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8 DE JANEIRO DE 1992 409

Não surpreende o desaparecimento da URSS se atendermos à sucessão dos acontecimentos: o cimento que a ligava era fundamentalmente a ideologia comunista. Era previsível o desmoronamento da União Soviética após a proibição do PCUS, no seguimento do golpe de Estado de Agosto.
A desintegração da URSS libertou as repúblicas que a constituíam. As nações surgiram normalmente como as estruturas mais coesas e capazes de aglutinar as vontades que deverão traçar os destinos de um império em ruptura. A Comunidade de Estados Independentes pretende prosseguir com esses objectivos. Contra esta lógica poderosa não poderia haver interesses externos que se lhe opusessem. Dificilmente se encontrariam motivações internas que impedissem a divisão em unidades nacionais de um império em desagregação, sobretudo quando o centro, a Rússia, se libertou da tutela comunista, desaparecendo assim a razão imperial.
Das repúblicas se partirá para futuros projectos colectivos, se o permitir a desconfiança que habitualmente se instala em situações análogas. O desaparecimento da URSS é um passo de extrema importância, apontando para o fim das ditaduras comunistas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A verdade sobre a experiência da construção do comunismo é um pesadelo na memória colectiva da humanidade: extermínio de classes sociais, campos de concentração, diáspora forçada de povos, divisão de países independentes, intervenções militares em Estados soberanos para impor a ordem comunista contra a vontade dos povos... Tudo isto em nome do desenvolvimento económico, da amizade entre os povos, da justiça social e da liberdade.
A tentativa real de realização da sociedade comunista não criou mais riqueza, justiça social, liberdade ou solidariedade entre os povos do que as democracias capitalistas mais avançadas. Bem pelo contrário. A tentativa recente de construção de uma sociedade nova e de um homem novo teve origem na miséria reinante um pouco por todo o lado nos fins do século XIX. Partiu de uma revolta legítima e de aspirações nobres, mas procurou justificar uma luta de morte entre classes sociais, numa pretensa teoria científica da evolução das sociedades. Prometeu um mundo novo para depois da tomada violenta do poder pelos oprimidos organizados em torno de um partido rigidamente hierarquizado. Garantia, através da ditadura do proletariado, a criação de um mundo de abundância e igualitário após uma luta impiedosa entre as forças revolucionárias do futuro e as forças conservadoras do passado.
Esta concepção maniqueísta da sociedade, com atestado de verdade de ciência inquestionável, proporcionou um trágico equívoco na história da humanidade. Ninguém poderá assegurar-nos de que tudo acabará em bem.
Partiu-se de pretensas verdades científicas sobre a evolução das sociedades humanas, retirando qualquer sentido à afirmação da vontade dos homens. Não haveria mais justificação para liberdades fundamentais e os direitos humanos eram esmagados em nome das transcendentes certezas da ciência. As condições propícias ao totalitarismo estavam todas lá.
Estão à vista os resultados para quem quiser ver os perigos do totalitarismo tecnocrático em nome de verdades científicas. Pretende-se agora que as aspirações a uma vida melhor, mais solidária e mais livre, desculpabilizem os que se pretendem de um protagonismo comunista actual. Não contestamos que o comunismo nasceu do desespero e da miséria de milhões de homens. É também verdade que o mesmo desespero e miséria ainda campeiam em mais de metade do globo. Ninguém duvida de que, mesmo nas sociedades actuais mais desenvolvidas, há situações revoltantes, desigualdades inaceitáveis. Seria, todavia, de uma arrogância pedante pretender-se que só os comunistas aspiram a um mundo melhor.
As grandes famílias políticas europeias - para falarmos só de nós -, que defendem a democracia e nela se habituaram a viver, têm exactamente as mesmas aspirações, com a diferença de que têm radicalmente em coma uma característica básica da espécie humana: a necessidade de se afirmar na vida social por motivações e valores internamente aceites. Sem esta fonte de amor-próprio não há civilização humana que se mantenha muito tempo sem risco de anemia. Foi o que, a nosso ver, se passou nos países ex-comunistas, onde apenas um sector reduzido da classe dirigente, tecnoburocrata e militar, encontrou estímulos para a intervenção social. A passividade e o desinteresse da maioria da população em relação ao sistema proporcionou o colapso quase sem oposição. A passividade das actuais gerações será também, porventura, o problema mais difícil a afrontar no futuro.
Na nossa civilização, as condições básicas proporcionando a intervenção social chamam-se liberdades democráticas e pressupõem os direitos humanos. Partem de um homem considerado livre e participativo. É esta a forma mais actual de se exprimir a liberdade criativa de cada homem e das sociedades. Necessidade tanto maior quando vivemos numa sociedade de informação em que o desenvolvimento e o progresso social dependem da capacidade individual e colectiva de lhe aceder e de a utilizar criativamente.
Devemos aceitar as boas intenções dos partidos democráticos. Este é um pressuposto básico da democracia. O que diferencia os partidos democráticos são os interesses, os meios e as prioridades. Em resumo: as políticas. São estas que são julgadas em cada acto eleitoral. É exactamente o que está a ser julgado nos países e ex-comunistas: as políticas do partido do mesmo nome não são as boas intenções dos comunistas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O desaparecimento da URSS e do comunismo nos países do Leste questiona a Comunidade Europeia. É aceitável a ideia de que a crise do movimento comunista se deveu em grande parte à influência exemplar das grandes democracias e ao fascínio pela construção da Europa, idealizados pela falta de informação fiável, é certo.
Tem Portugal agora, na Presidência da CEE, uma oportunidade para tomar em linha de conta o que se passou no Leste. A desintegração da URSS é a exemplificação viva do enorme preço que se poderá vir a pagar se se alienarem as realidades nacionais na construção de entidades políticas supranacionais. Será difícil negar a popularidade do comunismo nos anos 20, aquando da criação da URSS.
A construção precipitada de uma Europa política, proporcionando sentimentos de frustração nacional, poderá vir a provocar situações delicadas no futuro e fazer perigar o que agora é consensual. A realidade nacional deverá ser o elemento básico em torno do qual se edificará a Europa política. Nenhuma razão externa pode justificar, no nosso ponto de vista, acelerações precipitadas no processo integrativo, impedindo a maturação dos consensos nacionais.

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