O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 437

Sexta-feira, 10 da Janeiro de 1992 I Série - Número 19

DIÁRIO da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1991-1992)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 9 DE JANEIRO DE 1992

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa de vários diplomas, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Montalvão Machado (PSD), por altura da renúncia ao mandato, fez um balanço da sua actividade na Assembleia, apresentando as suas despedidas. Além do Sr. Presidente, enalteceram o orador os Srs. Deputados Ferraz de Abreu (PS), Octávio Teixeira (PCP), Narana Coissoró (CDS), Manuel Sérgio (PSN) e Pacheco Pereira (PSD), que depois agradeceu.
Em declaração política, o Sr. Deputado Ferro Rodrigues (PS) criticou o Governo por ainda não ter apresentado na Assembleia o Orçamento do Estado, assim como algumas das opções de política económica por aquele adoptadas. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Rui Rio e Silva Marques (PSD).
Em declaração política, o Sr. Deputado Rui Carp (PSD) teceu considerações sobre a presidência portuguesa do Conselho da Comunidade Europeia, tendo, no final, respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Helena Torres Marques (PS) e Nogueira de Brito (CDS).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues (PCP) considerou estarem reunidas condições favoráveis à clarificação dos problemas internacionais e humanos resultantes da ocupação de Timor Leste pela Indonésia.
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado André Martins (Os Verdes) protestou contra o facto de o seu partido não ter sido recebido em audiência pelo Primeiro-Ministro guando Portugal assumiu a presidência da Comunidade.
Finalmente, em declaração política, o Sr. Deputado Narana Coissoró (CDS) condenou o indulto da totalidade de pena concedido pelo Presidente da República a presos das FP-25.

Ordem do dia. - A Assembleia aprovou a proposta de resolução apresentada pela Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação autorizando o Presidente da República a deslocar-se, em visita de carácter oficial à República da Índia, entre os dias 23 do corrente e 4 de Fevereiro.
Foram aprovados os n.ºs 1 a 7 do Diário.
A Câmara deu autorização a sete deputados para deporem como testemunha em tribunal e denegou-a a um outro.
Procedeu-se à apreciação das seguintes petições: n.º 237/V (4.ª), apresentada pela Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Ferroviários Portugueses (comissão de reformados), solicitando a promoção de um debate sobre as pensões dos reformados; n.º 222/V (4.º), apresentada por Francisco Rafael Henriques de Matos e outros trabalhadores da Sociedade Geral de Metalomecânica, solicitando a intervenção da Assembleia da República no sentido de suster o processo de privatização da SGM (Sociedade Geral de Metalomecânica); n.º 225/V (4.º) apresentada pela Federação dos Sindicatos de Metalurgia, Metalomecânica e Minas de Portugal, solicitando a inviabilização dos projectos governamentais que visam alterar a legislação do trabalho; n.º 245/V (4.ª), apresentada pela comissão coordenadora das comissões de trabalhadores do sector bancário, solicitando que a Assembleia da República exerça a sua autoridade constitucional e os seus poderes de intervenção e fiscalização conducentes ao respeito e cumprimento das leis aprovadas, e n.º 247/V (4.º), apresentada por Emídio Arnaldo Freitas Rangel e outros, solicitando que se realize um debate sobre as condições em que foram atribuídos alvarás locais e regionais de rádio.
Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Rui Vieira (PS), Jerónimo de Sousa (PCP), Branco Malveiro (PSD), Artur Penedos (PS), Manuel Castro Almeida (PSD), José Lamego (PS), Odete Santos (PCP), Rui Salvada (PSD), Mário Tomé (Indep.), Arménio Santos (PSD), Arons de Carvalho (PS), António Filipe (PCP) e Margarida Silva Pereira (PSD).
Entretanto, foram votados, na generalidade, a proposta de lei n.º 6/VI - Transforma a Radiotelevisão Portuguesa, E. P., em sociedade anónima, que foi aprovada, e os projectos de lei n.º 36/VI (PCP) - Estatuto da Radiotelevisão Portuguesa, E. P., e 37/VI (PS) - Estatuto da empresa concessionária do serviço público de televisão, Radiotelevisão Portuguesa, S. A., que foram rejeitados.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 20 minutos.

Página 438

438 I SÉRIE - NÚMERO 19

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio Sousa e Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Ana Paula Matos Barros.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva Moreira.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Almeida Figueiredo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Carlos Miguel de Valleré P. de Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos José Soares A. Lima.
Duarte Rogério Matos V. Pacheco.
Eduardo Alfredo de C. Pereira da Silva.
Elói Franklin Fernandes Ribeiro.
Ema Maria Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco M. Andrade.
Fernando José Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Isilda Maria Pires Martins.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Alberto Granja dos S. Silva.
João Domingos Abreu Salgado.
João Eduardo Dias Gouveia.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João do Lago V. Mota.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Angelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Freitas Costa Leite.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leal Ferreira Piedade.
José Leite Machado.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário Gaspar.
José Mário Lemos Damião.
José de Oliveira Costa.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugênio Ribeiro de Almeida.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Lima Amorim.
Manuel Maria Moreira.
Manuel da Silva Azevedo.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria Fernanda Dias Cardoso.
Maria Fernanda Correia da Mota Pinto.
Maria Leonor Beleza Mendonça Tavares.
Maria de Lurdes Póvoa Costa.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida de Sousa.
Marília Dulce Coelho Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Santos.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins de Macedo e Silva.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Sousa Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Simão José Ricon Peres.
Telmo José Moreno.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Manuel Igreja Raposo
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Bernardes Costa.
Alberto Manuel Avelino.
Américo Albino Salteiro.
António de Almeida Santos.
António Alves Marques Júnior.

Página 439

10 DE JANEIRO DE 1992 439

António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Cardoso Laje.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Eurico José Palheiros de Figueiredo.
Fernando Alberto P. Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Costa.
Guilherme Valdemar P. Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.

oão António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
José A. Martins Goulart.
José Apolinário Nunes Portada.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Santos Magalhães.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel António dos Santos.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Manuel Videira Lopes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Agostinho Nuno Azevedo Ferreira Lopes.
José Manuel Reis Morais.
Luís Manuel Silva Viana de Sá.
Maria de Lourdes D. Fernandes Hespanhol.
Maria Odete dos Santos.

Centro Democrático Social (CDS):

Casimiro da Silva Tavares.
José Luís Nogueira de Brito.
Manuel Tomás Cortês Rodrigues Queiró.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes:

João Corregedor da Fonseca.
Mário António Baptista Tomé.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas, os requerimentos e as respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 38/VI (PS) - Cria a medalha de mérito parlamentar da Assembleia da República, que baixou à 1.ª Comissão; ratificação n.º 13/VI (PCP) - Sobre o Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro, que aprova o regime jurídico dos loteamentos urbanos e revoga o Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de Dezembro, que baixou à 6.ª Comissão; propostas de lei n.ºs 8/VI (Assembleia Legislativa dos Açores) - Cria a aplicação nas Regiões Autónomas do Estatuto Social do Bombeiro, que baixou à 6.ª Comissão, e 9/VI - Estabelece um novo regime de colheita de órgãos de origem humana para transplantação, diagnóstico ou terapêutica e para fins de investigação científica, que baixou à 3.ª Comissão; projecto de deliberação n.º 16/VI (PS) - Reconhece o interesse parlamentar da Associação Nacional dos Antigos Deputados à Assembleia da República, e audição parlamentar n.º 7/VI (PS) - Sobre a mobilidade dos jovens portugueses na Comunidade Europeia.
Nas últimas reuniões plenárias, foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos: ao Ministério das Finanças, formulados pelos Srs. Deputados Carneiro dos Santos e Jerónimo de Sousa; ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulados pelos Srs. Deputados Cerqueira de Oliveira e Jerónimo de Sousa; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulado pelo Sr. Deputado Cerqueira de Oliveira; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulados pelos Srs. Deputados Marília Raimundo e Caio Roque; ao Ministério da Agricultura, formulados pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Mário Tomé e Vítor Crespo; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Mário Tomé, Ana Bettencourt e António Filipe; a diversos ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Macário Correia; à Secretaria de Estado da Integração Europeia e ao Instituto do Comércio Externo de Portugal, formulados pelo Sr. Deputado Roque cia Cunha; ao Instituto Nacional de Estatística, formulado pelo Sr. Deputado Macário Correia; às Câmaras Municipais de Lisboa e de Vila Nova de Gaia, formulados pelo Sr. Deputado Macário Correia.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Luís Sá, na sessão de 7 de Novembro; Agostinho Lopes, nas sessões de 21 e 28 de Novembro, e José Magalhães, na sessão de 28 de Novembro.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Esta minha intervenção é, sem dúvida, a mais difícil de todas aquelas que aqui proferi durante mais de 15 anos. Precisamente por ser a última, e por isso, incapaz de vir a ser corrigida ou alterada, no futuro.
Vou apresentar o requerimento a renunciar ao meu mandato de deputado a esta Assembleia. Há momentos na vida em que um homem tem de tomar decisões que,

Página 440

440 I SÉRIE - NÚMERO 19

embora contrariando a sua vontade íntima, não podem deixar de ser tomadas. Esta minha renúncia é uma delas, tão seria e tão importante como aquela que tomei quando para aqui vim.
Abandono com aquele sentimento de saudade própria dos homens que cumpriram com gosto as suas funções e que, sobretudo, gostam das pessoas que dão a cara às instituições, aos acontecimentos e aos companheiros de percurso.
Apesar da minha idade, não me sinto velho. Conheço muitos mais novos do que eu, em anos, mas muito mais velhos em espírito. Não é, pois, a idade que me leva à renúncia, nem tão-pouco me vence o cansaço, pois continuo a trabalhar diariamente, de manhã à noite. Mas compreendo que há que dar lugar a outros, numa etapa de renovação indispensável a todas as instituições.
Nunca me senti nem sinto como um sacrificado pela política. Se nela entrei, foi por gosto, foi com o objectivo de dar o pouco que tinha ao muito que a democracia em Portugal então precisava.
Em circunstância alguma virei a cara às dificuldades, sempre as encarei de frente, com vontade de as resolver e não de as ladear. Nunca empurrei para outros aquilo que a mim competia, precisamente por ter o sentido da responsabilidade pessoal.
Continuo fiel ao meu projecto político de há muitos anos, nunca dele me afastei ou sobre ele tive algum momento de hesitação. Espero assim continuar até ao fim.
Fui sempre solidário para com os meus amigos, não obstante saber de antemão que, em política, algumas vezes não se recebe contrapartida igual. É um dos preços que se paga por estar na política com seriedade e independência.
Fui sempre leal para com os meus companheiros e os meus adversários políticos. Ninguém pode acusar-me, nesta Casa e fora dela, de algum dia ter agido com deslealdade ou incorrecção. Será por isso que me orgulho de ter sido, sempre, um político respeitado, precisamente porque sempre soube respeitar.
Não sou um ser insensível, sempre fui e continuarei a ser um homem fortemente sujeito aos sentimentos da amizade, da solidariedade e da lealdade.
Vou sair desta Assembleia com a cara bem levantada e limpa, olhando todos de frente, com uma absoluta tranquilidade de consciência.
Quando para aqui vim, em 1976, fi-lo com o propósito de servir o nosso país, a democracia, o Parlamento e o meu partido. Ideologicamente definido há já largos anos, quis aqui dar continuidade ao meu pensamento de republicano, democrata, amante da liberdade e dos direitos do homem, lutador pela solução dos problemas sociais e lutador convicto dos sãos princípios da social-democracia. Fi-lo pela mão de um homem de quem eu e todo o País guardamos extrema saudade e que se chamou Francisco Sá Carneiro. Não o esquecerei jamais!
Não me arrependi, nunca, do passo que então dei. Abandonando uma lucrativa vida profissional, dei-me praticamente por inteiro à política. Nunca recebi desta, nem esperei receber, qualquer pago que não fosse o sentir que estava a fazer algo que me agradava. Fui sempre convidado para os lugares que ocupei na política e o convite partiu daqueles que, então, acreditaram em mim e consideraram que eu era capaz de dar algo à causa comum da democracia, do Parlamento e do meu partido.
Sei que terei dado pouco, nem todos somos génios para dar mais do que aquilo que é capaz de dar um homem normal, como eu sou e continuarei a ser. Mas dei, gostosamente, o que soube e pude, sem fingimentos, sem bajulices, sem hipotecas de consciência, sem usurpar de outros o que a estes pertence.
Se alguma glória levo comigo e a da minha dignidade pessoal intacta, que nunca deixei nem posso deixar que seja beliscada por quem quer que seja. Ela constitui o maior valor do activo da minha pessoa.
Vivi, nesta Casa, momentos gratificamos da minha vida política, a par de outros, felizmente não muitos, que me entristeceram. Uns e outros inolvidáveis para o resto dos meus dias que, quero crer, ainda irão ser muitos.
Criei aqui, na prática, a certeza de quanto já sabia em teoria: um parlamento livremente eleito e pluripartidário é a trave mestra de qualquer democracia que se preza de o ser. Não acreditar no Parlamento é desdizer a afirmação de que ele existe como instituição do Estado. Não respeitar o Parlamento é injuriar o povo que o elegeu e que lhe deu poderes para o representar ao mais alto nível, ignorar o Parlamento é lamentável cegueira no normal desenvolvimento da vida democrática.
Também aqui aprendi que deve ser assim e tudo fiz para que assim fosse. Por isso, espero que, para futuro, esta Assembleia continue a ser credível, respeitada e tida em conta no exercício do poder. Serão trágicas as consequências quando assim não for.
Uma das grandes lições que levo desta Casa é a de que o combate diário em democracia não é, nem precisa de ser, uma luta entre inimigos. Todos somos portugueses, todos queremos o bem de Portugal, os caminhos que uns e outros escolhemos é que são diferentes, o que nos torna adversários mas não inimigos. Será porque assim o entendo, e porque muitos e muitos o entendem também, que tive a felicidade de conseguir aqui angariar muitos amigos em agrupamentos políticos adversários do meu. Com eles negociei politicamente íamos e tantos problemas sérios e entre nós sempre imperou a lealdade, a frontalidade, a independência e o amor pela causa comum. Alguns dos que me estuo a ouvir, e outros que por cá já não andam, sabem que foi assim e que é preciso que continue a ser assim.
Saio, como já afirmei, de mãos limpas e com a consciência do dever cumprido. Há que dar lugar a outros, uma vez que também em política não há lugares vitalícios.
Uma palavra para o meu grupo parlamentar, o meu querido grupo parlamentar, que tive a honra de chefiar durante três difíceis anos. Foi uma das mais ricas experiências da minha vida, não obstante os escolhos que tive de enfrentar. Contei sempre com a vossa amizade e a vossa compreensão. Sempre encontrei em vós a solidariedade que me deu forças nos momentos difíceis, mesmo naqueles que não pude vencer. Bem hajam, prezados companheiros, por tudo aquilo que representastes para mim, e foi muito! Não mais vos esquecerei, como vaidosamente espero que me não esqueçam. A amizade não morre na vida entre gente de bem e, quando a morte chega, transforma-se em profunda saudade. Para todos aqui fica um abraço muito amigo.
Para os funcionários da Assembleia da República e do meu grupo parlamentar, quero aqui deixar tombem uma palavra de saudosa despedida. Foram 15 anos de trabalho conjunto. Sempre vos tratei e sempre me tratastes com correcção. Sempre vi em vós companheiros de tarefa e não meros serventuários. Sei que o vosso trabalho não é fácil. Servir simultaneamente a instituição, o grupo e aqueles que os compõem é uma tarefa que não está ao alcance de

Página 441

10 DE JANEIRO DE 1992 441

todos. Espero bem que também vós saibais continuar a honrar, pelo vosso comportamento e bom desempenho das vossas funções, esta Assembleia da República. Se o fizerdes, também vos honrais a vós próprios.
Aos Srs. Representantes dos órgãos da comunicação social, não posso deixar-lhes o meu adeus parlamentar sem uma palavra. Nem sempre fui bem compreendido por vós, o que pode ter sido por minha culpa. Algumas vezes, fui maltratado por vós, o que já terá sido por culpa vossa, dado que tenho a consciência de nunca vos ter dado azo para tanto. Tudo já passou e não guardo, como vós certamente não guardais, qualquer rancor.
Foram 15 anos de agradável convívio. Vós a procurardes aturadamente notícias, eu a dar-vos as que sabia e podia dar.
Sei que não escreveis com o propósito, ou apenas com o propósito, de vender jornais ou angariar ouvintes. Impera em vós, como meta fundamental - assim o creio -, o exercício simultâneo do dever e do direito de informar. Com o tremendo poder que tendes, como elemento formador da opinião pública, cabe-vos, neste âmbito parlamentar, a cobertura do importante em contraposição ao supérfluo, a notícia séria em contraponto do boato ou da simples conversa de corredor.
Não leveis isto à laia de crítica maldosa, mas tão-só à de crítica meramente construtiva e perdoai-me que vos diga que deveis estar atentos à onda que, tão infeliz como incompreensivelmente, vai grassando por esse mundo fora - a vontade de denegrir os parlamentos. Os ataques malévolos às assembleias representativas do povo são, segundo a história nos ensina, quase sempre um primeiro passo para a chegada das ditaduras. Sei, e bem, que nenhum de vós as quer. Por isso, atrevo-me a pedir-vos que ajudeis também ao enraizamento cada vez mais forte da vida democrática no nosso país, explicando, em substância, o que é a Assembleia da República, como é o seu trabalho e como ele se desenrola, o que é que ela representa e o que é que faz para o bem dos Portugueses.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Parto com saudade, com muita saudade! Dizer o contrário seria mentir e eu não sei mentir.
Não vou empurrado a não ser por mim próprio. Não bato com nenhuma porta, apenas fecho a minha, com calma e serenidade. Entendi, nesta altura, que havia chegado a hora de renunciar ao meu mandato.
Em mim tereis, todos vós, e até ao fim dos meus dias, um amigo. Continuaremos a encontrar-nos lá fora, na luta partidária, porque essa ainda não abandono. Nem só aqui se faz política!
Até sempre, meus amigos!

Aplausos gerais, sendo os do PSD e de alguns deputados do PS de pé.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Montalvão Machado: Em meu nome pessoal, em nome do meu partido e do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, desejo expressar a V. Ex.ª toda a mágoa que sentimos perante o anúncio da sua partida e expressar-lhe também a nossa admiração e amizade.
Ao longo de todos estes anos em que me encontro no Parlamento, habituei-me a ver em V. Ex.ª uma figura de grande carácter, íntegra e correcta, quer nas relações que estabeleceu com todos os deputados desta Casa, quer nas intervenções que fez neste Plenário, que só contribuíram para dignificar e levantar bem alto o nome da Assembleia da República. Se outras razões não existissem, essas seriam suficientes para sentirmos muita mágoa pelo seu afastamento.
V. Ex.ª foi sempre um combatente pela liberdade e pela democracia. Todos o respeitamos por isso! Toda a sua actividade nesta Casa foi sempre animada por um espírito conciliador, mesmo quando combateu causas com as quais não concordava. Revelou sempre um espírito de grande respeito pelos seus adversários nos combates que travou no Plenário.
Pensamos que o Sr. Deputado Montalvão Machado não acabou a sua carreira política. Ainda há muito a esperar de V. Ex.ª pelo seu carácter e pelas qualidades e experiência que possui. Desejamos vê-lo na primeira fila dos combatentes e dos defensores da democracia.
Por esta razão, desejo que V. Ex.ª alcance os maiores êxitos nas novas funções para que foi eleito por esta Assembleia e que, nos longos anos de vida que, certamente, ainda irá ter - assim esperamos -, continue a pôr a sua inteligência e experiência ao serviço da democracia e da liberdade.
Sr. Deputado Montalvão Machado o nosso muito obrigado por tudo quanto fez em prol da Assembleia da República.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Montalvão Machado: Neste momento em que, em sua consciência, decidiu renunciar ao mandato de deputado, gostaria de, em meu nome e no da minha bancada, lhe dirigir breves mas sentidas palavras.
Em primeiro lugar, quero registar a correcção com que o Sr. Deputado Montalvão Machado, enquanto líder da bancada do PSD, sempre tratou o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português e - ouso dizê-lo - de todos os grupos parlamentares da oposição e o respeito que sempre manifestou pelos direitos dos grupos parlamentares minoritariamente representados nesta Assembleia.
Em segundo lugar, tendo em atenção a sua intervenção, gostaria de, em nome da minha bancada, comungar consigo as suas ideias e opiniões sobre a necessidade da permanente e crescente defesa dos direitos, da dignidade e da eficácia política da Assembleia da República.
Em terceiro lugar, desejaria manifestar-lhe que entre os actuais membros desta bancada, como entre camaradas meus que já por ela passaram, encontra e encontrará sempre o Sr. Deputado Montalvão Machado pessoas que nutrem por si sincera amizade pessoal.
Finalmente, Sr. Deputado Montalvão Machado, quero, em nome da minha bancada, manifestar-lhe os nossos desejos de felicidades nas novas funções que vai exercer.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Montalvão Machado: Quem parte saudades leva ... e V. Ex.ª já o disse.

Página 442

442 I SÉRIE - NÚMERO 19

Parte V. Ex.ª para novos combates sem deixar de resguardar também o seu apoio à bancada de que se retira. E do seu timbre não abandonar as trincheiras onde sempre se habituou a servir. Estar ausente de uma trincheira não significa deixá-la descoberta e nós sabemos que, apesar de não termos a sua presença física, na nossa vizinhança, nesta Sala, V. Ex.ª não abandona nem a trincheira da Assembleia da República, nem a do seu partido, nem, acima de tudo, a trincheira de Portugal.

. Ex.ª habituou-nos, durante o seu longo convívio corri várias gerações de parlamentares neste Plenário, a uma intervenção digna e objectiva. Não quer isto dizer que, em muitos dos debates, não tenha sustentado convicções partidárias e convicções parcelarmente suas e não totalmente objectivas no sentido de se imporem a todas as bancadas - não há verdades dessas na política -, mas o certo é que daquilo que fez e nos ensinou fica-nos sempre o exemplo.
O seu mandato primou, acima de tudo, pelo cumprimento rigoroso da ética política e parlamentar: debater com elevação e discordar com dignidade, mas, uma vez acabado o debate, continuar a tarefa de juntar os pedaços para construir o todo.
Neste sentido, vêmo-lo partir com pesar. Vamos sentir a sua falta, vamos sentir a ausência da sua palavra de bom senso e vamos sentir a falta do seu exemplo, mas tudo isso estará presente, porque V. Ex.ª é uma figura pública de destaque e continuará a intervir nos grandes acontecimentos nacionais, não só pela sua projecção política pessoal, mas também como conselheiro de Estado.
Esperamos, por isso mesmo, que a sua inteligência, à sua vontade e o seu carácter nos iluminem enquanto aqui continuarmos, até chegar a nossa vez de, daquela tribuna, dizermos adeus.
Bem haja, Sr. Deputado Montalvão Machado, e muitas felicidades na sua vida profissional e política!

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.

O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Montalvão Machado: Para mim, que praticamente venho de chegar a esta Assembleia, este é um momento gratificante.
Na realidade, nem sempre nos e dado o prazer de poder contemplar e saudar alguém que já integra o friso das figuras murais desta Casa, alguém que sabe viver de; valores sem os quais se torna impossível viver humanamente. Muito obrigado, Sr. Deputado Montalvão Machado!
Termino com o povo: quem parte leva saudades, mas quem fica saudades tem.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Montalvão Machado: Quereria, em nome do presidente do meu grupo parlamentar, que, por razões de força maior, não pode estar presente, em meu nome, em nome da direcção do grupo parlamentar e, finalmente, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, dizer-vos as palavras que são ditas na nossa Casa. E poucas vezes aqui o «nossa» teve um sentido tão forte. O Sr. Deputado Montalvão Machado é, na história destas quase duas primeiras décadas da democracia portuguesa, um dos fundadores reais e práticos dessa democracia e da sua identidade. E é-o enquanto homem de partido, no melhor entendimento do que e ser homem de partido, que é o de aquele que numa democracia sabe que faz parte de uma parte da opinião e das opções, mas que tem como objectivo o todo, quê é o bem comum. É-o como homem de partido e como social-democrata que sempre afirmou ser com orgulho, e é também daqueles para quem usar essa designação e utilizá-la na primeira pessoa tem todo o sentido possível.
O Sr. Deputado Montalvão Machado é também um dos homens que melhor representa a identidade do nosso Parlamento. É um parlamentar, não só no sentido do seu orgulho pessoal em estar nesta Casa, como também no do seu sentimento de responsabilidade em relação aos eleitores que o elegeram e no seu sentido do que significa a representação parlamentar. Nesse sentido, na história do nosso Parlamento e daquilo que é a vida democrática nesta Assembleia, o deputado Montalvão Machado ficará sempre como um exemplo de virtudes daquilo que deve ser um parlamentar numa democracia.
É também o exemplo da acção cívica no sentido lato, da acção cívica a favor dos direitos humanos, da democracia, antes e depois do 25 de Abril, e daquilo que no fundo é menos visível, mas mais satisfatório, para todos, que é a conquista do sentimento subjectivo da felicidade por parte de todos os homens, por parte dos Portugueses e por parte dos homens que se revêem na acção política e nos objectivos últimos dessa acção.
No momento em que o Dr. Montalvão Machado toma aquilo que é sem dúvida uma decisão difícil, recordo um verso de Ricardo Reis que traduz o sentido interior do que é uma decisão difícil. Esse verso diz - cito livremente - o seguinte: «No dia em que eu for rei de mim próprio, a minha primeira decisão será abdicar.» Este é um verso sobre o que é essencial no sujeito de uma decisão difícil, que é ser senhor de si próprio, do seu próprio carácter e da sua própria personalidade.
No dia em que o Dr. Montalvão Machado toma uma decisão difícil, estamos com ele e com o sentido da sua vida política, partidária e parlamentar. Nem será preciso dizer-lhe que o vemos, partir daqui com saudade, porque o iremos certamente encontrar, com gosto, em todos os outros lados.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Montalvão Machado; antes de lhe dar a palavra, permita-me que, em meu nome e no da Mesa, faça minhas e nossas as considerações que a Câmara, em uníssono, produziu e ponha em destaque uma coisa que se tornou clara depois de todas estas intervenções: o Sr. Deputado Montalvão Machado foi nesta Casa, como o foi, aliás, na cidade, em Portugal, ao longo da sua já longa vida, um varão ilustre.
Plutarco disse que eram varões ilustres aqueles que em momentos decisivos sempre tinham a coragem de uma opção. Este homem, que hoje, com desgosto para nós e para ele, se despede de nós, sempre soube escolher e tomar partido, em momentos decisivos da vida da Nação, antes

Página 443

10 DE JANEIRO DE 1992 443

e depois do 25 de Abril. E saber tomar partido é saber defender uma ideia, respeitando os que se lhe opõem, mas combatendo bem o bom combate da sua ideia.
Montalvão Machado passou por aqui, marcou a Câmara, o País e o Norte do País, sobretudo antes de vir para esta Assembleia, e continuará a ser decerto a figura nacional que iodos nós apreciamos.

Aplausos gerais.

Tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados que tiveram a amabilidade de me dirigir, pela vossa amizade - e tão só -, as palavras com que se referiram à minha pessoa, é para mim motivo de muito grande alegria, nesta hora em que parto, verificar que de todas as bancadas recebi uma palavra amiga. Esse é o melhor prémio que posso levar desta Casa.
Já sabia, com antecedência, que iria ser assim, e esse saber enraizou-se no meu espírito ao longo dos 15 anos que por aqui andei. Mas a confirmação dos instintos é sempre, para o coração de um homem, aquela certeza que, na minha idade, se precisa.
Parto com saudade, como já disse. Sei que fiz aquilo que pude, mas sei, acima de tudo - e essa é a grande alegria que daqui levo -, que deixo aqui muitos amigos. Também comigo podem contar. Até sempre, meus senhores.

Neste momento, o Sr. Presidente, os deputados intervenientes, assim como muitos outros dirigiram-se à bancada do PSD onde cumprimentaram o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, apraz-me registar que o acto que acabamos de cumprir foi presenciado por 50 alunos da Escola Secundária de Rio Maior e 30 alunos da Escola Secundária da Rainha D. Amélia, de Lisboa, a quem cumprimento.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Durante a campanha e a pré-campanha para as eleições legislativas de Outubro, o Governo e o PSD argumentaram, frequentemente, com a necessidade de estabilidade governativa para responder com prontidão, eficácia e continuidade aos problemas do País.
No marketing político do PSD foram, em muitos momentos, invocados como casos flagrantes que exigiam prontidão e eficácia, a presidência portuguesa da Comunidade Europeia e a apresentação, politicamente atempada, da proposta de Orçamento do Estado para 1992.
Aliás, esses argumentos interligavam-se quando o PSD colocava como ameaça para a imagem do País, no quadro de uma vitória do PS, uma hipotética impreparação para o exercício da presidência da Comunidade Europeia e um inevitável contexto de ausência de um orçamento aprovado anteriormente a esse exercício. Gerir o Estado em regime de duodécimos enquanto se está, formalmente, ao leme da Comunidade Europeia, era visto pelo PSD como uma ameaça só evitável com a continuidade derivada da estabilidade governativa.
O País foi levado a supor que, portanto, essa continuidade permitiria que, muito antes que prazos legalmente definidos se esgotassem, o Governo apresentaria nesta Assembleia da República a proposta de Orçamento do Estado para 1992.
Na verdade, outra conclusão não faria sentido. Os 90 dias que a lei prevê para a sua apresentação após a posse do Governo seriam sempre, em qualquer caso e qualquer que fosse o governo, necessariamente cumpridos no quadro de maturidade do regime democrático e da responsabilidade administrativa em que se vive. Mas, com a continuidade governativa, com a estabilidade governativa, o primado da eficácia impor-se-ia e antes da presidência portuguesa da Comunidade Europeia o Orçamento do Estado estaria, se não aprovado, pelo menos em fase adiantada de discussão nesta Assembleia da República.
A limitadíssima alteração da composição do Governo na sequência das eleições legislativas de 6 de Outubro e as repetidas declarações de manutenção das orientações anteriores mais faziam acreditar que o ritmo de trabalho do Governo fosse elevado e a apresentação da proposta de Orçamento do Estado para 1992 fosse rápida.
Mas a realidade é muito diferente e está à vista. Nesta Casa continua a não haver sinais da proposta de Orçamento do Estado para 1992, o exercício da presidência portuguesa da Comunidade Europeia já arrancou há oito dias e a presidência portuguesa, com as suas inevitáveis despesas, desenvolve-se em regime de duodécimos. E num país onde, apesar da palavra de ordem «menos Estado», tantos portugueses e instituições dependem, directa ou indirectamente, do Orçamento do Estado, as incertezas para 1992 continuam, afectando cidadãos e autarquias, professores e funcionários administrativos, fornecedores, empreiteiros e credores. E essas incertezas não são minoradas por algumas generosas fugas de informação que, aliás, têm levado, frequentemente, à divulgação pela comunicação social de linhas de orientação e números claramente contraditórios, que, por vezes, parecem querer funcionar apenas como meros balões de ensaio.

O Sr. Armando Vara (PS): - Que vergonha!...

O Orador: - A proposta de Orçamento do Estado para 1992, não tendo ultrapassado o prazo legal de apresentação, está, no entanto, em falta em termos políticos. Essa falta arrasta custos para os agentes económicos, para as organizações, para o País. O atraso político da apresentação à Assembleia da República da proposta de Orçamento do Estado para 1992 é injustificável e, para além disso, é a negação de muito do que o PSD se comprometeu ao longo da campanha eleitoral.

Aplausos do PS e do deputado independente Mário Tomé.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perante esta ausência, o Governo poderia concretizar mais claramente, apesar de tudo, os aspectos essenciais das políticas que vai prosseguir em 1992, especialmente no que respeita às vertentes salarial e orçamental. Assim, embora a falta da proposta de Orçamento fosse sempre de lamentar e criticar, o Governo poderia limitar as incertezas, comprometendo-se, com mais clareza, quanto a aspectos essenciais e ultrapassando o uso e abuso de generalidades que pouco elucidam.

Página 444

444 I SÉRIE - NÚMERO 19

Seria bom saber-se, por exemplo e pelo menos, o que vai acontecer em matéria fiscal, já que as notícias que têm sido publicadas sobre a evolução do IVA em 1992 ou sobre a limitada actualização dos escalões do IRS introduzem profundas incertezas, por serem totalmente contraditórias com as promessas de desagravamento fiscal abundantemente pregadas pelo PSD durante a campanha eleitoral.
Seria bom saber-se o que vai acontecer com os salários reais, com o emprego e com a produtividade. Será que o Governo aposta na baixa, na estagnação ou no progresso dos salários reais? E se, cumprindo promessas eleitorais, opta pela última alternativa, como se compreende das propostas que tem apresentado ao nível da concertação social, em particular no que respeita à função pública?
Aliás, o Governo, recusando dar informações concretas elementares a esta Assembleia da República sobre questões tão importantes para a evolução em 1992, como as que se relacionam com o emprego e a produtividade, apenas demonstra que quer que esta Casa ande a reboque do Conselho Permanente de Concertação Social, o que configura uma lógica inaceitável em termos democráticos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A apresentação das Grandes Opções do Plano pelo Governo ao Conselho Nacional do Plano - entidade politicamente caduca, como por todos é reconhecido, sem prejuízo do respeito que os seus membros, evidentemente, merecem - é uma verdadeira aberração política, cuja responsabilidade fundamental cabe à maioria parlamentar e ao Governo.
Assim, os deputados vão continuando a ter notícias das Grandes Opções do Plano pelos jornais, como, aliás, aconteceu em relação ao chamado QUANTUM 2, programa que também pouco adianta em matéria de ultrapassagem das legítimas dúvidas hoje existentes sobre a política económica e social do Governo em 1992.
Na verdade, se o Governo explica as grandes divergências existentes entre as previsões da inflação elaboradas pela Comunidade Europeia ou pela OCDE face às suas próprias previsões devido à incidência prática de um programa que poria em causa algum expansionismo da política económica seguida em 1991, introduzindo mais rigor, é dificilmente aceitável que esse programa preveja para Portugal, no ano de 1992, uma taxa de crescimento económico superior à de 1991. E, ainda por cima, determinada, sobretudo, por um muito mais significativo esforço de investimento, quando se sabe que a situação de muitas empresas em finais de 1991 era bem pior do que um ano antes e que as expectativas de investimento não são assim tão exuberantes. Até porque à crise da bolsa, em Portugal, continua a ser uma triste realidade a que os poderes públicos tardam em dar uma resposta positiva.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Não são capazes!

O Orador: - O QUANTUM 2 apresenta perspectivas pouco claras e justificações, insuficientes para a evolução, da economia portuguesa em 1992. E não pensem, Governo e PSD, que brandindo a cuidadosa Resolução da Presidência do Conselho ECOFIN de 16 de Dezembro, sobre o QUANTUM 2, podem anular dúvidas, limitar críticas, decretar a inexistência de alternativas. A chamada supervisão multilateral das opções macroeconómicas, no plano europeu, tal como, aliás, os acordos - ou desacordos - ao nível da concertação social, no plano interno, não retiram um milímetro de legitimidade política a esta Assembleia da República para se pronunciar sobre as grandes questões da economia portuguesa.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sem dúvida que o desafio fundamental dos próximos quatro anos consiste em conseguir, ao mesmo tempo, atingir os objectivos hoje configurados, claramente, na chamada convergência nominal - redução da taxa de inflação, redução das taxas de juro, redução da dívida pública, redução do défice público, estabilidade cambial continuada - e, para além disso, em melhorar, consideravelmente, em matéria de convergência real, o que exige a consolidação de profundas mudanças no aparelho produtivo de bens e serviços, no tecido empresarial, na qualidade da nossa especialização internacional, na qualidade da formação dos nossos recursos humanos, no avanço a nível de infra-estruturas.
A batalha pela articulação dos objectivos de convergência nominal com os objectivos de convergência real é difícil e não se ganha com posturas arrogantes ou com atitudes de ligeireza insustentável, que impeçam o País de compreender a necessidade de optar e de aceitar, socialmente, as prioridades necessárias.
Falar hoje da balança de transacções correntes como no tempo do ministro Miguel Cadilhe se chegou a falar da inflação - como uma questão do passado, já resolvida - é uma precipitação. E este é um mero exemplo. Como, também, auto-satisfazer-se com a situação no mercado de emprego, esquecendo a fraquíssima qualidade da maior parte dos postos de trabalho criados, configura ligeireza.
Portugal continua a ter uma economia fraca e vulnerável. Há muito que fazer para vencer esta situação e o tempo não é muito já que o aumento da concorrência nos nossos mercados, a começar pelo próprio mercado interno, é uma tendência incontornável. Engana-se o Governo se optar por uma postura ideológica e continuar a desprezar as políticas estruturais imprescindíveis.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em síntese, a palavra-chave para definir o comportamento do Governo é a palavra «adiamento».
De adiamento em adiamento, na apresentação da proposta de Orçamento do Estado na Assembleia da República.
De adiamento em adiamento na clarificação das políticas salariais e orçamentais que vão ser prosseguidas e na sua interacção com as políticas monetárias e cambiais.
De adiamento em adiamento no que se refere à clarificação das consequências, sociais e económicas do chamado Q2.
De adiamento em adiamento no que se refere à explicação ao País de qual é a sua verdadeira situação económica, e não apenas financeira, quais são as prioridades, as consequências sociais previsíveis dessas prioridades e as respostas do Estado a essas consequências sociais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como primeiro partido da oposição portuguesa cabe-nos a responsabilidade de alertar o País para as consequências de todos estes adiamentos. Fazemo-lo com o sentido do nosso dever para com os eleitores e com a firmeza de quem sabe que a oposição é tanto mais responsável quanto mais exigente,

Página 445

10 DE JANEIRO DE 1992 445

fiscalizadora e crítica se afirma perante um governo de maioria absoluta.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Deputado Ferro Rodrigues, julgo que V. Ex.ª conhece a lei, como julgo também que sabe contar.
O prazo de apresentação do Orçamento do Estado é de 90 dias após a tomada de posse do Governo. Esse período termina no dia 3 de Fevereiro e, até essa data, o Governo apresentará nesta Câmara o Orçamento do Estado, ao contrário do que aconteceu no passado, quando o Partido Socialista estava no governo e era a si que cabia essa responsabilidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Essa já não pega!

O Orador: - V. Ex.ª está também um bocado céptico relativamente à possibilidade de o Governo baixar a taxa de inflação e, simultaneamente, conseguir suster a taxa de desemprego a níveis aceitáveis.
Julgo que o faz por ter lido manuais de economia. Realmente, nos manuais de economia é difícil conseguir-se essa compatibilização. No entanto, em Portugal, a prática já demonstrou que isso é possível.
Na realidade, tivemos em Portugal um governo que mostrou ser possível baixar a taxa de inflação e, simultaneamente, ter níveis de emprego perfeitamente aceitáveis ou perfeitamente desejáveis. Houve um governo, chefiado pelo Prof. Cavaco Silva, tal como este governo, que o conseguiu. Houve um governo, apoiado pelo Partido Social-Democrata, tal como este governo, que também o conseguiu. Se fomos capazes de fazê-lo no passado, vamos, com certeza, ser capazes de fazê-lo no futuro.
Sr. Deputado Ferro Rodrigues, se o povo português acreditou que seriamos capazes, se o Conselho Europeu ECOFIN acreditou que somos capazes, por que é que V. Ex.ª não acredita, já que, como português, foi testemunha de tudo o que conseguimos no passado recente?
O ministro Cadilhe dizia que não recebia ordens de quem sabia mais do que ele, mas sim de quem tinha feito melhor do que ele. Nessa medida, digo-lhe, Sr. Deputado; que esteja tranquilo, pois o Governo vai baixar a inflação em Portugal, vai aguentar o emprego nos níveis que V. Ex.ª pretende e vai ainda oferecer-lhe um crescimento económico superior ao da média comunitária.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nessa medida, a única pergunta que tenho a fazer-lhe é a seguinte: sabe V. Ex.ª que houve em Portugal um governo que foi capaz de fazer tudo aquilo em que V. Ex.ª ainda hoje não acredita?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Silva Marques.

Risos do PS.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Há já tanto tempo que não tinha oportunidade. Espero não estar destreinado...

Risos.

Mas é precisamente à cautela, e não fique eu destreinado, não quis deixar passar mais tempo. Agradeço-vos, pois, esta oportunidade para afinar.
Sr. Deputado Ferro Rodrigues, de facto, a oposição responsável é exigente e rigorosa, mas o Sr. Deputado - infelizmente, estamos sempre à espera que os senhores consigam superar a crise - não nos trouxe um exercício de responsabilidade e rigor, trouxe-nos um gesto. Não sei porquê. Talvez por razões da vossa vida interna, de precipitação!

Protestos do PS.

Meu Deus, não quero entrar na vossa casa. Estou a tentar interpretar o que é legítimo a qualquer cidadão atento. Aliás, a minha atenção decerto agradar-vos-á. Se querem que eu esteja desatento, será menos um português a tomar atenção em vós. Eles já são tão poucos!...

Risos.

O Sr. Deputado teve, pois, a meu ver, um acto de precipitação. Aliás, precipitação tripla, porque o Sr. Deputado corre à tribuna e diz: ainda não está aqui o Orçamento do Estado.
Meu Deus, estamos dentro do prazo! Precipitação, pois!
A seguir, o Sr. Deputado diz: se tivéssemos sido eleitos teríamos apresentado o Orçamento do Estado mais cedo, porque é inaceitável, em plena presidência portuguesa, estarmos a viver de duodécimos. Entendeu mesmo que o Orçamento devia estar aqui até 31 de Dezembro.
Ora, tenho de concluir que os senhores, sobretudo depois de estarem há tanto tempo fora dos hábitos governativos, teriam, apenas para conseguirem um brilharete de ritmo, apresentado o Orçamento precipitadamente. Segunda precipitação e, sem dúvida, muito mais grave, porque mesmo com tempo sabemos quão maus eram os orçamentos que os senhores faziam. Agora, imaginem um feito tão rapidamente.
Além disso, o Sr. Deputado sabe que estamos a uns dias de discutir o Orçamento do Estado, de discutir a política económica, financeira, fiscal, e vem a correr fazer perguntas sobre a matéria. É a terceira precipitação, Sr. Deputado! Espero que ela lenha lugar à falta de matéria para discutir no momento em que chegar a ordem do dia.
Sr. Deputado não quero massacrá-lo mais.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Não massacra nada!

O Orador: - Massacrar amenamente, é evidente!
Terminaria, pois, chamando-o a atenção para o seguinte: não bastam as palavras, é necessário o comportamento que dê credibilidade às palavras. Esse foi o vosso desengano na última campanha eleitoral. É verdade, como o Sr. Deputado disse, que os senhores também prometeram estabilidade política, procurando fazer uma concorrência verbalista ao líder do meu partido, que deu provas de uma governação estável. E os senhores, vendo que eslava aí um dos motivos da atracção do eleitorado, prometiam estabilidade. Só que não davam credibilidade a essa vossa promessa. Não davam credibilidade nem pelo vosso discurso, nem pela vossa proposta de maioria de governo,

Página 446

446 I SÉRIE - NÚMERO 19

nem pelo desenvolvimento das vossas ideias, tentando modernizá-las sobre um novo projecto de sociedade. É aí que está a razão de uns terem feito um discurso que mereceu a credibilidade e a confiança por parte dos Portugueses e outros não.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, atenção ao tempo.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

Os senhores prometeram de facto estabilidade e os Portugueses não acreditaram.
Convenhamos, Sr. Deputado, que os Portugueses tinham razão. Como se viu e se vê estava no bojo, no vosso seio, uma das maiores precipitações e instabilidades.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Em primeiro lugar, gostaria de agradecer as questões que me colocaram os Srs. Deputados Rui Rio e Silva Marques.
Sr. Deputado Rui Rio, permito-me ter a certeza de que o Sr. Deputado sabe ouvir e sabe ler não apenas, os manuais de economia, mas também uma simples intervenção, que terei a bondade de lhe fazer chegar. Efectivamente, a forma como desenvolveu o seu raciocínio poderia fazer pensar que não tinha ouvido bem e, portanto, poderá compensar essa não audição com uma boa leitura da intervenção.
Como é evidente, quanto ao Orçamento do Estado para 1992, não se trata de uma questão jurídica, mas sim política. Essa é a questão de fundo que foi várias vezes assinalada ao longo da minha intervenção. Trata-se da relação que os senhores não conseguiram cumprir entre as expectativas criadas e a prática política do Governo.
É uma questão de grande è imediata relevância, prática, no entanto. Relevância prática para os cidadãos em geral, para os agentes económicos, para os agentes sociais, para os investidores, para as instituições públicas e privadas. Efectivamente, isso não abona muito em favor de uma certa tentativa de criar uma imagem sistemática de eficácia pelo vosso lado, e é isso que vos choca.
Felicito-o, no entanto, pela sua manifestação de fé nos passes de mágica que o Governo possa vir a fazer daqui para a frente.
Sr. Deputado Silva Marques, o senhor está, de facto, destreinado. Só espero que este pequeno exercício permita que ganhe rapidamente a forma. Não atingirá o pico da forma tão cedo, atendendo ao estado em que está, mas vai chegar ao pico da forma a meio da época, digamos assim.
Quem governa são os senhores. Foi isso que o eleitorado disse em 6 de Outubro, não fomos nós! Não vamos fazer novamente a sessão da Assembleia da República que foi feita na sequência dos resultados eleitorais. É que os senhores têm a vossa análise e nós a nossa.
Não é precipitação! Precipitação é a sua intervenção, visto que menospreza o impacte extremamente negativo que tem, sobre milhares de pessoas em Portugal, sobre milhões de cidadãos, este adiamento inusitado perante esta fraquíssima remodelação ministerial, que se deu depois de 6 de Outubro, de apresentação da proposta do Orçamento.
Não venha agora, Sr. Deputado, com comparações em relação aos governos socialistas, porque - passe a imagem - é um argumento que já não cheira bem. Os senhores estão há quatro anos e meio com uma maioria absoluta, estão há seis anos com uma maioria relativa, estão há 13 anos no governo! É tempo de assumirem as vossas responsabilidades.

Aplausos do PS.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, quero aproveitar ainda o período de antes da ordem do dia para, relativamente à queda do helicóptero na Jugoslávia, evidenciar a gravidade da situação, na medida em que temos lá monitores e se a complexidade da situação não for devidamente esclarecida pode proporcionar novos casos, podendo até revestir um cunho de provocação para dificultar o processo de paz.
Entendemos que é muito urgente o reconhecimento das duas repúblicas que se declararam independentes na Jugoslávia, e temos a sorte de o Governo reconhecer - nem sempre isso acontece -, na actual situação, pela voz do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, que isso é uma questão que depende exclusivamente de cada Estado membro da Comunidade Europeia. Isso é uma base muito importante. Aliás, entendemos que, nesta complexidade da situação, não será fácil ao Governo tomar uma atitude rápida e clara.
Daí, eu querer chamar a atenção para o papel importante desta Assembleia, como órgão fundamental de representatividade de opinião do nosso povo, no sentido de assumir uma posição de exigir do Governo o reconhecimento das duas repúblicas que se declararam independentes, como o caminho necessário e urgente para minorar a complexidade è as dificuldades relativamente ao processo de paz na Jugoslávia. Processo esse que me parece que tem de passar pelo reconhecimento das duas repúblicas.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A reunião conjunta Governo Português-Comissão Europeia, ontem realizada em Queluz, motiva-nos algumas breves considerações sobre a primeira presidência portuguesa do Conselho da Comunidade Europeia.
Essa presidência será uma tarefa da maior responsabilidade para a imagem nacional na comunidade internacional. Embora não seja inédito Portugal exercer presidências em conferências ou instituições internacionais, no âmbito da ONU, da NATO, da OCDE ou da EFTA, nem de longe nem de perto serão comparáveis, na competência, na responsabilidade e no âmbito à desta presidência europeia.
Confronta-se a Comunidade Europeia, por um lado, com uma conjuntura internacional dificílima, dada a instabilidade e incerteza que existe e, por outro lado, com a sequência das decisões do Conselho Europeu de Maastricht.
É de todos conhecida a situação de quase barbárie armada e de escassez de bens essenciais que a herança do comunismo deixou na Europa de Leste, com especial e triste agudização em algumas das repúblicas da ex-União Soviética e nos territórios que constituem a Jugoslávia, com implicações graves na fronteira da Comunidade Europeia. E quanto a este condito são encorajadoras as

Página 447

10 DE JANEIRO DE 1992 447

palavras elogiosas que o representante da ONU, na mediação do conflito jugoslavo, Sr. Cyrus Vance, fez à capacidade portuguesa para mediação de conflitos internacionais, logo após a reunião realizada no Palácio das Necessidades com o Ministro João de Deus Pinheiro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Perante um tal grau de instabilidade internacional e perante uma evolução tão rápida rumo à união europeia exige-se eficácia, ponderação e bom senso na presidência do Conselho da Comunidade Europeia, no 1.º semestre deste ano. E todos os indicadores são disso testemunha.
Também teremos de nos congratular pela fácil e positiva aceitação pela Comissão Europeia do programa apresentado por Portugal no início deste mês em Bruxelas.
É, aliás, um programa correcto que merece o nosso total apoio, porque consegue sintetizar com habilidade e objectividade a conjugação dos interesses e prioridades da Europa, em geral, com os interesses e prioridades dos países europeus com as características do nosso. Permito-me recordar até o «pórtico» que sintetiza esse programa, que foi distribuído a todos os grupos parlamentares, que diz o seguinte: «Rumo à união europeia; consolidar Maastricht; reforçar os laços, com o mundo; perspectivar o alargamento.»

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - De facto, era difícil ser-se mais feliz na sintetização desse programa da presidência portuguesa.
Como é compreensível, Srs. Deputados, não disponho de tempo para fazer uma análise desenvolvida do programa da presidência, mas é oportuno explicar por que é que se considera feliz a opção estratégica escolhida pelo Governo Português.
Assim, à aceleração final da transposição das directivas comunitárias para o direito interno para cumprir o mercado interno europeu de 1993 é dada uma prioridade elevada, mas a par dela dá-se enorme relevo ao início decidido da reforma dos fundos estruturais e à criação do novo fundo de coesão, de que seremos um dos principais beneficiários. Ou seja, o avanço da união europeia, nos seus segmentos que merecem maior interesse aos Estados e regiões mais desenvolvidos da Europa, deve sempre arrastar os segmentos da construção europeia que mais interessam aos países do Sul da Europa, como Portugal. É aquilo que o Financial Times, de 27 de Dezembro último, considerou em título como «Um momento de sol para a Europa do Sul», resultante, segundo aquele diário inglês, do empenhamento e do excelente aproveitamento que os Portugueses fizeram da sua adesão à CEE e do entusiasmo com que encaram o exercício da presidência.
Outra característica marcante da presidência portuguesa e com aspectos muito positivos é o da abertura da Comunidade Europeia aos problemas do continente africano, em especial da África Austral e da América Latina, evitando que a Europa se transforme numa fortaleza económica egoísta e virada para dentro.
Aliás, ainda hoje de manhã o presidente do Conselho da Comunidade Europeia, o Ministro dos Negócios Estrangeiros João de Deus Pinheiro, aqui esteve presente, onde esclareceu com grande precisão estas características e opções do seu mandato.
Más, para além disso, é também de salientar aqui a demonstração de grande competência em todos os dossiers que «cairão em cima da mesa da presidência». Sem querer ser exaustivo é de considerar muito sensato o modo como são tratados os seguintes: as negociações do Uruguay Round; o alargamento da Comunidade Europeia a novos Estados; as relações com os Estados que compunham a URSS; o processo de paz no Médio Oriente; a reforma da política agrícola comum; a Carta Social Europeia e o tratamento do direito dos trabalhadores; os problemas da defesa do ambiente e da saúde; as redes transeuropeias e o modo como servirão a coesão económica e social; a reconversão industrial, as mutações tecnológicas e a liberalização da concorrência; os programas comunitários de educação; a defesa das diversidades culturais na Europa e da sua ligação com um património comum de defesa dos direitos do homem, em especial a protecção do património cultural de cada país; a política de cooperação, de defesa e de segurança europeia, e o diálogo com os EUA e com o Japão.
Em todos estes dossiers consideramos muito equilibradas as abordagens que Portugal lhes faz e registamos a ausência de propostas alternativas marcantes, por parte da oposição, o que revela o largo consenso político que mereceu a proposta do Governo Português.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Conforme disse S. Ex.ª o Chefe de Estado, há dois dias, num discurso ao corpo diplomático acreditado em Lisboa, «dignidade e eficácia marcarão a presidência portuguesa da CEE», e isto, nas suas palavras, «sem deixar de enriquecer a Comunidade com o seu espírito criativo e com a expressão da identidade portuguesa». Trata-se de uma previsão que perpassa pela esmagadora maioria do povo português.
Vamos, pelo nosso lado, fazer o que for possível e útil para ajudarmos o tão marcante momento da nossa velha e tão digna história, certos de que a acção de Portugal à frente do Conselho da Comunidade Europeia dará uma imagem positiva do Portugal moderno e democrático que estamos a construir.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Rui Carp, os Srs. Deputados Helena Torres Marques e Nogueira de Brito.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Carp: Gostei de ver o entusiasmo de V. Ex.ª e do seu partido pelos assuntos europeus e pelo tema de fundo que a presidência portuguesa adoptou - «Rumo à união europeia».

Risos do PS e do CDS.

Quem diria, há um ano, que o PSD e o Governo Português eram capazes de adoptar como tema «Rumo à união europeia»?!
Foi uma conversão recente às propostas que o PS vinha defendendo com muita força, dizendo até «que pena o Governo Português nunca mais entender a importância desta matéria!», e, como todas as conversões recentes, foi muito forte e publicamente muito audível.
Não considera, Sr. Deputado, até face à forma como decorreu a reunião de hoje de manhã, entre o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e o Sr. Secretário de Estado da Integração Europeia com as Comissões de Negócios

Página 448

448 I SÉRIE - NÚMERO 19

Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação e de Assuntos Europeus - segundo penso, foi das reuniões mais interessantes que tem havido nesta Casa -, que teria sido democraticamente muito mais útil e que teríamos reforçado a imagem desta Casa se o Sr. Primeiro-Ministro, em vez de fazer a apresentação da presidência portuguesa à comunicação social, a tivesse feito na Assembleia da República perante os deputados?
A segunda pergunta que lhe queria fazer, Sr. Deputado - e para essa penso que tenho, com certeza, a sua concordância -, é a seguinte: face à necessidade de esta Casa proceder à ratificação dos tratados com bastante conhecimento de causa, não considera que é importante que um programa de actividades, como o que foi ontem discutido na Comissão de Assuntos Europeus, venha a merecer o apoio do PSD e a ser cumprido na íntegra?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Carp: Vou pedir-lhe que nos beneficie com a omnisciência do PSD e com o monopólio dos conhecimentos e das capacidades que V. Ex.ª evidenciou ou sublinhou da bancada respondendo a duas perguntas que lhe vou fazer.
Consideramos, realmente, que o programa da presidência das Comunidades é um programa que consiste, fundamentalmente, num enunciado de todas as questões e, depois, trata de sublinhar, a propósito da indicação de prioridades, temas que são suficientemente abrangentes e que são inevitáveis neste momento. Aliás, consideramos isso uma aproximação cautelosa do problema, o que já tivemos ocasião de referir quando convocados pelo Sr. Primeiro-Ministro para trocar impressões sobre esse assunto.
Como o Sr. Deputado Rui Carp nos diz que foram feitas as opções mais ajustadas, pergunto-lhe: que outras opções poderiam ser feitas? Nós não vislumbramos bem quais seriam as outras opções que poderiam ter sido feitas e, portanto, como V. Ex.ª as conhece, com certeza, pedimos-lhe que nos beneficie com isso.
Por outro lado, o Sr. Deputado Rui Carp diz-nos que não houve alternativas apresentadas pela oposição. E se houvesse, Sr. Deputado? Se houvesse alternativas apresentadas pela oposição, isto era uma grande complicação!
O Sr. Deputado Rui Carp não acha que a oposição se comportou patrioticamente, ao não apresentar alternativas ao programa que foi apresentado na sede própria? Nós entendemos isso como o jogo natural das competências institucionais.
Afinal de contas, o Sr. Deputado Rui Carp não percebeu a atitude da oposição e veio aqui picar-nos para que a oposição apresente alternativas! Mas já viu a situação complicada em que colocaria o Governo se a oposição desatasse aqui a apresentar alternativas ao programa da presidência portuguesa?!

Risos do CDS, do PSD e do PS.

Sr. Deputado Rui Carp, penso que V. Ex.ª e o PSD saberão, com certeza, mais, porque sabem tudo, mas agora esclareça-me: não acha que seria complicado apresentarmos alternativas a este programa? Aliás, digo-lhe que não vejo bem que alternativas é que poderíamos apresentar. Nessa matéria o programa é sábio, não há qualquer dúvida, pois é um programa sem alternativa!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Começo por agradecer as palavras elogiosas que me dirigiram e que endereço à minha bancada, porque em relação a mim só as entendo por amizade.
No que se refere às questões que me foram colocadas - e começaria pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito -, fico espantado porque o que me acaba de dizer deita completamente por terra toda a argumentação da oposição relativamente às relações entre o Parlamento e o Governo, em matéria de assuntos europeus e de presidência da Comunidade, com o que, na prática - e vai-me desculpar - não posso concordar.
É que V. Ex.ª acaba por dizer que a oposição não tem alternativas, não tem opções estratégicas e que, portanto, não vale a pena discutir isto, ou seja, o que V. Ex.ª quer dizer é que, afinal de contas, não vale a pena o Governo deslocar-se tantas vezes, como se desloca, aqui a esta Casa, para explicar, para discutir e para ouvir os pareceres, as posições, as críticas e os comentários da oposição, relativamente a estas tão fundamentais, importantes e pertinentes questões europeias.
Se a oposição não tem alternativas, se a oposição não tem quaisquer ideias novas, se a oposição não tem nada, então para que serviria vir cá o Governo discutir com ela?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado mostrou aqui uma enorme descrença na instituição parlamentar, da qual nós, naturalmente, não comungamos, porque entendemos que a oposição deve ter sempre - infelizmente, não quer dizer que tenha - alternativas, sugestões e comentários para poder enriquecer os projectos e os programas que o Governo Português apresenta em Bruxelas.
Portanto, Sr. Deputado, lamento muito essa sua esterilidade de ideias em matéria europeia, porque a presidência portuguesa só teria a ganhar com as ideias e com as alternativas da oposição.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A Sr.ª Deputada Helena Torres Marques falou da vinda do Sr. Primeiro-Ministro aqui, em vez do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros. Mas o Sr. Primeiro-Ministro esteve aqui a apresentar os resultados e as conclusões de Maastricht e logo que acabou a reunião com a Comissão Europeia fez uma conferência de imprensa.
Só faltaria dizer agora que o Sr. Primeiro-Ministro não podia prestar declarações à imprensa, logo a seguir a uma reunião destas, sem vir primeiro aqui à Assembleia da República. Acho isso um pouco estranho e de duvidosa democraticidade.
O que o Sr. Primeiro-Ministro fez foi, talvez, mais do que aquilo que lhe era exigido, isto é, enviou imediatamente o programa da presidência portuguesa a todos os grupos parlamentares para que estes ficassem totalmente, e por igual, informados das iniciativas da Comunidade Europeia no 1.º semestre deste ano.

Página 449

10 DE JANEIRO DE 1992 449

Relativamente à conversão recente do Governo, avivo-lhe a memória dizendo que é e tem sido evidente que, em matéria de união europeia, o Governo tem tido sempre uma linha comum e constante. Mas uma coisa é certa: o Governo Português nunca colocou a construção da união europeia à frente da defesa dos interesses portugueses. Nunca o fez e suponho que nunca o fará.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Relativamente ao problema da ratificação dos tratados, pergunta-me a Sr.ª Deputada se a mesma deve ser feita nesta Câmara de modo bastante cuidado. Sobre essa questão vou responder-lhe de uma maneira muito clara: sim!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues.

O Sr. Miguel Urbano Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Transcorridos 16 anos sobre a ocupação pela Indonésia de Timor Leste, estão criadas em 1992 condições mais favoráveis a uma clarificação dos problemas internacionais e humanos dela resultantes.
A chacina de Díli em Novembro, praticada pelo exército indonésio, alertou a consciência da humanidade para o martírio do povo maubere. Dialecticamente, a condenação universal da barbárie indonésia tornou inevitável, no plano internacional, o descongelamento do dossier timorense. Governos que simulavam ignorar o que se passa em Timor Leste não conseguem hoje manter-se nessa posição de alheamento. O protesto da opinião pública contra a política de genocídio da Indonésia força-os a sair do imobilismo anterior. A própria Indonésia, na defensiva, teve de romper o silêncio.
Outro factor importante é a presença de Portugal na presidência da CEE, potência administradora de Timor Leste. Este simples facto abre a oportunidade a iniciativas justas e necessárias que deveriam, aliás, ter sido assumidas por presidências anteriores à nossa. Seria pouco sério afirmar aqui que, sob a égide das Nações Unidas, se aproxima a solução que nós, Portugueses, ambicionamos para o povo de Timor Leste, ou seja, aquela que ele reivindica: o direito a decidir o seu futuro através do exercício do direito à autodeterminação e independência. Mas, pelo menos, foram criadas condições para uma clarificação do problema.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O acto de barbárie obrigou Jacarta a responder ao clamor levantado. O inquérito preliminar foi promovido pelos próprios autores da chacina: os generais que a comandaram. Foi uma farsa. Os responsáveis absolveram-se. Mas não escaparam ao descrédito. Para eles, os mortos foram apenas 19. O escândalo levou Jacarta à realização de um inquérito oficial. Foi também uma farsa. O número de mortos subiu para 50. O objectivo principal era conquistar uma imagem de credibilidade que permitisse boa consciência aos governos dos EUA e da Austrália e a outros, como os da Holanda, do Canadá e do Japão, que, com maior ou menor dose de farisaísmo, aceitam como facto consumado a anexação de Timor Leste pela Indonésia. O objectivo foi parcialmente atingido. Washington conseguiu identificar propósitos de seriedade nesse relatório. A elevação do número de mortos para meia centena e alguns parágrafos de conclusões satisfizeram o moralismo do governo norte-americano. O Japão foi até ao elogio das autoridades indonésias.
Este segundo relatório é, porém, como o primeiro, um emaranhado de mentiras. Direi mesmo um insulto à inteligência e ao bom senso. Foi, contudo, recebido com alívio em várias capitais. A Austrália está interessada no petróleo do mar de Timor e os EUA, perdidas as bases nas Filipinas, tratam já a Indonésia como aliado privilegiado. A Holanda nunca escondeu os compromissos que a ligam à sua antiga colónia. Quanto ao Reino Unido, participou activamente na conspiração internacional que precedeu a invasão de Timor Leste pela Indonésia em 1975.
Srs. Deputados, a tarefa de Portugal no esforço global para clarificação de situações escuras, por vezes de jogo político sujo, é, todos temos disso consciência, muito difícil. A posição dos EUA tem sido e continuará a ser decisiva. Não se deve esquecer que o Presidente Ford e Henry Kissinger estavam em Jacarta na véspera da invasão. O facto de esta ter contado com o aval norte-americano convida-nos a reflectir. A intransigência indonésia não seria sustentável se o apoio de Washington fosse suspenso. Mas é ilusório esperar uma guinada da estratégia dos EUA na região, motivada pelo respeito aos direitos do povo maubere.
Estamos, porém, num ano eleitoral nos EUA. A abordagem do tema timorense pelo Departamento de Estado evoluiu um pouco. Os porta-vozes deixam agora antever embaraço quando interrogados sobre a ajuda militar à Indonésia. Congressistas influentes, professores das grandes universidades, jornalistas que estiveram em Díli, têm contribuído para que a questão de Timor Leste saia do anonimato. O tema já apareceu nas colunas editoriais do The Washington Post e do The New York Times. Mas daí até à sensibilização da opinião pública vai uma enorme distância.
O Presidente Bush mostra-se incomodado quando lhe falam do assunto. Ao embarcar para a sua tournée pelo Pacífico, sublinhou enfaticamente que, no tocante a Timor Leste, tomava apenas conhecimento do que se referia aos direitos humanos. Foi uma omissão pensada, ou melhor, uma maneira indirecta de expressar a sua indiferença perante o direito à autodeterminação do povo maubere.
Srs. Deputados, ao comparecer, na véspera de Natal, na Comissão de Timor Leste, o Sr. Subsecretário de Estado dos Negócios Estrangeiros reconheceu que a posição norte-americana é insatisfatória e se caracteriza por algumas ambiguidades.
Os depoimentos, perante comissões do Congresso, de jornalistas norte-americanos que assistiram à chacina de Santa Cruz, têm feito mais em Washington pela causa timorense do que a acção diplomática portuguesa. Graças a esses jornalistas e às imagens do massacre difundidas pela televisão, destacados membros do Senado e da Câmara dos Representantes exigem agora o corte de todas as modalidades de ajuda à Indonésia e, o que não é menos importante, denunciam como inaceitável, perante o direito e a moral, a estratégia da Casa Branca.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No tocante à CEE, houve alguns progressos na atitude da Comunidade após o massacre de Santa Cruz. São positivos, mas insuficientes. Por uma coincidência nada favorável, quando ocorreu a matança de 12 de Novembro, era a Holanda que presidia à Comunidade. Aconteceu por isso o previsível. Os representantes dos Países Baixos fizeram o que estava ao seu alcance para neutralizar, travar e até sabotar as

Página 450

450 I SÉRIE - NÚMERO 19

iniciativas susceptíveis de elevar a um nível superior, na Comunidade dos Doze, a solidariedade ao povo maubere e o desmascaramento da política das autoridades indonésias.
Os consensos, na complexa família da CEE, não são fáceis. Mas julgo oportuno recordar que o Reino Unido pediu a solidariedade moral aos seus parceiros após a ocupação das Malvinas pela Argentina e obteve-a até mesmo quando recorreu à guerra para restabelecer o status quo naquele arquipélago. A solidariedade comunitária funcionou então em defesa dos direitos da Coroa britânica e dos 7000 cidadãos mais austrais do Reino Unido. Entretanto, esse espírito de solidariedade somente se manifesta tardiamente e com reticências quando está em causa o direito à autodeterminação e à própria vida de uma comunidade nacional de 600 000 pessoas que tem sido vítima de genocídio intermitente desde a ocupação de Timor Leste há 16 anos.
Srs. Deputados, Portugal acaba de assumir a presidência da CEE. Seria romântico admitir que, por esse facto, está prestes a ser resolvido, e bem resolvido, um contencioso internacional cuja solução independe da vontade portuguesa. Temos de ser realistas. Mas é legítimo exigir do Governo Português que seja feito o aproveitamento máximo das potencialidades deste semestre, de modo que, no tocante a Timor, venham a ser tomadas, no âmbito da CEE, todas as iniciativas susceptíveis de consenso que possam contribuir para aquilo a que chamei a «clarificação do problema».
Cada um deve definir-se sem ambiguidades porque a questão de Timor Leste não vai eternizar-se e não voltará, previsivelmente, a surgir oportunidade igual a esta que se abre no período da presidência portuguesa. Ou aproveitamos o momento ou a questão de Timor Leste será esquecida outra vez. Esse é, aliás, o desejo inconfessado de alguns governos de países influentes. A partir de Julho, o Reino Unido assumirá a presidência da CEE e não constitui segredo o facto de a posição britânica ser ainda mais próxima das teses indonésias do que a da própria Holanda. A Grã-Bretanha, Srs. Deputados, tudo fará para congelar a questão de Timor. Outra coisa não se deve esperar do governo de um país que já defendia a anexação de Timor Leste pela Indonésia antes da própria invasão.
Cito, por esclarecedora, a opinião de Gordon Dunnan, um diplomata inglês então acreditado em Jacarta: «É do interesse da Inglaterra - afirmou após uma visita a Díli antes da invasão - que a Indonésia absorva o território logo que possível e com o menor espalhafato. E se se chegar a uma situação em que haja problemas com as Nações Unidas devemos manter a cabeça baixa e evitar tomar posição contra o Governo da Indonésia.» A opinião é daquelas que dispensa comentários.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma delegação da Assembleia da República deverá visitar, em Fevereiro - logo que o Congresso norte-americano reabra após o discurso do Presidente Bush -, os EUA e o Canadá para tentar sensibilizar congressistas e outras personalidades políticas daqueles países, bem como a opinião pública de ambos. Será um teste importante, embora de resultados imprevisíveis. Mas desde já se pode afirmar que esses resultados dependerão muito da preparação, pelo Governo, dessas visitas e da sua acção no apoio à missão da Assembleia.
Até hoje, o posicionamento do Governo Português tem-se caracterizado pela timidez no diálogo com os EUA sobre Timor Leste. As cumplicidades entre Washington e Jacarta são do domínio público. Apesar disso, não há notícia de protestos oficiais contra a política timorense norte-americana por parte do actual Executivo, como aliás dos anteriores.
É melancólico verificar que parlamentares e jornalistas dos EUA têm acusado o Governo de Lisboa de não exercer pressão permanente e adequada para que a Casa Branca reveja a sua política de apoio à indonésia.
Tem agora o Governo Português um período muito favorável, nos próximos meses, para passar, em múltiplas frentes, das palavras e promessas aos actos. Se o fizer, contará com o apoio maciço do nosso povo e, nomeadamente, da juventude que, ao sair às ruas, solidária com a gente maravilhosa de Timor Leste, tem evidenciado uma disponibilidade comovente para se bater por causas justas e humanistas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de terminar, uma palavra sobre uma iniciativa que envolve directamente a Assembleia da República. Logo após o massacre de Díli, quando o Plenário, por unanimidade, condenou a escalada da barbárie indonésia, o meu camarada Octávio Teixeira, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, propôs a realização urgente, em Lisboa, de uma conferência interparlamentar com a participação de deputados europeus e de outros continentes. Séria uma forma de sensibilizar a opinião pública mundial, de tornar mais ampla e eficaz a solidariedade ao povo de Timor Leste.
A proposta, condensada num projecto de deliberação que, do nosso ponto de vista, deve ser agenciado rapidamente, prevê a vinda a Portugal de parlamentares dos doze Estados membros d CEE, de países da NATO que não pertencem à Comunidade, da Austrália, do Japão e dos PALOP. Naturalmente estariam presentes os legítimos representantes do povo timorense. Entretanto, transcorreram dois meses e nestas oito semanas tem sido feito pouquíssimo para que boas ideias comecem a dar lugar a realidades concretas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste ano de 1992, que se anuncia tão difícil para a humanidade, tão marcado pela violência irracional, um fórum interparlamentar em Lisboa para debate da questão de Timor Leste seria, durante a presidência portuguesa da CEE, uma contribuição muito valiosa para o objectivo comum a todos nós: ajudar o povo maubere na sua luta heróica pelo direito a construir livremente o seu próprio futuro.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e do deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Ainda pára uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Portugal assumiu, no primeiro dia deste ano de 1992 a presidência da Comunidade Europeia. Embora sendo da competência do Governo a responsabilidade de conduzir e coordenar a política comunitária durante os próximos seis meses, trata-se, sem dúvida, de um momento importante para Portugal e para os Portugueses. Seja no plano interno, aproveitando a presidência para criar melhores condições ao desenvolvimento do nosso país no quadro da integração europeia, seja no plano externo, tanto no que se refere à capacidade dos Portugueses, posta à prova, para contribuírem para a construção europeia, como de promoverem a própria Comunidade enquanto entidade capaz de, através da cooperação e da solidariedade com todos os povos do

Página 451

10 DE JANEIRO DE 1992 453

mundo, abrir novos caminhos para a paz, para o desenvolvimento e o progresso da humanidade.

Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: É este o sentido nacional que o Partido Ecologista Os Verdes atribui à presidência portuguesa da Comunidade, independentemente da posição crítica que temos manifestado quanto às opções que têm sido seguidas na construção europeia e em particular à política conduzida pelo Governo no nosso país face à integração de Portugal.
Foi com este espírito e sentido da responsabilidade de um partido com representação parlamentar, que o Partido Ecologista Os Verdes correspondeu ao convite do Sr. Presidente da República, e se fez representar na cerimónia do hastear das bandeiras nacional e da Comunidade no dia em que Portugal assumiu a presidência.
Ao assumir esta responsabilidade nacional, como seria de esperar e está consignado na Constituição da República e na lei, o Governo deveria informar os partidos da oposição parlamentar sobre esta questão, como de resto o deveria fazer sobre outros assuntos de interesse público de relevância.
No entanto, na ronda das audiências concedidas no início desta semana pelo Sr. Primeiro-Ministro, o Partido Ecologista Os Verdes foi excluído, numa clara violação do que está preceituado no n.º 3 do artigo 117.º da Constituição e na Lei do Estatuto do Direito de Oposição.
De facto, o Partido Ecologista Os Verdes foi surpreendido, no passado domingo, por uma notícia da comunicação social que dava conta de que o Sr. Primeiro-Ministro iria receber, na segunda-feira e terça-feira, delegações de partidos da oposição parlamentar para os informar sobre um tão importante assunto.
Na segunda-feira, a direcção de Os Verdes escreveu ao Sr. Primeiro-Ministro manifestando estranheza pelo facto e desejando esclarecer a ausência de convocatória. Na mesma carta, Os Verdes manifestavam a esperança de uma resolução condizente com o relacionamento institucional que consideramos indispensável.
Na ausência de resposta, ao princípio da noite de terça-feira dirigimo-nos de novo ao Sr. Primeiro-Ministro expondo o nosso entendimento sobre a situação criada e solicitando uma audiência com carácter de urgência. Até este momento, não recebemos nenhum esclarecimento ou resposta às duas cartas da direcção de Os Verdes.
A razão pela qual trazemos esta questão ao Plenário da Assembleia da República é a de que este caso não é só uma discriminação política a um partido. A situação criada é, no nosso entender, não apenas uma flagrante violação da Constituição da República e da lei, mas é também uma afronta ao sistema jurídico-político do nosso país, ao pluralismo político, ao regime democrático e à própria Assembleia da República, pois que estilo em causa direitos de um partido com representação parlamentar e com grupo parlamentar constituído.
Somos assim obrigados a reconhecer que estamos perante a atitude antidemocrática de um poder que abusa do poder, não só porque obteve maioria absoluta, mas também porque a sua concepção de democracia é arrogante e desrespeitadora da vontade expressa pelos eleitores que votaram noutros partidos.
Somos, pois, obrigados a interrogarmo-nos: que interpretação faz o Governo dos resultados de eleições em que os cidadãos elegeram os deputados à Assembleia da República? Em que democracia pluralista assenta o regime político-constitucional em que vivemos, se, afinal, não são os eleitores que escolhem a oposição parlamentar, mas um primeiro-ministro, que, ainda por cima, não dá cavaco.
As respostas são simples: depois do «cheguei, vi e venci», agora já estamos na época do «quero, posso e mando», atropelando a Constituição e desrespeitando a própria Assembleia da República, órgão de soberania em que Os Verdes estão representados e que, como tal, em conformidade com o preceituado no n.º 1 do artigo 190.º da Constituição, foram ouvidos pelo Sr. Presidente da República aquando da nomeação do Sr. Primeiro-Ministro.
Nada justifica, pois, o autismo do Primeiro-Ministro.
É uma evidência que o Primeiro-Ministro não reconhece o direito de oposição democrática a Os Verdes. Com que legitimidade?
A este propósito, não podemos deixar de nos referir às anotações dos constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira no que se refere ao n.º 3 do artigo 117.º da Constituição da República. E cito: «No n.º 3 constitucionalizam-se alguns direitos de oposição, designadamente o direito à informação regular e directa sobre os principais assuntos de interesse público. Embora este direito seja reservado apenas aos partidos com representação parlamentar, ele é extensivo a todos, grandes e pequenos, estando o Governo heteronomamente vinculado ao princípio da igualdade, o que o impede de discriminar, por razões ideológicas, quaisquer forças partidárias com assento parlamentar.»
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Trouxemos à Assembleia da República e deixamos à consideração de VV. Ex.ªs algumas das razões que entendemos serem significativas para avaliar a falta de dignidade com que um órgão de soberania - o Governo - actuou perante um partido político representado no Parlamento por vontade do povo português. E apresentámos motivos que julgamos suficientes para demonstrar que o comportamento do Primeiro-Ministro afronta o regime político-constitucional vigente.
Interrogamo-nos mesmo sobre a imagem que é dada de Portugal, ao assumir a presidência da Comunidade, por um governo que, na sua actuação, não respeita a lei fundamental do país. Reafirmamos, no entanto, que o Partido Ecologista Os Verdes não abdicou, não abdica, nem abdicará nunca de exercer a totalidade dos seus direitos, mesmo que isso seja incómodo para o Governo.
Não ficaremos acomodados neste Palácio para satisfazer uma vontade imposta pelo Sr. Primeiro-Ministro.
Em democracia não é admissível que qualquer governo desrespeite um partido da oposição, discriminando-o politicamente, e é intolerável que um governo actue à margem da Constituição e da lei.
Os Verdes obtiveram representação parlamentar sufragada pelo eleitorado. Por isso continuamos a cumprir o nosso compromisso de tudo fazer para contribuir para o aprofundamento da democracia, para o desenvolvimento do País, para representar e dar voz aos interesses das populações.
Não nos calaremos, nem admitimos que nos calem!
E, como temos muita curiosidade em saber o que é que o Sr. Primeiro-Ministro disse aos outros partidos da oposição e que não quis dizer a Os Verdes, daqui reafirmamos a nossa exigência de saber o que se passa com a presidência portuguesa da Comunidade. Esperamos que o Sr. Primeiro-Ministro nos esteja a ouvir do outro lado do jardim e faça a urgente reparação do atropelo que cometeu.

Página 452

452 I SÉRIE -NÚMERO 19

Não abdicamos da exigência do cumprimento da Constituição e da lei.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: No uso das prerrogativas que a Constituição lhe confere, o Sr. Presidente da República concedeu, na quadra natalícia, o indulto a vários cidadãos que beneficiaram desta clemência, isentando-os, total ou parcialmente, das penas que estavam a cumprir, comutando outras, num gesto que, entre nós, pela sua tradicionalidade e generosidade, costuma ser aplaudido pela opinião pública, e, que conste, nunca foi objecto de qualquer reparo ou controvérsia política.
A lei, geral e abstracta, fixa minuciosamente a tramitação do processo da concessão do indulto, determina termos e prazos, prevê consultas e pareceres dos diversos agentes do Estado, particularmente das autoridades penitenciárias, do Ministério Público, do juiz de execução de penas e do Governo através do seu ministro da Justiça que dá o parecer prévio, o que, diga-se desde já, não sendo vinculativo para o Chefe do Estado, representa o afloramento do princípio que a lei fundamental aconselha da cooperação institucional entre os dois órgãos de soberania, como veremos a seguir.
Com efeito, escrevem os constitucionalistas Vital Moreira e Gomes Canotilho - e cito-, «embora o indulto e a comutação da pena sejam tradicionalmente configurados como actos de clemência pessoal, a sua caracterização rigorosa não se reconduz à vontade de uma pessoa,; mesmo que com a qualidade de Chefe do Estado»; E continuam os mesmos prestigiados autores: «É uma emanação do jus puniendi, de que é titular o Estado (e não o Presidente da República), no sentido de extinguir uma pena imposta por sentença penal ou de renúncia à sua aplicação. Por isso, justifica-se a exigência constitucional de audiência do Governo.»
Quer isto dizer que, sendo o indulto uma reacção contra uma pena aplicada pelos tribunais, num Estado democrático de direito, não pode o Chefe do Estado, não deve o órgão de soberania Presidente da República, utilizar a seu livre talante, para não dizer arbitrariamente, ou por motivos político-ideológicos que pessoalmente o animam, esta prerrogativa excepcional, como uma arma de arremesso contra o poder judicial ou um estandarte para prossecução de fins políticos meramente tácticos e transitórios.
Trata-se, sobretudo, de cumprir uma importante função do Estado, da mesma solenidade e de indiscutível rigor como é uma decisão jurisdicional com trânsito em julgado que condena um cidadão, à partida inocente, à pena de prisão, ou da feitura pelo Parlamento de uma lei de amnistia que extingue os procedimentos puníveis em transcurso judicial ou administrativo, em homenagem a circunstâncias históricas excepcionais que a comunidade nacional considera relevantes para este efeito.
Por outro lado, é ciência certa que a motivação do acto de clemência por parte do Chefe do Estado deve ser estritamente pessoal ou individual, no sentido de contemplar uti singuli cada condenado, devendo pesar na decisão unicamente o circunstancialismo que rodeia a sua condição concreta, de esta ser única e não igual a quaisquer outros condenados, exactamente para garantir o inviolável dogma do Estado de direito, de igualdade de todos os cidadãos - neste caso particular, de todos os condenados -, perante a medida legal do indulto.
É por isso mesmo que o acto de graça toma em consideração a boa conduta de cada requerente durante o cumprimento da pena, a idade, os antecedentes pessoais, a condição familiar, a possibilidade da sua reintegração social e a garantia de que não poderá haver qualquer ameaça à segurança da sociedade e do Estado após a libertação do preso. A não ser assim, a situações exactamente iguais corresponderia, pela mão do Chefe do Estado, tratamento desigual. O indulto não é, nunca foi e não poderá ser um expediente para beneficiar uma classe de condenados, um gesto de cedência perante um determinado preso ou classe ou grupo organizado de presos. O indulto mantém intacta formalmente a sua natureza legal e jurisdicional, porque carece de mandato de soltura do magistrado judicial para a sua efectivação, embora substancialmente seja um acto proveniente de um órgão de soberania eminentemente político, como é o Presidente da República.
Vem tudo isto a propósito, Sr. Presidente, Srs. Deputados, do indulto da totalidade da pena concedido pelo Sr. Presidente da República, na última quadra natalícia, aos condenados pelos crimes de organização terrorista, previstos e punidos pelos artigos 288.º e 289.º do Código Penal, vulgarmente conhecidos como presos FP-25.
Como é sabido de todos, o Sr. Presidente da República esforçou-se, na anterior legislatura, para convencer os grupos parlamentares no sentido da aprovação de uma lei de amnistia que contemplasse estes crimes e, durante a campanha eleitoral das presidenciais, o candidato Mário Soares enumerou, até, algumas condições que deveriam ser previamente cumpridas por parte dos eventuais beneficiários desta lei de clemência. Se isto não caiu já na amnésia colectiva, as condições prévias seriam as seguintes: a renúncia pública, por parte destes presos, a qualquer acção armada no futuro, a entrega das armas e o compromisso de identificação com as regras do dever democrático.
No dizer do deputado Alberto Martins, tal atitude - e cito - «revelaria, no geral, da parte dos arguidos do caso FP, o abrir de nova luz para as suas vidas, um querer virar de página, o acabar com o tempo das ansiedades e o arrastar das vidas e das mutilações da alma que os perseguem e aos seus». Do mesmo passo, os grupos parlamentares apoiantes da amnistia para os presos FP-25 declararam expressamente, e verteram-no em algumas propostas, que ficariam excluídos da amnistia os chamados «crimes de sangue».
Os deputados pró-amnistia, conscientes da delicadeza da medida que advogavam, rodearam sempre o acto de clemência de grandes cautelas, para que o País pudesse aceitar tal medida legislativa sem sobressalto, para não dizer uma palavra forte, mas justa, com repugnância.
O debate foi vivo neste Plenário e por voto secreto foram rejeitadas as propostas de amnistia dos crimes de organização terrorista e de prática de crimes concretos que lhe estão ligados e que são previstos, como já se referiu, nos artigos 288.º e 289.º do Código Penal.
Disse, então, o Sr. Deputado Guilherme Silva, do PSD, que «na fixação do âmbito das medidas de clemência propostas houve a particular preocupação de não ferir os sentimentos colectivos e de não pôr em causa a segurança jurídica social da comunidade. Recusamo-nos a uma amnistia que deixe de ser de infracções para o ser de

Página 453

10 DE JANEIRO DE 1992 453

infractores em concreto.» Ora, isto é exactamente o contrário do que agora fez o Sr. Presidente da República, em que o indulto deixou de ser uma clemência a cada condenado em concreto para ser um indulto à prática de crimes de terrorismo!

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Já tive ocasião de dizer que uma lei da amnistia é o reverso de uma lei punitiva; apenas tem a ver com o jus puniendi do Estado e só na medida em que este direito não fica atingido, nem coarctado, nem reduzido, é que se pode falar de clemência.
Com o indulto também se passa o mesmo: ele destrói a sentença judicial de punição para o futuro e por que é uma reacção contra um acto anterior de Estado, legalmente praticado, só em circunstâncias excepcionais, irrepetíveis e uti singuli pode ser exercido.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Ao conceder o indulto total de pena aos presos das FP-25, e do modo como tudo se processou, inclusive, contra o parecer do Governo, abrangendo uma classe ou grupo de infractores, o Chefe do Estado, sem eu negar ou beliscar sequer as suas atribuições e prerrogativas constitucionais, praticou um acto de contornos jurídicos muito discutíveis, aproximando este acto ao de uma amnistia, porque substantivamente beneficia um grupo de condenados, sem valoração da condição individual e singular de cada um deles, mas, sim, por terem sido condenados pela prática do crime de organização terrorista e crimes afins, sobrepondo-se assim ao voto da Assembleia da República do modo a inutilizar a posição maioritária que por voto secreto este órgão de soberania tomou em 21 de Junho de 1991.
Por outro lado, foi tão longe ao aliar-se objectivamente ao sector pró-amnistia dos presos das FP-25, que nem sequer foi exigido aos contemplados, na precipitação dos acontecimentos singulares que rodearam este gesto, as três condições que o candidato Mário Soares e os deputados vencidos neste Plenário pretendiam impor-lhes.
Trata-se, por isso, de uma forma não de pacificação política, mas, tão somente, de um gesto voluntarista que só a falta de meios de reacção jurídica prevista na lei consegue manter de pé.
Dizemos desta tribuna ao Chefe do Estado, com uma respeitosa vénia, que a concessão de indulto aos presos das FP-25, que assassinaram as autoridades do Estado de direito encarregadas de velar pela nossa segurança e de perseguir a criminalidade violenta sem quaisquer condições políticas e jurídico-penais, fracciona o Estado, quando ele deveria ser solidamente unitário para investigar, punir e extinguir as penas de forma rigorosamente legal como deve ser o timbre do Estado democrático como o nosso.
As declarações dos indultados à saída das prisões, sem qualquer ponta de arrependimento ou de retractação pelos gravíssimos crimes praticados, e, pelo contrário, até um certo ar de arrogância que alguns deles exibiram, não abona a favor dos contemplados e muito menos representa um sentimento de gratidão política perante quem lhes abriu as grades do cárcere.
Desde que o poder judicial não seja atingido, as competências próprias da Assembleia da República não sejam usurpadas e o poder-dever do Governo de zelar pela segurança interna dos cidadãos não seja reduzido, numa «sociedade que vive em paz consigo própria», como disse o Sr. Presidente da República na sua mensagem de Natal, e no Estado de direito pluralista, como o nosso, esperamos que, de futuro, o instituto de indulto regresse à sua normalidade para que esse importante acto seja um autêntico acto de indulgentia principis.

Aplausos do CDS e de alguns deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Deputado, V. Ex.ª, como era de esperar, brindou esta Assembleia, na primeira parte da sua intervenção, com uma brilhante lição jurídica, situando com correcção a figura do indulto e distinguindo-a da amnistia.
Pena foi que, depois dessa brilhante lição, que todos aproveitámos, V. Ex.ª, na segunda parte da sua intervenção, tenha - perdoe-se-me o termo -, descambado da teoria jurídica para fazer má teoria política.
Efectivamente, V. Ex.ª não pode desconhecer que não se pode argumentar com um pretenso fraccionamento da unidade do Estado para, afinal, pretender retirar ao Sr. Presidente da República um poder, um direito, que lhe é dado, que é do Estado, mas que é concretizado e personalizado na figura do Chefe do Estado.
Concordando ou não com os últimos indultos concedidos pelo Chefe do Estado, V. Ex.ª, tal como a sua bancada, está inteiramente no seu direito, mas já me parece que não estará no seu direito invocar argumentos que não suo válidos, como seja o de um pretenso fraccionamento do Estado. Fraccionamento em quê? Então, nunca haveria direito ao indulto, visto que V. Ex.ª vem dizer que o indulto se sobrepõe às decisões dos tribunais. Pois sim! Mas trata-se de um direito e de um poder discricionário do Presidente da República que, como tal, tem de ser respeitado.
O mesmo argumento é também inválido - devo referi-lo - quando V. Ex.ª disse que o Chefe do Estado se sobrepôs ao voto da Assembleia da República. Se V. Ex.ª distinguiu, na primeira parte da sua intervenção, o problema da amnistia e do indulto, então em que é que o poder de indultar do Chefe do Estado se sobrepõe, seja de que maneira for, ao poder de amnistia desta Assembleia?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Quando se confunde!

O Orador: - Mas uma coisa não pode ser negada a V. Ex.ª e à sua bancada: tem mantido, com lógica, a sua posição quanto a toda esta problemática, mas tem de tirar daí as consequências políticas. Na verdade, VV. Ex.ªs impediram que esta Assembleia pudesse ter resolvido este problema, noutros termos e há mais tempo.
O Chefe do Estado, usando de um poder legítimo e constitucional, no uso das suas prerrogativas e do poder discricionário que tem, indultou. VV. Ex.ªs podem não estar de acordo com isso, mas não podem é falar de fraccionamento da unidade do Estado e de sobreposição do Presidente da República aos poderes da Assembleia.
Gostaria, pois, que V. Ex.ª me ilucidasse sobre esta última parte da sua intervenção.

Vozes do PS: - Muito bem!

Página 454

454 I SÉRIE - NÚMERO 19

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Vera Jardim, as palavras amáveis que referiu quanto à teoria do indulto, vindas de si, um eminente e brilhante jurista, não podem deixar de me lisonjear.
De qualquer forma, gostaria de dizer-lhe que se gastei boa parte da minha intervenção para teorizar a diferença entre a sentença judicial com trânsito em julgado, a amnistia e o indulto, e se V. Ex.ª a aceita, então, não pode, de forma alguma, negar-me a subsunção dos factos praticados pelo Presidente da República a esses conceitos.
De facto, má política faz V. Ex.ª quando sobrepõe um critério pessoal e político, o mesmo, que animava os deputados pró-amnistia, sem tirar as consequências lógicas desta triologia das figuras consagradas de direito penal. V. Ex.ª veja bem: o indulto é o reverso da sentença judicial que e um acto individual. Porquê? Porque o juiz tomou em consideração as condições da prática do crime, na hora da prática do crime, enquanto o Chefe do Estado toma em consideração o mesmo homem, o mesmo condenado, na altura de indultá-lo, isto é, entre o instante em que o juiz o condena e o instante em que o Presidente da República o liberta há um período de tempo, que é a matriz do indulto.
O Presidente da República ajuíza sobre este espaço de vida do requerente, não nega a validade da sentença do juiz, respeita-a, mas como o juiz, já está afastado deste condenado a partir do instante em que o condenou, o Presidente da República, com a ajuda do Governo, das autoridades prisionais, do juiz de execução de penas, emite outro juízo de valor para o futuro. A vida do condenado é unitária, esta vida do preso é tomada como um todo e não fraccionada pelo Estado.
Na verdade, cada órgão de soberania faz o seu juízo a seu tempo: o juiz penal fez o seu em determinado momento, depois vêm as autoridades prisionais e, depois, o Presidente da República afiança perante a sociedade, em nome do Estado, o futuro deste cidadão, que ele vai tirar do cárcere e devolver à liberdade. Por isso, o juízo tem de ser uti singuli, tem de ser de homem a homem, atendendo à sua condição pessoal, ao seu comportamento na prisão, à sua condição familiar, à forma como ele se vai integrar na sociedade no futuro.
Aqui sim, este deve ser o condicionalismo do indulto! O Presidente da República, tratando-se dos presos das FP-25 não fez nada disso, pois, um ano antes de chegar a oportunidade de conceder o indulto, começou logo a defender que os presos deveriam ser amnistiados, para que houvesse pacificação política na sociedade portuguesa.
Depois, durante todo o ano de 1991 começou a polemizar-se sobre a questão de saber se realmente devia ou não haver indulto aos presos das FP-25 - e o Governo ajudou-os, pois, ilegal e arbitrariamente, alargou o prazo para que eles pudessem requerer esta medida - e agora o Sr. Presidente da República, em vez de fazer e justificar um juízo sobre cada condenado, vem dizer que por causa da pacificação social aqueles que praticaram os crimes de organização terrorista e os crimes de sangue vão ser libertados. Isto não é indulto; isto e exactamente aquilo que a Assembleia da República se recusou a fazer e só a ela competia fazê-lo.
Como sabem, a minha bancada deu publicamente o combate à amnistia dos presos FP-25 dizendo o mesmo que hoje estamos a dizer, mas V. Ex.ª não está legitimado para dizer que foi a nossa bancada, ou a sua, ou a do PSD, ou a do PCP, que rejeitaram a amnistia, pois o voto foi secreto. Aliás, ninguém me diz que na sua bancada a maioria dos deputados não tenha votado contra, porque o voto foi secreto, repilo, rigorosamente secreto! Não se pode dizer «este ou aquele deputado votou a favor; este ou aquele votou contra!»
De facto, o que existe e que sendo um acto personalizado, um acto de Estado, - uma função de Estado, confiado ao Presidente da República, como a sentença condenatória é um acto do Estado confiado a um juiz, como um acto legislativo é uma função do Estado confiada aos deputados, o Sr. Presidente da República não se comportou, com a devida vénia o digo, como devia na concessão destes indultos.
Na verdade, o Sr. Presidente da República sobrepôs critérios ideológicos e políticos aos critérios valorativos do comportamento e personalidade de cada criminoso, abrangeu uma classe de infracções, como devia ser leito na amnistia e os deputados não o fizeram, e beliscou a sentença judicial, porque tomou em consideração factos, que só podiam ser ponderados pelos tribunais na sentença condenatória e sobre os quais havia efectivamente um juízo valorativo jurisdicional, tudo isto em nome da suposta pacificação política como se a nossa sociedade não vivesse em paz desde há muitos anos.
Por tudo isto, este indulto é jurídica e politicamente atacável. Porém, não existe meio de reagir juridicamente. Se houvesse um meio jurídico, o CDS, naturalmente, utilizá-lo-ia de imediato. Assim sendo, a reacção do CDS é política e, por isso, fizemos a declaração política do alto da tribuna parlamentar que, no nosso entender, é o local próprio.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 30 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, começo por ler uma carta que recebi do Sr. Presidente da República, que, no seu teor essencial, diz assim: «Estando prevista a minha deslocação em visita de Estado à República da Índia, a convite do Presidente Ramaswami Venkataraman, entre os próximos dias 23 de Janeiro e 4 de Fevereiro de 1992, com escala de um dia no Sultanato de Omã, venho requerer, nos termos dos artigos 132.º, n.º 1, e 166.º, alínea b), da Constituição, o necessário assentimento da Assembleia da República.» Esta carta baixou à 4.ª Comissão, a qual elaborou um parecer e uma proposta de resolução que vão ser lidos pelo Sr. Secretário da Mesa.
Tem a palavra o Sr. Secretário João Salgado.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: É do seguinte teor:

A Comissão dos Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação da Assembleia da República, tendo apreciado a mensagem de S. Ex.ª o Sr. Presidente da República em que solicita o assentimento para se deslocar em visita de Estado à

Página 455

10 DE JANEIRO DE 1992 455

República da Índia entre os dias 23 do corrente e 4 de Fevereiro, apresenta ao plenário da Comissão Permanente a seguinte proposta de resolução:
Nos termos do n.º 1 do artigo 132.º da Constituição, a Assembleia da República dá o assentimento à visita de Estado de S. Ex.ª o Sr. Presidente da República à República da índia entre dias 23 do corrente e 4 de Fevereiro.

O Sr. Presidente: - Não havendo pedidos de palavra, vamos proceder à votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Estão em aprovação os n.ºs 1 a 7 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias dos dias 4 a 14 de Novembro de 1991. Não havendo objecções, consideram-se aprovados.
Conforme dispõe a lei, o Sr. Deputado Montalvão Machado fez-me a entrega pessoal da sua declaração, que, aliás, na primeira parte da reunião de hoje, foi aqui largamente comentada, a qual reza assim: «Mário Júlio Montalvão Machado, deputado eleito pelo círculo eleitoral de Lisboa, vem apresentar, nos termos do artigo 7.º da Lei n.º 3/85, de 13 de Março, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 94/89, de 29 de Novembro, e pela Lei n.º 98/89, de 29 de Dezembro (Estatuto dos Deputados), a renúncia ao mandato de deputado para o qual foi eleito em 6 de Outubro de 1991.»
Há vários relatórios de comissões para serem lidos, para o que dou a palavra ao Sr. Secretário João Salgado.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Do 2.º Juízo Correccional da Comarca de Lisboa, temos o processo n.º 1726/88, da 2.ª Secção, em relação ao qual o parecer da Comissão de Regimento e Mandatos é o seguinte: «Autorizar o Sr. Deputado Carlos Cardoso Laje a ser ouvido na qualidade de testemunha no âmbito do processo acima referenciado.»

O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Não havendo pedidos de palavra, vamos proceder à votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Tem a palavra o Sr. Secretário João Salgado.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, em relação ao processo n.º 657/91, do 2.º Juízo, a Comissão de Regimento e Mandatos emitiu o seguinte parecer «Autorizar os Srs. Deputados Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos e Maria Leonor Beleza de Mendonça Tavares a prestarem depoimento por escrito na qualidade de testemunhas.»

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Não havendo inscrições, vamos proceder à votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Tem a palavra o Sr. Secretário João Salgado.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Dos Juízos Cíveis da Comarca de Lisboa, em relação ao processo n.ºs 1662, do 7.º Juízo, 1.ª Secção, a Comissão de Regimento e Mandatos emitiu o seguinte parecer: «Autorizar o Sr. Deputado Mário António Baptista Tomé, na qualidade de testemunha, a ser presente no referido processo.»

O Sr. Presidente: - Está em discussão. Não havendo pedidos de palavra, vamos proceder à votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Tem a palavra o Sr. Secretário João Salgado.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, em relação ao processo n.º 5445, do 17.º Juízo, 3.ª Secção, a Comissão de Regimento e Mandatos emitiu o seguinte parecer: «Autorizar o Sr. Deputado Mário Júlio Montalvão Machado a depor em audiência de julgamento, na qualidade de testemunha, no processo acima em referência e autorizar o Sr. Deputado Rui Alvarez Carp a prestar depoimento por escrito no referido processo.»

O Sr. Presidente: - Como repararam, há uma parte deste parecer que, infelizmente para nós, já não tem actualidade. Na parte que tem utilidade, está em discussão.
Dado que ninguém pede a palavra, vamos proceder à votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Tem a palavra o Sr. Secretário João Salgado.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, em relação ao processo n.º 4493, da 2.ª Secção, a Comissão de Regimento e Mandatos emitiu o seguinte parecer: «Autorizar o Sr. Deputado António de Almeida Santos a depor, na qualidade de testemunha, e não autorizar, no mesmo processo, o Sr. Deputado Manuel Alegre de Melo Duarte a depor, também na qualidade de testemunha.»

O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Como não há inscrições, vamos proceder à votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Tem a palavra o Sr. Secretário João Salgado.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Dos Juízos Criminais da Comarca de Lisboa, em relação ao processo n.º 104/87, do 2.º Juízo. I.ª Secção, a Comissão de Regimento e Mandatos emitiu o seguinte parecer: «Autorizar o Sr. Deputado António de Almeida Sumos a depor, em audiência de julgamento, na qualidade de testemunha.»

O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Tem a palavra o Sr. Secretário João Salgado.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Por último, do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, em relação ao processo n.º 9641, do 2.º Juízo, 2.ª Secção, a Comissão de Regimento e Mandatos emitiu o seguinte parecer: «Autorizar o Sr. Deputado António Luís Santos Costa a ser inquirido, na qualidade de testemunha, no processo em referência.»

Página 456

456 I SÉRIE - NÚMERO 19

O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Não havendo inscrições, vamos proceder à votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Vamos entrar na segunda parte da ordem do dia.
Estão marcadas votações para as 18 horas de hoje, conforme está previsto no Regimento. Entretanto, teremos tempo ainda para fazer a discussão de uma petição.
Por consenso dos grupos parlamentares, a ordem que consta da convocatória vai ser modificada, pelo que vamos começar pela petição n.º 237/V (4.º). Trata-se de uma petição apresentada pela Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Ferroviários Portugueses (comissão de reformados), solicitando a promoção de um debate sobre as pensões dos ferroviários. Esta petição foi publicada no Diário da Assembleia da República, 2.ª série-C, n.º 21, de 7 de Março de 1991.

O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.

O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente, dado que já aqui sublinhámos a presença nas galerias de um simpático grupo de jovens, questiono a Mesa sobre se não seria também de assinalar a presença deste grupo alentado de idosos, reformados, aposentados e pensionistas, antigos ferroviários portugueses. Uma pátria não é só profecia, é também memória. Eles merecem também os nossos aplausos.

O Sr. Presidente: - A Mesa agradece a lembrança e associa-se à homenagem prestada, porventura, aos mais velhos de nós que se encontram na Sala.

Aplausos gerais.

O Sr. Leonardo Ribeiro de Almeida (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Leonardo Ribeiro de Almeida.

O Sr. Leonardo Ribeiro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, anunciou V. Ex.ª que vamos começar os trabalhos pela discussão da petição n.º 237/V (4.º). Acontece que, há alguns momentos, foi entregue no serviço de apoio à Comissão de Petições um ofício proveniente do Movimento Democrático de Reformados e Pensionistas, que acompanha o original e sete cópias de um documento que se pode considerar uma análise da matéria desta petição.
A petição não é enviada por uma federação de sindicatos; é uma petição que tem natureza colectiva porque é subscrita por cerca de 1200 pessoas singulares, e é isso que lhe permite ter a natureza de colectiva. No entanto, exactamente por isso, parece que nada deve haver a opor ao conhecimento deste documento, que se considera que poderá ter uma útil função instrutória do objecto desta petição. E porque ele chegou exactamente há pouco tempo à minha mão, ordenei a sua junção ao processo da respectiva petição, mas pedia a V. Ex.ª que fizesse distribuir pelos grupos parlamentares cada um dos exemplares que vinham a acompanhar este ofício, que farei chegar às mãos de V. Ex.ª.

O Sr. Presidente: - Agradeço, pois, a V. Ex.ª que faça chegar à Mesa os documentos a que fez referência.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Vieira.

O Sr. Rui Vieira (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: A petição n.º 237/V, que hoje aqui apreciamos, subscrita por 1663 ferroviários reformados, apresenta a esta Assembleia duas situações que afectam a generalidade dos reformados da CP: primeiro, a degradação das pensões de reforma e, segundo, a inclusão do subsídio de renda de casa no cálculo das pensões, suspenso, pelo CNP, sem fundamento legal consistente.
Em 9 de Fevereiro de 1991, numa sessão de perguntas ao Governo, interpelei o Sr. Secretário de Estado da Segurança Social sobre esta matéria e também, lembro aqui, sobre o drama dos reformados do Caminho de Ferro de Benguela.
Das respostas dadas por este membro do Governo convém lembrar o seguinte, relativamente à actualização das pensões: «Elas são, de acordo com a lei em vigor, actualizadas em função da taxa de aumento salarial dos trabalhadores da CP, isto é, os pensionistas da CP têm, em cada ano, um aumento igual ao dos trabalhadores activos da CP.»
Sobre o subsídio de renda de casa, disse o Sr. Secretário de Estado, depois de referir a existência de decisões judiciais contraditórias: «Vamos continuar a analisar esta situação com toda a seriedade que é requerida e estou convencido de que vamos encontrar uma solução.»
A primeira afirmação do Sr. Secretário de Estado - como tive oportunidade de lhe dizer na altura -, além de não apontar qualquer solução para repor o poder de compra de muitos reformados que recebem montantes baixíssimos, não é exacta. Quanto à segunda, configura uma promessa que não teve, até agora, qualquer concretização.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As pensões dos ferroviários vêm sofrendo, ano após ano, um grande desgaste. Não têm acompanhado a evolução dos vencimentos dos seus colegas no activo e muito menos a evolução da inflação.
Das actualizações verificadas após a publicação do Decreto-Lei n.º 49 514, de 31, de Dezembro de 1969, apenas 1 das 17 actualizações verificadas, repito, apenas 1, excedeu em 0,3% a taxa da inflação registada no ano anterior. Todas as restantes se traduziram em perdas sucessivas do poder de compra dos reformados.
Por outro lado, o subsídio de renda de casa, igual a 10 % do vencimento, foi sempre pago aos reformados, em cumprimento do disposto no artigo 13.º do Regulamento da Caixa de Pensões de Reforma da CP. E isto verificou-se até ao momento em que o Centro Nacional de Pensões, numa decisão, pelo menos, ou no mínimo, legalmente duvidosa, suspendeu o seu pagamento.
O Sr. Secretário de Estado tinha razão ao invocar a existência de decisões judiciais contraditórias sobre este assunto. Todavia, não se pode ignorar que a maioria delas são, ou foram, favoráveis ao ponto de vista dos reformados, nomeadamente alguns acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça.
Posto isto e em conclusão, não tenho dúvidas quanto à justeza da petição dos ferroviários reformados.
Assim, impõe-se que o Governo, através da Secretaria de Estado da Segurança Social, faça cumprir as disposições legais já aqui invocadas.

Aplausos do PS e do PSN.

Página 457

10 DE JANEIRO DE 1992 457

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A petição em apreço, subscrita por centenas de homens e mulheres que vivem o último quartel de uma vida de trabalho, vem confrontar a Assembleia da República com duas questões que constituem, primeiro, uma justa reivindicação e, segundo, uma reparação de uma injustiça.
Decerto, os que estão nas galerias apreciaram muito os aplausos dos deputados, mas apreciariam muito mais as medidas de justiça a que aspiram.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A primeira questão, que envolve cerca de 20 000 ex-ferroviários, tem a ver com a degradação das pensões verificadas nos últimos anos. Através do artigo 28.º do Regime n.º 27 e do Decreto-Lei n.º 49 514, é reconhecido aos reformados um aumento das pensões ao nível da percentagem dos aumentos dos vencimentos dos trabalhadores do activo.
O aumento das reformas, por não ser matéria de negociação colectiva há já vários anos, fica sujeito ao arbítrio e a um mero acto de gestão da administração da empresa, que sistematicamente envia para a segurança social os aumentos da tabela salarial e não, como deveria fazer, o valor da média do aumento dos vencimentos. Assim o deveria entender a Secretaria de Estado da Segurança Social.
Em cada ano que passa, os 20 000 reformados da CP vêem cavar mais o fosso entre o aumento das suas reformas e o aumento dos vencimentos dos trabalhadores no activo.
Refugia-se o Governo no argumento dos pesados encargos para a segurança social e justifica esta degradação com o nível médio das pensões dos ferroviários, mais elevado que a generalidade dos outros reformados e pensionistas. Mas se não se pode comparar o que não é comparável, se é inaceitável a tendência do Governo em fazer nivelamentos por baixo, há que relembrar a situação de milhares de reformados ferroviários que têm de receber complementos para atingir o valor da pensão do regime geral.
É de inteira justiça que o Governo dê cumprimento tão-só aos princípios e directrizes emanadas do Decreto-Lei n.º 49 514, aumentando as reformas em conformidade com os aumentos dos vencimentos.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A segunda questão tem a ver com o subsídio de renda de 10 %, que vigorou por intermédio do Regime n.º 27 até 1955. Através de uma convenção negociada em Junho desse ano o subsídio deixou de ser pago. Mas recursos sistemáticos aos tribunais do trabalho, da Relação e ao próprio Supremo Tribunal de Justiça, levam a que, por acórdão, se entendesse que «o subsídio de renda de casa devido aos trabalhadores da CP deve ser considerado nos cálculos das pensões de reforma que lhe são pagas pelo Centro Nacional de Pensões, não obstando a tal direito o facto de terem deixado ilegalmente de receber subsídios de renda de casa».
Perante o despacho favorável aos processos dos reformados, o Centro Nacional de Pensões conciliou-se com mais de 5000 beneficiários. Só que outros na mesma situação, com os mesmos descontos, a mesma profissão, foram discriminados num acto de flagrante injustiça.
A razão de ser desta injustiça reside na Lei n.º 28/84, ao transferir dos tribunais do trabalho para os tribunais administrativos a competência para o contencioso da previdência social e ao reduzir drasticamente os prazos de recurso.
A Administração Pública, ao violar o princípio da igualdade, pratica uma injustiça clamorosa com os reformados que em 1955 tinham uma categoria profissional com direito ao subsídio de renda de casa e se mantiveram até à reforma em categorias com direito a tal subsídio.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por intermédio de requerimento ao Governo, o Grupo Parlamentar do PCP prosseguirá os seus esforços para que os milhares de reformados vejam finalmente concretizadas as suas justas reclamações aqui peticionadas.
As organizações representativas dos reformados da Companhia dos Caminhos de Ferro - CP estão cansados mas não vencidos na razão que lhes assiste. Para além da lei, exigem a reposição da justiça.

Aplausos do PCP.

Neste momento, verificam-se manifestações de público presente nas galerias.

O Sr. Presidente: - Srs. Cidadãos que estão nas galerias, não é legítimo que se manifestem quando os Srs. Deputados falam.
Tem a palavra o Sr. Deputado Branco Malveiro, para uma intervenção.

O Sr. Branco Malveiro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fui encarregado, por parte da bancada social-democrata, de arrolar algumas considerações de índole técnica sobre a petição apresentada pela comissão de reformados da Federação dos Trabalhadores Ferroviários Portugueses, na qual se solicita a promoção deste debate sobre as pensões dos ferroviários.
Porém, ao circunscrever a intervenção, exclusivamente, à questão destas pensões, dissociando-a de uma mais ampla abordagem da generalidade das pensões do sistema da segurança social portuguesa, desvirtua-se, de outra forma, uma melhor consciencialização das várias nuances desta problemática.
Concomitantemente os quatro minutos regimentais disponíveis ainda mais dificultam esse desiderato. E é pena!
Mas vejamos: a concessão das pensões aos trabalhadores ferroviários inscritos nas «caixas» constituídas antes de 1 de Julho de 1955 regem-se pelos regulamentos especiais daquelas mesmas caixas.
Na verdade, nos regimes especiais, o valor da pensão tanto pode ser o do último vencimento como atingir 100% do vencimento médio dos últimos 36 meses.
Ora, no regime geral da segurança social, o valor da pensão não pode ser superior a 80 % do salário médio, sendo este calculado com base nas retribuições dos 5 melhores dos últimos 10 anos.
No caso em apreço, também a actualização destas pensões tem correspondido ao valor médio do aumento dos vencimentos dos trabalhadores ferroviários no activo, direito consagrado nos seus instrumentos de regulamentação colectiva.

Página 458

458 I SÉRIE - NÚMERO 19

Quanto ao subsídio de renda de casa, a CP, por força das funções que determinados agentes ferroviários desempenhavam, atribuía-lhes casa gratuita ou subsídio de renda, princípio que deixou de ser concedido a partir do acordo colectivo de trabalho de 1 de Julho de 1955.
Neste contexto, não pode a Caixa Nacional de Pensões, ou agora o Centro Nacional de Pensões, nem deve, incluir no cálculo inicial de pensão os 10% relativos ao então subsídio de renda de casa, porque o mesmo não foi pago ao trabalhador nos 36 meses que precederam a data da sua reforma, alem de que o mesmo foi extinto há quase 40 anos.
Como base referencial de análise, aqui fica, em forma de quadro comparativo, a evolução dos valores da pensão média anual dos trabalhadores ferroviários e a dos trabalhadores do regime geral. Por falta de tempo, citarei apenas três anos, para exemplo: em 1985, a pensão média dos ferroviários situava-se nos 13 800$, enquanto a pensão média do regime geral era de 7600$.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Isso não vale! É uma comparação triste!

O Orador: - Em 1988, a pensão média dos ferroviários situava-se nos 27 100$, enquanto no regime geral era de 13 000$. E no último ano, em 1991, a pensão media dos ferroviários situava-se nos 41 100$, enquanto a pensão média do regime geral, como todos sabem, era apenas de 20 000$.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: O Partido Social-Democrata sempre considerou o homem como o único valor absoluto; por isso, é o primeiro a reconhecer, sem tibiezas, que o valor das pensões dos reformados ainda se situa em parâmetros abaixo do desejável. Porem, é indiscutível que os últimos governos da responsabilidade do PSD foram os que maior atenção e consideração prestaram à situação dos reformados portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E é em função desse enorme esforço desenvolvido, conducente à maior dignificação das suas condições de vida, que, estamos crentes, o futuro lhes irá ser cada vez mais promissor.
Mas, para terminar - e existe sempre esta infeliz adversativa -, se no evangelho da Igreja, no princípio é o Verbo, no «evangelho» da segurança social, no princípio é a «verba».
Eis a questão!

Aplausos do PSD.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Que tristeza!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário, para interpelar a Mesa.

O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Presidente, V. Ex.ª decidiu, e bem quanto a nós, distribuir um documento que o Sr. Presidente da Comissão de Petições aqui nos trouxe, do Movimento Democrático de Reformados e Pensionistas, onde vem uma exposição vasta sobre esta matéria.
Julgo que o Sr. Deputado do PSD que acabou de usar, da palavra não teve acesso a este documento e, portanto, solicitava que também lhe fosse entregue uma cópia.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, está esgotada a apreciação da petição n.º 237/V (4.º).
Vamos proceder, às votações que estão previstas para as 18 horas.
Peço aos serviços que avisem as comissões em reunião de que se vai proceder a votações.

Pausa.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na generalidade, nos termos do artigo 153.º do Regimento, da proposta de lei n.º 6/VI e dos projectos de lei n.º 36/VI e 37/VI, acerca do estatuto jurídico da Radiotelevisão Portuguesa.
A ordem de votação, de acordo com os critérios regimentais, vai ser a seguinte: primeiro votar-se-á a proposta de lei e em seguida os dois projectos de lei, pela ordem que deram entrada na Mesa, ou seja, primeiro o do PCP e depois o do PS.
Srs. Deputados, vamos votar a proposta de lei n.º 6/VI -Transforma a Radiotelevisão Portuguesa. E. P., em sociedade anónima.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do CDS e do PSN e votos contra do PS, do PCP, de Os Verdes e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

O Sr. João Amaral (PCP): - O PSN também vota a favor?!

O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Não confunda que estamos a votar o estatuto da televisão. Estou com os reformados, quanto à petição. Não confundam!

Aplausos do PSD.

Vozes do PCP: - Eh!...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do projecto de lei n.º 36/VI (PCP) - Estatuto da Radiotelevisão Portuguesa, E. P.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS, votos a favor do PCP e dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé e abstenções do PS e do PSN.

Srs. Deputados, vamos votar o projecto de lei n.º 37/VI (PS) - Estatuto da empresa concessionária do serviço público de televisão - RTP. S. A.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do CDS, do PSN e do deputado independente Mário Tomé e abstenções do PCP e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.

Srs. Deputados, terminadas as votações agenciadas para hoje, vamos prosseguir os nossos trabalhos com a apreciação da petição n.º 222/V (4.ª); apresentada por Francisco Rafael Henrique de Matos e outros trabalhadores da Sociedade Geral de Metalomecânica, solicitando a intervenção da Assembleia da República no sentido de suster, o processo de privatização da SGM (Sociedade Geral de Metalomecânica).

Página 459

10 DE JANEIRO DE 1992 459

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Penedos.

O Sr. José Penedos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dentro dos limites estreitos consentidos à oposição em matéria como a das privatizações, quase apetece interrogarmo-nos sobre a utilidade do agendamento da petição n.º 222/V (4.º), em que os trabalhadores da Sociedade Geral de Metalomecânica solicitam a intervenção da Assembleia da República no sentido de suster a privatização da empresa.
A lógica global do Governo no processo de privatizações escapa-nos, a menos que a reduzamos a duas constatações: uma, a que assenta no princípio da redução do peso do Estado na economia, banalizado na fórmula «menos Estado, melhor Estado»; outra, a que é subordinado a um critério de prioridade na realização de mais-valias e a sua clara instrumentalização orçamental para reduzir o défice, como se entende.
Não tem o PS preconceito contra o mercado, como tem o PSD contra o Estado. Aceitamos, sem esforço, que algumas actividades possam ser mais eficazmente desenvolvidas no quadro da iniciativa privada, como continuamos a entender que outras justificam plenamente o interesse e o empenhamento protagonista do Estado.
Gostaríamos de ver o Governo empenhado, como diz, na modernização da economia, mas com a expressão sectorial que tal implica, plasmada em programas que esta Assembleia deveria conhecer, e designadamente um programa calendarizado de forma a permitir a recomposição do capital nacional, necessário para evitar a perda de propriedade para estrangeiros, como consequência das pressas privatistas.
Por isso e relativamente à petição dos trabalhadores da Sociedade Geral de Metalomecânica, cabe perguntar: tem o Governo um programa para a reorganização da indústria metalúrgica e metalomecânica que permita a sobrevivência do sector em mercado alargado e sem alienação de responsabilidades quanto ao volume global de emprego a garantir? Está inventariado o esforço de formação e reciclagem profissional a fazer neste sector? Há uma dimensão mínima de intervenção estatal que salvaguarde a componente estratégica do sector?
Quando estas questões não se encontram respondidas, em vez da coesão social, que este governo também já apropriou discursivamente, encaminhamo-nos para situações de dramática exclusão social, de estratos de mão-de-obra que não conseguirão reentrar no mercado de trabalho. E o exemplo recente de algumas privatizações não nos sossega, porque não foram acautelados os destinos individuais dos trabalhadores nem os interesses do equilíbrio de distribuição regional das unidades produtivas.
E a península de Setúbal - como emblema de sucesso da reconversão industrial deste governo - continua a sofrer de uma rigidez de oferta de trabalho que não pode deixar de estar presente na avaliação da petição dos trabalhadores da Sociedade Geral de Metalomecânica. Eles também conhecem a noção de mobilidade de que se alimenta hoje o discurso do Governo, mas a mobilidade da mão-de-obra tem condições objectivas que não estão satisfeitas em Portugal e que, em especial, têm a ver com os problemas de formação profissional e de acesso à habitação.
Por isso, no conceito de mercado regulado, que defendemos para a actividade económica, cabe o reinvestimento das mais-valias resultantes das privatizações em actividades produtivas - onde se revele escassa a iniciativa dos cidadãos mas se reconheça o manifesto interesse nacional - e ainda na realização de finalidades sociais, que o Partido Socialista considera obrigação inalienável do Estado.
A solidariedade não pode ser erigida em bandeira de mistificação eleitoral, tem de ser um valor-testemunho da relação entre o Estado e os cidadãos.
O preconceito que o PSD revela contra o Estado tem, apesar de tudo, uma expressão contraditória: à medida que fala da redução do peso do Estado, por via das privatizações, cresce a presença tentacular da Administração, seja na vertente fiscal, burocrática ou regulamentar, de tal modo que, cada vez mais, vamos sentindo que com este governo temos pior Estado sem que nos apercebamos que há menos Estado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Castro Almeida.

O Sr. Manuel Castro Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As privatizações já estiveram em debate nesta Assembleia, precisamente na última reunião em que tratámos de petições.
Nessa altura, ao abordar uma petição, apresentada pela CGTP, que convidava a Assembleia a suster o processo de privatizações em Portugal, tive oportunidade de ressaltar algumas das orientações do Governo e do PSD em matéria de privatizações, que decorrem basicamente das orientações emergentes do processo de revisão constitucional, que teve nesta Assembleia uma larga maioria, e da lei quadro das privatizações, em relação à qual, nessa altura, não foi possível obter o acordo do maior partido da oposição.
Aliás, em matéria de privatizações, não conseguimos ainda vislumbrar uma posição clara e inequívoca da parte do Partido Socialista, que, nesta matéria, parece preferir adoptar a estratégia de «um passo atrás e um passo à frente»...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: -... ou, se calhar, «um passo à frente e dois passos atrás».

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E quer há um mês atrás quer na intervenção de hoje ressalta que o Partido Socialista utiliza cinco segundos a apoiar o processo de privatizações e cinco minutos a apresentar as razões por que não deveria apoiá-lo.
Pela nossa parte, pensamos que o Governo deve continuar, e aprofundar, o processo de privatizações, como requisito e condição para a convergência que prometemos aos Portugueses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta petição que estamos concretamente a analisar - apresentada por um conjunto de trabalhadores da Sociedade Geral de Metalomecânica -, penso, trata-se de um equívoco. Isto porque, pedindo à Assembleia que tome posição contra o processo de privatizações, esta sociedade é, desde 1985, de direito privado. Está, portanto, ao arrepio completo do processo de privatizações desencadeado em Portugal depois da

Página 460

460 I SÉRIE - NÚMERO 19

última revisão constitucional e da lei quadro das privatizações.
Desde 1985 que a Sociedade Geral de Metalomecânica tinha o seu capital repartido do seguinte modo: um terço encontrava-se na posse de um grupo privado português, outro terço na posse de um grupo privado estrangeiro e o restante pertencia ao IPE. Daí que a Assembleia ou o Governo não pudessem, necessariamente, fazer coisa alguma, em termos de intervir nesta empresa. Além do mais, mesmo que o pudessem fazer, através do IPE, o IPE tinha uma posição minoritária na empresa.
Sucede que o estudo de viabilidade feito à empresa provou a sua inviabilidade, pelo que foi extinta, e todos os seus trabalhadores - ao que sei - previamente apresentaram os seus pedidos de rescisão dos contratos.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Forçados!

O Orador: - Ora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o PSD lamenta, naturalmente, o insucesso de qualquer iniciativa empresarial privada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Só que ninguém pode esperar que o Governo ou o PSD vá intervir na viabilização de empresas privadas inviáveis.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dois anos após a entrega da petição dos trabalhadores da Sociedade Geral de Metalomecânica, um ano após a liquidação de 600 postos de trabalho e o encerramento definitivo da maior empresa de metalomecânica do distrito de Setúbal, pode colocar-se como questão primeira saber se esta discussão tem objecto. É nosso entendimento, tal como dos peticionários (hoje a trabalharem à hora e em empreitadas naquilo que aparece), que sim, que tem objecto. Nem que fosse para demonstrar que os trabalhadores tinham razão e que o atraso na apreciação das petições não se conforma com os objectivos a que a lei se propunha nem com as justas expectativas dos peticionários.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A apreciação atempada da petição poderia alterar o curso dos acontecimentos e o seu desfecho? Admitamos que não. Mas poderia ter influído positivamente tanto nas causas como nos efeitos.
O caso da SGM (Sociedade Geral de Metalomecânica) é um caso típico da voracidade do grande capital, da qual não estuo ilibados o Governo e o IPE.
Através do acordo estabelecido entre o IPE, a MAGUE e a multinacional ABB e após a criação da holding SENET, era previsível que iria ser desenvolvido um processo de liquidação da SGM devido aos interesses monopolistas da SENET.
O plano traçado a frio neutralizou, em primeiro lugar, a EQUIMETAL Barreiro, com alguns trabalhadores a serem enviados para a SGM. Apesar dos vultosos investimentos do IPE na SGM e do seu pessoal altamente qualificado, passou-se à 2.ª fase: liquidar a empresa, concentrando exclusivamente a produção nas outras empresas da SENET. Os pesados custos sociais e a importância económica para o distrito de Setúbal de uma empresa desta natureza foram secundados e sacrificados à estratégia da multinacional que compra para abate estas unidades de produção.
Na Amora, as instalações da SGM são hoje uma empresa fantasma, sem homens e com o equipamento a degradar-se. Demonstração inequívoca da estratégia concentracionária e anticoncorrencial no sector da metalomecânica pesada por parte do grupo multinacional é o impedimento de instalação de qualquer outra grande empresa do sector na zona da Amora e Barreiro. Tal estratégia fez escola em Espanha, onde o grupo multinacional comprou as empresas estatais para, de seguida, as encerrar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O caso da SGM trazido à ordem do dia demonstra o fracasso da denominada política de sucesso e justifica que se arrepie caminho. O desenvolvimento desta importante indústria está á sofrer rudes golpes. Nas empreitadas da SETENAVE, da LISNAVE, das pequenas e médias empresas, no Fundo de Desemprego, será possível hoje encontrar os 600 peticionários que há dois anos atrás orgulhosamente se consideravam profissionais de grande qualificação.
A Assembleia da República, não sendo a protagonista do processo e do seu desfecho, ficou irremediavelmente em dívida com os peticionários.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Acabaram as inscrições para a petição n.º 222/V (4.º), pelo que está cumprido o Regimento relativamente ao seu debate. Vamos passar à discussão da petição n.º 225/V (4.º), apresentada pela Federação dos Sindicatos de Metalurgia, Metalomecânica e Minas de Portugal, solicitando a inviabilização dos projectos governamentais que visam alterar a legislação do trabalho.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Lamego.

O Sr. José Lamego(PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os subscritores da petição n.º 225 da V Legislatura dirigiram-se à Assembleia da República solicitando a inviabilização dos projectos governamentais que visavam a alteração da legislação de trabalho, nomeadamente em matéria de regime jurídico de trabalho de menores, das férias, do trabalho em comissão de serviço, do período experimental, da duração do trabalho e da cessação do contrato de trabalho por inadaptação. Esta petição vem subscrita por 7959 cidadãos e, de acordo com o n.º 1 do artigo 18.º da Lei n.º 43/90, de 10 de Agosto, a apreciação do seu conteúdo é da competência do Plenário da Assembleia da República.
O Partido Socialista apresentou sobre estas matérias iniciativas legislativas próprias e também diversos requerimentos de avocação, que, tal como as suas iniciativas legislativas, foram rejeitados pela maioria parlamentar do PSD. Contamos ainda nesta sessão legislativa voltar a apresentar projectos de lei sobre algumas destas matérias.
Consideramos que a persistência em Portugal de trabalho infantil em larga escala deve constituir uma preocupação permanente desta Assembleia, tal como consideramos que a admissão de despedimentos individuais fora de situações

Página 461

10 DE JANEIRO DE 1992 461

de justa causa deverá merecer cuidados que a actual legislação não acautela. Para além disso, causa-nos a maior apreensão a precarização real de muitas situações de prestação de trabalho, fora dos enquadramentos legais vigentes. Esperamos que tudo isto venha a merecer a atenção desta Câmara na presente sessão legislativa.
É sabido também que o PS votou contra a legislação elaborada pelo Governo. E é também sabido que o PS apontou a inconstitucionalidade decorrente da não audição prévia das organizações de trabalhadores, para além de ter suscitado dúvidas sobre a constitucional idade material de muitos preceitos legislativos.
O Tribunal Constitucional corroborou esta posição do Partido Socialista quando declarou a inconstitucionalidade de todas as normas, com fundamento em inconstitucionalidade formal, no quadro da fiscalização preventiva desses diplomas requerida pelo Sr. Presidente da República. Sanada posteriormente a inconstitucionalidade formal, subsistem, na opinião do Partido Socialista, normas cuja inconstitucionalidade material é evidente. Mas quem, com força de autoridade, se pronunciará sobre estas questões será o Tribunal Constitucional, junto de quem está pendente processo de fiscalização sucessiva de constitucionalidade desta legislação.
Esta foi e é a posição do Partido Socialista.
Nós, PS, reconhecemos a autonomia plena dos parceiros sociais e para nós a concertação é um instrumento legítimo de regulação de interesses. Consideramos que a UGT celebrou - nas condições políticas e sócio-económicas existentes - o acordo que era o possível, salvaguardando os interesses dos trabalhadores e os do sindicalismo em Portugal. Nisso divergimos claramente da posição política geral indiciada pelos peticionários.

onsideramos, no entanto, que os princípios e objectivos do acordo económico e social subscrito em 19 de Outubro de 1990, no âmbito do Conselho Permanente de Concertação Social, foram concretizados de modo deficiente e deram origem a uma legislação que é em muitos pontos deficiente e inconstitucional, e que, por isso, do PS só poderia esperar o voto negativo, tal como aconteceu nesta Assembleia.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, jovens, trabalhadores de qualquer idade, e muito em especial trabalhadores mais idosos na situação forçada de contratados a prazo, mulheres e homens do meu país, que logo a seguir ao acto eleitoral de 6 de Outubro receberam em casa a missiva que os colocava na prateleira de trabalhadores a despejar por despedimento colectivo:- disponho de quatro minutos - que grande benesse! - para me pronunciar sobre uma petição subscrita por cerca de 8000 trabalhadores, entregue nesta Assembleia em finais de Janeiro de 1991, e que só é discutida cerca de um ano depois.
A Assembleia da República, apesar desta petição e dos pareceres que surgiram sobre os objectivos do Governo quanto à desregulamentação completa das relações de trabalho, já autorizou - mal! - o governo anterior a introduzir múltiplas malfeitorias nas leis de trabalho.
O Governo já alterou, em diplomas publicados no Diário da República em 16 de Outubro, a sua própria versão, a primeira, do pacote laboral - o Decreto-Lei n.º 64-A/89.
São já possíveis: os despedimentos por inadaptação; os despedimentos por falta de confiança política; semanas de 50 horas de trabalho; períodos experimentais alargados, por forma a poder ser dispensada a própria celebração por escrito de contratos a prazo; a venda forçada do direito a férias e as pré-reformas, com graves atentados a regalias sociais. Enfim, tudo aquilo a que se opunham, e opõem, os subscritores desta petição e também a grande maioria dos trabalhadores portugueses, para quem a incerteza do emprego no amanhã e da sua disponibilidade em tempos de lazer no dia seguinte arrasta uma constante instabilidade que quase inutiliza a sua realização pessoal no seio das famílias.
Ouvimos recentemente nesta Assembleia - e talvez seja por isso que um deputado do PSD se está a rir -, e pela boca de um jovem do PSD, apesar das gravosas medidas atrás apontadas, ainda um lamento pelo facto de ser quase tão difícil conseguir a cessação de um contrato de trabalho como obter uma sentença de divórcio! Isto foi dito, há dois ou três dias.
Não sei se me é possível, neste momento, traduzir em termos de entoação de voz os pontos de exclamação suscitados por aquela afirmação, mas o que é possível e chamar a atenção para o facto de se terem verificado, afinal, as ameaças para que alertámos logo que foi discutida a primeira versão do pacote laboral.
O PSD já atingiu uma nova meta, um novo patamar, porque tudo é possível no «pomar das laranjeiras»! E, por isso, se revela útil o debate desta petição: para que se torne claro que fazia parte da «floresta de enganos do PSD» a promessa eleitoral das 40 horas semanais de trabalho e para que fique bem patente que os diplomas publicados se destinam a precarizar os vínculos laborais, na perspectiva de novas crises pelo modelo de industrialização que já provou o seu falhanço e em que se reincide apesar do recente exemplo do vale do Ave; ficando claro que a desumana política do Governo vira as costas ao desenvolvimento regional para privilegiar outros interesses.
Na «romagem dos agravados», que diariamente aumenta, continua a ouvir-se, pela sua notável e perene actualidade, a voz daqueles que, com o trabalho empobrecido, repetem: «Nós somos vida das gentes e morte das nossas vidas.»
Contra todas as afirmações demagógicas (entre as quais a histriónica frase, recentemente ouvida nesta Assembleia e também oriunda da bancada do PSD, que referia: «A população acolheu bem o Q2») é preciso continuar a lutar!
Dando satisfação às reivindicações dos trabalhadores, o PCP apresentou, logo no início da sessão legislativa, dois projectos de lei que se encontram em discussão pública. Propomos de novo a redução do horário de trabalho para 40 horas semanais e, em certos casos de trabalhos penosos para 35 horas, e a revogação das normas mais gravosas dos dois pacotes laborais.
Os trabalhadores deste país, da nossa pátria, podem contar sempre connosco, em todas as circunstância. Que a esperança nunca morre! E, tal como escreveu Shakespeare, «a hora da maior escuridão chega justamente, antes do alvorecer».

Aplausos do PCP e do deputado do PS Marques Júnior.

Entretanto assumiu a presidência o Sr. Vice Presidente José Manuel Maia.

Página 462

462 I SÉRIE - NÚMERO 19

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Salvada.

O Sr. Rui Salvada (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A petição n.º 225/V, da iniciativa da Federação dos Sindicatos da Metalurgia, Metalomecânica e Minas de Portugal, visa reclamar da Assembleia da República a inviabilização das pretensões do Governo quanto ao pacote laboral, ao mesmo tempo que reafirma «a disposição de prosseguir a luta [...] caso [o Governo] não reconsidere a única decisão acertada que pode tomar - abandonar o pacote laboral».
Como é sabido, a questão substancial que a petição coloca está ultrapassada, uma vez que o conjunto de diplomas que era seu objecto já foi consagrado em forma de lei na sequência da autorização legislativa da Assembleia da República.
Mas, se esta questão está resolvida, a petição tem o mérito de tornar oportuna uma reflexão sobre o sentido político-social que está na base desta iniciativa da direcção da Federação dos Sindicatos da Metalurgia e Minas. É a primeira abordagem que gostaríamos de explicitar é a de uma sincera preocupação pelo evidente desfasamento entre a organização subscritora e o sentir da grande maioria dos trabalhadores portugueses.
O PSD, que sempre pautou a sua política no mundo do trabalho por um grande respeito pela autonomia das organizações sindicais face às forças partidárias e por conferir às organizações de trabalhadores um grande peso institucional enquanto representantes dos legítimos interesses dos trabalhadores, não pode deixar de lamentar que as posições defendidas na petição indiciem claramente um indesejável seguidismo em relação às posições conservadoras de algumas forças ditas de esquerda e, objectivamente, contrariem o interesse dos trabalhadores portugueses.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Não apoiado!

O Orador: - Recordo que o conjunto de diplomas em questão é uma consequência do acordo económico-social, que é a aposta mais seria que alguma vez se fez em Portugal no domínio do diálogo e da concertação social, e que mereceu o maior consenso entre o Governo e os parceiros sociais, os quais bem souberam interpretar o sentir da grande maioria dos trabalhadores portugueses, como, aliás, se viu em 6 de Outubro e como se vê no dia-a-dia da vida portuguesa, onde não se nota qualquer vestígio da lula que os peticionários, em 29 de Janeiro de 1991, afirmaram ir prosseguir.
O nosso país constrói-se todos os dias e nunca é tarde para reconsiderar e recomeçar. Perante o desfasamento real que emana do texto da petição, o PSD gostaria de aproveitar esta oportunidade para relembrar que os seus resultados eleitorais têm muito a ver com a coragem com que desfez alguns velhos tabus instalados na sociedade portuguesa, de que a sacralização da legislação laboral, enquanto quadro de referência pretensamente inamovível, era um dos maiores fantasmas. Os Portugueses e os trabalhadores perceberam bem e depressa que a «melhor e mais progressista» legislação do mundo - como a classificavam socialistas e comunistas - não impediu, antes potenciou, a existência em Portugal, no ano de 1985, de 500 000 desempregados e de 150 000 trabalhadores com salários em atraso. E que as alterações que, desde 1989, o PSD tem vindo a introduzir no ordenamento jurídico laboral propiciaram, em conjugação com o desenvolvimento global da economia, um praticamente pleno emprego, aumentos sustentados do valor real dos salários e a diminuição progressiva dos contratos a prazo, estes, sim, fonte inesgotável de instabilidade do emprego que um ido governo socialista quis tornar regra em Portugal.
Sendo as coisas como são - e elas são objectivamente assim! -, se aceitássemos como bons os propósitos dos subscritores da petição, estaríamos a ser coniventes com políticas que contrariam os interesses dos Portugueses, e em especial dos trabalhadores, coisa que, se a alguns pode não inquietar, o PSD rejeita liminarmente, ao mesmo tempo que reafirma a ideia-chave de que continuará, ao contrário de outros, a fazer do diálogo e da concertação social a metodologia de eleição, na qual todos os contributos são válidos e à qual todos os regressos são possíveis.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado Mário Tomé, pede a palavra pura que efeito?

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - É para lazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra Sr. Deputado.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, pretendo sublinhar - embora seja com o coração apertado que o faço - a situação, que não se coaduna com a convivência, o relacionamento e a transparência democrática, de haver forças, nesta Assembleia, que não podem pronunciar-se em determinados debates. Isso é minimizar não apenas a capacidade de intervenção dessas forças mas, também, o próprio funcionamento da Assembleia. Eu teria muito a dizer sobre estas petições, que são questões que são colocadas pelos cidadãos e às quais todas as forças deviam responder.
Espero, de facto, que o Regimento da Assembleia da República possa, na nova revisão, dar uma solução a este caso e aqui estou, perante todos os Srs. Deputados, para dar um contributo claro nesse sentido. No fundo, isto inscreve-se numa certa falta de transparência que as petições também revelam. Falta de transparência essa que também está presente nas reformas que são atribuídas com um determinado valor e se degradam, na forma como decorreu o licenciamento das rádios regionais e locais e, ainda, nas privatizações.
Assim, é preciso impedir tudo o que se inscreva numa falta de transparência democrática.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - O Sr. Deputado Mário Tomé não tez uma interpelação à Mesa na verdadeira acepção da palavra e nos termos regimentais. Mas, por outro lado, se alguma interpelação fez, respondeu imediatamente com o alerta pura a necessidade de revisão do Regimento da Assembleia da República.
Passamos à apreciação da petição n.º 245/V, apresentada pela comissão coordenadora das comissões de trabalhadores do sector bancário, solicitando que a Assembleia da República exerça a sua autoridade constitucional e os seus poderes de intervenção e fiscalização conducentes ao respeito e cumprimento das leis aprovadas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Artur Penedos.

Página 463

10 DE JANEIRO DE 1992 463

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No exercício dos direitos que a lei fundamental lhes confere, os peticionários, em número de 3411, e a comissão coordenadora das comissões de trabalhadores das empresas do sector bancário, solicitam a esta Câmara o exercício da - e passo a citar - «sua autoridade constitucional e democrática, os seus poderes de intervenção e fiscalização conducentes ao respeito e cumprimento das leis da República aí aprovadas».
De acordo com a lei quadro das privatizações, e atentos os objectivos do seu artigo 3.º, nomeadamente da sua alínea f), pretendeu-se «preservar os interesses patrimoniais do Estado e valorizar os outros interesses nacionais».
Ora, constituem verdadeiros interesses nacionais a atribuição e o reconhecimento - contidos na lei fundamental e demais legislação - de que aos trabalhadores assiste o direito de se fazerem representar nos órgãos sociais das empresas do sector empresarial do Estado.
E, se dúvidas houvesse quanto ao exercício de tais direitos, com a transformação daquelas empresas em sociedades anónimas, facilmente se dissipariam após uma breve leitura do Acórdão n.º 108/88 do Tribunal Constitucional.
Para os menos atentos, permitam-me, Srs. Deputados, que recorde aqui uma das muitas conclusões do referido acórdão que, em nosso entender, sustenta claramente o ponto de vista do Partido Socialista sobre a matéria. Refiro-me concretamente à seguinte passagem: «É de concluir que as sociedades anónimas com maioria de capitais públicos e decorrentes - em função do regime instituído pelo decreto n.º 83/V - de empresas nacionalizadas depois do 25 de Abril de 1974 [tivessem elas ou não o estatuto de empresas públicas!] se hão-de situar no sector público [....]».
Não colhe, portanto, o argumento usado pelos representantes do Governo nos conselhos de administração da banca pública de que a transformação das empresas públicas em sociedades anónimas veio retirar aos trabalhadores, de forma definitiva, a capacidade de se fazerem representar nos órgãos sociais da empresa.
Acresce, ainda, que a lei quadro das privatizações garante aos trabalhadores das empresas que foram objecto de reprivatização a manutenção de todos os direitos e obrigações de que eram titulares.
Ora, à data da dita transformação, os trabalhadores tinham representação nos órgãos sociais da generalidade, se não da totalidade, das empresas do sector bancário e, designadamente, nas comissões de fiscalização.
É sabido, e o Governo não pode negá-lo, que após a atrás citada transformação das empresas públicas em sociedades anónimas, os trabalhadores da banca pública se viram impedidos de exercer os direitos que a Constituição e demais legislação lhes conferem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Compele à Assembleia da República, perante tão flagrante violação dos normativos legais, exercer as suas competências de fiscalização e, consequentemente - outra atitude não será de esperar desta Câmara -, condenar vivamente tais actos e exigir do Governo, único responsável pelas referidas violações, a reposição da legalidade democrática.
Para o Partido Socialista, repor a legalidade decorre do normal exercício do mandato que o povo português lhe conferiu.
Ao Governo, que detém a capacidade de nomeação dos seus representantes nas empresas públicas, impõe-se o dever legal e moral de pôr fim à situação que ele próprio criou.

Aplausos do PS e do deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa para uma intervenção.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta petição dos trabalhadores do sector bancário, através da sua coordenadora de comissões de trabalhadores, centrada nos seus direitos individuais e colectivos, recoloca a discussão aqui realizada durante a apreciação da petição sobre o sector empresarial do Estado na vertente dos direitos dos trabalhadores face aos processos de privatizações em curso.
Numa consulta ao Diário da Assembleia da República, tanto na revisão da constituição económica como durante a discussão e aprovação da lei quadro das privatizações, verifica-se serem longas e abundantes as declarações e garantias dos deputados do PSD e do PS sobre os direitos contratuais e legais dos trabalhadores.
Aliás, quiseram-no demonstrar quando aceitaram incluir no texto da lei fundamental um novo artigo (90.º) que afirma - e cito - que «nas unidades de produção do sector público é assegurada uma participação efectiva dos trabalhadores na respectiva gestão».
Mantidos, e até reforçados, que foram os direitos de participação dos trabalhadores, no capítulo dos direitos fundamentais da Constituição, existindo uma lei da República que regulamenta os direitos de participação nas empresas, e, ainda, perante a jurisprudência do acórdão do Tribunal Constitucional que considerava salvaguardados e intocados os direitos individuais e colectivos dos trabalhadores face à lei quadro das privatizações, deveriam os mesmos ter sido acautelados.
No entanto, assim não foi. Omitindo e violando comandos constitucionais e legais, o Governo, nos processos de privatização e alteração estatutária das empresas do sector bancário, não reconhece o direito de emissão de parecer prévio das comissões de trabalhadores, nem o direito de participação nos órgãos de fiscalização e gestão dessas empresas, nomeadamente nos conselhos de fiscalização, o que era prática corrente anteriormente à alteração dos estatutos.
É tão clara a violação de tais princípios e direitos que o Provedor de Justiça, para além da consideração de inconstitucionalidade, recomendou à Assembleia da República a sua intervenção na matéria.
Para o Governo do PSD, a efectivação de tais direitos é mero empecilho à sua febre privatizadora entendendo que «no segredo é que está a alma do negócio». Aliás, numa leitura do Programa do Governo, a sua concepção reduz-se à entrega de algumas acções aos trabalhadores. É uma visão estreita da democracia participativa de que fala a Constituição.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No momento em que perpassa pela Europa comunitária uma grande discussão sobre o diálogo social e a participação dos trabalhadores na vida das empresas, no nosso país, e apesar da sua legislação mais avançada, o Governo recusa a democracia participativa, sonegando direitos que lhe dariam essa dimensão.
As comissões de trabalhadores dos bancários começam a sentir, no exercício dos seus direitos, os efeitos das privatizações. Neste ou naquele banco, são já os direitos

Página 464

464 I SÉRIE - NÚMERO 19

individuais ou as regalias adquiridas a estar ameaçados: refeitórios, creches e acesso ao crédito, entre outros.
Assim, se não podemos propor uma lei que faça cumprir a lei, continuaremos a bater-nos para que seja reposta a legalidade democrática.
Essa é a reclamação dos trabalhadores bancários!

Aplausos do PCP e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, pede a palavra para que efeito?

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, para interpelar a Mesa e efectuar um pedido directamente a V. Ex.ª.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, tem a palavra.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, em termos de interpelação é para referir, uma vez mais, o facto de novamente ter sido impedido, como deputado independente da Intervenção Democrática, de intervir neste debate onde...

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, vai desculpar-me...

O Orador: - Sr. Presidente, tenho uma interpelação e uma pergunta muito rápida a fazer a V. Ex.ª. Não é uma pergunta, mas um pedido.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, ainda há pouco o Sr. Deputado Mário Tomé interpelou a Mesa, precisamente, por essa razão. Só que o Sr. Deputado Mário Tomé não estava presente na Assembleia da República quando o Regimento foi alterado. Mas V. Ex.ª estava nessa altura, pelo que não vai interpelar a Mesa acerca de uma coisa sobre a qual sabe de antemão que não tem resposta e, muito menos, da minha parte.
Por outro lado, lembrava ao Sr.º Deputado - e mais Srs. Deputados - que as interpelações têm a ver apenas com dúvidas sobre as decisões da Mesa ou sobre a orientação dos trabalhos. Só sobre esta matéria é que pode haver interpelações.
Por isso, qual era o pedido que V. Ex.ª desejava agora fazer à Mesa?

O Orador: - Sr. Presidente, é exactamente sobre a orientação dos trabalhos que pretendo formular um pedido a V. Ex.ª.
Portanto, solicitava a V. Ex.ª que na próxima conferencia dos representantes dos grupos parlamentares - e enquanto não for melhorado o Regimento da Assembleia da República, o que, com certeza, vai acontecer, como V. Ex.ª sabe! -, quando houver lugar a debates sobre matéria desta natureza, na distribuição dos tempos aos deputados independentes, que representam forças com intervenção social, cultural e política, como é público e notório e como é o nosso caso, nos sejam, concedidos tempos, uma vez que temos tido possibilidade de intervir em todos os debates excepto em debates próprios como, por exemplo, o das petições.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, isso passa também por uma revisão do Regimento na medida em que este estabelece que a discussão é efectuada através dos grupos parlamentares. Mas é claro que a conferência dos representantes dos grupos parlamentares pode sempre analisar essa situação.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Arménio Santos.

O Sr. Arménio Santos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os autores da petição n.º 245/V solicitam deste Parlamento que use a sua autoridade para fazer respeitar os direitos dos trabalhadores bancários, em virtude de considerarem que Lei n.º 46/79 e os próprios direitos constitucionais estão a ser subvertidos no que concerne à participação dos profissionais bancários no processo de privatização de algumas instituições de crédito.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Vou tratar disso!

O Orador: - Ao percorrermos o normativo da Constituição, da lei quadro das privatizações, da Lei n.º 46/79 e do próprio acórdão que o Tribunal Constitucional emitiu sobre aquela lei quadro, e ao confrontá-lo com aquilo que de facto se verifica no processo de reprivatização da banca, confessamos a nossa dificuldade em identificar as referidas violações a esses direitos.
Mas vamos aos factos: as comissões de trabalhadores, nos termos da lei, são ouvidas e dão o seu parecer - que é obrigatório, mas não vinculativo - na fase de alteração dos estatutos de cada instituição de crédito de empresa pública para sociedade anónima.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Isso não acontece!

O Orador: - Aos trabalhadores é destinada uma parcela do capital a privatizar, através de aquisição ou subscrição de acções, de acordo com a lei quadro das privatizações.
Os direitos legais e contratuais dos trabalhadores dos bancos objecto de privatização são salvaguardados nos diplomas que determinam as privatizações, não havendo qualquer situação excepcional que derrogue qualquer direito de que os trabalhadores sejam titulares no início do processo de privatização. E o acordo colectivo de trabalho vertical do sector bancário é aplicado na íntegra às empresas bancárias privatizadas.
E neste quadro e pelo que fica dito que não encontramos nos casos de reprivatização já efectuados no sector bancário objecto que fundamente uma intervenção deste Parlamento nos termos em que e solicitado pelos peticionários.
Entendemos esta petição como uma iniciativa política de quem discorda partidariamente do modelo económico do País e se opõe às privatizações, ocorram, cias na banca ou noutro sector da vida nacional.
Mas os trabalhadores e o País fazem um bom julgamento deste sistema económico ao ponto de uma entidade tão insuspeita quanto a CGTP ter de reconhecer-lhe o mérito de ser o único capaz de garantir a liberdade, o

Página 465

10 DE JANEIRO DE 1992 465

progresso e a melhoria das condições de vida aos mais desfavorecidos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Isso é falso!

O Orador: - As mudanças que se têm operado por todo o mundo socialista nos últimos tempos, com a falência dos dogmas e princípios que eram apontados como virtudes e que encobriam sociedades de miséria e opressão, bem como a adesão desses povos - agora livres - ao modelo político e económico que perfilhamos são acontecimentos históricos que também demonstram que estamos no caminho certo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar de algumas opiniões críticas ao processo de privatizações no sector bancário, por razões partidárias - insista-se! -, é inquestionável que o balanço é claramente positivo, não apenas em termos de modernização das empresas e de resultados económicos obtidos, como também no domínio da dignificação profissional e social da classe bancária.
Aos trabalhadores bancários e às suas organizações representativas pertence uma parcela importante desse êxito, porque a sua maturidade política, o seu apego ao interesse nacional, o seu brio e competência profissionais, têm sido um factor decisivo para o sistema bancário português atingir as altas metas de rendibilidade e competitividade que hoje apresenta.
Por isso, o PSD saúda e congratula-se com a postura responsável dos bancários portugueses no processo de privatização de algumas instituições de crédito e manifesta o seu total empenho em contribuir para que as empresas bancárias respeitem escrupulosamente os direitos e regalias sociais dos seus trabalhadores, acentuem a concertação social no seu seio e garantam uma justa participação dos bancários nos seus resultados económicos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Porque é que os bancários derrotaram a sua lista?!

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado Artur Penedos, solicita a palavra para que efeito?

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, para prestar esclarecimentos, uma vez que ainda me restam 20 segundos.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, tem a palavra.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, pretendia esclarecer esta Câmara dizendo que o Sr. Deputado Arménio Santos tentou desfocar aqui o real problema que é colocado pela petição da comissão coordenadora das comissões de trabalhadores do sector bancário subscritores dessa mesma petição.
Aquilo que se pretende colocar em discussão é o exercício de um direito de nomear, eleger e designar trabalhadores para os conselhos de fiscalização da banca e não discutir se a questão A, B ou C, relativamente aos direitos contratuais, está ou não a ser violada.
Há, pois, aqui um deliberado desfoque da situação provocada e não podemos aceitar que isso possa acontecer nesta Câmara!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Não foram ouvidos os peticionários!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Ao que julgo, para prestar esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, é lamentável que o Sr. Deputado Arménio Santos não tenha verificado essas tais ilegalidades referidas pelos trabalhadores bancários, particularmente a obrigatoriedade dos pareceres prévios e o afastamento dos representantes dos trabalhadores dos conselhos de fiscalização, situações que o Sr. Provedor de Justiça - para evitar qualquer visão suspeita - em parecer e em recomendação feita à Assembleia da República aqui referiu.
Infelizmente, foi o Sr. Provedor de Justiça que se foi embora e que o Sr. Deputado Arménio Santos ficou para mal dos trabalhadores bancários!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para prestar esclarecimentos, concedo também a palavra ao Sr. Deputado Arménio Santos.

O Sr. Arménio Santos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que os redactores da petição devem ter sido os Srs. Deputados que comentaram a minha intervenção, porque na petição não consta um exemplo sequer de violação aos direitos dos trabalhadores bancários!...
Fala-se em termos genéricos. Não se aponta um exemplo sequer. Os Srs. Deputados devem ter participado na redacção dessa petição e, por lapso de memória, talvez não tenham escrito aquilo que desejavam escrever. Todavia, quero lembrar aos Srs. Deputados que a Lei n.º 46/79 estabelece que aos trabalhadores cabe o direito de eleger ou designar os seus representantes nos órgãos sociais. E «órgãos sociais» não é apenas um órgão, são vários.
Por razões que os Srs. Deputados sabem, em nenhuma empresa, nem pública, nem participada ou privada, alguma vez esse objectivo da representação dos trabalhadores nos conselhos de administração foi alcançado.
Penso que a culpa desse facto não pode ser imputável ao PSD, mas, sim, e acima de tudo, em primeiro lugar, ao Partido Socialista, que foi o principal responsável por esta lei e que depois não teve capacidade política para adoptar a regulamentação que a própria lei reclamava.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, peço-lhe o favor de terminar.

O Orador: - Sr. Presidente, termino já.
Em segundo lugar, talvez o excesso de comportamentos de alguns activistas sindicais, que procuraram fazer da sua intervenção sindical uma política de «terra queimada» nas empresas onde intervinham, tenha criado muitas dificuldades para que esse objectivo legítimo - e no domínio dos princípios - defendido pelo PSD pudesse alguma vez traduzir-se em realidade. A culpa, se alguém tem de penitenciar-se, cabe, exactamente, a essas duas bancadas.

Aplausos do PSD.

Página 466

466 I SÉRIE - NÚMERO 19

O Sr. António Vairinhos (PSD): -f Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado solicita a palavra para que efeito?

O Sr. António Vairinhos (PSD): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Vairinhos (PSD): - Sr. Presidente, chamava a atenção de V. Ex.ª para o artigo 250.º do Regimento, nomeadamente o seu n.º 3, que já citou, porque se começamos a abrir precedentes - e a minha bancada já levantou esse problema na última sessão em que se discutiram petições - não chegamos a lado algum. Assim, gostaria que, a partir de agora; fosse dado cumprimento ao artigo 250.º do Regimento e nomeadamente ao seu n.º 3.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado António Vairinhos, para acabar com os precedentes tem que haver alguma igualdade e, por isso, a Mesa proporcionou que do precedente aberto aproveitassem igualmente todos os grupos parlamentares. Tendo o precedente sido aberto na anterior sessão através do Sr. Deputado Pais de Sousa - como certamente se lembrará -, não teve a Mesa outra solução que não fosse a de dar a palavra aos Srs. Deputados Artur Penedos e Jerónimo de Sousa que, com muita oportunidade, também a pediu. Atingida a igualdade, entramos na regra estabelecida pelo artigo 250.º.
Srs. Deputados, passamos à apreciação da petição n.º 247/V (4.º), apresentada por Emídio Arnaldo Freitas Rangel e outros, solicitando que se realize um debate sobre as condições em que foram atribuídos alvarás locais e regionais de rádio.
Tem a palavra o Sr. Deputado Arons de Carvalho.

O Sr. Arons de Carvalho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há erros do Governo que são, apesar dos custos que acarretam, reparáveis; outros são irreparáveis, perduram nas suas consequências e tornam-se mais facilmente no espelho da actuação dos governos.
Exemplo dos primeiros foi a doentia insistência do último governo do PSD em proibir e reprimir as cadeias de rádios. Essa proibição, longamente alimentada pela teimosia dos governantes, tornou-se até o mais cabal desmentido ao pretenso liberalismo do PSD e era igualmente uma inglória atitude de resistência contra a evolução tecnológica, o derrubar das fronteiras e a própria liberdade das rádios.
O Governo, este governo do PSD, acabou por emendar a mão. Esta mudança de atitude face às rádios locais foi naturalmente bem recebida. Resta dizer que é lamentável que o Governo não tenha tido a coragem de reconhecer e de recordar que permitia agora o que intransigentemente proibira; ou de referir que a proibição das cadeias se tornara, cia própria, inviável face ao generalizado desrespeito que as rádios locais tiveram pelas ameaças e boicotes do governo, que - recorde-se - chegou ao ponto, em Janeiro de 1990, de mandar cortar linhas telefónicas; ou ainda de divulgar que o Governo perdera a batalha legal sobre esta matéria.
É de facto estranho que o Governo tenha escondido do País o parecer da Procuradoria-Geral da República, votado em 12 de Junho de 1991, de acordo com o qual se respondia ao Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro Adjunto e da Juventude que não eram ilegais as chamadas «emissões em cadeia». A proibição das cadeias de rádios foi um erro crasso, mas que o tempo e a força das coisas corrigiram.
O processo de licenciamento das rádios locais e regionais foi, como todos se recordam, controverso e produziu situações de gritante injustiça e dificilmente reparáveis. O facto de a petição sobre esse processo de licenciamento ter dado entrada há mais de oito meses na Assembleia da República limita naturalmente a eficácia deste debate, mas não impede a formulação de um juízo político de profunda reprovação.
Permitam-me, Srs. Deputados, que vos avive a memória: a atribuição dos alvarás das rádios locais e regionais compeliu ao Governo, mediante proposta apresentada por uma comissão consultiva. A comissão consultiva prevista na Lei da Rádio tinha 17 membros, dois dos quais cooptados pelos restantes 15. Destes, uma larga maioria era designada pelos governos da República e das Regiões Autónomas ou por entidades tuteladas pelo Governo.
Rapidamente se percebeu que o que faltava à comissão em independência sobrava em capacidade para ser uma espécie de almofada apta para salvaguardar a imagem do Governo. Da comissão consultiva faziam parte representantes da RDP e da Rádio Renascença, ou seja, das rádios directamente concorrentes das rádios regionais a seleccionar.
Através das entidades representadas, surgiram igualmente na composição da comissão dois importantes responsáveis de duas das rádios candidatas às coberturas regionais, que aliás viriam a conseguir obter os alvarás. Diversos relatos e depoimentos de membros da comissão deram conta de gritantes insuficiências na fundamentação das decisões e na seriedade e profundidade dos debates.
Mais grave ainda: um elemento da comissão, não identificado, e citado pelo Expresso, de 23 de Junho, como tendo dito que a apreciação dos projectos "decorreu em função do timing estabelecido face à possibilidade de publicação da lei da Alta Autoridade» que iria substituir a comissão consultiva. Na mesma altura, um estranhíssimo atraso na publicação da lei da Alta Autoridade para a Comunicação Social permitia que se tirasse a conclusão de que é possível em Portugal, através de expedientes dilatórios formais, atrasar a publicação e entrada em vigor de leis já publicadas em função de critérios de mera oportunidade política.
Esta história tristemente edificante tem um fim lamentável: o PS promoveu a realização de um inquérito parlamentar à atribuição das frequências regionais, mas o PSD nunca indicou o nome dos seus representantes. Este foi um dos inquéritos parlamentares que nunca se realizado por óbvio e manifesto boicote do PSD!
Tudo o que passou em torno da atribuição das frequências de rádios, designadamente das regionais, e pouco edificante para o regime democrático, português. A permissão das cadeias de rádios retirou alguma importância e minorou as consequências deste lamentável processo, mas não pode apagar os factos.
Parafraseando o Secretário cie Estado Marques Mendes, nunca como neste processo terá sido tão visível a concepção instrumentalizadora do PSD na comunicação social.

Aplausos do PS.

Página 467

10 DE JANEIRO DE 1992 467

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As condições em que o Governo procedeu à atribuição de alvarás para o exercício da actividade de radiodifusão de âmbito local e regional e as circunstâncias que as rodearam constituíram mais um dos escândalos que caracterizaram e caracterizam o comportamento do governo PSD em matéria de comunicação social.
É público e notório que tanto a atribuição de frequências locais como regionais foi feita pelo Governo em função de simpatias político-partidárias e incorrendo em violações graves das regras legais estabelecidas para os respectivos concursos, mesmo depois de, a nível legislativo, ter preparado o terreno propício para a governamentalização absoluta da atribuição de frequências de rádio.
É oportuno neste breve debate relembrar os aspectos mais significativos deste sinuoso e obseuro processo.
Em Maio de 1988, a maioria PSD na Assembleia da República aprovou a lei sobre o exercício da actividade de radiodifusão, que revogou expressamente a lei quadro do licenciamento de estações de radiodifusão, também aprovada na Assembleia da República e publicada apenas um ano antes.
As alterações introduzidas na legislação aplicável, ditadas pela obtenção da maioria absoluta pelo PSD, revelaram claramente o que se pretendia. O Conselho da Rádio, criado como órgão independente, tanto pelo seu estatuto como pela sua composição, e de cujo parecer prévio favorável dependeria a possibilidade de licenciamento de emissoras de radiodifusão, foi substituído pela Comissão Consultiva da Rádio, governamentalizada, com poderes meramente consultivos e com uma composição que, sendo maioritariamente da confiança política do PSD, continha elementos que, para além de serem membros da Comissão, eram também dos principais responsáveis por projectos concorrentes que, sintomaticamente, saíram sempre vencedores.
A legislação ainda assim aplicável aos concursos para atribuição de frequências de rádio locais e regionais estabelece critérios de valorização dos projectos concorrentes, assentes na qualidade técnica, no grau de profissionalismo, na capacidade económica e financeira, ou no tempo de emissão com programas culturais e informativos.
Porém, à medida que iam sendo divulgadas as decisões governamentais quanto à atribuição de frequências locais, após a interrupção de emissões a que todas as rádios que então funcionavam foram inadmissivelmente forçadas, tornava-se cada vez mais evidente que os critérios de atribuição de frequências nada tinham a ver com os méritos dos projectos concorrentes, mas tinham tudo a ver em preferências e favoritismos políticos.
Se isto foi claro quanto à atribuição de frequências locais, foi escandalosamente notório quando da atribuição de frequências regionais, em que, designadamente, foi contemplada uma rádio cujo responsável principal integrava a Comissão Consultiva da Rádio, a qual apressadamente se pronunciou sobre os projectos concorrentes antes da cessação das suas funções, que, aliás, foram artificialmente prolongadas com o protelamento por um mês da publicação no Diário da República da lei sobre a Alta Autoridade para a Comunicação Social, por razões nunca explicadas!...
Contudo, as irregularidades não ficaram por aqui: seis meses passados, seriam as próprias entidades licenciadas a incorrer no incumprimento da legislação em vigor, não iniciando as suas emissões de âmbito regional dentro do prazo de seis meses a contar da data da atribuição das frequências.
Nessa altura, não restaria ao Governo outra solução nos termos legais que não fosse o cancelamento dos alvarás atribuídos e a realização de novo concurso público para atribuição, das frequências disponíveis. Não foi esse o procedimento do Governo, que mais uma vez decidiu tornar letra morta as disposições legais, tomando o partido dos infractores, justificando a infracção com uma interpretação da lei destituída de qualquer sentido ou fundamento.
Essa posição do Governo revelou, para além de uma grosseira mistificação interpretativa dos textos legais, uma descarada falta de isenção que havia sido claramente indiciada quando da atribuição das frequências e nas circunstâncias insólitas que haviam rodeado a apreciação das candidaturas por parte da Comissão Consultiva da Rádio.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A forma como o PSD se comportou nesta Assembleia sempre que estas questões foram suscitadas por diversos partidos da oposição revela bem a sua má consciência nesta matéria. Propostas de realização de uma audição parlamentar e de um inquérito parlamentar aos actos do Governo e da Comissão Consultiva da Radiodifusão sobre a atribuição de alvarás, atempadamente suscitadas, foram sistematicamente inviabilizadas pelo PSD, que assim veio sancionar uma situação de incumprimento da lei por parte do Governo, pondo em causa a confiança dos cidadãos perante o funcionamento do Estado de direito democrático, forçando a uma passividade da Assembleia da República que este debate, suscitado ao abrigo do direito de petição é, só por si, insuficiente para alterar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permito-me ainda aproveitar este debate para fazer uma referência à actividade desenvolvida actualmente pelas rádios locais. Ao longo destes últimos anos os milhares de trabalhadores e colaboradores de centenas de rádios locais tornaram-nas um elemento de grande importância na dinamização das comunidades locais e de grande dinâmica no panorama da comunicação social; constituem uma realidade que importa apoiar!
Faço esta referência porque, como é conhecido, a actividade das rádios locais depara com grandes dificuldades que resultam da pequena dimensão estrutural da esmagadora maioria delas e da falta de mecanismos de apoio que são, de há muito, reivindicados.
Nesta oportunidade, manifesto a disponibilidade do Grupo Parlamentar do PCP para, em diálogo com as associações representativas das rádios locais, contribuir para o estabelecimento de um quadro legal de apoio à actividade das rádios locais que possa influenciar positivamente essa actividade.

Aplausos do PCP e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Paru uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira.

A Sr.ª Margarida Silva Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao aprovar a Lei da Rádio na última legislativa - e apraz-me sublinhar que por forte impulso do grupo parlamentar do meu partido, o PSD -, veio

Página 468

468 I SÉRIE - NÚMERO 19

esta Assembleia da República acabar com uma lacuna importante do nosso sistema jurídico e avançou com uma lei pioneira em Portugal sobre a regulamentação dos serviços de radiodifusão.
No seguimento desta lei matriz, pôde finalmente surgir, então, o decreto-lei dos licenciamentos, que estabeleceu os critérios da atribuição, da suspensão e do cancelamento de alvarás, e sublinho, uma vez mais e com gosto, o papel que o meu partido desempenhou no sentido de que fosse concedido um direito de preferência aos profissionais da comunicação social no processo de tal atribuição.
Porque era nítido que esta matéria é de natureza administrativa e, portanto, de directa incumbência do Governo, foi ele a estruturá-la e fê-lo coadjuvado por uma comissão consultiva que se pretendeu constituir com todo o critério de rigor e isenção. Dos trabalhos da comissão, que são públicos, haverá naturalmente público julgamento. Mas também cumpre dizer, porque estamos em democracia e não vale a pena dramatizar o que é francamente desdramatizável, que, se alguma irregularidade existe, essa irregularidade encontrará mecanismos democráticos de controlo, desde que sejam accionados como em muitos casos o foram até agora.
Ora, sob justamente estas alegadas irregularidades na atribuição de alvarás que constituem objecto da petição n.º 247/V, apresentada por ouvintes da TSF, Rádio Jornal de Lisboa, Lda, e que a levam a requerer um debate, na Assembleia da República sobre toda esta questão.
Considera o PSD útil produzir nesta sede e este respeito algumas considerações. A primeira delas para, sublinhar o significado da TSF como meio de comunicação social inestimável que se tornou na sociedade portuguesa e a originalidade do seu serviço promotor e difusor de informação. Esta consideração que fazemos à TSF tornamo-la também extensiva às jovens rádios que proliferam por este país e que agora, em democracia, estável, constituem também uma maravilhosa voz da liberdade.
Em segundo lugar, compete dizer que o processo legislativo sobre comunicação social ainda está claramente em aberto. Não o tem fechado o Grupo Parlamentar do PSD e foi público e notório, nesta Assembleia, há muitos poucos dias, que não está fechado igualmente para o governo da maioria. E sendo um processo em aberto, é um processo em diálogo que queremos estreito com todos os principais interessados e aceitamos que a legislação a produzir a partir de agora plasme algumas, das insuficiências porventura já notadas até ao presente.
Em terceiro lugar, quero dizer ainda que ilustra bem esta realidade o diploma recentemente aprovado pelo Conselho de Ministros - e cujo objectivo principal, como aliás acaba de ser sublinhado pelo Partido Socialista numa intervenção que só prova, também por este reconhecimento, o maximalismo inusitado da sua, intervenção-, que vem facilitar a actuação dos operadores que efectuam cobertura radiofónica de âmbito local.
Uma quarta consideração, na nossa perspectiva não menos importante, e a da tranquilidade jurídica e política que manifestamos relativamente a este problema. Há, repito, instâncias democráticas de controlo; é pena que, por vezes, os Srs. Deputados da oposição não se apercebam desse facto e não há razão alguma para que assim seja. Revelará, na melhor das hipóteses, uma distracção estranha. Mas nós confiamos nas entidades judiciais bem como no cumprimento das funções da Alta Autoridade para a Comunicação Social.
Em quinto lugar, e a terminar, manifesto a disponibilidade da nossa bancada, em razão da novidade de todo este processo e também do facto de sabermos que ele é demasiado importante como constitutivo, factor de educação e cultura na sociedade portuguesa, para accionar os mecanismos entendidos por convenientes para que o assunto venha a ser discutido nesta Assembleia, designadamente na sede própria, qual seja a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

(A oradora reviu.)

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, está concluída a apreciação da última petição agendada.
A próxima reunião plenária realiza-se amanhã, às 10 horas, e terá como ordem do dia uma sessão de perguntas ao Governo.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 20 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
António Germano Sá e Abreu.
António Moreira Barbosa de Melo.
Bernardino Gata da Silva.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Guilherme Henrique V. Rodrigues Silva.
João Álvaro Poças Santos.
Joaquim Eduardo Gomes.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Pacheco Pereira.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Castro de Almeida.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Miguel Fernando Cassola Miranda Relvas.
Rui Fernando da Silva Rio.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Maninho.
António Fernando Correia de Campos.
António José Barroni Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos Costa.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Ribeiro Marques da Silva.
Carlos Manuel Luís.
Edite Fátima Marreiros Estrela.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João Maria Lemos de Meneses Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.

Página 469

10 DE JANEIRO DE 1992 469

José Barbosa Mola.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
José Rebelo dos Reis Lamego.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Domingos Duarte Lima.
Fernando Monteiro do Amaral.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.

Partido Socialista (PS):

Alberto de Sousa Martins.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Rogério Conceição Martins.

Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.

Página 470

DIÁRIO da Assembleia da República

Depósito legal n.º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA PA MOEDA, E. P.

AVISO

Por ordem superior e para constar, comunica-se que não serão aceites quaisquer originais destinados ao Diário da República desde que não tragam aposta a competente ordem de publicação, assinada e autenticada com selo branco.

PORTE PAGO

1 - Preço de página para venda avulso, 6$; preço por linha de anúncio, 178$.

2 - Para os novos assinantes do Diário da Assembleia da República, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa.

3 - Os prazos de reclamação de faltas do Diário da República para o continente e regiões autónomas e estrangeiro são, respectivamente, de 30 e 90 dias à data da sua publicação.

PREÇO DESTE NUMERO 204$00

Toda a correspondência, quer oficial, quer relativa anúncios e a assinaturas do «Diário da República» e do «Diário da Assembleia da República», deve ser dirigida à administração da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, E.P., rua de D. Francisco Manuel de Melo, 5-1099 Lisboa Codex.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×