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I Série - Número 50
Quinta-feira, 7 de Março de 1991
DIÁRIO da Assembleia da República
V LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1990-1991)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 6 DE MARÇO DE 1991
Presidente: Exmo. Sr. João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu
Secretários: Exmos. Srs.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
Apolónia Maria Pereira Teixeira
Daniel Abílio Ferreira Bastos
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.
Deu-se coma da apresentação de vários diplomas.
Foram apreciados, na generalidade, os projectos de lei n.º 535/V (PSD), 691/V (PS), 692/V (deputados Independentes José Magalhães e Jorge Lemos) e 696/V (PCP). Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado
Adjunto do Ministro da Justiça (Borges Soeiro), os Srs. Deputados Manuel da Costa Andrade (PSD), José Magalhães (Indep.), António Barreto (PS), Adriano Moreira (CDS), José Manuel Mendes (PCP), Sottomayor Cárdia e Alberto Martins (PS), Marques Júnior (PRD) e Luís Pais de Sousa (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 15 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 20 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda de Queirós.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lelis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Casimira Gomes Pereira.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcíneo António Campos Rebelo.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maças.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Cosia Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rosa Maria Tomé e Costa.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.
Partido Socialista (PS):
Ademar Sequeira de Carvalho.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
António Manuel Henriques Oliveira.
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António Miguel de Morais Barreto.
Carlos Manuel Luís.
Edite Fátima Maneiros Estrela.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Edmundo Pedro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Helena de Melo Torres Marques.
Henrique do Carmo Carmine.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mola.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Leite Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Mana Julieta Ferreira B. Sampaio.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Cosia Brito.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
Ana Paula da Silva Coelho.
António da Silva Mola.
Apolónia Mana Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Jerónimo Carvalho de Sousa
João António Gonçalves do Amaral.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Júlio José Antunes.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria Ilda Cosia Figueiredo.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Alexandre Manuel Fonseca Leite.
António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Maninho.
José Carlos Pereira Lilaia.
Natália de Oliveira Correia.
Rui José dos Santos Silva.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
Narana Sinai Coissoró.
Deputados independentes:
Carlos Matos Chaves de Macedo.
Herculano da Silva Pombo Sequeira.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Santos Magalhães.
Maria Helena Salema Roseta.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa e foram admitidos os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 696/V, apresentado pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes e outro, do PCP, sobre a lei do segredo de Estado; proposta de resolução n.º 42/V, que aprova para ratificação a IV Convenção ACP/CEE (África, Caraíbas e Pacífico/Comunidade Económica Europeia), concluída em Lomé a 15 de Dezembro de 1989; proposta de resolução n.º 43/V, que aprova para adesão a 3.ª emenda ao Acordo Relativo ao Fundo Monetário Internacional; proposta de resolução n.º 44/V, que aprova, para adesão, o Acordo Constitutivo do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento (BERD); proposta de lei n.º 183/V, que autoriza o Governo a conceder diversos benefícios fiscais e a elevar os montantes máximos das coimas por violação do exclusivo da exploração das apostas mútuas hípicas, que baixa às 3.ª e 7.ª Comissões; ratificação n.º 170/V, apresentada pelo Sr. Deputado Miranda Calha e outros, do PS, relativa ao Decreto-Lei n.º 95/91, de 26 de Fevereiro, que aprova o Regime Jurídico da Educação Física e do Desporto Escolar; projecto de deliberação n.º 128/V, apresentado pelos Srs. Deputados Independentes Jorge Lemos e José Magalhães, que visa a condigna comemoração parlamentar do 15.º aniversário da Consumição da República Portuguesa; projecto de deliberação n.º 129/V, apresentado pelo PCP, propondo a consumição de uma comissão eventual para preparar o debate e a votação na especialidade da lei quadro da regionalização, e projecto de deliberação n.º 130/V, apresentado pelo PS, sobre agendamento de debate político.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, para a ordem do dia de amanhã está prevista a discussão de duas propostas de resolução, uma sobre o Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento e outra sobre o Fundo Monetário Internacional.
Julgo que ambas as matérias são importantes e sucede que, até ao momento, desconhecemos o texto dessas propostas. O meu grupo parlamentar delas não recebeu cópia
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e ainda hoje de manhã esses textos eram também desconhecidos da Comissão de Economia, Finanças e Plano.
Neste sentido e porque, como disse, as matérias são importantes e o seu agendamento está previsto já para amanhã - aliás, na adenda ao boletim informativo de hoje as propostas de resolução nem sequer tom número, pelo que não sei se já terão dado entrada na Assembleia da República - e são do nosso desconhecimento, permitia-me sugerir ao Sr. Presidente que pudesse ser encarado o seu agendamento para outro dia.
Sinceramente, discutirmos uma matéria amanhã que hoje ainda não é do conhecimento dos deputados parece-me extremamente incorrecto.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, informo-o de que essas propostas de resolução vão ser distribuídas imediatamente. Foram anunciadas e vão ser distribuídas.
O Orador: - No entanto, Sr. Presidente, mantenho a minha sugestão na medida em que 24 horas para fazer a análise das duas propostas de resolução pode ser um pouco de exagero em lermos de insuficiência de tempo.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (Carlos Encarnação): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, quero apenas dizer do grande interesse, do enorme interesse do Governo em discutir amanha estas propostas de resolução.
Manifestámos na conferência dos representantes dos grupos parlamentares, há bastante tempo, o nosso grande interesse por estas propostas e pelo seu agendamento rápido, o que foi compreendido por todos os grupos parlamentares.
Estas propostas já deram entrada na Assembleia da República há mais de uma semana e não acho compreensível que hoje ainda não estejam distribuídas ou que só hoje sejam distribuídas. Não percebo qual foi a razão que levou a tal situação, mas, certamente, V. Ex.ª indagá-la-á junto da Mesa.
Aproveito a oportunidade para dizer que também só hoje de manhã consegui ler acesso ao projecto de lei do PCP sobre o segredo de Estado. No entanto, não fizemos depender de um conhecimento mais prévio (neste caso tão tardio) o seu agendamento para hoje em conjunto com o projecto de lei do Grupo Parlamentar do PSD.
Sugiro e peço ao PCP que repondere o assunto, pois penso que os elementos constantes das propostas de resolução são bastante simples, de análise muno rápida e são assuntos de muito interesse para o País.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Por isso mesmo!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como anunciei, as propostas de resolução vão ser distribuídas e, caso se mantenham as dúvidas do PCP, elas terão de ser resolvidas em conferência dos representantes dos grupos parlamentares.
A Mesa quer rectificar uma informação constante da adenda ao boletim informativo de hoje, que atribui aos dois deputados independentes o tempo de 14 minutos para
debate do projecto de lei n.º 692/V. Ficou decidido, em conferência dos representantes dos grupos parlamentares, que o tempo conjunto para os dois deputados independentes subscritores do projecto seria igual ao tempo atribuído ao CDS, ou seja, 12 minutos e não 14, como consta da adenda.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Isso é uma injustiça!
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, peço desculpa por não ter estado presente na conferência dos representantes dos grupos parlamentares que marcou esses tempos, mas sucede que foi dito que o nosso projecto de lei eslava votado na generalidade e que, por isso, não era preciso conceder-lhe tempo igual ao atribuído aos outros apresentamos.
Acontece, porém, que o nosso projecto de lei sobre segredo de Estado vai agora ser novamente debatido juntamente com os apresentados por outros grupos parlamentares sobre u matéria. Portanto, consideramos que, fui como os outros projectos que vão ser debatidos, o nosso grupo parlamentar tem também direito a usar da palavra por um período de 20 minutos, pois o Regimento não diz que uma primeira leitura implica a diminuição de tempo no debate. Ora o nosso projecto de lei vai ser de novo discutido hoje.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, na minha modesta leitura do Regimento e na circunstância, os Srs. Deputados Independentes, que são autores do projecto de lei n.º 692/V, deviam ter 20 minutos para o seu debate e o CDS não devia ter tempo algum, visto que o seu projecto já foi alvo de discussão e até de aprovação.
Portanto, teve aprovação na generalidade.
E levanto esta questão apenas em termos de aplicação rigorosa e isenta do Regimento. Não sei se circunstancias poderosas deverão levar-nos a subverter as boas regras regimentais!...
De qualquer modo, os Srs. Deputados Independentes estão já a ser vítimas de um atropelo, em termos de tempo.
O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Muito obrigado pela ajuda.
Risos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa informa que hoje, na conferência dos representantes dos grupos parlamentares, a decisão tomada foi a de atribuir 12 minutos aos Srs. Deputados Independentes e, portanto, é isso que se irá cumprir.
Srs. Deputados, vamos dar início à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.ºs 535/V (PSD), 691/V (PS), 692/V (deputados independentes José Magalhães e Jorge Lemos) e 696/V (PCP).
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Para uma intervenção, tem a palavra u Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Somos hoje chamados a debater, a ponderar, a reflectir e a dar o início de solução a um problema de importância transcendental na vida de um Estado de direito democrático.
Na base de quatro projectos de lei e de um outro que nos acaba de chegar agora, somos chamados a tomar posição sobre a complexa problemática do segredo de Estado. E a minha primeira atitude - e penso interpretar o sentimento geral desta Assembleia - é de vivo reconhecimento a todos os Srs. Deputados que, individualmente ou integrados nos seus grupos parlamentares, tomaram estas primeiras iniciativas. Que devemos assumir como contributos válidos, apesar de todas as deficiências, e que assumimos com o reconhecimento implícito do empenhamento e da boa vontade de todos os Srs. Deputados e de todos os autores de propostas de iniciativa.
Mas esta nossa atitude é também, e ao mesmo tempo, a exigência de uma determinada impostação, daquela posição de abertura que é fecunda na geração dos consensos necessários a uma matéria como esta. De resto, tal atitude é reclamada por três circunstâncias fundamentais: em primeiro lugar, pela própria natureza da maioria em discussão. Trata-se, consabidamente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, de uma matéria acentuadamente parkinsoniana, que nos foge da mão e que se revela extremamente rebelde aos conceitos mais exigentes e aparentemente mais depurados.
Qualquer postura de impertinência ou de soberba injustificada relevaria daquele pecado que os Gregos, sobre o apodo de ybris, criticavam como o mais censurável dos pecados dos homens.
A humildade é tanto mais necessária quanto em segundo lugar mais de perto se analisam os textos em exame. Todos eles terão saído das mãos dos seus autores com o desvelo e o narcisismo da obra perfeita: como se se tratasse da deusa que acaba de sair das coxas de Zeus. Numa contemplação mais atenta, todos esses projectos se revelam cheios de contradições, de incongruências, de limitações e de vícios técnico-legislativos, alguns verdadeiramente inesperados.
Uma atitude de abertura e de consenso é, além disso, reclamada pela eminente dignidade dos bens jurídicos em confronto: de um lado, os interesses fundamentais da liberdade, da transparência e da vitória, que se crê definitiva, sobre a arcana praxis. Portanto, os valores da democratização do saber, que são, simultaneamente, a democratização do próprio poder; do outro lado, porém, e importa enfatizá-lo sem complexos, os valores encabeçados pelo Estado a título de segredo de Estado - valores cuja dignidade eminente não seria legítimo pôr em causa, tanto menos quanto é certo que se trata de valores encabeçados por um Estado de direito democrático.
Não vale a pena, seria uma vitória pirríca, acentuar e defender as excelências de certas pedras de toque do Estado de direito democrático e não curar suficientemente dos seus alicerces.
Ora, o segredo de Estado pode, se bem entendido, contribuir decisivamente para a preservação do próprio Estado de direito, sem o qual não há liberdade de informação, não há transparência, não há democratização do poder pela via da generalização e da democratização do saber.
Os projectos de lei são, além do mais, bem vindos, porquanto se trata de suprir uma lacuna indesejável na ordem jurídica portuguesa. Na verdade, à parte afloramentos esparsos e fragmentários constantes, entre outros, do artigo 159.º da Constituição, do artigo 343.º do Código Penal e do artigo 137.º do Código de Processo Penal, o nosso direito é relativamente lacunoso e omisso.
É neste espírito, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que nos propomos, num primeiro passo, analisar os diferentes projectos em confronto. Para, em primeiro lugar, assinalar este dado que pode passar despercebido ao observador mais desatento: os projectos em causa têm mais em comum do que aquilo que, à primeira vista, possa parecer. E não será por acaso. E que todos eles não terão andado longe no que toca às suas fontes. Todos terão mais ou menos tido o Freedom of Information Act de 1966 dos Estados Unidos da América, a lei de 1968, revista em 1970, de Espanha, a lei de Outubro de 1977, as recomendações do Conselho da Europa, as leis francesas, etc.
Para além disso, todos os projectos têm em comum, para além de preceitos grandemente sobreponíveis e como também já tive oportunidade de dizer, o enfermarem de vários e insanáveis vícios.
Começo por uma apreciação sumária do projecto de lei do PS. Depois de um artigo 1.º que reproduz o homólogo preceito da lei espanhola, o projecto de lei do PS apresenta no artigo 2.º aquilo que devia ser a definição do segredo de Estado e a fonte de todas as clarificações, mas que resulta, para frustração do leitor e para frustração nossa, na fonte de todas as confusões e na fonte de todos ou de quase todos os absurdos.
Na verdade, tomado à letra, o artigo 2.º do projecto de lei do PS deixa claramente entender que ele não intuiu sequer o conceito de segredo. É que, antes de classificarmos algo como segredo de Estado, devemos saber primeiro o que se entende por segredo. O que é extremamente simples: segredo é um conjunto de conhecimentos acessíveis a determinadas pessoas, mus do qual devem estar excluídas outras. Não há conhecimentos em absoluto proibidos.
Ora, o PS parte deste princípio, do nosso ponto de vista incompreensível, de que segredo de Estado são aqueles conhecimentos que podem causar dano. Não há conhecimentos que, em absoluto, possam causar dano. O que define o segredo de Estado, como qualquer segredo, é o direito de exclusão.
Mais do que uma lei de segredo de Estado, o projecto de lei do PS é uma espécie de lei do pecado original contado para adultos.
O Sr Jorge Lacão (PS): - Essa tem graça!...
O Orador: - Contado para as crianças, o pecado original consistiria em ter-se comido uma maçã que não se devia. Para os adultos terá consistido em ter-se conhecimentos do que não se devia.
Para o PS há conhecimentos vedados aos homens. São segredo de Estado, diz o PS, aqueles conhecimentos cujo conhecimento cause danos ao Estado. Manifestamente, e para fazer, mais uma vez, homenagem à linguagem e às metáforas de conjuntura, é verdadeiramente a fonte de todas as confusões!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Já o vi fazer melhor!
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O Orador: - Esta verdadeira aporia do projecto de lei do PS ligar-se-á, porventura, ao artigo 14.º do mesmo projecto, que, numa lógica de pescada de rabo na boca, diz que uma lei definirá as condições de acesso ao segredo de Estado.
Pudera! O projecto não intuiu a verdadeira essência do segredo - um conjunto de conhecimentos inacessíveis a determinadas pessoas que, mediante autorização das pessoas competentes, podem ser acessíveis a outras pessoas!
Tivesse o PS intuído este conceito e dispensaria uma outra lei, porque a lei do segredo de Estado e a lei que estamos aqui a fazer! Para além disto, poderão vir regulamentos ou normas de concretização, mas a lei do segredo de Estado, ou perdemos tempo hoje, ou devemos fazê-la aqui, independentemente do artigo 14.º do projecto de lei do PS.
Para além disso e a dar crédito aos meios de comunicação social, o que terá verdadeiramente leito rasgar as vestes de escândalo ao PS foi a desmesurada extensão de matérias cobertas pelo segredo de Estado, de acordo com o projecto de lei do PSD, designadamente na parte em que esse projecto aponta para a relevância, em sede de segredo de Estado, de matérias atinentes à condução da política monetária, por exemplo.
Ora eu pergunto: não relevará o projecto do PS de uma certa imposição semelhante das coisas, mas que não terá tido a coragem e a maturidade de assumir? Por exemplo, pergunto eu e perguntará o leitor deste projecto, quando o PS enumera, entre as autoridades com competência para classificar matérias como segredo de Estado, mesmo que tão-só a título provisório, o Governador do Banco de Portugal, cabe perguntar: no exercício das suas competências, que maiorias podem ser atinentes ao segredo de Estado, segundo as representações do PS?
O Sr. António Guterres (PS): - A data de adesão ao SME!...
O Orador: - Aí está, Sr. Deputado António Guterres, um dos temas onde o PS se aproxima, sem coragem e sem maturidade - mas essa e outra questão, não é um pecado do intelecto, é um pecado da coragem -, do projecto do PSD.
Considerações análogas poderiam fazer-se a propósito do também «escandaloso leque» de autoridades competentes para definir e para classificar matérias como segredo de Estado. O leque apontado pelo PS não se afasta substancialmente do leque apresentado pelo PSD. Com uma diferença: é que o PS reparte esse leque entre entidades que podem classificar em termos definitivos e aquelas que apenas o podem fazer a título provisório, remetendo depois para o sancionamento de uma autoridade superior isto naquilo que chama, sem o classificar - tanto pode ser um minuto como uma eternidade -, no mais curto espaço de tempo. O PS introduz aqui um dado manifestamente indesejável e disfuncional, isto e, a possibilidade de conflitos expostos e indesejáveis numa matéria que deve relevar de uma certa coesão. Tanto do ponto de vista interno como do ponto de vista externo.
Mais: o PS, ao que nós saibamos, não propõe qualquer alteração das normas vigentes do Código Penal. Ora elas já tutelam, como segredo de Estado, matérias que relevam da condução da política externa do Estado, independentemente de qualquer classificação, como política económica, financeira, de segurança, etc..
O projecto de lei apresentado pelos deputados independentes José Magalhães e Jorge Lemos é em projecto de lei contra o segredo de Estado. É o projecto de lei que leva mais longe as matérias susceptíveis de serem abarcadas pelo segredo de Estado. Enquanto todos os projectos de lei definem como condição necessária do segredo de Estado o dano ou perigo resultante para interesses relevantes do Estado, o dos deputados independentes acrescenta, ao lado das matérias que causem dano ou perigo para os interesses do Estado, aquelas que possam pôr em causa o cumprimento de quaisquer normas da Constituição ou da lei atinentes à defesa interna e externa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Afastando-se perigosamente dos verdadeiros parâmetros materiais que devem definir o segredo de Estado, este projecto de lei dos deputados independentes considera que qualquer norma, independentemente do seu relevo (portanto, que ponha ou não em causa interesses relevantes do Estado), pode justificar o segredo de Estado. Isto é absurdo e é pena que disto não tenham tomado consciência!
Mais: o artigo 3.º deste projecto de lei diz esta coisa assombrosa: «Não podem ser abrangidos por segredo de Estado informações e elementos de prova indiciários de quaisquer crimes tentados, praticados ou em preparação.» A punição de uma pessoa que comprou uma borracha para falsificar um documento (o que constitui, por si, segundo este projecto de lei, um acto preparatório, um crime preparado) legítima perfeitamente o sacrifício de qualquer interesse do Estado, mesmo daquele que contende com a independência nacional, com o Estado de direito e com a ordem jurídico-constitucional.
Bem de barato dão estes Srs. Deputados a independência nacional, a segurança interna e externa e os fundamentos constitucionais da ordem vigente!... Persegue quem comprou a borracha para preparar um acto de falsificação de um qualquer documento - como, por exemplo, de um bilhete de metropolitano - e esquece a independência, a segurança nacional...
O Sr Presidente: - Sr. Deputado, já só tem 2,7 minutos.
O Orador: - Depois peço um pouco de tempo aos deputados independentes subscritores deste projecto de lei.
O Sr. José Magalhães (Indep.): - O meu tempo, Sr. Deputado?
O Orador: - Para além de não terem verdadeira consciência daquilo com que estão a lidar - e digo-o com toda a sinceridade e é isto que se me oferece dizer a propósito de um projecto de lei como este -, os deputados em causa, à semelhança do PS, também não se afastam muito do espectro de matérias que, segundo o que defendemos, devem relevar no segredo de Estado.
Este projecto de lei define um princípio de subsidiariedade do segredo de Estado em relação ao segredo bancário, ao segredo de patentes, comercial, etc., dizendo o seguinte: quando os interesses protegidos pelo segredo de Estado puderem ser preservados pelas leis do segredo comercial, cambial, etc., não deve apelar-se para o regime do segredo de Estado. O que é a confissão implícita e não assumida da comunicabilidade perfeita entre matérias que relevam directamente para o segredo de Estado e aquelas que relevam de outras matrizes.
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Quanto ao projecto de lei do PSD, e dada a escassez de tempo, gostaria etc. dizer o seguinte: a dar crédito às informações que correm, há duas coisas que terão chocado alguns dos Srs. Deputados. Fala-se da aparente e desmesurada extensão das matérias atinentes ao segredo de Estado. Nada mais infundado, Srs. Deputados! Tal acusação só é possível a quem distraidamente lê o nosso projecto de lei. O que não se pode desculpar a qualquer deputado e jurista. O que o projecto de lei do PSD fez foi recorrer àquilo que em técnica jurídica se designa por «modelo dos exemplos padrão». Existe este modelo quando o legislador procede à regulamentação de determinadas matérias em dois momentos consecutivos. Num primeiro momento define, em lermos gerais e abstractos, uma dada situação, um eleito a que liga certas consequências jurídicas; num segundo momento, o legislador indica algumas constelações típicas, susceptíveis de, em princípio, realizarem aquela danosidade social e situação típica. Este modelo legislativo está expresso no nosso projecto de lei, designadamente no n.º 2.
Qualquer jurista que passou pelos bancos da escola sabe que este modelo significa duas coisas: em primeiro lugar, este elenco não é esgotante. Quaisquer outros tópicos (portanto, para além daqueles que realizem aquilo que está prescrito no n.º 1, isto é, lesar ou pôr em perigo a independência nacional, a segurança interna ou a ordem jurídico-constitucional) podem relevar como matéria de segredo de Estado. É preciso dizê-lo com desassombro e frontalidade!
Em segundo lugar, significa também que qualquer daqueles itens, só por si, não é suficiente para relevar como segredo de Estado. É necessário que se realize a factispecte abstracta prevista no n.º 1 do artigo.
Os Srs. Deputados leram, mas compreenderam mal esta matéria, porque o projecto de lei do PSD, com ou sem n.º 2, fica exactamente na mesma. O que acontece é que o n.º 2 é mais transparente, mais aberto, mais sugestivo para quem, em concreto, venha a ter de recorrer e classificar matérias como segredo de Estado. Esse n.º 2 diz o seguinte: «Podem relevar como segredo de Estado, desde que verificados os requisitos do n.º 1, isto é, pôr em juízo ou causar dano à segurança, à independência e à ordem jurídica constitucional 1...]» Portanto, não basta invocar um daqueles itens: é preciso que, num segundo momento, se prove que há, em concreto, perigo ou dano para a independência nacional, para a segurança interna ou para a ordem jurídico-constitucional.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, poderiam também fazer-se considerações análogas a propósito do leque ou do espectro de entidades legitimadas para classificar matérias como segredo de Estado. Foi em nome da transparência, da lealdade e da lisura que nos afastámos da solução de uma prévia classificação provisória. Porque a possibilidade de existência de conflitos é perigosa e pode introduzir e provocar fissuras e clivagens em matérias em relação às quais o Estado deve aparecer com a imagem de unidade e coesão. De resto, Sr. Presidente e Srs. Deputado.»», que diferença é que há entre dizer que determinadas entidades podem fazer provisoriamente a classificação (embora sujeita a confirmação) ou, inversamente, todas estas entidades poderem classificar, podendo depois as entidades que superintendem revogar a classificação feita pelos órgãos situados a jusante? Sendo assim, o resultado mal é, em termos normativos, substancialmente idêntico.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Creio que, no breve espaço de tempo que me foi concedido, consegui demonstrar que, no fundo, não é no campo intelectual que
divergimos. Salvaguardada a dúvida se o PS terá ou não entendido o que é «segredo», creio que não é no plano das representações que nos afastamos. É, sim, no das decisões e da coragem!... Mas isso, Srs. Deputados, é outra história: é a história da maturidade!
Aplausos do PSD
O Sr. Alberto Martins (PS): - A causa era fraca, Sr. Deputado!
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados António Barreto, Adriano Moreira, José Manuel Mendes, José Magalhães, Sottomayor Cárdia, Alexandre Manuel e António Filipe.
O Sr. Deputado José Magalhães pediu a palavra para que eleito?
O Sr. José Magalhães (Indep.): - Para exercer o direito da defesa da honra e da consideração.
O Sr. José Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, e eu peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, ao abrigo das disposições regimentais, o PSD pede um intervalo de 15 minutos para poder dar uma conferência de imprensa.
O Sr. Presidente: - O pedido é regimental, pelo que declaro suspensa a sessão.
Eram 16 horas
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 16 horas e 35 minutos
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, como não quero acusar o PSD, por muito grande que seja a sua atrapalhação, de, estando ausente da sala, pretender obstruir o debate sobre a lei do segredo de Estado, venho solicitar à Mesa a interrupção dos trabalhos até que estejam criadas as condições de que necessitamos para trabalhar de forma efectiva neste Parlamento.
Assim, solicitaria a interrupção da sessão pelo tempo suficiente - inferior a 30 minutos, claro! - para que a Mesa diligenciasse junto do Grupo Parlamentar do PSD no sentido de restabelecer essas condições.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o pedido é regimental, pelo que declaro de novo interrompidos os trabalhos por cinco minutos.
Eram 16 horas e 37 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, declaro reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 45 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como já havia referido, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade estão inscritos os Srs. Deputados António Barreio, Adriano Moreira, José Manuel Mendes, José Magalhães, Sottomayor Cárdia, Alexandre Manuel e António Filipe.
O Sr. José Magalhães (Indep.): - Sr. Presidente, peco a palavra para exercer o direito de defesa da honra e consideração.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (Indep.): - Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade, alguém deu a V. Ex.ª, hoje, uma tareia cruel: a de defender um projecto de lei cuja defesa e virtualmente impossível. É uma situação quase de tipo iraquiano: V. Ex.ª está sujeito à primeira e à segunda vagas de bombardeamentos e lambem à última linha.
Poderia, no entanto, ter reagido com modéstia e ter duo que o vosso projecto de lei tem vícios, poderia ter reconhecido esse facto, mas V. Ex.ª não fez isso e disse que todos os projectos de lei tom vícios e limitou-se a acusar.
Se V. Ex.ª tivesse acusado com objectividade, então eu aqui estaria a «dar a mão à palmatória», mas V. Ex.ª limitou-se a acusar em termos desabridos, dizendo, entre outras coisas, por exemplo, que o projecto de lei subscrito por mim e pelo Sr. Deputado Jorge Lemos é fruto da inconsciência e da ignorância. Isso ficou registado no Diário.
Pergunto então, Sr. Deputado, que modos são esses e que objectividade é essa que vem de uma bancada que, como a sua intervenção confirmou, dubiamente pode ser a autora do vosso projecto de lei, uma vez que V. Ex.ª ignora o diploma que foi defender ali, naquela tribuna. Eticamente, isso é inaceitável!
De facto, V. Ex.ª não conhece o projecto de lei, o que só vem confirmar a notícia publicada hoje num jornal diário que afirmava que o projecto teria sido passado, como se fosse um enlatado estragado, da bancada do Governo para a do PSD. A confirmação de que V. Ex.ª não conhece o projecto de lei está no facto de ter vindo aqui acusar os projectos de lei apresentados pela oposição de vícios que são precisamente os que existem no diploma emanado do Governo e que o PSD apadrinhou, ou melhor, perfilhou. Ou seja, V. Ex.ª acusa os outros projectos de lei de indefinição, mas será que há maior indefinição do que a que se revela no diploma do PSD?
Na verdade, Sr. Deputado, em primeiro lugar, o projecto de lei do PSD transforma o segredo de Estado na rolha de Estado, eu diria mesmo na mãe de todas as rolhas, e, em segundo lugar, de acordo com o vosso projecto de lei, toda a gente pode arrolhar: arrolha o Sr. Primeiro-Ministro; arrolha - e docemente - o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares, aqui presente; arrolha o Sr. Presidente do Governo Regional da Madeira - que deve arrolhar à zulu -, arrolha toda a gente!...
Risos do PS e do CDS.
Mas V. Ex.ª acha que é uma solução sensacional. Isto é, não tem o cuidado de verificar a sua acusação e, em relação, por exemplo, a um dos projectos de lei, deixam que o governador do Banco de Portugal proponha a classificação como segredo de Estado. V. Ex.ª leia o projecto de lei do PSD, que, de facto, propõe essa solução!
Certamente V. Ex.ª vinha a «saltitar» no seu Alfa, de Coimbra para Lisboa, e incumbiram-no, talvez pelo telefone, desse encargo. Poderia ter a lisura de fazer uma defesa baixa, equânime e cuidadosa, mas afoitou e veio aqui sem argumentos defender um projecto de lei que sodomiza a Constituição. Tenha paciência, Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade!... Não lhe peço que nos peça desculpa mas que rectifique o tom, que é totalmente inapropriado!
Quanto às questões de fundo, na altura própria irei colocá-las na forma mais adequada.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade.
O Sr. Manuel da Custa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, é com todo o gosto que dou explicações ao Sr. Deputado José Magalhães.
Começo por dizer que é natural que numa intervenção distanciada de um texto escrito - o que, segundo penso, não passou despercebido à Câmara - sobre alguma imprecisa linguagem,...
O Sr. José Magalhães (Indep.): - Ah! Exacto!...
O Orador: -... susceptível de assumir alguma conotação negativa, mas que, bem vistas as coisas, talvez numa melhor aproximação, se devesse moderar. O que de boa mente o faria se visse alguma reciprocidade da parte do Sr. Deputado José Magalhães.
É intolerável e inqualificável que o Sr. Deputado José Magalhães venha fazer aqui a acusação de que eu não conheço o projecto de lei do Partido Social-Democrata. Não lhe tolero isso!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. José Magalhães (Indep.): - Está provado!
O Orador: - E das duas, uma: ou o Sr. Deputado não ouviu a argumentação que eu fiz, designadamente quando apelei para u teoria do direito, ou não pode entrar na discussão comigo, porque a não conhece.
O Sr. José Magalhães (Indep.): - Alto, já lá vamos!
O Orador: - Assim, a intervenção que o Sr. Deputado acaba de fazer releva de duas coisas: ou de ignorância, que talvez tenha - eu não tenho qualquer ignorância em relação ao projecto de lei do PSD -, ou de má-fé. Das duas, uma: escolha!
Quanto ao argumento que releva, e que eu utilizei, no que loca à evocação do governador do Banco de Portugal, é evidente, Sr. Deputado, que V. Ex.ª esteve distraído ou usou má-fé. O problema não é meu, é do senhor, pois quando me referi ao governador do Banco de Portugal tinha a consciência de que não estava a falar de órgãos com competência para decidir.
O Sr. José Magalhães (Indep.): - É o que diz o vosso projecto do lei!
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O Orador: - Sr. Deputado, tenho muito gosto em ouvi-lo, mas gostava que não berrasse. Peça para me interromper e eu deixo com lodo o gosto. Se quiser falar. Gale, mas não berre!...
O Sr. José Magalhães (Indep.): - Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade, obrigado. Assim... «suavemente» ouve-se melhor!
O Orador: - Por certo considerará V. Ex.ª que quem introduziu o berro foi o Sr. Deputado e não eu!
O Sr. José Magalhães (Indep.): - Mas, Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade, V. Ex.ª berrava desalmadamente e não tinha consciência disso!...
O meu argumento, Sr. Deputado, era apenas este: V. Ex.ª eslava a acusar um projecto de lei de cometer o dislate de permitir ao governador do Banco de Portugal de ler um papel classificativo como segredo de Estado, mas sucede que o projecto de lei subscrito pelo PSD propõe, precisamente, essa solução. Portanto, se V. Ex.ª estava a fazer uma crítica, fazia-a ao espelho, compreende?
O Orador: - Mais uma vez, Sr. Deputado, a sua argumentação releva da ignorância e eu demonstro-lhe porquê. De facto, eu eslava a tentar demonstrar que ha uma comunicabilidade entre os projectos de lei do PS e do PSD no que toca ao governador do Banco de Portugal e o Sr. Deputado acaba de demonstrar isso mesmo, mas acusa-me de ler dito isso mesmo.
Eu digo: há, no que loca às matérias, uma certa comunicabilidade entre o projecto de lei subscrito pelo Partido Socialista e o projecto de lei apresentado pelo Partido Social-Democrata e o Sr. Deputado ergue-se e vem falar em ignorância, em defesa da honra... Caramba, que virgem ofendida por uma afirmação com que o Sr. Deputado também faz sua.
São estas as minhas explicações, Sr. Deputado. Quando quiser defender a sua honra em relação a argumentos que eu tenha utilizado, arranje ao menos um onde diga coisa diferente daquela que eu disse. E esta não é uma delas!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.
O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade, V. Ex.ª, ali da tribuna, falou de boa vontade, de consenso, de comunicabilidade, mas não apresentou o seu projecto de lei. Falou dos projectos de lei da oposição e quero só dizer-lhe que percebemos que o Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade, democrata e prestigiado penalista, tem vergonha do projecto de lei do PSD que acabou de apresentar.
O Sr. José Magalhães (Indep.): - Exacto!
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Tal e qual!
O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Não dou, Sr. Deputado, porque disponho de pouco tempo!
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que estou consigo. Tenho vergonha do projecto de lei que o PSD apresentou a esta Casa e considero que estamos perante um dos mais prepotentes e arbitrários actos de Estado que, porventura, já tenham existido.
Este projecto de lei do PSD é inqualificável ou, antes, poderá ser qualificável pela sua infâmia. É um projecto de lei próprio de um Governo em estado de guerra ou em estado de emergência. É um projecto de lei de segredo de Governo e não é um projecto de lei de segredo de Estado. É um projecto de lei que confunde funcionários, agentes, polícias e cidadãos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É um projecto de lei que consagra o arbitrário, o poder discricionário, a ignorância da lei, que não qualifica o arbitrário de penal. Este projecto de lei é, política, cultural e juridicamente, inaceitável!
Um diploma que protege os governantes contra os cidadãos, a burocracia contra os cidadãos e os secretários de Estado contra os cidadãos só pode ser uma autodefesa de um Governo ou de um Estado com receio dos cidadãos. Este projecto de lei é de autodefesa e como tal não deve ser aprovado.
Se, em Portugal, há homens, jornalistas e jornais livres, este projecto de lei nunca será aprovado, e se o for, não será regulamentado e não entrará em vigor.
Vozes do PS e dos deputados independentes Jorge Lemos e José Magalhães: - Muito bem!
O Orador: - Gostava de saber o que pensam deste projecto de lei os democratas como o Sr. Deputado Montalvão Machado. O que pensa, por exemplo, o Sr. Deputado Silva Marques, que durante tantos anos lutou pela liberdade de expressão e pelo acesso â informação. O que pensam as Sr.ªs Deputadas Maria Teresa Gouveia e Mary Patrícia Lança; os Srs. Deputados Rui Alvarez Carp, Rui Macheie e, por exemplo, o Sr. Deputado José Pacheco Pereira, que durante tantos anos lutou pelo acesso à informação e que tantas vezes condenou o Partido Comunista por sonegar informação. E ainda o que pensam alguns dos deputados dessa bancada que tantas vezes se ilustraram na vida portuguesa por defenderem o direito à informação e o direito ao acesso à informação. Gostava sinceramente de saber o que pensam.
Finalmente, Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade, deixo-lhe duas questões: será que o Prof. Aníbal Cavaco Silva traiu o segredo de Estado ao anunciar, com cinco dias de antecedência, a redução dos preços da gasolina, pois, dessa forma, sonegou ao Estado e as empresas distribuidoras muitos milhares de contos, porque revelou um segredo que prejudicou o erário público e o Estado no sentido que o projecto de lei do PSD define?
Será que quando o Prof. Aníbal Cavaco Silva anunciou, com um ano de antecedência, que ia acabar com as taxas de televisão o seu gesto levou a um prejuízo do erário público e da RTP na ordem de umas centenas de milhares de contos relativos a taxas que não foram pagas? Será que o Sr. Deputado concorda comigo no sentido de que, se este projecto de lei for aprovado, o Sr. Primeiro-Ministro acabou de trair o segredo de Estado e prejudicou os interesses da Nação, do povo, do Estado e do Governo?
Aplausos do PS e dos deputados independentes Jorge Lemos e José Magalhães.
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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Manuel da Cosia Andrade, pede a palavra para responder ao pedido de esclarecimento que lhe foi feito?
O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, antecedendo o pedido de esclarecimentos propriamente dito, o Sr. Deputado António Barreto teceu considerações pessoais que considero lesivas da minha honra e consideração.
Em conformidade, Sr. Presidente, solicito-lhe que, primeiro, me dê a palavra para defesa da honra e da consideração.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. V. Ex.ª e que sabe se sente que foi ofendido ou não.
Portanto, vou dar-lhe a palavra, embora solicitando desde já que esta figura regimental não seja repetidamente invocada.
O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, começo por dirigir-me à Mesa para recordar que, se bem entendi, o Sr. Deputado António Barreto disse que eu tinha vergonha deste projecto de lei do PSD.
Ora, trata-se de um projecto que defendi. Assim, o Sr. Presidente concordará comigo que é lesivo da honra defender um projecto e, ao mesmo tempo, ter vergonha dele.
O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Muito bem!
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É uma grande pirueta, mas não é uma defesa da honra!
O Orador: - Em conformidade, quero dizer ao Sr. Deputado António Barreto que não me envergonho deste projecto de lei; se me envergonhasse, não o defenderia.
Mais lhe digo que concordo com este projecto.
Ponto e que haja a disponibilidade intelectual para ler as coisas. Isto é, quando apresentei o projecto de lei do Partido Social-Democrata, tentei dizer que era importante saber ler correctamente o artigo 2.º
Sr. Deputado António Barreto, se usar um bocadinho da considerável cultura e inteligência que penso que tem para ler aquele preceito a que me refiro, extrairá duas conclusões, tal como eu próprio já o fiz há muito tempo.
Em primeiro lugar, concluirá que as alíneas contidas no n.º 2 do artigo 2.º não suo taxativas...
O Sr. José Magalhães (Indep.): - Ainda pior!
O Orador: - Quer dizer, não esgotam nem vinculam. Só se e na medida em que causarem os danos previstos no n.º 1, isto é, «pôr em risco ou causar dano à independência nacional, à unidade e integridade do Estado e à sua segurança interna». Portanto, só na medida em que aconteça o que acabei de citar é que aqueles itens relevam como segredo de Estado.
Como disse quando apresentei este projecto de lei - note que o apresentei e o Sr. Deputado é que deve ter estado distraído -, em rigor, poderíamos prescindir do n.º 2.
E, já agora, Sr. Deputado António Barreto, por economia de tempo e de processo, sempre lhe digo que é negativa a minha resposta às perguntas que me fez.. Assim,
respondo-lhe que o Sr. Primeiro-Ministro não violou o segredo de Estado nas circunstâncias por si citadas. É que, mesmo que o nosso projecto de lei venha a ser aprovado - como esperamos e desejamos -, essas matérias não configuram violação do segredo de Estado. Seja qual for a medida de que a sua pergunta releva - de dúvidas suas ou do compreensível empenho em polemizar -, é essa a minha resposta.
E porquê? Porque, Sr. Deputado, isso está extremamente claro no n.º 2 do projecto. Sr. Deputado, antes de catilinizar, convém ler este n.º 2 que diz que «podem, designadamente, ser submetidas a segredo de Estado, verificado o condicionalismo previsto no número anterior [...]». Sr. Deputado, se o não leu, é favor fazê-lo agora e extrair daí as devidas consequências.
Em técnica jurídica, chama-se a isto o modelo dos exemplos padrão: nem vinculativo, nem taxativo, nem automático. Tudo depende de se verificarem ou não os pressupostos indicados no artigo 1.º
Se o Sr. Deputado fizer um ligeiríssimo esforço, é capaz de o compreender e concordará comigo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.
O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade, quanto ao essencial, quero dizer-lhe que não ofendi a sua honra, mas que aceito a figura regimental por si invocada como sendo uma figura da praxe desta Casa. Isto é, repito que não considero que ofendi a sua honra e, aliás, o próprio Sr. Deputado também não demonstrou que eu o tenha feito.
Quando eu disse «nós percebemos», referia-me a uma actividade da inteligência, intuitiva e interpretativa. De facto, nós percebemos que o Sr. Deputado estava a defender esse projecto de lei com um grande mal-estar.
O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - Não é verdade!
O Orador: - Infelizmente para a consideração que temos por si, o Sr. Deputado acabou por dizer que apadrinha e está de acordo com o projecto de lei do PSD, o que é pena.
Quanto às violações do segredo de Estado pelo Primeiro-Ministro, que citei, devo dizer que, para me responder, o Sr. Deputado estava numa situação muito difícil. É que se tivesse dito que sim, tinha criado um problema político delicado, enquanto se dissesse que não, então dir-nos-ia - como fez - que o barómetro do segredo de Estado são os interesses do Primeiro-Ministro. Isto é, o Primeiro-
Ministro entendeu que, neste caso, a divulgação do novo preço da gasolina não prejudicaria os seus interesses quanto à boa gestão da economia, pelo que revelou segredos. No entanto, se outra pessoa o tivesse feito e assim chocasse com o interesse pessoal e político do Primeiro-Ministro, então poderia ser acusada de violação do segredo de Estado.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!
O Orador: - O que o Sr. Deputado veio dizer-nos foi que a trave mestra deste projecto de lei é o poder arbitrário. Esta é, precisamente, a maior acusação que faço ao Sr. Deputado e ao projecto de lei por si apresentado.
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Teria sido mais simples o Sr. Deputado responder-me que o Sr. Primeiro-Ministro violou o segredo de Estado mas que, «como a lei ainda não entrou em vigor, vamos considerar que está desculpado». É que, na verdade, com a sua resposta o Sr. Deputado reconheceu a nossa tese essencial segundo a qual o poder arbitrário é que é a trave mestra deste projecto de lei.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!
O Orador: - Quanto às alíneas que afirmou não serem laxativas, Sr. Deputado, digo-lhe que o facto de, numa matéria como esta, aquelas existirem é o convite à arbitrariedade e a uma interpretação pessoal, casuística, pontual...
O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - Nada disso! Isso que diz é um disparate!
O Orador: - Sr. Deputado, V. Ex.ª não me impressiona com os seus apartes. Sabe muno bem que nos países em que existe lei do segredo de Estado os directores de jornais, o cidadão comum, os dirigentes das associações cívicas e associações de interesses e os dirigentes políticos sabem perfeitamente quais são as matérias abrangidas pelo segredo de Estado e quais os limites deste. Eles sabem muito bem o que podem ou não devem infringir.
No caso deste vosso projecto, os limites são sempre os do arbitrário, os do domínio do poder discricionário, nunca conhecidos. Isto é a criação de uma intimidação nacional e da autocensura permanente nos cidadãos, já para não falar nos funcionários públicos.
O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - Isso ó discurso de sociólogo! Isso e sociologia!
O Orador: - É, é, Sr. Deputado. Talvez os sociólogos tenham contribuído muito para as liberdades no século XX...
Sr. Deputado, leia o n.º 4 do artigo 3.º, onde um certo número de segredos de Estado está dispensado de declarações que o Sr. Deputado menciona.
Leia também este fantástico artigo 12.º: «Quem, ilegitimamente, tomar conhecimento, por qualquer forma, de actividades, de informações, será punido com penas até três anos [...]»
Sr. Deputado, no século XIX houve uma lei que ficou com um nome para a história. Tratava-se de uma lei eleitoral, interessante para a altura, a que se chamou a «ignóbil porcaria». Ora, se fosse aprovada, esta lei ficaria conhecida como a «ignóbil infâmia», Sr. Deputado!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade, julgo que até agora apenas fomos informados sobre o Estado secreto e não sobre o segredo de Estado. Assumo, com grande humildade e com todo o respeito, as suas considerações sobre a insuficiência geral e falia de conhecimentos com que iodos lidámos nesta matéria e nem as considero ofensivas, mas, antes, um bom conselho.
Como, porém, não vi introduzir mas apenas anunciar o projecto do PSD, quero colocar-lhe duas ou ires pequenas perguntas para o meu entendimento da leitura do projecto.
Define-se, logo no artigo 2.º, o segredo de Estado como um facto que possa atentar contra a independência nacional, a unidade e integridade do Estado e a sua segurança interna e externa. Gostaria de saber qual é a coerência desta definição com a alínea h) do n.º 2 do dito preceito, que define, entre outras coisas, a competência do Banco de Portugal.
Em segundo lugar, pune-se, no artigo 12.º, o acto de tomar conhecimento ilegítimo de factos destes com uma pena de prisão que pode ir até três anos. O que é «tomar conhecimento ilegítimo» de um facto destes?
Finalmente, o artigo 11.º estabelece igualmente a penalidade de prisão até três anos. Pergunto: o que é que quer dizer, em português, o que está escrito no artigo 11.º?
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Mata
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade deseja responder já, um a um, aos pedidos de esclarecimento feitos ou só no fim, depois de todos eles terem sido formulados?
O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - Responderei, Sr. Presidente, enquanto dispuser de tempo. Quando não tiver tempo, só poderei continuar a responder se os interpelamos me cederem algum tempo.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Nós não estamos dispostos a ceder tempo!
O Sr. Presidente: - Ao Sr. Deputado é que caberá escolher se responde já ou no fim.
O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - Certo, Sr. Presidente, mas compreenderá que responder em cerca de minuto e meio a questões colocadas por sete interpelantes não é correcto. Prefiro, pois, responder, com a adequação necessária, às perguntas colocadas ale ao limite das minhas possibilidades de tempo. Se algum dos Srs. Deputados tiver interesse no meu esclarecimento, terei todo o gosto em dá-lo, mas terá de me ceder algum tempo para o eleito.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): -O Governo cede-lhe 15 minutos!...
O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado calculará, a Mesa está aqui para ajudar a que os trabalhos se desenvolvam e a que os Srs. Deputados tenham todas as possibilidades de falar. Se, por isso, o Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade optar por responder em conjunto aos pedidos de esclarecimento, é claro que a Mesa poderá conceder-lhe alguns minutos, embora não todos os que seriam necessários a uma resposta plena. Está o Sr. Deputado de acordo com o que acabei de sugerir?
O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - Responderei no fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Ainda para pedir esclarecimentos tem, então, a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade, começaria com uma nota bem humorada, que julgo significativa: quando tiver de corrigir
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as actas desta sessão, com frequência emendará referências indevidas ao projecto do Partido Comunista, uma vez que não era a cie que pretendia fazer qualquer espécie de alusão...
O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - É evidente!
O Orador: - Espero, naturalmente, que noutra altura possa pronunciar-se sobre o articulado que subscrevemos e que, porventura, por razões as mais variadas, ainda não conhecia.
Isto dito, importa agora afirmar, com toda a clareza, que, do ponto de vista do PCP, o projecto de lei do PSD vive do complexo da ostra: é fechado e fecha, de forma definitiva, toda a informação que interesse aos governantes, para que eles a manipulem, a bel-talante, segundo as flutuações da conjuntura e da circunstância. Bem pode o Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade dizer-nos que o artigo 2.º, n.º 2, emergiu sob a égide do modelo dos exemplos padrão. Sabemos que tal modelo não é exaustivo nem taxativo do ponto de vista da enumeração, nem automático. Sabemos também que não é um numeros clausus, mas isso não melhora a situação, uma vez que deixa em aberto a possibilidade de um entendimento latíssimo do que lá está, bem como de uma propensão extensiva perigosa, ainda que isto possa, do ângulo de certa doutrina volúvel, ser questionado. Ou seja: o segredo de Estado constitui-se, em regra, contra o princípio da administração aberta, adquirido na última revisão da Constituição após lulas centrais dos democratas, antes e depois do 25 de Abril.
Perguntaria, Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade, se conhece a polémica gerada em Itália em torno da célebre Lei 801. Os estudos, por exemplo, de Frabrizio Clementi e Aldo Musei vieram pôr a nu o que há na experiência italiana de particularmente perigoso para a ordem jurídico-constitucional e para o Estado democrático, em casos como os Sifar, Gládio e P2, exactamente porque a invocação do segredo de Estado pôde até produzir-se contra os tribunais. O Sr. Deputado não se pronunciou sobre este aspecto nevrálgico do projecto de lei da iniciativa do PCP, mas eu gostaria de o ouvir. Concretizando melhor: pensa o Sr. Deputado que o segredo de Estado deve ser oponível aos magistrados e aos tribunais?
O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - Já o é no artigo 137.º do Código de Processo Penal!
O Orador: - Não o é da forma que preconiza. Bem pelo contrário. E o Sr. Deputado terá oportunidade de o verificar.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (Indep.): - Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade, diria que o projecto que V. Ex.ª subscreveu e de que agora assume a paternidade poderia ser qualificado como a mãe de todas as rolhas e uma rolha de Estado. O Sr. Deputado José Manuel Mendes teve a gentileza de lhe chamar a mãe de todas as ostras, o que para mim está perfeitamente correcto, porque se truta exactamente da mesma coisa. E é esse o problema basilar do projecto de lei em apreço.
O que sucede é que o projecto tem implicações colaterais. V. Ex.ª é membro da Comissão de Revisão do Código de Processo Penal e sabe que esta Comissão considerava a alteração da parte em que se alude ao segredo de Estado. Este projecto veio abruptamente talhar num sentido amplificador, tão amplificador que afecta vários diplomas legais,...
O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - Nada disso é verdade!
O Orador: -... como a Lei de Imprensa, a lei dos crimes de responsabilidade e, evidentemente, a própria lei das comissões de inquérito parlamentar. Afecta também os poderes dos deputados.
Dizia há pouco V. Ex.ª com uma certa arrogância, que o Código Penal já utiliza o segredo de Estado como limite ao conhecimento pelos tribunais.
O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - Não utiliza mas, sim - sejamos rigorosos -, protege!
O Orador: - É verdade: pode ser invocado o segredo de Estado como elemento que susta as diligências judiciais. É por isso mesmo que é grave permitir o alastrar do segredo de Estado. É que uma palavra do Primeiro-Ministro, do «segundo-ministro», do «terceiro-ministro», do «quarto-ministro», do «quinto-ministro», do «vigésimo quinto-ministro» ou de um qualquer presidente de governo regional toma secreto um determinado dado.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Está a exagerar!
O Orador: - Isso susta a investigação e o trabalho judicial, isso incrimina jornalistas, isso impede deputados de terem conhecimento de factos. Introduz, aliás, uma distinção extraordinariamente perigosa entre os chamados deputado:» de confiança, ou seja, os deputados «à prova de bula» e os deputados potencialmente «garganta funda», ou seja, os susceptíveis de não merecerem confiança, o que é extremamente grave.
Pergunto como é que, à luz disso, considera V. Ex.ª, que é um ilustre criminalista, uma norma tão inespecífica como a do artigo 12.º, a tal que pune o mero conhecimento, que V. Ex.ª, do alto da tribuna, criticava, dizendo que não se deve punir o mero conhecimento mas tão-só o dano. Estava a dizer V. Ex.ª a V. Ex.ª?!... Era um diálogo de Costa Andrade com Costa Andrade?!... Mas reconheça V. Ex.ª que é uma má solução!
O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD):- Não se importa de precisar a pergunta que pretende fazer?
O Orador: - A pergunta que lhe faço, Sr. Deputado, é a de saber como é que compatibiliza os efeitos colaterais desta lei com a lei das comissões de inquérito parlamentar, a lei dos crimes de responsabilidade, o Código de Justiça Militar, o Estatuto dos Deputados, a lei sobre os direitos dos jornalistas e as demais leis que prevêem direitos de acesso que podem ser truncados perante segredo de Estado.
Pergunto-lhe, em segundo lugar, como é que V. Ex.ª compatibiliza isto com a revisão constitucional, na qual o PSD queria consagrar, precisamente nesta dimensão, o segredo de Estado, mas não o conseguiu.
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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade, telegraficamente, porque não há tempo, pergunto: V. Ex.ª concorda em que a competência para classificar segredos de Estado seja atribuída, em definitivo, ao director do serviço de informações estratégicas de defesa e ao director do serviço de informações de segurança?
Segunda questão: V. Ex.ª concorda em que o funcionário ou agente do Estado, que tome conhecimento de matéria susceptível de ser classificada como segredo de Estado, deva de imediato transmiti-la ao dirigente máximo do respectivo serviço ou departamento?
Terceira questão: V. Ex.ª concorda que quem tomar conhecimento de um segredo de Estado seja punido com pena até três anos, tal como se encontra, naturalmente, definido no artigo 12.º?
São perguntas meramente exemplificativas, pelo que não deve retirar daqui a conclusão de que concordo com os pontos sobre os quais não fiz qualquer pergunta. Em minha opinião, este é um debate extraordinário se comparado com o que, para honra desta Assembleia, da democracia, aqui pudemos travar em 1984 sobre a Lei da Segurança Interna, por exemplo.
Vozes do PS: - Exacto!
O Orador: - É um escândalo a diferença que há entre a liberdade que havia em 1984 e a mordaça que há em 1991!
Aplausos do PS, do PCP, do CDS e dos deputados independentes Jorge Lemos e José Magalhães
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alexandre Manuel.
O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade, tenho de ser muito rápido pela falta de tempo.
De qualquer modo, quero dizer-lhe, muito sinceramente, que concordo com a existência de uma lei sobre o segredo de Estado. Isso mesmo o afirmei aqui, por ocasião da apresentação de um projecto de lei por mim subscrito sobre a administração aberta, adiantando que já tardava a sua discussão.
No entanto, isso não pode significar. Sr. Deputado, que o segredo de Estado não deva ser sempre considerado como uma excepção, como, aliás, a própria Constituição o determina. Também não se poderá esquecer que se constitui um domínio onde a tentação do abuso é muito grande. É que uma coisa é o segredo de Estado e outra, bem diferente, Sr. Deputado, é o estado de segredo.
Alargar o caminho do segredo diminui, necessariamente, o caminho da transparência, ao mesmo tempo que coloca em causa um dos princípios fundamentais da nossa Constituição, o direito à informação.
O preâmbulo do projecto de lei do PSD cila, e bem, a recomendação do Conselho da Europa sobre o acesso à informação, só que - e presumo que por defeito de tradução, não pode ser outra a causa - adiante-se como princípio o que a resolução aponta como excepção.
Muito concretamente, Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade, como concilia V. Ex.ª o artigo 12.º do projecto de lei do PSD com o direito a informar e a ser informado?
Recordo, por exemplo - e V. Ex.ª sabe isso muito melhor do que eu -, que a Constituição de 1933 também defendia a liberdade de informação, e o acesso à informação, só que, depois, aconteceram as excepções.
Será que, a partir de agora, os cidadãos portugueses vão passar a viver sobre a suspeita sistemática?
Por outro lado, penso que a sua intervenção ainda agravou mais o próprio projecto de lei ao defender que as classificações ficam sempre no campo das possibilidades. No entanto, se isso é verdade relativamente aos n.ºs 1 e 2 do artigo 2.º do projecto de lei, parece-nos totalmente negado pelo n.º 3 desse mesmo artigo. Em que ficamos, Sr. Deputado?
Finalmente, uma terceira questão, porque, de facto, não tenho tempo para mais. Além de definir o segredo de Estado por matérias, o que já de si é perigoso, o projecto de lei do PSD permite que determinadas entidades e as actividades por elas desenvolvidas sejam, pela sua natureza, independentemente dos interesses e matérias em causa, abrangidas pelo segredo de Estado. Chega-se mesmo ao cúmulo de ser dispensada a sua classificação - creio que é o n.º 3. Em que se baseia o PSD, e o Sr. Deputado muito concretamente, para defender uma classificação de base orgânica? Será ainda, Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade, que para o PSD toda a actividade do SIED, do SIS e do SIM é, à partida, considerada segredo de Estado?
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade, com um veemente apelo ao seu poder de síntese, que é conhecido.
O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, permita-me solicitar ao Sr. Deputado Alexandre Manuel o favor de concretizar melhor a sua última pergunta, porque não a percebi muito bem.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado Alexandre Manuel.
O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade, será mesmo verdade que o PSD considera, à partida, toda a actividade do SIS, do SIM e do SIED como segredo de Estado?
O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - Qual é o artigo?
O Orador: - Se me der licença...
O Sr. Jorge Lacão (PS): - É o artigo 2.º, n.º 2, alínea e)!
O Orador: - Exactamente! Muito obrigado, Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade.
O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, a minha tarefa é um pouco grande, dada a extensão...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Árdua!
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O Orador: - Não! Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que a faço com extremo gosto, lamento apenas não ter tempo, mas se o CDS concordar em ceder-me algum do seu tempo, utilizá-lo-ei de boa mente.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Era a tal «lei da rolha» para o CDS!
O Orador: - Não, seria apenas uma gentileza sua.
Começo por responder às questões colocadas pelo Sr. Deputado Adriano Moreira, sem deixar, a propósito, uma vez que é a primeira intervenção do CDS a que tenho oportunidade de responder, de revelar algum espanto. Não só pelo teor da intervenção mas por alguns aplausos, em relação a algumas outras intervenções, que vieram de alguns deputados do CDS, quando se criticava a pretensa extensão. Ora, quando um partido como o CDS propõe aqui um projecto de lei que diz que é segredo de Estado, tudo aquilo que alguém, não interessa quem, em relação a interesses gerais do Estado, considerar dever estar coberto por segredo de Estado, quando alguém como o CDS faz isto através de um projecto, sobram-lhe razões para moderar as críticas quanto ao projecto do PSD, na parte atinente à extensão da matéria, só nesta.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não leu a nossa intervenção nem assistiu ao debate!
O Orador:- Estava, sim, Sr. Deputado. Entrando agora na matéria.
O Sr. Deputado Adriano Moreira perguntou-me como é que se lia o artigo 12.º,...
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Deputado, não lhe perguntei como se lia!
O Orador: -... e, ao mesmo tempo que me perguntava isto. Tez algumas outras perguntas concretas. Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que tenho alguma dificuldade em responder à primeira pergunta - como se lê - que não seja dizer: o artigo 12.º lê-se lendo-se.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Dou já.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Está a perder o seu tempo e o nosso!
O Orador: - Perguntou-me o Sr. Deputado Adriano Moreira qual era o sentido da expressão «conhecimento ilegítimo». Muito bem, Sr. Deputado, esta é uma norma incriminatória, é uma norma de um crime, e a expressão «conhecimento ilegítimo» tem exactamente o mesmo sentido de expressões idênticas em muitas normas do direito penal português. Onde, a propósito de quaisquer matérias idênticas que contendem com crimes de devassa, como a devassa do segredo de correspondência ou da habitação, aparece a expressão «ilegitimamente». A lei penal portuguesa está cheia...
O Sr. José Magalhães (Indep.): - Está cheia e está mal!
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Está tudo dito!
O Orador: -... de expressões como esta, pelo que ela é interpretada exactamente como o são todas as outras, isto é: uma interpretação literal, ideológica, sistemática, restritiva e com proibição de analogia e in dúbio pró libertate. Tão simples como isto!
Risos do PS e do CDS.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É uma devassa!
O Orador: - Perguntou-me ainda o Sr. Deputado Adriano Moreira o que era uma pena até três anos. Sr. Deputado, é uma pena que vai do limite mínimo até um limite máximo de três anos.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - O Sr. Deputado não ouviu o que lhe perguntei.
O Orador: - Faça favor de clarificar.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Pergunto-lhe de novo, devagar, porque aprecio imenso as suas lições. O que lhe perguntei, muito concretamente, foi: o que é «tomar conhecimento ilegítimo por qualquer forma», que é a expressão que se encontra na lei?
Vozes do PS: - Exacto!
O Orador:- Exacto!
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Quer dizer, ler o Diário de Notícias que divulga o segredo de Estado incrimina a população que compra o jornal? Esta é a pergunta concreta, Sr. Deputado.
A segunda pergunta, muito clara, foi a seguinte: o que é que quer dizer, em português, «a segunda incriminação»? O Sr. Deputado vai ler o texto com toda a sua técnica e hermenêutica e vai dizer-me o que é que em português está lá escrito e que é punido com três anos. Foram estas as perguntas, Sr. Deputado.
O Orador: - Sr. Deputado Adriano Moreira, também aprecio muito a sua capacidade maiêntica e a sua capacidade de colocar aparentes dificuldades. No entanto, vou-lhe dizer o seguinte: é óbvio que quem tem conhecimento de um segredo pela leitura do Diário de Notícias não viola u lei nem toma conhecimento ilegitimamente. É óbvio que ler o jornal é uma conduta lícita em Portugal... Não penso que o Sr. Deputado admita pensar o contrário!
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Deputado, a expressão é: «tomar conhecimento por qualquer forma».
O Orador: - Sr. Deputado, tomar conhecimento por qualquer forma ilegítima, sublinho o «ilegítima», e peço-lhe a gentileza e o ligeiro esforço para o acrescentar.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Deputado, a tipicidade das leis penais, que V. Ex.ª ensina, não lhe permite dizer o que está a dizer!
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O Orador: - Permite, sim, Sr. Deputado. Permite pela mesma razão que muitas leis em Portugal usam para o mesmo efeito esta mesma expressão. Acredito que todo o jurista sabe isto em Portugal.
O Sr. José Magalhães (Indep,): - Ainda mal!
O Orador: - Sr. Deputado José Magalhães, essa é outra questão. Mas isso, Sr. Deputado, levava-nos muito longe e ainda não vi que o Sr. Deputado José Magalhães ou o Sr. Deputado Adriano Moreira propusessem aqui a revogação de todas as multímodas leis vigentes neste país que usam expressões exactamente iguais a estas. E disto não podemos sair.
O Sr. José Magalhães (Indep.): - V. Ex.ª é que está a rever o Código Penal!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade, vai-me desculpar, mas se V. Ex.ª vai responder não só aos pedidos de esclarecimento, mas também aos apartes, não lerá tempo suficiente, mesmo que todos os grupos parlamentares lhe cedessem o seu tempo.
O Orador: - Sr. Presidente, agradeço a sua observação, que é pertinente, mas tenho de intervir no debate à medida que ele vai surgindo com as características de imediação e de oralidade. No entanto, quando o Sr. Presidente entender por bem tirar-me a palavra porque esgotei o meu tempo, acatarei essa decisão.
A propósito, esta observação e esta resposta prendem-se com uma questão posta pelo Sr. Deputado Alexandre Manuel no que toca à conciliação do artigo 12.º com o direito de informar. A resposta é que se concilia pela razão extremamente simples de que o exercício de um direito é causa de justificação na ordem jurídica portuguesa. Informar é um direito...
O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - E um dever.
O Orador: - Exactamente, é também um dever, mas para estes efeitos interessa sobretudo a parte direito.
Como dizia, informar é um direito e os eventuais factos típicos cometidos no exercício desse direito são factos considerados justificados na ordem jurídica portuguesa. Esta é a resposta e esta é a conciliação. Se quiser uma resposta mais em concreto, poderá consultar o artigo 31.º do Código Penal Português.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado José Manuel Mendes pergunta-me, entre outras questões, se o segredo de Estado pode opor-se ao exercício dos tribunais. E nosso entendimento presente que sim, em certos casos. Quais? Precisamente aqueles que estão previstos no Código de Processo Penal e para o qual o nosso projecto de lei remete. Aliás, Sr. Deputado, não temos intenção, como grupo parlamentar, de, nesta matéria, alterar o Código de Processo Penal, nomeadamente o seu artigo 137.º, mas não sei se o Governo terá essa intenção. Esse é um assunto de que a seu tempo curaremos.
O Sr. José Magalhães (Indep.): - O melhor é perguntar-lhe!
O Orador: - Pergunta-me também o Sr. Deputado José Magalhães como é que se concilia o nosso artigo 12.º com o artigo 343.º do Código Penal na parte em que ele já incrimina algumas expressões de danosidade social por via da devassa em relação a segredos de Estado. A resposta é extremamente simples e linear. O artigo 12.º proposto não se sobrepõe ao homólogo preceito do Código Penal, ...
O Sr. Narana Coissoró (CSD): - Pois não, acrescenta mais!
O Orador: - ...pela razão extremamente simples de que o Código Penal se reporta apenas às expressões mais drásticas de prejuízo para os interesses nacionais que possam advir da divulgação de segredo de Estado e protege apenas a revelação desses segredos na vertente da relação de Portugal com o exterior.
E daí que, compreensivelmente, o Código Penal puna com pena de 3 a 10 anos, porque se trata de matéria diferente e mais grave, e o projecto de lei, que aqui trazemos, pune com pena até 3 anos porque se trata de matéria mais benigna do ponto de vista dos. prejuízos eventuais para a independência do Estado, para a integridade nacional, para a segurança interna e externa do Estado, que são os referentes permanentes do segredo de Estado segundo o nosso projecto de lei.
O Sr. Deputado Sottomayor Cárdia fez-me três perguntas solicitando que lhe responda se concordo. Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que a minha resposta é a seguinte: em relação às duas últimas, a resposta é que concordo; em relação à primeira a resposta, é que concordo que seja uma solução possível, entre outras. Esta já é uma solução mais de carácter técnico, já é uma solução mais de viabilização de procedimento quanto ao melhor regime do segredo de Estado, e portanto penso que é uma solução possível entre outras.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade, a Mesa vai conceder-lhe o tempo necessário para terminar o seu raciocínio mas, ao mesmo tempo, pede que seja breve.
O Orador: - Sr. Presidente, termino apelando, mais uma vez, e reportando-me a um dos meus interpelamos - penso ter sido o Sr. Deputado José Manuel Mendes que utilizou este argumento - na parte em que diz que a técnica utilizada pelo nosso artigo 2.9 é mais perigosa porque não é laxativa. No entanto, Sr. Deputado, isso não é verdade porque esta é que é a técnica correcta. Esta é que é a técnica que assegura a efectiva liberdade, dado que diz duas coisas.
Primeiro, é preciso que a violação do segredo de Estado lese, ou seja susceptível de lesar ou pôr em perigo, a independência nacional, a segurança interna, a unidade do Estado - isto é um pressuposto necessário. E perguntar-
se-á: que factos, que coisas, que objectos, que documentos podem constituir matéria de segredo cuja revelação em concreto põe em perigo ou lesa estes interesses? Aqui, das duas, uma. Ou não dizemos nada e cometemos a tarefa à responsabilidade das entidades competentes, ou damos algumas indicações dizendo que estes tópicos, que aqui indicamos, entre outros e em princípio - repito -, em princípio podem ser susceptíveis de valor como tais. Desde que, em concreto, se faça a prova que criam o dano ou o perigo que o n.º 1 pretende prevenir.
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Tenho para mim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que esta é a forma tecnicamente mais segura. E mais. Tenho a certeza de que se o nosso projecto de lei não tivesse o n.º 2 não levantaria esta polémicas. E, todavia, ele resulta em abono da segurança dos cidadãos, da liberdade, da transparência e da comunicabilidade das informações. Oxalá que ele seja lido conforme está escrito e não tenho dúvidas que o será, porque todos os interpelamos que o fizeram são juristas brilhantes mas também são polemizadores e bem preparados.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Estão todos distraídos!
O Orador: - Louvo-lhes a capacidade de polémica que admiro e à altura da qual não terei estado; mas estou convencido de que quando lermos este projecto como juristas todos estaremos de acordo.
Aplausos do PSD
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A necessidade de legislar sobre segredo de Estado é uma exigência constitucional e deve ser cumprida, desde logo e sobretudo, para evitar e combater a matéria e o abuso do segredo de Estado por parte do Estado.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - Ora a Constituição da República erige a transparência como regra e o segredo como excepção. A zona do segredo de Estado ou dos mistérios da Administração não pode, assim, numa ordem constitucional democrática como a nossa, servir de cobertura aos pequenos ou aos grandes segredos dos homens de Estado ou a uma rotina administrativa e política que mergulhe no segredo a sua irresponsabilização e auto-suficiência, ou até o seu autoritarismo.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Ora se o projecto de lei do PSD viesse a ser aprovado, e nós estamos contra, teríamos legislado não sobre o regime de segredo de Estado, mas teríamos fundamentalmente criado um regime de Estado de segredo e estaríamos a salvaguardar, em vez dos segredos de Portugal, os segredos dos governantes, dos seus actos de Governo e da sua impunidade.
Aplausos do PS e do deputado do CDS Narana Coissoró.
A Constituição da República Portuguesa atribui à Assembleia da República a competência exclusiva de legislar em matérias respeitantes ao regime dos serviços de informações e do segredo de Estado. Nas partes em que alude ao segredo de Estado a nossa Constituição invoca-o como limite intransponível do acesso dos cidadãos aos ficheiros e registos informáticos ou como matéria de reserva de informação do Governo e da Administração Pública.
Por sua vez, o Código Penal referencia como crime de violação do segredo de Estado o que decorre de actos que põem em «perigo os interesses do Estado Português relativos à sua segurança ou à condução da sua política externa» e no Código do Processo Penal os factos cuja revelação «possa causar dano à segurança, interna e externa, do Estado Português ou à defesa da ordem constitucional». Diga-se, aliás, e como já foi anteriormente citado no debate sobre o segredo de Estado, aquando da apresentação do projecto do CDS, a incriminação do Código Penal não é aplicável porquanto não há nenhuma lei que autorize a Administração a declarar o segredo de Estado.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Quando o princípio da transparência administrativa foi, pela primeira vez, inscrito entre nós, de modo explícito, como princípio constitucional, na última revisão, configurou-se como uma modalidade específica do direito à informação e exigência do exercício da cidadania.
A transparência como regra e o segredo como excepção exprime-se, então, como uma necessidade de modernização da democracia e da vida pública administrativa, sobretudo quando esta estende a sua acção aos mais diversos níveis da vida económica e social, pública e privada. E como, então, foi salientado no debate a latitude do regime regra da liberdade de acesso apenas tem de conformar o direito à informação, com o direito à vida privada e o direito ao bom governo.
Os projectos de lei já votados nesta Câmara relativos ao acesso aos documentos administrativos de vários partidos, e permitam-me que saliente o do PS referente ao livre acesso aos documentos e registos administrativos votado na generalidade, por unanimidade, constituem uma resposta ao novo travejamento constitucional.
A definição do segredo de Estado tem de constituir, pois, uma adequação proporcionada da natureza excepcional do segredo, que a Constituição da República estabelece. E sendo embora difícil achar a materialidade do segredo em regras precisas a partir do texto constitucional, as suas balizas orientadoras podem reconduzir-se aos limites do livre acesso aos arquivos e registos administrativos, o qual só cede perante matérias (e não todas, saliente-se) relativas à segurança interna e externa, investigação criminal e à intimidade das pessoas.
E como se diz modelarmente no parecer aprovado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre esta matéria, por unanimidade, e de que foi relator o meu camarada Jorge Lacão, a regulação do segredo está subordinada aos princípios gerais decorrentes do artigo 18.º da Constituição da República relativos à restrição de direitos - como sejam os princípios da necessidade da restrição, da adequação e da sua proporcionalidade.
De tal qualificação do segredo de Estado resulta um entendimento extensivo da sua abrangência potencial, colocando em evidência a necessidade de adequada ponderação dos limites impostos pela cláusula constitucional de reserva restritiva constante do artigo 268.º
O segredo de Estado visa, assim, definir uma zona de protecção residual dos interesses públicos maiores e, por isso, o segredo deve ser reconduzido e reduzido ao estritamente e mínimo necessário.
No nosso projecto de lei, e nesse espírito, só «constituem segredo de Estado as informações, objectos ou factos cujo conhecimento não autorizado cause grave dano à ordem constitucional, à independência nacional e à segurança externa e interna do Estado». Têm similar sentido de
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adequação os diversos projectos apresentados, salvo o do PSD, que acaba por consagrar autenticamente o segredo como regra tendencial e a transparência como excepção.
O PSD parece não só ter esquecido o seu projecto de acesso aos documentos da Administração mas até o novo dispositivo constitucional. O projecto do PSD guarda o segredo não no pequeno cofre das jóias de família, que raramente se usam, mas faz dele a caixa-forte que tudo alberga, esconde e domina.
Como more nostrum do segredo de Estado, atuem ao projecto do PSD matérias de natureza comercial, industrial, científica ou técnica que interessem para assegurar a competitividade económica e tecnológica do País, matéria de interesse financeiro que diminua a capacidade do Governo para gerir a economia nacional, nomeadamente as que respeitam à política monetária e de crédito, projectos de alteração de preços fixados administrativamente e projectos de alteração de taxas, etc.
Imaginemos, assim, no desfile do segredo de Estado do PSD acolherem-se reservosos, veneradores e obrigados os casos Drexel, os perdões fiscais, as adjudicações de empreitadas sem concurso, a utilização dos serviços públicos, o projecto de alteração do preço da gasolina e do agravamento de impostos, sei lá, a publicidade adequada à saúde do prestígio governativo.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!
O Orador: - O segredo de Estado neste projecto do PSD é a negação de uma regra que se quer residual, isto é, a pequena zona protegida de segredo que se quer residual e necessidade inilidível faz-se mancha crescente e poluente, que tudo pretenderia avassalar, condicionando a onda normal da informação democrática. Aliás, nesta guerra do esconde-esconde, porque os gatos ao esconderem-se costumam deixar rabo de fora, quanto mais gatos escondidos mais o que pretendem esconder se torna visível.
A crescente extensão do segredo vai, além de tudo, de par com a crescente tendência para a sua violação. Os costumes, as instituições e as pessoas estão mudados e as «paredes de vidro» vão surgindo onde menos se espera, um pouco por todo o lado.
Uma outra, ainda, importante questão é a da classificação dos documentos. Quem classifica os documentos com a chancela do segredo, esse imprimatur do um novo índex inexpugnável? O projecto do PSD aponta para a dispensa de classificação - repilo, aponta para a dispensa de classificação, e cito o artigo 3.º, n.º 4 - quando as actividades que um organismo ou serviço desenvolve e as informações que recolhe são abrangidos pelo segredo de Estado.
Isto é uma enormidade técnica, jurídica, ética, democrática, ou seja, os documentos preclaros dos serviços ou organismos abrangidos pelo segredo de Estado, como sejam os serviços financeiros, fiscais, monetários e de crédito, estão, à partida, classificados.
Sabíamos da ciência popular que «o segredo é a alma do negócio». Neste caso, e agora, passamos a saber que o segredo é o negócio de um Estado sem alma, sim, de um Estado desalmado, porventura tendo a perversidade como segredo de Estado.
Aplausos do PS.
Mas, para além desta classificação automática, que evidentemente não se refere aos serviços de informações da República e â investigação criminal, as quais têm tratamento específico no diploma, podem classificar documentos e informações entidades que vão do Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, Governo, até chefes das Forças Armadas, ministros da República, Presidentes dos Governos Regionais, governador do Banco de Portugal, director dos SIED e SIR.
Assim, a classificação de documentos ou informações como segredo de Estado pode ser feita, de modo definitivo, interpretando os princípios nucleares da ordem constitucional, da segurança interna e externa, por quem não só está à margem de um controlo democrático estrito como não está investido da legitimidade representativa de órgão de soberania.
Nesse sentido, o nosso projecto, por sua vez, apenas atribui de modo definitivo a faculdade de classificação ao Presidente da República, Presidente da Assembleia da República e membros do Governo, admitindo, embora, que, a título transitório, outras entidades possam classificar, mas a transitoriedade não se esgota em qualquer adormecimento porque se, em prazo curto, a fixar em diploma regulamentador, não houver confirmação da classificação, esta torna-se automaticamente nula.
Em todo o caso, e sempre, a classificação tem de ser devidamente fundamentada. E em nenhum caso a regra do segredo pode afectar a competência dos órgãos de soberania.
Porque não esquecemos os adquiridos e consideramos o segredo de Estado como o reverso da transparência e das suas regras, incorporámos no nosso projecto a solução a que esta Câmara já deu acolhimento, na generalidade, em vista da criação de uma comissão de acesso aos documentos e registos administrativos, a qual tem a função essencial, já aprovada, de mantermo-nos fiéis aos votos expressos, e com incidência neste âmbito, de apreciar as queixas sobre o acesso aos documentos e registos, dar parecer sobre as propostas de classificação de documentos e pronunciar-se sobre eventuais soluções legislativas.
A Administração Pública ficará também obrigada a publicar as listas de documentos cujo acesso está condicionado. Isto é, no limite, onde estiver impressa a regra do segredo, no que toca à Administração Pública (e o Governo integra-a), há obrigação de dar conta pública da existência e listagem de documentos.
As medidas de garantia de cumprimento do dever de sigilo são por nós recebidas, como na generalidade dos diplomas, salvo o do PSD, para regulação posterior.
Salvaguarda-se, porém, de modo explícito a exigência de isso ser feito no prazo de 80 dias, mantendo-se até lá em vigor as resoluções do Conselho de Ministros referentes às instruções sobre a segurança de materiais classificados.
No que respeita à protecção do sigilo, e para além do normal dever funcional que cabe aos agentes do Estado, o projecto do PSD comina, ainda, um dever de diligência de todos os cidadãos na guarda de segredo que lhes venha às mãos e, mais do que tudo, penaliza quem quer que seja que conheça informação, documentos ou materiais classificados como segredo de Estado com pena até três anos, se pena mais grave lhe não for aplicável, como já discutimos, aqui, à saciedade.
Por isso, caro cidadão - e isto é um aviso que daqui lhe lançamos -, se alguém lhe for contar um segredo e se este for segredo de Estado, se fosse eventualmente votado o projecto do PSD, a prisão pode estar no seu horizonte próximo.
O Sr. Jornalista, a partir de agora, tem de ter cuidado quando ouvir falar em perdões fiscais, agravamento de
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impostos, prescrições fiscais, adjudicação de empreitadas de obras públicas, compra de material de guerra, publicidade a actos de Governo, porque pode estar a percorrer a nova rota do segredo prisional.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!
O Orador: - E não se venha dizer que a penalidade só assenta no conhecimento ilegítimo das informações classificadas como segredo. Qual é o crivo da legitimidade? Onde está expresso? Qual o suporte de legitimidade tout court no acesso ao fruto proibido?
O eden que esta disposição esconde não é radioso, mas antes uma solução ambígua e nebulosa que não honra o Estado democrático e pode, no limite, esconder uma solução viperina.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A tentação dos poderes secretos é cara a todas as expressões de autoritarismo mas não se casa com uma democracia aberta, moderna e participada. O segredo de Estado não pode ser a malha que encobre caminhos nebulosos e opacos que couracem a visibilidade dos cidadãos. Um Estado democrático só não tem telhados de vidro se tiver, isso sim, em toda a sua largura, paredes de vidro.
Aplausos do PS e do PCP
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, em forma de interpelação à Mesa, gostaria de saber se o Partido Socialista dispõe de tempo para responder porque, caso isso não seja possível, prescindo do esclarecimento.
O Sr. Presidente: - Pode pedir os esclarecimentos, Sr. Deputado.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado Alberto Martins, vou colocar-lhe duas questões de grande relevância neste momento do debate.
A primeira, para lhe perguntar se a reflexão francesa e italiana, entre muita outra, sobre a aplicação de legislação homóloga da que esta Câmara, hoje, começa a parturejar, não nos levará a considerar como absolutamente indiscutível o princípio segundo o qual o segredo de Estado se não pode opor aos tribunais, em quaisquer circunstâncias.
A segunda, para de si saber se, na lógica da excepcionalidade, de que deflui todo o articulado do Partido Socialista, não seria de entender que o elenco das entidades com competência para classificar e desclassificar documentos, objectos e informações deveria ser mais reduzido, até àquele escasso núcleo a partir do qual não fosse possível nenhum entendimento perverso nem nenhum alargamento indébito da ordem das coisas que judiciosamente se preconiza.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Deputado José Manuel Mendes, agradeço-lhe as questões que colocou e, relativamente à primeira, a resposta é de total concordância com o que me parece implícito na sua questão, que é a moponibilidade do segredo de Estado aos tribunais.
Nalguma medida, creio que isso estava contido na referência que fazemos no nosso diploma à «não limitação a nenhum título da competência dos órgãos de soberania». E, nesse sentido, não tenho presente se há uma explicitação expressa dos tribunais, mas ela está-o pela natureza da consideração de órgão de soberania e era esse o objectivo do nosso diploma.
Quanto à restrição das entidades com capacidade para classificar, todos temos a noção precisa que, quanto menor for o número de entidades que classifiquem maior e a garantia da preservação de regras estritas de segredo, como excepcional e maior é, seguramente, a garantia de regras estritas de transparência em defesa dos cidadãos.
Devo dizer que no nosso projecto admitimos a possibilidade de uma eventual restrição das entidades com competência para classificar, porque o objectivo central do nosso projecto e o de que o segredo de Estado tenha uma malha vincadamente residual e, quanto maior for o grau de segurança na classificação, maior residualidade existirá nessa malha.
Nesse sentido, temos toda a disponibilidade para encontrarmos, em sede de especialidade, a solução mais rigorosa e defensora possível da transparência.
O Sr Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: A utilidade deste debate pode ser a de desvendar um pouco, apenas um pouco, o rosto oculto do Portugal do segredo, que é, em grande medida, um Portugal secreto que assim, aqui, é um pouco revelado.
É positivo e é necessário estabelecer, de facto, um quadro de referência em matéria de segredo de Estado. Essa clarificação é necessária e tem tardado. E o projecto do PSD demorou anos e anos e foi durante muito tempo «o desejado». E mal «o desejado» chegou e desvendou o rosto, logo se viu que tinha um rosto razoavelmente horrendo: tudo pode ser secreto, proliferam as entidades com poder de classificar as matérias como secretas, semeiam-se punições penais como quem semeia flores e diamantes ou pedregulhos.
Ora, isto não pode ser. O projecto do PSD, se aplicado, exigiria que a Procuradoria-Geral da República criasse uma direcção central de combate à violação do segredo de Estado para nela abranger designadamente os que lêem os segredos de Estado e do cavaquismo na primeira, segunda e terceira página do «Diário do Governo», que é o Diário de Notícias ou outro qualquer que o Governo domine, e ponha nu cadeia - aspecto que quero sublinhar - talvez 90 % da classe jornalística e 90 % da chamada classe política que fax declarações, as mais das vezes susceptíveis de recaírem sob a alçada lassa e larga que o PSD aqui congeminou.
Um almoço de um secretário de Estado com uma jornalista é, seguramente, um corrupio de segredos de Estado. Um almoço ou um pequeno-almoço do Primeiro-Ministro com muitos jornalistas são já um risco de uma quantidade de torradas e de segredo de Estado.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Por conseguinte, Srs. Deputados, é um absurdo dar uma definição tão lata de segredo de Estado. Se segredo de Estado pode ser tudo, tudo fica no arbítrio
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do classificarão. E só o classificante pode ser qualquer um, tudo pode, virtualmente, vir parar à gaveta secreta dos segredos. Trata-se, com efeito, de uma concepção incompatível com a Constituição da República Portuguesa.
Pior o Sr Deputado Manuel da Costa Andrade é um ilustre penalista, mas a isto não respondeu. Se o PSD, Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade, aprovasse esta noção, a mesma, combinada com o Código Penal, a lei dos serviços de informação e o Código de Justiça Militar vigentes, daria uma malha... - como hei-de qualificá-la? - totalitária, total? Em qualquer caso, é uma malha opressiva,...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Globalizante!
O Orador: -... globalizante, seguramente, Sr. Deputado Narana Coissoró, da qual não escaparia virtualmente ninguém! É que, como V. Ex.ª sabe, Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade, a nossa legislação, designadamente a penal militar, considera como espionagem, revelação de segredos e aliciação factos que, mesmo em tempo de paz, praticados por estrangeiro ou por indivíduo civil, se traduzam, por exemplo, na introdução em algum ponto de interesse para as operações militares; na introdução em sítios para afectar e procurar informações que possam afectar o êxito de operações ou a segurança de forças militares, de postos, quartéis ou quaisquer estabelecimentos do Estado (sic); ou acolher ou fazer acolher espião de guerra ou agente do inimigo, conhecendo a sua qualidade; ou - como diz o artigo 65.º - outras espécies, outros tipos criminais, razoavelmente fluidos - os tais...
A mistura da vossa lei com esta e outras leis daria aos Portugueses um caminho estreitinho e minado para percorrerem a via da transparência. De um lado estariam os pedregulhos do Código Penal, do outro os pedregulhos do Código de Justiça Militar e à frente o penedo da lei do segredo de Estado do PSD. Não pode ser!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, isso criaria um problema adicional. É que, de facto, há já extensas regiões submetidas a segredo absoluto e impenetrável.
O Sr. Deputado Mário Montalvão Machado é presidente do conselho de fiscalização dos serviços de informações, conhecendo, portanto, quais as debilidades do sistema de fiscalização, assim como sabe que, na lei, não existem sequer os meios que permitam ao conselho de fiscalização ultrapassar certos aspectos invocados como segredos de Estado. Infelizmente não existem, e VV. Ex.ªs perseguem, há anos, uma tentativa de resolução desse aspecto!
Por outro lado, como o Sr. Deputado Mário Montalvão Machado igualmente sabe, a situação dos serviços é ilegítima, é ilegal! A comissão de fiscalização do banco de dados afirmou - e VV. Ex.ªs não lhe ligaram nada - que é ilegal que o Serviço de Informações Estratégicas de Defesa não funcione e que os serviços estejam concentrados no Serviço de Informações Militares! VV. Ex.ªs não ligam a nada e este continente secreto continua anti-democraticamente incontrolado, pondo em causa a estabilidade do Estado de direito democrático!
O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Muito bem!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!
O Orador: - É que zonas de secretismo já abundam! Não criemos mais zonas de secretismo!
Em terceiro lugar, vigoram na nossa Administração Pública regras de administração fechada. As instruções para a segurança de informações classificadas, que sucederam às instruções salazaristas sobre a mesma matéria - a SEGNAC 1, a SEGNAC 2 e a SEGNAC 4, como são conhecidas no linguarejar próprio do ofício -, combinadas com as instruções especiais para as matérias de segurança relacionadas com as Forças Armadas, as instruções sobre as matérias cripto, as medidas de segurança de documentos de matérias NATO, as medidas de segurança comunitárias de materiais classificados respeitantes à energia atómica, os critérios, normas técnicas e medidas para garantir a segurança do centro de dados do serviço de informações, o regulamento para a segurança das comunicações e outros instrumentos (alguns secretos) já asseguram uma rede intrincada daquilo a que chamaria o «Estado secreto português».
O «Estado secreto português» tem no topo a Autoridade Nacional de Segurança e o Primeiro-Ministro, possuindo depois gabinetes de segurança em cada ministério, na Presidência do Conselho de Ministros e nas regiões autónomas. Em cada gabinete tem especialistas, cada um dos quais possuidor de competências próprias para classificar, credenciar, inquirir e investigar. Portanto, em relação ao segredo administrativo, já existe a classificação de «Muito secreto», «Secreto», «Confidencial» e «Reservado», a qual é imposta na Administração Pública por entidades especialmente seleccionadas para o efeito, que fazem parte da hierarquia do «Estado secreto» - de que o Sr. Deputado Adriano Moreira, aliás com razão, gosta de falar - e que, para emitirem as credenciais competentes, realizam inquéritos de segurança, nos quais se pode ser aprovado ou reprovado, sem recurso!
Os inquéritos de segurança destinam-se a apurar a lealdade, a verificar se os inquiridos têm honestidade indubitável, reputação, hábitos, contactos sociais e bom senso - veja-se a p. 4777 do Diário da República, n.9 279, de 3 de Dezembro de 1988!
Os gabinetes solicitam toda a informação disponível - não sabemos a quem. Fazem dossiers e ficheiros centrais sobre essas pessoas e possuem listas dos portugueses que merecem confiança e dos portugueses que a não merecem. Estas listas podem ser objecto de reclassificação, podendo as pessoas ser riscadas a vermelho - já não a azul, mas a vermelho! «Quando o chefe, por qualquer razão - estou a citar as instruções -, entender que determinado indivíduo na sua dependência deve cessar o acesso, o nome deve ser riscado a vermelho.» Assim e sem recurso...
Por outro lado, há regras de segurança física que constam de resolução - o que é inconstitucional - e que, entre outros «mimos», dizem coisas como esta: «A posse particular de documentos ou apontamentos contendo informações oficiais ou pessoais sobre assuntos que afectem os interesses da segurança nacional, de países aliados - repare-se!... - ou de organizações de que Portugal faça parte representam uma ameaça permanente contra a segurança. Os funcionários não são autorizados a possuir arquivos particulares, diários - ai de quem escreva: 'Querido Diário, hoje soube que o Ministro das Finanças tenciona aumentar o preço da gasolina'... pumba, artigo 11.º da lei do segredo de Estado do PSD, se fosse aplicada nestes termos - e outros documentos contendo tais informações.»
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Estas regras e instruções, Srs. Deputados, implicam também que empresas particulares - privadas, portanto - possam não ser qualificadas para concursos se não obedecerem a certos critérios estabelecidos pelos «classificadores secretos».
Por outro lado, os trabalhadores, colaboradores e outro pessoal destas empresas, para poderem trabalhar em certos projectos, têm de ser credenciados, ou seja, previamente inquiridos, investigados, e depois julgados com parecer favorável ou desfavorável. Se o parecer for desfavorável, a Autoridade Nacional de Segurança pode afastar qualquer um dos estudos ou actividades em curso - é o que se lê nas instruções para a segurança industrial, tecnológica e de investigação em empresas privadas, públicas e mistas, que, obviamente, o PSD quer manter em vigor para fundir, confundir e agregar ao segredo de Estado. Na lógica do PSD, o segredo de Estado é todo o segredo administrativo, mais todo o segredo chamado «de Estado», para cobrir, no Estado, aquilo que o «Estado laranja» queira considerar como segredo. Esta é a lógica profunda do projecto do PSD.
Quer isto dizer, pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o PSD, se fizesse esta verdadeira explosão do segredo de Estado em Portugal, criaria uma situação verdadeiramente inconstitucional. E isto por uma razão óbvia: é que uma tal legislação, pela sua fluidez, pela sua abrangência indébita, minaria os próprios fundamentos do Estado de direito democrático.
Na verdade, violaria, em primeiro lugar, o princípio da separação de poderes, esvaziando os poderes dos órgãos de soberania e concentrando-os no Executivo, com graves implicações no domínio das políticas externa e interna. Então, o regime transformar-se-ia cada vez mais num presidencialismo de Primeiro-Ministro, mas desta vez como chefe de topo de toda a comunidade de informações e como classificador supremo.
Comprometeria ainda o normal funcionamento das instituições democráticas, asfixiadas e aturdidas pelo secretismo, designadamente as comissões parlamentares de inquérito, que têm, como um dos limites à sua actuação, o segredo de Estado.
Paralisaria, por outro lado, o funcionamento dos tribunais, uma vez que o Código do Processo Penal permite a invocação do segredo de Estado como elemento insuperável susceptível de truncar o curso dos julgamentos. Aliás, a lei dos serviços de informações torna essa recusa possível em todos os casos, desde que o Primeiro-Ministro o deseje e o queira. Isso permite, inclusivamente, a ocultação de crimes e a génese de situações inconstitucionais ilegais, como aquelas que, noutros países, deram origem a graves escândalos que, através de inquéritos parlamentares, puderam ser superados através da revisão da legislação correspondente e da demissão dos responsáveis nesses crimes. Em Portugal, se esta lei fosse aprovada, isso deixaria de ser virtualmente possível, a não ser violando a lei criada pelo PSD.
Por último, faculta a perpetração impune de crimes de delito comum, de crimes contra o interesse público, por agentes ou serviços do Estado, e cria, em paralelo aos órgãos do Estado, uma rede de órgãos do Estado secreto que classificam, credenciam e descredenciam; além disso, realizariam um inquérito secreto sobre o segredo de Estado e tomariam decisões secretas sem recurso nem controlo democrático.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao apresentarmos o nosso projecto de lei procurámos filiar-nos na filosofia precisamente oposta. E não é preciso ser muito oposta, basta ser constitucional. Por isso, não é de estranhar que todos os projectos dos partidos da oposição tenham como ponto comum essa aposta na transparência. Isso parece-nos extremamente positivo e dá-nos a renovada certeza de que se, eventualmente, o PSD insistisse em perpetrar este atentado contra o Estado de direito democrático o Estado de direito democrático teria meios para ultrapassar essa tentativa de instaurar aquilo a que chamei - e repito-o - a rolha, a mãe de todas as rolhas. É isso que temos de evitar!
Aplausos do PS, do CDS e do deputado independente Jorge Lemos.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, em breves segundos, como aliás é seu hábito, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.
O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, afigura-se-me que no artigo 8.º, alínea c), do seu projecto de lei, onde se refere o «Governo» se deve referir o «Primeiro-Ministro». É que não me parece que um sub-secretário de Estado possa classificar algo como segredo de Estado sem conhecimento do respectivo ministro ou que um ministro possa fazer o mesmo sem o conhecimento do Primeiro-Ministro. Assim sendo, o Primeiro-Ministro deve conhecer todos os segredos de Estado, salvo aqueles que forem classificados como tal pelo Presidente da República e pelo Presidente da Assembleia da República. Em todo o caso, o Primeiro-Ministro não pode desconhecer o que, pelos seus ministros, seja classificado como segredo de Estado.
Já agora, e aproveitando o facto de estar no uso da palavra, colocaria também uma questão ao Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade.
Face ao artigo 12.º do projecto de lei do PSD, devemos entender que toda a ilegitimidade do conhecimento recebido resulta apenas da ilegitimidade do acto de dar a conhecer?
O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Sottomayor Cardia, V. Ex.ª concede-me algum do seu tempo para responder?
O Orador: - Já não disponho de tempo e, por isso, fui instado a colocar as minhas questões em breves segundos. Mas penso que a Nação portuguesa, através desta Assembleia, que a representa, deve dar tempo ao Sr. Deputado Costa Andrade para ele poder esclarecer o seu pensamento.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (Indep.): - Sr. Deputado Sottomayor Cardia, penso que a questão que coloca é uma das mais pertinentes. É óbvio que deve haver a preocupação de restringir, por um lado, o elenco das entidades com competência classificatória e, por outro, o nível das entidades com competência. E tive o cuidado de lhe citar as instruções sobre segurança de matérias classificadas, precisamente porque o que acontece, hoje em dia, perante
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a grande indiferença de certos sectores é que estilo em vigor instruções que permitem a qualquer director-geral ou chefe de gabinete classificar uma matéria como muito secreta, se o entender, e sem «dar cavaco» a ninguém, ou, talvez, «dando cavaco a Cavaco», se chamado à atenção. E é esta questão, de classificar sem «dar cavaco a Cavaco», que me parece ser a questão fulcral deste problema. É que, repare, V. Ex.ª chama a atenção para o problema de que, no Governo, deveria ser o Primeiro-Ministro a assumir a responsabilidade máxima, o que é óbvio: no nosso projecto de lei propusemos o Governo, como órgão colegial, o que até é bastante mais exigente do que aquilo que V. Ex.ª propõe. Mas, mais: repare-se o que há de grave no projecto do PSD ao permitir que o grau de classificação vá até às entidades que aquele elenco interminável enumera - todos classificam! E esta ideia de ver o Dr. Alberto João Jardim, de carimbo na mão, a classificar «Muito secreto», «Muito secreto», «Muito secreto» é uma ideia que me inquieta..., e VV. Ex.ªs compreenderão porquê. Porque, ainda por cima, S. Ex.ª o Presidente do Governo Regional da Madeira, neste momento, já carimba, ao abrigo das instruções para a segurança das matérias classificadas! Mas querem saber ainda mais? Os secretários regionais também carimbam! Mais: os directores regionais também carimbam! Ou seja, na Madeira, todos carimbam!
Risos.
Só não consigo encontrar, naquele perímetro, alguém que não carimbe; quase daria um prémio para saber quem é que não carimba, sendo a administração tão laranja naquela região! Portanto, está tudo ao contrário: em vez de serem poucos a carimbar, são quase todos a carimbar...
O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Manuel da Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, se todos carimbam, todos sabem. Onde é que está o segredo?
O Orador: - Mas um dos dramas é esse, Sr. Deputado! Como V. Ex.ª sabe, a proliferação de carimbadores e de carimbos origina segredos de Polichinelo! Ora, se todos carimbam, todos sabem! E, em muitos casos, a administração laranja traduz-se nisso - basta ler os jornais! Mas se VV. Ex.ªs mudassem de tom e passassem a dizer: «Meus amigos, a partir de agora, as carimbadelas são a sério» ...
Risos.
Esse é o perigo do vosso projecto É que o que o vosso projecto vem dizer, designadamente aos jornalistas, e até aos deputados, é o seguinte: «Meus amigos, a partir de agora, o conhecimento ilegítimo de uma coisa carimbada implica prisão até três anos, no mínimo; e, se o carimbo for militar, implica prisão em termos militares, portanto, potencialmente, até 24 anos; e se o carimbo for nos termos do Código Penal...». Estão a compreender? Ora, esta ideia que os senhores têm de fazer um surto de carimbadelas seguidas de cadeia é uma ideia que inquieta as pessoas. V. Ex.ª há-de compreender, Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade, que isto de carimbar as pessoas aborrece-as, porque elas têm a ideia - que, penso, é saudável - de que os carimbos devem ser usados com moderação. Isto é, não se pode carimbar a torto e a direito, ...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, julgo que já chega de carimbadelas.
Risos.
O Orador: - Em suma, carimbe-se pouco e regradamente e carimbem apenas alguns com idoneidade, com objectividade, com fundamentação e a título excepcional. Assim se defenderá o Estado de direito democrático, a transparência democrática e a segurança da vida pública. É este o nosso voto.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O presente debate ocorre depois de ter sido consagrada a administração aberta, fruto de uma luta que se desenvolveu, no que ao PCP respeita, pelo menos desde 1987, e contra a sua lógica. A Constituição da República impõe, para o quadro preceptivo do segredo de Estado, regras de índole eminentemente restritiva e não o contrário; funda-se num novo contrato social e nunca no regresso a fórmulas de um passado iníquo. A transparência do Estado e dos actos públicos é o sangue arterial de uma democracia. Disto não saímos e é em função das suas implicações que estruturamos, o projecto de lei que foi por nós entregue na Mesa da Assembleia da República.
Só deve constituir segredo de Estado, numa óptica de severo rigor, tudo quanto puder causar dano à ordem jurídico-constitucional, lida sistemicamente, à independência nacional, à segurança interna e externa de Portugal. Não cabe, como é óbvio, nesta visão, a tentação sôfrega de tudo fazer incluir no âmbito da legislação a arquitectar- matérias de natureza económica, financeira ou comercial; mecanismos de produção de juros, taxas, impostos; preços dos combustíveis; emissão de moeda; empréstimos; quiçá, os «profundos estudos» para o encerramento, sem critério, de discotecas pelo engenheiro Macário Correia, enquanto os grandes poluidores fabris continuam impunes; talvez a prosa de circunstância com que o Primeiro-Ministro, a montante de uma inauguração ou a jusante de uma qualquer forjada entrevista televisiva, anuncie ao País o gesto benevolente de um aumento de pensões de reforma ou da ridícula diminuição dos custos para os automobilistas, do litro da gasolina de que tivemos notícia e que tenderá a ser muito maior em vésperas eleitorais.
Nem a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no seu artigo 10.º, nem a conhecida, e mais complacente do que um hímen sem resistência, Recomendação R/81/19, do Conselho da Europa, obrigam a tanto!
O PSD tem do segredo de Estado uma concepção omnívora, tentacular, mimética dos puros e nus interesses do Governo, tudo subjugando à propensão das conveniências e ao flutuar das conjunturas. Fiel ao brocardo de que o «segredo é a alma do negócio» e infinitamente mais fiel do que o bacalhau a um gosto pela política transformada em mero negócio, serve-se da opacidade como instrumento de poder, do discurso da ostra cerrado e autista como veículo de prestação de contas ao País, do deserto de substância histórico-cultural para apagar os adquiridos do regime nascido em 1974.
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Pensamos que deve ser exactamente ao contrário: que se impõe, nesta matéria, o paradigma inderrogável da transparência e não a impermeabilidade do sistema burocrático-administrativo. Dizemos sim à visibilidade e a uma proficiente fiscalização; dizemos não à implantação dos espelhos baços e à impunidade. Tanto mais quanto é certo que uma visão impenetrável do sistema do Governo se associa, naturalmente, a uma lógica cinegética em relação aos opositores, aos interrogadores incómodos, aos cidadãos interessados na coisa pública.
O controlo democrático, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, efectivo, sobre os serviços secretos e sobre o funcionamento do segredo de Estado é, a nosso ver, um vector cardeal de toda a tecidura da lei a elaborar.
Urge inverter as instruções e hábitos governamentais que bloqueiam a informação, põem aluquetes na boca dos funcionários, maldizem ou condenam ao purgatório de todos os labirintos os jornalistas que se não acomodam com versões oficiais ou oficiosas, batem com a porta na cara dos portugueses perguntadores, e isto em situações - pasme-se! - em que se não pode sequer invocar a segurança pública, a investigação criminal ou a defesa da privacidade enquanto valores correctamente tuteláveis.
Urge, por outro lado, derrotar as propensões para a propaganda como notícia fidedigna, para o condicionamento e prévia digestão, à Goebbels, do que deve chegar à massa anónima dos eleitores mediante serviçais - mas não qualificadorcs de uma classe deontologicamente credora de apreço - homens de pena volúvel ou de voz alaranjável.
O projecto de lei do PCP foi gizado segundo o princípio estrito da excepcionalidade. E levando em conta as reforçadas cautelas que, à luz do artigo 18.º da Constituição da República, terão sempre de aplicar-se em domínios como este: é, assim, nosso entendimento que a potenciação de tal leitura não pode, de forma alguma, conduzir a áreas de compromisso com a permissividade, a vulgarização de tudo o que se pretende contrabandear como segredo de Estado. Exactamente por isto se deve procurar que o elenco das entidades competentes para classificar e desclassificar - entre outras operações - documentos, informações e objectos seja o mais reduzido possível.
Eis porque atribuímos este poder ao Sr. Presidente da República, ao Sr. Presidente da Assembleia da República e ao Sr. Primeiro-Ministro. Considerar-se-ia a hipótese de ser o Governo, enquanto órgão colegial, a tomar uma decisão nesta esfera de melindre óbvio, mas jamais se aceitaria que pudesse ser um qualquer ministro, um qualquer secretário de Estado, um qualquer director-geral, um qualquer agente da administração central, a actuar, por esta forma esbarrondante, contra os elementares interesses e direitos dos cidadãos.
Conhecem-se zonas de especificidade, por exemplo no que toca aos serviços de informações, demasiado opacos e ignorados pela generalidade do País, pela quase totalidade do País. E, aqui, importa, antes de tudo, corrigir erros e disfunções, fazer com que o conselho de fiscalização, que emana desta Casa, funcione - não apenas com condições de trabalho mínimas para garantia da fiabilidade dos seus juízos, mas também mediante métodos capazes de aferir, sem margens brumosas, do cumprimento ou incumprimento das leis neste quadrante nodal.
Sabemos, num outro ângulo, que o Governo, através de compíscuas portarias, já hoje aprova, em conselhos de ministros, procedimentos que exuberem - muito longe do que preconizamos - de completa entorse à estrutura limitadíssima, restritivíssima, do que deve configurar-se como segredo de Estado. Mas, no exacto momento em que há ministros que afirmam que deve prescindir-se de um dos três serviços de informações, e em que os serviços de informações vivem alguma perigosa anomia, em que não é possível responsavelmente dizer que não há violações dos direitos fundamentais dos cidadãos a partir delas, acontece que o projecto de lei do PSD não só vem coonestar práticas inadmissíveis como alargar o âmbito da sua expansão até ao infinito, até à náusea.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: -O que se reclama é, exactamente, desencobrir os escândalos, desproteger o crime de luva e de colarinho brancos, propiciar a pedagogia contra a corrupção e o autoritarismo venal; experiências recentes, originárias do Executivo de Cavaco Silva, ensinam-nos que este é o caminho e não qualquer um que o iluda ou inviabilize.
O PCP contraria a psicose securitária que joga no mercado do medo com maior ímpeto do que os especuladores bolsistas e condena, com total veemência, o secretismo como mobília carunchosa da política.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Importa tornar claras, ainda, algumas das soluções que são avançadas pela iniciativa legiferadora de que somos autores.
Quando se prescreve que segredo de Estado não é oponível as prerrogativas de todos os órgãos de soberania, inclui-se já o órgão de soberania «tribunais». Mas a experiência obriga-nos, porventura, a ser mais explícitos. As incisivas análises que, no Direito Comparado, têm vindo a ser realizadas comprovam, em inclementes conclusões, os graves riscos para a ordem democrática num regime de segredo de Estado que venha a confundir-se com a hidra das sete cabeças de impedir as magistraturas de actuarem. Recordem-se, na experiência italiana, as reflexões produzidas em torno da Gládio, da P2, de outras indébitas actividades secretas, no célebre caso Giovannoni. Por isso propugnamos, de forma explícita, que não seja oponível aos tribunais o segredo de Estado, em qualquer caso. Discordamos da posição do PSD, como, em absoluto, da lógica de enunciação que consta do artigo 2.º do seu projecto de lei há pouco defendida pelo Sr. Deputado Manuel da Costa Andrade, num ensaio insucedido de branqueamento, de esfacelamento dos ângulos mais insuportáveis, justamente porque, ao nosso olhar atento, o que é preciso é desenhar normas de alto sentido de responsabilidade e tão parcimoniosamente dadas à abertura ao segredo de Estado que acabem mais depressa confundíveis com toda a restrição do que com todo o laxismo.
Justificava-se, entretanto, por razões concretas, uma disposição - que deverá, aliás, em especialidade, ser melhor redigida - que torne claro algo que vem sendo discutido no âmbito dos tribunais administrativos e fiscais e aí gerando certa polémica. Propomos que o regime do segredo de Estado que aprovarmos vincule, para os efeitos do previsto no artigo 82.º, as emergências ocorrentes à sombra da Lei dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Porque se suscitaram dificuldades e dúvidas hermenêuticas é que se preferiu integrar uma lei desta natureza com um artigo explicitativo como o que acabo de mencionar.
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Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O projecto de lei do PSD não é apenas intolerável e mau no seu travejamento, na sua filosofia e, até, em vários aspectos, no seu próprio discorrer redactivo-técnico. É, sobretudo, dcsforista em relação ao já instituído face à administração aberta, desforista em relação ao adquirido na revisão constitucional de 1989; é uma tentativa de apagar o que se conseguiu na malha normativa portuguesa a partir de então. É inteiramente condenável que assim se proceda. Enquanto, por exemplo, nas autarquias da CDU, a Carta das Garantias dos cidadãos perante a administração local funciona e se incrementa, o Gabinete do Prof. Cavaco escolhe os ecrãs da RTP para proclamar miríficas condutas de esclarecimento, paisagens no mínimo translúcidas, perpetrando um redondo vício de reduto sitiado, ocultando informações e obstruindo canais de conhecimento do que seja a vida institucional concreta.
Soluções como a do artigo 12.º, nesta sequência, no plano penalisatório, só relevam de um entendimento das coisas que é anterior a 1974 e, portanto, pré-democrático, para dizer, de alguma forma, o menos do muito que poderia ser asseverado.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Termino, admitindo que Portugal não poderá, por certo, escrever-se agora com três sílabas de sal, como queria o poeta Alexandre O'Neil; nem será desejável que possa escrever-se com três sílabas de plástico, que e mais barato. O que ele começa é a escrever-se com três sílabas de desencanto, de tormento e de inquietação, porque e de tal maneira penetrante, amplificante, o erradicar de um molde transparente impreterível, o fechamento do acesso dos cidadãos à verdade sonegada que o que nos resta é um combate consequente para que o País seja bem diverso.
Se este projecto de lei do PSD vier a vingar tal como está, cabe a todos os partidos da oposição, quando esta Câmara tiver uma nova maioria para benefício popular, prontamente revogá-la e tecer uma lei que honre a democracia, sirva as instituições e a ideia que acarinhamos de uma pátria fraterna, próspera, sem ignóbeis muralhas secretistas e justa.
Aplausos do PCP, do PS e dos deputados independentes Jorge Lemos e José Magalhães
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Borges Soeiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quinta-feira, 8 de Agosto de 1974. São 21 horas em Washington. Na televisão, em todos os canais nacionais e locais, um presidente, comovido, declara a 220 milhões de americanos que se demite. É o último passo de uma longa agonia que uma única palavra basta para trazer à memória de todos: Watergate.
Para alguns, esta palavra evoca a ideia de mais um escândalo. E qual foi a razão deste escândalo recebido com verdadeira estupefacção, sobretudo na Europa? Radica na concepção que se fax da democracia. Ela é, acima de tudo, um estrito equilíbrio entre três poderes independentes:
o executivo, o legislativo e o judicial. Mas é também a transparência destes poderes. O povo já não quer ser mero espectador das grandes decisões e da sua elaboração. Ele quer saber tudo.
E foi precisamente porque o Presidente Nixon não respeitou esta regra de ouro, foi porque ele não sentiu uma nova América insuflada de um novo tipo de democracia, a democracia «aberta», ou talvez porque se tenha dado conta tarde de mais que a sua queda se tomou inevitável.
O povo não aceitou ter sido enganado! E, sobretudo, numa época em que já vigorava, desde 1966, o Freedom of Information Act. Sobre esta lei o então Ministro da Justiça, sob a presidência de Johnson, escreveu:
Se o governo é verdadeiramente eleito pelo povo, existe através do povo e é conhecido pelo povo, o povo deve conhecer em pormenor as actividades do governo. Nada diminui mais a democracia que o segredo. O auto-governo, o máximo de participação dos cidadãos relativamente aos assuntos do Estado significa apenas alguma coisa para um público informado.
Como podemos nós governar se ignoramos como é entendida a forma como governamos? A preservação do direito dos cidadãos a conhecer a acção do seu governo nunca foi tão importante como nestes tempos onde impera a sociedade de massas e onde o governo afecta tão insistentemente a vida do indivíduo.
E o próprio Presidente Johnson, quando promulgou a referida lei, exarou um significativo despacho:
Esta legislação assenta num dos princípios mais essenciais: uma democracia funciona nas melhores condições quando o povo tem à sua disposição todas as informações compatíveis com a segurança do Estado.
Ninguém pode rodear as suas decisões de um manto de segredo, desde que essas decisões possam ser tomadas públicas sem causar dano ao interesse público. Eu assino esta lei com um profundo sentimento de orgulho pensando que os Estados Unidos são uma sociedade aberta na qual o direito do povo a estar informado é preservado.
O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Não estamos nos Estados Unidos!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Excluindo o caso da Suécia, que, há mais de 200 anos, na lei de imprensa de 1766, consagrou o princípio da liberdade de acesso dos cidadãos aos documentos detidos pelos organismos públicos, nas democracias europeias e nas de matriz, ou de influência norte-americana o reconhecimento desse direito é relativamente recente.
Também na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (artigo 10.º) se encontra bem explicitado o princípio da liberdade de informação e de acesso do público aos documentos administrativos.
Tais princípios foram, igualmente, reafirmados na Recomendação do Conselho da Europa de 25 de Novembro de 1981.
Acompanhando as mais recentes orientações, a Constituição Portuguesa inscreveu no n.º 1 do artigo 268.º o direito de os cidadãos serem informados pela Administração sobre o andamento dos processos em que sejam directa-
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mente interessados, tendo na última revisão constitucional sido introduzido um novo n.º 2 com a redacção seguinte: «Os cidadãos têm também direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.»
Toda a legislação que vem sendo produzida, nomeadamente nos países que integram o Conselho da Europa, apresenta um denominador comum que inverte o princípio básico que vigorava nas relações entre a Administração Pública e os cidadãos: tradicionalmente era o Governo que determinava se, como, quando, em que extensão e quem podia aceder às informações oficiais; hoje admite-se, em nome do princípio da transparência, que a liberdade de acesso deve ser a regra e a reserva ou o segredo, a excepção.
No entanto, esta regra e esta excepção consubstanciam uma verdadeira dialéctica. Há, efectivamente, o interesse dos cidadãos que tudo querem saber sobre a maneira como são geridos os assuntos do seu país e, por outro lado, o interesse que se reporta à segurança do Estado e do indivíduo para os quais estas informações devem manter-se confidenciais.
Como a liberdade não tem outro limite senão a liberdade dos outros, o direito de saber e de estar informado encontra o seu limite no cidadão que quer ser protegido contra todo o atentado à sua vida privada e na segurança do Estado.
E, consequentemente, as situações que justificam a proibição de acesso são descritas de modo diverso nus diferentes legislações, mas, de um modo geral, elas abrangem os domínios ligados à defesa nacional e à segurança do Estado, às relações com outros países e com organizações internacionais, aos segredos tecnológicos, comerciais ou financeiros, à prevenção e repressão da criminalidade, aos dossiers médicos e em geral a todos os documentos e informações cuja divulgação poderia pôr em risco ou causar dano à intimidade da vida privada. Aliás, o ponto V da Recomendação do Comité de Ministros de 25 de Novembro de 1981 do Conselho da Europa aponta nitidamente no sentido exposto.
E, assim, não é de estranhar que os cinco projectos de lei apresentados, de autoria, respectivamente, do CDS, do PSD, do PS, dos Srs. Deputados independentes José Magalhães e Jorge Lemos e do PCP, partam das mesmas linhas de força, ou seja, delimitem, de modo idêntico, as matérias sujeitas ao segredo de Estado.
A título de exemplo, refira-se que a delimitação dos conceitos nos projectos do PSD (artigo 2.º, n.º 1) e do PS (artigo 3.º) são praticamente idênticos, sendo este o ponto nevrálgico do diploma.
A definição dessas matérias poderia ser feita por enumeração exaustiva das diversas categorias de documentos a manter em reserva ou por referência às zonas de interesses a proteger através do segredo.
Algumas legislações estrangeiras (Finlândia, Suécia) seguem a primeira alternativa; o projecto do PSD, na senda das legislações que nos são mais próximas (França, Itália e Espanha), porque os documentos podem não esgotar as matérias carecidas de classificação e tomando em conta a nossa tradição jurídica, recebe a segunda.
Com efeito, a enumeração de alguns documentos e informações a submeter ao segredo de Estado, sendo embora exemplificativa, ajuda a delimitar o âmbito da lei. Isto é, o n.º 2 do artigo 2.º do aludido projecto é uma norma que, para além de clarificar o conceito do n.º 1 da mesma disposição, lhe dá sentido útil, quando a interpreta.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Outra questão que merece, pela sua importância, uma chamada especial de atenção tem a ver com o facto de o projecto, apresentado pelo PSD, explicitar de uma forma muito clara no artigo 8.º que o regime do segredo de Estado não prejudica a competência de fiscalização atribuída à Assembleia da República, nos termos do artigo 165.º, alínea a), da Constituição.
No entanto, o exercício desta competência não deve prejudicar os elevados fins que o segredo de Estado visa realizar.
Trata-se, contudo, de matéria processual que não poderá ser implementada sem a prévia e necessária alteração do Regimento da Assembleia da República, a aprovar nos termos previstos no n.º 2 do artigo 8.º do referido projecto.
Para isso, defende-se já noutro projecto de diploma, que será, nesta sede, articulada com este a institucionalização da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA).
Também em homenagem aos poderes de fiscalização da Assembleia da República e em matérias que poderão constituir como que um dos núcleos duros da problemática do segredo de Estado - a produção de informação necessárias à salvaguarda da independência nacional e à garantia da segurança interna - existe já em funcionamento o conselho de fiscalização, eleito por esta Câmara, previsto na Lei Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na perspectiva do Governo e em matéria tão sensível, em que está em causa sobremaneira a independência nacional e a segurança externa e interna do Estado, afigura-se-nos absolutamente necessário criar um edifício legislativo que torne o nosso país, face ao exterior, defendido de uma forma eficaz.
É que, com efeito, há decisões que reclamam um segredo absoluto, quer sejam as que se reportam à defesa nacional, à segurança do Estado, às relações com outros países e com organizações internacionais, aos segredos tecnológicos, comerciais, financeiros ou fiscais, à prevenção e repressão da criminalidade.
Partir deste pressuposto e também de que o que reclama o tal segredo absoluto é o superior interesse do Estado é suficiente para que desta Câmara surja uma lei consensual.
Uma lei consensual para uma democracia «aberta», transparente e avançada, que coloque na eficácia e no respeito pelos direitos do homem o seu grau prioritário de preocupação.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, estão inscritos os Srs. Deputados Sottomayor Cardia e Narana Coissoró.
Acontece que o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia já não dispõe de tempo, a não ser que algum grupo parlamentar, generosamente, lhe conceda algum tempo.
O Sr. Sottomayor Cardia (PS):- Peço ao Governo, Sr. Presidente!
O Sr. Presidente: - O PRD acabou de informar que lhe concede os 10 segundos que lhe restam.
Pode, pois, formular o seu pedido de esclarecimento.
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O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Em primeiro lugar, quero agradecer ao PRD o facto de me ter cedido esse tempo.
O Sr. Secretário de Estado falou para dizer que estava em desacordo com o PSD. Se me permite uma outra questão, além de segredos de Estado há também segredos da função. Este Governo também criou isso. Não legislou, não publicou, mas eles existem mesmo fora do Ministério da Defesa, do Ministério dos Negócios Estrangeiros e do ministério que tutela as polícias.
Na verdade, há inibição dos directores-gerais, chefes de divisão, chefes de repartição, e não sei se abaixo destes cargos também, para exprimirem os seus pontos de vista e darem informações ao País sobre o modo como funcionam os seus serviços e sobre as carências existentes nos seus sectores.
Sr. Secretário de Estado, como representante do Ministério da Justiça que é, gostaria de saber o que é que V. Ex.ª tem a dizer sobre esta matéria.
O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, havendo mais um orador inscrito para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - No fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, em primeiro lugar quero felicitá-lo pela sua intervenção. Como V. Ex.ª sabe, esta matéria é da reserva da Assembleia da República e, sendo-o, registo que o Governo mudou de estratégia, porque quando se refere à amnistia de que tal matéria é da reserva da Assembleia da República e que não dá opiniões porque é matéria que tem a ver com os Srs. Deputados. Porém, agora, tratando-se do segredo de Estado, isto é, de matéria da reserva da Assembleia da República, o Governo vem meter-se neste debate dando a sua opinião do alto da tribuna.
Ora, o Governo fez isto porque mudou de estratégia e, agora, V. Ex.ª vai dizer-nos qual é a opinião do Governo sobre a amnistia, porque, de facto, a posição do Governo já está modificada, se tivermos em conta aquilo que é da reserva da Assembleia da República e a intervenção do Governo no que respeita à amnistia.
Portanto, Sr. Secretário de Estado, muito obrigado por esta nova informação que nos trouxe sobre a modificação da estratégia do Governo!
Em segundo lugar, V. Ex.ª referiu as legislações familiares, mas esqueceu-se de dizer que essas legislações, nomeadamente a de Espanha e a de França, estão sob censura da doutrina e estão a ser modificadas. Na verdade, se V. Ex.ª ler - e era isso que eu há pouco estava a mostrar ao nosso colega Prof. Costa Andrade - a Enciclopédica Jurídica Italiana (última edição), verá que sobre o segredo de Estado ela diz que, hoje, a tendência é para fragmentar a doutrina do segredo de Estado cm, nomeadamente: segredo militar; segredo comercial; segredo industrial; em reserva administrativa; em documentos classificados, etc., deixando para o segredo de Estado aquilo que o projecto do CDS refere e não mais do que isso.
Gostaria de perguntar se V. Ex.ª tomou em consideração os desenvolvimentos nestes países ou se está a falar da situação de há dois ou três anos.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Relativamente à questão colocada pelo Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, posso dizer que, como é óbvio, estou de acordo com o projecto de lei apresentado pelo PSD - e disse-o há pouco, de forma consistente, na minha intervenção - porque esse diploma, nas suas traves mestras, resulta numa linha condutora muito firme de todos os princípios e direitos adquiridos, que estão já, neste momento, consolidados, nomeadamente a nível do Conselho da Europa. Portanto, julgo que o diploma apresentado pelo PSD vai enriquecer o nosso travejamento jurídico.
Relativamente aos pedidos de esclarecimento feitos pelo Sr. Deputado Narana Coissoró, posso dizer-lhe que o Governo não mudou de opinião! Estamos perante vários projectos de lei apresentados pelos partidos da oposição e quanto a temas candentes, como este, julgo que há toda a conveniência em haver intervenção do Governo na discussão destas matérias. Aliás, lembro ao Sr. Deputado que também estive presente aquando da discussão do projecto de lei sobre o direito de petição. Portanto, não há qualquer novidade perante a actuação do Governo, tanto mais que, tratando-se de matéria da competência relativa da Assembleia da República, o Governo tem mais do que legitimidade para estar neste diálogo.
No tocante as questões doutrinárias que o Sr. Deputado Narana Coissoró frisou, nomeadamente a evolução dessas doutrinas em França e em Espanha, é óbvio que na preparação deste diploma teve-se em conta esses contributos, mas tínhamos um comando constitucional a cumprir: o artigo 268.º Assim, foi para dar cumprimento a esse comando constitucional, nomeadamente depois da revisão constitucional de 1989, que o PSD apresentou este projecto de lei.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O princípio da legalidade, que é observado quando o poder actua no âmbito ou em conformidade com as leis vigentes, não dispensa o exercício discricionário do poder, abrangendo a criatividade governativa, e exclui o exercício arbitrário do poder: o contrário de um poder legítimo é um poder de facto, mas o poder arbitrário é o contrário de um poder legal.
Na definição, aceitável, de Norberto Bobbio, entende-se «por exercício arbitrário um acto praticado com base num juízo exclusivamente pessoal da situação».
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!
O Orador: - Entre as cautelas destinadas a garantir que a obediência do cidadão é solicitada em função do ordenamento em vigor - o poder racional - e não em vista das opções individuais dos suportes dos órgãos estaduais - o poder pessoal -, está o facto de a publicidade ser a regra da Administração e do Governo, do legislativo e do judicial.
As actividades estaduais podem ser discretas e ainda a muitos parece que a dignidade do poder não é servida da
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melhor maneira pelo abuso da cenografia, mas tais actividades não podem ser secretas, nem no legislativo, nem no judicial, nem no executivo. As coisas atingem o pico da degenerescência do Estado quando a cenografia e o secretismo são ambos esdrúxulos, não faltando na experiência internacional exemplos de exercício recente desses extremos.
As experiências novas apenas confirmaram a experiência antiga de que o saber secreto é um poder exclusivo e excluente, que fica nas mãos de poucos, por natureza, e que faz perigar a racionalidade do poder político em direcção ao poder personalizado. Não faltam exemplos recentes de passagem de responsáveis pela direcção dos serviços secretos para a direcção do Estado.
Acresce que os factos da última década convergem no descrédito dos benefícios dos serviços especiais, quer pelos abusos surpreendidos e transformados em escândalos perante a opinião mundial, quer pela ineficácia comprovada perante alguns dos mais importantes factos políticos contemporâneos, incluindo a queda do muro de Berlim e a política do Iraque.
A regra da publicidade da Administração é perfeitamente conciliável com a discrição que recusa o Estado espectáculo e não aceita o segredo de Estado senão como uma excepção, tão perigosa em forma de conceito operacional, como recorrendo ao expediente da enumeração de parâmetros, sobretudo se esta for exemplificativa, porque, em vez de limitar, alarga.
De facto, a alínea h) do artigo 2.º do projecto de lei, ao introduzir a disciplina do segredo de Estado na exemplificativa área financeira, enriqueceu a lista com uma nova exemplificação dentro da primeira que cobre desde a concepção da moeda às alterações de laxas, impostos e outros rendimentos do Estado.
Com tal amplitude da definição operacional de abertura e tão extensa lista proposta para as analogias, não é uma questão de Estado mas, sim, o próprio Estado, que pode ser transformado em secreto.
Diz-se: «As actividades dos serviços integrados no Sistema de Informação da República Portuguesa e as informações, documentos, e materiais em poder desses serviços são protegidos pelo segredo de Estado, nos termos desta lei e da respectiva legislação orgânica.» É o que vem proposto, atribuindo o poder de classificação sem necessidade de confirmação superior ao director do serviço, isto é, criando uma fortaleza de saber secreto nas mãos de raros.
Quando se nota que, no texto, a enumeração exemplificativa usa conceitos como, por exemplo, «estratégia a adoptar pelo País no quadro das negociações presentes ou futuras»; quando se autonomizam matérias «cuja divulgação pode facilitar a prática de infracções penais» ou que possam «diminuir apreciavelmente a capacidade do Governo para gerir a economia nacional», tem de admitir-se que a exemplificação não condiciona o arbítrio e estimula a imaginação secretista.
O Sr. Jorge Laca» (PS): - Muito bem!
O Orador: - Repare-se, por exemplo, na referência à estratégia do Estado. Não poderá saber-se pelo diploma se a palavra se refere à arte do comandante-em chefe, à strategic capability, que afligiu as alianças no último meio século, ao conjunto de planos que cubram todas as contingências em qualquer área, ou ao sentido sem sentido do uso corrente. Saber o que é a capacidade do Governo para
gerir a economia nacional vai exigir uma indagação difícil para avaliar o programa de cada maioria, de cada Governo da mesma maioria, de cada ministro do mesmo Governo.
A proposta é, realmente, a de uma lei de normas em branco, que fazem falta nas áreas em que o costume vai dando perfil às escalas de valores e modelos de conduta da comunidade, mas que são difíceis de acolher e depois de utilizar responsavelmente na regulamentação de uma excepção ao claro imperativo da administração aberta.
Acresce, de resto, uma frequente imprecisão de linguagem que por si revela as hesitações dos responsáveis pelo projecto de lei. O diploma, recorrendo a uma longa teoria de conceitos destinados a encaminhar para a identificação dos casos, das áreas, ou dos serviços aos quais caiba o regime do segredo de Estado, não aponta para qualquer definição que exceda o nominalismo do próprio segredo de Estado; subitamente, transforma o governador do Banco de Portugal em autoridade pública que pode limitar o direito dos cidadãos ao livre acesso às informações, colocá-los em situação de responsabilidade penal; dispensa a classificação para os organismos ou serviços cujas actividades são por lei abrangidos pelo segredo de Estado, e nem sequer fornece elementos que impeçam a proliferação de uns serviços, nem para saber que espécie de diploma na hierarquia das leis pode decidir isso; quando, talvez, pretende prever um regime de credenciação, exige que as pessoas que carecem de ter acesso às matérias em segredo de Estado sejam autorizadas pela entidade que impôs a classificação, o que não deve vir a ser pequeno trabalho; não define o dever de sigilo, mas define um colectivo de sujeitos obrigados ao sigilo (funcionários, agentes do Estado e, ainda, qualquer pessoa), e esquecendo os privados, formula o imperativo para todos; pune o conhecimento ilegítimo do segredo de Estado, em termos de não ser necessário ter diligenciado para tal fim, bastando a negligencia de terceiros que coloque o cidadão na inevitável situação de tomar conhecimento, designadamente pelos meios de comunicação social.
Parece, pois, fácil admitir que a forma adoptada não faz justiça à intenção dos autores mas o projecto de lei precisa, ao menos, de uma remodelação formal se, como é de prever, não for possível locar no fundo tão longamente elaborado pela maioria.
Por outro lado, colhe-se a impressão de que o dever, o qual recai sobre todos os funcionários, de informar, de alertar, do rodear de discrição a marcha do processo decisório até que a lógica dos actos de informação e de inteligência conduza ao exercício do poder de decidir, vai ser complementado em todas as hierarquias do Estado com o dever de antecipar ou adivinhar as estratégias do Estado, o julgamento das capacidades deste para gerir a economia e a intuição das alterações dos equilíbrios das alianças.
O Sr. Jorge Laca» (PS): - Muno bem!
O Orador: - Isto porque, tal como se refere no n.º 5 do artigo 3.º, «quando qualquer desses funcionários toma conhecimento de matéria susceptível de ser classificada como segredo de Estado», e isso só pode ser a seu juízo pessoal, «deve transmiti-la ao dirigente máximo do respectivo serviço», isto é, o sargento atento e temeroso deve correr ao chefe de Estado-Maior, deixando toda a cadeia de comando pelo caminho; o secretário de legação deve precipitar-se de longe para o Ministro dos Negócios Estrangeiros, ignorando o embaixador; o contínuo do
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laboratório deve ser presto junto do presidente da Junta Científica, e assim por diante...
Para além desta inaceitável inversão e esquecimento das hierarquias legais, este único preceito é suficiente para lançar a insegurança em todas as pirâmides hierárquicas, e não vão faltar informações e alarmes ditados pela jurisprudência das justificadas cautelas dos funcionários.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!
O Orador: - Do que se consegue ler sobre esta matéria, parece concluir-se que a única garantia da legalidade está na moral de responsabilidade de quem exercer o poder. Os responsáveis pela fiscalização, quando não têm acesso ao segredo, precisam de saber, como salienta Scurton, onde está guardado o segredo: não o secretismo, mas o facto!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!
O Orador: - Por isso, ao CDS pareceu viável e necessário impedir que o segredo de Estado se aplique nas vastas áreas da administração aberta em que exista qualquer regime de reserva, de acordo com o nosso projecto de lei; também não pode ferir o estatuto da oposição, sendo esta que fica obrigada pelo segredo; não pode interferir com actos internacionais que exijam a intervenção do Presidente da República ou da Assembleia da República; não pode opor-se à competência dos tribunais; o funcionário cumpre e acautela-se com a reserva provisória, não tem de exceder rotinas e hierarquias.
A criatividade governativa, que é a única área da discricionariedade onde surge o secret du roi, não precisa de ver este exemplificado, precisa de ser limitada pela legalidade, pela administração aberta, pela necessidade de fundamentar, pela limitação imposta pelos regimes legais de reserva, pelo direito internacional, pelo estatuto da oposição e pelo conceito operacional, que, no nosso conceito, diz respeito a um facto, a um processo e a um dossier.
Gostaríamos de poder reconhecer que estes anos de espera, corridos desde que a questão foi trazida ao Parlamento pelo CDS, tinham melhorado o que sabemos e as propostas. Ficamos com a impressão de que a continuação da espera serviria melhor o interesse público do que o projecto.
Aplausos do CDS, do PS, do PCP e dos deputados independentes Jorge Lemos e José Magalhães.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A Assembleia da República tem vindo a tomar um conjunto de iniciativas legislativas no sentido do reforço dos direitos dos cidadãos perante a Administração Pública, o que constitui um dos pontos mais significativos da última revisão constitucional, procurando, deste modo, dar expressão prática aos princípios teóricos que a nossa Constituição consagra.
Uma dessas iniciativas mais expressiva foi precisamente aquela que diz respeito à «administração aberta» e que foi objecto de iniciativa de todos os grupos parlamentares e que, tendo sido aprovada na generalidade, aguarda, em comissão, a sua votação na especialidade.
As iniciativas que hoje são objecto da nossa atenção - as relativas ao segredo de Estado - são, por assim dizer, a outra face da mesma moeda, ou seja, o complemento da «administração aberta», na medida em que, enquanto esta define o regime de acesso dos cidadãos aos documentos da Administração, a lei do segredo de Estado procura definir precisamente as condições de proibição ou de restrição a esse acesso, nomeadamente quando o conhecimento e a divulgação de certa informação, documentos ou objectos sejam susceptíveis de causar grave dano à ordem constitucional, à independência nacional e à segurança externa e interna do Estado Português.
Pensamos, pois, que todas as iniciativas, ao procurarem responder a este conjunto de preocupações, devem ser consideradas como um contributo válido para a elaboração de uma lei sobre o segredo de Estado.
Permito-me simplesmente destacar o facto de a iniciativa, nesta matéria, ter sido do CDS, já na legislatura anterior, e ter suscitado, porventura, iniciativas tardias para uma matéria de tão grande importância. Valeu a pena o esforço e o desafio, pelo que o CDS, particularmente na pessoa do Sr. Deputado Adriano Moreira, está de parabéns.
O momento não podia ser o mais favorável. Com efeito, a discussão destes projectos desenrola-se, finalmente, num quadro mais completo, ou seja, durante o processo legislativo relativo à «administração aberta» e à discussão, já na próxima semana, da autorização ao Governo para aprovar e publicar o Código do Procedimento Administrativa
Está, pois, cumprida a primeira condição enunciada pelo PRD para a discussão desta matéria. Dizia o deputado Miguel Galvão Teles, aquando da primeira discussão, na generalidade, do projecto de lei do CDS, que «o segredo de Estado se apresenta como um limite ao direito à informação democrática e ao acesso aos documentos oficiais», sendo «preferível que a questão fosse abordada dessa perspectiva, em conjunto com uma definição do regime de exercício daquele direito e daquele acesso».
Nesse debate e nos que se seguiram sobre o segredo de Estado o PRD deixou claros os princípios e a filosofia que o orientavam.
Congratulamo-nos pelo facto de os projectos em discussão trazerem respostas, umas completas e satisfatórias e outras incompletas e insatisfatórias, a todas as dúvidas e questões que nós levantámos relativamente a esta matéria, para além também de grandes e graves preocupações, expressas aquando da discussão do projecto de lei do CDS e agora agravadas pelo projecto de lei do PSD. Não se justificava, pois, a apresentação, por parte do PRD, de mais um projecto, quando o essencial das opções estão colocadas na mesa e sublinhadas também as preocupações.
Não vamos fazer uma crítica específica às iniciativas em presença, no pressuposto de que todas terão a mesma oportunidade para a elaboração final da lei, mesmo admitindo que, em nossa opinião, existem projectos de lei, em particular o do PSD, que nos parecem desajustados e que seriam passíveis de, individualmente considerados, merecerem duras críticas, nomeadamente no que se refere as matérias susceptíveis de serem consideradas segredo de Estado, assim como à forma pouco precisa, para não utilizar outro termo, como é referida a punição para quem tem «acesso ilegítimo a matérias classificadas» - artigo 12.º
Creio ter sido este o sentido geral da nossa primeira intervenção, quando, em Julho de 1988, foi apreciado, na generalidade, o projecto de lei n.º 65/V, do CDS, relativamente ao segredo de Estado, em que foi interveniente o nosso companheiro Miguel Galvão Teles.
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As dúvidas então levantadas e as preocupações manifestadas poderiam ser maiores, relativamente ao projecto de lei do PSD, se só ele fosse a base da elaboração da lei do segredo de Estado, mas que podem, de certo modo, ser acauteladas quando está em discussão um conjunto vasto de soluções que, esperamos, sejam consideradas em sede de comissão.
O projecto de lei do PSD parece-nos ser o que está mais desenquadrado da filosofia global, subjacente ao nosso quadro constitucional, nomeadamente no que respeita à transparência da administração, podendo mesmo ser considerado fendo de inconstitucionalidade, e, ao ser aprovado como está, pode, em nossa opinião, pôr em causa o princípio da «administração aberta», ao considerar que quase tudo é susceptível de ser segredo de Estado, quando o princípio deve ser exactamente o contrário. No entanto, pensamos - volto a sublinhar - que, sendo esta uma matéria verdadeiramente estrutural do Estado Português e uma matéria em que é fundamental que se estabeleça o maior consenso possível, dado o seu objectivo, que não pode nem deve ser partidarizado, e atendendo também ao parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, aprovado por unanimidade, preferimos considerar genericamente todos os diplomas como um contributo, partindo do princípio de que nenhum deles se pode considerar um trabalho acabado em matéria do segredo de Estado, até porque se está a legislar sobre uma matéria em que há ausência de legislação portuguesa anterior.
Preferimos, claramente, aprofundar o debate, reafirmando os princípios e respondendo, em moldes mais concretos, a algumas das questões essenciais levantadas.
A primeira delas tem a ver, precisamente, com a determinação do âmbito do segredo de Estado e com a sua distinção de outras figuras de excepção à «administração aberta». Com efeito, sendo claro que o segredo de Estado constitui uma excepção ao princípio da «administração aberta» e, portanto, ao direito à informação e ao acesso aos documentos administrativos, é para nós também claro que o segredo de Estado e um regime excepcionalíssimo dentro das próprias excepções à «administração aberta», a começar pela natureza dos interesses tutelados, passando pelos critérios e grau de acesso e terminando na limitação absoluta de divulgação.
Destas diferenças resulta um rol de consequências importantíssimas ao nível dos dois regimes de excepção. Assim, por exemplo, se, num caso, é possível limitar o acesso à informação aos legitimamente interessados, noutro, tal não será, provavelmente, admissível, em função dos interesses e princípios tutelados. O problema é que, aqui, se entra no campo nebuloso do conflito de interesses, direitos, garantias, princípios e até liberdades, todos constitucionalmente reconhecidos.
Como resolvê-lo? É difícil responder a esta pergunta; no entanto, sempre diremos que um primeiro passo para o separar das águas seria não confundir o sistema de classificação dos documentos administrativos com o regime do segredo de Estado, nem mesmo considerando que as classificações mais restritivas dizem respeito a este regime. Por outras palavras, consideramos fundamental distinguir os dois regimes de excepção, princípio que o projecto do PSD põe claramente em causa.
As razões são simples e, em grande parte, já por nós enunciadas, a começar pela diferente natureza dos interesses tutelados, mas gostaríamos de realçar outras, nu esteira, aliás, das considerações e preocupações muito justamente
levantadas pelo Sr. Deputado Adriano Moreira. Não está apenas em causa o interesse tutelado mas a garantia desse interesse.
Ora, isso só será conseguido se tivermos a plena noção da diversidade e complexidade das situações, a começar, por exemplo, pela natureza dos actos. Um acto a ser salvaguardado pelo regime do segredo de Estado não tem, necessariamente, natureza administrativa ou exclusivamente administrativa. Pode ser um acto político apenas, ou um acto político com tradução administrativa. Pode ser um acto legislativo. Pode ser, inclusivamente, um acto com implicações de natureza judicial.
A título de exemplo, gostaria de referir que o proposto código de procedimento administrativo, que iremos discutir na próxima semana, no capítulo referente ao direito à informação, não faz qualquer referencia ao regime do segredo de Estado, limitando-se a indiciá-lo no artigo 65.º, n.º 1, m fine, relativo aos arquivos e registos, quando refere matérias relativas à segurança externa e interna, a par das referencias à investigação criminal e à intimidade das pessoas. E isto, para além de estabelecer, no artigo 61.º, n.º 3, alínea à), relativo ao direito dos interessados à informação, que «não podem ser dadas as informações sobre peças ou elementos que, nos termos legais, tenham classificação de muito secreto, secreto, confidencial ou reservado».
Ora, é para nós líquido que todo o cuidado tem de ser posto na diferenciação dos regimes e nas definições estabelecidas nas diversas sedes legais, com conexão, directa ou indirecta, ao regime do segredo de Estado, evitando, assim, meter tudo no mesmo saco, pondo em causa não só a dignidade do segredo de Estado como direitos e liberdades fundamentais constitucionalmente protegidos.
Não menos importante é, também, a definição dos pressupostos da aplicação do regime do segredo de Estado, não obstante as diferentes formulações, na prática comuns à generalidade dos projectos mas que tem, no do PSD, uma extensão diferente na qualificação material de matérias susceptíveis de serem submetidas a segredo de Estado e que vão para além das matérias institucionais, como sejam as de natureza financeira, económica, comercial e tecnológica.
Quanto à competência para a qualificação do segredo de Estado, entendemos que ela deve ser apenas reconhecida ao Presidente da República, ao Presidente da Assembleia da República e ao Primeiro-Ministro, no âmbito das respectivas atribuições e competências, sem prejuízo de outras entidades deverem ter a responsabilidade e o dever de propor a classificação ou de proceder, provisoriamente, em tempo certo, a ela quando da não classificação imediata possa resultar um dano irreparável ao interesse tutelado. Por outro lado, a classificação por uma das entidades referidas vincula as restantes, só podendo ser revogada por aquela que a ela procedeu, no respeito pelo princípio da divisão dos poderes.
As dificuldades técnicas na definição, aplicação, tramitação e garantia do segredo de Estado são, de facto, de vulto, e, porventura, na prática, sempre insuficientes, inoperantes e irrelevantes. Talvez por isso mesmo o projecto do CDS é, aparentemente, tão simples, pelo menos nas soluções. Mas, como disse o meu companheiro Miguel Galvão Teles, deve ser feito um esforço suplementar para que um diploma deixe tão claro quanto possível os objectivos do regime do segredo de Estado, mesmo que, acrescento eu, na prática, tudo dependa da moralidade e da responsabilidade de quem classifica o segredo de Estado.
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7 DE MARÇO DE 1991 1629
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Pela importância do assunto em discussão, pelo melindre que uma deficiente formulação técnica pode implicar, pelo contributo importante que todos poderão dar, penso que seria ajustado a constituição de um grupo de trabalho, no âmbito da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, onde pudessem participar, por exemplo, as Comissões de Defesa Nacional e dos Negócios Estrangeiros e. nesse sentido, encontrar um texto comum que salvaguarde os interesses vitais do Estado Português, no respeito dos direitos e garantias dos cidadãos.
Aplausos do PRD, do PS, do PCP, do CDS e do deputado independente Jorge Lemos.
O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Luís Pais de Sousa para pedir esclarecimentos em tempo cedido pelo Governo, quero dizer que, apesar de o PRD não dispor de tempo, por uma questão de equidade, visto todos os grupos parlamentares terem ultrapassado o respectivo tempo disponível, a Mesa concede ao PRD um minuto e meio para que o Sr. Deputado Marques Júnior possa responder.
Tem a palavra, Sr. Deputado Luís Pais de Sousa.
O Sr. Luís Pais de Sousa (PSD): - Muito obrigado, Sr. Presidente. A questão é de tal maneira telegráfica que penso mesmo que o tempo cedido pelo Governo chegará para a pergunta e para a resposta.
O Sr. Deputado Marques Júnior referiu na sua intervenção que o projecto de lei do PSD, uma vez transformado em lei, estaria ferido de inconstitucionalidade ou de inconstitucionalidades.
Pergunto: qual o artigo ou artigos, constantes do projecto de lei do PSD, que está ou estão feridos de inconstitucionalidade?
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Deputado Luís Pais de Sousa, como o Sr. Deputado sabe, eu não sou um técnico dessa matéria, não sou um jurista, pelo que tenho, digamos, limitações nessa área, mas conheço a Constituição e tive o cuidado de a ler e de referenciar na minha intervenção o problema da inconstitucionalidade de uma forma bastante branda, embora eu pense que, quanto à hipótese de inconstitucionalidade, ela seja, de facto, mais forte do que aquela que deixo subentender na minha intervenção e que diz especialmente respeito ao facto de eu entender que a maneira como o projecto de lei do PSD equaciona a problemática do segredo de Estado estar em perfeita contradição ao violar, salvo o erro, o n.º 2 ou o n.º 3 do artigo 268.º da Constituição no que toca ao problema da «administração aberta».
Portanto, a meu ver, a maneira como o projecto de lei do PSD está organizado pode estar ferida de inconstitucionalidade, precisamente ao nível do n.º 2 do artigo 268.º Mas penso que há outras áreas onde elas se podem verificar, estou a recordar-me, por exemplo, de uma intervenção do Sr. Deputado José Magalhães, onde foi referido o aspecto de o projecto de lei do PSD poder, eventualmente, pôr em causa a própria separação dos poderes, que é um elemento fundamental. Por aí também, poderia detectar problemas de inconstitucionalidade, mas, como disse, não sou um especialista e precisamente por isso tive o cuidado de, na minha intervenção, deixar essa ideia de uma forma não muito vincada. Devo, no entanto, dizer-lhe, sinceramente, que estou muito mais convencido da inconstitucional idade do que aquilo que deixei entender na minha própria intervenção.
Vozes do PRD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições ...
O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito?
O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Para uma intervenção.
O Sr. Presidente: - O PS já não dispõe de tempo.
O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Mas o PCP cede-me 10 segundos.
O Sr. Presidente: - Sendo assim, tem a palavra.
O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ouvi a pergunta formulada pelo Sr. Deputado Luís Pais de Sousa e gostaria de dizer que, embora não seja constitucionalista, à minha sensibilidade afigura-se que esta lei violará o princípio da dignidade da pessoa humana estabelecido no artigo 1.º ou no artigo 2.º da Constituição.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dou o debate por encerrado.
A nossa próxima reunião plenária terá lugar amanhã, às 15 horas.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 15 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António Maria Ourique Mendes.
António Mana Pereira.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Flausino José Pereira da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
José Assunção Marques.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José de Vargas Bulcão.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Gomes da Silva
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Vítor Pereira Crespo.
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1630 I SÉRIE-NÚMERO 50
Partido Socialista (PS):
Alberto Manuel Avelino.
Armando António Martins Vara.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
João Rosado Correia.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Rui Pedro Lopes Machado Ávila.
Partido Comunista Português (PCP):
Lino António Marques de Carvalho.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Deputado independente:
Manuel Gonçalves Valente Fernandes.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Cecília Pita Catarino.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Maria Oliveira Martins.
José Alfredo Godinho da Silva.
José Júlio Vieira Mesquita.
Licínio Moreira da Silva.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Maria Amónia Pinho e Melo.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Nuno Francisco F. Dclcrue Alvim de Matos.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Partido Socialista (PS):
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Laje.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
João António Gomes Proênça.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Domingos Abrantes Ferreira.
Maria Odete Santos.
Centro Democrático Social (CDS):
José Luís Nogueira de Brito.
As REDACTORAS: Maria Leonor Ferreira - Cacilda Nordeste - Ana Marques da Cruz.
DIÁRIO da Assembleia da República
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