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I Série - Número 78
Sexta-feira, 17 de Maio de 1991
V LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1990-1991)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 16 DE MAIO DE 1991
Presidente: Ex.mo Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários: Ex.mos Srs.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
Júlio José Antunes
Daniel Abílio Ferreira Bastos
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos. Procedeu-se à discussão, na generalidade, da proposta de lei n." 189/V(Lei de Bases de Protecção Civil), tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro da Administração Interna (Manuel Pereira) e do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna (Branquinha Lobo), os Srs. Deputados José Manuel Mendes (PCP), Raul Castro (Indep.), Narana Coissoró(CDS), Herculano Pombo (Indep.), Carneiro dos Santos (PS), Rui Silva (PRD),Lino de Carvalho (PCP), José Purg dos Santos Costa (PSD) e José Manuel Mendes (PCP).
Foram discutidos e votados, na generalidade, a proposta de lei n. º 195/V (autoriza o Governo a aprovar o Código das expropriações), que foi aprovada, e o projecto de lei n.º 684/V (PCP) (atribui aos municípios o poder de declaração de utilidade pública municipal para efeitos de expropriação), que foi rejeitado. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território (Valente de Oliveira), os Srs. Deputados lida Figueiredo (PCP), Laurentino Dias (PS), Fernando Correia Afonso (PSD), Aires Ferreira (PS) e Narana Coissoró (CDS).
Entretanto, foi aprovado um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos relativo à substituição de dois deputados do PRD.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 40 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 20 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Lopes de Melo.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda de Queirós.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Cosia de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
ntónio Jorge Santos Pereira.
António José Caciro da Mota Veiga.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Maria Pereira.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Casimira Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcínco António Campos Rebelo.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando dos Reis Condesso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maria Oliveira Martins.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Scabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
osé de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Manuel da Silva Torres.
José de Oliveira Bastos.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Licínio Moreira da Silva.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Augusto Pinto Barros.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Amónia Pinho e Melo.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Helena Ferreira Mourão.
Maria João Godinho Antunes.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rosa Maria Tomé e Costa.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Gomes da Silva
Rui Manuel Almeida Mendes.
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Rui Manuel Parente Chancerelle de Macheie.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.
Partido Socialista (PS):
Ademar Sequeira de Carvalho.
Alberto Alexandre Vicente.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.
António José Sanches Esteves.
António Manuel Henriques Oliveira.
António Miguel de Morais Barreto.
Carlos Cardoso Laje.
Edite Fátima Maneiros Estrela.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando António Aires Ferreira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Fernando Francisco Mariano.
Henrique do Carmo Carmine.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacto Costa.
Jorge Lufe Costa Catarino.
José Apolináno Nunes Portada.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Leito Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Castro Dias.
eonor Coutinho dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Pedro Lopes Machado Ávila.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
Ana Paula da Silva Coelho.
António Filipe Gaito Rodrigues.
António da Silva Mota.
Carlos Alfredo Brito, loto António Gonçalves do Amaral.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Antunes Mendes.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria lida Costa Figueiredo.
Maria Odeie Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Maninho.
José Carlos Pereira Lilaia.
Natália de Oliveira Correia.
Rui José dos Santos Silva
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Narana Sinai Coissoró.
Deputados independentes:
António Alves Marques Júnior.
Herculano da Silva Pombo Sequeira.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
Manuel Gonçalves Valente Fernandes.
Maria Helena Salema Roseta.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início aos nossos trabalhos de hoje com a apreciação, na generalidade, da proposta de lei n.º 189/V-Lei de bases de protecção civil.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.
O Sr. Ministro da Administração Interna (Manuel Pereira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo apresenta à Assembleia da República a proposta de lei de bases de protecção civil.
Trata-se de normas estruturantes por versarem matérias relacionadas com o exercício das funções do Estado e que se ligam a condições essenciais de segurança, de bem-estar e desenvolvimento da comunidade nacional.
E porque é assim, o Governo confere a este debate uma importância especial, esperando dele uma ampla troca de ideias, críticas e sugestões apropriadas, dentro do princípio de que legislação desta natureza deve ser construída procurando os consensos mais alargados. Com efeito, o normativo que agora se propõe, pela sua natureza e objectivos, deve permanecer no tempo, por forma durável, ser aceite pela generalidade dos cidadãos e ser expurgado de preocupações de ordem ideológica.
A nossa primeira afirmação é, assim, a de abertura total para o diálogo, já em sede de generalidade e, sobretudo, aquando da sua análise em termos de especialidade. O Governo aceitará os contributos que possam melhorar esta lei e. desde já, afirma a sua total disponibilidade para uma discussão alargada.
A proposta de lei de bases de protecção civil, agora presente à discussão da Assembleia da República, apoia-se na experiência da legislação anterior, na evolução internacional do fenómeno e nos valiosos contributos que lhe foram trazidos por variadas instâncias e organismos
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de protecção civil, nomeadamente o Conselho Superior de Protecção Civil, o Conselho Superior de Segurança Interna, o Conselho Superior de Defesa, o Conselho de Planeamento Civil de Emergência e os Governos das Regiões Autónomas.
A proposta foi, aliás, amplamente difundida em órgãos de comunicação social e apresentada publicamente em diversos actos e intervenções dos responsáveis oficais. O Governo deseja, assim, manifestar o seu agradecimento a todas as entidades públicas e privadas que colaboraram, com as suas sugestões e ideias, no aperfeiçoamento da presente proposta de lei, esperando que o diálogo se mantenha, em sede de discussão do diploma na especialidade, com os partidos políticos representados na Assembleia da República.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Diremos, antes de mais, que a filosofia subjacente à presente proposta de lei assenta na própria Constituição, que é, também, o fundamento jurídico das soluções preconizadas.
Nela se contêm os princípios essenciais, como sejam os da solidariedade social, da legalidade democrática, unidade do Estado e descentralização da Administração Pública, os princípios da autonomia regional e local, da cooperação institucional e interterritorial e, ainda, as grandes linhas relativas às tarefas prioritárias do Estado em matéria de protecção da vida, da segurança e bem-estar das pessoas, da defesa do património cultural, do ambiente e da natureza.
A proposta de lei que estamos a discutir consagra, como primeira linha das suas preocupações, a participação de todos os cidadãos na segurança da comunidade a que pertencem. Os valores que se procura assegurar são de tal ordem que exigem, em situações de acidente grave, catástrofe ou calamidade, a cooperação de todos os indivíduos e de todas as instituições sociais, no sentido de evitar os danos ou de minimizá-los.
Trata-se, por isso, de organizar socialmente o espírito de solidariedade das pessoas para com o seu semelhante quando situações graves se lhes apresentam. O reconhecimento destes deveres implica restrições ou limitações de direitos e de liberdades, mas exige, igualmente, uma correcta informação dos cidadãos relativamente às situações graves de risco a que se encontram sujeitos.
Pressupõe, também, uma sensibilização profunda que conduza as pessoas a atitudes mais positivas relativamente à sua autoprotecção e, na consequência desta, a uma posição colectiva tendente a evitar as catástrofes ou, ao menos, a minimizar os seus efeitos.
Por isso, é que a lei confere uma importância muito especial às acções a empreender no âmbito do sistema educativo, com vista à difusão de conhecimentos que permitam a cada indivíduo contribuir para limitar os efeitos de acidentes graves, catástrofes ou calamidades.
Em resumo, a protecção civil é encarada na proposta de lei como um sistema em que participa o conjunto da sociedade e não como um mero serviço a cargo de qualquer órgão ou instituição especial.
Ao Estado caberá, principalmente, através de serviços vocacionados para o planeamento e a coordenação, articular esforços, conjugar iniciativas, preparar e organizar meios, mobilizar recursos financeiros e adoptar, quando necessário, as medidas de carácter excepcional tipificadas na lei.
Como sistema multidisciplinar e intersectorial exige o empenhamento e a colaboração de organismos e serviços públicos, autónomos e diversamente estruturados.
Como pilares do sistema de protecção civil apresentam-se, antes de tudo, as instituições com vocação especial para o socorro, assistência e apoio. Aqui colocamos, antes de mais, as organizações de bombeiros, a Cruz Vermelha, os serviços médicos de assistência social, as instituições de solidariedade, os organismos responsáveis pelas florestas, parques, transportes, energia e comunicações.
Aqui se colocam, também, as forças de segurança, especialmente a Guarda Nacional Republicana, a Guarda Fiscal e a Polícia de Segurança Pública.
Pela natureza das funções que exercem, pela cobertura que realizam de todo o território nacional, pela mobilidade que detêm nos sistemas de transportes, pelo domínio das telecomunicações e pelo conhecimento das pessoas e do terreno em que actuam, as forças de segurança representam instituições privilegiadas para a acção e apoio em caso de sinistro ou calamidade. Aliás, a sua intervenção em matéria de protecção civil representa uma tradição, desde sempre afirmada, nos respectivos estatutos.
Destaque especial merece a qualificação das Forças Armadas como agentes de protecção civil. Além de representar o reconhecimento de uma realidade, desde sempre verificada, está em perfeita conformidade com o disposto na Constituição.
É certo que o ordenamento legal exclui claramente a possibilidade de envolvimento das Forças Armadas em tarefas de segurança e ordem pública, excepto em situações de excepção tipificadas na lei do estado de sítio e do estado de emergência.
Todavia, o mesmo ordenamento, por reconhecer o contributo inestimável que a instituição militar pode fornecer, prevê, expressamente, a colaboração das Forças Armadas em matéria de protecção civil.
Trata-se de aproveitar racionalmente as imensas capacidades de mobilização e de intervenção de que dispõem, a par dos meios operacionais e logísticos, sobretudo no mar e no ar.
A proposta de lei prevê, no entanto, a regulamentação das condições de intervenção das Forças Armadas, em matéria de protecção civil, para a indispensável adaptação jurídica à especificidade da instituição militar.
Algumas palavras, apenas, para explicar a estrutura que se entendeu mais adequada para os órgãos de consulta, de coordenação e de execução do sistema de protecção civil.
Para além da competência normativa da Assembleia da República, que se coloca em termos gerais, cabe ao Governo, como é natural, a condução política do processo, competindo ao Primeiro-Ministro a coordenação governamental e a presidência do mais importante órgão da protecção civil.
Relativamente aos demais órgãos, Conselho Superior de Protecção Civil e Comissão Nacional de Protecção Civil - o primeiro para definição das linhas gerais da política, o segundo de assessoria técnica e de coordenação operacional- a proposta de lei respeita, nas linhas essenciais, a estrutura que foi seguida em outros diplomas definidores de funções do Estado, nomeadamente a Lei de Defesa Nacional, a Lei de Segurança Interna e a Lei do Sistema de Informações da República.
Sendo um sistema que se deseja amplamente participado e dada a natureza intersectorial e interdisciplinar que o caracteriza, seria natural fazer intervir órgãos da maior representatividade e que manifestem, pela sua composição, a responsabilização de todos numa tarefa importante da vida colectiva.
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Mas, para além destes órgãos, a proposta de lei prevê, igualmente, a existência de serviços com características marcadamente operacionais, envolvendo as instituições públicas a nível municipal, regional e nacional. É o princípio da subsidiariedade que preside à existência destes órgãos, promovendo uma responsabilização territorial, tal como os anteriores órgãos a pretendiam a nível horizontal.
Em resumo, o sistema nacional de protecção civil, tal como 6 concebido pela presente proposta de lei, assenta nos seguintes princípios fundamentais: descentralização, responsabilizando as entidades de base; subsidiariedade, que corresponde ao princípio segundo o qual o nível inferior somente recorre ao nível superior depois de esgotada a sua capacidade de actuação; coordenação e complementaridade, de acordo com os quais os planos e programas de actuação devem ser elaborados com responsabilidade e orientados tendo em conta a especialização das entidades que os executam e inserir-se num conjunto coerente.
De acordo com esta filosofia, a protecção civil é um sistema que, além de se construir da base para a cúpula, pressupõe ainda um esforço coordenado e exigente de todos os intervenientes no processo. Daí que se atribua um papel de relevo à informação, à sensibilização e à colaboração de todas as partes intervenientes.
Eis, Srs. Deputados, as linhas essenciais da filosofia que procuramos introduzir no sistema de protecção civil. Julgamos que ele será mobilizador das pessoas e das instituições, isto é, da sociedade, e que poderá incentivar o sentido de autoprotecção e de solidariedade, correspondendo melhor às necessidades actuais e aos riscos que a evolução tecnológica e o desenvolvimento urbano comportam para os cidadãos.
Estaremos sempre disponíveis para ouvir todos quantos desejem contribuir com o seu saber e a sua experiência para a criação de um sistema de protecção civil mais eficaz e mais útil para a comunidade.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimentos os Srs. Deputados José Manuel Mendes, Raul Castro, Narana Coissoró, Herculano Pombo, Carneiro dos Santos e Rui Silva.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Administração Interna: Esperava eu, em nome da bancada do PCP, que, na intervenção que acaba de produzir, o Sr. Ministro pudesse responder a umas quantas questões que, desde ontem, pelo menos, estão na ordem do dia. São elas as que se prendem, não com o teor de fundo de uma lei de bases de protecção civil, que há muito era reclamada por nós e por outros partidos desta Câmara, mas com a malha perceptiva e com as perversões a que ela conduz, designadamente nos seus artigos 4.º, 9.º, 14.º e 17.º
Porquê? Porque, aí, do que se trata verdadeiramente é de, a pretexto de uma lei de bases de protecção civil, se proceder a uma revisão indébita, mal acautelada mesmo de um ponto de vista técnico-normativo, da lei do estado de sítio e do estado de emergência e, por essa via, a uma violação acentuada da Constituição da República Portuguesa.
Há dois estados de excepção, como é sabido: o estado de sítio e o estado de emergência. É também sabido que se não quis envolver, numa lei com a singularidade e com o melindre da Lei de Segurança Interna, qualquer esfera concrecta de intervenção dos aspectos de protecção civil, apesar de um texto de 1985 expressamente o prever.
Ao afastar-se de tal possibilidade, tinha-se em conta que as restrições de direitos, liberdades e garantias só podem ocorrer no quadro do disposto nos artigos 18.º e 19.º da Constituição da República, que não são legíveis, para este efeito, separadamente, e, portanto, segundo uma filosofia estrita, de clara excepcionalidade.
O que acontece é que, conjugadamente, estes quatro artigos propiciam a qualquer governo, e desde togo a este governo - que se sente o primeiro destinatário pelo lado do accionamento do mecanismo das normas a vigorar -, a imposição de um autêntico estado de sítio à sua medida, de acordo com a sua vontade, a bel-talante, à revelia dos órgãos de soberania, que não podem deixar de ser ouvidos e de ter uma acção qualificada e, em alguns casos, vinculativa.
Sr. Ministro, não é por acaso que o projecto de proposta de lei de bases da protecção civil incluía um artigo 10.º, em que se prescrevia a intervenção da Assembleia da República-trataríamos, depois, de saber se de uma forma totalmente escorreita ou não -, e um outro artigo em que se preconizava a informação do Presidente da República em termos adequados. Ora, estes artigos desapareceram do articulado que, hoje, nos é presente. O que é absolutamente inaceitável, configurando uma inconstitucionalidade clara, patente, que obrigará o Governo a recuar, e, se não o fizer, a que cada um dos partidos que tenha o sentido das instituições e da defesa da democracia accione as providências necessárias para devolver à legalidade o que de ilegal surge, desde já, no articulado em apreço. Teria sido útil que o Sr. Ministro houvesse clarificado, no dealbar deste debate, que promete não ficar apenas por uma discussão mansa em torno de algumas questões sobre as quais todos estamos de acordo, o que persiste pantanoso.
Vozes do PCP: -Muito bem!
O Sr. Presidente:-Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (Indep.): - Sr. Ministro da Administração Interna, o n.º l do artigo 10.º da Lei n.º 44/86, de 30 de Setembro, dispõe que a declaração do estado de sítio ou do estado de emergência compete ao Presidente da República e depende da audição do Governo e da autorização da Assembleia da República ou, quando esta não estiver reunida nem for possível a sua reunião imediata, da respectiva Comissão Permanente.
Esta norma cumpre o que dispõem relativamente ao estado de emergência o artigo 19.º, a alínea n) do artigo 164.º, o artigo 141.º, a alínea d) do artigo 137.º e a alínea/) do artigo 200.º da Constituição da República.
Por sua vez, o n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 44/86 estabelece que a declaração de estado de emergência só pode alterar a normalidade constitucional nos termos previstos na Constituição e na presente lei.
Assim, a proposta de lei n.º 189/V, assinada por vários ministros, incluindo o da Justiça, ilude e desrespeita as disposições constitucionais e a própria Lei n.º 44/86, criando um travesti de estado de emergência denominado
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estado de calamidade, à custa do qual se permite violar a competência institucional para a declaração do que é, na realidade, um estado de emergência e os próprios direitos individuais dos cidadãos.
Crê o Governo que possa ser admissível violar a Constituição e a Lei n.º 44/86, com o pretexto de legislar sobre protecção civil? Ou considera-se o Governo com competência para rever a Constituição, acrescentando às duas situações constitucionais de excepção, o estado de sítio e o estado de emergência, uma terceira, por ele criada, que é o estado de calamidade, com regras próprias e à revelia da Constituição?
O Sr. Presidente:—Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): — Sr. Ministro da Administração Interna, neste projecto de lei há matérias que têm a ver com os direitos, liberdades e garantias, porque há regulamentações que não podem deixar de considerar o que está preceituado na Constituição sobre os direitos dos cidadãos. Aliás, já aqui foi chamada a atenção para este ponto e se, aquando da discussão na especialidade, não se tiver cuidado tomando em conta as possíveis violações desses direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, esta lei poderá ficar ferida de inconsti-tucionalidade.
Porém, na sua traça geral, este projecto de lei é necessário! É até imprescindível para a própria conservação e sobrevivência do Estado de direito, e os preceitos constantes da lei de bases não oferecem discussão de maior, na medida em que não estamos face a qualquer definição de política do Governo em relação a esta matéria mas, sim, um conjunto de soluções técnicas, uma vez que não há lugar a qualquer opção, entre soluções escolhidas pelo Governo, como não há quaisquer outras soluções apresentadas pela oposição. Quanto muito poderá haver aperfeiçoamento ou afinação técnica relativamente aos vários preceitos.
Gostaria agora de interrogar V. Ex.º, sobre o que passo a dizer: nos últimos sete ou oito anos foi publicada imensa legislação sobre quase todas as matérias constantes desta Lei de Bases de Protecção Civil.
Os serviços do meu grupo parlamentar fizeram uma pequena resenha da legislação existente que está em vigor e chego à conclusão de que temos cerca de 30 decretos--leis, 6 leis da Assembleia da República, já para não falar na cerca de meia centena de resoluções do Conselho de Ministros, nas portarias, nos decretos regulamentares, etc. Portanto, as matérias sobre as quais versam os vários capítulos da lei de base têm já uma montanha de diplomas legais, isto é, existe vasta legislação em vigor.
Por isso mesmo a primeira questão que se coloca é a de saber se, com esta lei de bases e face à legislação já publicada no nosso país no sentido de disciplinar estas matérias todas, o Governo pretende sistematizar a legislação existente, lançando agora conceitos gerais que emanem dessa legislação geral, ou se, baseado no último artigo da presente lei de bases, onde se diz que o Governo ficará autorizado a regulamentar esta matéria, quer spassar uma esponja» sobre tudo o que existe e fazer novos decretos-leis, novos decretos regulamentares, com as mesmas soluções?
Levanto esta questão exactamente porque não vejo nisso grande necessidade, uma vez que, até agora, não se viu que esses diplomas tenham sido contestados, atacados
ou mesmo criticados por não corresponderem às necessidades do País. Além disso, há pelo menos três leis publicadas, sendo uma recente sobre o serviço dos bombeiros, de iniciativa do CDS, e naturalmente que o decreto-lei não poderá vir revogar, como se promete aqui, muitas das soluções constantes dessas leis.
Portanto, o que quero saber é o que é que pensa fazer o Governo em relação a este acervo legislativo que actualmente existe. Quer revogar todos esses diplomas e substituí-los por este ou quer mante-los e, se assim for, por que é que vem aqui pedir uma espécie de autorização legislativa para esta regulamentação, quando podia aproveitar directamente os diplomas existentes?
São estes os pontos que deixo à consideração de V. Ex.º e será esta a posição do meu grupo parlamentar, porque vamos votar favoravelmente esta proposta.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.
O Sr. Herculano Pombo (Indep.): — Sr. Ministro da Administração Interna, muito brevemente, porque o tempo é escasso, quero dizer-lhe que parece que o Governo, finalmente, se deu ao cuidado de tentar enquadrar legalmente esta situação — as solicitações eram muitas.
Sendo certo que não vivemos num país normalmente assolado por catástrofes, como é o caso de outros, infelizmente, é certo que temos catástrofes cíclicas, e uma delas talvez aquela com que nos habituámos a conviver e à qual já não ligamos muita importância, a não ser para chorar as tais lágrimas de Verão sobre as matas ardidas, é, obviamente, a dos incêndios. E vem aí, certamente, mais um ano com muitos incêndios.
Recordo que, no ano passado, a propósito do combate aos incêndios, recebemos aqui várias entidades, entre as quais o presidente do Serviço Nacional de Protecção Civil, que nos disse — e está registado — que esse serviço vive, sobretudo, das esmolas ou do mecenato — chamemos-lhe o que quisermos — e, muitas vezes, do pagamento de um indulto por má consciência de algumas empresas que o subsidiam, uma vez que o Estado não tem sido capaz de canalizar os meios necessários para a existência condigna desse Serviço.
A primeira questão que coloco ao Sr. Ministro da Administração Interna, uma vez que na proposta de lei não encontrei nada que me satisfizesse nesta matéria, é no sentido de saber o que é que o Estado vai fazer para canalizar meios suficientes para a protecção civil, nomeadamente para o Serviço Nacional de Protecção Civil, para acabar com esta autêntica perversão, que é o facto de as empresas mais esmoleres estarem a subsidiar um serviço que pouco mais faz do que vegetar.
Felizmente, não tem sido muito necessário, mas, quando é, lá aparece com os seus parcos recursos e com a sua grande vontade de trabalhar.
A segunda questão que quero colocar ao Sr. Ministro diz respeito às condições em que serão chamadas as Forças Armadas. Num país de poucos recursos, não nos podemos dar ao luxo de manter as Forças Armadas apenas para a sua missão fundamental, que é, obviamente, a da defesa do território e da independência nacional. E preciso chamá-las sempre que for necessário.
O que me parece é que, sendo esta temática tão melindrosa, não a deveríamos deixar na sua totalidade para um decreto regulamentar mas, sim, ficar escrito, sprelo no branco», na lei de bases, quais as condições básicas
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em que as Forças Armadas serão chamadas e por quem, pois, caso contrário, levantar-se-ão problemas com certeza, e problemas já nós temos.
Finalmente, permita-me, Sr. Ministro, que faça um aviso ao Governo e sobretudo ao seu Ministério: anuncia-se, mais uma vez, para amanhã ou, quiçá, para depois uma catástrofe ambiental no Baixo Mondego. Os agricultores, em estado de desespero, vão à loja mais próxima ou à cooperativa comprar a «catástrofe» química que está proibida por lei, mas que existe à venda e vão aplicá-la, certamente, para matar os lagostins, numa tentativa desesperada de eles próprios sobreviverem.
É um aviso que deixo ao Governo. Terei ocasião de o responsabilizar por qualquer aplicação indevida de pesticidas que seja feita nessa área.
O Sr. Presidente:-Tem a palavra o Sr. Deputado José Carneiro dos Santos.
O Sr. José Carneiro dos Santos (PS): - Sr. Ministro da Administração Interna, em primeiro lugar, lamento ter de lhe dizer que V. Ex.ª veio aqui apresentar, de uma forma muito simplista, a lei de bases de protecção civil, mas não foi capaz de falar sobre o estado da protecção civil em Portugal.
E isso é grave, porque, de facto, os riscos que os cidadãos correm todos os dias são muitos - são os fogos florestais, são as instalações industriais de produtos perigosos, são os sismos, etc.
Quanto aos fogos florestais, Sr. Ministro, a situação é verdadeiramente calamitosa. O Governo costuma definir a época dos fogos florestais por despacho ou por decreto. Para o Governo, a época dos fogos florestais começa no dia l de Julho de cada ano, ou seja, o Governo define o início da época dos fogos florestais e só depois é que arranja os meios aéreos. Isto é lamentável porque, em termos de meios aéreos de combate aos fogos florestais, a dependência do país é total.
Os fogos já começaram, pois já há fogos no distrito de Viseu, no norte do distrito de Santarém e em Coimbra, e os meios aéreos não existem. E não existem exactamente porque o Governo não foi capaz de dotar o País dos meios aéreos mínimos e essenciais para o combate aos fogos florestais e vai decretar o início da época dos fogos em Portugal, o que é lamentável.
Por outro lado, Sr. Ministro, cumpre-me também dizer que temos alguma expectativa quanto à discussão deste diploma na especialidade, e vemos com bons olhos a abertura que o Governo anunciou para esta mesma discussão.
No entanto, deixe-me dizer-lhe também que não me parece muito razoável que tenha vindo aqui dizer que esta proposta de lei de bases foi amplamente discutida. Aliás, gostava de saber, por exemplo, qual foi o papel da própria Associação Nacional de Municípios Portugueses na discussão desta lei e qual é o papel que está cometido a essa Associação, já que nem sequer integra a Comissão Nacional da Protecção Civil.
Outra questão, Sr. Ministro, é a seguinte: não lhe parece que esta Comissão Nacional da Protecção Civil, com esta composição tão ampla, é uma estrutura pesada demais para que possa ser, de facto, uma autêntica estrutura de coordenação operacional? O Sr. Ministro já reparou no número de pessoas e entidades que integra esta comissão? Como é que vai ser possível, com uma estrutura destas, em caso de sinistro, fazer uma verdadeira coordenação operacional?
Quanto a mais críticas, reservo-as para a intervenção que oportunamente farei.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.
O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Ministro da Administração Interna, hoje não me irei debruçar sobre a problemática dos incêndios porque, tal como já está agendado, na sessão de amanhã colocarei essa pergunta ao Sr. Ministro ou ao Sr. Secretário de Estado e poderemos debater um pouco aquela que é a situação dos combates aos incêndios para a futura época estival.
Concretamente em relação a esta matéria, recordo que, há cerca de um ano, debatemos aqui a problemática da protecção civil, que mereceu o consenso de todos os grupos parlamentares e do Governo, e parece-nos-passemos a imodéstia - que foi desse debate que nasceu, de facto, a celeridade da apresentação desta lei de bases, com que naturalmente nos congratulamos.
Entendemos que, de facto, este não é um documento acabado e que o debate na especialidade irá trazer, com certeza, novas ideias àquela que vai ser a futura e definitiva lei de bases.
Nesse sentido, hoje não nos queremos debruçar muito sobre o seu conteúdo, mas, e principalmente, sobre os agentes que estarão directamente implicados na futura elaboração dos meios que vão ser postos à disposição do Serviço Nacional de Protecção Civil.
Mas gostaria de colocar-lhe duas questões concretas em relação a esta matéria. Uma delas já aqui foi levantada pelo Sr. Deputado José Carneiro dos Santos e tem a ver com a participação ou não da Associação Nacional de Municípios Portugueses.
Hoje, como se sabe, o Serviço Nacional de Protecção Civil tem uma base regional, distrital e local, onde os municípios têm uma participação muito activa, diríamos mesmo que é, apesar de não funcionar, pois, como sabemos, apenas seis câmaras, em Portugal, têm hoje serviço municipal de protecção civil, uma entidade que, a bem da celeridade e da eficácia do próximo serviço nacional de protecção civil, que temos a certeza que irá funcionar tendo como base esta lei da bases, deveria participar, parece-nos até que era mesmo obrigatório que participasse.
Simultaneamente, há uma outra entidade que não encontramos aqui a fazer parte da Comissão Nacional da Protecção Civil, que tem a ver com os bombeiros: é a sua Liga - o Serviço Nacional de Bombeiros - que tem uma função específica. No âmbito dos bombeiros portugueses, a Liga tem uma função relacionada com o associativismo e congrega, de facto, as quatrocentas e tal corporações de bombeiros do País.
Pergunta-se, Sr. Ministro: há, de facto, intenção de poder ou não vir-se a incluir elementos da Liga dos Bombeiros Portugueses nesta Comissão?
Recordo também que - e suponho que os meus companheiros de bancada, e não só, também a puderam receber - a Liga queixa-se de que não foi ouvida, nem sequer consultada, para a elaboração deste diploma. Enfim, parece-nos que, de facto, não será muito curial esquecer quem, neste momento, congrega o associativismo de todos os bombeiros em Portugal, que são hoje, em primeira instância, os primeiros elementos a combater estas catástrofes no nosso país.
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Finalmente, chamo a atenção para o problema financeiro. O Sr. Ministro recorda-se, com certeza, que aquando do debate do Orçamento se colocou a questão das verbas que seriam postas à disposição do Serviço Nacional de Protecção Civil para poder levar a efeito todas as missões que se propunha. Na altura, foi-nos dito que não se sabia se, de facto, a lei de bases poderia ou não vir a ser implementada durante o corrente ano; se o fosse, teriam de ser reforçadas as verbas postas à disposição do Serviço Nacional de Protecção Civil.
A questão que se coloca é: estamos de acordo em que esta lei poderá dinamizar e incentivar uma nova forma de protecção civil no nosso país, mas temos sérias dúvidas de que a verba orçamentada para 1991 seja suficiente para poder dinamizar esse mesmo serviço até ao final do corrente ano, como seria desejável.
O Sr. Presidente:-Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.
O Sr. Ministro da Administração Interna: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Agradeço também a todos os Srs. Deputados que colocaram questões adicionais à minha exposição.
Desejo, em primeiro lugar, repetir que o Governo está aberto à introdução de todas as melhorias ou daquelas que considere que são essenciais para que o diploma tenha o mais amplo consenso.
Neste sentido, o Ministro da Administração Interna deseja estar presente nas reuniões da própria comissão para poder acompanhar de perto as alterações que vierem a ser propostas na especialidade.
Relativamente às questões colocadas pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes e Raul Castro, o Sr. Secretário de Estado Adjunto, que preparou juridicamente a proposta, irá, com certeza, satisfazer a vossa curiosidade, explicando as razões por que, na nossa opinião, não há qualquer inconstitucionalidade nem qualquer ilegalidade.
Julgo que W. Ex.(tm) estão a fazer alguma confusão entre a declaração do estado de emergência e a situação de emergência ou de calamidade, que são duas coisas diferentes.
Gostaria apenas de colocar VV. Ex.ª perante esta situação: suponhamos, como infelizmente tem acontecido, o início de uma cheia no rio Tejo, em que só existem ainda duas ou três casas que estão cercadas de água, com os seus moradores lá dentro. Na vossa opinião seria necessário declarar o estado de emergência para se poder requisitar uma barcaça de pescadores, a fim de se socorrerem as pessoas que se encontravam em perigo no meio da cheia. Dou ainda o exemplo de uma tragédia maior: uma situação em que houvesse centenas ou milhares de feridos e em que não houvesse ambulâncias para os transportar para os hospitais, e em que houvesse automóveis disponíveis, havendo necessidade de declarar, durante um ou mais dias, a situação de emergência para socorrer esses feridos.
Realmente é estranho que seja, sobretudo, da própria bancada do PCP que venha uma posição tão alheia à solidariedade que as pessoas devem ter umas para com as outras e à necessidade de ocorrer rapidamente a situações graves.
Mas, como disse, o Sr. Secretário de Estado Adjunto vai responder em pormenor às dúvidas jurídicas aqui colocadas.
Sr. Deputado Narana Coissoró, V. Ex.ª colocou o problema da grande dispersão de legislação que, neste momento, ainda está em vigor, relacionada com a matéria da protecção civil. O objectivo da lei da bases é o de, justamente, por um lado, dar coerência aos princípios que aqui estão transcritos e de, ao mesmo tempo, a regulamentação que vai seguir-se, por força da lei de bases, ter em consideração, obviamente, toda a experiência válida desses diversos diplomas, que é muita, e irá, com certeza, sistematizar, de uma forma mais perfeita, aquilo que agora está disperso por tantos diplomas.
Relativamente ao Sr. Deputado Herculano Pombo, que colocou o problema dos incêndios florestais e dos subsídios do Estado para esse efeito, posso dizer-lhe que já aqui foi afirmado que o Sr. Secretário de Estado Adjunto estará aqui amanhã a ser interpelado justamente sobre essa matéria dos incêndios florestais, pelo que, com certeza, prestar-vos-á todas as informações indispensáveis a essa matéria.
Sr. Deputado, não levanto qualquer questão a que a própria lei de bases possa conter alguma norma mais precisa sobre a intervenção das Forças Armadas relativamente à matéria de protecção civil.
A intervenção das Forças Armadas está prevista na Constituição e em todos os diplomas que regulam a lei da defesa nacional e a lei das Forças Armadas. Por conseguinte, já há manancial jurídico suficiente para fazer intervir as Forças Armadas nas áreas de protecção civil sem a necessidade, digamos assim, de acentuar ainda mais este problema. Aliás, como sabemos, nem precisávamos de ir muito longe, é de tradição portuguesa, uma tradição muito antiga, essa intervenção das Forças Armadas em caso de interesse público, nomeadamente em caso de protecção civil. Com certeza que essa matéria ficaria melhor regulamentada se dissesse qual é a entidade competente para fazer intervir as Forças Armadas e qual é a entidade a que se deve dirigir. Esses pormenores são indispensáveis, razão por que serão, com certeza, objecto de matéria a regulamentar.
Sr. Deputado Gameiro dos Santos, não me parece que este seja o momento-o da apresentação da lei de bases de protecção civil, que se vai colocar relativamente ao futuro - mais oportuno de fazer o ponto da situação do estado da protecção civil em Portugal. Tivemos oportunidade, como já foi referido pelo Sr. Deputado Rui Silva, de fazer esse debate há cerca de um ano, onde foi feito o ponto da situação, isso sim, virado para o passado e para o presente relativamente ao que deveria ser a protecção civil em Portugal. Esse ponto da situação está feito e neste momento estamos a voltar-nos para o futuro. Obviamente que não podemos dizer que a situação da protecção civil em Portugal corra bem, porque se estivesse a correr muito bem não seria necessário, com certeza, estarmos a gastar o nosso tempo a definir esta nova lei de bases de protecção civil.
Uma outra questão, suscitada pelo Sr. Deputado Rui Silva, foi a da audiência da Associação Nacional de Municípios.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que essa audiência estava prevista nos estudos primitivos, onde já se definia com mais especificidade a intervenção dos municípios nas áreas da protecção civil. Entretanto, como têm ocasião de verificar, este diploma não traz nada de novo, limita-se apenas a consagrar uma atribuição, uma competência que as autarquias já têm, através da Lei n.º 100/84. Não lhe acrescenta nada, não lhe traz nada de novo.
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Daí, exactamente por não trazer nada de novo. que ido nos pareceu que a audição da Associação Nacional dos Municípios fosse necessária nesta fase do processo. Em todo o caso, estamos absolutamente de acordo, se for possível fazer a conciliação com o que pedem os Srs. Deputados Rui Silva e José Gameiro dos Santos, em que a Associação Nacional de Municípios seja também uma entidade de protecção civil a funcionar na Comissão Nacional de Protecção Civil.
O Sr. Presidente:-Para completar a resposta, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna (Branquinho Lobo): - Relativamente às questões colocadas pelos deputados José Manuel Mendes e Raul Castro, há uma confusão-e espero que haja só uma confusão-de conceitos, obviamente. Vós confundis a situação de declaração de um estado de emergência com a declaração de situação de emergência.
Essa situação de emergência é um juízo fáctico sobre uma determinada situação composta por factos. A declaração de um estado de emergência ou de um estado de sitio é uma valoração não só fáctica, mas de direito, sobre determinada matéria já anteriormente delimitada. Aliás, como os Srs. Deputados bem sabem, a declaração da situação de calamidade pública já está, há muito tempo, regulamentada no decreto-lei n.º 477/88, e nunca ninguém levantou problemas. Podemos perguntar por que é que não levantaram problemas? Porque se tratava apenas de regulamentar a atribuição de subsídios, e ai ninguém levantou problemas.
Numa altura em que se regula juridicamente sem qualquer violação dos artigos 18.º ou 19.º da Constituição da República, porque não há qualquer violação de direitos fundamentais de natureza pessoal, e não há, em termos de calamidade pública ou de protecção civil, qualquer tipo de direito fundamental que se possa assumir como um direito absoluto, como bem frisou, por outras palavras, o Sr. Ministro, não há qualquer violação constitucional, nem quanto a isto nem quanto à intervenção das forças de segurança, nem quanto à intervenção das Forças Armadas, que vem regulada no próprio artigo 275.º da Constituição.
Portanto, Srs. Deputados, apenas queria dizer-lhes que neste momento ou se estão a criar fantasmas, o que não acredito, ou há, efectivamente, uma grande confusão conceptual, que certamente iremos, durante esta discussão, esclarecer.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra e consideração.
O Sr. Presidente:-Tem a palavra.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Ministro da Administração Interna, a utilização da expressão «alheia à solidariedade», relativamente à bancada do PCP, é, permita-me que lhe diga, imprópria. Porquê? Porque lemos dado testemunho permanente de solidariedade para com todas, mas todas, as situações que o reclamam, e porque, por muito que eu possa considerar apenas um bordão de retórica, não deixa de configurar-se inaceitável, perante a nossa consciência, a infeliz observação. Como perceberá, pela intervenção que, dentro de momentos, p meu camarada Lino de Carvalho produzirá, a nossa posição, relativamente à necessidade de uma boa lei de bases de protecção civil é de inteiro aplauso; mais do que isso, é de reclamação: urge fazê-la, mas de uma fornia escorreita.
Aqui se contém, de uma maneira serena, como vê, o protesto, que é legitimo, desta bancada, em relação a uma observação acintosa que, certamente por inadvertência, usou.
Relativamente a toda a conceptualização que tem a ver com a questão que suscitei no inicio do debate, a resposta do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna é completamente inconsistente, mas sobre ela terei oportunidade de me pronunciar em tempo devido, não adulterando a figura regimental para a qual pedi a palavra.
Vozes do PCP: -Muito bem!
O Sr. Presidente:-Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.
O Sr. Ministro da Administração Interna: -Sr. Deputado José Manuel Mendes, obviamente que eu não quis, de forma alguma, ferir a dignidade da bancada do Partido Comunista, o que não é meu hábito, pois nunca o fiz relativamente a bancada alguma. Limitei-me apenas a frisar-lhe, através de dois ou três exemplos, que surgiram de repente e da discussão, como seria estranha uma posição tão legalista como a que os Srs. Deputados pretendiam transmitir, e essa estranheza reflectia-se nas circunstâncias temporais e concretas, mas não houve, da minha parte, declaro uma vez mais, qualquer intenção de ferir a vossa bancada.
O Sr. Presidente:-Srs. Deputados, entretanto vai ser lido um relatório e parecer da Comissão de Regimentos e Mandatos.
Foi lido. É o seguinte.
Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos
Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos realizada no dia 16 de Maio de 1991, pelas IS horas, foram observadas as seguintes substituições de deputados:
Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Renovador Democrático (PRD):
Alexandre Manuel da Fonseca Leite (circulo eleitoral de Lisboa) por Humberto Sertório Fonseca Rodrigues [esta substituição é solicitada, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo S.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), para o período de 16 a 30 de Maio corrente, inclusive].
Rui José dos Santos Silva (circulo eleitoral de Lisboa) por Isabel Maria Costa Ferreira Espada [esta substituição é pedida, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo S.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), para o período de 18 de Maio corrente a l de Junho próximo, inclusive].
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Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente circulo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
João Domingos F. de Abreu Salgado (PSD), presidente-José Manuel M. Antunes Mendes (PCP), secretário - Manuel António Sá Fernandes (PSD), secretário-Alberto Monteiro de Araújo (PSD) - Adindo da Silva André Moreira (PSD) - António Paulo M. Pereira Coelho (PSD) - Belarmino Henriques Correia (PSD) - Carlos Manuel Pereira Baptista (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) -Domingos da Silva e Sousa (PSD) - João Álvaro Poças Santos (PSD)-José Augusto Santos da S. Marques (PSD) -José Manuel da Silva Torres (PSD)-Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD) - Valdemar Cardoso Alves (PSD) - Carlos Cardoso Laje (PS) - Mário Manuel Cal Brandão (PS) - Hermínio Paiva Fernandes Martinho (PRD).
Srs. Deputados, vamos votar o parecer que acaba de ser lido.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos, José Magalhães, Raul Castro e Valente Fernandes.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Aquando do debate realizado nesta Assembleia, em 29 de Maio de 1990, sobre o Serviço Nacional de Protecção Civil afirmámos a necessidade de uma lei de bases de protecção civil que criasse um verdadeiro sistema, coerente e integrado, de actuação em caso de calamidades, definindo princípios, objectivos e meios de intervenção.
Na área da prevenção, da orientação e socorro das populações e protecção dos bens dos cidadãos, na actividade de normalização das zonas atingidas, na educação e sensibilização da opinião pública falta de há muito um quadro integrador das diversas forças que têm funções de intervenção nesta matéria, que termine com a multiplicidade de organismos e centros de decisão e legislação avulsa, que clarifique e hierarquize níveis de responsabilidade, que reforce a coordenação institucional, que dote a protecção civil de meios modernos operacionais e eficazes.
Contudo, e infelizmente, nada disto nos é trazido com esta proposta de lei de bases de protecção civil.
Começa com a amputação e confusão de conceitos: não se inclui, por exemplo, na definição de protecção civil a recuperação e a reabilitação de bens e zonas atingidas por situações de acidente grave, catástrofe ou calamidade.
A definição de calamidade não coincide de modo algum com a do Decreto-Lei n.º 477/88, de 23 de Dezembro (cria uma nova definição mais vaga e intemporal), e, mais do que isso, deixa de haver qualquer referência à situação de calamidade pública -à expressão pública, sublinho -, o que abre a porta à possibilidade, no futuro, de criar um quadro altamente prejudicial para as autarquias locais.
Eu explico. A Lei das Finanças Locais enumera as situações em que, a título excepcional, 6 possível a concessão de auxílio financeiro do Estado às autarquias. Uma dessas situações é a de ser reconhecida pelo Governo a situação de calamidade pública, nos termos do Decreto-Lei n.º 363/88, de 14 de Outubro.
Sabemos como as autarquias, em determinadas situações, como as que ocorreram o ano passado em alguns concelhos com os fogos florestais, reclamaram a declaração de Calamidade pública. O Governo, que sempre fez ouvidos de mercador, vem agora alterar esse conceito e com ele a possibilidade de as autarquias locais virem a ser auxiliadas excepcionalmente em caso de ocorrência de acontecimentos graves provocados pela acção do homem ou da natureza, esvaziando o disposto na Lei das Finanças Locais.
Cria-se uma nova superestrutura orgânica pesada, um autêntico Conselho de Ministros, o Conselho Superior de Protecção Civil, e ainda a Comissão Nacional de Protecção Civil, sem se perceber como é que se articula com o Conselho Nacional de Planeamento Civil de Emergência. Mas não se cria - o que é essencial! - uma estrutura operacional, integrada e eficiente, dos Serviços de Protecção Civil com meios capazes ao seu dispor.
O Governo e o PSD seguem aqui a sua própria tradição: quando não querem resolver os problemas nomeiam um grupo de trabalho ou criam mais uma comissão.
A Sr.ª lida Figueiredo (PCP): -É o costume!
O Orador: - Mas esta proposta - e chamo a atenção dos Srs. Deputados das Regiões Autónomas para este ponto - é, inclusivamente, um retrocesso em matéria de autonomia dos Açores e da Madeira ao revogar o n.º 3 do artigo 70.º da Lei de Defesa Nacional, que faz depender nas Regiões Autónomas os serviços regionais de protecção civil «dos respectivos órgãos de governo próprio sem prejuízo da necessária articulação de meios em todo o território nacional», revogação esta que coloca, aliás, um problema de ordem regimental, que irá ser abordado noutra intervenção da minha bancada.
Mas, mais do que isso tudo, a proposta de lei perde uma oportunidade soberana para definir uma orientação clara para o levantamento das zonas de risco, isto é, dos pontos negros do território nacional mais sujeitos ou vulneráveis a acidentes e catástrofes de diversa ordem e definir também um quadro de medidas para actuações de emergência.
Podemos todos continuar, alegremente, a estar sujeitos a riscos graves, porque, na altura própria, o Governo accionará essa instituição nacional, que é a «política do desenrascanço».
Nessa matéria, o que se passa com os fogos florestais é paradigmático: ano após ano sucedem-se autênticas catástrofes, mais de 850 000 ha de terra ardida nos últimos 10 anos, mas da parte do Governo não há qualquer política séria de intervenção.
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Aproxima-se de novo o Verão e a época propícia aos fogos e então o Governo lá acorda para encenar umas quantas reuniões pelo País, para recorrer ao apoio caritativo das celuloses, anuncia a disponibilização de uns ridículos 60 000 contos para a detecção de eventuais focos de incêndios, enquanto a preocupação cresce no País, como é patente - e ainda estamos em Maio -, no alerta já lançado pelo Serviço de Protecção Civil da Guarda ao prever que «o índice dos fogos florestais pode aumentar este ano no interior do País».
Lá mais para a frente, pela certa, teremos o Governo a queixar-se do clima, quando o que se passa é que não põe em execução - nem o PSD deixou pôr ao inviabilizar os projectos de lei que apresentámos sobre esta matéria na actual sessão legislativa- uma autêntica e séria política de prevenção e de combate aos fogos florestais.
Vozes do PCP: -Muito bem!
O Orador: - Srs. Deputados, esta lei de bases vai no mesmo sentido. «Muita parra e pouca uva»! Excepto numa questão, que o meu camarada José Manuel Mendes irá desenvolver, e que se trata de, a pretexto da protecção civil, dar livre curso ao vezo autoritário que anima crescentemente o PSD e que se traduz, nos artigos 4.º e 9.º, na criação de uma nova situação que abre campo à limitação de direitos, liberdades e garantias não prevista constitucionalmente e que prefigura a possibilidade de o Governo poder declarar o seu próprio estado de emergência sem passar pelos restantes órgãos de soberania. Aliás, as questões colocadas há pouco pelo Sr. Ministro foram até agora resolvidas, e se se pretende legislar sobre elas tem de se legislar, sim, de uma forma escorreita, técnica e normativamente capaz.
Vozes do PCP: -Muito bem!
O Orador:-É patente, aliás, em todo o diploma, a tendência para a completa govenamentalização do sistema. Isto fica mais claro quando o comparamos com a primeira versão da proposta.
Por que razão é que o Governo eliminou, na versão final do diploma, o artigo 10.º do projecto inicial que definia as competências da Assembleia da República?
Por que razão é que o Governo eliminou, na versão final do diploma, a alínea e) do artigo 12.º, que constava do projecto inicial, e que obrigava o Primeiro-Ministro a informar o Presidente da República sobre os assuntos respeitantes à condução da política de protecção civil?
Por que razão é que o Governo não prevê, na estrutura proposta, a participação da Associação Nacional de Municípios Portugueses quando, no plano municipal, em todo o País, os serviços de protecção civil asssentam nos serviços municipais, que são coordenados e dirigidos pelos respectivos presidentes de câmaras?
Estes ires exemplos são ou não demonstrativos desta tendência da governamentalização e do vezo autoritário que anima lodo este projecto de lei?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esperávamos uma verdadeira lei de bases e o que nos sai é uma abstrusidade legislativa, que mantém a indefinição e a confusão e limita, inconstitucionalmente, direitos, liberdades e garantias.
Vozes do PCP:-Muito bem!
O Orador:-Pensávamos que, embora tardiamente, poderia ser o momento para um salto em frente, para uma verdadeira e eficaz política de protecção civil, descentralizada e articulada, mas o que temos é uma lei feita à medida dos legisladores do Terreiro do Paço, que não buscou nem o diálogo nem o consenso (ao contrário do que se afirma no preâmbulo e do que prometia o Sr. Ministro da Administração Interna há um ano), que não seguiu o princípio base da protecção civil, ou seja, o de que «a protecção é um meio para garantir a segurança dos cidadãos» e não um fim em si mesmo.
O País precisa de uma política de protecção civil!
Esta proposta de lei de bases precisa de muitas obras para poder ser uma verdadeira lei de bases de protecção civil!
Se o Governo e o PSD quiserem, podemos fazê-la em sede de especialidade. Se não quiserem, o País continuará sem a protecção que precisa para dar resposta a situações de acidentes graves, catástrofes ou calamidades públicas.
Aplausos do PCP.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Hermínio Martinho.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente:-Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, a bancada do PCP interpela a Mesa no seguinte sentido: interessaria ao debate saber se as Assembleias Legislativas da Madeira e dos Açores foram previamente ouvidas sobre esta matéria, como a Constituição dispõe e como é impreterível que se faça.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): -Muito bem!
O Sr. Ministro da Administração Interna: -Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente:-Faça favor, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro da Administração Interna: -Sr. Presidente, utilizo a figura regimental da interpelação, uma vez que gostaria de responder à questão colocada pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes, pois penso que a Mesa não pode responder à interpelação feita.
Assim, posso garantir ao Sr. Deputado que as Regiões Autónomas foram ouvidas.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Onde é que está a documentação?
O Sr. José Puig dos Santos Costa (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: -Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Puig dos Santos Costa (PSD): - Sr. Presidente, sob a forma de interpelação à Mesa, gostaria apenas de afirmar que, segundo fui informado há já alguns dias - não posso precisar exactamente quando-, no âmbito da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, foi enviado um ofício
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às Assembleias Legislativas Regionais para elas se pronunciarem sobre a matéria em causa. É isto que posso confirmar, neste momento, embora não me seja possível informar se foram ou não obtidas quaisquer respostas.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): -Sr. Presidente, peço novamente a palavra para interpelar a Mesa, prometendo não reincidir.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, julgo que, para já, estamos perante uma incongruência, uma vez que o Sr. Ministro nos garante que as Regiões autónomas foram ouvidas e o Sr. Deputado José Puig dos Santos Costa diz que, em sede de Comissão, se procederá, em tempo próprio e futuro, à audição das mesmas, através dos mecanismos a adoptar.
Em qualquer caso, aquilo de que a bancada do PCP necessita é da comprovação oficial e formal da audiência feita às Regiões Autónomas e das posições por elas assumidas, porque só isso tem valor efectivo e tramitacional, para o que aqui nos reúne, enquanto deputados e produtores de leis.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Manuel Mendes, das palavras do Sr. Deputado José Puig dos Santos Costa, a Mesa retirou a interpretação de que já se tinha procedido à audiência e não que ainda se iria proceder a ela.
De qualquer forma, não nos é possível agora acrescentar nada ao que já foi dito quer pelo Sr. Ministro quer pelo Sr. Deputado José Puig dos Santos Costa, mas iremos tentar recolher informações mais consistentes e a seu tempo informaremos a Câmara.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.
O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Confrontados com a dupla necessidade de promover o avanço tecnológico e de melhorar a segurança dos cidadãos, é da responsabilidade dos poderes públicos desenvolver uma acção que vise, essencialmente, dois objectivos fundamentais: prevenir os riscos de qualquer natureza e assegurar a protecção das pessoas, dos bens e do meio ambiente contra acidentes e catástrofes.
Já referimos, e insistimos de novo agora, que a história nos ensinou que quando uma catástrofe tem probabilidades de ocorrer, mais tarde ou mais cedo ela acontece, e o passado recente do nosso país tem demonstrado esta realidade.
Assim, gostaria agora, nesta Câmara, de recordar também que, em 1967, as cheias de Lisboa provocaram, aproximadamente, 457 vítimas; em 1978, a queda de um avião na ilha da Madeira provocou a morte a 131 pessoas; nos Açores, em 1980, um sismo provocou 70 mortos; e ainda nos acidentes ferroviários, que ocorreram em Alcafache e Póvoa de Santa Iria, em 198S e 1986 -como, certamente, todos amargamente recordamos-, morreram cerca de 80 pessoas.
No combate aos incêndios nas nossas florestas, na última década, entre bombeiros e civis, já perderam a vida mais de 40 pessoas. Paralelamente, os custos financeiros destas situações custaram ao erário público mais de 20 milhões de contos, já para não falar das centenas de milhares de hectares de floresta ardida, cujo prejuízo é incalculável. Por estas razões e não só, não temos dúvidas em afirmar que vale a pena e é mesmo necessário investir na protecção civil do nosso país.
Foi assim, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que, há cerca de um ano, nesta Câmara, levantámos a questão, promovendo um debate que, versando exclusivamente esta problemática, mereceu a solidariedade e, simultaneamente, a preocupação de todos os grupos parlamentares e do próprio Governo. Na altura, recordámos a ausência de uma verdadeira política de protecção civil e ficou confirmado que a Instituição enfermava de graves carências materiais e humanas e ainda que este cenário era insustentável.
A lei de bases, motora dos princípios gerais de actuação de um serviço de protecção civil, não existia, embora prometida há cerca de 15 anos; os departamentos ou eram inexistentes ou funcionavam em condições precárias; e o Serviço Nacional de Protecção Civil era, sem dúvida, o parente pobre da protecção dos nossos cidadãos.
A criação de uma estrutura eficaz, que funcione, é urgente e obrigatória. Um modelo de protecção civil teria de ser encontrado no quadro jurídico e administrativo do País e esse modelo só era possível com uma legislação conveniente, adaptada às realidades e às capacidades do País e, principalmente, que cobrisse as graves lacunas ainda existentes.
Só uma verdadeira lei de bases permitiria fazer isso e, conforme tinha sido anunciado pelo Sr. Ministro da Administração Interna, ela aí está. Trata-se de um documento que, apesar de tudo, saudamos e para o qual estamos dispostos a dar todos os contributos que julguemos pertinentes e necessários ao seu aperfeiçoamento.
O actual Serviço Nacional de Protecção Civil, instalado pela publicação da sua Lei Orgânica em 1980, sustenta hoje a sua actuação nos serviços regionais, distritais e municipais. É um organismo enorme e complexo que luta com graves carências de meios humanos e materiais e que, embora ioda a boa vontade dos seus agentes, não é, nas actuais condições, um garante da salvaguarda das populações.
Ainda hoje, em Portugal, não está nomeado um único inspector de protecção civil e o quadro respectivo contempla sete. Do total de 121 elementos previstos, apenas se nomearam pouco mais de 60. As comissões municipais de protecção civil, que deverão ser o primeiro agente de intervenção, não existem na grande maioria das situações. Até há pouco tempo, apenas seis autarquias possuíam serviço municipal de protecção civil e algumas, através de uma recente sondagem, confirmaram desconhecer a existência deste órgão.
Para uma protecção civil eficaz é necessário que existam estudos e levantamentos expeditos de meios e recursos existentes, previsões de necessidades de emergências médicas, conhecimento dos movimentos das populações, comportamentos das vias de comunicação, previsões de roupas, agasalhos, alojamentos e alimentação, telecomunicações de emergência, meios de comunicação social, energias alternativas, planos preliminares anu-
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catástrofe, nomeadamente sísmica, de inundações ou de incêndios de grande porte, para que se procedam também, simultaneamente, a exercícios regulares de prevenção.
Entendemos também que, paralelamente, se deveriam promover medidas pedagógicas a nível nacional, procurando sensibilizar instituições particulares e a população em geral para a necessidade de se prevenirem, sabendo exactamente o que fazer em caso de catástrofe. Só assim o sistema se tomará eficaz, coerente e garante de uma salvaguarda responsável e responsabilizada.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, esta lei de bases, que hoje discutimos, não é naturalmente um documento acabado, mas, em nossa opinião, contempla um vasto leque de soluções que poderão, a muito curto prazo, alterar substancialmente o actual quadro da protecção civil no nosso país. Uma das medidas inovadoras, que se nos afigura de grande pertinência e utilidade, é a da possibilidade de as Forças Armadas serem qualificadas como agentes de protecção civil, ao lado das forcas de segurança e de organismos especialmente vocacionados para o socorro.
De facto, em tempo de paz, e dispondo dos meios humanos e materiais que têm ao seu alcance, as Forças Armadas, desde que devidamente enquadradas no sistema e com directrizes concretas e explícitas, podem concorrer com grande eficácia para minorar eventuais efeitos provocados por catástrofes, nomeadamente colaborando no impedimento ou limitação desses efeitos, no que se refere, por exemplo, a incêndios ou destruições de aglomerados urbanos, centros industriais ou outros indispensáveis à vida das populações, ou preparando e executando planos de evacuação em massa, em situações que a segurança assim o exija.
Embora esteja prevista a possibilidade de o presidente da Comissão Nacional de Protecção Civil poder, sempre que considere conveniente, convidar a participar nas reuniões outras entidades que não as consagradas na presente lei, afigura-se-nos pertinente a inclusão neste órgão de um representante da Associação Nacional de Municípios, já que, recordamos, a estrutura municipal deverá ser - e é - a grande falia no suporte da protecção civil, e é à Associação Nacional de Municípios que as câmaras canalizam as suas dificuldades e ou necessidades, prevenindo-se assim um contacto mais célere e próximo das estruturas locais à nacional.
É de referir aqui também a necessidade de incluir um elemento da Liga dos Bombeiros Portugueses, que, hoje mesmo, nos informou de que não tinha sido contactada, desconhecendo também a sua participação na elaboração desta lei.
Assim, penso que deveremos repensar qualquer uma destas hipóteses.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A partir de agora o Governo detém, se assim quiser, um documento que poderá abrir novas perspectivas à prática da protecção civil em Portugal. Os dados estão lançados e a implementação das medidas propostas trará, estamos certos, um novo fôlego na segurança das populações. No entanto, paralelamente à publicação desta lei, uma outra medida legislativa é urgente que se publique, a nova Lei Orgânica do Serviço Nacional de Bombeiros. Hoje, este organismo, como entidade responsável por toda a execução dos bombeiros, a nível nacional, também ainda não possui as estruturas suficientes para cumprir a missão que lhe está confiada e é sobejamente conhecido o papel que os bombeiros desempenham na protecção das populações, nomeadamente no combate aos incêndios florestais.
Sabemos que o grupo encarregado da revisão da Lei Orgânica do Serviço Nacional de Bombeiros tem o seu trabalho praticamente concluído e a revisão do Decreto-Lei n.º 418/80 poderia vir contemplar, com vantagens acrescidas, a publicação desta lei de bases da protecção civil.
Também entendemos que, num futuro tão próximo quanto possível, afigura-se-nos irreversível a constituição de um organismo próprio e autónomo que exclusivamente se co-responsabilize pelas medidas necessárias à protecção civil no nosso país. Em Espanha existe uma Secretaria de Estado da Protecção Civil e em França esta problemática é encarada ainda com maior responsabilidade, existindo mesmo um Ministério da Protecção Civil.
Com efeito, a segurança das populações, o seu bem-estar e a certeza da existência das condições mínimas para a sua salvaguarda contribuem para uma maior eficácia e um consequente aumento do rendimento no trabalho. Há estatísticas que confirmam isto, pelo que deveremos seguir o exemplo dos países citados.
Tal como referimos, consideramos a presente proposta de lei enquadrada nas necessidades nacionais, iremos votar a favor e, em sede de comissão, estaremos disponíveis para, em conjunto com as outras forças políticas e com o Governo, contribuir para quaisquer melhoramentos em alterações eventualmente necessárias.
Aplausos do PRD e do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Carneiro dos Santos.
O Sr. José Carneiro dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Decorridos cinco anos e meio depois da tomada de posse do Governo PSD e quase um ano após o debate realizado nesta Câmara sobre a protecção civil, eis que nos é apresentada para discussão a tão apregoada lei de bases da protecção civil.
Mas não se pense que a falta de tal lei serve de justificação para o estado gravíssimo em que se encontra a protecção civil em Portugal. Com efeito, o Decreto-Lei n.º 510/80, de 25 de Outubro, ao reestruturar o Serviço Nacional de Protecção Civil, já define, como missões próprias, a execução das seguintes medidas: de prevenção, como esforço prioritário e acção prévia; de definição das responsabilidades e competências relativas à cooperação, em caso de emergência, a nível nacional, regional e local entre o SNPC - Serviço Nacional de Protecção Civil, as Forças Armadas, o Serviço Nacional de Bombeiros, a GNR, a Guarda-Fiscal, a PSP e outros departamentos e organismos de saúde; de descentralização do SNPC para os distritos; de assegurar apoio técnico às autarquias que disponham de serviços municipais de protecção civil; de prestar apoio técnico e financeiro às organizações públicas ou privadas vocacionadas para a protecção civil; de implementação de acções de formação e informação dos cidadãos.
Ora, se tivermos em conta o enquadramento legal já existente, podemos concluir que o governo do PSD, ao longo destes cinco anos, pouco contribuiu para melhorar o estado da protecção civil, em Portugal.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - É mais uma calamidade, não é pública, mas é socialista!
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O Orador: - Nos domínios de prevenção, não se conhecem bem as zonas de cheias, que não se resumem, unicamente, às bacias hidrográficas do Tejo e do Douro. Não se completou o estudo sísmico do território nacional, existem unicamente alguns estudos na área de Lisboa. Não se desenvolveram medidas eficazes de prevenção dos fogos florestais, designadamente pelo reordenamento da floresta -evitar manchas contínuas superiores a 100 ha-, na construção de vias de acesso fáceis e rápidas às manchas florestais, na implantação de postos de água que facilitem o ataque aos fogos, na criação de zonas de defesa da floresta, com cerca de 50 m para cada lado dos caminhos, na dinamização de projectos de aproveitamento das matas e resíduos florestais que contribuam para a rentabilização da limpeza das florestas, de reforço dos postos de vigia e brigadas móveis de prevenção.
Não se controlam, eficientemente, os regulamentos de segurança nas indústrias de produtos perigosos - atente-se em que o SNPC não tem quadros de inspecção - nem se exigem planos de emergência internos.
Poucos planos de prevenção para sinistros com viaturas de transporte de matérias perigosas foram elaborados. Pouco se contribuiu para a informação correcta dos cidadãos. A televisão, meio por excelência para comunicar com as pessoas, praticamente não tem sido utilizada em campanhas informativas de protecção civil.
Não houve a capacidade de levar à escola as preocupações da protecção civil.
No domínio da descentralização, poucas delegações distritais do SNPC estão em normal funcionamento, já que não dispõem de uma rede de telecomunicações estruturada para o território nacional, designadamente em articulação com o sistema de telecomunicações dos bombeiros.
No domínio do apoio técnico e financeiro, tem sido dado reduzido apoio técnico às autarquias locais e fraco apoio técnico e financeiro às organizações ligadas à protecção civil.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como foi possível chegar a tal situação?
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Boa pergunta!
O Orador: - Não foi, decerto, por mero acaso!... A falta de meios humanos, técnicos e financeiros, colocados à disposição do Serviço Nacional de Protecção Civil, tom impedido este organismo de cumprir tais tarefas.
Quem tiver o cuidado de analisar os relatórios de actividades do SNPC dos últimos anos verá, com grande evidência, que as deficiências estruturais apontadas se repetem ano após ano.
E o que fez o Governo nestes cinco anos de exercício do poder?
Porventura, leu os relatórios, mas esqueceu-os!...
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Nem isso!... Tem uma visão muito optimista, Sr. Deputado!
O Orador: - Se calhar à espera de uma lei de bases da protecção civil que, por si só, não resolverá os inúmeros problemas com que nos defrontamos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, se no campo da prevenção e segurança a situação é pouco animadora, no domínio do socorro o panorama não é melhor. Em primeiro lugar, porque o sistema de telecomunicações não existe, de uma forma estruturada. Senão, vejamos: o centro operacional de nível nacional não dispõe de ligações permanentes com todo o País e o estrangeiro, designadamente os países da CEE. Algumas das poucas delegações regionais do SNPC, em efectivo funcionamento, avançaram com as mais díspares redes de comunicação, sem qualquer perspectiva de integração nacional. As próprias corporações de bombeiros - agente fundamental do socorro e salvamento - dispõem de um sistema ultrapassado e inoperacional. A experiência piloto de uma rede moderna feita na zona norte do distrito de Santarém, há cerca de três anos, não teve continuidade.
Em segundo lugar, porque não existe um verdadeiro banco de dados informatizado com ligações às diversas estruturas distritais e locais de protecção civil. Uma informação precisa e permanente dos grandes riscos e da forma de os atacar em caso de sinistro é fundamental.
Onde estão os planos de emergência sectoriais, designadamente no que se refere à capacidade de mobilização rápida e eficiente dos meios, para ocorrer às situações de sinistro?
Em terceiro, porque os meios de combate e de socorro são insuficientes. No que se refere aos meios aéreos para o combate aos fogos florestais, a situação do País é de autêntica dependência. Não existem meios aéreos próprios adequados, ao contrário do que acontece com outros países europeus com grandes áreas florestais, designadamente Espanha, França, Grécia, etc.
Todavia, ano após ano, gastam-se milhões de contos no aluguer de aeronaves.
Porquê adiar a aquisição de alguns aviões Canadair que, para além do seu empenho nos fogos florestais - veja-se, por exemplo, que é um avião com grande autonomia e capaz de fazer o reabastecimento de água nas albufeiras em pleno voo-, pode ser utilizado também, noutras épocas do ano, na vigilância da costa e no apoio ao sector pesqueiro nacional?
Na verdade, a época dos fogos florestais não pode ser definida por despacho do Sr. Ministro da Administração Interna.
Veja-se o que já está a acontecer no País: os fogos florestais já começaram em Viseu, Coimbra, Santarém/Norte, etc.
E onde estão os meios aéreos? Em lado nenhum, porque para o Governo os fogos florestais só podem começar em l de Julho, já que, só a partir dessa data, estarão disponíveis as aeronaves alugadas.
No que se refere ao reequipamento dos principais agentes de protecção civil, as corporações de bombeiros, a situação é desesperante.
Não há um plano estruturado para apoio às corporações de bombeiros. Não se procedeu à tipificação dos corpos de bombeiros, nomeadamente no que se refere aos equipamentos mínimos de que cada corporação deve dispor. Os apoios são concedidos de uma forma desgarrada e ao sabor das pressões do momento. Na falta de apoios, os bombeiros estão a recorrer à aquisição de equipamento usado de países europeus, a maioria dos quais já abatido operacionalmente nos países de origem.
A grande fatia orçamental do Serviço Nacional de Bombeiros (SNB) é gasta com os meios aéreos utilizados nos fogos florestais. O que sobra para outros equipamentos de socorro, designadamente para ataque a sinistros com matérias perigosas, é muito pouco.
Têm sido as corporações de bombeiros a suportar, significativamente, os encargos com os fogos florestais.
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As comparticipações do SNB para os fogos florestais de 1990 só foram entregues aos bombeiros há cerca de duas semanas e com cortes superiores a 50%.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perante o quadro traçado, urge olhar para o futuro com a ideia clara de que é necessário implementar um verdadeiro sistema integrado de protecção civil.
Mas não basta criar uma lei de bases de protecção civil.
É fundamental que ela venha suprir as insuficiências do passado.
E esta proposta de lei, em muitos casos, não vem resolver os problemas.
Em primeiro lugar, não estabelece uma verdadeira estrutura operacional capaz de responder, com rapidez e eficácia, aos riscos que todos nós corremos no quotidiano.
Em segundo lugar, na Comissão Nacional de Protecção Civil não está representada a Associação Nacional de Municípios Portugueses, o que não se compreende, já que cabe aos municípios a coordenação local dos grandes objectivos de protecção civil.
Em terceiro lugar, não se estabelece a obrigatoriedade de descentralização do sistema.
Em quarto lugar, não se definem funções inspectivas que permitam controlar a execução do sistema de protecção civil.
Em quinto lugar, exagera-se nas medidas de carácter excepcional, designadamente na que determina a mobilização civil e indiscriminada de indivíduos em caso de calamidade. Podendo, inclusivamente, colidir com o regime estabelecido no estado de sítio e de emergência, tais medidas, muito provavelmente inconstitucionais, carecem de ser profundamente revistas na discussão na especialidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O direito dos cidadãos à protecção civil e à defesa do Ambiente é uma exigência de um Estado moderno.
Saibamos todos, pelo contributo que podemos e devemos dar no debate deste assunto, criar condições para que, também na protecção civil, deixemos de estar na cauda da Europa.
Mas, não se esqueça o Governo que, por muito boas palavras que profira neste debate, a lei de bases de protecção civil, por muito boa que venha a ser, não resolverá os problemas existentes, desde que não seja acompanhada de um reforço significativo dos recursos humanos, técnicos e financeiros colocados à disposição dos serviços de protecção civil.
Aplausos do PS.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - É a chamada calamidade socialista!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig dos Santos Costa.
O Sr. José Puig dos Santos Costa (PSD):-Sr. Deputado José Carneiro dos Santos, vou colocar-lhe duas ou três questões muito breves, até porque algumas outras serão abordadas ainda em sede deste debate.
Em primeiro lugar, como já aconteceu por ocasião do debate, no ano passado, sobre o Serviço Nacional de Protecção Civil, em minha opinião, o Sr. Deputado tornou a gastar tempo de menos a falar desta proposta de lei de bases, dos seus princípios orientadores fundamentais e de sugestões quanto a eventuais melhoramentos, que era o que pretendíamos principalmente.
Contudo, vou colocar-lhe duas ou três questões sobre alguns dos pontos que abordou na sua intervenção.
Tal como no debate do ano passado, o Sr. Deputado falou novamente da falta de meios humanos, técnicos e financeiros. Ora, neste debate, ninguém vai dizer que tudo está no caminho óptimo e ideal, que temos os meios óptimos em termos humanos e financeiros. De qualquer forma, quando nessa altura o Sr. Deputado abordou estas questões um deputado da minha bancada perguntou-lhe se V. Ex.ª sabia que as dotações para o Serviço Nacional de Protecção Civil, em 1985, eram de 348 000 contos e depois, em 1990, passaram a ser 1,34 milhões de contos. Ora, a este pedido de esclarecimento que, na altura, lhe foi feito, o Sr. Deputado respondeu nada, não comentou, não desmentiu nem confirmou aqueles números.
Assim, hoje, passado quase um ano, pergunto-lhe se já os conhece e se os reconhece ou não.
É que, pela nossa parte, reconhecemos que ainda não estamos no ponto ideal nesta matéria, mas temos percorrido um longo caminho e, continuando assim, muitas das carências vão sendo supridas durante estes anos em que temos estado no Governo.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: -Também quero colocar-lhe outra questão a propósito da falta de meios humanos, técnicos e financeiros: V. Ex.ª concorda ou não comigo quanto ao não funcionamento dos serviços municipais e aos prejuízos que daí advêm para todas as populações, dado tratar-se dos órgãos que, com maior proximidade, junto delas actuam? Conhece todas as carências que apontou em relação ao Serviço Nacional de Protecção Civil? Confirma-as relativamente às autarquias, como, por exemplo, à Câmara Municipal de Lisboa?
A propósito disto, não percebi bem o que entende por funções inspectivas para fiscalizar o Serviço Nacional de Protecção Civil, para assim garantir o seu melhor funcionamento. Estaria a referir-se a inspecções e fiscalizações dos serviços municipais? Agradecia que esclarecesse, também, este ponto.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Carneiro dos Santos.
O Sr. José Carneiro dos Santos (PS): - Sr. Deputado José Puig dos Santos Costa, compreendo o seu desespero. É que, de facto, como se tem feito tão pouco em matéria de protecção civil nos últimos cinco anos, o Sr. Deputado não podia ter outra atitude.
O Sr. José Puig dos Santos Costa (PSD): Mas o Sr. Deputado confirma as verbas?
O Orador: - Quanto às questões que colocou sobre o Serviço Nacional de Protecção Civil, designadamente em relação às verbas, faço-lhe um desafio: leia os relatórios do Serviço Nacional de Protecção Civil de 1988, de 1989 e de 1987 e veja bem a que conclusões chega.
É que as deficiências estruturais de 1987 repetem-se em 1988 e em 1989. Os recursos humanos são poucos, há problemas de instalações, inclusivamente quanto à sua dispersão. Em caso de necessidade, não há meios para criar algumas unidades móveis de socorro ou de apoio aos sinistros. Assim, aconselho-o a ter uma reunião com o Serviço Nacional de Protecção Civil, a ouvir os seus responsáveis e a atentar bem no que dizem.
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O Sr. José Puig dos Santos Costa (PSD): - E as verbas?
O Orador: - Quanto à questão da verba, Sr. Deputado, ela não é significativa. Recordo-me que, no ano passado, um seu colega de bancada disse que as verbas tinham aumentado 400%. O que importa que tenham aumentado 400%,...
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Nada! 4%, 400% ou 0,4% é tudo igual! Vê-se logo!
O Orador: -... quando continuam a ser insignificantes para as necessidades de protecção civil do País? É evidente que isso não importa nada.
Quanto aos melhoramentos que o Sr. Deputado disse esperar que o PS iria propor introduzir à proposta de lei de bases, digo-lhe que fizemos as nossas críticas, designadamente dando conta do carácter pesado da Comissão Nacional de Protecção Civil.
Na verdade, dissemos que, com uma estrutura destas, seria muito difícil fazer coordenação. Também dissemos que é preciso reforçar o papel inspectivo do Serviço Nacional de Protecção Civil. E é!
Diga-me lá que inspecção é feita, por exemplo, nas unidades industriais que produzem matérias perigosas. Qual é a inspecção que se faz? Quem é que inspecciona se os regulamentos estão a ser cumpridos? Quem inspecciona se há ou não planos de emergência internos nessas unidades? Pois se nem existe pessoal neste sector...
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Até tem havido vários casos de inspecção!
O Orador: -O Sr. Deputado acha que não é importante? Sinceramente, não entendo bem a questão que coloca.
Finalmente, o Sr. Deputado falou dos serviços municipais, mas esqueceu-se dos serviços distritais que estão ligados aos governos civis.
Por que é que os governos civis, que são «comissários» do PSD nos distritos, não tiveram a preocupação de, pelo menos, cumprirem o Decreto-Lei n.º 510/80, que diz que devem ter delegações regionais de protecção civil? Por que é que, desde 1980, só meia dúzia é que estão a funcionar devidamente neste País?
O Sr. Deputado não aceita estas responsabilidades? Eu entendo-o!...
O Sr. José Silva Marques (PSD): - E quanto às verbas, Sr. Deputado?
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig dos Santos Costa.
O Sr. José Puig dos Santos Costa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: A proposta de lei hoje em apreço visa preencher uma relevante lacuna do nosso ordenamento jurídico.
Todos conhecemos diversas acções isoladas dos serviços de protecção civil. Umas de apoio técnico a exercícios de simulação de acidentes, outras de apoio aéreo no combate a fogos florestais, outras, ainda, consistindo na realização de seminários, conferências, divulgação de brochuras e panfletos.
Todos sentimos, do mesmo modo, que, só mediante a aprovação de uma lei de bases, a actuação dos vários organismos integrantes do Sistema Nacional de Protecção Civil poderá ser articulada, demonstrando uma coerência e lógica próprias.
Como aqui afirmou um deputado da oposição, no debate que, há cerca de um ano, ocorreu sobre o Serviço Nacional de Protecção Civil, «numa recente sondagem, efectuada em 163 câmaras municipais, a que corresponde 59% da totalidade das câmaras, concluiu-se que apenas seis câmaras possuíam serviço municipal de protecção civil, sendo, nalguns casos, total o desconhecimento deste órgão ao nível da autarquia. De facto, assim, não temos nem podemos ter, de modo algum, implantado um verdadeiro serviço de protecção civil». Acresce que, se falha o serviço municipal, aquele que, de imediato e com maior proximidade, devia actuar junto das populações, tem de se recorrer, supletivamente, ao escalão superior, com os inevitáveis prejuízos e atrasos.
Assim, ninguém de boa fé poderá negar pertinência a uma das principais consequências da aprovação da presente proposta de lei: a regulamentação, através do respectivo decreto, a publicar no prazo máximo de um ano, das matérias respeitantes à organização, funcionamento, quadros de pessoal e estatuto dos serviços de protecção civil, bem como das suas atribuições e competências.
Por outro lado, todos reconhecemos, certamente, que um melhor funcionamento e eficácia do sistema de protecção civil depende, muito particularmente, do comportamento dos cidadãos, da sua educação e sensibilidade perante estas matérias, das suas preocupações em termos de autoprotecção e de espírito solidário com a comunidade envolvente.
Congratulamo-nos, pois, com a filosofia da proposta de lei em apreço, concedendo especial atenção ao direito de informação dos cidadãos acerca dos riscos que correm, das medidas a adoptar, em suma, da sua consciencialização acerca das responsabilidades, que, nesta matéria, recaem sobre cada um de nós.
Vozes do PSD: -Muito bem!
O Orador: - Registamos, essencialmente, a inclusão, nos diversos graus de ensino, da temática de protecção civil, sendo certo, aliás, que tal já sucede em boa parte dos países comunitários, desde logo, na nossa vizinha Espanha. Mas, verificados estes pressupostos, a colaboração com as entidades competentes, em caso de acidente grave, catástrofe ou calamidade, não pode ficar na disponibilidade de cada um, dependente da sua boa vontade de momento. Tem, antes, que constituir-se um dever nesse sentido, legalmente reconhecido e sancionado.
Parece-nos, também, claro que uma legislação do género da que hoje se debate não poderá deixar de prever uma série de medidas de carácter excepcional, no caso de ocorrência de acidente grave, catástrofe ou calamidade, que possam afectar os direitos fundamentais dos cidadãos.
Nas situações de maior gravidade não se vislumbra que as entidades competentes pudessem desenvolver uma actuação eficaz, caso não lhes fosse possível limitar a circulação de pessoas e veículos, requisitar temporariamente bens e serviços e ocupar determinadas instalações. É o que se prevê nas diversas alíneas do artigo 4.º da proposta de lei.
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Calculamos que os mais formalistas poderão argumentar: então, e a protecção constitucionalmente consagrada aos mesmos direitos ?
Conviria não esquecermos que os diversos direitos, previstos em abstracto na Constituição, poderão, conforme o circunstacialismo láctico, entrar em conflito entre si, e, nesse caso, terão de ser hierarquizados. E que a própria hierarquização a que terá de se proceder depende, substancialmente, da realidade láctica inerente a cada situação concreta.
Por exemplo, o n.º l do artigo 27.º da Constituição dispõe que «todos têm direito à liberdade e segurança». Ora, a posição relativa destes dois direitos será, certamente, encarada de forma diversa, consoante nos encontremos perante uma situação normal do nosso quotidiano ou perante a verificação de acidente grave, catástrofe ou calamidade. E, como é óbvio, as situações, previstas no artigo 4.º do diploma em apreço, quanto à liberdade de cada cidadão, não violam minimamente o direito fundamental consagrado constitucionalmente.
Assim, parece-nos assegurado o cumprimento das normas constitucionais, desde que, como consta do diploma em apreço, sejam tomados em conta, na aplicação das medidas excepcionais, critérios de necessidade, proporcionalidade e adequação aos fins visados, bem como se garanta expressamente o direito dos cidadãos a uma indemnização a calcular em função dos prejuízos efectivamente sofridos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos em face de um diploma que pode revelar-se fundamental em eventuais situações de catástrofe. Que, abordando matérias de organização do Estado e da sociedade, relacionadas, desde logo, com a salvaguarda de vidas humanas, deveria ser despartidarizado, gerando-se um consenso em volta dos seus princípios orientadores.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Tanto mais que os pontos de discordância constantes do mesmo poderão ser limados em sede de especialidade, para o que, desde já, manifestamos a maior abertura.
Se este espírito de boa-fé for partilhado por todos os elementos desta Câmara, o regime democrático português será dignificado e prestigiado.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): -Sr. Presidente. Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A questão que colocámos no início deste debate era clara: a de que, através de uns quantos artigos, que sinalizámos, o Governo adoptara uma técnica que violava a Constituição, criando uma nova situação de excepção limitativa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
A esta questão pretenderam responder, em primeiro lugar, o Sr. Secretário de Estado e, em segundo lugar, o Sr. Deputado José Puig dos Santos Costa. Uma e outra resposta são, clara e absolutamente, inconvenientes. Vejamos: a distinção entre a declaração do estado de sítio e do estado de emergência e a «situação de emergência» é óbvia! Não há, da nossa parte, a mínima confusão quanto a isso, mas há uma confusão gravíssima da parte do Governo ao criar, conceptologicamente, uma figura que é a «situação de emergência» e, a partir dela, à margem da Constituição e da lei, adoptar mecanismos que são típicos do estado de sítio e do estado de emergência, ou seja, aquilo que nós provámos ser impossível na situação institucional e jurídico-vinculativa do País democrático em que vivemos.
Não é possível fazer extrair limitações dos direitos, liberdades e garantias da simples configuração de uma nova figura, chamada situação de emergência, Sr. Secretário de Estado! Um jurista sabe isso e o senhor tem obrigação de o saber...
O que acontece é que, nos artigos 4.º, 9.º, 14.º e 17.º, entre outros, há reais restrições, à revelia da lógica do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa, que não é nada permissiva, e em conflito também com o estabelecido no artigo 19.º sobre o estado de sítio e o estado de emergência, bem como da legislação ordinária que subsidiariamente se aplica.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP):-Muito bem!
O Orador:-Não confundamos, pois, as realidades!
Que há conceitos diferentes, há! Que o Governo subtrai de um pretenso conceito novo situações típicas -e não pode fazê-lo! - do estado de sítio e do estado de emergência, constrangendo direitos, liberdades e garantias, é uma evidência! E eu espero que o Sr. Ministro da Administração Interna, quando há pouco proclamava, perante a Câmara, a disponibilidade para melhoramentos na redacção deste texto em sede de comissão, não deixe de ter este como primeiríssimo dos objectivos a trabalhar. Porque das duas uma: ou o Governo está de má-fé e pretende, de facto, decretar o seu próprio estado de sítio a bel-talante; ou o Governo está de boa-fé e tem de reconhecer que escreveu mal o que quis escrever e que, portanto, tem de ser emendado em comissão o que foi mal escrito.
Dou-lhe um exemplo perfeitamente categórico, Sr. Secretário de Estado. Quando se diz «sem prejuízo do disposto na lei sobre o estado de sítio e do estado de emergência» sabe-se perfeitamente que isto não é homologo de afirmar-como deveria, com mais rigor, afirmar-se! - «com inteiro respeito pelo disposto na lei sobre o estado de sítio e o estado de emergência». Não é homólogo! Qualquer hermeneuta sabe que não é e, portanto, o que aqui se prescreve é apenas uma possibilidade adicional de leitura sistemática de um documento que leva à perpetração de práticas revéis à estrutura constitucional e legal que impera neste domínio nobre das liberdades públicas e individuais.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): -Muito bem!
O Orador: -Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Também não colhe o argumento da hierarquização de normas e de direitos invocado pelo Sr. Deputado José Puig pela simples razão de que os conflitos entre normas têm de ser positivamente dirimidos através de uma instância objectiva chamada lei e em conformidade com a lei fundamental. Eu não posso disponibilizar a um qualquer aplicador, a um qualquer governo, a um qualquer comité de ministros, a um qualquer conselho alargado a hipótese de, caso a caso, intervir sem regras naquilo que é, por definição, a área nobre da privacidade, dos direitos públicos, das liberdades.
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O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Isso seria o derrogar do Estado de direito!...
Trata-se, portanto, de uma argumentação, que, de um ponto de vista teórico, não colhe e que, de um ponto de vista prático, é particularmente grave.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem! O Orador: - Gostaria ainda de...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Manuel Mendes, lembro-lhe que V. Ex.ª já esgotou o tempo de que dispunha.
O Orador: - Termino já, Sr, Presidente. Peço-lhe apenas um minuto porque quero chamar a atenção para a circunstância de, nesta proposta de lei, para além destas evidências, que julgo serem irretorquíveis, as Forças Armadas se acharem colocadas numa posição que subverte todo o edifício constitucional em vigor, estabelecendo-se, na prática, que, quando o Governo achar justificado, se pode declarar um estado de sítio, a que chama «situação de catástrofe ou de calamidade», passando ele, Governo - note-se! -, a dirigir funcionalmente as Forças Armadas. Essa competência é, assim, retirada ao Conselho de Chefes de Estado-Maior das Forças Armadas e, portanto, passa a envolver as Forças Armadas em acções de segurança interna, com a supressão do exercício de direitos, sem a declaração de estado de sítio ou de emergência.
Relativamente às forças de segurança, importa também chamar a atenção para o facto de que estão em causa aspectos que se prendem com os artigos 271.º e 272.º da Constituição da República Portuguesa, os quais estabelecem que os agentes do Estado não podem violar direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos. Estes normativos só podem ser ultrapassados nos casos constitucionalmente previstos do estado de sítio e do estado de emergência, em todos os casos com as medidas de polícia aprovadas segundo previsão legal, não devendo nunca ser utilizadas para além do estritamente necessário!
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!
O Orador: - São critérios elementares de direito que importa ter em conta quando se está a legislar.
Ora, sendo seguro que uma lei de bases de protecção civil é fundamental, que a reclamamos, que é necessário elaborá-la com toda a escorreiteza, o que não podemos admitir são entorses deste jaez ou, sequer, a argumentação ad terrorum com as cheias, com as calamidades, insinuando, por exemplo: «E se há uma situação de cheia não é previsível que se excepcionem determinados tipos de comportamentos?».
Mas, Sr. Ministro, isso está hoje claramente definido na lei. Agora, se o Sr. Ministro pretende ir para além do que a própria lei já hoje define pode fazê-lo, através da apresentação de uma proposta à Câmara, mas no respeito pela Constituição, por tudo o que tem a ver com a não livre restritibilidade dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
A verdade é que a matéria já está regulada. Não colhe, pois, argumentar ad terrorum, como se, efectivamente, alguém, nesta bancada ou nesta Casa, tivesse alguma vez pensado que era desejável, perante situações de calamidade extrema, invocar todos os espantalhos da burocracia. O que urge é o «não espantalho», a «anti-burocracia», e o Governo é hiperburocrático e intenta violar os direitos dos cidadãos, é que não toleraremos! Por isso erguemos a voz desta forma, denunciando claramente o perigo que constitui uma lei com as características de que esta se reveste se não for claramente revista, para que possa ser melhorada em todos os aspectos, no debate da especialidade em comissão, antes da votação final global.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Manuel Mendes, não o interrompi porque, entretanto, o CDS cedeu-lhe quatro minutos do seu tempo.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig dos Santos Costa.
O Sr. José Puig dos Santos Costa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou fazer uma intervenção muito breve, já que apenas quero abordar algumas questões que foram aqui colocadas pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes numa perspectiva que, em nossa opinião, é errada.
Nós conhecemos os dotes do Sr. Deputado José Manuel Mendes em termos de oratória e em termos jurídicos - são indiscutíveis e não os pomos em causa. Aliás, o Sr. Deputado será certamente uma das pessoas que nos vai ajudar, do ponto de vista técnico, a aperfeiçoar esta proposta de lei em comissão.
Mas o que o Sr. Deputado não pode é, a coberto de todos esses dotes, tentar enganar a Câmara e toda a gente a propósito do que aqui se passa! Repare, comecemos por esta questão: o Sr. Deputado fala nos conflitos entre normas, entre valores, entre direitos e diz que eles não podem ser resolvidos por um bombeiro ou por um agente da autoridade que se encontre na rua, mas pela lei.
É que foi exactamente essa a questão que abordei, Sr. Deputado! A lei, no seu artigo 4.º, resolve esses conflitos, deixando algumas possibilidades de actuação no âmbito, por exemplo, da requisição de bens e serviços e da limitação de circulação de pessoas e de veículos. E faz essa harmonização de tal maneira - aliás, como referi na minha intervenção e o Sr. Deputado não contestou e não vai contestá-lo agora porque também não o fez há pouco - que o direito à liberdade consagrado constitucionalmente não é minimamente colocado em causa! Aliás, no n.º l do artigo 27.º da Constituição diz-se que «todos têm direito à liberdade e à segurança» e no artigo seguinte mencionam-se os casos de «prisão sem culpa formada», mas isso nada tem a ver com a limitação do espaço, de circulação, etc... Portanto, nem sequer o direito fundamental, como o entendemos e como se encontra consagrado constitucionalmente, é colocado em causa.
Iríamos, em relação a esse direito fundamental, ser práticos e admitir que umas «franjas» do direito são colocadas em causa. É a questão da requisição de bens e serviços? É a questão do património? Mas, Sr. Deputado, para isso existirá o que está já na lei, respeitando-se os critérios que cia estabelece quanto à necessidade, à proporcionalidade e a adequação ao fim visado e, como é evidente, o agente tem de actuar de acordo com todos estes critérios.
Dir-me-á agora o Sr. Deputado que pode existir um determinado agente que é um incompetente, um auto-
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ritário... É claro que neste caso já sabemos o que é que vai suceder-lhe. Mas os princípios, esses, estão definidos na lei, tal como deve acontecer num Estado de direito democrático, e aí inclui-se o direito à indemnização em função dos efectivos prejuízos.
Nós sabemos que as circunstancias que determinam o estado de sítio e o estado de emergência são diferentes, mas também sabemos que, na prática, estar uma coisa ou outra significa, de qualquer modo, que se respeitará, que se cumprirá, que não poderá ser tomado em conta o regime estabelecido para o estado de sítio e para o estado de emergência.
Portanto, entendemos que neste tipo de coisas poderemos encontrar formulações mais correctas, mas não vamos tirar essas ilações, Sr. Deputado, porque não vale a pena!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já terminou o seu tempo.
O Orador: - Sr. Presidente, eu disponho de mais tempo, porque pedi a palavra para fazer uma intervenção e não um pedido de esclarecimento.
O Sr. Presidente: - Tem razão, Sr. Deputado.
O Orador: - Sr. Presidente, só para que fique claro, explico que não fiz um pedido de esclarecimento porque sabia que o Sr. Deputado José Manuel Mendes já não tinha tempo para responder.
Quanto às reais restrições dos direitos fundamentais aqui abordadas, penso que já fui suficientemente claro.
Assim sendo, creio que, nestes termos concretos e exactos, o Sr. Deputado José Manuel Mendes não vai negar aquilo que acabei de dizer: quanto muito serão atingidas algumas «franjas», mas o âmago, o «coração» dos direitos fundamentais não será colocado em causa.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): -Sr. Presidente, na sequência da questão levantada pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes, gostaria de perguntar à Mesa se já conseguiu obter alguma informação que permita informar a Câmara se os órgãos próprios das Regiões Autónomas foram ou não ouvidos nesta matéria.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lino de Carvalho, fizemos diligências junto do Gabinete do Sr. Presidente e a informação recebida, para além do que já foi dito pelo Sr. Ministro, foi a de que era ao Governo que competia esclarecer essa matéria. Esta proposta de lei está a ser discutida na generalidade, mas, como ela irá baixar de novo à Comissão, esta disporá de iodas as condições para tomar as iniciativas que entender e as consultas que quiser fazer.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, creio que das suas palavras posso concluir que, de facto, os órgãos próprios das Regiões Autónomas, em termos processuais, ainda não foram ouvidos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, dei a informação que foi recebida e que foi transmitida pelo Gabinete do Sr. Presidente, o que não invalida aquilo que o Sr. Ministro disse em nome do Governo e também não invalida que, na especialidade, a comissão possa tomar as iniciativas que entender.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP):-Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apenas gostaria de proceder a duas anotações.
Uma primeira para, com todo o gosto, reconhecer o esforço feito pelo Sr. Deputado José Puig no sentido do branqueamento de algumas das arestas mais negras da proposta de lei que está em discussão.
Uma segunda para dizer que os conflitos entre direitos não podem, numa área tão sensível como esta (que pertence à parte nobre da Constituição da República Portuguesa), ser dirimidos casuisticamente.
O que deflui da conjugação dos artigos 14.º e 17.º e das competências da Comissão Nacional de Protecção Civil é que haverá a possibilidade do julgamento casuístico das situações em que um qualquer governo poderá proceder ao cerceamento dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. E isto não deve escamotear-se, tendo em conta a Constituição e o elementar bom-senso que enquanto legislador haveremos de encontrar, designadamente no interior da comissão.
Deixo, mais uma vez, este alerta para os trabalhos que irão seguir-se.
O tempo não me permite continuar o diálogo com a bancada do PSD, mas subsiste, do nosso ponto de vista, o conjunto articulado das observações que desde o início levantei e que não foram respondidas de uma forma convicta.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate sobre a proposta de lei n.º 189/V - Lei de Bases da Protecção Civil.
Vamos iniciar o debate conjunto da proposta de lei n.º 195/V, que autoriza o Governo a aprovar o Código das Expropriações, e do projecto de lei n.º 684/V, do PCP, que atribui aos municípios o poder de declaração de utilidade pública municipal para efeitos de expropriação.
O Sr. José Carneiro dos Santos (PS): - Peço a palavra, para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente:-Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Carneiro dos Santos (PS): - Sr. Presidente, como iremos debater uma proposta de lei do Governo e ele não está presente, sugeria que aguardássemos a chegada do Sr. Ministro, se estiver para breve.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Carneiro dos Santos, posso informá-lo que o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território já se encontra a caminho da Assembleia da República e que chegará a esta Câmara dentro de muito pouco tempo.
Aguardaremos, pois, alguns momentos.
Pausa.
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Srs. Deputados, vamos dar início ao debate. Estão inscritos o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território e a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.
O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território (Valente de Oliveira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A última revisão da Constituição implica a alteração de muitas leis que ainda moldam a vida colectiva dos Portugueses de acordo com regras ou, pelo menos, com inspirações há muito ultrapassadas.
Uma delas é a do regime jurídico das expropriações por utilidade pública, em vigor desde 1976, e que, em nosso entender, não reconhece - na extensão que julgamos adequada - os direitos dos cidadãos cujos bens tenham de ser expropriados por razões de utilidade pública.
O direito de propriedade privada reconhecido na Constituição como um dos direitos fundamentais dos cidadãos foi, com o actual Código, muito desvalorizado ou em certos casos, na prática, mesmo extinto, desprotegendo o particular perante a actuação da Administração Pública. Esta podia - e ainda pode - avançar em nome do interesse público sem utilizar previamente outros meios menos gravosos para os particulares e que permitam conciliar as duas ordens de direitos, sem ferir sistematicamente uma delas.
Impõe-se, assim, proceder a uma revisão global do regime jurídico das expropriações por utilidade pública, por forma a ajustá-lo aos princípios constitucionais em matéria de direitos fundamentais e de actuação da Administração Pública.
Não é esta a ocasião para repetir as razões por que defendemos a inclusão do direito de propriedade privada na Constituição nem elaborar sobre o papel motor que ela representa para a realização pessoal dos cidadãos e para o progresso da colectividade. Mas é conveniente relembrar que no nosso ordenamento jurídico-constitucional se entende que a restrição dos direitos dos cidadãos deve obedecer ao chamado princípio da proporcionalidade, que está consagrado na Constituição.
Ora, em matéria de expropriações, a aplicação de tal princípio implica que, sempre que a realização do interesse público reclame a ablação, restrição ou qualquer outra limitação ao direito de propriedade, a administração - mesmo dispondo de discricionariedade em relação às medidas a tomar- opte por aquela que menos danos fizer à esfera jurídica dos particulares.
O acolhimento do princípio da proporcionalidade no novo regime jurídico das expropriações por utilidade pública virá a impedir que, no futuro, a Administração possa recorrer directamente à figura da expropriação, sem ter tentado previamente realizar o interesse público através de outras fórmulas menos prejudiciais para o direito de propriedade privada dos cidadãos. Entre elas situam-se as requisições por utilidade pública, nos casos em que não haja necessidade de supressão do direito de propriedade. Mas, havendo-o, terá de se assegurar que ela se processe, primeiramente, através de uma negociação entre a Administração e os cidadãos, lendo em vista a aquisição, sem conflito, do imóvel que estiver em causa.
Ainda no plano dos princípios, a Constituição estipula claramente que a Administração Pública, no seu relacionamento com os cidadãos, se deve subordinar aos princípios da igualdade, da imparcialidade e da justiça.
Julgamos que o actual Código das Expropriações permite remeter para um plano secundário esses preceitos e, por isso, sentimos a obrigação de dotar o País com um outro que assegure, de modo eficaz, que eles não sejam esquecidos ou negligenciados. Mas, além da obediência aos princípios, é preciso propor mecanismos operacionais para conciliar os interesses da colectividade com os direitos dos cidadãos. É isso que nos propomos fazer, através da elaboração do novo Código.
As principais inovações que pretendemos introduzir incidem, fundamentalmente, no reforço das garantias dadas aos cidadãos cujos bens imóveis tenham de ser expropriados pela Administração Pública, na sequência de uma declaração que reconheça a utilidade pública da expropriação. São elas as seguintes:
Primeira - A obrigatoriedade de a Administração tentar previamente adquirir os bens imóveis pela via de direito privado.
Passar-se-á a exigir que o Estado, as autarquias locais e outras pessoas colectivas de direito público, antes de desencadearem um processo expropriativo, tentem adquirir aos particulares, por via da celebração de um contrato de compra e venda, os bens imóveis necessários à realização do interesse público. Pretende-se, assim, dar uma possibilidade aos particulares para, antes de ser accionado qualquer processo expropriativo, acordarem amigavelmente com a entidade pública, que estiver em causa a compra do bem imóvel que for necessário para a realização da obra ou do projecto público.
Segunda - A obrigatoriedade de a Administração dar conhecimento prévio aos cidadãos de que é sua intenção proceder à expropriação dos seus bens imóveis.
No caso de falharem as negociações para uma aquisição amigável dos bens imóveis dos particulares, estes têm o direito de saber, antecipadamente à declaração da utilidade pública da expropriação dos seus imóveis, que a entidade pública que estiver em causa irá solicitar a declaração de utilidade pública da expropriação à entidade que tiver competência para o fazer.
Terceira - A obrigatoriedade de a Administração dar conhecimento aos cidadãos de quaisquer actos administrativos que declarem a utilidade pública dos seus bens imóveis, bem como de quaisquer actos administrativos que autorizem a posse administrativa dos referidos bens.
Os despachos que declaram a utilidade pública de uma expropriação ou da autorização para a posse administrativa do bem expropriado são publicados na 2.ª série do Diário da República. Ora, sucedendo que este Diário - e muito especialmente a sua 2.ª série - não é correntemente lido pela população em geral, impõe-se que os despachos que afectam directamente os cidadãos na sua fazenda sejam levados ao seu conhecimento directo. Pretende-se, por conseguinte, reforçar as garantias dos expropriados, através da publicitação da expropriação.
Quarta - A obrigatoriedade de a entidade expropriante, antes da posse administrativa de bens imóveis, depositar à ordem dos seus proprietários a quantia que tiver sido fixada em avaliação prévia, a qual será feita por um perito escolhido das listas judiciais. Pretende-se, deste modo, reforçar a garantia do direito à indemnização por parte do expropriado.
Quinta - A desburocratização das expropriações amigáveis.
Prevê-se que, no novo Código, fique consagrada a possibilidade de, nas expropriações amigáveis, as escri-
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turas públicas de expropriação amigável passarem a ser celebradas directamente nos notários públicos, beneficiando o expropriante e o expropriado de prioridade sobre o restante serviço notarial. Prevê-se também que haja, nesses casos, a dispensa de remessa ao tribunal das escrituras ou dos autos de expropriação amigável. Evitar-se-á, assim, que o expropriado - tal como está previsto no actual Código- só venha a receber a sua indemnização após ter sido proferido o despacho judicial de adjudicação da propriedade.
Sexta-A garantia do direito de reversão, no caso de o imóvel ser orientado para outros fins que não os que fundamentaram a declaração da sua utilidade pública.
Trata-se de uma das mais significativas inovações a introduzir no novo Código. Segundo o que ainda está em vigor, o direito de reversão só pode ser exercido no caso de o expropriado ser uma autarquia tocai. Se atentarmos em que as autarquias locais são, na imensa maioria dos casos, entidades expropriantes, muito raramente estando na posição de expropriadas, pode-se compreender facilmente como é reduzido ou nulo o alcance que o direito de reversão ainda tem, entre nós. Na prática, pode-se afirmar com justeza que não existe o direito de reversão no direito português das expropriações.
Com a inclusão efectiva do direito de reversão na futura lei, pretende-se moralizar a actuação da Administração Pública por forma que esta aplique o bem expropriado ao fim que determinou a expropriação. Caso o não faça, poderão os particulares expropriados recuperar os seus imóveis.
Sétima - A definição da «justa» indemnização a atribuir aos expropriados é sempre difícil e controversa porque contém elementos subjectivos e factores de expectativa na sua composição. Mas, em obediência ao disposto no n.º 2 do artigo 62.º da Constituição, impõe-se caminhar no sentido da sua objectivação. No cálculo do valor dos solos expropriados a proposta tomou em consideração -como não poderia deixar de ser- a jurisprudência do Tribunal Constitucional a propósito do artigo 30.º do actual Código. Este douto Tribunal tem considerado que o direito à justa indemnização se traduz num direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, peto que as suas restrições se deverão limitar ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
Partindo da ideia básica em que assenta a jurisprudência do Tribunal Constitucional, não consagrando na lei a aptidão potencial da edificabilidade dos terrenos expropriados e localizados fora dos aglomerados urbanos ou em zonas diferenciadas desses aglomerados -o que violaria os princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade dos cidadãos perante a lei -, entendemos que há-de contribuir para a ultrapassagem das dificuldades da quantificação da indemnização a classificação do solo em duas categorias: a de solo apto para a construção e a de solo apto para outros fins.
É que se, em princípio, todo o solo - incluindo o integrado em prédios rústicos-é passível de edificação, convém não esquecer que a lei ou os regulamentos em vigor podem prever expressamente restrições ou mesmo proibições ao direito de construção. Isso decorre da imposição de servidões administrativas, como as militares, ou da aplicação de restrições de utilidade pública, como os regimes jurídicos do domínio público hídrico, da Reserva Agrícola Nacional, da Reserva Ecológica Nacional ou mesmo dos regulamentos dos próprios planos de ordenamento do território. Nessas condições, é indiscutível que tais solos não poderão ser classificados, para efeitos de indemnização decorrente de expropriação, como solos aptos para a construção. Haverá, nesses casos, que ter apenas em conta, para a fixação da indemnização, a natureza do solo, as culturas dominantes, os frutos pendentes e outras circunstancias objectivas susceptíveis de influírem no cálculo do valor da indemnização.
Sr. Presidente. Srs. Deputados: Ao fazer um pedido de autorização legislativa nesta matéria-de que me honro ser o intérprete-o Governo está ciente de que a nova lei sobre expropriações e requisições por utilidade pública virá a representar um instrumento fundamental para o reforço dos direitos dos cidadãos. Ao desburocratizar, facilitando e modernizando todo o conteúdo da relação jurídica de limitação ao direito de propriedade, valoriza-se o interesse da colectividade.
Mas, ao rodear de todas as cautelas a declaração da utilidade pública dos imóveis de que ela precisa para progredir, impondo transparência a todas as fases do processo e obrigando ao pagamento de indemnizações pontuais e objectivas aos antigos titulares, está a garantir-se aos cidadãos o respeito por direitos que a Constituição lhes reconhece, fazendo-o de modo eficiente e propiciador de um bom clima de relações entre a Administração e o particular.
É por estar convencido de que se trata, agora, de elaborar sobre uma arquitectura equilibrada na sua estrutura geral que eu solicito à Câmara a sua anuência ao pedido de legislar que o Governo lhe apresenta.
Aplausos do PSD.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo.
O Sr. Presidente:-Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero perguntar-lhe qual o motivo que levou o Governo a apresentar um pedido de autorização legislativa sobre uma matéria tão complexa como a da elaboração de um código de expropriações. Mais: sendo certo que o Governo enviou à Associação Nacional de Municípios Portugueses um documento a que chamou «a última versão da proposta de lei que aprova o Código das Expropriações», a fim de que a Associação desse parecer, qual a razão da apresentação de um pedido de autorização legislativa e não o envio i Assembleia da República de uma proposta de lei material? Então, Sr. Ministro, o que fez a esta proposta de lei que mandou à Associação Nacional de Municípios Portugueses? Deitou-a fora?! Deixou-a na gaveta?! Esqueceu-se dela?! Por que é que a Assembleia da República não tem o direito de conhecer o conteúdo dessa proposta, que, afinal, não é proposta de lei, porque não deu entrada nesta Câmara, mas que é, pelos vistos, um projecto de decreto-lei que o Governo quer publicar com o pedido de autorização legislativa que agora enviou à Assembleia da República?
Sr. Ministro, não acha que é demais esta falta de consideração para com os deputados, para com esta Câmara, de nem sequer lhes dar a conhecer o projecto de decreto-lei e de nem sequer lhes dar a conhecer aquele documento, a que chamou proposta de lei, que enviou à Associação Nacional de Municípios Portugueses?
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A Assembleia da República está hoje a debater uma questão, que V. Ex.ª considerou da maior importância, sem saber, em concreto, o que pensa o Governo em relação a cada uma das diferentes questões que aqui colocou e que se limitou a enunciar, sem que conheça o sentido exacto e o alcance de tais propostas que o Governo pretende elaborar.
Claro que nós, porque temos contactos com a Associação Nacional de Municípios Portugueses, tivemos conhecimento da tal proposta a que o Sr. Ministro chamou proposta de lei, mas que afinal não chegou a ser, e podemos ter alguma ideia do que quer o Governo.
Mas, Sr. Ministro, este comportamento por parte do Governo é inadmissível e não pode ser aceite. Estamos ainda a tempo de remediar esta questão e creio que, neste início de debate, é fundamental que V. Ex.ª pondere este problema, retire este pedido de autorização legislativa e apresente na Assembleia da República a tal proposta de lei que enviou à Associação Nacional de Municípios Portugueses. Não lhe parece, Sr. Ministro, que esta é a única forma de emendar aquilo que está mal?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Laurentino Dias.
O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Naturalmente que um código de expropriações ou um regime jurídico de expropriações é um texto de alguma complexidade, de algum melindre, pois que os conceitos que devem estar subjacentes ao seu articulado envolvem questões que têm a ver directamente com a propriedade privada, com a propriedade pública, com o interesse pessoal, directo e legítimo dos cidadãos e com o interesse natural, também legítimo e óbvio, do Estado.
Nessa medida, considerando a especial natureza dos conceitos subjacentes a uma proposta deste tipo e porque estamos aqui hoje discutindo uma autorização legislativa e não um texto final de um decreto-lei, gostava que V. Ex.ª me precisasse com mais rigor um dos conceitos, já que nesta autorização se abordam as expropriações e o regime de requisição, que é o da requisição. Naturalmente que se diz, e tem-se como certo, que a requisição por utilidade pública deriva da existência de um interesse público e naturalmente de uma projectada duração limitada no tempo desse mesmo interesse público.
A questão objectiva que gostava de colocar a V. Ex.ª e que solicitava que desenvolvesse para antever qual será o texto futuro deste decreto-lei é, objectivamente, a seguinte: a requisição geral ou o regime geral da requisição de bens será entendido, no decreto-lei futuro, como uma figura de excepção, a funcionar transitória e temporariamente em determinados casos em que haja interesse público, ou poderá vir a ser um regime de transição para a expropriação, com todos os problemas e questões que isso trará, quer para os cidadãos quer para o Estado?
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.
O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: - Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, porque um pedido de autorização legislativa é lícito e operacional,...
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Os deputados só servem para aprovar, não para discutir!
O Orador: -... por que num caso destes, onde há tanta coisa a afinar, teremos de consultar muita gente e teremos, naturalmente, de consultar a Associação Nacional de Municípios Portugueses,...
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - E por que não os deputados?!...
O Orador: -.... pois os municípios são intérpretes e executores -foi por isso que ela foi consultada - de todo este processo e são também, tal como tive a ocasião de referir há pouco, um dos principais intervenientes ou beneficiários de todas as expropriações.
Não se pode, portanto, levar-nos a mal que consultemos a Associação Nacional de Municípios Portugueses. Fazemo-lo com frequência e quando, por qualquer motivo, nos atrasamos, V. Ex.ª logo reclama que nos atrasámos e que não demos a devida atenção à Associação Nacional de Municípios Portugueses.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Não é isso que está em causa!... O que queremos é que consulte a Assembleia da República.
O Orador: - Desta vez demos-lhe a devida atenção e V. Ex.ª faz ao contrário: diz que lhe demos demasiada atenção. Não entendo essa crítica.
Estamos a elaborar o Código das Expropriações com todo o pormenor e o que temos diante de nós é um calendário para aprovar todos estes diplomas. Esta é uma fórmula que podemos accionar e foi isso o que fizemos porque, no nosso programa de trabalho, essa é a maneira de chegarmos mais rapidamente à solução do assunto. Com todo o respeito pelos principais intervenientes obtemos, naturalmente, o resultado que queremos o mais rapidamente possível. Portanto, conciliando respeito pelas instituições, operacionalidade e envolvimento e participação dos principais agentes, foi isso o que fizemos. É lícito e não deve merecer reparo de ninguém.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado Laurentino Dias, a ideia que temos relativamente à duração no tempo da requisição é a de que ela é de carácter transitório. Se, por acaso, no decurso das operações ou no decurso daquilo que for objecto da requisição se verificar que há um interesse constante e permanente, não quer dizer que, em casos excepcionais, como deve acontecer em todo este procedimento, não se evolua para a expropriação. Mas, na maioria dos casos, a ideia é a de que a requisição é uma figura que se auto-sustenta como instrumento de mobilização de um bem em relação ao qual não há ideias permanentes para a utilidade pública.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada lida Figueiredo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo insiste na desvalorização das funções da Assembleia da República. Em vez de um debate sério e profundo sobre uma proposta de lei material de um novo Código das Expropriações, estamos
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a debater um pedido de autorização legislativa vago sobre uma matéria tão complexa como o é toda a problemática do direito da propriedade, seja na perspectiva da defesa da propriedade privada, como o fez o Sr. Ministro, seja de propriedade pública ou do direito à propriedade dos que não têm qualquer propriedade.
Acresce, ainda, que o Governo não enviou à Assembleia da República qualquer projecto do diploma que pretende aprovar, nem sequer uma cópia da versão que o Ministério do Planeamento e da Administração do Território chegou a elaborar e que enviou à Associação Nacional de Municípios Portugueses como a última versão de uma proposta de lei, que aprova o Código das Expropriações, solicitando-lhe o seu parecer.
Verificamos agora que não existe qualquer proposta de lei. O que o Governo enviou foi um projecto de decreto-lei que quer publicar, usando o pedido da autorização legislativa, hoje em debate. Mas tentou enganar a Associação Nacional de Municípios Portugueses, quando lhe enviou um texto que afirmava ser a última versão da proposta de lei!
O Sr. João Salgado (PSD): -Enganar?!...
A Oradora: - Sim, dou-lhe uma cópia do texto para o Sr. Deputado verificar que está lá escrito ser aquela a última versão da proposta de lei. Gostava de saber onde é que está a proposta de lei. O Sr. Deputado têm-na? Eu não!... O que aqui estamos a discutir é um pedido de autorização legislativa.
É inadmissível este comportamento do Governo. É ridículo este relacionamento, na base das meias mentiras e das meias verdades!
É inconcebível que o Governo não reconheça à Assembleia da República, sequer, o direito das conhecer o projecto de alterações do Código das Expropriações, que, pelos vistos, já teve várias versões, o que não é de estranhar tendo em conta a complexidade das questões que envolve.
Mas o que não pode ser compreendido nem aceite é que o Governo exclua a possibilidade de os deputados participarem na elaboração do novo Código das Expropriações -e, há pouco, o Sr. Ministro referiu uma série de entidades que devem participar na elaboração do Código, mas esqueceu-se de referir as entidades que, nos termos da Constituição, têm poder para o fazer, ou seja, os deputados da Assembleia da República -, de ouvirem técnicos e especialistas sobre direito administrativo e sobre urbanismo, de apreciarem estudos técnicos e de direito comparado, de analisarem as implicações da alteração ao Código das Expropriações noutra legislação, designadamente da área do urbanismo, do planeamento e ordenamento do território, da política de solos e até da habitação.
É que a problemática das expropriações, além de envolver matérias complexas e mexer com muitas leis, tem uma forte carga técnica sobre questões pouco desenvolvidas no nosso país. E quando se fala de expropriações, não pode tratar-se da mesma forma todo o tipo de expropriações. A gestão fundiária no contexto urbanístico é uma questão diferente e com dinâmica diversa das expropriações para a construção de auto-estradas ou de expropriações casuísticas do Estado para as obras públicas. Certamente não pode dar-se igual tratamento às expropriações para fins militares ou para a construção de bairros sociais. Há que dar-lhes um tratamento diferente, mas esse tratamento tem de ser sempre simples, claro, transparente, em benefício do expropriado e do expropriante.
É que não pode usar-se como bandeira a defesa dos direitos dos particulares expropriados, como faz o Governo no preambulo do pedido de autorização legislativa e como fez aqui o Sr. Ministro, e depois legislar em causa própria, como acontece com o projecto da proposta de lei (que nunca chegou a sê-lo!) enviado à Associação Nacional de Municípios Portugueses, em que o Governo cria um processo burocrático complicadíssimo, introduz uma componente tecnocrata e jurídica muito complexa, que foge ao controlo das partes envolvidas no processo de expropriação.
E o que resulta é um Código das Expropriações confuso, com um processo labiríntico que, na prática, impede a expropriação, mas impede também que o proprietário disponha do seu terreno.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!
A Oradora: - Ou seja, o processo criado funciona como uma espécie de chantagem sobre o proprietário, mas, simultaneamente, abre caminho às maiores arbitrariedades, designadamente ao estabelecer o princípio casuístico da avaliação dos terrenos por terceiros, o que pode defraudar o Estado e conduzir a resultados diversificados e de grande injustiça relativa.
Se o objectivo do Governo fosse, de facto, evitar a conflitualidade permanente, insistiria no processo antecipado de negociação, enquadrado no planeamento, de forma a garantir a existência de uma gestão perequacionada da propriedade. Ou seja, sabendo que o desenvolvimento do País implica a necessidade de disponibilizar, em tempo útil, espaço para as grandes obras públicas e espaço para fomentar o próprio desenvolvimento urbano, o Governo devia estabelecer, previamente, uma política de solos. O que não faz.
Em lado nenhum do pedido de autorização legislativa aparece qualquer preocupação com a disponibilidade antecipada dos terrenos necessários para o crescimento urbano, nem tão-pouco a necessidade de uma maior equidade de relações da Administração Pública face aos diferentes proprietários, promotores e residentes.
Aliás, o espírito da autorização legislativa parece ir no sentido inverso do Decreto-Lei n.º 152/82, que, embora aprovado no tempo da AD, reconhecia a necessidade de disponibilizar o solo, em tempo útil, por parte da Administração Pública e dos promotores, ao criar as áreas de desenvolvimento urbano prioritário e as áreas de construção prioritárias. Aí se afirmava que, «sem ofender o direito de propriedade privada, que continua a respeitar-se, reconheceu-se a necessidade de o submeter a certas regras, plenamente justificadas pela função social que a propriedade fundiária deve desempenhar».
Ora, como compatibiliza o Governo as pretensões expressas no pedido de autorização legislativa de alterações ao Código das Expropriações com os princípios orientadores do Decreto-Lei n.º 152/82? Não vai, afinal, no sentido contrário? Até onde pretende chegar com a definição do preço, questão fulcral no processo de expropriações? Não vai alimentar a especulação fundiária que já hoje se vive?
E, quando fala do processo de reversão dos bens expropriados, em que condições, incluindo prazos, será
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definido tal processo, sabendo-se que é vulgar obras públicas e obras municipais demorarem anos a ser concretizadas?
Como irá ser assegurada a defesa do interessa público sem pôr em causa a protecção dos direitos dos cidadãos, seja dos que foram expropriados seja dos que aguardam a construção da prometida obra pública?
As questões fundamentais da complexidade das matérias que envolvem esta autorização legislativa ficaram, até agora, sem resposta.
Nada se disse sobre a indispensabilidade de uma reserva legal (mínima e máxima) na posse das autarquias locais, que permita uma gestão de solos racional ao serviço do planeamento urbanístico e a sua gestão.
Não se reconhece a necessidade da celeridade do processo para garantir a oportunidade da operação, mesmo quando se desconheçam os proprietários ou quando a sua situação face à posse seja complexa.
Não se clarifica o sistema de avaliação da propriedade, tendo em conta que deve ser balizado pelo valor da propriedade rural (rendimento e apego da população à terra) e pelo valor da propriedade urbana, em função dos valores edificados médios e dos espaços a reservar para equipamentos e infra-estruturas, sem perder de vista as situações intermédias, em que há que contar com o valor potencial nas zonas próximas ou, ainda, com os efeitos de escala e dimensão de parcela.
Assim, o que propomos - e repito o que já disse há pouco - é que o Governo retire este pedido de autorização legislativa e o substitua por uma proposta de lei material, para que a Assembleia da República possa aprofundar o estudo e debater questões que são da maior importância para o desenvolvimento do País.
Quanto ao projecto de lei n.º 684/V, que o PCP apresenta, pretende-se, com ele, atribuir aos municípios o poder de declaração de utilidade municipal, para efeitos de expropriação, para as obras de sua iniciativa, quando os respectivos projectos estejam integrados em planos municipais já aprovados.
Deste modo, põe-se cobro a um sério estrangulamento à actividade dos municípios e combate-se a burocracia, a complexidade e morosidade de todo o processo de expropriações para obras que os municípios pretendem realizar, desde que tenham planos municipais de ordenamento já aprovados.
É que, conhecendo-se a complexidade da aprovação dos planos municipais de ordenamento do território e a participação que a administração central tem na sua elaboração e ratificação, não se entende que os municípios continuem depois sujeitos a um novo processo burocrático, moroso e complicado, para obterem a expropriação para obras que pretendem realizar e que estão integrados nos planos municipais de ordenamento do território, já aprovados.
Esperamos, pois, que da parte da Assembleia da República haja a compreensão deste sério problema dos municípios e que assim se criem as condições para a sua resolução, votando favoravelmente o projecto de lei que apresentamos.
Aplausos do PCP.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Não esperaríamos que votassem contra o vosso diploma.
O Sr. Presidente: - Inscreveu-se, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Fernando Correia Afonso.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Fernando Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, na intervenção que acabou de produzir abordou, muito ao de leve, o projecto de lei apresentado pelo PCP acerca de expropriação e eu, sobre essa matéria, quero apenas deixar dois apontamentos em termos de interrogações.
A Sr.ª Deputada deve ter-se apercebido de que o seu projecto de lei é inconstitucional.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Inconstitucional?!...
O Orador: - Como deve saber, a expropriação existe quando há o choque entre o interesse público e o interesse privado, que surge sob a forma de direitos fundamentais, nomeadamente o direito à propriedade.
Ora, a esse respeito, a lei é expressa - e é a Constituição que cito, no seu artigo 168.º, n.º l, alínea i) quando inclui na reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República a capacidade de decidir ou legislar sobre expropriações.
A Sr.ª Deputada sabe muito bem que o acto de declaração de utilidade pública é o acto gerador da expropriação. Portanto, quando pretende, no seu projecto de lei, atribuir às assembleias municipais a competência para a declaração da utilidade pública das expropriações, a bancada da Sr.ª Deputada está a produzir um acto inconstitucional. Este é o primeiro apontamento.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Segundo apontamento: a Sr.ª Deputada referiu ao Sr. Ministro que parecia inacreditável que a proposta enviada a este Parlamento não fosse o próprio Código das Expropriações.
A esse respeito, quero cumprimentá-la, pois aprecio e respeito sempre as utopias, mas a Sr.ª Deputada sabe muito bem que essa utopia é do século XIX e que, hoje, os parlamentos modernos não têm a possibilidade de entrar na profundidade desses tecnicismos. Em toda a parte, usam-se as autorizações legislativas.
Vozes do PSD: -Muito bem!
O Orador: - Finalmente, quero apenas dizer que não é possível compatibilizar a proposta de lei do Governo e o projecto de lei do PCP. Vão em sentidos diferentes! Enquanto a proposta de lei reforça os direitos fundamentais, o projecto de lei do PCP, ao contrário, quer reforçar o poder do Estado ao nível local contra-porque estamos numa área de expropriação - os direitos fundamentais.
Gostava, se fosse possível, que a Sr.ª Deputada me esclarecesse acerca destas dúvidas que exprimi.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Correia Afonso, esclareço, com todo o gosto, as dúvidas que colocou e começo por dizer-lhe que, salvo melhor observação, fez uma grande confusão entre o conteúdo do artigo da Constituição da República que leu e o assunto de que trata o projecto de lei do PCP. O que a Constituição da República refere é aquilo que o Governo aqui pretende fazer, hoje, através do pedido de autorização legislativa.
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Naturalmente que cabe à Assembleia da República -é reserva desta- apreciar e legislar sobre expropriações. É isso que estamos hoje a fazer, embora não correctamente, porque o Governo não nos enviou a proposta de lei, mas, enfim, de forma enviesada, a que já estamos habituados, o pedido de autorização legislativa mais ou menos vago e impreciso.
O nosso projecto de lei trata de uma outra questão, incide sobre o acto de declaração da utilidade pública municipal. Como cabe à Assembleia da República deliberar sobre essa matéria, apresentámos o nosso projecto para que a Assembleia da República o aprecie e aprove. Logo, é perfeitamente constitucional. Agora o acto posterior, o da aplicação dessa lei, é que é da competência dos municípios. Que a Assembleia da República o delibere 6 perfeitamente constitucional!
Relativamente à utopia que referiu, Sr. Deputado Fernando Correia Afonso, é muito bom ainda sabermos alimentar algumas utopias. Mal vai quem já não consegue ter alguma utopia, o que me parece ser o caso do Governo, que já nem consegue alimentar a utopia de apresentar aqui o diploma que enviou à Associação Nacional de Municípios Portugueses, que não consegue reconhecer à Assembleia da República e aos deputados o direito de se pronunciarem sobre uma matéria sobre a qual considerou - e muito bem! - que outras entidades se deveriam pronunciar!
Repare-se que é natural que a Associação Nacional de Municípios Portugueses se pronuncie sobre esse diploma, sendo positivo que o Governo tenha pedido um parecer. Porém, o que não se entende é que o órgão a quem a Constituição dá poderes para deliberar sobre o assunto não se possa pronunciar, que o Governo lhe negue esse direito! De facto, Sr. Deputado, isso é demais!
O Sr. Fernando Correia Afonso (PSD): - Dá-me licença que a interrompa, Sr.ª Deputada?
A Oradora:-Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Fernando Correia Afonso (PSD): - Sr.ª Deputada, apenas lhe queria dizer que a utopia está na reserva exclusiva de competência do deputado. Nunca pode-e ainda bem! -estar na competência do Governo.
A Oradora:-Mas o que está aqui em causa, Sr. Deputado, é uma questão muito mais séria, isto é, o exercício de um direito constitucional, que cabe, como V. Ex.ª bem reconheceu, a esta Câmara: legislar sobre expropriações.
No entanto, o que se verifica é que o Governo escamoteia esse direito exclusivo desta Assembleia, utilizando e abusando de um processo expedito, ou seja, o das autorizações legislativas vagas e imprecisas!
O Sr. João Salgado (PSD): -Não apoiado!
A Oradora: - É positivo que o Governo não utilize esse processo para outras entidades. Contudo, o que é inadmissível é que o utilize para esta Assembleia!
Por que é que o Governo, mesmo utilizando a autorização legislativa, não mandou, pelo menos, o projecto de código que pretende publicar e que enviou à Associação Nacional de Municípios Portugueses? Pensa o Governo que os deputados nem isso têm o direito de conhecer?! Não acha que isso é demais, Sr. Deputado?!
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): -Muito bem!
A Oradora: - Penso, pois, que o processo é muito complexo e que se torna necessário vê-lo com todo o cuidado.
Quanto ao nosso projecto de lei - repito -, ele visa apenas facilitar a vida dos municípios e combater a burocracia, procurando facilitar um processo extremamente moroso e burocrático, que dificulta a vida dos municípios e impede um desenvolvimento municipal eficaz.
Vozes do PCP: -Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Aires Ferreira.
O Sr. Aires Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Um Código das Expropriações é um diploma que regula a forma pela qual a Administração Pública se pode apropriar de bens imóveis privados necessários aos fins que prossegue. A expropriação é, por natureza, a forma última de que se serve a Administração.
Têm sido generalizadas as críticas formuladas ao Código das Expropriações em vigor, pela sua morosidade e ineficácia. Desafio a que se faça um balanço de quantas expropriações foram solicitadas pelos municípios de há 10 anos para cá e se compare esse valor com o de aquisições, entretanto, efectuadas.
É óbvio que os direitos legítimos dos particulares devem ser salvaguardados. Mas é inverdadeiro que, como se afirma na exposição de motivos, «os particulares, em muitos casos, viam-se [...] confrontados com a existência de uma expropriação somente quando a entidade expropriante se preparava para tomar posse administrativa». E isto porque -tenho aqui um formulário oficial do Ministério do Planeamento e da Administração do Território a demonstrá-lo- a «prova documental das diligências efectuadas com vista à aquisição pela via do direito privado, com indicação das razões do respectivo inêxito», é já um dos 14 documentos necessários para solicitar a expropriação por utilidade pública. Mais dois para a tomada de posse administrativa.
Aliás, ao referir-se, na exposição de motivos, que o regime jurídico das expropriações por utilidade pública vigora desde 1976, pelo Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de Dezembro, com o subjacente raciocínio de cheirinho a PREC, está a omitir-se as alterações introduzidas por nove diplomas legais, entre os quais se salientam os Decretos--Leis n.º 413/83, de 23 de Novembro, e 231/87, de 11 de Junho, já do Governo do Sr. Prof. Cavaco Silva.
De tal modo assim é que o Código das Expropriações é, hoje, uma manta de retalhos a necessitar de uma nova formulação.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Daí que, se consideramos a iniciativa louvável, já os termos propostos nos suscitam alguma preocupação.
Efectivamente, a enfatização permanente dos direitos dos particulares, no cálculo correcto do valor destes, na comunicação sistemática do andamento processual aos mesmos, em conjugação com a quase completa ausência de referencias à celeridade administrativa, a formas mais expeditas e ao rápido desencadear do processo arbitrai, deixa-nos receosos quanto à concretização dos princípios propostos.
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Que o Código das Expropriações, na sua forma actual, é desmotivador do recurso a esta forma de actuação, poder-se-á constatar pelo indicador que há pouco propus fosse elaborado.
Que será útil a elaboração de um diploma que, de forma coerente, regule as expropriações por utilidade pública ninguém duvida.
Que será necessário um diploma que permita, por um lado, a actuação expedita da Administração e que, por outro, salvaguarde os legítimos direitos dos proprietários ninguém põe em causa.
No entanto, o que parece pretender-se com este pedido de autorização legislativa?
Repare-se que, dos 12 itens do artigo 2.º, que regula os termos do futuro diploma legal, oito, ou seja, dois terços, dizem respeito à salvaguarda dos direitos privados, outro respeita às situações de calamidade pública e, ainda, outro concerne à mera requisição por utilidade pública.
Concomitantemente, parece lógica a ilação de que parece pretender-se elaborar não um código das expropriações mas um código das indemnizações!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Compreende-se que se pretende evitar casos de expropriação de terrenos sem critérios ou fundamento, com fins persecutórios ou para a realização de simples anteprojectos ou estudos que, depois, são abandonados.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Mas vão lançar-se ainda mais escolhos num processo já actualmente moroso e complicado?! Com base em que doutrina? Em alguma das ideologias com assento no quadro parlamentar? Com base na democracia cristã, que, perfilhando a doutrina social da Igreja, explicitamente pressupõe a propriedade privada sujeita a uma função social? Com base na social-democracia e no socialismo democrático, que pressupõem a intervenção da Administração como reguladora dos conflitos entre o bem social e o interesse privado? Não, e muito menos assente num pensamento colectivista que, porventura, tenha subjacente a prossecução do bem público através da apropriação colectiva dos meios de produção!
Resta assim, como base ideológica aparente, o liberalismo, na sua forma mais pura.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Tinha que ser!...
O Orador: - O problema da expropriação como último recurso não se põe tanto nos prédios rústicos ou nos prédios caracterizada e infra-estruturadamente urbanos. A maior parte dos problemas surge nos terrenos expeculantes, naqueles que, não tendo características urbanas, possuem proprietários que pretendem negociá-los como tal. E serão os pretensos direitos destes últimos que se pretenderão salvaguardar com os termos deste diploma? Mas qual a coerência desta atitude com a das demolições da Arrábida ou da ilha de Faro?!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Não é fundamento do nosso regime jurídico que o direito de propriedade não pressupõe o direito de construir? Com que legitimidade se pode
assacar aos municípios a responsabilidade do ordenamento do seu território, se se dificultar a última arma de que dispõem para a prossecução do previsto nos respectivos planos, nomeadamente o plano director municipal e o plano geral de urbanização?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É um facto que sem uma política de solos, nomeadamente, não é possível uma política de habitação. E de que armas dispõe a administração local? Depois dos nados-mortos que foram as áreas de desenvolvimento urbano prioritário e as áreas de construção prioritária, praticamente nenhumas, quanto a formas de obviar à especulação imobiliária e de proporcionar um correcto e harmonioso desenvolvimento urbano!
Aproveito para alertar para a inequívoca urgência de instituir figuras jurídicas que substituam com vantagem as citadas áreas de desenvolvimento urbano prioritário e áreas de construção prioritária, de molde a evitar a permanência de terrenos privados em situação de abandono, com evidente prejuízo para a malha urbana.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Lembro que nos centros urbanos de menor dimensão, onde a pressão do terciário e o nível de rendimentos não geram uma procura altista, é comum a situação de abandono de bens imóveis, edificados ou não, nomeadamente por parte de proprietários residentes nas áreas metropolitanas ou com interesses nestas, habituados a outro ritmo de escalada de valores.
É evidente o prejuízo para a textura urbana desses aglomerados e é também óbvio que, sendo distorcida a lei do mercado, a necessidade de intervenção da administração local, nestes casos onde a expropriação não faz sentido, se deverá concretizar através de outros mecanismos.
Os centros urbanos de menor dimensão encontram-se, por via de regra, rodeados de manchas agrícolas que não faz sentido vir a delapidar, quando tal é resultado não da pressão demográfica mas da ausência de utilização de terrenos inseridos na malha urbana ou da reabilitação de edificações.
Planos de ordenamento, como o plano director municipal e o plano geral de urbanização, como meros instrumentos balizadores das leis do mercado, são insuficientes e inúteis. Será que estes resolveram o problema da habitação em Portugal?
O Código das Expropriações por utilidade pública é um instrumento fundamental na prossecução dos fins a que se propõe a Administração Pública. Aliás, tal é sublinhado no documento «Normas urbanísticas», da Direcção-Geral do Ordenamento do Território, que, a pág. 162, anima: «Esta a expropriação por utilidade pública] é um dos mais importantes instrumentos para a aquisição de solo pela Administração Pública, sobretudo para a disponibilização do solo necessário à realização de infra-estruturas e equipamentos colectivos em áreas onde a intervenção no mercado livre não permite assegurar a disponibilização do solo necessário a usos de interesse público em tempo, custo e localização adequados.»
Isto depois de o Sr. Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território afirmar, na apresentação do mesmo documento, o seguinte: «A correcta ocupação urbana dos solos assume-se, hoje, como
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uma das prioridades fundamentais no domínio do ordenamento do território. Em Portugal, tal prioridade 6 bem visível face ao crescimento urbanístico que, nas últimas décadas, se verificou em várias zonas do território nacional e cujos efeitos se reflectiram negativamente na paisagem, no ambiente e no património cultural edificado.»
Continua, em Portugal, a faltar um código do urbanismo que proporcione o corpo coerente e integrador não só aos planos de ordenamento mas também aos instrumentos necessários aos objectivos dos mesmos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Haverá coerência entre a rigidez de aplicação dos produtos finais do processo de planeamento, isto é, os planos - e refira-se que a figura da derrogação nunca existiu no nosso enquadramento jurídico urbanístico-, que vinculam taxativamente Administração e privados, e tais dificuldades no processo de expropriação para implementação dos mesmos?
Na falta deste Código, assume particular relevância um diploma que vai gerir as relações da Administração com os particulares; que vai enquadrar a actividade da primeira no que concerne aos bens imóveis necessários aos seus objectivos e regular os direitos dos segundos. Trata-se de um diploma em que a eficácia da primeira não deve ser posta em causa pêlo arbítrio dos segundos e revestido de alguma delicadeza e acuidade, que julgamos dever enformar da máxima consensualidade e, como tal, revestir a forma de proposta de lei, a apresentar após audições adequadas da Associação Nacional de Municípios Portugueses e organismos públicos que frequentemente recorrem a esta fórmula, como a Junta Autónoma das Estradas.
A figura de declaração de utilidade pública municipal, cujo projecto, apresentado a este órgão de soberania pelo PCP, é, de intenção, globalmente positivo, merece da nossa parte o reparo de que tal competência deve ser caracteristicamente função das regiões administrativas, tal como se propõe no projecto de lei do Partido Socialista de criação das mesmas.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A proposta de lei n.º 195/V resulta, assim, num documento ambíguo, impreciso em termos de quantificação e indefinido quanto aos modos e formas de expropriação.
Não acreditamos, no entanto, que o Governo pretenda dificultar a acção dos seus próprios organismos, empresas e institutos públicos, pelo que, no caso vertente, amplamente merece, por parle do Partido Socialista, o benefício da dúvida.
Temos a certeza de que um diploma legal elaborado em função dos parâmetros enunciados constituiria uma forte constrição para a administração pública central e local. Mas temos também a convicção de que, neste caso, saberá o Governo encontrar o ponto de equilíbrio entre as necessidades de eficácia da Administração e a salvaguarda dos direitos de propriedade.
Neste sentido, o Partido Socialista, acreditando que p produto final será substancialmente melhorado relativamente ao presente texto, optará, em termos de voto, pela abstenção. Porém, fá-lo-á com a garantia de que o decreto-lei a publicar ao abrigo da autorização legislativa será atentamente analisado e, se for caso disso, chamado a ratificação para uma ponderação parlamentar adequada dos vários aspectos em jogo.
Aplausos do PS.
Entretanto, assumiu a presidência a Sr. Vice-Presidente Maria Manuela Aguiar.
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Deputado Aires Ferreira, em relação ao projecto de lei n.º 684/V, apresentado pelo PCP. V. Ex.ª referiu que, embora o considere globalmente positivo, pensa que o direito de declaração de utilidade pública deve pertencer às regiões administrativas e não aos municípios através das assembleias municipais.
Bem, nós estamos de acordo em que este direito também pertença às regiões administrativas.
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Estão de acordo com tudo!...
A Oradora: - Aliás, em termos de debate na especialidade, já houve até ocasião de expressar essa opinião.
No entanto, o que se passa é que ainda não temos regiões administrativas. E, embora estejamos a lutar para que, a muito curto prazo, haja regiões administrativas no nosso país, já sabemos que não é ainda com este Governo que isso irá acontecer.
Não lhe parece, então, que seria positivo, neste interregno, que as assembleias municipais, por proposta das câmaras e apenas nos municípios em que haja planos de ordenamento municipal já aprovados, possam usufruir deste direito de declaração de utilidade pública para efeitos de expropriação (se for caso disso) de obras que constem dos planos que estejam devidamente aprovados?
O Sr. José Silva Marques (PSD): - Atenção, Sr. Deputado, cuidado com a resposta! Olhe que esta é uma rasteira dos comunistas!...
Risos.
A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Aires
O Sr. Aires Ferreira (PS): - Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, reconheço ao projecto de lei uma evidente intenção de conceder eficácia à administração municipal. Todavia, entendemos que a declaração de utilidade pública é um instrumento de último recurso, para cuja definição não será aconselhável uma profusão de critérios que estabeleça situações de gritantes desigualdades. Acontece que, neste caso, passaríamos a dispor de 305 critérios...
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Deputado, só para os casos em que haja planos directores ou planos de ordenamento já aprovados!
O Orador: - Sr.ª Deputada, acontece, porém, que o facto de estarem aprovados não significa que não haja recurso a outras soluções.
O facto de as regiões administrativas não existirem não me parece que possa constituir argumento para que
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determinada função, que caracteristicamente deve ser cometida às regiões administrativas, passe a ser distribuída por 305 municípios.
De acordo com o próprio Código das Expropriações, podem ser estabelecidos mecanismos - penso ser essa, aliás, a grande solução para os municípios, enquanto não houver regiões administrativas - que aligeirem a carga burocrática que hoje se verifica para a obtenção da expropriação.
Vozes do PS: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Correia Afonso.
O Sr. Fernando Correia Afonso (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Através desta proposta de lei de autorização legislativa, o Governo vem anunciar à Câmara que quer alterar o regime geral das expropriações e da requisição por utilidade pública. Trata-se de uma decisão importante, que merece aplauso.
Há muito que deveria ler sido substituído o Código das Expropriações, que tem apenas sido uma fonte inesgotável de violência e opressão.
Todos sabemos - e estamos de acordo - que, no mundo da coisa pública, o interesse geral deve prevalecer sobre o interesse particular.
Mas como? O que é o interesse geral? Quem o derme? Quem o controla? Como prevalece? Qual a justificação e a proporção do sacrifício do particular?
Estas são grandes questões que ainda esperam respostas e que demonstram a urgência da reforma dos regimes gerais da expropriação e da requisição por utilidade pública.
Sabe-se que a expropriação por utilidade pública surge na área do choque entre o interesse geral ou comum e o interesse privado, tendo eu perguntado, há pouco, quem é que dignosticaria esse interesse geral.
Em países como a Espanha, o Brasil e a Argentina, que têm um conceito amplo de expropriação, esta abrange não só o direito à propriedade imobiliária mas também o direito intelectual, como os direitos de inventor, a propriedade intelectual, os direitos de crédito ou os direitos nas sociedades. Mas, em Portugal, não é assim! Nós temos um conceito restrito de expropriação, praticamente reduzido à propriedade imóvel, e, portanto, há a necessidade de regulamentar com cuidado aquilo que é o choque entre o interesse público e um direito fundamental dos cidadãos, que é o direito à propriedade.
Fala-se, portanto, em expropriação por utilidade pública, que é o mesmo que dizer colisão entre um direito fundamental e o poder do Estado. E esta colisão acontece cada vez com mais frequência. A governação cresce em complexidade e a área de decisão e intervenção do Estado - aos níveis central, regional ou local - tem tendência para aumentar.
Os direitos fundamentais do cidadão são, hoje, um valor que ultrapassa as próprias fronteiras e que até limita o próprio Estado, são parte do nosso universo cultural e preenchem a concepção da vida em comum, nos países civilizados.
Mais do que dar poder ao Estado, as constituições modernas do mundo livre, hoje, querem dar garantia aos cidadãos na defesa dos seus direitos fundamentais, precisamente contra esse poder do Estado.
É por isso que legislar sobre expropriações, portanto, legislar nesta área de choque entre o interesse público e o interesse privado exige uma especial atenção do Governo e da Câmara.
O Governo diz-nos que vai produzir as normas que hão-de reger muitos dos conflitos que surgem entre o interesse público e o interesse privado. Alguns princípios têm de nortear toda essa legislação. Começa, à cabeça, pelo princípio da constitucionalidade, que obriga a que seja respeitada a Constituição. Daí, e, neste ponto, logo de início, ser de rejeitar o projecto de lei do PCP, que é claramente inconstitucional.
Mas, do princípio da constitucionalidade resultam outros princípios que também há a respeitar. Um deles é o princípio da imparcialidade e da proporcionalidade. Há que saber, em cada caso, se a realização do interesse público tem ao seu alcance outras soluções ou se exige, mesmo, o sacrifício dos interesses dos particulares. E se assim acontecer, há que determinar a medida desse sacrifício.
Há também a respeitar o princípio da igualdade, que obriga a que todos os casos de expropriação sejam tratados de igual forma, se forem iguais, e de forma diferente, se forem desiguais. Trata-se, no fundo, de introduzir na prática das expropriações uma ideia de justiça. Não pôde aceitar-se mais que terrenos vizinhos iguais tenham indemnizações desiguais.
Ninguém questiona que a prossecução do interesse público seja legítima; mais, pode afirmar-se que é indispensável! Só assim é possível ao Estado ter uma intervenção em todo o domínio do económico e do social. No campo da saúde, da educação, da habitação e do urbanismo, nas vias de comunicação, no ordenamento do território, no desporto, etc., a expropriação não só é legítima como é indispensável. Mas há também que construir toda uma defesa e garantia dos direitos e dos interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
Devemos, por um lado, possibilitar a eficácia administrativa, mas temos, por outro, que reforçar as garantias dos direitos dos cidadãos. Este equilíbrio difícil, não conseguido até agora, alcança-se introduzindo alguns conceitos na próxima legislação sobre expropriações.
Em primeiro lugar, a declaração de utilidade pública da expropriação deve indicar sempre o seu fim específico. Só assim é possível saber se o objectivo se encontra nas competências da entidade expropriante e é possível fiscalizar o destino dos bens expropriados. Só pode haver expropriação quando houver utilidade pública e declaração em consonância.
Em segundo lugar, deve indicar-se na lei um critério da classificação dos solos, para efeito de indemnização. Esta classificação não pode ser artificial nem restritiva. Tem, principalmente, de considerar o destino concreto do solo, para o efeito da sua valoração. No entanto, sugere-se que essa classificação dos solos não seja imperativa mas apenas indicativa.
Em terceiro lugar, há que definir o que é a justa indemnização. A igualdade e não discriminação dos cidadãos impõe que, no interesse de todos, não sejam sacrificados apenas alguns, pois deve ser dividido por toda a colectividade o encargo resultante do benefício comum. Se toda a colectividade usufrui da expropriação, através da utilização dos bens expropriados, então que seja toda a colectividade a suportar os danos materiais realço, os danos materiais - sofridos pelo expropriado. A justa indemnização não pode ser como, por vezes, tem sido um artifício legal.
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Em quarto lugar, a indemnização devida pela expropriação deve estar paga, ou garantida, quando se iniciar o processo litigioso da expropriação e não deve ser consentido o pagamento em prestações, qualquer que seja o valor da indemnização. Esta é, aliás, uma regra tradicional, que já consta da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Aí, a definição concreta era a «prévia e justa indemnização». E, como sabem, a expropriação surge definida, em termos modernos, nessa época, porque, até essa altura, era expropriação por necessidade pública e, só com o Código Napoleónico, surge expropriação por utilidade pública.
Em quinto lugar, para o caso de urgência fundamentada - repito, fundamentada -, e para não retirar a eficácia administrativa, deve prever-se não só a posse administrativa, sempre precedida da vistoria ad perpetuam rei memoram, mas ainda a existência de um processo especial de urgência para a expropriação que seja urgente. Só assim serão criadas condições para a eficácia da Administração.
Em sexto lugar, deve ser reconhecido aos cidadãos o direito de reversão dos bens expropriados, sempre que não forem destinados ao fim específico que justificou a expropriação ou, ainda, quando tiver cessado a aplicação a esse fim. Nestes casos, é justo -não há quem o discuta! - que o expropriado recupere os bens que lhe foram retirados, pelos vistos sem justificação. O direito à reversão abrangerá quer a totalidade dos bens quer as suas parcelas sobrantes, e o prazo para exercer esse direito deve ser contado a partir do conhecimento do facto gerador da reversão e não do próprio facto.
Em sétimo lugar, como acontece noutros países, nomeadamente em França, deve ser instituído um processo de expropriação em três instâncias judiciais, embora o Supremo Tribunal de Justiça funcione, como última instância, apenas de revista e a julgar de direito. A arbitragem não pode ser considerada uma 1.º instância, porque, além de não garantir o princípio do contraditório, os árbitros não têm formação jurídica nem estatuto de juizes, isto é, não têm independência.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: É sempre um momento alto de um parlamento democrático, como este, quando se debate uma proposta de lei que procura introduzir maior justiça na comunidade a que pertencemos. É este o caso. Foi percorrido um longo caminho. Num passado ainda recente, víamos o Estado numa tentativa de reforçar o seu poder de intervenção; hoje, contrariamente, vemos aqui o Governo, por sua iniciativa, a propor a limitação dos próprios poderes da Administração. E tudo isto com vista a garantir ou a reforçar a garantia dos direitos fundamentais. É um grande caminho percorrido, Srs. Deputados. A diferença é nítida, mas também, Srs. Deputados, tem a sua explicação: é que o Governo e a maioria têm assumido - e através desta proposta continuam a assumir o primado da pessoa sobre o Estado.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Fernando Correia Afonso, naturalmente que estou de acordo com quase todas as soluções que defendeu, quanto à extensão e limites da expropriação. Contudo, quero fazer-lhe uma pergunta acerca de algo que tem constituído uma vexata questio, relativamente a este problema - é a chamada «justa indemnização».
No que respeita à justa indemnização, podem defender-se vários critérios. Em primeiro lugar, o critério do não enriquecimento do expropriante à custa do expropriado. Suponhamos que o expropriante queria o terreno para uma determinada finalidade e o expropriado reservava-o para uma finalidade diferente mais rendosa - por exemplo, o expropriado queria urbanizá-lo e o expropriante pretende destiná-lo a um fim de utilidade pública, ou seja, uma auto-estrada. Ora, o preço dos terrenos para urbanização é geralmente maior do que para outras utilidades. E, dentro das urbanizações, sabemos que há vários tipos de urbanizações. Inclusivamente, o expropriado poderia guardar esses terrenos para pousio, digamos, para, mais tarde, fazer subir o preço dos terrenos para urbanização de acordo com o preço do mercado, mas o expropriante tem pressa em dispor esses terrenos.
Em segundo lugar, existe o problema de saber qual será o valor da indemnização - o valor do mercado, ou aquele que é fixado pelo expropriante, de modo a que o dinheiro que oferecer ao expropriado seja «justo» de acordo com as suas conveniências e não com as do expropriado?
Em terceiro lugar, há o problema de saber se o preço fixado é calculado em função de todas as condicionantes desta indemnização ou se existe a possibilidade de se recorrer a um direito de preferência. Isto é, se o expropriado disser: «Olhe que o preço que me dá é muito inferior àquele que aqueloutro me dá», terá o expropriante a obrigação legal de pagar tanto por tanto, de harmonia com o preço que o expropriado arranja no mercado para os seus terrenos, ou prevalecerá o critério de justiça que o expropriante entender, naturalmente de boa fé e não para explorar o expropriado, aquilo que lhe parecer, entendendo que não deve exercer o direito de preferência mas fixar ele próprio, por um critério objectivo e justo, o seu preço?
Portanto, sobre toda esta problemática, que ainda se põe, sobre a justa indemnização, gostaria de ouvir qual o conceito que V. Ex.ª defende porque me pareceu que o não concretizou.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Correia Afonso.
O Sr. Fernando Correia Afonso (PSD): - Sr. Deputado Narana Coissoró, alguns conceitos têm que ficar muito claros, quando mergulhamos nesta área das expropriações.
Assim, em primeiro lugar, é necessário que haja utilidade pública e que, portanto, esteja em causa o interesse comum, o interesse geral; em segundo lugar, é necessário que essa utilidade pública só possa ser satisfeita através da expropriação, porque, por vezes, é conseguida através de outros meios; em terceiro lugar, se a utilidade pública for conseguida através da expropriação, há que saber em que medida é que será: toda através da expropriação ou se haverá meios que a possam complementar.
Chegados, agora, ponto por ponto, à fase da expropriação, põe-se o problema da justa indemnização.
Ora, na minha perspectiva, julgo que a justa indemnização deve ter o valor que corresponde à diferença entre
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o património do expropriado antes e depois da expropriação. Isto é: do património do expropriado, é sacado um determinado bem e a diferença que tem de se encontrar será a justa indemnização.
É evidente que, nesta justa indemnização, nós só deveremos entrar com os danos materiais, pois, como o Sr. Deputado sabe, na indemnização em termos gerais há também os danos morais. Mas, no campo da expropriação, não me parece que se possa falar em danos morais.
Quanto à determinação dos danos materiais, ela far-se-á de acordo com a própria classificação dos solos. Assim, se o solo é urbanizável, é natural que o terreno tenha que ser valorizado como terreno para construção e de acordo com o valor do mercado, o que, naturalmente, não quer dizer de acordo com o valor especulativo do mercado.
Portanto, gradativamente, passo a passo, creio ter-lhe dado uma noção do que considero justa indemnização.
Como complemento, queria ainda dizer ao Sr. Deputado o seguinte: neste valor da justa indemnização reside o ponto fulcral e mais melindroso da expropriação, porque se não for paga ao expropriado a justa indemnização haverá uma parte que lhe é subtraída e que toma a natureza de confisco, o que é inconstitucional.
De resto, a «justa indemnização» que seja apenas uma nomenclatura e que não signifique, em substância, a justa indemnização é, quanto a mim, um acto inconstitucional.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, declaro encerrado o debate, pelo que passamos à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 195/V - Autoriza o Governo a aprovar o Código das Expropriações.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS, votos contra do PCP e do deputado independente João Corregedor da Fonseca e abstenções do PS, do PRD e do deputado independente Herculano Pombo.
O Sr. Mário Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para solicitar a V. Ex.ª a votação, na especialidade, da proposta de lei que acabou de ser votada na generalidade.
Vozes do PS e do PCP: - Não, não!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, pedidos desta natureza só têm sido atendidos quando há unanimidade dos grupos parlamentares, o que, neste momento, não se verifica.
Srs. Deputados, vamos passar à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 684/V (PCP) - Atribui aos municípios o poder de declaração de utilidade pública municipal para efeitos de expropriação.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS, votos a favor do PCP e dos deputados independentes Herculano Pombo e João Corregedor da Fonseca e abstenções do PS e do PRD.
Srs. Deputados, foi distribuída a lista das perguntas ao Governo, perguntas que serão feitas na sessão plenária que se realiza, amanhã, às 10 horas.
Antes de encerrar a sessão, lembro aos Srs. Deputados que na terça-feira, dia 21, há uma série de votações às 19 horas e 30 minutos ou no termo da discussão do projecto de lei n.º 572/V.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 40 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Domingos Duarte Lima.
Fernando José Antunes Gomes.
Francisco Mendes Costa.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
José Angelo Ferreira Correia.
José Mário Lemos Damião.
José de Vargas Bulcão.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Alberto Marques Antunes.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Edmundo Pedro.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
José Luís do Amaral Nunes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Partido Comunista Português (PCP):
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Humberto Sertório F. Rodrigues.
Deputados independentes:
José Manuel Santos Magalhães.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Dinah Serrão Alhandra.
Fernando Monteiro do Amaral.
Jaime Gomes Mil-Homens.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Partido Socialista (PS):
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Fernandes Silva Braga.
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António Manuel de Oliveira Guterres.
Helena de Melo Tones Marques.
João António Gomes Proença.
João Rosado Correia.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
Centro Democrático Social (CDS):
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
José Luís Nogueira de Brito.
Deputados independentes:
Carlos Matos Chaves de Macedo.
As REDACTORAS: Ana Maria Marques da Cruz - Cacilda Nordeste - Isabel Barrai.
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DIÁRIO da Assembleia da República
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