O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 2199

Quarta-feira, 27 de Maio de 1992

I Série - Número 68

DIÁRIO
Da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1991-1992)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 26 DE MAIO DE 1992

Presidente: Exmo. Sr. João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu

Secretários: Exmos. Srs. José de Almeida Cesário
Vítor Manuel Caio Roque
Belarmino Henriques Correia

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão as 15 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se coma da entrada na Mesa de requerimentos.

O Sr. Deputado Alberto Costa (PS) alertou para as consequências da reforma da f AC na agricultura portuguesa, tendo depois respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Vasco Miguel e Francisco Bernardino Silva (PSD) e Octávio Teixeira (PCP).
Os Srs. Deputados Mário Tomé (Indep.), Narana Coissoró (CDS) e Duarte Lima (PSD) interpelaram a Mesa, a propósito da forma como a RTP noticiou o debate sobre a constituição de uma comissão eventual para a revisão constitucional, havido na última sessão.
O Sr. Deputado Mário Maciel (PSD) referiu-se à apresentação do livro elaborado pelo seu grupo parlamentar intitulado Ao Encontro dos Portugueses.
Foram lidos e rejeitados o voto n.º 24/VI - De protesto pela atitude do Governo Regional da Madeira de afastar a Câmara Municipal de Machico da «presidência aberta» a realizar naquele concelho (PS, PCP e Deputado independente Mário Tomé) e o voto n.º 25/VI - De protesto pelo facto de o Presidente do Governo
Regional da Madeira não visitar a Câmara Municipal de Machico aquando da sua deslocação àquele concelho (PS).
Ordem do dia. - Foi rejeitado o projecto de lei n.º 18/VI - Lei quadro de apoio ao associativismo (PCP), tendo sido entretanto retirado do debate o projecto de lei n.º 150/VI - Lei quadro de apoio às associações (PS). Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados António Filipe (PCP), José Vera Jardim, Caio Roque e Rui Cunha (PS), Miguel Macedo (PSD), Mário Tomé (Indep.), Casimiro Tavares (CDS), Ana Paula Barros (PSD), Raúl Castro (Indep.) e Odete Santos (PCP).
Entretanto, foi aprovado o projecto de resolução n.º 16/VI - Medidas de defesa das crianças em risco (PS) e foram rejeitados os n.º 18/VI - Medidas de combate à seca (PCP), 25/V7 - Criação de uma comissão eventual para a revisão da Constituição (PSN) e 26/VI-Assunção de poderes de revisão constitucional pela Assembleia da República (CDS) e ainda o inquérito parlamentar n.º 2/VI - Destinado a apreciar os actos do Governo no domínio da política cultural e em especial as medidas tomadas no âmbito da reestruturação dos organismos dependentes da Secretaría de Estado da Cultura (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 40 minutos.

Página 2200

2200 I SÉRIE - NÚMERO 68

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio Sousa e Silva.
Adérito Soares Campos.
Alberto Cerqueira Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Ana Paula Matos Barros.
António Barbosa de Melo.
António Barradas Leilão.
António Correia Vairinhos.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Fernandes Alves.
António Germano Sá e Abreu.
António Paulo Coelho.
Arlindo da Silva Moreira.
Armando Guerreiro da Cunha.
Belarmino Henriques Correia.
Bernardino Gata da Silva.
Carlos de Almeida Coelho.
Carlos Lopes Pereira.
Carlos Manuel Gonçalves.
Carlos Miguel de Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Domingos José Soares Lima.
Duarte Rogério Pacheco.
Eduardo Pereira da Silva.
Elói Franklin Ribeiro.
Ema Maria Lóia Paulista.
Fernando Correia Afonso.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando Gomes Pereira.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Bernardino Silva.
Francisco Fernandes Martins.
Guido Orlando Rodrigues.
Hilário Azevedo Marques.
Isilda Maria Pires Martins.
João Alberto Granja Silva.
João do Lago Mota.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
João Salgado.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Jorge Paulo Roque da Cunha.
José Alberto Puig Costa.
José Álvaro Pacheco Pereira.
José Augusto Silva Marques.
José Coelho dos Reis.
José de Almeida Cesário.
José Freitas Costa Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Manuel da Silva Costa.
José Reis Leite.
Luís Carrilho da Cunha.
Luís Filipe Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Antero Cunha Pinto.
Manuel Azevedo.
Manuel Casimiro de Almeida.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Costa Andrade.
Manuel Lima Amorim.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Marques.
Maria Conceição Rodrigues.
Maria da Conceição Pereira.
Maria de Lurdes Póvoa Costa.
Maria Helena Ramos Mourão.
Maria José Barbosa Correia.
Maria Leonor Beleza.
Maria Manuela Aguiar.
Maria Margarida de Sousa.
Marília Dulce Pires Morgado.
Mário Belo Maciel.
Melchior Pereira Moreira.
Miguel Bento Macedo e Silva.
Miguel Fernando Relvas.
Nuno Delerue Alvim de Matos.
Pedro e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Chancerelle de Machete.
Rui Manuel Lobo Gomes Silva.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Miguel.
Virgílio de Carneiro.

Partido Socialista (PS):

Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Sousa Marrana.
Alberto Manuel Avelino.
Antero Gaspar Paiva Vieira.
António Alves Martinho.
António Correia Campos.
António Crisóstomo Teixeira.
António da Silva Braga.
António de Almeida Santos.
António Domingues Azevedo.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos Costa.
António Marques Júnior.
António Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
António Ribeiro Campos.
António Ribeiro da Silva.
Armando Martins Vara.
Artur Pereira dos Penedos.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Edite Marreiros Estrela.

Página 2201

27 DE MAIO DE 1992 2201

Eduardo Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Fernando Pereira de Sousa.
Fernando Pereira Marques.
Guilherme de Oliveira Martins.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Ferraz de Abreu.
João Maria Meneses Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Fialho Anastácio.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Almeida Coelho.
José Apolinário Portada.
José Eduardo Cruz Jardim.
José Eduardo Reis.
José Ernesto dos Reis.
José Manuel da Silva Lemos.
José Sócrates de Sousa.
Júlio da Piedade Henriques.
Júlio Miranda Calha.
Laurentino José Castro Dias.
Leonor Coutinho Santos.
Luís Capoulas Santos.
Manuel Alegre Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Sampaio.
Raul Fernando Costa Brito.
Raúl Pimenta Rogo.
Rosa Maria Albernaz.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui Machado Ávila.
Rui Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião.
Apolónia Maria Teixeira.
Carlos Gomes Carvalhas.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Rodrigues.

Centro Democrático Social (CDS):

Casimiro da Silva Tavares.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria Almeida Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira Cunha.

Deputados independentes:

Mário Batista Tomé.
Raul de Morais e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas e os requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (José Cesário): -Sr. Presidente, Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: proposta de resolução n.º 11/VI - Aprova, para ratificação, o Tratado da União Europeia, assinado em Maastricht, em 7 de Fevereiro de 1992, que baixou às 3.ª, 4.ª, 7.ª e 13.ª Comissões; projecto de deliberação n.º 25/VI - Debate público do Tratado da União da Europa (Deputado independente Mário Tomé); projectos de lei n.º 152/VI - Viabiliza a criação de novos municípios (PCP), 153/VI - Regime jurídico de criação de freguesias (PSD), que baixaram à 6.ª Comissão, e 154/VI - Aclaração do regime de atribuição de pensões por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País (PS), que baixou à 3.ª Comissão; ratificação n.º 20/VI - Decreto-Lei n.º 87/92, de 14 de Maio, que transforma a Empresa Pública Correios e Telecomunicações de Portugal, CTT, em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos (PCP), e o projecto de resolução n.º 27/VI - Editar e distribuir o Tratado da União Europeia e promover um colóquio de âmbito parlamentar (PCP).
Nas últimas reuniões plenárias, foram apresentados a Mesa os seguintes requerimentos: ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Júlio Henriques; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Macário Correia; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado Luís Pais de Sousa; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Macário Correia, e à Secretaria de Estado da Habitação, formulado pelo Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O comissário MacSharry está de parabéns! A presidência portuguesa, com aplicação e esforço inegáveis, conseguiu fazer aceitar pelos Estados membros da Comunidade o essencial das propostas de reforma da Política Agrícola Comum que o comissário tinha adiantado no princípio de 1991.
Dadas as enormes resistências e oposições de governos e organizações de agricultores, o feito é de monta.
Em sectores fundamentais, os preços agrícolas vão baixar drasticamente nos próximos anos; a compensação para essa descida far-se-á, no essencial, por meio de ajudas, de duração imprevista, por hectare semeado ou por cabeça de gado; a retirada obrigatória de terras da produção generalizar-se-á às explorações que produzam mais de 92 t de cereais; os agricultores serão subsidiados, por hectare, para semear e para não semear.
As felicitações públicas que o comissário MacSharry e a presidência portuguesa receberam do Ministro da Agricultura inglês e do Primeiro-Ministro Major, da administração americana, do director-geral do GATT, do Ministro da Agricultura da Austrália, para só citar estes, tom justificação.
O carácter degressivo, inicialmente previsto para as ajudas aos cerealicultores, foi abandonado. Quem mais área tiver para cultivar, e também para não cultivar, mais subsídio receberá.
Os agricultores dos países e regiões com mais elevadas produtividades receberão ajudas mais elevadas do que os dos

Página 2202

2202 I SÉRIE - NÚMERO 68

países e regiões com produtividades mais baixas. Os países com explorações de maior dimensão e de mais elevada produtividade não ficaram, pois, a perder.
Na generalidade dos sectores abrangidos, porventura com excepção do leite, as decisões tomadas já vão além das que eram exigidas no documento Dunkel, no âmbito das negociações do GATT, isto segundo cálculos já efectuados por especialistas em política agrícola. Percebe-se a satisfação do autor do documento, as .declarações encorajadoras da administração americana e o agrado dos representantes da exportadora e competitiva agricultura australiana.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a reforma da Política Agrícola Comum é um dossier complexo, difícil e de importantes, implicações internacionais, que na presidência portuguesa teve agora o seu momento decisivo.
Basta ler a imprensa internacional para se ver como o triunfo de MacSharry e dás suas propostas é sublinhado e valorizado. A presidência portuguesa fez bastante para isso.
Mas a agricultura e os agricultores portugueses não estão de parabéns. A defesa dos seus interesses e especificidades não suscitou, como se impunha, um empenhamento equivalente ao que foi posto na procura de um compromisso na base das ideias de MacSharry.

Aplausos do PS.

Portugal, país altamente deficitário do ponto de vista agroalimentar e que em nada contribuiu para a formação dos excedentes a nível comunitário, que constituem uma das justificações da reforma, vai ficar sujeito às mesmas disciplinas de produção, as mesmas restrições produtivas do que as agriculturas mais ricas, responsáveis por aqueles excedentes.
Num país que importa mais de metade do que consome, as explorações que produzem mais do 92 t de cereal vão ter de passar a retirar, obrigatoriamente, uma parte da. sua área da produção. É no Ribatejo e Alentejo, regiões em que se situa a maior parte das explorações nessas condições, com níveis de eficiência nalguns casos já comparativamente elevados, que se farão sentir os efeitos negativos desta disciplina injustificada num país como Portugal.
O hectare português, graças aos esforços desenvolvidos, ter-se-á possivelmente libertado de, para efeitos das ajudas, valer apenas um terço doutros hectares europeus, mas nada o livrará de continuar a valer menos de metade do hectare doutros países comunitários.

Aplausos do PS.

Com o tipo de separação incompleta entre as ajudas e a produção que foi consagrado - o chamado decoupling incompleto - num país em que os custos de produção são - elevados e a competitividade não é a regra, tenderá a semear-
se mais para receberão subsídio do que para produzir para o mercado.
Nos países europeus que já hoje produzem em condições competitivas, poderá ser estimulante continuar a produzir e a desenvolver a qualidade da produção.
Num país com explorações pouco eficientes, o novo sistema, em vez de proporcionar estímulos para a reconversão e a modernização tecnológica e estrutural, fará com que se continue a semear, porque assim é que há o subsídio para colher.
Em vez de favorecer a reconversão - o que era possível, por exemplo, com a mobilização antecipada das ajudas com essa finalidade, como chegou'a ser proposto -, num país como Portugal, o novo sistema corre o risco de promover o congelamento e a estagnação da estrutura produtiva actual.
Faltou uma sustentação adequada dos interesses específicos de Portugal. Faltaram propostas e soluções apropriadas para dar resposta às necessidades de modernização e reconversão da agricultura portuguesa, que não pode ser «congelada» no seu actual e muito insuficiente nível de desenvolvimento. •

O Sr. Alberto Martins (PS): - Muito bem!

O Orador: - Uma presidência do Sul vai deixar o seu nome associado a uma reforma da Política Agrícola Comum que ajuda a resolver os problemas das agriculturas ricas do Norte mas que passa ao lado das produções mais características do Sul.

Aplausos do PS.

O Sr. Luís Geraldes (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - O vinho, a fruta, os hortícolas,- o azeite são sectores que não encontraram lugar entre as preocupações que conduziram a esta reformulação da PAG.
A própria reformulação da organização comum de mercado do vinho, prevista para esta altura, parece ter sido deixada cair. Não será esse sector um dos que, para uma presidência portuguesa, justificaria tratamento prioritário?
Já vimos de novo ser brandidas as dezenas de milhões que se acrescentarão, por via da reforma, às centenas de milhões que a Comunidade tem canalizado para Portugal.
A propósito, esperemos que não ocorra aqui o que se está a passar quanto à seca, em que dos 40 milhões que já chegaram a ser anunciados ainda só foram despendidos e distribuídos, nalgumas zonas, cerca de 300 000 contos, sem regras prévia e publicamente conhecidas, como seria exigência mínima num Estado de direito. E esperemos que não se passe também o que está a acontecer com a ajuda ao girassol, em que produtividades semelhantes numa região dão lugar a uma ajuda de 188$ por hectare e noutra à ajuda de 96$ por hectare.
Se os luxos comunitários podem aumentar, tal como até agora o rendimento real dos agricultores portugueses tem diminuído, nada autoriza a pensar que os rendimentos reais vão agora por esta via aumentar ou sequer estabilizar-se.
A apreciação do escudo tem tido e continua a ter, neste sector, consequências muito desfavoráveis que se somam às decorrentes da alta taxa de juro e do elevado custo dos factores de produção.
Com a dependência do orçamento comunitário a aumentar, agora sobre os ombros dos contribuintes e não já nos consumidores, crescem as dúvidas legítimas sobre a subsistência futura de tais ajudas e as contingências e pressões políticas a que ficarão submetidas.
Não ficou, por outro lado, clarificado o período durante o qual as ajudas vão ser asseguradas e, por isso, nem a incerteza sobre o futuro vai terminar, como tem sido repetido.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Parlamento inglês, como sempre, já foi informado em detalhe e já discutiu com o seu Ministro da Agricultura os termos do acordo alcançado.
Em Portugal, a conferência de imprensa teve prioridade sobre a discussão parlamentar. É um estilo local, provin-

Página 2203

27 DE MAIO DE 1992 2203

ciano e de paróquia que deve ceder ao melhor estilo europeu. Sejamos também aí bons alunos!
Esperemos que, desta vez, ao contrário do que aconteceu ha bem poucos meses, nos seja dada conta precisa das implicações previstas das alterações acordadas sobre os sectores da agricultura portuguesa abrangidos.
Queremos admitir - apesar do acesso ler sido interdito aos parlamentares há bem pouco tempo - que os estudos e as contas estejam feitos e que a aceitação do consenso final por Portugal lenha ocorrido por representar, afinal, um dos «cenários aceitáveis», a que se fazia então alusão, para recusar o acesso a estudos feitos e que tinham, afinal, por base «cenários inaceitáveis».
Sr. Presidente e Srs. Deputados, não temos uma visão maniqueísta da reforma da PAC, nem partilhamos uma perspectiva catastrófica do futuro, sobretudo por confiarmos na vitalidade e na capacidade dos nossos agricultores para responderem aos mais difíceis desafios.
Há, aliás, alguns elementos positivos, que já foram aqui sublinhados em recente interpelação, e que nos dispensamos por isso de repetir.
Mas, por tudo o que fica dito, partilhamos as preocupações que hoje percorrem o nosso mundo rural também a propósito desta reforma e dos seus eleitos sobre a nossa agricultura.
Gostaríamos de poder felicitar o Ministro da Agricultura português. Gostaríamos de partilhar a satisfação visivelmente experimentada por outros, como o governo inglês, a administração americana, o governo australiano, o director-geral do GATT. Lamentamos que, em Portugal, o sentido das responsabilidades nos impeça de partilhar semelhante estado de espírito.
É esse senado que nos faz hoje alertar o País para os prejuízos, os perigos e os riscos que esta reforma comporia para a sua agricultura.
Seria bom que pudéssemos dar valor ao sucesso dos nossos governantes. É melhor e é nosso dever darmos valor ao sucesso dos nossos agricultores e da nossa agricultura.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Vasco Miguel, Francisco Bernardino Silva e Octávio Teixeira.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Vasco Miguel.

O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Costa, fiquei estupefacto com esta intervenção do Partido Socialista.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Fica sempre!

O Orador: - E porquê? Porque, a todo o momento, a contradição esteve presente na sua intervenção, Sr. Deputado!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em primeiro lugar, começo por sublinhar que V. Ex.ª diz que não foi reconhecida a especificidade da agricultura portuguesa, para logo a seguir afirmar: temos de continuar a produzir para obter subsídios!
Sr. Deputado Alberto Costa, com toda a serenidade e toda a calma que este assunto merece, não posso deixar de dizer-lhe que, mais uma vez, VV. Ex.ªs quiseram apanhar um comboio que nem sequer foram os Srs. Deputados do Partido Socialista que puseram em andamento. Fomos nós, PSD, que tratámos do assunto seriamente e com convicção.
Sr. Deputado, se até agora 65 % do orçamento da Comunidade Europeia era dirigido para a agricultura e 80 % do orçamento agrícola era dirigido para os produtos excedentários,...

O Sr. António Campos (PS): - E agora como é, alterou-se?

O Orador: -... e se criticávamos essa política - aliás, o projecto do Governo era contra essa política - e se entendíamos que deveria haver uma ajuda directa ao rendimento do agricultor e à qualidade do produto agrícola, diga-me o porquê deste actuação, neste momento, feita a reboque de alguns acontecimentos que estão a suceder hoje. VV. Ex.ªs não sabem andar por vós, só andam a reboque? Porquê este tipo de intervenção, Sr. Deputado? Não a esperávamos, sobretudo, da vossa parte!
Por outro lado, Sr. Deputado Alberto Costa, penso que nós, responsáveis também por este sector - pois pertencemos à Comissão de Agricultura e Mar -, devíamos aguardar que o Sr. Ministro viesse até ao Parlamento expor concretamente o resultado das negociações.

O Sr. António Campos (PS): - Já cá devia ter vindo!

O Orador: - Sr. Deputado António Campos, só se o Sr. Ministro viesse aqui de noite e, nessa altura, V. Ex.ª não estaria disposto a isso, com certeza, pois mesmo de dia não comparece nas reuniões, quanto mais de noite!
De qualquer maneira, Sr. Deputado Alberto Costa, com toda a serenidade, toda a calma e com a elevação que este assunto nos merece, quero dizer convictamente que, em meu entender, a sua intervenção não foi feliz. De facto, até agora, VV. Ex.ªs nunca tomaram uma opção acerca do documento MacSharry e a agora a sua intervenção, Sr. Deputado, é uma contradição permanente.
Finalmente, Sr. Deputado Alberto Cosia, esteva ou não o Partido Socialista de acordo com a reforma da PAC, agora revogada? Se não esteva, não disse o porquê. E pergunto-lhe ainda: se a antiga PAC se dirigia aos países que produziam em excesso e que absorviam 80 % do orçamento agrícola comum, em sua opinião, neste orçamento vocacionado para a qualidade dos produtos, para a redução de excedentes e para uma ajuda directa ao rendimento do agricultor, em que é que o agricultor português será prejudicado?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Bernardino Silva.

O Sr. Francisco Bernardino Silva (PSD):- Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Costa, a questão da agricultura e especialmente a reforma da Política Agrícola Comum está na ordem do dia, pelo que é importante que o Parlamento, hoje e nos próximos dias, se pronuncie sobre este matéria, na medida em que temos conhecimento que o Sr. Ministro já se mostrou disponível para participar numa reunião, onde este matéria será discutida com toda a profundidade.
Mas, voltando à reforma da PAC e à intervenção de V. Ex.ª, queria fazer uma pequena introdução para equacionar este problema.

Página 2204

2204 I SÉRIE - NÚMERO 68

Assim, lembro que, em Dezembro de 1990, quando se constatou que era inevitável uma reforma da Política Agrícola Comum, quatro cenários se colocavam em termos de reforma: o primeiro, que designarei de «salazarento», na medida em que passava por sairmos da Comunidade e, logicamente, abandonarmos a PAC, era, em meu entender, um cenário irrealista, que ninguém em Portugal poderia defender.
O segundo cenário, que designarei por irrealista, consistia em haver medidas da PAC para os outros e algum do dinheiro para nós, o que me parece um cenário ridículo.
O terceiro cenário seria um cenário liberal, uma reforma totalmente liberal da Política Agrícola Comum, que passaria por, no futuro, o rendimento dos agricultores resultar exclusivamente dos preços do mercado. Em minha opinião, nunca poderíamos aceitar uma reforma desta natureza, na medida em que a agricultura portuguesa não está preparada para aceitar uma solução destas, como eventualmente nenhuma agricultura europeia estará.
Então, restava-nos a quarta via pragmática e realista, aluis, a que foi adoptada, pois consagra uma solução em que o rendimento dos agricultores passará a ser constituído predominantemente a partir do mercado mas compensado para as descidas que têm de existir nos preços por ajudas ao rendimento.
E esta é a questão nuclear, está ou não o Partido Socialista de acordo com esta solução?
Na sua intervenção V. Ex.ª disse que o Governo não defendeu a especificidade da agricultura portuguesa mas futuramente teremos oportunidade de aprofundar esta matéria. E digo-lhe mais: o Governo aprofundou a especificidade da agricultura portuguesa, como teremos a oportunidade de verificar oportunamente. E onde? Até hoje os agricultores produtores de milho para silagem, sector de grande importância no norte e centro litoral e suporte da alimentação de bovinos leiteiros, não tenham qualquer ajuda ao seu rendimento porque a ajuda aos cereais em Portugal era concedida exclusivamente ao quilo de cereal produzido mas a partir de agora vão passar a tê-la. Aí está uma medida de aprofundamento da especificidade da agricultura portuguesa.
Referiu V. Ex.ª que não estão definidos tempos para as ajudas e, de facto, não estão; as ajudas foram criadas, são para suportar uma politica, não está definido o seu tempo mas, pelo menos, está definido o tempo que durará a reforma da PAC. No entanto, a questão que coloco a V. Ex.ª é esta: no acordo final em que é que o Partido Socialista está em desacordo? Que outra solução tem ou tinha o Partido Socialista para a reforma da PAC?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Onde é que está o acordo?

O Orador: - Em conclusão, o que é que o PS fazia perante a proposta MacSharry?

O Sr. Narana- Coissoró (CDS): - Essa é uma boa pergunta!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Alberto Costa, começo por lhe dizer que nós sempre apoiámos, e continuamos a apoiar, uma reforma da PAC, mas uma reforma que deveria ter, do nosso ponto de vista, duas vertentes. Por um lado, uma racionalização dos custos comunitários com a PAC que existia e, por outro, uma reforma que tivesse em conta a especificidade da. agricultura portuguesa. Julgo que a única especificidade da agricultura portuguesa que o Governo preservou nesta negociação da reforma da PAC foi a especificidade da não produção.

Protestos do PSD.

Julgo ter sido essa a especificidade que foi defendida pelo Governo para a agricultura portuguesa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Outro aspecto relacionado com este, e que julgo ser fundamental, é que com esta reforma da PAC não há dúvida nenhuma que o já grave défice agroalimentar português se vai agravar.
Sr. Deputado Alberto Costa, quero colocar-lhe algumas questões. Independentemente de podermos analisá-la mais a fundo noutra sede, noutra altura, noutro debate e com mais tempo a primeira questão é esta: nos últimos anos o Governo andou a incentivar os agricultores portugueses a fazerem investimentos na agricultura e eu pergunto agora, qual vai ser o resultado desses investimentos. Isto é, ajudaram durante anos a incentivar o investimento para agora dizerem aos agricultores que esse investimento não pode produzir e que receberão uma renda ou um subsídio pelo investimento mas o investimento não é para produzir? Em suma, andaram a enganá-los durante cinco anos?

Protestos do PSD.

Deixo-lhe esta questão em termos interrogatórios para saber se a sua posição é idêntica à do meu partido.
A segunda questão é a seguinte: ao baixar as áreas que ficam sujeitas ao seu partido.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, agradecia um pouco mais de silêncio para que o Sr. Deputado possa acabar a sua intervenção.

O Orador: - Como dizia, quando o Governo, pela voz de alguns deputados do PSD que acabámos de ouvir, afirma que defendeu a especificidade da agricultura portuguesa, pergunto: para além do problema dos investimentos, o que é que vai suceder quando se aceitou que fosse reduzida a área das explorações a partir da qual é obrigatório o seu aumento de 15 %? Que consequência vai ter esta medida para a agricultura portuguesa, designadamente em determinadas zonas do centro e do sul do País?

Protestos do PSD.

Terceira e última questão. Estará o Sr. Deputado Alberto Costa de acordo com uma prevenção que desde já é preciso ter em conta para a próxima reunião ECOFFN, na medida em que começam a suscitar-se opiniões no sentido de que esta reforma da PAC vai por si própria implicar que não haja necessidade do reforço dos recursos comunitários para os fundos estruturais? Isto é, a ideia, que nos parece absolutamente errada, de que aquilo que eventualmente se poupar na PAC - e as nossas dúvidas são muito grandes sobre se se poupará dinheiro - será argumento válido para não haver o reforço dos fundos comunitários com vista ao reforço dos fundos estruturais?

Aplausos do PCP.

Página 2205

27 DE MAIO DE 1992 2205

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Silva Marques (PSD): - O Sr. Deputado socialista não está em condições de responder! Por que é que lhe perguntam?

O Sr. Alberto Costa (PS): -Sr. Deputado Vasco Miguel, depois de o ouvir bem como ao Sr. Deputado Francisco Bernardino Silva, perguntei-me se os senhores já teriam conhecimento, visto que a Assembleia da República ainda o não tem, do documento que saiu do último Conselho de Ministros.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Eu pedi hoje!

O Orador: - Não sei se VV. Ex.ªs o obtiveram do Ministro da Agricultura.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Foi esse que eu pedi hoje, por escrito.

O Orador: - Ficou-me essa dúvida pela natureza e pelos termos em que a questão foi colocada.

O Sr. Francisco Bernardino Silva (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Francisco Bernardino Silva (PSD): - Tenho muito gosto em esclarecê-lo. Arranjei o documento em Bruxelas.

O Orador: - Exactamente, Sr. Deputado. Também tenho aqui o documento obtido em Bruxelas, o que significa um importante défice democrático aqui em Portugal...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... porque noutros países este documento foi dado a conhecer no dia seguinte a reunião do Conselho de Ministros.

O Sr. Francisco Bernardino Silva (PSD): - A conferência de imprensa foi cá!

O Orador: - Sr. Deputado Vasco Miguel, ...

O Sr. Francisco Bernardino Silva (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado? É um contributo!

O Orador: - Já lhe dei licença há pouco e agora quero responder ao Sr. Deputado Vasco Miguel.
Não tem V. Ex.ª qualquer razão para dizer que acordámos tarde e que tomámos um comboio em andamento. Digo-lhe que fomos nós, Partido Socialista, que, pela primeira vez, trouxemos a este Plenário o debate sobre a reforma da Política Agrícola Comum...

O Sr. Francisco Bernardino Silva (PSD): - Mas não respondeu à questão!

O Orador: - ... e numa altura em que o Sr. Ministro da Agricultura de então e de hoje dizia que ainda não existiam propostas, mas, na realidade, já existia um documento que todos os funcionários conheciam - como, aliás, foi aqui bem lembrado - e cujas ideias triunfaram nas negociações que terminaram na quinta-feira passada.
Portanto, não nos atrelámos a algo que já andasse e, muito pelo contrário, fomos nós que por várias vezes aqui discutimos em Plenário a temática da reforma; fizemos sugestões em vários momentos do processo, até de harmonia com a evolução das negociações; e ainda recentemente foi aqui levantada a possibilidade de serem oferecidos aos agricultores os meios para reconverterem a sua actividade através de uma mobilização antecipada das ajudas concedidas, o que teria o maior interesse para um país que precisa de reconverter a sua agricultura.
Ora bem, esta proposta foi colocada em cima da mesa do Conselho de Ministros, mas - espantem-se, Srs. Deputados! - não foi Portugal que a apresentou e sim a Dinamarca. Portanto, havia alternativas e o que se pode dizer é que nós nunca fomos claramente informados dos pontos de vista e das metas prosseguidas nesta matéria pelo Governo Português. Compareci em todas as reuniões da Comissão em que esta matéria foi debatida, li a acta da única em que não participei e é possível afirmar que não houve nunca um esclarecimento preciso do que Portugal queria nesta matéria. Tivemos sempre ideias claras sobre o documento MacSharry e até chegámos a saudar um seu aspecto positivo que, alias, foi perdido nesta reforma, porque o carácter degressivo das ajudas, esse, caiu pelo caminho e daí a satisfação de certas agriculturas ricas da Europa.
O Sr. Deputado Francisco Bernardino Silva tem nesta Assembleia da República uma posição singular e, aliás, eu diria mesmo singular no quadro europeu porque é dirigente de uma organização agrícola que aplaude e segue o Ministro da Agricultura do seu partido, coisa assaz rara no contexto comunitário.

Protestos do PSD.

Digamos até que uma das instituições ligadas à sua organização chegou ao extremo de publicar um anúncio pago elogiando a actividade negocial do Ministro.

O Sr. Francisco Bernardino Silva (PSD): - Quando?

O Orador: - Sr. Deputado, tirar-lhe-ei um recorte.
Não é com esse estado de espírito que a generalidade dos agricultores da Europa e, sobretudo, os dos países do sul olham para esta reforma...

O Sr. Francisco Bernardino Silva (PSD): - Vamos esclarecê-los.

O Orador: -... nem os portugueses. Porque o que é certo é que estas ajudas directas...

O Sr. Francisco Bernardino Silva (PSD): - Já ouviu o Professor Francisco Avilez?

O Orador: - É evidente que ouço o Professor Francisco Avilez; é evidente que ouço todas as opiniões e até aquelas que são seguidistas e conformistas com a posição do Sr. Ministro da Agricultura.
Em Portugal as ajudas directas tem o eleito de bloquear os estímulos para desenvolver as nossas estruturas agrícolas e é por isso que todos os especialistas tem sublinhado que se corre o grave risco de se continuar a semear muitas vezes

Página 2206

2206 I SÉRIE - NÚMERO 68

para, pura e simplesmente, colher o subsídio. Esta situação já se está a passar hoje em Portugal e já há serviços do Ministério da Agricultura que aconselham os agricultores a cultivar o girassol para ao menos se aproveitar o subsídio. E este é um testemunho que estou em condições de identificar.
O Sr. Deputado pergunta-me em que é que a especificidade portuguesa não foi acautelada e eu respondo-lhe: V. Ex.ª entende que estender o congelamento obrigatório, a retirada obrigatória de terras da produção num país com um défice agroalimentar como Portugal é atender às especificidades do nosso país? Aplicar as mesmas disciplinas de produção que as agriculturas responsáveis pelos excedentes é tratar da especificidade do nosso país? Deixar para trás sectores fundamentais como o do vinho é tratar da especificidade do nosso país?

O Sr. Francisco Bernardino Silva (PSD): - O vinho não faz parte da reforma da PAC.

O Orador: - Mas fazia parte da agenda deste semestre rever a organização comum do mercado do vinho.

O Sr. Francisco Bernardino Silva (PSD): -Está em discussão. V. Ex.ª não está informado.

O Orador: - Ainda não está em discussão e iremos ver os resultados. A seu tempo discutiremos os resultados e discuti-los-emos aqui com ou sem o Sr. Ministro da Agricultura porque não há qualquer condicionamento na abordagem destas matérias pela Assembleia da República, sobretudo, se o fizer mais rapidamente do que o Governo Português entende ser o calendário desejável para a sua presença neste Hemiciclo.
Sr. Deputado Octávio Teixeira, é evidente que os investimentos encorajados nos últimos anos ficam seriamente lesados com a lógica desta reforma que deixa de ser de estímulo à produção - e por isso é inadequada para Portugal - e que, pelo contrário, obriga a mutilações obrigatórias das estruturas produtivas com a retirada obrigatória de terras. Não há nas negociações conhecidas e, nomeadamente no último documento, qualquer cláusula derrogatória que contemplasse mesmo os investimentos que foram feitos com ajudas co-financiadas pela Comunidade. Isso é mais um indicativo de que não foram levadas a sério as tais especificidades da agricultura portuguesa porque o Estado português acaba por fazer a pior das figuras perante esses investidores, ou seja, primeiro acelerar e depois travar. É emitir, sucessivamente, sinais contrários sobre as estruturas produtivas.
Sr. Deputado, concordo que a redução das áreas de cultivo agravará, necessariamente, o défice agroalimentar em Portugal. Num país deficitário como Portugal, essa deveria ser evidentemente uma das especificidades a acautelar neste processo. No entanto, também ela não foi acautelada.
Finalmente, esta reforma que não realiza uma reafectação de recursos nem sequer com o grau de equidade que era inicialmente previsto no documento MacSharry, de Janeiro de 1991, do ponto de vista dos países como Portugal, não pode implicar uma redução dos montantes a afectar à reforma dos fundos estruturais.
Essa deve ser uma grande causa não uma causa de algum partido, mas uma causa de todos os partidos portugueses.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Mário Maciel para fazer uma intervenção, quero prevenir a Câmara que se encontram nas galerias para assistir à sessão os alunos da Escola de Rio de Mouro, da Escola de São Lourenço de Portalegre e do Colégio Militar, para os quais peço a vossa habitual saudação.

Aplausos gerais.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, tem a palavra para esse efeito.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, na última sexta-feira, este Plenário discutiu dois projectos, um do CDS e outro do PSN, para a constituição de uma comissão eventual para a revisão constitucional.
Trata-se de matéria que tem interessado vivamente a opinião pública porque tem a ver com o futuro do País na Europa, com a revisão constitucional e com o estatuto do referendo. São questões polémicas em si mesmas, independentemente de opiniões maioritárias ou não. Isso é tão evidente que os próprios Partido Social-Democrata e Partido Socialista mostraram interesse num amplo debate nacional, aliás formalmente proposto pela UDP e pelo PCP.
Como reagiu a esta situação, aqui, no Plenário, o serviço público que é a RTP, como reagiu a matéria de tão grande interesse noticioso, sem dúvida, e de instante preocupação para a opinião pública? No Jornal das Nove e no Jornal das 24 Horas, nem uma palavra. No Telejornal, as 19 horas e 30 minutos, uma única frase incaracterística, mais destinada a encobrir do que a revelar. Aliás, frase essa apenas ilustrada pelas imagens do Parlamento britânico muito preocupado, também ele, com Maastricht.
Sr. Presidente, a minha interpelação à Mesa vai no sentido de solicitar, caso seja julgado pertinente como espero, que seja manifestada pela forma adequada a contrariedade e o desagrado da Assembleia da República com o silenciamento de importantes debates e de actos que aqui têm lugar e se exija que a Assembleia da República não seja tratada como matéria inerte e passiva ao dispor...

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, não está a fazer uma interpelação, mas uma intervenção!

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Isto é uma intervenção!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Isto é um abuso!

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Como dizia exigir que a Assembleia da República não seja tratada como matéria inerte e passiva ao dispor dos «azeites» e preconceitos políticos da direcção de informação da RTP, mas, pelo contrário, haja critérios democráticos, pluralistas, objectivos, que respondam às preocupações e que no caso em referência são evidentes.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, embora a Mesa ainda não tenha respondido à interpelação do Sr. Mário Tomé, tem a palavra para esse efeito.

Página 2207

27 DE MAIO DE 1992 2207

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, desejava dizer que a interpelação que acaba de ser efectuada diz respeito à dignidade da Assembleia da República e à difusão nacional dos debates que aqui se realizam.
Efectivamente, na última sexta-feira, quando as câmaras de televisão se tinham retirado, realizou-se aqui um debate muito importante - até pela qualidade das pessoas que intervieram nesse debate - sobre a necessidade, urgente ou não, da revisão constitucional. E uma das coisas que o Sr. Deputado Adriano Moreira disse foi que não parecia certo que o tempo para o debate da revisão constitucional fosse de 45 minutos quando o debate sobre o inquérito à Secretaria de Estado da Cultura tinha gasto cerca de duas horas.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado ...

O Orador: - Sr. Presidente, a interpelação é pela dignidade da Câmara. Se o Sr. Presidente não quer ouvir...

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, eu quero ouvir a sua intervenção. Simplesmente, peco-lhe que seja mais sucinto porque está a fazer uma intervenção e não, propriamente, uma interpelação. O Sr. Deputado está a interpretar factos e a dar a sua opinião, mas não está a interpelar a Mesa.

O Orador: - Sr. Presidente, o que é que V. Ex.ª entende por interpelar a Mesa?
Eu faço a pergunta e V. Ex.ª vai responder-me.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, interpelar a Mesa é fazer uma pergunta à Mesa, mas V. Ex.ª está a fazer considerações.

O Orador: - Sr. Presidente, então faço duas perguntas à Mesa. Não sei se V. Ex.ª, em pessoa, esteve a presidir, na sexta-feira, ao debate de revisão constitucional. Se não esteve, terá estado como Deputado e se não esteve como Deputado, então, esteve ausente.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não estava nada ausente!

O Orador: - Portanto, pergunto à Mesa se concorda que um debate tão importante como aquele que aqui teve lugar, até pela importância das pessoas que nele intervieram e pela atitude que tomaram, um black out completo sobre este debate é digno da Assembleia da República. E V. Ex.ª vai ter de responder para a acta.

(O orador reviu.)

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, quer V. Ex.ª, quer o Sr. Deputado Mário Tomé não interpelaram a Mesa, mas fizeram uma série de considerações sobre um facto. Naturalmente que, presidindo aos trabalhos da Mesa, não vou emitir a minha opinião como Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Eu fiz-lhe uma pergunta!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Estive aqui na sexta-feira. Entendo que relativamente a um problema desta natureza os Srs. Deputados, sobretudo aqueles que são presidentes dos grupos parlamentares, devem levantá-lo e discuti-lo na Conferência de Representantes dos Grupos Parlamentares e aí decidir que posição é que devem tomar.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Claro!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Porque, naturalmente, a Mesa não vai tomar qualquer posição no sentido de censurar, quer a televisão, quer outro órgão qualquer, a não ser que o Plenário da Assembleia da República decida isso. Nessa altura, a Mesa, naturalmente, cumprirá as decisões do Plenário.
Penso que é um problema extremamente importante e que deve ser desencadeado pelo Sr. Deputado ou por outro dos representantes dos grupos parlamentares na respectiva conferência, ou, então, através de intervenções a serem efectuadas, aqui, no Plenário.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para que efeito Sr. Deputado?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, para interpelar novamente a Mesa e dizer que não concordamos que questões que devam ser tratadas para a opinião pública, através dos órgãos de comunicação social, sejam necessariamente transferidas para a Conferência de Representantes dos Grupos Parlamentares, que é uma espécie de saco com enorme fundo e onde tudo cabe.
Quando o presidente da Mesa diz que esta questão que coloco e que é relativa à dignidade da Câmara deve ser enviada para a Conferência de Representantes dos Grupos Parlamentares sabendo que estes problemas não podem aí ser tratados, até porque os Deputados independentes não tem lá lugar, não está a dar uma resposta directa. É que este problema devia ser tratado pelo Sr. Presidente e V. Ex.a, por uma questão de facilidade, remete-o para a Conferência de Representantes dos Grupos Parlamentares.
Sr. Presidente, não queremos censurar ninguém, não queremos censurar a RTP, mas queremos fazer um protesto. E V. Ex.ª diz que um protesto que devia ser feito, aqui, no Plenário da Assembleia da República, deve ser tratado no grupo restrito da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares. E porquê? Porque a televisão está lá, porque a comunicação social esta lá e porque a defesa da Câmara está lá?
Sr. Presidente, por que é que V. Ex.ª não toma uma atitude clara sobre o que se passou aqui na sexta-feira?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Parece impossível!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, não me limitei a remeter este problema para a Conferência de Representantes dos Grupos Parlamentares, inclusivamente, referi-me a intervenções aqui no Plenário.
V. Ex.ª tem a liberdade de se inscrever e de numa intervenção fazer as considerações que entenda. Isso não é lema para interpelar a Mesa. Foi apenas isto que me limitei a dizer, e mantenho.
Tenho a minha opinião pessoal, mas como Presidente em exercício não vou emiti-la. Aqui, serei apenas porta-voz da Câmara e não de mim próprio.

(O orador reviu.)

Página 2208

2208 I SÉRIE - NÚMERO 68

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Presidente, tem a palavra para esse efeito.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, desejava dizer que as críticas que estão a ser dirigidas à Mesa e tem particular, a V. Ex.ª não tem absolutamente qualquer razão de ser.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Nós estamos à vontade para falar desta matéria porque há duas Conferências de Representantes de Grupos Parlamentares consecutivas, a pedido do meu grupo parlamentar, que agendamos a questão da forma como a televisão faz a cobertura dos trabalhos parlamentares e que consideramos indigna.
Sr. Presidente, entendemos é que não há razão para lançar a crítica que está a ser lançada a V. Ex.ª, ao abrigo de uma figura regimental que não tem cabimento, porque as interpelações à Mesa são para a interrogar sobre a forma como conduz os trabalhos. E se é certo que existe alguma pertinência naquilo que o Sr. Deputado Narana Coissoró ou o Sr. Deputado Mário Tomé estão a referir, isso deve ser colocado numa Conferência de Representantes dos Grupos Parlamentares, numa intervenção do período de antes da ordem do dia ou num debate na especialidade que se queira agendar sobre esta matéria. Agora, estamos a desvirtuar os nossos trabalhos. Penso que o Sr. Presidente deve dar continuidade aos trabalhos e não continuarmos' com incidentes regimentais a propósito disto. Não há nada que esteja nas mãos de V. Ex.ª para resolver o problema.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, desejava corrigir o seguinte. As duas propostas que foram referidas na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares pelo meu querido amigo e presidente do Grupo Parlamentar do PSD tratam de saber onde devem ser colocadas as câmaras de televisão para serem vistos os rostos, mas não a substância dos debates. E o que estamos aqui a debater hoje é a substância dos debates e não como devem ser filmados os rostos dos Deputados.
Sobre esta matéria é à Mesa que compete defender a dignidade da Câmara.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, a Mesa considera encerrado este incidente e mantenho aquilo que disse.
Os Srs. Deputados que pretendam fazer críticas à maneira como são transmitidos os debates para o público, quer pela televisão, quer pela imprensa, ou o fazem numa Conferência de Representantes dos Grupos Parlamentares, ou em intervenções, aqui, no Plenário, no período de antes da ordem do dia, ou desencadeiam um debate sobre o tema.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Aqui temos uma intervenção nova! Já falhou a outra!

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ir ao encontro do povo é a razão de ser da democracia, ir ao encontro dos portugueses é a razão de ser do Partido Social-Democrata.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas não ficamos satisfeitos com a simples enunciação de princípios, por mais belos e sublimes que sejam.
Queremos irrigar com o nosso humanismo reformista a sociedade portuguesa como os vasos capilares de uai sistema sanguíneo.
Não há aldeia, por mais recôndita que seja, que não tenhamos alcançado e deixado ficar boa sementeira.

O Sr. Silva Marques (PSD):- Muito bem!

O Orador: - É a nossa mensagem com eficácia renovável face aos novos desafios; é o nosso conhecimento profundo das gentes e das leiras, em cujo seio nascemos; é a nossa identificação cativante com a alma popular, ora feita de alegrias ora feita de inquietações.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Desde que somos partido sempre acreditámos que, em cada português e diversificadamente, há um manancial de potencialidades onde reside uma parcela do progresso nacional.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não basta, contudo, termos boa consciência disto.
Saber reunir e gerir essas parcelas e constituir um somatório nacional fecundo e promissor eis a tarefa que se impõe e selecciona candidatos a executá-la.
O PSD, em eleições livres e democráticas, tem sido seleccionado para governar Portugal, porque demonstrou saber orientar o trabalho dos portugueses para uma crescente e consolidada produção de riqueza e para uma justa e equilibrada distribuição, que não se compadece, aliás, com nivelamentos sociais utópicos e inclassificantes da condição humana.
Só merecerá a confiança do eleitorado o partido político que souber apontar as verdadeiras razões que moldam, quantas vezes, difíceis quotidianos e contrapor, com entusiasmo e força anímica, Soluções que congreguem esforços.
Os Deputados do PSD não estão motivados nem para a política parlamentar palaciana e artificial que vira costas ao povo, nem para a retórica inconsequente -, nem para a representação abstracta da Nação.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Queremos fazer pulsar, na Assembleia da República, esse país real em permanente construção. Preza-

Página 2209

27 DE MAIO DE 1992 2209

mos a representatividade regional e orgulhamo-nos do forte vínculo que temos às realidades dos nossos círculos eleitorais.

Aplausos do PSD.

Mas também, imbuídos no respeito pelo interesse nacional que ajudamos a formular, somos coesos e altruístas no apoio a uma governação nacional justamente fundamentada a bem de todos os portugueses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PSD, ao invés de outros, não necessita de agendar interpelações ao Governo para reclamar solidariedade com os portugueses e entre os portugueses.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): -Muito bem!

O Orador: - Fazemos ponto de honra em praticar actos mais corresponsabilizantes com todos os cidadãos.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O livro que lançámos recentemente - Ao Encontro dos Portugueses - é um desses actos. No seu preâmbulo, o Presidente do Grupo Parlamentar escreve: «As medidas que a seguir se enunciam não são um compromisso formal a ser unilimetricamente executado até ao fim da legislatura. Elas são, antes, uma meta, um horizonte a alcançar na caminhada que iniciámos em Outubro de 1991 e que terminará em 1995. Resumem um vasto leque de ambições -algumas velhas de décadas - de milhões de nossos concidadãos, que também faremos nossas. Perguntar-se-à com que meios cumpriremos estas ambições, sabido como é que os recursos orçamentais, se bem que votados pela Assembleia da República, não são geridos pelos parlamentares. Os meios dos parlamentares são a persuasão, a convicção e a força dos argumentos. Cumpre-lhes, junto das instâncias competentes, fazerem valer esses meios com a força suficiente para a realização desses desafios.»

O Sr. Silva Marques (PSD):- Muito bem!

O Orador: - É a primeira vez que um grupo parlamentar na Assembleia da República assume, com esta ousadia, a nobre função da representatividade democrática de interesses e aspirações directamente expressas pelos cidadãos, na sequência de um amplo e salutar diálogo entre os Deputados e uma multiplicidade de organismos da sociedade civil.
Os Deputados do PSD imprimiram em livro aquilo que sempre fizeram: beber nas razões do povo a razão da sua actividade política, na certeza de que a modernização do Parlamento não é só uma questão de informatização dos serviços e que nem a dignidade da actividade parlamentar se esgota na fiscalização política e na actividade legislativa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O respeito ao Parlamento que reclamamos dos portugueses ganha-se, sobretudo, com o nosso exemplo de proximidade aos cidadãos e com uma acessibilidade institucional à administração central, regional e local para que o Deputado, lídimo procurador de interesses e gentes, possa fazer valer a razoabilidade da sua argumentação e, quiçá, auxiliar a decisão política.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao Encontro dos Portugueses, para além de ser um acto de solidariedade, é também um acto de responsabilidade!
Introduzimos autenticidade no nosso discurso político ao fazermos um reconhecimento factual, necessariamente incompleto, do que, na realidade, mobiliza a opinião e a participação cívica das populações que representamos e que em nós acreditam.
Introduzimos também, exemplarmente, critérios de auto-exigência e auto-responsabilização na nossa actividade política parlamentar.
Seria útil para a dignidade parlamentar que os grupos parlamentares da oposição substituíssem a nebulosidade das suas iniciativas e o comodismo rotineiro da sua crítica por um compromisso mais real com o eleitorado que dizem representar.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Ao Encontro dos Portugueses enuncia 1617 medidas de natureza económica, social e cultural para todos os círculos eleitorais de Portugal.
Para a oposição (já sabemos que o vai dizer!) é a prova de que tudo vai mal. É a versão do nacional pessimismo.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Dez por dia!

O Orador: - Para o PSD, felizmente mais conhecedor do País, é uma prova actualizada da nossa inquebrantável força anímica para continuarmos a trajectória reformista de Portugal.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Incluindo ao sábado e domingo.

O Orador: - O brilhantismo das nossas vitórias eleitorais não nos ofusca. Não somos capazes de descansar sobre a bela obra que já realizámos em Portugal, pela simples razão de que procuramos incessantemente aperfeiçoar os indicadores nacionais de conforto e qualidade de vida para todos os portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É neste inconformismo optimista, e que a liderança do Professor Cavaco Silva tem sabido enquadrar, que reside afinal a propulsão do desenvolvimento nacional operada pelo PSD.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao Encontro dos Portugueses foi redigido para colaborar e não para opor. É a prova de confiança e perfeito entendimento institucional com o Governo. Cada medida é um marco de sonho e vontade de muitos cidadãos. Podem diferir em aparato, mas são certamente iguais na legitimidade e dignidade democráticas porque emanam do povo.
Os Deputados do PSD divulgarão junto das populações directamente interessadas os propósitos e objectivos desta caminhada ao seu encontro.
Olharemos sempre em frente na estrada do desenvolvimento nacional, mas asseguraremos que ela sirva todas as terras e gentes de Portugal.
Em nome do Grupo Parlamentar do PSD, vou oferecer um exemplar do livro Ao Encontro dos Portugueses a S. Ex.ª o Sr. Presidente da Assembleia da República, ...

Página 2210

2210 I SÉRIE - NÚMERO 68

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Ele já leu e corrigiu!

O Orador: -... aos Srs. Presidentes dos Grupos Parlamentares, ao Sr. Deputado do PSN e aos Srs. Deputados independentes.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura dos dois votos de protesto que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (José Cesário): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o voto de protesto n.º 24/VI, que é subscrito por vários Deputados, designadamente pelo Sr. Deputado Mário Tomé, refere o seguinte:

No dia 31 de Março de 1991 o Sr. Secretário Regional da Administração Pública do Governo Regional da Madeira encontrou-se com o Sr. Presidente da Câmara do Machico, tendo-lhe dado conhecimento dos planos do executivo para, nos dias 5, 6 e 7 de Junho, o Governo Regional da Madeira realizar uma «presidência aberta» no concelho de Machico, instalando-se aí, durante esses três dias, o Sr. Presidente do Governo Regional e os secretários regionais.
À saída da reunião o Sr. Secretário Regional declarou para a imprensa: «O Sr. Presidente da Câmara mostrou toda a receptividade em relação à visita» (Diário de Notícias, de 26 de Maio de 1992).
Na mesma altura, o Sr. Presidente da Câmara do Machico declarou à comunicação social: «Esta visita vem esbater o défice democrático que se vive na região» (Diário de Notícias da Madeira, de 26 de Maio de 1992).
Entretanto, realizou-se o debate na Assembleia da República sobre o défice democrático na Região Autónoma da Madeira, tendo-se deslocado o Sr. Presidente da Câmara do Machico para assistir aos debates e informar os Deputados da Nação dos problemas do concelho a que preside.
Após tais factos, o Sr. Vice-Presidente do Governo Regional, Miguel de Sousa, convocou o Presidente da Câmara do Machico para lhe dar conhecimento de que a «presidência aberta» tinha de ser antecipada, devido à visita à Madeira do Sr. Presidente da República Popular de Moçambique, Joaquim Chissano.
Nessa reunião o Sr. Presidente da Câmara defendeu que, face à situação concreta do concelho, propunha que «a presidência aberta» em vez de ser antecipada fosse adiada.
Na quinta-feira, dia de reunião plenária do Governo Regional, entregou uma carta solicitando uma reunião de trabalho com o Governo Regional, para melhor preparar a visita do Governo ao concelho de Machico.
O Governo Regional, sem responder à solicitação do Sr. Presidente da Câmara, dá o assunto por encerrado e delibera: «Devido a problemas, a Câmara do Machico fica desligada da visita de trabalho» (Diário de Notícias da Madeira, de 26 de Maio de 1992):

O Diário de Notícias da Madeira de hoje, 26 de Maio de 1992, informa que o Governo Regional da Madeira vai realizar no próximo fim de semana «uma presidência aberta», à margem da Câmara Municipal do Machico, órgão constitucional, democraticamente eleito pelos cidadãos nos termos da lei e da Constituição.
O Governo Regional da Madeira desrespeita a vontade dos cidadãos expressa através do seu voto universal, igual, directo, secreto e periódico quando marginaliza «da presidência aberta» (visita do Governo), que tenciona realizar no concelho de Machico, a sua câmara municipal, que apenas tem a seu «desfavor» o não deixar-se controlar pelo executivo madeirense.
Assim sendo, e nos termos do n.º 1 do artigo 77.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados propõem ao Plenário a aprovação do seguinte voto de protesto: A Assembleia da República exprime publicamente o seu protesto pela atitude do Governo Regional da Madeira de desrespeito por um orgão de poder local e de desrespeito pelo princípio basilar e primário da democracia, o de aceitar e reconhecer as decisões soberanas dos cidadãos expressas através do voto, nos termos da lei, e exige do Governo Regional que reconheça a Câmara do Machico como órgão constitucional do poder local, representante do povo que livremente a elegeu.

Aplausos do PS, do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

O voto de protesto n.º 25/VI, que é subscrito pelos Srs. Deputados Marques da Silva e Rui Ávila, é do seguinte teor:

Nos termos do artigo 77.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados do PS abaixo assinados apresentam o seguinte voto de protesto: a Assembleia da República protesta contra o facto de o Sr. Presidente do Governo Regional da Madeira, no decurso das suas ditas reuniões de trabalho, ao deslocar-se ao concelho de Machico, não visitar a câmara municipal da referida vila, numa nítida atitude de discriminação face ao presidente daquela edilidade, eleito em listas de outro partido.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Embora estes dois votos de protesto visem uma mesma finalidade, eles têm um conteúdo diferente, pelo que vamos proceder à sua votação em separado.
Vamos, pois, votar o voto de protesto n.º 24/VI.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP e do Deputado independente Mário Tomé e a abstenção do CDS.

Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação do voto de protesto n.º 25/VI.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP e do Deputado independente Mário Tomé e a abstenção do CDS. ' ~

Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 35 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão, na generalidade, dos projectos de lei n.ºs 18/VI - Lei quadro de apoio ao associativismo (PCP) e 150/VI - Lei quadro de apoio às associações (PS).

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

Página 2211

27 DE MAIO DE 1992 2211

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, apenas gostaria de dizer que sobre a votação anterior, iremos entregar na Mesa uma declaração de voto a justificar a nossa abstenção, porque, face à nossa Constituição, a chamada «presidência aberta» não tem qualquer cabimento.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, o PS acaba de comunicar agora à Mesa que retira o projecto de lei n.º 1/VI.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP reservou a ordem do dia desta sessão plenária para propor à Assembleia da República que aprove uma lei quadro de apoio ao associativismo.
O movimento associativo constitui uma das mais ricas e poderosas expressões da consciência cívica, da criatividade e da acção social do nosso país.
O movimento associativo não foi criado por governos nem por decretos. Tem raízes profundas na História da Nação portuguesa e a sua própria história é uma criação viva, dinâmica e independente do nosso povo.
A imensa obra realizada pelo associativismo popular no domínio da cultura, da arte, da educação, do desporto, do recreio, do património é, na sua globalidade, uma das mais importantes realizações de carácter social e cultural do povo português.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O País deve ao movimento associativo muitos aspectos essenciais da sua qualidade de vida.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ultrapassando o esquecimento e o desprezo do poder central, o associativismo é uma das mais belas realidades nacionais e é uma grande expressão da vontade, capacidade e talento das massas populares.
O movimento associativo, pela sua natureza, contraria regimes opressivos e nas suas actividades traduz o exercício da liberdade. Nos anos do fascismo, muitas colectividades foram verdadeiros oásis de pensamento e acção de cidadãos livres, que a ditadura não conseguiu liquidar ou abalar.
O movimento associativo desenvolveu-se, em muitos casos, a par do desenvolvimento do movimento operário, contribuindo para a elevação da consciência social dos trabalhadores e das suas famílias, dinamizando a participação cívica, assegurando o acesso à fruição de bens culturais, ajudando a superar carências educativas.
Com o 25 de Abril, o movimento associativo recebeu o poderoso impulso dos direitos adquiridos com a revolução democrática. Criaram-se milhares de novas associações e inseriram-se, na Constituição, princípios de desenvolvimento social, cultural e desportivo em colaboração com as associações, que constituem deveres indeclináveis do Estado.
O movimento associativo, considerado globalmente na rica variedade das suas actividades, caracteriza-se pelas suas profundas raízes populares, pela sua autonomia e independência face ao poder político, pelo empenhamento, dedicação, capacidade e criatividade dos dirigentes associativos, pelo profundo interesse humano dos participantes (que se traduz em sentimentos de cooperação, solidariedade e generosidade) e pela criação de estruturas, meios, bases logísticas para as mais variadas actividades desenvolvidas no seu âmbito.
Esta marcação da ordem do dia por parte do PCP e o projecto de lei que hoje apresentamos são, também, uma homenagem aos dirigentes e activistas associativos, que, com uma dedicação que nunca é demais valorizar, mantêm de pé, apesar de todas as dificuldades, um forte movimento associativo, abdicando das suas horas de lazer para desinteressadamente darem vida as associações que dirigem e animam em benefício exclusivo das comunidades locais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O movimento associativo é tanto uma rica expressão da profunda vivência democrática do povo português como um espaço de aprendizagem de vida colectiva e democrática, de solidariedade humana e de valores democráticos fundamentais.
Os valores democráticos do movimento associativo têm a sua raiz nos sentimentos populares e, por sua vez, reconduzem ao povo tais valores, enriquecidos pela. actividade social específica desenvolvida e pela forma democrática que a própria vida associativa comporta.
A importância das associações populares e o seu papel insubstituível na dinamização da cultura e do desporto e no exercício da acção social junto das comunidades locais ninguém deixará de reconhecer. Mas importa também que todos reconheçam que essas associações, que vivem da intensa dedicação dos seus dirigentes e dependem exclusivamente da capacidade financeira dos seus sócios, devem ver o reconhecimento da sua importância inestimável ser acompanhado do reconhecimento do seu direito a obter do Estado o apoio indispensável à sua existência e à realização das suas iniciativas.
O apoio as associações é um dever do Estado e 6 um direito das próprias, constitucionalmente reconhecido. Importa que o Estado assuma as suas responsabilidades a esse nível!
Na sua imensa maioria, as associações populares tem como associados trabalhadores, pequenos empresários, reformados, jovens. No meio social onde existem hão-de ir buscar os seus dirigentes. É, pois, um facto indesmentível que a esmagadora maioria das associações vive com inúmeras dificuldades, que tolhem o seu desenvolvimento e impedem a plena afirmação das suas potencialidades, com prejuízo evidente para uma parte substancial da população portuguesa.
Numa sociedade de parcos recursos e múltiplas injustiças, o apagamento do papel do Estado nas áreas social e cultural significa inevitavelmente mais injustiça e pior sociedade.
O Estado não pode substituir-se nem tutelar de forma dirigista a criatividade individual e colectiva, mas também não pode demitir-se de ser um instrumento fundamental da democracia cultural.
Se o apoio ao associativismo tem sido preocupação constante para muitas autarquias, constituindo estas até ao momento o mais sólido apoio estadual às associações, a nível da administração central não tem existido qualquer vontade política de apoiar o movimento associativo. Consequentemente, o que tem havido são apoios pontuais e na maioria dos casos clientelares ou eleitoralmente interessados.
A entidade, ao nível da administração central, vocacionada para o apoio às actividades culturais das associações - a Direcção-Geral da Acção Cultural - tem vindo a ser desvalorizada e privada, ao longo dos anos, dos recursos financeiros mínimos para o cumprimento das suas obrigações.

Página 2212

2212 I SÉRIE - NÚMERO 68

Em vez de alterar, como se impunha, esta situação, o que o Governo agora pretende - e já o aprovou em Conselho de Ministros, no âmbito da chamada reestruturação da Secretaria de Estado da Cultura - é reduzir a Direcção-Geral da Acção Cultural a direcção de serviços, a incluir numa nova Direcção-Geral de Espectáculos e Direitos de Autor e, entretanto, a área do apoio ao movimento associativo desaparece enquanto atribuição da nova direcção-geral.
Aquilo a que assistimos hoje é ao esforço imenso do movimento associativo cultural e desportivo para assegurar a participação e fruição cultural e desportiva dos portugueses como se se tratasse de uma responsabilidade exclusivamente sua, contando com o desinteresse do Governo, que não tem uma política de desenvolvimento cultural, não tem uma política de desenvolvimento desportivo, não tem uma política de apoio e colaboração com o associativismo cultural, desportivo e de recreio.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mesmo na área da acção social, face à degradação dos apoios sociais (saúde, assistência social; ensino, habitação), tem sido o movimento associativo que tem vindo a intervir crescentemente, contribuindo, de forma significativa, para a resolução de muitos problemas básicos das populações.
Na relação da administração central com o associativismo verifica-se uma situação que longe de se traduzir na colaboração que se impunha acaba por assumir expressões de conflitualidade. Para dar apenas alguns exemplos, basta pensar no agravamento da carga fiscal sobre as associações, designadamente sobre os instrumentos musicais, os equipamentos desportivos e culturais ou os próprios livros, necessários para o desenvolvimento da actividade das associações. Basta pensar também nas obras levadas a cabo pelas associações que são taxadas com 16 % de IVA, o que faz com que, mesmo nos casos em que o Estado comparticipa financeiramente nas obras, parte substancial da comparticipação regresse aos cofres do Estado através do IVA. As comparticipações da administração central em obras de associações são esporádicas. Quando existem, representam uma parte percentualmente reduzida do preço inicialmente estimado da obra. No custo final da obra, essa comparticipação acaba por representar pouco, mas é sobre o custo total que as associações vão ter de pagar ao Estado 16% de IVA.
Pode dizer-se, em síntese, que as associações têm sido permanentemente esquecidas na actividade legislativa do Estado. O estatuto de utilidade pública está claramente desactualizado; a lei do mecenato de nada serve às associações; não é reconhecido ao dirigente associativo um estatuto legal compatível com o reconhecimento da sua função social; nada está previsto quanto a formação de dirigentes associativos; o regime de porte pago não é compatível com a periodicidade da maioria das publicações associativas; a actualização dos cadastros dos prédios urbanos e rústicos, se não tiver em conta as especificidades das instalações desportivas, culturais, recreativas ou utilizadas para fins de carácter social ou educativo, poderá estrangular financeiramente muitas associações e, por fim, continua por definir um quadro legal do apoio ao associativismo no seu conjunto.
Esta falta de apoio do Estado às associações populares e a falta de um quadro legal que preveja e defina esse apoio para o associativismo em geral tem de ser ultrapassadas. É necessário e urgente definir um quadro legal de apoio ao associativismo que permita associar os esforços da administração central aos das autarquias, associações e comunidades locais na dinamização da cultura, do desporto, da recreação e da acção social.
É por isso que o PCP apresenta um projecto de lei quadro do apoio ao associativismo. Nesse âmbito, propõe a criação de um instituto público, que tenha a participação do movimento associativo ao nível de direcção, dotado de autonomia administrativa e financeira e que tenha como atribuições fundamentais o incentivo e o apoio ao associativismo de acordo com critérios transparentes, no respeito pela autonomia e independência das associações e sem privilegiar ou prejudicar qualquer associação com base em motivos políticos, ideológicos, religiosos ou de situação geográfica.
O projecto de lei que o PCP apresenta propõe a criação de um quadro geral de apoios à actividade das associações! através de diversas modalidades, abrangendo, designadamente: apoio técnico, que pode consistir, em informação, documentação, assessoria jurídica necessária ao funcionamento das associações e também na cedência de materiais e equipamentos; apoio à formação de animadores culturais, através da promoção de cursos específicos e do patrocínio da participação de dirigentes e colaboradores associativos em acções de formação que lhes sejam dirigidas; apoio aos transportes em grupo dos participantes em iniciativas e actividades promovidas pelas associações; apoio à aquisição, construção, reparação ou manutenção de instalações que estejam afectas às actividades associativas; apoio financeiro directo a actividades de interesse cultural que sejam desenvolvidas pelas associações e no caso das associações que sejam declaradas de utilidade pública, comparticipação nas suas despesas de funcionamento.
O presente quadro de apoios pode ser globalmente estabelecido, em cada caso concreto, através de protocolos onde sejam acordadas as condições, modalidades e montantes dos apoios a conceder às actividades de cada associação.
O projecto de lei que o PCP coloca hoje em debate propõe ainda a atribuição de competência às assembleias municipais para declarar a utilidade pública municipal das associações que desenvolvam actividades de reconhecido mérito na área dos respectivos municípios, implicando esse estatuto o gozo pelas associações, dos. direitos, isenções e regalias previstos para as instituições de utilidade pública, sem prejuízo de outros que lhes sejam atribuídos por deliberação dos órgãos autárquicos competentes; o reembolso às associações dos montantes despendidos com o IVA, que incidam sobre bens duradouros destinados ao funcionamento das associações, sobre instrumentos musicais, sobre aparelhagens sonoras e demais equipamentos para salas de espectáculos e auditórios, livros destinados a bibliotecas próprias das associações, material desportivo e recreativo e sobre outras aquisições comprovadamente destinadas às actividades próprias das associações e que não tenham fins lucrativos; a isenção do pagamento de quaisquer taxas ou emolumentos pela inscrição no ficheiro central de pessoas colectivas, pela requisição do respectivo cartão de identificação ou pela publicação dos seus estatutos em Diário da República e o benefício de «porte pago» para as publicações das associações de acordo com uma periodicidade, mais adequada às suas características.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O estatuto do dirigente associativo merece ser especialmente considerado. Muitos são por esse país fora os cidadãos que, sem nada exigirem em troca, se entregam benévola e gratuitamente à espinhosa tarefa de manter de pé o associativismo e de dinamizar a actividade associativa em benefício da comunidade, na generalidade

Página 2213

27 DE MAIO DE 1992 2213

dos casos com graves prejuízos para a sua vida familiar, para a sua própria disponibilidade pessoal ou mesmo com grande sacrifício da sua vida profissional.
Acontece, porém, que, sobretudo em associações que tenham atingido razoável dimensão, a actividade directiva traduz-se em actos de gestão permanente ou em actos inadiáveis, que se tomam incompatíveis com a disponibilidade meramente pós-laboral dos seus dirigentes.
É, portanto, necessário, por um elementar dever de justiça e por ser uma condição indispensável para o desenvolvimento do associativismo, encontrar um regime jurídico-laboral específico para os dirigentes associativos, dotado da flexibilidade suficiente para permitir conciliar harmoniosamente a actividade profissional com a prática de actos inadiáveis de direcção associativa.
Assim, no presente projecto de lei o PCP propõe a consideração como faltas justificadas das que sejam dadas pelos dirigentes associativos por motivos inadiáveis relacionados directamente com a actividade da respectiva associação. E propõe ainda o direito à marcação de fonas de acordo com as necessidades comprovadas da actividade associativa, salvo se daí resultar incompatibilidade insuprível com o plano de férias da entidade empregadora.
A este nível, consideramos o que agora propomos como o ponto de partida para um debate específico mais alargado, que tem de ser feito, sobre o estatuto do dirigente associativo, considerando a importância social das suas funções.
É evidente que uma empresa que tenha ao seu serviço um ou vários diligentes associativos não deve ser chamada a suportar à sua custa as necessidades de disponibilidade desses dirigentes, mas o Estado não pode deixar de considerar a justa protecção jurídica dos dirigentes associativos, assumindo, se necessário, os seus custos, tendo em atenção o que representa socialmente a actividade associativa e não esquecendo, mesmo em termos económicos, o que representa para o País os milhares de horas de trabalho não remunerado que os dirigentes associativos oferecem às suas associações e, como tal, à comunidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A elaboração do presente projecto de lei foi um processo amplamente participado e não apenas por membros do PCP. Dezenas de reuniões públicas que realizámos por esse país fora, ouvindo as opiniões e os anseios de muitas centenas de dirigentes e activistas associativos, ajudaram-nos a dar corpo a esta iniciativa legislativa. Ajudaram-nos, sobretudo, a propor um ordenamento legislativo para o associativismo, que está em harmonia com aquilo que é reivindicado pelo movimento associativo. Estamos conscientes da existência de uma grande identificação dos dirigentes associativos, independentemente das suas convicções políticas, com o projecto de lei PCP.
O espírito que presidiu à elaboração deste projecto foi a abertura ao diálogo e à procura conjunta de soluções para um melhor apoio ao associativismo. É esse o espírito que pela nossa parte mantemos na discussão deste projecto. O que apresentamos são hipóteses de soluções, para que todos, em conjunto, possamos, através de um debate sem preconceitos, encontrar as melhores soluções. Neste sentido valorizamos positivamente o projecto de lei do PS - e que foi agora retirado -, que é mais um contributo que permitirá enriquecer a discussão e proporcionar um quadro mais alargado de soluções para os problemas do associativismo. Tudo o que for a favor do associativismo, conta com o apoio do PCP!

Aplausos do PCP.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não exagero se disser que milhares de cidadãos a quem o País muito deve estão com os olhos postos neste debate, fazendo votos para que a Assembleia da República não perca esta oportunidade para dotar o associativismo de uma lei quadro de apoio, que é inquestionavelmente necessária e de há muito desejada.
Srs. Deputados, não desperdicemos esta oportunidade. Este é o momento certo para que fique claro quem apoia o desenvolvimento do associativismo só em palavras e quem as palavras faz corresponder a prática de actos concretos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, como V. Ex.ª aliás referiu na sua intervenção, o PS partilha de boa parte das preocupações e da maioria das intenções que transpareceram na sua intervenção.
Infelizmente, não podemos partilhar dos métodos propugnados pelo PCP para incentivar e ajudar o associativismo.
Efectivamente, pensamos que não é criando mais burocracia e mais direcções-gerais, seja sob a égide do Sr. Primeiro-Ministro seja de que ministério for, que se auxilia, incentiva ou promove o associativismo entre nós.
Por outro lado, Sr. Deputado, penso que o projecto de lei do PCP sofre de um enorme confusionismo, o que é um grande defeito.
No preâmbulo do vosso projecto refere-se - e V. Ex.ª fê-lo também na sua intervenção - as associações populares, as colectividades de cultura e recreio, as associações desportivas e outras variadíssimas associações. Mas, então, Sr. Deputado António Filipe, este projecto do PCP dirige-se a quem? Qual é o objecto deste projecto, em suma?
Ao ler o artigo 1.º, e também da intervenção de V. Ex.ª, isso deduz-se com clareza: parece que se dirige a todo o movimento associativo. Mas V. Ex.ª não pode ignorar que, hoje, enormes franjas do movimento associativo ganharam estatuto jurídico próprio.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): -Muito bem!

O Orador: - São os consumidores, as associações de defesa do ambiente, as associações da juventude, dos estudantes, das mulheres - para já não falar dessas associações, muito antigas, de solidariedade social. E V. Ex.ª - ou melhor, o projecto do PCP -, de repente, mete tudo dentro do mesmo saco, ao falar, no artigo 1.º, nas associações!
Hoje, Sr. Deputado António Filipe, começa a ser difícil fazer um projecto global sobre as associações.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): -Muito bem!

O Orador: - Ora isso mesmo explica que, ponderadas todas as razões - e talvez V. Ex.ª ainda o não saiba -, nós, apesar de todas as boas intenções do nosso projecto, tenhamos ponderado que talvez fosse melhor trabalhá-lo mais e noutras linhas, pelo que o retirámos da discussão.
Assim, o vosso projecto é de um enorme confusionismo, Sr. Deputado. Se não veja: uma associação de proprietários da Quinta da Marinha também é uma associação popular?

Risos do Deputado do PSD Carlos Coelho.

Página 2214

2214 I SÉRIE - NÚMERO 68

O que é uma colectividade de cultura e recreio, Sr. Deputado? Onde é que isso vem definido na lei? E, então, as associações de consumidores também «caem» aqui?
Por tudo isto, hoje em dia, temos de ter muito cuidado ao mexer no quadro legal do associativismo.
Repito, que partilhamos das suas intenções, lá iremos, mas, cuidado, em termos jurídicos mais correctos.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, há outro orador inscrito para formular pedidos de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. António Filipe (PCP): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra o Sr. Deputado Caio Roque.

O Sr. Caio Roque (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, na sequência da intervenção, do meu camarada José Vera Jardim, gostaria de lhe fazer uma simples pergunta: e as associações dos emigrantes e dos imigrantes?

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados José Vera Jardim e Caio Roque: Vou começar por responder à primeira ordem de questões, que é a da pretensa burocracia eventualmente prevista neste projecto de lei.
Sr. Deputado José Vera Jardim, devo dizer-lhe que, na elaboração deste projecto de lei, confrontámo-nos com um problema que, assim o pensamos, o Estado tem de resolver. Esse problema é o de saber qual é o mecanismo mais adequado, por parte da administração central, para apoiar, de forma transparente e não discriminatória, as associações e, particularmente, as associações que desenvolvem acções meritórias do ponto de vista cultural, desportivo e recreativo e que merecem - creio que V. Ex.ª estará de acordo - ser apoiadas por parte do Estado, mas que, efectivamente, não o são.
Em boa parte, não o são, porque não só não há uma vontade política de apoio ao associativismo como também não estão encontradas, do nosso ponto de vista, estruturas adequadas e suficientemente flexíveis para que esse apoio possa ser canalizado, sem burocracias e sem favoritismos partidários.
Assim, hoje em dia, no nosso país, os apoios da administração central às associações são dados na altura das eleições, através de cheques avulso, não obedecendo a qualquer critério de transparência.
Por isso, é necessário que haja uma entidade, na qual o movimento associativo participe ao nível de direcção - e essa é para nós uma questão essencial -, que possa ser fiscalizada pelos próprios destinatários e que possa cumprir eficazmente as funções de apoio ao associativismo.
Assim sendo, não nos parece que isto crie mais burocracia: parece-nos, pelo contrário, que revela mais transparência e mais eficácia, embora estejamos disponíveis para estudar a solução que se considere mais adequada para resolver este problema. O que interessa é resolver este problema e não tanto a forma concreta de o fazer.
Relativamente à generalidade deste projecto, em termos do âmbito da sua aplicação, devo dizer que o que o Sr. Deputado José Vera Jardim disse, relativamente ao projecto do PCP, é absolutamente válido para o projecto do PS, hoje em discussão.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Já o retirámos!

O Orador: - Acabo de saber que o PS retirou o seu projecto de discussão, ...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - O PCP também vai fazer o mesmo!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Está enganado! Este foi feito com cuidado.

O Orador: -... mas é pena que o tenha feito, na medida em que, no projecto de lei do PS, também havia ideias que interessava discutir nesta Câmara, já que elas apresentavam pistas com algum interesse para o apoio ao associativismo. Repare que também o projecto apresentado pelo PS tinha uma definição ampla do associativismo.
Vou dizer-lhe, Sr. Deputado, por que é que a nossa opção foi essa: é que, de facto, temos a preocupação de não discriminar associações.
Neste ponto respondo também à questão colocada pelo Sr. Deputado Caio Roque: é que não queríamos correr o risco de estabelecer um regime aplicável à generalidade das associações e excluir associações, legitimamente constituídas e com uma função socialmente relevante, mas que não constassem de alguma enumeração taxativa. Daí julgarmos que deveríamos defender um quadro geral de apoios para o associativismo, sem prejuízo da aplicação de leis especiais que sejam mais favoráveis.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - E aqui coloca-se o problema das associações que tem um estatuto próprio, como sejam as associações de estudantes, as federações desportivas, que têm o seu apoio estabelecido a nível de contratos-programa no âmbito da lei de bases do sistema desportivo, outro tipo de cooperativas e outro tipo de associações que se regem por leis específicas.
Portanto, pensámos que este regime geral não poderia - de acordo, aliás, com os regras gerais de direito - inviabilizar a aplicação cie regimes especiais que fossem mais favoráveis.
Agora, o que falta criar é o regime-regra para o apoio ao associativismo, porque, actualmente, só as associações que estão especialmente reguladas é que têm possibilidade de aceder a apoios do Estado com um mínimo de transparência. Por isso, importa que haja um quadro geral de apoio as outras associações, para que os recursos públicos destinados ao apoio ao associativismo possam ser atribuídos, segundo critérios de transparência, e utilizados de forma a serem úteis para incentivar esta grande riqueza social que é o apoio ao associativismo.
Como disse na minha intervenção, creio que a questão essencial neste debate é a de sabermos quem está a favor da criação de um quadro legal de apoio ao associativismo, ou seja, quem está a favor do apoio a essa grande riqueza social do nosso país que são as associações, que têm inúmeras expressões a nível das colectividades de cultura e recreio, das colectividades desportivas, dando especial ênfase a estas últimas, porque são em maior número e têm uma ligação mais estreita às populações (não temos, obviamente, intenção de excluir outras).
A ideia é, pois, esta: quem é a favor e quem está contra a definição deste enquadramento normativo que possibilite o apoio ao associativismo.

Aplausos do PCP.

Página 2215

27 DE MAIO DE 1992 2215

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Cunha.

O Sr. Rui Cunha (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O associativismo tem uma tradição secular, como uma profunda e multifacetada realidade que, pelo seu próprio existir e pulsar, nos revela, quotidianamente, as extraordinárias potencialidades das associações e o seu contributo activo para o desenvolvimento social e cultural do nosso país.
O profundo entrosamento entre o PS e a liberdade sempre teve, e tem, como condição primeira, o exercício dos direitos, liberdades e garantias pelos cidadãos e, consequentemente, o seu inalienável direito à livre associação.
Há, na verdade, um traço de união e um percurso histórico comum que atravessa a memória do PS desde Antero, Azedo Gneco, Godolphin - o célebre autor de A Associação - até aos homens que, nos dias de hoje, constróem o PS moderno e solidário.
Fazendo nossas as palavras de Sérgio, e adaptando-as do cooperativismo para o associativismo, com ele diríamos: «Em meu entender, o Estado e os políticos devem auxiliar o associativismo, legislativa, cultural e financeiramente, mas de tal maneira que não dirijam nunca, que não obriguem nunca, que nunca tenham a pretensão de comandar, por pouquíssimo que seja. O associativismo há-de ser sempre absolutamente voluntário e livre, nada deve nele existir que seja obrigatório. No associativismo só cabe dirigir ao próprio povo.»
A postura do PS caracteriza-se, pois, pela defesa intransigente da criação das condições do exercício do direito de associação.
Postular um direito em abstracto com uma mão e com a outra denegar as condições mínimas do exercício desse direito é uma forma de, na realidade, o negar.
Posto isto, convirá enunciar os textos base referenciais para o PS nesta matéria, ou seja, a Constituição da República, a Declaração Universal dos Direitos do Homem e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Como segundo ponto de referência, evoca o PS o sentido unânime dos grandes textos europeus que nestas últimas décadas tem propugnado pelo direito de associação «como uma das referências básicas de construção de uma Europa dos cidadãos livres». Assim, poderemos referir-nos, por todos, ao preâmbulo da resolução do Parlamento Europeu sobre as associações sem fins lucrativos nas Comunidades Europeias (Estrasburgo, 13 de Março de 1987), quando aí se diz: «A liberdade de associação é um direito essencial da democracia, reconhecido pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e deve ser garantido não somente nos seus princípios, mas igualmente ao nível dos meios necessários para a sua expressão.»
É ainda um ponto de referência essencial e estruturante para a postura do PS a própria realidade sócio-cultural dos movimentos associativos portugueses, das multipolares e diversas estruturas associativas que os integram, e os próprios cidadãos que, sem pedir licença ao Estado nem ao Governo, livremente se associam para a defesa de ideais, de causas e de interesses comuns.
Na análise das questões básicas aqui em debate convirá ter presentes dois tipos de abordagem possíveis, que dizem respeito à nossa posição lace às questões do associativismo.
Por um lado, e como primeiro factor de análise, temos presente a concepção tutelar do Estado «laranja» face às associações, que no seu entender não passam de «coitadinhas de mão estendida que outra coisa não querem senão subsídios e até... esmolas», concepção esta que parece ter ancorado no tempo e no espaço; ou ainda a visão distorcida do mesmo Estado «laranja» que encara as associações como um conjunto atomizado de pequenos núcleos de dependentes que, sem o apoio caritativo das transferências orçamentais da rubrica «sector público» para a rubrica «instituições privadas», não conseguiria sobreviver.
Se a não tutela directa é fácil de defender e, aparentemente, é um ponto de encontro de todos os partidos, até em função do imperativo constitucional, as vias sinuosas da tutela encapotada já não são tão pacíficas.
A tentação de controlo político-partidário ou económico-empresarial dos movimentos associativos é, para além das aparências, uma realidade constante.
Uma segunda abordagem estruturante da nossa posição diz respeito as necessidades básicas e endógenas comummente sentidas pela generalidade das associações e para as quais é necessário encontrar as respostas adequadas. Referimo-nos a duas necessidades fundamentais: a da abertura dos aparelhos associativos ao «mundo real», o qual não se compadece com a visão limitativa que restringe o universo associativo a um mero clube dos idealistas e dos utópicos - e aqui convirá dizer «utópicos» no sentido pejorativo do termo, já que a utopia também pode, e deve, ser um nobre desígnio; a de compatibilizar o pequeno mundo das associações portuguesas com o espaço mais vasto das suas congéneres europeias que, a passos largos, caminham já noutro comprimento de onda, que é o estatuto europeu das associações.
Quanto a este último e fundamental ponto, não podemos deixar de trazer a esta Assembleia a evocação de algumas linhas de força desse estatuto que, a breve trecho, constituirá uma das referências obrigatórias do associativismo.
Assim, com a noção de estarmos perante uma proposta de regulamento das Comunidades Europeias que, num futuro próximo, virá regular, na prática, o direito de estabelecimento de associações europeias também no espaço nacional, transcrevemos os seguintes pontos que nos deverão deixar uma grande margem de reflexão: «A associação europeia pode exercer uma actividade económica contra remuneração, a título permanente, na condição de destinar o produto assim obtido exclusivamente à realização do seu objecto e de excluir a possibilidade de partilha de quaisquer lucros entre os seus membros; a criação de um estatuto europeu deverá permitir ao conjunto do meio associativo e as fundações exercer a sua actividade para além das suas fronteiras nacionais, em todo ou parte do território da Comunidade; o produto de qualquer actividade económica exercida pela Associação Europeia será afectado exclusivamente à realização do seu objecto, sendo excluída a repartição dos lucros entre os seus membros; a Associação Europeia define livremente as actividades necessárias à realização do seu objecto, desde que sejam compatíveis com os objectos da Comunidade, com a ordem pública comunitária e com a dos Estados membros».
E quando amanhã - e este «amanhã» não é uma mera e longínqua figura de estilo - uma associação europeia, devida e legalmente constituída, se vier a implantar no nosso país e a desenvolver uma actividade económica a título permanente, estarão as associações nacionais em pé de igualdade com as suas futuras congéneres europeias?
Não podemos deixar aqui de citar um breve trecho do relatório de Ricardo Petrella sobre o futuro de Portugal, que a dado passo diz o seguinte: «Quanto mais se olha à nossa volta, mais se constata que as sociedades potencialmente

Página 2216

2216 I SÉRIE - NÚMERO 68

inovadoras, as que «conseguem» influenciar as condições do seu futuro, são as sociedades que investiram largamente e investem prioritariamente no crescimento da sociedade civil; isto é, na valorização dos recursos humanos e na criação, ou melhoria, de múltiplos mecanismos de interacção e de mediação entre as pessoas, as organizações e os grupos sociais, destinados a facilitar o desenvolvimento de um ambiente pluralista, estimulante e inovador».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Analisando, agora e a esta luz, o projecto de lei apresentado pelo PCP, que é caracterizado por duas linhas de leitura essenciais, não podemos deixar de sublinhar a confusão entre a parte com o todo, pois logo no preâmbulo se pretende «reduzir» ou, porventura, «ampliar» o universo associativo a essa vaga e indefinida categoria das «muitas milhares de associações populares».
Mesmo dando de barato a transmutação alquímica operada do preâmbulo e das suas inominadas «associações populares» para o artigo 2.º, n.º 1 que já dá o salto para «todas as associações e respectivas estruturas federativas ou de cooperação», ressalvadas que sejam as «associações de fins específicos» do artigo 2.º, n.º 2, até ao segmento referenciado no artigo 9.º, n.º 1, que, num novo passo de dança se dirige às «associações que desenvolvam actividades culturais ou recreativas», a confusão não poderia ser maior.
Quais serão, para o PCP, as .«associações» que não sejam «populares», já que o aparente código genético do associativismo na concepção do PCP parece ser o da natureza de classe?...
A segunda linha de leitura essencial .do projecto do PCP é a de que já existindo um Instituto da Juventude, um Instituto de Defesa do Consumidor, um Instituto de Defesa do Ambiente, e já que o sol quando nasce é para todos, crie-se, pois, mais um instituto, epigrafado do associativismo, e gerido, entre outros, pelos representantes das associações. Mas quais? As populares do preâmbulo? As sem fins específicos do artigo 2.º? Ou as de cultura e recreio do artigo 9"?
Aliás, as preocupações do projecto ficaram bem patentes no texto que, omisso, quanto a questões organizativas e funcionais, não se esquece de tipificar especificamente a comi posição dos órgãos dirigentes do novel instituto.
Mais um instituto para quê?
Para as superestruturas de controlo de cúpula, onde, por erro ou desejo, se antevêem possíveis espingardas? Ou - fatal engano! - para, de mão beijada, se entregar o seu controlo à entidade de tutela, isto é, na própria versão do artigo 3.º, n.º 1, à presidência do Conselho de Ministros?!

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Muito bem!

O Orador: - Antevemos, neste momento, algum embaraço na bancada do PSD que, hesitante entre obediência e ideologia, não sabe, com certeza, o que fazer com este presente do PCP.
Em Portugal, as associações são delimitadas, no seu âmbito de acção, ao campo da defesa de interesses comuns a prosseguir, de uma forma bem caracterizada. Assim, parece patente que, no actual sistema, o campo de actividade das associações não pode extravasar para qualquer tipo de actividade instrumental de natureza económica, ainda que subsidiária e pré-ordenada à actividade básica e essencial que constitui o objecto da associação.
Este modo de ver não é, porém, unívoco. E, para não ir mais longe, bastar-nos-á citar o exemplo de Franca onde, a par da tradicional associação da lei 1901, já de há muito a doutrina, a prática e o legislador abriram as portas a essa
outra noção que é a «empresa associativa», sem desprimor nem subordinação para o tradicional campo de trabalho das associações-associações.
Sem pretender entrar em mais detalhes, permitamo-nos referenciar um título, entre tantos outros, da circunspecta e notável colecção «Económica», de Sami Castro e Nicote Alix, denominado «A empresa associativa», com o esclarecedor subtítulo «Aspectos jurídicos da intervenção económica das associações».
Um título que é uma antevisão de todo um programa e de um novo modo de pensar o associativismo que, continuando fiel às suas raízes e referências essenciais, não se deixa de interessar pelas novas condições de trabalho solidário num inundo em permanente mutação, claramente marcado por aspectos económicos e de inserção no mercado.
Aliás, na proposta de regulamento, apresentada em Março último pela Comissão das Comunidades Europeias, que institui o estatuto da associação europeia, expressamente se reconhece que «actualmente a quase totalidade das associações e fundações participa plenamente na vida económica, com vista à realização dos seus objectivos, exercendo a título principal ou secundário uma actividade económica permanente contra remuneração».
Aliás, já o legislador fiscal português admite esta noção, no n.º 3 do artigo 10.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, ao referir-se às isenções de que beneficiam as associações legalmente constituídas, para nesse n.º 3 afastar dessas isenções os rendimentos «provenientes de qualquer actividade comercial, industrial ou agrícola exercida». Por quem? Pelas associações- pressupõe-se pela economia do artigo e pela interpretação conjugada dos seus n.ºs 2 e 3 - «ainda que a título acessório, em ligação com essas actividades» - para, de seguida, e na parte final desse mesmo nº 3 do artigo 10.º do Código do IRC, tipificar, através de um «nomeadamente» que, por infelicidade de redacção legislativa se vê quem pretendia atingir - os clubes desportivos e, nomeadamente, os grandes clubes de futebol-, quando é certo que, nos termos legais. acaba por abranger todas as associações, sem excepção, porquanto, como é sabido, não é lícito ao intérprete distinguir onde o legislador não distinguiu, referindo-se aos «direitos respeitantes a qualquer forma de transmissão, bens imóveis, aplicações financeiras e jogo do bingo».
Isto é, o legislador fiscal ao admitir taxar estas actividades admite a sua existência legal e compatibilidade com a noção de associação.
É esta, aliás, a resposta possível às tentativas tutelares que, desde sempre, pretenderam manietar as associações, não lhes permitindo utilizar as legítimas armas de defesa dos seus ideais.
O tempo da «sopa dos pobres» para os cidadãos e para as associações deverá ser posto de parte. O caminhar moderno e solidário exige novos instrumentos e novas formas de actuação.
E não se diga numa leitura miserabilista de antanho que as «verdadeiras», associações são apenas aquelas que, à falta de melhores condições de trabalho, se ficam pela nobre lula pelos ideais e pelas «boas causas», mas, à míngua de meios, sem capacidade para prosseguir os seus objectivos ou sob o espectro da dependência de indesejadas tutelas de institutos redistribuidores dos meios de controlo orçamentais.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Muito bem!

O Orador: - Não vale a pena negar esta realidade primordial: quem dá controla, quem recebe obedece ou, dito melhor, é suposto obedecer.

Página 2217

27 DE MAIO DE 1992 2217

Para contrariar, pela positiva, estas tendências negativas, que têm vindo a restringir o âmbito e a capacidade da actuação associativa, defende o PS uma resposta estruturada e global, que se encontra, neste momento, a preparar, com abertura, objectividade e rigor, a fim de, oportunamente e após audição dos parceiros associativos, apresentar a esta Assembleia.
É imprescindível que, por forma gradual, o apoio directo do Estado seja transferido, através de benefícios fiscais e de outros estímulos selectivos, para o domínio da própria sociedade civil.
As associações não podem permanecer dependentes das «boas vontades» tutelares.
É fundamental uma profunda libertação das relações de domínio directo exercidas através do Estado, retirando-se do poder paradiscricionário do Governo as condições de apoio às associações.
Só assim será possível termos, em Portugal, um movimento associativo verdadeiramente livre e autónomo, com capacidade plena para realizar os seus nobres objectivos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Estão inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados António Filipe, Miguel Macedo e Mário Tomé.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Cunha, creio que a sua intervenção, nomeadamente na parte que se refere ao projecto do PCP, já vai um pouco fora do tempo, na medida em que, em resposta aos Srs. Deputados Caio Roque e José Vera Jardim, tinha acabado de esclarecer alguns aspectos que o Sr. Deputado, há pouco, criticou.
Quando o Sr. Deputado chama de confusionismo aquilo que vem expresso no âmbito de aplicação do nosso projecto de lei, devo dizer que o que V. Ex.ª fez foi um discurso de confusão, pois o âmbito de aplicação do nosso projecto está claramente delimitado num único artigo a isso destinado, que se intitula «âmbito de aplicação», e refere que «a presente lei aplica-se a todas as associações e respectivas estruturas federativas ou de cooperação que tendo obtido personalidade jurídica não tenham por fim o lucro económico dos associados, salvo o disposto no número seguinte» - que são aquelas que tem lei especial.
Portanto, creio que este âmbito de aplicação é perfeitamente claro e bastante abrangente, isto é, podemos dizer que abrange associações que podem não estar hoje constituídas, mas que as pessoas entendam, de hoje para amanha, no exercício da sua liberdade associativa, que é necessário e útil criar, estando automaticamente abrangidas por este diploma legislativo. Portanto, o âmbito de aplicação não tem qualquer confusão.
No entanto, creio que vale a pena esclarecer que VV. Ex.ªs apresentaram um projecto que tinha um âmbito de aplicação idêntico a este. Assim, a dúvida que me assalta é se retiraram o projecto de discussão ou se retiram mesmo a sua apresentação, isto é, se abdicaram do projecto, se o retiraram da Mesa. Isto porque, se o mantêm significa que o PS tem um projecto apresentado na Mesa da Assembleia com que não concordam; se o retiraram significa que o PS faz um projecto num dia e no dia seguinte arrepende-se e retira-o da Mesa.
Percebeu-se claramente que o projecto tinha sido feito expressamente para ser discutido hoje - foi apresentado na quinta-feira passada -, agora, o que não se compreende é que se apresente um projecto num dia para, menos de uma semana passada, vir dizer «afinal de contas, este projecto ou está mal feito ou temos de ver melhor».
VV. Ex.ªs dizem - o que é meritório - que vão ouvir as associações. Nós dizemos que tivemos o cuidado, antes de fazermos o projecto de lei, de ouvir muitas associações e de aferir o conteúdo do que vamos propor com aquilo que as associações pensam e desejam ver concretizado.
Finalmente, creio que o Sr. Deputado se entreteve, na sua intervenção, a desfolhar uma árvore, esquecendo-se que para lá está toda uma floresta.
A grande questão que se coloca nesta discussão é a saber o que é que VV. Ex.ªs entendem quanto à necessidade de criar uma legislação-quadro que, efectivamente, crie um regime completamente diferente do actual, praticamente inexistente, quanto ao apoio às estruturas associativas e às formas associativas assumidas pelos portugueses.
Essa é a grande questão: saber quem está de acordo ou quem está contra que as associações tenham, na administração central, um elemento de apoio e não apenas alguém que, através do IVA e de algo semelhante, sirva apenas para entravar a vida às associações, para os taxar e para criar mais dificuldade à sua actividade, que já de si é difícil.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): -Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Rui Cunha (PS): - No fim. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Cunha, ouvi com atenção a sua exposição, mas devo dizer que me encontro, nesta altura do debate, confrontado com algumas perplexidades, face às críticas que fez - e justamente - ao projecto de lei do PCP.
De facto, ele é maximalista em relação àquilo que devem ser os apoios às associações - e não estamos a falar dos apoios meramente económicos, estamos a falar no rigoroso âmbito em que o Deputado José Vera Jardim, há pouco, colocou a questão -, mas o que o Sr. Deputado Rui Cunha veio aqui fazer foi, passando por cima da questão política de o PS ter retirado o seu projecto para este debate, falar de um estatuto europeu de associativismo - tanto quanto sei, ainda está longe de ver concluído o seu debate e muito mais de estar pronto o seu quadro normativo - e discorrer, e bem, sobre o que deve ser uma futura lei do associativismo.
Ora bem, o que está hoje agendado, aqui na Assembleia da República, é uma lei quadro - eram duas - de apoio ao associativismo, o que são coisas completamente diferentes.
Viemos aqui falar do concreto apoio que o Estado pode dar às associações, em que medida, com que âmbito e para quê. Não estamos a discutir quais são as novas associações que estão a emergir, aliás, é muito verdade aquilo que disse em relação a essas novas associações, e não podemos, neste momento, estar a antecipar um debate, que vamos ter de fazer, indiscutivelmente, mas que não está hoje aqui a fazer-se.
Talvez desta perplexidade resulte o facto de a fragilidade do projecto de lei do PS ter sido tão evidente e tão patente que levou o próprio PS a retirá-lo da discussão.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

Página 2218

2218 I SÉRIE - NÚMERO 68

O Orador: -Em primeiro lugar, o que releva na sua intervenção do meu ponto de vista, é que há que admitir que, no quadro actual das associações vigentes em Portugal, com á miríade de funções e de âmbitos que elas tem e a multiplicidade de exercícios associativos que milhares de pessoas fazem em Portugal, é extraordinariamente difícil definir, numa só lei quadro, aquilo que devem ser os apoios a essas associações.
Em segundo lugar, que devemos salvaguardar o princípio de que, em relação aos apoios às associações, não devemos invadir, o que é uma das virtualidades máximas do associativismo; o carácter voluntarista do trabalho associativo. Portanto, todo o apoio que o Estado possa dar - e pode certamente dar e oxalá possa dar mais -, no futuro, deve parar à porta do carácter eminentemente voluntarista daqueles que prestam trabalho associativo nas múltiplas associações que existem no País.
Em terceiro lugar Sr. Deputado, poderemos estar aqui a correr o risco de, num excesso de paternalismo legislativo da Assembleia da República, estar a criar efeitos perversos através de uma lei que pretende apoiar tudo ao mesmo tempo e que, depois, ao cabo e ao resto, chegámos à conclusão de que ás situações não são exactamente assim e que esses efeitos perversos sobrelevam e são mais valorizados do que aquilo quê, de bom, podemos fazer aqui numa lei sobre essa matéria.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé. (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Cunha, ouvi a sua intervenção e confesso que não tinha tido notícia de que o PS havia retirado o seu projecto de lei, no Entanto, algumas considerações se me colocam.
Aquilo que me preocupa em relação as associações é o facto de existirem muitas. Por exemplo, o Lyon's Clube é uma associação, no seu entender e no meu também, o Rotary Clube também e até o Boavista é uma associação, dentro desse conceito; mas existem outras associações -, só no Casal Ventoso há cerca de 40 - e há ainda associações de outro tipo, como é o caso da SFUAP, de Almada.
Ora, embora V. Ex.ª tenha lançado um entendimento que me parece, à partida e de um ponto de vista ideal, justo, que é o de que as associações têm de desenvolver-se por si e haver apenas um apoio geral a todas elas, menos no estender das mãos e mais na criação de condições muito gerais para o seu desenvolvimento, temos de considerar que as associações, sociedades recreativas, etc., tem uma função especial, principalmente ao nível das regiões mais carecidas e dos bairros mais pobres. É que os seus associados pro: curam aí uma actividade cultural, desportiva e até cívica, que no nosso país não tem, infelizmente, condições de se desenvolver de outra maneira...
Não considera V. Ex.ª que essas associações - no sentido classista ou não devem ter uma atenção especial das entidades da Administração Pública, a fim de poderem satisfazer, de uma forma equilibrada e ajustada, as necessidades reais da, população que se associa, pois querem responder a interesses fundamentais da participação dos cidadãos na cultura; no desporto e na actividade cívica em
geral?

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, se assim o entender; tem a palavra o Sr. Deputado Rui Cunha.

O Sr. Rui Cunha (PS): - Sr. Presidente, antes de mais, quero agradecer aos colegas que me puseram várias questões. Sr. Deputado António Filipe, compreendo a preocupação do PCP e comungo dela, dado que há várias leis avulsas que vieram instituir situações favoráveis para associações em diversos âmbitos de actividade. Efectivamente, o conjunto das associações de cultura e recreio acabam por ser, neste momento, o parente pobre de todo este conjunto, dado quo são aquelas a quem menos têm sido aplicadas condições mais favoráveis. A lei avulsa criou vários estatutos, digamos assim, para associações de defesa do comsumidor, para mutualidades, IPSS, misericórdias, associações de estudantes, e outras, e deixou este conjunto de associações como parentes pobres do sistema.
Portanto, compreendo as vossas preocupações e comungo delas, mas, no entanto, devo dizer-lhe, Sr. Deputado António Filipe, que não pode excepcionar deste diploma as associações desportivas e de juventude, por já terem diplomas próprios, e aplicá-lo às associações de defesa dos consumidores, de defesa do ambiente, etc., que também já têm estatutos próprios. Essa é que é, de facto, a questão!
É evidente que o projecto que o PS tinha entregue, mas que retirou de discussão, tinha um âmbito geral. Não é a filosofia do nosso projecto que tem de ser repensada por nós, pois entendemos que ela está correcta.
Mas é, exactamente, esse emaranhado jurídico que, hoje em dia, envolve toda esta legislação avulsa à volta das associações ou grupo de associações, conforme o âmbito de actuação, que nos leva a repensar, do ponto de, vista jurídico,' o diploma a apresentar - digamos, sem complexos - com mais cuidados de ordem jurídica.
Portanto, quanto à filosofia que está subjacente ao diploma, nada temos a repensar.
O meu colega José Vera Jardim, daqui a pouco, irá, certamente, referir-se a uma questão que se prende com algumas perguntas aqui feitas, inclusivamente pelo Sr. Deputado Mário Tomé, como a obtenção de utilidade pública e do próprio estatuto de utilidade pública, pois é ele que, de facto, pode decidir os fins nobres que as associações estão a prosseguir ou devem prosseguir.
Na nossa concepção, deve-se caminhar, gradualmente, para a transferência dos apoios directos do Estado para os apoios indirectos, através dos tais benefícios fiscais, das tais isenções ou dos tais estímulos selectivos, para que as associações não necessitem de estar de mão estendida, mas quê haja um conjunto de disposições que obriguem qualquer Governo a aplicá-las, sem clientelismos partidários ou sem proteccionismos de ordem partidária.
Portanto, respondendo ao Sr. Deputado Miguel Macedo, direi que não há qualquer fragilidade quanto à filosofia do nosso projecto, por isso não temos que a rever, mas, sim, fragilidade do ponto de vista jurídico, porque, actualmente, o emaranhado é muito grande e, assim sendo, hoje em dia, em Portugal, não é fácil legislar de uma forma global sobre o associativismo.
A questão europeia não está longe, Sr. Deputado! Posso dizer-lhe que, no dia 11 de Março, o Sr. Jean Dondelinger mandou ao Sr. Presidente do Conselho das Comunidades, Ministro João de Deus Pinheiro, exactamente, um projecto, datado de 6 de Março de 1992, em que diz que será durante o mês de Abril que o Conselho, o Parlamento e o Comité Económico e Social vão emitir os seus pareceres. Portanto, não estamos longe, estamos sobre o acontecimento!
O problema é que não podemos deixar que, no território nacional, se instalem associações europeias, porque basta

Página 2219

27 DE MAIO DE 1992 2219

haver uma associação portuguesa - em todos os âmbitos, porque diz aqui no projecto que silo todas as associações consideradas no Código Civil Português do artigo 167.º ao artigo 194.º.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Mas o âmbito é diferente!

O Orador: - A Europa não excepciona qualquer âmbito.
Portanto, como dizia, basta uma associação portuguesa associar-se a qualquer outra associação europeia para se instalar no território português e usufruir de benesses diferentes das associações portuguesas. É isso que nos preocupa, porque não podemos deixar as associações portuguesas a um nível e com um estatuto diferente dessas associações europeias.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Casimiro Tavares.

O Sr. Casimiro Tavares (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O homem é um ser social, não como pura soma de indivíduos, mas como ente que, pela sua essência e anseio final, procura realizar um bem de todos: o bem comum.
Conhecedor perfeito da «exiguidade das suas forças», das suas limitações, o indivíduo tem como propensão natural o constituir-se em sociedade. Rezam os livros sagrados que «mais valem dois juntos que um só, pois tiram vantagem da sua associação. Se um cai o outro sustenta-o...».
É que, como refere João XXIII na Encíclica Pacem in terrix, «da intrínseca sociabilidade dos seres humanos decorre o direito de reunião e de associação...». E, na Malar et Magistra, acentua ainda Sua Santidade a associação como «fruto e expressão de uma tendência natural, quase irreprimível, dos seres humanos: tendência a associarem-se para fins que ultrapassam as capacidades e os meios de que podem dispor os indivíduos em particular...».
Mas esta natural tendência à associação pode ser olhada ora como resultado de forças naturais implementadas pelo determinismo, onde o indivíduo surge como fluxo necessário de circunstancialismos económicos e social-políticos, ora como «joguete de esperanças enganosas e de aparências mentirosas...» - como escrevia alguém.
O certo é que a associação, obra de homens, é, tem de ser, consciente de tal modo que permita ao indivíduo pensar em liberdade, expressar-se com independência, agir com responsabilidade, ainda que tenhamos de reconhecer as limitações aladas pela sua natural fragilidade e pressão do meio ambiente.
Assim nasceram as associações: obra do homem ao serviço do próprio homem, como ser social, sem que, todavia, dissolvam a sua identidade noutro ser distinto, isto é, na sociedade como ente abstracto, global como a via Durkheim, fonte de actuais e profundas desilusões.
Pessoa e sociedade são, originariamente, dois seres distintos. «A sociedade - dizia Pio IX - é um meio natural de que o homem pode e deve servir-se para atingir o seu fim, porque a sociedade é licita para o homem e não o homem para a sociedade.»
A sociedade, temos, pois, de convir, é uma realidade alcandorada acima do indivíduo; por isso mesmo situada para além dele, fruto do seu próprio querer, espelho da sua própria essência - dos seus egoísmos e dos seus altruísmos - e obreira dos seus fins.
Daí que da sociedade civilmente considerada adviessem as associações, que a lei veio a designar como agrupamento de pessoas que visam um interesse comum, mas cujo escopo final não é a obtenção de lucros.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta dimensão defendemos o ideal associativo onde hoje se insere para apreciação o projectos de lei quadro de apoio ao associativismo do Partido Comunista.
Aí se definem princípios constitucionalmente reconhecidos, designadamente o da não discriminação das associações, se delimitam objectivos, se respeita a capacidade negocial das associações e se criam estímulos à actividade associativa com isenções e benefícios fiscais.
O projecto de lei do Partido Comunista oferece-nos, além do mais, dois novos dados que mereceram a nossa atenção: um, respeitante à criação do instituto do associativismo com vista, além do mais, ao apoio à formação de dirigentes, colaboradores e associados; outro, referente à atribuição às assembleias municipais de competência para declarar a utilidade pública municipal das suas associações.
Entendemos estes dados, ainda que relativamente positivos, na medida em que se desconcentram poderes e descentraliza uma acção do Estado num órgão, afinal o mais esclarecido sobre a acção meritória desenvolvida pela associação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Das letras à palavra, das palavras à frase, das frases ao discurso, do discurso às ideias, das ideias à acção, a regra é associar. Associar coisas e homens, mas sem prejuízo da própria identidade do associado; associar com liberdade, com isenção, sem discriminação; associar ao serviço de um bem gerador de felicidade o bem comum, mas onde à doação desinteressada dos homens corresponda uma justa participação do Estado, o que, aliás, o diploma em apreço claramente reflecte e se propõe salvaguardar.

Aplausos do CDS.

O Sr. Previdente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Paula Barros.

A Sr.ª Ana Paula Barros (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Comunista e o Partido Socialista agendaram para a sessão de hoje do Plenário a discussão sobre a lei quadro do associativismo.
Já no decorrer desta sessão, tivemos conhecimento de que, e felizmente, o PS retirou o seu projecto, o que saudamos com base na razoabilidade.
Ambos os partidos apresentaram os projectos de lei que, nos termos regimentais, baixaram à 3.ª Comissão. Coube-nos elaborar os pareceres respectivos que, depois de analisados pela Comissão, foram aprovados, por unanimidade, o do PS, e por maioria o do PCP.
Cabe, pois, e apesar da retirada do projecto do Partido Socialista, trazer a esta Câmara o entendimento e o relatório que fizemos, bem como a posição do PSD sobre esta matéria. E isto porque as semelhanças entre o projecto de lei do Partido Socialista e o do PCP nesta matéria têm em comum apenas a inexistência de um quadro legal que, de forma geral e unitária, previsse o apoio do Estado ao associativismo. As semelhanças entre os dois projectos terminavam aqui. É, pois, por isso, que entendemos dever fazer referência aos dois projectos.
Enquanto o Partido Comunista entende como essencial regulamentar apenas o apoio do Estado às associações com

Página 2220

2220 I SÉRIE - NÚMERO 68

fins não lucrativos no âmbito cultural e sócio-recreativo, para as quais não vigore um regime mais favorável, excluindo do seu âmbito de aplicação, nomeadamente, as associações de estudantes, juvenis e desportivas, o Partido Socialista, subvertendo a definição, da mesma, de associação sem fins lucrativos, pretendia que a lei quadro do associativismo fosse aplicável a todas as associações cujo fim imediato não seja o lucro dos seus associados, introduzindo a ideia peregrina de que o Estado deve apoiar e promover, nomeadamente através da isenção de impostos e da concessão de benefícios financeiros, todas as associações da sociedade civil, ainda que o seu fim último seja a obtenção pura e simples do lucro.
E isto é tanto mais grave e chocante quanto o. próprio diploma, sob a capota da intercooperação, do mutualismo e da entreajuda solidária, permitia que as próprias associações prosseguissem actividades lucrativas, subsidiárias, é claro, participando na criação e gestão, de verdadeiras sociedades comerciais e civis, nacionais e estrangeiras, podendo com elas. celebrar acordos, protocolos, e convénios, tendo como única restrição que desses acordos resultassem benefícios e prestações mútuas.
Por outras palavras, o que o Partido Socialista propôs - e agora à pressa retirou - é que os grupos de cidadãos mais expeditos, que legitimamente se associassem para prosseguir os fins comuns que entendessem, pudessem, só por esse facto e a coberto de uma. vaga noção de entreajuda solidária, eximir-se aos impostos, desde o IVA ao IRC, passando pela isenção da sisa, imposto sobre doações e sucessões,- contribuição autárquica e imposto do selo.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - É verdade!

O Orador: - Mais: o PS entendia ainda que essas associações, pelo elevado e relevante serviço que prestavam à sociedade e ao País, deviam ainda beneficiar de porte pago para as suas publicações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aprovar, tal como foi apresentado, o projecto de lei do Partido Socialista - e o Partido Socialista compreendeu-o a tempo.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Foi por isso que o retirou!

O Orador: -... séria dizer aos portugueses e dentro de poucos meses, a toda a Comunidade Europeia: «não criem empresas, não criem sociedades comerciais, criem associações de cooperação e entreajuda solidária em Portugal, pois podem fazer tudo o que fariam se o fossem, livram-se dos impostos, e o Estado, orientado exclusivamente por critérios de mérito de actuação e nunca, sequer, por um registo administrativo, ainda vos dará uns subsídios para a própria associação».

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Era um escândalo! Iríamos ter milhões de associações de utilidade pública no País!

O Orador: - Isto subverte tudo: todo o regime do Código Civil para as associações e todos os princípios em que assenta o nosso sistema jurídico-privatístico. É inadmissível tamanha confusão técnica, e o Partido Socialista compreendeu-o.
Ao invés, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Partido Comunista não vai tão longe nas suas propostas. No essencial, pretende a criação, na directa dependência da Presidência do Conselho de Ministros; de um instituto do associativismo, dotado de autonomia administrativa e financeira, ao qual competirá apoiar e incentivar aquele associativismo, nomeadamente através da concessão de subsídios, de apoio técnico, apoios para transportes de grupo, assessorias jurídicas, formação de animadores e dirigentes e, bem assim, subsídios para a manutenção e aquisição de instalações.
Só que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que o PCP pretende é que tão vastos apoios, por parte do Estado, sejam atribuídos através de um instituto cuja direcção e gestão não compete ao Estado. Por outras palavras, o PCP propõe que o instituto do associativismo, cuja direcção não cabe a nenhum ministério, nem secretaria de Estado, decida dos critérios e dos montantes dos apoios que o próprio Estado deverá conceder às associações abrangidas por este projecto de diploma.
Por ele, o Estado demitir-se-ia não só de ter uma política para a promoção do associativismo como também, e sobretudo, demitir-se-ia do seu papel fiscalizador da aplicação dos apoios concedidos. E isto para além de isentar as associações submetidas a este diploma do pagamento do IVA pelos serviços prestados e de lhes reembolsar o IVA pago na aquisição dos bens duradouros necessários ao seu funcionamento.
Como se vê, esta solução do PCP para a criação estrutura e competências do instituto, do associativismo é inaceitável do ponto de vista político, mas é-o também do ponto de vista financeiro, pois que o Estado, transformado que fica em mero pagador executante das decisões de um instituto que não gere, não teria nenhum controlo sobre os montantes a serem gastos em apoios às associações.
Os dinheiros públicos não são elásticos e compete ao Estado geri-los em ordem a que se actualizem as normas definidoras dos fins è tarefas do Estado de que é< exemplo o artigo 73.º da Constituição, no qual o PCP fundamenta a sua iniciativa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O diploma do PCP estabelece ainda a possibilidade de as faltas dos indivíduos que exerçam cargos directivos dentro das associações em regime de gratuitidade dadas por causa do trabalho associativo serem consideradas justificadas e, bem assim, que as suas férias possam ser marcadas de acordo com as necessidades do trabalho associativo, desde que tal não seja incompatível com o plano de férias da entidade empregadora.
Ademais, o PCP propõe que as assembleias municipais possam declarar de utilidade pública municipal as associações a quo reconheçam trabalho meritório e às quais seria aplicável isso facto o regime de utilidade pública.
Mais uma vez, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o PCP propõe que uma outra entidade decida dos benefícios a serem prestados e suportados pelo Estado, sem que este possa nisso ler algum controlo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A história provou que o controlo da sociedade civil pelo Estado dava maus resultados. Não caiamos agora no exagero oposto.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O Estado tem responsabilidades de que não pode nem deve demitir-se, nomeadamente na afectação e controlo da aplicação dos dinheiros públicos.
Ao legislar sobre a regulamentação especial de certos tipos de associações, como as associações de defesa do ambiente, do consumidor ou dos estudantes, o legislador entendeu que estas, pelos seus fins específicos, mereciam um tratamento especial e uma promoção e apoio também especiais por parte do Estado e por isso o PCP expressamente

Página 2221

22 DE MAIO DE 1992 2221

retirou do âmbito de aplicação deste diploma as associações de estudantes, desportivas e juvenis, bem como todas aquelas para as quais vigorasse um regime mais favorável.
Só que, e no entanto, o que ressalta deste diploma é que o regime geral de apoio ao associativismo, que o PCP promove, viria a ser muito mais favorável que o regime que vigora para todos os outros tipos especiais de associações. O que significa que, a ser aprovado este projecto de lei, as associações que, no passado, o legislador entendeu merecerem um tratamento especial seriam na verdade prejudicadas, pote que o regime de apoios que agora se propõe é muito mais vasto que aquele que vigora para as associações de fins específicos.
Trata-se, além do mais, de um nonsense, pois que seriam discriminadas negativamente as associações que o legislador entendeu, e bem, dever proteger especial e positivamente.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O PCP também não viu isso!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entendemos que è necessário promover e incentivar o associativismo de índole cultural e de fins não lucrativos, expressão de vitalidade da sociedade civil. Mas, nesta matéria, como nas demais, a nossa actuação deve ser pautada por critérios de razoabilidade, necessidade e aplicabilidade.
É por isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que entendemos que o projecto de lei do Partido Comunista não deve ser aprovado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): -Sr. Presidente, Sr.º Deputada Ana Paula Barras, ficámos a perceber qual é o problema do PSD: a integridade do Estado laranja!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Claro!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Que desfaçatez!

O Orador: - O PSD, que tanto fala das virtudes da sociedade civil, quando se trata de distribuir dinheiros públicos mela-se no bolso a sociedade civil e mande o Governo!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Claro!

O Orador: - O que o PSD prefere é que se mantenha a actual situação em que os membros do Governo andam em vésperas de eleições a distribuir cheques por algumas colectividades de amigos seus. Sem que seja do conhecimento público ...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Isso não é sério!

O Orador: - Tem toda a razão, Sr. Deputado, isso não é sério! Mas, infelizmente, é o que acontece.
E, portanto, o PSD, quando se trata de fazer os interessados participar directamente na definição de critérios claros de atribuição de apoios e participar físcalizadoramente sobre os critérios a que esses apoios devem obedecer, já não acha graça nenhuma à sociedade civil e considera que aí deve ser, de facto, o Estado a mandar. O que o PSD quer é seguir em todos os domínios o princípio que actualmente impera no Fundo de Fomento Desportivo, que funciona como saco azul, onde os dinheiros são distribuídos da forma como o Governo muito bem entende.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - É claro!

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Isso não é verdade!

O Orador: - O Estado tem dinheiro, o Estado controla, o Estado quer, pode e manda!
Termino apenas com uma questão. A Sr.ª Deputada fez, enfim, profissão de fé no apoio ao associativismo, pensa que se deve apoiar o associativismo.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Temos dado provas disso!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Algumas!

O Orador: - Só que não nos explicou como é que tencionam apoiar o associativismo! A primeira vez que aqui aparece uma proposta, que é esta de definição de uma lei quadro de apoio ao associativismo, o PSD liminarmente diz não ...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não presta!

O Orador: - «Não queremos uma lei quadro de apoio ao associativismo» - diz o PSD! Que o PSD pudesse vir dizer assim: «o vosso projecto de lei tem alguns aspectos que consideramos que não são positivos, que estão maí feitos, vamos para a discussão na especialidade, vamos fazer uma boa lei quadro de apoio ao associativismo» estaria certo. Só que não apresenta uma alternativa. Contávamos com a vossa «vitamina C» para fazer uma boa lei quadro de apoio ao associativismo, mas pelos vistos, os Srs. Deputados não a querem dar porque preferem continuar a política do clientelismo, dos cheques avulsos e não estão obviamente interessados num apoio efectivo ao associativismo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - O vosso projecto é um excesso de voluntarismo!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Paula Barros.

A Sr.ª Ana Paula Barros (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado António Filipe, não tenho culpa, bem como o Grupo Parlamentar do PSD, que os diplomas apresentados pelos partidos da oposição tecnicamente estejam mal feitos!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Qual é a alternativa?!

A Oradora: - Ninguém tem culpa que do vosso projecto de lei resulte uma discriminação negativa dos projectos de lei que VV. Ex.ªs aprovaram no passado. E aprovaram-nos por unanimidade!

Vozes do PSD: - Muito bem!

Página 2222

2222 I SÉRIE - NÚMERO 68

A Oradora: - Como aprovaram em 1981 a Lei de Defesa do Consumidor e em 1987 a Lei de Defesa do Ambiente. Sr. Deputado, este vosso diploma está tecnicamente errado, não resolve problema nenhum!

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Porque não se atribuem subsídios por lei.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - É através dos ministros!

A Oradora: - E maior a experiência da estrutura organizativa da nossa Administração Pública, nomeadamente através do Instituto Nacional do Ambiente e do Instituto Nacional de Defesa do Consumidor, bem como do Instituto da Juventude, mostra que há entidades que já deram provas e demonstra que o apoio ao associativismo deve continuar como está.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Para o Sr. Deputado ter uma ideia, já que pelos vistos não tem, só o Instituto Nacional de Defesa: do Consumidor e o Instituto de Defesa do Ambiente, no âmbito das respectivas secretárias de Estado, vão conceder, no ano de 1992, 118 000 contos para apoio às associações de defesa do ambiente e do consumidor. È a verba de apoios directos ao associativismo da parte do Instituto da Juventude é superior a 279 000 contos. V. Ex.ª considera que o Estado controla essas associações?! Não controla!

O Sr. António Filipe (PCP): - Controla os apoios!

A Oradora: - O problema é que V. Ex.ª gostava que o PSD viesse aprovar aquilo que a VV. Ex.ªs convém. Mas o PSD não aprova isso, q PSD aprova aquilo que convém ao País. E ao País não convém que haja dinheiro público a ser mal gasto na gestão de um instituto que o próprio Estado não controla.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferra/de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Castro. Dispõe de dois minutos.

O Sr. Raul Castro (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Naturalmente que em tomo da lei do associativismo não pode deixar de se recordar não só o papel que as associações populares - no sentido que lhe é atribuído no artigo 2.º deste projecto - e - desempenham hoje no nosso país; numa sociedade democrática, como o importante papel que desempenharam antes do 25 de Abril, quando as associações populares eram um dos baluartes de luta contra o fascismo, enfrentando naturalmente todas as dificuldades daí decorrentes.
Curiosamente, e ao contrário de opiniões já 'aqui expendidas, penso que quer o artigo 46.º, n.º 2, da Constituição, quer o artigo 73.º, n.º 3, em vez de serem obstáculos a este projecto de lei, são, pelo contrário; disposições que constituem um estímulo para que ele possa existir. Na realidade, em relação ao artigo 46.º., n.º 2, de que se invoca apenas a não interferência das autoridades públicas na actividade das associações, faltou referir a parte anterior em que
se diz «as associações prosseguem livremente os seus fins sem interferências das autoridades públicas». Portanto, não se trata de não haver interferência mas de salvaguardar a liberdade de actuação das associações. Em relação ao artigo 73.º não há nenhum comentador da Constituição que possa dizer que seja um obstáculo a este projecto de lei. Aliás, a novidade central deste projecto de lei - que é o Instituto do Associativismo representa, além das outras medidas aqui consignadas neste projecto de lei; uma forma nova de intervir no sentido de tomar mais viável o desenvolvimento do associativismo em Portugal. Pelo que não foi sem dificuldade que pude aqui ouvir intervenções, nomeadamente da Sr.ª Deputada Ana Paula Barros, em nome do PSD, manifestando antecipadamente p seu propósito, em nome do seu partido, de votar contra este projecto de lei, sem' na realidade (ern nome de pretensos erros que o projecto continha) ter apresentado qualquer projecto alternativo. E o PSD poderia ter apresentado. Não apresentaram nada, unicamente dizem que vão votar contra, isto é, a ,única iniciativa que se encontrava nesta Câmara em condições de ser aprovada e de baixar à Comissão para discussão na especialidade vai ser inviabilizada pela maioria. E lamento também que o Partido Socialista, por razões que não expendeu (e que não tinha de expender, naturalmente) tenha retirado o seu projecto

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: - Sr. Presidente, foram-me cedidos dois minutos por parte do Grupo Parlamentar de Os Verdes para poder alongar a minha intervenção.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, a Mesa só tem conhecimento de que Os Verdes cederam quatro minutos ao PS. Da cedência de tempo que foi feita a V. Ex.ª não temos informação! E a Mesa já lhe concedeu mais um minuto para além do tempo de que dispunha.

O Orador: - Sr. Presidente, foi-me comunicado pela Sr.ª Deputada Isabel Castro que me cedia dois ou três minutos para poder concluir a minha intervenção.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Se assim é, faça favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Na realidade, pese embora a diferença de critérios fundamentais que existiam entre os dois projectos, a verdade é que havia pontos comuns e até alguns pontos diferentes que seria de toda a vantagem que fossem discutidos na especialidade.
Naturalmente que estamos perante um facto irreversível, isto é, o projecto do PS foi retinido - nem compreendemos bem que a Sr.ª Deputada Ana Paula Barros se tenha referido tanto a ele quando não está sequer em discussão. De qualquer forma, o que pretendo vincar é que se esta iniciativa pudesse contar com o contributo de todas as bancadas, com vista ao eventual aperfeiçoamento de algumas posições, seria, a nosso ver, uma vigorosa iniciativa de intervenção em defesa das associações, tal como são definidas no artigo 2.º deste projecto. Por isso, comunique, mais uma vez, o PSD anuncie previamente que a vai inviabilizar.

Vozes do PCP:- Muito bem!

Página 2223

27 DE MAIO DE 1992 2223

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Raul Castro, não estava inicialmente tentado a fazer este pedido de esclarecimento, mas a insistência de V. Ex.ª, na sua intervenção, sobre a não apresentação do PSD de um qualquer projecto alternativo em relação ao projecto de lei do PCP sobre a lei quadro de apoio ao associativismo, leva-me a colocar-lhe duas questões com uma consideraçâo prévia, que fica aqui expressa. E esta consideração provia é a seguinte: do nosso ponto de vista, não está hoje suficientemente maduro, nem em termos do comum dos dirigentes associativos do País, nem sobretudo quanto ao recorte de uma futura lei a existir sobre esta matéria, qual o normativo que ela deve abranger, qual o tipo de apoio que ela deve especificar e, sobretudo, quais as cautelas que tem de ficar previstas no sentido de evitar as tais perplexidades e em particular os tais efeitos perversos que, aliás, já se conhecem de outras leis aprovadas por unanimidade nesta Casa. Portanto, não contem connosco em relação a esta matéria, para andarmos depressa demais de modo a termos um excesso de voluntarismo, para, ao fim e ao cabo, um ano depois, estarmos todos com a mão no peito a fazer mea culpa e a dizer que errámos ao legislar sobre esta matéria.
Aquilo que posso, em defesa desta tese, abonar nesta Assembleia e para com o Sr. Deputado é aquilo que se passa, por exemplo, relativamente à lei das associações de estudantes, que foi aprovada nesta Casa por unanimidade e que, um ano e meio depois, são os dirigentes associativos das associações de estudantes que vêm às comissões parlamentares dizer: «mudem isto, porque esta lei é irregulamentável, esta lei de facto tem perplexidades, não pode ser aplicada assim, preferimos uma lei mais clara, porventura com menos direitos, mas direitos que sejam absolutamente concretizáveis». Esta é a nossa questão em relação a esta matéria, sobretudo tendo em conta que estamos a mexer numa mundividência muito maior do que é em particular a das associações de estudantes ou a das associações do ambiente, ou outras quaisquer. Este assunto é muito mais complicado, mexe com muito mais gente e estruturas, temos de ter muita cautela em relação a esta matéria.
Esta é a nossa posição política sobre o projecto do PCP, não estamos aqui a dizer que não vamos tomar nenhuma iniciativa sobre este ponto, nem estamos a dizer que vamos, o que estamos a dizer é que é irreflectido e é precipitado avançar como, do nosso ponto de vista, o PCP e o PS avançaram - tendo o PS acabado por retirar o seu projecto de lei -, sem haver um amplo debate sobre esta matéria, sem sobretudo auscultarmos, de forma capaz, os dirigentes associativos do País.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado Raul Castro, tem a palavra para responder. Lembro-me que dispõe de meio minuto.

O Sr. Raul Castro (Indep.): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Macedo, parece que o PSD não apresentou outro projecto porque, em seu entender, o assunto não está maduro! E lembro-me que havia também quem dissesse, antes do 25 de Abril, que o povo português não estava maduro para a democracia!... Portanto, em nome de não estar maduro nunca se faz nada!
O que o Sr. Deputado devia perguntar era o seguinte: «Já ouviram associações?»
Quando o PSD teve conhecimento desta iniciativa, por que é que não aproveitou para apresentar um projecto de lei?
Não há nenhuma razão, não está maduro, é uma coisa perfeitamente vaga - diz V. Ex.ª! Isso é inaceitável, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, em tempo cedido pelo Grupo Parlamentar de Os Verdes, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou fazer, muito brevemente, uma intervenção sobre a postura do PS no que diz respeito a uma lei geral sobre o associativismo e à possibilidade imediata de introduzir no quadro geral legal modificações e beneficiações substanciais. Mas não sem que antes me retira à intervenção do PSD sobre o nosso projecto, que - salvo o devido respeito, que é muito, pela Sr.ª Deputada Ana Paula Barros - se revezou de deselegância e falta de ética parlamentar. De facto, tendo o PS retirado o seu projecto atempadamente da Mesa, não é eticamente correcto que se esteja a criticar do alto da tribuna um projecto que já não está na Mesa desta Assembleia.
Quanto à postura do PS, entendemos, e aqui o reafirmamos, que não se salvaguarda nem se ajuda o associativismo criando estruturas burocráticas adicionais. Por isso, somos contra o projecto de lei do PCP.
Em segundo lugar, pensamos que é preciso, isso sim, simplificar o acesso às associações, por isso apresentámos, há dias, um projecto de simplificação geral e de desburocratização no qual existe um artigo - e certamente os Srs. Deputados não estavam alentos e não repararam-, que deixa de exigir a escritura pública para a constituição de associações. Esta é uma das primeiras medidas que temos de tomar para simplificar, desburocratizar e permitir o acesso das pessoas a estas formas de associação. Aliás, não conheço nenhum país da Europa em que se exija um acto desta natureza, isto é, uma escritura pública, para constituir uma associação.
Em terceiro lugar, pensamos que é preciso acabar com os registos administrativos, esparsos pela vária legislação, e desde logo, com o nefando registo das associações junto dos governos civis, o que, aliás, também consta do nosso projecto de lei. Assim, as associações passarão a estar registadas junto do Ministério Público da comarca onde têm a sua sede.
Em quarto lugar, pensamos que é necessário reformular de alto a baixo o regime geral das chamadas associações de utilidade pública, de utilidade pública administrativa e de utilidade pública municipal ou regional. É aí que está o ponto e que se jogam as questões do acesso, em condições de igualdade, à ajuda por parte do Estado, aos incentivos, aos subsídios e às vantagens em incentivos fiscais.
Na verdade, o regime das associações de utilidade pública, que, hoje em dia, permite a discricionaridade total, está antiquado e não serve. Por outro lado, pensamos que há associações e associações e que nem para toda e qualquer associação, sobretudo quando muitas delas já ganharam um estatuto jurídico de alta relevância dentro do quadro jurídico genérico das associações, podemos usar a mesma medida. Aliás, já aqui dei exemplo de uma e posso dar de outra: uma associação excursionista, é evidente, não merece o mesmo estatuto jurídico de uma associação cultural, de uma associação de consumidores ou de uma associação de defesa do ambiente!

Página 2224

2224 I SÉRIE - NÚMERO 68

Na verdade, não podemos meter tudo no mesmo saco, no mesmo caldeirão! É preciso harmonizar a nomenclatura na legislação portuguesa sobre associações, uma vez que hoje ninguém sabe - e desafio a que alguém me explique - o que são, por exemplo, as associações de utilidade pública administrativa, o que é uma sociedade colectiva uma sociedade de cultura e recreio, o que é um organismo sem finalidade lucrativa, que, hoje, abundam nos vários códigos fiscais.
São estas as vias que queremos abrir e vamos fazê-lo nesta Assembleia, confrontando as várias bancadas com projectos de lei que não tenham apenas boas intenções mas, sim, uma sólida estrutura jurídica ancorada nos princípios constitucionais e do Código Civil.

A Sr.ª Ana Paula Barros (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da consideração e da honra.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ana Paula Barros (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sr. Deputado Vera Jardim, espantou-me V. Ex." ao ter-me acusado de falta de ética, uma vez que aquilo que fiz foi criticar a filosofia-base do projecto de lei do PS, que, aliás, foi reafirmada na intervenção produzida pelo Sr. Deputado Rui Cunha.
Portanto, repito, aquilo que fiz ao mencionar o projecto de lei do PS foi criticar a filosofia-base que, no dizer de V. Ex.ª e do Deputado Rui Cunha, não era o que estava em causa quando o PS retirou o diploma.
Assim, o que pude entender das palavras proferidas pelo Sr. Deputado Rui Cunha, foi que eventuais imperfeições técnicas tinham levado o PS a retirar o projecto de lei e não uma necessidade de rever a filosofia-base do projecto.
Ora, foi exactamente essa filosofia-base que a minha bancada criticou. Por isso convenha, Sr. Deputado, que afectou injustamente a minha consideração.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Ana Paula Barros, tenho uma atitude objectiva nestas matérias e entendo que V. Ex.ª ao referir-se concreta e repetidas vezes a um projecto de lei - e V. Ex.ª agora chama-lhe a filosofia-base do projecto - que foi retirado não está a proceder de acordo com a ética parlamentar.
Assim, um projecto de lei que não está apresentado morreu, é um nado-morto e V. Ex.ª não' pode, do alto da tribuna, criticá-lo. Este é o meu entendimento, embora V. Ex.ª possa ter outro!
De qualquer forma, escuso-me, naturalmente, de dizer-lhe que a muita consideração que tenho por V. Ex.ª nunca me levaria a ofendê-la na sua honra ou consideração. Portanto, repito, limitei-me a fazer uma observação objectiva, pois entendo, até me provarem o contrário, que não se podem criticar projectos de lei que já não existem.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António Filipe (PCP): - É para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. Presidente (Ferraz dê Abreu): - Mas o Sr. Deputado José Vera Jardim não dispõe de tempo para responder-lhe, a não ser que o seu grupo parlamentar lhe ceda algum tempo.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, vou tentar fazer a pergunta num minuto e cederei também um minuto ao PS para que o Sr. Deputado José Vera Jardim possa responder.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sendo assim, tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Deputado José Vem Jardim, registámos com apreço a intenção que o PS manifesta quanto ao apoio as várias formas de associativismo, daí que tenhamos ficado perplexos pelo facto de o PS ler retirado um projecto de lei que nós, publicamente, elogiámos neste debate.
Assim, não compreendemos é como é que o PS, agora, toma uma posição contra a criação de institutos públicos quando se sabe que, ao longo dos últimos anos, e por diversas vezes, preconizou a sua criação. E dou como exemplo o Instituto António Sérgio.
Portanto, não se compreende por que razão é que o PS vem agora, por uma questão de princípio, criticar a proposto de criação do instituto público.
Finalmente, gostaria de dizer que o Sr. Deputado Vera Jardim anunciou aqui a apresentação de vários projectos de lei, isto apesar de hoje acabar de retirar um projecto de lei que apresentou na quinta-feira passada... Sr. Deputado, esperemos que esses projectos de lei que anunciou tenham melhor sorte que este último.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Deputado António Filipe,- o- que referi foi um projecto apresentado há oito dias - e V. Ex.ª não prestou atenção ou passou-lhe despercebido - relativamente ao qual o senhor, como amante do movimento associativo, devia estar felicíssimo, uma vez que nele não se exige, se for aprovado, escritura pública para a constituição de .associações e acaba com o registo das associações junto do governo civil.
Aliás, até me espanta muito que VV. Ex.ªs tenham apresentado um projecto de lei sobre o associativismo e lhes tenha escapado estes dois pormenores, sobretudo o último, isto é, que mantenham o registo das associações junto dos governos civis.
Por outro lado, já explicámos várias vezes que partilhamos das vossas intenções e preocupações, só que não achamos que o melhor meio de o conseguir seja o meio jurídico, que não julgamos adequado, pois o associativismo é hoje algo de muito amplo é diversificado. Assim, cada segmento do associativismo merece tratamento específico, pois ele não é todo idêntico - aliás, já demos vários exemplos disso e não vamos entrar mais nesse debate.
Conheça V. Ex.ª o nosso projecto, que foi apresentado há dias na Assembleia, e temos a certeza de que vamos ler o

Página 2225

27 DE MAIO DE 1992 2225

vosso apoio assim como o leremos para projectos que estamos a preparar sobre esta matéria. Mas trata-se de projectos que não consideram no mesmo caldeirão o associativismo, porque isso é, a nosso ver, incorrecto.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta intervenção não tinha por objectivo tocar em questões que aqui foram debatidas. No entanto, dada a vivacidade do debate e algumas das declarações feitas - que por vezes me suscitaram algum sorriso-, não resisto à tentação de pronunciar-me sobre algumas dessas questões.
Em primeiro lugar, ficámos a saber que o PSD, através da voz da Sr.ª Deputada Ana Paula Barros, considera que entidades como representantes das associações, da federação portuguesa das colectividades de cultura e recreio, da associação nacional de municípios portugueses e da associação nacional das freguesias - que são entidades que propomos para a direcção do instituto - dariam origem ou permitiriam que o dinheiro fosse mal gasto. Registámos essa afirmação!
Em segundo lugar, creio ser de destacar da intervenção do PSD que não é tecnicamente que o projecto está errado.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, peco-lhes que mantenham o silêncio na Sala.

A Oradora: - Sim, Sr. Presidente, era melhor puxar do Guia das Assembleias Gerais do Roque Laia para que os Srs. Deputados aprendessem com as colectividades como se devem comportar numa assembleia.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr.ª Deputada, deixe esses comentários para a Mesa.
Srs. Deputados, peco-lhes que terminem com o rumor que não permite que a Sr.ª Deputada seja ouvida.

A Oradora: - Sr. Presidente, peço desculpa, mas não resisti à tentação de mencionar aqui o Guia das Assembleias Gerais.
Em segundo lugar, dizia eu, ficámos a saber que o PSD considera que o projecto de lei do PCP não serve ao PSD, e é claro que vem com a tradicional balela e história do «menos Estado, melhor Estado», afirmando que o projecto de lei pretende o controlo da sociedade civil pelo Estado. Ora, nós já sabemos a que é que isso leva!
De facto, isto é logo contrariado com a crítica que o PSD faz ao projecto de lei do PCP quando diz que apenas neste instituto e na direcção estaria um representante do Estado. Portanto muito pouco, pois o Governo do PSD queria mais!
De facto, o que o PSD pretende é que não haja lei de apoio ao associativismo e que os ministros possam distribuir dinheiro a quem lhes agrade, como entenderem na altura das eleições ou em momentos pré-eleitorais. E é bom que isso se diga! É que há, por parte do PSD, uma tentativa de controlar as associações e de anular movimentos associativos, porque não lembra a ninguém impor a grupos de teatro de amadores que tenham livros de IVA para apresentarem e mostrarem que a sua actividade está legal e correcta!... Só quem não tem prática alguma do movimento associativo é que pode fazer propostas como as de, por exemplo, agravamento das taxas do IVA e criação de taxas de IVA para o movimento associativo.
Por outro lado, falou-se também muito num termo usado no preâmbulo do projecto de lei do PCP: associações populares. Ora, escusado será explicar aos Srs. Deputados que o que está no preâmbulo dos projectos pode ter um cariz literário mas não é, efectivamente, o normativo. Portanto, falar aqui em termos do preâmbulo não tem razão de ser.
Também foi aqui perguntado ao meu camarada António Filipe o que era isso de colectividades de cultura e recreio. Bom, gostaria de lembrar que o artigo 73.º da Constituição da República fala precisamente nisso, ou seja, em colectividades de cultura e recreio - aliás, já estou receando que haja um movimento para uma revisão constitucional com o objectivo de rever o artigo 73.º da Constituição e tirar de lá a expressão «colectividades de cultura e recreio» que parece não querer dizer nada, mas quer, pois tem atrás de si todo um movimento de luta anterior ao 25 de Abril. Portanto, é uma expressão com conteúdo, que está consagrada na Constituição e tem essa dignidade.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Relativamente a outra crítica que foi feita de que o PCP pretendia num órgão de cúpula, superestrutura, contar espingardas, deve aqui dizer-se e prestar-se homenagem ao movimento associativo que nunca serviu para ser partidarizado e sempre englobou os esforços de pessoas dos mais variados quadrantes políticos que aí estavam unidos em defesa da cultura popular e também na luta contra o fascismo.
Mas, Sr. Presidente, Srs. Deputados, depois destas considerações que roubaram alguma parte à minha intervenção, gostaria de dizer que pretendo destacar a importância do movimento associativo, importância essa que data já do século XX, logo após a Revolução Industrial, quando surgiram formas de associativismo que pretenderam defender as classes mais desfavorecidas, que aglutinaram operários e que pretenderam defendo-os contra a desenfreada exploração capitalista. Surgiu assim o mutualismo, depois o cooperativismo e mesmo as associações de cultura e recreio, não obstante os operários terem pouco tempo livre, pois os horários de trabalho eram de 12 a 16 horas diárias.
Na verdade, o movimento associativo leve um papel de destaque na luta contra o fascismo e, apesar de rigorosamente vigiado, sujeito a homologação governamental das direcções eleitas, sofrendo várias vezes invasões da polícia política, lutou e congregou a resistência de muitos democratas, foi alfobre de valores culturais e proporcionou a muitos o assenso à libertação pela cultura. Aliás, inúmeras colectividades do nosso país testemunham o inestimável contributo do movimento associativo, expressão de solidariedade humana em luta contra o figurino egoísta do homem.
Bibliotecas, diplomas escolares conseguidos nas aulas da colectividade, medalhas de mérito desportivo obtidas através da secção de desporto da associação popular, instrução musical obtida na filarmónica, uma carreira de teatro nascida no grupo de teatro amador, tudo isto, e ainda o muito que fica por dizer, traduz a importância do movimento associativo na satisfação de necessidades culturais de um povo que se queria remetido ao analfabetismo e à ignorância.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - A resistência ao fascismo conheceu, de facto, momentos altos na vida associativa.

Página 2226

2226 I SÉRIE - NÚMERO 68

As Heróicas de Lopes Graça e de Carlos de Oliveira estimulando a luta - «Vozes ao alto, acordai homens que dormis» - popularizaram-se nas colectividades de cultura e de recreio, nos fogos de campo organizados pelo movimento campista, onde também ecoaram Adriano Correia de Oliveira e Carlos de Oliveira - «Não há machado que corte a raiz ao pensamento» - José Afonso e Os Vampiros cantados em surdina.
O movimento associativo traz-nos também a figura ímpar de Bento de Jesus Caraça, homem do futuro, privado do futuro, legando ao povo o seu projecto de universidade popular e a figura de escritores, como Romeu Correia, que ao povo dão as linhas quê escrevem.
O movimento associativo traz-nos um teatro amador afrontando as censuras, desafiando o regime, como Esopo na Raposa e as Uvas de Guilherme Figueiredo desafiava o poder: «Bebe o mar Xantós, eu sou livre.»
E as bandas filarmónicas, aquelas que Manuel da Fonseca canta no seu belíssimo e simbólico poema Mataram a Tuna. As bandas que povoaram os domingos antigos do bibe e pião com a Marcha Altnadanin e o dirigente associativo - qual Zé Jacinto - dirigindo a Tuna, povoando a vila, enchendo as casas de sons de viola e de bandolins.
Quem teria dado às Marianitas, aos Zé Jacintos da Tuna, a educação musical se não fora a sociedade filarmónica?
Houve momentos de desânimo. Que na luta há sempre um tempo de quebranto para despertar de novo.
O movimento cineclubista onde víramos O Ladrão de Bicicletas, O Milagre de Milão, Roma, Cidade Aberta foi praticamente aniquilado pelo fascismo. As bandas sofreram colapsos, vítimas do desalento daqueles que viam retalhar os sonhos na peça de fazenda que desenrolavam no balcão do comércio.
Mas foi sempre possível recriar o que Manuel da Fonseca chamou de domingos amarelos, verdes, azuis, encarnados, os domingos de luta dos Verdes Anos de Carlos Paredes, cie também profundamente empenhado no movimento associativo resistente. Dizia Manuel da Fonseca: «Despertemos e vamos!»
E uma outra forma de associativismo, incipiente no século XX, o sindicalismo, superava em pleno regime fascista a repressão e garantia na clandestinidade do fascismo a força e a unidade dos trabalhadores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: a imposição de um modelo desumanizado de sociedade, caracterizado pelo combate às ideologias, pelo menosprezo da cultura, pela prepotência de uma caixinha - a televisão - que, depois de revolucionar o mundo, foi instrumentalizada para empobrecer o convívio social, familiar e o debate de ideias, a imposição de um pobre modelo de um admirável mundo novo, caracterizado pela tentativa de alienar, a juventude, trouxe outros momentos difíceis ao associativismo.
Mas o desencanto e as frustrações com um modelo de que somos as vítimas e no qual pretendem que estas mesmas vítimas assumam o papel de vitimadores, faz renascer a importância do movimento .associativo, consagrado na Constituição da República.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - A participação na vida de uma associação,- sendo um acto de recusa ao egoísmo, é um gesto próprio de um homem culto. «É a forma de fazer do aperfeiçoamento do homem a preocupação máxima e fim último de vida», como dizia Bento de Jesus Caraça.
O associativismo é uma acção de participação, de criatividade, de libertação; de libertação das pragas que se abatem sobre a nossa sociedade neste final de século, nomeadamente sobre os jovens.
Não há desculpas para as dificuldades que se criam ao associativismo. O associativismo está maduro e nem esse argumento é desculpa. Não há desculpas para enfraquecer a seiva da democracia!

Aplausos do PCP e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, como não há mais pedidos de palavra, declaro encerrado o debate.
Em seguida, vamos proceder as votações agendadas para hoje. No entanto, como ainda faltam alguns minutos para a hora regimental, iremos apenas fazer uma pequena pausa para que os Srs. Deputados que se encontram reunidos nas comissões se possam deslocar ao Plenário.

Pausa.

Srs. Deputados, como o debate relativo ao projecto de lei n.º 18/VI agendado para hoje terminou antes da hora regimental das votações, iremos também submetê-lo à votação na generalidade.
Aproveito para informar a Câmara que amanhã a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares lerá lugar pelas 15 horas e 30 minutos e pelas 17 horas e 30 minutos.

Pausa.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, como hão tenho acesso à Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares nem posso intervir no período de antes da ordem do dia nem me assiste a faculdade de, nos lermos regimentais, marcar um debate, solicito a V. Ex.ª que faça com que seja divulgado o pedido que entreguei na Mesa para que a Assembleia tome uma posição em relação à falta de cobertura, pelos meios de comunicação social, do debate tão importante que aqui teve lugar na sexta-feira passada.

Pausa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Assim se fará, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, vamos proceder às votações.
Em primeiro lugar, vamos votar o projecto de resolução n.º 16/VI - Medidas de defesa das crianças em risco (PS).

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carias Coelho (PSD): - Sr. Presidente, quero confirmar se vai pôr à votação o segundo texto apresentado pelo

Página 2227

27 DE MAIO DE 1992 2227

PS, uma vez que havia um texto original que foi substituído, na sequência do debate travado em Plenário.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - É o segundo texto, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, vamos então votar o diploma atrás identificado.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

A Sr.ª Julieta Sampaio (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Julieta Sampaio (PS): - Sr. Presidente, quero informar a Mesa de que vou entregar uma declaração de voto por escrito.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Fica registado, Sr.ª Deputada.
Srs. Deputados, vamos agora votar o projecto de resolução n.º 18/VI -Medidas de combate à seca (PCP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro e abstenções do CDS e do PSN.

Srs. Deputados, vamos agora votar o inquérito parlamentar n. º 2/VI - Destinado a apreciar os actos do Governo no domínio da política cultural e em especial as medidas tomadas no âmbito da reestruturação dos organismos dependentes da Secretaria de Estado da Cultura (PCP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do CDS e do PSN e votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação do projecto de resolução n.º 25/VI - Criação de uma comissão eventual para a revisão da Constituição (PSN).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro e votos a favor do CDS e do PSN.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, na sexta-feira passada, aquando da discussão do nosso projecto de resolução, deixámos uma interrogação à Mesa, sobre se entendia se seria ou não aplicável por analogia, neste processo de votação de uma resolução com vista à assunção pela Assembleia da República de poderes de revisão constitucional, o disposto no n.º 2 do artigo 130,º do Regimento, que proíbe a renovação de projectos e de propostas de lei definitivamente rejeitados numa mesma sessão legislativa.
Aguardo que, agora, a Mesa possa responder à pergunta que colocámos na sexta-feira passada.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, temos a informação de que a apreciação dessa questão foi remetida para a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares e, naturalmente, será debatida amanhã.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Talvez seja tarde, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, vamos votar de seguida o projecto de resolução n.º 26/VI - Assunção de poderes de revisão constitucional pela Assembleia da República (CDS).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro e votos a favor do CDS e do PSN.

O Sr. Guilherme Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, é para comunicar que, relativamente a esta votação, vou proceder à entrega na Mesa de uma declaração de voto por escrito.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Fica registado, Sr. Deputado.
Vamos agora votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 18/VI - Lei quadro de apoio ao associativismo (PCP).

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro e abstenções do PS, do CDS e do PSN.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, é para informar que iremos apresentar na Mesa uma declaração de voto a propósito desta votação.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Com certeza, Sr. Deputado.

Srs. Deputados, a próxima reunião plenária realizar-se-á na quinta-feira, pelas 15 horas.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 40 minutos.

Declaração de voto enviada à Mesa, para publicação, relativa à votação do projecto de resolução n.º 16/VI.

A Assembleia da República, ao aprovar, por unanimidade, o projecto de resolução n.º 16/VI, reconhece a necessidade de se criar urgentemente medidas de defesa de muitas crianças portuguesas, que são vítimas de maus tratos, quer pela família, quer por outras entidades que as tem à sua guarda.

Página 2228

2228 I SÉRIE - NÚMERO 68

Ao votar favoravelmente este projecto de resolução, a Assembleia da República assume a responsabilidade de se proceder a uma análise rigorosa das situações de abandono e violência a que. estão, votadas muitas das crianças em Portugal.
Defender os direitos das crianças, é, para além de cumprir a Convenção sobre os Direitos da Criança, que Portugal ratificou, uma defesa do nosso futuro.

A Deputada do PS, Julieta Sampaio.

Declaração de voto enviada à Mesa, para publicação, relativa à votação do projecto de resolução n.º 26/VI

Votei contra as propostas de resolução do CDS e do PSN não por motivos formais ou por aversão à figura do referendo. O referendo constitui um bom auxiliar da democracia representativa, que deve ser utilizado em questões de interesse nacional - como instrumento de clarificação e como factor de legitimidade. A questão europeia é indubitavelmente algo que merece a consulta popular - no quadro da actual lei fundamental, na medida em que puder ser prévia 'a negociações ou a compromissos assumidos na ordem externa.
Em Maastricht não se institucionalizou uma União Política Europeia. A partilha de soberanias que aí se consagrou ou resulta já dos tratados em vigor e do Acto Único Europeu ou, no que toca à moeda única, foi adoptada a prazo, para depois de 1997 ou 1999. Essa dilação é feita, porém, para depois do momento previsto(1996) para uma nova revisão dos tratados - essa, sim, inevitavelmente política. É, pois, esse passo a ter de ser devidamente preparado - e os cidadãos devidamente associados e informados quanto á essa decisão. Há, pois, que preparar devidamente- esse momento decisivo. Um referendo agora, não dispensaria esse outro debate e essa opção decisiva - basicamente política.
Como europeísta cioso da autonomia e da identidade nacionais e da protecção dos direitos cívicos e da dignidade das pessoas não posso deixar de manifestar preocupações neste momento da construção europeia. A democracia no seio da Comunidade não esta garantida. Os poderes dos órgãos de soberania dos Estados-membros ainda não se adaptaram às exigências de controlo e acompanhamento das instituições comunitárias. Não há ainda na União Europeia um sistema de freios e contrapesos, não há divisão de poderes, não há responsabilização política efectiva da Comissão perante o Parlamento, não há articulação entre as legitimidades emanadas dos cidadãos e dos Estados nações, não há consagração efectiva do princípio da subsidariedade. Isto tem de ser dito, claramente, já que a construção europeia tem de compatibilizar a democracia, a união de direito, a autodeterminação, o autogoverno e a descentralização com a nacionalidade económica, a justiça social e a igualdade de oportunidades.
O problema que se põe não é de dizer apenas sim ou não à União Europeia, ò. moeda única numa fase em que pouco se sabe o que virá a ser a União Politica, mas sim de nos prepararmos devidamente para essa decisão - associando os cidadãos conscientemente a ela, e não chamando-os à pressa para legitimarem algo que pouco ainda conhecem.
Daí a necessidade do debate europeu - que não pode basear-se na mera opção entre Europa uniformizada e centralista e Estado nação lugar de idílio ou entre Europa do bem-estar e do progresso e Estado, nação figura do passado. Essa escolha é falsa! Contra esse europeísmo e esse nacionalismo me declaro. O que temos de criar é uma Europa aberta baseada nas diferenças e1 na necessidade de uma vontade comum, pluralista e democrática. Por isso a subsidiariedade tem de partir das pessoas e não só dos Estados. Por isso a autonomia tem de se basear nos cidadãos, nos povos e nas culturas - em suma, na lógica da sociedade aberta e de uma democracia que tenha a ver com a responsabilidade cívica. O meu federalismo passa por aí.
Voto, pois, contra, mas considero importante a iniciativa e necessário que os cidadãos sejam associados a decisão futura de entrada na União Política. Voto contra, mas considero que o debate europeu tem de se iniciar claramente.

O Deputado do PS, Guilherme Oliveira Martins.

Declaração de voto enviada à Mesa, para publicação, relativa à votação do projecto de lei n.º 18/VI

O projecto de lei apresentado pelo PCP, embora dotado das melhores intenções em relação ao movimento associativo, é um projecto cujo objecto preciso não se descortina.
Fala-se em associar populares, em colectividades de cultura e recreio, em associações, para terminar pretendendo legislar sobre o conjunto do movimento associativo.
Este é hoje de grande complexidade, indo desde as associações de mulheres, de jovens, de consumidores, de defesa do ambiente, de solidariedade social até ,às associações culturais, de recreio e mesmo às associações sindicais e partidos políticos.
Não é pois fácil, e julga-se mesmo não ser viável, legislar hoje sobre todas as associações; muitas delas ganharam estatuto social e jurídico próprio, consubstanciado em legislação avulsa sectorial.
Importante poderia ser a criação de um regime jurídico de apoio a associações que, constituindo dado importantíssimo da vida e pujança da sociedade portuguesa, não possuem ainda, um claro estatuto jurídico, designadamente de benefícios fiscais e incentivos do Estado.
Haverá, assim, que rever o já antiquado regime de associações de utilidade pública em termos de maior transparência da atribuição de tal qualitativo, de salvaguarda do princípio da igualdade de acesso aos incentivos.
Não é isso que conta do projecto em análise.
Pelo contrário, pretende-se criar um «instituto de associativismo» (mais um!...) a funcionar no âmbito da Presidência do Conselho de Ministros que supervisionaria todos os apoios a todas as associações.
É desconhecer por completo a riqueza e complexidade de todo o movimento associativo; que logo a seguir (artigo 5.º) se reduz às «colectividades de cultura e recreio», como as únicas que teriam um representante na direcção do instituto (e as dos jovens, e as das mulheres, e as dos consumidores, e as de solidariedade social?).
Cria-se mais um registo de associação (mais um) como condição da concessão de apoios e manifestam-se nos artigos seguintes uma série de «boas intenções», para de concreto apenas conceder a algumas associações os benefícios dos artigos 18.º e 20.º
Finalmente, cria-se mais um regime de publicações de faltas no artigo 21.º em termos tilo vagos, que se acabam por remeter para um decreto-lei (n.º 3 do artigo 21.º).
Não é assim que se apoia o associativismo. Assim faz-se demagogia com o associativismo. O PS, reafirmando o seu desejo, de maior transparência e igualdade de acesso aos incentivos e benefícios a conceder a muitas associações, não

Página 2229

17 DE MAIO DE 1992 2229

apoia projectos confusionistas e burocratizantes que no fundo estão, à partida, condenados ao malogro mais completo.
O PS apresentou já um projecto que desformaliza o acto de constituição das associações e cria um registo junto do Ministério Público em substituição do absoluto registo junto dos governos civis e apresentará em curto prazo projectos viáveis que constituam quadro jurídico adequado à defesa e promoção do associativismo.
Por todas as razões o PS absteve-se em relação ao projecto do PCP.

Os Deputados do PS: Vera Jardim - Rui Cunha.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adriano da Silva Pinto.
Álvaro José Martins Viegas.
António José da Mota Veiga.
António Maria Pereira.
Aristides Alves Teixeira.
Arménio dos Santos.
Carlos Almeida Figueiredo.
Carlos Duarte Oliveira.
Carlos Lélis.
Carlos Oliveira da Silva.
Fernando Cardoso Ferreira.
João Carlos Duarte.
João de Oliveira Martins.
João Granja da Fonseca.
José Angelo Correia.
José Bernardo Falcão Cunha.
José Borregana Meireles.
José Pereira Lopes.
Luís António Martins.
Luis Carlos David Nobre.
Manuel Baptista Cardoso.
Maria Fernanda Dias Cardoso.
Olinto da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Vítor Manuel Igreja Raposo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons de Carvalho.
Carlos Manuel Costa Candal.
José Manuel Magalhães.
José Rebelo dos Reis Lamego.

José Rodrigues dos Penedos.

Luís Filipe Madeira.
Rogério Conceição Martins.

Partido Comunista Português (PCP):

Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
José Luís Nogueira de Brito.
Manuel Rodrigues Queiró.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António da Silva Bacelar.
António Santos Pires Afonso.
Cipriano Rodrigues Martins.
Fernando Marques de Andrade.
Fernando Monteiro do Amaral.
Guilherme Rodrigues Silva.
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Macário Correia.
José Mário Lemos Damião.
Leonardo Ribeiro de Almeida.
Maria Luísa Ferreira.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.

Partido Socialista (PS):

Alberto de Oliveira e Silva.
Ana Maria Bettencourt.
Eurico José de Figueiredo.
Fernando Manuel Costa.
Helena Torres Marques.
Joel Eduardo Hasse Ferreira.
José Gameiro dos Santos.
José Manuel Lello Almeida.

Partido Comunista Português (PCP):

Lino Marques de Carvalho.
Vítor Manuel Ranita.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.

Página 2230

Diário
Da Assembleia da República

Depósito legal n.º 8818/85

NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

AVISO

Por ordem superior e para constar, comunica-se que não serão aceites quaisquer originais destinados ao Diário da República desde que não tragam aposta a competente ordem de publicação, assinada e autenticada com selo branco.

PORTE PAGO.

1 - Preço de página para venda avulso, 6$ + IVA; o preço por linha de anúncio, 178S + IVA.

2 - Para os novos assinantes do Diário da Assembleia da República, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa.

3 - Os prazos de reclamação de faltas do Diário da República para o continente e regiões autónomas e estrangeiro são, respectivamente, de 30 e 90 dias à data da sua publicação.

PREÇO DESTE NÚMERO 202$00 (IVA INCLUÍDO 5%)

Toda a correspondência, quer oficial, quer relativa a anúncios e assinaturas do «Diário da República» e do «Diário da Assembleia da Republica» deve ser dirigida à administração da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, E.P. - Rua de D. Francisco Manuel de Melo, 5 - 1092 Lisboa Codex.

Páginas Relacionadas
Página 2219:
27 DE MAIO DE 1992 2219 haver uma associação portuguesa - em todos os âmbitos, porque diz a

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×