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I Série - Número 62
Sexta-feira, 12 de Abril de 1991
DIÁRIO da Assembleia da República
V LEGISLATURA 4.º SESSÃO LEGISLATIVA (1990-1991)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 11 DE ABRIL DE 1991
Presidente: Ex.mº Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários: Ex.mos Srs.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Caio Roque
Apolónia Maria Pereira Teixeira
Daniel Abílio Ferreira Bastos
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 Horas e 25 minutos.
Antas da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa de requerimentos e respostas a alguns outros.
O Sr. Presidente leu a mensagem do Sr. Presidente da República devolvendo o decreto n.º 302/V - Autorização legislativa sobre o regime jurídico do trabalho de menores, das férias, do trabalho em comissão de serviço, do período experimental, da duração do trabalho e da cessação do contrato de trabalho por inadaptação do trabalhador -, em relação ao qual exerceu o direito de veto após o Tribunal Constitucional se ter pronunciado pela sua inconstitucionalidade formal.
A Assembleia aprovou, depois, um requerimento do PSD solicitando a publicação, em separata ao Diário, para discussão publica, da proposta de lei de autorização legislativa que deu origem ao referido decreto. Sobre o requerimento, que fora apresentado pelo Sr. Deputado Mário Montalvão Machado (PSD), pronunciaram-se os Srs. Deputados José Magalhães (Indep.). Jorge Loção f PS), Carlos Brito (PCP). Narana Coissoró (CDS) e Joaquim Fernandes Marques (PSD).
O Sr. Deputado António Esteves (PS) falou das conclusões das Jornadas Parlamentares do seu partido realizadas no Algarve, tendo, no final, respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Cristóvão Norte, Filipe Abreu e António Vairinhos (PSD) - que também exerceu o direito de defesa da honra - e Carias Brito (PCP).
O Sr. Deputado António Mota (PCP) abordou alguns problemas do distrito de Viana do Castelo.
Em declaração política, o Sr.. Deputado José Silva Marques (PSD) criticou o discurso político do PS, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento da Sr.ª Deputada Edite Estrela (PS) - que, por sua vez, deu explicações ao Sr. Deputado Mário Montalvão Machado (PSD), que exercera o direito de defesa da honra e consideração de sua bancada - e deu igualmente explicações ao Sr. Deputado Jorge Loção (PS), que também defendera a honra e consideração da sua bancada.
Ordem do dia. - Foram aprovados os n.os 49 a 53 do Diário.
A Câmara foi informada de que a Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente discutira e rejeitara, na especialidade, todas as propostas de alteração ao Decreto-Lei n.º 5/91. de 8 de Janeiro (ratificações n.os 156/V e IS8/V). e aprovou vários pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos, autorizando, uns, e recusando, outros, alguns deputados a deporem como testemunhas, e ainda um relatório e parecer da mesma Comissão sobre substituição de um deputado do PCP.
Foi aprovada, na generalidade, a proposta de lei n.º 171/V
- Aprova a lei quadro das regiões administrativas -, que, a requerimento do PS e do PCP. baixou à comissão competente para preparação do debate, na especialidade, a realizar em Plenário. Intervieram na discussão, a diverso título, além do Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território (Valente de Oliveira), Carlos Lilaia (PRD). Narana Coissoró (CDS), Natália Correia (PRD), Carlos Brito (PCP), Jorge Loção (PS), João Maria Teixeira (PSD), Manuel Moreira e José Silva Morgues (PSD), lida Figueiredo (PCP), Edite Estrela (PS) e Carlos Brito (PCP).
Foi ainda aprovado, em votação final global, o texto, elaborado pela Comissão de Agricultura e Pescas, relativo ao projecto de lei n.º 532/V(PSD) -Lei dos baldios - tendo sido rejeitados os requerimentos de evocação, apresentados pelo PCP. dos artigos 6.º, 8.º, n.º2. 12.º,15.º. 16.º a 22.º, 33.º e 34.º
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 30 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 25 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Pereira.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arnaldo Lopes Correia Costa.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carla Maria Tato Diogo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Dulcíneo António Campos Rebelo.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maria Oliveira Martins.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Licínio Moreira da Silva.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Maria Antónia Pinho e Melo.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Helena Ferreira Mourão.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Jorge Beto Maciel.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Rosa Maria Tomé e Costa.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.
Partido Socialista (PS):
Ademar Sequeira de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
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Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
António Manuel Henriques Oliveira.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Miguel de Morais Barreto.
Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Edite Fátima Maneiros Estreia.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Helena de Melo Torres Marques.
Henrique do Carmo Carmine.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacto Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
José Apolinário Nunes Portada.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Luís do Amaral Nunes.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Castro Dias.
Leonor Coutinho dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel António dos Santos.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Pedro Machado Ávila.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
Ana Paula da Silva Coelho.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Domingos Abrantes Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Octávio Augusto Teixeira.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Alexandre Manuel Fonseca Leite.
António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
José Carlos Pereira Lilaia.
Natália de Oliveira Correia.
Rui José dos Santos Silva.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Narana Sinai Coissoró.
Deputados independentes:
Carlos Matos Chaves de Macedo.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Santos Magalhães.
Manuel Gonçalves Valente Fernandes.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente:-Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos requerimentos e respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Foram apresentados na Mesa, nas últimas reuniões plenárias, os requerimentos seguintes: ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados Basílio Horta, Luís Filipe Madeira, Rui Ávila, Ilda Figueiredo e António Mota; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Lopes Cardoso, Ilda Figueiredo e António Filipe; à Câmara Municipal de Lisboa, formulado pelo Sr. Deputado Rui Salvada; ao Ministério da Indústria e Energia, formulado pelo Sr. Deputado José Reis; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulado pelo Sr. Deputado José Reis; à Secretaria de Estado do Orçamento, formulado pela Sr.1 Deputada Apolónia Teixeira; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados José Apolinário, Rui Ávila, Miranda Calha, Laurentino Dias e António Oliveira; ao Ministério da Saúde, formulado pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo; ao Ministério da Administração Interna, formulado pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, e, finalmente, ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulado pelo Sr. Deputado José Apolinário.
Por sua vez, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos Srs. Deputados: José Manuel Mendes, na sessão de 8 de Novembro; José Reis, na sessão de 21 de Novembro; Miranda Calha, na sessão de 22 de Novembro; António Guterres, na sessão de 30 de Novembro; Julieta Sampaio, na sessão de 5 de Novembro;
António Filipe, na sessão de 1O de Dezembro; Helena Torres Marques e Carlos Brito, na sessão de 11 de Dezembro; José Apolinário, na sessão de 13 de Dezembro; Virgílio Carneiro, na sessão de 20 de Dezembro; Vítor Caio Roque e Jorge Lemos, na sessão de 18 de Janeiro;
Octávio Teixeira, na sessão de 5 de Fevereiro; Filipe Abreu, na sessão de 7 de Fevereiro; Cristóvão Norte e Luís Roque, na sessão de 19 de Fevereiro; Jorge Lemos, nas sessões de 21 e 22 de Fevereiro; José Magalhães, na sessão de 22 de Fevereiro, e Ferraz de Abreu, na sessão de l de Março.
A Sr.ª Helena Roseta (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.
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A Sr.ª Helena Roseta (Indep.): - Sr. Presidente, gostaria que me esclarecesse relativamente à grelha de tempos para o debate da proposta de lei n.º 17l/V que consta do boletim informativo, porque não consigo perceber se ela inclui o tempo dos autores de todas as propostas sobre regionalização, que já estão em comissão, ou se inclui apenas o tempo dos grupos parlamentares mais o do Governo.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, já foram discutidos todos os projectos de lei sobre regionalização, que baixaram à respectiva comissão, com ou sem voto. Donde, não podem ser discutidos hoje. Portanto, a grelha de tempos corresponde apenas ao debate da iniciativa do Governo, embora todos os grupos parlamentares façam, obviamente, comentários...
A Sr.ª Helena Roseta (Indep.): - Sr. Presidente, então, neste momento, considera-se apenas a proposta pendente?
O Sr. Presidente: - Exactamente, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Helena Roseta (Indep.): - Sr. Presidente, então dê-me um segundo esclarecimento.
Uma vez que se trata de uma matéria muito importante, o Sr. Presidente poderá informar o Plenário quando é que entrarão em vigor as alterações ao Regimento, que já foram aprovadas há largas semanas?
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, foram aprovadas há largas semanas, mas é um processo lento. Recebi hoje uma informação-não a tenho de memória- no sentido de que dentro de dois ou três dias será publicada, na íntegra, a nova versão do Regimento da Assembleia da República.
A Sr.ª Helena Roseta (Indep.):-Sr. Presidente, não há nenhuma possibilidade de através de acordo na conferência dos representantes dos grupos parlamentares, os independentes poderem usar da palavra neste debate?
O Sr. Presidente: - Haverá, com a ajuda dos grupos parlamentares desta Câmara.
A Sr.ª Helena Roseta (Indep.): - Sr. Presidente, é essa a questão que suscito, porque, de facto, o Regimento não está publicado, a grelha de tempos não prevê a nossa intervenção, os projectos já baixaram às comissões, o debate é importante e nós não podemos falar!
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: -Sr. Deputado, é sobre a mesma matéria?
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Não é sobre a mesma matéria, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, pude, finalmente, verificar que deu entrada na Mesa da Assembleia da República a proposta de resolução, apresentada pelo Governo, relativamente ao acordo ortográfico; pude também verificar, consultando o despacho de V. Ex.ª...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, para ganharmos tempo, direi apenas que esse assunto já foi discutido em conferência de líderes e, oportunamente, saberá os resultados.
O Sr. Jorge Lemos (PCP):-Sr. Presidente, se me permite, concluiria a interpelação, pois creio que ganhará a Mesa, a Câmara e eu próprio com o esclarecimento que pretendo obter.
No despacho de V. Ex.ª, relativo à admissão, numeração e publicação, foi omitida a referência à comissão a que deveria baixar esta proposta de resolução, apresentada pelo Governo.
A minha interpelação radica precisamente nesse Cacto. Nos termos do artigo 205.º do Regimento, as propostas apresentadas pelo Governo em matéria de tratados internacionais devem baixar a uma comissão especializada «competente em razão da matéria» e a outras que possam emitir parecer considerado útil.
Gostaria, portanto, de perguntar a V. Ex.ª qual foi a comissão-creio que será uma omissão o facto de não vir referida no despacho-a que baixou a respectiva proposta de resolução, quais os prazos a que a mesma deverá estar sujeita para admissão de pareceres e que outras comissões deverão ser ouvidas em relação à matéria.
Sr. Presidente, é esta a minha interpretação, porque considero que, sendo esta uma matéria que tem vindo a gerar polémica na sociedade portuguesa, não poderá passar pela Assembleia...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já percebi, e a Câmara também, qual é a questão. Vou, pois, responder.
Em primeiro lugar, há um lapso na argumentação do Sr. Deputado. As deliberações e as resoluções não baixam às comissões, embora, por regra, escreva sempre à margem, mandando distribuir à comissão competente.
Neste caso, como o Sr. Deputado bem sabe, há uma petição, que foi tratada na Comissão de Petições, e, portanto, os dois processos serão tratados paralelamente.
Estás esclarecido, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, não está esclarecido.
O Sr. Presidente:-Quando muito, o Sr. Deputado poderá fazer um ofício solicitando a baixa a uma determinada comissão e eu despacharei nesse sentido.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, V. Ex.ª não permite que use o microfone, mas ainda tenho boa voz para comunicar à Câmara o sentido da minha interpelação, que continua sem resposta.
É que, nos termos dos artigos 205.º e seguintes do Regimento, que contempla matéria relativa à aprovação de tratados-como é o caso em apreço-, deveria V. Ex.ª ter indicado a comissão ou comissões a que a proposta de resolução em causa deveria ter baixado.
Essa é a omissão! Tendo presente a resposta de V. Ex.ª, não deixarei de lhe fazer chegar a proposta concreta da comissão, ou comissões, a que a referida proposta de resolução deve baixar.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, considero que está tudo esclarecido!
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De resto, como lhe disse, pode fazer um ofício a solicitar que determinada comissão aprecie a proposta de resolução em apreço e eu despacharei favoravelmente.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, farei o ofício, mas...
O Sr. Presidente:-Estamos esclarecidos, Sr. Deputado!... Estamos esclarecidos!
Srs. Deputados, vou passar à leitura de uma mensagem de S. Ex.ª o Presidente da República, que me foi dirigida para ser apresentada à Câmara e que é do seguinte teor.
Tenho a honra de junto devolver a V. Ex.ª, nos termos dos artigos 139.º, n.º5, e 279.º, n.ºl, da Constituição da República, o decreto da Assembleia da República n.º 302/V, de 7 de Fevereiro de 1991, referente a «autorização legislativa sobre o regime jurídico do trabalho de menores, das ferias, do trabalho, em comissão de serviço, do período experimental, da duração do trabalho e da cessação do contrato de trabalho por inadaptação do trabalhador», uma vez que o Tribunal Constitucional, através do douto Acórdão n.º 64/91, de 4 de Abril de 1991, se pronunciou pela inconstitucionalidade de todas as normas do referido decreto, em sede de processo de fiscalização preventiva da constitucionalidade.
Quero acrescentar que, em reunião da conferência de líderes, foi acordado que seria apresentado um requerimento, que será distribuído, lido e votado logo no início do período da ordem do dia.
Srs. Deputados, vamos agora dar início às declarações políticas.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de interpelar a Mesa relativamente à ordem de trabalhos.
O Sr. Presidente: -Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, creio que aquilo que ficou acordado na conferência de líderes foi que o Sr. Presidente leria a mensagem. Porém, agora V. Ex.ª anuncia que foi aditado um ponto à ordem de trabalhos, para consideração do procedimento a adoptar em relação à mensagem do Sr. Presidente da República. É nesse quadro que depois aparecerá um requerimento que já está anunciado.
Assim, creio que o ponto da ordem de trabalhos será: procedimento a adoptar em relação à mensagem do Sr. Presidente da República.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, V. Ex.ª apenas clarificou aquilo que eu disse e ainda bem, porque assim o ponto ficou mais preciso.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Esteves.
O Sr. Deputado José Silva Marques pediu a palavra para que efeito?
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Para solicitar que a Mesa clarificasse a que título o Sr. Deputado António Esteves toma a palavra, visto que, regimentalmente, cada grupo parlamentar tem direito a uma declaração política por quinzena e o Partido Socialista fez a sua na semana passada.
O Sr. Presidente:-O Sr. Deputado António Esteves vai fazer uma intervenção e não uma declaração política.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Esteves.
O Sr. António Esteves (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista realizou, recentemente, as Jornadas Parlamentares do Algarve. Foram jornadas semelhantes às que o grupo já fez noutros distritos e destinadas ao estudo dos problemas regionais. Com este objectivo, houve contactos e reuniões com a população, com empresários, autarquias locais e organismos, como a Comissão de Coordenação Regional, Região de Turismo do Algarve e Direcção Regional da Agricultura.
Do muito que vimos e ouvimos, aqui trazemos testemunho para que a Assembleia da República, na hora própria, melhor decida os problemas do Algarve nas áreas da sua competência e para que o Governo reexamine os erros e omissões da sua política, que tem acarretado sérios prejuízos ao desenvolvimento do Algarve.
Nos vários sectores da actividade económica, detectámos erros de estratégia e estrangulamento da maior gravidade.
Assim, no sector do turismo, continua a verificar-se uma dependência excessiva do mercado inglês, que detém uma. quota superior a 60 %. Trata-se de uma política económica reconhecidamente errada, sobre a qual têm sido dados os mais variados alertas, mas sem sucesso.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A situação é ainda mais grave pelo facto de o Algarve se relacionar com aquele mercado por intermédio quase exclusivo de dois operadores turísticos, um dos quais faliu há poucas semanas, acarretando a anulação de cerca de l milhão de dormidas e prejuízos de muitos milhões de contos. Acresce que o operador turístico que resta ficará numa situação de quase monopólio de compra, com o inevitável aviltamento, ainda maior, dos preços praticados.
Além disto, registe-se também a contradição flagrante entre a política anunciada de um turismo de qualidade a par de um conjunto de infra-estruturas em que não se registam melhorias. Será difícil compatibilizar um turismo de quatro e cinco estrelas com um parque de estradas de traçado por vezes obsoleto e com o piso em grande degradação - e isto sem falar de telecomunicações, estruturas de saúde, burocracia, etc.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Também na agricultura muita coisa corre mal. A total incapacidade do Governo de implantar uma política de desenvolvimento e de reestruturação da agricultura algarvia, nomeadamente dos citrinos, conduziu às sérias apreensões com que os agricultores encaram o futuro. Os pecos pagos ao produtor vêm baixando, mercê de. estruturas comerciais deficientes, da concorrência desleal com laranja estrangeira e de pesadas despesas de comercialização.
É inexplicável que não estejam já em funcionamento no Algarve os dois mercados de origem projectados e pelo menos um mercado abastecedor, facto que penaliza grandemente os agricultores algarvios.
Refira-se ainda o fraco aproveitamento dos fundos comunitários pelos agricultores algarvios, insucesso pelo qual não são eles, seguramente, os responsáveis.
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A falta de tempo ido nos permite abordar a degradação evidente nas áreas dos frutos secos e o marasmo na reflorestação da serra algarvia.
Quanto a fundos estruturais, passa-se nas pescas o mesmo do que na agricultura, mantendo-se a frota de pesca com embarcações inadequadas, equipamentos obsoletos e ausência de formação profissional.
Tivemos oportunidade de constatar em Quarteira a necessidade urgente da construção de um porto de pesca e de uma lota, a fim de acabar com as condições precárias em que aquela comunidade de pescadores desenvolve o seu trabalho, que contribui para a economia do País com muitas centenas de milhares de contos.
Se entrarmos na actividade industrial constatamos o atraso em que se mantém a região, quando bem fácil é constatar também um conjunto de condições óptimas que, devidamente potenciadas, permitiriam a instalação de indústrias modernas.
Mas o erro de mais graves consequências da política do Governo é a ausência de um planeamento regional integrado que, se se mantiver, compromete seriamente o desenvolvimento futuro do Algarve. É a essa falta de planeamento que se deve a degradação de algumas infra-estruturas fundamentais ao desenvolvimento, a ausência de outras e erros cometidos em opções tomadas, como a do traçado da Via do Infante, cuja localização vai pressionar uma intensiva e indesejável ocupação do solo junto ao litoral.
O esforço desenvolvido com a elaboração do PROT-Algarve, sendo de elogiar, peca pelo defeito de ser uma atitude desgarrada de planeamento, um instrumento estático elaborado à revelia de uma decisão clara, participada e democrática sobre as opções estratégicas do desenvolvimento da região.
Sendo o PROT um instrumento elaborado com a principal preocupação de disciplinar a ocupação do solo pela actividade turística, é de temer que continue a não se discutir seriamente as opções de um desenvolvimento económico mais equilibrado, com maior desenvolvimento de outros sectores de actividade económica e menor dependência relativa do turismo, um sector que é extremamente sensível aos mais variados factores internos e externos, com os perigos de crise a espreitar a toda a hora. A falta de um plano adequado leva à falta de critérios rigorosos na aplicação dos dinheiros públicos e à incapacidade de fazer opções no momento próprio.
Assim, que respostas tem hoje o Governo sobre a necessidade de estender ao Algarve a rede de gás natural?
Para quando a opção, se não de uma auto-estrada, pelo menos de uma via rápida de quatro faixas de rodagem?
E o hospital de Barlavento irá continuar, por muitos anos, apenas com verbas simbólicas no Orçamento do Estado?
O facto de a actual ponte do Guadiana não ter uma via ferroviária constitui uma opção definitiva ou foi esquecimento do Governo? O percurso de comboio de Portimão a Faro, de SÓ km, leva 2 horas e 23 minutos, o que representa uma velocidade média de cerca de 20 km/hora. Por quanto tempo mais se vai manter esta situação?
Há indicações de que a construção da barragem de Odelouca não está prevista para os próximos anos, o que julgamos ser um erro grave porque só com essa barragem se atinge um nível razoável de segurança no abastecimento de água às populações e à agricultura da região. Sem esta barragem, dois anos seguidos de seca podem originar uma catástrofe nos milhares de hectares de citrinos e de outras culturas e causar dificuldades importantes ao turismo e à população. Porquê uma opção que encerra tantos perigos?
Na área do ambiente e só a título exemplificativo, quando se resolve o Governo a encontrar uma solução definitiva contra a erosão perigosa da ria e especialmente da ilha de Faro?
Poderíamos prosseguir neste enunciado de problemas da região, mas vale a pena, sobretudo, falar de vias de solução.
O Governo é o responsável pela falta de capacidade política de abordagem dos problemas. Ao decidir, por exemplo, na Via do Infante, optar peto traçado proposto pela JAE e rejeitar pelo traçado da CCR, decidiu mal. Decidiu a favor do centralismo e contra as aspirações regionais, decidiu do modo menos democrático porque é contrário aos interesses expressos pela população.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O Governo aplica, no Algarve, uma política centralista, napoleónica, antiquada e desfasada dos tempos actuais e das aspirações da população. O melhor exemplo é a oposição sistemática que há vários anos o Governo vem adoptando contra a regionalização do Algarve e do País. O Algarve, com a sua região administrativa, saberia prosseguir a política mais correcta e mais adequada aos seus objectivos de desenvolvimento e de bem-estar. Saberia optar e saberia planear.
Até quando o Grupo Parlamentar do PSD se manterá como suporte do único Governo europeu que hostiliza a descentralização? Como foi possível a existência de uma maioria absoluta no Parlamento sem se dar, ao menos, um passo nesta reforma urgente do Estado?
Pela parte do PS, foi dito no Algarve, nestas Jornadas Parlamentares, que, com maioria no Parlamento, faremos a regionalização pondo termo a uma frustração nacional que dura vai para 15 anos, porque entendemos que sem regionalização e sem participação não haverá um desenvolvimento equilibrado.
Com estas jornadas, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista ficou a conhecer melhor o Algarve e o próximo governo do PS saberá, desde o primeiro momento, responder aos anseios dos algarvios e colocar nas suas mãos a solução dos seus próprios problemas.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Cristóvão Norte, Filipe Abreu, António Vairinhos e Carlos Brito. . Tem a palavra o Sr. Deputado Cristóvão Norte.
O Sr. Cristóvão Norte (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado António Esteves: Dou de barato as suas críticas, até porque as compreendo perfeitamente. E sendo esta, suponho, a primeira intervenção de carácter regional que V. Ex.ª faz nestes últimos tempos, é absolutamente natural e compreensível, até pelo facto de se aproximarem as eleições, tê-la feito agora. Mas, de qualquer forma, as críticas que aqui vem fazer são as que normal e sistematicamente os membros do seu partido fazem a pretexto de tudo e de nada. e não só sobre o Algarve mas sobre todo o País, sem apresentarem soluções.
No entanto, quero dizer-lhe o seguinte: nunca foi tão visível e palpável o desenvolvimento e o progresso em todo o Algarve. Esta é uma verdade indiscutível.
Vozes do PSD: - Muito bem!
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O Orador:-E, a propósito da regionalização, devo dizer que nós, os que estamos aqui há bastante tempo, recordamo-nos que em 1976. quando na Constituição da
República Portuguesa se criaram as regiões autónomas e o Partido Socialista dominava claramente a cena política portuguesa, teria sido possível, se o Partido Socialista quisesse e até porque toda a gente era a favor da descentralização, criar a região administrativa piloto do Algarve. No entanto, como o Partido Socialista sempre foi centralista e nunca teve a menor ideia de criar a região administrativa, fala nela e propala essa intenção quando está na oposição, o que não é mais do que mera propaganda eleitoralista.
Aplausos do PSD.
Aliás, faço-lhe uma pergunta muito concreta, até porque não corresponde à verdade uma afirmação que fez. Sr. Deputado, já noutro dia, quando aqui fiz uma intervenção, V. Ex.ª referiu a circunstância de uma determinada empresa inglesa ter falido. Então serão os órgãos competentes, a Comissão Regional de Turismo, a Secretaria de Estado, o Governo ou qualquer cidadão particular, quem tem a culpa dessa falência? A esse propósito, digo-lhe que 6 verdade que durante muito tempo o mercado turístico do Algarve dependia quase exclusivamente, em cerca de 60 %, do mercado inglês. Porém, foi encetada uma inversão e hoje é claramente visível que há uma dependência não só da Inglaterra, como da Alemanha, da Holanda, da América e de outros países. Esta tem sido a estratégia definida pela Comissão Regional de Turismo. Esta é que é a verdade. Portanto, não é a verdade, como V. Ex.ª afirmou, que continue a haver a dependência do mercado inglês.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Abreu.
O Sr. Filipe Abreu (PSD): - Sr. Deputado António Esteves, saúdo a reaparição de V. Ex.ª, em altura já de pré-campanha eleitoral, e confesso que tenho todo o prazer em ouvir, pela primeira vez, um deputado socialista do Algarve, nomeadamente do Barlavento, a usar da palavra.
Em relação ao relatório, que V. Ex.ª nos fez chegar, das Jornadas Parlamentares do Partido Socialista no Algarve, só quero dizer que me congratulo com o facto de, finalmente, os deputados do Partido Socialista se preocuparem com o que se passa no Algarve. VV. Ex.ª têm estados quedos e mudos em relação aos problemas dos algarvios e, porque todos nós somos deputados do Algarve, gostamos de ver outras vozes juntarem-se à nossa para defenderem os problemas de uma região e das suas populações. Finalmente o Partido Socialista acordou, em período eleitoral! Bem-vindas sejam as vossas críticas, as vossas sugestões!
Referir-me-ei a dois pontos que V. Ex.ª abordou na sua intervenção. Um é a questão do turismo e outro é o do traçado da Via do Infante. Quando V. Ex.ª diz que o mercado inglês ainda domina em 60 % a ocupação turística no Algarve, isso é verdade & eu não contesto. Mas também tem de reconhecer que, ultimamente, três mercados deram um salto espectacular em relação à ocupação turística no Algarve. Certamente V. Ex.ª desconhece que o mercado alemão, o italiano e ó francês deram saltos espectaculares e nunca vistos e daí o esforço dos órgãos competentes para que haja uma diversificação dos mercados.
No entanto, as coisas não podem ser feitas de um momento para o outro; se se fizesse algo de precipitado, então VV. Ex.ª virar-se-iam contra nós -aliás, segundo o PS somos os culpados de tudo e mais alguma coisa -, dizendo que teríamos desprezado um mercado importantíssimo em relação a outros que não tinham capacidade para dar unia ocupação suficiente no Algarve. Aliás, isto é o apanágio do Partido Socialista, que está contra tudo e contra todos e diz mal de tudo e de todos.
Relativamente ao traçado da Via do Infante, penso que os deputados, se têm conhecimento das posições que foram assumidas por presidentes de câmara do Partido Socialista na região, onde o PS tem hegemonia e é maioritário, saberão que as suas reclamações, nomeadamente dos do Sotavento algarvio, foram no sentido de que a Via do Infante passava muito ao norte. Os autarcas queriam que essa via passasse em Vila Real de Santo António, pelo meio de Tavira. ao lado de Olhão, ao lado das cidades do litoral e hoje, porque foi tomada uma opção de «nem tanto ao mar nem tanto à terra», o Partido Socialista vem dar o dito por não dito e dizer que o traçado da Via do Infante devia ser para os confins da serra algarvia. Só que esse traçado não serviria o grande afluxo de trânsito que a Via do Infante comportará e deixaria de ter qualquer tipo de atractividade para o tráfego da estrada nacional n.º 125. E V. Ex.ª esquece-se de que esta estrada é a segunda via do País com maior índice de sinistralidade, pois o seu tráfego é inenarrável..:!
O Sr. Deputado falou aqui no caminho de ferro algarvio, mas esquece-se que fazer 60 km pela actual estrada nacional n.º 125, de Portimão a Faro, demora também uma l hora e 30 minutos! Sr. Deputado, a Via do Infante não pode ser «nem tanto ao mar nem tanto à terra»!
Um outro problema, Sr. Deputado, diz respeito ao hospital do Barlavento. Quer V. Ex.ª queira quer não, foi este governo que tomou a decisão de o construir.
O Sr. Deputado fez muitas críticas, mas não apresentou quaisquer alternativas. Pare de fazer campanha eleitoral! Preocupemo-nos. sim, com os problemas des-algarvios e menos com as campanhas eleitorais.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente:-Tem a palavra o Sr. Deputado António Vairinhos.
O Sr. António Vairinhos (PSD): -Sr. Deputado António Esteves, é com muito prazer que, pela primeira vez, nesta Câmara, tenho a oportunidade de dirigir-me a V. Ex.ª sobre os problemas do Algarve.
De qualquer modo, devo dizer que fiquei preocupado com a sua intervenção! Preferia não o ter ouvido pela primeira vez nesta situação, porque, efectivamente, deu uma má demonstração do seu conhecimento dos problemas do Algarve, embora tenha dito que, após as Jornadas Parlamentares do PS ali realizadas, os socialistas ficaram a conhecer melhor os problemas lá existentes. Fiquei um pouco desiludido porque creio que esse tipo de reflexões e de preocupações vem um pouco fora de tempo... De há uns anos a esta parte, até já nos esquecemos um pouco delas...!
Falou sobre a ausência de grandes infra-estruturas regionais, mas esqueceu-se que, quando o PS era governo, o Algarve, em termos de investimento regional, estava na cauda do PIDDAC regionalizado, estava em terceiro ou quarto lugar a contar de baixo.
O Sr. Deputado sabe que, em 1988, os investimentos do PIDDAC, no Algarve, já representavam 7,2 milhões de
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contos; em 1989 passaram para 7,6 milhões de contos; em 1990, atingiram os 12,6 milhões de contos e, finalmente, em 1991. ao de 19,2 milhões de contos?! O Sr. Deputado sabe que Faro é o quarto distrito do País em lermos de investimento e o que tem maior investimento per capital O Sr. Deputado sabia isso?!
V. Ex.ª não anda muitas vezes de automóvel e nem de aviso, pois, de contrário, já teria reparado, com certeza, na gare do aeroporto de Faro. nas melhorias operadas na estrada nacional n.º 125-inclusivamente na ponte de Estômbar, que se localiza ao pé da cidade onde o Sr. Deputado reside normalmente-, no avanço da barragem de Odeleite, que está em fase de adjudicação e onde há um investimento de 30 milhões de contos.
O senhor também não referenciou-e, pelos vistos, não conhece!-o sistema de rega algarvio, os sistemas de abastecimento de água à agricultura e às populações! Então, não conhece o sistema das grandes barragens do Funcho, de Odelouca, de Odeleite e do Beliche e os investimentos que estão a ser feitos e programados para resolver o problema do abastecimento de água ao Algarve? Pêlos vistos, não conhece...!
Aplausos do PSD.
Falou ainda na erosão costeira e no problema da ilha de Faro. O problema da erosão costeira algarvia é um grande desafio qualitativo que se coloca, nesta década, a esta região, Sr. Deputado, e estamos a trabalhar nisso há muito tempo. Sobre este problema, já está, aliás, concluído um primeiro estudo, respeitante às zonas entre Vilamoura e Vila Real de Santo António.
Em relação às obras da ilha de Faro, posso dizer-lhe que, para as obras de carácter urgente, foram postos à sua disposição 150 000 contos. O Sr. Deputado teve, com certeza, oportunidade de, conjuntamente com o grupo socialista, visitar a recarga que foi feita no areal e as obras que se irão aí fazer. A população de Faro deve também ter-lhe falado-e o grupo socialista deve ter tido conhecimento disso, a não ser que ande tão distraído que não se tenha apercebido... -de todas as outras coisas que irão ser feitas. Por exemplo, há um programa que está a ser elaborado por este Governo para resolver os problemas da costa algarvia, como de toda a costa portuguesa, programa esse que vai envolver dezenas de milhões de contos.
Pelos vistos, o Sr. Deputado também não sabia... Pois, então, anda mal informado, Sr. Deputado! De vez em quando, tem de fazer uns requerimentos para conseguir obter respostas a essas matérias...
Risos do PSD.
Sobre a questão da regionalização, pergunto ao Sr. Deputado António Esteves onde estava, em 1982, quando foi feito o debate público sobre regionalização, em que se debateram também os problemas do Algarve. Onde estava,. Sr. Deputado? Que posições defendeu nessa altura?
Pergunto-lhe também -e dirijo esta questão a todos os deputados socialistas - onde estava quando, na altura da revisão constitucional de 1989, se votou aqui o princípio da simultaneidade. Qual foi a posição dos deputados do PS? O senhor defende aqui a criação da região do Algarve e pergunto-lhe se conhece esse preceito referente à simultaneidade? Onde estavam, nessa altura,- os Srs. Deputados do PS?
Recorda-se da posição dos deputados do PSD .do Algarve e das respectivas declarações de voto? Se não se lembra, vá aos Diários ver as actas! Pelos vistos, anda muito distraído...!
Aplausos do PSD.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Hermínio Martinho.
O Sr. Presidente:-Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): -Sr. Deputado António Esteves, é, na verdade, um privilégio poder trocar impressões consigo aqui, no Plenário da Assembleia da República, sobre os problemas do Algarve, oportunidade que, como é natural, não vou perder.
Gostaria de dizer-lhe que, em relação a várias questões, há, de facto, uma grande coincidência de pontos de vista entre aquilo que defendeu e aquilo que sempre temos defendido. É o caso, por exemplo, do traçado da Via do Infante-questão essa que muito temos aqui abordado e ainda há poucos dias, na última sessão, ao encerrar a interpelação que fizemos ao Governo sobre questões de crescimento e de desenvolvimento económico e social, falámos nesse grande abuso, nessa grande violência contra a região algarvia -, como é o caso da questão do PROT-Algarve e do hospital do barlavento algarvia.
Mas o Sr. Deputado não referiu uma questão muito importante e que diz respeito à situação existente no Hospital de Faro. Penso que seria interessante ouvir a sua opinião sobre essa matéria, dado que essa situação constitui, neste momento, um dos grandes problemas do Algarve, não só devido ao escândalo em tomo das situações de corrupção que são conhecidas como também, até, por uma cena situação de ruptura em que o Hospital permanece.
Para o período da ordem do dia de hoje temos agendada a discussão da proposta de lei n.º 171/V, que aprova a lei quadro das regiões administrativas. Não sei se vou ou não intervir no debate, se terei ou não oportunidade de trocar impressões com os deputados eleitos pelo Algarve sobre o assunto e, por isso, aproveito esta oportunidade para colocar-lhe algumas questões.
Assim sendo, pergunto-lhe que apreciação faz V. Ex.ª enquanto deputado do PS eleito pelo Algarve, da revisão da Constituição no que diz respeito à regionalização? Faço-lhe esta pergunta por duas razões muito concretas, a primeira das quais já foi aqui aludida, mas em termos que não subscrevo e, portanto, não deixo de a colocar. Os Srs. Deputados defendiam a eliminação do princípio da simultaneidade, o que, aliás, consta de documentos que tomaram públicos e de vários discursos que foram feitos por elementos da vossa lista. Mas de facto, o que aconteceu foi que esse princípio não só foi confirmado como também foi consolidado com a vossa colaboração.
A segunda razão tem a ver com o facto de o projecto de lei do PS propor que a lei quadro fosse aprovada no prazo de um ano após a aprovação da lei da revisão constitucional e no acordo PSD/PS sobre a revisão constitucional o PS deixou cair essa exigência. Portanto, como é que os deputados algarvios do PS vêem e apreciam a revisto constitucional, considerada, sobretudo, à luz destas duas questões muito concretas, precisas e rigorosas que acabei de colocar-lhe.
Mais: o sentido que tomou a revisão da Constituição não tomou mais difícil o processo de regionalização em geral e o processo de concretização da região administrativa do Algarve em particular?
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A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Esteves.
O Sr. António Esteves (PS): - Sr. Presidente, respondo, em primeiro lugar, ao Sr. Deputado Carlos Brito, porque o tempo de que disponho obriga-me a dar uma resposta mais geral.
Quanto ao Sr. Deputado Carlos Brito, gostaria de dizer-lhe que agradeço muito as suas palavras, que revelam uma apreciação correcta e normal dos problemas do Algarve, problemas esses cuja justeza é, aliás, pública e notória e, portanto, não precisa de ser provada.
Aquilo que aqui disse é público - vem nos jornais da região e nos jornais nacionais - e é, de facto, um reflexo daquilo que se pensa na região sobre esta matéria. «Não há pior cego do que aquele que não quer ver» e, pelos vistos, os Srs. Deputados estão cegos...!
Quanto à questão que me coloca acerca da revisão constitucional, diria que este percurso atribulado do problema da regionalização, as pressões existentes ao longo destes 15 anos são algo de desgostante. Tenho alguma autoridade moral - se assim me é permitido dizer - para falar sobre isto porque, conjuntamente com o Sr. Deputado Luís Filipe Madeira, apresentei, em 1978, o primeiro projecto de regionalização português, que pretendia criar a região-piloto do Algarve. Desde essa aluíra e sempre que se discutiu a regionalização, apresentámos várias propostas escritas, que são públicas e que constam dos Diários da Assembleia da República, assim como várias propostas de alteração è Constituição no sentido de pôr termo ao princípio da simultaneidade. Isso foi feito por nós. Srs. Deputados!
Disse o Sr. Deputado que o PSD sempre manteve a sua posição! Se bem me lembro, os deputados do PSD eleitos pelo Algarve, na altura da votação, saiam da Sala e não votavam, mas, depois, iam dizer para o Algarve que eram a favor... Mas o que é verdade é que aqui, na Assembleia da República, o PSD sempre votou contra!
Sr. Deputado, não gostaria de avançar mais porque quem conhece este dossier sabe que isto é verdade e sabe que o PS fez todos os esforços. Os senhores têm aqui, na vossa bancada, paladinos que se arrogam de ser contra a regionalização. Têm feito questão disso e esta posição tem obtido vencimento no vosso partido. Não é esse o nosso caso!
O Sr. Deputado-Cristóvão Norte falou aqui no sector turístico e contestou a nossa dependência inglesa, os 60 % de turistas ingleses, número esse que está publicado em, vários sítios. Aliás, o seu colega Filipe Abreu, numa intervenção que fez há tempos, referiu-se ao número de entrada de turistas estrangeiros e, nela, os ingleses têm exactamente essa percentagem. Portanto, esta é uma questão que não tem discussão. Basta ler as estatísticas, Sr. Deputado!
Relativamente aos outros comentários que aqui foram feitos, creio que é bom que os Srs. Deputados do PSD venham aqui defender o Algarve, a política do Governo e tudo isso. Só que eu, ao contrário dos senhores, não tenho da política a noção de que é uma «corrida de bicicletas», para ver quem chega primeiro... Não me vou pronunciar sobre isso, pois tenho uma visão diferente, um pouco mais ponderada, menos «chicaneira», dos problemas.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador-Quanto à Via do Infante, Sr. Deputado Filipe Abreu, somos a favor-e sempre defendemos essa posição. O que temos discutido é a sua localização, o seu traçado. Aí estamos de acordo com a população- aliás, parte do traçado foi modificado. De resto, temos connosco a Comunidade Europeia, que se opôs a este traçado e por aí adiante.»
Em relação ao Hospital de Barlavento, de Portimão, espero que este não continue por muitos anos-como é costume o PSD fazer-com uma verba de 5000 contos inscrita no PIDDAP, ficando, depois, um, dois ou três anos com essa mesma quantia. E depois nunca há verbas... diz-se que estão 20 hospitais a «andar», quando, de facto, só um está a ser construído.
Finalmente, diria o seguinte ao Sr. Deputado António Vairinhos: conheço o sistema geral de rega do Algarve e o sistema de barragens. Há um ano o Governo, de uma forma leviana, lançou um projecto, que é tão megalómano como aquele que estão a fazer ali em Belém, com cerca de 20 milhões de contos, na base de um simples pré-projecto-nem sequer fizeram o projecto. E sobre esse concurso que lançaram há um ano, até hoje não disseram nada... Não sei, pois, onde está esse grande plano de rega do Algarve, as barragens do Beliche e do Funcho, o canal adutor de 30 km, que custa não sei .quantos milhões de contos, verba esta que é calculada com a maior insensatez e o pior bom-senso, pois, sem projecto, avançaram com uma proposta de concurso internacional de uma obra cuja base de licitação é de cerca de 20 milhões de contos! E até hoje nada mais se soube!
Aplausos do PS.
O Sr. António Vairinhos (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Pede a palavra para que efeito. Sr. Deputado?
O Sr. António Vairinhos (PSD): - Sr. Presidente,- peço a palavra para exercer o direito regimental de defesa da honra, uma vez que o Sr. Deputado António Esteves afirmou que. como deputado eleito pelo Algarve, abandonei a Sala durante certas votações.
O Sr. Presidente:-Sr. Deputado, regimentalmente, o critério é de V. Ex.ª, pelo que lhe concedo a palavra.
O Sr. António Vairinhos (PSD): - Sr. Deputado António Esteves, afirmou V. Ex.ª que isto não era nenhuma corrida de bicicletas, mas no fim, na última etapa, montou-se na bicicleta e anda para aí a pedalar! Este é o primeiro aspecto caricato. De qualquer modo, está a pedalar mal, metendo os pés no campo da mentira, ou da não verdade.
Com efeito, referiu o Sr. Deputado que os deputados do PSD, sempre que se fazem votações que versam questões da regionalização, têm sistematicamente abandonado este Plenário. Ora, isso não é verdade, Sr. Deputado! Por conseguinte, impõe-se assim retirar uma de duas conclusões: ou V. Ex.ª não estava cá-o que não me surpreende... - ou então encontra-se de má-fé, não estando a dizer a verdade.
Sr. Deputado António Esteves. faça V. Ex.ª o favor de consultar as actas referentes à sessão em que foi votado o artigo relativo à questão da simultaneidade. É que, embora seja pena que não se saiba quem estava ou não presente.
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posso garantir-lhe que todos os deputados do PSD eleitos pelo Algarve estavam presentes, pois todos os cinco apresentaram declarações de voto, que foram entregues na Mesa imediatamente após a votação. Porém, o que não sei é se os deputados do PS cá catariam, já que me parece não ter havido qualquer declaração de voto apresentada por VV. Ex.as
Por outro lado, Sr. Deputado, aquilo que demonstrou hoje, pela citação dos jornais da região-pêlos quais tenho muito respeito-, foi uma grande cultura jornalística, talvez adquirida em cima da bicicleta!...
Finalmente, gostaria de lhe dizer que, também quanto ao concurso que foi lançado há um ano, demonstrou algum desconhecimento de causa, pois não tem ideia de quanto tempo é que leva a desenvolver um concurso internacional.
No entanto, repare-se ainda que a respectiva base de licitação não foi fixada em 22 milhões de contos, mas em 24 milhões de contos, tendo concorrido 17 empresas, cujas propostas já foram, neste momento, analisadas. Nestes termos, o concurso encontra-se presentemente em fase de reclamação, pelo que lhe posso garantir que, no prazo de dois meses, será adjudicada a construção da barragem de Odeleite, que não é nada daquilo que V. Ex.ª referiu.
O Sr. Deputado afirmou aqui que não se fazem grandes, infra-estruturas, quando se vai lançar uma grande infra-estrutura, uma grande barragem, que é imprescindível para o aumento da rega no Algarve! Com efeito, temos potencialidades em 120 000 ha de terra para rega - não sei se sabia isso-, mas esta barragem nem um terço dessa extensão vai cobrir. E diz V. Ex.ª que este empreendimento é megalómano?!
Pelo amor de Deus, Sr. Deputado, não seja injusto para com o Algarve, para com os algarvios e para com as necessidades com que nós, deputados do PSD, nos andamos aqui a debater há muitos anos e relativamente às quais os socialistas, mesmo quando estiveram no governo, nada fizeram!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado António Esteves.
O Sr. António Esteves (PS): -Sr. Deputado António Vairinhos, gostaria de lhe dizer que, habitualmente, não minto. Aliás, fui assim habituado de pequenino...
Sr. Deputado, é, de facto, verdade que os senhores apresentaram aqui declarações de voto. Porém, eu não disse que, sistematicamente, os senhores abandonavam a Sala sempre que se discutiam estas questões.
Vozes do PSD: - Disse, disse!.
O Orador:-Na verdade, estavam cá na última vez - reconheço isso-e fizeram uma declaração justificando o vosso voto. Isso está escrito e ninguém poderá desmentir. O que referi foi que, sistematicamente, o PSD votava contra.
De qualquer modo, é a velha história: os deputados do Algarve votam de uma maneira e o grupo parlamentar vota de outra!
O Sr. Filipe Abreu (PSD):-Temos liberdade para isso!
O Orador: - Ficamos na mesma, Sr. Deputado. Não vale a pena, porque isso, embora há alguns anos tenha colhido no Algarve, agora já hão colhe...
Quanto ao que V. Ex.ª sabe e eu não sei, é claro que o Sr. Deputado sabe mais, pois o Governo esconde-nos factos e apenas informa os senhores.
De qualquer modo, não estou mal informado e, a meu ver, até prova em contrário, essa obra de 20 e tal milhões de contos é um logro para o Algarve, pois há já mais de um ano que andam a enganar aquela gente, dizendo que, por exemplo, é já amanhã que irá o adutor com água para as populações, e até hoje não se sabe o que irá acontecer! Afinal, quantos anos é que vai demorar esse concurso internacional?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Mota.
O Sr. António Mota (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não basta clamar aos quatro ventos a necessidade de desenvolvimento regional se, na prática, o que se vê é que esse mesmo desenvolvimento não se faz e que os poucos passos dados são raros e desordenados.
Fruto dessa desordenação é o distrito de Viana do Castelo, onde se faz sentir a falta de qualquer planeamento em sectores fundamentais para a vida das populações. Foi o que constataram os deputados do PCP que, recentemente, visitaram este distrito e realizaram reuniões com as mais diversas entidades e populações!
Muitos foram os problemas levantados. Alguns arrastam-se há anos e, quanto mais para o interior, mais morosa é a resolução dos mesmos.
O problema da saúde neste distrito é, de facto, grave e afecta profundamente a vida destas populações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostava de sublinhar o facto de não ter sido possível visitarmos o Hospital Distrital de Viana do Castelo por o conselho de gestão não ter disponibilidade, nesta data, para nos receber, o que já vem sendo prática em diversos pontos do País. Mas este facto não impediu que tivéssemos conhecimento de alguns problemas que afectam o exercício da profissão médica e dos problemas que daí advêm para as condições de atendimento dos utentes deste Hospital: falta de privacidade e comodidade dos doentes no serviço de urgência, entre outros, cujo ambiente se pode classificar de autêntica afronta à dignidade do acto médico e dos direitos dos doentes.
Por outro lado, são grandes as deficiências dos cuidados prestados, como nos relataram vários médicos, por excesso de doentes relativamente ao número de médicos e ainda por excesso de horas de trabalho no serviço de urgência, com turnos de 48 horas e, por vezes, de 72 horas de trabalho consecutivo. Por grande respeito que se tenha pelo esforço dos médicos-que aqui louvamos-, a verdade é que qualquer cidadão que. num momento de infelicidade, lenha de recorrer aos serviços de urgência, por certo terá receio quanto ao resultado de um tratamento feito por quem, por vezes, está a trabalhar horas e horas sem descanso.
O próprio teor do protocolo de acordo de cooperação recentemente realizado entre o Hospital e a Administração Regional de Saúde de Viana do Castelo tem limitações impostas à actividade dos médicos que contrariam os perfis profissionais legalmente definidos e impedem o desenvolvimento do espírito de equipa indispensável ao correcto e atempado atendimento dos doentes de urgência.
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Os jovens médicos internos e de clínica geral estagiam no Hospital sem o indespensável acompanhamento dos responsáveis e sem programação das actividades de formação. É mau para os doentes e para os próprios jovens médicos, pelas dificuldades que encontram.
Para reflexão da situação existente no campo da saúde neste distrito, deixo este apontamento.
O Serviço Nacional de Saúde gastou, em 1987-são os dados mais recentes-, em média, 24 026$ por cidadão, com grandes assimetrias regionais. Por exemplo, Lisboa, 30 245$; Coimbra, 28 710$; Évora, 27 869$; Vila Real, 18 490$. e Viana do Castelo, 17 842$. Isto quer dizer que se, por exemplo, o distrito de Viana do Castelo tivesse, por habitante, a mesma verba do que o de Évora, receberia para a saúde mais 2 000 923 000$ por ano isto, naturalmente, a preços de 1987.
Esta situação no campo da saúde é o prelúdio de como o poder central, o Governo, encara o desenvolvimento desta região ou, por outras palavras, o não desenvolvimento. A testemunhar o que afirmo, está a posição do Governo, que, através do Decreto-Lei n.º 55/91, transforma os Estaleiros Navais de Viana do Castelo, E. P., em sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos.
Só por razões meramente políticas, estranhas ao interesse da região, do País e dos trabalhadores, se compreende a privatização dos estaleiros.
Na verdade, os estaleiros têm, para a região, uma enorme importância, não só económica mas também social, e contribuem, no contexto da indústria transformadora, com 30 % de emprego e 53 % do produto fabricado. Fácil é prever e reconhecer a animação que provocam na economia do distrito, nomeadamente no pequeno comércio e na pequena indústria, dependentes que estão desta empresa.
Os estaleiros são, assim, uma empresa inserida num contexto muito especial, rodeada de condições muito específicas. Pondo em perigo os estaleiros, a região pode vir a viver um dos mais conturbados momentos de sempre.
Esta realidade é reconhecida pelas próprias autoridades locais e pelos próprios comerciantes, que se sentem bastante preocupados com a posição do Governo.
Todavia, preocupação grande sentem também os trabalhadores pela sua sobrevivência, porque melhor do que ninguém conhecem a região onde vivem, profundamente carecida de um plano industrial, onde o emprego escasseia, criando uma grande instabilidade social, o que contribui para uma forte emigração de milhares de cidadãos que, como alternativa, apenas podem procurar a sua subsistência no sector da pequena-agricultura, também ela a braços com enormes dificuldades para subsistir, sendo esquecida pela política agrícola deste Governo.
Quanto mais caminhamos para o interior do distrito, maior é a indiferença da política deste Governo, não só para com os agricultores e as populações em geral mas para com as próprias autarquias, muito, especialmente para com aquelas que se encontram no perímetro do Parque Nacional e Natural da Peneda-Gerês, onde há mais de dois anos não é pago às Juntas de Freguesia do Soajo e Gaviera, entre outras, a comparticipação a que têm direito pela venda das árvores abatidas. Também há mais de três anos que não é pago às populações desta zona o valor do gado que é dizimado pelo lobo e das colheitas estragadas pelo javali.
Situação também grave é aquela com que se debatem os milhares de vitivinicultores da região para o escoamento do seu vinho, que está na base da própria subsistência de muitos deles.
O próprio Parque da Peneda-Gerês está votado ao esquecimento. Há muito que não são construídas nem reparadas as estradas e as populações que lá vivem estão praticamente isoladas. Não é limpa a mata e tarda o planeamento que poderia vir ao encontro da defesa destas reservas e dos próprios interesses das populações.
No campo do ensino, estão as escolas a «rebentar pelas costuras», como acontece com a Escola Secundária de Monserrate, que tem uma população de 2200 alunos quando a sua capacidade, para um bom aproveitamento escolar, é de 1600, tornando-se quase impossível, quer para alunos, quer para professores, cumprirem esta espinhosa tarefa.
Também nos domínios culturais a situação do distrito é uma condenação viva da política deste Governo.
O Centro Cultural do Alto Minho, que desempenha, desde há anos, uma actividade contínua e de reconhecido merecimento, tem vindo a ser sistematicamente subestimado pelo executivo do PSD. Não só ainda lhe não foram disponibilizadas as verbas que lhe são devidas, colocando-o à míngua de recursos fundamentais, como, nos últimos quatro anos, o montante do subsídio não foi sequer actualizado segundo a inflação. Quer isto dizer que a política seguida vai no sentido do bloqueamento da iniciativa cultural, o que constitui uma aberração que o PCP vivamente condena.
No que toca à Estacão Arqueológica de Santa Luzia, o panorama é de uma indefinição, um marasmo e uma incúria inaceitáveis por parte do Instituto Português do Património Cultural e da Secretaria de Estado da tutela.
Os planos de preservação, reescavação e justo tratamento histórico, há muito propostos por arqueólogos e responsáveis, prosseguem como que ignorados pelo Terreiro do Paço, enquanto o valioso castro se acha praticamente ao abandono, sem quadros residentes nem acções que o adequem às necessidades imperiosas de uma vivificação do espólio. Este comportamento é, aliás, idêntico a outros que patenteiam desprezo pelo que é nosso e pelo nosso povo.
Basta, a título exemplificativo, lembrar que quebrantares, absolutamente indispensáveis para protecção da pesca local em Castelo de Neiva e Vila Praia de Ancora, continuam sem ser construídos, apesar de há muito prometidos. Com a erosão do areal a crescer, é a destruição do viver das comunidades e o minar dos desejos das populações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Termino como comecei. Já não basta ao governo do PSD anunciar que tem uma política de desenvolvimento para as regiões. A realidade hoje existente é a prova insofismável de que, na verdade, ela não existe. Mas as populações continuam a reclamar o desenvolvimento integrado e a melhoria das condições de vida nas regiões onde habitam.
O Governo não pode continuar a esquecer estas populações. Também elas têm direito a uma vida digna.
Aplausos do PCP e do deputado independente Raul Castro.
O Sr. Presidente: -Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado José Silva Marques.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, é lastimável o que se passou no início da sessão. Era bom que ficasse claro que, regimentalmente, as declarações políticas têm prioridade-é só isso que se pretende assinalar e nada mais.
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Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - De qualquer modo, ainda bem que assim aconteceu-em primeiro lugar, as intervenções regionais, antes da política geral-, porque isso permitiu uma demonstração prática do momento político que vivemos e diz respeito à minha declaração política.
Os socialistas desapareceram - as intervenções regionais e os problemas do País real provocam-lhes o bocejo -, foram-se todos embora, com certeza tratar de uma coisa muito mais urgente: as listas de deputados...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: -Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o País e o Parlamento não param. Por isso, se me permitem, vou fazer uma declaração política em nome da minha bancada, que, muito simplesmente, resulta de uma questão muito elementar e evidente. Trata-se de uma pergunta que. decerto, assalta o espirito de todos: que andam os socialistas a fazer? Por maioria de razão, há até motivos para perguntar que estarão eles a fazer lá dentro?
Os socialistas andam a falar-não há dúvida-, mas sem nada dizer! Não se conhece o seu verdadeiro discurso, tão vários e contraditórios são.
Infelizmente, o Sr. Deputado Jorge Sampaio não está e só ele possui a investidura para pôr termo a tão grande, quanto crescente, confusão. E não está porquê? Não voltou ainda porquê? O Sr. Deputado Jorge Sampaio veio aqui e desapareceu... Pois novamente lhe dirigimos um apelo: volte e quanto antes!
Desejamos um debate político claro e útil,...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - ...um debate que permita aos Portugueses confrontarem soluções de governo para o País.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Contudo, para facilitar esse debate, e enquanto o Sr. Deputado Jorge Sampaio não chega, aqui lhe deixamos, desde já, alguns pontos à reflexão, sobretudo para quem demonstra tanta necessidade de reflectir indeterminadamente.
Em primeiro lugar, quem é o nosso interlocutor? Qual é o discurso do PS?
Trata-se de uma questão prévia, sem a qual o debate se toma impossível, transformado em simples retórica tribunícia, ao ponto de a própria direcção socialista já dever estar demitida a esta hora, dando como boa a sempre sólida opinião do Sr. Deputado António Barreto.
Peguemos depois, e desde logo, já que tem vindo aqui tanto à baila, no famigerado «mostrengo de Belém». E que os senhores acham o futuro edifício do centro cultural um mamarracho, embora, contudo, arquitectos dos mais ilustres não pensem assim. No entanto, como políticos e, por maioria de razão, como deputados, os senhores respondem: não abdicamos de nos pronunciarmos e de intervir! Muito bem! Porém, o que é que isso significa? Que os senhores preconizam que o poder político imponha aos arquitectos uma estética oficial?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Significa que, se os senhores mandassem, ditariam instruções estéticas aos arquitectos? Que repetiriam as teses e os comportamentos de todos os vanguardismos políticos e de todas as ditaduras?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Aqui está, Srs. Deputados socialistas, uma oportunidade que vos proporcionamos para um debate claro. Respondam sim ou não, se forem capazes de o fazer!
Temos depois a questão da grande obra e da miséria- questão demagógica e cínica por excelência. É que enquanto a miséria existir, aqui ou em qualquer outra parte do Mundo, a nossa alma não poderá deixar de estar insatisfeita. Por isso. a voz dos inconformados sempre foi -e é-o sal da terra.
No entanto, se os senhores mandassem, o que fariam? Acabariam as grandes obras nacionais, inclusivamente as de natureza cultural, ou, a tudo querendo acudir, rebentariam, uma vez mais, com as finanças públicas e o Orçamento do Estado? Respondam, Srs. Deputados socialistas, que estamos a proporcionar-vos uma boa ocasião de debate político!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Vem depois a questão do ano de eleições.
É verdade! E ainda bem que, de norte a sul do País, pululam grandes empreendimentos, que o Governo tem forçado a andamentos e ritmos a que não estávamos habituados-é verdade!-, viciados numa tradicional ronceirice que o salazarismo cultivou!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Aliás, trata-se de andamentos e ritmos que, no entanto, não vêm já deste ano, coisa que os senhores, muito propositadamente, omitem.
Porém, o que é que aconteceria se os senhores mandassem? O que é que fariam em ano de eleições? Para que a vossa isenção política não sofresse mácula, retardariam as obras?... Podendo lançá-las, não o fariam?... Iriam mesmo ao ponto de as adiar, quiçá de as parar?... Os senhores seriam capazes de causar tão gravíssimo dano ao País? VV. Ex.as, Srs. Deputados socialistas, serão capazes de responder?...
Vozes do PS: - Somos!
Vozes do PSD: - Não são!
O Orador: - Falemos claro, Srs. Deputados socialistas! Os vossos descabelados ataques ao «mostrengo» não são senão, simbolicamente, a expressão viva da vossa visceral e ancestral fobia a tudo o que é obra, investimento, realização para o futuro! A vossa melhor tradição política é a de distribuir tudo e já. Por isso, Srs. Deputados socialistas, outros, que não os senhores, têm erguido as grandes obras nacionais.
Mas deixemos o «mostrengo» que tanto vos aflige-e que não é apenas Belém, mas o próprio conjunto das grandes realizações em curso!
«Há que curar da democracia!»-dizem-nos. Aí, os senhores arvoram-se -por desmedido pretensiosismo- em seus únicos e insuspeitos garantes. É lastimável, Srs. Deputados socialistas, que os senhores se atrevam mesmo a acusarem-nos do contrário. A afronta que nos dirigem tão gratuitamente, tão infundadamente, tão grosseiramente
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-tenho de dizer-vos isso-, não nos deixa indiferentes; sobretudo, confrange-nos, Srs. Deputados socialistas, mais do que nos ofende, de tal modo ela é injuriosa para a maioria do povo português!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Mas aqui chegados, Srs. Deputados socialistas, os senhores transformam a política, que deve ser nobre exercício de um magistério público, num cinismo que deve criar calafrios mesmo aqueles que confiaram em vós, de tal modo o vosso comportamento contradiz frontalmente, brutalmente, rudemente as vossas palavras.
Reparem, Srs. Deputados socialistas: no vosso partido, os senhores levaram a lógica de aparelho a graus de rudeza e brutalidade a que nunca se assistira antes,... ao ponto de, depois de terem passado pela célebre fase dos controleiros e comissários preparadores do vosso último congresso, terem agora estabelecido quotas de deputados atribuídas aos vários escalões dos vossos órgãos directivos-desde logo e com fatia de leão, ao vosso secretário-geral!
Vozes do PS: - Olha quem fala! O vosso presidente é que vai fazê-las todas!
O Orador: - Mas não satisfeitos com tanto, igual privilégio medieval se outorgou a si mesmo o vosso directório nacional.
Os senhores tomaram de assalto a velha fortaleza socialista; empoleiraram-se de cotovelos apertados na torre de menagem; defenestraram impiedosamente das alturas alguns de vós e desataram a despejar panelas de azeite fervente para cima da arraia miúda que acalenta a legítima esperança de passar a estreita ponte levadiça, entretanto já bem içada e obstruída!
Risos do PSD.
E que dizer, Srs. Deputados socialistas, da rocambolesca e caricata chegada aqui do Sr. Deputado Alberto Costa? 28 colegas vossos tiveram de renunciar à sua preferencia na lista de deputados para que o ungido agrícola do vosso directório aqui pudesse chegar, caminhando por cima de um tapete de destroços!
Aplausos do PSD.
Os senhores, Srs. Deputados socialistas, voltarão a ter a ousadia de se dizerem defensores do primado da individualidade e intocabilidade do mandato de deputado?
É que os senhores, no plano político, para além de estarem errados, deram em cínicos. Aliás, hoje, se há algo de novo e de bem patente, coerente e persistente no discurso da direcção socialista é o cinismo!
Por isso, Srs. Deputados socialistas, têm os senhores a coragem e a ousadia de nos dar lições de democracia?
Eu não sei, Srs. Deputados socialistas, se vos deva dirigir mais perguntas, repeti-las.
Quanto às eleições antecipadas, já nos disseram que se tratou de um «equívoco da comunicação social»...
Na política externa, os senhores serão capazes de reconhecer finalmente a vossa leviandade inicial, ao preconizarem o célebre empenhamento militar no Golfo, uma espécie de versão actualizada do triste e trágico «rapidamente e em força» do salazarismo?
E quanto ao vosso internacionalismo socialista que vos conduziu à caricata ligeireza do eurofederalismo, adeptos de «todas as uniões e já»? Terão sido os vossos camaradas na Internacional Socialista que vos aconselharam a actual e inopinada prudência?
Quanto ao Ministro da Educação, em que ficamos: é bom ou mau?
E que acrescentar. Srs. Deputados socialistas, depois de tantas vezes repetidas as coisas? Mesmo na política económica, nas privatizações, na aplicação dos fundos europeus, na saúde, na defesa, o que vos resta? Sim, os inquéritos! Pois, proponham-nos que nós aceitá-los-emos!
Entretanto, Srs. Deputados socialistas, esperamos aqui o vosso secretário-geral Que venha aqui o vosso secretário-geral! Ele devia, por maioria de razão, ter vindo aqui hoje, dia que tem como agendamento a vossa bandeira eleitoral: as regiões!
Entretanto, resolveu fazer uma conferência de imprensa extra-muros, o que é estranho-para não dizer ridículo-para quem martela aqui, todos os dias, a prioridade e a primazia do parlamentarismo.
Srs. Deputados socialistas e, sobretudo, Sr. Secretário-Geral do Partido Socialista: O Pais bem precisa e bem merece um bom debate. Queremos saber quais são, de facto, as vossas ideias, p que constitui um difícil exercício - mas não desistimos! -; queremos saber quais são as vossas propostas; queremos saber qual é, de facto, o discurso do PS; queremos conhecer, no fundo, algo de muito elementar, isto é, o nosso verdadeiro interlocutor. A nossa curiosidade é imensa, mas, no ponto a que a confusão socialista chegou, a curiosidade do povo português é, decerto, ainda muito maior!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Há dois Srs. Deputados inscritos mas, antes de lhes perguntar sob que forma pretendem usar da palavra, gostaria de recordar ao Sr. Deputado José Silva Marques, a propósito do início da sua intervenção, aquilo que o Sr. Presidente disse à Câmara, quando deu início ao período de antes da ordem do dia: a Mesa não registava qualquer pedido de palavra para declarações políticas, que, como é óbvio, têm precedência.
Pergunto, agora, ao Sr. Deputado Laurentino Dias para que efeito pretende usar da palavra.
O Sr. Laurentino Dias (PS): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: -E a Sr.ª Deputada Edite Estrela pretende usar da palavra para que efeito?
A Sr.ª Edite Estrela (PS):-Para pedir esclarecimentos. Sr. Presidente.
O Sr. Presidente:-Para fazer uma interpelação à Mesa, tem, então, a palavra o Sr. Deputado Laurentino Dias.
O Sr. Laurentino Dias (PS): - Na sequência das palavras do Sr. Presidente em exercício, quero perguntar à Mesa se confirma, ou não, aquilo que o Sr. Presidente Vítor Crespo disse há pouco, ou seja, que tinha sido o Sr. Deputado José Silva Marques a solicitar a sua inscrição para intervir em terceiro lugar.
O Sr. Presidente: -Sr. Deputado, a Mesa já recordou à Câmara aquilo que o Sr. Presidente tinha dito, na tentativa de esclarecer o que o Sr. Deputado José Silva Marques tinha dito antes da sua intervenção.
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O Orador: - Só pretendo confirmar se, de facto, a inscrição tinha sido. solicitada em terceiro lugar.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, confirmo que, de acordo com as inscrições registadas na Mesa, o Sr. Deputado José Silva Marques usou da palavra em terceiro lugar.
O Orador: - Sr. Presidente, é que o Sr. Presidente Vítor Crespo disse que fora solicitado pelo Sr. Deputado José Silva Marques que a sua inscrição fosse a terceira, o que é diferente!...
O Sr. Presidente:-Sr. Deputado, se essa for uma questão essencial para V. Ex.ª, posso perguntar ao Sr. Presidente da Assembleia se isso aconteceu, mas posso confirmar que ele disse isso, que fez essa afirmação, porque eu estava presente. No entanto, repito, terei de perguntar--lhe se isso aconteceu.
Protestos do PSD.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - O que importa é responder às questões que foram colocadas!
O Orador: -Já lá vamos, Sr. Deputado Carlos Coelho!
Sr. Presidente, esta minha questão tinha só como objectivo aquilatar da boa ou má-fé da introdução que o Sr. Deputado José Silva Marques fez à declaração política que produziu.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, usando dos 42 segundos de que dispõe o Grupo Parlamentar do PS e 2 minutos que lhe foram cedidos pelo Grupo Parlamentar do PRD, tem a palavra a Sr.ª Deputada Edite Estrela.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): -Sr. Deputado Silva Marques, V. Ex.ª já nos habituou a «falar por falar»...
Vozes do PSD: - Não tem um espelho lá em casa?!
A Oradora: -E digo isto, não no sentido aristotélico mas no sentido popular da expressão, o que significa falar sem nada dizer.
Não iria questioná-lo, usando da palavra, se o Sr. Deputado não tivesse acusado aqui o PS e os seus deputados de cinismo, dizendo que a política nobre deve estar ao serviço do magistério público (ou algo semelhante).
Eu esperava que o Sr. Deputado viesse hoje, aqui, reconhecer que o PSD, quando levantou suspeitas acerca dos custos da campanha publicitária da Câmara Municipal de Lisboa, tinha agido de má-fé. É que as conclusões insuspeitas do relatório elaborado pelo Sr. Vereador Marcelo Rebelo de Sousa dizem que houve uma diminuição de publicidade obrigatória...
Protestos do PSD.
Sr. Presidente, espero que desconte este tempo, porque, assim, não tenho condições para prosseguir a minha intervenção...
Como eu estava a referir, houve uma diminuição da publicidade obrigatória, houve uma elevação nas acções de sensibilização da opinião pública, houve uma elevação em publicações de divulgação da actividade municipal sem carácter promocional. houve uma diminuição visível da publicidade não obrigatória.
Aplausos do PS.
Em contrapartida, Sr. Deputado, V. Ex.ª não veio aqui falar dos cerca de 100 000 contos que foram gastos pelo Governo em publicidade ao «Cartão jovem», ainda por cima, sem informar os jovens de que este cartão não serve, afinal, para nada, facto que posso comprovar pelo que se passa com a minha família.
O Sr. Carlos Coelho (PSD)-Há 300 000 portugueses que a desmentem!
Só diz barbaridades!
A Oradora: - Para terminar. Sr. Deputado José Silva Marques, devolvo-lhe ...
Protestos do PSD.
O Sr. Presidente:-Srs. Deputados, agradeço-lhes que criem as condições necessárias, de modo que a Sr.ª Deputada possa concluir o seu pedido de esclarecimento.
A Mesa descontar-lhe-á este tempo, Sr.ª Deputada. Faça favor de prosseguir.
A Oradora: -Para terminar, Sr. Deputado José Silva Marques, devolvo-lhe o epíteto de «controleiros». Controleiros são os senhores, que estabelecem multas! Controleiros são os senhores, que denunciam as faltas dos colegas! Controleiros são os senhores, que suspendem os que erguem a voz contra a opinião vigente no vosso partido!
Vozes do PS: - Muito bem!
A Oradora: - E mais: são os senhores que têm no vosso partido pessoas hipócritas e mentirosas que desrespeitam as regras democráticas, como é o caso do Sr. Secretário de Estado da Cultura, o que posso provar se os senhores me derem tempo para fazê-lo!
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): -Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente:-Sr. Deputado Jorge Lacão, V. Ex.ª pede a palavra para que efeito?
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, dada a natureza das interpelações concretas feitas na declaração política do Sr. Deputado José Silva Marques, solicito a palavra para exercer o direito de defesa da honra e consideração da minha bancada.
O Sr. Presidente:-E o Sr. Deputado Mário Montalvão Machado pede a palavra para que efeito?
O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Na sequência da intervenção da Sr.ª Deputada Edite Estrela, é também para o exercício do direito de defesa da honra e consideração da minha bancada, Sr. Presidente.
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O Sr. Presidente:-Sr. Deputado Jorge Lacão, só agora fui informado de que V. Ex.ª tinha pedido a palavra para exercer p direito de defesa- da honra e consideração da sua bancada, relativamente à intervenção do Sr. Deputado Silva Marques, antes do início do pedido de esclarecimento da Sr.ª Deputada Edite Estrela. Peco-lhe, pois, desculpa por a Mesa não o ter registado.
Vou, portanto, dar-lhe a palavra e, posteriormente, para o mesmo efeito ao Sr. Deputado Mário Montalvão Machado.
Para exercer o direito de defesa da honra e consideração da sua bancada, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como, aliás, já nos habituou, o Sr. Deputado José Silva Marques não pretendeu senão, a coberto de uma declaração política, fazer uma soma de afirmações meramente arrivistas para justificar uma crítica fácil ao PS.
Começou a sua intervenção por perguntar o que andavam os socialistas a fazer, para, logo de seguida, se pronunciar quanto à necessidade de um debate político que deveria ser travado aqui pelo secretário-geral do PS, Jorge Sampaio.
Ora, ao abrigo das disposições legais e regimentais, já o secretário-geral do meu partido exerceu essa (acuidade. Mas, o secretário-geral do meu partido, líder do maior partido da oposição, desde há muitos meses que vem desafiando o líder do PSD, e Primeiro-Ministro, para um debate, perante o País, na televisão, desafio que não é aceite.
Vozes do PS: - Tem medo! É o único Primeiro-Ministro na Europa que, sendo Primeiro-Ministro há cinco anos, nunca foi à televisão debater com a oposição!
Aplausos do PS.
Igualmente, o Sr. Deputado José Silva Marques resolveu acusar os socialistas de, uma vez mais, delapidarem as finanças públicas. Sem se perceber qual seria essa «uma vez mais», o Sr. Deputado José Silva Marques simplesmente perdeu a memória, porque quem no passado contribuiu muito para delapidar as finanças públicas foram os responsáveis governamentais do seu partido e quem, no passado, se honra de ter recuperado as finanças públicas do País foram os responsáveis governamentais do meu partido.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado José Silva Marques pretendeu insinuar que o PS era contra a construção de obras públicas, em Portugal. Está redondamente enganado! O PS é a favor da construção, no nosso país. dos equipamentos essenciais ao nosso desenvolvimento. Aliás, é por isso que não conseguimos perceber como é que, em matéria de obras públicas e face ao programa do Governo, os itinerários principais apenas estão concretizados em 50 % e os itinerários complementares em menos de 20 % do programa estabelecido pelo próprio Governo-isto quando metade das verbas é sustentada pelos fundos estruturais da Comunidade e quando, da parte nacional, metade £ susceptível de utilização de crédito do Banco Europeu de Investimentos!
Sr. Deputado José Silva Marques, se alguma coisa V. Ex.ª demonstrou foi que não sabia rigorosamente do que estava a falar!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente:-Para responder ao Sr. Deputado Jorge Lacão, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Silva Marques.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, presumo que a economia do debate justificava que o presidente da minha bancada usasse da palavra antes de mim...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa entende que os trabalhos terão melhor sequência se V. Ex.ª responder já ao Sr. Deputado Jorge Lacão. Darei de seguida a palavra ao Sr. Deputado Mário Montalvão Machado para, tal como foi solicitado, exercer o direito de defesa da honra e consideração da sua bancada.
O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente.
Srs. Deputados socialistas, estou desvanecido!... Não sabia que eu, simples cidadão, valia mais do que o País real!...
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Que modéstia!
O Orador: - A vossa fuga perante as intervenções regionais neste período de antes da ordem do dia" foi evidente, mas bastou o anúncio da minha declaração política para que os socialistas regressassem, esvoaçando, às suas bancadas.
Risos do PSD.
Agradeço-vos a prova de apreço, mas vamos ao debate, que, como sabem, não é incompatível - antes pelo contrário-com o apreço.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sabe por que é isso?
O Orador: - Diga lá, se faz favor.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - É que nós gostamos de assistir ao seu espectáculo, Sr. Deputado.
O Orador: - Óptimo! Ainda bem que gostam de assistir ao meu espectáculo, pois eu também gosto de assistir ao vosso,... porque, evidentemente, há sempre um lado de espectáculo na vida humana!
Não sei se conhecem esse aspecto cultural do ritual das sociedades, só que, por detrás do vosso espectáculo, está o vazio, enquanto por detrás do meu está a construção de um país novo. É essa a diferença.
Aplausos do PSD.
Risos do PS.
Os senhores estão a rir e não imaginam quanto vão rir mais!... Confesso-lhes que, há pouco, não disse tudo. Não quis, fatigar-vos, direi mesmo massacrar-vos. Da minha parte há também gestos de gentileza para com o adversário...
Risos do PSD,
De qualquer modo, antes de ir às outras questões, deixem-me que responda à Sr.ª Deputada Edite Estrela.
Sr.ª Deputada, a aprecição das despesas com a publicidade feita pela Câmara Municipal de Lisboa já demonstrou que, afinal de comas, o montante dessas despesas era
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muito maior do que se pensava, mas desafio-os -aliás, como o fez um companheiro meu, vereador da Câmara - a aceitarem que a apreciação das despesas com publicidade da Câmara Municipal de Lisboa abranja os três primeiros meses deste ano. E que, como sabe, está aí o «alçapão» que encobre o «grande bolo».
Mas deixemos essas coisas e vamos a algo de mais substantivo.
Coloquei-vos várias perguntas e queria apenas insistir numa de natureza simbolicamente institucional e que respeita à visão que cada um de nós tem da arquitectura do Estado, do papel de cada agente nessa arquitectura e da própria mensagem política que se tem para dirigir ao País.
A pergunta que, simbolicamente, representa e exprime toda esta variedade de problemas ligados ao Estado, ao futuro do País e à sua governação, é esta: por que é que o vosso secretário-geral veio a esta Assembleia, desapareceu e não voltou?
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Quer a resposta já? Então, permita-me que o interrompa!
O Orador: - Esta é uma pergunta que não sofre fugas e que é impossível de iludir.
Evidentemente que não espero da vossa parte uma resposta imediata.
O Sr. Armando Vara (PS): - Mas dou-lha já, se quiser!
O Orador: - Sei que os senhores obedecem também aos princípios da disciplina partidária e que precisam de ir perguntar qual é a resposta - aliás, só vos presto a minha homenagem por isso.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Silva Marques, V. Ex.ª esgotou o tempo de que dispunha, pelo que lhe agradeço que termine as suas considerações.
O Orador: - Termino imediatamente, Sr. Presidente, mas estou a responder simultaneamente ao pedido de esclarecimento...
O Sr. Presidente: - V. Ex.ª terá depois oportunidade de responder ao pedido de esclarecimento da Sr.ª Deputada Edite Estrela.
O Orador:.- Sr. Presidente, se me permite a tolerância de meio minuto acabarei os meus comentários.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado, desde que neles fique já englobada a resposta ao pedido de esclarecimentos da Sr.ª Deputada Edite Estrela.
O Orador: - Srs. Deputados socialistas, eu não vos disse tudo!... Não vou mesmo dizer-vos tudo agora.
Vozes do PS: -Ah!...
O Orador: - Vou dizer-vos apenas mais duas coisas, uma das quais relacionada com a firmeza, com a coerência e com a clareza do discurso político. A esse respeito vou dar-vos um «exemplo brilhante»!... O vosso secretário-geral disse, primeiro, que queria privatizar os serviços municipais, mas, acossado pelos protestos dos trabalhadores, declarou-lhes, pura e simplesmente: «[...] e as
referências a privatizações de serviços traduziam apenas um pensamento individual [...]» - profunda elucubração, com certeza! - «[...] sobre uma possibilidade remota em termos de concepção futura [...]».
Risos do PSD.
Intimismo profundo e nevoeiro-aliás, bem sintomático de certos aspectos negativos da nossa tradição, que tanto nos tem paralisado.
Vou colocar-lhes outra questão, Srs. Deputados, esta ligada à nossa postura face ao Estado.
Dou-lhes um exemplo brilhante e sintomático de duas posições: a nossa, que respeita o Estado, embora tenhamos os nossos problemas naturais; a vossa, que abocanha o Estado com um grau de minúcia que nos causa horror.
Imaginem: «linhas gerais do acordo entre as sensibilidades-Raul Brito e Jorge Catarino. O cabeça de lista é o Sr. Dr. José Catarino; o segundo da lista, que terá ' a seu cargo os serviços administrativos da Junta, ou seja, cemitérios, infantários e Quinta do Covêlo, é o João Rocha; a presidência da Quinta do Covêlo é do presidente, Luís Catarino; a presidência do conselho de gestão dos infantários é do camarada João Rocha [...]» - e assim sucessivamente.
Srs. Deputados, vou entregar-vos fotocópia deste documento.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente:-Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Mário Montalvão Machado para exercer o direito de defesa da honra e consideração da sua bancada.
O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Edite Estrela: Acredite que é com extraordinária sinceridade que uso neste momento da palavra para defender a consideração da minha bancada.
Numa linguagem agressiva, imprópria da sua pessoa e imprópria até de um deputado democrático, com uma linguagem extraordinariamente deselegante, imprópria de uma senhora que é elegante, com uma linguagem que feriu, extraordinariamente, a sensibilidade da minha bancada, V. Ex.ª fez-nos acusações sem a menor razão. Pior que isso, V. Ex.ª sabe que não tem razão!...
V. Ex.ª usou as expressões «controleiros», «denunciantes» e outras tais, que não vale a pena referir.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): -Não disse isso.
O Orador: - Sim, sim!... Disse «denunciantes»!... Disse!... Eu tomei nota!... E tenho bons ouvidos!...
O Sr. Filipe Abreu (PSD):-Já não sabe o que diz.
O Orador: -Em primeiro lugar, pergunto à Sr.ª Deputada - que, melhor do que todos nós, compreende muito bem o português - se, efectivamente, ao empregar a palavra «denunciante» dirigida a um deputado que é coordenador de uma comissão parlamentar mas que visa a sua direcção parlamentar, relativamente à presença ou ausência de deputados, se isto é denúncia e, mais a mais, denúncia aviltante e comportamento aviltante.
Em segundo lugar, pergunto à Sr.ª Deputada-e na mesma qualidade - se alguma vez viu na minha bancada parlamentar qualquer espécie de «controleiro».
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A Sr.ª Deputada falou nas multas e eu apelo ao seu sentido ético, ao seu sentido de mulher séria, honesta e correcta no sentido de me dizer se acha bem que um Sr. Deputado que, por hipótese, não ponha aqui os pés durante semanas seguidas, no fim do mês receba o seu ordenado. Esse deputado está a actuar correctamente perante o Parlamento e a Nação?
São estas as perguntas que lhe deixo.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente:-Para responder ao Sr. Deputado Mário Montalvão Machado, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Edite Estrela.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr. Deputado Mário Montalvão Machado, quando pediu a palavra para defesa da consideração pensei que o fizesse por causa das minhas últimas palavras, que foram intencionalmente agressivas, ou seja, as que referiam que no PSD havia uma pessoa hipócrita, mentirosa e desrespeitadora das regras democráticas. E eu estava preparada para demonstrar que assim é.
O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Posso interrompê-la, Sr.ª Deputada?
A Oradora: - Aguarde um momento, Sr. Deputado.
Afinal não veio defender essa pessoa, veio com o problema do «controleiro».
Ora, eu limitei-me, Sr. Deputado, a devolver o epíteto ao Sr. Deputado José Silva Marques, que usou a palavra «controleiro» em relação ao Partido Socialista. Não aceito - não me fica bem - o epíteto de «controleira» e, portanto, devolvi-o.
Sr. Deputado Mário Montalvão Machado, se considera que não o devolvi bem por dizer que os senhores é que têm o sistema de multas, lembro-lhe que, inclusive, houve já um deputado do vosso partido, presidente de uma comissão, que se demitiu dizendo que se recusava a denunciar as faltas...
Vozes do PSD: - Quem?
A Oradora: - Li num jornal.
Vozes do PSD: - Ah!!!...
A Oradora: - Quero ainda dizer ao Sr. Deputado Mário Montalvão Machado, com toda a consideração que me merece e em resposta à pergunta que me fez frontalmente- e eu sou uma mulher frontal, que responde a todas as perguntas -, que qualquer deputado desta Casa, seja do seu partido ou do meu, que falte consecutivamente, sem justificação, deve ser punido nos termos regimentais...
Vozes do PS: - Muito bem!
A Oradora: -... e que, Sr. Deputado- estou farta de dize-lo e de assumir essas posições publicamente -, é preciso dignificar a actividade e o estatuto do deputado, mas que isso também passa por ele próprio, ou seja, por cada um dar cada vez maiores e melhores contributos a esta Câmara!
Vozes do PS: - Muito bem!
A Oradora: - Portanto, defendo o trabalho sério e a assiduidade, mas digo também, Sr. Deputado, que às vezes não é por estarem cá muitos deputados que o debate é mais valorizado e tem mais qualidade!...
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Mário Montalvão Machado pede a palavra para que efeito?
O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD):- Sr. Presidente, peço muita desculpa, não gosto de abusar da figura regimental da defesa da honra, mas peço a palavra nesse sentido pois gostava de dizer à Sr/Deputada Edite Estrela...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o Regimento não lhe dá essa possibilidade, uma vez que a Sr/Deputada deu esclarecimentos a uma intervenção de V. Ex.ª para a qual usou. exactamente, dessa figura. Regimentalmente não é possível, Sr. Deputado.
O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Acontece, porém, que a Sr.ª Deputada Edite Estrela, na sua resposta, voltou a ofender a minha bancada...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o Regimento não prevê essa situação.
O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, sei que assim podemos cair num «rosário» interminável...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a essa «lacuna regimental» acresce uma outra dificuldade: a de que já ultrapassámos, largamente, o período de antes da ordem do dia.
A Mesa não quis interromper porque quando o Sr. Deputado José Silva Marques iniciou a sua declaração ainda não tínhamos concluído o tempo destinado ao período de antes da ordem do dia, mas temos de dar início ao período da ordem do dia.
O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, V. Ex.ª poderia perguntar à Sr.ª Deputada Edite Estrela se está na disposição, para futuro, de indentificar as pessoas a quem se dirige quando fizer acusações singulares ao meu partido e não se acobertar no anonimato.
Vozes do PSD - Muito bem!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra também para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a V. Ex.ª que diga ao Sr. Deputado José Silva Marques que quando fizer perguntas à bancada do PS consinta que possamos dar-lhe as respostas.
A Sr/Edite Estrela (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra igualmente para interpelar a Mesa.
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O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, tem V. Ex.ª a palavra.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr. Presidente, desejava dizer ao Sr. Deputado Mário Montalvão Machado, através da figura regimental da interpelação à Mesa, que a pessoa em questão era O Sr. Secretário de Estado da Cultura pelos seguintes factos...
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, peço-lhe desculpa, mas permiti-lhe dizer o nome da pessoa em causa e, portanto, não vou permitir que continue a sua interpelação.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, para que efeito?
O Sr. José Silva Marques (PSD): -.Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem a palavra.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, como na anterior interpelação foi referido o meu nome, permita-me V. Ex.ª que, invocando a mesma figura regimental, diga o seguinte: Srs. Deputados do PS, deixem-se de fantasias e respondam às questões colocadas. O PSD está pronto a dar-vos o tempo de que necessitam, imediatamente e aqui, para, se quiserem, responderem às questões que vos coloquei.
Aplausos do PSD.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encerrámos o período de antes da ordem do dia e, portanto, vamos iniciar o período da ordem do dia com a apreciação dos n.os 49, 50,51,52 e 53 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias de l, 6, 7, 8 e 9 de Março.
Pausa. . .
Como não há oposição, consideram-se aprovados.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conhecimento de alguns pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes e para efeitos de registo, direi que um relatório da Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente informa que foram discutidas e rejeitadas na especialidade, em 26 de Março de 1991, todas as propostas de alteração ao Decreto-Lei n.4 S/91, de 8 de Janeiro, relativo às ratificações n.os 156/V e 158/V.
Srs. Deputados, agora sim, vou ter alguns pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos.
O primeiro refere que, a solicitação do 1.º Juízo Correccional de Lisboa, 3.º Secção, é concedida autorização ao Sr. Deputado António Guterres no sentido de intervir como testemunha num processo que ali corre os seus termos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão.
Pausa.
Como não há inscrições, vamos votar.
Submetido á votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos, Helena Roseta, Raul Castro t Valente Fernandes.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - O segundo parecer da Comissão de Regimento e Mandatos diz respeito à solicitação do Tribunal Militar Territorial de Lisboa no sentido de autorizar o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes Lopes a intervir como testemunha num processo ali pendente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão.
Pausa.
Como não há inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos, Helena Roseta, Raul Castro e Valente Fernandes.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - O terceiro parecer é relativo à solicitação do 3.º Juízo Correccional da Comarca de Lisboa, 1.º Secção, no sentido de autorizar as Sr.as Deputadas Helena de Meto Torres Marques e Maria Helena do Rego Costa Salema Roseta a deporem como testemunhas em processos ali pendentes.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão.
Pausa.
Como não há inscrições, vamos votar.
Submetido á votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Herculano Pombo, João Corregedor da
Fonseca, Jorge Lemos, Helena Roseta, Raul Castro e Valente Fernandes.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Há ainda um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos no sentido de negar autorização para a suspensão do mandato ao Sr. Deputado Licínio Moreira da Silva solicitada pelo Tribunal da Comarca de Pombal.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão.
Pausa.
Como não há inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos, Helena Roseta, Raul Castro e Valente Fernandes..
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Um outro parecer da Comissão de Regimento e Mandatos vai no sentido de não autorizar a suspensão do mandato do Sr. Deputado José Sócrates para comparecer no Tribunal Judicial da Comarca de Ponte de Sor.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão.
Pausa.
Como não há inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos, Helena Roseta, Raul Castro e Valente Fernandes.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Finalmente, a mesma Comissão emitiu parecer negando autorização para suspensão do mandato ao Sr. Deputado Soares Costa para intervir num processo pendente no 4.B Juízo, 2.ª Secção, do Tribunal Correccional da Comarca de Lisboa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão.
Pausa.
Como não há inscrições, vamos votar.
Submetido â votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes. Carlos Macedo, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos, Helena Roseta, Raul Castro e Valente Fernandes.
Srs. Deputados, ainda vai ser lido um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.
Foi lido. É o seguinte:
Relatório e Parecer da Comissão de Regimento e Mandatos
Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos realizada no dia 11 de Abril de 1991, pelas 15 horas, foi observada a seguinte substituição de deputado:
Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português:
Cláudio José dos Santos Percheiro (círculo eleitoral de Beja) por Miguel Urbano Tavares Rodrigues. Esta substituição é solicitada nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), por um período de seis meses, com início em 9 de Abril corrente, inclusive.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer
A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
João Domingos F. de Abreu Salgado (PSD), presidente-Alberto Marques de O. e Silva (PS), vice-presidente-José Manuel. M. Antunes Mendes (PCP), secretário -Manuel António Sá Fernandes (PSD), secretário - Alberto Monteiro de Araújo (PSD) -Arlindo da Silva André Moreira (PSD) - Belarmino Henriques Correia (PSD) - Carlos Manuel Pereira Baptista (PSD)-Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD)-Domingos, da Silva e Sousa (PSD) - Fernando Monteiro do Amaral (PSD) - José Augusto Ferreira de Campos (PSD)-José Augusto Santos da S. Marques (PSD) -José Manuel da Silva Torres (PSD) -Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD) - Valdemar Cardoso Alves (PSD) - Carlos Cardoso Lage (PS) -Júlio da Piedade Nunes Henriques (PS) - Mário Manuel Cal Brandão (PS) - José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Hermínio Paiva Fernandes Maninho (PRD).
Srs. Deputados, está em discussão.
Pausa.
Como não há inscrições, vamos votar.
Submetido â votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos, Helena Roseta, Raul Castro e Valente Fernandes.
Srs. Deputados, vamos dar início ao debate, na generalidade, da proposta de lei n.8 171/V, que aprova a lei quadro das regiões administrativas.
O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente-Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD). - Sr. Presidente, pretendia anunciar que vou entregar na Mesa, em nome do meu grupo parlamentar, um requerimento do seguinte teor:
l - O Sr. Presidente da República requereu ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da constitucionalidade do decreto da Assembleia da República n.º 302/V, de 7 de Fevereiro de 1991, nos termos do artigo 278.º da Constituição.
2-Na sequência do requerido, o Tribunal Constitucional proferiu o Acórdão n." 64/91, de 4 de Abril de 1991, concluindo pela inconstitucionalidade de todas as normas do decreto n.º 302/V, exclusivamente por violação do disposto nos artigos 54.fl, n.8 2, alínea d), e 56º, n.9 2, alínea a), da Constituição.
3 - Nestes termos, e para os efeitos previstos no artigo 279.º, n.º 2, da Constituição, os deputados abaixo assinados requerem a V. Ex.ª que determine a publicação do Decreto n.º 302/V, da Assembleia da República, de 7 de Fevereiro de 1991, em separata ao Diário da Assembleia da República, para efeitos de discussão pública, por um período de 30 dias. para escrupuloso cumprimento do disposto nas normas constitucionais referidas no n.º 2 deste requerimento.
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O Sr. José Magalhães (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, para que efeito?
O Sr. José Magalhães (Indep.): - Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente:-Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (Indep.): - Sr. Presidente, não sei se será sensato passar a votação imediata do requerimento, aliás ainda não está distribuído e mereceria alguma ponderação, a não ser que tenha sido ponderado em conferencia de representantes de grupos parlamentares, o que por completo ignoro, naturalmente!
Mas creio, Sr. Presidente, que a interpretação do artigo 167.º do Regimento não se compadece com aquilo que consta do texto do requerimento agora apresentado pelo PSD. Isto é, quando o Tribunal Constitucional declara inconstitucional ou se pronuncia pela inconstitucionalidade, em sede de fiscalização preventiva, de um decreto por razões formais, o processo através do qual a reapreciação pelo Parlamento se deve reger, e ter lugar, é o previsto no artigo 167.º do Regimento. Mas o artigo 167.º do Regimento é lacunoso quanto a esta situação, que acontece pela primeira vez.
Sr. Presidente, nesse sentido, seria necessário accionar alguns mecanismos de consulta parlamentar, porventura, o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, o parecer da Comissão de Regimento e Mandatos e outros que permitam à Mesa, nos termos do próprio Regimento lambem, suprir e integrar esta lacuna e não fazê-lo através da aprovação de um requerimento traduzido na mera submissão a discussão pública, sem acto prévio do Parlamento, ou seja, sem confirmação do decreto, um texto que foi vetado pelo Sr. Presidente da República.
Não se compreende Sr. Presidente e, prima facie, não me parece sensato.
Era isto que gostaria de deixar exarado no Diário para reflexão comum de todos nós.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, eu não quis interromper V. Ex.ª, de qualquer forma, esta questão foi ontem discutida e decidida em conferencia dos representantes dos grupos parlamentares.
O Sr. Jorge. Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: -Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, tratando-se de um requerimento produzido não para efeitos da condução dos trabalhos, que actualmente estão a decorrer, mas para efeito de cumprimento de disposições constitucionais legais è regimentais e, justamente, porque é ao Presidente da Assembleia da República que compete, nos termos da lei e da Constituição, assegurar o cumprimento do Regimento, e para que não aconteça que, por qualquer eventual lapso de aplicação das normas necessárias para o cumprimento escrupuloso do processo de consulta pública alguma coisa nos falte, e sem prejuízo de entendermos como entendemos que deveremos, rapidamente, produzir o processo de consulta pública, acharíamos mais prudente que agora não se processasse a votação do requerimento para que, tempestivamente, cada grupo parlamentar possa analisar os termos concretos em que o requerimento acaba de ser formulado.
O Sr. Carlos Brito (PCP): -Sr. Presidente, peço a palavra também para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente - Sr. Deputado, para que efeito?
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: -Sr. Deputado, tem a palavra.
O Sr. Carlos Brito (PCP):-Sr. Presidente, pretendia dizer que na conferência dos representantes dos grupos parlamentares acordámos que, após a leitura pelo Sr. Presidente da Assembleia da mensagem do S. Ex.ª o Presidente da República, seria anunciado - e para isso houve acordo-que se aditava um novo ponto à ordem do trabalhos para consideração do comportamento a adoptar face à referida mensagem.
Entretanto, foi anunciado por parte do PSD que apresentaria um requerimento, mas, na altura, não tivemos ocasião de conhecer o texto do requerimento.
Ouvida agora a sua leitura, feita pelo Sr. Deputado Mário Montalvão Machado, ficam-me algumas dúvidas acerca da sua conformidade com o Regimento.
Por isso mesmo, considerando que são, na verdade, pertinentes as declarações feitas pelos Srs. Deputados José Magalhães e Jorge Lacão, e aditando as minhas próprias dúvidas, creio que não deveríamos, neste momento, proceder à sua votação, mas ficar com algum tempo para reflectir.
Chamo a atenção de que frequentemente, temos dificuldades em encontrar a melhor tramitação na sequência de vetos do Sr. Presidente da República, particularmente quando são motivados por razoes de inconstitucionalidade.
Creio que não perdemos em aguardar mais, reflectir melhor e ver qual é o justo caminho a trilhar. Tudo recomenda que se proceda dessa forma.
O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): -Sr. Presidente, peço igualmente a palavra.
O Sr. Presidente:-Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): -Sr. Presidente, em referência às considerações feitas pelos Srs. Deputados que me antecederam no uso da palavra, não tenho nada a opor desde que os Srs. Deputados não queiram, efectivamente, protelar as decisões e o andamento do processo.
O que ficou decidido na conferência, e hoje foi claramente anunciado pelo Sr. Presidente da Assembleia da República no início desta sessão plenária, foi que, depois do anúncio da notificação do Acórdão do Tribunal Constitucional feito ao Sr. Presidente da Assembleia da República, seria apresentado um requerimento pelo líder da bancada do PSD e seria votado de imediato, isto é, seria votado hoje. Isto foi o que ficou assente na conferencia.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado, permite-me que o interrompa?
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O Orador-Sr. Deputado, no fim. Eu também não interrompi, o Sr. Deputado quando usou da palavra.
Depois apresentei o requerimento, o qual nada contém de inovador, mas pede apenas que se cumpra, tão depressa quanto possível, aquilo que na lei se contém.
Não vejo, pois, que os Srs. Deputados não tenham outro propósito que não seja o de dilatar o processo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, pela nossa parte não vemos qualquer dificuldade em votar o requerimento apresentado, há momentos, pelo PSD. Não se trata, pois, de protelar ou de suscitar qualquer aspecto dilatório quanto a este problema. O que há é uma questão de prudência: é que, quando dissemos na conferencia dos representantes dos grupos parlamentares que podíamos votar imediatamente e tomámos esse compromisso, eu, pelo menos, não tinha sido alertado para a possível violação do Regimento e, por isso. de boa fé, disse que podíamos votar o requerimento assim que ele fosse apresentado.
Agora, se o Sr. Deputado Mário Montalvão Machado quer «agarrar» a nossa palavra e dizer. «Vocês prometeram votar e vão fazê-lo! Tudo o resto é técnica dilatória», então, nesse caso, eu cumpro a minha palavra e voto. Aliás, a minha posição de voto será, independentemente de votarmos hoje ou amanhã, igual à que teve lugar aquando da votação do pedido de autorização legislativa. Fazemo-lo, sem levantar qualquer problema!
De qualquer modo, pensamos que um pouco de prudência, 24 horas que sejam, levando o requerimento à 3.º Comissão - onde, aliás, o PSD tem maioria-, por forma a ver se esta é ou não a melhor maneira de equacionar o problema e votar amanhã o requerimento, não ficará mal a ninguém! Assim, salvaguardar-se-á até que amanhã não venha dizer-se que o Regimento e a Constituição foram atropelados para que a maioria votasse imediatamente, dando pretexto para que as forças de oposição a esta proposta de lei digam que o PSD está a forçar, ilegalmente, a votação.
Esta é, pois, a nossa posição! Não temos em mente qualquer técnica dilatória! Se o PSD quiser que se vote de imediato o requerimento votá-lo-emos a favor-como, aliás, já disse -, mas penso que a voz da cautela manda que não se corra, mais uma vez, o risco, pois, embora o Governo diga que está sempre acompanhado de «pareceres de eminentes juristas», o que verificamos é que esses pareceres não colhem maioria no Tribunal Constitucional!.»
Aliás, também agora relativamente ao requerimento apresentado pelo PSD, o Sr. Deputado Mário Montalvão Machado tem «o parecer de eminentes juristas», mas o que é certo é que eles podem não colher o acordo do Tribunal Constitucional. E, pois, uma questão de prudência!
Assim, gostaria de apelar ao PSD para que reflicta, de modo que, por 24 horas, não se dê azo a crítica e que depois a oposição diga que o Regimento e a Constituição foram atropelados.
De qualquer forma, faça o PSD como quiser, pois nós votaremos e a favor.
O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP):-O Sr. Deputado Mário Montalvão Machado não tem razão quando aqui faz acusações referindo-se a tentativas de obstrução. Não tem qualquer razão e podia ter-se dispensado de proferir essas considerações, pois isso só lhe ficava bem e favorecia o andamento dos nossos trabalhos.
Estamos a tratar este assunto de uma maneira séria, responsável e não com outros intuitos que não sejam os de respeitar a Constituição e o Regimento!
Para além de considerar pertinentes as considerações que foram feitas pelos Srs. Deputados José Magalhães e Jorge Lacão, as minhas dúvidas resultam do facto de, em reunião de representantes dos grupos parlamentares, termos falado - pelo menos eu e o meu camarada José Manuel Maia - em baixa do requerimento à Comissão.
Portanto, o nosso entendimento era o de que o vosso requerimento baixaria à Comissão para que esta - e no meu entender seria a Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família-determinasse se seria ou não solicitado ao Sr. Presidente da Assembleia da República a publicação do decreto da Assembleia da República em separata ao Diário da Assembleia da República e qual o período de consulta pública.
Aliás, chamo a sua atenção para o artigo 143.º do Regimento, que diz o seguinte:
l -Tratando-se de legislação do trabalho, a comissão promove, através do Presidente da Assembleia, a apreciação do projecto ou proposta pelas comissões de trabalhadores e associações sindicais [...]
2-No prazo que a comissão fixar, as comissões de trabalhadores e as associações sindicais podem enviar-lhe as sugestões que entenderem [...]
Portanto, o nosso entendimento era o de que iríamos votar um requerimento de baixa à Comissão e depois, nessa sede, seria tramitado-digamos assim-aquilo que consta do Regimento.
Quanto a mim, esta dúvida é pertinente e inultrapassável, pois o requerimento, tal qual como foi apresentado, não se ajusta, do nosso ponto de vista, ao entendimento e à letra do Regimento. Além disso, creio .que há outras considerações que deveriam merecer a nossa reflexão.
Como não fazemos questão em atrasar o processo, admitimos, assim, que até às 19 horas e 30 minutos, hora regimental das votações, possamos, ainda, conversar sobre a matéria no sentido de saber se ela deverá ser melhor ponderada ou se poderemos votar então o requerimento.
Portanto, Srs. Deputados do PSD, nós não estamos aqui para protelar o debate: o nosso combate a esta legislação é político e não pretendemos fazê-lo através de expediente regimentais.
Vozes do PCP: -Muito bem!
O Sr. Joaquim Fernandes Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente:-Sr. Deputado, antes de dar-lhe a palavra, gostaria de relembrar aquilo que foi dito. Este assunto foi discutido hoje, nos termos em que foi apresentado, na reunião de representantes dos grupos parlamentares e, depois, anunciado pelo Sr. Presidente da Assembleia, não se tendo registado, na altura, quaisquer objecções por parte dos grupos parlamentares.
Pausa.
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Srs. Deputados, a Mesa foi infamada de que o Sr. Deputado Mário Montalvão Machado está de acordo com a sugestão feita pelo Sr. Deputado Carlos Brito no sentido de protelar, para já, a votação deste requerimento até as 19 horas e 30 minutos e de, eventualmente, encontrar uma outra solução que possa ser entendida como mais útil face à argumentação expendida com base no artigo 143.º do Regimento. Portanto, creio que podemos dar o assunto por encerrado.
O Sr. Joaquim Fernandes Marques (PSD): - Sr. Presidente, mesmo assim, gostaria de usar da palavra.
O Sr. Presidente:-Tem, então, a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Joaquim Fernandes Marques (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de dizer o seguinte: em boa verdade o artigo 143.º do Regimento não se aplica à situação em análise mas, sim, a iniciativas legislativas que doem entrada na Mesa da Assembleia da República e que exijam, ou possam exigir, discussão pública. Então, aí sim, a comissão parlamentar tem a opção de dizer se é ou não necessária a discussão pública, pois, eventualmente, ela pode não ser necessária.
No caso concreto, trata-se de a Assembleia da República suprir uma inconstitucionalidade declarada pelo Tribunal Constitucional. Portanto, este requerimento não tem de baixar à Comissão-aliás, se baixasse seria para, no fundo, formalizarmos aquilo que em Plenário já formalizámos e que pode ser aqui votado. Não há, pois, qualquer razão substancial que obrigue a que este processo desça novamente à Comissão.
É patente que a única inconstitucionalidade declarada pelo Tribunal Constitucional é a formal, pelo que 6 isso que é preciso suprir. E como? Através da publicação do decreto da Assembleia da República em separata ao Diário da Assembleia da República para efeitos de discussão pública por um prazo de 30 dias.
Penso que isto é o mais claro possível, que não merece grande discussão e que os «peritos» em análise da Constituição da República não necessitam de ser chamados a opinar sobre esta questão.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que há consenso no sentido de procedermos à votação do requerimento apresentado pelo PSD às 19 horas e 30 minutos, período norma] de votações. Porém, até lá, podem ser feitos quaisquer contactos entre os líderes parlamentares, por forma a decidir-se, ou não, em contrário ao agora estabelecido.
Srs. Deputados, de seguida, vamos iniciar o debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 171/V, que aprova a lei quadro das regiões administrativas.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.
O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território (Valente de Oliveira): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: O Governo cumpre o que promete ao País!
No programa do XI Governo Constitucional referia-se que o fortalecimento da sociedade portuguesa implicava uma retirada do Estado das muitas funções que ele indevidamente passou a desempenhar e que isso deveria suceder paralelamente com o revigoramento da intervenção de vários níveis autárquicos no processo de desenvolvimento integrado do País.
São múltiplos os exemplos de privatização de sectores, de serviços e de empresas, que já não estão nas mãos do Estado, e é notória a participação das autarquias locais nas acções que visam o desenvolvimento harmonioso do País.
Mas dizia-se no programa que, nesse quadro, o desenvolvimento gradual do processo de regionalização deveria constituir uma tarefa nacional. E é, de facto, numa perspectiva de Estado que avançamos para um passo da maior importância histórica e nunca antes ensaiado na prática. Trata-se de dizer a uma parcela da Nação que tem uma unidade secular, que exibe as mais antigas fronteiras estáveis do mundo e que não padece de qualquer crise de identidade, em nome da eficácia de funções, que ao Estado incumbem e para que a resposta seja mais pronta, mais ajustada à vontade dos destinatários e mais participada na sua formulação, instituir-se-ão órgãos de governo que serão responsáveis pelas soluções que eles julgarem mais adequadas e que, dentro da unidade nacional, podem matizar diferenças quanto às prioridades definidas e quanto às formas de desempenhar essas funções e de afectar os dinheiros públicos que vierem a administrar.
A variedade constitui sempre uma riqueza e a proximidade das instituições responsáveis pela resposta representa uma virtualidade no que respeita à sua adequação e prontidão. Mas a unidade da Nação constitui um valor inestimável que não tolera qualquer diluição precipitada ao sabor das modas internacionais ou para satisfação de clientelas de ocasião, que ora pendem para a centralização ora defendem a descentralização, consoante detêm o poder central ou estão na oposição.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador:-O que prometemos ao Paus foi apresentar à Assembleia da República uma proposta de lei quadro sobre a regionalização que permitisse uma decisão sobre as funções e competências das regiões administrativas. É isso que eu tenho hoje a honra de fazer, em nome do Governo, na sequência da Revisão Constitucional de 1989 e de forma articulada com outras duas propostas de lei que aqui apresentei há poucas semanas: a da constituição do Conselho Económico e Social e a nova Lei Quadro do Planeamento. Deve ser tudo entendido como um conjunto integrado porque foi, de facto, dessa forma que as ideias foram «amassadas» e que os resultados surgiram.
Sempre defendemos que o processo de regionalização deveria ser gradual para ser sereno e eficaz e para se impregnarem os novos valores na nossa cultura administrativa de pendor tradicionalmente centralista. A Europa está cheia de exemplos bem sucedidos e mal sucedidos, de arrependimentos e de tensões, de fracturas e de casos positivos de consolidação de acções de fomento do desenvolvimento, mas a linha divisória entre o sucesso e o fracasso é determinada por factores de comando difícil, não sendo úteis as frenagens súbitas perante a constatação de que se avançou demais. Vale. mais a pena prosseguir com determinação mas avaliando bem o terreno que se pisa para não ter de voltar-se atrás ou de congelar-se o processo, o que causa sempre frustrações, desapontamentos e ressentimentos.
Não tendo o País qualquer tradição de governo regional - aparte das recém criadas regiões autónomas insulares-, nem havendo tensões étnicas, religiosas, linguisticas ou políticas que imponham uma cadência apressada no processo em nome de valores mais altos, a única justificação para regionalizar, em Portugal, reside na vontade de
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encontrar soluções mais eficazes para o desenvolvimento do Pais, por passarem a coexistir mais instâncias com responsabilidades de optimização da afectação dos meios, de resposta aos cidadãos, dê organização da participação do maior número e de detecção das potencialidades e recursos existentes ou latentes.
Para não representar um processo de alienação irresponsável de responsabilidades, a regionalização tem de ser progressiva, partindo-se da transferência de funções, que, de forma incontroversa, sejam mais apropriadamente desempenhadas a um nível subnacional do que ao nível central e, ensaiando fórmulas institucionais económicas que não invalidem, pelo aparato e pelos gastos, o que constitui uma boa ideia e um mecanismo eficiente de promoção das muitas optimizações que quem governa sempre tem de fazer.
A regionalização consiste num processo que tem de ser convergente, de duas operações de índole distinta: a desconcentração e a descentralização. Na primeira, a administração central transfere para as regiões funções que permanecem suas, desempenhadas de acordo com critérios que são por si definidos, acompanhados e fiscalizados e que são levadas a cabo por funcionários que pertencem a estruturas nacionais.
Poderá haver, eventualmente, diferenças naqueles critérios, mas o juízo acerca da relevância das distinções pertence ao centro e é comandado pelo centro. A execução de funções desconcentradas, próximo dos cidadãos, apenas visa maior celeridade de resposta e mais pronta satisfação das suas necessidades. Mas as regiões, mesmo que tenham aparelhos administrativos próprios, não definem nem o conteúdo nem o estilo de desempenho das funções desconcentradas. Trata-se, assim, de funções centrais exercidas regionalmente de acordo com regras emanadas do centro.
A descentralização de funções é de natureza diversa, chegando-se à conclusão de que uma determinada função é mais adequadamente desempenhada a nível regional e de que não importa assegurar, para ela» igualdade de critérios e de prioridades de âmbito nacional, transferindo-se essa função para as instâncias regionais, que ficarão, desse modo, com a responsabilidade total pela resposta quer quanto à forma de desempenhá-la quer quanto às prioridades definidas para o conjunto das funções descentralizadas. Trata-se, assim, de partilhar a capacidade de decisão, transferindo responsabilidades completas.
Embora de índole distinta, os dois processos têm de ser convergentes, assegurando-se um avanço paralelo com velocidades de progressão equivalentes para ambos: a desconcentração de funções não acompanhada pela descentralização de outras com elas correlacionadas acabará por significar um reforço da centralização, por se ter tornado mais eficiente o aparelho de administração de âmbito nacional; a descentralização sem desconcentrado conduz a tensões incontroláveis, a desorientações em relação à necessária coordenação dos esforços de fomento do desenvolvimento, a disputas de competências, à indefinição de responsabilidades, a descontentamentos generalizados e, afinal, a grandes ineficácias por não se saber articular funções ou por se perder todo o tempo a reivindicar regionalmente a descentralização de funções que, mais convenientemente, deveriam ser desconcentradas.
Converge para o sucesso de todo este processo a articulação com as atribuições e competências das autarquias locais. Referi-me, até aqui, à partilha do poder central com instâncias regionais, mas a verdade é que poderia haver a tentação de formar o conjunto das funções regionais à custa de outras que hoje são municipais. Nós vivemos, ao longo dos últimos 17 anos, uma história de sucesso em matéria de poder local. De um pais cujos responsáveis locais eram designados pelo Ministro do Interior, passou-se rapidamente para uma estrutura de tomada de decisões a nível local, directamente eleita pelos cidadãos e perante eles responsável. E o sucesso foi tão grande que os mais novos pensam que sempre assim tudo se passou...
E isso sucede a despeito de se ter robustecido muito o conjunto das responsabilidades transferidas para as autarquias locais. Estas intervêm hoje, de forma determinante, no processo de desenvolvimento do País e na satisfação das necessidades dos cidadãos. A «cultura» do poder local fortalecido está, de novo, sólida, retomando uma longa tradição municipalista. Está, por isso, fora de causa a construção de regiões administrativas à custa das funções .das autarquias locais.
Do que agora se trata é das funções que o nível central alienará para órgãos regionais autárquicos legitimados pelo voto dos cidadãos e que, perante estes, serão responsáveis pelo modo como desempenharem as atribuições e competências que lhes forem fixadas e para cujo exercício serão eleitos.
A operação em vista é de tão profundas consequências que não pode respeitar somente aos políticos e permanecer como lema de discussão somente para políticos. Ela tocará a vida de todos os cidadãos e, particularmente, das forças que fazem mover a sociedade.
O aparecimento de uma instância de poder regional com funções descentralizadas vastas e legitimada pelo voto vai ter de ser absorvida por aquelas forcas e pelos cidadãos, em geral, que têm de aprender a distinguir a quem hão-de pedir contas e porquê. Hoje, e apesar de quase duas décadas de um poder local fone, ainda se associa a responsabilidade de muito do que acontece ao Governo e à administração central, mesmo daquilo que é, desde há muito, do exclusivo foro municipal.
Esta é mais uma razão para a progressão gradualista que defendemos para a construção institucional regional. Tem de se saber, em qualquer momento mas especialmente na ocasião das eleições, quem está a ser julgado e pelo quê e quem está a ser escolhido e para quê.
Vozes do PSD: -Muito bem!
O Orador: - Tratando-se de um escalão de poder totalmente novo entre nós, que só a procura da eficácia justifica, a recomendação de avanço gradual não representa qualquer sinal de hipocrisia política própria de quem não quer fazer mas é obrigado a fingir que avança. Trata-se, ao contrário, de uma mostra de prudência, própria de quem quer muito que se faça e que se faça de forma irreversível, determinando no tecido social um comportamento político muito elaborado, no qual a distinção das funções e das responsabilidades seja fácil porque foi sendo incorporada na prática diária de informação e de avaliação, preparando conscientemente os momentos decisivos que as eleições representam. Ora, para que possa responsabilizar-se alguém é preciso que antes se saiba pelo que ele tem de responder, ou seja, quais são as suas atribuições e competências.
A característica que mais surpreende, no território nacional, é a extrema variedade dos seus atributos e paisagens. Mas ele, sendo tão variado, é o suporte de uma população de cultura muito homogénea, havendo mais diferenças culturais entre um homem da Guarda e um de Salamanca do que entre um natural de Viana do Castelo e
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outro de Faro. Há, por isso, que conciliar uma grande diversidade da paisagem física e económica do Pais com uma grande proximidade cultural dos seus habitantes.
Ora, sendo a regionalização um processo que tem muito mais a ver com as pessoas do 'que com as coisas, deve basear-se a constituição das regiões administrativas muito mais em propósitos ligados ao desenvolvimento das gentes do que à homogeneidade dos territórios, até porque, nos nossos dias, a variedade física tem muito menos peso do que leve noutros tempos, em relação ao traçado dos limites das administrações.
É por isso que me surpreende o afã de alguns em relação à definição das fronteiras das regiões, querendo que ela preceda o estabelecimento das funções respectivas. Fica, assim, denunciada a preocupação maior dos que assim procedem em relação à dominância das forças políticas que supõem comandar.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Se fossem as optimizações da afectação dos recursos ou a promoção dos equilíbrios regionais que mais cuidados lhes dessem, estou certo de que atribuiriam, tal como nós. maior prioridade à definição das funções que mais adequadamente serão desempenhadas a um nível intermédio entre os escalões central e local do que ao desenho das fronteiras.
Ao darem prioridade ao mapa estão a confessar, mais claramente do que imaginam, que afinal o que mais lhes interessa é a constituição de poderes regionais que julgam vir a comandar.
Aplausos do PSD.
Não venham, a este respeito, com exemplos do resto da Europa porque, sob este aspecto, Portugal 6 um caso único! Estado unitário há quase nove séculos, serão razões de eficácia na promoção do desenvolvimento que hão-de justificar um nível regional de tomada de decisões e não quaisquer outras razões.
O processo da regionalização em Portugal terá, assim, de ser feito à medida do nosso território e com uma perspectiva que ultrapasse as conjunturas, os calendários eleitorais e as tonalidades políticas do momento. Trata-se de uma questão de Estado, com todo o peso que isso acarreta. E dessa forma que para ela olhamos!
Importa-nos, genuinamente, a fixação das funções que mais adequadamente sejam desempenhadas a um nível intermédio entre o escalão central e o local. As fronteiras regionais hão-de decorrer do estabelecimento dessas funções e não ao invés.
A coerência do discursado Governo, a este respeito, está demonstrada: a regionalização tem de representar mais um traço do fortalecimento do País, através do seu desenvolvimento do que um elemento de divisão. Mas, para que a regionalização seja, de facto, um elemento de aglutinação de vontades, importa, antes do mais, definir os domínios específicos nos quais convirá que ela tenha lugar, tudo o resto, incluindo o estabelecimento das fronteiras, terá de decorrer daquela definição.
A própria forma das instituições regionais protagonistas dos poderes descentralizados tem de repousar numa perspectiva adaptativa e gradualista das suas funções, do peso numérico dos seus titulares e funcionários e dos seus gastos.
A este respeito, são necessários muitos cuidados para que tudo corra bem: primeiro, é preciso assegurar meios adequados ao exercício das funções descentralizadas; segundo, convém que tais meios não sejam maioritariamente oriundos de qualquer fundo de perequação regional mas que estejam, antes, explicitamente ligados a qualquer forma de taxa que permita estabelecer, com facilidade, uma relação entre o que se paga e o que se recebe como benefício, numa preocupação de responsabilização, a mais directa possível, porque a regionalização terá de representar sempre um exercício de responsabilização acrescida; terceiro, é indispensável assegurar uma articulação perfeita entre as funções descentralizadas e as funções desconcentradas e, nomeadamente, entre quem coordena umas e outras, porque passarão a coexistir duas administrações, uma nacional e outra regional, que não podem ser dissonantes, porque, insisto, o objectivo da dupla operação de descentralização/desconcentração tem de ser sempre o desenvolvimento harmonioso de todas as parcelas do País; quarto, há que cuidar da formação, da actualização e da reconversão dos funcionários, cujo número global não deverá crescer, mas que, além de terem de ser divididos nos dois grupos apontados, terão de corresponder a níveis muito mais exigentes - porque mais autónomos e, portanto, mais responsabilizados - do exercício das suas funções; quinto, há, ainda, que afeiçoar o comportamento de classes políticas regionais empreendedoras e dinâmicas e não meramente reivindicativas de fundos e de privilégios em relação ao poder central.
Aplausos do PSD.
O Orador: - Nada disto é impossível e a prática adquirida no continente e nas ilhas permite dizer que até nem é difícil, na condição de tudo se fazer gradualmente, num exercício de co-responsabilização entre o novo escalão e os dois outros já existentes entre os quais ele se há-de inserir.
Não sou inconsciente, ingénuo ou ignorante para afirmar que, dessa forma, tudo se passará sem tensões, mas temos todos a obrigação de estabelecer regras que façam com que essa tensão seja criadora e não destrutiva, por fomentar divisões, exacerbar reivindicações ou semear frustrações. * A tónica do processo tem de assentar na co-responsabilização e esta pressupõe sempre um acordo quanto aos grandes propósitos que se tem em vista, e estes não podem deixar de ser os do progresso e desenvolvimento do País e o do reforço permanente da identidade nacional e dos laços que unem todos os portugueses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não irei comentar a proposta de lei, porque o texto é do conhecimento de todos e porque haverá, seguramente, oportunidade de o fazer na discussão em trabalho da comissão. Gostaria, no entanto, de sublinhar o facto de termos explicitado claramente os princípios em que assenta a arquitectura da proposta: o princípio da subsidiariedade, o princípio da legalidade, o princípio da independência, o princípio da descentralização administrativa e toda uma série de princípios orçamentais gerais. É evidente que tudo o resto decorre deles e que só estamos disponíveis para aceitar soluções que a eles obedeçam.
Poderíamos ter enunciado mais regras, mas quanto mais balizássemos o nosso campo mais difícil seria chegarmos a uma solução aceite pela maioria. Ora, sendo obstinados quanto aos princípios e quanto às suas consequências, não somos inflexíveis quanto ao resto e temos uma vontade genuína de avançar com o processo de regionalização do continente.
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Foi por isso que não elaboramos mais do que o necessário para uma lei quadro, sem deixamos de apresentar, naturalmente, uma proposta exequível, internamente coerente e muito ajustada ao estádio de desenvolvimento do Pais.
Que o assunto é difícil, que suscita interesse, emoção, alguma paixão e que, também, está longe de concitar a unanimidade é tudo demonstrado pelo facto de haver, além da proposta, mais cinco projectos de lei dos partidos da oposição. Todos tom a sua visão específica, mostrando bem que estamos a lidar com um tema político da mais alta sensibilidade.
O Governo cumpriu o que prometeu, apresentando uma proposta de lei que traduz a perspectiva de Estado que ele tem desta questão. Este é um momento histórico para o País, porque marca uma nova fase da sua organização político- administrativa que, ao permitir maior intervenção dos cidadãos e uma diversidade acrescida das soluções gizadas para o seu desenvolvimento, demonstra a maturidade política que atingimos e indica estarmos a franquear a porta, que nos permite sair do espaço das soluções uniformes para os problemas ao desenvolvimento para entrar num outro, no qual a variedade há-de contribuir para a aceleração desse processo.
A proposta de lei que apresentamos - não tenho dúvidas em afirmá-lo-é positiva, porque é praticável e porque contém as maiores virtualidades. Mas, como sempre. Sr. Presidente, a palavra final pertence a esta Câmara.
Aplausos do PSD.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Carlos Lilaia, Narana Coissoró, Natália Correia, Carlos Brito e Jorge Lacão.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.
O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Ministro, muito sinceramente, gostaria de começar por lhe perguntar como é que se sente ao apresentar e ao discutir esta proposta de lei, volvidos IS anos sobre a constitucionalização desta norma, depois de ter sido também um dos grandes defensores do processo de regionalização em Portugal -recordo-lhe os tempos da sua presidência na Comissão de Planeamento da Região Norte -, de parecer ter adormecido quando chegou ao Governo e de ter ficado embalado, digamos assim, por essa ausência de vontade de regionalizar por parte do Governo e de todos aqueles que chegam ao poder.
Se lhe faço esta pergunta, volto a repetir que a faço com toda a sinceridade, porque, também eu, hoje, ao discutir este tema, me sinto com alguma dificuldade em o fazer, porque receio que, mais uma vez, esteja a colaborar, na minha qualidade de deputado e como membro desta Câmara, em mais um logro que é dizer que vamos fazer, para, efectivamente, não fazermos nada.
Tenho duas perguntas para lhe fazer, no sentido de esclarecer dois artigos da proposta de lei.
No que concerne ao artigo 17.º, quando se fala da aplicação do princípio da subsidiariedade das competências e das atribuições das regiões, relativamente ao Estado e aos municípios, gostaria de saber se isso é feito por analogia com aquilo que normalmente se passa também em termos do direito comunitário e como entender a conjugação desse mesmo articulado com o artigo 4.º, quando se diz que «a autonomia administrativa e financeira das regiões administrativas funda-se no princípio da subsidiariedade das funções destas em relação ao Estado e aos municípios»- e esta é que é a questão, Sr. Ministro - «e na organização unitária do Estado». O que é que quer dizer a aplicação deste principio da subsidiariedade, no que concerne à organização unitária do Estado, Sr. Ministro?
A outra questão, Sr. Ministro, é relativamente ao poder, às atribuições e às competências dos governadores regionais. Se compararmos as atribuições e competências das regiões administrativas com os poderes que são dados aos governadores regionais, nomeadamente no que concerne às competências excepcionais, e pelo facto de o serem, dada a largueza que fica para a intervenção dos governadores regionais, temos a ideia de que poderemos talvez não estar a criar as regiões administrativas, mas, sim, os governadores regionais.
Tanto é assim que, por exemplo-e pode ter sido uma distracção e estaremos a tempo de a corrigir em sede de comissão-, do articulado da proposta de lei se pode chegar à conclusão de que é perfeitamente possível que o número de governadores e de vice-governadores regionais, porque não há limites na legislação, possa até ser superior, em certos casos, aos elementos da junta regional, que são em número de cinco.
O Sr. Presidente:-Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Ministro, ao contrário do meu colega, deputado Carlos Lilaia, não me surpreende absolutamente nada o discurso que V. Ex.ª fez hoje e aqui. porque nos tem habituado, a nos e ao País, a vê-lo dançar segundo a música que lhe tocam.
Em 1982, no governo de Pinto Balsemão, quando foi publicado o livro branco e quando havia um grande movimento para a regionalização e parecia que esta estava mesmo ao pé da porta, V. Ex.ª desdobrou-se em artigos e discursos, que foram lembrados agora pelo Sr. Deputado Carlos Lilaia, e o mesmo se diga também do Dr. Fernando Nogueira, que então escrevia grandes parangonas sobre as virtualidades e as benesses que a regionalização iria trazer ao povo português.
Depois, e no bloco central, como o assunto da regionalização foi largado da mão, V. Ex.ª também se calou. Mais tarde, o Sr. Primeiro-Ministro Cavaco Silva, na Póvoa de Varzim, disse que a regionalização era um gasto de energias e uma confusão para a Administração, pelo que não era preciso pensar nela antes de 1992, e V. Ex.ª, naturalmente, também saltou para a arena para dançar esta música. E dançou-a, com muitos requebros, demonstrando que a criação das regiões administrativas deverão ficar dependentes do processo de desenvolvimento centralmente dirigido, em vez de as regiões serem compreendidas como um pressuposto e um instrumento de desenvolvimento regional.
Mas agora, como estamos a poucos dias do termo da legislatura e se vai fechar a Assembleia, e não se vai fazer mais nada do que votar na generalidade esta proposta de lei, o Governo poderá dizer que cumpriu porque apresentou a proposta e que o Professor Cavaco Silva é pela regionalização, como sempre foi...
Se, amanhã, este Primeiro-Ministro tornar a mudar de ideias ou se o próximo primeiro-ministro depois de Outubro o fizer e se V. Ex.ª tiver a sorte de ser novamente ministro.
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porque tem sempre lugar em todos os elencos, virá dizer, alto aí! Não há regionalização em Portugal, porque os interesses da Nação assim o exigem. Como vê, V. Ex.ª faz o discurso conforme as ordens que recebe.
Existe uma outra coisa que V. Ex.ª tem de explicar aqui: como é que, estando parados na comissão, por boicote do PSD, cinco projectos de lei dos partidos da oposição, vem dizer que só o seu, que agora trouxe, é que tem a perspectiva do Estado? Porque é que só a proposta de lei da regionalização tem essa perspectiva e os outros cinco projectos, apresentados há mais de dois anos, não? Então, só V.V Ex.as têm a perspectiva de Estado, Sr. Ministro, do Estado laranja?
Em terceiro lugar, V. Ex.ª traz aqui uma noção, como se todos neste Plenário fôssemos alunos do primeiro ano de Direito, sobre os conceitos de desconcentração e de descentralização. Muito obrigado pela lição, é uma coisa sabida da ciência política do ensino secundário, mas a noção que deu foi errada, é tão velha e gasta como o Manual de Direito Administrativo do Professor Marcello Caetano, que já sofreu imensas revisões e que é obra de consulta e não de ensino hoje em dia.
Se V. Ex.ª tivesse tido o bom senso de perguntar ao Dr. Rui Machete o que é, hoje, a desconcentração, ele dir-lhe-ia: «por amor de Deus, nunca mais recorra ao Manual de Direito Administrativo do Professor Marcello Caetano. Leia antes o Professor Freitas do Amaral».
Risos do PS.
A desconcentração, hoje, não é só fazer pequenos «Terreiros do Paço» fora de Lisboa, por exemplo, um na Guarda, um em Vila Real, um em Faro ou em qualquer outro lado, porque a regionalização supõe a criação de serviços novos que podem estar dependentes ou ser fiscalizados pelo Governo, e por isso é que é desconcentração, mas serem pensados e implementados em função das exigências locais e não os levados do Terreiro do Paço para a periferia. Podem ser criados serviços até agora inexistentes, mas ligados ao Governo, e riflo o contrário, isto é, levar os serviços do Terreiro do Paço para as regiões.
Quanto à descentralização. V. Ex.ª, afinal, vem referir um conceito que não está na proposta, porque aí o que está é o princípio da subsidiariedade em relação às atribuições do Governo, das câmaras municipais e das freguesias, e outras pessoas colectivas de direito público, isto é, só uma pequena margem é que fica para as regiões como competência supletiva das demais.
V. Ex.ª chama a esta faixa tão reduzida «tudo o que não cabe nas atribuições do Governo», mas não toma nenhum compromisso quanto ao facto de essas atribuições governamentais poderem ser aumentadas, porque o Governo pode atribuir a si próprio competências a nível central cada vez maiores, ficando, assim, reduzido cada vez mais o princípio da subsidiariedade regional:
Se, por outro lado. aumentar as atribuições das autarquias locais, e tendência deve ser esta, lambem, por esta via, o princípio da subsidiariedade diminui a margem de manobra das regiões. Quer dizer: V. Ex.ª não disse no discurso, quanto ao princípio da descentralização, que ele era um princípio-efeito de duas forcas - uma força governamentalizante centrípeta e uma força municipal centrífuga. V. Ex.ª veio aqui invocar o princípio da descentralização de uma maneira enganosa, face àquilo que está vertido na própria proposta.
Mais seriedade, não do ponto de vista da honestidade pessoal mas, sim, mais seriedade e transparência política nesta matéria não ficaria mal ao Governo, e VV. Ex.ª, pois o que querem é maior centralização e concentração e não a regionalização prevista na Constituição. É melhor reconhecer isto mesmo.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.
A Sr.ª Natália Correia (PRD): -Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, acabo de verificar uma diferença, a seu favor, entre o seu discurso e o teor da proposta de lei.
Dito isto, leio na exposição de motivos dessa proposta que «A vitalidade das regiões dependerá fundamentalmente da sua viabilidade política e económica». Claro que é desejável que a regionalização corrija assimetrias económicas, mas não se pode esquecer, como se esquece nessa lei quadro, do valor identificante das culturas populares e respectivos patrimónios histórico-culturais que não só resguardam a identidade das unidades regionais, como, devidamente valorizados e estruturados em pólos de atracção turística, são fontes de rendimento. Mau serviço cultural, e mesmo económico, presta ao País estalei quadro, ao esquecer que, hoje, o turismo cultural, além de fixador de identidade, é uma fonte de riqueza.
Entende, consequentemente, que a divisão regional não deve ser fixada sem levantamentos arqueológicos, etnográficos e históricos que fundamentem as divisões cem respeito pelas identidades que, pluriculturalmente, segregam o «sumo» cultural da Nação.
Acabo de ouvir o Sr. Ministro falar em valorização da variedade. Claro que estou de acordo, mas lembro-lhe que o económico é uniformizante enquanto que o cultural é diferenciante, tendo este de compensar o prejuízo da uniformização causado pelo económica E é aqui que está a diferença, a seu favor, entre o seu discurso e o conteúdo da proposta de lei.
Em que ficamos, Sr. Ministro?
Pergunto, finalmente, a V. Ex.ª se os levantamentos etnográficos, arqueológicos e históricos a que me referi estão projectados como um dos definidores do critério da divisão.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: Em estilo telegráfico, porque o tempo é muito pouco, uma vez que faremos, de seguida, a apreciação da proposta de lei, gostaria de colocar só algumas questões prévias.
Primeiro-e creio que o Sr. Ministro reconhecerá-, o Governo apresentou à Assembleia da República tarde e a más horas a proposta de lei e ainda mais tarde se empenhou no seu agendamento.
Segundo, o Governo não dá provas do tal rigor, da tal prudência, de que o Sr. Ministro nos fala. O Governo, com esta proposta de lei, mostra até uma coisa completamente diferente, como leviandade, ligeireza, desatenção, pois, como sabe, e nesta altura já deve ter reparado nisso, o preâmbulo da proposta de lei diz uma coisa e o articulado diz outra diferente,...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): -É verdade!
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O Sr. Jorge Lacão (PS): -É verdade!
O Orador: -... em soluções capitais.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): -Já foi corrigido!
O Orador: - Foi assim que entrou na Assembleia da República e foi assim que o começamos a apreciar.
Ora, isso é logo um mau exemplo. Mas mais-e agora este é o ponto delicado para que chamo a sua atenção-, pois o Sr. Ministro disse no seu discurso que o Governo está a cumprir o seu programa ao apresentar a proposta de lei à Assembleia da República. Ora, riflo foi isso o que o Governo prometeu. O que o Governo disse foi que se empenharia na aprovação pela Assembleia da República de uma lei quadro sobre a regionalização que permita uma decisão, etc.
O Sr. Manuel Moreira (PSD):-Está a contribuir!
O Orador:-Ora bom, a nuance de dizer agora que o Governo se comprometeu apenas em apresentar a proposta de lei à Assembleia da República não significará que o Governo se não vai empenhar na sua aprovação?
O Sr. Manuel Moreira (PSD): -Vai, vai!
O Orador: - Penso que este é um ponto capital que importa aqui esclarecer e ser esclarecido.
O Governo vai empenhar-se na aprovação final da proposta de lei ou não? Esta é uma questão central, visto o Governo dispor de uma maioria absoluta, para mais obediente, e se o Governo se empenhar esta não dirá «não». Este ponto deve ser esclarecido.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. José Silva Marques (PSD): - «Preso por ter cão, preso por não ter.» Se o Governo manda na maioria é mau, se não manda também é mau!...
O Sr. Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, Valente de Oliveira, terei oportunidade de responder a algumas críticas feitas na sua intervenção a iniciativas do PS, segundo suponho.
Passando agora ao pedido de esclarecimento, propriamente dito, devo dizer que o PSD esteve sozinho, antes desta Legislatura, num governo minoritário durante dois anos, e esta Legislatura vai já para três e meio. Portanto, há cinco anos e meio que o PSD...
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Deputado, o que é que o PS fez durante o tempo que esteve no governo?!
O Orador: -... está, em continuidade, no Governo e levou todo este tempo para apresentar na Assembleia da República uma proposta de lei quadro sobre a regionalização.
Sr. Ministro, quanto tempo pensa levar para apresentar uma proposta de lei relativa à criação de regiões administrativas?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador:-Quanto as soluções em concreto, prevê-se que o Plano de Desenvolvimento Regional (PDR) seja sujeito a ratificação do Governo. Significa isto, Sr. Ministro, que os objectivos de política regional, estabelecidos pelas regiões tem de ser, todos eles, previamente ratificados pelo Governo? Significa isto, valendo-me da citação há pouco referida pelo Sr. Deputado Narana Coissoró, que, afinal, os senhores concebem as regiões como simples correia de transmissão de um processo de desenvolvimento dirigido centralmente?
Por outro lado, na justificação de motivos, alude-se ao princípio da moção de censura construtiva no mecanismo de formação da junta regional. No articulado, em concreto, nada se refere sobre o assumo.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): -Já foi corrigido!
O Orador - Qual é a verdadeira intenção do Governo, a que se estabelece na justificação de motivos ou a que se reflecte no articulado?
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - É a do articulado, Sr. Deputado!
O Orador.-Pode contar-nos essa história?
Por outro lado, o chamado governador regional, essa espantosa figura que pretende passar por delegado do governo na região, para além de uma panóplia estranha de poderes que lhe são conferidos, tem, além de outros, o poder de requisitar as Forças Armadas. O Sr. Ministro tem a noção do verdadeiro atentado ao Estado de direito que uma disposição deste tipo significa, já que a requisição das Forças Armadas, no domínio da segurança interna, só deve ser utilizada no regime de estado de sítio ou de estado de excepção e nunca por nunca por um qualquer delegado do governo numa qualquer região administrativa?
Sr. Ministro, já que levaram tanto tempo para apresentar uma proposta tão inconsequente, pergunto, por que não utilizaram a vossa disponibilidade para viabilizarem os projectos de lei que, vai para dois anos, estão congelados por inércia da maioria na Assembleia da República? Se o tivessem feito tinham prestado um serviço ao Pais. assim só fazem com que continuemos todos a perder um tempo precioso.
Aplausos do PS.
O Sr. Manuel Moreira (PSD):-O que é que o PS fez, nesta matéria, quando esteve no governo?!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.
O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: -O Sr. Deputado Carlos Lilaia perguntou-me como é que eu me sentia. Sinto-me muito satisfeito e orgulhoso, porque depois de ter feito a profissão de fé por uma maior descentralização e pela regionalização, depois de um longo percurso sinuoso, como são todos os percursos políticos, acabo por ser eu a ter o privilégio de, em nome do Governo, vir apresentar uma proposta de lei que é viável.
Aplausos do PSD.
De maneira que, como é natural, me sinto muito satisfeito e muito orgulhoso por esse facto.
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Quanto à construção da descentralização e da regionalização ser mais um logro, devo dizer que não é, e aproveito para responder lambem aos outros Srs. Deputados.
Iniciou-se em 1987 um processo de revisão constitucional que era fundamental para se saber quais seriam os contornos, as balizas, daquilo que se iria apresentar na proposta de lei, que só acabou em 1989...
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Um ano depois, ou mais, é que apresentaram a proposta]
O Orador: -... e só a partir daí é que se poderia fazer, com solidez, qualquer proposta de lei que pudesse estar, por um lado, consonante com as bases gerais e a arquitectura geral da Constituição e, por outro, articulada com outras leis, que foram feitas ao mesmo tempo, uma vez que há funções e intervenções previstas no quadro do Conselho Económico e Social e ainda funções que tem a ver com aquilo que se passa no quadro da estrutura de planeamento. Ora, foi isso que se fez, razão porque vim à Assembleia da República, no último mês, por três vezes apresentar cada uma destas propostas e que, volto a dizê-lo, tive a honra de fazer.
O Sr. Deputado Carlos Lilaia perguntou-me se a aplicação do princípio da subsidiariedade é feita por analogia com o direito comunitário. É sempre feito com uma preocupação genuína de saber qual é o estralo mais baixo que mais adequada e eficazmente pode preencher uma determinada função, pois há muitas funções, e vão ser cada vez mais, mas há algumas delas que não seremos nós próprios a decidir. Portanto, estamos numa situação em que temos de ser selectivos porque, havendo muitas funções para o Estado, temos de ver quais são os outros estratos que melhor as desempenham.
O Sr. Deputado interpretou bem, porque é esse o sentido, isto é, a procura genuína do estrato que se encontra mais próximo do cidadão que melhor desempenha qualquer função em causa.
Pergunta se não haverá alguma dessintonia com aquilo que o princípio diz no artigo 4.º, em que se pede que também ele lenha a intervenção ou aplicação na organização unitária do Estado. Sr. Deputado, não queremos, efectivamente, constituir uma federação e, portanto, tudo isto tem de ser concebido mantendo a unidade do País e a sua identidade. É esse o sentido do artigo 4.º da proposta de lei e é assim que o deve interpretar.
Quanto ao representante do Governo, o Sr. Deputado utilizou o tenho, e foram estas as suas palavras, «largueza de funções», mas outros Srs. Deputados ampliaram e disseram que estavam «demasiado fortes e robustas essas funções». A verdade é que queremos que haja, efectivamente, muitas funções transferidas e muitas funções novas, porque vão haver, que têm de passar a estar dentro da estrutura comandada pelo centro, para assegurar a uniformidade de critérios.
O Sr. Narana Coissoró (CDS):-Não disse isso da Tribuna!
O Orador: - Não disse e era escusado dizer, porque é evidente...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não é evidente!
O Orador: -Toda a gente entende mesmo aqueles que deixaram de ler os manuais há 15 anos ou 16 anos, que não é o meu caso, porque sei e até tenho dado exemplos e escrito sobre o que é desconcentração e descentralização. Portanto, não «enfiei o barrete», Sr. Deputado Narana Coissoró,
Logo, as funções desconcentradas são aquelas que foram efectivamente transferidas e as novas que têm de ficar comandadas pelo centro, tal como disse, embora eu não lenha referido como não referi muitas outras coisas, mas esclareço com muito gosto.
Há, naturalmente, muita função de desconcentração, neste sentido, que tem de ser articulada por alguém que tenha poder.
Há algumas funções - e aproveito para responder a outros Srs. Deputados-que são à repetição das funções dos governadores civis, mas alguém tem de as exercer. Sr. Deputado Jorge Lacão. E quando grita «escândalo» face à requisição das Forças Armadas, devo dizer que só num estado de sítio ou em circunstâncias muito excepcionais é. que acredito que isso venha a acontecer. Haverá, no entanto, alguma ocasião em que, por exemplo, face a uma qualquer inundação, não precisa de ser grave-e já a tivemos -, tenhamos de requisitar as Forças Armadas paia, mesmo em clima pacífico, montarem uma ponte de equipagem.
Deste modo, penso que o Sr. Deputado não deve ficar tão sensibilizado, uma vez que se pode requisitar as Forças Armadas para vários fins, nomeadamente para resolver situações no âmbito da protecção civil.
Sr. Deputado Narana Coissoró, V. Ex.ª, após ter dado alguns esclarecimentos semânticos, referiu também que-eu danço de acordo com a música que me mandam dançar. Pois. Sr. Deputado, devo dizer-lhe que não é assim! Na verdade, sei é distinguir as ocasiões mais propícias para fazer passar uma ideia, evitando aquelas em que os ambientes são turvos e as forças organizadas contra uma determinada ideia.
Já em outra ocasião defendi esta proposta de lei e penso que agora é a ocasião de voltar a defendê-la. É assim. Sr. Deputado, as pessoas têm de saber actuar, pois o sentido político traduz-se em escolher o momento em que se tem de empurrar. Quem empurra só para atirar pela ribanceira abaixo, perde tempo e feitio; quem empurra para construir determinado processo, sabe escolher. É assim que se distingue quem sabe de quem não sabe julgar as ocasiões apropriadas.
Aplausos do PSD.
O Sr. Deputado reclama maior seriedade política, mas ela não pode ser maior, até porque está justificada não só no preâmbulo da proposta de lei, que é, talvez, mais longo do que o que seria adequado, como na própria proposta e ainda, naturalmente, pela minha intervenção. A transparência é a regra!
Sr.ª Deputada Natália Correia. V. Ex.ª fez muitas considerações, mas não posso deixar de expressar os meus agradecimentos por considerar a minha intervenção mais esclarecedora. De facto, era esse o meu objectivo: esclarecer!
Devo, no entanto, dizer que, em meu entender, V. Ex.ª reduz muito a sua posição ao dizer que o económico é uniformizante e o cultural é que é diversificante.
Com efeito, não posso estar de acordo, porque o económico pode ser diversificante, e será, com certeza, quando, por exemplo-e não vou estar a fazer o inventário das ocasiões-, se mobilizam recursos endógenos, que
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izem assentar toda uma exploração nos recursos naturais u nos recursos especiais de determinada zona. Portanto, económico-e refiro apenas, por exemplo, o turismo o Algarve-é díversificante para a economia do Algarve, porque distingue o Algarve de qualquer outra parcela do escritório nacional para esse efeito.
Quanto à questão fundamental que a Sr.ªDeputada :coloca, de que critérios, culturais, tecnológicos, arqueológicos, antropológicos das populações, posso dizer-lhe que todos esses aspectos serão incorporados, até porque as populações vão ser chamadas a dizer o que querem. E se ao elas que dizem o que querem, é escusado estarmos a fazer grandes análises comandadas peto centro, ditando o centro, em nome de quaisquer critérios científicos, aquilo que deverá ser o traçado das regiões.
A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Permite-me que o interrompa, Sr. Ministro?
O Orador: - Faça favor, Sr.ª Deputada!
A Sr.ª Natália Correia (PRD): -Sr. Ministro, V. Ex.ª invocou um exemplo a meu favor, uma vez que o Algarve se diferencia não por razões económicas, mas por razoes culturais, que vão desde as construções das casas, ao comportamento das suas gentes, pelo que não é o - económico que diferencia. O económico é apenas o proveito que se tira da diferenciação cultural que caracteriza o Algarve.
O. Orador: - São os dois. Sr.ª Deputada! Não vamos reduzir as coisas a dois extremos, porque o problema é demasiado complexo para se fazer uma divisão dicotómica.
Sr. Deputado Carlos Brito, o Governo dá provas do maior rigor e da maior prudência. Não considero a apresentação desta proposta de lei tardia e já expliquei porquê. Em meu entender, é oportuna!
À sua pergunta muito directa: «Vai o Governo ou não empenhar-se em continuar com o processo?» Aqui fica a minha resposta sintética: vai!
Sr. Deputado Jorge Lacão, quanto à primeira questão que me colocou, penso que já retirou a resposta das palavras que até agora proferi.
Relativamente à questão da ratificação pelo Governo dos projectos ou dos programas de desenvolvimento regional antes de serem sancionados, gostaria de dizer-lhe que é preciso não esquecer que grande parte dos programas a aprovar, nos anos que se avizinham, vão, seguramente, continuar a ter o apoio expressivo de fundos comunitários.
Não há nenhum país na Europa que não trate de assegurar e de ratificar as propostas, em vez de deixar que os projectos parcelares das suas regiões sejam elaborados directamente em ligação com Bruxelas, todos cies constituindo uma constelação não organizada, não compatabilizada e não optimizada. Portanto, é nesse sentido que tem de haver ratificação.
Em primeiro lugar, o País não está, nem vai estar, em desagregação.
Em segundo lugar, o que vai haver é um apoio comunitário que tem de ser optimizado e articulado.
Quanto ao último aspecto que focou, devo dizer-lhe que tive ocasião de o referir, até porque estamos empenhados em encontrar uma solução de articulação dos cinco projectos de lei, desiguais em muitos aspectos, que já existem.
Quero deixar claro que não reclamo a exclusividade da bondade da proposta de lei, mas entendo que ela está bem mais próxima da ideia de uma lei de bases, uma vez que é a única que não elabora desnecessariamente.
Quanto ao resto, ou seja, às duas leis imediatas que se seguem, o Sr. Deputado pode contar com o nosso empenhamento. Há pouco, tive oportunidade de dizer isso mesmo ao Sr. Deputado Carlos Brito.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: -Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): -Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo. Srs. Deputados: É de todos sabido o contexto parlamentar em que se insere a apreciação da presente proposta de lei apresentada pelo Governo, em Novembro de 1990, três anos depois do projecto de lei de bases de regionalização do PS, praticamente dois anos após a aprovação, na generalidade, das iniciativas legislativas apresentadas pelos diversos partidos, à excepção do próprio PSD.
No entanto, há muito que desapareceram as razões de espera ditadas pelo calendário da revisão constitucional. Por outro lado, são conhecidas as consultas suscitadas aos municípios de que resultaram posições amplamente favoráveis à regionalização.
Tudo isto aconteceu num tempo em que, pela primeira vez, um partido político dispõe de condições excepcionais de estabilidade política, em resultado da sua maioria absoluta, do clima de boa cooperação institucional garantido pelo Presidente da República, da consensualidade oferecida pelos próprios partidos da oposição animados, quanto à regionalização, por idêntico espírito de reforma.
Em face do quadro tão evidentemente favorável à criação das regiões administrativas, a conclusão política é de que estas não foram criadas, porque o Governo e o PSD, manifestamente, o não quiseram, tendo, aliás, feito tudo para o impedir.
Aplausos do PS.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): -Não é verdade!
O Orador:-Conhece-se também o argumento fundamental justificativo da inércia: seria necessário desenvolver primeiro para regionalizar depois.
O argumento, que é pobre de conteúdo, é todavia rico de ensinamentos.
Ensina-nos que o Governo e o PSD têm estado para a regionalização como os regimes autoritários estão para a democracia.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Isso é demais, não é verdade!
O Orador: - É sempre necessário, segundo nos dizem, fazer primeiro o crescimento económico para só depois - depois, nunca se sabe quando! - restituir ao povo os direitos da cidadania.
Aplausos do PS.
Nos termos tradicionalmente explicados pelos responsáveis governamentais, a regionalização seria, precisamente, uma reforma que haveria de resultar por arrastamento do desenvolvimento e da modernização administrativa.
«Desenvolvei-vos e modernizai-vos» - sugere o Governo-depois, quando já fordes suficientemente ricos e razoavelmente modernos, se continuardes a achar que a
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democracia não dispensa esse luxo, paciência, que se criem então as regiões administrativas!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Do mal o menos, na fase da riqueza já poderão ser consentidas algumas inutilidades sociais - pensará o Primeiro-Ministro, enquanto vai despachando os 40 milhões de contos para o Centro Cultural de Belém.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Será caricatura, Srs. Deputados, mas reconhecerão que é uma caricatura bem genuína.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador - E é assim, possuídos pela ideia de que quanto mais longe estiver dos governados a decisão dos governantes, mais solene é o seu poder, mais dócil a predisposição para o acatar, mais remota a possibilidade de serem confrontados com os erros praticados, que os governantes malbarataram preciosos anos, energias e recursos que tão bons frutos poderiam já ter dado na causa do desenvolvimento e do combate às desigualdades.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Mas se, tudo visto e ponderado, a regionalização tem o significado até agora dado pela maioria, então, Srs. Deputados do PSD, tenham a coragem de o assumir de uma vez por todas. Enterrem, em definitivo, esta veleidade caprichosa da democracia. Declarem formalmente, em homenagem ao vosso «Estado laranja», o valor do centralismo burocrático e da eficácia conformado» das hierarquias de comando.
Aplausos do PS.
O Orador: - Pela nossa parte, conhecemos, e de há muito denunciamos, o significado das mitologias tecnocráticas acerca das eficácias sociais. São, regra geral, mais ineficazes do que se julgam e acabam sempre por resvalar do autoritarismo para o isolamento.
Se esse - como tantas vezes parece-for o caminho em definitivo escolhido pelo PSD, limitar-nos-emos, ao jeito de José Régio, a garantir que convosco n3o iremos por aí.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - Pelo contrário, se a maioria chegou finalmente à conclusão de haver elaborado em erro e, ainda que tarde, se converte ao significado da regionalização, assuma então, sem mais álibis, que doravante outra vai ser a sua conduta e outro o seu empenhamento no processo legislativo. Então, estaremos com ela!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Seria então caso, com a chegada do filho pródigo, para todos nos congratularmos.
Desta feita, a ser assim, o comboio, da. regionalização poderia então partir rumo ao seu destino, que é como quem diz, rumando pelos caminhos da descentralização, da transparência administrativa, da devolução de poderes às autarquias e aos cidadãos na luta comum pelo desenvolvimento, de foma democrática e autenticamente participada,
O Sr. José Carneiro dos Santos (PS): - Muito bem!
O Orador: - Atenção, todavia: as razões de congratulação a que me referi não se bastam com este acto de apresentação de uma-afinal apenas mais uma! - iniciativa de lei quadro da regionalização.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador:-É que, por enquanto, são mais do que justificadas as suspeitas de que o PSD outra coisa não pretenderá do que recuperar o terreno perdido junto dos eleitores.
O Sr. Manuel Moreira (PS): -Não é verdade!
O Orador: - Ao recorrer no final da legislatura a iniciativa de algum significado aparente, o PSD pode estar apenas a fomentar um jogo de ilusões pré-eleitorais, destinado a convencer os incautos de que também de se mantém presente no comboio da regionalização.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: -Conhecidas por isso as manhas do maquinista, haveremos de nos precaver contra a eventualidade de o comboio resfolegar um pouco, dar algumas apitadelas alarmistas e, todavia, permanecer imóvel na mesma estação de partida.
Aplausos do PS.
O quadro é simples de descrever: nesta hipótese, o Governo e a maioria conjuram-se para gerir a votação na especialidade da lei quadro da regionalização, de modo a evitar comprometer-se com o passo seguinte, ou seja, com a iniciativa, finalmente, inovadora de apresentação e votação de uma lei de criação das regiões administrativas.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: -Em tal cenário, infelizmente muito provável, Governo e PSD teriam consumado um perfeito acto de cinismo político. Ao transformarem a regionalização em mero pretexto de campanha eleitoral, estariam dando mais uma machadada na credibilidade que tal reforma, pelo seu alcance e profundidade, carece de ter junto dos portugueses. Sempre anunciada e sempre adiada, a regionalização, de resto, já se afigura aos olhos de muitos como uma espécie de «pena de Sísifo» da classe política. Condenados a transportar a regionalização às costas, no fardo das promessas eleitorais, os políticos estariam eternamente condenados a deixá-la rebolar pela montanha das promessas não cumpridas, por calculismo, por falta de coragem, por incapacidade para gerar soluções de geração em função de meras políticas de conjuntura.
O Sr. José Carneiro dos Santos (PS): - Muito bem!
O Orador: - Saiba, todavia, o Governo e o PSD que há quem esteja disposto e preparado para encarar a solução dos problemas do País com outra seriedade e firmeza, sabendo para isso correr os riscos necessários e não su-
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bordinando a razão de ser da sua iniciativa aos atractivos do calendário eleitoral.
Aplausos do PS.
Saiba o Governo e o PSD que, afinal, a regionalização não é um capricho democrático. Para além de constituir um imperativo constitucional, há demasiado tempo adiado, pois para o PS a regionalização representa uma condição de modernidade, transparência e eficácia da administração, de cooperação eficaz com os municípios, de reforço das condições de participação dos cidadãos na vida pública, de relançamento de um novo dinamismo da sociedade civil, susceptível de gerar um desenvolvimento mais equilibrado entre as várias regiões do País.
As distorções e as assimetrias do País real, tal como se nos apresentam, são impressionantes e falam por si.
Apenas em 15 % do território estão hoje concentrados 60 % da população, 80 % do total do volume do emprego industrial e 75 % do terciário.
Enquanto dos 18 distritos do continente, em cinco deles se regista crescimento demográfico, em todos os demais a população continua a diminuir e a envelhecer com perdas significativas do volume do emprego aí gerado e progressiva desertificação humana do conjunto do território nacional.
Tais tendências, que o Governo nos prometeu contrariar, designadamente através de uma utilização racional dos recursos provindos da CEE, não deram mostras de melhoria, continuando, pelo contrário, a agravar-se. Agravam-se à medida que se agudizam os aspectos ligados à desregulação da estrutura económica e à debilidade do nosso modelo de especialização produtiva, que predominantemente continua virado para as indústrias tradicionais, a utilização das baixas tecnologias e a utilização de mão-de-obra barata; à medida que aumentam os riscos de degradação do ambiente e dos recursos naturais; à medida que se acentuam as desigualdades sociais e as várias regiões do País conhecem níveis de crescimento inteiramente contraditórios.
O Sr. José Gameiro dos Santos (PS): - Muito bem!
O Orador: - Não é este ainda o momento da avaliação em detalhe dos efeitos da aplicação em Portugal do chamado Plano de Desenvolvimento Regional, em tomo do qual se está a processar o essencial do investimento público articulado com os fundos estruturais de origem comunitária. Acreditamos que o Governo e o PSD estão certamente agora a ponderar o convite do PS para que tal debate tenha lugar, na Assembleia da República, o mais rapidamente possível.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - No entanto, é desde já notório que parte muito significativa dos objectivos iniciais estuo drasticamente comprometidos e que os falhanços em muitas áreas de aplicação do Plano de Desenvolvimento Regional se verificam, justamente, com gravíssimo prejuízo para o desenvolvimento equilibrado das regiões portuguesas e o combate às assimetrias regionais existentes.
Tais problemas, que determinam profundamente a estrutura económica nacional, marcam aspectos essenciais da coesão económica e social, influenciam os critérios de um correcto ordenamento do território, que deveriam preponderar no debate público nacional, continuam, infelizmente, a ser sacrificados no altar do Estado espectáculo, encobertos pelo fumo das acções de propaganda intensivamente levadas a cabo pelo Governo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Basta ver a conduta recente do Primeiro-Ministro que prefere semear a esmo, em romarias de fim-de-semana, protocolos de compromissos a realizar no futuro do que a governar o País com critérios de autenticidade e de justiça.
Aplausos do PS.
É, pois, neste ambiente de indisfarçável colorido eleitoralista que o Governo e o PSD nos brindaram com a sua lei quadro da regionalização. Suspeito de que se pretenderá mudar agora alguma coisa para que, afinal, mais uma vez, tudo fique na mesma.
Resta-nos, no entanto, como pessoas de boa-fé, conceder o benefício da dúvida.
Pretendo, pela minha parte, conceder esse beneficio quanto à possibilidade de o PSD vir, finalmente, a admitir criar as regiões administrativas.
O PS, pela sua parte, e como é por todos sabido, assumiu a regionalização como uma reforma prioritária no plano da organização democrática do Estado.
O Sr. Manuel Moreira (PS):-Só agora, quando esteve no Governo não o fez!
O Orador: - Trata-se de uma prioridade efectiva, de uma manifestação inequívoca de vontade política alicerçada na apreciação serena e ponderada do interesse nacional, assente na convicção de que o nosso Estado, democrático quanto às instituições, é ainda largamente bonapartista, centralizado e burocrático quanto aos métodos, carecendo por isso de ser actualizado de acordo com uma nova visão das relações entre os vários poderes democráticos, os cidadãos e a sociedade no seu conjunto.
Para o PS a regionalização representa uma aposta muito séria de repartição de poderes, não sendo, todavia, as regiões entendidas como instituições de contra poder ou de poder paralelo. Tais visões, onde quer que se manifestem, não terão o acolhimento dos socialistas, apostados, como estamos, em reforçar os laços de solidariedade nacional, desenvolvendo, em consequência, soluções de co-respon-sabilização e interdependência na partilha social das decisões e das responsabilidades.
Queremos as regiões, porque queremos unir o País em torno de melhores condições de vida para todos os portugueses, em todos os pontos do território nacional.
Porque esse é o nosso, objectivo, estamos naturalmente inconformados com o amorfismo da maioria.
Porque esse é o nosso objectivo, assumimos plenamente uma política de verdade e empenhamo-nos, com inteira sinceridade, no propósito de criar as regiões administrativas, se possível, até ao final .da presente legislatura.
Aplausos do PS.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho o gosto e a honra de vos anunciar, em nome do Grupo Parlamentar do PS, a apresentação de um projecto de lei de criação das regiões administrativas no continente, que, de seguida, entregarei na Mesa.
Aplausos do PS.
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De uma forma global, nele se definem igualmente os princípios, os poderes, a composição, as competências. o funcionamento e a eleição dos órgãos das regiões.
Trata-se, seguramente, do mais significativo impulso dado até hoje à causa da regionalização.
Aplausos do PS.
Ao tomarmos a iniciativa, fazemo-lo empenhados na realização de uma reforma de largo alcance, capaz de permitir, de modo mais justo e equilibrado, o pleno aproveitamento das potencialidades nacionais, a começar pela valorização do homem e do seu papel activo numa democracia aberta e participada.
Fazemo-lo, por isso, em espírito de inteira abertura ao diálogo e disponíveis para um trabalho de consenso ou que, em qualquer caso, contribua para que as soluções finais sejam o resultado de uma opção por todos ponderada e por iodos conscientemente tomada.
Quatro princípios fundamentais marcam o modelo de criação das regiões que ora apresentamos e que permitem configurar algumas soluções evolutivas: a compatibilização da existência de regiões do litoral com a existência de regiões do interior, a formação das regiões por agregação de distritos, na observação do significado cultural das antigas províncias; a previsão das áreas metropolitanas, de Lisboa e do Porto, como instituições de natureza associativa susceptíveis de decisão autónoma quanto à sua modalidade de integração no quadro regional; a agregação final das zonas de fronteira regional mediante processo de consulta aos respectivos municípios e em atenção às suas particulares realidades económicas e sociais.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Conhecemos a complexidade e os melindres do processo de criação das regiões administrativas. Não viramos, todavia, a cara as dificuldades, não fazemos das dificuldades pretextos de omissão, não nos demitimos dos saudáveis desafios de construir o futuro no presente, pela nossa parte, não remeteremos para amanhã responsabilidades que são de hoje e por isso não devem ser adiadas por mais tempo.
Aplausos do PS.
Quanto à proposta de lei, agora em apreciação, devo dizer, sem forçar a nota, que a mesma está eivada de um pecado originário que, pela nossa parte, tentaremos que se não transforme no pecado mortal. Na óptica do Governo, as regiões acabariam por ser tão-só uma espécie debilitada de comissões de coordenação regional, em tudo e por tudo, subordinadas à ratificação governamental, em tudo e por tudo, asfixiados às estratégias do poder central.
Sucede que, nos termos da Constituição, as regiões são autarquias locais e as autarquias gozam de autonomia própria ainda que de natureza administrativa. Ao desvalorizar o princípio o Governo subverte a vocação constitucional das regiões e compromete, drasticamente, o sen estatuto na organização democrática do Estado.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - Confio, porém, que muito se poderá remediar em sede de especialidade, sobretudo, agora, que o PSD - certamente não deixará de ter como referencia o projecto do PS, pioneiro, em muitos aspectos, de criação das regiões administrativas.
Por isso, salvaguardadas todas as reservas até à apreciação do resultado final, admitimos votar favoravelmente, na generalidade, esta proposta de lei. Deve 'o nosso voto entender-se, sobretudo, como prova de empenhamento na concretização do processo legislativo perdido há demasiado tempo no limbo em que o PSD deposita todas as iniciativas incómodas para o seu governo.
É em nome desse empenhamento, de que o resultado dele acaba de ser a nossa iniciativa de criação das regiões, e com a autoridade política que tal facto nos confere, que vos interpelamos agora. Srs. Deputados do PSD. para que neste debate declarem: a vossa posição definitiva quanto ao calendário de criação das regiões administrativas, e o compromisso, que seria sem dúvida de significado histórico, de que vamos, nesta legislatura, diligentemente, aprovar a lei de bases da regionalização para que. nesta legislatura, aprovemos ainda a lei de criação das regiões administrativas.
Pela parte do PS, a declaração é simples: estamos inteiramente preparados para tudo o que falta fazer!
Aplausos do PS.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): -Não estão não!
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.
O Sr. Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Maria Teixeira.
O Sr. João Maria Teixeira (PSD): -Sr. Deputado Jorge Lacão. ouvi com muita atenção a intervenção de V. Ex.ª e gostaria de fazer-lhe algumas perguntas.
V. Ex.ª centrou, sobretudo, a sua intervenção no ataque ao PSD e ao Governo pelo atraso em todo este processo, acusando-nos de boicote, confundindo este com o espírito e a necessidade de reflexão.
Assim, sem mais comentários, limitar-me-ei a fazer uma citação.
«Conscientes de que o processo de regionalização comporta riscos, representa obra profunda e complexa, exigindo anos e anos de esforço e de construção e se destina a alterar,», ao longo de uma geração,..! os socialistas entendem que tão importantes reformas devem ser encaradas simultaneamente com audácia e com prudência, o que obriga a que se obtenha um larguíssimo consenso político capaz de constituir um sólido alicerce para a verdadeira reforma administrativa.»
O Sr. Armando Vara (PS): -Muito bem! O Sr. Rui Ávila (PS): - Apoiado!
O Orador: - Sr. Deputado, oiça até ao fim!
Mais adiante, diz-se: «Alguns aspectos da regionalização são ainda controversos, pelo que se exige ponderação e, sobretudo, audição dos interessados, cidadãos e autarquias. Na nossa perspectiva é de elementar sensatez avançar-se com cuidado num processo que está longe de ser muito conhecido e que pode admitir múltiplas soluções...»
O Sr. Rui Ávila (PS): - Mas não se esqueça que é preciso avançar!
O Orador:-Faço aqui um aparte só para dizer ao Sr. Deputado Armando Vara que nós não confundimos prioridade com precipitação.
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O Sr. José Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador-É que nunca tivemos o atrevimento de nos sobrepormos às populações nem de as substituirmos na definição de regiões, nem nunca mandámos abrir concurso público para fabricar bandeiras de possíveis regiões que as populações ainda nem sabem se são as que desejam.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador:-Continuo a responder ao Sr. Deputado Jorge Lacão que também criticou o Governo por este defender o princípio de desenvolver primeiro para regionalizar depois, descentralizando em simultâneo.
Assim, quero citar uma outra pessoa que é muita cara a vós. socialistas. Trata-se do Sr. Presidente da República, Dr. Mário Soares, que, em 1986, dizia, entre outras coisas: «Trata-se de uma questão complexa para a qual deve avançar-se com prudência...»
O Sr. Rui Ávila (PS): - Mas é preciso avançar! 1986 foi há cinco anos!
O Orador: - Sr. Deputado, avançar com prudência não é ir a deslizar pela ladeira abaixo para querer já a definição das regiões. É que os senhores não só querem já a lei de bases da regionalização, como também as regiões até ao fira do ano. Só que parece que o que os senhores querem não é o mesmo que querem as populações. Aliás, basta olhar para as galerias vazias!
O Sr. José Sócrates (PS): - O Sr. Deputado está enganado!
O Orador: - Citando ainda o Sr. Presidente da .República: «A descentralização e o desenvolvimento regional são evidentes factores de progresso que devem anteceder a regionalização.»
Assim, gostaria que o Sr. Deputado ponderasse e comparasse, em termos de coerência, a sua intervenção com estas afirmações de socialistas, membros do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.
O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Deputado Jorge Lacão, ouvi-o atentamente e, descontando alguns aspectos de natureza política e laudatórios relativamente ao Partido Socialista em matéria de regionalização, devo dizer-lhe que a sua intervenção não me pareceu má..
De qualquer forma, gostaria de dizer-lhe que nesta guerra de definir quem tem impedido a regionalização nestes 15 anos, pela minha parte, contabilizo pelo menos seis anos ao Partido Socialista quanto a emperrar e obstaculizar o processo de regionalização, a saber no I Governo Constitucional; no período do governo do bloco central, entre 1983 e 1985. em que parece que o Partido Social--Democrata queria avançar e o Partido Socialista, é que não o deixava;...
O Sr. Rui Ávila (PS): - Ao contrário! . .
O Orador: -... e no período entre 1985 e 1987, este vivido por mim próprio nesta Assembleia, durante o qual, contra a vontade do Partido Renovador Democrático e a do PCP, o PS criou os maiores obstáculos ao avanço do processo de regionalização. Portanto, durante, pelo menos, seis anos.
Há uma outra questão, de natureza mais técnica, que lambem gostaria de colocar-lhe, a qual tem a ver com o facto de, hoje, finalmente, o PS ter formalizado a sua proposta de delimitação de regiões. E fê-lo de uma forma que me agrada e me apraz registar, em grande conformidade com uma proposta de delimitação - essa, sim - apresentada pelo Partido Renovador Democrático, há cerca de quatro anos e meio, em 1986. A fundamentá-la, esta proposta fazia uso de dois conceitos que eram o da dicotomia entre o litoral e o interior e o das próprias províncias como base da constituição e da delimitação regional.
Repito que me apraz registar este facto e também que, finalmente, o Partido Socialista tenha aderido às nossas teses, mas pergunto porque demoraram quatro anos e meio para chegarem a uma conclusão a que o nosso partido já tinha chegado em 1986. Terão precisado de estudar, de ouvir o Pais, etc., mas essa é precisamente a crítica que vos ouvi fazerem ao Partido Social-Democrata.
Assim, gostaria de saber a vossa opinião sobre isto, dado que, naturalmente, todos podemos fazer as críticas que forem necessárias mas, em meu entender, temos de- ser coerentes nas apreciações que fazemos.
O Sr. Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): -Sr. Deputado Jorge Lacão, o processo de regionalização pode ser abordado de um ponto de vista sério ou de um ponto de vista folclórico ou demagógico. Ora, numa matéria de Estado tão complexa como esta, o PSD opta claramente pela primeira hipótese, querendo abordar o problema de uma forma séria e serena, procurando dar o seu contributo para que o processo de regionalização se faça de acordo com a vontade do Pais real.
A dada altura da sua intervenção, o Sr. Deputado Jorge Lacão diz que o PS assume este processo como uma das grandes prioridades da reforma do Estado. Assim, pergunto ao Sr. Deputado o seguinte: se considera que esta é uma matéria muito prioritária para o PS, então, quando o seu partido esteve no governo -e presidiu a mais de um. porque é que também não a considerou prioritária nessas alturas? Em matéria de criação de regiões administrativas que fez o PS?
É que, se bem nos recordamos-e nós no PSD temos memória, coisa que parece não existir na bancada do Partido Socialista-, nos governos a que presidiu, designadamente no último, o PS apenas se limitou a fazer duas coisas. Primeiro, propôs a criação de uma comissão que pudesse proceder à avaliação dos custos da regionalização e, segundo, criou três secretarias de Estado, sediadas no Porto, que reuniam nesta cidade mas decidiam em Lisboa.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - De concreto, da parte do PS não há mais nenhum facto real que tivesse levado à regionalização do Continente, comportamento diferente do do Partido Social-Democrata que, para além de um discurso político coerente, tem também, desde 1976, uma prática política a favor da descentralização, da desconcentração de poderes para as autarquias locais, tendo ainda uma obra válida em
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matéria das autonomias regionais da Madeira e dos Açores, que muito nos orgulha.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador:-Pergunto também ao Sr. Deputado Jorge Lacão se, nesta matéria tão complexa, não entende que temos de estar de acordo com a vontade real e genuína das comunidades regionais. Qual é a opinião de muitos dos autarcas socialistas, talvez até os mais relevantes autarcas do seu partido, sobre a criação para já das regiões administrativas, como hoje, aqui, nos anunciou com a apresentação do projecto do PS de institucionalização das regiões administrativas até ao Mm desta Legislatura?
Vejamos, então, alguns casos de opiniões dos autarcas socialistas.
Vejamos a do actual presidente da Câmara Municipal de Coimbra, Manuel Machado, que, muito recentemente, declarava ao jornal O Primeiro de Janeiro: «Entendo ser preciso reforçar o poder dos municípios para avançar em crescendo para as regiões, não sendo, por isso, defensor da regionalização já e, muito menos, de regiões criadas à régua e ao esquadro.»
Continuando, ouçamos também a opinião do Sr. Presidente da Câmara Municipal de Braga, engenheiro Mesquita Machado, que também diz ser preciso ter cuidado: «É evidente que defendemos a regionalização para todos e com todos, mas com cautelas necessárias para que não sejam criados outros "Terreiros do Paço", como parecem apontar algumas iniciativas legislativas.» Se calhar, este vosso camarada estava a referir-se ao projecto que o Partido Socialista hoje nos apresenta nesta Câmara...
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Estes são soaristas!
O Orador: - Oiçamos, ainda, a opinião importante do Sr. Presidente da Câmara Municipal de Felgueiras: «A regionalização para já seria um desastre.»
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Mais um soarista!
O Orador: - Oiçamos, agora, a opinião de outro presidente de câmara que penso ser até uma das principais figuras autárquicas do Partido Socialista, o Sr. Presidente da Câmara Municipal do Porto, Fernando Gomes: «Estou contra a divisão regional proposta pelo Partido Socialista.»
Estas são algumas das opiniões importantes de autarcas que representam populações - caso contrário não teriam sido eleitos por estas-sobre a regionalização e o projecto de lei que o Partido Socialista hoje nos apresenta.
Sr. Deputado Jorge Lacão, qual é, efectivamente, a opinião do Partido Socialista quando, na nota justificativa do seu projecto de lei quadro das regiões administrativas, diz: «... conscientes de que o processo de regionalização comporta riscos, representa obra profunda e complexa, exigindo anos e anos .de esforço e de construção e se destina a alterar, ao longo de uma geração, a fisionomia do País....»?
Sr. Deputado Jorge Lacão, pergunto-lhe: uma geração terá apenas cinco anos?
Aplausos do PSD.
Uma voz do PSD: - É o cartão jovem!
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É a mentalidade infantil!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Silva Marques, a Mesa gostaria de saber se, ao ter levantado a mão várias vezes, desejava também inscrever-se para pedir esclarecimentos.
O Sr. José Silva Marques (PSD): -Não, Sr. Presidente, era para dizer que os autarcas socialistas que foram citados eram nitidamente soaristas.
Risos do PSD.
O Sr. Presidente: - Então, para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): -Sr. Deputado João Maria Teixeira, enquanto fazia aquelas longas citações, no essencial referentes à conveniência de avançar com cuidado para a regionalização, eu próprio estava muito curioso em. saber qual seria o socialista que tinha proferido as afirmações que citou e nas quais me revejo. Assim, fiquei muito satisfeito por ficar a saber que se tratava do Pré- sidente da República de Portugal.
Sr. Deputado Carlos Lilaia, naturalmente, compreenderá que, nesta ocasião, o meu propósito político fundamental não seja o de vir a esta sede revistar a História: De facto, o meu propósito fundamental foi o de vir aqui contribuir para construir o futuro. É nessa perspectiva que me coloco.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Congratulo-me por considerar que as soluções avançadas pelo projecto de lei do PS são susceptíveis de merecer consensualidade, designadamente da sua pane. Como referi, estamos abertos a trabalhar na via do consenso e, por isso mesmo, me congratulo.
Sr. Deputado Manuel Moreira, consigo o debate é sempre muito interessante. É que, em vez de procurar justificar, com alguma racionalidade, as contradições sistemáticas do PSD, o Sr. Deputado faz, por sistema, fugas para a frente, as quais têm sempre os seus aspectos de delírio.
Referiu-se às prioridades passadas do PS...
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Demonstrei as incongruências do PS!
O Orador: - Devo dizer ao Sr. Deputado Manuel Moreira que o Partido Socialista, quanto ao seu passado, se orgulha de ter contribuído decisivamente para a construção do Estado democrático,...
Vozes do PSD: - Nós também!
O Orador: -... para a estabilidade social do País, para o equilíbrio económico e financeiro, para fazer sair o País da bancarrota em que os senhores o colocaram...
Protestos do PSD.
... e para garantir a integração de Portugal na Comunidade Económica Europeia.
Aplausos do PS.
Entretanto, houve eleições em 1985 e 1987 e proximamente haverá também eleições. Desde 1985 que não estamos no Governo e que os senhores governam Portugal.
Protestos do PSD.
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E desde 1987 que governam Portugal em condições...
O Sr. Manuel Moreira (PSD): -E antes não havia condições?
O Sr. Narana Coissoró (CDS): -Sim, já estavam lá desde 1979!
O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados o favor de criarem condições para que o orador use da palavra sem interrupções.
O Orador: - Tinha pensado-ingenuidade minha! - que o Sr. Deputado Manuel Moreira colocava questões ao PS para saber as respostas, mas, no fundo, a sua bancada outro propósito não tem do que procurar, com a tradicional chicana parlamentar, obstruir a racionalidade do debate parlamentar.
Aplausos do PS.
Desde 1985 que os senhores estão no poder e desde 1987 que gozam de condições excepcionais de estabilidade política, com maioria absoluta, com a garantia da cooperação institucional dada pelo Presidente da República e com a própria disponibilidade de cooperação dos partidos da oposição, que convergem quanto ã necessidade nacional da regionalização.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Vamos a isso. Sr. Deputado!
O Orador: - Os senhores, sim, delapidaram inteiramente um património político único na democracia portuguesa e revelaram total incapacidade para assumir as vossas responsabilidades.
Aplausos do PS.
Quero, finalmente, deixar uma breve nota quanto à sua alusão aos autarcas socialistas. O Sr. Deputado Manuel Moreira referiu-se a declarações, fora do contexto, de três presidentes de câmara do PS.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Não, não! Forneço--lhe as cópias, se quiser!...
O Orador: - O Sr. Deputado Manuel Moreira esqueceu-se de que no Partido Socialista existem 120 presidentes de câmara municipal. Quando aqui quiser apresentar o conjunto das declarações feitas pelos autarcas do PS, então, nessa altura, poderemos conversar.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): E os que referi, não são autarcas?
O Orador: - Mas sempre lhe direi que a assitir a este debate-e os senhores, que tanto invocam a assistência nas galerias, gostarão de o saber - está presente, testemunhando o apoio dos autarcas do PS, o presidente da associação dos autarcas socialistas, para garantir a total coesão do Partido Socialista em tomo de uma reforma essencial.
Aplausos do PS.
Reforma essencial essa que visa garantir uma descentralização que permita uma articulação adequada entre os poderes do Estado e o reforço dos poderes dos municípios.
Aplausos do PS.
O Sr. José Puig dos Santos Costa (PSD): - E os que foram referidos, onde é que estão?
Vozes do PSD: - Onde está o Fernando Gomes?
Pausa.
O Sr. Presidente:-Peço aos Srs. Deputados o favor de fazerem o possível silêncio não só para que o orador se possa fazer ouvir como também para que os competentes serviços da Assembleia tenham possibilidade de registar todos os apartes para que constem do Diário.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado Jorge Lacto.
O Orador - Isto faz lembrar uma equipa de futebol a jogar sem bola, com todos entretidos a ralhar com o árbitro só por não saberem marcar golos.
Risos.
A situação é, em síntese, a seguinte: alguns autarcas do Partido Socialista têm manifestado preocupações no sentido de que a regionalização não venha a condicionar os poderes dos municípios. Foi o próprio Grupo Parlamentar do PS que aqui apresentou um projecto de lei quadro de novas atribuições e competências para os municípios e um projecto de nova lei das finanças locais para garantir a todos os autarcas, sem excepção, que a autonomia dos municípios em Portugal será inteiramente salvaguardada.
Nesta matéria, como em todas as outras,- continuamos na expectativa de conhecer a posição do PSD e do Governo, pela simples razão de que, nesta matéria, como em todas as outras, não têm qualquer posição.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo. Srs. Deputados: Estamos hoje a repetir um debate feito há três anos em tomo dos seis projectos de lei então apresentados sobre a lei quadro da regionalização. Foi em 17 de Maio de 1988.
O debate culminou com a aprovação de um requerimento incumbindo a Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente de preparar, nos termos constitucionais e no prazo de um mês, uma consulta às assembleias municipais sobre os referidos projectos de lei. A consulta deveria estar concluída até Novembro e o respectivo relatório de síntese enviado ao Plenário até 31 de Dezembro desse ano de 1988.
A consulta foi realizada. Cerca de 60 % do total das assembleias municipais, representando 80 % dos cidadãos eleitores, pronunciaram-se a favor da regionalização. No conjunto das respostas, apenas duas assembleias municipais se pronunciaram contra e três ou quatro deram respostas confusas ou abstiveram-se quanto à posição a tomar. A Associação Nacional dos Municípios Portugueses e a ANAFRE pronunciaram-se por diversas vezes a favor do avanço do processo de regionalização.
Na Assembleia da República realizou-se, em Janeiro de 1989, um colóquio parlamentar em que participaram autarcas, professores universitários, membros das comissões de coordenação regional (CCR) e diversos técnicos e especialistas que, em conjunto com os deputados, analisaram e debateram toda a problemática da regionalização.
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Mas o PSD continuou a usar todos os expedientes para protelar o processo legislativo.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Não 6 verdade!
A Oradora: - Só um ano depois, em 27 de Abril de 1989, é que os projectos de lei foram votados na generalidade por unanimidade. É que estávamos em vésperas de eleições para o Parlamento Europeu...
Mesmo assim, o PSD deixou de fora o seu próprio projecto e o pretexto para novos protelamentos, como aconteceu. Sucederam-se as desculpas: a revisão constitucional, a necessidade de conhecer as experiências estrangeiras, as visitas dos deputados da respectiva comissão parlamentar a trás países (Espanha, Franca e Bélgica).
Quando - não havia mais desculpas, iniciou-se a preparação do debate na especialidade.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Bem lembrado!
A Oradora:-E o grupo de trabalho, coordenado por um deputado do PSD, chegou a elaborar 18 artigos da futura lei quadro da regionalização com base nos cinco projectos de lei já aprovados na generalidade e ainda no projecto de lei do PSD que não chegara a ser votado, por ter sido retirado de votação pela maioria parlamentar. Estávamos em Outubro de 1990. Há ano e meio que os projectos de lei tinham sido votados na generalidade. Já não havia mais desculpas para travar o processo. .
Foi então que o Governo se lembrou que era relapso e anunciou um novo pretexto para adiamento do processo: apresentar uma proposta de lei quadro da regionalização na Assembleia da República. Fê-lo em 28 de Novembro de 1990. E tudo parou novamente. O grupo de trabalho encarregado de preparar o debate na especialidade da lei quadro da regionalização não voltou a reunir porque o coordenador do PSD considerou que já não valia a pena. Havia a proposta de lei. Passou mais cerca de meio ano com o processo paralisado.
Pelo meio ficaram as recusas das múltiplas iniciativas do PCP e de outros partidos no sentido de desbloquear o processo legislativo, de entre as quais salientamos a proposta de calendário trazida à votação em princípios de Novembro do ano passado, mas «chumbada» pelos votos do PSD.
Não pode deixar de ser referido também o abaixo--assinado de muitas centenas de cidadãos empenhados na regionalização, entre os quais numerosos autarcas, entregue ao Presidente da República pela Comissão Coordenadora da CDU, em que se pedia que suscitasse a inconstitucionalidade por omissão do processo de regionalização.
Estamos novamente em vésperas de eleições. Há um programa do Governo para cumprir com um atraso de três anos e «tal».
Há os compromissos eleitorais do PSD, que fez da regionalização um dos temas centrais da sua campanha de 1987. Há a opinião pública a exigir que o processo avance.
Só que, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, não basta hoje cumprir o ritual de mais um debate na generalidade. É necessário completar o processo de preparação do debate na especialidade tendo por base os projectos de lei já votados e a proposta de lei agora em debate e é preciso agendar o- debate e votação na especialidade para que o Plenário não encerre os seus trabalhos sem que o processo legislativo fique completo, sob pena de se perder o trabalho de quatro anos e de se frustrar a expectativa criada na opinião pública. Já chega de folhetim!
Aplausos do PCP e do deputado independente Raul Castro,
É tempo de o PSD cumprir os três pressupostos essenciais que enuncia na exposição de motivos da proposta de lei: uma política de descentralização que aproxime o poder e a capacidade de decisão dos cidadãos e dos agentes de desenvolvimento que dela carecem; uma política de desenvolvimento regional que combine as acções de valorização dos recursos endógenos com medidas concretas de política regional; finalmente, uma racional divisão regional do País.
É tempo de cumprir, os preceitos constitucionais que criam as regiões administrativas e as dotam de órgãos e de atribuições e competências próprias, completando assim a organização democrática do Estado.
O atraso é de 15 anos. Não pode continuar!
O Sr. Lino de. Carvalho (PCP): -Bem lembrado!
A Oradora: - Como chamava a atenção, no colóquio parlamentar sobre regionalização, o engenheiro-Braga da Cruz. sucessor do Sr. Ministro Valente de Oliveira na CCR do Norte, sé sintomático que os Estados membros que possuem a totalidade do seu território incluídos no objectivo n.º l do Regulamento Quadro da Reestruturação dos Fundos Estruturais, o que se refere às ajudas às regiões com maiores atrasos estruturais, são precisamente aqueles que não implementaram ainda o seu processo de regionalização, a saber, a Grécia, a Irlanda e Portugal. Justifica-se, portanto, a opção regional para atingir estádios de desenvolvimento mais avançados». Estávamos, então, em Janeiro de 1989.
Seguiu-se todo o processo de elaboração do Plano de Desenvolvimento Regional no âmbito do Quadro Comunitário de Apoio e os milhões de contos de investimentos a realizar com a comparticipação de fundos comunitários até 1993, distribuídos e geridos pelo poder central através dos seus tentáculos que são as comissões de coordenação regional, mesmo quando implicam a comparticipação das autarquias locais, que assim ficam na dependência de órgãos centralizadores, as CCR.
As populações, as forcas vivas das regiões são afastadas do processo, porque as regiões não foram criadas, com todos os prejuízos decorrentes da dificuldade de compatibilização das diversas políticas sectoriais, regionais e locais.
Quanto não perdeu o País com a não regionalização? Perdeu muito. Mas p PSD sacrificou os interesses do País aos interesses partidários e das suas clientelas.
O Sr. Manuel Moreira (PSD):-Não é verdade!
A Oradora: -É preciso quê o não continue a fazer. Aplausos do PCP.
Até num texto do Governo, denominado documento de trabalho em tomo do chamado Piano Nacional de Política do Ambiente, se afirma, a propósito das necessárias políticas de desenvolvimento regional e de ordenamento do território, que suma futura regionalização promoveria por ela própria um processo de reierarquização de centros urbanos, em primeiro lugar pela descentralização dos
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órgãos de decisão política e serviços administrativos associados, mas também pela nova dinâmica sócio-económica no processo de desenvolvimento das regiões», concluindo que «a regionalização merece uma especial referencia pelo papel a desempenhar na evolução positiva do actual quadro de polarização urbana, além de permitir a constituição de um nível de decisão que, a exemplo do que se passa em muitos outros países, se toma basilar para a implementação eficaz de uma política de ambiente e de recursos coerente». Então por que esperamos, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo?
As vantagens da regionalização suo hoje reconhecidas aos mais variados níveis. Agentes económicos, autarcas e especialistas de iodas as correntes político-paradárias se têm pronunciado a favor da regionalização, convencidos de que assim se favorecerá o desenvolvimento da democracia participativa e de aproximação do poder das populações, constituindo um factor de desenvolvimento regional e promoção da igualdade de oportunidades e justiça social e um elemento enríquecedor e dinamizador do aproveitamento das capacidades humanas, históricas e culturais das comunidades locais.
Só a direcção do PSD insiste em bloquear a regionalização e- em manter todos os poderes numa centralização abusiva e inconstitucional, porque quer continuar a usar os dinheiros públicos como se fossem pertença sua e não do País.
É uma situação que não pode continuar.
Quanto à análise da proposta de lei em apreço, é necessário começar por clarificar que há uma afirmação falsa no seu preâmbulo. É que o Governo afirma que esta é a única iniciativa legislativa que se acha em consonância com as alterações que a revisão determinou em matéria relativa às regiões administrativas.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - É verdade!
A Oradora: - É uma afirmação falsa,. Sr. Deputado, porque o PCP apresentou, em Setembro de 1989, propostas de substituição ao seu projecto com vista h sua adaptação ao novo texto constitucional, que até foram tidas em conta pelo grupo de trabalho quando iniciou a preparação do debate na especialidade. O Governo só apresentou a sua proposta de lei quadro das regiões administrativas um ano depois, em Novembro de 1990.
O Governo, como se vê, anda muito distraído, mas alguns deputados do PSD também.
A segunda observação a fazer é a de que o texto do preâmbulo não está conforme com o articulado apresentado, o que é verdadeiramente escandaloso e revela a superficialidade e a irresponsabilidade com que da parte do Governo se aborda a questão da regionalização. Saliente-se que não se trata de diferenças de estilo ou de gralhas de dactilografia, mas de contradição nas soluções propostas em matérias importantes.
Por exemplo: enquanto o preâmbulo preconiza a eleição do presidente da junta com poder para escolher os restantes membros, escolha esta sujeita a ratificação pela assembleia regional, o articulado estabelece a eleição do órgão no seu todo; enquanto o preambulo anuncia a possibilidade de aprovação de moções de censura construtivas, o articulado estabelece o quadro de moções de censura com os efeitos da demissão da junta e da realização de novas eleições. De qualquer modo, é no conteúdo da proposta de lei que estão as questões mais graves: ao conceber as regiões administrativas como entes menores e suspeitos; ao criar
numerosos expedientes de obstrução ao processo de regionalização; ao insistir na ingerência constante do Governo nas regiões e na reconfiguração do governador regional, poderoso instrumento de centralização do Estado, além de recorrer a soluções de duvidosa constitucionalidade ou mesmo de frontal inconstitucionalidade.
É que o Governo considera que, se for obrigado, por pressão da opinião pública, a aprovar uma lei quadro da regionalização, deve desde já salvaguardar a continuação da sua ingerência e controlo das regiões, ao contrário do que é proposto no projecto do PCP e na generalidade dos projectos de lei já aprovados.
São particularmente gritantes as propostas que faz quanto à sujeição dos Planos de Desenvolvimento Regional a ratificação governamental (artigo 19.º), quando a Consumição atribui essa competência às regiões administrativas e a proposta de lei reserva para definição por decreto-lei do Governo toda a matéria relativa ao funcionamento e competência dos órgãos regionais, ao arrepio do texto constitucional, que estabelece que estas matérias são definidas por lei da Assembleia da República.
O mesmo se passa quando a proposta faz depender de decretos-leis do Governo, designadamente os princípios normativos do Plano Regional, as condições de celebração de contratos-programa e a transferência de serviços da administração central para a regional.
A figura do governador regional é, no entanto, um dos aspectos mais graves da proposta de lei e, como já disse, não tem qualquer acolhimento nos projectos dos partidos da oposição já aprovados na generalidade.
Os traços definidores desta figura confirmam da parte do Governo as suas concepções centralistas e redutoras dos direitos das regiões, ao atribuir-lhe inconstitucional e ilegalmente vastos poderes, designadamente o poder de arbitrar conflitos de competência entre órgãos autárquicos, o que a Constituição claramente reserva aos tribunais; os poderes de, como autoridade policial, requisitaria intervenção da força armada, o que é manifestamente inconstitucional; e poderes excepcionais sem casos de extrema urgência», sem contornos nem limites e fora do enquadramento dos casos constitucionalmente previstos.
A memorização e suspeição governamental em relação às regiões é patente em todo o articulado, nomeadamente quando reduz e esvazia a competência dos seus órgãos, designadamente da assembleia regional, ou quando, invocando o princípio da subsidiariedade, entala as regiões, com um papel secundário, entre o Estado e os municípios.
Mas, não satisfeito com tudo isto, o Governo ainda pretende estabelecer novos obstáculos ao avanço da regionalização, exigindo a maioria absoluta de cada assembleia municipal para a aprovação da instituição da região administrativa e estabelecendo o prazo mínimo de um ano para nova consulta às assembleias municipais, no caso de o primeiro não ter produzido um resultado positivo.
Por último, a proposta de lei estabelece o prazo de 180 dias, após a primeira eleição da assembleia regional, para a transferência pelo Governo dos meios necessários ao funcionamento da região administrativa. Isto é, parece que o Governo quer saber primeiro a cor dos eleitos e ver depois como fará a transferência.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - É importante que o Governo desde já reconheça a fragilidade da sua própria proposta e se disponibilize para que no debate na especialidade possam
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ser encontradas as soluções que, respeitando o texto constitucional, dignifiquem as regiões administrativas.
Não esqueçamos- que há projectos de lei dos vários partidos aprovados na generalidade que têm de ser tidos em conta no debate na especialidade.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: -Em coerência com as suas posições de sempre, o PCP tudo fará para que chegue muito breve o dia em que fique definitivamente aprovada a lei quadro das regiões administrativas e se possa passar à fase seguinte.
Aplausos do PCP e do deputado independente Raul Castro.
O Sr. Presidente: - Pára pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Maria Teixeira.
O Sr. João Maria Teixeira (PSD): - Sr.ª Deputada lida Figueiredo, disse V. Ex.ª que o coordenador do grupo de trabalho-neste caso eu próprio - não terá reunido o grupo após, em Novembro, a proposta de lei em causa ter dado entrada.
A Sr.ª lida Figueiredo (PCP): -É verdade!
O Orador: - É verdade. Só que as verdadeiras razoes n3o foram as que a Sr.ª Deputada invocou. É que, exactamente por ter sido apresentada a proposta de lei, não fazia sentido que o grupo de trabalho estivesse a produzir trabalho com base nos projectos já existentes,...
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Mas foi o que eu disse
O Orador: -... uma vez que, depois, teria de alterar tudo a partir do momento em que a proposta fosse aprovada, para considerar na globalidade os projectos e a proposta.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr.ª ILda Figueiredo (PCP):-Sr. Deputado João Maria Teixeira, agradeço-lhe a confirmação daquilo que afirmei, ou seja, de que a entrega da proposta do Governo sobre a lei quadro das regiões administrativas apenas serviu para atrasar o processo mais meio ano.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.
O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: - Sobre â regionalização já quase tudo foi dito porque, com regularidade, ao ritmo dos actos eleitorais, se volta ao tema como se o mesmo não fosse mais do que um qualquer cartaz que se usa para apelo ao voto. E esta Assembleia, como as anteriores, tem a responsabilidade de ter contribuído para a perda de dignidade de uma instituição que a Constituição consagra e para banalizar um debate que deveria ser mobilizador de todas as potencialidades nacionais.
Tem sido prestado um mau serviço à democracia porque de democracia se deveria tratar quando se discutem as regiões. A participação; o direito à diferença, a capacidade de decisão sobre os seus interesses próprios e específicos são valores que se deveriam impor independentemente de qualquer consideração tecnocrática ou utilitarista.
Tem sido, também, prestado um mau serviço ao País. Face a uma administração central incapaz de introduzir racionalidade nas suas escolhas, por permeabilidade às influências dos notáveis locais e à certeza de que essa irracionalidade não seria objecto de qualquer tipo de sanção, recusou-se às populações um maior controlo sobre as decisões que lhe dizem directamente respeito e a possibilidade de usarem, também em defesa dos interesses regionais, a arma do voto.
Não se aproveitaram as potencialidades da região para forçar a regeneração e a modernização de uma administração anquilosada que se vai satisfazendo com um «dia nacional da desburocratização» em cada ano; não se criaram efectivos órgãos de planeamento do desenvolvimento regional, perpetuando-se entidades que apenas servem de mecanismos de desresponsabilização e de fomento da conflitualidade entre autarquias locais e administração central.
Sempre nos recusámos a ver as regiões coimo mais um serviço público, limitado à prestação de serviços ou à gestão de uns quantos equipamentos e infra-estruturas. As regiões, em nosso entender, deveriam assumir as nobres funções de planeamento, coordenação e estímulo ao desenvolvimento regional. Tais funções- pressupõem: que reside na região a competência para programar o desenvolvimento regional e gerir a ocupação do território, o que implica, entre outros, a participação na elaboração do plano nacional, a elaboração da execução do programa de desenvolvimento regional, a elaboração do plano regional de ordenamento do território, a definição da rede regional de equipamentos sociais e a definição da rede e construção das vias rodoviárias regionais; que a região tem instrumentos para promover a coordenação da acção dos diversos níveis de administração actuando no espaço regional, quer pela obrigatoriedade de os mesmos respeitarem os planos regionais aprovados e de a região ser consultada sobre todos os planos de incidência na região, quer pela via da contratualização, pelos «contratos de Plano», ou pela via financeira, utilizando o seu orçamento como orçamento de estímulo e orientação; que a região possui os meios de promover o desenvolvimento económico regional, quer criando e gerindo instituições e serviços de acção económica, quer apoiando directamente as pequenas e médias empresas, quer promovendo a criação de infra-estruturas económicas na região.
A nossa concepção do papel e da acção das regiões leva-nos a pensar convictamente que foi uma atitude que prejudicou o País e as regiões a daqueles que têm responsabilidade no protelamento da sua criação. E é preciso que se diga de forma, clara e inequívoca, e com solenidade bastante, que os únicos e exclusivos responsáveis por tal situação são o Partido Socialista e o Partido Social-Democrata, que sempre assumiram neste processo um papel de cinismo político, lançando acções que, pela sua natureza e forma atabalhoada de implemento, faziam pressupor, desde logo. que só poderiam resultar no descrédito do tema «Regionalização», desde o famigerado Livro Branco sobre a Regionalização e o consequente debate público para os gravadores até à presente proposta de lei.
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Como se poderá entender que nas GOP de 1987-1990 se dissesse que «a criação das regiões administrativas [...] pode contribuir para o tratamento destas questões e, mais importante ainda, aproximará a forma de resoluto dos problemas aos padrões culturais dos seus destinatários» e, nas GOP de 1986, que «será dada prioridade ao processo de descentralização e desconcentração» e, afinal, se tenha esperado até agora, a escassos meses do termo da legislatura, para apresentar uma iniciativa legislativa que não passa de poeira para os olhos da opinião pública? Se esta proposta for aprovada, quando teremos regiões? Que regiões? Que atribuições e competências? Que recursos financeiros para as regiões?
Não queremos pactuar com manobras eleitoralistas, mas não podemos deixar passar em claro a concepção de regionalização que está implícita na proposta do Governo.
A proposta de lei do Governo, no seu preâmbulo, começa por enunciar um conjunto de princípios com os quais porventura todos concordaremos ata porque, sem grande originalidade, se limita a reescrever ideias por vários de nós já afirmadas, noutras alturas.
Todavia, e com mágoa o constatamos, o Governo presenteia-nos com um discurso oco de conteúdo, com a agravante de este ser traiçoeiro. Assim, repetimos, o discurso é oco.
Configura-se a regionalização como instrumento atenuador dos desequilíbrios sócio-económicos entre as diferentes áreas territorias e, nesta medida, como instrumento do processo de desenvolvimento nacional.
Esquece-se, porém, o Governo de definir uma estratégia de desenvolvimento nacional em que as regiões se revejam e o País anteveja o papel que se espera ver desempenhado por cada região no quadro do seu desenvolvimento global. Assim, o discurso é, também, traiçoeiro.
O Governo simula querer a descentralização do poder com esta iniciativa. Porém, ao regulamentar as competências dos órgãos regionais, faz depender de si aspectos tão elementares de decisão como sejam os documentos de planeamento por que deve nortear a sua actuação.
O Governo pretende-se mesmo «juiz em causa própria» ao reservar para si o direito de realizar inquéritos à junta regional, órgão de uma entidade pública constitucionalmente definida como independente do próprio Governo.
E, ao mesmo tempo que chama a si as rédeas da «autonomia regional», o Governo esvazia o poder da assembleia regional, por exemplo, quando, na prática, apenas permite a apresentação de uma «moção de censura» à junta regional, ou quando chama a si competências que deveriam assistir aos órgãos regionais ou à Assembleia da República, como é o caso da matéria regulamentar prevista no artigo 31.º
O Governo não quer as regiões. Contudo, procura lançar uma cena confusão com a prévia aprovação de um figurino de regiões às suas ordens e na sua dependência, como, aliás, já hoje sucede com as comissões de coordenação regional, seu braço territorial «armado».
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estamos frontalmente contra muitas das soluções apresentadas na proposta de lei n.º 17l/V, relativa à lei quadro das regiões administrativas. Contudo, votaremos favoravelmente a referida proposta na esperança de que o trabalho que se seguirá em sede de comissão permitirá corrigir muitas das deficiências e incorrecções em que ela é tão pródiga.
O nosso voto não é de apoio à política de regionalização do Governo, que muito criticamos, mas, sim, de esperança para todos aqueles que vêem na regionalização não um fim em si mesmo mas um meio para o aprofundamento da democracia e para a correcção dos graves desequilíbrios .territoriais de que o Pais enferma e que são obstáculo sério a um harmonioso processo de desenvolvimento económico e social.
Aplausos do PRD.
O Sr. Presidente:-Srs. Deputados, vamos interromper o debate e passar às votações previstas para hoje.
O primeiro diploma a ser votado será o projecto de lei n.º 532/V (PSD) -Lei dos baldios.
Contudo, porque há na Mesa requerimentos de avocação subscritos pelo PCP, vamos começar pela sua votação.
O primeiro requerimento de avocação refere-se aos artigos 6.º e 12.º do projecto de lei e, para o apresentar, tem a palavra o seu primeiro subscritor, o Sr. Deputado Rogério Brito.
O Sr. Rogério Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A exigência de uma maioria dos seus membros, ou de 30 % dos mesmos em segunda convocatória, a marcar para data posterior, para viabilizar a realização da assembleia de compartes, constitui uma violentação ao exercício da liberdade de associação.
Com efeito, ao pretender impor um regime mais restritivo do que aquele que vigora em relação ao regime normal das assembleias e ao do próprio funcionamento das assembleias de cidadãos, o PSD cria intencionalmente um factor de desgaste das assembleias, o que poderá conduzir à sua inactividade, e procura impedir, na prática, o exercício da «liberdade de associação» consignado no artigo 46.º da Consumição e, consequentemente, o normal funcionamento da administração dos baldios.
Em consequência, avocam-se os artigos 6.º e 12.º do projecto de lei n.º532/V, propondo-se a seguinte nova redacção:
Artigo 6.º
l -Os órgãos dos baldios reúnem nos termos do regime em vigor para as associações.
2-De todas as reuniões dos órgãos dos baldios são elaboradas actas assinadas pelas respectivas mesas.
Artigo 12.º
Funcionamento
A assembleia de compartes reúne nos termos previstos para o regime das associações.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o requerimento de avocação que acabou de ser lido.
Submetido á votação, foi rejeitado! com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, do PRD e dos deputados independentes Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, José Magalhães e Raul Castro e a abstenção do CDS.
Srs. Deputados, passamos, agora, ao segundo requerimento de avocação, referente aos artigos 8.º. n.º 2, e 15.º
Para o apresentar, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Brito.
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• O Sr. Rogério Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Constituição da República, no seu artigo 82.a, integra os meios de produção comunitários, possuídos e geridos por comunidades locais, no sector cooperativo è social da propriedade dos meios de produção.
Pertence, assim, a estas comunidades a titularidade dos baldios e a sua posse e gestão.
Assim sendo, é inconstitucional fazer depender da aprovação dos governadores civis quaisquer deliberações das assembleias de compartes.
Tal como o é, porque limitativo do exercício dos poderes de quem detém a titularidade do uso e fruição dos baldios, a imposição à assembleia dos compartes e ao conselho directivo de um representante do governador civil ou da Direcção-Geral das Florestas.
A indisfarçável intenção de condicionar, interferir, manipular e mesmo inviabilizar a organização e funcionamento dos baldios torna evidente que para o PSD, o verdadeiro órgão deliberativo deverá ser o Estado, seja através do governador civil e seus representantes, seja por via dos serviços do MAPA e juntas de freguesia.
Neste sentido, avocam-se os artigos 8.º, n.º 2, e 15.º, com o objectivo de eliminar as tutelas que ressaltam destes artigos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o requerimento de avocação que acaba de ser apresentado.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, do PRD e dos deputados independentes Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, José Magalhães e Raul Castro e a abstenção do CDS.
Srs. Deputados, passamos, de seguida, ao terceiro requerimento de avocação relativo aos artigos 16.º a 22.º, 28.º. 33.º e 34 º
Para o apresentar, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Brito.
O Sr. Rogério Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os bens comunitários são imputáveis, quanto à titularidade dominial, a uma colectividade- comunidade de habitantes. Trata-se de um domínio cívico não confundível com domínio público das freguesias ou com a propriedade do Estado, conservando, assim, as características de um domínio colectivo, na medida em que é tomado por bens ou propriedade colectiva de uma comunidade de habitantes-«povos», «utentes», «vizinhos» ou «compartes».
Nos termos constitucionais, as comunidades locais são titulares dos seus direitos colectivos-sejam de gozo, sejam de uso, sejam de domínio-como comunidade de habitantes.
Significa isto que, no plano substancial, a titularidade dominial respeita à comunidade de habitantes enquanto tal, enquanto que no plano formal, são lícitas estruturas organizativas que se erguem como. centros de imputação personificados de interesses e direitos das comunidades. Estes esquemas organizatórios nada tem a ver e não podem ser substituídos por outros esquemas de personalidade jurídica do Estado ou de entidades colectivas territoriais. A autonomia dominial colectiva aceita formas autónomas de administração, mas é incompatível com qualquer imposição autoritária de gestão.
A mutação da dominialidade sobre os baldios viola a Constituição da República Portuguesa, pois em nenhuma situação se pode confundir o sector público de propriedade com o sector social e cooperativo, claramente demarcados no texto constitucional. A nenhum título se pode considerar a entrega a outros órgãos que não os das próprias comunidades locais-e não autarquias locais-, como ficou definitivamente esclarecido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 325/89, dos baldios ou bens comunitários.
Nesta conformidade, é manifestamente inconstitucional colocar no Conselho de Ministros a competência para decidir da instituição ou da extinção dos baldios, precedida de iniciativa das assembleias de freguesia.
Inconstitucional é, igualmente, a intromissão das juntas de freguesia e de outras entidades no processo de instituição e funcionamento dos baldios, tal como é colocar sob a administração das juntas de freguesia terrenos que já são baldios desde tempos imemoráveis.
Neste sentido, é apresentada proposta de eliminação dos artigos já citados.
O Sr. Presidente: -Srs. Deputados, vamos votar o requerimento de avocação que acaba de ser apresentado.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, do PRD e dos deputados independentes Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, José Magalhães e Raul Castro e a abstenção do CDS.
Srs. Deputados, vamos, agora, proceder à votação finai global do texto elaborado pela Comissão de Agricultura e Pescas relativo ao projecto de lei n.8 532/V - Lei dos baldios.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e da CDS e votos contra do PS, do PCP, do PRD e dos deputados independentes Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, José Magalhães e Raul Castro.
Srs. Deputados, relativamente ao decreto da Assembleia da República n.9 302/V, que foi considerado inconstitucional, o PSD apresentou um requerimento, de que é primeiro subscritor o Sr. Deputado Montalvão Machado, que vou passar a ler.
l-O Sr. Presidente da República requereu ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da constitucionalidade do decreto da Assembleia da República n.º 302/V. de 7 de Fevereiro de 1991. nos. termos do artigo 278.º da Constituição.
2 - Na sequência do requerido, o Tribunal Constitucional proferiu o Acórdão n.º 64/91, de 4 de Abril de 1991, concluindo pela inconstitucionalidade de todas as normas do decreto n.º 302/V, exclusivamente por violação do disposto nos artigos 54.º, n.º 2, alínea d), e 56.º, n.º 2, alínea a), da Constituição.
3-Nestes lermos, e para os efeitos previstos no artigo 279.º, n.º 2, da Constituição, os deputados abaixo assinados requerem a V. Ex.ª que determine a publicação da proposta de autorização legislativa, com a redacção que resultou dos trabalhos da Comissão e deu origem ao decreto da Assembleia da República n.º 302/V. de 7 de Fevereiro de 1991, em separata do Diário da Assembleia da Republica, para que a Comissão de Trabalho delibere, com base nos preceitos regimentais aplicáveis, promover a discussão
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pública, para escrupuloso cumprimento do disposto nas normas constitucionais referidas no n.º 2 deste requerimento.
Srs. Deputados, vamos votar este requerimento.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, Jorge Lemos e Valente Fernandes.
Srs. Deputados, vamos prosseguir a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 171/V.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: É preciso que fique registado em acta desta Assembleia o percurso sinuoso que o Governo adoptou, durante os últimos cinco anos, relativamente à matéria da lei quadro que estamos a debater.
Depois de uma resistência tenaz e militante para aprovar a lei quadro da regionalização, que todos os partidos da oposição vem exigindo da actual maioria desde 1986, o Governo agendou para hoje o debate da sua proposta de lei sobre esta matéria, obrigando, assim, o próprio Grupo Parlamentar do PSD a retirar o seu projecto de lei n.º 240/V, de 6 de Maio de 1988, subscrito por nada menos do que 35 deputados, e defendido com grande fervor em reunião plenária da Assembleia da República de 17 do mesmo mês.
É verdade que o PSD fabricara o projecto de lei a contragosto e por pressão do PS que, usando do seu direito de agendamento, impusera o debate dos outros projectos entrados no início da legislatura para eventual aprovação na generalidade, naquele mesmo dia.
A maioria parlamentar adoptou, então, o expediente dilatório, sugerindo que o conjunto dos projectos baixasse à Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente para que, nesta sede, se preparasse, no prazo de um mês, uma consulta às assembleias municipais sobre os referidos projectos, consulta que deveria estar concluída até 30 de Novembro de 1988.
Como de costume, o prazo foi largamente ultrapassado sem que a consulta tivesse sido concluída e, quando em 31 de Maio de 1989, foram apreciados os mesmos projectos, mais uma vez por empenho da oposição, para efeitos de votação na generalidade, o PSD não levou ao Plenário o seu projecto, ficando, assim, aprovados os projectos da oposição, mas à espera de que um dia a maioria absoluta resolvesse usar o seu poder absoluto de fazer aprovar o projecto para começar o debate na especialidade.
Até hoje, o PSD não tirou da gaveta esse projecto, e sabe-se agora que estas manobras se deveram ao facto de o Governo estar a preparar a sua proposta, que é debatida hoje.
É duvidoso que haja tempo, até ao fim desta legislatura, para que uma lei de tal complexidade e importância possa ser aprovada na especialidade, até ao fim desta legislatura, se a maioria o não quiser.
Tudo leva a crer que não haverá tal possibilidade nem disponibilidade da maioria, ficando, assim, o Prof. Cavaco Silva com a liberdade de afirmar, como é seu hábito, de ter apresentado ao Parlamento a lei quadro da regionalização, e o proveito de o País não dispor dessa mesma lei, isto é, serve os fins da propaganda e demagogia eleitoral, em que o actual Primeiro-Ministro se mostra um expert inexcedível. muito embora o poder local e a democracia participativa tenham de marcar passo, no mínimo, por mais alguns anos.
A regionalização foi consagrada na nossa actual Constituição para combater o excessivo centralismo da Administração e a tendência para governamentalização da vida local, obrigando a uma repartição de atribuições entre o Estado e as autarquias (que incluem as regiões), de modo a implementar uma democracia plenamente participada a todos os níveis.
A regionalização do continente tem muitas vantagens: primeiro, permite o planeamento de acções de desenvolvimento económico e social para corrigir as assimetrias espaciais, por forma a optimizar o aproveitamento dos recursos disponíveis, através da criação de vários pólos regionais; segundo, traz manifestos benefícios de natureza administrativa e burocrática - a desconcentração e principalmente a descentralização dos serviços (o que vulgarmente se chama «desmantelamento do Terreiro do Paço»)-, levando para as várias partes do País os serviços e outras estruturas administrativas, velhas e novas, enquadram as iniciativas locais; terceiro, sendo uma das formas de poder local, tem as suas virtualidades porque as decisões sobre as políticas, que dizem respeito directamente às populações, são decididas pelos próprios interessados, por exemplo, quanto à habitação, transportes locais, abastecimento, etc...
Como nota o Dr. Manuel Porto «A Democracia fortemente alicerçada por se adicionarem os vários tipos de eleições, em cada caso com o seu sentido próprio, aumenta o próprio papel dos eleitores, que é assim quantitativa e qualitativamente acentuado. Os cidadãos são cada mais chamados às umas para decidir acerca da escolha de pessoas que conhecem mais de perto para resolução de problemas que em muitos casos sentem mais e podem conhecer melhor».
Ou, então, como escrevia o saudoso Prof. Baptista Machado: «A descentralização engloba um espaço de participação e de negociação que, dando voz e peso a diversas autonomias sociais, opõe uma barreira ao totalitarismo das maiorias e toma a democracia mais rica e mais humana, impedindo a estatização. Descentralização é, com efeito, o outro nome da liberdade.»
Razões de cultura que, no dizer de Lucas Pires, «contribuem para acabar com o provincianismo político, ainda remanescente, quer com o que há em Lisboa-por novo-riquismo urbano sem comparação no País-, quer com o que há à saída de Lisboa-por míngua e probreza».
E, finalmente, como sustenta Vital Moreira:«A criação das regiões no Continente-embora não sejam dotadas de autonomia política-permitirá distanciar o Estado em relação ao Continente, que deixaria de ser um bloco contraposto às regiões autónomas dos arquipélagos. Isto permitiria elevar o Estado acima de umas e outras.»
O processo de regionalização é, não obstante constituir uma exigência para o aprofundamento do regime democrático, um processo moroso. Antes do mais, a instituição das regiões não poderá ser feita à custa das autarquias já existentes, as freguesias e os municípios, mas, antes, deverá ser marcada por inequívoca subordinação ao princípio da adesão destas autarquias e das populações directamente interessadas.
O município é a unidade institucional que importa preservar como base genuinamente portuguesa de regionali-
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zação, tendo sempre bem presente que todas as tentativas de implantação das unidades fracassaram em Portugal quando subtraíram poderes aos municípios ou se mostraram inadequadas à efectiva vontade das populações. Por outro lado, a delimitação das competências tem de ser feita de modo a evitar conflitos graves entre o poder central e o poder local, do mesmo passo que é preciso determinar os critérios para divisão das receitas de que as regiões terão de dispor para desempenharem eficazmente as atribuições de que forem cometidas.
O ordenamento do território terá de enunciar as Unhas mestras do desenvolvimento de cada região, ponderando as carências e as potencialidades de cada uma delas por forma a possibilitar a rigorosa disciplina das decisões de investimento.
A regionalização significa, por tudo o que fica sumariamente referido, uma grande aposta na capacidade de os cidadãos assumirem a decisão dos seus problemas e de passarem a tratar deles em regime de auto-administração, por intermédio dos dirigentes por eles directamente sufragados.
Ainda há bem pouco tempo o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, Professor Valente de Oliveira, afirmava que a criação das regiões administrativas deveria ficar dependente do processo de desenvolvimento centralmente dirigido em vez de serem compreendidas como um pressuposto e um instrumento de desenvolvimento regional, e o Sr. Primeiro-Ministro alertava os deputados do seu partido nestes precisos termos: «o desafio de 1992 implica também um reequacionar das prioridades, pelo que será de ponderar se nos próximos anos o País poderá gastar energias com processos controversos como este, que podem criar confusão na Administração Pública».
Que se saiba, nada mudou no Pais, no último ano, que justificasse tão súbita vontade governamental de agendar, tão pressurosamente a aprovação da lei quadro das regiões administrativas, uma autêntica cambalhota política de última hora. Mas do que se trata agora é de animar a pré-campanha das legislativas, há poucos dias iniciadas em Setúbal, com a ilusão de que vamos ter, dentro de pouco tempo, as regiões administrativas, esperadas há 15 anos, sem realmente as termos.
Veremos, em poucos minutos, ao votar o requerimento do PS, se realmente o Governo está pronto para fazer a lei quadro da regionalização ainda nesta legislatura.
O Sr. Presidente: - Par uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Silva Marques.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: É claro que vamos votar favoravelmente o requerimento do PS, assim como o do PCP. Aliás, PS e PCP. nesta matéria, andam sempre a correr ao lado um do outro; nenhum quer ficar atrás.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Ao lado!
O Orador: - Srs. Deputados, o tempo e o conteúdo da proposta do Governo de lei quadro das regiões administrativas são merecedores da nossa aprovação-nossa, grupo parlamentar, e também minha.
Pessoalmente, tenho-me pronunciado contra a criação das regiões administrativas como estrutura de poder próprio, sobreposta aos municípios. Tem sido essa a minha opinião, que, aliás, mantenho.
Sou eu-e respondo aos Srs. Deputados da oposição, tão preocupados com a individualidade de cada deputado, já tratámos isso há pouco -, Srs. Deputados, que pertenço voluntariamente ao meu partido e não é o partido que me pertence. Por outro lado, Srs. Deputados, tão preocupados com os vernizes da individualidade, acontece que não sou duque, nem conde, nem sequer barão, cuja riqueza lhe permitiu comprar título, sou um cidadão comum e, ainda mais comum, social-democrata, no que tenho muito orgulho! Defendo as posições do meu partido quando, em debate interno, ganho, nus defendo-as também quando perco. Os senhores arrepiam-se com esta conduta, mas tenho imenso orgulho nela.
Srs. Deputados, vamos à matéria e não tenham receio-não é ironicamente, não vos vou fazer mal, Srs. Deputados-. vamos à matéria sem cerimónias.
O Sr. Laurentino Dias (PS): -Mas diga tudo!
O Orador: - Entre a proposta do Governo, entre a posição do Governo, entre a posição do meu partido, nesta matéria, e a posição ou as posições assumidas pelos partidos da oposição, não tenho dificuldade em escolher, o que me facilita imenso a minha posição.
O Sr. Laurentino Dias (PS): -Sem dúvida!
O Orador:-A posição do Governo e a do meu partido possuem um mérito de fundo e à partida, que as tomam abissalmente superiores e merecedoras de aplauso em comparação com as vossas.
Em 1989, em mensagem dirigida pelo Governo à Assembleia da República, dizia-se, a propósito das regiões administrativas - e vamos ver quem tem sido fiel a uma linha contínua e coerente (aliás, p Sr. Ministro já hoje aqui abordou estes fundamentos, decisivos, e que só não o são para quem está a brincar com o assunto): «não sendo por razões étnicas, religiosas, linguísticas, geográficas ou de índole histórica que a regionalização do continente constitui um imperativo inadiável, tem ela de radicar-se, fundamentalmente, em objectivos ligados ao desenvolvimento».
Acrescentava ainda o Governo: «No nosso paus estão a verificar-se profundas e rápidas alterações em matéria de acessibilidades, da criação de novas actividades no interior e do estabelecimento de uma nova rede dê centros urbanos dinâmicos, o que aconselha a que se prossiga com o processo de regionalização de modo aberto.»
Alertava ainda o Governo para «a inconveniência de se fazer apressadamente uma regionalização qualquer, numa ocasião em que no seio da Comunidade Europeia está em negociação a afectação de recursos de elevado montante para a correcção de desequilíbrios regionais - no espaço comunitário». «Tudo isto nos aconselha» - acrescentava o Governo - a ser prudentes, mas firmes, nas decisões tomadas.» E de seguida dizia: «impõe-se um largo consenso nacional a respeito das funções das novas estruturas regionais, do seu modo de operar e da extensão do território por que há-de cada uma delas ser responsável. O assunto é da maior complexidade e reclama, por isso, a maior ponderação».
Srs.. Deputados, qual é a posição contrária? É depressa e já! Neste ponto, Srs. Deputados - e este 'é o ponto decisivo -, eu queria dizer-vos, sem gaguejar, e sabendo-se, como se sabe, a minha posição, o seguinte: quando VV. Ex.as atacam o Sr. Ministro pela prudência e clareza das suas posições eu não o faço. Eu desejo, hoje e aqui.
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louvar a elevação intelectual do Sr. Ministro, mas não apenas a elevação intelectual, porque muitos têm elevação intelectual só que não são capazes de elevar o seu sentimento cívico e patriótico, o amor aos interesses da Nação que somos, acima da guerrilha partidária. Por isso, aqui lhe presto esta homenagem, Sr. Ministro.
Aplausos do PSD.
E as posições que estão em causa são evidentes, vimo-lo hoje aqui: de um lado, a prudência relativamente a questões decisivas para o nosso país, para a Nação que somos e para Portugal e, do outro, a leviandade. Aliás, sobretudo o PS e o PCP pegaram na bandeira da regionalização para efeitos estritamente de guerrilha partidária, a tal ponto que, hoje, que em princípio devia ser o vosso dia, a tal ponto que o vosso secretário-geral se empenhou, de alma, de corpo, de pensamento e de hesitação, nesta questão ao ponto de produzir uma conferência. Eu diria que quanto mais se empenha o vosso secretário-geral, quanto mais ergue a bandeira, mais os senhores desaparecem.
Efectivamente, VV. Ex.as não estilo no dia do vosso secretário-geral. Este facto não vos leva a tirarem conclusões? Isto não vos leva a reflectir? Mesmo do ponto de vista ontológico, isto não vos põe uma dúvida? Porque é que quanto mais importante é para vós o assunto menos os senhores comparecem?
Reparem, Srs. Deputados, esteve hoje aqui uma. apesar de tudo visível, delegação de portugueses porque estava em causa a Lei dos Baldios. No entanto, não vi entre cies o presidente da Associação de Autarcas Socialistas mas vi o grupo de portugueses que aqui veio - sabe-se lá de onde-porque estava agendada a Lei dos Baldios. Efectivamente, os senhores, que lá fora ergueram a bandeira da regionalização para fazerem a grande mobilização, o grande assalto, neste debate sagrado para vós, desapareceram. Isto não coloca interrogações? Isto não vos coloca dúvidas, ao menos epistemológicas? Os senhores não desejam conhecer a realidade?
Srs. Deputados, por muito que nos esforcemos, temos sempre a impressão de que é pouco o nosso esforço, porque os senhores estão manietados pelas vossas preocupações eleitoralistas, estão, pura e simplesmente, em guerrilha eleitoral. Ora, isso é lastimável, quando estão em causa (isto na base das vossa próprias palavras) questões decisivas que dizem respeito ao nosso país e à Nação que somos.
Aplausos do PSD.
Por isso, Srs. Deputados, a flagrante leviandade com que tratam o assunto obriga-nos a dizer que, além da demagogia de que fazem uso, uma coisa há que acrescentar, porventura ainda é mais negativa: a vossa irresponsabilidade.
A prova mais flagrante de que assim é está na forma ziguezagueante, atrabiliária e contraditória da evolução das vossas posições sobre o assunto. E exemplifico, para encurtar razões: 'o PCP, depois de ter sido o primeiro a querer criar as regiões administrativas, simultaneamente e coincidentes com as regiões plano, propôs, como base das regiões dos distritos-um mergulho no país profundo, é evidente, mas os comunistas já disseram que não são os distritos mas. sim, uma coisa maior-, 16 regiões administrativas, 2 regiões autónomas e 2 áreas metropolitanas, num total de 20 (isto se quisermos dar seriedade aos documentos parlamentares).
Reparem, Srs. Deputados: a Áustria, que é um país federado, tem sete landers, a Espanha, que tem profundas divisões autonômicas, tem 16 regiões; a Alemanha, mesmo - depois de unificada, tem 17 Estados federados; e, finalmente, a França, país enorme e várias vezes superior ao nosso, tem 26 regiões. Os deputados comunistas, neste aspecto, são pródigos: querem encher o País de estruturas administrativas!
Mas, embora tenha pelo PCP todo o apreço, sobretudo nos últimos tempos, não vou ocupar-me mais tempo com ele, porque vou agora centrar a minha atenção sobre o PS, que é o suposto candidato à governação. Daí que convenha discutir melhor o que este pensa.
O PS «desatou a correr» quando viu o PCP a apresentar regiões-recortes, e tudo isso, mas mesmo assim, num último fôlego, ainda conseguiu apresentar, hoje, um recorte que, digamos, é um pouco ridículo, como correria...! O PS, nesta sua correria, apresentou um recorte, mas não se sabe bem com quantas regiões..., talvez hoje sejam oito....
Mas, partindo do princípio de que agora está certo, portanto que são oito - e digo isto porque há umas semanas atrás poderiam ser 7,10,12... -, a estas haveria sempre que acrescentar as duas regiões autónomas e as duas áreas metropolitanas, o que dariam 12. Vejam, Srs. Deputados, a ligeireza e a leviandade como se abordam questões decisivas para a futura organização administrativa do nosso país!
Vozes do PSD: -Muito bem!
O Orador: - Não pensava fazer uma referência ao CDS, mas, como há pouco espicaçou a minha lembrança, sobretudo quando se referiu ao problema da «dança» e do «baile», diria o seguinte: de facto, o CDS não dança, Sr. Deputado Narana Coissoró! O CDS já não tem pernas! O CDS, hoje, arrasta o antes acetinado e hoje esfarrapado acento pelo chão!...
Sr. Deputado Narana Coissoró, porque quero discutir concretamente o problema na base das vossas propostas, chamo-lhe a atenção para o facto de os senhores, no vosso diploma, proporem - o que eu interpretei como um laivo de prudência-que a criação das regiões administrativas dependa da aprovação, por maioria de dois terços, das assembleias municipais. Aliás, nenhum partido vai a esse ponto, Sr. Deputado! Eu, que interpretei isso como um laivo de prudência, portanto aprobatório, vejo, afinal, que se trata, pura e simplesmente, do vosso baile, o que é lastimável, mas não vou perder mais tempo como o vosso caso, porque, de facto, não se justifica!
Gostaria de acentuar algo que deveria ser evidente para todos: a regionalização, para ser benéfica para o País, para . a sua coesão - e eu sei que este aspecto não vos interessa-, para o seu desenvolvimento, para o reforço das energias nacionais, portanto factor de afirmação de Portugal, deve ajustar-se is especificidades portuguesas, o que implica, de facto, um grande consenso não só a nível da supra-estrutura política mas também, e fundamentamente, das populações.
Não se interrogam os Srs. Deputados que este debate esteja a ser, uma vez mais, travado estritamente com os políticos? Os Srs. Deputados não se interrogam, mas sabem que a interrogação é o princípio da ciência e do conhecimento. O debate, Srs. Deputados - aceitemos esta verdade elementar, sem a qual tudo o que possamos reflectir e concluir estará errado-, sobre esta questão atravessa todos os partidos e correntes políticas; o meu, o vosso,
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todos. Sem reconhecerem esta verdade elementar, os senhores não ficam com a cabeça fria e, sobretudo, aberta para, a seguir, concluir seja o que for!
Srs. Deputados socialistas, isto significa que a vossa precipitação e leviandade não se suscita apenas em relação ao País mas, igualmente e desde logo, em relação ao vosso próprio partido. Muitos e relevantes socialistas, com destaque para os autarcas -já hoje tal foi aqui posto em relevo-, se têm manifestado avessos, ou pelo menos reticentes, perante a questão das regiões administrativas, sobretudo em relação à sua pressa, e todos, unanimemente, têm preconizado ponderação, cautela, gradualismo e consenso. Aliás, mesmo relativamente à consulta que teve lugar, verificou-se que, das 165 assembleias municipais que se pronunciaram favoravelmente às regiões administrativas, apenas 61-quase só comunistas - consideraram o processo urgente.
A Sr/lida Figueiredo (PCP): -Já lá vão dois anos e isso era em relação à revisão!
O Orador: - Agravando a irresponsabilidade da direcção socialista, o PS procede como se o País não estivesse em acelerada mutação, precisamente em vectores de implicações directas nas soluções a desenhar - acessibilidades, eixos de comunicação, etc.
O País está a mudar, Srs. Deputados socialistas!
O Sr. Armando Vara (PS): - Esse vai ser o vosso drama!
O Orador: - É verdade que os senhores não querem ver isso, mas seria elementar tomarem em consideração esse factor, para que o vosso pensamento tivesse um mínimo de utilidade relativamente a este importante assunto.
No entanto, desta sorte, como tantas vezes tem acontecido, os socialistas condenam-se - por sua própria vontade e não por nossa - a pensar soluções do passado e muitas vezes estrangeiras, que, sobretudo, deveriam ser de futuro e portuguesas.
Que fique claro: o PSD sempre foi, é e será um partido profundamente regionalizante. Essa sua natureza decorre não apenas de um princípio programático mas lambam das suas próprias profundas raízes populares e autárquicas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador:-Todavia, Srs. Deputados socialistas; o PSD é também um partido eminentemente nacional e patriótico - não sei se o termo vos causa choque...-, recusando-se a aceitar tratar de forma leviana questões que dizem respeito à estrutura do próprio Estado.
Por outro lado, o PSD é um partido de projecto, mas recusa o verbalismo, crente de que a reflexão é enriquecida pela própria acção. Por isso-eu sei que este aspecto vos surpreende -, não esperamos por amanhã para fazer o que pode e deve ser feito já hoje!
Neste sentido, o Governo tem desenvolvido uma acção gradual, mas persistente, na via da descentralização, da desconcentração e do desenvolvimento integrado, que tem constituído um fortíssimo impulso à modernização administrativa do País e que é, em si mesma, um real e autêntico processo de regionalização...
Srs. Deputados, a reflexão é intramuros. Permitam-me que, apesar de tudo, faça uma pequena abordagem à reflexão extramuros, sobre a experiência em curso na Europa.
Yves Mény, professor do Instituto Universitário Europeu de Florença, insuspeito regionalista - espero que o reconheçam! -, na sua obra 1970-1980: Dez anos de regionalização na Europa, afirma: «É, pois, grande o risco que se façam opções por regiões concebidas como trampolim para o poder central [...]» - dá a impressão de que Yves Mény estava a pensar em vós-,...
Risos do PSD.
... como coroamento de uma carreira local ou mesmo como meros bastiões de oposições frustradas que não conseguiram ser alternância [...]. Enfim e numa síntese global, a experiência da regionalização suscita ainda muitas esperanças, mas trouxe igualmente não poucas desilusões.»
Pergunto: devemos ou não reflectir, Srs. Deputados? Devemos ou não ser prudentes? Devemos ou não colar o nosso processo de regionalização à pele autêntica, cultural e histórica e ao querer real das populações?
Srs. Deputados da direcção do PS, vou terminar, não sem antes fazer-vos um elogio: acertaram em cheio! Com efeito, se querem ganhar votos, pois apregoem aos quatro ventos: «Regiões já! Este ano! Este mês! Já!» Que não vos falte o fôlego!
Acusem-nos de lentidão. As pessoas compreenderão a ponderação e a prudência, pois, ao contrário do que, por vezes, os senhores julgam, não são imbecis.
Acusem-nos de estar a mudar o País e a regionalizar sem estratégia e sem o tal famigerado modelo. As pessoas compreenderão pragmatismo e capacidade de iniciativa.
Srs. Deputados socialistas, a vossa pressa nas regiões, que são o País todo, fará reparar, mesmo ao mais distraído, que, embora grande, em Lisboa, que é só uma autarquia, há tanto vagar. Depois do célebre Livro Branco - que ficou mesmo em branco! -, tivemos direito ao Grupo de Prospecção do Plano Estratégico, que, como se vê, continua embevecidamente, ao longo de infindáveis e nebulosos meses, a pensar.
Acusem-nos, pois, Srs. Deputados socialistas, com força e que a alma não vos faleça! Nós precisamos de propaganda!
Os senhores não têm a responsabilidade, que é nossa. O PSD continuará, tranquila mas pertinazmente, fiel aos seus princípios, valores e objectivos programáticos a realizar a profunda e imensa obra de modernizar Portugal.
Aplausos do PSD.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.
O Sr. Armando Vara (PS): - Peço a palavra. Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: -Para que efeito?
O Sr. Armando Vara (PS): - Para pedir esclarecimentos, Sr. Presidente.
A Sr.ª Edite Estrela (PS):-Também peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: -Para que efeito?
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Para exercer o direito de defesa da consideração da minha bancada, Sr. Presidente.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa regista a inscrição do Sr. Deputado Carlos Brito, para fazer uma intervenção, e depois, como está estabelecido, votaremos, na generalidade, a proposta de lei n.º 17l/V, que aprova a lei quadro das regiões administrativas, assim como um, requerimento de baixa a comissão do mesmo diploma.
Srs. Deputados, como sabem, nas fazemos todo um esforço para que os tempos sejam aqueles em que acordámos equitativamente, e essa tem sido a prática. Temos permitido uma «derrapagem» de 10 % a 15 %, mas temos de a diminuir.
Dito isto e olhando para o painel dos tempos, à bancada do PS só posso dar a palavra, para exercer o direito de defesa da consideração, a Sr/Deputada Edite Estrela.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr. Deputado José Silva Marques, parece que, hoje, é o seu dia de glória e que, hoje, estamos destinados a entendermo-nos ou a desentendermo-nos. É que vou, mais uma vez, devolver-lhe uma palavra com que mimoseou a minha bancada e o meu partido: leviandade.
Ora, leviandade e precipitação está a demonstrar o Governo e a sua bancada, ao quererem agendar precipitadamente o debate sobre o acordo ortográfico, à revelia do trabalho que está a ser...
Protestos do PSD.
Acalmem-se, Srs. Deputados, porque, como é público, até sou favorável ao acordo ortográfico. Toda a gente sabe neste país que eu sou favorável ao acordo ortográfico. Há 10 anos que escrevo isso publicamente, pelo que sou insuspeita nessa matéria, e o povo português sabe-o bem!
Protestos do PSD.
Pois bem, repito: é leviandade querer agendar precipitadamente o acordo ortográfico, quando está previsto, como é do conhecimento do Sr. Presidente da Assembleia da República - que autorizou a sua realização-, um colóquio parlamentar no dia 8 de Maio, em que participam convidados estrangeiros, os quais virão enriquecer o debate e esclarecer os Srs. Deputados, contribuindo para que o acordo ortográfico, como eu desejo...
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, não estamos a tratar do acordo ortográfico...
Aplausos do PSD.
... - e acho que o Governo e a bancada da maioria também deviam desejá-lo-, seja aprovado pelos deputados de todas as bancadas.
A matéria é demasiado importante para que se aja com leviandade e precipitação.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim entender, tem a palavra o Sr. Deputado José Silva Marques.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Sr.ª Deputada Edite Estrela, não deixo de pôr em relevo que V. Ex.ª tem vindo a pronunciar-se a favor do acordo ortográfico. Presto-lhe essa homenagem - não ao seu partido, mas à Sr.ª Deputada-e não deixo de registar o que essa posição tem de virtuoso.
Quanto à leviandade. Sr.ª Deputada, para vos poupar, não apresentei, todos os argumentos e provas, mas os Srs. Deputados encarregam-se e obrigam-nos - mesmo que nós o não queiramos-a chamar-vos a atenção para a leviandade.
O vosso requerimento - que vamos aprovar - propõe que a respectiva comissão aprecie a matéria em 20 dias. E vamos aprová-lo por esta razão fundamental: é que nós estamos cá para garantir que não haja precipitações e leviandades.
Se for possível proceder à sua análise em 20 dias, fá-lo-emos nesse prazo; porém, se. em nome da ponderação e dos interesses do País, forem necessários 30 dias, serão 30 dias que utilizaremos. De qualquer modo, Sr.ª Deputada, a vossa proposta de um prazo de 20 dias revela que, de facto, os senhores estão numa correria que vos faz tropeçar!
Mas, Sr.ª Deputada, já que teve um gesto de grande simpatia em relação a mim, não quero deixar de retribuir agora não à Sr.ª Deputada mas ao seu partido, pois para com a Sr.1 Deputada já fiz a minha obrigação, rio início desta minha intervenção, ao reconhecer o seu apoio ao acordo ortográfico.
Eventualmente será este «o meu dia de glória». Não direi tanto!... Foi uma gentileza da sua parte!... O que me surpreende, o que me aterra, o que me faz interrogar sobre o que se passa é que lenha sido hoje «o meu dia de glória», quando deveria ter sido o do vosso secretário-geral!
Risos e aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Nas múltiplas posições que o PCP tem assumido-ainda há pouco o fez, aqui, no Plenário, por intermédio da minha camarada lida Figueiredo - deixámos clara a nossa oposição a grande parte das soluções constantes da proposta de lei quadro da regionalização, apresentada pelo Governo, em Novembro do ano passado.
Sublinhamos, como traços especialmente negativos da proposta governamental: a baixíssima estatura que é atribuída às regiões administrativas, em contraste com a estatura gigantesca com que desenha a figura do governador regional.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Acresce a estes traços que, na filosofia do Governo, estas anãs regiões administrativas andam pela mão do Governo e sob a sua pesada tutela.
É evidente que a configuração da regionalização assim entendida nada tem a ver com os princípios constitucionais da descentralização e da autonomia. É. antes, o fruto serôdio das concepções centralistas e governamentalizadoras do executivo do PSD, nesta matéria.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Entendemos, no entanto, que o episódio de hoje - a apreciação e votação, na generalidade, da proposta do Governo-é apenas uma parte de um processo que já conduziu à aprovação do projecto de lei do PCP e dos outros partidos da oposição, que vinculam soluções que são próximas, ou mesmo consensuais, em diversas
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matérias, tanto no plano das atribuições e competências como no plano da composição dos órgãos e formas da sua eleição.
E em função deste processo que definimos a nossa posição de voto, de maneira que fique claro que queremos viabilizar o seu prosseguimento e contribuir para a sua conclusão, o mais rapidamente possível, com a aprovação de uma lei quadro que dê cabal concretização aos princípios e orientações constitucionais.
A Sr.1 lida Figueiredo (PCP): - Muito bem!
O Orador:-Entendemos que a este respeito o Plenário deveria explicitar, desde já, a sua vontade» dando um prazo curto para a comissão preparar as votações na especialidade e final global, e daí o sentido do requerimento que apresentámos, juntamente com deputados do Partido Socialista.
É preciso deixar claro que se a lei quadro não for aprovada, todos- os projectos cairão, cairá por terra, com o termo da legislatura, todo o trabalho que fizemos nestes anos e o processo retornará ao ponto zero na próxima legislatura.
Vozes do PCP: - Exacto!
O Orador: - Pensamos que o Governo e o PSD não quererão assumir essa responsabilidade.
A opinião pública tem os olhos postos no nosso trabalho como, entre outros testemunhos, se verifica com as moções aprovadas na Assembleia Municipal de Lisboa e noutras assembleias municipais.
Não basta, porém, a lei quadro para haver regionalização, como todos sabemos. Confirmado e consolidado na revisão da Constituição o princípio de simultaneidade, na base do acordo PSD-PS, só a aprovação da lei de delimitação simultânea das regiões abrirá o caminho à sua instituição em concreto, mesmo onde desfrutam de grande adesão popular, como é o caso do Algarve.
A propósito, o PCP não propõe 18 regiões, ao contrário do que disse o Sr. Deputado Silva Marques, mas uma solução dinâmica de resposta ao princípio da simultaneidade que pode conduzir a nove, a oito ou a sete regiões e que permite concretizar, a curto prazo, a região algarvia sem precipitar as outras regiões.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador; - Importa que a Assembleia da República, no processo de aprovação da lei quadro, estabeleça também um calendário com os grandes marcos subsequentes, ainda na presente legislatura.
Com este objectivo, o PCP continuará a sua acção, dentro e fora da Assembleia, para que se tome realidade, quanto antes, o projecto constitucional da regionalização.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminado o debate e porque há consenso da Câmara, vamos, de seguida, proceder à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 17 l/V, que acabou de ser discutida, assim como do requerimento, apresentado pelo PS e PCP, no sentido de que a proposta de lei baixe à comissão respectiva.
Srs. Deputados, vamos então votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 17l/V - Aprova a lei quadro das regiões administrativas.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS, do PRD e do CDS e abstenções do PCP e do deputado independente José Magalhães.
Srs. Deputados, vamos agora votar o requerimento, apresentado pelo PS e PCP, solicitando a baixa da proposta de lei n.º 17l/V à Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente, pelo prazo de 20 dias, para preparação do debate e votações na especialidade e final global, a realizar em Plenário imediatamente após o término daquele prazo.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos de Macedo, Helena Roseta, Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos, Raul Castro e Valente Fernandes.
Srs. Deputados, reunimo-nos amanhã, dia 12, às 1O horas. Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 30 minutos.
Declaração de voto enviada à Mesa, para publicação, referente à votação final global do texto final, elaborado pela Comissão da Agricultura e Pescas, sobre o projecto de lei n." S32/V - Lei dos baldios.
Apesar das críticas e avisos formulados, durante a discussão na generalidade, o PSD, autor do projecto de lei n.º 532/V - Lei dos baldios -, persiste na manutenção de dispositivos que foram alvos de variada contestação.
Para além de outros aspectos de menos relevância, mas que deveriam merecer do partido da maioria a consideração adequada, mantém-se a norma que prevê a existência de um representante do governo civil junto dos órgãos de cada baldio.
Trata-se, como já foi afirmado, de uma limitação de direitos que a Constituição garante à própria comunidade de dispor do que lhe pertence.
Daí que consideremos que esta norma é flagrantemente inconstitucional, visto tentar limitar o direito de a comunidade dispor do que lhe pertence.
Entendemos que ainda não será desta que o PSD fará modificar a legislação actualmente existente, pois estamos convictos de que o Presidente da República accionará os mecanismos constitucionais necessários à declaração de inconstitucionalidade.
Pela razões expostas, o PRD votou contra a referida iniciativa legislativa, esperando que, embora suportada com o voto maioritário da Assembleia, não virá a ser lei.
O Deputado do PRD, Barbosa da Costa.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados: Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Flausino José Pereira da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José de Vargas Bulcão.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Luís Filipe Menezes Lopes.
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Margarida Borges de Carvalho.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada. Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Edmundo Pedro.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Victor e Baptista Costa.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Maria Odete Santos.
Deputados independentes:
Maria Helena Salema Roseta.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
António Maria Ourique Mendes.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Jaime Gomes Mil-Homens.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Júlio Vieira Mesquita.
Manuel José Dias Soares Costa.
Mateus Manuel Lopes de Brita
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Gomes da Silva.
Partido Socialista (PS):
Alberto Marques Antunes.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
José Barbosa Mota.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Centro Democrático Social (CDS):
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
José Luís Nogueira de Brito.
Deputado independente:
Herculano da Silva Pombo Sequeira.
Os REDACTORES: Maria Amélia Martins-Maria Leonor Ferreira-José Diogo-Ana Maria Marques da Cruz-Isabel Barral.
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