Jaime Gama e as anteriormente definidas pelo seu partido... Não vou entrar nisso!
Em todo o caso, gostaria de saber se pensa que seria ou não de toda a oportunidade que a Assembleia da República pudesse debater, com alto sentido de responsabilidade e com a presença do Governo, esta grave questão internacional, que, queiramos ou não, tem graves consequências para o nosso país.
Gostaria, pois, que o Sr. Deputado Jaime Gama me esclarecesse esta questão.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero agradecer as intervenções feitas pelo meus colegas e o contributo que, através da expressão dos seus pontos de vista e também do lançamento de algumas questões, deram para a realização de um debate que, naturalmente, pode e deve ter lugar na Assembleia da República ao nível das suas comissões, ao nível de estruturas ad hoc que forem criadas para o acompanhamento da situação e também ao nível do próprio debate em Plenário.
Em relação às questões levantadas pelo Sr. Deputado Adriano Moreira, gostaria de sublinhar dois pontos.
Em primeiro lugar, esta crise veio trazer, não do ponto de vista da necessidade, das conveniências e das vantagens de acelerar o projecto europeu, o projecto comunitário - naquilo que ele tem a ver com a criação e o estabelecimento de um mercado único- mas, sobretudo, no da dimensão política, da vertente diplomática, da área da defesa e da segurança, a necessidade de um debate novo, não para, como alguns pretendem argumentar, demonstrar que a intervenção europeia legitima e justifica a inviabilização de todo o projecto europeu mas, pelo contrário, para acentuar que a presente crise vai justificar a necessidade de equacionar, com mais sentido pragmático e com maior percepção da realidade, a vertente diplomática, política e de segurança da construção europeia.
Do meu ponto de vista, só em nome desse realismo faseado na construção dessa vertente da Europa pode encontrar-se lições positivas na situação presente. Ou seja, do meu ponto de vista, não está em causa, de todo em todo, o mecanismo da construção europeia. Assim, o que tem de ser repensado é o método e, porventura, o esquema e quanto a este, naturalmente, está em perfeita crise o esquema socialista, uniformista, abstracto, esquemático da estruturação da Europa nessa dimensão.
A atitude da Europa em relação ao conflito não é, do meu ponto de vista, uma atitude negativista. Em primeiro lugar, tem de compreender-se que a situação internacional para a qual era chamada a Europa no momento era a situação da diminuição dos seus conflitos internos, do fim da divisão da Europa, do fim da divisão da Alemanha, do fim da guerra fria, da estruturação de uma nova ordem política e jurídica nos países da Europa Central, de uma nova conduta internacional por parte da União Soviética e do desejo de estabelecer uma nova relação convalidadora de um novo papel da União Soviética à escala internacional.
Manifestamente, as preocupações da Europa eram essas e não outras, daí o carácter exógeno com que este condito veio introduzir-se na agenda europeia. Pese embora a sua importância e os seus reflexos na vida internacional, este conflito, apesar do seu dramatismo e das suas consequências, é estruturalmente menos importante do que a distensão europeia e a construção de uma nova ordem de segurança e estabilidade na Europa.
Penso que o Reino Unido, depois da sua intervenção no conflito, tem uma palavra a dizer. Não uma palavra para reforçar o niilismo sobre a Europa mas, sim, para reforçar uma concepção mais negociada e mais plural sobre o papel da Europa na vida internacional, o qual acaba, inequivocamente, por ser demonstrado não apenas pela condução inglesa neste conflito mas também pelo próprio papel, por exemplo, da Alemanha na reconstituição da estabilidade e do desenvolvimento europeu.
Quanto ao Sr. Deputado Hermínio Maninho, não vejo a menor justificação para a introdução de paralelismos fáceis, que sei facilmente assimiláveis pela opinião pública, mas que devem ser entendidos, reflectidos e perspectivados na sua verdadeira natureza substantiva e não na sua manipulação retórica.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Neste momento, penso que não seria ajustado introduzir na renegociação das relações de segurança entre Portugal e os Estados Unidos da América, a propósito da renegociação do Acordo das Lajes, a questão de Timor-Leste, que tem pleno cabimento para ser sempre tratada com dignidade pelo Estado Português nas Comunidades Europeias e na Comunidade Internacional pelos seus méritos próprios e não pela instrumentalização da circunstância.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E também lhe devo dizer que não vejo a menor natureza para especular sobre u circunstância de neste momento o Presidente da República ter respondido a uma mensagem, que lhe foi dirigida pelo Presidente da

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Organização de Libertação da Palestina (OLP), e as posições que neste momento, numa avaliação de circunstância, o próprio Presidente desse movimento possa tomar sobre a natureza e as perspectivas de evolução do actual conflito.
Sabemos que o posicionamento da OLP não é, nesta circunstância, ditado por uma avaliação serena, imparcial e duradoura da situação internacional, mas por razões específicas que, não por serem menos dignas, mas por serem mais específicas, porventura a impedem de ter a verdadeira dimensão global deste condito e desta problemática, da sua solução e da própria solução dos problemas palestinianos em que, naturalmente, a comunidade internacional se deve empenhar.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em relação ao Sr. Deputado Carlos Brito, queria dizer-lhe que o significado da intervenção do PS hoje neste debate foi o de, naturalmente, trazer ao Plenário da Assembleia da República uma reflexão sobre este problema. Naturalmente que essa reflexão ganhará com a participação e a presença do próprio Governo - esse é um problema do funcionamento da Assembleia e das relações entre o Parlamento e o Governo. Mas também lhe devo dizer que não me parece apropriado que, intervindo Portugal da forma como está a intervir neste conflito e desejando salvaguardar a sua posição nele, deva prosseguir um caminho de dramatização da situação ou da sua intervenção, ...

Aplausos do PSD.

O Orador: -... sem correspondência à realidade da situação com que Portugal se pode e deve colocar na problematização desta temática. Temos aí de ter um sentido das responsabilidades para fazer com que o sistema institucional funcione, na medida em que esse funcionamento se coadune e harmonize com a própria modalidade que nós desejamos fazer salvaguardar para a participação de Portugal na crise e na sua resolução.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Terminaria com uma referência às intervenções e observações feitas pelo Sr. Deputado Fernando Cardoso Ferreira.
Devo-lhe dizer que, em consciência, não reconheço a menor contradição entre aquilo que disse e aquilo que têm sido posições de membros do PS ou do próprio partido. Creio até que, nesta matéria, o PS procurou agir com um certo sentido de responsabilidade, de moderação perante a gravidade do problema...

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Graças a si!

O Orador: -... e de não exacerbação da confrontação Governo/oposição no tratamento global desta questão.

Vozes do PS: - É verdade!

O Orador: - Por isso, naturalmente, nós, que também contribuímos para formular a doutrina nacional sobre a participação no conflito, não gostaríamos agora de ver a argumentação caminhar no sentido contrário, isto é, o Governo ou a maioria pretenderem invocar uma captação absoluta da razoabilidade da posição portuguesa ou até, sobre esta matéria, desencadear um conflito de tipo oposicionista clássico com a própria oposição sobre uma questão de tanta gravidade.

Vozes do PS e do Sr. Deputado Narana Coissoró (CDS): -Muito bem!

O Orador: - Por exemplo, eu percebo que o PSD, e até o próprio Governo, se tenham revisto naquilo que aqui disseram, porque a verdade é que, sobre a globalidade da crise do Golfo, o Governo e o PSD ainda não tinham elaborado uma teorização sistémica e global sobre a participação de Portugal na crise. E tinham, de certa forma, procedido um pouco como aquilo que criticam no PS,...

Risos do PSD e do PS.

... isto é, por aproximações sucessivas em relação ao evoluir da realidade.

Pois bem, penso que é porventura a altura, depois desta intervenção do PS, que os Srs. Deputados tanto elogiaram, de criar um espaço consistente para não haver receio de debater, nos limites do razoável, esta problemática e de elaborar, em conjunto, aquilo que pode e deve ser a participação do País numa emergência como esta, para a qual ninguém tem doutrinas feitas e, por isso mesmo, ninguém pode ou deve reclamar com arrogância o monopólio da verdade.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado José Pacheco Pereira.

O Sr. José Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não tinha intenção de fazer hoje a declaração política para que estava inicialmente inscrito e, inclusive, inscrevi-me para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Jaime Gama, mas a sua intervenção merece da nossa parte, pela sua qualidade e pelo seu mérito, mais do que um pedido de esclarecimento.
Em primeiro lugar, no que diz respeito ao papel da Assembleia da República e do Governo no tratamento da crise do Golfo, há dois aspectos a considerar: o primeiro, como muito bem teve ocasião de dizer, é que os meios devem ser correlativos com a posição e com os fins, e por isso não tinha sentido que, em Portugal, se desse a esta questão o relevo da utilização de grandes meios, num momento em que ainda tem de haver, por parte da posição portuguesa, quer do Governo, quer da Assembleia da República, quer dos partidos políticos, suficiente liberdade de interpretação e de intervenção, liberdade essa que é dependente dos compromissos publicamente assumidos.
Por outro lado, não tem sentido, como alguns dos Srs. Deputados da oposição fazem, citando o exemplo inglês, querer que o Governo se comporte em relação à Assembleia como o Governo Inglês faz em relação ao Parlamento Britânico, porque a relação entre o Governo e a Assembleia depende dos mútuos poderes e, quer se queira quer não, no sistema político português o Parlamento não tem com o Governo o mesmo tipo de relação que existe no Parlamento Inglês.
E se se pretende que o Governo tenha em relação ao Parlamento Português a atitude que o Governo inglês tem em relação ao Parlamento Inglês, é necessário que se pense em outros aspectos da vida parlamentar e, em particular, naquele que dá aos deputados um acrescento de poder político real num sistema parlamentar, que é a alteração do sistema eleitoral.

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Pretendemos fazê-lo, mas o PS não permitiu que essa alteração se fizesse e, portanto, as relações entre o Parlamento e o Governo estão condicionadas pelas relações de poder existentes e inscritas no sistema político português.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Se alguém as pretendeu alterar no seu sentido real fomos nós, e é pena que tal não tenha sido feito.
Em relação à substância do discurso do Sr. Deputado Jaime Gama, penso que ele terá sido o último a surpreender-se com os aplausos que recebeu do PSD, porque sabe o que disse e contra quem o disse.
Isto é uma Câmara política onde estas questões têm de ser discutidas não apenas pelo seu mérito e elevação própria, mas também em função do seu significado político real.
O Sr. Deputado Jaime Gama fez uma intervenção que tem mérito essencialmente por ser uma intervenção individual, que corresponde a posições e atitudes que têm sido assumidas individualmente e que, se não fosse a situação de crise no interior do PS, não poderiam ter sido aqui expressas, uma semana depois do discurso do secretário-geral do PS, porque, em muitos aspectos, são substancialmente contraditórias com esse discurso. Vejamos, entre outras, o papel do Governo e da Assembleia na crise do Golfo.
No que diz respeito a outros aspectos da sua intervenção, sem dúvida, Sr. Deputado Jaime Gama, que fez aqui uma teorização parcialmente aceitável da posição do Governo. Mérito seu!
Mas há um mérito que o Sr. Deputado tem de reconhecer que é, talvez, anterior a essa teorização: quando diferentes opções políticas se colocavam, o Governo tomou as decisões justas.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador:-Esse mérito de decidir tem um relevo próprio que nenhuma teorização, a posteriori, pode esconder, seja qual for o mérito dessa teorização, ...

Aplausos do PSD.

... porque cia não teria fundamento se não correspondesse também a decisões quotidianamente tomadas.
Como se sabe, em política, o mais difícil não é teorizar mas, sim, decidir, porque a decisão põe-se perante opções contraditórias, cujos caminhos não podem ser controlados de antemão e ela é, talvez, a mais difícil das capacidades.
Portanto, reconhecendo-lhe o mérito da teorização, ambos reconhecemos também o mérito das tomadas de decisões que levaram a que a posição do Governo Português possa assim ser objecto deste merecimento por parte de um ilustre deputado da oposição. Não quererei, estando de acordo consigo, ir mais longe no reconhecimento desse merecimento.
No que diz respeito às posições substantivas do seu discurso, refiro que, no essencial, há três que são sibilinamente colocadas, como, aliás, é seu costume, sendo duas delas directamente contraditórias com aquilo que tem sido a política do PS.
A primeira diz respeito às tendências ultra-intervencionistas. Sei que hoje, em Janeiro de 1991, não é uma posição ultra-intervencionista que caracteriza a posição do PS.
Ainda bem! Evoluiu no justo sentido!

Mas a posição inicial do PS na crise do Golfo era francamente ullra-intervencionista -para utilizar o seu termo -, quando pedia que Portugal interviesse no conflito, que enviasse imediatamente meios navais - e isso foi feito em conferências de imprensa e em tomadas de posição formais e oficiais do Partido Socialista.

O Sr. José Silva Marques (PSD): -Exacto!

O Orador: - Compreendo, pois, a quem se dirige na sua intervenção.
Quando refere as consequências da crise no Golfo para o processo político europeu, também não é para o Governo nem para o PSD que o Sr. Deputado fala, uma vez que não fomos nós que defendemos a pressa em caminhar em direcção à união política da Europa porque tínhamos consciência de que as condições políticas, as formas e os meios em que essa união política era proposta muito dificilmente correspondiam a uma apreciação realista da evolução do entendimento entre as nações da Europa, como também, ao se acelerar esse processo, corresponderíamos a interesses que não eram os interesses nacionais no caminho para a união política da Europa. E quando o Sr. Deputado diz que a crise revelou que a aceleração do processo da integração política da Europa mostrava, como em muitos dos seus aspectos, que se teria de ir não só por outro caminho mas também utilizando outros instrumentos, deu-nos razão e falou, no fundo, contra quem, no ano anterior, andou seis meses a querer acelerar o processo, em termos e formas que hoje estariam francamente postas em causa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Anoto, também de passagem, a sua sibilina afirmação sobre a convergência institucional, sobre a égide do Presidente da República. Não queremos aqui entrar num conflito nem numa competição de competências e de égides entre os diferentes órgãos de soberania, porque, em termos constitucionais, sabemos qual é a responsabilidade efectiva de cada um, e congratulamo-nos com que todos se entendam, neste momento difícil da cena internacional, para levarem a bom termo a posição portuguesa e os interesses nacionais.
Portanto, talvez não seja bom estar a criar égides, pilares ou hierarquias mas, sim, a valorizar o entendimento e a solidariedade institucional entre todos.
Por último, quanto ao que disse sobre a guerra propriamente dita, devo dizer que estou de acordo que a guerra não pode nem deve ter qualquer espécie de objectivo territorial por parte de qualquer dos Estados envolvidos uma vez que, a acontecer, seria a criação de uma nova violação do direito internacional e retiraria toda a justeza, em sentidos político e filosófico, que este conflito possa ter, pequena que seja a juste/a de qualquer guerra.
No entanto, já terei mais dificuldade em admitir que, numa reflexão sobre a guerra, nomeadamente sobre esta, este seja um conflito fora de tempo.
Penso que devemos ser lúcidos e realistas e perceber que, infelizmente, este é um confluo bem do tempo, que apanhou a comunidade internacional entre o fim de um conflito anterior e a recomposição de uma ordem internacional, aproveitando a circunstância de o mundo não se ter transformado - como penso que as nações devem desejar e trabalhar para isso- num mundo multipolar, mas ser ainda um mundo fragmentado. E, desse ponto de vista, o risco do conflito no Médio Oriente é correlativo do risco da situação que hoje se vive na União Soviética.

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Não podemos deixar de associar os dois elementos, os dois conflitos, porque a «janela de oportunidades» para uma regressão da situação na União Soviética está directamente associada ao conflito no Médio Oriente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A reposição da ordem internacional, realizar-se-á quando o Iraque deixar de ocupar o Kowait, mas a verdade é que as nações que respeitam o direito internacional têm um problema suplementar, que não se resume apenas à retirada do Kowait: o de impedir a emergência de nações agressivas, dotadas de meios tecnologicamente desenvolvidos, com capacidade de utilizar armamento químico, bacteriológico e, a prazo, armamento nuclear e que, acima de tudo, revelam na sua política externa não ter auto-restrição à utilização deste armamento não convencional. Como esse conflito subsiste para além do problema da invasão do Kowait tem de haver uma resposta internacional à emergência deste tipo de nações que, efectivamente, colocam em causa a paz, não apenas a nível regional mas a nível mundial.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Informo a Câmara que se encontram inscritos para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Jaime Gama e Marques Júnior e aproveito para lembrar os grupos parlamentares de que o excesso de tempo utilizado está a ser abatido ao tempo atribuído mensalmente para o período de antes da ordem do dia.

Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vejo-me obrigado, no procedimento regimental, a pedir alguns esclarecimentos ao Sr. Deputado Pacheco Pereira para exprimir algumas discordâncias com a intervenção que acaba de produzir.
Sr. Deputado Pacheco Pereira, não vou envolver-me na tematização das divergências de pontos de vista, não penso que elas existam, o que existe da parte do PS, como lhe disse, é um desejo de tematizar e de orientar a intervenção de Portugal na crise em dados razoáveis e, sobre essa matéria, praticar, no quadro próprio -a Assembleia da República- a convergência institucional. Vejo apenas isso, vejo que está presente desde o início e também que o mérito do que disse não é o da teorização sem a decisão, mas, sim, o de ter contribuído, em vários locais próprios, sem a encenação pública da sustentação dessas posições, para uma convergência e harmonização da intervenção portuguesa a propósito deste problema.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: -Ficou claro, desde a altura, que o Partido Socialista não tinha uma posição intervencionista e que as vozes que se ouviram a esse propósito eram individuais,...

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Formais!

O Orador: -... que não são o exclusivo do Partido Socialista mas fazem parle hoje de uma aculturação política das organizações europeias,...

O Orador:-... a que lambem não escapa o partido de VV. Ex. ª

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Isso não, porque não pertencemos à Internacional Socialista!

O Orador: - Portanto, isso não vos confere o direito ilimitado de proferir um julgamento de culpabilização exclusiva sobre o Partido Socialista.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto às consequências da crise para a Europa, nós hoje em matéria política somos, porventura, mais gradualistas e menos esquemáticos, mas o Partido Social-Democrata, a este propósito, também não é, digamos, menos surpreendente. Por exemplo, em relação a esta temática da defesa europeia, o mesmo Ministro dos Negócios Estrangeiros que começou por quase argumentar contra a integração de Portugal na UEO, o mesmo Governo que na fase da colagem thatcheriana era extremamente adverso de uma política externa e - ó céus!... - de uma política de defesa europeia, ainda na semana passada, pela voz do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, veio aqui assumir publicamente, em nome do Governo, a defesa da Europa da Defesa, a apologia da Europa da Defesa, o que manifestamente representa, a este propósito, uma grande deriva intelectual e política e uma certa falta de coerência e de rigor.
Também a este propósito não podemos só ver na bondade do Governo, na posição do Governo, os méritos da bondade da sustentação de uma posição, porque, por exemplo - e não vou especular muito sobre esta matéria -, no decurso de uma crise como esta é o próprio partido de VV. Ex. ª que sustenta a razoabilidade da diminuição imediata do tempo de duração da prestação de serviço militar obrigatório.

O Sr. José Silva Marques (PSD): -Não!... Isso é muito fraco!

O Orador: - E V. Ex. ª, enquanto existe a crise no Golfo, com todos os problemas internacionais inerentes, se transforma também num dos grandes apologistas da realização imediata da amnistia.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Ou seja, a este propósito, temos de ter alguma cautela em nos transformarmos em julgadores universais da bondade dos posicionamentos de cada qual.
Queria terminar reiterando novamente, perante o Plenário, a constante disponibilidade do PS para uma harmonização institucional.
A este propósito, fiquei sem perceber se a referência de V. Ex. ª ao papel do Presidente da República era para começar sendo um distanciamento em relação à minha intervenção e acabar em mais uma concordância ou se revelava uma discordância de fundo, mas gostaria de dizer-lhe que reitero a minha noção - e aqui divergimos - de que este é um conflito fora de tempo, ...

O Sr. José Silva Marques (PSD): - São todos fora de tempo!

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Ah!... Isso está bem!

O Orador: -... ou seja, culturalmente, naquilo que hoje marca o...

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jaime Gama, segundo o combinado, eu cortaria a palavra ao fim dos cinco minutos...

O Orador: -... e da União Soviética nova, este conflito n3o é perspectivado, equacionado ou julgado, como o foram outros anteriores. E é, porventura, só a noção de que ele é um conflito anacrónico, isto é, que não deve ter lugar nem deve poder ser repetido, que perspectivará uma intervenção correcta quanto ao próprio uso limitado da força e quanto às saídas e às soluções construtivas que ele, pela sua gravidade, merece. Não devemos deixar que seja o conflito a determinar as soluções do conflito mas a razão, a serenidade e uma perspectiva justa e sã sobre as relações internacionais no mundo moderno em que queremos viver.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PRD):-Srs. Deputados, peço desculpa por intrometer-me entre o PS e o PSD, mas há uma questão, aqui muito ligeiramente aflorada, em que aparentemente existe alguma dessintonia entre aquilo que disse o PS e a intervenção do Sr. Deputado Pacheco Pereira. É essa questão que eu gostaria de ver melhor esclarecida.
Para além das questões partidárias que em ambas as intervenções vêm ao de cima, o que é perfeitamente salutar e próprio de um debate desta natureza, subsistem grandes questões sobro as quais existe uma enorme solidariedade institucional.
A intervenção do Sr. Deputado Jaime Gama, como já salientaram nesta Câmara, foi de grande nível e de grande sentido de Estado, tendo a intervenção do Sr. Deputado Pacheco Pereira ido no mesmo sentido. Ambas salientaram os méritos que cabem, nesta situação, às instituições portuguesas. Aliás, o Sr. Deputado Pacheco Pereira disse uma coisa que me parece importante sublinhar, até mesmo por um elemento da oposição, uma vez que, independentemente das posições partidárias sobre esta situação, os méritos desta situação cabem ao Governo pela sua capacidade de decisão e não por se ficar por uma análise pura e simples daquilo que poderia ou deveria ser dito.
No entanto, o Sr. Deputado Pacheco Pereira levantou a questão, que me levanta dúvidas e sobre a qual me quero concentrar, da participação do Parlamento no debate desta problemática - aliás, o mérito destas decisões do Governo, para as quais não encontro uma explicação mas que, sociologicamente, deve existir, vai um pouco contra uma certa corrente do jogo segundo a qual haveria lobbies que pressionavam ou podiam pressionar o Governo para que tomasse posições no sentido de uma participação mais activa na guerra do Golfo.
O Sr. Deputado Jaime Gama não disse que o Parlamento não deveria participar mas, sim, que o Parlamento poderia participar, atendendo naturalmente aos próprios limites e à dimensão da nossa participação.
Apesar disso, creio que se subentende daquilo que disse que era interessante, havia lodo o interesse, até para fortalecer este sentido de solidariedade institucional que é fundamental para a afirmação da democracia e para o prestígio dos vários órgãos de soberania, em que o Parlamento participasse com o Governo num debate sobre a crise do Golfo e a nossa participação nela.
Quanto a mim, essa ocasião não seria aproveitada no sentido de fazer deste debate uma qualquer chicana política mas, sim, para sublinhar, em sede do Parlamento, uma solidariedade institucional e um momento de coesão nacional, que é importante ter, numa guerra que sabemos como começou mas que não sabemos como vai terminar.
No entanto, pareceu-me que o Sr. Deputado Pacheco Pereira na sua intervenção desvalorizou o mérito dos deputados portugueses para fazerem este debate quando o comparou com os debates no Parlamento Inglês e ao parecer reconhecer uma legitimidade acrescida aos deputados ingleses... Não posso deixar passar isto em branco porque creio que o deputado português tem a mesma legitimidade que qualquer outro para, em sede do Parlamento Português, fazer aquilo que entende e que é a sua própria missão. Creio que essa situação invocada pelo Sr. Deputado Pacheco Pereira não deve, de todo em todo, ser considerada. Aliás, eu não estou a desejar que o Parlamento exorbite da sua própria função mas, sim, que assuma, por inteiro, a sua própria função. Fiquei com a impressão de que esta situação não foi considerada pelo Sr. Deputado Pacheco Pereira.
Para terminar, Sr. Deputado Pacheco Pereira, faço-lhe a seguinte pergunta: Não acha que seria útil para a (ai solidariedade institucional, para a coesão nacional, que tivesse lugar no Parlamento Português um debate, dentro dos limites que comporta o nosso tipo de participação e com os objectivos que têm sido reiteradamente afirmados pelos vários partidos, com a participação do Governo no sentido de poder sair reforçada uma solidariedade institucional que se deseja permanentemente reafirmada, nomeadamente num assunto como a crise do Golfo que, tal como afirmei, sabemos como começou mas não sabemos como terminará?

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não poderei tratar de todas as questões com o relevo que algumas merecem mas gostaria de concentrar-me em duas ou três.
Não compreendo como é que o Sr. Deputado Jaime Gama, que -penso- não partilha tanto como o resto do PS do mesmo optimismo antropológico, mais ou menos progressista, que é um dos fundamentos filosóficos do socialismo, pode dizer que este conflito é anacrónico quando, infelizmente para todos, do ponto de vista descritivo e sem fazer qualquer juízo de valor, os conflitos e as guerras têm sido uma constante da vida dos homens.
Assim, a acusação de anacronismo a este conflito em particular é inteiramente contraditória com o princípio da sua justificação. Se se pretende que a justificação deste conflito é a reposição do direito internacional, então este é, talvez, o menos anacrónico de todos os conflitos. Portanto, há aqui uma contradição que eu não consigo compreender.
Aliás, olhando-se para o estado do mundo evidentemente que o conflito que opunha os dois blocos tinha índices de perigosidade - se é que estas coisas se podem medir, visto que a morte dificilmente tem medida- que não se comparam com o conflito do Golfo. Mas a verdade é que, olhando para a África, para a América Latina, para o concerto das Nações, as fontes de conflito permanecem, não direi iguais às que existiam há 40 anos no pós-guerra, mas, em muitos casos, intactas.

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Se nós não descobrirmos para este conflito a maneira de, em termos internacionais, encontrar um mínimo de ordem internacional, de princípio de intervenção internacional - chamemos-lhe polícia do mundo internacional para utilizar o termo mais vulgar-, se da délente não nasce no concerto das Nações uma possibilidade de haver meios e formas de intervir nestes conflitos, então não há qualquer alteração qualitativa na evolução dos últimos anos e só teremos que esperar meia dúzia de anos até se repor no mundo uma situação idêntica àquela que existia até há cerca de dois anos.
Portanto, confesso que não compreendo a caracterização que faz deste conflito face, por exemplo, a uma África cheia de conflitos, de uma ponta à outra, e com um problema potencial de destruição maciça de recursos através de guerras civis que a colocou a níveis de desenvolvimento inferiores aos que tinha aquando da descolonização; face ao agravamento dos problemas em muitas zonas do Médio e do Próximo Oriente eu não compreendo como se pode pensar ter entrado no período kantiano da paz perpétua...!?
No que diz respeito ao papel desta Assembleia, eu não pretendi dizer que os deputados portugueses tinham menos poder ou menos legitimidade do que têm os ingleses, apenas digo que no figurino de relações entre o Parlamento e o Governo quanto às formas dos contactos, à intensidade desses contactos, aos mecanismos que materializam a relação parlamentar quotidiana entre o Parlamento e o Governo, nós estamos sujeitos àquilo que é a coerência global do nosso sistema político, que define poderes e meios de intervenção relativos a cada uma das partes.
E sobre esse ponto de vista continua a parecer-me que a alteração do sistema eleitoral, diminuindo o peso dos partidos no poder dentro do Parlamento e reforçando o poder dos deputados, individualmente considerados, dá-lhes uma autoridade própria que não passa apenas pelos mecanismos partidários face ao Governo mas cuja contrapartida é uma relação mais constante, mais quotidiana do Governo com o Parlamento do que acontece nos países onde existem regimes eleitorais diferentes do português.
Seja-me permitido chamar a atenção de VV. Ex. ª de que não é correcto afirmar-se - o que por se repetir se está a tornar verdade e não é! - que o figurino do nosso tratamento da questão não seja comum a outros parlamentos europeus e não seja diferente dos parlamentos em que, havendo tropas no cenário de guerra, aí sim, debates muito mais exaustivos foram feitos em sede parlamentar.
Assim, nós não estamos a proceder diferentemente do que acontece em muitos outro países da Europa que estão colocados exactamente na mesma situação. E o que nós combatemos no excesso... Não estou a dizer que não se venham a revelar circunstâncias em que o Governo deva vir ao Parlamento discutir a questão do Golfo mas sim que devemos - todos! - combater a tendência para uma dramatização interna da situação do Golfo que não é justificável nem pelos efeitos que o conflito tem em Portugal nem sequer pelo grau de intervenção e muito menos pelas posições que internacionalmente tomámos nesse conflito.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os 12 dias completos decorridos desde que os Estados Unidos iniciaram as operações de guerra contra o Iraque permitem já testar as ideias-força que balizaram a situação.
É certo que na prática pouco ou nada se sabe do teatro das operações. Sobre a guerra só é dito e mostrado o que as autoridades político-mililares querem e deixam. Em vez de informação total e em directo talvez se possa afirmar que nos tempos modernos nunca se soube tão pouco sobre uma guerra em curso. Nunca autoridades de guerra lograram orientar os fluxos informativos, como o estão a fazer, de acordo exclusivamente com os seus interesses.
Apesar deste quase black out informativo que emerge da monumental encenação veiculada através da CNN, há o que não é possível esconder. E desde logo, ao contrário do que foi propalado na manhã de 17 de Janeiro, tudo aponta para que, a manter-se, a guerra será mais longa e mais sangrenta. O tempo da guerra traz à superfície duas questões.
Por um lado, evidencia as subidas de patamar nos objectivos dos Estados Unidos. Primeiro foi a defesa da Arábia Saudita. Depois a libertação do Kowait. Agora é a própria sobrevivência do Iraque. Adivinha-se a seguir o controlo e policiamento da zona, designadamente através da manutenção de corpos de forças armadas. James Baker chegou a dizê-lo nas Comissões de Relações Externas do Congresso, afirmando que a estabilidade «pressuporia, naturalmente, uma prolongada presença militar americana na região».
Analistas há que atribuem aos Estados Unidos um objectivo mais vasto. Fundando-se em declarações do próprio Presidente Bush que desde Agosto inseriu as operações no quadro de uma «nova ordem mundial», a guerra «representaria para a América a oportunidade de edificar um novo sistema de relações internacionais destinado a substituir o defunto equilíbrio bipolar da guerra fria». Um novo sistema dependente da «liderança americana», imposta pela violência de um castigo exemplar ao primeiro prevaricador que apareceu.
Nesta sucessiva subida de patamar, os fundamentos jurídicos e éticos da operação ficam a descoberto. Nem a defesa dos direitos humanos de um povo, como o do Kowait, que antes da invasão vivia uma ditadura semifeudal; nem a garantia da aplicação das resoluções da ONU, que têm sido precisamente os Estados Unidos a desrespeitar com frequência (e de que é exemplo, na zona, o apoio a Israel e à ocupação dos territórios ou, fora da zona, o caso que tanto nos toca de Timor); nem a garantia de independência de um Estado, coisa que deveria merecer algum pudor particularmente vindo de um que ainda há um ano invadiu o Panamá, numa operação que custou a vida a cerca de dois mil cidadãos, entre militares e civis.
Vistos à luz deste tempo de guerra os cinco meses e meio decorridos desde 2 de Agosto foram o tempo de preparação da guerra, que os Estados Unidos erigiram em objectivo último e que prosseguiram, passo a passo, com determinação e sem folgas.
O embargo, com as «sanções mais duras e mais completas jamais impostas a um país» (como as qualificou Ignatio Ramonet, no Monde Díplomatique de Janeiro), foi deliberadamente abandonado antes de ter tempo para produzir efeitos.
As frestas negociais que se abriam foram rapidamente fechadas, sem serem exploradas e desenvolvidas. A iniciativa francesa com que se concluiu o período de ante-guerra obteve do Presidente Bush como resposta um rotundo não. Tratava-se de uma iniciativa de inegável significado. Foi o último esforço de um país europeu com uma larga história comum com países árabes, de um poderoso país europeu, membro da NATO, da UEO, da

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CEE, de um país que está na guerra. Alguém dirá aqui. na Assembleia da República, que se esperava que a iniciativa de um país como a Fiança Tosse tratada como o foi?
A outra questão, que o tempo de guerra evidenciou, tem a ver com a reacção das Nações Unidas e do mundo islâmico. Como era previsível, a rede de apoios e compromissos que as potências ocidentais encontravam na zona vai-se rasgando à medida que a opinião pública da região vai aumentando a sua pressão contra a guerra. Refiro-me às posições assumidas na Tunísia agora já pelo Presidente Ben Ali; na Argélia, pelo próprio Presidente Chadli Benjedid; em Marrocos, onde o Rei Hassan II decreta o «dia de descanso» para o próprio dia da greve geral convocada pelas centrais sindicais; às posições já conhecidas da Líbia e da Mauritânia; ao deslizamento da posição das autoridades iranianas; à pressão da opinião pública jordana e até egípcia.
Defrontando o Iraque no terreno militar, os Estados Unidos fazem emergir os sentimentos de orgulho e coesão de culturas milenárias tocadas e enformadas peto monoteísmo maometano. A guerra desenrola-se, para os Estados Unidos, sobre poços de petróleo e, para os árabes e islâmicos, sobre os lugares sagrados onde viveram e morreram os fundadores.

Vozes do PCP: -Muito bem!

O Orador: - A prevenção linha sido feita-mesmo Franck Carlucci disse que «a guerra provavelmente criará mais problemas do que os que resolverá». Já foi escrito que os Estados Unidos se colocaram com a guerra na posição de terem uma vitória militar incerta e longínqua mas uma derrota política certa e de curto prazo, o que significa -e essa é a conclusão que importa realçar- que o bom senso aconselha a reflectir sobre o pós-guerra possível, porque 6 dessa reflexão que se pode tirar a melhor linha de rumo para o momento presente.
Já se perguntou: quem é que, sem serem os fabricantes e negociantes de armas, sabe o que é e que condições tem para alcançar uma vitória?
Vale a pena reproduzir o que foi escrito por um analista: «Alguém se dispõe a anunciar o que pretende fazer com as ruínas do Iraque, com o destino dos palestinianos, com as fronteiras de Israel, com a Intifada, com os emires do Kowait, com o exército sírio, com o Líbano, com a sociedade feudal da Arábia Saudita, com os xiismo iraniano, com a presença de contingentes estacionados na zona?» E mais: «Esta guerra não será assim estupidamente inútil, tão inútil que pouco tempo depois de acabar, outra não lerá de começar pelas mesmas razoes, com os mesmos actores, mas agora em papéis diferentes, em que os amigos de hoje serão os Iraques de amanha?»

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!

O Orador:-Pergunto mais: para quê tantas e tantas vítimas, como de certeza já há em consequência dos bombardeamentos maciços das mais de 20000 operações aéreas já realizadas? Há duas coisas seguras quanto às consequências da guerra: o petróleo, que se pretende controlar, vai continuar no subsolo das nações árabes e para quem lhe quiser aceder com segurança e justiça tem de negociar, porque não vai ser a guerra a eliminar as causas profundas da instabilidade, pelo contrário!

Por outro lado, a recessão da economia americana pode ser conjunturalmente atenuada com as encomendas às fábricas militares, como, aliás, as subidas de cotação na bolsa dessas empresas já demonstraram, mas os problemas estruturais da economia americana, incluindo a dívida, não se resolverão com esta guerra. Os Estados Unidos continuarão em perda face a uma Europa centrada na poderosa Alemanha do marco e face ao Japão exportador de mercadorias, capitais e inovação tecnológica.
Simultaneamente, e ao contrário do que dizem alguns endeusadores da União Política, a Europa pode sair prestigiada desta situação. É certo que a Inglaterra fez o que se esperava; que a França, como se esperava e apesar das hesitações e distancias, não podia deixar de fazer de conta que fazia como a Inglaterra; que a Itália se pôs em bicos de pés. Mas os outros 29 países europeus deram sinais claros de ponderação, bem justificada, aliás, pois os EUA põem o oceano Atlântico entre si e a guerra, mas para os europeus a Arábia entra portas a dentro.
É preciso dizer com clareza que a guerra deve parar!

Aplausos do PCP.

E deve parar em nome dos interesses da região, em nome dos interesses da comunidade internacional, em nome do interesse da própria resolução do conflito.
Os apelos e propostas negociais multiplicam-se e não só na voz de centenas de milhares de manifestantes, que prenunciam uma nova postura ética. Os apelos e propostas vem de países em concreto: há uma proposta da União do Magrebe Árabe; há a proposta do Irão; há o apelo do Papa, que pede aos «responsáveis» que «abandonem o mais depressa possível uma solução que é indigna para a humanidade» - não se suspeitará, com certeza, que por causa deste apelo o Papa sofra de antiamericanismo ou de pouca firmeza na condenação do Iraque e da invasão e anexação do Kowait!...
Esses actos do Iraque, como outros que vem tomando, são condenáveis, absolutamente condenáveis, à luz do direito internacional, das regras básicas da convivência que devem pautar as relações entre os Estados. Esse acto dilacerou e dividiu as nações árabes e a Liga Árabe, de que hoje se fala de menos. Esse acto irresponsável desencadeou tempestades, deu espaços e pretextos, previsíveis, para a escalada a que se chegou.
Mas a condenação deste acto não pode ser desligada da condenação de iodos os actos que no seio do mundo árabe constituem grosseiras violações do direito internacional e dos direitos do homem. O linkage é não só possível, é não só admissível, mas necessário e imprescindível, sendo uma condição sine qua non da pacificação da situação.
Calcula-se que desde o começo da Intifada, os palestinianos sofreram 1250 mortos, tiveram 94 000 feridos, tom 66 000 prisioneiros em campos de detenção. É um clamor que se ouve suficientemente bem e que reclama uma resposta urgente, que reclama justiça. Israel tem de cumprir as resoluções da ONU. E isso tem de ser feito agora no quadro da solução da crise. A quem refere que estabelecer esta ligação seria ceder, é preciso responder que com esse argumento o que se visa é impedir a solução e prosseguir a guerra.
Têm dito alguns que o direito internacional poderia sair robustecido desta crise por ela significar determinação em aplicar resoluções da ONU. A esses é preciso observar que se a aplicação do direito internacional for conduzida com dois pesos e duas medidas, se depender dos interesses conjunturais de uma qualquer potência dominante então o direito internacional sairá não robustecido mas enfraquecido e assemelhar-se-á a um «direito do mais forte».

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A ONU não pode ser sujeita a este vexame, sob pena de ser desacreditada aos olhos dos povos e dos países mais Traços, não só pelo que não faz mas também pelo que faz. Sc assim sucedesse, a própria estrutura da ONU seria questionada... e com fundamentos razoáveis, se nos lembrarmos de que nos membros permanentes do Conselho de Segurança não há qualquer país que se situe abaixo do Trópico de Câncer, qualquer país da América Central ou do Sul, das Caraíbas, de África, do Médio Oriente, da Oceânia.
O fundamento de uma nova ordem política à escala internacional tem de estar no reforço das regras de respeito e conveniência mútua sem discriminações, na instauração da justiça, na solução adequada dos contenciosos que permanecem ou emergem. É certo que as relações internacionais se pautam por interesses, mas há-de ser sinal de progresso da Humanidade fundamentá-las numa ética e numa racionalidade próprias da sociedade humana neste final do século XX.
A justiça desejável passa também, como tem sido sublinhado, pela instauração de uma nova ordem económica internacional. O terrível fosso entre as sociedades industrializadas e o Terceiro Mundo, simbolicamente transportado para a divisão Norte-Sul é o maior desafio que se coloca às forças de progresso neste início do século XXI. Mas essa justiça, essa nova ordem pressupõe um mundo multipolar, fundado na consagração de sistemas regionais de cooperação e segurança. A paz imposta, a paz assegurada pela potência imperial não seria uma paz justa, mas uma espécie de ditadura universal que provocaria novos conflitos e seria fonte de novas injustiças.
Portugal, junto do mundo árabe, tem estrita obrigação de desempenhar o relevante papel de ser ponte de culturas, protagonistas de distensão e de cooperação. A grave crise que a Humanidade enfrenta nesta zona do globo só pode ser vencida no quadro de negociação, da realização da esperada conferencia internacional, da institucionalização de um sistema de segurança e cooperação no Mediterrâneo, da projecção deste sistema para lodo o Médio Oriente.
Portugal pode e deve desempenhar um activo e relevante papel, mas o que e preciso, o que é urgente, é que a guerra pare!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Ainda para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em face da intervenção do Partido Social islã nesta sessão, nós. Deputados do CDS, pensámos que, da nossa parte, aquela exigia mais do que a mera colocação de uma pergunta ao deputado que interveio. Só por isso solicitei a palavra para fazer esta intervenção, na qual vou tentar abordar apenas os pontos que considero fundamentais.
Em primeiro lugar, quero realçar o facto de que o nosso regime político está a assistir a uma experiência cheia de interesse, provavelmente útil e que merece ser seguida com atenção.
Por um lado, este conflito do Golfo determinou, da pane do Governo, uma tentativa de reorganização do processo de produção dos actos de inteligência. Foi por isso que não apenas procurou introduzir uma outra disciplina nas relações das comissões parlamentares com membros do Governo, como foi suscitada a criação de uma comissão especial.
Para além disto, o próprio Ministério da Defesa organizou um grupo de reflexão estratégica em que estão representadas todas as correntes políticas portuguesas, no seio do qual essa experiência está a decorrer frutuosamente, conduzindo, geralmente, a orientações que são a expressão de uma grande convergência relativamente ao essencial.
Mas, por outro lado, no que loca ao processo de formação de actos de vontade política, estamos a mergulhar numa perplexidade que é a de saber quais são, para a espécie de regime que temos, as relações mais apropriadas entre o Governo e a Assembleia da República.
Assim, julgo que merece alguma consideração esta diversidade de atitudes que podemos detectar na evolução do nosso regime. É que não tenho encontrado fundamento para a circunstância de se afirmar que um debate na Assembleia da República, com a presença do Governo, poderia provocar um alarme desproporcionado acerca do empenhamento de Portugal e dos riscos que devemos correr.
Em primeiro lugar, recordo-me do conceito de Péricles segundo o qual «o discurso não entrava a acção». E isto era afirmado por quem, tendo responsabilidades políticas, era comandante-em-chefe dos exércitos há muitos anos.
Em segundo lugar, julgo que não temos meditado suficientemente sobre a forma de falar ao público que é a do silêncio do poder.
O silêncio do poder é uma forma tão importante de o poder se dirigir à opinião pública como o é o discurso. Este silêncio hoje contrasta com a circunstância de lermos a opinião pública mundial condicionada por uma organização estritamente dependente da coligação presente no Golfo. E é em função dessa informação constante que se forma a opinião pública.
Em face disso, sugiro que talvez fosse oportuno meditar sobre a importância que pode ter o silencio na dramatização das situações.
Por outro lado, também julgo que é exagerado falar em dramatização do problema pelo simples facto de o Governo comparecer perante a Assembleia da República, quando ele anuncia a criação de um gabinete de crise, quando sabemos que esse Governo está debruçado sobre os problemas suscitados pelo conflito, quando vemos que o método da conferência de imprensa se acelerou para manter a opinião pública informada.
Pelo contrário, tenho a impressão de que o regime político emanado desta Constituição passaria por uma prova de consolidação se, em face de um desafio (Tio grave paru a ordem internacional, pudesse mostrar-se, na Assembleia da República, a convergência institucional de que se dá notícia, porque se manifesta discretamente, nas comissões tradicionais, na comissão adrede organizada ou no grupo de reflexão estratégica criado pelo Sr. Ministro da Defesa.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, continuo a entender que seria oportuno e, necessário um debate na Assembleia da República. É que estou convencido de que, nas circunstâncias actuais do País, esse debate não embaraça a acção.

Uma voz do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, os comentários que desejo fazer a propósito da intervenção do Partido Socialista proferida hoje, mais uma vez, vão dar-me ocasião de dizer que estou de acordo com a política que o Governo tem seguido nesta matéria.

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Esse meu acordo, justamente, é o que suponho que me dá mais autoridade para afirmar que é necessário o debate na Assembleia da República.
Igualmente o considero necessário porque não concordo com a qualificação desta guerra como sendo «fora do tempo». Julgo que esta não é uma «guerra fora do tempo», mas que é o combate de uma longa guerra.
Penso que este combate pertence a uma guerra que pode ter tido o seu início quando Mussadegue tomou o poder. A crise por ele desencadeada vem analisada pelo Xá da Pérsia nas suas memórias, livro ao qual talvez deva ser prestada alguma atenção, dado ter sido escrito quando ele sabia que estava para morrer. Ora, de acordo com a nossa cultura, costumamos admitir que um homem prestes a morrer diz exactamente aquilo que pensa.
Assim, analisando o livro, verificamos que o Xá da Pérsia não deixa de atribuir aos interesses ocidentais ligados ao petróleo toda a trama política que, pelos caminhos inesperados do imprevisto, entregou um excelente exército às mitos do fundamentalismo.
O que fez então o Ocidente? O Ocidente aliou-se ao Iraque para combater o perigo do fundamentalismo, cujos medos não devem ser esquecidos. E o que fizemos? Dominámos o fundamentalismo e transformámos o aliado ocasional num poder militar alarmante, criado, do ponto de vista material, pelos interesses económicos ocidentais e. do ponto de vista político, pelas necessidades de dominar o fundamentalismo do Irão.
E que estamos nós, ocidentais, a fazer agora? Com um instrumento formal ou sem ele, estamos a criar um aliado -que é a Síria -, poder que, historicamente, demanda a hegemonia naquela região.
A este propósito, talvez não devamos esquecer-nos do que aconteceu ao Líbano. Este país, que era chamado de cristãos, deixou de o ser porque estes foram extintos pelo processo rápido da eliminação violenta. E talvez este combate desta longa guerra termine com um poder dominante do aliado deste combate, que venha a exigir, novamente, a tomada de medidas extraordinárias por parte da comunidade internacional.
É por isso que não concordo com a amenização do problema. Não concordo com tornar mais suaves as circunstâncias ou as análises. Parece-me que este é um combate de uma longa guerra.
Atrever-me-ia a ir um pouco mais longe para afirmar que se trata de uma guerra que é um afloramento dramático das que temos tido - e, desde a paz de 194S. todas pareciam fora de tempo. Tivemo-la na Coreia, tivemo-la no Vietnam, tivemo-la no Afeganistão, têmo-la no Médio Oriente. Trata-se de alguma coisa que diz respeito ao sul e ao norte do mundo, tal como dizia Paulo VI, quando nos avisava que um dia haveríamos de ter medo por não termos decidido a tempo o conflito que se desenhava.
Por estas razões, também eu próprio, perante a enormidade da ameaça, condeno todos os entusiasmos intervencionistas e aprovo a ponderação do Governo.
Já tive ocasião de dizer - e repito - que o cavaleiro da triste figura passou à Historia porque confundiu os moinhos de vento com gigantes. É mais grave confundir gigantes com moinhos de vento e suponho que é este o erro em que caem os entusiastas do intervencionismo.
Aquilo a que assistimos neste momento e que considero extremamente preocupante é que os objectivos desta intervenção militar - problema que aqui foi trazido - não são de tranquilidade. Não podemos referir-nos apenas às declarações das Nações Unidas.
Na verdade, já lemos, pelo menos, três declarações de objectivos: lemos a primeira declaração das resoluções do Conselho de Segurança - intervenção para libertar o Kowait; temos a organização da operação que se chama «Escudo do Deserto», quer dizer, defesa contra uma agressão imputada ao Iraque em relação à Arábia Saudita; temos a declaração do Presidente Bush no momento da intervenção, onde ele não foge à responsabilidade de dizer que é preciso «destruir» o poder militar do Iraque.
Isto só demonstra, mais uma vez, que se sabe como as guerras começam mas não se sabe como acabam e que está encetado o trajecto da guerra existencial.
Este trajecto da guerra existencial que está encetado faz--me chamar a atenção para um ponto fundamental. É que, evidentemente, está a ser perdido o controlo da definição da moldura do teatro estratégico. É o que significa toda a agitação que vai pelo mundo árabe.
Por isso mesmo, sendo Portugal um país devotado ao serviço da paz, tendo neste momento uma situação de convergência institucional que fortalece a possibilidade da sua intervenção na cena internacional, julgo que, em face do evidente perigo de descontrolo do teatro de operações e da subida da guerra para o patamar da guerra existencial, aquilo que é necessário ser enfrentado pelos países que não precisam de demonstrar a sua força, exibindo um intervencionismo militar que lhes não cabe, é a contribuição que podem dar para que seja retomado o controlo do sistema internacional. Para isso, são legítimas todas as intervenções das autoridades políticas portuguesas: é legítima a do Presidente da República, é legítima a do Governo, mas também o é a desta Assembleia da República.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): -Muito bem!

O Orador: -E não há interpretação da Constituição que deva fazer-nos adiar o estudo da oportunidade e de, na qualidade de Assembleia da República, darmos a nossa contribuição para que seja reassumido o controlo do sistema internacional.

E isto a bem da paz!

Aplausos do CDS. do PSD, do PS e dos deputados independentes Jorge Lemos e José Magalhães.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dou por terminado o período de antes da ordem do dia e solicito aos presidentes dos grupos parlamentares o favor de se reunirem comigo no meu Gabinete, para o que interrompo os trabalhos por 5 minutos.

Está suspensa a sessão.

Eram 17 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente:-Srs. Deputados, está reaberta a

Eram 17 horas e 30 minutos.

ORDEM DO DIA

Srs. Deputados, entrando no período da ordem do dia, o Sr. Secretário vai proceder à leitura da acta do Tribunal Constitucional relativa à eleição de Sua Ex.1 o Presidente da República.

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O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Srs. Deputados, é do seguinte teor a referida acta, que está devidamente assinada pelos membros do Tribunal Constitucional que a lavraram e que vem acompanhada da certificação de que a fotocópia enviada reproduz fielmente o original que se encontra arquivado naquele Tribunal em 23 de Janeiro de 1991:

Acta da reunião da assembleia de apuramento geral da eleição do Presidente da República

No dia 21 de Janeiro de 1991, nesta cidade de Lisboa e no Tribunal Constitucional, reuniu a assembleia de apuramento geral da eleição do Presidente da República, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 105.º a 110.º do Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de Maio, sob a presidência do Juiz Conselheiro Presidente deste Tribunal José Manuel Moreira Cardoso da Costa, com os Juizes Conselheiros Armindo António Lopes Ribeiro Mendes e Alberto Manuel Portal Tavares da Costa e os professores de Matemática licenciados Felismina Maria Costa Freitas, Manuel José da Silva Fonseca e António Pereira Rosa, comigo António Joaquim Baginha Miranda, secretário.
Aberta a reunião, verificou-se que foram recebidas as actas de todas as assembleias de apuramento distrital, à excepção das respeitantes ao distrito de Aveiro e à Região Autónoma dos Açores, encontrando-se, porém, incompletas as respeitantes aos distritos de Santarém e Vila Real; e que recebidas foram, bem assim, as actas, cadernos eleitorais e mais documentos relativos à votação realizada no dia IS do corrente mês, nos termos do n.º 2 do artigo 81.º do citado Decreto-Lei n.9 319-A/76, na freguesia de Peroselo, concelho de Penafiel, distrito do Porto, mas não as actas, cadernos e mais documentos relativos à votação realizada na mesma data, e nos termos do mesmo preceito legal, na freguesia do Machio, concelho de Pampilhosa da Serra, distrito de Coimbra.
Iniciadas seguidamente as operações de apuramento com os elementos disponíveis, começou por proceder-se, nos lermos do n.º 3 do artigo 112.º-A do Decreto-Lei n.º 319-A/76 e para completamente do apuramento distrital do Porto, à verificação dos elementos relativos à assembleia de voto da dita freguesia de Peroselo, lendo sido confirmados como nulos os votos aí considerados como tais, e incluídos de seguida os resultados eleitorais dessa freguesia naquele apuramento distrital, o qual passou a ser o seguinte: eleitores inscritos - l 297 247; número de votantes - 849 027; candidato Basílio Horta - 102 660; candidato Mário Soares - 626 878; candidato Carlos Carvalhas - 75 448; candidato Carlos Marques-15532; votos em branco - 19 195; votos nulos -9314.
O apuramento prosseguiu com a análise das restantes actas de assembleias de apuramento distrital disponíveis, tendo-se verificado na acta da assembleia de apuramento distrital reunida em Cascais um erro de escrita na determinação do número total de votos a favor do candidato Carlos Marques (que foi de 3812 e não de 3819) e um outro relativo ao número de votantes na freguesia de São João das Lampas, concelho de Sintra (que foi de 4025 e não de 4024), erros que foram rectificados.
Interrompidos os trabalhos de apuramento cerca das 20 horas, foi designado para continuação desta assembleia o dia 23 do corrente, pelas 10 horas e trinta minutos, solicitando-se telefonicamente, entretanto, a remessa urgente dos elementos em falta.
No dia 23 de Janeiro de 1991, pelas 10 horas e 30 minutos, com a mesma composição, prosseguiu a assembleia os trabalhos de apuramento geral da eleição do Presidente da República.
Tendo verificado que foram, entretanto, recebidos todos os elementos em falta necessários ao mesmo apuramento, começou por proceder-se, nos termos do n.º 2 do artigo 112.º-A do Decreto-Lei n.º 319-A/76, supracitado, e para completamente do apuramento distrital de Coimbra, à verificação dos elementos relativos à assembleia de voto da freguesia de Machio, concelho de Pampilhosa da Serra, e à inclusão dos respectivos resultados naquele apuramento distrital, o qual passou a ser o seguinte: eleitores inscritos - 369 087; número de votantes - 221235; Basílio Horta -26277; Mário Soares - 163003; Carlos Carvalhas - 18 965; Carlos Marques - 4440; votos brancos - 5666; votos nulos -2884.
Seguidamente procedeu-se à conclusão do apuramento, com a análise das actas relativas às assembleias de apuramento distrital de Aveiro, Santarém, Vila Real e Região Autónoma dos Açores.
Concluídas as operações de contagem, apuraram-se, nos termos do artigo 108.º do Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de Maio, os seguintes resultados: eleitores inscritos - 8202812; número de votantes - 5 098 768; candidato Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca - 696 379; candidato Mário Alberto Nobre Lopes Soares -3459 521; candidato Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas - 635 373; candidato Carlos Manuel Marques da Silva - 126 581; votos brancos - 112 877; votos nulos -68037.
Após o que, e na sala de actos do Tribunal Constitucional, foram proclamados pelo Sr. Presidente os resultados do apuramento geral e, em vista do disposto no artigo 129, n.º l, da Constituição, proclamado eleito Presidente da República para o próximo mandato o cidadão Muno Alberto Nobre Lopes Soares.
Para constar se lavrou esta acta que, depois de lida, vai ser devidamente assinada.

O Sr. Joaquim Fernandes Marques (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. Joaquim Fernandes Marques (PSD): - Sr. Presidente, nos lermos regimentais, o Grupo Parlamentar do PSD requerer u interrupção da sessão por 15 minutos.

O Sr. Presidente: - O pedido é regimental, pelo que está suspensa a sessão.

Eram 17 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 25 minutos.

Srs. Deputados, antes de mais, informo que para evitar a interrupção dos nossos trabalhos, não Taremos hoje mas posteriormente e em altura oportuna as votações que constavam da ordem do dia de que faz parte, como primeiro ponto, a apreciação do parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativamente ao recurso interposto pelo PCP sobre a admissibilidade da proposta de lei n.º 176/V - Autorização legislativa sobre o regime jurídico do trabalho de menores, das férias, do trabalho em comissão de serviço, do período experimental, da duração do trabalho e da cessação do contrato de trabalho por inadaptação.
Mas a proposta de lei foi ainda objecto de outro recursos sobre o seu agendamento. Como a discussão do recurso da admissibilidade da referida proposta precede a do recurso sobre o agendamento, dou de imediato a palavra, para a sua apresentação, à Sr.9 Deputada Odete Santos, que para o efeito, tal como os restantes deputados que desejarem intervir, dispõe de três minutos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estas alegações terão de ser necessariamente breves.
Começarei por anotar que a maior parte do parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo a este recurso versa matéria que não é objecto do recurso e da qual seguramente trataremos a seguir.
Sobre as questões concretas levantadas neste recurso, gostaria de assinalar que o parecer da Comissão confessa que com o despedimento por inadaptação se criou uma nova justa causa de despedimento. Esta confissão é para nós extremamente relevante, na medida em que a jurisprudência do Tribunal Constitucional em 1988 foi efectivamente no sentido de que a justa causa configurada na Constituição tinha de ser integrada por factos que correspondessem a um comportamento culposo do trabalhador. Assim, havendo por parte do PSD a confissão de que se cria uma nova justa causa de despedimento, não nos oferece dúvidas o facto de neste aspecto a proposta de lei ser inconstitucional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - E nem nos iremos preocupar em saber se efectivamente a Constituição permite o despedimento por motivo atendível -quanto a nós, não o permite de modo algum - porque o PSD arredou desta discussão a questão do motivo atendível com a confissão de que uma nova justa causa se tinha criado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Anotamos também que relativamente à comissão de serviço, um dos pontos igualmente focado no nosso recurso, o parecer da Comissão nada diz, antes sendo completamente omisso. Mas já para as situações de comissão de serviço respeitante a cargos ocupados por pessoas que trabalham com um contrato de trabalho subordinado, como são os casos dos directores financeiros, dos directores de pessoal e dos directores de planeamento, em relação aos quais existe uma subordinação económica e jurídica, para tais situações, que correspondiam, numa anterior versão do «pacote laborai», ao despedimento por quebra de confiança - nessa versão não se foi buscar o eufemismo da «comissão de serviço», mas criou-se um eufemismo que é a comissão de serviço-, que constitui a forma de colocar pessoas, que aliás desempenham cargos de alta complexidade técnica, sujeitas ao despedimento por parte da entidade patronal de um dia para o outro, o que viola também o princípio da segurança no emprego.
Em matéria de período experimental, que nas empresas com 20 ou menos trabalhadores é aumentado para 90 dias, o preâmbulo da proposta revela clara e nitidamente que o que se pretende é precarizar os vínculos laborais e, como se diz, evitar a contratação a termo, logo colocar os trabalhadores na possibilidade de serem despedidos sem existir qualquer justa causa, o que para nós é também manifestamente inconstitucional.
Por outro lado, o que vem previsto na proposta de lei em relação à duração semanal do trabalho - elevando-se até quanto à duração estatuída no próprio Decreto-Lei n.9 409/71, que previa o máximo de 48 horas, quando agora se prevê um máximo de 50 horas nalgumas semanas - contende efectivamente com o artigo S9.º da Constituição, que impõe ao Estado a incumbência de criar condições para que os trabalhadores possam ter os seus lazeres e a sua vida em família.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, penso que é claro, nítido e manifesto que a proposta usa de demagogia quando constantemente fala de higiene e segurança no trabalho, já que a previsão destes períodos arrastados de trabalho, com a inerente limitação da autodisponibilidade do trabalhador, mais não fará do que fazer aumentar os acidentes de trabalho.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Laurentino Dias.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apreciada em comissão a proposta de lei de autorização legislativa em debate, o Partido Socialista teve necessariamente de se abster no que respeita a este parecer. Fê-lo porque, contrariamente àquilo que seria razoável, este parecer se estende, ao longo da sua formulação, por uma área e por um âmbito que nem sequer é o do recurso apresentado pelo PCP. O recurso em causa versa sobre eventuais inconstitucionalidades da proposta apresentada pelo Governo. Já o parecer que o PSD aprovou na Comissão e que o PS não pôde aprovar vai muito mais longe e entra por caminhos que não têm a ver com este recurso, mas com outra área e outro âmbito da discussão.
Nós, como é evidente, iremos, ao longo da discussão desta proposta na sessão de hoje, emitir perante esta Câmara e o País a nossa posição sobre a natureza desta autorização legislativa e a forma como entendemos que esta matéria deveria ser trazida ao conhecimento e debate desta Assembleia, ou seja, a nossa opinião crítica quanto à forma de autorização legislativa com que o Governo quis apresentar estas matérias, matérias que reputamos de muita importância e capazes de introduzir profundas alterações no sistema jurídico-laboral português e que, não estando como não estão nem nunca devem estar, vedadas ac

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consenso entre os parceiros sociais, jamais deverão estar vedadas ao trabalho profícuo e pleno da Assembleia da República, que 6 o local adequado para se encontrarem, em primeiro lugar e em primeira forma, esses consensos.
Nessa medida, o Partido Socialista - repito - absteve-se no que respeita à votação deste parecer, por entender que ele foi muito longe e pretendeu confundir a matéria do recurso com a matéria da autorização legislativa e a sua razão de ser. Nós, que não estivemos nem iremos estar contra a admissão desta proposta, não podíamos, em boa verdade e em boa justiça - dissemo-lo na Comissão -, votar favoravelmente este parecer.
Permito-me acrescentar, pois em sede de discussão do agendamento não haverá regimentalmente oportunidade de fazê-lo, que iremos votar contra o agenciamento da proposta de lei em apreço, por entendermos que esta autorização legislativa versa de facto legislação do trabalho. Incidindo sobre legislação do trabalho, implica a obrigação e o dever constitucional de previamente se suscitar a sua discussão pública, para que dessa discussão esta Assembleia retome e encontre as contribuições que vêm da concertação social, como já vieram dos sindicatos que não têm assento na concertação social, das comissões de trabalhadores, do País real e daqueles que tem a ver com estas questões e que poderão ver, com a aprovação simplista e rápida destas maiorias, prejudicadas a sua função e a sua relação de trabalho.
Votaremos, pois, a admissão desta proposta pela forma que acabei de referir e reservaremos para a discussão no Plenário a nossa visão global sobre estas matérias, relativamente a algumas das quais apresentámos já os necessários projectos para que esta Assembleia os possa, com cuidado e em plenitude de cada um deles, discutir. Reservaremos para esta sessão plenária a nossa posição final, que será adequadamente apresentada pelo Partido Socialista.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Votámos este parecer, após uma leitura apressada, por manifesta impossibilidade física de apreciá-lo convenientemente. Para se poder aqui dar início a esse debate, não foi possível uma análise mais cuidada do parecer. Mas porque, naturalmente, o voto é responsável, também não poderemos de forma nenhuma dizer que votámos sem o ler e despreocupadamente. Voto é voto e temos de dizer por que razão o fizemos afirmativamente.
Em primeiro lugar, somos da opinião, que faremos valer durante o debate, de que as autorizações legislativas não carecem da observância de determinados preceitos constitucionais, obrigatória para a legislação laborai. Entendemos que a autorização legislativa em si não é «legislação laborai», embora consubstancie normas jurídicas enformadoras da legislação laborai. Somos acompanhados nesta lese por pelo menos quatro juizes conselheiros vencidos no acórdão sobre o anterior pacote laborai quando era diferente a composição do Tribunal Constitucional. Não sei quantos sustentarão agora, com a nova composição desse tribunal, a nossa posição, mas o que é certo é que pelo menos ela é avalizada por eminentes juizes que emitiram votos de vencido no aresto, hoje aqui invocado pelo Partido Comunista para estribar a sua posição.
Também não estamos de acordo com a afirmação precipitada de que a inadaptação do trabalhador é uma justa causa de despedimento individual, porque efectivamente não o é. Tecnicamente, pela forma como vem configurada na proposta de autorização legislativa, está mais de acordo com a figura da caducidade do contraio por circunstâncias supervenientes independentes da vontade quer do empregador quer do trabalhador que tornaram a manutenção da relação laborai impossível de subsistir.
Essa matéria poderá vir a ser discutida, mas não me parece que a inconstitucionalidade invocada seja tão manifesta que devesse ser tomada em consideração pelo Presidente.
Com efeito, é jurisprudência desta Casa, e sempre assim foi por nós defendido, que apenas as inconstitucionalidades gritantes e manifestas, isto é, aquelas que «entram pelos olhos dentro», como é costume dizer-se, é que devem ser tomadas em consideração pelo Presidente da Assembleia da República para rejeitar in limine qualquer diploma, proposta de lei ou projecto de lei.
Mas o caso agora não é esse, uma vez que o diploma em causa, embora possa ser discutível e será certamente discutido, não apresenta qualquer inconstitucionalidade manifesta, pelo que o Sr. Presidente fez bem em aceita-lo.
Quanto ao agendamento, as mesmas circunstâncias que nos levaram a dizer que não há inconstitucionalidades formais no caso de autorização legislativa levam-nos também a dizer que ele foi agendado porque, formalmente, cumpriu todas as regras regimentais. Por esta razão, votámos a favor, independentemente dos considerandos, em nossa opinião, desajustados por parte do relator do parecer.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de salientar que, em minha opinião, este recurso apresentado pelo Partido Comunista é, mais uma vez, uma forma hábil de duplicar os tempos de debate sobre esta matéria.
Em segundo lugar, devemos deixar claro que a figura do recurso interposto é, efectivamente, uma figura regimental que tem contornos precisos e que, em nossa opinião, tem a ver com inconstitucionalidades manifestas. Não é possível admitir a figura do recurso da admissão de um projecto de lei ou de uma proposta de lei por situações de duvidosa ou eventual inconstitucionalidade que, no próprio decurso do processo legislativo, podem ser aperfeiçoadas e corrigidas.
Este poder do Presidente da Assembleia da República, que, eventualmente, o poderá levar a não admitir um projecto de lei ou uma proposta de lei por inconstitucionalidade, tem a ver com inconstitucionalidades flagrantes e manifestas, pelo que, consequentemente, o recurso da admissão de uma proposta lei ou de um projecto de lei com fundamento na inconstitucionalidade terá também esse mesmo sentido, sob pena de transformarmos a Assembleia da República e estes procedimentos num mecanismo de apreciação preventiva de constitucionalidade que é própria de outras instâncias e de outras entidades.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: -No que diz respeito à afirmação de que o relatório assume a posição de que a inadaptação do trabalhador à sua função constitui uma nova justa causa de despedimento, devo esclarecer que não é isso que o relatório diz. De facto, o que o relatório diz é que, eventualmente, cia poderá vir a ser considerada uma justa causa.
Mas, em nosso entender, esta questão não é tão importante assim! O que nos interessa não é propriamente a discussão doutrinaria, isto é, saber se estamos perante uma nova justa causa ou perante uma situação de caducidade por elementos supervenientes que fundamentem essa caducidade do contraio, como aqui defendeu o Sr. Deputado Narana Coissoró, mas é tomar claro que essa solução não tem nada de inconstitucional e não atenta com a segurança do trabalhador.
A propósito do sentido geral de justa causa, é bom ver o que diz o Sr. Juiz Conselheiro e Presidente do Tribunal Constitucional, Cardoso da Costa, em voto de vencido, aquando do acórdão que se pronunciou sobre esta matéria.

Vozes do PS e do PCP: - Voto vencido?!

O Orador: -Não vejo qual é a razão de não poder citar um voto de vencido?! VV. Ex. ª estão sempre tão preocupados com a quantidade que por vezes também esquecem a distinção entre qualidade e quantidade!

O Sr. Joaquim Fernandes Marques (PSD): - É normal!

Vozes do PS:-Não apoiado!

Protestos do PCP.
O Orador: - Mais uma vez se confirma que VV. Ex. as continuam a batalhar tudo e a não ter a noção exacta destes conceitos!
Na verdade, a qualidade 6 tal que vale a pena reflectir sobre este voto de vencido e lembrar o que nele se diz sobre esta maioria. Passo a ler. «(...) quando estejam ligadas à aptidão do trabalhador casos de manifesta inaptidão do trabalhador ou de impossibilidades de se preparar para as modificações tecnológicas que afectem o posto de trabalho, que se fundem em motivos económicos, tecnológicos e estruturais ou do mercado relativos à empresa, estabelecimento ou serviço (...)» É perfeitamente claro, justificado e nada tem de inconstitucional a cessação do contraio de trabalho nestas situações.
No que diz respeito à circunstância de se haver aqui aludido a matéria que não tem directamente a ver com o recurso da admissão desta proposta de lei, sempre gostaria de dizer ao Sr. Deputado Laurentino Dias que por haver um recurso do agenciamento em que esta matéria ô evocada - aliás, como deve saber- e porque as questões tem a sua conexão, entendeu-se que a Comissão não deveria alhear-se também desta situação e deveríamos abordá-la aqui.
Resta-me apenas acrescentar que, efectivamente, neste momento, trata-se apenas de a Assembleia da República dar uma mera autoriração legislativa. É em sede de debate do diploma que vier a ser aprovado que estas questões - agora aqui colocadas apenas como balizas, em que o Governo se vai movimentar para elaborar o diploma definitivo - serão analisadas, pelo que não podem, neste momento, ser aprofundadas em termos de uma apreciação mais rigorosa da inconstitucionalidade.
A Assembleia da República, além das garantias constitucionais de participação das organizações de trabalhadores na elaboração deste diploma que o Governo vai aprovar ao abrigo desta autorização, dispõe ainda e também do mecanismo de autorização legislativa e, consequentemente, em várias sedes, em várias instâncias e em vários graus, que a Constituição garante, a constitucionalidade do diploma definitivo que vier a ser aprovado ao abrigo desta autorização legislativa será salvaguardada, pelo que em nenhuma circunstância se justificava este recurso e em nenhuma circunstância este recurso poderia servir de base à melhoria das condições dos trabalhadores e à garantia dos seus postos de trabalho em que o PSD e o Governo estão apostados.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa não regista mais inscrições, pelo que vamos passar à votação do parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o recurso da admissibilidade da proposta de lei n.9 176/V.
Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS, votos contra do PCP e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos e Raul Castro, e abstenções do PS e do PRD.

Srs. Deputados, vamos agora passar à apresentação do recurso relativo à fixação da ordem do dia de hoje, dia 29 de Janeiro de 1991, para o que concedo a palavra à Sr.ª Deputada Odeie Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este é, de facto, o momento de abordar questões que os Srs. Deputados já trataram, mas fora de tempo.

As alegações deste recurso poderiam ser a simples reedição de outras já produzidas anteriormente, uma vê/que este problema já foi suscitado e já deu origem ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 107/88, que, de facto, em qualidade não é assim tanto como o Sr. Deputado Guilherme Silva diz, pois é um acórdão de muita qualidade.
Creio que este com agendamento, sem a consulta pública às organizações dos trabalhadores, fica claro o seguinte: primeiro, o Governo encara o Parlamento como uma mera repartição administrativa por onde passam em trânsito as propostas de lei, talvez, por entre bocejos do sacrificado membro do governo chamado a assistir à solene cerimónia da apositura do carimbo parlamentar - digamos que é um briefing o que o Governo vem hoje fazer à Assembleia da República;...

Vozes do PCP: -Muito bem!

A Oradora: -... segundo, a consulta pública às organizações representativas dos trabalhadores é para e PSD um acto meramente formal, sem qualquer influência na elaboração da legislação do trabalho.
Só assim se compreende que após o debate sobre a natureza das autorizações legislativas em matéria laborai travado em 1988, e que conduziu ao acórdão que citámos o Governo e o PSD continuem a defender, contra a [...] moderna teorização sobre as propostas de autorização

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legislativa, que a Assembleia da República não tem de ouvir as comissões de trabalhadores e as associações sindicais.
Pergunta-se, Sr. Presidente, Srs. Deputados, o que é que mudou desde 1988 ale este momento? Neste aspecto, a Constituição não mudou, a Lei n.º 16/79 mantém-se e o que a Constituição dispõe em relação às autorizações legislativas também se mantém.
Assim, será difícil explicar ao País que se esteja a usar como critério de interpretação das leis a vontade do mais forte, mesmo que só aparentemente mais fone.
Ora, se não se proceder à consulta pública das organizações dos trabalhadores, então é claro que esta proposta de lei começa com um vício procedimental.
De facto, estamos perante legislação do trabalho. As autorizações legislativas não são leis meramente formais, não são apenas normas de competência e de orientação. São leis «que transportam parâmetros normativos fundamentais (princípios e directivas), decisivamente condicionadores da legitimidade do decreto-lei autorizado, em termos de se poder afirmar que o essencial do diploma delegado não está predeterminado na lei delegante».
Assim, Sr. Presidente, Srs. Deputados, conferindo a Constituição um papel fundamental à intervenção das organizações dos trabalhadores na elaboração da legislação do trabalho, elas podem e devem condicionar a vontade política.
É para nós evidente, na esteira do Acórdão n.º 107/88, que tal consulta deveria ter sido feita pela Assembleia da República antes do agendamento.

desrespeito pelos comandos constitucionais, nomeadamente os artigos 54.º e 56.º da Constituição da República, vem acrescentar mais uma inconstitucionalidade às que já anteriormente se apontaram.
É evidente que a maioria PSD votará contra o recurso, porque não compreendeu que mesmo para os malabarismos jurídicos há um tempo de resistência que sempre chega ao fim.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, acabou de ser apresentado o recurso relativo ao agendamento da proposta de lei n.º 176/V, pelo que vamos passar à votação do mesmo.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS, votos a favor do PS, do PCP, do deputado do PRD Alexandre Manuel e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos, José Magalhães e Raul Castro e abstenção do PRD.

Srs. Deputados, vamos agora iniciar a discussão da proposta de lei n.º 176/V, que autoriza o Governo a legislar sobre o regime jurídico do trabalho de menores, das ferias, do trabalho em comissão de serviço, do período experimental, da duração de trabalho e cessação do contrato de trabalho por inadaptação.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social.

O Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social Silva Peneda): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei que o Governo apresenta hoje à Assembleia da República resulta de um longo e sério processo e negociações com os parceiros sociais que conduziu à assinatura, em Outubro último, do Acordo Económico e [...]
Recordo que todo o caminho percorrido, que levou à celebração do referido acordo, teve por base documentos de natureza muito complexa não só pelas matérias abrangidas como também pelas soluções propostas.
Todas as partes envolvidas apresentaram diversas propostas com vista a um possível acordo.
Foi a partir de todo este conjunto diversificado de documentos que, numa primeira fase, se definiu o objecto do acordo e, numa segunda fase, a negociação dos princípios e soluções que acabaram por ficar consagrados no texto final, subscrito em 19 de Outubro, em sede do Conselho Permanente de Concertação Social.
Este processo, Srs. Deputados, obrigou a centenas de horas de trabalho, envolvendo todos os parceiros sociais e o Governo. Gostaria, perante os Srs. Deputados, de sublinhar de forma solene o empenho e a postura construtiva e de boa-fé de que todas as partes deram provas no decorrer de tão complexo processo negociai.
Pela nossa parte, sempre tivemos o entendimento de que a concertação social não é apenas um fórum para se cumprirem determinadas formalidades.
Temos uma ideia de concertação que radica na sua função insubstituível, geradora de autênticos consensos necessários ao desenvolvimento económico e social num quadro de promoção da dignidade humana, da justiça social, da co-responsabilização e do fomento do primado da igualdade de oportunidades.
Temos para nós que a complexidade e a celeridade das respostas económicas e sociais aos desafios que nos são colocados nos obrigam cada vez mais ao estabelecimento de plataformas de entendimento que co-responsabilizem todos os intervenientes.
Já afirmei perante esta Câmara que não temos uma visão redutora do papel dos agentes económicos e sociais. Esses agentes não podem ser, em nosso entender, meros sujeitos passivos da acção dos governos e ou dos burocratas.
Mas das palavras aos actos vai sempre uma longa distância.
Pela primeira vez, em Portugal, foi possível chegar a um acordo que ultrapassa uma visão meramente economicista do processo de desenvolvimento e sem sombra de dúvidas que se trata de um passo, por muitos já considerado histórico, seja pela potenciação dos resultados de carácter económico e social em que as partes se empenharam, seja pelo que revela de abertura para um novo modelo de relações de trabalho para a década em que acabámos de entrar.
Há que ter consciência que, com a execução deste acordo, ficam definitivamente ultrapassadas questões, nomeadamente no plano da legislação laborai, cuja resolução se arrastava há cerca de quinze anos e que era factor de permanente perturbação e de rotura entre as partes.
Só por si, o desbloquear deste tipo de questões, para muitos considerado intransponível, é seguramente um factor potenciador de uma nova era de relacionamento entre os parceiros sociais. Diria mesmo que só pela ultrapassagem destes pontos valeria a pena ter celebrado o acordo.
Mas o texto do acordo foi muito mais longe e equacionou lodo um conjunto de medidas e instrumentos que têm a ver essencialmente com a qualidade do emprego e do trabalho, com a protecção social e, logo, com a qualidade de vida dos cidadãos.
Estes factores explicam, em larga medida, o empenho que as partes outorgantes do
acordo vêm revelando na sua execução.

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Houve quem formulasse dúvidas sobre a exequíbilidade dos compromissos assumidos. Sobre este ponto diria que já foram tomadas medidas no que respeita aos rendimentos mínimos, às pensões, às prestações sociais e à fiscalidade, em que se materializa o cumprimento do referido acordo.
Ao nível da negociação colectiva, os processos vêm sendo desenvolvidos com clara expressão de observância do acordo, sendo de sublinhar a diminuição significativa de conflitual idade quando comparada com períodos homólogos de anos anteriores.
Qualquer análise serena e séria do texto do Acordo Económico e Social não pode deixar de concluir que o único e grande vencedor é o País.
Pela nossa parte, e penso que por parte de todos os parceiros sociais subscritores do acordo e mesmo por aqueles que, por várias razões, não estiveram em condições de o subscrever, houve o elevado mérito de acreditar que, apesar das muitas dificuldades a vencer, era indispensável atingir-se uma boa plataforma de entendimento.
Como resulta do texto do acordo, estou em condições de informar a Câmara que no l.º trimestre do corrente ano será apreciado pelos parceiros sociais todo um conjunto de matérias relacionadas com a higiene, segurança e saúde no trabalho, educação e formação profissional e segurança social, que irão atender entre outros objectivos àqueles que ficaram consagrados na Caria Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta proposta de lei se é, por um lado, o resultado de um longo exercício de consenso é, também e por outro lado, um instrumento indispensável com vista à execução das medidas contidas no Acordo Económico e Social.
No texto do acordo estão contidas algumas medidas que versam sobre matérias de reserva relativa da competência da Assembleia da República, por respeitarem a direitos, liberdades e garantias. Daí a necessidade de que o Governo fique habilitado a legislar sobre tais matérias.
São matérias que respeitam ao regime jurídico do trabalho de menores, das férias, da prestação de trabalho em comissão de serviço, do período experimental, da duração e organização do tempo de trabalho e da cessação do contrato de trabalho por inadaptação.
No que se refere ao trabalho de menores, e como resultado de um primeiro relatório que sobre a matéria foi elaborado pelo Governo e analisado detalhadamente em sede do Conselho Permanente de Concertação Social, consensualizou-se um conjunto de medidas que visam assegurar um equilibrado desenvolvimento físico, mental e moral, salvaguardar a sua segurança e saúde, fomentar a educação escolar e a formação profissional e combater o trabalho infantil e a concorrência desleal.
Quanto ao regime jurídico das férias, pretende-se uma maior eficácia da organização do trabalho, reforça-se a garantia do gozo efectivo das férias, previne-se o desvirtuamento do pagamento e do exercício do direito a férias, no caso do gozo das primeiras férias, das férias após impedimento prolongado e da suspensão do período de férias por motivo relativo ao trabalhador.
Com o regime jurídico da prestação de trabalho em regime de comissão de serviço, extensivo quer a trabalhadores admitidos do exterior quer a trabalhadores já vinculados à empresa, pretende-se assegurar, relativamente a certas funções que pressuponham uma especial relação de confiança, soluções adequadas à salvaguarda da elevada e constante lealdade, dedicação e competência em que assenta tal confiança, preservar, em termos de gestão, a eficácia exigida no desempenho dessas funções, contribuir para a negociação de estatutos profissionais compatíveis com a especial responsabilidade que lhes é inerente, facilitar o preenchimento de certos lugares de confiança por pessoal já vinculado à entidade empregadora, bem como prevenir situações de desconfiança precursoras de marginalização e de discriminação profissional.
As alterações que são propostas no regime do período experimental justificam-se pela preocupação de proporcionar um suficiente período de experiência adequado às exigências da função e às características do posto de trabalho, de permitir uma melhor avaliação da adequação das capacidades individuais dos trabalhadores às necessidades das empresas, de prevenir situações de desocupação precursoras de marginalização e de discriminação profissional e de contribuir para desincentivar o recurso à contratação a termo, à utilização de trabalho temporário e à adopção do trabalho independente ou autónomo, quando se sobreponha a preocupação de assegurar uma experiência suficiente para adequação às exigências da função e características do posto de trabalho, contribuindo-se assim para a salvaguarda da competitividade das empresas e da realização profissional dos trabalhadores.
As alterações propostas no regime da duração e organização do tempo de trabalho assentam no objectivo de incentivar a redução e adaptação do tempo de trabalho num quadro balizado pela adopção de um novo horário máximo nacional cuja evolução se perspectiva para a aproximação aos padrões europeus, pela necessidade de adaptar o tempo de trabalho às exigências tecnológicas e de organização das empresas, às necessidades dos consumidores e à necessária racionalização na fruição dos equipamentos sociais e pela utilização da negociação colectiva a todos os níveis como instrumento especialmente adequado a promover integradamente a redução e a adaptação do tempo de trabalho, por forma a, progressivamente, serem atingidas as 40 horas em 1995.
Finalmente, o regime jurídico da cessação do contrato de trabalho por inadaptação do trabalhador visa contribuir para a modernização do tecido empresarial, proporcionar maior eficácia em relação à introdução de novos processos de fabrico, de novas tecnologias ou equipamentos baseados em diferente ou mais complexa tecnologia, prevenir desequilíbrios estruturais, económicos e financeiros da empresa decorrentes da perda de competitividade por inadaptação dos trabalhadores, prevenir situações de desocupação precursoras de marginalização e discriminação profissionais.
Visa-se ainda com esta proposta promover a qualificação dos recursos humanos por via da formação profissional na empresa e estimular a observância das condições de segurança e saúde no trabalho, assim se promovendo o melhor cumprimento de objectivos de segurança do emprego e de realização profissional dos trabalhadores.
Na elaboração da presente proposta de lei procuramos salvaguardar com rigor os objectivos identificados no referido acordo e utilizar os próprios termos acordados, sempre que tecnicamente adequados à elaboração legislativa, justificando-se este facto pela profundidade da discussão desenvolvida no processo de negociação que proporcionou um nível bastante detalhado quanto às matérias para as quais se necessitava de formulação normativa.
Dado o carácter global e integrado do acordo, foi assumido que o processo legislativo relativo aos projectos

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de decreto-lei, que não carecem de autorização legislativa, se desenvolva, particularmente nas fases de discussão pública e aprovação, em simultaneidade com o processo respeitante às matérias que carecem daquela autorização.
Entre aqueles cabe referir os relativos ao regime jurídico da situação de pré-reforma, às medidas complementares de protecção social nos casos de declaração de sectores em reestruturação, ao trabalho no domicilio, à alteração do regime da suspensão do contrato de trabalho e da redução do período normal de trabalho e ao regime jurídico das relações colectivas de trabalho.
O Governo e os parceiros sociais subscritores do Acordo Económico e Social, não obstante a convicção quanto à constitucionalidade do regime proposto para a cessação do contrato de trabalho por inadaptação, entenderam que esse regime deveria ser submetido à apreciação preventiva de constitucionalidade, atentas as razões de segurança nas relações de trabalho e em razão da defesa dos princípios e normas constitucionais.
Pela nossa parte, não lemos dúvidas que este é o caminho correcto e sério. Nesta decisão, assumida por todos os parceiros sociais e pelo Governo, exprime-se uma postura democrática, quer pelo que revela de respeito pelos parceiros sociais que revelaram algumas dúvidas nesta matéria, quer pela segurança que só uma decisão judicial poderá conceder de forma definitiva.
Nenhum consenso poderá, em circunstância alguma, afrontar a violação de direitos, mas é seguramente muito mais ilegítimo que uma minoria discordante possa afrontar convicções consensualizadas, assumindo formas de comportamento que revelam uma preocupação em deter poderes para decidir sobre o que é legal, o que é constitucional, o que é a verdade absoluta.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por parte do Governo, pensamos que, com a execução desta componente muito importante do Acordo Económico e Social que se traduzirá na aprovação desta proposta de lei, o País dará mais um passo com vista a consolidar a paz social, o aumento de competitividade do nosso tecido produtivo e o aumento progressivo dos salários reais dos trabalhadores.
Estes são, para nós, objectivos inquestionáveis e, seguramente, por isso mesmo, justificaram um tão amplo e autentico consenso por parte do parceiros sociais e do Governo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Narana Coissoró, Odeie Santos, Jerónimo de Sousa e Laurentino Dias.
Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Ministro do Emprego, V. Ex. ª sabe fazer bons discursos conforme os tempos, porque quando não lhe era possível obter acordo na concertação social, vinha aqui fazer a defesa das diferenças, que considerava sadias, e dos pontos de vista divergentes na concertação social, que eram óptimos, porque permitiam ao Governo não só um maior debate como também traçar politicamente a bissectriz e adoptar as melhores soluções, independentemente do que nessa sede se passava.
Este foi o tipo do seu discurso aqui proferido, como deve estar lembrado, em IS de Abril de 1988, aquando do debate sobre o primeiro pacote laborai.
Nesse discurso V. Ex. ª rematava desta maneira: «O papel mais difícil em lodo este processo cabe a quem tem de promover a síntese que, simultaneamente, é quem detém a legitimidade política para ser o intérprete do interesse geral e esse papel, tendo em conta as partes envolvidas, pertence indiscutivelmente ao Governo.»
Hoje V. Ex. ª vem fazer o discurso contrário, dizendo «que não...», «que traz aqui...», como dizia o ministro francês quando apresentou a legislação laborai: «Acordo, todo o acordo e nada mais do que o acordo.»
Portanto, aqui está o acordo! Isto é, o Governo demite-se da sua legitimidade e quer demitir a Assembleia da República das suas funções, como órgão que detém a competência para fazer a legislação laborai, trazendo aqui como que um míssil com a ogiva do acordo da concertação social, descarregando-o sobre nós e dizendo: «Aqui está o acordo que foi feito pela concertação Social, a Assembleia da República tem de pôr aqui um carimbo, porque o acordo está feito. Meus senhores, isto não é nada convosco, isto é com a concertação social, até porque o Governo está de boa-fé e não quer fazer mais do que isso.»
Ora, isto não pode ser assim, Sr. Ministro. Ou o Governo assume a legitimidade por que aqui propugnou, assumindo que isto é da sua responsabilidade, independentemente do debate na concertação social, e que é também da responsabilidade da Assembleia da República, porque ela é que tem de dizer se aceita ou não o que se acordou no Conselho de Concertação Social. É que se a maioria quisesse fazer isso - e deveria fazê-lo - viria dizer-nos que o que o Conselho de Concertação Social fez é um elemento para a nossa ponderação, mas a nada nos obriga nem a nada obriga o Governo. Desta forma, teríamos então outro tipo de debate.
Isto vem a propósito para dizer, outra vez, que legislação desta natureza não deve ser feita através de autorização legislativa. É que V. Ex. ª, tem, desta vez, atrás de si a legitimidade que lhe advém de ser Governo com uma maioria disciplinada no Parlamento e, além disso, daquilo que V. Ex. ª entende ser um meio poderoso para se estribar, ou seja, o acordo no Conselho de Concertação Social. Por isso, entendo que não precisava de pedir uma autorização legislativa e deveria desde logo trazer já as propostas de lei substantivas, o que não impediria a que o próprio partido da maioria zelasse para manter o texto intacto, como faz, mas que permitiria que o debate fosse mais rico, mais transparente, mais incisivo e também que a Câmara fosse poupada a dois debates: o de hoje e depois o da ratificação dos decretos-lei que naturalmente irão ser publicados, julgamos nós, em face desta autorização legislativa.
Isto, quanto à pane formal.
Quanto à parte substancial, tenho duas dúvidas.
A primeira traduz-se no facto de se prever a possibilidade de aumentar o período experimental de 60 para 90 dias nas pequenas empresas.
Pensemos, por exemplo, nas empresas com menos trabalhadores. Ora, a lógica levaria a que, nestes casos, o período experimental fosse menor porque, numa empresa com este número de trabalhadores, o empregador conhece-os pessoalmente, no dia-a-dia, como os dedos da mão.
Porém, já o mesmo não acontece numa empresa de dois ou quatro mil trabalhadores onde as relações são impessoais, passam através do computador ou da ficha mecânica.

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Assim, numa empresa de 20 ou menos trabalhadores, em que o patrão os trata quase por tu-cá-tu-lá e em que ambos convivem dia-a-dia, V. Ex. ª, em vez de diminuir o período experimental, porque as partes sabem mutuamente com quem estão a lidar, vai aumentá-lo ainda mais 30 dias, até fazer uma sucessão de períodos experimentais de 90 dias, para deste modo o empregador ter sempre à mão o trabalhador numa espécie, digamos, de coacção moral sobre ele, no sentido de, a qualquer momento, o poder mandar embora sem qualquer indemnização!
É preciso um mínimo de justificação social e humana para a dignificação do trabalho, Sr. Ministro! Não sei como vai justificar um preceito desse género!
Em segundo lugar, renovo a pergunta de há pouco, sobre a configuração jurídica da causa objectiva da cessação do contrato de trabalho que é a inadaptação.
Gostaria que V. Ex. ª dissesse à Câmara qual é a subsunção jurídica - V. Ex. ª talvez não saiba o significado desta palavra-, qual é a fundamentação jurídica conceptual, qual é o instituto jurídico que enforma esta cessação do contrato de trabalho: se a caducidade, por uma circunstância superveniente desligada da vontade do trabalhador e do empregador que funciona como causa impeditiva, se um conceito de justa causa e, então, embora não esteja na Constituição, tem sido a prática legislativa e a jurisprudência firme do Tribunal Constitucional encarar como justa causa individual só o comportamento culposo do trabalhador.
O problema põe-se com acuidade, como foi posto pelo PCP -embora eu tenha a minha opinião, não é a minha convicção que vai fazer a lei -, e eu queria que o Governo claramente dissesse qual é a natureza jurídica da cessação do contrato de trabalho por esse fundamento.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia Nunes de Almeida.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Odeie Santos.

A Sr.- Odeie Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em boa verdade, o Sr. Deputado Narana Coissoró tocou já, com particular acutilância, algumas das questões que queria referir quanto ao período experimental. Aliás, a resposta parece-me estar no preâmbulo da proposta de lei - é clarinha como a água -, quando diz que com a mesma se pretende contribuir para desincentivar o recurso à contratação a termo, à utilização de trabalho temporário, etc.
Por conseguinte, isto quer dizer que, com este alargamento do período experimental, se pretende retirar às entidades patronais a maçada de celebrarem por escrito um contrato a prazo e de assim dele fazerem constar a respectiva justificação. Nestes termos, pretende-se, pois, a completa precarização dos vínculos laborais.
Na verdade, a consagração de um período experimental de três meses dá um «jeitão» para determinadas actividades, nomeadamente na hotelaria e na construção civil, entre outras.
De qualquer forma, e pelo discurso do Sr. Ministro, poder-se-ia pensar que estávamos no melhor dos mundos em matéria laborai. Eis senão quando, por acaso, me chegou às mãos uma proposta de alteração, subscrita pelo PSD, que pretende introduzir nesta proposta de lei uma matéria relativa a salários em atraso. Ora, depois de tanto ouvirmos dizer a VV. Ex. ª que os salários em atraso tinham acabado neste país, fazerem esta proposta é, de facto, sintomático das contradições que se vão revelando e que, ao fim e ao cabo, acabam por retratar a realidade do que se passa no mundo laborai.
No entanto, independentemente da classificação que o Sr. Ministro irá dar à questão do despedimento por inadaptação do trabalhador, gostaria de dizer que o Sr. Ministro sabe seguramente que, após a primeira revisão constitucional, o direito à segurança no emprego passou para o título n da Constituição - o Sr. Secretário de Estado Carlos Encarnação é extremamente conhecedor destas matérias -, isto é, para o âmbito dos «Direitos, liberdades e garantias», o que não é questão de somenos. Aliás, também depois da primeira revisão constitucional a questão da segurança no emprego deixou de ser uma incumbência do Estado para passar a ser precisamente um direito.
Assim, Sr. Ministro, gostaria de saber que leitura faz do artigo 53.º da Constituição; o que é que entende que está plasmado nesse preceito, designadamente que despedimentos podem ser feitos ao abrigo dessa disposição. É que, na realidade, toda a história desse preceito leva à conclusão segura de que, em matéria de despedimentos individuais, apenas são permitidos os despedimentos com justa causa, e entendendo-se que esta justa causa é, tal como o Sr. Deputado Narana Coissoró refere, um comportamento culposo do trabalhador.
Por conseguinte, Sr. Ministro, como é que conforma a sua proposta de lei com o artigo 53.º da Constituição da República?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, a certa altura do seu discurso afirmou V. Ex. ª que o Conselho de Concertação Social não seria um fórum para se cumprir meras formalidades. Contudo, seria importante que o Sr. Ministro reconhecesse que a Assembleia da República não pode também ser um fórum para o cumprimento de meras formalidades, vindo aqui, como o senhor veio, e para além de fazer a valorização dos méritos do diálogo social, ler praticamente os preâmbulos das seis peças constantes desta autorização legislativa.
É evidente que isso não dignifica esta Câmara, como órgão que a Constituição da República quis promover em termos de legislação do trabalho. Porém, o Sr. Ministro veio aqui falar das centenas de horas dispendidas, procurando, de uma penada, não dizer coisa alguma! E esta questão é tão importante para nós quanto não queremos que isto seja transformado num fórum!
É verdade que o Governo vai colocar à consulta pública os seis decretos que constam desta autorização legislativa? Mas então por que é que não permite que esta Assembleia da República, pela sua composição plural e até porque tem uma maioria acostumada a dar o «sim» ao Governo, conduza esta questão? Qual o medo que o Governo tem em trazer aqui uma proposta de lei, que não de autorização legislativa, aliás como o fez em relação à redução do horário de trabalho?
Na verdade, o que o Governo não quer é que os trabalhadores façam ouvir a sua voz na Assembleia da República, designadamente em relação à questão dos horários de trabalho - de que o senhor não fala... -, em que, com a sua proposta de lei, se permite que os traba-

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lhadores passem a trabalhar 10 horas por dia e 50 horas por semana!
Por conseguinte, gostaria que o Sr. Ministro falasse destas coisas concretas, questões como o período experimental ou o despedimento por inadaptação.
Por que é que o Sr. Ministro não referiu uma das peças, igualmente gravosa, referente às alterações à contratação colectiva e que nem sequer consta desta proposta de lei de autorização legislativa? E isto sabendo que se trata de legislação do trabalho e que, portanto, esta Assembleia terá de autorizar que o Governo possa legislar sobre isso!
Nestes termos, pensamos que isto é que interessaria para o debate. Agora vir aqui com generalidades, cantando loas sobre isto e aquilo...
Convença-se de uma coisa, Sr. Ministro: V. Ex. ª está na Assembleia da República! E creio que, no mínimo, este órgão de soberania deveria merecer mais respeito da sua parte!
Por último, voltando à questão do conteúdo concreto, gostaria que o Sr. Ministro me explicasse se é ou não verdade que, através da questão das comissões de serviço, se visa, fundamentalmente, retomar aquele princípio constante do primeiro pacote laborai e visando o despedimento por razões de confiança. Se não é assim, justifique-o ou, pelo menos, fale no concreto, de modo a que este debate tenha um mínimo de seriedade!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Laurentino Dias.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, as leis do trabalho versam matérias de grande melindre e importância, de reflexos evidentes no tecido social e nas relações de trabalho. São leis que implicam um condicionalismo mais apertado em termos de discussão, o rigor em termos de apreciação e, sobretudo, que aqueles que sobre estas matérias têm de discutir e decidir sejam sempre dotados de todos os meios que possam estar disponíveis, para que a discussão se faça de forma completa e para que o resultado final corresponda à intenção base de quem tem a obrigação de legislar.
Estamos perante uma proposta de autorização legislativa que, em relação a diversas matérias, pretende que esta Assembleia defina para que adiante, através de normativos concretos, o Governo legislar sobre algumas questões importantes e que certamente envolverão alterações na legislação e nas relações de trabalho.
Sr. Ministro, é sabido que a posição do PS relativamente ao Acordo Económico e Social é muito clara: consideramo-lo como globalmente positivo. No entanto, não é menos verdade que também entendemos que, sendo sedes diferentes de apreciação e discussão da legislação do trabalho, o Governo e a Assembleia não podem nunca ser concorrenciais, devendo, em termos finais, encontrar os consensos em relação às mesmas matérias.
Por conseguinte, se é bom e útil para a paz e o equilíbrio sociais que haja o consenso que houve e do qual resultou o Acordo Económico e Social, não é menos adequado e importante que esse consenso se procure e se faça nesta Casa, como local representativo de todas as camadas da população e de todos os trabalhadores deste país.
Sr. Ministro, sabendo como sabemos que o seu Ministério e o Governo já têm sobre a concretização destas matérias uma ideia quase definida e que fez chegar ao
Conselho de Concertação Social projectos de decretos-leis que irão ser o complemento desta autorização, por que é que não fez o Governo chegar a esta Assembleia propostas de lei individualizadas em relação a cada uma destas matérias?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por que é que esta Assembleia vai apenas ser chamada, no uso de uma faculdade, de um direito, de um dever - diz respeito à autorização legislativa, e nós conhecemo-lo, a decidir sobre princípios, quando, em boa verdade e falando claro, nos parece que poderíamos, com toda a importância e o interesse para os trabalhadores e para o País, decidir no concreto perante propostas de lei que tivessem o adequado tratamento, que fossem por esta Assembleia discutidas, que fossem em discussão e debate público também apreciadas e que não pudéssemos iludir, na decisão, votação ou discussão de princípios gerais, aquilo que amanhã, e no concreto, os decretos-leis possam eventualmente subverter quanto ao que é hoje o nosso pensamento?
Gostaria que V. Ex. ª me respondesse a esta pergunta em termos objectivos, já que nos parece que o Governo tinha a obrigação de aqui e em relação a estas matérias, pelo seu melindre e pela grande complexidade de algumas delas - nomeadamente as questões da inadaptação e do trabalho de menores -, promover uma discussão muito mais séria e profunda, a qual, sendo possível com cada uma das propostas de lei, não é de todo possível com uma simples proposta de lei de autorização legislativa.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social.

O Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou tentar responder de acordo com a ordem dos pedidos de esclarecimento, começando, portanto, pelo Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Deputado Narana Coissoró invoca diferenças de discurso.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades!...

O Orador: -Eu não diria isso, Sr. Deputado. É que, para além destas diferenças, há um comportamento que é comum e permanente, pois, mesmo na divergência, privilegiámos sempre o diálogo e a concertação social. Na altura que referiu, e penso que infelizmente, não foi possível obter um consenso generalizado sobre esta matéria. Porém, nesta altura e perante a actual conjuntura foi possível estabelecer um acordo sobre esta questão. Aliás, Portugal deve ser o único país da Europa que neste momento tem um acordo económico e social celebrado com esta dimensão.
No entanto, quanto a mim e para além de sublinhar a importância do acordo, o mais importante foi o estilo permanente de actuação que o Governo teve na busca do diálogo e dos consensos.
É evidente que não confundimos essa busca de diálogo e de consensos com uma situação de paralisia, não tomando decisões quando devam ser tomadas. Em dada altura, e na ausência de consenso, assumimos esse ónus e essa responsabilidade. Porém, hoje venho perante esta Câmara munido de um amplo consenso.

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Gostaria, por outro lado, de dar um outro esclarecimento importante: que n9o se interpretem as minhas palavras como tradutoras de uma menor consideração pela Assembleia da República. Na verdade, a minha interpretação teve fundamentalmente em vista dar aos Srs. Deputados, não tanto o conteúdo das propostas, mas todo o caminho percorrido até chegarmos a esta base.
Julgo que esta informação era importante para os Srs. Deputados aquilatarem, por um lado, a complexidade das matérias em apreço e, por outro, o tomarem em consideração todo um quadro complexo de negociações estabelecidas pelos parceiros sociais e que se traduziu num conjunto de propostas que levaram a este tipo de entendimento.
Se me perguntar se, num ou noutro ponto, era esta a posição inicial do Governo ou dos parceiros sociais, dir-lhe-ei claramente que não era. Com efeito, houve cedências de parte a parte e é por isso que entendo que esta negociação foi séria e profunda, tendo-se chegado a um denominador comum. Aliás, não tenho quaisquer dúvidas, pois, nesta fase, tenho de assumir também a paternidade do Governo e subscrevo as soluções que se encontraram neste quadro de consenso.
No entanto, a minha intervenção pretendeu, fundamentalmente, sublinhar, mais do que o conteúdo das matérias, o processo, pois penso que, por um lado, é inovador no nosso país e, por outro, revela algo muito importante na sociedade portuguesa, já que traduz um estado de maturidade que permitiu, com alguma tranquilidade e discrição, chegar a conclusões e a consensos impensáveis há alguns anos atrás.
Fez-me ainda o Sr. Deputado Narana Coissoró duas perguntas a que gostaria de responder muito rapidamente, sendo a primeira relativa ao período experimental e da divergência existente entre 90 e 60 dias.
Sr. Deputado, o raciocínio também pode ser invertido. Na verdade, tal como V. Ex. ª argumenta com o raciocínio da proximidade, alguém poderá argumentar com o exemplo de que uma empresa com mais trabalhadores poderá ter determinado tipo de esquemas de observância e de avaliação muito mais profícuos e eficazes do que uma empresa com menos trabalhadores.
Enfim, trata-se de uma matéria que foi objecto de negociação e pode dizer-se que foi uma matéria em que os empregadores insistiram muito neste tipo de divergência.
Por outro lado, o Sr. Deputado Narana Coissoró perguntou-me qual a Figura jurídica em que se enquadrava o despedimento por inadaptação.
Sr. Deputado, deixo esse problema para os ilustres juristas. E que o que me imporia sublinhar ê que esta é uma solução querida para ambas as partes e que penso ser eficaz em termos de funcionamento.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): -Pode ser que não seja querida para os juizes!

O Orador: - Sr. Deputado, tive ocasião de referir na minha intervenção qual foi a decisão que os parceiros sociais e o Governo tomaram sobre esta matéria.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Eu acho-a uma boa decisão...

O Orador: - Então já estamos de acordo quanto a esse ponto.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): -Nós estamos de acordo e vamos votar favoravelmente a proposta! O que eu pretendia era uma explicação!

O Orador: - Sr.ª Deputada Odeie Santos, V. Ex. ª falou da precarização do emprego e de todo um conjunto de matérias sobre as quais já tive a oportunidade de a ouvir noutras situações. Penso, no entanto, que a Sr.ª Deputada tem azar, porque anuncia sempre coisas muito complicadas que depois a prática vem demonstrar que não existem.
Lembro-me, por exemplo, de que, a propósito de uma discussão que teve aqui lugar, em que defendi que a legislação laborai, aprovada há alguns anos atrás, ia diminuir os contratos a prazo, os senhores, por mais de uma vez, questionaram isso. E, neste momento, os números estão aí para demonstrar que a diminuição da contratação a prazo é um facto, relativamente ao passado.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Isso não é um argumento!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): -Em vez de contratos a prazo, trabalham com recibos verdes!

O Orador: - A Sr.ª Deputada referiu-se, posteriormente, às questões de natureza constitucional, relativamente ao que diria que, no nosso entender, o que está contido no artigo 53.º está contemplado nas propostas que fazem parle da autorização pedida à Assembleia da República.
Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, é uma injustiça afirmar que este ministro ou este Governo considera a Assembleia da República como um mero lugar onde se cumprem formalidades.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Nesta matéria concreta!

O Orador: - Rejeito totalmente essa sua afirmação.
Por outro lado, o Sr. Deputado disse que o Governo tinha medo de discutir estas matérias e, daí, o ter solicitado um pedido de autorização legislativa. Não é verdade, Sr. Deputado! O que se passa é o seguinte: em primeiro lugar, trata-se de uma questão de coerência; em segundo lugar, trata-se de cumprir a Constituição nesta matéria; e, em terceiro lugar, não se recusa nenhum direito à participação dos trabalhadores que terá lugar na altura adequada, aquando da apreciação dos decretos-leis resultantes desta autorização legislativa, e todos vão ter oportunidade de se pronunciar.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Mas a Assembleia da República é que vai legislar!

O Orador:-O Sr. Deputado sabe que a Assembleia tem mecanismos para intervir nessa matéria.
E é certo que os parceiros sociais, dada a profundidade de análise, já se pronunciaram largamente sobre toda esta questão.
Um outro aspecto importante é o das comissões de serviço. O Sr. Deputado disse que estamos a reeditar aqui uma iniciativa anterior. Quero sublinhar que, relativamente à comissão de serviço, existe um princípio que é o do direito ao lugar, que está consignado nesta figura.
Portanto, não queira o Sr. Deputado criar aqui fantasmas, dizendo que, através dela, se cria um novo meio de despedimento. De facto, o princípio do direito ao lugar

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está consagrado não só relativamente aos trabalhadores que pertencem aos quadros da empresa como também aos que, eventualmente, possam vir de fora.
Sr.ª Deputada Odete Santos, relativamente ao período experimental, tenho pena que V. Ex. ª não tenha lido a fundamentação ...

A Sr.- Odete Santos (PCP): - Gostava que o Sr. Ministro desenvolvesse a questão das comissões de serviço.

O Orador: - Com certeza.
Quanto ao período experimental, a Sr.ª Deputada disse que cie visava objectivos muito prejudiciais para os trabalhadores. Quero dizer-lhe que um dos princípios em que se baseia o período experimental sé contribuir para desincentivar o recurso à contratação a termo, à autorização do trabalho temporário e à adopção de trabalho independente ou autónomo, quando se sobreponha a preocupação de assegurar uma experiência suficiente para a adequação às exigências da função e características do posto de trabalho». Este é um dos objectivos que fundamenta o período experimental.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Acaba-se com o contrato a prazo e fica-se com o período experimental!

O Orador: - Ainda relativamente às comissões de serviço - e atendendo ao pedido da Sr.ª Deputada, no sentido de que desenvolvesse este assunto -, posso dizer-lhe que se adopta o princípio do direito ao lugar, tanto relativamente aos trabalhadores que fazem parte dos quadros da empresa e que possam exercer funções em comissão de serviço, quanto aos que venham de fora da empresa. Só quando houver acordo entre as partes -não havendo, por conseguinte, nenhuma violação relativamente a esta matéria - é que esse princípio pode eventualmente ser afastado.
Sr. Deputado Laurentino Dias, julgo que, com os esclarecimentos que dei aos anteriores intervenientes neste debate, respondi a grande pane das suas questões. Quero também deixar claro perante esta Câmara que, da nossa parte, não há nenhum tipo de impedimento na discussão tão ampla quanto possível, até porque tanto nós como os parceiros sociais já temos um treino de muitas horas de debate sobre estas matérias - isto já foi analisado sob tantos ângulos que não tenho qualquer problema em submete-lo às análises e às discussões que entenderem como mais adequadas.
O que gostaria de afirmar, perante V. Ex. ª e esta Câmara, é que entendemos que este processo não apresenta divergências processuais relativamente aos anteriores processos legislativos e que vai haver um período de discussão pública não só relativamente aos decretos que resultarão desta autorização legislativa mas a outros onde não há necessidade de aprovação por parte da Assembleia da República. É que nós entendemos que cada um destes diplomas não deve ser analisado de per si, porque há toda uma filosofia global que levou a uma plataforma de equilíbrio e, portanto, a discussão deve ser feita em globo.
Entendemos, pois, que a altura adequada para esta análise e este consenso será durante o período de discussão pública que terá lugar na altura oportuna não só relativamente aos decretos-leis que resultam de autorização legislativa mas também a uma série deles muito importante relativamente à execução do Acordo Económico e Social, celebrado em Outubro último.

O Sr. Laurentino Dias (PS): Posso interrompê-lo, Sr. Ministro?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Ministro, quero retomar a pergunta a que V. Ex. ª disse ter respondido, mas penso não o ter feito.
A pergunta que lhe coloquei em concreto foi a seguinte: sabendo como sabemos que o Governo já fez distribuir pelo Conselho de Concertação Social os projectos de decretos-leis sobre esta matéria, por que razão é que o Governo não optou por entregar a esta Assembleia, sob a forma de propostas de lei, o que aí vai ser debatido, para podermos em concreto discutir sobre todo o articulado?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Porque isto é um departamento do Governo!

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Porquê, se é verdade - e é o - que assim a discussão se faria de uma forma muito mais plena, que a discussão era possível de uma forma muita mais alargada, que era possível a esta Assembleia suscitar a discussão pública, sem a condicionante da aprovação de princípios gerais? É que convenhamos que é diferente pedir aos sindicatos, aos parceiros sociais, às comissões de trabalhadores que dêem a sua opinião e as suas sugestões sobre legislação laborai, sem previamente definir o quadro, do que, primeiro, esta Casa ser chamada a decidir sobre o molde e o quadro geral e, depois, dizer: «agora sobre isto, digam o que pensam».

O Orador: - Sr. Deputado, julgo que a sua apreciação é injusta, porque a autorização legislativa está elaborada de uma forma muito detalhada, possuindo uma discriminação muito pormenorizada, até muito para além daquilo que seria necessário em termos de autorização legislativa. Tivemos, pois, o cuidado de, na elaboração da autorização legislativa, descer ao pormenor praticamente em todo o conjunto de sugestões e soluções que são apresentadas nesta proposta de lei.
Portanto, a meu ver - e tento ser isento neste tipo de análise -, julgo que esta autorização legislativa fornece aos Srs. Deputados todos os pormenores acerca da legislação que irá ser publicada.
Relativamente aos decretos, Sr. Deputado, eles estão em poder dos parceiros sociais, por uma razão óbvia: neste momento ainda existem acertos a fazer em questões que não são fundamentais numa matéria de tanta complexidade como esta. Neste momento estão a decorrer reuniões praticamente contínuas de afinamento de todo este tipo de questões.
Assim sendo, não existe da nossa parte nenhum problema em termos de sonegação de informação. A nossa intenção foi a de elaborar uma proposta de autorização legislativa tão detalhada que permitisse aos Srs. Deputados analisar esse quadro a que o senhor faz referência. Julgo que esta autorização legislativa, tal como está elaborada, fornece um quadro mais do que suficiente para avaliar da bondade das soluções que são propostas.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Constituição quis dar à Assembleia da

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República o poder de legislar sobre direitos, liberdades e garantias onde se inserem os direitos individuais e colectivos dos trabalhadores. Quis também a lei fundamental responsabilizar este órgão de soberania pelo protagonismo e promoção da consulta pública às organizações dos trabalhadores no que se refere à legislação laborai, preenchendo uma das suas vertentes de aprofundamento da democracia participada.
Assim quis a Constituição. Mas assim não quer o Governo nem a maioria que o sustenta, ao apresentar, agendar, fazer discutir e votar de forma célere uma autorização legislativa contendo a matriz substancial de seis projectos de lei.
Aliás, foi curioso verificar que este foi um dos debates em que o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social mais deficiente preparação revelou sobre esta matéria.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: -Por que o faz? Por que não seguiu, por exemplo, o mesmo caminho em relação à redução do horário de trabalho?
Por que é que, inconstitucionalmente, impede que este órgão de soberania promova a discussão pública, anunciando que será ele, Governo, a promove-la a posteriori?
Faltar-lhe-á confiança na sua maioria? Não é isso! Não está interessado num debate aberto e verdadeiramente participado numa Assembleia de composição plural e disponível para ouvir as organizações dos trabalhadores, para propor em questões tão importantes como o direito ao trabalho e à segurança no emprego, sobre férias e horários de trabalho, período experimental e trabalho de menores.
Não quer que haja um largo debate sobre cada uma das seis peças que compõem este novo pacote laborai, que se demonstre as suas opções contra os trabalhadores e os quadros técnicos, com medo de que o conhecimento por parte destes se traduza em resistência, tomada de consciência perante os perigos e lula social. Quer isto, rapidamente e em força, antes que se aproximem as eleições legislativas
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo veio retomar algumas velhas peças da anterior proposta de lei de despedimentos, acrescentadas de velhas aspirações e reivindicações das entidades patonais que nunca se conformaram com as parcelas do domínio perdido nos últimos anos.
No ano passado, por muitas das malfeitorias propostas nesta autorização legislativa (acrescentadas pela liquidação do direito à greve e das comissões de trabalhadores), ofereciam as confederações patronais 90 milhões de contos para aumentos salariais. Agora o Governo quer dar-lhas! De graça!
De forma avulsa e com novas vestes processuais, com um retoque de modernidade na linguagem são retomados os princípios e os conceitos do despedimento por inadaptação do trabalhador e por perda de confiança patronal. Sobre o despedimento por inadaptação - que, a par da falta de discussão pública prévia, mereceu, em 1988, a declaração de inconstitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional -, os fundamentos não foram alterados. Até o PSD pareceu reconhecer, no parecer da Comissão, que o despedimento com justa causa é um novo conceito que surge.
O Governo insiste no despedimento de trabalhadores por motivos relacionados com modificações no posto de trabalho decorrentes de alterações tecnológicas em nome da reestruturação e da eficácia das empresas e, tratando-se de cargos de complexidade técnica ou de direcção, quando não tenham sido cumpridos os objectivos fixados pelo patronato. Para estes quadros superiores, a comissão de serviço que impõe elevada e constante lealdade, dedicação e competência constitui a outra peça do puzzle que os amarra, condiciona e ameaça permanentemente.
O que é que leria levado o Primeiro-Ministro, em 1988, a atacar frontalmente o Tribunal Constitucional face à sua decisão de declarar inconstitucional a iniciativa do Governo e hoje, praticando a reincidência, tanto no plano formal como no plano material, seja ele a sugerir a fiscalização da prévia constitucionalidade?
Mas se os despedimentos por causas não imputáveis ao trabalhador são uma reivindicação velha e cíclica da direita e do patronato, obstaculizada pela Constituição e pela luta dos trabalhadores, esta autorização legislativa visa ir mais longe. Através de um grande alargamento do período experimental -e não há que esquecer que a actual lei já impõe um período de 60 dias e que foi alterada em 1989 -, o Governo consegue criar um regime pior que o do contrato a prazo. Para as empresas com 20 ou menos trabalhadores, onde é evidente ser mais fácil apreciar as qualidades do trabalhador, alarga-se esse período para 90 dias. Descortina-se, assim, em vários sectores de actividade, o recurso sistemático a esta possibilidade.
Eis como se inventa uma nova e mais barata forma de precaridade, recusando a esses trabalhadores os direitos que são conferidos aos contratados a prazo. Não nos admirava nada, caso isto fosse aprovado, que o Sr. Ministro viesse aqui dizer que os contratos a prazo tinham sido reduzidos, não dizendo, no entanto, que muitos desses trabalhadores nesse momento estavam sujeitos a períodos experimentais de 90 dias.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Acresce ainda o desmesurado período experimental de 180 dias para cargos de complexidade técnica (c alguém é capaz de explicar onde começa e acaba complexidade técnica?) e 240 dias para quadros superiores (quando actualmente já é de 180 dias).
O regime de duração e horários de trabalho constante na proposta governamental caracteriza-se pela sua inspiração desregulamentadora do trabalho. Quer o Governo sujeitar os trabalhadores a 10 horas de trabalho diárias e a SÓ horas semanais, a definir em termos médios de três meses. Quando aqui recentemente se aprovou a duração do horário semanal para as 44 horas, quando a duração média já ronda, em termos nacionais, as 42 horas e se vem agora propor uma medida desta natureza, ficamos com a verdadeira dimensão social do Governo.
Em nome da modernidade, isto? Não constitui esta medida um profundo retrocesso social que põe em causa o limite histórico das 48 horas semanais, estabelecido, em 1919, na I Convenção da OIT e desvaloriza a própria redução do horário de trabalho aqui aprovada?
Simultaneamente, propõe-se flexibilizar o gozo do dia de descanso complementar, agravar o regime de turnos, nomeadamente através da possibilidade de que, nalguns casos, se possa trabalhar 12 dias consecutivos.
Que consequências teriam medidas desta natureza para a vida pessoal e familiar dos trabalhadores, das mães

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trabalhadoras ou até mesmo para a higiene e segurança no trabalho?
Com ar cândido, como aliás foi feito recentemente pela bancada do PSD, será dito que tudo isto passa pela negociação da contratação colectiva. Só que falta aqui uma peça do puzzle. É que desta autorização legislativa não consta - e o Governo devia explicar à Assembleia da República por que o deixou de fora- um projecto de decreto-lei de alteração à lei da contratação colectiva, onde se pretende instituir um regime de arbitragem obrigatória dos conflitos colectivos de trabalho, contrariando frontalmente o direito de livre negociação e acordo previsto na Constituição da República. A criação de uma terceira entidade na resolução dos conflitos não só é caricato como um mau prenúncio.
Até no que respeita ao direito a férias, o Governo propõe que sejam trocados dias de descanso por mais algum dinheiro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A filosofia desta autorização legislativa, sob o manto diáfano da modernização e da dinamização das empresas, recoloca na ordem do dia uma linha de demarcação e de confronto entre dois interesses: de um lado, estão os interesses de quem procura a manutenção e o crescimento do lucro, o reforço de posições económicas e a subsistência de privilégios; do outro, estão os interesses de quem, através do seu trabalho, quer estabilidade e segurança, um salário justo e um estatuto social dignificado.
No confronto destes dois interesses, a Constituição da República, mesmo depois da revisão de 1989, optou pela garantia do direito ao trabalho e à segurança no emprego, por horários e salários justos, pelo direito à fruição do descanso e dos lazeres daqueles que nos rendimentos do trabalho encontram o seu único meio de subsistência.
Ao contrário, o Governo do PSD dá prevalência ao lucro e aos interesses da empresa, precarizando e desregulamentando o estatuto social e laborai. Não ficou neutro nem acima deste confronto. Optou por ficar contra os trabalhadores. Prossegue, afinal, uma política que inevitavelmente arreda e exclui os trabalhadores da riqueza e do progresso, ergue novas ameaças e alicerces a novas discriminações, desigualdades e inseguranças no mundo do trabalho.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Novas e acrescidas responsabilidades vão ser exigidas às forças, instituições e partidos democráticos para impedir que este novo pacote laborai seja transformado em lei da República. O PCP tudo fará para que esta operação inconstitucional e carregada de injustiça não tenha êxito. E se a este primeiro passo do Governo está a ser dada a primeira resposta, lemos a profunda convicção que mais uma vez o que vai ser determinante será a luta daqueles a quem é dirigida esta ofensiva. E esses, os trabalhadores, no passado recente, já demonstraram que são capazes de construir a unidade bastante para suster os objectivos anulaborais do Governo do PSD.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jerónimo de Sousa: Desejava dirigir-lhe uma pergunta muito simples e muito curta. Da filosofia do seu discurso ressaltou, como, aliás, é seu hábito fazê-lo, que tudo o que há de mal é satânico, é da direita e do patronato e tudo o que há de bom é divinalmente do Partido Comunista - estamos entendidos!
No entanto, pretendia saber - não tenho vergonha de dizer que sou de direita, embora não defenda o que certo patronato faz- se a gerência, os administradores, os empregadores do jornal O Diário, quando puseram dezenas de trabalhadores na rua sem justa causa eram de direita e os trabalhadores eram de esquerda?! De qual lado esteve então o Partido Comunista?!
Em segundo lugar, gostava de saber se para o Sr. Deputado no Conselho de Concertação Social se senta tudo à direita?! E se senta devo dar parabéns a mim próprio, porque a direita, neste caso, representa uma enorme parte da força laborai deste país. Ou estará o PCP sentado, isolado, fora de todas aquelas frentes que defendem os trabalhadores e que também se sentam no Conselho de Concertação Social?! Onde é que se senta o PCP e o que é que representa face a estas forças laborais representadas no Conselho de Concertação Social? São estas as minhas perguntas.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavara o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Deputado Narana Coissoró, é evidente, louvo-lhe a coerência - aliás, sempre louvei a sua coerência - em relação às questões centrais, portanto, em termos de alteração da legislação laborai, o que não o impede de ter um posicionamento sério quando se trata de questões sérias.
Creio que ao colocar a questão de saber onde estava sentado o PCP, tenho que responder-lhe que não está sentado no Conselho de Concertação Social. O PCP está sentado - e bem - na Assembleia da República, onde o Sr. Deputado se encontra também, e creio que está de acordo comigo em que esta Casa não pode servir apenas como cartório notarial para colocar o carimbo naquilo que o Governo pretenda fazer, independentemente dos méritos do diálogo social que existiu no Conselho de Conceriação Social.
Por outro lado, nem toda a gente assinou, além de que nem todas as organizações de trabalhadores lá estão representadas. De acordo com a Lei n.º 16/79, como o Sr. Deputado sabe, porque é jurista, as comissões de trabalhadores, os prórios sindicatos que não estão com a CGTP nem com a UGT, também têm que ser ouvidos nesta matéria, independentemente, como digo, dos méritos da Concertação social e do diálogo daí resultante. Não estou a discutir isso, nem me compele estar aqui a defender ou a acusar este ou aquele. Se entrássemos por aí, então poderia dizer-lhe que a CGTP - como, de facto, ouvimos aqui - teve um posicionamento construtivo, fazendo propostas construtivas que defendiam os interesses dos trabalhadores, mas, no entanto, não assinou ao verificar que isto não servia esses mesmos interesses pelos quais se bateu abenegadamente no Conselho da Concertação Social.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Mas aqueles que assinaram eram de direita?! É isto que lhe pergunto?

O Orador: - Portanto, quanto ao posicionamento da direita e da esquerda quero, mais uma vez, afirmar ao Sr. Deputado que estamos na Assembleia da República e é aqui que deveríamos discutir esta matéria, coisa que não aconteceu, infelizmente, nem está a acontecer, mas, com

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certeza, não abdicaremos dos nossos direitos constitucionais e regimentais. Por isso, estamos aqui a debatê-los.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Dam ião (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 176/V, que estabelece o regime jurídico do trabalho de menores, das férias, do trabalho em comissão de serviço, do período experimental, da cessação do contrato de trabalho por inadaptação, apresenta-se como visando concretizar aspectos fundamentais do recente Acordo Económico e Social.
Desde logo, merece severa crítica, como já aqui foi dito, o recurso a um pedido de autorização legislativa desacompanhado do texto dos diplomas.
Como referiu, no seu parecer sobre esta proposta de lei, um dos subscritores do Acordo - a UGT -, «a opção pelo recurso ao pedido da autorização legislativa é da responsabilidade do Governo».
Aquando da discussão do pacote laborai suscitou-se a necessidade de a Assembleia da República proceder directamente à publicação e à sujeição a discussão pública do pedido de autorização legislativa.
Contra este entendimento sustentou-se que os anteprojectos de diploma a publicar com base na autorização legislativa já haviam sido publicados no Boletim do Trabalho e Emprego e sujeitos à apreciação pública por parte do Governo, o que, diga-se desde já, nem sequer é o caso, pois os anteprojectos não estão publicados no Boletim do Trabalho e Emprego.

nosso ponto de vista é o de que o órgão de soberania com competência para regular uma determinada matéria é que deve sujeitar directamente esse diploma à audição dos sindicatos e das comissões de trabalhadores.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Como devem estar recordados, o Acórdão n.º 107/88, do Tribunal Constitucional, fugiu -a nosso ver mal - a pronunciar-se sobre a questão de saber se era a Assembleia da República que tinha ou não de proceder directamente à sujeição a discussão pública.
Fê-lo considerando que, sendo inequivocamente um pedido de autorização legislativa sobre matéria laborai, legislação de trabalho para efeito da necessidade da sua sujeição à discussão das organizações representativas de trabalhadores -sindicatos e comissões de trabalhadores-, o facto de o Governo não ter fornecido à Assembleia o resultado da discussão pública que havia promovido era suficiente para que se considerassem violados os artigos 54.º, n.º 5, alínea d), e 56.º, n.º 2, alínea a), que prevêem a participação das comissões de trabalhadores e dos sindicatos na elaboração da legislação do trabalho.
Neste caso ganham ainda mais força o argumento por nós indicado aquando do debate do pacote laborai, pois não houve sequer, como já referimos, a discussão pública promovida pelo Governo.
Não se diga que esta questão ficará sanada por o Governo vir, posteriormente, a sujeitar à discussão pública os anteprojectos de diploma que tenciona publicar, pois foi o facto de o resultado da discussão promovida pelo Governo não ser do conhecimento da Assembleia da República, aquando da discussão da proposta de lei do pacote laborai, que implicou a declaração de inconstitucionalidade de várias normas do decreto aprovado pela Assembleia da República. E compreende-se que assim seja: é que se é a Assembleia da República que tem que aprovar cabe-lhe saber o que pensam as organizações representativas dos trabalhadores. Sustentar o contrário é manifestar, mais uma vez, desrespeito pelas funções da Assembleia da República.
Cabe, por isso, ao Governo a exclusiva responsabilidade, ao agir desta forma, pela eventual declaração de inconstitucionalidade do decreto a que esta proposta de lei venha a dar lugar. O Governo com a invocação da celeridade, prepara-se para lançar para outros as culpas do atraso na concretização do que acordou e que será apenas da responsabilidade do mau caminho por que optou.
Este motivo é suficiente para não votarmos a favor da autorização pedida.
O Partido Socialista tem sobre as matérias em apreço uma apreciação própria. Sendo solidário com a acção da UGT e dos sindicatos em geral com vista a concretizar os direitos e aspirações dos trabalhadores, é evidente que tem uma concepção mais generosa do que a do Governo em algumas matérias, cujo conteúdo está no Acordo Económico e Social.
Relativamente ao trabalho de menores, ao regime jurídico das férias, à organização do tempo de trabalho, entendemos dever, por isso, apresentar projectos de lei que vão mais longe na defesa dos direitos dos trabalhadores.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

A Oradora:-Tivemos em devida conta os debates verificados em sede de Conselho Permanente de Concertação Social, mas também e naturalmente as nossas posições como partido, as convenções da OIT, a Carta Social Europeia e a Carta das Nações Unidas sobre os direitos das crianças.
Em matéria de trabalho de menores, procurámos ir o mais longe possível na adaptação da Convenção n.º 138 da OIT à nossa ordem jurídica. Como constava do nosso anterior projecto de lei n.º 463/V, temos como objectivo a elevação da idade mínima legal para trabalhar para os 16 anos no mais curto espaço que seja possível.
Numa linha de reconhecimento progressivo da capacidade de exercício de direitos, estabelece-se que a retribuição é sempre paga directamente ao menor e que o contrato de trabalho celebrado por menores com idade mínima legal para trabalhar não necessita da autorização dos seus representantes legais para ser válido. Apenas a oposição expressa será relevante para declarar a sua ulterior invalidado.
Procura-se estimular a aquisição de maiores qualificações escolares e profissionais, quer dos menores que não completaram a escolaridade obrigatória, quer dos que a tendo completado pretendem aumentar a sua qualificação profissional e escolar. Facilite-se, por isso, o recurso a licenças sem retribuição a menores que tenham um ano de trabalho por um período ou períodos de duração total equivalente, bem como o acesso a bolsas de estudo para poderem melhorar a sua qualificação profissional e escolar.

Vozes do PS: - Muito bem!

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A Oradora: - Relativamente às actividades de formação profissional desenvolvidas em estabelecimentos de ensino e em empresas, tivemos em conta o disposto na Convenção n.9 138 da OIT, nomeadamente a exigência, no caso de as actividades serem desenvolvidas nas empresas, de que os menores tenham pelo menos 14 anos. A saúde e o desenvolvimento equilibrado dos menores mereceu-nos a maior atenção.
Estas preocupações não passarão, contudo, de votos piedosos, se não houver coragem de criminalizar o recurso ao trabalho de menores sem a idade legal mínima ou em trabalhos que estejam proibidos ou para a sua idade pelo esforço físico que representam ou que sejam nocivos ao seu desenvolvimento físico, mental e moral. Justifica-se nestes casos a aplicação de sanções acessórias.
O recurso abusivo ao trabalho infantil e a utilização de menores em actividades gravosas para a sua integridade física e moral tem que ser severamente punidos.
Todas as outras infracções menos graves devem ser consideradas contra-ordenações e merecem a aplicação de coimas.
Em matéria do regime jurídico das férias, afigura-se-nos que o que está actualmente consagrado não deve ser diminuído.
O que há é fixar uma duração mínima do período de férias, permitindo a sua elevação por instrumento de regulamentação colectiva ou por contrato de trabalho para acertar o passo pela Europa com duração média de cinco semanas.
É razoável procurar compatibilizar o gozo de férias com a melhoria da organização do trabalho, permitindo às empresas que adoptem as melhores soluções no que respeita à integração das férias dos seus trabalhadores na programação do respectivo funcionamento. Privilegia-se o gozo efectivo das férias, tendo em vista as suas finalidades de recuperação e realização pessoal.
Em matéria de organização do tempo de trabalho, procurou críar-se condições que possibilitem, através da contratação colectiva, uma relativa flexibilidade na gestão dos tempos de trabalho. Dizemos «relativa» porque há limites que devem ser fixados à pressão das entidades patronais e até à vontade dos trabalhadores de ganhar mais comprometendo a sua saúde e dessa forma o seu futuro. O empregador, quando reduz as horas de trabalho, espera horas de melhor qualidade, eficácia e produtividade.
Em Portugal, estamos conscientes das dificuldades de adaptação, devido à penúria organizativa de muitas empresas e mesmo sectores com uma deficiente gestão de recursos humanos. Todavia, já existem significativos exemplos positivos de uma gestão flexível de horários de trabalho. Subsistem, no entanto, resistências dos empregadores e até de trabalhadores e mesmo de sindicatos.
Alguns empregadores pensam que uma redução de 5 %o do horário corresponde a uma redução de 5 %o da produção ou mais recurso a horas suplementares mais caras e, por isso, temem a mudança. Muitos trabalhadores pressionam no sentido de recorrer às horas suplementares como forma de aumentar o seu rendimento extremamente baixo. É, portanto, claro que, para que não haja prejuízo para ambas as partes, é necessário reorganizar e planificar.
O caso francês é, porventura, o mais interessante, porque nos é mais próximo no plano cultural e legislativo, onde também os espanhóis se inspiraram, e resulta de uma legislação socialista de 1982: horário diário e limitado à flexibilização de 10 horas; horário semanal legal de 39 horas; horário máximo semanal de 48 horas e as horas suplementares autorizadas anualmente é de 130 horas.
Os motivos e os métodos de flexibilização podem ser os mais diversos estabelecidos pela negociação colectiva; todavia, a lei deve consagrar os grandes princípios que encoragem os parceiros sociais a atingir, simultaneamente, objectivos de qualidade de vida e produtividade.
Um estudo da Fundação Dublin, com base em investigação multinacional, dá-nos conta de como tem sido possível reduzir com sucesso os horários de trabalho na Europa e exemplifica, ainda, o que é uma redução de horário mal sucedida: a redução diária ou semanal com aumento ao recurso a trabalho suplementar sem planificação face a objectivos concretos.
Tenhamos presente que, em 1992, os baixos salários, longos horários, geridos discricionariamente, serão apontados pelos parceiros comunitários como factores de concorrência desleal.
Relativamente ao período experimental, sendo certo que preferimos um período experimental dilatado do que o recurso ou formas atípicas de contrato de trabalho comummente aceites - contrato de prestação de serviços ou de trabalho temporário -, parece-nos, todavia, exagerado nas pequenas empresas e no que aos quadros diz respeito, sendo preocupante esta tendência para precarizar os vínculos contratuais dos quadros lambem manifesto no regime do trabalho em comissão de serviço.
Este regime preocupa-se mais com as relações de poder na empresa do que com a garantia da sua capacidade técnica e tecnológica e contraria uma cultura de empresa empenhada na valorização dos seus quadros. As oportunidades oferecidas aos seus trabalhadores são exíguas, não se prevendo a possibilidade do recurso à formação para compelir com os recrutados do exterior, cujo vínculo à empresa é manifestamente precário.
Esta verdadeira fobia aos quadros é mais evidente na alínea c) do artigo 6.º, relativamente à cessação de contrato de trabalho por inadaptação, que se aproxima da figura de inaptidão considerada inconstitucional e que o Grupo Parlamentar do PSD, num arranjo de última hora, procura evitar.
Felizmente que o mercado de trabalho é-lhes favorável, escasseiam recursos humanos com preparação técnica e científica; todavia, tais medidas aliadas à livre circulação podem ser um incentivo à já preocupante emigração de jovens licenciados e quadros experientes, formados nas nossas escolas e empresas, sem que o País retire desse encargo contrapartidas, bem como a possível substituição de quadros estrangeiros por nacionais em cargos de maior responsabilidade na empresa.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Ainda uma palavra sobre a inadaptação. O Partido Socialista nunca pensou que consagrar a inadaptação do trabalhador fosse a melhor forma de resolver os problemas da gestão de recursos humanos nas empresas.
Se se não pode dizer que o Acórdão n.º 107/88, do Tribunal Constitucional, inviabilizou totalmente a figura da inadaptação do trabalhador como causa de cessação do contrato, ninguém tem dúvidas que estabeleceu, contudo, condicionalismos apertados que não permitem regular a inadaptação de qualquer forma, sob pena de ficar ferida de inconstitucionalidade.
Afigura-se-nos que a forma como esta matéria consta do pedido de autorização legislativa não traduz bem o

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espírito do Acordo, nomeadamente a posição que a UGT fez questão que Ficasse consagrada como sendo de duvidosa constitucionalidade.
O PS reitera as suas posições de fundo sobre esta matéria. Consideramos como globalmente positiva a realização do Acordo Económico e Social, embora não seja este o âmbito do Acordo que o País necessita e que a UGT propôs com base no Pacto de Progresso Participado e Partilhado.
Entendemos que há muitos aspectos passíveis de alteração e aperfeiçoamento e damos para esse debate o nosso contributo.
O PS não compreende, finalmente, que uma matéria de tanta importância e tão delicada seja tratada na fornia de autorização legislativa e não como deveria ter sido, ou seja, através de um conjunto de propostas de lei que permitisse à Assembleia da República a sua discussão plena, como já aqui foi referido.
O PS não confia neste Governo e, por isso, não lhe concede esta autorização legislativa, que é usurpadora das competências próprias desta Assembleia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Fernandes Marques.

O Sr. Joaquim Fernandes Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, creio que é inquestionável dizer-se que esta proposta de lei de autorização legislativa acolhe, fundamentalmente, princípios que resultaram do Acordo Económico e Social celebrado em Outubro entre os parceiros sociais, que o quiseram subscrever, e o Governo do PSD.
Talvez seja isto que funcione como areia, como pedra ou, se quiserem, como pedregulho no sapato do Partido Socialista. Aliás, foi patente que, depois da assinatura do Acordo Económico e Social, o Partido Socialista ficou como que enciumado com o Acordo obtido entre o Governo e os parceiros sociais e que, porventura...

Vozes do PS: -Ciumentos?!

O Orador: - Não são ciumentos?! Está à vista!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Isto que estou a dizer é claro! Por um lado, o Partido Socialista diz que este Acordo Económico e Social é globalmente positivo, mas, na prática, o que é que se verifica? Para cada medida que vai sendo aprovada aqui, na Assembleia da República, e que seja da competência da mesma, bem como as medidas que são da competência do Governo, aprovadas e publicadas, de acordo com a capacidade legislativa do Governo, que mereceram o acordo dos parceiros sociais no âmbito do Conselho Permanente de Concertação Social, o Partido Socialista apresenta proposta diferentes, divergentes e alternativas.
Creio, Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Deputados dos Partido Socialista, que era mais consentâneo com o sentir profundo que vos vai na alma, a este respeito, que dissessem que o Acordo Económico e Social é globalmente Positivo, mas, especificamente, ele é globalmente negativo. É isso que resulta do vosso comportamento, quer em termos de iniciativas legislativas da Assembleia da República, quer da forma como tratam as iniciativas legislativas do Governo, no uso da sua competência, que vêm dar resposta àquilo que está consagrado no Acordo Económico e Social. Por isso, os senhores estão com o Acordo Económico e Social, porque se assim não fosse era desagradável. Os senhores andam, há não sei quantos anos, a dizer que o diálogo social é que é bom; que o Governo é autoritário e não dialoga, mas, no fundo, quem faz os acordos económicos e sociais é o Governo do PSD, quem dialoga é o Governo do PSD. Não tenho memória de que o Partido Socialista, quando liderou governos, tivesse alguma vez conseguido celebrar algum acordo económico e social.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E a este respeito diga-se o seguinte: esta é uma proposta de lei de autorização legislativa que o Governo apresentou à Assembleia da República com inteira legitimidade, e a Assembleia da República discute-a também com toda a legitimidade, tendo em conta de que se trata de uma proposta de lei de autorização legislativa.
A Sr.ª Deputada Elisa Damião sabe que desde a I Legislatura até hoje já foram apresentadas, nesta Câmara, por todos os governos, pelo menos, 10 propostas de lei de autorização legislativa. Na I Legislatura foram apresentadas relativamente ao serviço doméstico, ao regime de duração e organização temporal de trabalho - e creio que, nesta altura, havia governos de liderança socialista!... Alguma vez estas propostas de autorização legislativa foram submetidas a discussão pública? Nunca! E é evidente que o PS, nomeadamente com a posição que assumiu quanto à eventual necessidade da discussão pública desta proposta de lei de autorização legislativa, está também, por esta via, a tentar retardar, no fundo, a concretização das medidas que foram acordadas no âmbito do Conselho Permanente de Concertação Social.
Sr.ª Deputada Elisa Damião, vou também lembrar-lhe uma outra questão. Normalmente as leis do Orçamento do Estado têm normas que concedem autorização legislativa ao Governo para regulamentar matéria que tem a ver com as condições de trabalho dos trabalhadores da Função Pública. Alguma vez o PS exigiu, ou lembrou-se de propor, que a proposta de lei do Orçamento do Estado fosse submetida à discussão pública, porque essa é também matéria de legislação laborai? E evidente que não! Seria insensato que o fizesse! Mas, tendo em conta a linha de raciocínio que o PS está agora a seguir, deveria ler ido por aí. Porém, não vai, porque efectivamente o que o Governo tem de fazer, depois de devidamente autorizado pela Assembleia da República a legislar sobre estas matérias, é, sim, submeter à discussão pública os decretos-leis autorizados que se propõe publicar, de acordo com a autorização legislativa.
Portanto, Sr.ª Deputada, por que é que o PS, quando foi governo, não propôs aqui, na Assembleia da República, que fosse submetida à discussão pública a proposta de lei de autorização legislativa sobre a matéria laborai e por que é que a propõe agora? Será porque o PS não tem coragem de dizer que, no fundo, não gostou nada, mesmo nada, do Acordo Económico e Social que foi celebrado?
A Sr.ª Deputada Elisa Damião disse ainda que o PS não confia no Governo. Eu direi: ainda bem que assim é! Sc o PS confiasse no Governo, ...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Era o Bloco Central!

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O Orador: -... havia aqui alguma coisa que eslava mal. Agora uma coisa é certa: estou convencido de que, com este comportamento do PS, com estas cambalhotas todas que ele dá, quem não continuará a confiar no PS é o povo português!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

A Sr.ª Elisa Damião (PS):-No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então tem a palavra o Sr. Deputado José Silva Marques.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr.ª Deputada Elisa Damião, temos tido hoje a oportunidade de verificar que os socialistas resolveram mudar de discurso, para não dizer de pessoal, ...

O Sr. Alberto Martins (PS): - Pessoal?

O Orador: -... ou que mudam de discurso consoante mudam de pessoas - e permitam-me o termo, já que estamos a tratar de legislação laborai.
Ouvimos hoje, o Sr. Deputado Jaime Gama fazer um discurso que nos surpreendeu pelos seus aspectos positivos, mas que feria pelo contraste relativamente ao discurso proferido aqui, na semana passada, pelo Sr. Deputado - naquele momento - Jorge Sampaio.
Agora o discurso da Sr.ª Deputada Elisa Damião surpreende-nos com as mesmas inovações. Perguntamo-nos, o que é que pensará neste momento o PS sobre esta matéria que hoje aqui discutimos. Não pelo facto de outros socialistas não terem assinado o acordo e, pelo contrário, terem-se oposto - os socialistas que estão integrados na CGTP. Não é por isso. Até porque é uma pequena fracção, presumo, do PS. Mas, de qualquer modo, levanta a curiosidade.
O meu pedido de esclarecimento é no sentido de saber o que pensa, de facto, hoje o PS e, sobretudo, o que quer o PS relativamente ao acordo social. O PS quer hoje romper o acordo social? Já não o quer? Já o considera de tal forma negativo, sobretudo na sua aplicação, que não o quer?
O PS está neste momento numa posição de ruptura social, em vez de preconizar a concertação social. A minha pergunta é tanto mais legítima quanto, Sr.ª Deputada, tenho a ousadia e, se calhar, a inconveniência de chamar-lhe a atenção para as declarações do seu líder, Dr. Jorge Sampaio, que afirmou, na altura da celebração do acordo social, que, pura e simplesmente, «se fosse sindicalista também assinava o acordo social».

Afinal, Sr.ª Deputada, o PS quis o acordo social. E agora, já não quer?

Vozes do PS: - Quer, quer!

O Orador: - O que é que o PS quer, senão, pura e simplesmente, neste momento, por razões decerto cicitoralistas, entrar numa posição de ruptura social, de radicalismo? Será essa a via de afirmação?
De qualquer modo, Sr.- Deputada, o que é que prevalece: o ponto de vista do secretário-geral do PS, que disse - repito - «se fosse sindicalista assinava o acordo social», ou o ponto de vista da Sr.- Deputada? Qual é, afinal de contas, a posição do PS? Sobretudo, o que é que o PS quer mesmo? Quer, de facto, a concertação social ou quer, pura e simplesmente, a ruptura e o radicalismo social?

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Deputado Joaquim Fernandes Marques, quanto às autorizações legislativas, que passaram por esta Casa e que foram objecto de acolhimento por parte do PS, presumo que o PS estaria de acordo com o processo, pois vivíamos uma situação completamente diferente daquela que vivemos hoje. Em todo o caso, e relativamente a essa questão, devo dizer que quando o PS for governo não utilizará a metodologia que este Governo utilizou, porque é manifesto o desrespeito pela Assembleia em não trazer...

O Sr. Joaquim Fernandes Marques (PSD): - O que está a dizer fica escrito!

A Oradora: - Fica escrito e é exactamente para que fique escrito que debatemos este assunto aqui na Assembleia!
Sr. Deputado, por que não acompanhar destes textos a proposta de lei de autorização legislativa? Efectivamente, o Governo está a exorbitar das suas competências nesta matéria, não respeitando o trabalho parlamentar.
Relativamente às dúvidas sobre o acordo 'social, colocadas por ambos os Srs. Deputados, então os senhores entendem que o PS, que criou o Conselho Permanente da Concertação Social, que sempre tem defendido o diálogo e tem uma cultura de solidariedade, iria desrespeitar ou, de algum modo... Os senhores estão a esquecer que o actual parceiro governo, que é uma componente fundamental, porque as outras componentes têm um carácter de recomendação aos seus associados - a única componente que vincula em lei aquilo que é acordado em concertação social é o governo- é o vosso e não o nosso. Quando o governo for nosso, faremos um acordo completamente diferente.

Aplausos do PS e protestos do PSD.

E mais: é tão evidente que não nos embaraça, mas, sim, aos senhores, o facto de, há três anos a esta parte, termos apresentado projectos para alteração, por exemplo, do pacote laborai e projectos que os senhores não acolheram, que rejeitaram, que conduziram a uma greve geral, em Março de 1988 - os senhores já estão esquecidos disso. Mas vieram agora, isso sim, por razões meramente elcitoralistas, aceitá-las. Quem muda de opinião conforme a saison, quem veste de acordo com as conveniências, são os senhores, não é o PS!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.

O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A assinatura do Acordo Económico e Social, em 19 de Outubro de 1990, constituiu, sem dúvida alguma, um momento histórico da concertação social em Portugal.
A amplitude das questões laborais, sociais e económicas não encontra paralelo na história, ainda curta, da

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Concertação Social em Portugal, que adquire agora, qualitativamente, uma nova dimensão. Igualmente a profundidade da discussão, que antecedeu a sua assinatura, os objectivos e princípios estabelecidos e o período de tempo previsto para a sua implementação são aspectos que importa realçar.
As soluções e os compromissos estabelecidos no acordo não deixaram de causar perplexidade pela dificuldades em negar muitas das suas virtualidades.
No entanto, o acordo peca por vir, talvez, demasiado tarde. Foram precisos três anos para que o Governo se decidisse pela concertação social. Três anos demasiado importantes para que o Governo se quedasse pelo silêncio e pela inacção.
Portugal está a perder o desafio europeu e o nível de vida dos portugueses está a ficar muito aquém do que teria sido já possível de atingir. Os reflexos desta situação são cada vez mais negativos em termos sociais e o falhanço da meta governamental de reduzir a inflação e a consequente perda de poder de compra dos portugueses só tem agravado as desigualdades sociais, curiosamente mais acentuadas nos distritos com maior índice de crescimento.
Escusado será falar da importância da reestruturação, quanto antes, do sector produtivo português. Não se pode, no entanto, deixar de insistir nas consequências do atraso dessa reestruturação que poderá levar ao encerramento, sem apelo e sem agravo, de centenas de pequenas e médias indústrias, nomeadamente as de trabalho intensiva
Escusado será também falar da importância de um acordo desta natureza, não só quanto a essa reestruturação como na superação do atraso com o mínimo possível de danos sociais. No entanto, é importante reafirmar que, não obstante o esforço de concertação. o Acordo Económico e Social padece de algumas limitações. A cabeça dessas limitações está o facto de o acordo incidir, quase exclusivamente, sobre as relações laborais.
É certo que esse é o factor mais importante, não só quanto ao processo de produção como em relevância social. Mas, precisamente por isso, nua se entende que se tenha praticamente excluído a possibilidade e o dever de as empresas realizarem projectos na área social, relevando tal esforço para efeitos riscais, pelo menos até se criar o hábito e se compreender que sai bem mais barato e eficaz às empresas dólar o seu trabalhador e família de estruturas, que não só garantam como elevem o seu nível de vida.
O acordo ficou, pois, em grande parte, reduzido aos encargos que as entidades empresariais e sindicais esforçadamente assumiram e a um conjunto bastante grande de importantes questões, por vezes decisivas para a concretização dos objectivos do acordo, ainda a realizar por meio de negociação colectiva, difícil e incerta quanto ao seu resultado.
Quanto ao Estado, a ideia que enquadra todo o acordo é, por um lado, a da desintervenção progressiva -a que corresponde o esforço de desregulamentação, por vezes excessivo e fazendo perigar conquistas importantes dos trabalhadores portugueses - e, por outro, a devolução e ou agravamento da responsabilidade do Estado na protecção social.
Ora, o acordo bem poderia ter ido mais longe e até noutro sentido. É para nós incompreensível que um acordo desta importância, denominado económico e social, pouco ou nada preveja acerca dos programas, apoios e facilidades à reconversão das empresas, à organização do processo produtivo e à modernização das técnicas de intervenção no mercado; pelo contrário, tudo é feito em função do factor de produção trabalho.
O mesmo se diga quanto à prevenção e resolução dos problemas sociais que, para o PRD, passa necessariamente por uma nova concepção de empresa e das relações laborais. Com efeito, é para nós claro que a resolução de inúmeros problemas sociais é bem mais eficaz sendo realizado pelas empresas do que pelo Estado.

nossa concepção e análise distancia-se, assim, das que serviram de base ao acordo, na medida em que não só não se conseguiu afastar o binómio capital/trabalho como se acentuou a tensão entre os mesmos. Obviamente, o consenso alcançado não prejudica essa tensão mas, pelo contrário, até a pressupõe e incentiva.
Todos os erros e suas funestas consequências, como os milhares de contratados a prazo - tanto no sector privado como, escandalosamente, no sector público- derivam dessa concepção, segundo a qual a segurança no emprego reduz-se ou depende, quase exclusivamente, da manutenção do vínculo laborai.
Todavia, avaliando o acordo pelos próprios parâmetros que o condicionaram, não podemos deixar de reconhecer que importantes objectivos foram atingidos e muitos mais estão agora em melhores condições de virem a sê-lo.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A negociação colectiva é um instrumento fundamental de progresso e de justiça social. Em matéria laborai não é por acaso que a Constituição e as leis actualmente em vigor estabelecem o direito de os trabalhadores participarem na elaboração da legislação que lhes diz directamente respeito.
Ao fim de três arrastados anos. o Governo parece, finalmente, ter-se apercebido disso! Mas, infelizmente, não o compreendeu totalmente, pois para o Governo todo o esforço de concertação parece ter começado com a negociação e terminado com a assinatura do Acordo Económico e Social (AES).
As recentes atitudes do Governo parecem, com efeito, dar razão àqueles que afirmam que com a lógica da flexibilização e da desregulamentação, que o Governo se esforçou por consagrar no acordo, o Governo mais não visa do que descartar-se, o mais possível, das suas responsabilidades. Por isso mesmo, em relação a muitos dos aspectos do acordo, alguns específicos outros muito genéricos, a única coisa que se estabeleceu foi a sua negociação futura, onde, naturalmente, as associações empresariais e as centrais sindicais jogarão o papel principal. É ainda à luz deste princípio que muitas das recentes conquistas são colocadas em causa no próprio texto do acordo.
Más o mais grave nem sequer é isso! O mais grave é o facto de o Governo, não obstante o ênfase do acordo na negociação colectiva, ter começado por não respeitar o princípio, por ele próprio reconhecido e assumido, de que o diálogo tem de ser constante não só em relação à implementação do acordo como também em relação a aspectos nele não contemplados.
A proposta de lei n.º 170/V surge na sequência do acordo; no entanto, o facto de o Governo ter apresentado um pedido de autorização legislativa, em vez de um projecto final, previamente discutido com os parceiros sociais, levanta-nos sérias preocupações acerca das intenções do Governo e do rumo futuro da negociação colectiva.
O Governo, provavelmente, não abandonou o escopo da negociação colectiva, mas parece pretender aparecer à mesa das negociações com um poder negociai acrescido, que lhe baliza as posições, sem poder ser imputado directamente a ele mas, sim. à Assembleia da República.

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É, pois, grave que o Governo não tenha ouvido formalmente os parceiros sociais acerca da própria autorização legislativa e, consequentemente, não tenha dado conhecimento à Assembleia da República «das opiniões e outros elementos eventualmente por ele recolhidos aquando da audição das organizações dos trabalhadores na fase preparatória da proposta de lei». Aliás, este procedimento já em 1988 era considerado, pelo Tribunal Constitucional, como violador do disposto na Constituição acerca da audição e participação dos trabalhadores na elaboração da legislação laborai.
O Governo escuda-se, naturalmente, no facto de a proposta de lei basear-se no próprio AES, considerando que a sua negociação e aprovação no seio do Conselho Permanente de Concertação Social (CPCS) terá preenchido todos os requisitos legais e constitucionais quanto à audição e participação dos trabalhadores.
Engana-se rotundamente, não só porque na proposta de lei em apreço, embora respeite o essencial, registam-se diferenças -por vezes importantes, relativamente ao acordo-, não só porque é sobre a legislação que o concretiza, incluindo as autorizações legislativas, que incide o direito de participação dos trabalhadores, mas também porque a matéria em análise é da competência da Assembleia da República.
Acrecentem-se, de resto, que a negociação e celebração do Acordo Económico e Social passou à margem, para não dizer à revelia, desta Câmara e, em abono da verdade, que é esta a primeira oportunidade que a Assembleia da República tem de pronunciar-se seriamente acerca do mesmo.
A Assembleia da República não deve, pois, sentir-se responsável, muito menos vinculada aos compromissos assumidos peio Governo, sob pena de impor a si própria uma capitis diminutio, inaceitável à luz das mais elementares regras democráticas.
A Assembleia da República não deve abdicar das suas competências, de ter o seu ponto de vista e de fazer a sua própria reflexão - princípio este que é, naturalmente, extensível aos deputados da maioria.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não tendo sido respeitadas as normas processuais, constitucional e legalmente previstas, quanto à elaboração da legislação de trabalho e não tendo havido lugar à discussão pública, que se impunha, dada a pressa do Governo em agendar a proposta - o que, aliás, impossibilitou a apresentação e discussão de outros projectos como os que foram entregues na Mesa pelo PS - somos, por força das circunstâncias, obrigados a traduzir na nossa votação a recusa da posição de desresponsabilização do Governo perante esta Câmara e perante os parceiros sociais em matéria de tão grande melindre. O mesmo é dizer que algumas das virtualidades e das importantes e necessárias medidas previstas não contarão com a nossa solidariedade e apoio expressos.
Queremos, no entanto, deixar clara -e com isto respondo ao Sr. Deputado Silva Marques - a nossa posição relativamente a alguns aspectos da autorização legislativa.
Em primeiro lugar, não entendemos por que é que a matéria relativa ao regime jurídico das relações colectivas de trabalho não faz parte deste pacote, quando o acordo insiste, reiteradamente, na negociação colectiva ao ponto de sujeitar, em determinadas condições, os conflitos à arbitragem obrigatória.
Terá isto a ver com o facto de até a UGT ter detectado na proposta de lei, pelas omissões ou pela pouca clareza do texto, um eventual «emendar de mão» do Executivo relativamente à negociação colectiva?
Fique desde já claro que o PRD entende ser esta matéria da competência exclusiva da Assembleia da República. Então, que pretende fazer o Governo? Pautar-se pela omissão ou apresentar uma proposta de lei em separado, e, neste caso, porquê? Esta questão é tanto mais importante quanto para nós, PRD, é claro que as reformas, estruturais ou não, têm falhado sucessivamente por visão unilateral e aplicação parcial dos programas e projectos. Basta, a este propósito, lembrarmo-nos do estado da justiça laborai, em Portugal, para nos apercebermos por que é que as reformas laborais são mal concebidas ou falham.
Incompreensível é também que se deixe a porta aberta para se pôr em causa, por via negociai, algumas das recentes e árduas conquistas dos trabalhadores. Depois de, durante tanto tempo, ter recusado a via negociai o Governo quer agora por essa mesma via comprometer o que já foi alcançado. E refiro os casos mais exemplares: a possibilidade de a duração de trabalho semanal poder ir até às 50 horas e a possibilidade de o dia de descanso semanal ser gozado de forma repartida e diferenciada nos termos a definir por convenção colectiva.
Incompreensível é também a elevação do limite anual de prestação de trabalho suplementar para as 200 horas, a não especificação do conceito de 22 dias úteis e a inexistência de garantias e limites à adaptabilidade do regime de descanso semanal em caso de laboração contínua e de trabalho por turnos.
Quanto ao período experimental, o PRD considera inaceitáveis, por desnecessárias e injustificáveis, as medidas previstas tanto no Acordo Económico e Social como na proposta de lei. Com efeito, não se vislumbra qualquer justificação substancial para estabelecer o período experimental nas pequenas empresas em três meses, isto é, mais um mês do que a regra geral, e para o alargamento do período experimental para oito meses no caso dos quadros superiores.
Aliás, este parece-nos ser um dos casos em que não chega apresentar a contrapartida da negociação colectiva e individual para justificar esta medida, pois, pelo contrário, aquela previsão legal deixa de fazer sentido e, a ser aplicada residualmente, passa a ser extremamente injusta e discriminatória.
Quanto à figura da cessação do contrato individual de trabalho por inadaptação, ela constitui, sem dúvida alguma, o ponto mais polémico da proposta de lei e a solução mais arrojada e difícil do Acordo Económico e Social. Gostaríamos, no entanto, de enaltecer os cuidados que foram postos pelas partes na sua configuração e a precaução redobrada de, não obstante esses cuidados, se sujeitar esta figura à fiscalização preventiva da sua constitucionalidade.
Não faremos juízos constitucionais, porque não nos compete fazê-los, mas não temos dúvidas de que não estamos perante a mesma questão que foi alvo do Acórdão n.º 107/88 do Tribunal Constitucional. A inadaptação, tal como vem configurada no Acordo e na proposta de lei, é algo substancialmente diferente de «factos, situações ou circunstâncias objectivos - e realço a expressão «objectivos»- que inviabilizam a relação de trabalho e estejam ligados à aptidão do trabalhador ou sejam fundados em motivos económicos, tecnológicos, estruturais ou de mercado, relativos à empresa, estabelecimento ou serviço».

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O compromisso de sujeitar a figura da inadaptação à fiscalização preventiva da constitucionalidade tanto mais nos apraz quanto resulta da preocupação de saber se estarão suficientemente delimitados os pressupostos objectivos e subjectivos do despedimento - e acentuo a exigência cumulativa, realçando os cuidados processuais que foram postos na verificação dos pressupostos subjectivos.
Mais do que a constitucionalidade da figura da inadaptação, o que nos cabe agora é definir a nossa posição quanto à bondade da figura.
A exigência de adaptação do trabalhador é hoje uma realidade natural, face à rapidíssima modernização dos processos produtivos e às cada vez maiores solicitações quantitativas e qualitativas do mercado. A necessidade de adaptação surge, assim, como uma condição, por vezes essencial, da sobrevivência de um projecto empresarial.
Não podemos, pois, considerar a inadaptação como uma figura inaceitável, quando ela é real. Fazê-lo seria, isso sim, dramático, porque se poriam em risco milhares de postos de trabalho. O que é dramático não é o despedimento por inadaptação mas, sim, o despedimento por inadaptação quando não forem dadas todas as chances ao trabalhador, nomeadamente de formação, reciclagem profissional e tempo de adaptação, ou seja, quando a inadaptação derive de qualquer outra causa que não a incapacidade de adaptação do trabalhador.
Nesta perspectiva, e embora alguns considerem o Acordo e a proposta excessivamente cuidadosos, ao ponto de limitar enormemente a utilização desta figura, a solução encontrada parece-nos correcta.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Consideramos a proposta de lei positiva na sua generalidade e conforme ao essencial do que foi acordado com os parceiros sociais, não obstante manifestarmos dúvidas quanto à filosofia do Acordo Económico e Social.
Uma responsabilidade grande condiciona, naturalmente, a nossa posição, que é a de não permitir mais atrasos no processo de preparação da nossa economia para o desafio europeu, mesmo que isso signifique, lamentavelmente, aprovar medidas impopulares.
Muito pode ser feito para melhorar o texto que o Governo aqui trouxe, corrigindo soluções duvidosas e estabelecendo um equilíbrio mais eficaz entre as necessidades de rcestruiuração do sector produtivo e as legítimas expectativas dos trabalhadores.

É também essa a razão porque se impõe e urge, mais do que nunca, a aprovação e a implementação, quanto antes, de um pacote social que previna e atenue os efeitos sociais perversos da excessivamente rápida liberalização da economia portuguesa.

Tudo faremos nesse sentido.

Aplausos do PS.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, queria saudar o Governo pela apresentação desta proposta de lei, embora sob a forma de autorização legislativa, pelo avanço que representa na modernização do nosso aparelho jurídico-laboral e por ter alcançado, após longos meses de contactos e de debates no Conselho Permanente de Concertação Social, o desiderato de soluções que, em grande parte, eram esperadas desde há anos por iniciativa do Governo.
Eram esperadas porque prometidas pelo próprio Governo, em 1987, e na medida em que algumas destas soluções que agora nos são apresentadas faziam parte também das vossas preocupações, quando foi aqui aprovado o primeiro pacote laborai.
Em segundo lugar, embora ficássemos mais satisfeitos se estes diplomas fossem apresentados não sob a forma de pedido de autorização legislativa mas, sim, como proposta de lei substantiva. Também não podemos dizer que existe aqui, como fez o PS, uma usurpação da competência da Assembleia da República por parte do Governo, e isto porque o instituir da autorização legislativa é constitucional e pode e deve ser usado desde o momento em que estejam preenchidos os requisitos exigidos pela Constituição.
Em nosso entender, não é ilegal nem inconstitucional mas, sim, «impolítico» por parte do Governo, que, tendo já preparado o projecto de decreto-lei, o tenha subtraído ao conhecimento da Assembleia de forma a que esta pudesse ver a tradução, em articulado concreto, dos princípios gerais e abstractos que aqui são trazidos nesta autorização legislativa.
Quanto à inconstitucionalidade formal, já tivemos ocasião de dizer, durante o minidebate dos recursos, que não estamos de acordo com aqueles que acham que há uma inconstitucionalidade formal, porque também há juristas e juizes do Tribunal Constitucional que subscreveram o voto contrário. E pelo facto de uma vez ter havido maioria não quer dizer que essa maioria seja obrigatória todas as vezes, temos tido diferentes acórdãos sobre a mesma matéria, conforme a modificação da composição do Tribunal, e o próprio juiz pode modificar a sua opinião perante argumentos decisivos, que, entretanto, tenham surgido e há-os certamente.
De qualquer modo, sempre nos pronunciámos a favor da tese de que para autorizações legislativas não é preciso a publicitação para a obtenção dos pareceres das comissões de trabalhadores e dos sindicatos, porque uma autorização legislativa não é, em si própria, a legislação laborai. A legislação laborai é a que depois é feita com base nesta autorização legislativa.
Portanto, arredados do caminho estes problemas formais, sob o ponto de vista substancial entendemos que as soluções consagradas nos princípios orientadores da nova legislação merecem a nossa aprovação.
Em primeiro lugar, quanto ao trabalho dos menores, há uma melhoria substancial em relação ao regime actual. Não desconhecemos que o trabalho dos menores tem de ser visto e entrelaçado com a Reforma do Sistema Educativo, em primeiro lugar; em segundo lugar, com o estatuto dos trabalhadores-estudantes; e, em terceiro lugar, com as exigências de formação profissional, isto fundamentalmente.
Portanto, há uma série de sectores com os quais este diploma se vai parceirar. Não é, em si própria, como aqui se quis fazer ver, a «carta del lavoro», digamos assim, dos menores, porque o que aqui está são alguns dos princípios fundamentais da ordem e de interesse público, que não podem ser arredados pelo empregador ou por via de contratação colectiva e que o Governo e a Assembleia da República observarão nos decreto-leis e outras normas, quando houver contratação de trabalho dos menores.
De forma alguma quer isto dizer que outros direitos das crianças, dos menores, ficam postergados pelo facto de aqui

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se reforçarem alguns direitos laborais. Portanto, a Carta Social, a Declaração Universal dos Direitos da Criança, tudo isto, nada fica prejudicado, nada passa para segundo plano, porque o diploma laborai não é o lugar próprio para consagrar tais princípios e estes têm a dignidade das normas jurídicas que estão em vigência na nossa ordem interna, e por isso mesmo não sofre qualquer beliscadura com esta proposta de lei.
Como é natural, não estamos de acordo com o facto de transformar a violação desta lei em crime gravoso, porque sabemos que o mero facto de criar novos crimes não dá melhor tratamento aos menores. Por um lado, os tribunais estão em ruptura, por outro lado, aumentar-se-ia de forma absolutamente inconcebível a clandestinidade destes casos. Em todo o caso, devem ser sempre passíveis de multa forte e agravada. E mais: como o PS é generoso em amnistias, os crimes serem rapidamente apagados...
Por isso mesmo, pensamos que a criminalização, embora não digamos que não pudesse ser pensada, não é um passo desejável, um passo recomendável desde já para esse tipo de violações. Se a prática vier a justificar esse tipo de solução, estaremos aqui, naturalmente, para ver se se deve ou não ir tão longe ou se o fenómeno pode ser debelado com esta legislação.
O segundo ponto, para o qual queríamos chamar a atenção, tem a ver com a flexibilidade das férias.
A flexibilidade das férias é, segundo penso, uma velha aspiração das empresas, tanto dos trabalhadores como dos empregadores, e por isso mesmo não vale a pena dramatizar a questão das horas, porque o que está em causa é a média das horas trabalhadas e não, como se quis fazer crer, que se passava para 10 horas diárias e que o regime de trabalho passava para 50 horas semanais.
Naturalmente temos que ser bons leitores e pelo menos bons intérpretes do que está estipulado e só para puxar a razão para o nosso lado não podemos torcer as palavras nem torcer conceitos que aqui não estão. E, por isso mesmo, entendemos que, embora esta disposição aumente em certos casos - muito raros - algum tempo de trabalho, a flexibilização dá, sobretudo nas grandes empresas e se for melhor organizada, maior satisfação aos trabalhadores do que trabalhar mais uma hora ou hora e meia por mês ou por trimestre do que em regime normal - posso afirmá-lo porque durante muitos e muitos anos fui director de pessoal de uma grande empresa.
Relativamente ao período experimental já fiz a crítica que julguei pertinente ao caso das empresas com menos de 20 trabalhadores. Creio que se pode cair num abuso se essas empresas transformarem o regime experimental em regime normal. Isto é, se ao fim de 85 ou 89 dias mandarem embora o trabalhador e admitirem outro e a seguir voltarem a admitir o primeiro conseguem, com esta alternância, que não haja contrato a prazo. Se se verificar esta situação, a Inspecção-Geral do Trabalho e os sindicatos devem estar atentos para que uma norma feita de boa-fé - o Governo assim o diz - e aceite pela Conselho de Concertação Social não se transforme numa fraude à lei e não faça entrar pela janela o que se quis expulsar pela porta.
Quanto ao regime da cessação do contrato por inadaptação do trabalhador, nós somos de opinião de que aqui não há justa causa de despedimento mas sim uma circunstância superveniente no contrato que não depende nem da vontade do empregador nem da do empregado sendo a própria conjuntura que faz que a evolução da técnica, da aparelhagem, dos métodos de trabalho determine que alguns trabalhadores não possam adaptar-se rapidamente a essas novas tecnologias.
E, por isso mesmo, a empresa não pode fazer deles uns autênticos monos, pô-los na prateleira e dizer: tu, porque tens um contrato, ficas aí sentado e eu vou contratar outro que saiba mexer melhor nessa máquina. Essa atitude seria indigna e desprestigiante para o trabalhador que, posteriormente, contraporia que tinha direito à ocupação efectiva na empresa e que não podiam pô-lo de lado, sentado numa cadeira, vendo o que os outros faziam. É esse o motivo por que me parece que nas grandes empresas se devem tentar, pelo menos, formas de reconversão e reciclagem do trabalhador para outras tarefas, porventura de menos categoria mas sempre com o seu consenso de modo a evitar o desemprego.
No entanto, por causa destes custos sociais e humanos, ou porque há uma ameaça de desemprego, a empresa não pode ficar eternamente refém de um trabalhador com o qual celebrou um contrato de trabalho e com o qual não pode já contar para as tarefas necessárias.
Relativamente à comissão de serviço, que é uma modificação substancial quanto à subida e descida da categoria do trabalhador, justifica-se esta alteração à actual legislação sobre a modificação da categoria. Efectivamente, estes cargos são de confiança e pela sua natureza própria reclamam uma relação e uma actuação por parte do empregador e empregado que não se espera de qualquer outro trabalhador, sendo necessário haver uma íntima confiança e lealdade entre a administração e o comissionado.
Penso que até se poderia dizer que esta comissão de serviço quase que eleva o trabalhador à categoria de profissional liberal, colocando-a num nível misto de um um contrato de prestação de serviços e de um contrato de trabalho, quer pela sua natureza, quer pela maneira como é exercido o cargo. Aliás, em toda a parte do mundo os chamados managers ou os gestores têm sempre uma categoria laborai ou uma forma de contrato diferente da do comum dos trabalhadores.
Sabemos que o PSD irá apresentar algumas propostas de modo a restringir os abusos a que poderia chegar esse tipo de comissão de serviço para o qual, se estiver consonante com o que foi acordado no Conselho Permanente de Concertação Social, a Assembleia da República não deve inviabilizar este acordo.
Portanto, como dizia, estamos de acordo com as alterações solicitadas nesta proposta de lei de autorização legislativa. Assim, votá-la-emos favoravelmente na generalidade e, amanhã, em sede de especialidade, apresentaremos uma ou outra proposta, a fim de melhor estruturar a forma de redacção deste pedido de autorização legislativa.
Se, mesmo assim, posteriormente, tivermos mais alguma observação a fazer, como os decretos-lei virão a esta Assembleia para ratificação, nessa altura, teremos uma segunda oportunidade para analisar e remediar os erros que tenha sido feito.
Por fim, quero agradecer ao PSD o tempo que me cedeu para esta minha intervenção.

O Sr. Presidente: - Como se depreende das últimas palavras do Sr. Deputado Narana Coissoró, o tempo que gastou de 6,7 minutos gasto com a sua intervenção foi-lhe cedido pelo PSD.

Srs. Deputados, para intervenções ainda estão inscritos o Sr. Deputado Joaquim Fernandes Marques, que dispõe

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de 14.8 minutos, a Sr.ª Deputada Odete Santos, que dispõe de 2.3 minutos, e o Sr. Deputado Osório Gomes, que dispõe de 3 minutos. Depois passaremos à votação na generalidade desta proposta de lei.
Tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Fernandes Marques.

O Sr. Joaquim Fernandes Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Creio que já foi dita grande parte das coisas que havia a dizer neste debate. Portanto, procurarei ser tão sucinto quanto possível.
Não quereria deixar de reafirmar o que, de facto, tem sido o comportamento político do Partido Social-Democrata. Nós. PSD, temos sempre -e continuaremos a ter- como objectivos fundamentais da nossa acção política a consolidação da democracia política, económica, social e cultural, para que, assim, se consiga a criação de mais riqueza, se aumentem os postos de trabalho, se consiga que as famílias portuguesas possam ver aumentar os respectivos rendimentos e também para que seja possível mais solidariedade e mais justiça social. Isto para que um princípio, que nós, sociais-democratas, sempre defendemos -e está sempre presente na nossa actuação política-, possa ter, tanto quanto possível, uma progressiva concretização. Este princípio 6 o de proporcionar a todos os cidadãos-e aos jovens, de uma forma especial - uma efectiva igualdade de oportunidades.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É por isso que sendo hoje do conhecimento generalizado das populações do mundo inteiro qual a real natureza dos regimes do Leste e Centro da Europa -regimes ditos socialistas-, tal veio demonstrar que as posições sempre defendidas pelo PSD eram as que estavam correctas. Isto é, a democracia política pluralista somente pode consolidar-se e desenvolver-se em regimes de economia social de mercado.
Por isso, já em 1982, aquando do processo de revisão constitucional, o Partido Social-Democrata, na proposta de revisão que apresentou, pretendeu que fosse alterada a parte da Constituição Económica que constituía um obstáculo flagrante e conhecido ao desenvolvimento económico e social do nosso país. Tal não foi possível porque na aluíra o Partido Socialista ainda não estava preparado para aceitar o caminho do desenvolvimento da economia social de mercado.
Assim, a referida alteração só foi possível em 1989. E foi-o porque nessa ocasião, mais uma vez, o Partido Socialista foi confrontado com a nossa proposta de revisão constitucional e então, vindo a reboque do PSD, acolheu finalmente a proposta de revisão da parte económica da Constituição, que, por fim, já não aponta o caminho do dito socialismo como sendo o caminho a seguir pela sociedade portuguesa, o qual -já o verificámos - conduziu foi à miséria, à fome e à inexistência de liberdades nos países onde foi implantado.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Numa economia social de mercado é evidente que é cada vez maior o papel dos consumidores - e ainda bem que assim é!
É óbvio que se as empresas produtoras de bens e serviços não os produzirem com bom acolhimento por porte dos consumidores, são empresas que, a maior ou menor prazo, estarão condenadas ao fracasso.
É por isso que também nestes sistemas de economia de mercado social de mercado as organizações de trabalhadores e de empregadores, quando assumem completamente as suas responsabilidades, têm um papel indispensável no desenvolvimento da democracia cultural, social e económica. E foi isto que, com a colaboração do Governo do PSD, foi possível fazer pela primeira vez em Portugal, coisa que não foi possível noutros regimes políticos de liberdade política, económica, social e sindical há muitos anos. Após 15 anos de democracia política em Portugal, foi possível, com parceiros sociais responsáveis refiro-me a todos eles, a todos aqueles que têm assento no Conselho Permanente de Concertação Social - e com o empenhamento do Governo, levar a cabo essa tarefa Creio, a este propósito, que é legítimo da parte da minha bancada prestar homenagem aos membros do Governo que, de uma forma esforçada e absoluta, se dedicaram a este trabalho de concertação social, indispensável ao progresso de Portugal na evolução que naturalmente iremos ter nos próximos anos com a integração plena de Portugal nas Comunidades.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: As leis que regem as sociedades humanas não são eternas e aqueles que assim pensam estão cada vez mais condenados a ficar isolados da evolução e do progresso. Na nossa perspectiva, as leis são um meio para a realização pessoal e profissional das pessoas e para o progresso das sociedades. Não temos tabus nem mitos, já que para nós não há nenhuma lei intocável. Quando se verificar que as leis conduzem ao esvaziamento dos interesses sociais que essas próprias leis pretendem tutelar, estaremos na primeira linha da alteração da legislação e, como temos estado sempre, na primeira linha da aprovação das reformas, ainda que elas possam ter custos meramente eleitorais, mas não tenham custos - antes pelo contrário- para Portugal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: -Sr. Presidente. Srs. Deputados: A produtividade das empresas e a valorização dos recursos humanos são dois outros factores que temos de ter em consideração. Queremos estabelecer regras que possam contribuir para a manutenção de postos de trabalho estáveis e propiciadores de riqueza e para que as empresas portuguesas tenham capacidade de concorrência com as empresas dos outros mercados mundiais, nomeadamente o europeu, que concorrem com as nossas. Para isso é necessário que se criem condições para que as nossas empresas sejam concorrenciais, de forma a poderem garantir efectivamente e só dessa maneira postos de trabalho estáveis e bem remunerados.
Ainda nos lembramos de alguns anos em que em Portugal se dizia existir a melhor legislação laborai do mundo e, no entanto, havia mais de 100 000 trabalhadores com salários em atraso,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): -E ainda há!

O Orador: -... o que significa que não é a rigidez da legislação que garante os postos de trabalho ou o bom salário dos trabalhadores. Isso só é possível através da

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existência e do desenvolvimento de empresas prósperas, empresas concorrenciais e empresas que vivam cada vez mais tendo em conta os interesses legítimos dos consumidores.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Elisa Damião (PS): as temos?
Então por que é que não

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É evidentemente com satisfação que o PSD hoje aqui discute esta proposta de lei de autorização legislativa, por ela ser uma consequência directa de um acordo económico e social que pela primeira vez foi possível celebrar no nosso país e por ter sido um governo do PSD um dos agentes motores desse mesmo acordo económico e social. Um governo que, como já foi referido, conseguiu ao longo dos últimos anos, com os parceiros sociais e não contra eles, pelo diálogo e não com autoritarismo, que os representantes dos trabalhadores e o Governo (que no fundo representa a nação portuguesa) chegassem a acordo, em benefício dos portugueses em geral e do nosso país.

Aplausos do PSD.

É óbvio, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que nesta discussão assistimos mais uma vez, como era de esperar, a algumas vozes de profetas da desgraça. Foi assim quando em 1988 se discutiu uma outra autorização legislativa sobre matéria laborai, mas o que de facto se verificou foi, designadamente, que houve crescimento de emprego e diminuição da precarização de contratos de trabalho. Ou seja: a legislação de 1988, para cuja aprovação nós aqui contribuímos, foi positiva, criou postos de trabalho e maior estabilidade no trabalho.
No entanto, compreendo e até admiro a coerência daqueles que, como o PCP, por exemplo, têm a coragem de, frontalmente, dizer que são contra o Acordo Económico e Social e que aqui, no Parlamento, agem também em consequência disso. Mas tenho, também o direito de criticar o Partido Socialista, que diz estar a favor do Acordo Económico e Social, pois, globalmente, é um acordo positivo, e, na prática, tenta boicotar as medidas concretas que vão sendo aprovadas.

Aplausos do PSD.

Vozes do PS: - É sempre a mesma cassette!

O Orador: - É evidente que os parceiros sociais sabem com o que contam, sabem que o Governo pode assumir compromissos que, posteriormente, terão de passar pela aprovação da Assembleia da República, mas sabem também que a maioria respeitará esses compromissos que beneficiam o povo português.
No entanto, os portugueses e os parceiros sociais já não poderão ter a mesma garantia do Partido Socialista, que se fosse Governo gostaria de fazer cumprir o que dependesse de aprovação da Assembleia da República em termos de acordo económico e social, mas que, pelos vistos, como ficámos a saber, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, porventura, não sustentaria o seu Governo na aprovação dessas medidas.
É bom que, de uma vez por todas, os parceiros sociais saibam qual é, de facto, o comportamento dos diversos grupos parlamentares representados nesta Assembleia!
Por último, Sr. Presidente, Srs. Deputados, a propósito da questão relativa à discussão pública da proposta de lei de autorização legislativa, gostaria de lembrar que, ao longo das várias legislaturas em que existiram governos das mais diversas cores partidárias, foram apresentadas as mais diversas propostas de lei de autorização legislativa.
Assim, se bem me recordo, durante a I Legislatura, de governos liderados pelo Partido Socialista, foram apresentadas as propostas de lei n.º 206/I, que concedia autorização ao Governo para legislar sobre o contrato do serviço doméstico, 371/I, que também concedia ao Governo autorização para legislar sobre a mesma matéria, 376/I, que concedeu autorização ao Governo para legislar sobre o regime jurídico da duração e organização temporal do trabalho, e 378/I, que concedeu ao Governo autorização para reproduzir no regime de igualdade no trabalho entre homens e mulheres as alterações necessárias à contabilização da legislação portuguesa com a legislação das comunidades portuguesas.
Nessa altura o Governo era socialista e, muitas vezes, as «coisas» faziam-se mesmo nas «costas» dos trabalhadores.

Protestos do PS.

Por isso, nessa altura, a maioria desta Câmara não promoveu a discussão pública destas propostas de lei de autorização legislativa.
Sem pretender ser maçador, gostaria ainda de acrescentar que durante a II Legislatura, com um governo socialista, também foram aqui apresentadas várias propostas de lei de autorização legislativa: n.(tm) 13/III, que concedia autorização ao Governo para rever o regime jurídico da duração do trabalho; 22/III, que autorizava o Governo a legislar sobre a suspensão temporária do contrato de trabalho; 24/III, que concedeu autorização legislativa ao Governo para regulamentar a Lei n.º 65/77, sobre os piquetes de greve e lock out.
Ora, nessa altura, tanto quanto sei, o Governo era de maioria socialista e o Partido Socialista, que estava no poder, não propôs nem exigiu, como hoje aqui fez, que a Assembleia da República proporcionasse a discussão pública sobre esta matéria e, nessa altura, fê-lo bem. Estava no governo, não alinhou em demagogias e, no fundo, cumpriu a lei. Mas hoje, só com a intenção de protelar a consagração de medidas concretas acordadas no Conselho de Concertação Social, não pretendem, digamos, seguir o mesmo caminho.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, vou terminar, dizendo que, para nós, sociais-democratas, valeu a pena este esforço, valeu a pena o esforço de concertação social que começa a dar frutos positivos para os trabalhadores, para as empresas e para Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente:-O Sr. Deputado Alberto Martins pede a palavra para que efeito?

O Sr. Alberto Martins (PS): - Para defesa da honra da bancada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Alberto Martins (PS): - O Sr. Deputado Fernandes Marques acusou o Partido Socialista de irresponsabilidade e de pretender boicotar a aplicação do Acordo Económico e Social.

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Ora, devo dizer que essa acusação do Sr. Deputado Fernandes Marques é irresponsável, sem conteúdo e de total gratuitidade.
Com efeito, o Sr. Deputado Fernandes Marques e o PSD não podem pretender, em circunstância alguma, que o Partido Socialista não tenha iniciativas próprias e autónomas independentes do Acordo da Concertação Social, sem prejuízo de, na altura própria, termos dito que considerávamos esse acordo adequado às circunstâncias da evolução da vida social.

O Sr. Joaquim Fernandes Marques (PSD): - Mais do que adequado!

O Orador: - E, portanto, consideramos que não é responsável, isso sim, da parte do Governo e do PSD, em primeiro lugar, trazer a esta Câmara uma medida, uma iniciativa legislativa, sem fornecer à Assembleia da República os elementos interpretativos que são fornecidos aos parceiros sociais. Isso é irresponsável, não é sério e não favorece a profundidade do debate democrático.
Por outro lado, consideramos que as acusações que o Sr. Deputado Fernandes Marques faz ao Partido Socialista pecam por uma omissão grave de memória. É que o Sr. Deputado esqueceu-se que o ministro do trabalho desse Governo de maioria socialista era um membro do PSD, o Sr. Dr. Amândio de Azevedo.

O Sr. Silva Marques (PSD): - O meu colega Amândio de Azevedo estava condicionado pelo Partido Socialista!

O Orador: - Portanto, aí lhe ficam as respostas. Fará o favor de fazer a sua autocrítica, porque a sua interpretação e a sua intervenção não foram sérias.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Fernandes Marques.

O Sr. Joaquim Fernandes Marques (PSD): -É óbvio que das afirmações que o Sr. Deputado Alberto Martins fez se constata que não ofendi minimamente a honra e a consideração da - aliás, reduzida - bancada do Partido Socialista.

De facto, referi-me a um comportamento político do Partido Socialista e se há nisso algum grau de irresponsabilidade, ela está num grupo parlamentar que, dizendo concordar com o Acordo Económico e Social, apresenta iniciativas legislativas que, de facto, o contrariam.
É evidente, Sr. Deputado Alberto Martins, que V. Ex.ª pode qualificar a minha intervenção como entender. Agora o que não me vai impedir é que eu qualifique o comportamento do PS como irresponsável!

O Sr. Alberto Martins (PS): -É uma infelicidade sua!

O Orador: - Aliás, não sou eu só que o digo! Os parceiros sociais que subscreveram o Acordo Económico e Social é que estão a verificar que o PS tem, afinal, uma posição numa determinada altura e depois, no fim de semana, reúne-se em Coimbra e pensa de outra maneira! No fim de semana seguinte, tem uma reunião qualquer em Lisboa e já pensa de outra forma... Bem, nós estamos habituados a isso, e é até bom que assim seja!...
De qualquer modo, penso que o PS prestaria um grande favor a Portugal se, nos meses que faltam até chegarmos a Outubro do corrente ano, apresentasse dezenas de iniciativas legislativas relativas às matérias consagradas no Acordo Económico e Social. Acho que faria bem...
No entanto, mais relevante do que isto é o facto de o Sr. Deputado Alberto Martins continuar a considerar os governos de liderança socialista como uma espécie de federações de ministérios!
Já aqui disse, por várias vezes, que o ministro do trabalho do governo do bloco central era o nosso amigo, companheiro ou camarada (como às vezes dizem...) Amândio de Azevedo, que temos muita honra de ter entre nós. Porém, o que é facto é que se tratava de um governo de maioria socialista e penso que quem agendava aqui os assuntos do governo não eram os ministros individualmente considerados mas o governo! Não havia, nessa altura, um membro do governo para as relações com o Parlamento?
Sr. Deputado Alberto Martins, desculpe-me que lhe diga isto, mas esse seu lapso é politicamente grave! No entanto, dir-lhe-ei que não será um pecado grave, mas talvez um pecado venial, pois, nessa altura, o Sr. Deputado andava «noutras águas», andava a «esvoaçar» noutras coisas e ainda não estava aí!

Aplausos do PSD.

O Sr. Alberto Martins (PS): - É melhor não ir a outras águas! É melhor não entrarmos nisso!...

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Maia Nunes de Almeida.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.! Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de fazer uma rápida intervenção para recordar aqui algumas coisas que fugiram da memória das pessoas.
Por exemplo, da memória do Sr. Deputado Narana Coissoró, por quem tenho a máxima consideração, ...

Risos do PSD e do CDS.

... fugiu a ideia de que o CDS tinha apresentado, em sede de revisão constitucional, uma proposta de alteração ao artigo 53.º sobre segurança no emprego. Aliás, foi a seguinte a declaração prestada na respectiva comissão pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito, em resposta à reprovação da proposta: «Assim nunca mais conseguem fazer passar os despedimentos que constam do pacote laborai»...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Isso era coerência!

A Oradora: - Também da memória do PSD fugiu a ideia de umas declarações prestadas pelo Sr. Primeiro-Ministro na altura em que o Tribunal Constitucional reprovou as pretensões da proposta de lei. Disse o Sr. Primeiro-Ministro: «Depois da decisão do Tribunal Constitucional, esta questão tornou-se decisiva na revisão constitucional em curso»...
Por conseguinte, o Sr. Primeiro-Ministro reconheceu que, para constitucionalizar as propostas, teria de haver alterações introduzidas pela revisão constitucional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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1224 I SÉRIE -NÚMERO 36

A Oradora: - Ora, não havendo alterações introduzidas nesta matéria pela revisão constitucional, a pergunta põe-se: então, como é que querem que esta proposta seja agora constitucional?! A isto, a sensatez da D. Milú de Santana do Agreste responderia, por não poder responder mais claro: Mistério!

Risos do PS e do PCP.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A filosofia desta proposta de lei ficou bem clara. Porém, não posso deixar passar uma questão que o Sr. Deputado Narana Coissoró aqui levantou, para dar uma mãozinha ao Governo, mas que este não soube aproveitar. Aliás, até à data o Governo não refutou a afirmação do PSD de que isto alargava o conceito de justa causa.
É que a questão da caducidade, que o Sr. Deputado aqui introduziu, também não se conforma de modo algum com o espírito do artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa que, num conflito de interesses, efectivamente faz prevalecer os interesses dos trabalhadores na segurança do emprego. E essa caducidade só pode ser total, absoluta e definitiva e, não sendo assim, só pode dar lugar à modificação do contrato de trabalho. Nada mais do que isso! É que, quando há apenas uma excessiva onerosidade, o que pode dar-se é um caso de despedimento colectivo, ou até de suspensão do contrato de trabalho, e nada mais do que isso! Por isso, essa «mãozinha» que V. Ex.ª estendeu ao Governo, efectivamente, não é um punho cerrado mas uma mão frouxa, Sr. Deputado Narana Coissoró!
Terminaria, dizendo que esta é uma proposta concebida face a uma constituição que não é a nossa, porque, segundo a leitura da nossa Constituição, o trabalho é um instrumento de felicidade e de cidadania profissional e não o salário do medo! E, de acordo com esta proposta, o trabalho é configurado como o salário do medo!

Aplausos do PCP e dos deputados independentes Jorge Lemos, José Magalhães e Raul Castro.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Osório Gomes.

O Sr. Osório Gomes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estamos a chegar ao fim deste debate sobre a proposta do Governo de pedido de autorização legislativa relativamente a matérias várias de carácter laborai e daqui se pode tirar desde já uma conclusão importante. Apesar de ter sido sucessivamente questionado por elementos da bancada do PS, o Sr. Ministro e deputados do PSD esquivaram-se à resposta que era importante neste debate.
Sabemos que o Governo apresentou projectos de diplomas - não só destas matérias aqui em debate mas de outras de carácter laborai e social- no Concelho Permanente de Concertação Social e optou por não trazer esse articulado à Assembleia da República, entrando apenas com um pedido de autorização legislativa e, mais grave do que isso, disse que, depois da aprovação desta proposta de lei de pedido de autorização legislativa, então sim, esses projectos de diplomas irão ser colocados à discussão pública. Isto é, os trabalhadores, as comissões de trabalhadores, os sindicatos, vão depois discutir, de uma forma condicionada, os projectos de decretos-lei, quando eles poderiam ter sido discutidos neste momento com uma maior amplitude. E é exactamente por este facto que vamos votar contra esta proposta do Governo de pedido de autorização legislativa.
Contrariamente ao que diz o Sr. Deputado Joaquim Fernandes Marques, na realidade, o PS foi o grande arauto do diálogo social ...

Protestos do PSD. ...

e é ao PS que se deve a criação do CPCS,...

Vozes do PSD: - Já agora, diga que o ministro era do PSD!

O Orador: -... que deu, de facto, passos importantes no início da sua criação. Aliás, pouco tempo depois da sua criação, ou da sua constituição, muitos militantes socialistas estiveram a trabalhar num documento importante que entregaram, há três ou quatro anos, ao Governo e que se intitulava O Contrato Social para a Modernização. Esse documento consubstanciava várias questões, a que o Governo, na altura presidido pelo Sr. Primeiro-Ministro actual, não deu qualquer resposta. Daí que hoje o Governo se encontre disponível para, com os parceiros sociais, estabelecer este acordo económico e social, numa perspectiva de natural e evidente eleitoralismo.
Queremos também dizer, mais uma vez, aos Srs. Deputados do PSD, nomeadamente ao Sr. Deputado Joaquim Marques, que o PS não boicota coisa alguma. E o Sr. Deputado Joaquim Marques sabe o papel que o Partido Socialista desempenhou na discussão do projecto de lei que apresentou sobre a redução da duração do trabalho.
Nessa altura, quando discutimos isso, nem o Governo nem VV. Ex.ª quiseram aprovar aquelas medidas do Partido Socialista que visavam atingir as 40 horas semanais a partir do mês de Janeiro de 1993. Hoje dão o dito por não dito, já aceitam as 40 horas semanais, porque o Governo disse que tinha que ser assim a partir de 1995.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: De facto, a conclusão foi por nós retirada devidamente. Por isso, votamos contra esta proposta de lei.

Aplausos do PS.

O Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social: - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, para que efeito?

O Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social: - Sr. Presidente, para apresentar um protesto.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, como é habitual, apesar de o Governo já não dispor de tempo, vou dar-lhe a palavra, pois há também grupos parlamentares que têm já tempos negativos

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Secretário de Estado?

Página 1225

30 DE JANEIRO DE 1991 1225

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares:-Sr. Presidente, a figura invocada pelo Sr. Ministro foi a de protesto.

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, se o Sr. Ministro tivesse invocado a defesa da honra ou da consideração, ter-lhe-ia dado a palavra de imediato. Porém, como não o fez, utilizei esta argumentação.

Sr. Ministro, tem a palavra.

O Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social: - Sr. Presidente, é a primeira vez que, na qualidade de membro do Governo, sou obrigado a intervir utilizando a figura regimental do protesto, mas, na verdade, o Sr. Deputado que acabou de intervir fez uma afirmação relativamente à qual não posso deixar de apresentar muito solenemente o meu protesto, que tem a ver com o carácter eleitoralista que está subjacente a este acordo.
Sr. Deputado, em primeiro lugar, isto é um atestado de menoridade total a todos os parceiros sociais que trabalharam arduamente, durante meses e meses, na celebração deste acordo.

Aplausos do PSD.

Essa afirmação só pode ser feita por alguém que não participou em todas as negociações e mais uma vez reafirmo o que disse na minha intervenção inicial, isto é, o apreço - apesar das opiniões e assuntos muito divergentes- por todos os parceiros sociais que, com elevada dignidade e elevação, souberam conduzir as suas posições durante a fase que culminou com o Acordo Económico e Social.
Aqui fica registado, porque eu o disse claramente, que o único vencedor deste acordo foi o Pais e não o Governo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, atendendo à figura regimental utilizada pelo Sr. Ministro, dou a palavra ao Sr. Deputado Osório Gomes.

O Sr. Osório Gomes (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social e Srs. Deputados, de facto, o que eu disse foi exactamente isto: conheço muito bem o contrato social para a modernização apresentado há alguns anos ao Governo. E é verdade que o Governo nessa altura, exactamente porque não havia eleições, não teve a mínima preocupação. Depois, naturalmente, os parceiros sociais que estiveram interessados em resolver muitos problemas graves para os trabalhadores fizeram esse acordo e o Governo só o aceitou exactamente por essa circunstância.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Fernandes Marques.

O Sr. Joquim Fernandes Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É apenas para pôr os pontos nos ii em relação a algumas coisas.
Em primeiro lugar, o contrato social para a modernização apresentado ao primeiro Governo do Sr. Professor Cavaco Silva não foi apresentado pelo Partido Socialista mas, sim, por uma central sindical que dá pelo nome de União Geral de Trabalhadores.

Vozes do PSD: - Muito Bem!

O Orador: - Em segundo lugar e seguindo a lógica dos Srs. Deputados socialistas, era para dizer que, de facto, o Conselho Permanente de Concertação Social foi criado por um decreto-lei do governo do bloco central, em que era Primeiro-Ministro o Dr. Mário Soares e Ministro do Trabalho o Dr. Amândio Anes de Azevedo, militante do Partido Social-Democrata. É só para que conste!

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está terminado o debate sobre a proposta de lei n.º 176/V. Vamos agora passar à sua votação, na generalidade.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS, votos contra do PS, do PCP e dos deputados independentes Jorge Lemos, José Magalhães e Raul Castro e abstenção do PRD.

Srs. Deputados, a próxima sessão plenária lerá lugar na quinta-feira, pelas IS horas, sendo dedicada às comemorações do Centenário da Revolta de 31 de Janeiro.
Está encerrada a sessão.

Eram 21 horas e 30 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Álvaro José Martins Viegas.
António Costa de A. Sousa Lara.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Pereira.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Dinah Serrão Alhandra.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Henrique Nascimento Rodrigues.
João Álvaro Poças Santos.
João Maria Ferreira Teixeira.
José de Almeida Cesário.
José Angelo Ferreira Correia.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Luís António Martins.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António José Sanches Esteves.
António Miguel de Morais Barreto.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
João António Gomes Proença.
Luís Filipe Nascimento Madeira.

Página 1226

I SÉRIE - NÚMERO 36 1226

Centro Democrático Social (CDS):
José Luís Nogueira de Brito.

Deputados independentes:

Manuel Gonçalves Valente Fernandes.
Maria Helena Salema Roseta.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Domingos Duarte Lima.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando Monteiro do Amaral.
Flausino José Pereira da Silva.
Jaime Gomes Mil-Homens.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Júlio Vieira Mesquita.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Licínio Moreira da Silva.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel José Dias Soares Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rosa Maria Tomé e Costa.
Rui Carlos Alvarez Carp.

Partido Socialista (PS):

António Domingues de Azevedo.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.

Partido Comunista Português (PCP):

Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério Sousa Brito.

Partido Renovador Democrático (PRD):
José Carlos Pereira Lilaia.

Deputado independente:
Carlos Matos Chaves de Macedo.

Os REDACTORES: Ana Maria Marques da Cruz- Maria Leonor Ferreira-José Diogo-Isabel Barrai - Maria Amélia Martins.

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