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Quarta-feira, 29 de Abril de 1992 I Série - Número 55
DIÁRIO da Assembleia da República
VI LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1991-1992)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 28 DE ABRIL
Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
José Mário Lemos Damião
Maria da Conceição Figueira Rodrigues
José Ernesto Figueira dos Reis
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas.
Foi discutido e rejeitado o projecto de resolução n.º 17/VI - Independência das empresas que prestam o serviço público de televisão e rádio, apresentado pelo PS. Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Almeida Santos (PS), Mário Manuel (PSD), Narana Coissoró (CDS), João Amaral (PCP), Leonor Beleza (PSD), Jorge Lacão (PS), Raul Castro e Mário Tomé (Indep ) e Octávio Teixeira (PCP).
Foram aprovadas, na generalidade, as propostas de lei n.ºs 11//VI - Autoriza o Governo a alterar o regime de suspensão do contrato de trabalho e de redução do período normal de trabalho -, 12/VI - Autoriza o Governo a rever o regime legal do contrato de serviço doméstico - e 16/VI - Autoriza o Governo a legislar em matéria de regime jurídico das relações colectivas de trabalho.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 25 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 25 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio Sousa e Silva.
Adérito Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro Bissaia Barreto.
Álvaro José Martins Viegas.
António Barbosa de Melo.
António Barradas Leilão.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Fernandes Alves.
António Germano Sá e Abreu.
António Santos Pires Afonso.
Aristides Alves Teixeira.
Arlindo da Silva Moreira.
Armando Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Bernardino Gata da Silva.
Carlos de Almeida Coelho.
Carlos Duarte Oliveira.
Carlos Lélis.
Carlos Manuel Gonçalves.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Domingos José Soares Lima.
Duarte Rogério Pacheco.
Eduardo Pereira da Silva.
Elói Franklin Ribeiro.
Ema Maria Lóia Paulista.
Fernando Correia Afonso.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando Marques de Andrade.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Bernardino Silva.
Francisco Fernandes Martins.
Guido Orlando Rodrigues.
Hilário Azevedo Marques.
Isilda Maria Pires Martins.
João Alberto Granja Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João de Oliveira Martins.
João do Lago Mola.
João Granja da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
João Salgado.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Roque da Cunha.
José Alberto Puig Costa.
José Álvaro Pacheco Pereira.
José António Peixoto Lima.
José Augusto Silva Marques.
José Bernardo Falcão Cunha.
José Borregana Meireles.
José de Almeida Cesário.
José Freitas Costa Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Macário Correia.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário Gaspar.
José Mário Lemos Damião.
José Reis Leite.
Luís António Martins.
Luís Carrilho da Cunha.
Luís Filipe Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Antero Cunha Pinto.
Manuel Azevedo. Manuel Baptista Cardoso.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Costa Andrade.
Manuel Lima Amorim.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Marques.
Maria Conceição Rodrigues.
Maria da Conceição Pereira.
Maria de Lurdes Póvoa Costa.
Maria Fernanda Dias Cardoso.
Maria Helena Ramos Mourão.
Maria Leonor Beleza.
Maria Luísa Ferreira.
Maria Manuela Aguiar.
Maria Margarida de Sousa.
Marília Dulce Pires Morgado.
Mário Belo Maciel.
Mário de Oliveira Santos.
Melchior Pereira Moreira.
Miguel Bento Macedo e Silva.
Miguel Fernando Relvas.
Nuno Delerue Alvim de Matos.
Olinto da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Simão José Ricon Peres.
Virgílio de Carneiro.
Vítor Manuel Igreja Raposo.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons de Carvalho.
Alberto Bernandes Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Ana Maria Bettencourt.
António Alves Martinho.
António Correia de Campos.
António de Almeida Santos.
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António José Martins Seguro.
António Luís Santos Costa.
António Marques Júnior.
António Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
António Ribeiro Campos.
António Ribeiro da Silva.
Armando Martins Vara.
Artur Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Costa Candal.
Carlos Manuel Luís.
Edite Marreiros Estrela.
Eduardo Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José de Figueiredo.
Fernando Manuel Costa.
Fernando Pereira de Sousa.
Fernando Pereira Marques.
Guilherme d'Oliveira Martins.
Helena Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Ferraz de Abreu.
João Maria Meneses Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Fialho Anastácio.
Joel Eduardo Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Almeida Coelho.
José Apolinário Portada.
José Eduardo Cruz Jardim.
José Ernesto dos Reis.
José Gameiro dos Santos.
José Manuel da Silva Lemos.
José Manuel Lello Almeida.
José Manuel Magalhães.
José Rebelo dos Reis Lamego.
José Rodrigues dos Penedos.
Júlio da Piedade Henriques.
Júlio Miranda Calha.
Laurentino José Castro Dias.
Leonor Coutinho Santos.
Luís Capoulas Santos.
Luís Filipe Madeira.
Manuel Alegre Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Santa Clara Gomes.
Raul Fernando Costa Brito.
Raúl Pimenta Rêgo.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui Machado Ávila.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião.
Apolónia Maria Teixeira.
João Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia.
Lino Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Miguel Urbano Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Vítor Manuel Ranita.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Casimiro da Silva Tavares.
Narana Sinai Coissoró.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
André Valente Martins.
Isabel Maria Almeida Castro.
Partido da Solidariedade Nacional (PSN):
Manuel Sérgio Vieira Cunha.
Deputados independentes:
Mário Batista Tomé.
Raul de Morais e Castro.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 135/VI - Condições de acesso das pessoas idosas, reformados e pensionistas aos transportes públicos (PS), que baixou à 3.ª Comissão; ratificação n.º 18/VI - Decreto-Lei n.º 61/92, de 15 de Abril, que estabelece as regras de reposicionamento dos funcionários e agentes da Administração Pública nos escalões salariais das respectivas carreiras e dá execução à última fase do descongelamento dos escalões previstos no Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16 de Outubro (PCP), que baixou à 10.ª Comissão; projecto de resolução n.º 22/VI - Promover a organização, em tempo útil, de um debate sobre a Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento, que irá realizar-se, de 1 a 12 de Junho próximo, no Rio de Janeiro (Os Verdes), e inquérito parlamentar n.º 3/VI - Utilização das verbas concedidas de 1988 a 1989 pelo Fundo Social Europeu e Orçamento do Estado para cursos de formação profissional promovidos pela UGT (PSD, PS, PCP, CDS e PSN).
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, da ordem do dia de hoje, fixada ao abrigo do artigo 62." do Regimento pelo Grupo Parlamentar do PS, consta a discussão do projecto de resolução n.º 17/VI - Independência das empresas que prestam o serviço público de televisão e rádio.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, vamos viver hoje, aqui, uma experiência original: a da discussão da primeira resolução sobre uma proposta de consulta popular referendária.
Dado o relevo democrático do instituto do referendo, cabe-nos encarar a resolução proposta numa postura de responsabilidade e segundo uma perspectiva de Estado.
É o que passo a fazer.
É hoje comum, entre os pensadores políticos, uma atitude de insatisfação em face da democracia representativa; uma nostalgia renitente das virtualidades da democracia directa - hoje só susceptível de tentativas de aproximação - colocou na ordem do dia do debate político a já chamada «explosão da sociedade civil».
A par dos poderes organizados ou constituídos, e em regra plasmados num texto constitucional, emergem a cada passo
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exigências indeclináveis da Constituição material, na forma dos mais imperativos poderes de facto. Alguns deles já instituídos - os sindicatos, as confissões religiosas os órgãos de comunicação social, as associações não governamentais - outros em fase de afirmação expontânea, e, por vexes, difusa, organizados ou em estádios de pré-organização, em torno de ideias ou interesses fortemente mobilizadores: os consumidores, os ecologistas, os contitulares de interesses corporativos de raiz profissional, desportiva ou outra.
Para além disto, são cada vez mais frequentes as reacções grupais expontâneas - de protesto ou de pressão - sob o impulso de medidas administrativas ou de acontecimentos geradores de picos de repulsão, de que são exemplo os cortes de estrada, as ocupações de lugares, os bloqueios de facto, fenómenos que, nem por serem em regra proibidos por lei, deixam de ser tolerados e isentos de perseguição policial ou judicial, dando lugar a um fenómeno de difícil caracterização, mas que não andará longe da desautorização pontual, pelo soberano, de poderes por ele próprio instituídos pela via da representação tradicional.
A expressão, dito de outro modo, de uma espécie de recuo do político em face do social. Isto é verdade! As palavras consulta, participação e outras de idêntico sentido, apropriaram-se do léxico político. E no nosso tempo - é sabido - «descobriu-se a medida social do indivíduo». Mas, no entanto, é preciso que isso aconteça sem que se perca de vista a necessidade de «um princípio federador» das vontades individuais tendencialmente entregues de novo a si mesmas. Karl Popper, ele próprio um liberal confesso, receava, ajusto título, que a sociedade aberta degenerasse «num conglomerado de individualidades egoístas». Creio eu que já em parte degenerou.
A nossa Constituição reflecte, e não só na sua dimensão semântica, estas tendências modernidades. A democracia que nela se desenha é a da democracia participativa, cujo aprofundamento é por ela definido como um dos objectivos do Estado de direito. Mais: erige em tarefa fundamental do Estado «assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos na resolução dos problemas nacionais».
A democracia portuguesa, no seu desenho constitucional, não se esgota na sua dimensão representativa!
Será que lemos estado à altura desta exigência? Nas palavras sim, nas políticas não. E não vale a pena a qualquer dos partidos que tem passado pelo poder tentar atirar aos outros a primeira pedra.
É comum a todos o propósito de «despejar» o listado dos lugares e de «expropriá-lo» dos poderes onde se presume que pode, com vantagem, ser substituído pela sociedade civil. Apesar disso, é generalizada a convicção de que o Estado Português, vestindo embora as galas de um listado de direito, transporta adiposidades que o descaracterizam.
Esta reflexão é, nomeadamente, posta em causa lia medida em que o poder local marca passo e a regulamentação do direito de acção popular vai lendo os contornos de uma inconstitucionalidade por omissão.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E, sobretudo, na medida em que Várias recomendações constitucionais, no sentido do reforço di participação democrática dos cidadãos, continuam sem tradução política real.
Está também em causa na apreciação que fizermos da proposta de referendo que lemos no torno. O referendo é o instrumento de democracia semidirecta por excelência. Instituímo-lo para dele fazer uso ou para dizer que o temos?
Como instrumento de trabalho político ou como flor de cheiro?
Eis a questão!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E verdade que a Constituição o não quer banalizado. Ele só pode ler por objecto questões de relevante interesse nacional que devam ser decididas pela Assembleia da República ou pelo Governo, através da aprovação de convenção internacional ou de acto legislativo.
Não está, pois, em causa o «costumado referendo» do modelo suíço, nem tão pouco o uso perverso de plebiscitar, através dele, a glória pessoal de um chefe.
Impõe-se, pois, e desde já, uma primeira indagação: a da sua oportunidade formal e a da sua justificação substancial.
A oportunidade formal nem creio que possa ser questionada lá nesta Assembleia uma proposta de lei pendente de discussão e de votação, em que se consagra um modelo de designação directa dos administradores e indirecta dos directores de informação e programação, que foi questionada pelas oposições. Estas propuseram em projectos próprios - e estão a tempo de os retomar - modelos substancialmente diversos.
Assim, o Governo propõe que o conselho de administração da RTP seja designado, todo ele, pela assembleia geral di sociedade anónima, em que, no quadro di sua proposta, se há-de converter a actual empresa pública. Conselho esse que escolherá livremente os directores nacionais de informação e programação e, sujeito ao veto dos governos regionais, o respectivo director regional.
Diversamente, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista propõe que três membros do conselho de administração di RTP sejam designados por um orgão de representação plural di Assembleia da República, do Governo e, maioritariamente, da sociedade civil, através de entidades ou grupos de interesses culturais, morais, profissionais ou corporativos, órgão a que chama «conselho de opinião»; e dois outros membros pela própria assembleia geral di sociedade anónima, em que igualmente se propõe que se converta a actual empresa pública.
Àquele conselho de opinião caberia ainda no projecto do grupo parlamentar do meu partido, a designação do director de emissão, cargo correspondente aos directores do informação e programação di proposta do Governo.
Estamos, assim, sem dúvida possível, em face de uma questão que deve ser decidida pela Assembleia da República, através de acto legislativo.
Mas será igualmente essa questão de relevante interesse nacional?
O legislador constitucional não nos habilitou com critérios de aferição do grau de relevância das questões a submeter a referendo. Deixou isso ao nosso próprio critério, bem certo de que, filtrada uma concreta questão num primeiro momento pelo juízo da Assembleia ou do Governo e, num segundo momento, pelo juízo do próprio Presidente da República, o melhor era não tentar sequer e ir além do sentido político emergente da própria expressão gramatical utilizada.
A questão é, pois, a de saber se a alternativa caracterizada se reveste ou não de relevante interesse nacional.
Entendeu o grupo parlamentar do meu partido - e eu acompanho-o nesse entendimento - que a resposta não pode deixar de ser afirmativa, para além do eleito útil da sua iniciativa, consistente na intencional dramatização dos inte-
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resses e valores que subjazem a cada uma das soluções perfilhadas.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - II afirmativa, antes de mais, porque a questão se situa no seio da filosofia política de base que há pouco configurei. Uma das soluções - a perfilhada pelo meu partido - reforça o grau de participação democrática da sociedade civil; a outra mantém o status quo da sua restrição.
Só esta consideração confere à questão subjacente um altíssimo relevo.
Mas não estamos em face de uma forma qualquer de participação política. Antes de uma forma de participação que se reveste do relevo político correspondente à salvaguarda da independência da estrutura e do funcionamento dos meios de comunicação social do sector público perante o Governo, a Administração e os demais poderes públicos, bem como - diz ainda a Constituição - à garantia da possibilidade de expressão, e confronto através deles, das diversas correntes de opinião. Isto é, uma forma de efectivação da liberdade de imprensa e dos meios de comunicação social, entre as previstas no artigo 38.ª da Constituição da República.
Se o respeito pela Constituição e por aquela liberdade se não revestem de interesse nacional, então desprezemos a Constituição, relativizemos a liberdade de imprensa, esqueçamos o referendo como sonhos de políticos delirantes revéis ao pragmatismo dos tecnocratas e à ditadura das realidades.
Aplausos do PS e do Deputado independente Mário Tomé.
Já o n.º 4 do citado artigo 38.º assegurava a liberdade e a independência dos órgãos de comunicação social, sem distinção entre os públicos e os privados, perante os poderes político e económico, impondo os princípios da especialidade das empresas titulares de órgãos de informação geral (que a proposta do Governo desrespeita), do tratamento não discriminatório (que a mesma proposta não garante) e da sua concentração (que a mesma proposta não ofende).
Mas o n.º 6 vai mais além e exige que os do sector público salvaguardem a mesma independência, não apenas na sua estrutura mas também no seu funcionamento; já não apenas em relação a um vago poder político, mas também quanto ao Governo, à Administração e aos demais poderes públicos. A norma tem destinatários certos!
Resta-nos perguntar: será que salvaguardam a independência da RTP perante o Governo, a Administração e os demais poderes públicos, uma estrutura e um funcionamento segundo os quais toda a responsabilidade pela sua informação e pela sua programação pertence directa e exclusivamente aos directores que chefiem aquelas áreas, sendo que estes directores são designados por um conselho de administração livremente eleito por uma assembleia onde, de imediato, só tem assento o Estado - representado por um mandatário designado por despacho conjunto do Ministro das Finanças e do membro do Governo responsável pela área da comunicação social -, prevendo-se no limite que a posição social do listado possa ser desmembrada em participações sociais atribuíveis à titularidade de pessoas colectivos de direito público, empresas públicas ou sociedades de capitais exclusivamente públicos?
A resposta é não! Por um lado, porque se trata de potenciais accionistas que cabem na referência constitucional à Administração e demais poderes públicos. Portanto, engloba necessariamente todos estes potenciais futuros accionistas. A independência que a Constituição quer que se assegure deve existir, não apenas em relação ao Estado mas também quanto a todos os potenciais accionistas.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, parece evidente que, em relação aos potenciais accionistas que não o Estado, a dependência dos administradores da RTP por eles eleitos, já não quanto a quem os elegeu mas em relação ao Estado, existirá sempre por força do direito de tutela do Estado sobre a entidade que os elege.
O álibi seria fraco! Dispensável é assim dizer que quando aqui se fala em Estado no fundo se quer dizer Governo, entidade a que se reconduz a referência a ele próprio, à Administração e aos demais poderes públicos. O Governo - é sabido - é o órgão superior da Administração Pública.
Era fácil demais, para iludir a referida exigência constitucional, objectar assim: «deixo de designar os administradores da RTP; limito-me a designar quem os designa. Deixo de tutelar a RTP; limito-me a tutelar quem a tutela».
Que reforço de independência? Que garantia de liberdade? Absolutamente nenhuns!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Nem se digo, transpondo a exigência para os directores de informação e programação, que estes surgem definidos como responsáveis directos e exclusivos - nunca percebi esta exclusividade! - por aquelas actividades. Só estes, pois, careceriam de ser independentes perante o Governo, a Administração e os demais poderes públicos.
Sê-lo-ão?
Não ponho em causa pessoas mas sistemas. E não creio que alguém possa, mantendo o ar sério que nestas coisas convém, pretender que é independente do universo administrativo um director regional cuja designação depende da audição do Ministro da República - o que já representaria um entorse constitucional e estatutário - e pode, inclusivamente, ser velada pelo governo regional respectivo! Vetada, naturalmente, até à suficiente garantia de alinhamento ou acomodação!...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Dispenso-me de me indignar em função de qualquer concreto governo regional!... Indigno-me em abstracto.
Mas, se em vez dos directores regionais de informação e programação, raciocinarmos relativamente aos correspondentes directores nacionais, a conclusão não será diferente. São designados por critérios de confiança política, por administradores «designados por idênticos critérios», pelo governo ou outras entidades do universo administrativo.
A estrutura proposta pelo Governo não respeita, assim, a exigência constitucional e o funcionamento, que acabaria por reflectir a estrutura e esse mesmíssimo defeito.
Não vejo como fugir a esta evidência!
Mas uma outra circunstância confere ainda relevo excepcional e nacional a questão proposta a referendo: o relevo nacional de que se revestem as próprias informação e programação televisivas em si.
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Não está em ousa fabricar melhor ou pior cimento. Está em causa produzir informação objectiva e pluralista e não o contrario; e programação que satisfaça as exigências de qualidade, sem a qual a RTP deixará de ser um instrumento de promoção dos nossos valores civilizacionais, e corre o risco de degenerar em factor de divulgação de perversões ético-sociais.
Estamos a falar, volto a repeli-lo, da mais influente universidade do nosso país e do nosso tempo, listamos a falar de administradores que dispõem de uma máquina que lauto pode promover a virtude como disseminar o vício, ajudar a construir a civitas dei ou a civitas diaboli. E, sobretudo, de directores de emissão que são os únicos responsáveis pelo bem e pelo maí que difundirem e semearem aos olhos dos inocentes ou na insegurança dos atormentados. A verdade terá a sua assinatura, o carácter dos portugueses terá a sua inspiração. Ao pé deles, empalidece o grupo docente dos universidades clássicas. Ao pé deles, perde significado nacional o móis influente ministro.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É da sua escolha que se trata. Da escolha desses «deuses ex-maquina», do bem e do mal, da verdade e da mentira. Da sua escolha e da escolha de quem os escolhe.
Sem interesse nacional relevante? Grave é a responsabilidade de quem entender que não!
Até porque se não traiu de uma divergência caseira, antes de uma problemática que se (ern colocado à generalidade dos países europeus, cada um deles experimentando um modelo que invariavelmente critica, num leque que vai da governamentalização da respectiva televisão pública à sua recusa. A proposta do Governo tem lugar entre os modelos mais governamentalizados da Europa, em que nos integramos.
O que nem todos provavelmente tem é uma Constituição com as exigências da nossa! Quando se trata de respeitar a própria Constituição, não cabe sopesar modelos do direito comparado.
Este é um dos nossos mais renitentes pomos de discórdia. Cada qual com as suas saudáveis proclamações e as suas mais ou menos negativas experiências. E ao fim de tantos governos constitucionais - ultrapassada a fase espasmódica dos provisórios, em que eu próprio fui chamado a por alguma ordem no sector - devemos honestamente tinir uma conclusão: a de que, ou o sistema que aprovarmos nos defende de tentações intervencionistas, quando não manipuladoras, ou não há recta intenção que salve os responsáveis de em maior ou menor grau caírem nessas tentações.
É esta a lição dos factos, cumpre-nos honestamente retirá-la deles. Estamos dispostos a isso?
Coloquei intencionalmente a questão, não em termos de aproveitamento político, que acabaria, como sempre, por ser recíproco, nos em termos de interpretaçâo da Constituição e de respeito por ela. Convido-vos a que nos mantenhamos fiéis a este desafio e a este padrão de empenhamento.
O caso é este: se lemos divergências sobre o melhor entendimento da salvaguarda constitucional ou sobre u solução que melhor serve o nosso concreto entendimento dela, dêmos a palavra aos portugueses; vamos à fonte do nosso poder de deliberar e deliberemos em consonância com a vontade concreta do soberano, suspendendo, quanto a este ponto, a relação de mandato e confiança implícita no instituto da representação parlamentar. Concretizemos a forma mas solene, depois daquela por que fomos eleitos, de participação política do povo português. Demitamo-nos de questionar as nossas divergências e aceitemos a arbitragem dos nossos representados. Dêmos ao País não a RTP que cada um de nós considera preferível, mas a RTP que o próprio povo considere melhor.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Que bem vos ficaria, Srs. Deputados da maioria, o gesto de abdicardes de nos impor a RTP que porventura mais vos convenha, pela comodidade ou utilidade de que presumivelmente venha a revestir-se, e consentirdes -já que só de vós depende - em que a todos nós seja imposta pelo soberano a RTP mas consonante com a sua própria vontade! Pode ser a que preferis ou pode ser a que preferimos. Deixa isso de importar quando todos delegarmos numa preferência mais alta.
Pela nossa parte estamos dispostos a correr o risco de que o povo responda que não lemos razão. Nesse caso, e só nele, aceitaremos como um dogma democrático que a forma de designação dos administradores e dos directores de informação e programação da RTP proposta pelo Governo salvaguarda de facto a independência desta em face do universo político-administrativo.
Fora disso, sempre haveremos de questionar essa salvaguarda. E deixo aqui a promessa solene, em nome da direcção do meu partido, que a isso me autorizou, de que Ião depressa disponhamos nesta Assembleia de maioria bastante - admitindo que hoje não será votado favoravelmente o nosso projecto - cometeremos à sociedade civil a designação dos administradores e dos directores de emissão da RTP ou, no mínimo, da maioria daqueles e da totalidade destes e votaremos a proposta de sujeição a referendo de qualquer outra solução que porventura venha a ser apresentada.
Aplausos do PS.
Pela consideração que me merecem, gostaria de não deixar sem um comentário, ainda que breve (é pena que o Sr. Ministro não esteja aqui presente), as principais objecções do então Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, hoje Ministro dos Assuntos Parlamentares, à solução proposta pelo meu partido aquando da discussão na generalidade dos projectos apresentados, não porque as lenha por válidas, mas porque as considero de algum modo impressivas.
A solução de cometer à sociedade civil, representada por um conselho de opinião de composição pluralista, a designação da maioria dos administradores da RTP conduziria, segundo ele, a «situações de absurdo completo». O absurdo consistiria em que «o accionista» (listado) «não tinha aí qualquer intervenção». Se os administradores assim designados cometessem erros de administração, o Estado leria de «demitir-se das suas responsabilidades».
Acho estranho, antes de mais, que assim desconfie em concreto das escolhas privadas quem em teoria tanto se fia delas!... Então já não é o Estado quem administra mal?
Por outro lado, não me parece mais grave ter o Estado de aceitar gestores designados pelos utentes do serviço público da RTP (leia-se sociedade civil) do que terem estes de aceitar gestores designados pelo universo político-administrativo. Naquele caso corre risco a independência da RTP e neste a qualidade da gestão empresarial? O menos deve ser sacrificado ao mais, não inversamente.
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Acontece que a Constituição se não preocupou em salvaguardar a independência da RTP em lace da sociedade civil, mas a independência da RTP em lace do universo político-administrativo. Fez a sua opção, não podemos nós fazer a opção contrária!...
O argumento de que o eleitorado sufragou a privatização da Rádio Comercial, medida consoante do Programa Eleitoral do PSD, sendo inadmissível que administradores da RDP designados, como propõe o meu partido, impedissem essa privatização, não resiste a duas objecções: a primeira é a de que converter o voto no PSD em «referendo» de todas as medidas constantes do seu programa eleitoral é, no mínimo, excessivo; a segunda vale pela consideração de que a privatização da Rádio Comerciai poderia sempre ser - e normalmente assim seria - objecto de decreto-lei. Não colhe fabricar fantasmas sem lençol!...
Segundo absurdo haveria de constituir na figuração da seguinte hipótese: os gestores designados à revelia do universo político-administrativo tinham uma má gestão financeira sem que o Estado pudesse exercer os correspondentes poderes de tutela. Quid júris!
Respondo que nada impede que o Estado exerça poderes de tutela financeira sobre gestores não designados por ele. A designação de pessoas da própria confiança política ou o poder de demissão das que não preenchem esse requisito sem justa causa, apurada em processo disciplinar, são poderes que não cabem numa tutela que justifique a nossa preocupação e mereça a nossa defesa.
Acresce que a designação dos gestores pelo universo político-administrativo não salvaguarda o Estado contra os riscos de uma má gestão. Ou estarei enganado?
Acresce ainda que está instalada e vai porventura repetir-se em futuros exercícios a prática de o listado cobrir os défices anuais da RTP, bem mais vultosos do que seria desejável. Assim sendo, que novidades se receiam?
Terceiro absurdo: os gestores designados LI revelia do universo político aprovavam planos de investimento que a tutela financeira se não sentisse obrigada a respeitar e financiar. Seria, segundo o Sr. Ministro, a anarquia, o caos. Não seria se a competência para a aprovação dos planos de investimento fosse cometida não aos gestores nem ao conselho de opinião, mas á assembleia geral dos accionistas, tal como se propõe no projecto do meu partido.
Quarto e último absurdo: a capitis diminutio a que ficariam sujeitos, do ponto de vista jurídico, os accionistas da sociedade anónima em que a RTP se vai converter.
Respondo que ou consiste nos anteriores absurdos, e vale o que valem, ou nunca representaria diminuição uma auto-limitação pelo Estado e por via de lei por ele próprio aprovada, semelhante a tantas outras que fazem a glória do Estado de direito.
Acabou o Sr. Secretário de Estado por aceitar que, «no domínio da programação, aí sim, a sociedade civil pode e deve intervir através das suas opiniões e recomendações, designadamente através do conselho de opinião». Só opiniões e recomendações? Não vale mais do que isso o direito dos cidadãos a participarem democraticamente na gestão de interesses que lhes dizem directamente respeito? Como utentes do serviço público de televisão, comem e calam? No máximo opinam?
São de facto diversos, Srs. Deputados da maioria, os nossos modelos de organização e funcionamento do serviço público de televisão!...
E, meus senhores, que não sirvam de álibi para a não aprovação da proposta de referendo ocasionais defeitos da formulação da pergunta. A pergunta tem uma forma e um sentido. Quanto a este, somos zelosos. Quanto àquela, estamos abertos, abertos a revê-la, naturalmente, abertos a corrigi-la, se for caso disso, abertos a substituí-la, se tanto for preciso.
Como já referi, não participei na concreta formulação proposta. Não me impede isso de reconhecer que houve na sua redacção preocupações de abrangência técnica que de algum modo que comprometem a adequação política.
Querem a Constituição e a lei que as perguntas sejam formuladas em termos de «sim» ou «não», com objectividade, clareza e precisão e em lermos não sugestivos do sentido das respostas. Mostra-se respeitada a dicotomia traduzida em termos de «sim» ou «não», bem como a ausência de sugestão da resposta. A dúvida que honestamente é possível e nós honestamente admitimos só pode dizer respeito ao grau de clareza e precisão, tendo em conta o nível médio da cultura do concreto destinatário.
É bem certo que a história do referendo é a história de perguntas cuja clareza e concisão são em regra sempre questionáveis e em regra questionadas. É de presumir que no termo da respectiva campanha de esclarecimento - que entre nós tem a duração, porventura excessiva, de 10 dias - os consultados estejam em condições de conscientemente se pronunciarem. Não obstante, a exigência constitucional e legal de objectividade, clareza e precisão deve encontrar em todos os casos a resposta possível.
Por isso, o meu partido respondeu aos primeiros reparos veiculados através da imprensa, afirmando a sua total disponibilidade para ele próprio propor e, em qualquer caso, na sede e no momento próprios se encontrar uma formulação mais satisfatória.
É claro que as formulações mais sintéticas correm o risco de laconismo excessivo e que as mais chegadas ao texto da Constituição - visto que, como evidenciei, na base deste referendo está uma exigência constitucional - correm o risco de, sendo tecnicamente perfeitas, ser politicamente inconvenientes.
Exemplo de formulação cerzida à Constituição e tecnicamente perfeita, mas eventualmente menos precisa e menos clara: «Para salvaguarda a independência da RTP e assegurar a possibilidade de expressão e confronto televisivos das diversas correntes de opinião, deve a respectiva administração ser designada por entidade independente do Governo, da Administração e dos demais poderes públicos?»
Eis o exemplo de uma formulação que pessoalmente considero tecnicamente perfeita (basta dizer que foi praticamente o legislador constitucional quem a redigiu) e que, no entanto, pode justificar algumas reservas políticas.
Exemplo de formulação em que as preocupações de simplificação se sobrepõem às de perfeccionismo técnico: «Deve a administração da RTP ser designada por uma entidade representativa da sociedade civil, independente do Governo, da Administração e dos demais poderes públicos?»
Qualquer destas formulações ou outra de idêntico sentido, a consensualizar, merecerá a nossa concordância.
Quer uma quer outra alteram a formulação proposta nos seguintes pontos essenciais.
Primeiro ponto: não incluem qualquer referência à RDP. A única proposta de lei que está pendente refere-se à RTP e só a ela. Uma interpretação restritiva da expressão constitucional - que não a minha - «questões que devam ser decididas pela Assembleia da República [...] através [...] de acto legislativo» pode induzir a que se entenda que se trata de questões em instância de decisão através de acto legislativo, o que de momento só acontece em relação à RTP.
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E claro que todos nós estaremos de acordo em que seria absurdo que, preferindo o eleitorado, quanto à RTP, o modelo desgovernamentalizado, continuasse a RDP a ser administrada segundo o actual modelo. Na inclusão da RDP no texto da pergunta, o meu partido foi apenas lógico.
Mas não ó menos claro que, se o eleitorado vier a preferir, quanto à RTP, o modelo desgovernamentalizado, não se fará mister um segundo referendo para que se estendam a RDP os efeitos do primeiro!
Segundo ponto: abandona-se a referência aos. «poderes políticos», não porque ela esteja urrada, IIULS por se ter preferido a menção literal das entidades em face das quais a Constituição exige que se salvaguarde a independência da RTP. Esta menção, aliás, exorbita dos poderes políticos, para abranger genericamente os poderes administrativos e demais poderes públicos. Nesta conformidade, desaparece da proposta apresentada a referência, aliás correcta, à «administração directa e indirecta do listado».
Como se vê, não será por causa da formulação da pergunta que deixará de haver referendo. A questão é outra, ou seja, esta: há ou não da parte da maioria parlamentar e dos demais partidos aqui representados a vontade política de levar a efeito uma consulta popular sobre o lema controvertido?
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!
O Orador: -Também esta pergunta, tal como a que vier a formular-se na perspectiva do referendo, só é susceptível de um «sim» ou de um «não».
Faço um último apontamento para vos lembrar que este empenhamento em desgovernamentalizar a designação dos administradores da RTP e, indirectamente, dos seus directores de emissão não é só de hoje, nem foi sempre só nosso. Teve um primeiro afloramento no programa político do PSD inspirado por Sá Carneiro e ainda em vigor, onde se propõe que as empresas de rádio e televisão sejam - passo a citar - «controladas por organismos democraticamente designados pelos utentes».
Aplausos do PS.
Teve uma primeira concretização no Estatuto cia RTP que propus, enquanto ministro da Comunicação Social, e fiz aprovar por decreto-lei de 13 de Março de 1976. Nesse Estatuto, dois administradores eram designados pelo Governo, outros dois por uma assembleia de televisão, constituída por representantes dos utentes, e um terceiro pelos trabalhadores da empresa. Uma «revolução» antecipada no tempo e que, por isso, não durou. Foi pena!
Em Dezembro desse mesmo ano de 1976, o PSD, uma vez mais, propôs ele próprio - como recordou aqui o meu camarada Arons de Carvalho - a criação de um órgão coordenador dos conselhos de informação então existentes, ao qual competiria - cito - «designar a maioria dos membros dos órgãos de gestão dos meios cie comunicação social estatizados», o que continuo a citar - «parece fundamental para garantir a [sua] independência perante o Governo e a Administração Pública, como bem fala a Constituição».
Arons de Carvalho lembrou ainda um extracto do livro Aposta nu Homem, da autoria de um grupo de ilustres militantes do PSD, que incluía os actuais Ministros Couto dos Santos e Mira Amaral, entre outras importantes personalidades do partido, onde se defende a desgovernamentalização da nomeação dos gestores da RTP.
E frequente também a invocação da experiência alemã e da jurisprudência dos seus tribunais, uma e outra no sentido da desgovernamentalização da gestão das respectivas empresas de radiodifusão e radiotelevisão.
Entre nós, como vimos, a tudo isso se sobrepõe a própria Constituição da República, em qualquer das suas formulações, votadas sempre pelo actual partido maioritário.
De tudo isto retiro a esperança de que, na votação final, a Constituição prevaleça sobre normativos de segunda linha, a independência da RTP prevaleça sobre o seu alinhamento político, a participação democrática prevaleça sobre a concentração dos poderes e a vossa memória, Srs. Deputados da maioria, prevaleça sobre as tentações do vosso aggiornamento.
Aplausos do PS e do Deputado independente Mário Tomé.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir, esclarecimentos os Srs. Deputados Mário Maciel, Narana Coissoró e João Amaral.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.
O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos, com esta iniciativa parlamentar e na sequência da iniciativa parlamentar relativa à Região Autónoma da Madeira, o Partido Socialista entrou definitivamente em concorrência com a hilariante comédia «Uma Campanha Alegre», do não menos hilariante Eça de Queirós.
Assiste-se da parte do Partido Socialista a uma campanha triste no que se refere a instituições que sempre foram respeitadas no pós-25 de Abril: foram os órgãos de governo próprio da Região Autónoma da Madeira, é agora a Radiotelevisão Portuguesa. A vossa campanha tem contornos quixotescos. Procuram os senhores gigantes, destruidores e malévolos, que vão pôr em causa a democracia mas encontram os senhores moinhos de vento, inofensivos. Foi o que. aconteceu em relação à Madeira. É o que irá acontecer quanto à televisão.
Os senhores, na nossa opinião, não estão a inventariar reais problemas nacionais. Os senhores estão, sim, a suscitar problemas fantasmagóricos perante a Nação.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Das duas uma ou não existem esses problemas nacionais ou os senhores não tem capacidade para os enunciar.
Os senhores continuam apegados a considerações filosóficas e doutrinárias com intensa carga ideológica, que, nos nossos dias, não mobilizam consciências precisamente por não serem justas, mas antes, pura e simplesmente, fantasmagóricas e desgarradas da realidade.
O Sr. Raúl Rêgo (PS): - São dantesças!...
O Orador: - Os senhores querem justificar os vossos fracassos com a pseudo-inoperância das instituições. Ou seja:, os senhores querem fazer da Radiolelevisão Portuguesa o bode expiatório dos vossos fracassos e insucessos eleitorais.
Aplausos do PSD.
Como o Sr. Deputado Almeida Santos sabe, em qualquer processo de comunicação existe o emissor, o meio de difusão e o destinatário.
Partindo do princípio de que não se pode mudar o destinatário, que é o Governo Português, os
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senhores deveriam perguntar-se, honesta e sinceramente, se o problema não está, afinal, no emissor, na mensagem. Por que é que o problema há-de estar no meio de difusão e não no emissor, na vossa mensagem?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Relativamente à Região Autónoma dos Açores, mais uma vez o Sr. Deputado Almeida Santos, na sequência do que o seu colega Arons de Carvalho já havia leito, veio aqui pôr em causa a dignidade, o prestígio e a competência do director regional da RTP/Açores.
O Sr. Rui Ávila (PS): - Não é verdade!
O Orador: - Trata-se de uma pessoa capaz...
O Sr. Rui Ávila (PS): - A nomeação não tem nada a ver com a pessoa!
O Orador: - A nomeação é mais do que justa, pela maneira como foi feita.
O Sr. Rui Ávila (PS): - Não se pos em causa a pessoa!
O Orador: - Além do mais, não somos obrigados, numa região autónoma, a aceitar pessoas que sejam impingidas de Lisboa. Temos os nossos órgãos de governo próprio!
Aplausos do PSD.
Protestos do PS.
Termino fazendo uma sugestão ao Sr. Deputado Almeida Santos para mais uma pergunta no âmbito do referendo por si proposto: devem os primeiros-ministros transferir jornalistas.
E sabe o Sr. Deputado por que faço esta sugestão? Porque o actual director da RTP/Açores, quando o Dr. Mário Soares era primeiro-ministro de um governo que não era do bloco central, foi transferido dos seus serviços por ter feito uma reportagem que o Dr. Mário Soares não gostou!
Aplausos do PSD.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Velhos tempos, velhos tempos!...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Mário Maciel, já excedeu o seu tempo.
O Orador: - Sr. Presidente, quero apenas completar o meu raciocínio para que não me acusem de dizer palavras infundamentadas. Informo-os, pois lenho em meu poder comunicados do Sindicato dos Jornalistas em que estes se insurgem contra a atitude do Dr. Mário Soares.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Almeida Santos, em primeiro lugar, quero cumprimentá-lo pela sua brilhante alegação, que não sei bem se é de advogado do grupo parlamentar se de presidente do PS, porque V. Ex.ª, cautelosamente e de intervalo em intervalo, veio demarcar-se da própria natureza como está feita a pergunta proposta para referendo e também da própria validade de questionar o eleitorado depois de ter havido aqui vários debates parlamentares sobre esta matéria.
Nas entrelinhas da sua intervenção lê-se nitidamente que V. Ex.ª quer «forçar as próprias convicções», como se costuma dizer, e quero fazer-lhe, dentro do tempo de que disponho, (rês ou quatro perguntas singelas.
Em primeiro lugar, diria que, pela mão de um partido de esquerda de tradição republicana, surge pela primeira vez este louvor, não à democracia parlamentar, mas agora à chamada «democracia semidirecta», com o recurso ao referendo, quando esta matéria é de natureza legislativa já votada aqui no Parlamento. Dizia Mendes France que os socialistas, tratando-se de referendo, não votam, combatem-no.
E é também pela primeira vez que, aqui, da tradição republicana se não faz eco e que o PS se arvora num partido que quer ultrapassar a democracia representativa para obter soluções directas em matérias legislativas do foro desta Assembleia e numa matéria em que ela foi votada.
Doutrinalmente V. Ex.ª sabe que este é um referendo chamado ab-rogatório.
O Sr. José Magalhães (PS): - Não, não!
O Orador: - Diz aí o Deputado José Magalhães que não é...
Risos.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - É o culpado disto tudo!
O Orador: - Há uma proposta de lei que aqui foi votada na generalidade que está a cumprir o seu percurso normal na Comissão. E, nestes lermos, pergunto o seguinte: qual é o destino desta proposta de lei se o referendo for avante? Isto é, suspende-se o processo legislativo da proposta que está na Comissão? Desaparece por completo a proposta?
Da nossa lei nada consta sobre essa matéria, ao contrário, por exemplo, do que dispõe a Constituição dinamarquesa, que, relativamente a leis já votadas ou em percurso no Parlamento, diz o seguinte: uma vez votado o referendo ou mesmo durante o debate do Orçamento, a maioria pode ou retirar a sua proposta ou negociar com a oposição, como já sucedeu...
O Sr. José Magalhães (PS): - Não, não!
O Orador: - Negociar com a oposição, sim, Sr. Deputado José Magalhães, de modo a obter uma solução para essas leis que estão a cumprir o transcurso parlamentar.
Ern segundo lugar, o Sr. Deputado Almeida Santos, no fundo, veio aqui propor - e não pode negá-lo - que este referendo se transforme num plebiscito entre o Presidente da República e o Primeiro-Ministro. E isto por uma razão simples: ames do projecto de lei do PS, com as mesmíssimas palavras, o Sr. Presidente da República defendeu na sua mensagem a nomeação dos gestores ou da administração da RTP por uma assembleia legislativa.
O Sr Presidente: - Sr. Deputado Narana Coissoró, atenção ao tempo...
O Orador: - Sr. Presidente, eu posso dispor do meu tempo, porque, efectivamente, ....
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O Sr. Presidente: - Só que, de acordo com o Regimento, o tempo destinado a períodos, de esclarecimento é de três minutos, Sr. Deputado.
O Orador: - Mas é que Sr. Presidente, depois de uma intervenção de cerca de trinta, tendo sido muitos os problemas levantados e considerando que será a única vez, que o Sr. Deputado Almeida Santos irá intervir...
O Sr. Presidente: - Sr: Deputado, peço-lhe para ser sintético.
O Orador: - O Sr. Deputado Almeida Santos não entende que este referendo será necessariamente transformado no plebiscito entre uma orientação dada pelo Presidente da República na sua mensagem e a do Primeiro-Ministro, que a contrariou?
É que até no prefácio da sua intervenção, que foi publicado no jornal, o Sr. Presidente da República queixa-se que a sua mensagem foi deitada para um fosso de silêncio e a apreciação bloqueada pelo partido da maioria, dizendo que, por isso mesmo, tem muita pena que não tivesse sido realizado um debate. No entanto, o Sr. Presidente da República escusou-se a pedir o debate referendário, dizendo que a solução seria dada pela concorrência dos operadores privados.
Assim sendo, gostaria que V. Ex.ª me respondesse sinceramente: a ir avante, este referendo não se transformará num despique entre o Presidente da República e o Primeiro-Ministro, no sentido de plebiscitar uma orientação personalizada pelo Dr. Mário Soares e, do outro lado, uma orientação encarnada pelo Primeiro-Ministro?
O Sr. Presidente: - Faça favor de concluir, Sr. Deputado.
O Orador: - Já concluo, Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos, o referendo proposto é para referendar uma solução para a RTP ou é para referendar o projecto do PS?
Vozes do CDS e do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Porque o que vem aqui proposto é um referendo sobre o projecto do PS e as nossas leis não o admitem.
Aplausos do CDS e do PSD.
O PCP apresentou um projecto de lei, o CDS não apresentou nenhum projecto mas apresentou uma crítica e disse' o que queria que se fizesse. Mas o que é subjacente à proposta do PS é perguntar ao eleitorado português se quer o projecto do PS ou não! Isto não é um referendo? A resposta que o PS pretende do eleitorado é a Assembleia da República que a dá! E ela que diz se quer ou não os projectos de lei apresentados!
Neste projecto do PS não se pretendera independência da RTP! Pretende-se uma determinada fornia de garantir esta independência, que pode ato não existir.
É esta a pergunta fundamental subjacente ao projecto do PS! O que é que o PS quer. Quer referendar o seu projecto ou quer a independência da RTP?
Aplausos do CDS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, em nossa opinião, será sempre oportuno trazer a este Plenário as questões da governamentalização da RTP e denunciar aqui uma situação antidemocrática que contraria princípios básicos de funcionamento do regime e que, no fundo, alenta contra as liberdades dos cidadãos. Porque, quando por via da governamentalização que é imposta à RTP, não é dada aos cidadãos informação sobre as alternativas existentes, ,ao fim ao cabo, é a liberdade destes que é posta em causa.
É, aliás, espantoso que venha aqui o PSD, que utiliza a RTP como instrumento da sua politica, afastando-a dos outros partidos, acusar esses mesmos partidos de não a saberem utilizar! Srs. Deputados, como é que eles o podem fazer se são afastados do debate dentro da RTP por VV. Ex.ªs e pelo Governo que sustentam?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado Almeida Santos, a questão que lhe quero colocar é a seguinte: estando aqui também em debate a governamentalização da RTP, devo lembrar que ela está ainda a ser feita por outra via, qual seja a da própria governamentalização da Alta Autoridade para a Comunicação. Só que, que nasceu em sede do acordo da última revisão constitucional. Só que a forma como foi depois instituída aqui na Assembleia agravou todos os males que originariamente continha.
Assim, pergunto ao Sr. Deputado Almeida Santos: esta não é lambem uma matéria que deveria ter feito parte da sua reflexão?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Silva Marques (PSD): - E uma questão pertinente!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Mário Maciel, confesso que terei de fazer uma distinção fundamental entre a sua intervenção e a dos outros dois Deputados interplantes a dos outros é séria, a sua não!
Lamento muito dizê-lo depois da preocupação que tive em lazer uma apresentação séria do tema, sem entrar em acusações recíprocas. Porque iodos lemos acusações a fazer uns aos outros. Só que acontece que já pagámos pelos nossos erros e do que se trata agora é de o PSD pagar pelos seus.
Sr. Deputado, utilizar expressões como «hilariante comédia» e «Uma Campanha Alegre» em relação a minha intervenção ... Se ela foi hilariante, esse é um elogio que me fez, isto é, se, na verdade, a minha intervenção tem o mérito de «Uma Campanha Alegre», do Eça e do Ramalho, que belo elogio o Sr. Deputado me fez sem ter disso consciência.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado referiu ainda a expressão «campanha triste sobro instituições que sempre foram respeitadas». Mas que instituições são essas que sempre foram
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respeitadas?! A RTP sempre foi respeitada entre nós, Sr. Deputado! Quando o Sr. Presidente da República a tornou objecto da primeira mensagem a Assembleia da República respeitou-a e estava satisfeito com ela.
Quando certa vez pedimos a um filósofo que demonstrasse o movimento, este pura e simplesmente andou. Moveu-se! O que lhe peço a si é que oiça e veja a RTP e verifique o nível a que foi levado o culto da personalidade, que veja a reserva de tempo para o Governo e a restrição dele para as oposições...
Basta olhar para a televisão!
Sr. Deputado, todos lemos consciência dessa medida, mas não quero entrar nesse tipo de discussão - aliás, fugi a ela e, hoje, também não me vou deixar arrastar. Não deixo! Só lhe digo isto: arranje maneiras mais inteligentes de se defender do que dizer que o meu partido, no passado, lambem cometeu erros parecidos àqueles que está agora a cometer o seu partido. De facto, não é forma de se defender mas, sim, de se tornar igual ao que já mereceu a nossa posição em anteriores eleições.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E isto só quer dizer que também merece uma punição que ainda não teve!
O Sr. Deputado disse que a minha posição linha sido quixotesca. Quixotesca, porquê? No D. Quixote há muito de positivo e os senhores esquecem-se disso - aliás, ainda na minha última intervenção citei D. I Hélder da Câmara, dizendo que há razões importantes para que D. Quixote entre de novo em liça. Quixotesca, porquê? A minha intervenção foi objectiva, citando textos. Então, por que é que há-de ser quixotesca?
«Encostada» a soluções europeias? Até parece que tá fora não há nenhum modelo idêntico àquele que defendi. Parece que o um escândalo, um absurdo, como aqui disse o então secretário de listado, hoje ministro, com base em argumentos que não resistem a uma crítica objectiva para não falar noutra espécie de reacções.
Problemas fantasmagóricos? Mas o que é isto de fantasmagórico? II fantasmagórico querer que a televisão seja independente do poder político como a Constituição exige?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A Constituição é fantasmagórica? O que é isso?...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - «Posições de intensa carga ideológica.» Será que não tem mais nenhuma objecção quanto à carga ideológica senão quanto ao lacto de queremos que a Constituição seja cumprida, de querermos um modelo decente de administração e de direcção da televisão? II só isso que tem para dizer?
Sr. Deputado, desculpe-me que lhe diga, não mereceria muito que lhe respondesse, mas faço-o pelo respeito que tenho por si, por si e não pelo seu discurso!
«A RTP bode expiatório dos nossos fracassos eleitorais.» Essa ó a última coisa que esperava ouvir aqui! A inversa ainda tem alguma verdade, isto é, que nos tornemos bodes expiatórios da televisão que lemos e que os nossos resultados eleitorais reflictam o favoritismo que a televisão dispensa ao seu partido e ao seu líder...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ... ainda leria alguma verosimilhança. Agora, o contrário? Ser ela vítima, bode expiatório, dos nossos fracassos eleitorais?!...
O problema não está no meio de emissão! Nunca dissemos que esteve ou que está! O problema está, sim, em quem dirige, quem controla e quem influencia as emissões e não o meio de emissão em si, como 6 óbvio, que não tem culpa nenhuma - aliás, nem os trabalhadores da televisão estão em causa, nunca estiveram! O que está em causa é a concreta orientação da informação e da programação, e os trabalhadores não são os responsáveis por ela.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Depois, o senhor veio dizer-nos, mais uma vez, levantando o fantasma da autonomia regional, que somos contra essa espécie de autonomia porque pusemos em causa a competência do director regional. Onde? Onde é que eu falei na competência do director regional? Eu nem o conheço!...
Agora, é constitucionalmente abnorme, e portanto, inconstitucional, é um absurdo, para usar a expressão qualificativa do Sr. Ministro, que a designação do homem responsável por ioda a programação e informação nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores dependa do velo político do Presidente do Governo Regional quando a Constituição quer da RTP um funcionamento independente do poder político.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Isso, sim, é um absurdo! E devo dizer-lhe que a Assembleia Legislativa Regional dos Açores não o acompanha nessa sua reacção...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ... acompanha-me a mim na minha objecção!
Aplausos do PS.
Quero, ainda, dizer-lhe, Sr. Deputado, que não fui eu que afrontei a autonomia regional; foi o senhor que afrontou a unidade nacional quando usou a expressão «que não estão dispostos a consentir,... a consentir...
O Sr. Mário Maciel (PSD): - Nem sabe o que eu disse!
O Orador: - Eu tomei nota e o senhor vai recordar-se, não foge com essa facilidade!...
O senhor disse que não estavam «dispostos a aceitar pessoas impingidas por Lisboa»... Esta expressão vai ficar no Diário. O senhor nunca mais se vê livre deste verbo «impingidas»... Mas quando elas forem «impingidas» no uso de uma competência de um órgão nacional as regiões tem mesmo de respeitar as designações feitas por esses órgãos, seja a Assembleia da República, seja o Governo, seja o Primeiro-Ministro, sejam os ministros, porque todos eles são órgãos de soberania também para a Madeira. Convença-se disso, de uma vez por todas, Sr. Deputado!
Aplausos do PS e do Deputado independente Mário Tomé.
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O Sr. Deputado Narana Coissoró fez algumas perguntas serias, que quem agradecer-lhe, embora nem sempre esteja de acordo com as dúvidas que estão na sua base - como é normal - mas, de qualquer forma, agradeço-lhe que as tenha colocado.
Sr. Deputado, como calcula, não me demarquei, pelo contrário, sempre estive de acordo com a consulta referendária. O que disse, isso sim, foi que não interferi na formulação da pergunta - aliás, os meus camaradas que a formulação, eles próprios, demonstraram pouca satisfação com o resultado do seu trabalho e foram os primeiros a criticá-lo, o que é normal por essa Europa fora! Na verdade, sempre que há uni referendo discute-se a pergunta: se ela é clara, se é indutora da resposta, etc.
De qualquer modo, fixemos aquilo que devíamos demos a mão à palmatória, disponibilizámo-nos para corrigir a pergunta, para a substituir... Mas não é na pergunta que reside o problema!
O Sr. Deputado perguntou-me como é que nós agora passámos a deixar de parte os nossos louvores à democracia parlamentar para, de algum modo, louvarmos a democracia não parlamentar. Quero dizer-lhe que nunca deixei de ser, e o meu partido também não, adepto da democracia participativa.
Na verdade, a Constituição reflecte a nossa vontade e é o instrumento que mais defende a democracia participativa, que nada tem de colidente com a democracia parlamentar: o Parlamento tem o seu papel e a participação dos cidadãos também.
Assim, onde for necessário, como julgo ser neste caso, corrigir as indecisões ou os problemas da instituição parlamentar e ir à fonte perguntar qual é a melhor solução, a instituição parlamentar não deve considerar-se diminuída, em parte alguma! Nunca o referendo diminuiu a instituição parlamentar ou o instituto representativo. Nunca, de forma alguma!
Falou em Mendes France. Meu Deus, onde vai Mendes France e os seus «copos de leite»...
Os socialistas combatem o referendo. Bom, mas veja que os socialistas de hoje, em Franca, recorrem ao referendo quando é preciso.
É verdade que, por exemplo, nós tivemos uma primeira reacção - eu próprio a tive - quando o referendo nasceu em Portugal como o pecado original, isto é, quando se defendeu o referendo constitucional. Esse não! Porque um «sim» ou um «não» relativamente a 300 artigos de uma Constituição isso sim, pode ser um plebiscito de alguém e não um referendo de coisa alguma. Na verdade, não é sério perguntar ao povo se «sim» ou «não» a 300 artigos de uma Constituição! Isso não é minimamente sério!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A segunda pergunta que me colocou foi sobre o destino desta proposta. Bem, a resposta está na própria Lei diz Referendo, e peco-lhe desculpa mas pareceu-me que o senhor não tinha no seu espírito o seguinte artigo desta Lei: «Se a Assembleia da República ou o Governo apresentarem proposta de referendo sobre convenção internacional submetida a aprovação ou sobre projecto ou proposta de lei, o respectivo processo suspende-se até à decisão do Presidente da República sobre a convocação do referendo e, em caso de convocação efectiva, até à realização do referendo.»
Portanto, como vê, está prevista a suspensão. Quer dizer, o processo legislativo é interrompido para que a respeito de determinado artigo ou questão o povo diga como quer que seja e, depois, essa resposta é vinculativa.
V. Ex.ª falou em plebiscito entre o Presidente da República e o Primeiro-Ministro e referiu a mensagem do Presidente da República. Bem, o Sr. Deputado, certamente sem intenção, ofende o Primeiro-Ministro. Não acho que o Primeiro-Ministro veja nesta nossa proposta um plebiscito à sua posição ou que o Sr. Presidente da República entenda o referendo como um plebiscito.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Ai isso vê!
O Orador: - Bem, então, nessa altura, todos os referendos são plebiscitários, porque todos tem quem os defenda; há sempre um partido que os defende, esse partido tem um líder e, então, iodos os referendos são plebiscitarias.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sim, sim! Há quem defenda isso!
O Orador: - Não, não, Sr. Deputado.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Há quem faça isso. De Gaulle fez!
O Orador: - Plebiscitários eram os de De Gaulle que no fundo, mascarava a democracia musculada que liderava com os plebiscitos que eram uma forma de consagração da sua altura, quase de 2 m, e do seu prestígio.
Sr. Deputado João Amaral, também não nos satisfaz a composição da Alia Autoridade para a Comunicação Social, uma vez que não defende a independência da comunicação social quer televisiva quer de qualquer outro órgão.
Assim, do meu ponto de vista, para haver legitimidade para uma proposta referendária é preciso que haja uma lei pendente e, neste momento, não há qualquer lei pendente sobre a Alta Autoridade para a Comunicação Social. Se assim fosse leríamos a possibilidade de englobar na pergunta as duas autoridades.
O Sr. João Amaral (PCP): - O Sr. Deputado não disse isso na sua intervenção!
O Orador: - Não, na minha intervenção não coloquei esta questão concretamente, porque não quis sair da matéria hoje agendada para debate. Não fiz julgamentos sobre quem é mais ou menos culpado, não fiz julgamentos sobre o passado de uns e de outros, seguintes, pelo contrário, admiti honestamente que todos lemos culpas e que não vale a pena cada um de nós estar a tentar dizer que «a lua culpa é maior do que a minha!»
No meu entender, devemos é tentar resolver o problema do futuro sem imposições prejudiciais de vantagem política. Vamos é fazer aquilo que outros países já fizeram, vamos fazer aquilo que a Constituição, na minha interpretaçâo, quer que façamos para que não tenhamos de encarar a possibilidade da fiscalização da constitucionalidade da lei que sair daqui.
Finalmente, estou convicto de que não precisamos deste referendo para nada se o PSD resolver respeitar a Constituição tal como nós a interpretamos.
O Sr. António José Seguro (PS): - Muito bem!
O Orador: - Todavia, Sr. Deputado, dou-lhe o direito de ter dúvidas sobre a minha interpretaçâo da Constituição
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e, nessa altura, se temos dúvidas, vamos tirá-las. Quem é que tem medo da resposta do povo? Nós não! Espero que os senhores também não tenham!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai passar à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.
O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório e parecer refere-se a substituição dos Srs. Deputados Vítor Crespo, do PSD, e Carlos Carvalhas, do PCP, respectivamente pelos Srs. Deputados João Carlos Barreiras Duarte e António Simões de Abreu.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Srs. Deputados, gostaria de informar que, em nome da Câmara, apresentei à Sr.ª Betty Boothroyd os nossos cumprimentos, pelo lacto de ler sido eleita Speaker da Casa dos Comuns, salientando no texto que lhe enviei o lacto de ser a primeira mulher que, ao fim de 600 anos, exerce esta função.
Para além disso, apresentei lambem os nossos cumprimentos à Sr.ª Dr.ª Anabela Ritchie, lambem ela eleita presidente da Assembleia Legislativa de Macau.
Srs. Deputados, encontram-se a assistir à sessão alunos do Internato Frei Luís de Sousa, de Almada, e das Escolas Secundárias Alberto Sampaio, de Braga, e de Rio de Mouro para os quais peço a nossa habitual saudação.
Aplausos gerais.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Beleza.
A Sr.ª Leonor Beleza (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Encontro-se hoje em apreciação um projecto de referendo agendado pelo Partido Socialista, lendo em vista obter a sua conversão em proposta da Assembleia da República a submeter a decisão do Presidente da República, nos lermos constitucionais.
Só após proposta formal do Parlamento ou do Governo e decisão presidencial, precedida esta por esta vez de fiscalização da constitucionalidade e da legalidade, é possível, no direito português vigente, dar a palavra aos cidadãos para que se pronunciem sobre o acto legislativo a emitir, ou convenção internacional a aprovar que corresponda a tema de relevante interesse nacional.
Se recordo matéria que VV. Ex.ªs bem conhecem é para sublinhar que o referendo e um instituto da democracia semidireita, que pressupõe a intervenção dos órgãos democráticos representativos antes da manifestação directa da vontade popular.
Ou seja, não é em caso algum legítimo, por representar uma posição manifestamente contrária à Constituição, considerar que o facto de o Parlamento ou o Presidente da República julgarem ilegítimo, ilógico, inadequado ou inoportuno certo referendo traduz um entorse ou um desvio democrático ou qualquer afronta á soberania popular. Pelo contrário, cabe aos órgãos de soberania competentes, eles próprios emanação dessa soberania, aprovarem se deve ou não ser submetida a referendo certa matéria específica, num determinado momento.
Vou, em conformidade, apreciar se o referendo pretendido pelo Partido Socialista é legítimo, é dotado do mínimo de lógica, é constitucionalmente adequado e é oportuno.
Fá-lo-ei com a consciência de que nos ocupamos da primeira iniciativa de objectivo referendário nacional no nosso país e, ainda, de que o Parlamento é totalmente livre de deliberar sobre o tema, sendo-lhe irrelevante o que sobre o mesmo pensem a televisão pública ou privada, o Governo ou o Presidente da República.
Este ó um debate de homens e mulheres livres. Tenho a certeza de que os Srs. Deputados das oposições respeitam a nossa liberdade, nomeadamente perante o Governo, tal como nos não possa pelo espírito a ideia de considerarmos os Srs. Deputados socialistas câmara de eco de estados de alma presidenciais.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Porém, antes de analisar em concreto a iniciativa socialista desejo fazer, com a brevidade possível, algumas considerações genéricos sobre o instituto referendário, bem como sobre a forma como ele nasceu em Portugal e foi sendo encarado pelo Partido Socialista.
O referendo mergulha as suas origens modernas na Suíça, com a comissão ad audendum et referendum, mas conhece o suo primeira utilização em lermos nacionais significativos em 177S, em Massachussets e depois em New Ilampshire, para fins constituintes, as mesmos fins que justificariam o seu emprego, em 1793, 1795 e 1799, em França, por influência do pensamento de Rousseau.
No plano legislativo ordinário, seria adoptado em 1831 no cantão suíço de Saint Gallen, depois da tentativa não sucedido do Constituição jacobino de 1793.
Desde então, pode dizer-se que se dividem os Estados que se reclamam do democracia em três grupos. O primeiro é constituído por aqueles que nunca aceitaram o referendo nacional, mesmo que o pratiquem a nível federado ou local, como os ÉLIA, a Holanda, o Japão, Israel e a índia. Do segundo grupo fazem parte os que o utilizaram com extrema frequência, como a Austrália, a Dinamarca , a França, a Itália, a Nova Zelândia e a Suíça. O terceiro, finalmente, integra o grupo mais amplo dos que o exercitam com extrema parcimónia, abrangendo cerca de 15 países, e entre eles a Espanha, a Irlanda, o Reino Unido e a Bélgica.
Uma primeira lição que nos oferece o direito comparado é a de que apenas seis democracias realizaram, ao longo de quatro décadas, mais de 10 referendos nacionais.
Uma segunda lição é a de que, se excluirmos o veto popular ou referendo peditório, esse número desce para cinco.
Uma terceiro lição é o de que, se circunscrevermos a análise aos referendos legislativos de iniciativa do poder político, não abrangendo os constituintes ou de revisão constitucional, nenhum Estado, solvo a Suíço, a nível nacional, o utilizou, sequer uma dezena de vezes em meio século.
Como escreve Vernon Bogadnor, o politólogo britânico trabalhista, grande defensor da introdução do referendo no Reino Unido, «o referendo é usado não para substituir as instituições representativas, mas para as complementar quando se sinta que elas não estão a funcionar efectivamente».
Vozes do PSD: - Muito bem!
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A Oradora: - «Isto porque o eleito geral do referendo é enfraquecer os partidos e porque ele também acentua a influência dos grupos de interesses.» E reconhece ainda, o mesmo politólogo, que, apesar das suas vantagens, o referendo «tende a suscitar reticências se se advogar o seu uso frequente».
Uma quarta lição, retirada do uso do referendo nacional, é a de que os partidos políticos o usam amiúde para tentarem ultrapassar querelas internas insuperáveis, mesmo quando no fundo o desamara ou temem. Demonstram-no os exemplos da Democracia Cristã italiana em 1974 e 1978 (nas leis sobre o divórcio e as medidas de ordem pública), do PC italiano em 1985 (na lei sobre a escada móvel) e da Grã-Bretanha em 1975, no referendo desencadeado pelo Partido Trabalhista que permitiu conter a crise interna no partido, mas que, está hoje provado, não resolveu a matéria sobre que incidia - as relações entre o Reino Unido e a CEE.
Uma derradeira lição, sublinhada por Lijpliart, La Palombara e Yves Mény, é a de que o referendo pode ser um excelente mecanismo de alerta se, além de usado com extrema precaução, as questões objecto de consulta popular forem precisas, não pormenorizadas nem sofisticadas, a informação dos votantes ampla e a participação elevada. Diversamente, o referendo é democraticamente debilitante quando todos estes requisitos não se achem minimamente preenchidos.
Entre nós, o referendo nacional foi ignorado, quer durante a Monarquia Constitucional, quer durante a 1.ª República. E só desprestigiaria a sua importância política o plebiscito antidemocrático da Constituição de 1933 que, ironicamente, previu desde 1935 um referendo de revisão constitucional nunca executado. Quanto ao referendo local, consagrado desde a Constituição de 1911, seria mono pela prática da Constituição de 1933.
Entre 1974 e 1976, vozes houve a defenderem o referendo, aliás acusadas de «reaccionárias», do hoje marechal António de Spínola ao professor Adelino da Palma Carlos (este, aliás, com o apoio do Dr. Francisco Sá Carneiro em Junho de 1974 quando ainda leria sitio possível poupar o desvio antidemocrático de muitos ideais de Abril).
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - O programa do PPD, aprovado em Novembro de 1974, consagrou o referendo obrigatório para aprovação das leis de revisão constitucional, de acordo com o princípio de que o poder constituinte deve ser exercido pelo povo. Cm conformidade, na proposta apresentada em 30 de Dezembro de 1975 ao Conselho da Revolução para eleito de negociação da II Plataforma de Acordo Constitucional, o PPD introduzia a submissão à referendo popular da Constituição, o que foi liminarmente recusado.
Entretanto, noutro plano, o meu partido incluíra no seu projecto de Constituição o referendo local e o CDS o referendo legislativo sobre todas as matérias salvo as tributárias.
O Partido Socialista e o Partido Comunista, apesar de proporem a iniciativa legislativa popular, respectivamente de 50 mil eleitores e das orgnnizações populares, não aceitaram o referendo legislativo ou político.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Exacto!
A Oradora: - Mas seria a propósito do referendo constituinte que dirigentes socialistas atacariam os riscos referendários. O Deputado José Luís Nunes falava, na Assembleia Constituinte, em «uma nova formulação, desta vez conservadora e reaccionária, das teorias vanguardistas que alarmam existir incompatibilidade entre a democracia representativa e a vontade popular».
II o Dr. José Magalhães Godinho consideraria, em escrito de 30 de Janeiro de 1976, que o referendo tem características plebiscitarias sempre consideradas antidemocráticas e a sua realização iria atrasar a institucionalização e estabilização da democracia portuguesa.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Exacto!
A Oradora: - De 1976 a 1982, a Constituição que nos rege ignorou o referendo; acolheu na última data o referendo local, novamente com papel relevante do PSD, aliás, nesse momento, no quadro da Aliança Democrática. Mas o referendo político e legislativo e mesmo de revisão constitucional advogado por Francisco Sá Carneiro no seu projecto de 1979 e retomado pela AD em 1980 não lograria sucesso.
Um Abril de J9H4, o então Presidente da República General António Ramalho Eanes chegou a aventar a introdução de uma cláusula constitucional avulsa que autorizasse a realização de um referendo exclusivamente para a lei da interrupção voluntária da gravidez.
Em 1987, o PSD e também o CDS repropuseram o referendo nacional, em termos que suscitaram reservas amplas por parte do Partido Socialista, que apresentava, tal como o PRD, uma fórmula mais circunscrita.
Por exemplo, dizia o Sr. Deputado Almeida Santos, em 8 de Novembro de 1988: «Creio que o referendo é apenas uma forma de manifestação da vontade popular como qualquer outra, não devendo o Presidente ser envolvido na responsabilidade da resolução dos principais problemas nacionais.» E acrescentava: «Disse, muito prudentemente, o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles que o referendo não deveria ser um instrumento de poder. Digo eu - o Sr. Deputado Almeida Santos - «nem de conflitualidade».
Já antes, no Portugal Socialista, n.º 199, de Outubro, Novembro e Dezembro de 1987, a pp. 31 e seguintes, depara-se com muitas reticências ao referendo político e legislativo, em escrito do então Deputado António Vitorino.
E no mesmo ano de 1987, o Sr. Deputado Almeida Santos proferiu em Macau uma conferência em que, falando do que chamara «o mito do referendo», levantou questões essenciais, nomeadamente declarando o seguinte: «acautelando o risco da diminuição da natureza do instituto de representação por força da consagração do referendo, e confirmando o referendo aos limites de uma consulta prévia, do género: nuclear, sim ou não, regiões administrativas, sim ou não, sobretudo - senão decisória -, o instrumento pode revelar-se útil desde que só a título excepcional se permita o seu uso e claramente se proíba o seu abuso».
Aplausos do PSD.
Já posteriormente o Sr. Deputado Almeida Santos se demarcou destas declarações, como, aliás, fez, agora mesmo, perante o Plenário.
O referendo é hoje uma realidade na Constituição vigente, mas nesta digressão histórica maí seria se não citasse alguns avisos explicitados em 15 de Maio de 1988 pelo Sr. Deputado José Magalhães.
Sublinhava ele designadamente que «foi rejeitada qualquer hipótese de referendo por iniciativa popular» que o referendo fora concebido «como um elemento correctivo (e
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não substitutivo ou alternativo) da democracia representativa, ...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Isso, Isso!
A Oradora: -... tendo um papel puramente complementar ou auxiliar, não substitutivo do papel do estatuto dos punidos políticos e dos órgãos de soberania dentro da sua esfera de competência própria».
Indo mais longe, dizia o Sr. Deputado que o processo de referendo «é um mecanismo demasiado caro paru poder funcionar como uma sondagem ao natural e não é, seguramente, a forma corrente de tomar decisões políticas, mesmo nas áreas em que elas são possíveis através deste mecanismo».
Risos do PSD e CDS.
«Creio», dizia ainda, «que a análise das normas prova, também, que este instituto não surge como uma arma prima para a defesa das oposições e das minorias. Não é seguramente a alavanca de Arquimedes da alternância. Só pode ser desencadeado por uma maioria parlamentar ou por um governo, e só prevalece se reunir no País uma maioria social e política».
Aplausos do PSD.
E terminava concluindo: «pela nossa parte» - falava então em nome do PCP - «não vimos ale agora razão fundamental para alterar o juízo que linha conduzido a que em 1976 e 1982, juntamente com outros partidos, não aprovássemos a introdução do instituto».
É tempo de passar à análise da iniciativa concreta do Partido Socialista. Ela surgiu pouco depois da eleição do seu novo secretário-geral, como um dos mais de duas dezenas de factos políticos que sugeriu, lançou, repescou ou divulgou no curió espaço de 60 dias.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Quem sou eu para me pronunciar sobre a credibilidade e a eficácia da criação de factos políticos ao ritmo de três ou quatro por semana,...
Risos.
... não dando sequer tempo à opinião pública mais atenta para reter e aprofundar a razão de ser e as possíveis consequências de pelo menos alguns deles?
Aplausos do PSD.
Mas, quanto ao referendo sobre comunicação social pública, o juízo generalizado sobre a iniciativa já a transitou em julgado. Apressada, mal pensada, improvisada, sem relevância adequada fruto do aia de gerar factos políticos, pecado porventura saboroso num comentador político mas mais do que venial num protagonista partidário.
Quem disse tudo isto? Não, não foi o PSD, não foram os seus Deputados. Foram, por exemplo, Joaquim Vieira, Paulo Porias e Vicente Jorge Silva. Que eu saiba, nenhum deles ó militante do PSD, entre vários deles há milhas de distanciamento ideológico e político, e todos são insuspeitos de não pensarem pela sua cabeça.
A Oradora: - Sinto-me, alias, neste particular, com o maior à vontade para o dizer, por razões óbvias.
Numa coisa todos concordaram em duas, três, vinte ou uma centena de linhas: a ideia do referendo televisivo radiofónico era daquelas que nunca ninguém verdadeiramente amigo do novo líder socialista deveria ler ousado sussurrar-lhe!
O Sr. Duarte Lima (PSD): - É o Lacão!
A Oradora: - É esta ideia, que a comunicação social, ela própria, já reprovou por deslocada no tempo e no espaço, que temos de ponderar se é legítima, se é lógica, se está adequadamente formulada e se é oportuna.
Num ponto desde já admito não ser ela de questionar. É legítima, porque de emanação do legítimo direito democrático de um partido com representação parlamentar, e, por sinal, o mais relevante partido na oposição. Ninguém lhe pode negar essa legitimidade abstracta.
Só que, lamentável é que a legitimidade da iniciativa do Partido Socialista não seja acompanhada da lógica política que permitisse que ela fosse indiscutível.
Ora, ela não corresponde ao que é exigível do primeiro referendo nacional em Portugal. Não corresponde as preocupações, às cautelas, às angústias do PS, antes e na génese do referendo nacional em 1989. Não corresponde à prudência aconselhada pelo direito comparado. Numa palavra, não é fermento de vivência democrática é factor previsível de menos prestígio das instituições ou, pelo menos, nada acrescenta à sua credibilidade.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Estamos perante o primeiro virtual referendo nacional. Pode dizer-se que se traia de questão que os portugueses sintam como crucial, que represente algo de essencial para o seu destino colectivo, algo que corresponda aqueles casos excepcionais de que falava em 1987, 1988 e 1989 o Sr. Deputado Almeida Santos?
Vozes do PSD: - Não!
A Oradora: - Algo que ombreie com os referendos nacionais que democracias amadurecidas por séculos, ou muitas décadas de história, levaram a efeito?
Vozes do PSD: - Não!
Risos do Deputado do CDS Narana Coissoró.
A Oradora: - Não. Estamos quase perante um exemplo daquilo que, em 1988, o Sr. Deputado Rui Macheie, Presidente da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, apoiado por todas as bancadas, chamava «utilização da bomba atómica para matar moscas».
Risos do PSD.
Não há nenhum caso de outra democracia, nomeadamente comunitária, e na qual o referendo não é novidade recentíssima, que tenha tido a temeridade de usar o instituto para perguntar em pormenor da forma de gestão de meios de comunicação social públicos.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Muito bem!
O Sr. Jaime Gama (PS): - Aí não é preciso!
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A Oradora: - Mais ainda: os exemplos conhecidos de referendos políticos sobre matéria orgânica, mesmo na, estruturação do Estado, constituíram insucessos para o prestígio da instituição referendária.
Assim foi com De Gaulle e o referendo sobre o Senado e as regiões administrativas, em 1969. Assim foi com o referendo britânico sobre a Devolution em 1979. E refiro-me a referendos sobre o poder político do listado e não sobre a gestão de concessionária de um serviço público, mesmo de capitais públicos, uma vez que, sobre matéria desta, nunca ninguém organizou referendo, ademais com o grau de pormenor sugerido.
Depois, veja-se o absurdo de querer submeter a referendo uma faceta da gestão de mass media públicos, esquecendo que existem questões bem mais relevantes sobre a mesma matéria, para as quais o PS se esqueceu de prever qualquer iniciativa.
Exemplifico: se deve haver ou não uma entidade de capitais públicos a explorar o serviço público de radiotelevisão.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: -... se deve essa entidade explorar um ou dois canais televisivos;...
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: -... se deve ou não existir uma Alta Autoridade para a Televisão, como a ITC britânica, com jurisdição sobre operadores públicos e privados; se deve ou não entender-se que o núcleo essencial do serviço público de radiotelevisão pode ser prestado concorrencialmente por entidades públicas e privadas de modo que não sejam só as primeiras a dispor de financiamento privilegiado.
Aplausos do PSD e do CDS.
Em termos de futuro, quanto à independência e pluralismo democrático, estas questões são incontestavelmente mais importantes, designadamente no momento em que arrancam os primeiros canais privados.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Não me estou, obviamente, a pronunciar-me sobre elas não estou, sequer, a pronunciar-me sobre se devem ou não ser submetidas a referendo, listou apenas a dizer que, em nome dos princípios que o PS diz que deve defender com está proposta, essas questões são mais importantes.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Ou seja, nem sequer a questão, proposta constitui a mais relevante, em termos políticos ou de escolha popular, no domínio dos meios de comunicação social públicos.
Acresce que há na Administração Pública portuguesa serviços de dimensão pública, pêlo menos tão sensível como a comunicação social. Deve entender-se que também os beneficiários de serviços públicos de ensino de saúde e de transportes devem constituir a base determinante ;na selecção dos gestores das correspondentes entidades públicas? Devem ser assembleias de cidadãos a escolher os gestores dos hospitais, dos estabelecimentos de ensino, das universidades; dos transportadores? Não se diga que a comunicação social é matéria axiologicamente mais relevante ou politicamente mais sensível!
A Sr.ª Conceição Castro Pereira (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Vamos avançar com este referendo sem ponderar os prós e os contras destes problemas?
Indo um pouco mais longe, será aceitável que se leve a democracia participativa ao ponto de sobrelevar a democracia representativa, nos termos do documento apresentado por iniciativa do Partido Socialista?
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - O que a lógica do regime político português não e a de fazer prevalecer a democracia participativa sobre a representativa. A democracia participativa completa não substitui a democracia representativa.
Ora, dentro da lógica desta última, há inúmeras fórmulas possíveis de equacionar a garantia da independência dos meios de comunicação social permite o poder político e o poder económico, bem como a da possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião, para usar a forma como se exprime o artigo 39.º, n.º 1, da Constituição.
Porquê abdicar dessas fórmulas, a benefício de esquemas prevalecentes de democracia participativa?
A lógica constitucional da primazia da democracia representativa resulta, antes de mais, e com toda a clareza, do próprio âmbito em que a Constituição permite o referendo, excluindo, patentemente, do mesmo matérias pelo facto de corresponderem às mas importantes competências dos órgãos de soberania - não seria possível, nomeadamente perante a Constituição, submeter a referendo a aprovação por Portugal dos acordos de Maastricht. Resulta, também, aquela lógica, já num plano diferente e aqui particularmente relevante, da composição constitucional da Alia Autoridade para a Comunicação Social, acolhida pela ampla maioria da revisão constitucional e englobando, portanto, o PS.
De facto, nessa instância, e nos lermos da Constituição, não membros tem subjacente uma lógica democrática representativa, enquanto apenas quatro tem uma possível lógica democrática participativa.
Não é lógico que a solução legislativa ordinária, para a gestão das entidades públicas de comunicação social seja dissonante da fórmula constitucional de suprema garantia da independência e do pluralismo democráticos nessas entidades.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Não é razoável tentar no plano do direito constituído desviar o que vigora no plano constitucional. Nem se diga que uma coisa não tem nada a ver com a outra li que, obviamente, tem. Além do mais, porque o n.º 4 do artigo 39.º da Constituição optou pelo parecer prévio da Alta Autoridade sobre a nomeação e exoneração dos directores dos mass media públicos. Não é razoável querer agora encontrar modo de designação de gestores ou responsáveis dessas entidades que represente a subversão da prevalência constitucionalmente atribuída aos mecanismos democráticos representativos.
Em suma, pensamos que a iniciativa em exame não justifica o recurso a referendo, passa ao lado de questões mais relevantes na matéria que versa, ignora situações paralelas e
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arranca de uma filosofia que não traduz a lógica dominante na Constituição vigente.
Sucede ainda que, do tudo quanto fica dito, decorre o modo complexo, enrolado, pouco perceptível e mesmo tendencioso tia formulação da questão: ela é longa, o que é contra-indicado; recorre a conceitos técnico-jurídicos imperceptíveis para o comum dos mortais; o seu cerne é orgânico-formal; sugere a resposta na justificação respeitante aos princípios a salvaguardai', este último ponto claramente condenado pela lei vigente.
Não insistirei neste ponto, pois não é, obviamente, essa a questão importante, aliás, já que foi o próprio Partido Socialista que, há moinemos, aqui destruiu o texto da sua própria proposta pela voz do Sr. Deputado Almeida Santos, que - como iodos nós, certamente, suspeitávamos - não era o autor daquela frase.
Aplausos do PSD.
Por último, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que oportunidade existe neste referendo quando a Assembleia da República acabou de iniciar uma legislatura, subsequente a eleições que tiveram bem presente questões como a que está em causa, em que o Partido Socialista expressamente colocou no seu programa eleitoral, que foi balido nas umas esta própria e mesmíssima questão, que agora, confrontado com a dificuldade em remover a maioria parlamentar, quer devolver de novo, escassos seis meses plissados, ao voto do eleitorado? Será que o PS acha que o solene, caro e pesado mecanismo do referendo é adequado para tentar impor ;LS suas propostas eleitorais reprovadas, quando a maioria parlamentar se opõe á sua adopção e surge a tentação de tentar curto-circuitar a Assembleia da República?
Para o Partido Social-Democrata é obviamente legítimo, em abstracto, o direito do PS a apresentar iniciativas referendarias. Só que este referendo em concreto é ilógico em Iodos os planos em que o queiramos examinar, é mal formulado e é inoportuno. Mas, sobretudo, revela uma descrença na democracia representativa que é, de facto, preocupante.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Está o PS desiludido com uma Constituição que prefere a democracia representativa à participativa? Agora, sempre que haja maiorias absolutas parlamentares, u via privilegiada das minorias é o referendo?
Risos do PSD.
Quantas vexes vai ele ser acenado para depois tentar lazer queixas à opinião pública, que não são queixas contra a maioria e acabam por ser queixas contra a democracia representativa que a permite?
Aplausos do PSD.
Vamos passar a ter referendite crónica do Partido Socialista nos antípodas das reticências anti-referendárias de há meia dúzia de anos? Ou este caso tem apenas que ver com a eleição do novo secretário-geral do PS, explicação avançada por insuspeitos analistas políticos e que eu me recuso a aceitai como boa?
O referendo que o PSD defende, desde sempre, deve ser encarado com elevação, com prudência, com sensatez.
Não pode ser usado ilógica, inadequada e inoportunamente. Não pode ser empregue, inclusive para pôr em causa o papel dado pela Constituição à democracia representativa, em benefício de uma moda demoparticipativa que sobe ou desce consoante se está na oposição ou no Governo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como se não bastasse o que já tive ocasião de dizer, acresce que, dado o peso e a duração do processo de referendo, mesmo supondo a mais rápida aprovação parlamentar da História, o mais célere acórdão do Tribunal Constitucional no processo obrigatório de fiscalização preventiva, as mais eficazes publicações no Diário da República, os mínimos prazos legais, a realização do referendo não poderia em caso nenhum ter lugar antes da segunda metade de Julho. Abstenho-me de considerações sobre o que seria então o apelo abstencionista para este referendo em concreto. E dificilmente seria possível fazer tudo sem pôr em causa as exigências constitucionais e legais de nenhuma coincidência com o processo de realização das eleições regionais autónomas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para terminar, tenho dificuldade em encontrar melhor fundamentação para a razão de ser desta minha total desaprovação, face a iniciativa do Partido Socialista do que as judiciosas palavras do Sr. Deputado Almeida Santos no dia 8 de Novembro de 1988, na Comissão de Revisão Constitucional: «O que me parece é que o referendo é um instrumento Ião sério que os órgãos de soberania só devem recorrer a ele quando entendam que não devem assumir a responsabilidade de decidirem por si próprios, antes devem ir a fonte, ao soberano. Imaginamos os seguintes exemplos: sim ou não ao nuclear? Sim ou não à C1IE? listes exemplos servem para justificar o que é que imagino que deve ser o referendo.»
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - «Não vale a pena utilizar o referendo para coisas miúdas, e lenho medo de que ele possa ser utilizado para a solução de birras políticas.»
O Sr. Silva Marques (PSD): - Já chega!
A Oradora: - Por tudo quanto fica dito, não posso senão lamentar este referendo da Primavera que o Partido Socialista nos trouxe para apreciação e, ao qual, sinto ser de passar certidão de óbito político e jurídico-constitucional.
Aplausos do PSD, de pé, e do CDS.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Narana Coissoró, Almeida Santos, Jorge Lacão e João Amaral.
Tem a palavra, para este eleito, o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Leonor Beleza, aplaudi com gosto a sua intervenção porque, em primeiro lugar, «desancou», como se costuma dizer,...
Risos do PSD.
... o projecto de resolução.
Já tinha mostrado que ele não correspondia substancialmente ás posições de um partido republicano, de partido socialista e de esquerda, quanto a democracia representativa e ao que o Sr. Deputado Almeida Santos chamou democracia semidirecta ou semi-representativa.
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Não quis trazer, aqui, ao foro do debate as suas próprias afirmações, porque o Sr. Deputado Almeida Santos costuma dizer «lá está o Dr. Narana a lembrar-me as coisas que eu disse em outras ocasiões, quando não linha nada a ver com isto!»
Sabia muito bem que estas afirmações viriam a ser hoje, aqui, chamadas à colação, para o inventário do óbito - que anunciou - deste projecto.
Felicitei-a, também, por uma segunda razão: porque não foi preciso aplaudir a proposta do Governo ou pôr o projecto de resolução em contraponto com a proposta do Governo. Bastou-lhe mostrar a incoerência, a incongruência e a inoportunidade deste referendo, sem uma única vez. Falar da proposta do PSD ou da proposta do Governo. Mostrou, pois, a inadequação deste debate no Parlamento, a menoridade com que a Assembleia sairia se este projecto fosse aqui votado afirmativamente. Tal, poria em causa não só a legitimidade da maioria mas a legitimidade da própria Câmara e do debate que aqui se fez, várias vexes, sobre a comunicação social.
Além disso, o Partido Socialista, durante a campanha eleitoral, jamais disse ao eleitorado que apresentaria esse assunto directamente à sua consideração se o partido do Governo teimasse em não querer entender ou em não apreciar a mensagem presidencial. E linha muito tempo para o fazer.
Todos criticámos a actuação da televisão durante a campanha eleitoral para as eleições da Assembleia da República e jamais o Partido Socialista se lembrou do referendo. Só o fez, quando, depois do congresso do seu partido, viu que era uma oportunidade para agitar o espantalho de uma querela que só ao Partido Socialista diz, respeito.
É claro que com isto não estamos a lavor da proposta governamental, e já aqui o temos dito várias vezes. Temos combatido e temos sofrido i ia pele os excessos da governamentalização da informação da RTP, mas também não vamos banalizar o referendo.
Aqui fica o nosso aplauso para aqueles que não querem o referendo como a moeda miúda para as causas partidárias. Não vamos dizer sim a este tipo de iniciativas!
Aplausos do CDS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Leonor Beleza, em primeiro lugar, dou-lhe os meus cumprimentos pela sua intervenção, mas queria dizer-lhe que fugiu ao essencial, porque o que coloquei com bastante ênfase - e fiz questão nisso - foi o lacto de estar em causa o respeito ou o não respeito pelo dispositivo constitucional e, relativamente a esse aspecto, a Sr.ª Deputada não disse nada.
Se pensam que o referendo não e necessário, excelente!... União, vamos cumprir a Constituição da República Portuguesa sem ele. Só queremos o referendo como forma de dramatizar a vossa recusa em cumprirem a Constituição. Só isso e mais nada!...
Protestos do PSD.
Se, de facto, os senhores quiserem cumprir a Constituição não é necessário o referendo, como é óbvio!...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Segundo ponto, estranho muito que a Sr.ª Deputada venha aqui fazer uma argumentação contraria à que fez, o Sr. Deputado Narana Coissoró. Naturalmente, não posso é dar razão aos dois.
O Sr. Deputado Narana Coissoró responsabiliza-nos por estarmos aqui a defender um referendo...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Contra a legitimidade da Câmara.
O Orador: - Exacto...
A Sr.ª Deputada Leonor Beleza diz para nós: «se os senhores sempre foram contra o referendo, por que é que agora são a favor?» E eu pergunto-lhes: por que é que os senhores, que sempre foram a favor, agora são contra?
Risos do PS.
O programa do vosso partido, as vossas anteriores iniciativas, as acusações que nos fizeram quando proferi as frases que proferi atestam isso.
Sr.ª Deputada, fui o primeiro a afirmar nesta Câmara que nunca fui um entusiasta do referendo, até porque ele surgiu com o pecado original de ser um referendo constitucional. Sempre o disse, nunca o ocultei.
Mas, como agora está consagrado na Constituição, não é para servir de flor de cheiro, mas para nos servirmos dele.
A nossa divergência está num ponto: é que a Sr.ª Deputada acha que não tem importância nenhuma que a Constituição seja respeitada no que se refere â independência da televisão, enquanto que eu penso que é fundamental que seja independente. É só isto!
Se a Sr.ª Deputada admite que um Presidente da República faça uma mensagem a esta Assembleia e que receba uma resposta respeitosa de um director-geral, que é nomeado por administradores nomeados pelo Governo, sem que este lenha uma palavra de desagravo em relação ao Presidente da República, é o seu ponto de vista, mas não é o nosso.
Disse também que o referendo é um instrumento de conflitualidade. Sr.ª Deputada, em conflito estamos nós. Estamos em conluio sobre a melhor interpretação da Constituição e a melhor maneira de gerir e de dirigir a televisão. Esse é que é o conflito! E o referendo existe para dirimir conflitos.
Temos algum instrumento mais sério do que este ou vamos agora confundir isso com a Ordem dos Engenheiros ou com a Ordem dos Médicos, com o facto de a informação em Portugal ser livre ou não e de a maior universidade do País ser ou não dirigida em termos independentes do poder político? Isto não é importante. Os senhores pensam que não é, mas nós pensamos que é e dêem-nos esse direito.
Também referiu que os jornalistas disseram que é apressada e impensada a pergunta. Os jornalistas estão no seu direito de o lazer, outros terão dito o contrário, mas pergunto-lhe se no PSD aceitam como apodíticas todas as verdades que os jornalistas dizem a propósito do PSD e do seu líder?
Disse igualmente que a pergunta não era discutível. Claro que é, tanto que eu próprio a discuti.
Falou de prudência em face do direito comparado. Vamos, pois, considerar o direito comparado, a solução alemã, a holandesa a belga ou a austríaca. Vamos considerá-las com prudência.
Ern relação à utilização di bomba atómica que mata as moscas gostava de perguntar-lhe quem é que é mosca: é a
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televisão, a informação televisiva ou a programação televisiva? Srs. Deputados, gostava de saber quem é que é a mosca. Talvez a mosca, neste caso, justifique a bomba atómica.
A Sr.ª Deputada perguntou-me se o serviço público pode ser cumprido por uma empresa privada. Respondo-lhe que, em meu entender, sim. Falta é apenas alterar a lei da televisão que os senhores aprovaram, na parte em que refere que ó preciso que se trate de interesses de maioria pública. Alterem-na, pois talvez a votemos. E façam aquilo que ainda não fizeram e sem o que não daremos o nosso assentimento: o estatuto do serviço público de televisão e de radiodifusão, já que o vosso projecto não nos diz o que é e deixa-nos completamente sem saber nada a esse respeito.
Já disse o que linha a dizer sobre a pergunta que pensámos, acho que não é sugestiva, sobretudo, na nova formulação, mas estamos abertos a alterá-la e que esse não seja o álibi. A pergunta não está em causa, vamos arranjar outra, pois o que está em causa é «referendo» ou «não referendo».
Acho que os Srs. Deputados do PSD, ao contrário do que a Sr.ª Deputada Leonor Beleza aqui demonstrou, são favoráveis ao referendo. Sempre o foram!
Nós é que não éramos! Mas, curiosamente, quando nós, que não o éramos, propomos um referendo, os senhores votam contra! Não é porque não gostem do referendo! Votam contra, porque não gostam de uma televisão independente!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Leonor Beleza, em primeiro lugar, apresento-lhe os meus cumprimentos. A Sr.ª Deputada fez uma intervenção que coloca o debate em lermos intelectualmente exigentes. Mas isso, desde logo, permite retirar uma conclusão política evidente das suas palavras. 12 que a razão fundamental pela qual o acervo de argumentos que a Sr.ª Deputada aqui expendeu foi utilizado é porque os Srs. Deputados do PSD, que não têm medo em abstracto do referendo, tem politicamente medo do resultado concreto deste referendo.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
Protestos do PSD.
O Orador: - Vamos partir do princípio de que o referendo é dispensável. Mas, então, Sr.ª Deputada, garanta-nos aqui hoje que são capazes de cooperar para que seja aprovada uma lei sobre o serviço público de comunicação social que garanta que a rádio e a televisão sejam controladas por organismos democraticamente designados pelos utentes.
Garanta-nos que vai ser assim. O que acabei de dizer é o vosso programa político ainda em vigor.
Garanta-nos que cumprirão esta disposição do vosso programa e nós, aqui, também declararemos a retirada do referendo porque, nessa altura, deixou de ter razão para existir.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Mas como é provável que a Sr.ª Deputada não vá responder positivamente ao desafio que lhe laço, quero colocar a questão noutros termos.
Disse que a iniciativa do PS era legítima, que ela, porventura, não seria lógica, criticou os termos da formulação da pergunta, mas já sabia que o PS está totalmente disponível para rever os termos concretos da sua formulação.
Mas aquilo que a Sr.ª Deputada aduziu de novo 6 que haveria outras questões relevantes que poderiam ser feitas por via do referendo. E cito: «que, designadamente, deveria e poderia ser perguntado se o serviço público era susceptível de ser gerido por entidades privadas, desde que cumprissem o desiderato desse mesmo serviço público».
Sr.ª Deputada, aqui vai a minha segunda pergunta, pedindo-lhe que responda claramente em termos de sim ou não: quer introduzir essa pergunta no referendo? Nós, pela nossa parte, estaremos de acordo!
Aplausos do PS.
Outra questão que a Sr.ª Deputada colocou quanto á interpretação do valor constitucional da iniciativa foi a de pretender sugerir que a nossa Constituição dispensaria a problematização da questão. Porquê? Porque a Alta Autoridade para a Comunicação Social já salvaguarda a designação dos directores do serviço de informação da televisão. Mas, Sr.ª Deputada, está esquecida de que o PS votou contra a lei que regula o funcionamento tia Alta Autoridade para a Comunicação Social, que dissemos que, no primeiro momento em que o PS tenha maioria na Assembleia da República, o nosso primeiro acto legislativo será revogar a lei da Alta Autoridade porque ela é expressão de uma entidade governamentalizada e, portanto, não garante um objectivo constitucional de contribuir para a independência, para o pluralismo e para a isenção. Portanto, a questão não pode ser colocada nos termos em que a Sr.ª Deputada a colocou.
Mas disse mais ainda. Disse que o problema do modo de designação dos órgãos de gestão das empresas públicas de comunicação social não era uma questão axiologicamente diferente do restante regime de tutela para o sector público.
Sr.ª Deputada, nunca leve menos razão numa afirmação política: é que o modo de designação das empresas de comunicação social está ligado ao exercício de direitos fundamentais por parle dos cidadãos, designadamente ao direito de ser informado, e o serviço público quando existe e se existe é para garantir uma informação isenta, plural, rigorosa e independente dos poderes públicos.
É essa a questão política central que os senhores, do ponto de vista político, tem receio em encarar frontalmente.
Finalmente, disse a Sr.ª Deputada que o referendo não devia ser utilizado como um factor de conflitualidade que não fosse suficientemente medido pelas suas consequências no plano político, social e institucional.
Sr.ª Deputada Leonor Beleza, alguém disse recentemente: «a importância e a influência que o serviço público de televisão tem, exige que ela seja em absoluto independente do poder político e do poder económico, se reja por critérios transparentes tanto quanto possível consensuais e tenha uma participação plural.
Quem disse isto foi o Sr. Presidente da República na mensagem dirigida à Assembleia.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Deixe lá o Sr. Presidente da República em paz!
O Orador: - Sr.ª Deputada, quando o Sr. Presidente da República, eleito por sufrágio directo e universal exprime o ponto de vista de um órgão de soberania, pensa que ter esse ponto de vista em atenção e consideração é provocar um conflito gratuito? O que a Sr.ª Deputada quis dizer foi que
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a mensagem do Sr. Presidente da República é a expressão de um conluio gratuito? Como não creio que esse seja o ponto de vista da Sr.ª Deputada Leonor Beleza, a conclusão que não tirará, mas que eu tirarei é que, justamente, o que os senhores tem medo é que os portugueses compreendam - e já o disseram recentemente numa sondagem de opinião conhecida - e afirmem que não querem em Portugal uma televisão e uma rádio públicas dependentes do poder político. No entanto, o que o senhores querem é essa instrumentalização não ao serviço do objectivo que o serviço público visa servir, mas dos vossos objectivos e interesses partidários exclusivamente.
Aplausos do PS.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Você é o pai da criança que é a pergunta do referendo!
O Sr. Silva Marques (PSD):- É lá aqui uma grave fissura interna!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP):- Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Leonor Beleza, creio que, em matéria de referendo. V. Ex.ª disse, disse e ouviu-se e, algumas vezes, até afirmou o contrário do que o PSD foi dizendo ao longo do tempo. Em meu entender, é importante que fique registado o que a Sr.ª Deputada disse acerca do referendo, que será, enfim, doutrina, que teremos de estudar quando outras questões aparecerem. Porém, a Sr.ª Deputada não disse nada sobre a questão de fundo, isto é, sobre a questão da governamentalização da RTP...
Vozes do PSD: - Não há!
Vozes do PCP: - Pois não! ...
O Orador: -... e dos meios de lhe pôr cobro. Ou seja, quanto à questão concreta do debate em torno da solução estrutural da RTP, solução essa que não evita a governamentalização, a Sr.ª Deputada nada disse sobre isso, pelo que lhe pergunto: afinal, em que ficamos?
O Sr. Duarte Lima (PSD): - O senhor é jornalista?
O Orador: - O que é que o PSD procura? O PSD procura manter esta situação, esta estrutura, para manter o mesmo nível de governamentalização da RTP? lista é que é a questão central, Sr.ª Deputada.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Duarte Lima (PSD): - O senhor é jornalista da RTP? Eles não se queixam!
O Orador: - Pois não, não se queixam!...
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr. Deputada Leonor Beleza.
A Sr.ª Leonor Beleza (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Agradeço muito as perguntas que me foram dirigidas, que vão, seguramente, ocasionar a possibilidade de exprimir melhor o que tive ocasião de dizer há momentos.
Sr. Deputado Narana Coissoró, agradeço muito o que disse e estou de acordo com quase tudo o que afirmou.
No entanto, Sr. Deputado, não analisei a proposta de lei nem o projecto de lei do PS, que, aliás, já foi rejeitado por esta Assembleia, porque não é esse o objecto do debate hoje aqui em causa. O objecto do debate é saber se se faz ou não um referendo sobre esta questão.
O Sr. Deputado Almeida Santos diz que fugi ao essencial. O Sr. Deputado Almeida Santos vê nesta iniciativa do Partido Socialista a última maneira de cumprir dispositivos constitucionais acha estranho que o PSD, que sempre foi a favor do referendo, agora que o tem entre mãos, o deixe escapar com esta facilidade.
Sr. Deputado, se por acaso o quê está em causa fosse a única maneira de cumprir a Constituição, então, duvido que o referendo fosse constitucional, porque não se pode fazer referendos para cumprir aquilo que a Constituição, claramente, monda fazer. É que há várias soluções para garantir princípios constitucionais intocáveis, e não tem o PS qualquer legitimidade, mais do que o PSD, para os defender; é que há várias maneiras de garantir o cumprimento desses princípios constitucionais, que são tão intocáveis para nós como para os senhores, que seja possível que a legislação diga coisas diferentes, que seja possível fazer sobre esta matéria, do ponto de vista constitucional, referendos.
No entanto, não tem os senhores sobre ela qualquer direito exclusivo ou legitimidade única para dizerem que a solução é só uma.
Vozes do PSD: -Muito bem!
A Oradora: - Portanto, o que aqui está em causa, Sr. Deputado, não é a única forma de cumprir a Constituição.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não disse isso!
A Oradora: - Não é isso o que aqui está em causa! A importância de cumprir a Constituição e os princípios constitucionais, tão caros a nós como aos senhores, é inquestionável e...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sem dúvida!
A Oradora: -... essa não a pomos em causa. O que aqui está em causa é uma coisa bem mais pequenina é saber como é devem ser geridos os órgãos de comunicação social do listado que restam, que restam por iniciativa do PSD.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Exacto!
A Oradora: - E que, ás vezes, ao ouvir o que os Srs. Deputados do Partido Socialista dizem parece que esta história, do domínio do Estado sobre a comunicação social, é uma coisa que só existe por causa do PSD. Então, quem é que tem currículo na diminuição do poder do Estado sobre a comunicação social,...
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: -... que não se faz só pela forma como os órgãos da comunicação social são gerados ...
Aplausos do PSD.
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... mas, antes do mais, pela existência de meios de comunicação social privados em concorrência com o sector público?
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - E sobre esta matéria nenhum partido pode dar lições ao PSD.
Aplausos do PSD.
Sr. Deputado Almeida Santos, esta questão colocou-se hoje num contexto muito diferente daquele que poderia ter sido há uns anos atrás, porque vão haver canais privados de televisão, vai haver concorrência. Logo, os portugueses vão poder escolher o que desejam ouvir e ver.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Mais uma razão, Sr.ª Deputada!
A Oradora: - É que hoje já há acesso, porque os meios tecnológicos avançaram imenso, ao que os portugueses não podiam ver quando ligavam a televisão, há uns anos atrás. Agora não, agora escolhem. O contexto político é completamento diferente.
O Sr. Deputado sabe tão bem, como iodos nós sabemos, que não há qualquer contradição entre ser ou não a favor do referendo. O PSD sempre foi a favor do referencio e já o PPD era, mas os senhores recusaram o referendo em concreto, Sr. Deputado.
É justamente porque somos a favor do referendo que não queremos permitir a banalização de um instrumento essencial da participação popular na configuração exacta das soluções políticas adoptadas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - E porque queremos ver a utilização do referendo em coisas muito mais sérias, naquelas que o Sr. Deputado Almeida Santos várias vezes referiu como as que concebia para a realização do referendo.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Exacto!
A Oradora: - Sr. Deputado, já aqui foi dito que esta questão foi colocada pelo Sr. Presidente da República e que foi discutida o ano passado, antes cias eleições. Os Srs. Deputados, no vosso programa eleitoral, fazem propostas no sentido de como devem ser geridos os órgãos de comunicação social do Estado.
Srs. Deputados, os cidadãos escolheram!
Srs. Deputados, de duas uma: ou esta questão não tem importância e porque a não tem aquando da escolha os cidadãos não a tiveram em causa, sendo assim não Ia/, sentido que se vá agora fazer o referencio, ou é muito importante mas foi recusada, pelo que não faz sentido que seis meses depois se volte a perguntar.
Aplausos do PSD.
Quando usei a expressão do Sr. Deputado Rui Macheie, dizendo que estávamos perante a tal «bomba atómica para matar moscas», estava a referir-me a um referendo no sentido de saber como é que a televisão deve ser gerida e não aos princípios fundamentais da liberdade, da independência, da expressão de todas as correntes políticas, pois, em relação a esses, Sr. Deputado, repito, são princípios que nós nem sequer discutimos.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Estão garantidos na Constituição!
A Oradora: - Sr. Deputado Jorge Lacão,...
Vozes do PSD: - É o culpado!
A Oradora: -... V. Ex.ª disse que o PSD linha medo deste referendo. Sr. Deputado, o PSD não tem medo do que o povo pensa. Aliás, Sr. Deputado, mesmo que tivesse não era um argumento suficiente para autorizar a realização de uma consulta popular tão séria. Não é por causa do medo, nem do tom de desafio político, rodeado de grande segredo, com que o Partido Socialista quis apresentar a iniciativa nem do nosso medo, sobretudo disso, que vamos autorizar, que vamos votar a utilização de um instrumento que deve ser guardado para questões extremamente graves e solenes em relação àquilo que o povo português quer dizer sobre certas questões.
E já agora, Sr. Deputado, desculpe, mas permitir-me-ão que faça uma referência exclusivamente, a título pessoal. O que vou dizer é só o que eu penso, não reflecte o que o meu partido, eventualmente, pensa.
Tenho muita pena que lenha sido retirada ao povo português a possibilidade de se exprimir em referendo sobre questões da gravidade da ratificação ou não do Acordo de Maastricht. Não estou a dizer que politicamente o referendo se devesse fazer, mas apenas a dizer que é pena que questões desta importância não possam ser submetidas ao povo português.
O Sr. Almeida Santos (PS):- Então proponha!
A Oradora: - Não posso, Sr. Deputado Almeida Santos, está na Constituição que se não pode; foram os Srs. Deputados constituintes que impediram que isso acontecesse.
Repito, a título exclusivamente pessoal, tenho pena que para uma questão dessas não seja possível perguntar ao povo português.
Sr. Deputado Jorge Lacão, não é a forma da pergunta que está em causa, nem a forma como as coisas estão ditas. Sobre isso o Sr. Deputado Almeida Santos disse, com muito mais autoridade, porque escreve muito melhor do que eu, que as coisas estão muito mal ditas. Mas a questão não é, evidentemente, essa. Aquilo por que me esforcei - e espero ler sido compreendida - por transmitir é que o referendo foi concebido para coisas muito mais sérias e não para questões como esta.
Como é que se faz a pergunta. Seguramente, seríamos capazes de chegar a uma formulação, mas não é essa a questão.
Também não disse, poderia ter dito mas não disse, quando invoquei o exemplo da Alta Autoridade para a Comunicação Social, que ela já salvaguardava o quer que fosse. Não foi isso o que disse, mas sim que a composição constitucional da Alta Autoridade para a Comunicação Social revela uma prevalência evidente dos juízos formuláveis através da democracia representativa e não da democracia participativa e que a lógica das funções da Alta Autoridade para a Comunicação Social, nomeadamente o facto de ter de se pronunciar previamente sobre a designação dos directores dos órgãos de comunicação social do Estado, levava a que fosse dificilmente compreensível que esses órgãos de comuni-
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cação social fossem formados, na sua administração, predominantemente, por mecanismos de democracia representativa.
Não fiz juízos sobre a Alta Autoridade para a Comunicação Social, aliás, intervim aqui sobre essa questão, quando ela aqui foi colocada e não tenho nada a refilar daquilo que disse.
Quanto ao mais, Sr. Deputado, disse que havia outras questões sobre a comunicação social do Estado mais importantes do que esta. Não disse que sobre elas se deveria fazer um referendo, como também não disse o que pensava sobre elas, e como não tenciono votar a realização deste referendo também não se coloca o problema de saber se esta questão poderia ou não ficar.
Portanto, o que afirmei foi que há questões mais importantes do que a de saber como e assegurada a gestão.
Finalmente, Sr. Deputado, não referi coisa alguma sobre a mensagem do Sr. Presidente da República, não há qualquer comentário sobre isso. Não ignoro o momento, o tempo, dessa mensagem. Foi antes das eleições. Sr. Deputado.
Vozes do PSD: - lixado!
A Orador: - Repito, o povo português escolheu a solução que quis escolher no dia 6 de Outubro e, repito, ou essa questão para o povo português não (em importância, pelo que não temos legitimidade política para agora o obrigar a responder em referendo, ou tem importância política e o povo português respondeu o que queria no dia 6 de Outubro de 1992.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Este debate tem para nós o sentido útil de configurar uma oportunidade para, mais uma vez equacionar a situação do sector público da comunicação social e da informação nele produzida, particularmente na RTP. Isto no que respeita à garantia - que não se verifica, apesar da imposição constitucional- de independência face ao Governo e à Administração. E também quanto ao desrespeito das regras do pluralismo, e da necessária e indispensável expressão e confronto das diversas correntes de opinião, desrespeito que, como é mais do que sabido, também ele contraria determinação constitucional.
É a gravidade dessa situação, da inteira responsabilidade do Governo e da maioria pai lamentar que aqui o apoia, que torna este debate significativo.
Não temos dúvidas em pronunciar - o que até já se verificou- que da parte do PSD vai ser feito o possível para transferir a sede principal do debate para as questões técnicas relacionadas com a proposta do referendo, como já fez a Sr.ª Deputada Leonor Beleza, sem excluir, claro, as análises sobre as estratégias dos proponentes da proposta, êxitos e fracassos, estados de graça, tarefismos, fintas e quejandos apaixonantes temas de bastas crónicas. Tudo isto com umas frechadas na Presidência da República e alguma intriga sobre as decorrências da proposta, se aprovada, quando a questão fosse submetida a decisão do Presidente.
A forma como a proposta foi apresentada e comentada dá pasto abundante para alimentar esse estilo, E aqui não há seca!
Mas, esse estilo, que configura uma aberta manobra de diversão, é em si mesmo uma confissão de culpa quanto à questão de fundo, a questão da falta de independência do sector público da comunicação social, particularmente da RTP, face ao Governo.
A governamentalização da RTP é hoje um dado sem contestação credível na análise que é feita da realidade política do nosso país. Uma sondagem, publicitada há 15 dias, dava conta de que 57,7% dos inquiridos achavam que o Governo controlava a informação.
A principal decorrência desta governamentalização, desta dependência imposta reside na viciação das regras da democracia. Penso que se deve di/er aqui, mais uma vez, com clareza, que num país onde o principal e mais influente meio público de informação não é isento, não é independente do poder, não assegura o pluralismo nesse país, o que está em questão é a própria liberdade dos cidadãos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - A influência da RTP na opinião pública portuguesa é desmesurada e desproporcionada. 12, mais, esta superinfluência implica mais responsabilidade, mais cuidado com uma informação actual isenta, pluralista e problemalizadora.
O «cuidado» do Governo vai, entretanto, para o lado contrário, para fazer uma informação orientada, de serviço, entorpecente e enganadora.
Vale um exemplo? O caso do programa «Primeira Página», li, no Primeiro Canal, o programa temático do departamento de informação com maior audiência ligado as questões da política. Que se esperaria dele? Que se desejava? Que se tornava necessário? Um primeiro lugar, que a «Primeira Página» fosse mesmo a primeira página das preocupações dos portugueses. Em segundo lugar, que ela permitisse o livre confronto de opiniões, por forma a ficarem claros não só a posição do Governo mas as alternativos que as oposições formulam. Esta é uma questão essencial!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Ao silenciar ou deturpar e caricaturar, como tantas vezes faz, as posições críticas das oposições e as alternativas à política governamental, a RTP estreita o campo das opções dos espectadores e serve o Governo e as políticas governamentais ao omitir ou deturpar a existência, fundamentos e características de alternativas à política governamental. A liberdade de escolha dos portugueses é atingida. À custa da liberdade dos cidadãos, o Governo é apoiado e protegido.
Esta questão torna-se particularmente aguda num momento político como o que vivemos. O Governo foi para as eleições com uma campanha de promessas incontáveis e infindáveis. Usou os dinheiros públicos, sem nenhum pudor, em operações de promoção eleitoral. Acabadas as eleições e obtida a maioria vem a factura!
A função estratégica da RTP, num quadro de repartição estratégia, é então, nesta situação, a de ocultar a existência de críticas e alternativas às políticas governamentais, é a de, tanto quanto possível, fazer diluir e esquecer essas políticas e as suas consequências.
Voltemos à «Primeiro Página» e aos saborosos exemplos que ela fornece desde as eleições de Outubro. Vejamos: Aumentou o IVA em Portugal sobre uma série de produtos, incluindo sobre os alimentos. Que tal um «Primeira Página» sobre a fome no mundo, para mostrar que há quem viva
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pior? Os estudantes protestam contra a PGA e as propinas. Que tal um trabalho do «Amónio Esteves Martins, em Bruxelas, boa noite!», sobre o futuro da CEE, com o sociólogo Amónio Barreio, o Sr. Saarsfield Cabral e o eurodeputado Pimenta? Os magistrados do Ministério Público protestam contra a lei orgânica. Talvez uma entrevista com Lucas Pires e José Luís Judas sobre um lema tão apaixonante como o futuro da democracia, a esquerda, a direita, esquerda, direita, etc.,..
Vozes do PCP: - Muito bem!
Risos do PS.
O Orador:- Os agricultores protestam por causa da política agrícola da Comunidade. Por que não, então, um «Primeira Página» sobre a situação interna do PS, competência quanto baste?
As autarquias afirmam-se esbulhadas no Orçamento do listado em mais de 50 milhões de contos. E o «Primeira Página»? Que tal as imagens da guerra do Golfo passado um ano, seguidas de um debate, ou melhor, de um duelo com os Deputados Jaime Gama e Ângelo Correia?
São impostas taxas moderadoras nos serviços públicos de saúde. Que tal um «Primeira Página» sobre a Ucrânia ou o fim da Europa? E esta?
Risos do PCP, do PS, do CDS e, do Deputado independente Mário Tomé.
O acordo económico e social foi subscrito em condições consideradas inaceitáveis e lesivas dos interesses dos trabalhadores. E há divergências. Como se reflectem no «Primeira Página»? Por exemplo, com uma conversa entre a Sr.ª Embaixadora - aliás, sempre presente - Collete Avital e o normalmente ausente representante da OLP?
Os funcionários públicos recebem os escandalosos S% de aumento e fala-se em 100 000 despedimentos, E o «Primeira Página»? Que tal a situação na Comunidade dos listados Independentes?
É este, Srs. Deputados, o panorama de «primeiras páginas» que o «Primeira Página» nos oferece. É por acaso? Não é de propósito, é estudado!
Aplausos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.
E a prová-lo estão as entrevistas com Cavaco Silva, Braga de Macedo, Deus Pinheiro.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Que ideia!
O Orador:- Dir-se-á que também houve entrevistas com outros líderes partidários, mas só, exclusivamente, na sequência dos congressos, aliás, até com o intuito de pesquisar o interior dos partidos da oposição.
Quanto a convidados, foram do PSD ou «especialistas» do género Nuno Rogeiro e Zita Seabra; ou então duetos PS/PSD. Do PCP uma única excepção, uma presença, um único programa, e mesmo assim convidado como especialista. Uma única presença, nos mais de vinte programas «Primeira Página» que se reclamaram desde Novembro! Portanto, menos presenças do que o Saarsfield Cabral que esteve duas vezes no programa.
Risos do PCP e do PS.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, os meios institucionais de fiscalização, tendo em vista as garantias de independência e pluralismo do sector público da comunicação social, foram claramente diminuídos com a entrada em funções da Alta Autoridade para a Comunicação Social. Emergindo do acordo de revisão constitucional PS/PSD, a Alta Autoridade viu agravados todos os traços negativos do seu estatuto com a lei que o PSD fez aprovar aqui na Assembleia.
O próprio Estatuto da RTP possibilita esta ingerência governamental sistemática. A revisão do Estatuto da RTP está dependente de apreciação em sede de especialidade. Até agora, na generalidade, o PSD obstruiu a adopção das soluções apresentadas para aterrar e estruturar da direcção da RTP, por forma a dotá-la de condições de independência.
Foram propostas, pelo menos, duas soluções: a do PS, que, basicamente, está descrita na pergunta formulada no projecto de referendo apresentado pelo PS em 8 de Abril passado. A proposta contida no projecto de lei do PCP é diferente. Enquanto o PS faz coexistir o conselho de opinião e a assembleia geral de accionistas como órgãos deliberativos, para o PCP só o conselho geral é órgão deliberativo. E preciso debater soluções, encontrar meios para fazer chegar às pessoas o conhecimento destes problemas, na sua especialidade técnica, que muitas vezes é ignorada. A sondagem aqui já referida é bem exemplo disso em outras das respostas à inquirição feita.
Da parte do PCP, há toda a clareza. Somos pela adopção de uma estrutura de gestão da RTP, que a desgovernamentalize. Propomos que essa estrutura assente num órgão onde tenham adequada representação as correntes de opinião, a chamada «sociedade civil», a Assembleia da República e o Governo. Propomos que seja esse órgão a nomear o executivo da RTP.
Quanto ao referendo, quando se soube que era ao Dr. Almeida Santos que caberia o ónus de aqui defender a proposta do PS não houve dúvidas que ouviríamos uma cuidada intervenção, com uma argumentação imaginativa e com a excelente qualidade literária que empresta a tudo o que escreve. São estas capacidades que fazem o Dr. Almeida Santos ser chamado tantas vezes pelo seu partido a ser o advogado de causas difíceis.
A verdade é que a proposta do PS sofreu atribulações que estão na origem de comentários ríspidos de alguns comentadores. O jornal Público do dia seguinte ao da conferência de imprensa, em que a direcção do PS anunciou a iniciativa, titulava: «PS quer julgar independência da RTP e RDP», o jornalista relatava: «referendar [...] a questão da independência da RTP e RDP face aos governos foi o último coelho tirado da cartola pela oposição socialista». E uma comentarista, numa coluna contígua, escrevia entusiasmada: «se a pergunta fosse formulada de uma forma inteligente, era muito natural que o PS obtivesse nas unias a vitória, saborosa de que tanto necessita para um relançamento da direcção». Aqui é que está o busílis! E que, soube-se depois, a direcção do PS podia achar a pergunta inteligente, mas não seria constitucional. Depois, arranjou uma outra formulação onde defendeu que seria constitucional, o que mesmo assim é questionado, mas só que - parece - não seria inteligente!
O uso, pela primeira vez, do referendo deve ser rodeado pelo mesmo nível de cautelas que se impõe na elaboração da norma constitucional e na elaboração da lei orgânica do regime do referendo. Em primeiro lugar, cautelas quanto a matéria: mal se compreendia que se escolhesse uma matéria pouco perceptível, de contornos obseuros para a opinião pública ou pouco mobilizadora pelo ângulo que se pretende
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questionar; cautelar também quanto à formulação da pergunta; cautelas quanto a todo o processo, até quanto a prazos. Um estudo cuidadoso da aplicação dos prazos mostra que este referendo iria, ocorrer já no período de convocação das eleições regionais para os Açores e Madeira. Ora, isso viola o artigo 8.º, alínea c), da Lei n. º 45/91 e o n.º 5 do artigo 118.º da Constituição. Assim, ou o referendo não se poderia realizar agora ou forçava-se o atraso das eleições regionais, o que também não me parece que fosse constitucional.
Com estes pressupostos, evidentemente que este debate assume grande importância no que respeita aos esclarecimentos que devem ser prestados pelos proponentes.
A pergunta não implica que se questione a própria independência consagrada constitucionalmente? A pergunta não contém uma alternativa exclusiva para uma questão para a qual há várias alternativas? A resposta negativa, neste contexto, o que significaria? Mas, para além de tudo isto, o que se pretende mesmo? Que o PSD imponha uma qualquer pergunta?
Não me embrenharei mais na malha una de problemas técnico-jurídicos que a proposta levanta Da nossa parle, estamos firmemente empenhados na batalha pela independência di RTP e da RDP e por um estatuto que a assegure, contra a governamentalização, a lavor de uma informação plural que dê expressão às diferentes correntes de opinião, que defenda a democracia e que afirme a liberdade dos cidadãos.
Risos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A inauguração do instituto do referendo requer - exactamente porque se trata de vez, primeira em que se trava o debate parlamentar sobre a aplicabilidade, depois da sua consagração constitucional e legislativa - algumas considerações prévias.
O referendo e um dos meios reconhecidos para corrigir as insuficiências ou as deformações da democracia representativa, e permite superar os bloqueios opostos à vontade popular pela democracia mediatizada através do Parlamento.
Rousseau ensinava que «aos deputados do povo compele propor e redigir as leis que ficam sujeitas a posterior ratificação popular». Daqui o seu nome referendum. Trata-se de uma forma de democracia directa em paralelo ou em contraposição, conforme o objectivo visado, com a de democracia representativa, maxime a parlamentar.
Geralmente, o referendo devolve a palavra directamente ao povo soberano, para arbitrar conluios institucionais graves, como pode acontecer no regime semipresidencialista como o nosso, entre o Presidente da República e o Parlamento; para ultrapassar o melindre de decisões políticas cruciais para a comunidade nacional; quando a maioria parlamentar não se sente, ela própria, legitimada para definir uma posição clara e definitiva num assunto muito importante p; ira o País; quando nas matérias que requerem a maioria qualificada a minoria impede o curso normal do processo legislativo, por obstrucionismo ou divisão interna das oposições; quando o governo minoritário procura ultrapassar as alianças negativas das oposições para a execução de um tema importante do seu programa, ou para preparar, de seguida, uma moção de confiança; para o Governo maioritário poder co-responsabilizar a nação numa decisão histórica para o seu presente e futuro.
As constituições dos listados modernos consagram referendos obrigatórios, constitucionais, legislativos, deliberativos, consultivos e revogatórios de leis vigentes.
Tratando-se do referendo legislativo, quando no Parlamento existe uma maioria estável e ampla, ele normalmente tem lugar, como sucede no caso presente, por iniciativa di oposição. Mais: pode ser mesmo previsto na lei como um instrumento di oposição para ultrapassar a «tirania democrática da maioria parlamentar». Aqui, a oposição apresenta-se excepcionalmente como contrapoder.
Na prática dos regimes da Europa Ocidental tal recurso é quase inexistente, a não ser no chamado referendo abrogatório, em que é permitido à oposição recorrer ao referendo contra uma lei adoptada pela maioria parlamentar. Prevê-o, nestes termos, a Constituição da Irlanda, dentro de certas condições; na Dinamarca, a lei permite que um terço dos deputados possam desencadear o referendo ab-rogatório. Neste caso, a maioria tem cinco dias para retirar o texto contestado. Se assim não fizer, só pode ser revogado se tiver maioria de votos expressos em, pelo menos, 30% de eleitores inscritos, excepções feitas às leis de natureza financeira, em que da iniciativa não é permitida; na Itália, tem-se feito bastante uso deste mecanismo.
Os autores são unânimes em afirmar que o recurso a referendo, se não for conveniente e responsavelmente utilizado, constitui um factor de instabilidade legislativa e põe em causa a representatividade da assembleia parlamentar e, mais concretamente, a legitimidade da maioria. Por isso mesmo, só no caso em que o direito de oposição tenha sido gravemente violado ou haja fundadas razões para duvidar da correspondência entre a maioria parlamentar e a maioria do eleitorado é que se pode subestimar que, numa democracia representativa e parlamentar, é a maioria que exerce o poder legislativo e governamental.
O objectivo do referendo proposto pelo PS é, sem dúvida, o referendo ab-rogatório da proposta de lei n.º 6/VI, votada na generalidade com votos a favor do PSD, do CDS e do PSN e votos contra do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados Independentes.
Todavia o exame atento do texto, submetido hoje à apreciação da Câmara, leva à conclusão que os seus proponentes pretendem referendar o seu próprio projecto de lei e, assim, de uma forma enviesada, inutilizar a votação havida nesta Assembleia, em 11 de Janeiro último. Não se faz, propositadamente, qualquer referência ao diploma governamental aprovado por esta Câmara, procura-se ames gerar a convicção de que os outros projectos são todos eles atentatórios da independência di RDP e da RTP face ao poder político e que a única forma, que aqui já foi referida pela Sr.ª Deputada Leonor Beleza, de garantir tal independência é a já avançada pelos socialistas, qual seja a de essas empresas «terem os seus órgãos constituídos a partir da assembleia de opinião de composição plural e representativa dos vários sectores de opinião da sociedade civil».
Ora, nada disto é exacto. O projecto do PS, derrotado na Assembleia, não só não é a única solução para garantir tal independência, como só por si e insuficiente para alcançar tal desiderato. Como tivemos ocasião de afirmar no debate atrás relendo, «ninguém duvidará de que uma boa televisão só poderá ser, feita por bons profissionais, jornalistas conscientes di sua missão, do papel que desempenham perante os espectadores, do seu sentido de isenção e de independência, da sua probidade intelectual, do seu aprumo moral e da sofisticação do know-how peculiar e difícil que se exige neste
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mister. A inovação, a criatividade e a competência não são os estatutos que ;is decretam, nem uma assembleia participada por variados sectores de opinião pode transformar um director de programas servil e completo num profissional digno e respeitado.
Por outro lado, é difícil de se prever o que sucederia no caso de resultar do referendo uma resposta afirmativa do eleitorado. Renascera das cinzas o projecto de lei n.º 37/VI, do PS, para ser obrigatoriamente aprovado em 60 dias? E este o acto legislativo a que se refere o artigo 233.º da Lei n.º 45/VI, ou o PS apresentara nova iniciativa legislativa em substituição da primeira.
A matéria que é objecto de referendo, como bem se recorda nu parte preambular do projecto de resolução, foi objecto da mensagem do Sr. Presidente da República a esta Câmara e nela se defendia que a gestão e direcção da RTP e RDP fossem atribuídas - cito - «a organismos plenas e representativos da opinião pública para garantia de uma maior independência, isenção e pluralismo da sua informação e uma maior qualidade de programação».
Face a posição tomada pelo Governo e pela maioria parlamentar, o referendo proposto pelo PS configura-se como um caso exemplar de arbitragem do eleitorado neste conflito, chamado agora a escolher a solução do Presidente Mário Soares ou a do Primeiro-Ministro Cavaco Silva. E afinal isto que se pretende, mais concretamente uma maneira de plebiscitar o Presidente ou o Primeiro-Ministro a propósito da nomeação do director de informação da RTP.
Estará o Presidente da República disposto a este voto? E será esta a intenção que ilumina a passagem do seu último escrito conhecido, publicado no semanário O Junta, de 24 do corrente 1.º Passo a citá-lo: «A mensagem que a este propósito enviei à Assembleia da República não teve quaisquer eleitos práticos. Um dia reconhecer-se-á que essa foi uma má decisão para o País, para o Estado e ale para o partido do Governo, que bloqueou o debate. O problema pode ser ultrapassado, creio, com o aparecimento de televisões privadas. Assim o espero, por Portugal.»
Somos de opinião que não é oportuno, poucos meses depois das eleições legislativas, abrir novamente uma campanha em que, necessariamente, estarão frente a frente, quer se queira quer não, duas figuras do topo do Estado que encaram dois projectos alternativos sobre a RTP e a RDP.
Será útil para o País este despique? E, conhecidos que são os poderosíssimos meios financeiros e outros de que o Governo e o PSD dispõem para invadir o terreno eleitoral lace aos seus concorrentes, será isso útil ao Presidente da República e aos socialistas.
O Presidente da República espera que da concorrência da RTP com as operadoras privadas nasça a independência e isenção da sua informação. O exemplo da RDP não vai neste sentido. A própria correlação de forças - meios financeiros entregues à RTP, as chamadas indemnizações compensatórias e a própria indefinição do conceito de serviço público - coloca a estação oficial em manifesta superioridade relativamente aos seus competidores. Ora, isto pode não conduzir à tal independência por via da concorrência.
A verdadeira solução, tal como a propomos, é a redução da RTP ao serviço público mínimo, a privatização do segundo canal e a transformação da RTP num serviço em regime de concessão dado às entidades privadas. Só no caso de não haver pretendentes a essa concessão será adoptada a solução de sociedade anónima de capitais públicos. Aliás, aproveito para referir que gostei de ouvir o Sr. Deputado Almeida Santos dizer que o PS estaria disposto a votar este tipo de solução-ficou registado em Diário, para futuras contendas.
Finalmente, como dissemos no início, deverão ser tomadas cautelas para não tornar o referendo um instrumento de demagogia partidária. Só em casos excepcionais, de manifesto desrespeito dos direitos da minoria, pela maioria, onde há fundadas razões para presumir que o País legal não corresponde ao País real ou em que deva ser questionada a legitimidade da maioria a propósito de um projecto ou proposta de lei, é que deve haver lugar ao referendo, à consulta directa ao eleitorado, «por cima da cabeça» da Assembleia da República.
O tema da dependência da RTP lace ao Governo e a sua parcialidade foi muito falado na última campanha para as eleições legislativas; o PS só se lembrou do referendo depois de ver denotado o seu projecto de lei, juntamente com os da oposição; as recentes sondagens demonstram que o eleitorado não considera a situação da RTP merecedora de um tratamento de choque imediato; o projecto apresentado favorece unicamente o PS, em detrimento de outras soluções; o plebiscito em que se transformaria o referendo entre o Presidente da República e o Primeiro-Ministro, com todos os consabidos inconvenientes; o referendo que não deve ser utilizado como arma de arremesso contra a maioria parlamentar numa matéria que não se afigura de crise institucional, existindo neste momento assuntos de relevante interesse nacional que podem exigir um referendo consultivo dentro de muito breve prazo.
Por tudo isto, não poderemos acompanhar o Partido Socialista na aprovação do seu projecto de resolução.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Castro.
O Sr. Raúl Castro (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou ler uma carta de que me enviaram cópia.
A referida carta é do seguinte teor:
«Querida televisão:
Que esta te vá encontrar com a habitual independência e pluralismo, são os meus sinceros votos.
Eu sei que há quem te critique, dizendo que és a voz do Governo mas, como sabes, há sempre maldizentes.
Dizem as más línguas que enches os telejornais com notícias do estrangeiro, mas quanto ao que se passa cá não mostras quase nada.
A verdade é esta: o que é que interessa, por exemplo, que os trabalhadores laçam greves e se manifestem junto da Assembleia da República, ou que no mesmo local se concentrem os reformados ou os membros da ANAFRE, ou que os trabalhadores nas alfândegas cortem o trânsito na cidade do Porto, ou que a Faculdade de Leiras de Coimbra esteja fechada ha quatro dias por falta de assistentes? Não interessa nada, sobretudo se tens outras coisas mais importantes para mostrar, como as deslocações, visitas e reuniões de membros do Governo. Sim, porque o Governo teve a maioria dos votos e é o Governo da Nação. Isto é que os portugueses tem de meter bem na cabeça, o resto pouco imporia.
Assim como dizem que os tais da oposição, quando aparecem na televisão não os deixam falar e quem fala é o locutor. Não percebem que o locutor esta a fazer o favor de lhes interpretar o pensamento, o que, além do mais, é mais rápido.
Risas do Deputado do PS Rui Ávila.
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E, ainda agora, nas notícias do 25 de Abril, o locutor lá disse tanto do marechal Costa Gomes como do tenente-coronel Pedro Lopes Pires que fizeram críticas ao Governo, sem dizer quais as críticas. Percebe-se bem que a televisão não ia estar a dizer quais eram as críticas ao Governo, bastava dizer, como o fizeste, querida televisão, que fizeram críticas. E ponto final.
Mas os maldizentes lambem afirmam que o Governo ainda não adaptou a televisão à directiva comunitária sobre serviço público de televisão, aprovada em Outubro de 1989. Ora, eu acho que isto não tem importância nenhuma! Então o Sr. Moniz não passou perfeitamente sem o parecer prévio da Alta Autoridade para a Comunicação Social?! Teve o parecer depois, que por maioria lá foi aprovado, e tudo bem! De resto, ele já era o chefe da televisão e só passou a super-chefe.
Risos do Deputado do PS Rui Ávila.
E é até por isso que, também para mim, ele tinha o pleníssimo direito de responder à mensagem do Presidente da República, mesmo nos lermos desinibidos que utilizou, pois se o Presidente da República é o chefe do Estado o Sr. Moniz é o chefe da televisão.
Querida televisão: apesar da tua independência e pluralismo acima de qualquer suspeita, há quem queira pôr em prática um referendo para saber se o nosso povo quer a manutenção do actual sistema, ou outro que afaste o Governo do controlo da televisão e da rádio. Tira o que faltava o Governo, o Governo da Nação, largar a televisão e a rádio! Esperem que vão ver o desuno que a maioria vai dar ao tal referendo!
Vou terminar porque tenho pouco tempo.
Um abraço do admirador António Ingénuo - Travessa do Fala Só, 2020, cave - Lisboa.
Mais ainda um post escripitun: lembranças para a Radiodifusão, que também é muito independente e pluralista.»
Aplausos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O 25 de Abril, cujo 15.º aniversário comemorámos no sábado passado, é uma fonte persistente de ensinamentos.
A reportagem da Radiotelevisão Portuguesa mostrou-nos as imagens, convenientemente organizadas, de vários actos comemorativos.
Quanto ao desfile que desceu a Avenida da Liberdade, pudemos ver que tinha muita, muita gente. Quanto ao seu caracter plural, amplo e representativo teremos que pressupor não ser motivo de notícia.
Sobre a homenagem ao tenente-coronel Salgueiro Maia, que se realizou no Rossio, falou-se no minuto de silêncio mas omitiu-se o significativo momento da leitura de um poema, aliás lindo, de Manuel Alegre, lido por ele próprio.
Mais a RTP fez um inquérito de rua e o problema é sempre o mesmo: que sabe e o que pensa a juventude sobre o 25 de Abril? A RTP tenta dizer-nos que nada. Entre alguns, poucos, depoimentos caracterizados pela ausência penosa de conhecimento, será a RTP a comprometer e a condenar a política educativa do Governo? Ressaltou um com a ponta da língua, pronta e acesa, num discurso odioso e revanchista. No entanto, sondagens publicadas no próprio dia dizem-nos que 58% dos jovens consideram o 25 de Abril a data mais importante de que tem referência.
A guerra colonial, a mais violenta e dolorosa realidade da nossa história recente, um verdadeiro traumatismo nacional guardado no sótão do inconsciente colectivo, não é tratada na RTP, de acordo, pelo menos tácito, com os maiores responsáveis pelos crimes nela praticados, dois dos quais foram recentemente agraciados, por altos e relevantes serviços prestados à Pátria.
Um projecto para um filme/série de televisão, de António Pedro Vasconcelos, baseado num dos mais importantes testemunhos faccionais da guerra colonial, o Nó Cego de Carlos Vale Ferraz, pseudónimo de um distinto militar e capitão de Abril, foi sistematicamente boicotado e inviabilizado pela RTP, apesar de inserido num acordo com a Antenne 2.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O 25 de Abril pode suscitar controvérsia sobre os caminhos e opções, mas não nos fiquemos, quer quanto à descolonização, quer quanto ao próprio 25 de Abril, pelos comentários com o aval oficioso do Sr. Nuno Rogeiro.
Apesar de numa democracia estruturada e em movimento, não estamos livres da recuperação de ideologias de massacre, no sentido físico, social e cultural do termo. Não é, infelizmente e por evidência clara, a Europa que nos pode garantir total segurança.
A democracia, com tudo o que deve significar de dinâmica transformadora e participada, de memória viva, de conhecimento e de transformação, não se compadece com os serviços públicos de rádio e televisão sujeitos à governamentalização, seja ela qual for. E muito menos quando tende a deformar a história, a embrutecer a memória, a desculpar o fascismo, a enaltecer os avalares vários de colonialismo, a desacreditar a libertação, a desactualizar a informação e a marginalizar a oposição.
A televisão tem um papel determinante na apreensão imediata do conhecimento da vida e da história das sociedades pelo grande público e, como instrumento de memória viva, desempenha um papel cultural que pode mesmo sobrepõe-se e impor-se aos outros elementos tradicionais e estruturais da cultura nacional. Assim, os serviços públicos de televisão e rádio, devendo ler objectivos mais elevados do que a captação de audiências e lucros de publicidade da maior imparcialidade e, como tal, não devendo servir particularmente o poder político, qualquer um, mas, antes, a sociedade em geral, devem ser orientados por órgãos subordinados, sem equívoco ou pluralismo e à representatividade mais amplos - nada de novo que a Constituição da República não contemple já no seu artigo 38.º
Infelizmente, a governamentalização com que a maioria do PSD devasta a genuinidade di democracia pluralista põe em causa o próprio cumprimento da Constituição.
O referendo, apesar de algumas dificuldades com que possa confrontar-se, pode ser uma resposta oportuna para espicaçar a democracia representativa, - com o acicate de opinião directamente solicitado à fonte do poder - os cidadãos.
A democracia pode ter de passar por aí, se não houver outra forma de garantir um serviço público de televisão plural, imparcial, isento e objectivo.
O Sr. Presidente: - Ainda para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em coerência com as posições que o PCP
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tem assumido publicamente e com as apreciações que o meu camarada João Amaral já hoje expressou nesta Câmara, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português reafirma que a garantia da isenção e do pluralismo nos serviços públicos de televisão e de rádio constitui uma importante questão de regime e que é um da governamentalização e instrumentalização dos mais poderosos meios de comunicação social pelo Governo do PSD constitui uma inquestionável exigência democrática.
A análise objectiva da actividade informativa da RTP e dos seus silenciamentos e discriminações político-partidários não deixa margem para dúvidas sobre o enfeudamento da RTP aos interesses do Governo e do PSD, sobre a sua preocupação em proteger a política governamental da crítica e do desmascaramento com largo impacte público, sobre o seu firme e disciplinado empenho em impedir confrontos de opiniões cujo desfecho possa ser desfavorável para o Governo e para o PSD.
Fazemos questão de valorizar a convergência que hoje se verifica, em pontos significativos desta matéria, entre as forças políticas da oposição, em especial entre o PCP e o PS. Mas isso não nos inibe de recordar que em sede da última revisão constitucional, num momento crucial para a contenção das orientações e práticas governamentalizadoras do PSD, o Partido Socialista optou por dar o seu acordo a soluções que objectivamente interessavam ao PSD, designadamente as reduzidas competências e defeituosa composição da Alta Autoridade para a Comunicação Social.
Por outro lado, e como já hoje foi recordado pelo meu grupo parlamentar, o projecto de lei de estatuto da RTP, apresentado pelo PCP, que veio a ser rejeitado pelos votos contra do PSD, visava assegurar uma real desgovernamentalização da RTP, consagrando a eleição do conselho de administração da empresa por um conselho geral composto por 25 elementos designados por entidades directamente representativas de diversas instituições, organizações e sectores sociais.
Para o PCP é inequívoco que a programação informativa da RTP, em especial do Canal l, é ilegítima e despudoradamente governamentalizada, situação essa que lesa regras básicas da democracia política.
Mas, na actual correlação de forças parlamentares, e lendo em conta a atitude assumida pelo PSD em relação ao estatuto da RTP, o projecto de resolução do Partido Socialista, de promoção de um referendo nacional sobre o modelo de gestão da empresa de televisão pública, sem prejuízo de poder permitir uma renovada chamada de atenção para um problema sério da democracia no nosso país, aparece sobretudo inserido na competição em curso entre o PS e o PSD, na criação dos chamados «lados políticos».
Entendemos ainda, num outro e distinto plano de apreciação, que uma iniciativa que pudesse realmente conduzir a uma primeira experiência de referendo nacional exigiria uma cuidada ponderação do tema e da natureza da questão a colocar ao eleitorado, a sua apurada formulação e a sua integração no calendário político-eleitoral do País. Do nosso ponto de vista, o projecto de resolução hoje em discussão não foi objecto dessa criteriosa e imprescindível consideração. Assim sendo, o Grupo Parlamentar do PCP não votará favoravelmente o projecto de resolução apresentado pelo Partido Socialista.
Mas as razões que nos levam a distanciar-nos da proposta do Partido Socialista são totalmente inversas às que determinam e justificam o voto contra do PSD, o qual apenas pretende manter a inaceitável situação actual.
Por isso, anuncio, desde já, que o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português irá abster-se na votação do projecto de resolução n.º 17/VI.
Aplausos do PCP e do Deputado independente Raúl Castro.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por terminado o debate do projecto de resolução n.º 17/VI.
Se textos estiverem de acordo, procederemos à sua votação a seguir aos diplomas que se encontram agendados para o nosso período de votações.
Vamos, pois, proceder à votação, na generalidade, das propostas de lei n.ºs 11/VI, 12/VI e 16/VI.
O Sr. Deputado Alberto Martins pede a palavra para que efeito?
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, solicito algum tempo para apurarmos o sentido de voto do meu partido relativamente às propostas de lei que acabou de referir.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
Pausa.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 11/VI -Autoriza o Governo a alterar o regime de suspensão do contrato de trabalho e de redução do período normal de trabalho.
Submetida à votação, fui aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS, votos contra do PS, do PCP e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro e a abstenção do PSN.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 12/VI - Autoriza o Governo a rever o regime legal do contrato de serviço doméstico.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do CDS e do PSN, mios contra do PS, do PCP e do Deputado independente. Raúl Castro e a abstenção do Deputado independente Mário Tomé.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 16/VI - Autoriza o Governo a legislar em matéria de regime jurídico das relações colectivas de trabalho.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS, votos contra do PS, do PCP e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro e a abstenção do PSN.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do projecto de resolução n.º 17/VI - Independência das empresas que prestam o serviço público de televisão e de rádio -, apresentado pelo PS.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do CDS e do PSN, votos a favor do PS e do Deputado independente Mário Tomé e as abstenções do PCP e do Deputado independente Raul Castro.
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Srs. Deputados, voltaremos a reunir amanhã pelas 15 horas.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 25 minutos.
Entraram ilumine a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
António Correia Vairinhos.
António José da Mota Veiga.
António Maria Pereira.
António Paulo Coelho.
Carlos Almeida Figueiredo.
Carlos Oliveira da Silva.
Fernando Cardoso Ferreira.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Guilherme Rodrigues Silva.
Jaime Gomes Milhomens.
João Carlos Duarte.
Joaquim Eduardo Gomes.
José Ângelo Correia.
Leonardo Ribeiro de Almeida.
Luís Carlos David Nobre.
Manuel Casimiro de Almeida.
Rui Manuel Lobo Gomes Silva.
Partido Socialista (PS):
José Barbosa Mota.
José Sócrates de Sousa.
artido Comunista Português (PCP):
António Simões Abreu.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Alberto Cerqueira Oliveira.
Ana Paula Matos Barros.
Carlos Lopes Pereira.
Carlos Miguel de Oliveira.
Fernando Gomes Pereira.
José Pereira Lopes.
Pedro Manuel Passos Coelho.
Vasco Francisco Miguel.
Partido Socialista (PS):
Alberto de Oliveira e Silva.
António Crisóstomo Teixeira.
António da Silva Braga.
António Domingues Azevedo.
Carlos Cardoso Lage.
Manuel Alegre Melo Duarte.
Maria Julieta Sampaio.
Mário Manuel Videira Lopes.
Rogério Conceição Martins.
Rui Rabaça Vieira.
Partido Comunista Português (PCP):
Maria Odete dos Santos.
Centro Democrático Social (CDS):
José Luís Nogueira de Brito.
Manuel Rodrigues Queiró.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.
DIÁRIO
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