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I Série - Número 99

Quinta-feira, 22 da Agosto de 1991

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1990-1991)

COMISSÃO PERMANENTE

REUNIÃO PLENÁRIA DE 21 DE AGOSTO DE 1991

Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo

Secretários: Exmo. Srs.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 40 minutos.
Foi aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos relativo à substituição de um deputado do PCP, bem como os n.ºs 91 a 96 do Diário e também um parecer e uma proposta de resolução da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, dando assentimento à viagem de carácter oficial que S. Ex.ª o Presidente da Republica irá realizar a Espanha entre os dias 27 e 31 deste mês.
Seguidamente, produziram declarações políticas sobre a situação na União Soviética os Srs. Deputados Adriano Moreira (CDS), Rui Silva (PRD), Carlos Brito (PCP), Jaime Gama (PS) e Domingos Duarte Lima (PSD).
A Comissão Permanente aprovou ainda os votos n.ºs 222/V (PRD, PSD, PS, PCP e CDS) e 223/V (PS), de pesar peto falecimento do primeiro Presidente da Assembleia da Republica. Dr. Vasco da Gama Fernandes, e do Prof. Lindley Cintra, guardando um minuto de silêncio em sua homenagem.
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 16 horas e 15 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 15 horas e 40 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Vítor Pereira Crespo, Presidente (PSD).

Maria Manuela Aguiar Dias Moreira, Vice-Presidente (PSD).
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu, Vice-Presidente (PS).
José Manuel Maia Nunes de Almeida, Vice-Presidente (PCP).
Hermínio Paiva Fernandes Martinho, Vice-Presidente (PRD).
Reinaldo Alberto Ramos Gomes (PSD).
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira (PSD).
António Paulo Pereira Coelho (PSD).
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho (PSD).
Domingos Duarte Lima (PSD).
Fernando Manuel Cardoso Ferreira (PSD).
Guido Orlando de Freitas Rodrigues (PSD).
Joaquim Maria Fernandes Marques (PSD).
José Álvaro M. Pacheco Pereira (PSD).
José Augusto S. da Silva Marques (PSD).
João Domingos F. de Abreu Salgado (PSD).
Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD).
Miguel Fernando Miranda Relvas (PSD).
Rui Carlos Alvarez Carp (PSD).
Jaime José Matos da Gama (PS).
Armando António Martins Vara (PS).
Alberto de Sousa Martins (PS).
Jorge Lacão Costa (PS).
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida (PS).
Carlos Alfredo de Brito (PCP).
Jerónimo Carvalho de Sousa (PCP).
Rui José Santos Silva (PRD).
Adriano José Alves Moreira (CDS).

O Sr. Secretário vai proceder à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

Foi lido É o seguinte:

Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos

Em reunião da Comissão de Regimento e Mandatos realizada no dia 31 de Julho de 1991, pelas 15 horas, foi observada a seguinte substituição de deputado:

Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português (PCP):

Fernando Manuel da Conceição Gomes (círculo eleitoral de Coimbra) por Carlos Vítor Baptista Costa [esta substituição é solicitada nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março (Estatuto dos Deputados), por um período de seis meses, com início em 1 de Agosto próximo, inclusive].
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.

Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

João Domingos F. de Abreu. Salgado (PSD), presidente - Alberto Marques de O. e Silva (PS), vice-presidente - Manuel António Sá Fernandes (PSD), secretário - Alberto Monteiro de Araújo (PSD) - António Paulo M. Pereira Coelho (PSD) - Arlindo da Silva André Moreira (PSD) - Belarmino Henriques Correia (PSD) - Carlos Manuel Pereira Baptista (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Domingos da Silva e Sousa (PSD) - Fernando Monteiro do Amaral (PSD) - João Álvaro Poças Santos (PSD) - José Augusto Ferreira de Campos (PSD) - José Augusto Santos de S. Marques (PSD) - José Manuel da Silva Torres (PSD) - Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD) - Pedro Augusto Cunha Pinto (PSD) - Valdemar Cardoso Alves (PSD) - Hélder Oliveira dos Santos Filipe (PS) - José Luís do Amaral Nunes (PS) - Júlio da Piedade Nunes Henriques (PS) - José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Hermínio Paiva Fernandes Maninho (PRD) - José Luís Nogueira de Brito (CDS).

Srs. Deputados, está em discussão. Não havendo inscrições, vamos votar o relatório e parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, estão em aprovação os n.ºs 90, 91, 92, 93, 94, 95 e 96 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias dos dias de 7,11,12,17,18,19 e 20 do passado mês de Junho.

Pausa.

Visto não existirem objecções, consideram-se aprovados.
Srs. Deputados, para uma maior eficiência dos nossos trabalhos, vamos, de imediato, apreciar o parecer e proposta de resolução da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, que vai ser lido.

Foi lido. É o seguinte:

Parecer e proposta de resolução

A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação da Assembleia da República, tendo apreciado a mensagem de S. Ex.ª o Presidente da República, em que solicita o assentimento para se deslocar, em viagem de carácter oficial, a Espanha, entre os dias 27 e 31 do corrente mês,

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apresenta à Comissão Permanente a seguinte proposta de resolução:

Nos termos do n.º 1 do artigo 132.º da Constituição, a Assembleia da República dá o assentimento à viagem de carácter oficial de S. Ex.ª o Presidente da República a Espanha, entre os dias 27 e 31 do corrente mês.

Srs. Deputados, vamos votar o parecer e a proposta de resolução.

Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos dar início às declarações políticas sobre a situação na União Soviética.
Para esse efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, a chegada de Mikhail Gorbatchov ao poder, em 1985, marcou o início de uma nova grande esperança para a paz, começando por abandonar dois dogmas soviéticos: primeiro, o de que a URSS, desde a Revolução de Outubro, e especialmente depois da invasão alemã de 1941, estava sob a ameaça permanente dos Estados ocidentais, e, segundo, o de que era exigível a lealdade política absoluta à URSS dos Estados e povos europeus aos quais impusera a supremacia, princípio que, desde a Conferência de 1947, de Szklarska Poreba, se tornou extensivo aos partidos comunistas de fora da área.
Com base no primeiro dogma, exclusivamente apoiada na conquista, a URSS ocupou a Roménia, a Bulgária, a Hungria, os territórios alemães entre o Elba e a linha Oder-Neisse, e, abusando da qualidade de co-beligerante e aliada, permaneceu na Polónia e na Checoslováquia, escapando-lhe a Albânia e a Jusgoslávia por razões conjunturais.
Com base no segundo dogma, financiou a clandestinidade da sua acção de Estado ao redor do globo.
Dois séculos depois da Revolução Francesa, em 1989, os satélites do Leste Europeu viram derrubar o seu ancien regime, que, como foi observado, neste caso era a ditadura soviética, um processo que surpreendeu todos os estadistas responsáveis.
Parece ter consistência a hipótese de que a libertação da Europa do Atlântico aos Urales é irreversível e que as revoluções pacíficas se consolidaram em lermos de virem a ser preservadas as soberanias e os padrões ocidentais de organização política interna.
Existem certamente vários problemas de segurança que andam a ser debatidos no Eurogrupo, na UEO, na CSCE e a ser teorizados na CEE, mas a situação de vassalagem foi eliminada.
Todavia, este enorme facto não reduz as questões de regime e estrutura do Estado soviético a domésticas, sem que as instituições internacionais e os restantes países interessados estejam limitados pelo famoso princípio consignado no artigo 2.º (7) da Carta da ONU.
Por um lado, o acordar das nacionalidades - em primeiro lugar, no Cáucaso (Arménia, Geórgia, Azeris) e, depois, no Báltico (Estónia, Letónia, Lituânia) - tem que ver com a autodeterminação dos povos e, de facto, também com a doutrina legal da descolonização da Carta da ONU, parecendo que o novo Tratado da União foi a causa última
da reacção corporativa interna, em nome dos interesses do império.
As instâncias internacionais, a começar pela ONU, não podem alhear-se do processo, em obediência a princípios que o Governo de Gorbatchov mostrou aceitar, e Portugal deve apoiar a mobilização e a reacção das instâncias internacionais competentes!
Acresce, finalmente, que existe uma relação pesada entre a segurança ocidental e o processo de reforma da URSS.
Para além do facto de que, sem ajuda, as forças reformistas podem não responder à explosão simultânea dos nacionalismos e das expectativas económicas, parece ser do interesse irrenunciável do Ocidente:

Primeiro, que a maior força militar da Europa, dispondo provavelmente de 30 000 engenhos nucleares, não perca uma direcção política responsável e confiável;
Segundo, que o regresso ao totalitarismo não faça perder as esperanças nascidas nos últimos seis anos de marcha em direcção a uma nova ordem mundial;
Terceiro, que os níveis de emigração do Leste para o Ocidente não acelerem, excedendo as capacidades de recepção e controlo;
Quarto, que a agudização dos conflitos étnicos não imponha o revisionismo de fronteiras;
Quinto, que não entre em erosão o consenso que tem vigorado entre as grandes potências;
Sexto, que as autodeterminações por revolta não agravem a situação de milhões de famílias que vivem fora da área territorial das suas nacionalidades;
Sétimo, que se elimine a desconfiança que continua a implicar que o Governo da URSS gaste entre 10 % a 25 % do PIB, impedindo a redução dos orçamentos militares ocidentais, sem a qual não parecem viáveis planos sólidos de ajuda e cooperação.

Estes graves interesses dão legitimidade aos Ocidentais para tomarem as medidas que estiverem ao seu alcance no sentido de poderem lidar com um governo da URSS que considerem legítimo e estável e para accionarem os mecanismo internacionais que lidam com as garantidas dos direitos dos povos, da segurança dos Estados e da paz geral.
A actual estrutura da CSCE, especialmente depois da reunião de 19 e 20 de Junho, em Berlim, do Conselho de Ministros, deu uma expressão formal a essa legitimidade para lidar com os graves acontecimentos em curso na URSS.
A pereströika foi uma revolução política conduzida com métodos reformistas e que, no novo Tratado da União, começava a ter expressão jurídico-constitucional.
O método reformista enfrenta naturais dificuldades para arredar, em tempo útil, os padrões tradicionais de referencia dos corpos do Estado, das forças armadas e do partido, sobretudo quando se traia de padrões totalitários como os leninistas.
A consumação dos riscos, como está a verificar-se, demonstra a coragem dos agentes das reformas, mas a interdependência mundial redefiniu e limitou a soberania para todos os Estados, grandes e pequenos. Neste caso, são os interesses da grande Europa, os princípios da Acta de Helsínquia e a paz de todos que são afectados. Tudo excede a jurisdição interna e a neutralidade não é possível!

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O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O mundo vive, hoje, um momento de preocupação e angústia. Os acontecimentos em curso na União Soviética surpreenderam tudo e todos.
Apesar dos inúmeros avisos de alguns políticos e analistas, o certo é que ninguém esperava que o processo democrático lançado, haja mais de cinco anos, por Mikhail Gorbatchov pudesse, hoje, ser posto em causa.
Sabia-se da resistência de certos sectores do aparelho partidário, burocrático e militar às reformas em curso. No entanto, ninguém sabia, ao certo, o peso real que os conservadores detinham.
Os acontecimentos iniciados na noite de domingo para segunda-feira vieram, no entanto, demonstrar que esse poder é real e ainda capaz de baralhar de novo as cartas.
A situação económica e social poderá ter servido de pretexto para convencer alguns da necessidade de mudar de rumo, da possibilidade de o golpe ser vitorioso. No entanto, as expectativas parecem ter sido goradas, na precisa medida em que o povo não apoiou nem apoia, antes repudiou e tentou contrariar, os golpistas.
Não partilhamos a tese de que o processo democrático tenha chegado a um impasse político, já que o presidente Gorbatchov apostou em averbar mais uma significativa vitória, desde o início da pereströika, ou seja, a assinatura de um novo Tratado da União pela maioria das repúblicas, uma verdadeira e profunda reforma constitucional que atribuiria significativos poderes, sem a qual ele próprio reconhecia não ser possível esperar desenvolvimentos na situação económica e social.
A URSS sempre foi um império e terá sido provavelmente esse o receio dos conservadores, porque, desde o primórdio da história, raramente existiram impérios democráticos.
As notícias mais recentes parecem, no entanto, alimentar a esperança de que a situação é reversível, no sentido de recolocar o comboio, de novo, nos carris da democracia.
Se assim for, Gorbatchov e os progressistas têm razão e os golpistas cometeram um grave erro de cálculo. Não é possível desenvolver económica e socialmente um país, mesmo o mais extenso e rico do mundo, sem democracia, liberdade e respeito pelos direitos fundamentais do homem. Os cidadãos soviéticos compreenderam isso! Apesar de se contestar Gorbatchov, exige-se que o presidente, legitimamente eleito, volte a ocupar o seu lugar. Compreenderam um princípio fundamental das sociedades livres: só através do voto democrático pode um líder ser colocado ou ser retirado do poder!
Em nosso entender, Gorbatchov já ganhou, mais uma vez, porque, pela primeira vez, alguém, na União Soviética, levou um processo democrático suficientemente longe para fazer hesitar o golpe de Estado, mesmo que, no Hm, ele acabe por vingar.
Esperemos que não, porque se a tentativa conservadora falhar ter-se-á dado, finalmente, o salto quantitativo decisivo para a democracia e o impulso necessário às reformas económicas e sociais na União Soviética, o que equivale a dizer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, à paz e solidariedade entre os povos.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP aproveita a oportunidade desta reunião da Comissão Permanente para exprimir aqui, na Assembleia da República, a sua grande preocupação com a situação existente na União Soviética. Face à crise que abala a URSS, o PCP faz ardentes votos para que seja afastado o recurso à violência e a normalidade institucional seja prontamente retomada.
Em face das insidiosas deturpações feitas por alguma comunicação social e de irresponsáveis acusações de dirigentes partidários à posição assumida pelo PCP, é oportuno afirmar, com toda a clareza, que nunca fizemos qualquer declaração de apoio ao afastamento de Mikhail Gorbatchov...

Risos do PSD e do PS.

Mostrem, Srs. Deputados, qualquer declaração que tenha esse conteúdo! ...
Como estava a dizer, nunca fizemos qualquer declaração de apoio ao afastamento de Mikhail Gorbatchov e, menos ainda, às circunstâncias em que se verificou. O que fizemos foi avaliar e interpretar os acontecimentos da madrugada de 19 de Agosto e o seu significado no processo soviético e na perspectiva da defesa das conquistas revolucionárias dos povos da URSS.
Esses acontecimentos só podem ser explicados pela grave situação preexistente, designadamente pelo aprofundamento da crise do Estado e da sociedade soviética, onde se acentuavam aceleradamente fenómenos de degradação e desintegração, de profundas divisões na direcção política e no próprio PCUS, de desenvolvimento de forças anti-socialislas e anti-soviéticas, com crescentes ingerências estrangeiras. A superação desta situação tinha-se tomado, naturalmente, uma profunda aspiração de todas as forças empenhadas em salvaguardar o socialismo na União Soviética, a manutenção do próprio Estado soviético e o insubstituível papel da URSS na arena internacional como factor de desanuviamento, da paz e do respeito pela independência dos povos.
Como foi salientado, nestes dias, pela comissão política do meu partido, o PCP considerou desde sempre com «entusiasmo revolucionário» o empreendimento da pereströika, salientando, entre os objectivos definidos, a correcção e a superação de erros, atrasos e estagnação; a condenação do abuso do poder, de métodos de comando burocrático, de violações da legalidade, de privilégios, corrupção e degradação moral; o estabelecimento efectivo do poder político pelo povo; a efectiva instauração da democracia no Estado, no partido e na sociedade; a aceleração do desenvolvimento sócio-económico na base da utilização das tecnologias avançadas resultantes da revolução cienfífico-técnica; e a satisfação das necessidades crescentes do povo em correspondência com as potencialidades do sistema socialista.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Continuamos a considerar que estes objectivos se justificaram plenamente e constituem o resultado da experiência negativa de um «modelo» que se

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afastou em aspectos essenciais dos ideais sempre proclamados pelos comunistas. Condenámos e condenamos, naturalmente, qualquer tentativa de regresso ao passado.
O desenvolvimento dos acontecimentos não correspondeu, porém, aos objectivos inicialmente definidos pela pereströika e aos resultados então previstos e anunciados. Por isso, como é sabido, tem o PCP manifestado, ao longo dos tempos, repetidas preocupações em relação ao desenvolvimento da situação na URSS.
O recurso a situações de excepção são sempre indesejáveis e geram processos de imprevisíveis perigos no seu desenvolvimento. O Presidente da URSS em exercício, no seu «apelo aos chefes de Estado e de Governo e ao Secretário-Geral da ONU» salientou, designadamente, que «as medidas tomadas são temporárias» e que «de modo algum significam recusa do curso das profundas reformas em todas as esferas da vida estatal e social» e ainda que «as medidas temporárias de carácter de emergência de modo algum afastam os compromissos internacionais assumidos pela União Soviética no quadro dos tratados e acordos vigentes».
Ao contrário do que fazem outros, o PCP sublinhou, e sublinha, estes compromissos e pronuncia-se pelo rápido regresso da União Soviética à normalidade institucional no caminho de um socialismo renovado.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É também altura de dizer que consideramos perfeitamente lamentáveis as tentativas de instrumentalizar, com objectivos eleitoralistas, os graves acontecimentos na União Soviética, pecado em que incorreu, de forma aliás caricata, o Partido Socialista!

Risos do PS.

O PCP rejeita com toda a firmeza qualquer tentativa de aproveitar abusivamente esta situação para retomar campanhas contra o PCP e falsificações das suas orientações. Reafirmamos aqui, na Assembleia da República, e nestas circunstâncias, que o PCP ostenta, no seu património histórico, passado e presente e claramente reflectido no seu programa e na sua prática, um sólido, profundo e duradouro compromisso com a causa da liberdade e da democracia, que não tem comparação com qualquer outra força política portuguesa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome do meu grupo parlamentar, quero exprimir, nesta reunião da Comissão Permanente da Assembleia da República, a profunda solidariedade do PS a todos aqueles que nas várias repúblicas da União Soviética, dos estados bálticos à Federação Russa, ergueram e mantêm erguida a resistência das suas vontades indomáveis contra a fúria enlouquecida das espadas desembainhadas.
O PS foi suficientemente claro, desde o primeiro instante, na condenação do golpe de Estado desencadeado na madrugada de segunda-feira na União Soviética. Com ele ruía a evolução política interna naquele imenso país e certamente aspectos basilares da nova ordem internacional ião
pacientemente elaborados. O espectro do regresso à guerra fria voltou esta semana a pairar entre nós. Ninguém balizado por valores genuinamente democráticos deixou, desde então, de viver angustiadamente os acontecimentos, de se indignar com os usurpadores, de vibrar com os resistentes - à frente dos quais está Bons Yeltsin -, de recordar emocionadamente o legado internacional da era Gorbatchov.
Mikhail Gorbatchov, ao reconverter com Eduard Chevardnadze os objectivos da política externa soviética, substituindo uma política ideológica de potência por uma política realista do Estado inserido na comunidade internacional, viabilizou a retirada do Afeganistão, os grandes acordos de desarmamento, a evolução dos regimes na Europa Central para a democracia, a unificação da Alemanha, a solução de conflitos regionais, nomeadamente na África Austral e a paz em Angola, a criação de uma nova arquitectura europeia - simbolizada na Carta de Paris -, a acção das Nações Unidas para libertar o Koweit.
O mundo passou a viver de maneira diferente. Se no seu país a economia se debatia com dificuldades, derivadas de 70 anos de colectivismo, a verdade é que, contrariando a obstinação dos ultras, passos decisivos foram dados para a afirmar os direitos humanos, o pluralismo e o Estado de direito, para admitir correntes de opinião competitivas e, a certos níveis, alternativas para permitir uma imprensa independente, para garantir uma abordagem mais compreensiva da questão das nacionalidades, admitindo mesmo o direito à emancipação plena. Um processo que, com avanços e recuos, faz hoje colocar um regime democrático como a mela final irreversível para o povo da União Soviética, para as repúblicas que livremente a queiram integrar e para as que decidam optar por um caminho próprio.
Só com uma situação constitucional normalizada a URSS poderá regressar legitimamente à convivência internacional e ao acatamento dos seus deveres para com a comunidade de Estados conseguida de acordo com a Acta de Helsínquia e a Carta de Paris. As peripécias do golpe de Estado, já em vias de passar a um estádio de aparente claudicação dos golpistas - que, aliás, foram vibrantemente saudados por uma nota da Comissão Política do Comité Central do PCP, que tenho o maior gosto em remeter ao Sr. Deputado Carlos Brito -...

Vozes do PCP:-Isso é falso! Leia, Sr. Deputado!

O Orador: -... reclamam da URSS, muito rapidamente, uma conduta externa e interna susceptível de fazê-la reintegrar duradouramente na família europeia e internacional.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Leia lá, Sr. Deputado!

O Orador: - O Sr. Deputado é co-signatário de um documento onde se cita, de uma forma positiva, o comité de emergência que usurpou o poder na União Soviética. Aí se cila ipsís verbis e se admite que a iniciativa dos golpistas surge como uma tentativa para conter o desenvolvimento de um processo contra-revolucionário e de empreender soluções no caminho do socialismo, nos termos da declaração oficial.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - É a citação deles!

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O Orador: - Não vou alongar-me mais sobre isso, Sr. Deputado Carlos Brito, porque os factos falam por si e os senhores acabam de ter, no seu julgamento errado, a resposta do próprio povo da União Soviética.

Vozes do PS e PSD: - Muito bem!

O Orador: - Como estava a dizer, todos reclamamos uma União Soviética com uma conduta externa e interna susceptível de fazê-la reintegrar duradouramente na família europeia internacional. Os povos da URSS têm o direito de viver em paz, o direito às garantias do direito democrático, o direito ao bem-estar, o direito à sua identidade cultural e espiritual.
Nos últimos anos assistimos ao insólito de um ditador derrubado por manifestantes expressamente convocados em seu apoio. Seja qual for o desfecho dos acontecimentos, estamos agora a assistir em Moscovo à queda final de um modelo político - o comunismo - em socorro do qual apenas se juntaram para conspirar os últimos espiões, os últimos comissários políticos da tropa e os últimos burocratas.
Todos desejamos, Sr. Presidente e Srs. Deputados - e dela a Europa e o mundo precisam cada vez mais -, uma União Soviética pacífica, democrática e próspera. Não concluirá este século sem que isso aconteça!
Os povos da União Soviética acabam de demonstrar de que lado estão. Muito teremos para fazer em conjunto daqui por diante!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem, por último, a palavra o Sr. Deputado Domingos Duarte Lima.

O Sr. Domingos Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD tem acompanhado ao longo dos últimos dias, com viva preocupação, os perturbantes acontecimentos registados na União Soviética na sequência da tentativa do golpe de Estado ocorrido na madrugada de segunda-feira passada.
O conhecimento dos factos que tem chegado até nós ao longo desta semana quanto à natureza do golpe e à intencionalidade dos seus autores, traduzidas uma e outra, desde logo, na adopção de medidas de excepção que visam subverter a ordem constitucional vigente, suprimir os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e travar o processo reformador e de abertura iniciado pela pereströika, não são de molde a deixar qualquer dúvida: esteve em curso uma tentativa de putch militar - e esperemos poder continuar a dizer apenas «esteve em curso» -, encabeçada pelas forças conservadoras do regime ligadas à velha ortodoxia comunista, destinada a travar o processo de democratização da União Soviética, processo esse que teria na assinatura do Tratado da União o seu mais importante
- mas igualmente o seu mais delicado - desenvolvimento.
Mikhail Gorbatchov - a quem, neste momento, a comunidade internacional deve render uma homenagem muito particular - teve a coragem de intuir a tempo que o comunismo era uma fraude, factor de injustiças, de miséria e de opressão dos cidadãos e dos povos a ele sujeitos. Assistiu-lhe a coragem de tentar levar o movimento regenerador que consubstanciava a pereströika às suas últimas consequências, o que significava ir para além da tentativa de liberalização política do regime, da abertura à economia de mercado e da construção do Estado de direito. Tornava-se necessário dar voz às repúblicas constitutivas da União, acentuar a sua autonomia e aprofundar a seu favor o processo da descentralização política.
A resistência à consumação deste processo é, sem dúvida, uma das principais causas que está na origem dos momentos angustiantes por que passa, neste momento, o povo soviético.
O PSD condena com veemência - e fê-lo desde a primeira hora - esta tentativa de golpe e apelará para a sua condenação inequívoca nos fora internacionais em que possa fazer ouvir a voz de Portugal.
Solidariza-se, além disso, com todos quantos, num apego irreprimível aos valores da liberdade e da democracia, resistem com sacrifício das próprias vidas, em particular com a população de Moscovo e com os seus dirigentes políticos, simbolizados na coragem do presidente da Federação Russa, Boris Yellsin.
Gostaríamos que todas as forças políticas portuguesas condenassem sem rebuço e inequivocamente os acontecimentos trágicos em curso na União Soviética.
Porém, nem todos o fizeram até hoje, o que para nós não é surpresa! Alguns são apenas coerentes com a acrimónia com que sempre encararam o processo de liberalização encetado por Gorbatchov.
Estranhamos, por isso, a polémica ontem vinda a lume, pela voz do líder socialista, Jorge Sampaio. Ao fim de ano e meio de coligação com o Partido Comunista Português, descobriu que este, afinal, podia ser uma «companhia perturbante» de coligação! ...
Como sempre, o Dr. Sampaio acorda tarde para a realidade! O PCP é coerente com aquilo que sempre defendeu e não deve ser por isso criticado. Não diz hoje nada de novo significativo ao ponto de nos espantar. Assim, quem não foi coerente foi o Dr. Jorge Sampaio.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Lello (PS): - E o Dr. João de Deus Pinheiro foi?

O Orador: - A sua declaração de indignação, para alem de tardia, não parece sincera e cheira a pura pirotecnia eleitoral.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O secretário-geral do PS fez um ultimato ao PCP.

O Sr. João Salgado (PSD): - Hipocrisia!

O Orador: - Quem faz ultimatos, em política, deve retirar as respectivas consequências.
O PSD aguarda do Dr. Jorge Sampaio uma prova de autenticidade política, que só pode traduzir-se na coragem de pôr termo à coligação com o PCP na Câmara de Lisboa, se aquele partido - tal como exigiu! - não condenar no fim das 48 horas concedidas pelo Dr. Jorge Sampaio o golpe de Estado na União Soviética.
Nós, como todos os portugueses, aguardaremos a prova da sua coerência.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma vez que há consenso para que sejam apreciados hoje os votos n.ºs 222/V e 223/V, de pesar pelo falecimento do ex-Presidente da Assembleia da República Dr. Vasco da Gama Fernandes e do Prof. Lindley Cintra, que, como todos sabem, foi autor da Nova Gramática da Língua Portuguesa e antigo professor da faculdade de Letras de Lisboa, vamos de imediato passar à sua votação, guardando-se de seguida um minuto de silêncio.
Srs. Deputados, vamos votar o voto n.º 222/V (PRD, PSD, PS, PCP e CDS), de pesar pelo falecimento do primeiro Presidente da Assembleia da República, ex-Deputado desta Casa e, se me permitem, meu ex-conterrâneo e amigo, Dr. Vasco da Gama Fernandes.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos votar o voto n.º 223/V (PS), de pesar pelo falecimento do Prof. Lindley Cintra.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos guardar um minuto de silêncio em homenagem a estes dois ilustres portugueses.
A Comissão guardou, de pé, um minuto de silêncio.
Srs. Deputados, lembrando-vos que a nossa próxima reunião terá lugar no dia 4 de Setembro, pelas 15 horas, declaro encerrada a reunião.

Eram 16 horas e 15 minutos.

A REDACTORA, Maria Leonor Ferreira.

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DIÁRIO da Assembleia da República

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