O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 2727

I Série - Número 84

Quarta-feira, 29 de Maio de 1991

DIÁRIO Da Assembleia da República

V LEGISLATURA 4.ªSESSÃO LEGISLATIVA (1990-1991)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 28 de MAIO DE 1991

Presidente: Ex.mo. Sr. Vítor Pereira Crespo

Secretários: Ex.mos.
Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Caio Roque
Apolónia Maria Pereira Teixeira
Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas, dos requerimentos e das respostas a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Laurentino Dias (PS) teceu considerações sobre o termo da presente legislatura, criticando o PSD pela posição tomada nesta matéria.
Em declaração política, o Sr. Deputado Lino de Carvalho (PCP) criticou a política do Governo e abordou também questões relativas ao termo da legislatura. No final respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca (Indep.).
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado José Pacheco Pereira (PSD) condenou a actuação do PS no que se refere às próximas eleições legislativas, tendo depois respondido a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Narana Coissoró (CDS).
Ordem do dia. - Foi rejeitado o recurso interposto por deputados do PS, do PCP, do PRD, do CDS e de deputados independentes, pela não admissão do inquérito parlamentar n." 22/V, relativo à constituição de nova comissão eventual de inquérito a actos administrativos na érea do Ministério da Saúde, tendo intervindo os Srs. Deputados António Guterres (PS),
Carlos Brito (PCP), Narana Coissoró (CDS) e Fernando Amaral (PSD).
Foi aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre substituição de um deputado do PCP.
Após ter sido rejeitado um recurso, interposto pelos Srs. Deputados Jorge Lemos e José Magalhães (Indep.), da decisão do Presidente da Assembleia relativa ao agendamento para debate não separado da petição n." 195/V, e da leitura do relatório da Comissão de Petições sobre a referida petição, procedeu-se à discussão conjunta da petição n." 195/V (iniciativa do Grémio Literário e do Movimento contra o Acordo Ortográfico) - Solicita a promoção e publicação urgentes do novo texto do projecto de acordo ortográfico, para que se inicie um amplo debate a nível nacional, da proposta de resolução n." 48/V - Aprova, para ratificação, o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa e do projecto de lei n.º 737/V (deputados independentes Jorge Lemos e José Magalhães) - Determina a renegociação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Intervieram, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Cultura (Pedro Santana Lopes), os Srs. Deputados José Manuel Mendes (PCP), Raul Castro e José Magalhães (Indep.), Vítor Costa (PCP), Edite Estrela (PS), Miguel Urbano Rodrigues (PCP), Jorge Lemos (Indep.), Rui Gomes da Silva (PSD), Adriano Moreira (CDS), Natália Correia (PRD), Sottomayor Cárdia (PS) e Carlos Lélis Gonçalves (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 40 minutos.

Página 2728

I SÉRIE -NÚMERO 84 2728

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda de Queirós.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Ourique Mendes.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Casimira Gomes Pereira.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Dulcíneo António Campos Rebelo.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Antunes Gomes.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
João Álvaro Poças Santos.
João da Costa Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maria Oliveira Martins.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Augusto Pinto Barras.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Maria Moreira.
Maria Amónia Pinho e Melo.
Mana da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Helena Ferreira Mourão.
Maria João Godinho Antunes.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rosa Maria Tomé e Costa.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Gomes da Silva
Rui Manuel Almeida Mendes.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Walter Lopes Teixeira.

Partido Socialista (PS):
Ademar Sequeira de Carvalho.
Alberto Alexandre Vicente.
Alberto Marques Antunes.

Página 2729

29 DE MAIO DE 1991 2729

Alberto Marques de Oliveira e Silva,
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Miguel de Morais Barreto.
Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Natividade Cosia Candal.
Edite Fátima Maneiros Estrela.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Edmundo Pedro.
Elisa Maria Ramos Damifio Vieira.
Fernando Francisco Mariano.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Henrique do Carmo Carmine1.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Paulo Sacadura Coelho.
José Apolinário Nunes Portada.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Castro Dias.
Leonor Coutinho dos Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Pedro Lopes Machado Ávila.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo Brito.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Domingos Abrames Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Maria lida Costa Figueiredo.
Maria Odete Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Francisco Barbosa da Costa.
Herminio Paiva Fernandes Maninho.
Humberto Sertório Rodrigues.
José Carlos Pereira Lilaia.
Natália de Oliveira Correia.
Isabel Maria Peneira Espada.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.

Deputados independentes:

António Alves Marques Júnior.
Herculano da Silva Pombo Sequeira.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Santos Magalhães.
Maria Helena Salema Roseta.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, requerimentos e respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: interpelação ao Governo n." 21/V, apresentada peto PS, propondo um debate sobre política geral, visando o balanço e apreciação política da actividade global do Governo; projecto de lei n.8 760/V, apresentado pelo Sr. Deputado José Carneiro dos Santos, do PS, propondo a elevação da povoação de Pontével à categoria de vila, que baixa à 6.º Comissão; projecto de lei n." 761/V, apresentado peto Sr. Deputado Fernando Aires Ferreira, do PS, propondo a criação da freguesia de Cabanas, que baixa à 6.º Comissão; proposta de lei n." 200/V-Autoriza o Governo a estabelecer p regime de indemnizações às vitimas de crimes, que baixa à 3.º Comissão.
Entretanto, foram apresentados na Mesa, nas últimas reuniões plenárias, os seguintes requerimentos: ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Alexandre Vicente, Luís Filipe Madeira, Lino de Carvalho, Jorge Lemos, José Magalhães, Edite Estrela, Luís Roque, lida Figueiredo, Pinto de Banos, Carlos Oliveira e Narana Coissoró; a diversos ministérios, formulados peto Sr. Deputado Lino de Carvalho; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado peto Sr. Deputado Jorge Lemos; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Jorge Lemos, Manuel Filipe, Miranda Calha, lida Figueiredo e Octávio Teixeira; à Secretaria de Estado da Cultura, formulados pelos Srs. Deputados Jorge Lemos, José Apolinário e Júlio Antunes; à Secretaria de Estado da Agricultura, formulado petos Srs. Deputados Álvaro Brasileiro e Lufe Roque; ao Ministério das Finanças, formulado pelos Srs. Deputados José Magalhães, lida Figueiredo, António Mota e Raul Castro; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulados pelos Srs. Deputados José Magalhães, José Manuel Mendes, lida Figueiredo e Henrique Carmine; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado José Magalhães; ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulado pelos Srs. Deputados lida Figueiredo e Júlio Antunes; ao Ministério da Saúde, formulados petos Srs. Deputados lida Figueiredo, Joaquim Teixeira, Jorge Pauto Cunha, José

Página 2730

I SÉRIE -NÚMERO 84 2730

Apolinário e Rogério Brito; ao Ministério do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelos Srs. Deputados Cristóvão Norte, Júlio Antunes e lida Figueiredo: à Secretaria de Estado do Turismo, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Brito; ao Ministério da Indústria e Energia, formulado pelo Sr. Deputado Henrique Carmine; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Júlio Antunes; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados Júlio Antunes e Cristóvão Norte; ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, formulado peto Sr. Deputado Rogério Brito.
Por sua vez, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Cristóvão Norte, na sessão de 9 de Novembro; Valente Fernandes, na sessão de 15 de Novembro; António Vairinhos, nas sessões de 13 de Dezembro e 7 de Março; Daniel Bastos, na sessão de 20 de Dezembro; Cerqueira de Oliveira, nas sessões de 20 de Dezembro, 15 de Janeiro, 7 de Fevereiro e 22 de Março; Jorge Lemos, nas sessões de l de Fevereiro e 6 de Março; Hilário Marques, nas sessões de 14 de Fevereiro e 7 de Março; Filipe Abreu, nas sessões de 15 e 26 de Fevereiro e 14 de Março; Correia Costa, na sessão de 28 de Fevereiro; Luís Roque, na sessão de 7 de Março; Vieira Mesquita e Lino de Carvalho, na sessão de 14 de Março; Herculano Pombo, na sessão de 21 de Março; Rui Salvada, na sessão de 2 de Abril.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão inscritos, para declarações políticas, os Srs. Deputados Laurentino Dias, Lino de Carvalho e Pacheco Pereira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Laurentino Dias.

O Sr. Laurentino Dias (PS):-Sr. Presidente, Srs. Deputados: A presente legislatura aproxima-se do fim. E, ao que parece, pela vontade já expressa do PSD, termina mais depressa do que se pensava ou previa. Afinal, manda quem pode. E não diz a lei que o ano parlamentar se inicia a 15 de Outubro e termina a 15 de Junho?

O Sr. Luís Geraldes (PSD): -É verdade!

O Orador: -Lá isso diz!... Então, há que cumprir a Constituição e o Regimento. Nós, no PSD, somos sempre legalistas!
Mas não é verdade que, em anos anteriores, sempre o trabalho da Assembleia da República se prolongou até meados ou final de Julho? Bom, lá isso é verdade, mas acontece que, nessa altura, havia propostas de lei, projectos de lei, deliberações e resoluções cuja votação se impunha antes de encerrar o ano parlamentar.

O Sr. José Magalhães (Indep.): - E autorizações legislativas!

O Orador: - Este ano não. Não há nada de importante que não possa ser terminado - ou antes, comprimido - até 15 de Junho.
A oposição reclama, o Partido Socialista diz que é preciso discutir e votar a criação das regiões administrativas, a lei da amnistia, o estatuto da televisão, o pacote laborai, a lei do financiamento dos partidos, etc. Mas respondem-lhe: «Lá isso é verdade, mas não têm razão.»
Aliás, isto é tudo muito subjectivo e, quando assim é, calem-se as vozes, esqueçam-se os argumentos e ouça-se e pergunte-se à maioria. A resposta parece óbvia: cumpra-se a lei, feche-se a 15 de Junho.
Mas porquê encerrar este ano nessa data se em 1990, em 1989 ou em 1988 não foi assim e a Assembleia prolongou os seus trabalhos?

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Boa pergunta!

O Orador: - Não tendo mudado a lei, será que são as eleições de Outubro que motivam esta atitude do PSD, agora feito zeloso e intransigente porteiro?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É óbvio!... O Sr. Rui Vieira (PS): -É capaz de ser!

O Orador: - Por muito que pense - e tenho pensado - não encontro senão razões que tenham a ver com as próximas eleições. E devo dizer, para ser franco, que nenhuma delas colhe a minha aprovação.
Ingrato..., dirão VV. Ex.ª, Srs. Deputados do PSD. Queremos mandá-lo de férias mais cedo e ainda refila!

Risos de alguns deputados do PS.

Pois é, Srs. Deputados!... Mas não é o meu descanso que vos preocupa certamente. O que vos preocupa, nesta hora -por causa de Outubro e apesar da vossa maioria-, é esta Assembleia da República, em tudo quanto ela significa de verdadeira representação de todos os portugueses, de legítimo órgão a quem compete fiscalizar e apreciar os actos do Governo e da Administração Pública.
E o Governo, esse, não quer ver-se tolhido na tarefa patriótica de convencer os Portugueses, por todos os meios e formas, de que Cavaco é grande e que, com ele - e só com ele-, Portugal até se arrisca a subir à primeira divisão do campeonato europeu...

Risos do PS.

Vozes da oposição, socialistas a espalharem e a promoverem as suas ideias e alternativas, só o quanto baste e a democracia obrigue. Hoje somos muitos, em Outubro seremos menos...

Risos do PS.

..., é esse talvez o pesadelo que têm atormentado as meninges dos esforçados e ilustres membros da task force laranja nas suas últimas noites mal dormidas. Tranquilizem-se, para já, as suas timoratas bases: tais pesadelos não serão, certamente, mais do que efeitos do calor que, nos últimos dias, se têm sentido.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - Mas, à cautela, não vá o diabo tecê-las, feche-se a Assembleia.
Outro objectivo perseguira igualmente o PSD ao tomar tal decisão. E não é menos desprezível ou ingénuo. É que não são apenas os deputados da oposição que vão, assim, fazer as malas e partir para banhos. São os seus próprios!... Essas 148 almas santas que, todas juntas, dão pelo nome de Grupo Parlamentar do PSD e significam a maioria em que, absolutamente, repousa a legitimidade política do governo de Cavaco Silva.
Aguentaram firme durante quatro anos, engoliram tudo quanto havia para engolir, veneraram sempre -mas sempre - o seu chefe.

Página 2731

29 DE MAIO DE 1991 2731

O Sr. Rui Vieira (PS):-E de que maneira!...

O Orador-Em algumas ocasiões, devo dizer, tal era o olhar embevecido, terno e arrebatado que dispensavam ao chefe que me lembravam aquela plateia atónita do inesquecível exame final do «Vasquinho da anatomia».

Risos do PS.

Só lhes faltava levantarem-se, em bloco, e reconhecerem arrasados: «ele até sabe o que é o mastóideo».

O Sr. João Salgado (PSD):-Isto não é a Federação Portuguesa de Futebol!...

O Orador: - Só que- suprema ingratidão!-foram tão mal tratados nas últimas jornadas parlamentares do PSD pelos iluminados cérebros dos seus dirigentes, e até pelo próprio professor, que isto de ir para férias mais cedo têm que se lhe diga e cheira, se calhar, a reforma antecipada. Tratados não como legítimos representantes do País, mas chamados de relapsos e absentistas (sei lá se de mandriões!...), foi-lhes imposto um regulamento com multas e outras penalidades, tornando-se, assim, um grupo parlamentar que se assemelha mais a um grupo para lamentar em sua própria autodefinição e autoflagelacão.

O Sr. António Guterres (PS):-Muito bem!

O Orador:-Convirá, assim, que também estes vão para casa mais cedo. De resto, vão-se já habituando à ideia e, quanto ao mais, a esperança nunca se perde.
Isto dito, ninguém se iludirá quanto aos desígnios do PSD nesta matéria: não se (rata de promover ou de acolher o interesse nacional, mas -e isto sim - de o subordinar e prejudicar por simples e reprovável interesse partidário. Tudo, porventura, sob a suposta capa disfarçante do mero cumprimento da data prevista na Constituição e no Regimento: 15 de Junho.
«Lex sed lex», dirá o PSD. «Olha quem fala! [...]», sorrirá, desde logo, o meu camarada e deputado Luís Filipe Madeira que, ainda este mês. apresentou participação crime por falsificação, pois a Presidência do Conselho de Ministros, a pretexto e a coberto de uma rectificação, revogou normas jurídicas de um decreto-lei promulgado já pelo Sr. Presidente da República.

O Sr. Narana Coissoró (CDS):-Não era a primeira vez!...

O Orador:-O Governo, disfarçado de revisor tipográfico- e sob a capa de supostas inexactidões a corrigir-, altera leis. E ninguém se espante por nada ler acontecido após a denúncia de tão triste ocorrência. Demissão do ministro?!... Renúncia do Primeiro-Ministro?!... Faces enrubescidas por tal vergonha?!... Nada disso!... Há que assobiar para o ar e seguir em frente, pois Portugal não pode parar.
Mas que acreditávamos que o Diário da República falava sempre verdade e que as leis nele publicadas jamais pudessem ser alteradas ou revogadas por um qualquer lápis censor governamental, disso não tenham dúvidas!...
É o controlo, talvez, da comunicação social, em convulsão febril, a invadir a folha oficial. Deus lhes perdoe!
Entretanto, que dirá de tudo isto o Sr. Professor Cavaco, esse grande líder político, exemplar sublime da ilustre espécie de dirigentes políticos -se calhar hoje em vias de extinção no Leste europeu e em outras paragens-, que nunca se enganam e raramente têm dúvidas? Em nome e com o único sentido de uma vitória em Outubro, tudo vem sacrificando a uma palavra que acredita mágica e na qual resume lodo o seu discurso: estabilidade. Mas que estabilidade pode ser credível quando assenta em políticas económicas inconsequentes e injustas, que menosprezam, objectivamente, instrumentos fundamentais para o desenvolvimento e para a correcção das desigualdades e das injustiças sociais?

O Sr. Carlos Coelho (PSD): -Não apoiado!

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador:-Que estabilidade é essa que continua a significar salários reais que não param de descer e uma inflação que, teimosamente, não baixa nunca?

O Sr. Carlos Coelho (PSD):-Não é verdade! É falso!

O Orador:-A correcção necessária e profunda das estruturas produtivas nacionais continua a adiar-se. O factor trabalho perde, cada vez mais, posição no conjunto do rendimento nacional.

O Sr. Rui Vieira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Agravam-se as desigualdades regionais, intensifica-se o investimento público no litoral e o interior pouco mais vê nascer do que estradas de e para a Europa.

O Sr. Rui Vieira (PS):-Muito bem!

O Orador:-Mas, acima de tudo, importa, dirão os senhores, a estabilidade governativa. O aperfeiçoamento dos direitos fundamentais dos cidadãos e a sua participação na vida pública e política, o desenvolvimento de condições para uma administração aberta, a reforma do Parlamento e a valorização dos seus deputados, a descentralização e a criação das regiões administrativas, essas são questões de segunda ordem, que a magia da estabilidade procura distrair.

O Sr. António Guterres (PS): -Muito bem!

O Orador: - A independência da comunicação social, a dignificação da vida pública e política, a clarificação das regras de financiamento da vida política portuguesa, o financiamento dos partidos e respectivas campanhas eleitorais, tudo isso são questões menores «nesta altura do campeonato».

O Sr. António Guterres (PS):-Muito bem!

O Orador:-O que se impõe agora é tão-só contratar artistas, comprar bonés, bandeiras, autocolantes, montar o cenário e, sei lá, talvez com letra de Loureiro e arranjo musical de Nogueira, abrir alas para entrar o grande tenor Cavaco Silva.

O Sr. João Salgado (PSD): - É o discurso do desespero!...

O Orador: -Já hoje, tanto a maioria parlamentar do PSD como o seu governo só vêem eleições. Apesar do País e dos Portugueses!...

Página 2732

I SÉRIE -NÚMERO 84 2732

E ei-los peregrinando pelo País, envergando, despudoradamente, as vestes ministeriais e primo-ministeriais, em clara e ostensiva campanha eleitoral.
E qual é a receita que propõem? A mais simples, meus senhores: a escolha entre a estabilidade ou, de novo, o fantasma de uma coligação ou de um acordo secreto PS/PCP. Foi uma receita que não pegou em Lisboa, mas, quem sabe, talvez assuste na província.

O Sr. João Salgado (PSD): - Não pegou em Lisboa?!...

O Orador: - A pergunta «o Partido Socialista não será alternativa?», obterá como resposta: «Nem pensar! [...] Não tem capacidade de decisão nem sentido de Estado!»
«E se nos perguntarem qual é a nossa política de habitação?», dirão os sempre receosos do PSD. «Se nos perguntam pelas casas de habitação social que prometemos e não construímos? Se os jovens nos dizem que continuam sem possibilidades económicas para comprar ou alugar casa no mercado de habitação?» Responderá o Sr. Primeiro-Ministro: «Então parece-lhes que os Portugueses, depois de me terem visto na televisão, há dias, a entregar um cheque de 50 000 contos a um clube de campismo, daqueles clubes que tem tendas e barracas, ainda imaginarão que o problema da habitação não está resolvido em Portugal?»

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, esgotou o seu tempo, queira terminar.

O Orador: - «E a cultura, Sr. Professor? Se nos perguntarem pela cultura e vierem com aquela história dos 40 milhões para o Centro Cultural de Belém?» A resposta será, certamente: «Bom, isso aí é complicado. Metemo-los em autocarros, trazemo-los a Lisboa, mostramo-lhes as vistas bonitas para o Tejo e pomo-los a imaginar um centro cultural cheio de livros, quadros e essas outras coisas de cultura».
«E se eles dizem que lêem pouco, que o orçamento não dá para livros, que de arte só ouvem falar, teatro só vêem na televisão e com sotaque brasileiro e exposições é coisa nunca vista?» Também para isso há resposta: «Aí, mandamo-los de volta para a terrinha e fala-se com o Sr. Governador Civil para ver o que podemos arranjar para esses ingratos. Sejamos práticos.»
«E os professores, Sr. Professor? Se eles nos aparecem a reclamar aqueles malfadados retroactivos? A resposta não se faz esperar: Ora essa! Digam-lhes que são uma classe por quem sempre tive o maior respeito e que não compreendo como se deixaram embalar por essa cantiga da oposição».

O Sr. Narana Coissoró (CDS):-Pagam em Setembro, ao pé das eleições!

O Orador: - «Afinal, nunca foi nossa vontade ficar-lhes com o dinheiro. Vai ser-lhes tudo pago, descansem! E, cá para nós, que ninguém nos ouve, a memória é curta, o cheiro a férias é anestesiante e receber tudo junto, lá para Julho, será de óptimo efeito, não acham? E se, por essa altura, fizermos ainda uma franqueza no preço da gasolina? Já imaginaram o resultado?»
Enquanto isto se pensa ou programa, o Sr. Primeiro-Ministro vai já fazendo visitas semanais às mais diversas regiões do País.

O Orador: - São tudo visitas oficiais e institucionais, no rigoroso exercício de uma obrigação governativa e sem qualquer sinal partidário ou eleitoralista. Veja-se que até visita, preferencialmente, câmaras socialistas e nelas se dispõe -num acto da mais elevada nobreza e estatura moral- a assinar o contrato-programa há tanto tempo prometido ou a subsidiar a obra que tantos ofícios reclamou.

O Sr. José Ferreira de Campos (PSD): - Matosinhos está-lhes atravessada na garganta!

O Orador: -E tudo em poses discretas, soberanas ou populares quanto bastem, porque o Moniz e a televisão fazem o resto, com a eficiência que se lhes reconhece.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Manda a verdade que aqui deixemos uma palavra de apreço por algumas qualidades, até há bem pouco tempo na clandestinidade, do Sr. Professor Cavaco Silva.
É estimulante para os Portugueses - e sobretudo para os jovens- veiem o Sr. Professor Cavaco abandonar aquela altiva pose, distante e inatingível, e distribuir agora dentífricos sorrisos e olhares cândidos para tudo quanto é gente.

O Sr. José Vieira de Mesquita (PSD): - Quem é que lhe escreveu isso? Foi o Almeida Santos?!...

O Orador: - Imagine-se o deleite das jovens da «jota» ao ouvirem, do seu amado chefe, esta frase electrizante: «boas em todos os sentidos».

Risos do PS.

A Sr.ª Thatcher corará de espanto quando tal souber!

Risos do PS.

E que dizer das performances internacionais desportivas do Sr. Primeiro-Ministro? É vê-lo a fazer alpinismo de coqueiro em São Tomé! E que dizer da marca brilhante, no salto em altura, obtida, o mês passado, no Brasil, com a fasquia transformada em capot de automóvel?

Risos do PS.

Permite-me um conselho e uma sugestão, Sr. Professor? Tente outras modalidades senão arrisca-se a que, qualquer dia, comecem a espalhar - lá virá a oposição!...- que V. Ex.ª tem a mania das grandezas e das alturas. Quer uma sugestão sincera? Dedique-se ao ténis de mesa. É uma modalidade muito popular, como convém, de aprendizagem fácil para um corpo ágil e, sobretudo, permitir-lhe-á, com a prática, ultrapassar provavelmente um bloqueio psicológico que o persegue e não favorece.
É que esta modalidade obriga a ter o adversário bem na frente, a aceitar que a bola quando passa para o campo do adversário deixa de fazer pingue para, desobedientemente, fazer pongue e que, sendo as armas iguais, no final ganhará o melhor. Leal e dignamente, como mandam as regras.
E quem sabe se V. Ex.ª não ganhará coragem para um destes dias ter pela frente Jorge Sampaio.

Risos do PSD.

Sim, esse mesmo, o secretário-geral do PS é tão candidato a primeiro-ministro como é o Sr. Professor Cavaco.

Aplausos do PS.

Página 2733

29 DE MAIO DE 1991 2133

Para um debate político, obviamente, que a democracia lhe exige, que o respeito pelos Portugueses aconselha e mesmo impõe. Caso contrario, um dia, que pode estar bem perto, ficará V. Ex.ª seguramente a falar sozinho. E sã então meditará nas palavras avisadas do seu conterrâneo Aleixo: «Vós que lá do vosso império prometeis um mundo novo, calai-vos que pode o povo querer um mundo novo a sério.»

Aplausos do PS e dos deputados independentes Helena Roseta e Jorge Lemos.

O Sr. Presidente!-Srs. Deputados, os cinco minutos que excederam o tempo regimental serão descontados no período normal. Em todo o caso, continuo a dizer, como sempre tenho dito. que nos coloquemos dentro dos tempos previstos.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalha
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na panóplia de discursos, viagens, inaugurações e promessas que animam agora o Governo, transformado em comando eleitoral do PSD, o Sr. Primeiro-Ministro tem revelado uma especial predilecção pela imagética desportiva. Depois de ter informado os Portugueses, com pompa e circunstância, que Portugal iria brevemente apanhar o pelotão da frente da Comunidade, anunciou agora, em terras algarvias, como aliás foi aqui recordado, que iria levar o País à primeira divisão dos países desenvolvidos da Europa.
Cavaco Silva repete até à exaustão o mote da estabilidade (leia-se, do desejo de perpetuação do PSD no poder) e do crescimento económico, mas escondendo as crescentes manchas de desigualdades e injustiças sociais e de desequilíbrios regionais.
Mas que estabilidade e crescimento económico? Como se concluiu na Conferencia Nacional do PCP realizada este fim-de-semana, a «estabilidade de que o Governo se arroga e pretende continuar» e o crescimento económico de que tanto fala significam «para a grande maioria dos portugueses mais instabilidade no emprego e no salário, mais incertezas quanto à reforma e às prestações da segurança social, mais insegurança em relação à saúde e ao ensino, mais frustração em relação à habitação».
Significa também mais degradação da democracia política, mais reforço das concepções governamentalizadoras e autoritárias na condução dos assuntos do Estado.
As recentes propostas de lei do segredo de Estado e da protecção civil, a decisão de inadmissibilidade do novo inquérito ao Ministério da Saúde, bem como o recente episódio da alteração fraudulenta de um diploma já promulgado pelo Presidente da República sobre o regime das assembleias distritais são exemplos preocupardes do que é que o PSD quer dizer quando fala de estabilidade.

O Sr. João Amaral (PCP):-Bem observado!

O Orador:-Importa nesta oportunidade informar a Assembleia da República de que o Governo, apesar de se ter visto obrigado a repor o texto exacto do diploma sobre as assembleias distritais quando foi apanhado em flagrante manipulação, continua a recusar-se a entregar-lhes o património que é delas, ignorando a verdadeira versão da lei e actuando como se se mantivesse em vigor o texto viciado do Governo. É um escândalo a que importa pôr termo com urgência, mas que reflecte bem as concepções de abuso do poder e de estabilidade do governo de Cavaco Silva.
Cavaco Silva anda, assim, a vender «gato por lebre» e a apresentar como benefícios para o País aquilo que são os custos reais - mas camuflando-os-da sua governação e das suas opções. Mas o Primeiro-Ministro sabe que o seu discurso só obterá sucesso junto dos destinatários se tiver a veiculá-lo uma comunicação social manipulada e modeladora das consciências dos Portugueses.
Diga-se, em abono da verdade, que Cavaco Silva se limita a colocar em prática aquilo que é o seu pensamento ideológico mais profundo. Para compreendermos isto é necessário ler um artigo escrito há alguns anos atrás por Cavaco Silva, que é, aliás, um exercício altamente esclarecedor.
Escrevia então Cavaco Silva a propósito da possibilidade que os políticos têm de controlar a informação: «Esta possibilidade -dizia Cavaco Silva- facilita a tomada de decisões que se afastam dos critérios de eficiência económica já que os políticos conseguem assim evitar a penalização que tal lhes acarretaria em condições de perfeita informação dos votantes. No controlo que exercem da informação - dizia ainda Cavaco Silva-os políticos tendem a esconder os benefícios das alternativas que lançam os custos sobre grupos de pressão cuja actividade satisfaz os seus interesses particulares e a camuflarem os custos das escolhas em que esses grupos são os principais beneficiários».
Quem não vê aqui, Srs. Deputados, os fundamentos ideológicos do despudorado controlo dos meios de comunicação social que o PSD tenta prosseguir a todo o custo e que vai ao ponto de exercer pública pressão sobre a linha editorial de alguns órgãos-como aconteceu recentemente com o jornal Público-quando não lhes agrada o conteúdo do que é escrito?
Façamos outra incursão a este interessante escrito de Cavaco Silva. Diz ele ainda: «A elevada taxa de preferência temporal dos políticos faz também com que procurem apresentar como benefícios para os cidadãos obras públicas ou outras despesas governamentais que estão a ser feitas quando, na verdade, se trata de utilizações de recursos que são desviados de outras aplicações alternativas.»
Atentem agora, Srs. Deputados, nesta passagem: «Há programas que são cinicamente financiados pelos governos com o objectivo de exibir o interesse dos políticos na resolução de certos problemas, embora saibam perfeitamente que são inoperantes para o efeito.»
Quem não vê aqui. Srs. Deputados, a explicação para essa obra megalómana que é o Centro Cultural de Belém?
As transcrições-que os Srs. Deputados podem conferir no n.º 3, vol. II, de Outubro de 1978. da Revista de Economia- são longas mas elucidativas e tornam ainda mais evidente que uma nova maioria absoluta do PSD representaria o grave perigo não apenas da transição para um Estado autoritário e centralizado mas também de um projecto de mais poder absoluto.

Aplausos do PCP.

É por isso tudo que o pleno funcionamento das instituições se perfila como tão necessário, sobretudo neste período, para garantir o funcionamento democrático do sistema e para poder ser exercido o necessário papel fiscalizador sobre o executivo.
E é por isso mesmo que o PSD e o Governo estão tão apostados em, pela primeira vez, encerrar os trabalhos da Assembleia da República no dia 15 de Junho ou o mais próximo possível.

Página 2734

I SÉRIE -NÚMERO 84 2734

O Sr. João Camilo (PCP): - É um escândalo!

O Orador: - Com isto pretendem «matar dois coelhos com uma cajadada», isto é, esconderem, longe dos olhos da opinião pública, a sua «guerra das listas» e o espectáculo da «perda de qualquer sentido de responsabilidade pública de actividade política» (para citar um conhecido dirigente e analista do PSD) que viriam prejudicar ainda mais a sua «imagem pública».
Pôr outro lado, para poderem, durante cerca de quatro meses, governar sem a fiscalização efectiva decorrente do regular funcionamento da Assembleia e continuar a entregar-se à desenfreada campanha eleitoralista em curso com a utilização abusiva dos meios, dos fundos e de outros recursos do Estado.
Srs. Deputados, o PSD está no poder vai para 12 anos consecutivos. Nenhuma propaganda nem demagogia eleitoralista pode esconder este facto. Mesmo que o PSD se prepare para de novo vestir o travesti da oposição a si próprio não pode escamotear que o que de bom e de mau - mais de mau que de bom - foi feito em Portugal nesta última década foi sob a sua chancela.
Que o digam as mais de 200 000 famílias que só na área da Grande Lisboa vivem em condições infra-humanas de alojamento; que o digam os habitantes da freguesia da Sé, no Porto; que o digam os jovens casais que procuram casa para iniciar uma nova fase da vida.
Ou que o digam ainda os milhares de trabalhadores ameaçados com o pacote laboral e que a ele reagiram como não há memória nesta Assembleia. Desde há 12 anos a esta parte nunca a Assembleia da República tinha conhecido tantas tomadas de posição das organizações de trabalhadores e tanta manifestação de repúdio num processo de consulta pública sobre legislação do trabalho.
Ou que o digam os professores que se vêem confrontados com o não pagamento atempado dos vencimentos que lhe são devidos. Ou os agricultores que por todo o País se movimentam contra a política agrícola ou os trabalhadores da reforma agrária sem perspectivas de trabalho com a destruição das suas cooperativas e a ausência de uma política alternativa. Ou que o digam as populações de novo indefesas perante a catástrofe dos fogos florestais ou as regiões do interior em progressivo despovoamento.
Uma política mede-se pelos resultados em matéria de desenvolvimento, de melhor justiça social, de melhor distribuição de riqueza e esses espelham, no Portugal de hoje, a condenação da política do PSD.
Por este andar, com esta locomotiva, Portugal ingressaria brevemente não na primeira divisão dos países desenvolvidos, como Cavaco Silva anunciou, mas na II Divisão B e para isso ainda teria de contar com alguns favores do árbitro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta fase final desta legislatura importa que à Assembleia da República sejam criadas condições para poder levar até ao seu termo as várias iniciativas legislativas que estão pendentes e exercer, em toda a plenitude, os seus poderes de fiscalização. Não falta trabalho. Destacamos, entre outros, as petições cuja discussão não poderá deixar de ser feita face às expectativas, que não podem ser defraudadas, geradas pela própria Assembleia da República junto dos peticionários.
Mas também as amnistias (comemora-se hoje o 30.º aniversário da Amnistia Internacional, que registamos), a lei quadro das regiões administrativas, a lei da criação das áreas metropolitanas ou ainda a lei quadro das áreas protegidas, a carta dos direitos dos cidadãos face à Administração ou as medidas de prevenção do consumo de drogas e de tratamento e reinserção de toxicodependentes, entre outras.
A Assembleia da República e a produção legislativa do País não podem estar dependentes do calendário interno do PSD. O encerramento prematuro da Assembleia da República pode servir os interesses do PSD mas não serve, seguramente, o interesse nacional, e essa sobreposição não podemos nós admiti-la.
Srs. Deputados, neste quadro impõe-se que as forças políticas, que pretendem protagonizar uma viragem democrática para o futuro do País - o que isoladas não conseguirão -, reforcem a aproximação, o diálogo e as acções conjuntas, abrindo caminho, sem preconceitos, aos necessários entendimentos que viabilizem a concretização de uma alternativa credível e séria.
A Conferência Nacional do PCP apontou, com esse objectivo, propostas, orientações e compromissos que, estamos certos, vão ao encontro de um futuro de progresso, justiça e solidariedade social para o País, tendo como aspectos centrais desde logo a necessidade de consolidação e fortalecimento do regime democrático, a acentuada elevação do nível de vida da população e o combate às injustiças e desigualdades sociais, uma estratégia de desenvolvimento nacional, o respeito geral e integral pelos direitos dos trabalhadores, a adopção de políticas que respondam a problemas e expectativas dos jovens, das mulheres, dos agricultores, dos quadros, a plena assumpção das responsabilidades constitucionais do Estado na esfera social, o avanço de importantes reformas democráticas como a da criação e instituição das regiões administrativas, a defesa da soberania e independência nacionais.
Portugal pode ser melhor. Se-lo-á, certamente, a curto prazo!

Aplausos do PCP e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, com um misto de prazer e de tristeza, queria informar a Câmara que se encontra entre nós a Sr.ª Emília Gusmão, mulher de Xanana Gusmão.

Aplausos gerais.

O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca pediu a palavra para que efeito?

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, tinha-me inscrito para um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Lino de Carvalho em tempo cedido pelo Grupo Parlamentar do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não registámos o seu pedido, mas aproveito a oportunidade para lhe dizer que os deputados independentes não dispõem de tempo para declarações políticas e o próprio PCP já não dispõe de tempo para ceder. Aliás, se isso se verificasse abrir-se-ia um precedente, que consistiria na abertura da possibilidade de os deputados independentes disporem de tempos em declarações políticas, com o que alargaríamos anormalmente o tempo das perguntas e respostas decorrentes dessas mesmas declarações.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

Página 2735

29 DE MAIO DE 1991 2735

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, a filosofia que acaba de expender é discutível mas será boa, sobretudo, se for aprovada, para ser usada no futuro. No entanto, V. Ex.ª não pode deixar de ter em conta os precedentes para que não haja «dois pesos e duas medidas» que tanto afectam a vida parlamentar.
Aliás, o que vem detrás -e sempre foi compreendido assim - é que as declarações políticas têm um tempo estabelecido de dez minutos e as situações que são originadas por elas, quer a necessidade de perguntar quer a de responder, são cobradas no tempo quinzenal de que os partidos dispõem. Ora, nós consideramos ajustado ceder dois ou três minutos do nosso tempo ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, para que ele possa fazer perguntas ao deputado da nossa bancada que acaba de intervir, e o Sr. Presidente, tendo em conta os precedentes, não pode negar-nos esse direito.
O Sr. Presidente - Sr. Deputado, precedentes não creio que os haja. No entanto, outra questão é a de um grupo parlamentar, ou, mais significativamente ainda, neste caso, a de o conjunto dos deputados independentes que não tinham, à partida, um tempo de intervenção, apesar de nunca sermos extremamente rigorosos nos tempos das declarações políticas, como ainda há pouco se verificou nas duas declarações políticas hoje produzidas. E aí, se a memória me não falha, não há qualquer precedente.

Tem a palavra, Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, até hoje os deputados independentes sempre puderam usar o tempo cedido pelos grupos parlamentares. É evidente que os deputados independentes, à partida, nunca têm tempo no período antes da ordem do dia e passaram há pouco a tê-lo no período da ordem do dia mas sempre, quer no período de antes da ordem quer no da ordem do dia, os grupos parlamentares tiveram a faculdade de ceder tempo aos deputados independentes e estes tiveram a faculdade de o usar.
V. Ex.ª decidirá como entender, mas creio que não seguirá os precedentes se não permitir a cedência de tempo ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca para dirigir perguntas ao Grupo Parlamentar do PCP.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, não queria alargar esta questão, mas vou mais longe dizendo que até nas iniciativas legislativas, quando o tempo vai mais além do que é normal, nós sempre vamos buscar a um grupo parlamentar que ainda tem tempo disponível, pelo menos o ponto de partida para as perguntas e respostas.
Sr. Deputado, permita que lhe dê uma sugestão: se V. Ex.ª quiser solicitar tempo a um grupo parlamentar que dele disponha para permitir que o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca intervenha, eu darei ao PCP o tempo para responder.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, resolveremos melhor este problema na próxima conferência de líderes porque agora está resolvido, tanto mais que o CDS já cedeu tempo ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, aliás, no seguimento da sugestão por si apresentada.
No entanto, V. Ex.ª não tem razão, porque se eu quiser fazer perguntas ao Sr. Deputado do PSD, que intervirá a seguir, V. Ex/vai-me permitir que o faça porque o grupo parlamentar tem tempo disponível. Ora, o que sempre se entendeu é que esse tempo disponível quinzenalmente usa-se no seguimento das declarações políticas e para os incidentes oratórios que elas provocam. Sempre foi esse o entendimento da Câmara e por isso creio que os precedentes me dão inteira razão.

O Sr. Presidente: - O incidente está resolvido, mas poderemos discutir mais aprofundadamente esta matéria na conferência de líderes. No entanto, o Sr. Deputado Carlos Brito não tem toda a razão. Tem razão quando se trata da cedência de tempo para respostas, mas não para uma situação destas.
Tem a palavra, utilizando tempo cedido pelo CDS, o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Muito obrigado Srs. Deputados Carlos Brito e Narana Coissoró pela vossa compreensão de onde se situava a razão. Relativamente aos tempos terei oportunidade, Sr. Presidente, ainda no decurso desta sessão, de o interpelar no sentido de justificar - mas tem de o fazer claramente - uma decisão tomada por V. Ex.ª sobre este tema.
O Sr. Deputado Lino de Carvalho fez uma declaração a propósito da política desenvolvida pelo Sr. Primeiro-Ministro Cavaco Silva e eu gostava de lhe colocar a seguinte questão. A Imprensa Nacional é uma editora responsável que recebe subsídios do Estado para publicar estudos sobre grandes temas, desde os descobrimentos a outros grandes estudos nacionais, ou para publicação de livros de grandes autores para os quais concorrem editoras nacionais de relevo.
É evidente que até há cerca de oito dias -creio eu - os discursos políticos de primeiros-ministros não eram editados pela Imprensa Nacional. Normalmente os primeiros-ministros, os ministros, os directores-gerais, os secretários, os subsecretários, os adjuntos utilizavam a Direcção-Geral da Comunicação Social e faziam propaganda publicando livros, que, aliás, seria interessante saber quanto custam ao Estado Português.
Sr. Deputado Lino de Carvalho, como é que classifica o facto de a Imprensa Nacional ter publicado há relativamente pouco tempo um volumoso livro com discursos e tomadas de posição políticas do Sr. Primeiro-Ministro Cavaco Silva numa edição luxuosa vendida a um preço mais ou menos discutível, mas que não deixa de ser da Imprensa Nacional, que beneficia de subsídios estatais?
Considera V. Ex.ª que poderá existir um certo abuso na utilização de uma editora deste tipo que nos habituou a grandes estudos e a grandes tomadas de posição, a grandes livros e não a meras propagandas políticas circunstanciais de primeiros-ministros ou de outro tipo de personalidades que ocupam circunstancialmente os cargos de relevo neste país?

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Fernando Cardoso Ferreira (PSD): -São conversas em família!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): -Não esteja incomodado.

Página 2736

I SÉRIE -NÚMERO 84 2736

Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, a pergunta que me dirigiu tem a ver com um traço que registei na minha intervenção, sobre a tentativa de transformação do Governo numa câmara de eco eleitoral do PSD, numa tentativa de, a partir dos comandos do aparelho de Estado, se procurar usar os meios, os fundos e os instrumentos do Estado para a propaganda governamental pré-eleitoral do Governo.
O livro que V. Ex.ª acaba de citar inscreve-se nesta concepção governamentalizadora do Estado e constitui um escândalo no quadro da vida normal das instituições democráticas.
O Sr. Deputado referiu que o livro era comprido. Diria mais: o livro é comprido e chato!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!

O Sr. Manuel Filipe (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Filipe (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de interpelar a Mesa sobre os critérios da distribuição que é feita pelos serviços da Assembleia da República da correspondência que, podendo ser dirigida a vários partidos, é enviada através de uma só carta.
Explicito melhor a situação: quando alguém se dirige, por escrito, aos deputados eleitos por um circulo sem especificar o partido, que critério é que preside à distribuição da correspondência? No caso de Beja, por exemplo, é ao PCP, ao PS ou ao PSD?
Tenho conhecimento de um documento enviado por um grupo de agricultores do concelho de Cuba, no distrito de Beja, a todos os deputados eleitos pelo círculo de Beja e que, apesar disso, foi distribuído, pelos serviços da Assembleia da República, a um único partido.
Sendo assim, gostaria que o Sr. Presidente tomasse as necessárias providências para que isto não volte a acontecer.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Manuel Filipe, aquilo que chega à minha mão tem o despacho que tem de levar. Admito que haja lapsos, mas, como bem compreenderá, o Presidente da Assembleia da República não é propriamente o «carteiro» desta Casa.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Pacheco Pereira.

O Sr. José Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputadas e Srs. Deputados: A Assembleia da República, para além da sua função legislativa própria e do seu papel de instrumento privilegiado de vigilância dos actos governativos, é também o local essencial do debate político. É esse um dos sentidos da actividade parlamentar que transporta para o quadro institucional da Assembleia as diferenças programáticas, de métodos e de actuação entre os partidos políticos.
Os partidos da oposição, em particular o PS, sempre reagiram mal à realização do debate político nesta sede, sobretudo quando lhes tocavam as críticas. Diziam que se tratava, por parte do PSD, de «oposição à oposição», como se fosse um crime criticar o comportamento dos partidos da oposição e como se a Assembleia se reduzisse apenas à crítica da actuação governativa.
Não participamos desse ponto de vista reducionista e entendemos fazer na Assembleia este debate político a que outros fogem, contribuindo para a formação da opinião pública democrática.
As eleições legislativas, que se realizarão a 6 de Outubro, vão ser o momento privilegiado do julgamento dos Portugueses sobre a vida política. Os partidos mostrarão o que fizeram - o PSD através do seu governo, os outros partidos através da sua acção na oposição.
Mas o debate político tem de ter em conta as soluções alternativas de governo que cada um apresenta ao eleitorado e a sua adequação às exigências e necessidades do País. As alternativas políticas que cada partido apresenta não podem ser avaliadas apenas como intenções e possibilidades futuras -algumas são, com certeza, meras hipóteses académicas-, mas como elementos da política do presente, com que se tem de ter em conta agora.
Ora, nesta matéria as posições de todos os partidos são claras, com a excepção do PS.
Sabe-se o que pensa o PSD: pede ao eleitorado uma maioria clara, em idênticas condições de estabilidade e de governabilidade que se verificaram nesta primeira legislatura, mantendo-se, assim, a normalidade institucional do nosso regime democrático.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - De igual modo, afirma a inconveniência de soluções minoritárias ou de coligações que fragilizem a governação e gerem instabilidade política.
A nossa política é clara e corresponde à ideia que temos do interesse nacional. Sabe-se o que o PSD pensa sobre as oportunidades, assim como sobre as condições e exigências que se vão colocar aos Portugueses no futuro próximo para continuarem no caminho do desenvolvimento e da afirmação nacional. E sabe-se o modo como se deve traduzir essa situação numa solução de governo assente na estabilidade política, numa capacidade de decisão forte, numa legitimidade política ampla.
Defendemos uma solução política que implique a nossa máxima responsabilização para com os Portugueses e para com o nosso programa e queremos governar na base dessa dupla fidelidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O PSD propõe, nas próximas eleições, um objectivo difícil, que vai muito para além da conflitualidade interpartidária, e que é tornado particularmente árduo por um sistema eleitoral que foi desenhado para o impedir e que o conservadorismo da oposição e a recusa de compromissos constitucionais por parle do PS não permitiu alterar.
O que pedimos ao povo português é muito. Pensamos que a obra realizada e o sentimento de respeito pelo papel dos Portugueses nas transformações que mudaram a face de Portugal nos dão confiança para conseguir esse objectivo.
Temos, pois, uma política clara e objectivos conhecidos de todos.
De igual modo, é clara a posição do CDS e do PCP nas alternativas que colocam aos eleitores (concordemos ou não com os pressupostos que estiveram na origem dessas posições ou com o mérito das soluções que propõem).
O CDS afirma a sua vontade de se coligar com o partido que formar governo, quer com o PS, quer com o PSD.

Página 2737

29 DE MAIO DE 1991 2737

Por seu lado, o PCP pretende entender-se com o PS para dar origem àquilo a que chama um «governo democrático», cuja política seria a inversa da do PSD. O PCP também tem sido explícito em afirmar que qualquer viabilização de um governo minoritário do PS tem de passar por um acordo político substantivo.
Os eleitores sabem, pois, o que o PSD, o CDS e o PCP lhes propõem e podem decidir em consequência. Más o mesmo não acontece com o PS...
Na verdade, sobre esta matéria, o PS «não diz coisa com coisa» e cai em sucessivas contradições. Já praticamente afirmou ao eleitorado tudo o possível e imaginário, assim como o seu contrário.

Risos do PSD.

Há alguns meses atrás pediu ao eleitorado uma maioria absoluta, afirmando querer governar «nas mesmas condições do PSD», admitindo implicitamente mérito numa solução governativa estável e homogénea. Mas, logo na mesma semana, dirigentes socialistas criticaram os governos maioritários, considerando-os como manifestações de «poder absoluto» e louvando as vantagens das coligações.
Há nesta volubilidade a admissão implícita de que o PS não tem objectivos próprios, para além de querer impedir, a todo o custo, que o PSD não tenha condições para governar, assim como a revelação do pouco valor que dá às condições que permitem fazer obra e cumprir programas, em detrimento de uma vontade de mero usufruto do poder, concebido como acesso de clientelas partidárias às benesses do Estado. É o «agora nós», traduzido em política.
Não custa compreender, por detrás das nuvens de palavras em que o PS é fértil, que nenhum socialista acredita nem na maioria absoluta do seu partido nem sequer na relativa. A prova real foi o espectáculo da elaboração das listas de deputados, em que não se viu nenhum dos candidatos se sentir seguro dentro de qualquer lugar das listas que não estivesse ao alcance de uma votação minimamente superior à de 1987, longe não só da maioria simples quanto mais da absoluta.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador:-Ora, se a política real do PS é evitar, a todo o custo, que o PSD tenha uma maioria clara e propoi-se, por seu turno, constituir um governo minoritário torna-se essencial saber em que condições esse eventual governo socialista se vai formar, dado que a sua existência vai depender de alianças, coligações e acordos sobre os quais os socialistas são estranhamente silenciosos.
Na verdade, as hipóteses que os socialistas colocam explicitamente não podem ser tomadas a sério e não o são por ninguém, nem por eles próprios. E esse irrealismo é ainda mais patente quando as tentam explicar em detalhe. Veja-se o caso da tese defendida pelo seu secretário-geral de que o PS governaria «por acordos pontuais», em que «a propósito da lei A ou da lei B haveria todos os dias na Assembleia da República [...] toda a sorte de acordos pontuais». Com a displicência de quem não sabe o que é governar, esta solução significaria a completa paralisia da decisão e da responsabilização.
A esta teoria soma-se a ideia mítica de um governo PS minoritário que subsistiria sozinho sem acordos parlamentares. Esta ideia também não tem qualquer sentido e implicaria sempre o beneplácito do PCP a esse governo. Ora o beneplácito comunista só poderia ser obtido se o PS, explicitamente, evitasse qualquer confronto com o PCP. De facto, não se vê como é que um governo que realmente afrontasse os problemas nacionais-em particular na área da legislação laboral, da agricultura, do arrendamento, da política social, das privatizações, da economia- poderia contar com o voto do PCP... O que certamente aconteceria é que um frágil governo PS evitaria tudo aquilo que afrontasse o PCP e repetiria o que o PS já fez no passado: uma política de sucessivos adiamentos, tornando «intocáveis» os feudos políticos e sociais que os comunistas tentam ter na sociedade e na economia portuguesa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nesta situação, os comunistas não precisariam sequer de qualquer acordo parlamentar ou de governo, porque o PS governaria como se ele existisse. Ou, ainda pior o receio de perder o poder afrontando os comunistas ou o excesso de zelo tornariam até esta situação muito apetecível ao PCP, que permaneceria fora do desgaste governativo, sendo, no entanto, o partido que, nas questões decisivas, mandaria num governo PS.
Não custa imaginar os efeitos desastrosos desta política!... Mas, se essa solução já era péssima, ela hoje está ultrapassada pelas explícitas declarações comunistas de que o PCP não viabilizaria um governo minoritário socialista sem um acordo político de fundo.
Falando na recente conferência nacional do seu partido, o Dr. Álvaro Cunhal não podia ser mais claro: «nenhum partido democrático» (leia-se o PS) «sozinho está em condições de alcançar a maioria absoluta», logo é «indispensável a convergência e o entendimento dos partidos democráticos, designadamente o PS e o PCP». Os comunistas nem sequer se limitam à retórica «unitária» e avançam já com a sua disposição de «tomar à sua alta responsabilidade os mais altos cargos do Estado, incluindo os de ministros».
Ora, o silêncio do PS, face às sucessivas afirmações dos comunistas de que não apoiariam um governo minoritário do PS sem condições, é preocupante. As omissões do PS, particularmente quando dizem respeito a situações que se podem verificar depois das eleições, constituem objectivamente um logro feito ao eleitorado. O PS não pode cair na suspeição de estar a actuar com reserva mental e através das suas omissões a deixar em aberto a oportunidade para depois das eleições se entender com o PCP a nível parlamentar ou governamental, colocando os portugueses perante um facto consumado, cujo conhecimento prévio pelo eleitorado seria liminarmente rejeitado nas umas.
Há razões para não se ter confiança no PS nesta matéria. Depois de ter, durante muitos anos, jurado a pés juntos que nunca se coligaria com o PCP e de ter feito aprovar em congresso que o PS concorreria sozinho às eleições autárquicas, o PS apresentou uma candidatura comum com o PCP para Lisboa.

O Sr. Carlos Brito (PCP ): - E ganhou! Vocês estão com muito medo!

O Orador:-Sr. Deputado, esse comentário não tem nada a ver com a substância da matéria.
Em muitos concelhos os candidatos socialistas também juraram a pés juntos que em nenhuma circunstância se coligariam com o PCP depois das eleições autárquicas. Mal acabados os votos de entrar nas umas e ainda se ouviam

Página 2738

I SÉRIE -NÚMERO 84 2738

os ecos dos seus compromissos, o PS realizou vários acordos com o PCP, permitindo que os comunistas continuassem a gerir muitas autarquias em que tinham perdido a maioria absoluta, agora na base de uma aliança PS-PCP.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não há, portanto, quaisquer garantias de que o PS não esteja já a preparar-se para acordos, pelo menos de âmbito parlamentar, com os comunistas. O PS preocupa-se em negar o óbvio -de que não vai fazer nenhuma coligação com o PCP antes das eleições -, mas é ambíguo quanto ao que se pode passar depois das eleições. As recentes declarações do secretário-geral do PS, admitindo acordos «com outros partidos» depois das eleições, são preocupantes pela sua deliberada ambiguidade.
Fazemos, por isso, uma simples pergunta ao PS, a cujos termos entendemos ser necessária uma resposta clara e precisa: está ou não o PS preparado para declarar que não fará em qualquer circunstancia qualquer acordo ou entendimento de carácter parlamentar ou outro com o PCP para garantir uma solução de incidência governativa, depois das eleições?
Esta questão não pode ficar sem uma resposta! O silêncio ou uma resposta evasiva podem legitimamente ser interpretados como a pretensão por parte do PS de manter em aberto uma hipótese de acordo com o PCP depois das eleições, ao mesmo tempo que tal intenção seria cuidadosamente escondida aos Portugueses antes das eleições, com o certo receio de que se tal fosse do seu conhecimento estes penalizariam fortemente o PS.
Os socialistas, que tanto falam de transparência política, aqui têm, pois, uma oportunidade para dar um exemplo de clareza de intenções e objectivos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Narana Coissoró e Carlos Lage.
Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado José Pacheco Pereira, na intervenção que V. Ex.ª acabou de produzir fez exactamente aquilo que o PS está a fazer!
Diz o Sr. Deputado que a política do PSD é clara porque defende, desde logo, a maioria absoluta. E o Sr. Deputado diz isto como se a maioria absoluta estivesse já garantida ... Só que não é isso que acontece. Aliás, é mais certo que o PSD não venha a obter essa maioria do que o contrário!
Neste sentido, o PSD tem a estrita obrigação de dizer 20 Parlamento e a todo o País qual é a sua política de alianças no caso de não obter essa maioria absoluta.

Vozes do PSD: -Zero!

O Orador:-Quer fazer um bloco central com o Dr. Fernando Nogueira à frente? Quer passar para a oposição, com o Professor Cavaco Silva a liderá-la? Quer uma coligação com o CDS, como o eleitorado parece exigir?

Risos do PSD.

O País tem de sabê-lo! Esta questão não pode ser escamoteada pelo PSD, que tem a obrigação de dizer a todos os portugueses qual é a sua política de alianças se não tiver maioria absoluta.
O Sr. Deputado referiu também que o CDS tanto podia fazer uma coligação com o PS como com o PSD. Sr. Deputado, o que o CDS tem defendido é que não há partidos democráticos tabus e que o CDS não é «refém» do PSD...
Se houver a necessidade de formar um governo estável e majoritário na Assembleia da República e se para isso for necessário o concurso do CDS, nós veremos, segundo os resultados eleitorais, se podemos ou não fazer uma coligação com o PSD ou com o PS, mas respeitando sempre as condições que apresentaremos a qualquer desses dois «candidatos» ao governo da maioria.
Também o CDS poderá decidir ir para a oposição e recusar qualquer coligação, deixando o campo aberto para que o PSD governe, mais uma vez - como o fez entre 1985-1987 -, com um governo minoritário. Sem coligação governamental não daremos aval parlamentar a qualquer governo minoritário!
A forma como os dirigentes do PSD têm transmitido a posição do CDS é o exemplo de «contra-informação». É preferível que isto fique claro. Nós já clarificámos a nossa posição no último fim-de-semana no conselho nacional e seria bom que o PSD tomasse bem nota daquilo que dizemos.
Repito a pergunta, Sr. Deputado: porque esconde o PSD à Câmara e ao País qual é a sua política de alianças para o próximo Outubro?

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Pacheco Pereira.

O Sr. José Pacheco Pereira (PSD): - O Sr. Presidente desculpar-me-á, mas vi outros deputados inscreverem-se para me pedir esclarecimentos. Não me importarei de responder já, se entretanto eles tiverem desistido.

O Sr. Presidente:-Efectivamente desistiram, Sr. Deputado.

O Sr. João Salgado (PSD): - Foi uma desistência obrigada!

O Orador: - Ter-se-á tratado sem dúvida de uma desistência apoiada.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - É o regime da matraca!

O Orador: - Antes propriamente de responder ao Sr. Deputado Narana Coissoró, quero, como é evidente, registar o silêncio do Partido Socialista em relação à questão que lhe foi colocada.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Foi o mesmo silêncio que vocês fizeram relativamente à nossa!

O Orador: -O silêncio é, evidentemente, um enorme grito: estão disponíveis para fazer entendimentos com o Partido Comunista.

Vozes do PSD: -É evidente!

Página 2739

29 DE MAIO DE 1991 2739

O Orador:-Devo dizer, Srs. Deputados, que a questão nem se coloca em termos de hipóteses verificáveis mas, sim, em termos de política actual. A resposta que o Partido Socialista nos deu hoje é importante em termos da actualidade política, porque mostra que tipo de disponibilidades, de campo de acção, de compromissos e de cedências está o Partido Socialista disposto a fazer para chegar ao poder. Estamos esclarecidos sobre esta matéria, sendo legítimo, a partir de agora, tirar a conclusão de que o Partido Socialista está disposto a entender-se, para um acordo parlamentar de incidência governamental, com o Partido Comunista.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Acordo secreto!...

O Orador: -É claríssimo, não há qualquer segredo.
A resposta que quero dar ao Sr. Deputado Narana Coissoró é muito simples e foi já dada na minha intervenção: o Partido Social-Democrata tem o entendimento de que não é útil nem necessário e politicamente seria negativo que o País tivesse governos fracos, sem capacidade para cumprir o seu programa e para assumir inteiramente a responsabilidade e o compromisso que tem para com o seus eleitores.

O Sr. Narana Coissoró (CDS):-E se não tiver a maioria?

O Orador: - O Partido Social-Democrata governa em todas as condições em que se verificar o duplo compromisso entre a capacidade de governar e o programa que os seus eleitores escolheram.

Aplausos do PSD.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Ah, não diz qual é a política de alianças!...

Risos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegou à Mesa a informação de que teria havido consenso no sentido de procedermos agora à votação de três votos apresentados, mas também há a hipótese de tais votos serem submetidos à votação na hora prevista para as restantes votações.

O Sr. Carlos Brito (PCP):-Peço a palavra, Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: -Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, quero apenas referir que temos a máxima urgência em debater o recurso da não admissão do inquérito parlamentar n.º 22/V, visto que os lideres parlamentares da oposição que irão intervir a esse propósito terão de se ausentar daqui a pouco, a fim de se encontrarem com o Sr. Presidente da República.
Propomos, pois, que se passe de imediato à discussão do primeiro ponto da ordem de trabalhos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente:-Srs. Deputados, entramos, então, no período da ordem do dia, com a discussão do recurso interposto pela não admissão do inquérito parlamentar
n.º 22/V, da iniciativa de deputados do PS, PCP. PRD e CDS e deputados independentes.

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Peço a palavra. Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente:-Faça favor. Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Sr. Presidente, quero comunicar que entregaremos na Mesa um recurso quanto ao ponto seguinte da ordem de trabalhos, o que só não faremos agora para não prejudicar o que acaba de ser solicitado pelo Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por lamentar profundamente que neste momento não se encontre presente entre nós o Sr. Presidente da Assembleia da República. Na realidade, o recurso que aqui interpomos diz respeito a uma decisão do Sr. Presidente da Assembleia e é-me, naturalmente, difícil calar aquilo que penso pela cortesia que me merece o facto de ele aqui não estar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador:-Não posso, porém, deixar de sublinhar que estamos perante o mais grave atropelo ao funcionamento de um parlamento democrático em Portugal nos últimos anos, atropelo que é consumado pela acção conjugada e coordenada entre a maioria PSD na comissão de inquérito politicamente extinta, o presidente PSD desta Câmara e a maioria PSD da Comissão de Regimento e Mandatos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador:-O objectivo das decisões tomadas e dos prazos, extremamente dilatados, que foram necessários para que algumas delas se tomassem é apenas um. indesmentível e extremamente grave: impedir que esta Assembleia apure até ao fim a verdade, sobretudo aquilo que de grave se passou no Ministério da Saúde e que já justificou por parte do Ministério Público o levantamento de processos crime, até em relação a um membro do governo do PSD.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador:-Este comportamento é intolerável e inaceitável. Quero aqui avisar solenemente a Câmara e o Pais de que se, após as eleições, for outra, como esperamos, a maioria nesta Câmara, o inquérito será reaberto e levado até ao fim.

Aplausos do PS, do PCP e dos deputados independentes Herculano Pombo, José Magalhães e Raul Castro.

Mais do que a inaceitável tentativa de ocultar a verdade - uma verdade que é seguramente muito comprometedora para o PSD e para o Governo, porque, se o não fosse, não se teria recorrido a estes extremos -, não pode deixar de merecer o nosso veemente protesto o tacto de um direito irrecusável da oposição consagrado na Constituição, que é o de, mesmo contra a vontade do Governo, 50 deputados poderem impor um inquérito parlamentar,

Página 2740

I SÉRIE -NÚMERO 84 2740

nos ter sido recusado expressamente pelo Sr. Presidente desta Câmara e pela Comissão de Regimento e Mandatos, em flagrante violação da Constituição e da lei.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É um comportamento politicamente inaceitável, um comportamento que lança uma mancha grave sobre o funcionamento da democracia portuguesa e um comportamento para o qual não há artifícios jurídicos que possam ser invocados.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Há nesta Câmara precedentes em relação a várias comissões parlamentares de inquérito com o mesmo objecto, mas a segunda comissão de inquérito proposta, que, depois de a primeira estar politicamente, que não ainda formalmente, morta, surge da iniciativa de 50 deputados, não tinha sequer o mesmo objecto da primeira.
Não há artifício jurídico que anule esta verdade essencial: a maioria está disposta a tudo, a violar a Constituição e a lei, só para que não se conheça o que de verdade se passou no Ministério da Saúde. Isto poderá ser imposto por esta maioria, mas o País saberá negar ao PSD um maioria que permaneça para que este arbítrio possa ser mantido.

Aplausos do PS, do PCP e dos deputados independentes Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos, José Magalhães e Raul Castro.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O artigo 181.º, n.º 4, da Constituição diz o seguinte: «Sem prejuízo da sua constituição nos lermos gerais, as comissões parlamentares de inquérito são obrigatoriamente constituídas sempre que tal seja requerido por um quinto dos Deputados em efectividade de funções, até ao limite de uma por Deputado e por sessão legislativa.»
O artigo 256.º do Regimento diz, no seu n.º 2, que «as comissões parlamentares de inquérito são obrigatoriamente constituídas sempre que tal seja requerido por um quinto dos Deputados em efectividade de funções, até ao limite de uma por Deputado e por sessão legislativa.» Diz o n.º 3 do mesmo preceito: «No caso previsto no número anterior, o Presidente toma as providências necessárias para que a composição, tomada de posse e entrada em funções da comissão de inquérito se processe até ao 8.º dia posterior à publicação do requerimento no Diário.»
Até hoje, Sr. Presidente, Srs. Deputados, estas disposições da Constituição e do Regimento nunca suscitar qualquer dificuldade de interpretação, nem mesmo quando o PSD, depois de o Partido Socialista ter apresentado um pedido de inquérito, com 50 assinaturas, à Radiotelevisão Portuguesa, fez o mesmo, apresentando também um pedido de inquérito à mesma entidade, com um objecto ligeiramente diferente. Nessa altura, foi entendido que ambos os inquéritos parlamentares podiam ir adiante. Tais inquéritos foram mesmo adiante e só não o foram mais porque o PSD os tem boicotado.
O que é certo é que o entendimento não suscitava dificuldades e constituía um precedente, que deveria valer ainda com mais força para a questão que agora discutimos, uma vez que o inquérito apresentado pelo conjunto dos partidos da oposição tinha um objecto notoriamente diferente daquele que tinha sido o da comissão de inquérito em extinção e constituía, além disso, uma reacção da oposição relativamente aos planos, já então claros, do PSD para bloquear as conclusões e o apuramento da verdade por parte dessa comissão de inquérito.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que se passa é que esta atitude do PSD e do Sr. Presidente da Assembleia da República, que neste caso temos de associar estreitamente, constitui o cúmulo do que foi a actuação desta maioria absoluta parlamentar ao longo dos quatro anos da legislatura. Não hesitou em ultrapassar e espezinhar o Regimento e até, como se vê, a Constituição para proteger os seus interesses, particularmente neste ponto nevrálgico que é o Ministério da Saúde. Sempre que nesta Casa se toca no Ministério da Saúde a bancada do PSD fica inquieta e nervosa, rebela-se, protesta, não quer que se discuta, quer calar a oposição.
Mais uma vez temos aqui um exemplo, que é paradigmático do que foi a actuação desta maioria absoluta e do que não deve ser uma maioria absoluta num parlamento democrático. Como até agora está a acontecer com a tentativa de encerrar já, a ioda a pressa, subitamente, a sessão legislativa, para poder com calma e sem perturbações organizar as suas listas para as próximas eleições parlamentares. Esta maioria absoluta sempre entendeu que os interesses do PSD se sobrepõem aos interesses nacionais. Mais uma vez isso se verifica.
Creio que o que deve resultar deste curtíssimo debate é que os partidos da oposição não aceitam que os interesses de qualquer partido se sobreponham aos interesses nacionais.

Aplausos do PCP, do PS e dos deputados independentes Herculano Pombo, Jorge Lemos, José Magalhães e Raul Castro.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O pedido de inquérito parlamentar em apreço foi rejeitado pelo Sr. Presidente, fazendo suas as conclusões de um parecer votado na Comissão de Regimento e Mandatos.
Salvo o devido respeito pelo seu relator, temos para nós que este perecer é improcedente, uma vez que parte do princípio de que o exercício do direito potestativo não se encontra regulamentado no Regimento. Ora, isto não é exacto e, se o termo não for excessivo, direi mesmo que é uma afirmação totalmente falsa!
Na verdade, e desde logo, o próprio Regimento fixa as regras regulamentares dos inquéritos - tanto os inquéritos votados, como os obrigatórios. Nestes termos, dispomos de um princípio geral para toda a espécie de inquéritos, que se encontra vertido no n.º 2 do artigo 255.º do Regimento: «Qualquer requerimento ou proposta tendente à realização de um inquérito deve indicar os seus fundamentos e delimitar o seu âmbito, sob pena de rejeição liminar pelo Presidente.»
Por conseguinte, o único poder que, nesta matéria, o Regimento confere ao Presidente é o da verificação liminar, no sentido de indagar se o requerimento contém formalmente os fundamentos e o âmbito do recurso, não lhe

Página 2741

29 DE MAIO DE 1991 2741

dando qualquer direito de, nessa sede, entrar no fundo do exame desses mesmos fundamentos e âmbito.
Na verdade, sã no caso de se verificar uma lacuna na apresentação do requerimento, isto é, se este der entrada sem conter os fundamentos e sem especificação do seu âmbito é que será então liminarmente rejeitado.
Ao contrário, desde que indique os fundamentos com a especificação do âmbito -e o requerimento que apresentámos tinha-os desenvolvidamente-, não pode o Presidente, de forma alguma, despachar a sua rejeição liminar. Com efeito, o Presidente não tem poderes para rejeitar liminarmente, a não ser naquele específico caso expressamente previsto no Regimento!
Por outro lado, tratando-se de inquéritos obrigatórios, estatui o n.º 3 do artigo 256.º do Regimento que «[...] o Presidente toma as providências necessárias para que a composição, tomada de posse e entrada em funções da comissão de inquérito se processe até ao 8.º dia posterior à publicação do requerimento no Diário». Quer isto dizer que a segunda intervenção do Presidente neste tipo de inquéritos é a de dar a posse, fazendo-o até ao 8.º dia.
Quem procede então ao exame de fundo dos fundamentos e do âmbito do recurso? É a própria comissão! É esta que, antes de começar os seus trabalhos, faz o primeiro exame para saber quais os fundamentos em discussão e qual o âmbito em que se desenvolverá o inquérito!
Portanto, juridicamente, o parecer está eivado de ilegalidades, de juízos de valor errados e infectados de uma «partidarite» que não supunha, dado o grande respeito que lhe tenho, no ilustre relator que o produziu.
Na realidade, é incontestável que a regulamentação existe, mas foi afastada, para introduzir o argumento de que se trata de uma situação lacunar, que o Regimento não é omisso, que o direito potestativo tem de ter uma regulamentação para o seu exercício, a qual tem de ser procurada nos princípios gerais de direito... Enfim, todo um emaranhado de argumentos que V. Ex.ª, Sr. Deputado Fernando Amaral, arranjou, porque não quis ver com olhos de ver o que se encontra estatuído no n.º 2 do artigo 255.º e no n.º 3 do artigo 256.º! De facto, está ali tudo o que o Presidente deve e pode fazer, mas V. Ex.ª deixou isso de lado para se afoitar numa discussão completamente irrelevante, pois não há qualquer lacuna, encontrando-se todo o regulamento dos inquéritos parlamentares estatuído no Regimento!
V. Ex.ª foi, inclusivamente, buscar a teoria do caso julgado, que não se aplicou, e bem, a Camarote, porque nos termos do seu parecer haverá um caso julgado da Assembleia da República sobre o inquérito ao acidente de Camarote! Na verdade, a Assembleia da República já se tinha pronunciado, pelo que, se aplicasse a teoria do caso julgado, não haveria novo inquérito de Camarote!

Vozes do PS:-Muito bem!

O Orador:-Porém, politicamente, não havia caso julgado e a Assembleia da República fez bem em reabrir o inquérito, já que se provou que os julgados anteriores não satisfaziam a consciência parlamentar e a consciência nacional!
Também já foi aqui referido o caso do inquérito à RTP!
Em conclusão, sempre que interessa ao PSD pisar, espezinhar, os princípios gerais e expressos do direito, fá-lo sem rebuço! Quando lhe interessa passar por cima do Regimento, fá-lo igualmente!
O PSD não quer este inquérito ao Ministério da Saúde! Este silêncio, este «abafarete», são a melhor resposta que dá à sua própria consciência e à opinião pública nacional, porque o que o PSD quer é que não se mostre ao Pais aquilo que a Assembleia da República haveria de trazer à tona de água! É disso que o PSD tem medo, impondo a «lei da rolha» neste caso do inquérito parlamentar ao Ministério da Saúde!
Aplausos do PS, do PCP, do CDS e dos deputados independentes Herculano Pombo, Jorge Lemos, José Magalhães e Raul Castro.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Amaral.

O Sr. Fernando Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de, em primeira linha e de imediato, responder as asserções feitas pelo ilustre colega Dr. Narana Coissoró, sobretudo correspondendo com o mesmo entusiasmo e calor que pôs nas suas palavras, um tanto ao quanto cáusticas quanto ao meu comportamento como relator no relatório que mereceu a aprovação da Comissão de Regimento e Mandatos.
No entanto, procurarei ser mais calmo, porventura mais sereno,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: -... precisamente para ver se conseguimos lançar luz sobre este problema.
E quero desde já partir da própria linguagem jurídica que V. Ex.ª utilizou, quando falou de caso julgado, como sendo um dos princípios gerais a invocar, mesmo quando se trata de interpretação das normas jurídicas que têm incidência directa no espaço político.
Se invoca o caso julgado, por que não invocar também a litispendência, o abuso de direito ou o abuso de poder? São princípios fundamentais ...

Vozes do PSD:-Muito bem!

O Orador: - E se V. Ex.ª os aceita e se, como determina o artigo 12.º e as alíneas c) e p) do artigo 16.º do Regimento, o Presidente da Assembleia da República tem especiais obrigações de dirigir e coordenar todos os trabalhos da Assembleia, não sei por que razão é que, ao receber um requerimento, não há-de ajuizá-lo!...
Pela dignidade da função e pelas responsabilidades que possui, o Presidente da Assembleia da República não é um obediente cego àquilo que se lhe requer, pelo que tem de apreciar os requerimentos. Mais, Sr. Deputado Narana Coissoró: tem de os apreciar nos termos do Regimento e da lei, neste caso o n.º 3 do artigo 2.º da Lei n.9 43/77, de 18 de Junho, que lhe dá o direito de rejeitar liminarmente os requerimentos quando estes não possuírem fundamento, objecto ou quando esse mesmo objecto não esteja de açodo com o determinado no artigo 255.º do Regimento. É que o perfil, a linha e o âmbito do objecto das comissões de inquérito vêm precisamente descritos neste preceito.
Na realidade, seria assim muito estranho que o Sr. Presidente da Assembleia da República, invocando até o princípio da litispendência, passasse a autorizar a constituição de comissões de inquérito passadas a papel químico!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não há sequer litispendência!

Página 2742

I SÉRIE -NÚMERO 84 2742

O Orador: - Sr. Deputado Narana Coissoró, a primeira parte do «objecto» definido para esta nova comissão que se pretendia não faz parte do objecto, já que se limita tão-- só a pretender fazer a interpretação de uma documentação que outra comissão já possui!
Que absurdo criar-se uma comissão que tivesse como objecto apreciar a documentação cuja apreciação é da responsabilidade de uma outra comissão já criada! É algo inconcebível, pois, de algum modo, representa uma sanção ou censura ao trabalho que fora já realizado!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - E Camarate?!

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Camarate nunca existiu!

O Orador: - Não vou falar de Camarate, Sr. Deputado Carlos Brito, porque as circunstâncias são diversas!

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Mas devia falar!

O Orador: - Na altura própria, dar-lhe-ei as respostas convenientes.

Todavia, estava ainda a dirigir-me ao Sr. Deputado Narana Coissoró, que teve a particular ideia de invocar os tais princípios gerais de direito. É que o artigo 255? do Regimento define precisamente o conteúdo do objecto dos inquéritos parlamentares- V. Ex.ª lerá... Ou então irá ler o artigo l.º da Lei n.º 43/77, de 18 de Junho, onde também vem definido o perfil, o âmbito e o espaço dentro dos quais se situa o objecto das comissões de inquérito.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Fernando Amaral, peco-lhe desculpa, mas, uma vez que já não dispõe de tempo, solicitar-lhe-ia que terminasse a sua intervenção...

O Orador: - Vou terminar de imediato, Sr. Presidente. Fá-lo-ei com pena de não poder dar uma explicação mais exaustiva ao Sr. Deputado Narana Coissoró, que me chamou a terreiro naqueles termos.

Risos do PSD.

Porém, também por delicadeza aos Srs. Deputados António Guterres e Carlos Brito, a quem tenho igualmente muita pena de não poder dar uma explicação suficiente, embora esteja certo de que não irá faltar oportunidade para trocarmos impressões sobre a matéria.

Aplausos do PSD.

O Sr. {Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate sobre o recurso interposto pela não admissão do inquérito parlamentar n.º 22/V, pelo que vamos passar à sua votação.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS e dos deputados independentes Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos, José Magalhães e Raul Castro.

Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária da Mesa vai agora proceder à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

Foi lido. É o seguinte:

Relatório o parecer da Comissão de Regimento e Mandatos

Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos realizada no dia 28 de Maio de 1991, pelas 15 horas, foi observada a seguinte substituição de deputado:

Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português (PCP):

Maria Luísa Rodrigues Amorim (circulo eleitoral de Lisboa) por António Filipe Gaião Rodrigues [esta substituição é solicitada nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), por um período de seis meses, com início em 26 de Maio corrente, inclusive].
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

João Domingos F. de Abreu Salgado (PSD), presidente-Alberto Marques de O. e Silva (PS), vice-presidente-José Manuel M. Antunes Mendes (PCP), secretário - Manuel António Sá Fernandes (PSD), secretário - Belarmino Henriques Correia (PSD)-Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Domingos da Silva e Sousa (PSD)-João Álvaro Poças Santos (PSD) - José Augusto Ferreira de Campos (PSD) -José Augusto Santos da S. Marques (PSD) -José Manuel da Silva Torres (PSD) -Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD) - Valdemar Cardoso Alves (PSD) - Carlos Cardoso Lage (PS) - Júlio da Piedade Nunes Henriques (PS) - Mário Manuel Cal Brandão (f S) -José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Hermínio Paiva Fernandes Maninho (PRD).

Está em apreciação, Srs. Deputados.
Pausa.

Não havendo inscrições, vamos proceder à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta e Valente Fernandes.

Srs. Deputados, entramos agora no segundo ponto da ordem do dia, com a discussão conjunta da petição n.9 195/V, da iniciativa do Grémio Literário e do Movimento contra o Acordo Ortográfico, solicitando a promoção e publicação

Página 2743

29 DE MAIO DE 1991 2743

urgentes do novo texto do projecto de acordo ortográfico, para que se inicie um amplo debate a nível nacional, da proposta de resolução n.º 48/V, que aprova, para ratificação, o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, e do projecto de lei n.º 737/V, da iniciativa dos Srs. Deputados Independentes Jorge Lemos e José Magalhães, que determina a renegociação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): -Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: -Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Sr. Presidente, tal como há pouco tinha anunciado, vou fazer chegar à Mesa -e solicitaria à Mesa que o fizesse distribuir pelas diferentes bancadas-um recurso, o qual diz o seguinte: «Ao abrigo e para os efeitos do disposto no artigo 55.º do Regimento, os deputados signatários interpõem recurso da decisão do Presidente da Assembleia relativa ao agendamento para debate não separado da petição n.º 195/V, do Grémio Literário e do Movimento contra o Acordo Ortográfico».

Depois de distribuído o recurso, pediria a palavra para o fundamentar.

Pausa.

O Sr. Presidente:-Srs. Deputados, dado que as cópias deste recurso ainda vão demorar alguns minutos a ser feitas, declaro interrompida a sessão, a qual recomeçará as 17 horas e 5 minutos.

Eram 17 horas.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 17 horas e 10 minutos.

Para fundamentar o recurso, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Serei extremamente breve. Sr. Presidente.

Na ordem de trabalhos que foi distribuída para esta reunião, é-nos proposto que analisemos conjuntamente uma petição apresentada por cerca de 10000 cidadãos, uma proposta de resolução e um projecto de lei.
Chamo a atenção da Mesa e da Câmara para o facto de. em matéria de apreciação de petições, o Regimento estabelecer um tratamento específico que não viabiliza, portanto, uma amálgama de discussão com processos legislativos ou processos de aprovação de acordos ou tratados.
Trata-se, Sr. Presidente, de todo o capítulo do Regimento que expressamente prevê como se deve iniciar e ter sequência o debate das petições em Plenário.
Esta matéria foi introduzida no Regimento na sequência da revisão constitucional de 1989, peto que estaríamos a violentar o Regimento se procedêssemos de modo diferenciada
Portanto, o recurso que apresentamos tem o objectivo. Sr. Presidente, de separar o que deve ser separado: tratar, em primeiro lugar, a petição, de acordo com as normas regimentalmente previstas para a matéria, e, numa fase subsequente, tratar da proposta de resolução n.º 48/V e do projecto de lei n.º 737/V.
E este o sentido do recurso que entregámos na Mesa.
O Sr. Presidente: -Srs. Deputados, vamos votar o recurso, interposto pelos Srs. Deputados Jorge Lemos e José Magalhães, e que acabou de ser fundamentado.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PCP, dos deputados do PS Sottomayor Cárdia e António Braga e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos e Raul Castro e abstenções do PS, do PRD e do CDS.
O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Sr. Presidente, peco a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente:-Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Sr. Presidente, não deixando da salientar a gravidade do que acaba de ser feito pela maioria, no sentido de desrespeitar normas regimentais que ela própria aprovou, desejo anunciar a V. Ex.ª que vou entregar na Mesa um requerimento -que pediria que fosse distribuído às diferentes bancadas-, relativo ao processo sequencial de debate da matéria em que vamos entrar.
O Sr. Presidente: -Srs. Deputados, vamos iniciar o debate das matérias agendadas.
Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, subscrito pelos Srs. Deputados Jorge Lemos e José Magalhães, o seguinte requerimento: «Os deputados signatários requerem que seja dado cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 250.º do Regimento da Assembleia da República, que determina que a apreciação de petições pelo Plenário da Assembleia da República se inicie com a apresentação do relatório da comissão e subsequente debate.»
O requerimento é regimental, pelo que tem deferimento imediato.
Solicito ao Sr. Deputado Secretário o favor de proceder à leitura do relatório.

O Sr. Secretário:-O relatório é do seguinte teor

Comissão de Petições

Petição n.º 195/V (4.ª)

Iniciativa. - Grémio Literário e do Movimento contra o Acordo Ortográfico.
Assunto. - Solicitam a promoção e publicação urgente do novo texto do projecto de acordo ortográfico, para que se inicie um amplo debate a nível nacional.

Relatório

I

O Grémio Literário, várias individualidades em nome do Movimento contra o Acordo Ortográfico e outros cidadãos, em número de 9000, deduziram a presente petição, na qual alegam em resumo:

Que está para breve a assinatura de um acordo ortográfico entre Portugal, Brasil e os países africanos de língua oficial portuguesa;

Que se denuncia que o texto do acordo anterior não serviu os objectivos que os seus promotores pretendiam e que não é possível apreciar o actual, por ainda não ter sido publicado;

Página 2744

I SÉRIE-NÚMERO 84 2744

Que se verifica, assim, falta de esclarecimento e debate a nível nacional do novo texto:
Por estas razoes, os requerentes da petição solicitam a S. Ex.ª o Sr. Presidente da Assembleia da República:

1) A publicação imediata e integral do novo texto do projecto de acordo ortográfico;
2) A não imposição ao País, como facto consumado, da assinatura desse acordo;
3) A concessão de tempo ao País para um amplo debate, esclarecedor e democrático;
4) Amplo acesso aos meios de comunicação social, designadamente aos estatais, para que tal debate seja feito com isenção e eficácia.

II

A petição foi apresentada com observância dos requisitos legais, pelo que foi admitida sem qualquer reserva.
Também se mostra cumprido o dispositivo do artigo 17.º, n.º l, alínea a), da Lei n.º 43/90, uma vez que foi publicada no Diário da Assembleia da República, 2.º série C, n.º 9, de 13 de Dezembro findo.

III

A Academia das Ciências enviou à Assembleia da República o texto do projecto de acordo ortográfico, do qual já se encontra um exemplar no presente processo.
Acresce que os serviços da Biblioteca da Assembleia já publicaram no n.º 3 da série «Cadernos de Informação» (e que constitui uma colectânea subordinada ao título Acordos Ortográficos: Elementos) o teor do acordo ortográfico em causa recebido da Academia das Ciências e cujo conhecimento os peticionantes reclamavam.

IV

Por seu lado, o Sr. Secretário de Estado da Cultura também enviou ao Sr. Presidente da Assembleia da República tais exemplares do texto do Acordo Ortográfico, assinado em 16 de Dezembro findo, «a fim de serem presentes à Comissão de Petições e à Comissão de Educação, Ciência e Cultura, respectivamente, para conhecimento».

V

Cumpre salientar que o Sr. Secretário de Estado da Cultura, no ofício que acompanhou os exemplares do acordo, refere que «oportunamente e após aprovação da respectiva proposta de resolução em Conselho de Ministros o Governo enviará à Assembleia da República o texto do acordo para ratificação na ordem jurídica interna».
Segue-se daqui que os exemplares agora enviados não visam a abertura do processo regimental de aprovação de tratados, mas se destinam especificamente a serem utilizados pelas referidas comissões, no exercício das respectivas competências.

VI

Os textos recebidos da Academia das Ciências e do Sr. Secretário de Estado da Cultura figuram no presente processo como elementos importantes e até essenciais para a apreciação da presente petição, e têm, portanto e de modo inequívoco, a natureza de elementos importantes, nos precisos termos do n.º 2 do artigo 18.º da Lei n.º 43/90.
Assim sendo, deverão ser remetidos ao Sr. Presidente da Assembleia da República, em obediência ao disposto naquele preceito legal.

VII

Nos termos do artigo 17.º, n.º 2, da Lei 43/90, o presente relatório é de publicação obrigatória, mas há-de notar-se que podem também ser publicados quaisquer documentos que o Presidente entenda mandar publicar - Regimento, artigo 123.º, n.º l, alínea n).
Pelo próprio objecto da presente petição, parece curial que, juntamente com este relatório, se processe a publicação integral do Acordo recebido do Sr. Secretário de Estado da Cultura e que foi assinado em Dezembro findo.

VIII

Formulam-se, assim, as seguintes conclusões:

1.º A presente petição está devidamente instruída e em condições de subir a Plenário, nos termos e para os efeitos do artigo 18.º, n.º 1. da Lei n.º 43/90;
2.º Deve ser imediatamente publicado o presente relatório, nos termos do artigo 17.º, n.º 2, da Lei n.º 43/90;
3.º A Comissão de Petições deve remeter, de seguida, a presente petição ao Sr. Presidente da Assembleia da República, para agendamento, mais lhe sugerindo que use da faculdade que lhe confere o artigo 123.º, n.º l, alínea n), do Regimento e, assim, ordene a publicação do texto do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, em simultâneo com a que vai fazer-se deste relatório.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Cultura.

O Sr. Secretário de Estado da Cultura (Pedro Santana Lopes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo entendeu submeter à Assembleia da República a proposta de resolução que temos ora em apreço por considerar que, independentemente dos juízos que podem ser formulados sobre a competência para a aprovação deste acordo internacional - e a opinião do Governo é que seria competente, por si só, para proceder a essa aprovação- e atendendo à natureza da matéria, é adequado, conveniente e de interesse nacional que o Parlamento e o Sr. Presidente da República exprimam a sua posição sobre a matéria que tão controvertida tem sido na opinião pública portuguesa
Permitam-me que comece por frisar, Srs. Deputados, que o trabalho contido no texto que o Acordo aprova é um trabalho realizado pelas instituições que o Governo considera adequadas e idóneas, na ordem interna de cada

Página 2745

29 DE MAIO DE 1991 2745

país, para procederem a este trabalho técnico. E não vou proceder aqui a uma retrospectiva do que têm sido as relações entre as academias de Portugal e do Brasil e dos respectivos órgãos de soberania, principalmente ao longo deste século, na tentativa de estabelecer as bases de um acordo que verse sobre as regras básicas da ortografia.

O Sr. Jorge Lemos (Indep.):-Purificadas!

O Orador: - Sr. Presidente, permitia-me, se mo consente, solicitar à Mesa e aos Srs. Deputados, porque assumi o compromisso de não interromper nenhum dos Sr. Deputados nas intervenções subsequentes...

O Sr. Jorge Lemos (Indep.):-Já não se lembra disto! Já se esqueceu!

O Orador: -Julgo que, tendo em conta a natureza da matéria que estamos a debater, se exige que cada um de nós tenha todas as condições para poder expor, de forma tão conseguida quanto possível, os argumentos em que acredita.

Vocês do PSD:-Muito bem!

O Sr. Presidente:-Sr. Secretário de Estado, a Mesa garantirá que V. Ex.ª use da palavra nas condições adequadas, mas, regimentalmente, não pode impedir que os apartes sejam proferidos pelos Srs. Deputados.

O Orador:-Com certeza. Sr. Presidente.

Entendeu o Governo acolher, no plano político, o trabalho realizado pela Academia das Ciências, pela Academia de Leiras do Brasil e pelas instituições representantes dos Estados africanos de língua portuguesa, que esses mesmos Estados entenderam adequadas para proceder a este trabalho, e que foi aprovado por unanimidade na reunião de Outubro passado, em Lisboa, e que precedeu o encontro sobre política da língua que teve lugar em Dezembro do mesmo ano.
Permitam-me, pois, que comece por sublinhar que o Governo não é, como a Assembleia da República não será ou nenhum outro órgão de soberania o poderá ser, directamente responsável por qualquer opção formulada no plano técnico por estas instituições.

O Sr. Jorge de Lemos (Indep.):-Então ido!

O Orador:-O Governo entende, tendo em conta o trabalho, a deliberação tomada e o conteúdo do mesmo, no plano político e no plano cultural, assumi-lo e, por isso mesmo, assinou este acordo celebrado com o Brasil e com os países africanos de língua portuguesa em Dezembro passado.
Queria sublinhar também, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, obviamente, este Acordo é um acordo político, celebrado no plano político e no plano cultural. E mal seria se assim não fosse! O Governo entende que este Acordo é uma das componentes essenciais da política da língua que importa levar por diante.

O Sr. Jorge de Lemos (Indep.):-O resto não há!

O Orador: -Este Acordo não esgota, ido poderá esgotar, nunca esgotou -creio que, nem na mente nem nas intenções do Governo, nem na mente nem nas intenções
dos Srs. Deputados, quer nas dos que votem favoravelmente o Acordo, quer nas dos que estão em desacordo com ele- a política da língua que importa ao Estado Português desenvolver no plano interno e no plano externo.
Permito-me sublinhar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, algumas outras componentes dessa política que está a ser desenvolvida e em relação à qual o Governo reconhece que o Estado Português tem ainda muitos passos a dar, principalmente na sua vertente externa, até esta nos poder satisfazer e nos poder fazer sentir orgulhosos em relação aquilo que conseguimos realizar.
Mas permitam-me que dê alguns exemplos: no acordo de Dezembro, na reunião havida sobre política da língua, que teve lugar em Lisboa, foram aprovados outros acordos, nomeadamente o acordo que leva à criação do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, assinado também pela comunidade dos sete e pelos seus representantes.
Em relação a este instituto -o Instituto Internacional da Língua Portuguesa- devo informar esta Câmara que se inicia amanhã uma reunião em Lisboa, que se prolongará nos dias seguintes, com representantes de Portugal, do Brasil e dos cinco países africanos de expressão portuguesa, na qual será elaborada a versão final do estatuto deste Instituto. Instituto em relação ao qual muitos exprimiram dúvidas, mas que viu a luz do dia nesse encontro em Lisboa de Dezembro passado e que agora terá a sua vigência prática, consagrada a partir desta versão final dos estatutos acordada nesta reunião de Lisboa,
Permito-me mencionar, Sr. Presidente, Srs. Deputados, o trabalho que está a ser desenvolvido no domínio da política do audiovisual, quer no cinema, quer na televisão. São uma componente fundamental da política externa da língua, os instrumentos de cooperação que estão consagrados entre Portugal e os países africanos de expressão portuguesa, concretamente no que respeita à montagem, à instalação e ao desenvolvimento das respectivas televisões.

O Sr. Carlos Coelho (PSD):-Muito bem!

O Orador:-E permito-me lembrar a esta Câmara a realidade que vivíamos ainda há bem poucos anos quando dirigentes de um desses países africanos de expressão portuguesa participavam em Paris numa reunião de países da francofonia; e quando, no Canadá, em Vancôver, participavam numa reunião dirigentes de outro pais de expressão portuguesa como observadores da Commonwealth.
Hoje é Portugal, graças ao êxito da diplomacia que vem sendo conduzida por Portugal e por esses governos, que está a proceder à instalação das televisões desses países. Estamos a estabelecer acordos de co-produção e de cooperação no domínio do cinema, ainda agora tratados na visita oficial que realizámos com o Sr. Primeiro-Ministro ao Brasil, porque esse trabalho conjunto, no domínio do audiovisual, da televisão e do cinema, é condição cimeira para que a língua portuguesa continue a assegurar a sua presença nos países cuja língua oficial continua e continuará a ser o português.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quanto ao departamento que está à minha responsabilidade, permitam-me que saliente outras componentes importantes da política da língua, no âmbito da criação e da realização de feiras do livro nos países africanos de expressão portuguesa e no dos acordos estabelecidos, a propósito da formação e do desenvolvimento de fundos bibliográficos. Esse instrumento foi celebrado, numa primeira versão, com a República

Página 2746

I SÉRIE -NÚMERO 84 2746

Popular de Moçambique e, neste momento, está acordada com os restantes países africanos de expressão portuguesa a sua extensão progressiva.
Posso dizer-lhes que, de 1989 para 1990, mais do que duplicou o número de verbas colocadas ao serviço da política de cooperação no domínio da língua e na do livro e da leitura com os países africanos de expressão portuguesa. Posso ainda informá-los que tiveram lugar já este ano, e que continuarão a ler, as feiras do livro de Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, alargadas a mais cidades do que no passado. Além disso, duplicou o número de volumes e o número de meios postos ao serviço desses instrumentos fundamentais que são os fundos bibliográficos.
Permitam-me também que saliente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o desenvolvimento da rede de leitura pública a que se tem feito alguma alusão nos últimos dias, bem como a criação e o desenvolvimento do número de bibliotecas públicas levada a cabo entre o Estado e as autarquias - isto no plano interno - e que teve já, neste ano de 1991, o seu desenvolvimento com a aprovação de 21 novos contratos-programa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mal andaríamos todos se tivéssemos a ilusão, aqueles que defendem a utilidade para Portugal da celebração deste Acordo, de que a política da língua se esgotaria nele ou com ele. É mais um passo que temos de dar numa comunidade que, permitam-me que sublinhe, é tão ou mais importante que a Comunidade dos Doze de que fazemos parte, isto porque esta comunidade dos sete é uma comunidade que respeita aquelas que são as nossas raízes, a nossa essência e a projecção da nossa cultura. E essa comunidade da língua e da cultura nos seus aspectos fundamentais teve um momento alto, um momento cimeiro, na assinatura deste Acordo, como espero que terá um momento alto na sua aprovação neste Parlamento e na sua assinatura por parte do Sr. Presidente da República. É mais um passo dado no fortalecimento dessa comunidade da língua.
E aqui, Sr. Presidente, Srs. Deputados, permitam-me que faça aqui um pequeno parêntesis: quando tanto se fala no empenho ou no maior ou menor interesse de Portugal e do Brasil na celebração deste acordo, quero chamar a atenção para que, já que foi pedida a publicação e a divulgação de tantos textos, seria bom que fossem lidas as intervenções dos representantes dos Estados africanos de expressão portuguesa e o que estes disseram sobre a importância da celebração do Acordo que foi assumido pelo Governo Português.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, permita-me que saliente, também, outro argumento que tem sido utilizado por aqueles que discordam deste Acordo ou que discordam de qualquer Acordo, argumento esse que tenho lido nas páginas de alguns jornais e nalguns depoimentos aos órgãos de comunicação social, quando se questiona sobre qual a razão que fará correr o Governo, qual a razão que fará correr os Srs. Deputados que manifestam a sua concordância com este texto, qual a razão que fará correr os titulares de outros órgãos de soberania que manifestam o seu acordo com este texto! E, ainda por cima, perguntam: por que é que o Governo assume nesta altura este texto e apresenta esta proposta ao Parlamento, a três meses das eleições? É um risco! É uma inconsciência!

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A diferença entre nós é exactamente essa! É que nós assumimos este texto, porque estamos convictamente conscientes de que ele é bom e conveniente para os interesses nacionais.
Entendemos que se uma matéria que trata a questão da língua portuguesa, que é o património mais rico que temos, não fosse controversa e não fosse controvertida, seria sinal de que essa língua estaria mona e de que a nossa cultura estaria debilitada.
Sabemos que a matéria é controversa e que existem e que continuarão a existir pessoas a favor e contra este acordo. É bom que assim seja, é bom que assim continue a ser, e que as opiniões se respeitem.
Mas nós, estando conscientes dessa polémica, entendemos ser altamente conveniente para os interesses nacionais que não se perca mais tempo com uma matéria em que já se perdeu muito tempo, em que Portugal, no que respeita às línguas mais importantes faladas no nosso mundo, se deixou ficar, infeliz e ingloriamente, para trás em muitos aspectos.
É por isso que o Governo vem aqui, de cara levantada, assumir com orgulho e com convicção, embora com inteiro respeito e muita humildade intelectual pelas opiniões contrárias, o texto deste Acordo. Como disse, estamos cientes e admitimos que numa matéria desta natureza possam existir erros, pois estes fazem parte do trabalho humano. Ouvimos cada debate realizado na televisão, lemos cada artigo escrito nas páginas dos órgãos de imprensa, com toda a atenção, e procurámos, junto das instituições adequadas, tentar indagar da pertinência das críticas que são formuladas.
Temos de ter todos a humildade de reconhecer e de admitir que, um dia, em breve, daqui a algum tempo, de forma consensual, possamos chegar à conclusão de que há alterações a introduzir, há erros que a generalidade da comunidade nacional reconhece.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): -Mais um!

Pausa.

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Não se atrapalhe, Sr. Secretário de Estado!

O Orador: - Ninguém se atrapalha. Quem se atrapalha é quem, numa matéria desta natureza, sente necessidade de formular apartes.

Aplausos do PSD. Protestos do PS e do PCP.

O Sr. José Magalhães (Indep.):-Na Secretaria de Estado não há apartes!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Essa postura, de quem se indigna ou de quem estranha que se possa admitir erros no trabalho humano, é pouco própria dos que amam a liberdade e respeitam a condição do ser humano.

Aplausos do PSD.

Este episódio faz-me lembrar um comentário que li nalguns artigos de imprensa quando nomeei como presidente de um instituto do departamento que tutelo alguém que dois dias antes tinha escrito um artigo com críticas à orientação seguida no departamento sob a minha respon-

Página 2747

29 DE MAIO DE 1991 2747

considerando um alentado ao bom senso. Ora, penso que isso é que é o apreço e o respeito peta liberdade das opiniões, do trabalho e das realizações de cada indivíduo!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A língua que boje falamos, a língua como hoje a escrevemos, não 6 escrita nem miada do mesmo modo como o fizeram Fendo Lopes, Camões e Eça de Queirós. Portanto, é natural, faz parte da humildade, que todos devemos reivindicar para nos próprios e sentirmo-nos imbuídos, admitir que os textos, que hoje consideramos altamente convenientes para o Paus, possam ser no futuro sujeitos a pequenas alterações. Seria uma atitude de prepotência, de arrogância, chegar aqui e dizer que, de certeza, tudo o que está neste texto, a mais pequena alteração de pormenor, está inteiramente correcta. Essa arrogância deixo-a para os outras, não fica para o Governo. Nós preferimos manter esta atitude de humildade.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permito-me salientar agora alguns aspectos que queremos desenvolver e apoiar naquelas que terão de ser as atitudes a assumir pelo Governo e pela generalidade da comunidade nacional em relação às consequências do Acordo.
Em primeiro lugar, gostava de falar na elaboração de um novo dicionário, tarefa de que está incumbida a Academia das Ciências. A ela foram concedidos os meios necessários ao desenvolvimento dessa tarefa Essa mesma instituição coordenará os trabalhos necessários à elaboração de terminologia técnico-científica. trabalho a que pretendemos ver associadas a generalidade das instituições que já têm muito trabalho desenvolvido nessa matéria.
Sr. Presidente, Sn. Deputados: Quero salientar e isto prende-se com alguns pontos que têm sido levantados pela Direcção da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros e por outras instituições - que, na véspera da assinatura do Acordo, os membros da direcção dessa Associação diziam para os órgãos de comunicação social que o prazo previsto para a sua entrada em vigor era muito curto, que 1992 era cedo demais para as adaptações a que teria de proceder-se, pelo que seria bom que. se o Governo o conseguisse, no caso de vir a ser assinado o Acordo Ortográfico, ele entrasse em vigor apenas em 1993 e não em 1992.
Conseguimos, nas negociações que estabelecemos, protelar a data de entrada em vigor para l de Janeiro de 1994. Estamos convencidos de que este prazo será suficiente para as reconversões que, principalmente no plano das reedições, a indústria livreira terá forçosamente de empreender. Para esse trabalho o Governo disponibilizará inteiramente os meios que sejam considerados necessários, numa base, obviamente, realista.
Sr. Presidente. Srs. Deputados: A polémica em torno do Acordo Ortográfico surgiu em relação a este projecto concreto e não dos outros. No que respeita a esta rase do debate, celebração e vinculação a este texto, já por diversas vezes, publicamente e em reuniões de trabalho, foram solicitados dados concretos relativos à quantificação dos prejuízos, que sempre são invocados, decorrentes da celebração deste Acordo. Até hoje e já lá vão, em relação à data da assinatura do Acordo, quase mais de seis meses-ainda nenhum documento foi enviado ao Governo com uma quantificação aproximada, dando conta de que pode calcular por excesso ou por defeito uma estimativa ou. sequer, fazer um cálculo rigoroso. Há que compreender que não pode ser o Governo a determinar quais serio os prejuízos que os editores e livreiros, eventualmente, venham a sofrer com a celebração deste acordo, ainda que o Governo admita que, de facto, possa haver custos a suportar, principalmente, no plano das reedições.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como disse, esse dicionário está, pois, em elaboração.
No entanto, há agora um trabalho a empreender, de que o Governo também está consciente, sob a responsabilidade do Ministério da Educação, relativo k reciclagem dos docentes, à elaboração de novos manuais e de muitas outras medidas de esclarecimento e divulgação pelos órgãos de comunicação social, que todos, com serenidade, elevação, rigor e compreensão, temos que empreender e em que todos temos que nos empenhar.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Para terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, permitam-me que diga e antes da continuação do debate que, naturalmente, iremos travar que é com orgulho que assumimos a atitude, perante uma matéria polémica como esta, de não optar pelo caminho da indiferença ou pelo caminho que normalmente tomam os que se incomodam com as controvérsias e com os ataques das páginas da comunicação social: que é o de pôr os projectos ou os textos difíceis na gaveta, seguir em frente que não é seguir em frente, é seguir para o lado- e fazer de conta que nada se passou.
Estamos convencidos permitam-nos que afirme esta nossa convicção- que este Acordo, sendo uma das componentes da política da língua, é bem que estamos a fazer ao nosso paus, é bem que estamos a fazer a Portugal O Governo está disso convencido.
Como já vários Srs. Deputados exprimiram a mesma opinião e como o Sr. Presidente da República se pronunciou no mesmo sentido, só espero que, estando nós a debater este tema no final deste século, aqueles que nos sucederão, no tempo e na vida, nos agradeçam aquilo que hoje aqui estamos a lazer. Mas, mesmo que, porventura, venham a discordar, saibam reconhecer que defendemos com convicção, empenho e seriedade as nossas perspectivas, numa matéria muito séria, porque respeita àquela que é a jóia mais rica dos tesouros da nossa cultura: a língua portuguesa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados José Manuel Mendes, Raul Castro, José Magalhães, Vítor Costa, Edite Estrela e Miguel Urbano Rodrigues.
Tem a palavra, Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Esperava a bancada do PCP ouvir da boca do Sr. Secretário de Estado Santana Lopes um discurso coerente, estruturado e fundamentado em defesa do Acordo Ortográfico que hoje se submete à Câmara para ratificação.
O que aconteceu foi apenas a produção de uma rapsódia de nótulas avulsas, desconexas, incapaz de dar resposta aos problemas nevrálgicos que a opinião pública vem colocando e àqueles que são do elementar bom senso. Deter-me-ei apenas na análise de dois aspectos particularmente graves.

Página 2748

2748 I SÉRIE - NÚMERO 84

Primeiro: a opção por aquilo a que chamaria uma concepção analfabeta da política. Ou seja, o Parlamento deverá apenas aprovar um acordo dito político, ignorando, em absoluto, quanto se passa no domínio técnico ou tão-só dando cobertura integral ao que as academias negociaram. É completamente insustentável esta tese! Não há qualquer linha de fissura entre o técnico e o político numa matéria como esta, e é elementar que cada deputado, ao votar o Acordo, saiba que não está somente a votar um conjunturalíssimo instrumento de política, mas a alteração de um sistema gráfico, com tudo o que é, porventura, bem-vindo e também com o que, como terei oportunidade de' demonstrar na intervenção que irei fazer, é claramente mal-vindo.

Vozes do PCP e dos deputados independentes Jorge Lemos e José Magalhães: - Muito bem!

O Orador: - Esta concepção analfabeta da política quadra bem ao governo do PSD, mas é inaceitável para um paus que já deu demasiadas mostras, nesta esfera, de não estar contente com os caminhos que vêm sendo trilhados, bem como de não se divorciar da modernidade.
Segundo aspecto: é aquele que, de uma forma um tanto grotesta, poderia designar-se como o advogar de um acordo cobaia. Diz o Sr. Secretário de Estado: «este Acordo faz-se e faz-se agora; depois, na primeira oportunidade, alterar-se-á o que for de alterar».
Nada é imutável sabê-mo-lo - nas leis como na vida. Mas se sabemos que nada é imutável muito mais teremos de saber: que não poderemos legislar, irresponsavelmente, na certeza da existência do erro! Não poderemos consagrar o que erro é, sob pena de agirmos, de um ponto de vista ético e legiferante, de má fé!
Ora, erros existem, e não pode o Sr. Secretário de Estado, mesmo em veste de jurista, alegar o princípio dos pacta sunt servanda para introduzir alterações - que sempre serão pequenas e capazes de benfeitorizar um texto inçado de incongruências e deslizes de natureza técnico-redactiva, que parcialmente mencionarei do alto daquela tribuna, à espera de que o Sr. Secretário de Estado, ou alguém por si, seja capaz de, no hemiciclo e hoje, dar a resposta que se aguarda.

Aplausos do PCP, do PS e dos deputados independentes Jorge Lemos, José Magalhães e Raul Castro.

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, uma vez que há mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Secretário de Estado da Cultura: - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (Indep.): - O Sr. Secretário de Estado disse que o Governo ouviu as instituições que considera idóneas.
Em primeiro lugar, gostaria de chamar a sua atenção para o facto de a CNALP ter sido considerada uma entidade com competência para se pronunciar sobre o acordo, de acordo com a Resolução n.º 40/90, do Conselho de Ministros. No entanto, só depois de assinado o acordo ortográfico, em 16 de Dezembro, é que o Governo decidiu ouvi-la.
Além disso, com certeza V. Ex.ª não ignora que a nossa Constituição consagra uma democracia participativa. O artigo Q.0 diz: «São tarefas fundamenteis do Estado: alínea c) [...] assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos [...]» e na alínea e) «Proteger e valorizar o património cultural do povo português [...]».
Sr. Secretário de Estado, por que razão é que, se não tivesse sido enviado à Comissão de Petições da Assembleia da República uma petição com 9000 assinaturas, o texto do acordo ortográfico era completamente desconhecido da população portuguesa, porque só foi publicado por iniciativa desta Comissão? E por que razão é que só depois de assinado o acordo, e com todo o secretismo, o Governo decidiu ouvir a CNALP?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª só não demonstrou aqui o que tinha que demonstrar, isto é, que o acordo é bom. Em relação a isso, V. Ex.ª toma uma atitude de Pilatos: as academias decidiram, está bem! Não pode ser, Sr. Secretário de Estado!
Além disso, V. Ex.ª chega aqui aos trambolhões, trazendo nos pés as cabeças decapitadas dos presidentes da CNALP e do Instituto Português do Livro e da Leitura. Não é por acaso! É por causa do acordo, entre outras coisas... Isto é, cada qual tem os acordos que merece, uns arranjam Bicesse, V. Ex.ª arranja um abcesso, e depois não tem a frontalidade de o defender com argumentos.
Em Dezembro, V. Ex.ª disse que se houvesse argumentos técnicos contra o acordo eles deviam ser ponderados e o acordo não deveria ser aprovado.
Neste momento, só peço a V. Ex.ª que honre a sua palavra e não fuja, dizendo «tentamos primeiro uma asneira [...]» - é uma asneira na opinião de conceituados especialistas, tais como o Professor Oscar Lopes, o presidente da CNALP, a Professora Isabel Rebelo Gonçalves e outros - «[...] tentemos primeiro as asneiras e depois vejamos». Não pode ser!
Por outro lado, V. Ex.ª não sai bem dizendo «daremos meios para obstar aos custos editoriais desta opção, meios numa base obviamente realista» porque a base obviamente realista de V. Ex.ª é a que traduz a situação desgraçada dos seus departamentos e dos museus, que não têm verba para nada.
Portanto, esse é um compromisso roto que não tranquiliza ninguém!
Pergunto-lhe se se deve tratar uma questão de Estado nesses termos.

Aplausos dos deputados do PS Sottomayor Cárdia e Julieta Sampaio.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Costa.

O Sr. Vítor Costa (PCP): - O Sr. Secretário de Estado admitiu, enfim, numa atitude de humildade, os eventuais erros que este acordo contém.
Simplesmente, penso que seria mais correcto e mais adequado que o Governo, através do Sr. Secretário de Estado, tivesse essa atitude de humildade em relação aos métodos, ao sigilo, ao impedimento de que pessoas fossem ouvidas nas comissões, na Assembleia da República, e em relação ao facto de este Governo ter comprometido, logo

Página 2749

29 DE MAIO DE 1991 2749

à partida, pela metodologia que adoptou e obrigou outros a adoptar, a ratificação deste acordo, independentemente do valor do mesmo. Mas, independentemente disto, o Sr. Secretário de Estado ainda se permite vir aqui falar de política externa da língua portuguesa.
Sr. Secretário de Estado da Cultura, como sabe, recentemente, uma comissão desta Assembleia da República, constituída por nove deputados da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, deslocou-se à República da Guiné-Bissau, onde teve oportunidade de visitar muitas escolas e de se aperceber da real política da língua portuguesa naquele país.
De facto, chegámos à conclusão de que os falantes do português naquela República são cerca de 7 ou 8 %, neste momento, e que a República da Guiné-Bissau tem o objectivo de, até ao fim do século, conseguir que a esmagadora maioria da população guineense saiba falar português. Mas, em contrapartida, deparámos com esta questão: qual o apoio que o Governo Português está a dar no sentido de que a língua portuguesa seja, de facto, ensinada e que a população guineense comece a falar português?
Aliás, posso dar-vos um exemplo em como isso não está a ser feito: o Centro Cultural Português, principal instrumento de difusão da língua portuguesa na República da Guiné-Bissau, não consegue, porque não tem os meios necessários, «alimentar» um programa de rádio, que a República da Guiné-Bissau pôs à disposição da embaixada e do Centro Cultural Português. Assim, há dois programas de rádio por semana, porque não há capacidade para ter programas diários, isto sem fazer um juízo de valor sobre a natureza dos programas.
Ora, isto passa-se enquanto o Centro Cultural Francês - e isto tem a ver com a comunidade francófona - consegue ter uma emissora própria com programas diários para o ensino da língua francesa na República da Guiné-Bissau. Pergunto: é esta a política do Governo Português?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Edite Estrela.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr. Secretário de Estado, não vou comentar o muito que disse, em tom apologético, acerca da actividade da sua Secretaria de Estado e o pouco que disse em prol do Acordo Ortográfico; vou, sim, fazer-lhe algumas perguntas e concordar com algumas das afirmações que fez.
A primeira afirmação que subscrevo é a de que embora a ortografia seja a componente menor da língua, ela é uma matéria importante. Isso é um facto! Então, pergunto por que razão é que não está presente neste debate o Sr. Primeiro-Ministro, como responsável máximo pela política cultural?

Vozes do PSD: - Essa é boa!...

A Oradora: - O Sr. Secretário de Estado disse que se tratava de um acordo internacional. É verdade! Então, pergunto por que razão é que não está presente o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, que subscreveu o acordo internacional?

O Sr. Secretário de Estado falou do desenvolvimento da rede de bibliotecas públicas e eu pergunto se foi por causa desse desenvolvimento que se demitiu o presidente do Instituto Português do Livro e da Leitura, Dr. José Augusto Furtado.
Finalmente, o Sr. Secretário de Estado disse que tinha providenciado os meios necessários para que a Academia das Ciências elaborasse, finalmente, um dicionário e um vocabulário de terminologia técnica e científica. Gostaria de saber quais os meios e os prazos atribuídos, porque é necessário avançar, e muito rapidamente, para ver se somos capazes de recuperar o tempo perdido.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues.

O Sr. Miguel Urbano Rodrigues (PCP): - Sr. Secretário de Estado da Cultura, todos sabemos que falar de improviso implica sempre o risco de deslizes de linguagem, de pequenos erros e até do emprego de silogismos. Ora, como V. Ex.ª falou de improviso, natural e compreensivelmente cometeu-os.
Mas, V. Ex.ª foi tão impositivo, tão professoral, empregou tantas vezes a palavra cultura, referiu-se a dicionários - ou pelo menos falou de um dicionário -, falou tanto da responsabilidade na defesa da língua portuguesa, que me levou a reflectir sobre aquilo que não é apenas um deslize, mas um erro por repetido, porque quando há uma repetição que assume um certo carácter de gravidade deixa de ser um deslize, um esquecimento, e assume outro carácter.
Estamos a falar de um acordo, que é importante - aliás, o senhor empregou esta palavra muitas vezes -, mas ao fazer o plural de acordo o Sr. Secretário de Estado falou repetidamente se fosse uma vez seria deslize de acordos (ó) e na língua portuguesa - é uma excepção à regra - o plural de acordo é acordos (ô).
Assim sendo, Sr. Secretário de Estado, como houve esse tom professoral e impositivo, queria lembrar-lhe que talvez fosse conveniente um pouco mais de modéstia senão isso poderá levar o povo português a crer que há uma certa carência de intimidade com o idioma pátrio da parte do Sr. Secretário de Estado da Cultura.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Cultura, que dispõe de cerca de sete minutos.

O Sr. Secretário de Estado da Cultura: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se me permitem, vou dividir as questões colocadas em dois grupos: as que se referiram ao que eu disse e as que se referiram ao que eu não disse.
Começo por incluir as questões colocadas pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes no segundo grupo, isto é, nas que se referiram ao que eu não disse, pois o Sr. Deputado disse que eu sustentei que deveríamos ignorar completamente os aspectos técnicos e olhar para este Acordo como um mero instrumento político.
Sr. Deputado José Manuel Mendes, sublinhei várias vezes que se tratava de um instrumento importante nos planos político e cultural - aliás, já o disse pública e privadamente.
Quando o Sr. Deputado José Manuel Mendes quiser e não tenho a pretensão de ter a mesma formação (tenho outras!) do Sr. Deputado - discutir em algum lugar público as soluções técnicas constantes do acordo podemos fazê-lo, mas posso, desde já, garantir-lhe que o tema foi

Página 2750

2750 I SÉRIE - NÚMERO 84

estudado não por nenhum funcionário superior da Secretaria de Estado da Cultura mas, sim, por mim próprio, lendo todos os artigos que foram escritos nas últimas,, décadas em Portugal sobre esta matéria.
Respeito suficientemente o Sr. Deputado José Manuel Mendes e a sua bancada para não utilizar os termos que são mais próprios do estilo de linguagem que um Sr. Deputado, que abandonou a sua bancada e que agora está noutra, normalmente utiliza.
Falar da concepção analfabética da política é uma graça. Sr. Deputado José Manuel Mendes!... Porém, acho-a imprópria do debate que aqui estamos a travar, e ainda por cima porque ao usar esta expressão o Sr. Deputado fez alusão a um argumento que eu não utilizei.
Ou a Câmara quer discutir este tema nos termos em que ele está colocado ou, então, julgo que este caminho não será o mais adequado!

O Sr. Vítor Costa (PCP): - Olhe que a sua intervenção está gravada!...

O Orador: - Em relação aos erros, Sr. Deputado José Manuel Mendes, disse e mantenho: não falei em correcções a curto prazo! Disse mesmo que um dia e esta foi a expressão que utilizei-, consensualmente, depois do devido trabalho no plano técnico feito pelas instituições adequadas e com o acompanhamento e as decisões que no plano político e legislativo se imponham, poder-se-á chegar à conclusão de que essas alterações se impõem. Aliás, o próprio legislador português em relação à nossa língua, à sua grafia, várias vezes chegou a essa conclusão, mesmo sem acordos (ô) ou acordos (ó) e refiro isto para dar satisfação ao nervosismo do Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues - estabelecidos com outros Estados.
Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado Raul Castro posso dizer-lhe que a CNALP é um órgão consultivo do Governo. Assim, submeti o texto do Acordo ao Sr. Presidente da CNALP, em Março de 1990, isto é, logo que ele me foi enviado pelo Sr. Presidente da Academia das Ciências.

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Não é o mesmo!

O Orador: - As alterações são mínimas,...

O Sr. Raul Rego (PS): - Então não é o mesmo!...

O Orador: - Sr. Presidente, não sei se considera apartes estas interrupções, mas gostava de ser esclarecido.

O Sr. Presidente: - Os apartes são apenas as vozes de concordância, discordância ou análogas, tal como diz o Regimento.

O Orador: - Portanto, dizer-se que só depois de assinado o acordo é que o Governo decidiu ouvir a CNALP não é verdade! Aliás, já tive oportunidade de esclarecer este ponto várias vezes: mal recolhemos a designação por parte de todas as entidades representadas na CNALP, dos seus representantes nessa instituição dei imediatamente posse ao presidente da CNALP e aos seus membros, alguns dias antes da celebração deste Acordo.
Posso até dizer ao Sr. Deputado que se eu estivesse no lugar do Sr. Presidente da CNALP e tivesse sobre o Acordo a posição que ele tem, no mesmo dia em que me tivessem dado posse eu reuniria a CNALP para dar o parecer que entendia dever submeter ao Governo, e não foi isso que aconteceu. A Comissão tomou posse e decidiu fazer a sua primeira reunião só no mês de Janeiro quando teve conhecimento que essa reunião iria ter lugar em Lisboa.
Portanto, fiz tudo, dentro do processo de constituição da CNALP - que reúne dezenas de entidades -, para que esta instituição se pudesse pronunciar antes da celebração do Acordo. Mas, devo dizer que em relação às linhas gerais do Acordo a CNALP já se tinha pronunciado no debate que teve lugar em 1986 e 1987, onde muitas das sugestões então formuladas foram acolhidas pela Academia das Ciências.
Sr. Deputado José Magalhães, não quero particularizar nem individualizar este tema, pelo que não me referirei em concreto ao Sr. Professor Oscar Lopes, como o Sr. Deputado fez. Porém, como o Sr. Deputado sabe, muitíssimo melhor do que eu, as posições do Sr. Professor Oscar Lopes - e garanto-lhe que, ao contrário do que duvidou há pouco, li-as quase na integralidade -, não digo que tenham variado ao longo do tempo mas... Aliás, posso lembrar-lhe, por exemplo, a sua adesão à conferência que decorreu em Coimbra no ano de 1977, o voto favorável que então exprimiu e às considerações que fez, já então, em relação às opções técnicas constantes deste Acordo, nomeadamente quanto às consoantes mudas ou não articuladas, ao hífen e a muitos outros aspectos incluídos hoje nas soluções técnicas.
Desta forma, se os Srs. Deputados me derem tempo para debater e para falar...

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Todo o tempo!

O Orador: - Então, façam o favor de me concederem esse tempo.

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Nós não o temos!

O Orador: - Srs. Deputados, como já vos disse, quando for preciso e quando quiserem discutir as soluções técnicas, quer as constantes deste Acordo, quer as constantes de projectos de acordos passados, estarei inteiramente à vossa disposição.
De qualquer forma, Sr. Deputado José Magalhães, já que citou o Sr. Professor Oscar Lopes, permita-me que saliente este pormenor que, se calhar, o senhor conhece: o Sr. Professor Oscar Lopes, no parecer incluso no texto da CNALP, faz alusão ao parecer de um seu examinando sobre uma matéria em relação à qual ele fez parte de um júri que o reprovou, a esse examinando, nas provas para professor extraordinário. É esse mesmo examinando reprovado nas provas para professor extraordinário que é citado, a propósito dessa mesma matéria, nessas tais palavras que vêm inclusas no texto.

O Sr. José Magalhães (Indep.): - O que é que isso tem a ver?

O Orador: - É por isso que, Sr. Deputado, eu agradecia que não fossem feitas referências individuais, porque também eu posso responder-lhe sobre as posições de cada uma das pessoas que se têm pronunciado sobre o acordo ao longo destas décadas - aqueles que têm tido oportunidade para isso -, não é o caso do Sr. Deputado, que só nos últimos anos é que se interessou pelo problema, principalmente nos últimos meses.

O Sr. Vítor Costa (PCP): - E os PALOP não existem?

Página 2751

29 DE MAIO DE 1991 2751

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - O Sr. Secretário de Estado n&o me respondeu!

O Sr. José Magalhães (Indep.): - O Sr. Secretário de Estado acabou por não responder a várias perguntas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário de Estado quer dar mais uma explicação adicional.

O Sr. Secretário de Estado da Cultura:-O Sr. Deputado Vítor Costa pergunta se os PALOP não existem, por eu não ter dado a resposta. E tem toda a razão ao dizer que não respondi à questão relativa à rádio da Guiné-Bissau.
Como o Sr. Deputado sabe, tive oportunidade de conversar com o Sr. Presidente da Comissão de Educação. Ciência e Cultura, antes da visita à República Popular da Guiné-Bissau, tendo-lhe fornecido os elementos que me fixam solicitados.
Posso dizer-lhe que, no Âmbito do departamento governamental que está sob a minha responsabilidade, as verbas para a cooperação com os países africanos de língua oficial portuguesa mais do que duplicaram de 1989 para 1990.
Posso até dar-lhe um exemplo concreto: o orçamento para as feiras do livro a realizar em Cabo Verde e na Guiné-Bissau, que, pela primeira vez, terão lugar em vários pontos do território desses Estados, aumentaram novamente do ano passado para este ano em cerca de 50 %.
Os programas de rádio não são algo que esteja directamente sob a minha responsabilidade. Não tinha conhecimento desse ponto, mas tomei boa nota dele.
Não sei quais os meios que são necessários, mas julgo que quer a presença na rádio quer na televisão são uma componente importante.
Nem tudo, com certeza, é perfeito, mas posso dizer-lhe que o orçamento mais do que duplicou nos instrumentos de cooperação que temos com esses países, no entanto a observação que fez está registada e procurarei corrigi-la naquilo que me for possível e tão depressa quanto possível

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Dá-me licença. Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pede a palavra para que efeito?

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Sr. Presidente, para interpelar a Mesa, no sentido de apresentar um requerimento relacionado com a questão agora suscitada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Se V. Ex.ª me permite, leio o requerimento porque isso simplificará, encurtará tempo e será preferível a sustar o debate para o distribuir, pois isso criaria uma pausa forcada nos trabalhos.

O Sr. Presidente: - Se não for um grande requerimento ...

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Não, não, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (Indep.): - O requerimento é do seguinte teor «Considerando a extrema relevância e rigor técnico de que se reveste o conjunto de observações analíticas do projecto de acordo ortográfico de que é relatora a Sr.ª Prof. Doutora Maria Isabel Rebelo Gonçalves, hoje divulgado; considerando que o processo preparatório do debate parlamentar do projecto de acordo teve e tem, como nos aspectos centrais, o apuramento das opções técnico-linguisticas a adoptar; considerando que. nesse preciso domínio, se evidenciou a existência no presente texto do projecto de acordo de numerosas incorrecções, assinaladas tanto no parecer da CNALP, relatado pelo Prof. Doutor Vítor Aguiar e Silva, como em trabalhos de reputados especialistas, como os Profs. Doutores Oscar Lopes e Adriano da Gama, entre outros, requere-se à Mesa: em primeiro lugar, que mande juntar aos autos do processo relativo à proposta de resolução n.º 48/V o parecer supramencionado da Prof. Doutora Maria Isabel Rebelo Gonçalves [...]» - que o Sr. Secretário de Estado da Cultura vai ler com grande delícia! - s[...] e, em segundo lugar, que o mesmo seja mandado publicar na série adequada do Diário da Assembleia da República».
Este requerimento é assinado por mim e pelo deputado Jorge Lemos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Sr. Presidente, antes de iniciar a intervenção, gostaria de clarificar um aspecto que não coloquei no início deste ponto da ordem de trabalhos, por se terem seguido já alguns incidentes processuais.
O que tenho a dizer prende-se com o tempo disponível para o uso de palavra por um autor ou por um dos autores de uma iniciativa em debate.
Tanto quanto vejo, disponho de 2,4 minutos para produzir a minha intervenção. Permitir-me-ia, pois, dizer ao Sr. Presidente que o n.º 1 do artigo 138.º do Regimento diz que «Admitido um projecto ou uma proposta de lei, o seu autor, ou um dos seus autores, tem o direito de o apresentar perante o Plenário» e o n.º 2 que «A apresentação é feita no início da discussão na generalidade, por tempo não superior a vinte minutos».
Ou seja, o facto de se ser autor de um projecto de lei determina algum direito para uso de palavra, a não ser que seja entendido pela maioria e pelo Sr. Presidente, neste momento, que se deve limitar a possibilidade de expressão para a apresentação de projectos de lei por autores dessas mesmas iniciativas.

O Sr. José Silva Marques (PSD): - O tempo foi estabelecido com base noutro artigo.

O Orador: - Se for esse o sentido, Sr. Presidente, creio que seria surpreendente, seria uma situação iníqua, seria uma situação desprestigiante para a Assembleia da República, para quem aprovou esta norma com esse conteúdo e para quem tem de aplicar essa mesma norma.
Penso que a Assembleia não se dignifica calando os deputados e impedindo-os de falar, designadamente, no caso concreto, permitindo que um autor de uma iniciativa use da palavra não colocarei a questão de muito tempo, mas de tempo razoável- para que possa apresentar a iniciativa que subscreveu.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lemos, permita-me que lhe diga o seguinte: em primeiro lugar, a

Página 2752

2752 I SÉRIE - NÚMERO 84

agenda e os tempos foram, pela informação que tenho, aprovados por unanimidade na conferência de líderes e, em segundo lugar, que se aplica a este caso o artigo 150.º, n.º 5, do Regimento.
Por consenso tudo é possível, mas, neste momento o tempo de que dispõe para produzir a sua intervenção é de 2,4 minutos.

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Sr. Presidente, gostaria de interpelar a Mesa relativamente a esta questão, só para lhe dar uma informação e para que ela a possa ter em conta na gestão dos trabalhos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Sr. Presidente, há pouco não usei, ao contrário do que o quadro dos tempos indicia, um minuto do tempo destinado aos deputados independentes para fazer a minha pergunta ao Sr. Secretário de Estado, pois esse minuto foi-me cedido pela bancada do CDS, nos termos que são usuais nesta Câmara. Portanto, V. Ex.ª deveria aditar àquele tempo (que é generoso!) pelo menos mais um minuto.
Suponho que ainda haverá ocasião de se ampliar ligeiramente o tempo, se se quer o debate desta matéria e se se quer atribuir a quem é autor de iniciativas ao menos o direito de as fundamentar, ainda que ática e sucintamente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, se tivéssemos descontado naquele tempo o tempo gasto por V. Ex.ª no pedido de esclarecimento que fez, constaria no quadro 1,4 minutos e não 2,4. Na verdade, o tempo que utilizou foi descontado ao CDS.

O Sr. Deputado Jorge Lemos continua a ter 2,4 minutos para a sua intervenção.
Tem a palavra, Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como se vê o debate não decorre da melhor maneira.
Mas lembraria que não estamos aqui numa discussão abstracta, por isso não estamos aqui a discutir posições de princípio filosófico a favor de uma política de acordo ou de não acordo, estamos a discutir o texto de um acordo em concreto.
O Sr. Secretário de Estado da Cultura pediu-nos, na sua intervenção, que fôssemos irresponsáveis, aprovando o texto, mas nós, pelo nosso lado, não seremos responsáveis aprovando-o. Quem o quiser ser que vote a favor do texto do acordo.
Lembraríamos que, para a celebração de qualquer acordo ortográfico há, pelo menos, três condições que, do nosso ponto de vista, se colocam: a existência de uma política da língua definida e o Sr. Secretário de Estado da Cultura não a demonstrou e não a provou, bem pelo contrário; a inexistência de graves objecções de carácter técnico-linguístico - elas existem e estão agora consagradas no requerimento que será distribuído -, o que é mais uma achega, e, por outro lado, um alargado consenso social em torno das alterações propostas - também esta situação não se verificou.
Estas razões levaram-nos a apresentar um projecto de lei que determina a renegociação do acordo. E porquê? Porque o acordo é inútil, ineficaz, secretista, prepotente, irrealista, infundamentado, desnecessário, irresponsável, prejudicial, gerador de instabilidade e inoportuno.
E inútil, porque não cumpre o objectivo que se propunha alcançar - não unifica a ortografia; é ineficaz, porque não é com este Acordo que se resolvem os problemas surgidos, por exemplo, na deslocação da comitiva governamental ao Brasil, em que não se conseguiram entender sobre se chamava cimeira ou reunião de cúpula; é secretista, porque foi negociado ao arrepio da sociedade portuguesa, pois ninguém soube o que se passou; é prepotente, porque se trata de uma imposição administrativa contra o normal fluir da evolução linguística; é irrealista, porque se sabe perfeitamente que os objectivos temporais que fixa não podem ser cumpridos; é infundamentado, porque continuam por divulgar -e o Sr. Secretário de Estado da Cultura deveria ter vindo aqui dizer isso - os estudos e os trabalhos prévios realizados pelas academias, que determinaram as soluções a que se chegou; é desnecessário, porque não é preciso um acordo ortográfico para que exista uma língua portuguesa e o que falta é a política de defesa da língua; é irresponsável, porque não (em conta as consequências da sua aprovação, designadamente no domínio pedagógico - para isso, fomos alertados por várias associações de professores que por aqui passaram e que não sabem o que vai suceder à língua portuguesa depois da aprovação deste Acordo; é prejudicial, porque alarga as facultatividades gráficas, porque abre portas à instauração de uma escrita fonética, o que permitiria a multiplicação de sociolectos e porque é susceptível de gerar confusões vocabulares; é gerador de instabilidade e é factor de divisão dos Portugueses e não de união, como aqui foi salientado pelo Secretário de Estado da Cultura; é inoportuno, porque estamos a acabar a legislatura e avançar para um texto como este, reconhecendo, à partida, que tem erros e não esperando por novas eleições e por novas maiorias para o estudar com a atenção e o tempo necessário, é um erro, é uma precipitação, é uma desnecessidade.
Entendemos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o que está em causa é renegociar, renegociar, renegociar...
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, este texto que nos foi distribuído, como sendo o texto do Acordo, só pode ter uma solução: ser rasgado.
Neste momento, o orador rasga o texto referido.

Aplausos do deputado independente José Magalhães.

Protestos do PSD.

O Sr. Secretário de Estado da Cultura: - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado da Cultura: - Sr. Presidente, pensava interpelar a Mesa mas não por uma razão destas, que se prende com a atitude a que acabei de assistir.
Sou deputado eleito para esta Assembleia há 11 anos e devo dizer que foi dos momentos mais tristes a que assisti neste Parlamento.
Considero este acto indigno deste Parlamento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Página 2753

29 DE MAIO DE 1991 2753

O Orador: - Mas, se me permite, Sr. Presidente, o pedido de interpelação que queria dirigir à Mesa era no seguinte sentido: julgo que a matéria em discussão é suficientemente digna para exigir de todos nós um esforço de maior rigor e precisão.
Não reconheci que o texto contivesse erros, admiti-o, numa atitude de humildade intelectual, como devemos fazer disse-o bem -, em relação a toda a obra humana. E admitir não é reconhecer. Admiti que isso possa ser reconhecido no presente e no futura.
Julgo, Sr. Presidente, que este debate, mais do que darmos erros de um ou de outro tipo, não deve consentir atitudes de desvio no plano do respeito que se exige a todos nós, uns petos outros.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa teve em atenção o gesto a que acabámos de assistir por parte do Sr. Deputado Jorge Lemos, que considera menos próprio, nomeadamente para a imagem da Assembleia, que se quer dignificada.

Aplausos do PSD e do deputado do PCP Vítor Cosia. Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Sr. Presidente, uma explicação...

Vozes do PSD: - Não tem explicação possível!

O Orador: -.... usando para tal a figura da interpelação à Mesa, em primeiro lugar para dizer que os Srs. Deputados que hoje se chocaram com este gesto deveriam ter ficado igualmente chocados se tivessem verificado que o parecer da Comissão Nacional da Língua Portuguesa significava exactamente o gesto que tive e que o parecer dessa Comissão mereceu do Governo o gesto de ser, pura e simplesmente, rasgada.
Por outro lado, Sr. Presidente, entendo que a Assembleia da República não se dignifica com atitudes de alguém que se quer aqui apresentar como uma vestal, que traz nas suas costas demissões e demissões em série, que pretende dar lições de...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lemos, ...

O Orador: - Por isso, Sr. Presidente, creio que quem se chocou com este acto ficará muito mais chocado caso o acordo venha a entrar em vigor. E aí, Srs. Deputados, verão o que £ ficarem chocados!...

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, utilizando a figura regimental da interpelação e as palavras que o Sr. Deputado Jorge Lemos usou na sua intervenção, quero dizer que o acto do Sr. Deputado Jorge Lemos foi inútil, ineficaz, secretista, prepotente, irrealista, infundamentado, desnecessário e foi irresponsável,...

Risos do PS e do deputado independente Jorge Lemos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Rui Gomes da Silva, solicito-lhe que conclua porque estamos a encetar um debate em cima de outro.

O Orador: -... acima de tudo demonstrou falta de educação. E o desespero de não vir a ser reeleito. Sr. Deputado, não deveria justificar atitudes como esta.

Aplausos do PSD.

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Para exercer o direito da defesa da consideração pessoal, como bem compreenderá.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Compreendo que o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva não seja capaz de vislumbrar o carácter simbólico de determinado gesto.
Limitei-me a rasgar um Diário da Assembleia da República, que continha a proposta do Acordo Ortográfico.
Não é a Bíblia! É uma proposta que considero negativa, que quero ver rejeitada e que, simbolicamente, considerei rejeitada através do gesto de rasgar um papel.
Se os senhores não conseguem perceber estes actos simbólicos; se se limitam a repetir os adjectivos com que eu qualifiquei o Acordo; se o vosso debate político é refugiarem-se nas boas maneiras, ou pseudo boas maneiras, que terão aprendido não sei onde, Srs. Deputados, depois de terem acabado de «meter no bolso» a possibilidade de um inquérito ao Ministério da Saúde, que boas maneira são essas?!
Aprendam primeiro a saber discutir; saibam o que é o simbolismo do gesto, isso, sim, também é um acto cultural e aos senhores falta muita cultura para poderem perceber por que é que se fazem determinadas coisas.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Mas há gestos e gestos!... Rasgar algo em público é falta de educação!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lemos, o Grupo Parlamentar do PSD compreende o estertor da agonia que este gesto aqui representou. Compreendemos que quem não tem outros fóruns para fazer política e outras maneiras de chamar a atenção se refugie na má educação para que, de alguma maneira, seja notada

Aplausos do PSD.

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Boa educação é rejeitar inquéritos parlamentares!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes da Silva.

Página 2754

2754 I SÉRIE - NÚMERO 84

O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): -Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A portugalidade, tradução do espirito aventureiro, de conquista mas também de permanência e de solidariedade, tem sido característica da nossa presença e expansão no mundo.
Primeiro, na procura de um mar que desse razão à nossa presença, sem suseranos, numa Europa onde a independência se conquistava e se mantinha muito dificilmente.
Depois, na busca incessante de darmos novos mundos ao mundo.
Hoje, na coragem de, em liberdade, sabermos criar os laços de uma comunidade lusíada que, desaparecida politicamente, possa perdurar para além de algumas gerações de «velhos do Restelo» que, em cada mudança, nada verão senão o fim de uma situação, a sua situação.
Coragem que o Governo, o Primeiro-Ministro e o Secretário de Estado da Cultura, aqui presente, demonstraram apresentando à Assembleia da República o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em Lisboa a 16 de Dezembro de 1990.
Coragem por nos submeterem uma proposta de resolução que consagra, no plano legislativo, o trabalho técnico desenvolvido por um conjunto de especialistas, a quem competiria, e compete, a discussão de tais matérias.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Com este Acordo Ortográfico dinamiza-se, desde logo, o mercado da obra escrita, bem como de todas as outras formas de produção e divulgação intelectuais.
Porque com este Acordo as novas tecnologias, num espaço tão alargado quanto o é hoje em dia o domínio geográfico do português, poderão encontrar uma nova justificação para o seu desenvolvimento.
Atingindo, tão-só, cerca de 2 % das palavras portuguesas, o Acordo Ortográfico privilegia o critério fonético, ou da pronúncia, em detrimento do critério etimológico, quando aceita o desaparecimento quer de consoantes mudas ou não articuladas, quer do sistema de acentuação gráfica, quer ainda dos hífenes, em determinadas circunstâncias.
Desde 1911 até à presente data várias têm sido as tentativas para a consecução do que agora se atingiu.
As decisões não concertadas, as tentativas maximalistas de tudo abarcarem, o incumprimento puro e simples, a vinculação sem poderes ou os acontecimentos políticos em cada um dos então dois países que falavam português tornaram difícil a conjugação de esforços na tentativa de unificar a ortografia de uma das línguas mais faladas no mundo.
Outros buscarão nos erros do passado, do já remoto século XVII, as razões mais fundas da inexistência de uma grafia única, à imagem do que sucede noutros grandes espaços de base linguística, como o serão os da anglofonia, da hispanofonia ou da francofonia.
Os novos países africanos de língua oficial portuguesa tornaram mais vulneráveis as defesas do português aos factores de desagregação da unidade essencial da língua.
A diversidade e a riqueza da língua portuguesa, falada e escrita na Europa, em África, na América ou na Ásia, não poderão gerar o efeito perverso da sua perca de identidade com a raiz que temos orgulho de assumir como herdeiros. A evolução futura da língua portuguesa, em África, mais acentua a necessidade deste Acordo. Como o justifica a capacidade de sempre, em cada momento, em cada negociação, em cada fórum internacional, podermos agitar o português como língua comum de 200 milhões. Dessa herança, mas também dessa realidade viva que este acordo acolhe e desenvolve nos poderemos servir na busca de um maior entendimento político, de um melhor concerto diplomático, de uma maior expansão comercial e económica e, acima de tudo, na difusão de uma cultura linguística idêntica de sete países, bem como das comunidades que cada um deles espalhou pelo mundo, na esteira de quem os foi descobrindo para esse mesmo universo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os Portugueses, cujas sondagens demonstram estar a favor do acordo, são bem a resposta para os arautos da desgraça, que se perdem, e nos vão fazendo perder, por questões metodológicas ou processuais, insistindo, quando outra ideia não têm, no debate pelo debate na esperança de que, no amolecer dos determinados, busquem razões que a esmagadora maioria das pessoas não encontra nos seus argumentos.
Não ousamos ir tão longe como António José Saraiva, quando afirma que «[...] o País discute acaloradamente um acordo ortográfico que não leu».
Os seus entusiastas contestatários perdem-se, a maior parte das vezes, em argumentos falaciosos, de que é um exemplo gritante o da falta de capacidade financeira dos Portugueses para ocorrer à mudança dos livros escolares dos mais novos, determinada pelo acordo, como se, independentemente de qualquer acordo ortográfico, não fosse essa a prática seguida entre nós até há muito pouco tempo e terminada, tão-só, por decisão recente deste Governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Outros, mais ou menos elaboradamente, buscam razões que não atendem à preservação da língua portuguesa no mundo, na procura desesperada de apoiantes de uma causa que se toma indiferente à maioria esmagadora dos hipotéticos interessados.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Como diria Eduardo Prado Coelho, o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa justifica-se num plano lógico, porque se visa sa redução das diferenças no mesmo espaço linguístico», num plano prático, já que sa existência de uma só norma ortográfica facilita a circulação cultural e a difusão da língua portuguesa» e num plano simbólico como condição necessária para que a nossa língua «funcione como pátria cultural».
O Acordo Ortográfico é, pois, um meio de valorização da língua, um passo para a salvaguarda de um património comum, fortalecendo e consolidando as relações culturais que os sete países assumem, como posição única, no plano internacional.
Na verdade, se hoje nada fizéssemos pela unidade da língua portuguesa no mundo, poderíamos ter de optar, num futuro muito breve, entre dois pólos bem mais extremados.
O número de pessoas que usam o português como veículo de expressão e o distanciamento geográfico que separa os países da sua nacionalidade obrigam à existência de um sistema ortográfico que se coloque acima das diferenças nacionais, regionais ou locais.

Página 2755

29 DE MAIO DE 1991 2755

Com excepção do hindi/urdu, por razões confessionais, o português é a única língua de cultura que tem duas ortografias oficiais. Portugal não tem a prerrogativa de se reclamar como único dono de uma língua que se encontra entre as cinco mais raladas do mundo.
Não podemos nem devemos procurar nas questões da pureza da língua argumentos para nos refugiarmos numa concha de orgulho que, para além de sós, nos deixaria menos universalistas e, consequentemente, menos, muito menos, portugueses.
Não espantará por isso que muitos tenham apoiado publicamente a assinatura de um acordo ortográfico. António José Saraiva, António Pedro de Vasconcelos, Eduardo Prado Coelho, Fernando Dacosta, Jacinto Nunes, José António Saraiva. José Miguel Júdice, Lídia Jorge. Lindley Cintra, Vital Moreira e Vítor Cunha Rego, bem como as Sr.ª Deputadas Edite Estrela e Natália Correia estio, à guisa de exemplo, entre aqueles que sustentaram tal posição.
Vital Moreira chega mesmo a afirmar que «[..J as poucas excepções, as oposições, as reservas ao Acordo Ortográfico deixam muito a desejar em matéria de sensatez, razoabilidade. equilíbrio e ponderação».
O Sr. Presidente da Assembleia da República, por sua vez, quando, neste mesmo hemiciclo, discursava perante o Presidente do Brasil, afirmou que o acordo s[...] constitui um passo importante para a defesa da unidade essencial da língua portuguesa e para o seu prestígio internacional».
Posição, diga-se também, sustentada pelo Sr. Presidente da República, quando, em entrevista a um semanário, declarava que concordava com o acordo ortográfico, para mais adiante concluir que s[...] a língua é um instrumento vivo e deve evoluir [...], não podemos ficar parados a ver falar a língua de Camões ou de Vieira».
Em termos idênticos, se referiu ao acordo ortográfico, no acto da sua assinatura, o Ministro da Educação do Brasil, quando se referiu aquele como «[...] fruto do amadurecimento da percepção, por parte dos países de expressão portuguesa, da importância da unidade da nossa língua-mãe».
«O acordo ortográfico é um passo importante para a aproximação entre os povos [...]», disse o Ministro da Cultura de Cabo Verde, na mesma altura, em representação dos países africanos de língua oficial portuguesa.
Ao assinar este acordo, Portugal compreende quão importante é o seu relacionamento com o mundo Lusófono, nomeadamente com África.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Uma língua morre se não evolui.
Este será mais um passo dado na construção de um edifício onde se inclui, como aqui já referiu o Sr. Secretário de Estado da Cultura, o Instituto Internacional de Língua Portuguesa, no prosseguimento de uma política de língua e de uma política cultural, que este Governo definiu como
Permitindo-se uma maior capacidade de inter-relacionamento entre os sete países, apoia-se a pretensão de se ver o português como língua falada oficialmente nos organismos internacionais, num objectivo de promoção da nossa língua no mundo, nos termos da declaração conjunta da reunião intergovemamental sobre política de língua portuguesa.
Portugal não perderá, assim, qualquer direito historicamente legitimado ao aceitar as variantes de grafia da sua língua, vindas de outros continentes. Não tem por isso qualquer acolhimento a tese de quem pretende adiar a aprovação de um acordo que, ao contrário do que se afirma, não se demonstrou péssimo, nem, tão-pouco, menos louvável, sequer.
E diga-se, em abono da verdade, que, face as preocupações levantadas por quem. muito legitimamente, poderia vir a ser prejudicado pela adopção deste acordo
-editores e livreiros- o Governo aceitou a sugestão de prorrogar no tempo a sua entrada em vigor.
Estranha-se, ainda assim, que. apesar de há vários anos se saber da iminência de um acordo deste tipo, nunca a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros tenha quantificado os prejuízos, sempre anunciados mas nunca apurados, face a qualquer simulação, que sempre seria possível realizar.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Como referiu o Sr. Secretário de Estado da Cultura, no acto da assinatura do acordo, que em breve aprovaremos. «[..J que os factos dêem razão ao nosso convicto desejo de respeitar o passado, desbravando um futuro de dignidade e prosperidade [..J».
Um futuro onde p português falado e escrito seja o mesmo nas sete partidas do mundo, aquém e além mar.
Nas terras de onde partiram e onde chegaram os nossos antepassados, num buscar incessante de novas razões, ou de uma única razão, para sermos, sempre, com orgulho, portugueses ligados ao mundo, essencialmente, por uma língua que deixamos nesse mesmo mundo.
Na defesa dos interesses de Portugal, o Governo submeteu à aprovação da Assembleia da República o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em Lisboa a 16 de Dezembro de 1990, pelos representantes de Angola, do Brasil, de Cabo Verde, da Guiné-Bissau, de Moçambique, de Portugal e de São Tomé e Príncipe.
Contará com o nosso voto, pela portugalidade, pela língua portuguesa, por Portugal!

Aplausos do PSD.

O Sr. Jorge Lemos (Indep.):-Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: -Faça favor.

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Sr. Presidente, solicito à Mesa, nos termos regimentais, que seja anexo aos autos da proposta de resolução n.º 48/V um documento dirigido a esta Assembleia por 400 intelectuais portugueses, encabeçado pelo Professor Vitorino Magalhães Godinho
-curiosamente não citados pelo deputado Rui Gomes da Silva, pelo que também seria bom distribuir-lhe um exemplar a fim de se ir inteirando do que se passa com a vida cultural e intelectual em Portugal -, de que faço entrega à Mesa.

O Sr. José Magalhães (Indep.):-Muito bem!

O Sr. Herculano Pombo (Indep.):-Há intelectuais para todos os gostos!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Governo procedeu ao agendamento para ratificação do Acordo Ortográfico. Porquê? Porque, entre outras razões, seguramente, estará convencido, no seu olímpico saber, de que

Página 2756

I SÉRIE -NÚMERO 84 2756

a ama que defende é boa, excelsa, escorreita, que foi afagada por uma tramitação democrática intocável e sem quaisquer oposições dignas de crédito.
Todavia, a realidade é outra. Como o filho da duquesa de Brabante, o Acordo é feio, excêntrico e malquisto.
Nasceu no conúbio obscuro e vastamente contrariado, com justeza, por quantos o observaram sem prejuízos. Surgiu desamparado de providências indispensáveis a um devir frutuoso.
Mais: perante a Câmara, apareceu à revelia de um debate que deveria ter sido feito em todas as vertentes e se quedou pela componente estritamente parlamentar, com laivos de magreza intolerável, uma vez que o Sr. Secretário de Estado primou pela ausência reiterada e ostensiva nos locais onde deveria dar mostras do seu conhecimento, há pouco histríonizado de forma ostentatória.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Acresce que, insisto, foi afirmado e ficou nas actas, se pretende uma votação assente na distinção entre a questão política da aprovação do acordo e a matéria técnica que lhe subjaz.
Rebelamo-nos inteiramente contra tal concepção.

O Sr. José Magalhães (Indep.): - Exacto!

O Orador: - Qualquer que seja a qualificação que se busque, os deputados não podem votar o Acordo Ortográfico sem conhecer o quadro das referencias em que se plasmou e os resultados a que conduzirá.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Uma língua é um corpo vivo, cuja biologia deve conhecer-se profundamente, em movimento, cuja aceleração, por agentes exógenos, das transformações a empreender, deve ser analisada em todas as suas consequências. Não é, pois, concebível que se aprove um documento com a natureza deste sem uma exegese aturada de cada uma das bases que nos são sujeitas e sem dar ouvidos a todos quantos, no decurso do tempo, que já é longo, foram podendo observar a realidade concreta e emitir juízos cuja idoneidade se não porá em causa. Refiro-me, antes de tudo, a conceituados especialistas, e, de entre eles, os que, na CNALP, a começar pelo seu presidente, Professor Aguiar e Silva, não regatearam um contributo justificado e, a meu ver, decisivo.
O que acontece é que, enquanto tudo se pretende centrar na adopção atrabiliária de um Acordo Ortográfico imperfeito, se vão esquecendo medidas concretas de políticas que se desejaria estivessem a ser adoptadas, nuns casos, e que já o deviam ter sido há muito tempo, noutros casos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador:-Enquanto se centra tudo no panegírico, por vezes um pouco farisaico, da magnitude, como veículo unificador do espaço de lusofonia, de um acordo como este, está a afundar-se no vazio a consideração das sensatas objecções levantadas pelos editores e livreiros, pelos utentes qualificados da língua, pelos escritores, por todos quantos, no jornalismo ou onde quer que seja, quotidianamente, se exprimem no idioma comum.
Nós, PCP, somos a favor de um acordo ortográfico
- dissemo-lo, de modo claro, desde a primeira hora - e adoptámos, em consonância, um atitude de abertura e de grande ponderação: promovemos - fomos o único partido que, enquanto partido, o fez! -, no- âmbito desta Assembleia, dois colóquios com prestigiadas personalidades para o estudo minudente, momento a momento, de cada uma das incidências dos sucessivos articulados conhecidos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: -Procurámos, em todas as circunstâncias, adequar o nosso juízo, a nossa postura, àquele que poderia ser o melhor contributo para um bom trabalho final. Por isso, antes de mais ninguém, desde há meses, defendemos a reequacionação das bases, que o Sr. Secretário de Estado da Cultura assinou, e a renegociação do Acordo. Por isso, antes de mais ninguém, pugnámos para que se aprovasse um acordo apto a servir o espaço da lusofonia, a dar projecção à língua portuguesa no mundo, tanto como às culturas que ela mediatiza E se esta questão de princípio é, para nós, vital, não menos vitais são as questões de metodologia para atingir um fagueiro desiderato.
Importa, desde já, acentuar que o Governo não poderia ter seguido pior tramitologia. Nós ainda aceitaremos que a Academia das Ciências de Lisboa procurasse laborar no sossego dos gabinetes, com incidência numa base meramente linguística, de alguma forma científica e técnica, mas o que nunca poderíamos ter admitido, e não admitimos, foi que o Governo subtraísse ao debate generalizado as delicadas questões com as quais estamos a operar.
Proclamámos que esta não é a sede de apreciação de algo cuja índole seja ontológica mas gnosiológica. É curial levar o conhecimento a todos os limites. Aprofundar, de toda a maneira, o quadro das problemáticas que se envolvem. A inexistência desse apurar de opiniões, tempestivamente realizável, inquina, de maneira indubitável, a malha normativa a que se chegar, a malha normativa a que se chegou. Não deixaremos, pois, de afirmar, dianteiramente, a nossa frontal oposição às metodologias negociais seguidas.
Por outro lado, entendemos inaceitável - reitere-se! - a postura da Secretaria de Estado da Cultura, não apenas por se haver, sistematicamente, eximido ao confronto de pontos de vista com os deputados e os agentes culturais, mas por ter adoptado, efectivamente, uma política de sigilo, que nem por se travestir, em algumas instâncias, de uma vaga habilidade, se dissociou de gravosos constrangimentos ao natural e aviventador contraditório que urgia.
Acentuámos, na hora própria, que a ausência de uma política da língua, concebida como um elenco de medidas indispensáveis, concomitantemente - se não mesmo com carácter prévio- ao acto da assinatura de um acordo ortográfico sério, foi dos actos lastimáveis de que se revestiu todo o processo que aqui culmina. Não se estranhará, a tal luz, a génese da já por mim condenada perspectiva do Sr. Secretário de Estado da Cultura, Dr. Santana Lopes: a de que nós podemos aprovar o articulado em agenda- admitindo que nele se incluem incongruências e erros -, dado o carácter não imutável, transitório, do que estabelecemos, dado o carácter livremente revisível do que ratificarmos. A mesma leviandade explica tudo. Preconizamos, pelo contrário, que somos obrigados a produzir, nos limites do nosso conhecimento, em cada patamar histórico, o mais perfeito que formos capazes.

Página 2757

29 DE MAIO DE 1991 2757

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por isso pugnámos, por isso pugnaremos!
E volto a uma interrogação para a qual não obtive resposta. É possível. Sr. Secretário de Estado, em comissão ou noutra sede. servindo-se da figura jurídica dos pacta sua serventia, introduzir alterações aí onde não existem só pequeninas deficiências técnico-redactivas e abundam decorações e até erros irretorquíveis?

Vozes do PCP e dos deputados independentes Herculano Pombo e Jorge Lemos: - Muito bem!

O Orador: - O Parlamento não pode aprovar um frágil mecanismo político-perceptivo ignorando a índole que lhe subjaz. E nós vamos perseverar na reivindicação de medidas idóneas no sentido de que se alcance ainda um podo não desalentador.
Referiremos, de entre a ausência de providencias essenciais, as que se prendem com uma estratégia global de profusão do livro português, defendendo-o do impacte poderosíssimo da penetração nos mercados, que ele apetecerá, das entidades produtoras concorrentes, melhor preparadas, sobretudo as brasileiras; as que se ligam a um reforço efectivo e multimódico das relações com os PALOP. que tem vindo a confundir-se, gradativamente, no discursor oficial, com meras e medíocres figuras de estilo.
Sinalizamos igualmente a inexistência de uma ousada intervenção diplomática, a par de esforços específicos, tendentes à divulgação dos nossos autores, dos nossos criadores nas variadas linguagens da arte; a não elaboração atempada, regular, apoiada e segura de um vocabulário técnico-científico em Portugal e, bem assim, de vocabulários de uso geral, prontuários, dicionários actualizados e de merecimento. Nenhuma data, das que foram assinaladas pelo Sr. Secretário de Estado é viável; nenhuma delas é credível pelas razões que todos conhecemos.
Num ângulo diverso mas complementar, acuso o governo do PSD de desrespeito, através da fuga ao diálogo e da arrogância, designadamente com a APEL - Associação Portuguesa de Editores e Livreiros e a CNALP - Comissão Nacional de Língua Portuguesa, por uma avidez colectiva de osmose consensualizadoraa com todos quantos ambicionaram o esclarecimento e formularam.
O período de vacatio legís é escassíssimo. Seria essencial, desde logo. que. quando o Sr. Secretário de Estado se refere a ele como alterável, nos dissesse com que margem de modificabilidade actuará. Nós não ignoramos o que se passa noutros países, nomeadamente em França. 1994 é uma mela irrealista, que penalizará, de uma forma dolorosa, os editores, os livreiros, os portugueses em geral, e lembraria que não é honesto aludir restritivamente a custos imediatos quando emergem avultados custos sociais, cuja dimensionalidade não será, efectivamente, negligenciável.

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - E os pedagógicos!

O Orador: -Uma questão terminal, se não mesmo primeira na ordem do relevo em função da matriz do que se discute: a existência no diploma que se pretende institucionalmente habilitar de erros e incongruências técnico-linguísticas reconhecidos.
Três notas. Na regra da eliminação das letras e e p, as chamadas consoantes inarticuladas, em palavras como «colectivo», «acção», «adopção», «baptizar», suponho que o Sr. Secretário de Estado terá a consciência de que, ao mesmo tempo que produz o menos policentrista dos discursos, abre ao rompimento com uma importante tradição europeísta, não apenas românica, mas de outras línguas de cultura, mesmo anglo-saxónicas.
Este argumento foi reputado já como extretamente relevante. Porque? Dar-lhe-ia o exemplo da palavra «facto»; facto - espanhol; fait - francês; fact - inglês; fakt - alemão; fatto - italiano, com dois/, sendo um dos grafemas aquele que recobra a função do e caído. E perguntar-lhe-ia: se a acatar, a norma da facultatividade, tal e qual como ficou consagrada no registo que o PSD imporá se aprove, não estará, na verdade, a desviar-se de uma tendência que se articula com um núcleo marcante de línguas e, a criar rios de arbitrariedade gravíssima que nunca saberá em que saburrado estuário desaguarão?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador:-Uma segunda observação significativa tem a ver com a base l, n.º 2.º, alínea b), que consiste em prescrever-se o emprego das letras k, v e duplo v, a que chamam dáblio, nos topónimos, tais como Kwanza, Moíam, Koweit.
Admitindo que, por homenagem aos angolanos, se possa escrever Kwanza com k e duplo v, atendendo ao facto de ser um nome de origem banta, já habitualmente grafado à inglesa em Angola; admitindo o mesmo em Malawi, pergunto se se mediu o conjunto de ocorrências que pode levar a que tenhamos de estender a todos os numerosíssimos topónimos idêntico critério. O Acordo Ortográfico não responde a contento. O Sr. Secretário de Estado pode replicar, mas, sabe-se, a sua palavra não faz lei...

O Sr. Presidente:-Sr. Deputado José Manuel Mendes, permito-me chamar-lhe a atenção para o quadro dos tempos.

O Orador: - Sr. Presidente, solicito-lhe um minuto para concluir.
Terceira nótula: foi aceite, por um dos mais brilhantes negociadores do Acordo, o erro técnico-linguístico que consiste em considerar, por exemplo, que o digrafo nh, em palavras como «rainha», «Coimbra» e outras, constitui sílaba com o i. como consta da base x. n.º 2.º É evidente, ademais, que que as letras m e n, de «Coimbra» e «ainda», não representam consoantes de fonética perceptiva mas a nasalidade das respectivas vogais. O Sr. Secretário de Estado não desconhecerá que o Prof. António Hòuaiss, publicamente, no debate realizado na Assembleia da República, concordou com o Professor Oscar Lopes-figura cimeira quando se aborda o Acordo Ortográfico, no erro claro do texto negociado. Inquiro-o, novamente, a si que é jurista: o princípio pacta sunt servanda permite a mudança, num eventual período terminal, de uma convenção que tem. para todos os efeitos, a natureza de um tratado, de uma deficiência iflodrástica e singela como esta? Retorquira na altura própria.
E tenho de concluir, ficando-me por aqui. quanto as abordagens de especialidade, com estas duas ou três notações fundamentais que comprovam estarmos confrontados com a necessidade de um estudo por haver.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Manuel Mendes, solicito-lhe que termine rapidamente pois já excedeu em muito o tempo que lhe estava reservado.

Página 2758

I SÉRIE -NÚMERO 84 2758

O Orador: - Sr. Presidente, não quero abusar da sua paciência e vou mesmo terminar rapidamente, deixando mais de metade do que teria para dizer. Sendo a bancada do PCP favorável, iniludivelmente, à existência de um acordo ortográfico, pelas razoes já expendidas, tendo ela dado provas de uma real abertura e capacidade de dialógica para a eleboração de um honroso convénio, importará, nesta hora, arreverar: ela vai continuar, diligentemente, através dos meios à sua disposição, a bater-nos para que, a ser aprovado um acordo, ele seja expurgado de todos os defeitos e insuficiências, embora haja erros que não são sanáveis - todos os que se reportam aos métodos ensejados.
E concluo, Sr. Presidente. Onde se esperaria seriedade e uma idoneidade inquestionável, vemo-nos perante aquele que pode ser o risco de transformar a fecunda controvérsia que mal houve numa comédia kitch, num processo irremediavelmente perdido. E isso não desejámos nem desejaremos!

Aplausos do PCP e dos deputados independentes Herculano Pombo, Jorge Lemos e José Magalhães.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Edite Estrela.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr." e Srs. Deputados: É chegado o momento de apreciarmos, em sede parlamentar e na nossa qualidade de deputados, o polémico Acordo Ortográfico, que tanta tinta tem feito correr e tantas palavras já gastou. E ainda bem! Este foi, sem dúvida, o acontecimento cultural que, nos últimos tempos, mais mexeu com a sociedade e que mais vontades e argumentos mobilizou.
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista é favorável ao princípio da aproximação ortográfica entre Portugal, o Brasil e os cinco países africanos de língua portuguesa. E, por isso, votará favoravelmente o Acordo Ortográfico, na generalidade.
No entanto, orgulhamo-nos de ser um partido plural, verdadeiramente democrático, que não só aceita como incentiva a expressão de diferentes pontos de vista. Eles irão surgir no decurso do debate.
Nesta diversidade reside também a nossa riqueza

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Tal como as múltiplas variedades, que o sistema linguístico português comporta, que não comprometem a sua superior unidade, mas antes confirmam a maturidade e a riqueza de uma língua viva, do mesmo modo a diversidade de opiniões, no seio do meu grupo parlamentar, em relação ao Acordo Ortográfico, não põe em causa a nossa unidade em torno dos valores do socialismo democrático. Respeitamos todas as opiniões, mesmo quando delas discordamos, e reconhecemos o direito à diferença.
Por isso o voto de cada deputado socialista será ditado pela sua consciência e não pela disciplina partidária.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr." e Srs. Deputados: A nossa apreciação do complexo problema deste Acordo Ortográfico situa-se em três planos que se interpenetrem, mas que, por comodidade e clareza, isolarei: o plano metodológico, o plano político e o plano técnico.
Em primeiro lugar, o plano metodológico.
A metodologia adoptada pelo Governo, que nós contestamos, está na origem de muita rejeição e crítica ao próprio texto.
Ao não informar os cidadãos deste país das alterações introduzidas, o Governo abriu caminho à especulação e à suspeição. O desconhecido nunca é desejado e é quase sempre suspeito.
Ao não ouvir os linguistas, os professores, os filólogos, os escritores, os gramáticos, os editores e os jornalistas, falantes qualificados que teriam uma palavra a dizer, o Governo provocou e alimentou a polémica e prejudicou o consenso.
Ao não ter uma ideia precisa do que deve ser uma política do idioma, não tomando por isso as medidas necessárias para minorar os custos e valorizar as vantagens, o Governo justificou os argumentos antiacordo, que o consideram insuficiente e precário.
O Governo revelou, umas vezes, falta de convicção e, noutras, ambiguidade nas decisões.

O Sr. Armando Vara (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Começou por deixar esquecido em qualquer baú o projecto, para vir depois, precipitadamente, pretender o agendamento urgente, sem cuidar dos calendários da própria Assembleia.

O Governo recuou, ouvindo, desta vez, a voz da razão. Foi melhor assim. O interesse nacional tem de estar acima dos interesses político-partidários e pessoais.
No entanto, os erros de percurso, e muitos são -erros políticos, tácticos e estratégicos, imputáveis ao Governo Português -, que nós criticamos vivamente, não se podem sobrepor ao interesse do Estado Português.
Não vamos tomar a nuvem por Juno.
Responsabilizamos o Governo pela má condução do processo, mas porque consideramos desejável que os sete condóminos desta língua comum coordenem esforços no sentido de encontrar um padrão ortográfico, vamos apoiar este primeiro passo.
A aproximação ortográfica não interfere com a coexistência e legitimidade de várias normas linguísticas regionais, nem interfere noutros domínios, designadamente ao nível da ortoépia e da prosódia. Escrever do mesmo modo não implica igualizar as pronúncias. Como afirmou Saussure, «o que fixa a pronúncia de uma palavra não é a sua ortografia é a sua história».
Passemos agora ao plano político.
Começo por afirmar que, do meu ponto de vista, não é possível desligar a questão ortográfica da política da língua. A ortografia não é mais do que a aparência da língua e, por isso, de importância secundária. O que deveras importa é a substância. A língua no seu todo.
Já várias vezes alertei, mesmo nesta Câmara, para a necessidade de Portugal apresentar uma estratégia de promoção e divulgação internacional da língua portuguesa, bem como um conjunto de medidas de combate ao analfabetismo literal e funcional.
A actividade de promoção e valorização da língua, interna e externamente, representa não apenas uma atitude cultural mas é também um acto de natureza política.
Se formos capazes de desenvolver uma adequada política de ensino, se dinamizarmos as instituições competentes, se produzirmos cânones da língua - dicionário,

Página 2759

29 DE MAIO DE 1991 2759

vocabulários ortográficos e ortoépicos, vocabulário de terminologia técnica e científica-, se conseguirmos transformar os órgãos de comunicação social em verdadeiras escolas de promoção linguística, então, sim, teremos conseguido lançar sólidas bases de uma política linguística consequente.
Lançamos este repto ao Governo. E mais. Como 6 sabido, a difusão internacional de qualquer idioma obedece, nos nossos dias, a regras de promoção sobejamente conhecidas. «Exporta-se» a língua através de todos os veículos de cultura-o livro, o jornal, o filme, a exposição, a conferência, o teatro, o concerto, etc. -, mas também através do contacto com outros povos.
Unir e não separar deve ser o objectivo.
Unir os povos da lusofonia, em tomo deste fermento de cultura que é o idioma, é o objectivo primordial. Fomentar o intercâmbio cultural exige outro tipo de medidas. Desde a concessão de facilidades nas tarifas postais e alfandegárias, até à redução dos preços de viagens, muito pode ser feito. Muito deve ser feito.
Pela nossa parte, esperamos -quase me apetece dizer, exigimos- que o presente Acordo seja o primeiro passo de muitos e mais importantes passos que têm de ser dados para que a língua portuguesa «floreça, fale, cante, ouça-se e viva», como queria o poeta.
Esta é a grande opção. Não só do Governo, mas de todos nós, deputados, portugueses. Temos de saber o que queremos para a língua portuguesa no futuro.
Nós, socialistas, sabemos bem o que queremos e quais as estratégias para alcançar os objectivos de promoção e valorização da língua portuguesa.
Queremos que a língua portuguesa seja, no virar do segundo milénio, falada por mais de 200 milhões de pessoas e seja língua de grande prestígio internacional.
Finalmente, passando à análise dos aspectos técnicos do Acordo Ortográfico, não vou entrar em minúcia, pois esta não é a sede própria para uma discussão deste tipo.
A Assembleia da República é um órgão político e não uma roda de especialistas.
Acresce que não sobrevalorizo o facto de algumas soluções preconizadas não serem consensuais, mesmo entre os especialistas.
A longa história dramático-cómica da ortografia portuguesa, tecida mais de desacordos que de acordos, está recheada de desconcertos, desencontros, controvérsias e até de cenas hilariantes, como algumas a que, já hoje, aqui assistimos. Seriam cómicas se não fossem lamentáveis. É que a língua portuguesa exigiria mais elevação no debate e mais compostura na pose.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as. e Srs. Deputados: A ortografia é convencional, logo não pode ser perfeita. Segundo Vendryés, «a língua escrita nasceu, sem dúvida, de uma convenção estabelecida por alguns indivíduos». Por isso, as alterações ortográficas, quaisquer que elas sejam, são sempre provisórias e geram sempre contestação.
Como reconhece Cândido de Figueiredo, «se cada um de nós fosse árbitro de uma reforma, teríamos um labirinto». Ele, que fez parte da comissão responsável pela reforma ortográfica de 1911, confessa: «se, individualmente, fosse encarregado de propor a reforma, faria proposta que, nalguns pontos, embora secundários, divergiria da proposta que subscrevi».
Importa, por outro lado, recordar que, até ao fim do século XIX, reinou a anarquia ortográfica, misturando-se os mais variados critérios: sónicos, etimológicos e estéticos.
Enquanto Camões, Verney e Castilho adoptaram a escrita fonética, Herculano defendeu a escrita etimológica, Garrett submeteu-nos aos seus critérios estéticos e Camilo nem sequer se preocupava com ela, a ortografia.
Eça sabia que retórica se escrevia com h, só não sabia se era na primeira ou na segunda sílaba.
Com tais exemplos, convenhamos que não vale a pena sobrevalorizar o que é secundário. E a ortografia - como já disse- é a aparência de que a língua é a substância.
Mudam-se os tempos e as vontades, muda-se a ortografia. Assim tem sido. A ortografia vai acompanhando as mudanças a que vamos assistindo noutras áreas. Alterações pontuais ou sistémicas, de tira consoante ou põe acento, por decreto-lei ou por lei, de tudo isso se compõe a história da ortografia portuguesa.
Não há, pois, que objectar a que, periodicamente, se ajuste, simplifique e actualize a escrita das palavras. Muda-se a imagem, não o ser.
As reformas ortográficas não obrigam ninguém. Não estão previstas punições. As sanções são apenas de natureza social. Perante esta lei, tão livre é o indivíduo para acertar como para errar. E já houve quem, como Gonçalves Crespo, descobrisse encantos especiais nos erros de ortografia.
Reconheço que a oposição a qualquer reforma ortográfica é compreensível, é mesmo humana. Colide com os hábitos e com os olhos. E o homem é um animal de hábitos que tem mais olhos que barriga, dizem os entendidos.
Em geral, combate-se o Acordo Ortográfico pela razão - nem sempre confessada - de que contraria os hábitos ou fere a vista. A aceitarmos tais argumentos, a «ortografia ocular» prevaleceria no maré magnum da ignorância e a ortografia racional soçobraria nos escolhos da rotina inconsciente.
Há, todavia, preocupações fundamentadas a propósito das consequências do Acordo Ortográfico. São legítimas as reivindicações dos editores. Não é justo que esse sector profissional seja mais penalizado do que os restantes cidadãos. Tem o Governo de acautelar esta e outras situações, em diálogo com todos os interlocutores idóneos.

O Sr. Armando Vara (PS): - Muito bem!

A Oradora: - São igualmente legítimas as preocupações dos professores em geral e dos professores da língua materna em especial. É urgente, é necessário que o Ministério da Educação lhes explique como pensa ultrapassar todas as dificuldades.
Diálogo é preciso, designadamente para se aperfeiçoar nalguns aspectos o presente texto. Isso não só é possível como desejável e pode ser feito em qualquer momento.
Mais informação e ideias claras também são precisas.
Foi a falta de informação, a falta de debate e a falta de diálogo que geraram, em parte, a contestação, a suspeição, a rejeição do Acordo. Há custos inevitáveis, pessoais e sectoriais como sejam a aquisição de novos automatismos, a adaptação dos parques editoriais, a reciclagem de professores e outros profissionais da palavra. Mas era possível evitar algumas manifestações mais emocionais.
E para desdramatizar a «querela da ortografia», convoco a palavra do saudoso mestre Agostinho de Campos, a propósito da reforma brasileira de 1934: «Se, na Alemanha, fosse possível, como no Brasil, esta coisa maravilhosa a que se pode chamar guerra civil ortográfica, com certeza teriam sido fuziladas ali umas SOO pessoas, a propósito de decidir se o sclyster» possui maior

Página 2760

I SÉRIE -NÚMERO 84 2760

eficácia com Y, ou se pode também fazer efeito com um simples i mais curtinho.»
Em suma, a guerra civil ortográfica, como se vê, s6 mais para sorrir, que para mortificar ou matar».
Viva a língua portuguesa, que serviu e serve, como nenhuma outra no mundo, para ser a manifestação da inteligência, da cultura e do espírito.

Aplausos de alguns deputados do PS, do PSD e da deputada do PRD Natália Correia.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A problemática especificamente política da comunidade luso-brasileira tem, provavelmente, a sua primeira referencia formal no tratado de amizade e aliança de 182S. Um dos nossos grandes pensadores, que foi Silvestre Pinheiro Ferreira, não apenas cuidou logo da perpétua aliança, como não hesitou em configurar o projecto de uma federação futura.
Todavia, esse tratado estabelecia uma linha divisória, que hoje vai ser necessário lembrar, e que se traduzia em o Brasil renunciar a qualquer interferência no resto do império português, incluindo a recusa de adesão de qualquer território ao Brasil.
Algumas vicissitudes da política externa dos dois países, designadamente na crise do fim do império, não é difícil serem reconduzidas a esse princípio: ficaram dois interlocutores, o Brasil por si, e Portugal por todos os outros territórios e povos.
A retórica actual, que se traduz na proclamação do fim da retórica, não presta atenção às várias datas em que os governos, reunidos em cúpulas ou cimeiras de altitudes diversas, triunfaram pela assinatura de muitos acordos, que frutificaram mal.
Além das esperanças expressas no pensamento de Pinheiro Ferreira, que não tem qualquer emulo vivo, a implantação da República renovou o entusiasmo pela aproximação, e não podem esquecer-se homens como Coelho de Carvalho, Consiglieri Pedroso, Escragnolle Dias, João de Barras, Bettencourt Rodrigues, Alberto Oliveira, Nuno Simões, Paulo Barreto, Epitácio Pessoa, tudo cumulando na triunfal visita de António José de Almeida, em 1922, com a genial intuição de proclamar que tinha ido agradecer ao Brasil o facto de se ter tomado independente de Portugal.
Tem de reflectir-se que apenas em 1933 foi assinado o 1.º Tratado de Comércio luso-brasileiro, de alcance reduzido, e a experiência vivida mostra que as relações económicas não são aquelas em que o estreitamento se tem mostrado promissor, e se algumas vozes sublinham que a presença de Portugal na CEE pode ser uma porta da Europa para o Brasil, no Brasil não falta quem se interrogue sobre a capacidade de autodeterminação que vai restar a Portugal para uma política atlântica.
Na área cultural é que a acção tem sido mais valiosa e, aqui, também conviria não esquecer que se deve mais à sociedade civil do que ao Estado. A acção da comunidade portuguesa, ou de homens como Gilberto Freyre, ou Josué Montello, ou Austragesílo de Athaide, ou Agostinho da Silva, ou Ferreira de Castro, não parou nem se afundou na inércia estadual: para eles a retórica não precisou de findar, porque nunca existiu.
Neste esforço cultural, a língua é, certamente, a trave mestra e, algumas vezes, parece difícil conciliar o amparo corrente nos discursos de a proclamar, com Pessoa, como sendo a Pátria Portuguesa, e arvorar, em seguida, a resignação de aceitar que nenhum povo é dono da sua língua. Não se trata, certamente, de escolher entre o nacionalismo da Pátria excluente e a passividade de minoria ultrapassada. Mas talvez não seja exagerado pretender que se assuma a realidade criada em 1974, em vez de voltar a 1825.
Este problema do Acordo Ortográfico, tomando por testemunha o relatório do Decreto n.º 35 228, de 8 de Dezembro de 1945, nasceu com a nossa reforma ortográfica de 1911, que o Brasil não adoptou, e não pararam os esforços para depois chegar a um vocabulário ortográfico, que limitasse ao mínimo as grafias duplas ou facultativas. Os resultados não foram animadores ao longo dos anos, e a questão decorreu, entre Portugal e Brasil, na moldura do tratado de 1825.
Mas agora, que o Brasil perdeu aquelas limitações contratuais e se virou politicamente para as responsabilidades atlântica e africana, o diálogo multilateral, que tem, por exemplo, expressão no acordo em apreço, tende para fazer perder a iniciativa a Portugal, que parece mais virado para o conceito de que ninguém é dono da língua.

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Muito bem!

O Orador: -Não produzimos o código, que seria o dicionário com autoridade, antes, no Brasil, é que o nome de Aurélio já significa dicionário, e o mais activo negociador brasileiro dirige um projecto de novo código.
A proposta de um instituto internacional da língua portuguesa, que defendemos durante anos como resposta à nova conjuntura, teve aqui o destino habitual das ideias que não são governamentais, mas o Presidente José Samey não se demorou a adoptar a iniciativa, que deixou de ser nossa.
Pelas notícias que se foram tendo, os Brasileiros foram os activos na obtenção dos acordos dos governos dos outros seis estados que assinam o acordo. A história breve da CNALP, surpreendentemente criada com esquecimento dos estatutos das academias portuguesa e brasileira, a petição do Movimento contra o Acordo Ortográfico para que se inicie um debate nacional, a precipitação com que se anunciou o desejo de o acordo ser assinado em Brasília, na reunião agora chamada cimeira, tudo parece o contrário da prudência, da segurança e do estadismpo que devem rodear esta matéria.
Pensamos que terão alguma razão os que aconselham a não colocar a questão do acordo ortográfico numa perspectiva dramática. Mas também há alguma razão para evitar a aparência de uma política de factos consumados. A língua não será nossa mas não podemos deixá-la à iniciativa alheia. Desejaríamos não ter de concordar com a alegação já feita sobre o tempo perdido e, sobretudo, pelo risco de perder a capacidade de retomar a iniciativa, cada vez mais submetida a uma clara concorrência pela liderança. A conjuntura criada à nossa revelia agravará esse risco, no caso de ser nossa a responsabilidade de, mais uma vez, adiar um acordo em cuja necessidade concordaram todos os países de expressão oficial portuguesa.

Aplausos do CDS e de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

Página 2761

29 DE MAIO DE 1991 2761

A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Cultura, Srs. Deputados: Falando em consonância com o Grupo Parlamentar do PRD, começo por juntar a minha voz às que se insurgiram contra o penumbrismo do processo que obscureceu a transparência devida à suma relevância de uma decisão cujo conhecimento leria de ser considerado imprescindível, nomeadamente para os que fazem e ensinam a linguagem escrita.
A partir daqui, afasto-me do coro de protestos que desabam sobre o Acordo Ortográfico, pois tomam eles um rumo que não se afeiçoa a aspectos positivos que neles são de assinalar.
Assinalou-os, recentemente, uma das mais credíveis opiniões que se fizeram ouvir sobre o polémico texto, pois foi ela proferida por um escritor cuja sapiência, em matéria de língua portuguesa, está consagrada nesse monumento da mesma que 6 a «Casa do Pó». Refiro-me a Fernando Campos. Disse ele: s[...] não tenho a mais pequena animosidade contra a introdução de um elemento de fixação de ortografia do português em todo o seu vasto espaço geográfico». E acrescentou: «Considero que esta unificação não é um factor definitivo porque a língua é um fenómeno acústico, psicológico e social em constante mutação imparável, tendo a ortografia de proceder periodicamente a necessários ajustamentos».

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Tornando-se-me imperioso pôr a ressalva de que este Acordo não oferece uma unificação ortográfica, o que 6 impensável por via administrativa, mas, sim, alterações aproximativas, António Campos coloca o acento nas duas áreas em que entendo que devem ser consideradas as vantagens deste texto de unificações (o plural afeiçoa-se mais ao seu teor) no campo ortográfico luso-brasileiro.
Na primeira área em que me cinjo à reforma, alheando--me do Acordo, o texto satisfaz essa pulsação transformadora da língua, privilegiando acertadamente o critério fonético em detrimento do etimológico. Isto em conformidade com as prerrogativas do sónico, ou seja, da língua como entidade viva.
Com efeito, a significação etimológica só muito raramente se mantém sem alteração, em virtude da instabilidade dos elementos psicossociais da língua. Um tema apaixonante que, petos caminhos da mitolinguagem, nos levaria à glorificação do sónico, comum às velhas teogonias e pelos quais escuto esta palavras de Emst Cassirer: «O conceito de divindade recebe a sua concreta configuração e a sua fecundidade interior através da palavra, pois ao ir surgindo na clara luz da linguagem, deixa de ser um mero esquema e uma sombra.» Isto é, a palavra dá corpo à divindade.
É nesta legítima preferencia dada ao sónico que sobe a fervura do «Aqui d'El Rey que isto é brasileiro», com a eliminação das consoantes mudas, mantendo-se as articuladas (opção, facto), o que só favorece a aprendizagem das crianças e dos alunos estrangeiros do português que o expandem internacionalmente, uns e outros desorientados com a divergência entre a fala e a escrita.
E, já agora, acrescento um elemento que, tendo sido ignorado nesta proposta do Governo e escamoteado petos seus opositores, tive já ocasião de tomar público num debate sobre o Acordo e de o transmitir a António Houaiss que, em boa hora, o divulgou na televisão. Fontes fidedignas no campo da informática deram-me a conhecer que o acto de a mesma palavra, «activado», por exemplo, ter de ser traduzida de uma forma diferente em português e em brasileiro nos laboratórios dos Estados Unidos, tem custos muito elevados, visto que os laboratórios preferem a tradução brasileira porque o mercado é mais vasto e o produto mais vendável.
Ainda na área do predomínio do sónico mas já na vaga do temor da vénia ao Brasil, temor simétrico do que por lá espirrou em fortes doses de rejeição das cedências brasileiras ao acordo -a supressão dos acentos em ditongos de palavras como «ideia» ou «assembleia» e do trema-, salta a recusa da concessão feita ao circunflexo na dupla acentuação gráfica de palavras como «fenómeno/fenómeno», «António/António».
Será a altura de lembrar aos tradicionalistas que estas palavras que, em grande parte, não em todo o Brasil, têm timbre fechado, foram levadas por portugueses oriundos de regiões onde ainda se pronunciam, como na ilha açoriana onde nasci, na qual o povo diz «Antõnho» e não António. E por aqui me fico, porque se fôssemos às variantes da fala do nosso país, chegaríamos à conclusão, democraticamente desconfortável, de que a unificação ortográfica nacional, à luz da prioridade dos direitos naturais da oralidade em relação ao código da escrita, é uma prepotência exercida pelo centralismo linguistico sobre o pluralismo da oralidade.
Mas há que fixar regras, senão cairíamos na «Babilónia» ortográfica. Mas não me venham com o terror do «António» brasileiro, porque esse foi cá gerado e por cá continua. Devem, também, cessar os alarmes levantados pela hifenização, já que a simplificação e a redução das regras do emprego do hífen neste projecto só vem acudir a desorientações provocadas por divergências que os próprios dicionários registam e nos lançam na confusão de já não sabermos onde devemos pôr ou não o hífen.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): -Muito bem!

A Oradora:-Quanto às palavras homógrafas, já há muito o eminente linguista Vasco Botelho do Amaral defendeu, ao bater-se pela eliminação do acento nas esdrúxulas, que o contexto sintético permite claramente distingui-las.
Rematando esta rápida apreciação da reforma ortográfica propriamente dia, remeto os seus adversários para a leitura -já aqui mencionada, mas não devidamente cilada - do 3.B Ternário das Actas do I Simpósio da Língua Portuguesa Contemporânea, realizado em Coimbra, em 1968 - Sr. Secretário de Estado da Cultura, a data conecta é esta. Aí, universidades e cento e tal mestres da língua, portugueses e brasileiros, dos quais, entre Hemãni Cidade, José Pedro Machado (como sabem, autor de um dicionário etimológico em cinco volumes), Lindley Cintra, Paulo Quintada e também, como já foi dito pelo Sr. Secretário de Estado da Cultura, Oscar Lopes e destes, carinhosamente destaco Vitorino Nemésio, esse sacerdote do verbo.
Pois, todos os participantes desse simpósio, reconhecendo os convenientes da unificação de uma ortografia luso-brasileira, avançaram as propostas que se encontram adoptadas no actual acordo, que poderei ler porque tenho presentes as actas que mandei vir de Coimbra.
No que toca aos protestos de editores e livreiros contra o Acordo, cujos prejuízos nos livros escolares e juvenis certamente ocorrerão, terá o Governo de cumprir o compromisso assumido de os dotar com uma verba a fundo

Página 2762

I SÉRIE -NÚMERO 84 2762

perdido que resolva os seus problemas. Mas não chega, porque o próprio alcance do Acordo exige uma política intensiva de promoção do livro português nos mercados livreiros dos países signatários do Acordo, sem o que este deixa de ter sentido como factor de persistência da nossa cultura literária no universo Lusófono.
Por outro lado, devem ser abrandados os receios dos editores e livreiros quanto a terem de fazer novos fotólitos para reedições, já que fazê-las denota capacidade económica para custear a feitura de novos fotólitos.
Além disso, pense-se na reforma de 1911 que, essa sim, introduziu grandes alterações ortográficas sem que tal tivesse provocado um sismo editorial. Fixemos, antes- segundo o testemunho dos grandes difusores editoriais da nossa literatura como, por exemplo, no Brasil, os Irmãos Lello-, o facto de ter sido grandemente lesada por não ter sido extensiva ao Brasil.
Oxalá sirva de ensinamento aos nossos editores e livreiros este efeito negativo do distanciamento do português europeu do brasileiro. É, pois, elementar concluir-se que se não houver acordo, da inevitável acentuação das diferenças gráficas, só se pode esperar uma forte desvantagem para os editores portugueses devido à maior dimensão do mercado brasileiro.
Mas, indo ao fundo das motivações da rejeição do acordo, não esconderei que, entre os vários argumentos que ouço, ganha relevo o de ser ele uma submissão ao Brasil. Porque, dizem-me, quanto aos outros países Lusófonos, eles falam como nós, o que tornaria dispensável o acordo. E aqui é que está, portanto, o equívoco dessa zelosa matricialidade linguística porque os desvios da matriz da fala dos países africanos lusófonos, com o correspondente afastamento da escrita, serão imparáveis com o evoluir dessas sociedades, sendo já de registar, em Angola, inovações vocabulares como «desconseguir» e o emprego de «transportação» onde nós usamos «transporte».
São, pois, exemplos num país, com cerca de 9 milhões de habitantes, onde -pasme-se! - as primeiras edições de livros de poesia atingem 10 000 exemplares e
20 000 os de prosa, o que envergonha a nossa minguada produção editorial.
Com estes dados, a pergunta a fazer aos contestatários do Acordo é a seguinte: propõem-se eles serem responsáveis por nos quedarmos, num futuro mundial de centenas de milhões de falantes do português, reduzidos a um mausoléu de escrita dialectal?
Não nos venham, por conseguinte, com o espectro das concessões. Se é uma exacerbação nacionalista que o engendra, então é para estranhar que os que se orgulham de termos levado a outros continentes a língua portuguesa rejeitem uma iniciativa que visa evitar a desagregação do português no espaço mundial da lusofonia, conquistando-lhe um estatuto de língua oficial nos diversos fóruns internacionais e prestigiando-o como suporte de transmissão de uma cultura riquíssima de matizes etnográficas.
E, para terminar, direi mais: como reconhecer autoridade, em matéria de nacionalismo, a protestos que tomam por capitulação concertos ortográficos com países que falam a nossa língua e em cujas veias corre o sangue da nossa cultura, quando tais alarmes não se fazem ouvir face a concessões que obrigatoriamente temos de fazer a directivas europeias de falantes e pensantes, quantas vezes espúrios à nossa sensibilidade e ao espírito da nossa cultura.

Aplausos do PRD e do PSD.

O Sr. Secretário de Estado da Cultura: -Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: -Para que efeito, Sr. Secretário de Estado?

O Sr. Secretário de Estado da Cultura: - Para pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Natália Correia, em tempo concedido pela bancada do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Secretário de Estado da Cultura: - Em primeiro lugar, se a Sr.ª Deputada Natália Correia me permite, queria felicitá-la por a sua intervenção ter atingido o brilho que, aliás, sempre a caracteriza, apesar de vir na sequência de outras intervenções com, também, uma elevação já distinta - se me permitem a formulação deste juízo - daquele período inicial mais agitado que caracterizou os primeiros momentos deste debate.
E, Sr.ª Deputada Natália Correia, uma vez que o Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues já fez uma observação em relação ao modo como se pronuncia o plural de acordo, e para que mais nenhum presumível ou hipotético erro de quem aqui defende a proposta governamental fique a pairar no ar, permita-se ainda, em introdução à questão que lhe queria colocar, que precise que o simpósio de Coimbra, cuja data citei de memória, teve, de facto, lugar de 30 de Abril a 6 de Maio de 1967, sendo a edição das actas de 1968, o que demonstra que ambos tínhamos razão.
Mas a questão que lhe queria colocar, e que há pouco suscitou até apartes de alguns Srs. Deputados, é no sentido de saber se está ou não de acordo que as soluções técnicas acolhidas neste acordo, principalmente as mais controvertidas e que se encontram elencadas, já constavam das actas e tinham sido acolhidas por aqueles, nomeadamente alguns dos nomes antes mencionados, que votaram favoravelmente a generalidade das referidas soluções técnicas elaboradas pelas academias e pelos órgãos representativos dos países africanos de expressão portuguesa. Tais actas, como disse, foram publicadas em 1968.
O Sr. Presidente: -Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.
A Sr.ª Natália Correia (PRD): - Na verdade. Sr. Secretário de Estado, tenho presentes as actas e posso proporcionar a sua leitura a quem quiser, mas as pessoas a quem me referi, que são um número reduzidíssimo no meio dos nomes mais ilustres dos mestres da língua brasileiros e portugueses, estiveram de acordo, por exemplo, nos seguintes pontos (e passo a citar a acta): «No que se refere às chamadas consoantes mudas, abolidas no Brasil e parcialmente conservadas em Portugal, siga-se a prática brasileira, aumentando apenas a lista dos vocábulos cujas consoantes facultativamente se pronunciam - por maioria.
Quanto ao uso no Brasil do acento circunflexo na distinção de homógrafos, abolido em Portugal, siga-se o uso de Portugal, embora deixando a faculdade de usar o acento circunflexo para a vogal fechada em casos em que o contexto não seja suficiente, para evitar o equívoco - por unanimidade.
Quanto ao uso no Brasil e não uso em Portugal do treina sobre o u, nas frequências qu e gu, antes de e e i, para indicar que a letra representa um fonema, se siga o uso português - por maioria.

Página 2763

29 DE MAIO DE 1991 2763

Que em esdrúxulos ou proparoxítonos, ou em vocábulos assim considerados, se suprimam os assentos gráficos, lendo em conta a vantagem de evitar certas divergências de grafia decorrentes de diferenças entre a pronúncia brasileira e a portuguesa», etc.
Portanto, são realmente já princípios adoptados neste Acordo.
O que acho estranho 6 que pessoas que os assinaram não estejam, agora, de acordo. Ë claro que toda a gente pode mudar e, se calhar, até tem interesse nisso, mas a verdade 6 que queremos saber quando tiveram razão: se nesta altura ou anteriormente.
Com efeito, penso que agora isso se justificaria porque estamos perante um novo quadro histórico, que 6 o da defesa da universalização do português, que, nessa altura, ou seja, anteriormente k descolonização, não existia. Neste momento, é que isso se impõe. E se querem saber a verdade, depois de ter lido o projecto de lei apresentado pelos Sn. Deputados Jorge Lemos e José Magalhães, verifiquei que é referido uma coisa verdadeira: a de que os escritores, no fundo, estão-se borrifando. Eu quero cá saber! Eu hei-de escrever sempre como me apetecer! E, como Eça de Queirós, digo: so revisor...»
Protestos dos deputados independentes Jorge Lemos e José Magalhães.
Desculpem, mas o escritor é um criador da língua e tem direitos. E eu não admito que alguém mós tire. Portanto, vai para o revisor e este que veja, pois para isso é que ele serve.
Porém, não é a escritora Natália Correia que está a falar mas, sim, a cidadã,...

O Sr. José Silva Marques (PSD):-Muito bem!

A Oradora: -... a mulher portuguesa,...

O Sr. José Silva Marques (PSD):-Muito bem!

A Oradora: -... a mulher que defende uma cultura e uma língua que é falada por 200 milhões e que a não quer ver transformada num fóssil ou numa arqueologia qualquer, que é aquilo que os contestários deste Acordo, no fundo, podem provocar, quer apenas pensando ou conscientemente desejando.

Aplausos do PRD, do PSD, do PS e do CDS.

O Sr. Presidente:-Srs. Deputados, devo informar que, por consenso das bancadas, o debate que está a decorrer não se vai interromper e que as votações agendadas far-se-ão na próxima terça-feira. às 19 horas e 30 minutos. Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, entre os quais o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros ausente, Srs. Deputados: Temos para ratificação um tratado que não deveríamos ter e que os Portugueses, se consultados, decerto não ratificariam. Apareceu inesperadamente assinado em Dezembro de 1990, nas condições que se sabe. Outros Srs. Deputados recordaram já como a coisa se passou e não passou. O meu escasso tempo não será utilizado para ocupar dessas escabrosas estarias, que se esperaria não transitassem para a história da língua portuguesa.
Tanto quanto se conhece, são três os objectivos do Acordo Ortográfico de 1990: primeiro, obter a oficialização do português como língua de organismos internacionais, designadamente a Organização das Nações Unidas; segundo, facilitar o ensino do português a estrangeiros que, nos leitorados, são alternadamente leccionados por docentes portugueses e brasileiros; terceiro, valorizar a língua portuguesa.
Analise-se sucintamente cada um dos três objectivos.
Primeiro: a ideia de reformar a ortografia de uma língua com a finalidade de uniformizar, na papelada dos organismos internacionais, a grafia dessa mesma língua, permitindo desse modo a sua suprema consagração diplomática, constituiria uma das mais engenhosas ironias Accionais e imortalizaria o novelista que a fizesse cravar na carne de algum escarnecido personagem. Quando, pela primeira vez, tal ouvi, não pude acreditar que, no caso, não houvesse apenas ironia transcendente para raros, apenas. Só depois verifiquei que tão esquipático argumento é verdade dogmática da diplomacia portuguesa.
Se, todavia, o secretário-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros me perguntar como deve ser resolvido o problema, sugiro, sem hesitação, que se redijam as actas onusinas na grafia que os funcionários da ONU preferirem; que, no caso de não chegarem a acordo, se decida pelo método da moeda deitada ao ar, e, finalmente, se os Brasileiros não aceitarem o recurso à escolha aleatória, que se grafe nos documentos da ONU como o Governo do Brasil solicitar. Os diplomatas devem ser tomados cientes de que a grafia dos repports dos papers e mesmo a dos non-papers, não pode valer mais do que aquilo mesmo que vale. O máximo na ordem da diplomacia internacional, quase o mínimo na ordem da escrita do português literário.
O segundo objectivo não é naturalmente tão ridículo. A intenção de facilitar a aprendizagem da ortografia do português aos não portugueses é uma intenção respeitável. Todavia, obrigar todos os portugueses, todos os brasileiros, todos os guineenses, todos os são-tomenses, todos os cabo-verdianos. todos os angolanos, todos os moçambicanos, todos os timorenses e todos os estrangeiros maiores de 20 anos que já sabem português e escrevem à maneira portuguesa, obrigar todos esses, dizia, a mudar de grafia, para, desse modo, facilitar a vida aos estrangeiros que frequentam leitorados mistos, eis o que exemplifica bem curiosa atitude de espirito.
É, de facto, o máximo, como aposta na juventude do mundo inteiro. Estamos todos a ver que, desembaraçada das consoantes não articuladas, toda essa juventude de todo esse vasto mundo vai lusografar e, portanto, lusofonar, para honra e glória da portugalidade e final realização do V Império. As malhas que o messianismo tece!
Exagero? Porventura. Mas onde não há exagero é em sustentar que desse modo se contribui para tornar a grafia do português irreconhecível no espaço das línguas românicas ou parcialmente romanizadas.
O terceiro objectivo merece ser levado totalmente a sério. Todavia valorizar a língua portuguesa exige muito mais, e supõe muito menos, que hibridar a grafia do português.
Se entrasse em vigor-e espero que, em qualquer caso, o não façam aplicar aqui sem ratificação dos Parlamentos de todos os países interessados-, o acordo introduziria, em Portugal, o quarto momento de flutuação gráfica em apenas 80 anos de história. Apesar de alguns defenderem o contrário, creio que as flutuações são em número

Página 2764

I SÉRIE-NÚMERO 84 2764

excessivo e os anos muito poucos para o efeito. Será valorízável uma língua cuja ortografia oficial muda de 20 em 20 anos ou, como agora se admite, de S em S anos?
O que é valorizar uma língua? Na impossibilidade de responder no tempo disponível, limitar-me-ei a dar alguns exemplos do que é desvalorizar uma língua.
É desvalorizar uma língua pretender que ela não tenha capacidade para ser normativizada por dicionários mas apenas por leis, nacionais ou internacionais.

Vozes de alguns deputados do PS: - Muito bem!

O Orador: - É desvalorizar uma língua expô-la a flutuações gráficas que lançam a perturbação nas crianças, nos adolescentes, nos adultos, nos idosos, designadamente nos professores, nos escritores, nos jornalistas, nos dactilógrafos, nos revisores, a todos tomando mais ou menos analfagráficos, sobretudo aos mais cultos ou aos mais ledores.
É desvalorizar uma língua prescindir de instrumentos de diferenciação gráfica aptos, e tendencialmente indispensáveis, à correcta realização e transmissão de diferenciações fónicas.
É desvalorizar uma língua induzir a homonímias artificiais, como «retratar» e «retra(c)tar», porque «retractar» com e é uma coisa e sem e é outra. Estas expressões passam agora a dizer-se da mesma maneira.
É desvalorizar uma língua descurar o risco de homo-fonias indesejáveis [«interceção», «interse(c)ção» e «intercessão»].
É desvalorizar uma língua obliterar a coerência do sistema lexical, escrevendo «Egito» sem p e «egípcio» com ele.

Risos de alguns deputados do PS.

Estes são apenas alguns exemplos, colhidos ao acaso do triste manancial de incongruentes inovações.
É desvalorizar uma língua descaracterizar ou mesmo quebrar elos de referência cultural entre gerações.
É desvalorizar uma língua dificultar e na maioria dos casos impedir, de facto, a reedição de obras publicadas antes de 1994. Sejamos realistas: se a lei for aprovada, as obras que não puderem ser reeditadas sem ser reimpressas não serão reeditadas.
É desvalorizar uma língua violentar ou cercear o direito ao livre uso das capacidades dinâmicas da língua, o respeito devido à integridade estética das criações literárias, que não podem ficar ao arbítrio dos revisores.

Vozes de alguns deputados do PS: - Muito bem!

O Orador: - Seria útil uma natural e consensual uniformização das grafias portuguesa e brasileira da língua portuguesa? Quem o contestaria? Não nos podemos esquecer, porém, que os grandes erros que têm flagelado a Humanidade foram ou são quase sempre ditados pela ilusória procura do óptimo. As tentações totalitárias pagam-se caras!

Vozes de alguns deputados do PS: - Muito bem!

O Orador: - É dado adquirido que, entre as duas normas da língua portuguesa, existem, salutarmente, diferenças semânticas (e, Srs. Deputados, ninguém pensa em fazer um acordo de uniformização semântica!...),
sintácticas, morfológicas, fonéticas (e ninguém pensa em fazer um acordo de unificação fonética!) tal como diferenças prosódicas, que são mais relevantes, do ponto de vista do intercâmbio cultural, do que as dualidades ortográficas. O Acordo não pode utilmente unificar o que, sem separar, a história cultural diferenciou.
Por outro lado, alterando e invertendo o princípio de que a oralidade precede a escrita, e pela primeira vez na história da língua, a instância grafémica condicionaria o modelo fonético. A tendência para o emudecimento das vogais átonas, prescindindo-se do valor diacrítico da consoante dita muda (ou não articulada), alterará, se for legislada, a fisionomia fonética de grande parte dos vocábulos. Se se não indeseja que a ideal identidade entre fonema e grafema seja tendencialmente reproduzida na ortografia, torna-se inconsequente legislar no sentido de promover a desarmonia entre o fonema e a sua representação gráfica. Porque a evolução da língua é essencialmente um fenómeno natural, não pode ser afectada por razões extralinguísticas, como o são as razões políticas que presidiram à preparação e assinatura do Acordo.
O «mérito» político-cultural do Acordo seria o da unificação e decorrente simplificação. Verificada a impossibilidade de a alcançar, as partes contratantes optaram por uma, aliás nem sequer criteriosa, semi-unificação, por uma unificação legal incompleta, por uma unificação legal que comporta dualidades legalmente garantidas. Chamam-lhe «ortografias duplas». Diz-se, e bem, que é uma «unificação em sentido fraco». Mas, se a «unificação em sentido fraco» é aceitável e suficiente, por que não conservar essa outra modalidade de «unificação em sentido fraco» que é a parcial divergência entre a actual ortografia portuguesa e a actual ortografia brasileira? Ou seja: por que não conservar, como ortografias oficiais do português, a portuguesa actual e a brasileira actual?
A unificação com força imperativa geral e universal não é uma imposição técnica. É uma imposição substantiva, pelo menos para os criadores literários. A escrita não constitui apenas notação. É parte essencial da própria língua, é património e capital simbólico. O simples facto de numerosos escritores se recusarem a acatar o vínculo que se lhes pretende impor, por o considerarem inaceitável, prova que está em causa o exercício do direito à liberdade de criação cultural e artística. É manifesto que não se trata de uma questão técnica ou instrumental, mas de uma questão de ordem estética substantiva. A grafia não vale como mera denotação. A grafia também tem conotação.
Objectar-se-á que, tudo bem contabilizado, «Paris vale bem uma missa», ou seja, que o sacrifício dos hábitos, da clareza e das conotações vale bem um vastíssimo mercado livreiro. Nada mais simples para um legislador de mente liberal. Aos escritores portugueses que, por legitimamente ambicionarem maior projecção no Brasil, preferirem a grafia brasileira, deve ser permitido usá-la. Não é por isso que deixaremos de os ler aqui. Aliás, não é por aportuguesarem a grafia brasileira que, dos livros brasileiros, se venderá em Portugal nem um só exemplar a mais. O problema da relativamente forte incomunicação cultural entre Portugal e o Brasil não é - sejamos lúcidos - o das dualidades gráficas. O problema é o das desmotivações comerciais e também o do quase fosso que existe entre nós - entre nós portugueses como entre nós brasileiros - até pela simples inexistência de simples boletins de bibliografia
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A tradição liberal das nossas reformas ortográficas - a de 1911, aliás a única -

Página 2765

29 DE MAIO DE 1991 2765

não é a da obrigatoriedade com força vinculativa geral da ortografia reformada. É apenas a da respectiva obrigatoriedade nos livros de ensino e documentos oficiais e nos livros ao tempo editados pelo Estado. Inversamente e iliberalmente,...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Autoritariamente!

O Orador: -... o Tratado de 1990 segue as pisadas ditatoriais das reformas de 1945 e 1973.
Vou terminar. Não vos exporei, de novo, a convicção de que o Acordo viola o n.º 2 do artigo 43.º da Constituição. Ao Sr. Presidente da República e ao Sr. Primeiro-Ministro dirijo um apelo muito claro: se esta Câmara ratificar o Acordo, deverá ser suscitada a questão da verificação preventiva da inconstitucionalidade.

Vozes de alguns deputados do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sobre essa questão, o meu ponto de vista 6 bem minimalista: é inconstitucional qualquer norma legal que consagre ortografia oficial obrigatória com força vinculativa geral. Não será porém inconstitucional, embora possa ser má e até péssima, uma reforma ortográfica oficial obrigatória com força vinculativa já do ensino da língua portuguesa, já dos documentos oficiais, já dos textos não assinados, já do trabalho por conta de outrem, já da escrita comercial.
Pode divergir-se sobre a legitimidade ou ilegitimidade de o Estado se arrogar competência para fixar norma ortográfica com força vinculativa geral. Pode considerar-se legítima a possibilidade de tal consagração por via legislativa, sem, todavia, se reconhecer competência normativa aos linguistas, mesmo se - o que manifestamente não acontece- entre esses especialistas houvesse concordância. Qualquer processo legislativo pressupõe uma premissa axiológica; não decorre essencialmente de fundamento científico. A linguística não é uma ciência normativa. Nenhuma ciência é normativa.
Em 1910 prevalecia a anarquia gráfica na escrita portuguesa. Foi para lhe pôr cobro que a República fez a reforma de 1911. Actualmente, e não obstante as sucessivas reformas, há ainda uma suficiente ordenação ortográfica. Cabe ao poder político decidir entre a protecção da ordem gráfica e a aventura de novas e incontroláveis anarquias gráficas. Outra não é a opção com que estamos confrontados.
Aplausos de alguns deputados do PS e dos deputados independentes Herculano Pombo, João Corregedor da Fonseca e Jorge Lemos.

O Sr. Presidente: - para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lélis.

O Sr. Carlos Lélis (PSD): -Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Cultura, Sr.ª Subsecretária de Estado da Cultura, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro dos Assuntos Parlamentares, Srs. Deputados: Nisto do Acordo Ortográfico ninguém diria «cobras e lagartos» se eu começasse e acabasse por colocar os pontos nos is. É que a discussão acendeu-se, extremaram-se os campos, passou tanta água debaixo da ponte que. neste debate, é bom saber-se quem é quem, quem está com quem, quem pretende o quê, quando, ainda ou já.
E vamos lá por partes: este texto do Acordo - valha a verdade- já não puxa pelos galões de uma unificação forte (esses eram propósitos de 1945), ficando-se pela procura de uma jangada de aproximação das ortografias,...

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Bem triste!...

O Orador: -... navegando entre duas águas, na versão 1989-1990.
Claro que tem cedências-ou não seria acordo.
Tem casos opcionais, facultativos, já que o direito à diferença no terreno pode mais do que as ciências de gabinete.
Tem lógicas diversificadas, bifurcadas, na crença de que as excepções fazem funcionar as regras e não subsumem os princípios.
Tem simplificações redutoras, na fé (ou na esperança) de que o clássico inutilia truncai (corta o que é inútil), se é bom para o estilo, em geral, também seria bom para a grafia, em particular; tem ganhos de variantes, porque mesmo a teoria do lucro admite saldos e perdas (não é assim?); tem lapsos óbvios, tão óbvios que não chegarão a ser óbice nesta ratificação; tem disposições contrariáveis (os prazos, a pronúncia culta, os sociolectos) e omissão das medidas envolventes, sabendo nós que, nos períodos de transição, as coisas pioram sempre, antes de melhorar; tem expressões menos cuidadas na sua carga jurídica; tem as imperfeições de que é objecto; tem, nas potencialidades, as qualidades de que pode vir a ser o protagonista e o sujeito.

O Sr. António Braga (PS): - Mas?

O Orador: - Mas, meu Deus e meus senhores, não é da sabedoria dos povos ...

Protestos do deputado Jorge Lemos.

O Orador: - Sabia que eu e o Sr. Deputado falávamos, bastantes vezes nos Passos Perdidos ... Mas, agora, estou no uso da palavra.

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - São apenas pequenos apartes!

O Orador: - Não são pequenos apartes; são insistências. Chamo a atenção para a insistência dos apartes que, não sendo contestações, são apenas interrupções. É a segunda atitude menos correcta de uma pessoa que tenho tratado com correcção.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Como dizia, meus senhores, não é da sabedoria dos povos que, atrás de tempo, tempo vem? E que o tempo (tempo cultural, tempo político), se é um bom julgador de modas, é o melhor mestre na emenda dos ditados com erros que os homens fizerem?
O início da aplicação do acordo está ponderado a três anos de vista. É um médio prazo, essa vacatio legis. Quase equiparada a um mandato de governo, a coincidir - vejam lá! - com a estada em cena, em funções, do executivo a eleger em Outubro próximo.
Haja, então, carisma e muita garra. Oxalá! Para se darem as mãos. E a cara! Pelas tais omissões, pela tal remissão de pecados, pelos busflis operacionais em que se tropeçara ao fazer vingar o Acordo, o difícil Acordo.

Página 2766

I SÉRIE-NÚMERO 84 2766

A nível pessoal, pus dúvidas honradas, ouvi respostas, li depoimentos - sem vivas, nem morras, nem olés!
Não chamei de bons ou de maus a nenhum dos lados da barricada. Gosto mais de assumir-me como parte no diálogo do que como locutor de serviço de todos os discursos.
E, assim, fui pelos nossos Passos Perdidos, fui ajuizando e sabendo que o PS tinha as suas bolsas de resistência ao Acordo: o deputado António Barreto, a título individual e os deputados Sottomayor Cárdia e Manuel Alegre, em pares; e uma frente mais larga de posicionamento favorável, apetecida pela deputada Edite Estrela, que se bateu pela causa com entusiasmos, campanhas e bandeira.
Mais: fui sabendo que o PCP auscultava especialistas, prevenia-se de receios, capitalizava os rigores do deputado José Manuel Mendes ... mas, atendendo e considerando, não era opositor de alto a baixo; que o PRD se reservava para o fim, com ou sem convenção; que o CDS era contra, em princípio, mas, como era em princípio, logo depois se veria.
Quanto a independentes, a alguns: o deputado Jorge Lemos, incansável, pesquisador, sempre em todas, na coerência dele, então; o deputado José Magalhães, ele próprio, tal e qual, igual a si mesmo; a deputada Natália Correia, frontalmente a favor, sem mais discussões, «não macem os poetas».
Esta a apreciação parcelar, a síntese das tendências de voto, para confronto dos percursos, nas outras bancadas.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Como sondagem, é mau!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Houve a petição, o texto do acordo publicado, a carta aberta ao Primeiro-Ministro, o pedido de sujeição ao referendo, o projecto de lei da renegociação, as duas páginas do relatório do Provedor de Justiça, quase um parecer, a consulta e resposta, quase póstumas, da CNALP; a proposta para ratificação; e, ao que nos consta, nas últimas, o requerimento à Mesa para votação nominal.
Pelo meio - e vamos contar desde 198S -, colóquios, painéis, seminários, conferências, entrevistas, depoimentos, inquéritos de rua, notícias do dia, editoriais, as Controvérsias da meia-noite e um Falar Claro que nem tudo esclareceu.
Apensos ao processo, os pareceres da Comissão de Petições, dos Negócios Estrangeiros, da Educação.
Na Assembleia da República recebemos, em mesa redonda de trabalho, a saber, pelo acerto dos calendários: a Associação Nacional dos Editores e Livreiros e a palavra de ordem foi «prejuízos, já!»; o Grémio Literário e o Movimento contra o Acordo Ortográfico e a palavra de ordem foi serros e perigos, já!»; a Academia das Ciências e as palavras de ordem foram, com algum brio ferido, «língua internacional», «cedências recíprocas», «espaço Lusófono», «futuro do idioma».
Recebemos, depois, o Conselho de Reitores, que emprestou voz e presença ao Prof. Aguiar e Silva, pela universidade; a Sociedade de Linguística, que contrapôs salvaguardas de formação, sérias e intercalares; a Associação de Professores de Português, a Associação de Professores do Ensino Básico e Secundário, não muito aflitas, desde que se mostrem abertos os caminhos às reciclagens e às reconversões.
Recebemos, também, o Sindicato dos Jornalistas, que trazia mais perguntas sobre a utilidade e os agentes do acordo do que preocupações acrescidas à confusão, sempre organizada, do trabalho da classe nos jornais; a Associação dos Escritores, conhecedora de que o infringir, intencionalmente, um código arbitrário é um direito criativo que lhe assiste, quando acompanhado pelo domínio total e prévio das normas estabelecidas e assentes; a Sociedade de Autores, convocada, não teve oportunidade nem disponibilidade para estar presente nesse agendamento de audiências.
E, finalmente, por trás vezes até - com a de hoje quatro-, o Secretário de Estado da Cultura, que se nos mostrou seguro dos trabalhos, das razoes e nos deu notícia de bastantes outras pedras a mover nos tabuleiros de uma ofensiva simultânea do Portugal, anos 90.
Pedras envolventes, entenda-se, a norte e a sul do Acordo Ortográfico, pois a política da língua não se esgota naqueles traços à pressa que as letras são e não são...
O anúncio das estratégias e das tácticas adicionais, do jogo institucional e diplomático, cabe, por direito próprio, à grelha de intervenção do Governo. Para boa gestão dos minutos do PSD. E para reconhecer-se a César o que é de César. Vão ver que o Acordo Ortográfico é uma das salas numa casa a construir com muitas assoalhadas...
Ainda na Assembleia da República, o nosso Presidente deferiu o pedido, o programa e os convites da Subcomissão Permanente da Cultura, para um colóquio, à tarde e à noite, que integrou as partes em conflito, diplomatas e fazedores da opinião pública.
Aí se disse, por exemplo: so Acordo Ortográfico já motivou mais pessoas que qualquer outro movimento»; «não haverá lusofonia sem as soluções para as palavras técnicas e científicas da modernidade»; ou, entre palmas, «mesmo com algum sangue, a pretexto das grafias, acabamos por falar de coisas importantes».

E lá voltamos ao Governo!

Ora, o Governo não se substitui aos linguistas, aos filólogos, aos gramáticos, aos criadores e comunicadores, aos professores, quando toma a decisão política -e só política! - de pôr mais peso negociai, comum, num mercado das influências faladas e escritas.
O Governo conhece, a Academia sempre soube que, à língua, ninguém a agarra.
No Acordo, só pela ortografia é que vamos e não pelo sonho de uma só matriz, de um único foco linguístico prevalecente. A realidade outra, de hoje, não deixa paginar ao gosto de um utente, «isso é que era bom!».

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Orador: - No alinhamento das votações, desta tarde ou de terça-feira, o Plenário terá em conta: que a questão não é mais dos técnicos, é de muitos e de todos; a questão não é de arranjo gráfico, é cartão de visita de uma grande família; não é do Governo nem do Estado, é sete estados e nações; não é de âmbito nacional, é de uma comunidade de 200 milhões de pessoas; não é questão de quebrar ou torcer unilateralmente, é um documento subscrito pela vontade e pelo respeito das relações externas internacionais.
É na gestação dos contrários que se formam as convicções.
O calor das críticas temperou, com proveito, a vontade do Governo; aumentou-lhe as responsabilidades, enquadrou-lhe as futuras diligências; determinou-o a cumprir, não por teimosia e indiferença, mas aceitando o risco e o desempenho, mesmo em período pré-eleitoral.

Página 2767

29 DE MAIO DE 1991 2767

Houve gente, gente boa, que se mostrou indignada, activista. Não lhes ponho em dúvida a sinceridade.
Como no coro grego, e como se lê no historial sobre mudanças ortográficas desde 1911, pairaram agoiros de desencontros, malefícios para o País. Aliás, com dignidade que, neste 1990-1991, não fez uso da anedota esdrúxula sobre o cágado, uma das bicadas caricaturais de 1986-1987.
Um dos imperativos da inteligência é também desdramatizar. Convenhamos que as letras, não sendo de pouca monta, não são o corpo da língua (corpus), não são a alma que faz correr a língua.
As palavras também serão «gente, e gente vestida». Mas as suas «vestes» não são tudo-ou não haveria tantas...
De nós, Portugueses, se espera o termo das demoras que nos fizeram perder terreno, ficar a ver navios e não ganhar boas causas.
Do Acordo, do ponto de chegada possível, a ratificação fará, agora, um ponto de partida, com ou sem declarações de voto.
Foram produzidas de boa fé estas quantas linhas que vos deixo.
Pela urgência de se encerrar hoje o debate, ponho aqui, é meu dever, um ponto final. E, sem má consciência, sublinho tudo o que disse.

Aplausos do PSD e da deputada do PRD Natália Correia.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Manuel Mendes pediu a palavra para que efeito?

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, na sequência da intervenção do Sr. Deputado Carlos Lélis Gonçalves, invocando o artigo 91." do Regimento e a defesa devida ao rigor técnico e político de um debate como este, no qual, de resto, se inseriu, de forma significativa, o discurso do deputado que acabou de descer da tribuna.

O Sr. Presidente:-E o Sr. Deputado Jorge Lemos pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Para interpelar a Mesa, curtissimamente, e através dela perguntar ao Sr. Deputado Carlos Lélis Gonçalves se terá visto algum agravo num ou noutro aparte, quer da minha parte, quer da parte do meu colega José Magalhães. E se tiver visto nisso algum agravo, não corresponde à verdade. Conhece-me suficientemente bem para saber que temos mantido e continuaremos a manter, estou certo, um belo trato, seja nos trabalhos da comissão seja ao nível do nosso relacionamento parlamentar, e não só.
Portanto, queria significar-lhe que se o entendeu como tal, aqui fica o esclarecimento e penso que desta forma se ultrapassará o equívoco gerado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, embora o uso da palavra por parte do Sr. Deputado tenha sido oportuno, gostaria de lembrar que não se tratou de uma interpelação à Mesa.
Para exercer o direito de defesa, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): -Sr. Deputado Carlos Lélis, não se trata de defender nem a minha honra pessoal nem a da minha bancada porque, como é óbvio, a intervenção que acaba de produzir teve o esmero de procurar reflectir, com o máximo de precisão, as posições enunciadas pelas diferentes forças políticas.
E como teve essa preocupação, penso que o honro a si próprio dizendo-lhe que, por uma questão de rigor, a posição do PCP é exactamente esta: contra todos os fundamentalismo! Nós pugnamos pela existência de um acordo ortográfico, somos a favor da elaboração de bases escorreitas, por elas nos bateremos até ao fim e congratular-nos vamos com a adopção de meios, que também estão na disponibilidade da maioria, que levassem aos resultados que consideramos essenciais e até, a variados níveis, desejáveis por muitos dos que se têm oposto, em nome de bandeiras legítimas, ao articulado que hoje temos vindo a apreciar.
Esta é a atitude que deflui das declarações que produzi e que exprime o sentir dos comunistas.
Portanto, sem usar a palavra para exercer o direito de defesa da honra, esta é uma observação que é devida, apesar do adiantado da hora.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: -Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Cultura.

O Sr. Secretário de Estado da Cultura: -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de encerrar este debate, gostaria de tecer considerações sobre alguns dos pontos aqui suscitados em intervenções de Srs. Deputados.
Em primeiro lugar, gostaria de dar notícia à Câmara de um facto que, julgo, é significativo e sobre o qual fui interpelado aquando da minha presença em reuniões da Comissão de Educação, Ciência e Cultura e da Subcomissão de Cultura nas semanas transactas.
Nessas reuniões questionaram-me sobre qual era a posição dos novos governos dos países africanos de língua oficial portuguesa em relação ao texto do Acordo. Ora, esta semana recebemos a notícia, por canais diplomáticos- e, estranhamente, neste caso, a notícia ainda não foi difundida pelos meios de comunicação social -, de que o Governo de Cabo Verde aprovou esta semana, em Conselho de Ministros, o texto do Acordo Ortográfico.

Aplausos do PSD.

Portanto, o Governo de Cabo Verde foi o primeiro do dos países africanos de língua oficial portuguesa a fazê-lo. E lembro que este governo saiu das eleições que decorreram em clima de inteira liberdade, o que, por razões que se compreendem, a todos nos enche de orgulho, se atendermos ao modo como elas se realizaram.
Gostaria também de fazer uma alusão às críticas que aqui foram feitas à natureza reservada da metodologia do processo utilizado pelo Governo em relação ao Acordo Ortográfico.
Gostaria de relembrar -e já não vou atrás, aos debates que tiveram lugar em relação ao anteprojecto de 1986, realizados em 1986 e 1987- que o trabalho elaborado pela Academia das Ciências foi enviado, como disse, pelo Governo, à CNALP e que, em Julho, em declarações que eu e o director das Relações Internacionais da Secretaria de Estado da Cultura fizemos em Cabo Verde, foram anunciados os contactos que estávamos a ter, a nível diplomático, para preparar a assinatura do Acordo, que acabou por ser assumido em Dezembro.

Página 2768

I SÉRIE -NÚMERO 84 2768

Gostaria também de salientar -e este é o ponto principal - o seguinte: como se poderá acusar de reservada ou de sigilosa uma metodologia ou um processo em que o Governo, estando inteiramente convencido, e não só ele, de que a Constituição lhe conferia os poderes necessários para a aprovação deste Acordo, decidiu submetê-lo, com tempo, à discussão e votação do Parlamento, para que, na sede própria, ele fosse discutido?
Julgo que nenhum de nós, deputados em exercício ou não em funções, deixa de se reivindicar da legitimidade mais pura na representatividade dos cidadãos do nosso pais. E foi a este mesmo Parlamento que o Governo entendeu, com tempo, submeter esse Acordo.
Foi também em relação a esse debate e a essa votação que o Governo deu o seu acordo -em episódio que me dispenso agora de invocar- ao adiamento da data inicialmente prevista, prescindindo que ele fosse travado e que a votação tivesse lugar antes de uma visita oficial ao Brasil, considerada como muito importante pelos Governos de Portugal e do Brasil.
O Governo prescindiu do interesse que tinha na aprovação do Acordo antes dessa visita oficial ao Brasil para que pudesse ter lugar o colóquio que foi promovido por alguns dos Srs. Deputados e no qual participaram vários cidadãos.
Foi aqui elencada, pelo Sr. Deputado Carlos Lélis Gonçalves, uma série de entidades e de individualidades que participaram nesse colóquio. Aliás, gostava ainda de mencionar um ponto, se me permitem.
No dia em que foi assinado este Acordo, isto é. no dia 16 de Dezembro de 1990, esteve presente no Jornal de Sábado o Sr. Presidente da Direcção da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros e um membro da Academia das Ciências, tendo aquele dito, numa das intervenções que fez, que não conhecia o Acordo e acusava o Governo de total sigilo em relação ao que iria ser assinado naquele dia. Porém, em outras intervenções nesse mesmo programa, comentou todos os pontos do Acordo, enquanto este ia passando no ecrã da televisão para todos os cidadãos e para os próprios que participavam no debate, tecendo críticas a este ou aquele aspecto do Acordo. Mas acusava--se o Governo de não divulgar esse mesmo texto!
Em relação ao conhecimento oficial e à divulgação, Srs. Deputados, penso que foi seguida a metodologia correcta.
Alguns dos Srs. Deputados ora criticam o Governo por não submeter, em primeiro lugar, ao Parlamento o texto de acordos de relevância, como este que está em apreço, ora exigem ao Governo que o faça.
O Governo, neste caso, e porque antecipadamente tinha optado por esta tramitação, aprovou-o em Conselho de Ministros, submeteu-o ao Parlamento e não tinha dúvidas, como veio a acontecer, que este debate se ia travar amplamente a nível nacional, como se travou. Houve até órgãos de comunicação social que tiveram a iniciativa (louvável!) de abrir as suas páginas, durante semanas, a depoimentos favoráveis ou contrários ao Acordo Ortográfico.
Mas essas iniciativas da sociedade civil foram proporcionadas também pela tramitação e metodologia adoptadas pelo Governo, em nome e por respeito à posição que o Parlamento ocupa na hierarquia dos órgãos de soberania e à fonte de legitimidade que lhe é própria.
Portanto, quando alguns dos Srs. Deputados -e agora permitia-me passar a outro ponto- falam nos aspectos técnicos, queria garantir, especialmente ao Sr. Deputado
José Manuel Mendes, mais uma vez, que tivemos a preocupação, em relação aos debates que íamos ouvindo, de ir colocando as questões levantadas à Academia das Ciências e às entidades mais aptas a nos dar a resposta sobre os pontos levantados.
Um ponto que mencionou - e julgo que o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia também o abordou na sua intervenção- é o das consoantes não articuladas e a função que desempenham; foi um ponto invocado, por exemplo, por alguns técnicos, que impressionou e sobre o qual solicitámos esclarecimentos. Ora, é no próprio parecer da CNALP que vêm mencionados alguns exemplos de palavras em que essa consoante não articulada não implica, como sabem, o fecho da vogal imediatamente anterior e em que o inverso também não sucede. Portanto, não se trata de uma regra absoluta e aí também obtivemos esse esclarecimento, como em relação a outros pontos posso garantir-lhe...

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - E onde estão os papéis?

O Orador: - Os papéis!?... Sr. Deputado, estão aqui, em pareceres que os senhores tão bem conhecem...

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Onde estão os esclarecimentos da Academia?!

O Orador: - Sr. Deputado, o Governo tem a faculdade de solicitar estes esclarecimentos, como pode ser testemunhado pelo Sr. Presidente da Academia das Ciências e pelos seus membros que participaram connosco em reuniões, reuniões preparatórias deste debate,...

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Mande-nos os papéis!

O Orador: -... em que esses esclarecimentos foram prestados e posso enviar-lhe cópia de cartas e de documentos elaborados por esses membros da Academia das Ciências,...

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Então, dê-nos! Agradecemos que nos dê esses esclarecimentos.

O Orador: -... onde procedem aos esclarecimentos que os Srs. Deputados conhecem.
Se me permitem, só para ficar assente e esclarecido, devo dizer que o que os Srs. Deputados enunciaram não são regras nem verdades absolutas e posso garantir-lhes, em inteira consciência, que não nos foi dada qualquer resposta no plano técnico, assim como não houve qualquer argumento invocado nas várias contradições havidas nos diversos debates, que nos tenha convencido de que houvesse um erro suficientemente importante, ou digno desse nome, para merecer os processos, como o Sr. Deputado José Manuel Mendes disse, que podem estar ao alcance do Governo e serem desencadeados no relacionamento normal entre Estados.
Aproveito para dizer ao Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, relativamente à expressão se não nos preguem a partida de o Acordo entrar em vigor antes de vigorar na ordem interna dos outros Estados signatários»,...

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Se não entrar!

O Orador: -... que, conforme está no texto do Acordo, ele só entra em vigor quando forem depositados todos os

Página 2769

29 DE MAIO DE 1991 2769

instrumentos de ratificação de todos os Estados signatários junto do Governo Português.
Portanto, só nessa data é que o Acordo entra em vigor e, mais, não poderá entrar antes de l de Janeiro de 1994 e de conseguirmos fazer incluir uma norma que confere aos Estados o direito de tomar as medidas que entendam adequadas para impedir o aproveitamento abusivo, no plano comercial, no plano da edição, por parte de entidades que, eventualmente, estejam mais avançadas e pretendam aproveitar o Acordo antes da data da sua entrada em vigor. Portugal, tem a faculdade de adoptar essas normas e fá-lo-á caso se mostre necessário para enfrentar essas situações.
Se me permite, Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, queria também dizer que a visto do V Império, do IV, do m ou do II, ido é a daqueles que sustentam este Acordo.
A visto imperialista não é a daqueles que desejam esta aproximação ortográfica. Houve um vulto desfalcado das nossas letras que, às tantas, disse que dissertava sobre o lema de saber se a língua portuguesa se devia assumir como lingua-mãe e se, às vezes, não se comportava como língua-amante, que entrava em concubinatos censuráveis. Penso que a língua portuguesa deve ser uma lingua-irmã; deve ser a mesma língua de Estados que são irmãos na mesma comunidade; pode ser uma irmã mais velha, mas tiques, complexos, tendências paternalistas em matéria de língua, permita-me. Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, que discorde. Penso que é um erro, um abuso, que Portugal não deve cometer, pois não serve os interesses nacionais.
Permita-me ainda que lhe refira, tomando em conta o que o Sr. Presidente da República disse, desmentindo as acusações de arrogância, de prepotência ou de imposição de factos consumados - que por vezes são formuladas também em matérias como, por exemplo, o empréstimo de peças importantes do nosso património - , que procuramos sempre saber qual a posição do supremo magistrado da nação, porque são matérias que vinculam, de um modo muito especial, toda a comunidade nacional.
Relativamente a esta matéria, gostaria de lembrar o que o Sr. Presidente da República respondeu, quando lhe perguntaram se concordava com o Acordo Ortográfico: «Concordo. Não sou um purista da língua. A língua é um instrumento vivo e deve evoluir naturalmente, segundo os hábitos de quem a fala. O linguajar dos Brasileiros é tão válido como o dos Angolanos ou o dos Moçambicanos. Devemos ter a coragem e a capacidade de os integrar e de não sermos puristas. Não podemos ficar parados e falar a língua como no tempo de Camões ou de Vieira.» Como em muitas outras ocasiões, também nesta o Sr. Presidente da República tem razão!

Aplausos do PSD.

O Sr. José Sócrates (PS):- Já em 1985 teve razão!

O Sr. Jorge Lemos (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Jorge Lemos (Indep.):- Sr. Presidente, quero, através de V. Ex.ª solicitar ao Governo que, creio, não verá nisso qualquer inconveniente, fossem anexados, integrados nos processos dos debates que lemos estado a travar, os documentos a que o Sr. Secretário de Estado da Cultura aludiu, designadamente os esclarecimentos que terão sido prestados, por escrito, ...

O Sr. Carlos Lélis Gonçalves (PSD): -Com o compromisso de não rasgar!

O Orador: -... pela Academia das Ciências de Lisboa sobre algumas das questões aqui suscitadas. Portanto, agradecia que dessem entrada na Mesa para serem distribuídos, oportunamente. Poderá não ser agora, mas quando a Mesa entender, desde que seja em prazo útil.

O Sr. Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): -Sr. Secretário de Estado da Cultura, a última coisa que esperava ouvi-lo dizer é que eu era paternalista nesta matéria.
Na verdade, sempre me interessei por esta questão não só publicamente, como, aliás, até em privado, tenho manifestado o ponto de vista de que deve haver a máxima liberdade nesta matéria. No Brasil, deve-se escrever como os Brasileiros entendem, isto é, nos termos em que a sociedade brasileira, livremente, se desenvolver. E o mesmo deve acontecer em Portugal.
Ora, como é que V. Ex.ª, que é o carimbador ou o patrono -não sei bem, pois não explicou- de um acto de ditadura, vem, agora, chamar-me de paternalista? Efectivamente, de V. Ex.º, já espero tudo!
Mas já que estou no uso da palavra, permito-me chamar a atenção da Câmara para uma questão importante.
Tenho o máximo respeito pela Academia das Ciências e sempre muito proveito na leitura das publicações a que ela dá origem; simplesmente, gostaria de conhecer as actas das reuniões da Academia das Ciências em que esta quesito foi discutida entre os académicos.

Vozes dos deputados independentes Jorge Lemos e José Magalhães: -Também nós!

O Orador:-É do conhecimento público, pois foi afirmado, recentemente, por um ilustríssimo académico, um antigo presidente da Academia das Ciências e um professor por quem tenho a maior amizade, consideração e respeito, que o Acordo é o resultado do trabalho de 10 académicos da Academia das Ciências.
Ora, efectivamente, na Academia das Ciências toda a gente tem competência para discutir este problema. Do mesmo modo, em todo o País, toda a gente que sabe escrever tem competência para discutir este problema. Assim, manifesto aqui a minha ínsolidariedade completa para com quem, na Academia das Ciências ou fora dela, pretende fazer crer que só os linguistas, e certos linguistas, naturalmente, têm competência para discutir esta quesito. De facto, há noções de responsabilidade completamente obliteradas na sociedade portuguesa.

Vozes dos deputados independentes Herculano Pombo, Jorge Lemos e José Magalhães:-Muito bem!

O Sr. Presidente:-Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Cultura.

O Sr. Secretário de Estado da Cultura:-Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, quanto à quesito que colocou, não gostaria de fazer qualquer comentário, até porque não tenho conhecimento dessa afirmação ter existido, quer por parte do Governo, quer por parte da Academia das Ciências, que, como é sabido, trabalha, nos termos da lei.

Página 2770

I SÉRIE -NÚMERO 84 2770

directamente-e este é o teimo conecto, não quero utilizar outro- com a Secretaria de Estado da Cultura. Posso, assim, afirmar, com segurança, que não tenho a mínima informação de que existam problemas do género dos que foram mencionados por V. Ex.º Aliás, até hoje, também nunca foram postos em causa pelos académicos, publicamente, em conversas oficiais ou privadas, os termos de funcionamento da Academia das Ciências.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Permite que o interrompa, Sr. Secretário de Estado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Por isso é que eu aproveitei este incidente para usar da palavra. De facto, nunca ninguém levantou esta questão, que é gravíssima e que afecta - lamento dizê-lo - a credibilidade da Academia das Ciências.

O Orador: - Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, tanto quanto nos é dado saber, V. Ex.º foi o primeiro a falar nesse aspecto, pois nem os próprios académicos o fizeram, pelo menos não temos conhecimento. Respeito a sua opinião quanto à questão que levantou. As afirmações que produziu são, obviamente, da sua responsabilidade, mas não posso deixar de dizer que lamento a expressão «um acto de ditadura», que utilizou.
Acrescento ainda que não sou patrono, nem promotor do Acordo Ortográfico. Sou membro de um governo que, em Conselho de Ministros, aprovou o Acordo Ortográfico, que eu assinei, por incumbência, em representação desse mesmo Governo e - no caso concreto - nos termos da Constituição. Portanto, Sr. Deputado, no momento da assinatura do Acordo, pós-negociação, eu representava o Estado Português.
Por outro lado, como também já tive oportunidade de dizer, procurámos submeter este Acordo à aprovação do órgão de legitimidade democrática mais evidente, o Parlamento, ao qual se seguirá a intervenção do Sr. Presidente da República.
Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, em meu entender, considerar esta metodologia como um acto de ditadura é pôr as regras da democracia completamente viradas do avesso. Mas julgo que a expressão em causa lerá sido um exagero de linguagem do Sr. Deputado, próprio do calor deste debate.
E, antes de terminar, permita-me, Sr. Presidente, que mais uma vez sublinhe - até porque tenho essa obrigação, dado que, no início, fiz algumas observações a propósito de alguns comentários aqui proferidos-, em nome do Governo, que me congratulo com o modo como tem decorrido este debate, com a elevação e dignidade dos argumentos que foram utilizados e com as conclusões que, espero, sejam tiradas para a votação, a qual, certamente, será no interesse do País que todos nós queremos servir, segundo a nossa forma de pensar e sentir.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate.

Como já tinha anunciado, o período de votações agendado para a sessão de hoje foi transferido, por consenso, para a sessão da próxima terça-feira.
Da sessão de amanhã, que terá início às 10 horas, constará a apreciação das propostas de lei n." 192/V - Altera diversa legislação fiscal e estabelece novos benefícios fiscais, 194/V - Autoriza o Governo a aprovar um novo regime para o cálculo das indemnizações a atribuir aos titulares de participações sociais no capital de empresas nacionalizadas e 196/V - Permite a redução da taxa do imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP) incidente sobre o gasóleo utilizado na actividade agrícola. Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 40 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António Maria Pereira.
Carlos Manuel Pereira Baptista.
Dinah Senão Alhandra.
Fernando Monteiro do Amaral.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Mendes Costa.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva
Jaime Gomes Mil-Homens.
João José Pedreira de Matos.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
António Manuel Henriques Oliveira.
Jorge Luís Costa Catarina.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.

Partido Comunista Português (PCP):

Ana Paula da Silva Coelho.

Deputado independente:

Manuel Gonçalves Valente Fernandes.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António Maria Oliveira de Matos.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Flausino José Pereira da Silva.
João José da Silva Maçãs.
Joaquim Fernandes Marques.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Mário Lemos Damião.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Licínio Moreira da Silva.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Socialista (PS):

Alberto Manuel Avelino.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Helena de Melo Torres Marques.

Página 2771

29 DE MAIO PE 1991 2771

Jaime José Maios da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
Jorge Lacto Costa.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luísa Geordano dos Santos Covas.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria de Lourdes Hespanhol.

Centro Democrático Social (CDS):

Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.

Deputado independente:

Carlos Matos Chaves de Macedo.

Os REDACTORES:
Cacilda Nordeste
José Diogo
Ana Maria Marques da Cruz
Isabel Barrai
Maria Amélia Martins.

Página 2772

DIÁRIO Da Assembleia da República

Depósito legal n.º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

AVISO

Por ordem superior e para constar, comunica-se que não serão aceites quaisquer originais destinados ao Diário da Republica desde que não tragam aposta a competente ordem de publicação, assinada e autenticada com selo branco.

1 - Preço de página para venda avulso, 5$; preço por linha de anúncio, 104$.

2 - Para os novos assinantes do Diário da Assembleia da República, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa.

3 - Os prazos de reclamação de faltas do Diário da República para o continente e regiões autónomas e estrangeiro são, respectivamente, de 30 e 90 dias à data da sua publicação.

PREÇO DESTE NÚMERO 230$00

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×