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Quarta-feira, 28 de Outubro de 1992
I Série - Número 6
DIÁRIO
da Assembleia da República
VI LEGISLATURA
2.ªSESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 27 DE OUTUBRO DE 1992
Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque.
José Mário Lemos Damião.
José de Almeida Cesário.
SUMARIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa de vários diplomas, de requerimento e da resposta a alguns outros.
Foi aprovada o voto n.º 35/VI-De pesar pela morte do Prof. Adelino da Palma Carlos (PS), tendo a Câmara guardado um minuto de silêncio em sua memória. Produziram intervenções, além da Sr. Presidente, os Srs. Deputadas Raúl Rêgo (PS), Fernando Amaral (PSD), Manuel Sérgio (PSN), Narana Coissoró (CDS), Jerónimo de Sousa (PCP), André Martins (Os Verdes) e Mário Tomé (Indep.).
Em declaração política, o Sr. Deputado João Amaral (PCP) condenou posições assumidas pelo Governo e pelo PS relativamente ao processo de notificação do Tratado de Maastricht. Na final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Rui Carp (PSD) e Alberto Costa (PS).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Alberto Costa (PS) criticou o Governo por medidas que visam limitar a fiscalização exercida pelo Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas, Procuradoria-Geral da República e Provedor de Justiça a actos da Administração. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos
Srs. Deputados Guilherme Silva, Rui Carp e Silva Marques (PSD), a quem também deu explicações.
A Sr.ª Deputada 15ilda Martins (PSD) enalteceu a importância da Via do Infante no Algarve.
Foi aprovado o voto n.º 34/VI-De congratulação pelo Dia das Nações Unidas, subscrita por Deputados do CDS, do PSD, do PS e de Os Verdes, tendo ainda merecido aprovação um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre substituição de um Deputado do PCP.
Ordem do dia. - Foram rejeitados os projectos de lei n.ºs 167/VI- Introduz alterações ao regime geral da segurança, higiene e saúde no trabalho (PCP) e 169/VI-Procede à revisão parcial do regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais (PCP). Intervieram no debate, a diverso título, os Srs. Deputados Odete Santos (PCP), Mário Tomé (Indep.), Rui Salvada (PSD), Jerónimo de Sousa (PCP) e Elisa Damião e José Eduardo Reis (PS).
Foi aprovada, na especialidade e em votação final global, a proposta de lei n.º 21/VI - Autoriza n Governo a legislar em matéria de actividades paramédicas.
A Sr.ª- Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 30 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 25 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Abílio Sousa e Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Ana Paula Matos Barros.
Anabela Honório Matias.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Bernardino Gata Silva.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Léus da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Domingos José Soares d'Almeida Lima.
Duarte Rogério Mate Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Elói Franklin Fernandes Ribeiro.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
15ilda Maria Renda Periquito Pires Martins.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Carlos Teixeira Baltazar Gomes.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos.
João Manuel dos Santos Henriques.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vitela de Araújo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Reis Leite.
José Leite Machado.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Costa.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira Mourão.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Maria Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Domingos de Sousa e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
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Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Manuel Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
António Ribeiro Marques da Silva.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Edite de Fátima dos Santos Marreiros Estrela.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Meneses Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Eduardo Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Paulo Martins Casaca.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
Apolónia Maria Alberto Pereira Teixeira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
José Fernando Araújo Calçada.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Centro Democrático Social (CDS):
João Carlos da Silva Pinho.
Manuel Tomas Cortez Rodrigues Queiró.
Narana Sinai Coissoró.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
André Valente Martins.
15abel Maria de Almeida e Castro.
Partido da Solidariedade Nacional (PSN):
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.
Deputados independentes:
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Mário António Baptista Tomé.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e da resposta a outros que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projectos de lei n.ºs 217/VI - Controlo de riqueza dos titulares de cargos políticos e 218/VI - Estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos, ambos da iniciativa do CDS, que baixaram à 3ª Comissão; ratificações n.ºs 39/VI - Decreto-Lei n.º 184/92, de 22 de Agosto, que reestrutura o Secretariado Nacional de Reabilitação, e 40/VI - Decreto-Lei n.º 188/92, de 27 de Agosto, que extingue o Instituto Nacional de Investigação Cientifica, ambas apresentadas pelo PCP.
Nas últimas reuniões plenárias foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos: ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados Jorge Paulo Cunha, Apolónia Teixeira, Melchior Moreira e Eurico Figueiredo; ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Sérgio; ao Ministério da Indústria e Energia, formulados pelo, Srs. Deputados Macário Correia e Luís Filipe Madeira; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulados pelo Sr. Deputado Caio Roque; ao Ministério da Administração Interna, formulados pelos Srs. Deputados Fialho Anastácio, Adérito Campos e 15abel Castro; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados João Granja, Macário Correia e Rui Cunha; ao Gabinete do Secretário de Estado da Reforma Administrativa, formulado pela Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira; ao Ministério do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelo Sr. Deputado Luís Sá; ao Gabinete do Secretario de Estado da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Pereira Marques; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados João Granja, Luís Sá e Fialho Anastácio; ao Ministério do Mar, formulado pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulado pelo Sr. Deputado João Rui de Almeida, e ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Melchior Moreira.
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Entretanto, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Luís Sá, na sessão de 12 de Fevereiro; Luís Peixoto, na sessão de 2 de Abril; Vítor Ranita, na sessão de 10 de Abril; Elisa Damião, nas sessões de 28 de Abril e 7 de Julho; Fialho Anastácio, na sessão de 7 de Maio; João Amaral, na sessão de 2 de Junho; Casimiro de Almeida, na sessão de 30 de Junho; Leite Machado, na sessão de 2 de Julho; Oliveira Martins, na sessão de 8 de Julho; Joel Hasse Ferreira, na sessão de 9 de Julho; Manuel Sérgio, na sessão de 9 de Julho; Lino de Carvalho, na sessão de 14 de Julho; Cerqueira de Oliveira, Mário Tomé e Eurico Figueiredo, na sessão de 16 de Julho; Lourdes Hespanhol, na sessão de 17 de Julho; Ema Paulista, na sessão de 22 de Julho; Rui Ávila, na sessão de 31 de Julho; João Maçãs, na sessão de 22 de Julho; José Apolinário, no dia 4 de Agosto, e, finalmente, Luís Sá e Macário Correia, na Comissão Permanente do dia 10 de Setembro.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como é do conhecimento público, faleceu ontem o Prof. Adelino da Palma Carlos, tendo-se realizado hoje as exéquias fúnebres.
Em meu nome pessoal e em representação da Assembleia da República, desloquei-me hoje à sede da Ordem dos Advogados, onde o corpo esteve depositado, a fim de manifestar à família do insigne português o quanto ele era apreciado neste órgão de soberania.
Advogado brilhante, professor universitário de excepção, democrata exemplar ao longo de toda a sua vida, Primeiro-Ministro de Portugal no I Governo Provisório constituído após o 25 de Abril, Adelino da Palma Carlos merece, a todos os títulos, o nosso preito de uma homenagem pública e solene, pelo que proponho à Câmara que, depois de discutirmos e aprovarmos o voto de pesar que deu entrada na Mesa, honre a memória deste ilustre cidadão guardando, recolhida, um minuto de silêncio.
O Sr. Secretário vai proceder à leitura do voto de pesar, apresentado pelo PS.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o voto n º 35/VI, de pesar pela morte do Prof. Adelino da Palma Carlos, é do seguinte teor.
Morreu Adelino da Palma Carlos. Parte do nosso convívio um dos mais brilhantes advogados de sempre do foro português; um notabilíssimo e respeitado professor de Direito; um cidadão exemplar e um democrata de todas as horas da vida e da alma.
Portugal fica a dever-lhe, entre outros relevantes serviços, o de ter guiado, como Primeiro-Ministro do I Governo Provisório após a Revolução de Abril, os primeiros passos da jovem democracia portuguesa.
Os Deputados da Assembleia da República curvam-se reverentemente perante a sua memória e exprimem um muito sentido voto de pesar.
O Sr. Presidente:- Srs. Deputados, está em apreciação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Rêgo.
O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é sem emoção que falo de Adelino da Palma Carlos, Primeiro-Ministro da democracia portuguesa depois de meio século de ditadura. Foi sempre um resistente e pode realmente servir de figura quase simbólica daqueles
que não cederam jamais às tropelias, à violência ou mesmo à sedução.
Adelino da Palma Carlos foi professor catedrático a pulso, Primeiro-Ministro incontestado após 50 anos de clandestinidade quase por direito próprio, porque a sua figura de resistente, sem tropelias, se impunha.
O homem de direito confunde-se, em Adelino da Palma Carlos, com o cidadão, com o resistente, resistente sempre dentro do direito, na medida em que esse mesmo direito respeita a personalidade do cidadão.
Evoco Adelino ela Palma Carlos com profunda saudade, com aquela dedicação e solidariedade de dezenas de anos de resistência e de dois meses no cargo de Primeiro-Ministro no I Governo Provisório, destinado naturalmente a desaparecer no meio das tropelias dos democratas da última hora.
É por isso com profunda simpatia humana è solidariedade que proponho à Câmara o voto de pesar pela morte de Adelino da Palma Carlos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Amaral.
O Sr. Fernando Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em momentos desta natureza é sempre muito difícil fazer a síntese daquilo que sentimos.
Em presença do acontecimento que estamos aqui a lembrar, cabe-me a honra de improvisar sobre os sentimentos da minha bancada.
O pensamento de Adelino da Palma Carlos, no historial da nossa cultura, deixou um perfil bem marcado. Professor de Direito, ao qual me prendem apenas as leituras fugidias que fiz da sua sebenta; homem público que desempenhou o alto cargo de primeiro-ministro de Portugal precisamente numa circunstância em que havia um choque violento de ideias e de acções mas que conseguiu, apesar de algumas frustrações, marcar a estrada do nosso convívio para hoje podermos gozar a liberdade que possuímos, deu um contributo decisivo e importante nesse período de angústias guando começávamos a ensaiar os primeiros momentos da nossa liberdade; advogado brilhante que foi - e aí me prendem também, de algum modo, os laços da profissão que exerci e perante a qual não terei cortado de todo o meu cordão umbilical - leva à consideração e respeito de todos quantos, nesse galarim, nesse foro, foram capazes de marcar uma posição de destaque; homem que marcou, como cidadão, uma linha e uma conduta que podem servir de exemplo a todos quantos passaram as agruras ou dificuldades de uma certa clandestinidade e a opressão do silêncio.
É perante ente homem que a bancada do meu partido se inclina muito respeitosamente. Ele constitui património da nossa cultura, marco no historial do desenvolvimento político doa nossos tempos, figura primeira da condução dos negócios políticos do meu país.
Por todas estas razões, a bancada do meu partido pretende aliar-se ao voto que foi apresentado, fazendo, como que numa síntese tanto quanto possível breve, a seguinte expressão de sentimentos: que haja paz à sua alma, que haja honra à sua memória, que haja glória ao seu nome.
Desta forma, creio que a Assembleia da República terá dignificado um homem que, de algum modo, esteve também na base da sua origem.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.
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O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Negar não é pura e simplesmente destruir mas, sim, exigir a superação. A negação é uma exigência de transcendência.
Atendendo às palavras unânimes de admiração provindas de todas as bancadas parlamentares, creio que este é o grande exemplo que Adelino da Patina Carlos nos deixou. Negar há-de ser aprofundar o diálogo. Que descanse em paz quem fez da paz a resolução de contradições!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, as palavras que V. Ex.ª, proferiu sobre a personalidade do Prof. Adelino da Palma Carlos são por si só suficientes para todos nós respeitarmos e guardarmos um minuto de silêncio.
Mas não ficaria bem a cada uma das bancadas não dizer umas palavras, não prestar uma homenagem e não manifestar a saudade que já sentimos por Adelino da Palma Carlos já não estar entre nós.
Adelino da Palma Carlos foi um resistente a que eu chamaria Satiagrahi, porque lutou pela verdade. E lutou com as armas de direito e com a nobreza do seu carácter.
Para não ser docente, foi afastado da Faculdade de Direito; numa outra altura, foi convidado, mas negou ser professor catedrático por convite. Prestou provas públicas e só depois disso é que assumiu o lugar que há muitos anos lhe pertencia.
Como bastonário da Ordem dos Advogados, fez da Ordem uma associação respeitada em todo o mundo, a tal ponto que foi presidente de várias associações internacionais de advogados. Deu à classe profissional dos advogados um respeito que até aí não merecera, mas sempre sem qualquer pedido ou sem diminuir a sua verticalidade e a sua dignidade perante o Poder.
Ensinou gerações e gerações de discípulos e de advogados, que hoje o têm como referencial obrigatório, tanto no seu saber jurídico como na sua actuação profissional.
Ser mestre e advogado como Palma Carlos é ser uma figura exemplar da sociedade portuguesa. Saibamos, pois, honrar esta exemplaridade. Este é o voto que o CDS faz!
(O orador reviu.)
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, queremos associar-nos à homenagem expressa nas palavras de V. Ex.ª, à figura de relevo que foi Adelino da Palma Carlos. Pelas suas convicções antifascistas, que o conduziram, aliás, a um lugar destacado nos primórdios do 25 de Abril, e porque assumiu sempre um papel destacado na vida política portuguesa, antes e depois desta data histórica, com certeza que o Grupo Parlamentar do PCP teria de subscrever a homenagem expressa pelas suas palavras, Sr. Presidente.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.
O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, queremos associar-nos às palavras que já foram aqui expressas relativamente ao desaparecimento deste ilustre cidadão, democrata e antifascista que acaba de nos deixar, bem como a esta homenagem da Assembleia da República à figura do ilustre professor, homem e cidadão que foi o Prof. Adelino da Palma Carlos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, apenas duas palavra` para me associar a este voto de pesar da Assembleia pela morte de um homem que se bateu contra o fascismo e que eu recordo principalmente por ter sido o primeiro Primeiro-Ministro depois do 25 de Abril, numa época que, para alguns, foi de angústia e, para outros, como eu, de grande alegria, empenhamento e dedicação à causa da liberdade.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto n.º 35/VI, de pesar pela morte do Prof. Adelino da Palma Carlos, subscrito por Deputados do Partido Socialista.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Srs. Deputados, proponho à Câmara que honre a memória do cidadão ilustre guardando, recolhida, um minuto de silêncio.
A Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.
Srs. Deputados, naturalmente que o voto que foi aprovado será enviado à família.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que se tem passado nas últimas semanas, quer aqui na Assembleia quer no âmbito da actividade governativa, em tomo do Tratado da União Europeia - Tratado de Maastricht - está a ultrapassar as marcas do mais elementar bom senso.
Tanto o PSD como o PS entraram numa espécie de jogo do «faz de conta», tentando ignorar ou esquecer o que tem vindo a suceder ao Tratado e que o põe definitivamente em crise.
A realidade a que o PSD e o PS querem fugir é a de que o Tratado, nos termos em que foi assinado em Maastricht, está irremediavelmente posto em questão, de tal forma que não tem hipótese nenhuma de vigorar tal como está.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Factos como o «não» ao referendo da Dinamarca, o impasse jurídico inultrapassável que resulta de haver um dos Doze que não subscreve o Tratado tal qual é, a debilidade insuperável do «sim» francês ou a crise estrutural do Sistema Monetário Europeu, são factos que, se não houvesse aquela incompatibilidade com o real de que padecem PSD e PS, imporiam uma imediata reponderação e a suspensão de qualquer passo no processo de ratificação do Tratado.
Vozes do PCP: - Muito bem!
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O Orador: - Hoje está à vista e é confessado que o Tratado foi negociado de forma precipitada e imponderada.
As acusações de défice democrático, incluindo a de cavar um fosso entre as instituições e os cidadãos, partem de vários lados.
O Tratado, como é agora geralmente reconhecido, é centralista, sacrifica o desenvolvimento e a economia real às exigências de convergência nominal e da moeda única, secundaríza a dimensão social da Comunidade, impõe às economias menos desenvolvidas soluções que estas pagarão pesadamente, atinge garantias essenciais da soberania por formas e com um alcance que só a psicose federalista dá para entender.
Mas os factos recentes mostram uma santa aliança pró-Maastricht imune aos sinais dos tempos e em estado de autismo progressivo. Quatro factos o demonstram: o desenvolvimento do processo de revisão constitucional, o comportamento do Governo na Cimeira de Birmingham, a campanha publicitaria de promoção do Tratado e, finalmente, a entente anti-referendo.
Primeiro: o Conselho Europeu de Birmingham foi um monumental fiasco e não há ninguém que o não afirme. As questões centrais, desde a insubsistência do Tratado de Maastricht até a crise das moedas, foram postas de lado, pela incapacidade de lhes dar solução no quadro de um cego voluntarismo pró-Maastricht.
No termo desta Cimeira, que se mostrou incapaz de definir uma agenda, é caricato ouvir o Primeiro-Ministro português dizer que «o comboio europeu está nos carris». Isto quando o Conselho não diz uma palavra sobre as grandes questões que se colocam hoje à Comunidade e quando esquece e adia completamente temas essenciais para os interesses do nosso país, como a coesão económica e social, o Pacote Delors II ou as negociações do GATT.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Segundo: a propaganda. A Cimeira de Birmingham, em vez de enfrentar as questões, propõe-se responder às preocupações dos cidadãos da Comunidade com operações de mera cosmética e marketing. Substitui a reflexão pelo proselitismo.
Diligente, como sempre quando se trata de receber ordens de Bruxelas, o Primeiro-Ministro anunciou logo que iria lançar uma campanha de «informação». O resultado imediato foi um folheio de propaganda, cheio de falsificações, omissões e deturpações, destinado a vender o produto pelos métodos mais rasteiros que não resistiriam a nenhum código da publicidade.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Esse folheio exibe sem qualquer pudor a forma desonesta e salafrária como os partidários governamentais do Tratado querem vendê-lo.
O Sr. António Filipe (PCP): - É uma vergonha!
O Orador: - Mas o Tratado não está ratificado, Srs. Deputados, nem pelo Estudo Português! Está em apreciação nesta Assembleia e nenhuma autoridade pública tem o direito de promover oficialmente propaganda de um acto que não foi assumido regularmente pelo Estado.
Aplausos do PCP.
Para quem, como o Primeiro-Ministro, chegou ao cumulo de criticar o recurso ao referendo com o argumento de que é caro, não deixa de ser assinalável a facilidade com que usa, em auto-serviço, os dinheiros públicos para promover junto dos Portugueses a sua opinião político-partidária sobre o Tratado de Maastricht.
O mais elementar sentido de respeito pelo pluralismo exige agora que o mesmo volume de meios que o Governo afectou à propaganda do Tratado seja disponibilizado para que os que criticam o Tratado exponham os seus pontos de vista num folheto semelhante, com igual tiragem e os mesmos circuitos de distribuição.
Aplausos do PCP.
Apresentamos esta proposta concreta à Assembleia da República, para que se pronuncie nesse sentido.
Terceiro facto: os desenvolvimentos do processo de revisão constitucional. Os últimos dias vieram reforçar publicamente a demonstração de que este processo de revisão constitucional está marcado por um acordo global entre o PSD e o PS, um acordo onde avulta a vontade de cooperação e o entendimento sem reservas.
Acordo, primeiro, quanto à oportunidade de revisão, quanto à sua extensão e incidência e quanto ao seu ritmo e calendário; acordo, também, quanto ao seu conteúdo, incidindo designadamente sobre o artigo 7.º, permitindo as transferências de soberania, sobre o artigo 15.º (capacidade eleitoral) e sobre o artigo 105.º, retirando às autoridades bancárias nacionais o privilégio exclusivo e soberano de emissão de moeda; acordo agora, também, quanto à extensão da revisão constitucional à matéria da intervenção da Assembleia da República no sistema de participação de Portugal nos processos de decisão comunitária.
Este novo acordo, importa aqui esclarecê-lo, não inova nem cria novos poderes para a Assembleia, limita-se a tentar uma compensação, insuficiente, para a perda de poderes do Parlamento a lavor dos órgãos da Comunidade, perda de poderes que se verifica sempre que as competências transferidas pelos Estados para os órgãos das Comunidades integram poderes próprios dos parlamentos e é o que tem sucedido numa série de circunstâncias.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Este apagamento do papel dos parlamentos nacionais constitui, aliás, um dos mais badalados défices democráticos apontados à Comunidade. Claro que não é o mais grave défice. Esse, o mais grave, está no afastamento dos cidadãos dos órgãos de decisão, na falta de legitimidade desses órgãos e na negação dos mecanismos de participação e intervenção cívica e popular nas decisões fundamentais (de que é, aliás, exemplo claro o processo de elaboração do próprio Tratado de Maastricht).
Claro que, do ponto de vista dos burocratas de Bruxelas, bem como dos governos comprometidos na defesa do Tratado, é mais preocupante a reacção dos parlamentos, de quem dependem, do que a reacção das populações. Ou, então, acham ser mais fácil calar os parlamentos do que os povos, pelo que, apostando na cosmética, mostram-se agora muito preocupados com as queixas dos parlamentos e decidiram, por isso, envolvê-los mais no processo de decisão, como resulta claro do documento aprovado em Birmingham.
O Sr. António Filipe (PCP): - É verdade!
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O Orador: - Este é o pano de fundo desta extensão do acordo entre o PSD e o PS.
Mas, incidindo sobre o papel do Parlamento na vida política, um acordo entre o partido governamental e um partido da oposição não pode deixar de causar surpresa e perplexidade. Como é? A partir de agora vai tudo bem nesta área?
Conhecido o vezo anti-parlamentar do Primeiro-Ministro e a linha de esvaziamento do papel do Parlamento e de governamentalização de toda a vida nacional que prossegue, como entender este acordo? Como uma «legitimação» dessa perversão democrática do partido do Poder, que ele concretiza no dia-a-dia da vida política nacional? Casto uma coonestação do PSD e da sua actuação no Poder?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Seja qual for o alcance que se pretenda dar ao Tratado de Maastricht, não haverá nunca argumentos para que o engajamento no processo de ratificação seja feito a qualquer preço, principalmente quanto o preço seja a assunção de uma postura ambígua no combate à política do PSD e à preversão governamentalizadora com que actua nas instituições, incluindo no processo de revisão do Regimento da Assembleia.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Estue acordos que unem PSD e PS num bloco central pró-Maastricht tem conduzido - e este é o quarto facto a salientar - à inviabilização, na prática, de qualquer debate público alargado e incorporam mesmo um acordo contra a realização de um referendo.
Que não há debate alargado, é evidente, e ele não existirá, não haja dúvidas, se não houver referendo!
Não se diga, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que a Assembleia faz um esforço. Não é debate alargado o que se faz nas salas desta Assembleia, com alguns especialistas a debitarem para a acta as suas opiniões, ou quando se vendem a 1500$ nas livrarias os 4000 exemplares de uma edição comparara dos Tratados de Roma e de Maastricht que o Conselho de Administração da Assembleia aprovou para custarem qualquer coisa entre os 300$ e 400$ cada um.
O bloqueamento do referendo percebe-se vindo de um governo que não suporta ver o País a discutir as suas decisões, que despreza os mecanismos de participação popular e que se comprometeu a fazer ratificar o Tratado a todo o preço.
Mas, Srs. Deputados, isto não é compreensível vindo de um partido como o PS, que afirma repetidamente querer identificar-se com a vontade popular e com os problemas e questões que os cidadãos apresentam, que afirma repetidamente querer respeitar a vontade popular e que afirma repetidamente querer privilegiar o debate sério, aprofundado e alargado às grandes questões nacionais.
Um tratado com u alcance deste, com a dinâmica federalista, a ruptura com a soberania, os perigue para a independência e para a identidade nacional, como é que pode ser imposto a um país à revelia do debate, quase como uma decisão administrativa?
Os acordos do PSD e PS são por tudo isto de uma enorme gravidade!
0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Pode haver muitos factos políticos relevantes ou interessantes neste começo do ano parlamentar, mas nenhum facto como este acordo pode marcar tão definitivamente o nosso futuro colectivo e amarrar-nos tão negativamente a decisões erradas e lesivas dos interesses de Portugal e do povo português...
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - ... e ser a expressão concreta de uma decisão ou de um modelo de decisão secretista, não participado, não democrático, porque afasta e hostiliza a opinião e a intervenção dos cidadãos, um acordo, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que tenha o PS a coragem de repensar, em nome dos interesses nacionais, das regras democráticas e dos direitos dos cidadãos.
Fica aqui o desafio, com uma certeza: o PS pode não seguir, nomeadamente, o conselho que o Sr. Deputado Almeida Santos aqui uma vez nos deu quando, para justificar uma sua mudança de posição, afirmou que só os burros não mudam de opinião. Pode o PS não mudar de opinião e ficar na mesma, mas é preciso que o PS saiba que, no País, a vontade do referendo aumenta à medida que aumenta o conhecimento do Tratado e que, quanto mais são conhecidas as consequências negativas do Tratado, mais forte é a vontade que esse referendo se realize. E cada vez mais o PS ficará afastado do sentir e vontade dos Portugueses.
Pergunto: é um risco que o PS assume? Em nome de quê? É a altura, talvez, de nos explicarem, explicar ao País, por que é que não ouvem o que o País cada vez mais afirma, alto e bom som!
Aplausos do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Rui Carp.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Deputado João Amaral, o seu discurso não é inovador em matéria da União Europeia Talvez com uns decibéis acima...
O Sr. João Amaral (PCP): - Era a ver se ouvia!
O Orador: - Talvez com um tom um pouco mais insultuoso, em resultado da falta de razão acrescida, é natural!...
Mas o que é importante aqui é que, em matéria de construção da Europa democrática, sempre houve uma grande área de consenso entre os dois maiores partidos democráticos portugueses. Foi assim no passado e está a ser assim no presente, não há nada que espantar. Aliás, a construção da União Europeia é a única solução para que a Europa se fortaleça na comunidade internacional como um espaço onde os direitos, as liberdades e as garantias fundamentais estão mais preservadas.
A pergunta que lhe coloco é esta: o seu discurso baseia-se numa argumentação muito próxima daquela que na semana passada ouvimos numa reunião da extrema-direita em Palmeia; ...
Protestos do PCP.
Vozes do PSD: - Muito bem!
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O Orador: - ... será que VV. Ex.as estão a radicalizar o discurso ao ponto de alinhar pelas posições do Sr. Le Pen?! É esta a questão que lhe coloco.
Protestos do PCP.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Ao referendo disse nada!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Alberto Costa.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, duas breves questões. V. Ex.ª referiu-se com grande convicção não apenas à nova profissão de fé referendária do Partido Comunista mas também à existência de uma acordo entre o PS e o PSD sobre o conteúdo da revisão constitucional em curso, e a pergunta que lhe faço é precisamente esta: refere-se V. Ex.ª aos trabalhos em curso na Comissão Eventual para a Revisão da Constituição ou refere-se a algum outro acordo em qualquer outra sede? Nesse caso, que dados tem V. Ex.ª para se referir a esse acordo?!
Se a convicção que manifesta em relação ao referendo é uma surpresa vinda da parte do PCP, a convicção que manifesta nesta matéria é também surpreendente e gostaríamos de conhecer os dados em que se baseia.
Por último, V. Ex.ª abordou também de maneira surpreendente a questão do reforço dos poderes da Assembleia no acompanhamento das matérias comunitárias. Pergunto-lhe, Sr. Deputado, se o partido de V. Ex.ª fez alguma proposta no sentido de reforçar e reequilibrar os poderes desta Assembleia nessa matéria, em sede constitucional? Ou trata-se de matéria que vos deixa indiferentes?
Será que a inclinação pela democracia referendária tem aqui como contrapeso o desinteresse pela democracia representativa!?
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado João Amaral para responder, informo a Câmara que, por consenso dos grupos parlamentares e aquiescência da Mesa, foi acrescido o tempo de cada grupo parlamentar em cinco minutos.
Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria assinalar que o mais interessante, em minha opinião, nas perguntas dos Srs. Deputados Rui Carp e Alberto Costa foi o facto de tudo o que se traduzia no conteúdo essencial da minha intervenção não ter sido, minimamente, objecto das suas perguntas. Não foi questionado, não foi trazido para o debate e não houve quaisquer respostas às questões que coloquei.
Vozes do PCP: - Ora bem!
O Orador: - Desde logo, a primeira questão central que suscitei foi a de o Tratado de Maastricht, tal como está, estar numa profunda crise estrutural que o impede de alguma vez poder entrar em vigor. E isto significa exactamente o que quero dizer, ou seja, o Tratado de Maastricht, assinado em 7 de Fevereiro de 1992, nunca entrará em vigor.
Ora, Srs. Deputados, será que esta questão merece o comentário feito pelo Sr. Deputado Rui Carp no sentido de que o meu discurso não é inovatório?
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado Rui Carp, que se o meu discurso não é inovatório, nem sei o que hei-de dizer do seu, que é uma rotina, uma cassette, uma disket ou outra coisa qualquer do género, pois não tem sentido nenhum e não se reporta ao debate político tal como ele é travado aqui. E trata-se de acusações que também fiz ao PSD e ao Governo, que, agora, querem fugir ao debate sério pela via da informação ou pela via da manipulação.
Aliás, quero registar novamente essa acusação que fiz há pouco e que se traduz no facto de o Governo ter publicado um folheto de propaganda com métodos rasteiros que ofendem qualquer código de publicidade e cujo conteúdo contém gravíssimas omissões e deturpações que falsificam o conteúdo real do Tratado de Maastricht.
Por isso mesmo, desafiei o partido de V. Ex.ª a dizer que, nessas circunstâncias, o mínimo de respeito pelas regras do pluralismo exige que se dê àqueles que estão contra o Tratado de Maastricht o mesmo direito de publicar um folheto semelhante que rebata, ponto por ponto, as afirmações do Primeiro-Ministro e do Governo que, numa posição político-partidária - e é uma posição político-partidária, uma vez que o Tratado de Maastricht não foi ratificado e não está em vigor na ordem jurídica portuguesa, usam os dinheiros do Estado para se promoverem junto do povo português.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado Alberto Costa, nomeadamente à primeira parte, devo dizer-lhe que me reporto a tudo, ou seja, reporto-me aos projectos apresentados, ao que se passa nas comissões e no Plenário desta Assembleia e ao que se passa lá fora. E isto até porque me parece que um dos males de todo este processo é o de que as reuniões que V. Ex.ª vão tendo com o PSD, a acreditar nos jornais, estão a conduzir mais ao conteúdo real de um processo de revisão constitucional do que aquilo que se está a passar em sede de comissão.
No entanto, não levantei esse problema no Plenário. V. Ex.ª é que o fez e ousou vir aqui perguntar, com um ar um pouco zangado, se eu estaria a falar de alguns acordos secretos feitos nos corredores. Se V. Ex.ª quer que eu diga que sim, eu digo, e ficaremos os dois muito satisfeitos, mas isso não adianta nada à questão central. É que, o conteúdo concreto e essencial da revisão, isto é, a alteração aos artigos 7.º, 15.º e 105.º, independentemente da forma como se obtém, na parte em que diminui as garantias de soberania e permite a sua transferência para órgãos supranacionais e na parte em que retira ao Banco de Portugal e às autoridades bancárias nacionais o direito exclusivo e soberano de emissão de moeda, resulta de um ponto de convergência entre o PS e o PSD. Esse ponto de convergência existe e é real.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - «Cheira-me» que houve negociação!...
O Orador: - Por outro lado, o Sr. Deputado perguntou se estávamos preocupados com o papel do Parlamento e devo dizer que sim.
Apresentámos projectos concretos, em sede legislativa, para alterar profundamente a situação que se vive e apre-
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sentámos também iniciativas para reforçar os poderes do Parlamento face a um processo crescente de governamentalização que sempre, diariamente, combatemos. E, neste âmbito, questionei o PS - que não respondeu - acerca do significado desta situação. Será que isto significa que VV. Ex.as- pensam que, a partir de agora, o PSD já não é um partido governamentalizador? Esta é uma questão que gostaria de ver respondida.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma mensagem e uma nuvem pairam hoje sobre as instituições.
Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas, Procuradoria-Geral da República, Provedor de Justiça: tornem-se discretos, desistam de protagonismo e de projecção pública, fujam a envolver-se! No PSD congemina-se para vós um código de conduta. Se o não observarem, o menos que estarão a fazer é a viciar as instituições e a servir terceiros inomináveis, cuja perversidade promove a confusão das funções do Estado!
Não se trata de um aviso, porque nesta matéria não avisa quem quer. Mas foi um sinal que as instituições e o País ouviram e cujo sentido entenderam.
Há um desejo maioritário que a escolha do tema e dos termos revela, ou seja, o desejo de limitar, condicionar e reduzir o papel de órgãos independentes de fiscalização que se têm revelado inacomodáveis à maioria. É o desejo de que a independência veja o seu papel diminuído na vida pública. É a ideia de que os controlos que não dependem da maioria são intoleravelmente indiscretos e ruidosos e encontram-se expostos à perversidade e à viciação.
É indisfarçável que há na maioria um desconforto e só ele pode explicar um discurso partidário sobre tribunais, Procuradoria, Provedor de Justiça, onde abundaria o mal, o vício e a perversão.
O Tribunal Constitucional ousou o protagonismo de, vezes de mais, julgar contrárias à Constituição posições a que a maioria quis dar torça de lei, na Assembleia ou no Governo. E, ainda por cima, fê-lo vezes de mais sob a iniciativa do Presidente da República...
O Tribunal de Contas não foi discreto, como conviria, ao pronunciar-se acerca de violações da legalidade financeira e tem reclamado mais meios, que lhe têm sido negados, para melhor fiscalização das contas públicas.
O Provedor de Justiça tem-se pronunciado vezes de mais sobre violações das direitos dos cidadãos e incumprimento das leis por parte da Administração. E, mesmo quando o cargo é ocupado por personalidades do PSD, o que tem sido publicamente reclamado são mais meios para pôr ao serviço dos direitos dos cidadãos lesados pela Administração.
A Procuradoria-Geral da República tem impulsionado processos, indiferente a estragos políticos, e tem reclamado com insistência mais recursos para promover em melhores condições o respeito da legalidade e a repressão das suas violações.
Agora, até os juizes, no seu conjunto, parecem preocupar a maioria. Pois não foi publicamente confirmada a existência de um projecto que visaria responsabilizá-los civilmente, convertendo-os em bodes expiatórios de uma política de justiça que não lhes proporciona os meios de trabalho e o quadro processual renovado cuja ausência é a primeira causa da morosidade da justiça?
Justifica-se uma avaliação criteriosa das políticas de formação, das alterações introduzidas e, sobretudo, das promessas de reformas processuais não cumpridas, algumas da idade desta maioria. Mas seria ludibriar da forma mais intolerável os cidadãos, que chegam a aguardar 6, 10 ou 12 anos por uma sentença num tribunal cível, num tribunal administrativo, num tribunal de trabalho ou num tribunal tributário, vir acenar-lhes com a ideia da responsabilidade civil dos juízes. São outros os responsáveis.
Nem a democracia nem os juízes independentes que temos precisam que lhes seja limitada a independência. A democracia e os direitos dos cidadãos reclamam que essa independência seja rigorosamente preservada no quadro de um Estado de direito mais responsável e cumpridor, de um Estado que não se furte, como hoje acontece, a cumprir sentenças dos tribunais, a rectificar erros e violações por eles declarados e a reparar prejuízos por que é responsável.
Se há responsabilidade civil com um défice de regulamentação e de efectivação é a do Estado- um Estado que, vezes de mais, comporta-se perante os seus credores como um pagador relapso.
Sr. Presidente, Sn. Deputados: Saber-se publicamente, projectar-se publicamente, que há violações da Constituição e quem as declare; subtrair-se à discrição e à reserva a violação da legalidade financeira; saber-se que a Administração viola insistentemente direitos dos cidadãos e que há quem promova a sua reparação; saber-se que há quem zele com independência pela defesa da legalidade democrática e persiga as violações da lei com indiferença aos incómodos que isso traga aos governantes do momento, tudo isso não é, em democracia, matéria de desvio, vicio ou perversão.
A democracia não é o regime que assegura às violações da Constituição e da lei reserva e discrição, ausência de projecção e de consequência pública. Quem o pense pode não se enganar acerca da discrição e das vantagens políticas que ela lhe traia, mas engana-se em relação à democracia.
A democracia é justamente o regime que assegura a maior projecção e o mais elevado grau de consequências públicas às violações das leis por parte de quem governa.
O que é hoje o essencial do código de conduta de um governo numa sociedade democrática é não tanto estar exposto, como querer estar exposto a um espaço público e diversificado de fiscalização, e não apenas a uma fiscalização discreta.
A ideia de que os órgãos em que o PSD dispõe de maioria estão legitimados, e só eles, para protagonizar publicamente controlos é uma manifestação de corporativismo político, redutora do pluralismo de poderes e controlos que funcionam e de que carecem as sociedades actuais. É a ideia de que a corporação política maioritária está investida no exclusivo de fazer o bom controlo, o que é por natureza isento de viciação, de perversidade e de instrumentalização. E é essa ideia que é realmente perversa!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há muita coisa que não está a correr bem na relação entre o PSD e a sociedade civil. A várias outras vem agora acrescentar-se uma nova e consistente causa de divórcio.
O PSD acha que há excesso de actuação de órgãos de fiscalização independentes, que há protagonismo a mais em
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matéria de fiscalização e demasiada projecção pública dos resultados dessa fiscalização. O PSD está muito preocupado com os que o controlam e com os que podem controlar o Governo.
Os cidadãos, porém, aspiram a mais fiscalização, com mais recursos e mais eficácia, com mais publicidade e mais projecção para a sua intervenção. A sociedade e os cidadãos estão muito interessados em fiscalizar o PSD e o Estado/PSD e querem que governar, em democracia, não seja apenas estar sujeito ao controlo, em última instância, da sua própria maioria, ou seja, de ninguém.
Conhecemos o argumento do corporativismo, da oposição que não faríamos e a outros caberia desempenhar. O discurso é-nos familiar.
No entanto, não concebemos o papel da oposição como a realização do papel que as concepções e os interesses da maioria lhe destinam.
Dir-nos-ão, em amável atitude de terrorismo intelectual, que escolhemos a companhia das corporações, de terceiros inomináveis que pervertem, viciam, instrumentalizam, confundem, bloqueiam, etc.
Estamos, porém, com o País.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Costa, V. Ex.ª, na sua intervenção, abordou matérias que, pela sua importância institucional e pela sua delicadeza, deviam estar subtraídas ao discurso da demagogia política. Por isso, lamento que V. Ex.ª, tenha efectuado algumas das suas abordagens pela demagogia política.
Assim, desafio-o a apontar um só caso do Governo no sentido da adopção de uma medida que o subtraia ou tenda a subtraí-lo à fiscalização dos órgãos que têm essa competência em relação à Administração, seja a Assembleia da República, sejam os tribunais, seja a Procuradoria-Geral da República, seja qualquer outra instituição com poder de fiscalização.
Por outro lado, lamento também que sobre esta matéria, que é demasiado séria e delicada, V.Ex.ª, tenha feito fé, pura e simplesmente, em noticias de jornais e em informações que não pôde confirmar como veiculadoras de posições autênticas do Partido Social-Democrata e do Governo.
Nesta matéria, entendo que só se deve discutir e intervir quando se tem a certeza daquilo que se afirma. Ora, V. Ex.ª fez afirmações apenas com base em informações de jornais que, como sabe, nem sempre são efectivamente o veículo da verdade, e lamento que o tenha feito.
Da parte do PSD, quer enquanto partido, quer enquanto maioria parlamentar, quer enquanto governo, não há a menor intenção, nem qualquer projecto ou iniciativa que tendam a subtrair poderes e competências a estes órgãos tal qual estão hoje concebidos, designadamente do ponto de vista constitucional.
Assim, as suas afirmações de que o PSD quer subtrair-se à fiscalização destes órgãos são, de todo, falsas e erradas e criam na opinião pública uma ideia errada, que só por demagogia e exploração política V. Ex.ª pode ter veiculado.
Questão diversa - e aí todos temos a liberdade de questionar - é a de saber se em algumas circunstâncias
estes órgãos não assumem um determinado protagonismo em que se confunde o seu poder de fiscalização com um protagonismo político que pode, efectivamente, identificá-los com determinadas tendências. Trata-se de uma situação que, em democracia, temos de assumir e a todos é licito ajuizar.
Por vezes, infelizmente, num caso ou noutro - e parece-me que de uma forma bastante menor -, alguns desses órgãos têm efectivamente tomado essa posição e temos o direito de a criticar e de chamar a atenção do País para a correcção de uma atitude desse género. Mas que não se confunda esse ajuizamento e essa valoração que, em democracia, são permitidos a qualquer cidadão ou instituição, com tentativas de subtracção da fiscalização e de retirada de competências a esses órgãos.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Alberto Costa quer responder já ou aguarda que todos os Srs. Deputados formulem os seus pedidos de esclarecimento?
O Sr. Alberto Costa (PS): - Aguardo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sendo assim, também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto, Costa, V. Ex.ª abordou uma matéria para a qual a opinião pública pode ser sensibilizada de uma forma que talvez não seja a que mais respeite e defenda os direitas, as competências e a autonomia dos órgãos de soberania.
V. Ex., referiu-se a órgãos de soberania que não dimanam do voto democrático, concretamente aos tribunais. E, por oposição, referiu-se a órgãos de soberania que dimanam do voto democrático e que estão sujeitos à decisão dos cidadãos eleitos, concretamente ao Governo e à Assembleia da República.
Ora, conhecendo, neste momento, como estamos a conhecer, uma certa campanha de suspeição relativamente aos titulares de cargos políticos, considera V. Ex., que o tratamento destas matérias - que, neste caso, têm a ver com os tribunais, órgãos de soberania e Administração Pública - deveria ser abordado com este espirito de haver um protagonismo dos tribunais relativamente aos restantes órgãos de soberania, quando acontece uma situação real como esta?!
Por exemplo, há um determinado serviço da Administração Pública a quem o Tribunal de Contas solicita a verificação de determinadas contas de serviços. Ora, quanto a esse serviço, a contabilidade pública consegue responder parcialmente, ou seja, verifica algumas contas e em relação a outras responde que ainda não tem os elementos definitivos para realizar tal tarefa Em face disso, o Tribunal de Contas decide que, por falta de resposta adequada, o responsável máximo desse serviço fica sujeito a uma pena que poderá ir até à perda de vencimento respectivo. O director-geral da Contabilidade Pública tem um prazo para se defender e antes de isso acontecer é publicada a noticia, na primeira página de um jornal semanário, de que um director-geral do Ministério das Finanças é multado pelo Tribunal de Contas.
Considera V. Ex.ª, que, perante um caso como este- e não ponho em causa minimamente a capacidade de investigação jornalística, que merece todo o apoio da nossa parte, mas independentemente dela -, uma tal fuga de informação dignifica os órgãos de soberania, neste caso concreto, os tribunais? E pensa ainda que, numa situação
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dessas, quem dignifica os tribunais é quem permite uma falha do tipo da que sucedeu relativamente ao caso concreto que referi?
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Costa, V. Ex.ª acusa-nos de passividade quanto a ideias de submissão, mas, na verdade, a cada passo o meu partido tem a capacidade de colocar as questões novas com que se defrontam as instituições e a sociedade portuguesa e ainda a de esboçar propostas de respostas e de definir respostas.
É claro que o meu partido, numa das moções que se configuram para o próximo congresso, levanta uma questão da maior pertinência e actualidade, que nos deveria levar a reflectir, em vez de fazer acusações excessivamente fáceis.
Sem dúvida que a democracia é publicidade, Sr. Deputado, mas também é, e por maioria de razão, legitimidade e rigor. Ora, diversas personalidades, por razões várias e motivos múltiplos, têm a tendência - algumas, eventualmente, por falta de habituação - a não se manterem nos estritos limites das suas competências, poderes e respectiva legitimidade. Dai o colocarmos, aqui, esta questão, sem cerimónias, esperando da vossa parte não acusações mas uma participação no debate.
Em diversas ocasiões, e sempre que veio a propósito, levantámos aqui a voz no sentido de chamar a atenção para esses desvios das respectivas legitimidades e competência. Foi o caso, em tempos, da Procuradoria-Geral da República, quando, durante um certo período, o Sr. Procurador-Geral não manteve, nos devidos limites, a acção de muitos dos seus subordinados.
Chamámos também, em certo momento, a atenção para a actuação do Sr. Presidente do Tribunal de Contas e, aliás, há cerca de um ano atrás, eu próprio disse, aqui, que ele estava a ter um estilo que me parecia ser um pouco guerrilheiro.
Ora bem, Srs. Deputados, de facto, a democracia implica publicidade, mas também estrito rigor no domínio da legitimidade de cada poder e das suas competências.
Neste sentido, Sr. Deputado, quando o Sr. Presidente da República, Dr. Mário Soares, emite, a titulo pessoal, a sua preferência pelo referendo, no momento presente, como observador e cidadão, interrogo-me se ele tem o direito de o fazer. Eu, como cidadão, considero que não, que ele está a exorbitar da sua estrita legitimidade e das suas estrita obrigações morais e políticas.
O Dr. Mário Soares, como Presidente da República, jurou respeitar e fazer respeitar a Constituição, e perante a questão de Maastricht deveria, pelo menos, ter ficado em silêncio.
O Sr. Deputado não acha que, pelo menos, nos deveríamos interrogar se o Presidente da República, tendo jurado respeitar e fazer respeitar a Constituição, deveria dizer no mesmo discurso que respeitava a Constituição, mas que, pessoalmente, preferia o referendo?
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Essa intervenção agrava as nossas preocupações!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, até certo ponto da sua intervenção, pareceu-me que íamos assistir a um desmentido, mas, a partir de certa altura, pareceu-me que obtivemos uma confirmação.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!
O Orador: - Infelizmente, essa confirmação agravou-se com o teor dos outros pedidos de esclarecimento, pois ouvimos um conjunto de declarações que, ao contrário de novas, nos pareceram muito velhas e que estão a evocar situações em que a norma maior do poder público era o horror aos controlos.
Aplausos do PS.
É justamente esse clima que não queremos que se volte a instalar, ainda que sob o quadro de uma democracia formal e de uma maioria formalmente legitimada. Não fomos nós que trouxemos esta matéria para a agenda política, nem fomos nós que introduzimos as ideias de viciação e de perversidade. Essas ideias foram publicamente citadas e não mereceram qualquer desmentido. Elas levam-nos a pensar que há uma tentativa de demonização de certos órgãos fiscalizadores da actividade do Governo e da Administração. E nós, que temos um pensamento laico, não estaremos do lado dos que não querem controlos e, por isso, demonizam, em democracia, os órgãos fisca1izadores.
Pergunta-se: mas qual é a situação em que o Tribunal de Contas tenha descoberto ou apontado uma circunstância em que tenha havido fuga aos controlos da legalidade financeira?
Sr. Deputado, basta-me lembrar-lhe o pronunciamento do Tribunal de Contas acerca da criação da empresa destinada à construção do Centro Cultural de Belém. Remeto V. Ex., para os textos e poderemos discutir se há ou não nessa matéria, como efectivamente há, um mecanismo expedito para se furtar às regras do controlo público. Remeto-o também para uma carta, recentemente enviada pelo Presidente do Tribunal de Contas a esta Assembleia, onde ficava bem claros os problema que se colocam nessa área.
Não somos nós que introduzimos demagogia nesta matéria, pois ela é suscitada guando, perante a crise que lavra nos nossos tribunais e perante o desrespeito pelo direito dos cidadãos a uma justiça pronta, há quem se atreva, do lado da maioria, a agitar o espantalho de uma regulamentação mais severa e persecutória da responsabilidade civil dos juízes. Demagogia existe, sim, guando se pretende fazer crer que os controlos, a publicidade e a fiscalização manietam o Governo, impelindo-o de cumprir o seu programa.
Na verdade, Srs. Deputados, temos aqui a velha táctica: no passado, evocava-se a Constituição, depois o Presidente da República e agora uma série de mecanismos fiscalizadores, Trata-se de encontrar bodes expiatórios, nesses mecanismos e nos tribunais, para fazer passar a ineficácia das políticas em geral e, neste caso, muito em particular, da política de justiça.
Queremos assinalar ao País - e já o fizemos, porventura, com espírito preventivo, pois esta prevenção é importante, face aos sinais que se tomaram públicos - que não deixaremos que esses órgãos e que os magistrados
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deste país se convertam nos bodes expiatórios das incapacidades políticas deste governo.
O Sr. Manuel Alegre (PS):- Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado Rui Carp, V. Ex.ª, referiu um episódio concreto, expô-lo extensamente e concluiu pedindo uma apreciação.
Sr. Deputado, quem é que julga os juízes? Quer V. Ex.ª, julgar, aqui, neste Hemiciclo, os juízes? 15so representaria a negação do Estado de direito, que se baseia na separação de poderes, e nós estamos aqui para defender esse princípio sagrado contra qualquer veleidade, venha ela deste Hemiciclo ou de outros lugares do vosso partido, de fazer inquéritos a tribunais, processos públicos às decisões dos tribunais ou um PREC, de sinal contrário, onde a independência e a irresponsabilidade dos juízes, que é a matriz do Estado de direito, voltassem, pelas vossas mãos, ao nosso país.
Sr. Deputado Silva Marques, a democracia é publicidade, mas VV. Ex.- indicam, em textos citados, que prefeririam a discrição. A democracia é protagonismo e o Estado de direito é protagonismo dos tribunais, que são um órgão de soberania tão relevante em democracia como os restantes órgãos de soberania.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - A justiça exige serenidade!
O Orador: - A justiça exige serenidade, mas a acção política e a escolha da temática e da terminologia, da viciação e da perversidade exige também serenidade.
O Sr. Rui Carp (PSD): - E isenção e independência!
O Orador: - Sr. Deputado Silva Marques, não queremos regressar a uma situação em que o Procurador-Geral da República, o Presidente da República ou quaisquer outras personalidades vejam ser-lhes atribuído pelo poder político um estatuto de menoridade e de silêncio. O direito à palavra não
pode estar em crise para qualquer português e não estará, certamente, em crise para o Presidente da República, seja sobre o referendo ou qualquer outra matéria.
Os senhores gostariam de reinstaurar novas regras de silêncio, mas hoje é a publicidade que triunfa, em Portugal.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Silva Marques pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Silva Marques (PSD): - Para defesa da consideração, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para esse efeito, Sr. Deputado.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado atribuiu-me intenções que não são, de forma nenhuma, as minhas, e que considero até ofensivas.
Sou um democrata, sempre o fui, mas mesmo que não o tivesse sido, poderia sê-lo agora, e tal não quer dizer que o seja amanhã, tem havido tantas variações...
Desculpem, Srs. Deputados, mas por vezes atinjo aqueles momentos em que corro o risco da inconveniência cerimonial.
Ainda há bocado, Sn. Deputados, a propósito de um momento solene de homenagem a um homem altamente ilustre, ouvi alguns Deputados dizerem hipocrisias que ultrapassaram a minha capacidade de encaixe. Pessoas que o combateram, que o deitaram abaixo, vieram tecer loas de homenagem.
Srs. Deputados, há momentos em que convinha que falássemos livremente e, por isso mesmo, fora das naturais e legítimas conveniências dos ajustamentos políticos. Os senhores, que nos convidam tantas vezes a emitirmos gritos de liberdade contra a nossa submissão, gritem agora.
Ora, perguntei: não se vos coloca sequer a questão de ser legítimo o Sr. Presidente da República pronunciar-se a título pessoal, preconizando o referendo sobre Maastricht, sabendo que esta é uma questão da maior sensibilidade, e na mesma entrevista, no mesmo parágrafo e quase que no mesmo período pronunciar-se paralelamente como Presidente da República. É que essa questão colocou-se-me, a mim, Silva Marques, modesto cidadão, atento, ponderado: será legitimo? E dei-vos a minha resposta, que evidentemente é contestável. A minha resposta é não!
Além disso, sabem muito bem que no meu partido há diferenças sobre esta questão, discutimo-la, e sei também que no vosso partido ela é discutida. No entanto, pergunto-lhe: quando o Dr. Mário Soares diz que, como Presidente da República, respeita e faz respeitar a Constituição, mas a título pessoal dá vivas ao referendo, não estará o Dr. Mário Soares, ilegitimamente, a deitar um cântaro de gasolina dentro do vosso partido? Julgo que sim e, por isso, é duplamente ilegítima a sua pronúncia.
Foi esta a questão que coloquei, Srs. Deputados. É incómoda? Talvez! Mas não são os senhores que nos convidam a colocar as questões? E colocamos! É essa a nossa diferença.
O Sr. Deputado tem razão, pois quem colocou esta questão genérica sobre a legitimidade e o limite dos poderes em democracia fomos nós. É por isso que lhe dizia há bocado que, afinal de contas, submissão por submissão, quem tem tido a liberdade de pensar, felizmente, temos sido nós.
Devo dizer-lhe, com toda a franqueza, que ficaria muito mais feliz se o Partido Socialista desse um contributo activo, relativamente às questões que se colocam hoje ao nosso país, do ponto de vista da consolidação das instituições, da sua afirmação e, portanto, da afirmação de um futuro de Portugal como Estado democrático e, sobretudo, com instituições credíveis e respeitadas unanimemente.
Aplausos do PSD,
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Marques, depreendo das suas palavras que gostaria que lhe coubesse definir o que é lícito, o que é legítimo e o que não é...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Eu dou opiniões!
O Orador: - ... nas pronunciamentos do Presidente da República...
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O Sr. Silva Marques (PSD): - Pobre de mim, eu dou opiniões!...
O Orador: - ... e também, porventura, em relação aos tribunais. Mas deixe que me centre no primeiro caso.
Não houve, no passado, neste país, instituições - quando as havia com essa função - que tivessem limitado a voz do Presidente da República, do homem que ocupa hoje a Presidência da República. V. Ex.ª não será, certamente, a voz...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Pobre de mim!...
O Orador: - ... que limitará os pronunciamentos legítimos do Presidente da República sobre qualquer aspecto da vida nacional.
Aplausos do PS.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Só coloquei uma questão, como é que posso ter tal autoridade?
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, e por dois minutos, tem a palavra a Sr.ª Deputada 15ilda Martins.
A Sr.ª 15ilda Martins (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No passado dia 24, S. Ex.ª, o Sr. Primeiro-Ministro visitou a Via do Infante, com início no nó da Pinheira, em Castro Marim, e paragens na ponte sobre o rio Vilão, nó de Faro, nó de Loulé, Boliqueime e nó da Guia, em Albufeira.
Todos temos ouvido a oposição criticar severamente o traçado desta via, pelos efeitos perversos que esta exerce sobre o meio ambiente. O Governo foi acusado de menosprezar, isto é, de não prestar a devida atenção ao negativo impacte ambiental que a Via provocava.
Tivemos ocasião de acompanhar o Sr. Primeiro-Ministro e, se mantínhamos uma dúvida metódica sobre a consistência das críticas tecidas pela oposição, ficámos completamente esclarecidos. A Via do Infante atravessa maioritariamente matos, os matos do barrocal.
Como a Ex.ma Câmara sabe, são três as principais sub-regiões naturais do Algarve: litoral, barrocal e serra. A Via do Infante assenta, na sua maior extensão, na zona de transição entre o litoral e o barrocal. A separação entre estas duas sub-regiões faz-se através de uma cordilheira de pequenos cerros, cujas encostas, ora improdutivas, nunca
fixam roteadas. É nesta paisagem selvagem que se incrusta
a auto-estrada.
A Via do Infante é monumental, com soberbos viadutos e pontes, e será uma porta aberta a Europa e ao progresso.
Já os Romanos, há quase 20 séculos, tinham compreendido a importância das vias de comunicação e a sua estratégia de desenvolvimento assentava exactamente na abertura de estradas, como os mais eficazes canais condutores do progresso e da civilização.
Não se compreende que 20 séculos depois a oposição socialista combata, com argumentos falaciosos, um factor determinante do desenvolvimento da Região do Algarve e teime em ignorar o relevante significado desta obra.
No mesmo dia foi inaugurado o Centro Cultural de Lagos, que é um dos maiores recintos culturais regionais.
Quando dirigíamos a Delegação Regional do Algarve, da Secretaria de Estado da Cultura, tivemos ocasião de
encomendar um estudo sobre consumos culturais e apetência cultural dos Algarvios.
O Sr. Presidente: - Peço-lhe para concluir, Sr.ª Deputada.
A Oradora: - Concluo já, Sr. Presidente.
Verificámos que o concelho de Lagos acusava os índices mais elevados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar do interesse e valor deste Centro Cultural, os órgãos de comunicação social, nomeadamente a televisão, nem se dignaram a fazer-lhe qualquer referência. Infelizmente, parece que as manifestações desportivas têm mais eco na comunicação social do que as iniciativas de carácter cultural, o que lamentamos sinceramente.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto n.º 34/VI, de congratulação pelo Dia das Nações Unidas, apresentado e lido na última sessão.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.
O Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues pede a palavra para que efeito?
O Sr. Miguel Urbano Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, desejava fazer uma declaração de voto.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, de acordo com o Regimento a declaração de voto deve ser apresentada por escrito.
O Sr. Miguel Urbano Rodrigues (PCP): - Certamente, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai dar conta de um relatório e parecer (Li Comissão de Regimento e Mandatos.
O Sr. Secretário (Caio Roque): - Sr. Presidente, o relatório e parecer refere-se à substituição, solicitada pelo Grupo Parlamentar do PCP, do Sr. Deputado Luís Sá por José Fernando Araújo Calçada. Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis, pelo que a Comissão entendeu emitir parecer no sentido de admitir a substituição em causa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão.
Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.
Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.
Eram 16 horas e 45 minutos.
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ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão, conjunta, dos projectos de lei n.º 167/VI - Introduz alterações ao regime geral de segurança, higiene e saúde no trabalho (PCP) e 169/VI - Procede à revisão parcial do regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais (PCP).
Para uma intervenção tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo prometeu criar, até 31 de Dezembro de 1991, o Instituto te Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho. Promessa falhada.
Prometeu, também, publicar, até 30 de Abril de 1992, os diplomas complementares necessários à implementação da lei quadro de segurança, higiene e saúde no local de trabalho. Promessa vã.
O Governo prometeu que todo o sistema entraria em vigor em 1 de Julho do corrente ano. Foram palavras, só promessas, afinal, nada mais do que enganos.
Tudo isto se passou no âmbito do acordo económico e social, numa tentativa de dourar a pílula, disfarçar o sabor amargo do pacote laboral. Mas enquanto este e a lei anti-greve passaram da promessa à realidade, as anunciadas medidas no âmbito da prevenção e dos riscos profissionais continuam por concretizar, à espera das meditas complementares e da regulamentação, tendo o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Emprego e da Segurança Social dado como desculpa, para que tudo se passasse a nível de um decreto-lei, que havia atraso devidos às férias parlamentares. Mas estas já lá vão e, de facto, o Governo nada fez.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Os anúncios do Governo deram-lhe, de inicio, algum aparente conforto na entrada do Ano Europeu de Higiene e Segurança no Trabalho.
Mas quem tem capa nem sempre escapa.
Não passou despercebida à Comunidade Europeia a situação grave dos trabalhadores portugueses no que toca às condições de trabalho.
Num seminário em Matosinhos, a Fundação Dublim revelava que Portugal, na Comunidade Europeia, se encontra no grupo dos países de alto risco em matéria de acidentes de trabalho e doenças profissionais. Foi um seminário organizado pelo Ministério do Emprego e da Segurança Social.
Portugal é o país em que se apresenta como mais elevada, segundo o estudo dessa Fundação, a taxa de não participação dos representantes dos trabalhadores na organização de trabalho em condições de higiene e segurança.
Ainda segundo esse relatório, Portugal é o pais da Comunidade Europeia que menos promove a informação, a consulta e a co-decisão dos trabalhadores.
Alguns dados estatísticos conhecidos, diferentes conforme as fontes, embora insuficientes e incompletos, revelam a gravidade da situação.
Consultamos as estatísticas do Ministério da Justiça relativas a 1991 e verificamos que as acções com base em acidentes de trabalho mortais aumentaram 30 %, naquele ano, relativamente ao ano de 1986 e 20% com referência ao ano de 1990.
As acções baseadas em acidentes que provocaram desvalorização aumentaram, em 1991, cerca de 32 % relativamente ao ano de 1986 e 15,43 % em relação a 1990.
Como contraposição a estes números, assinale-se também, segundo as estatísticas do Ministério da Justiça, que o número de transgressões, no período entre 1986 e 1991, por infracção a normas de higiene e segurança nos locais de trabalho, não têm cessado de diminuir em cada ano, assim como o número de processos, verificando-se, entre 1986 e 1991, uma variação negativa de 70%. Não admira. De facto, o Governo não tem promovido a formação de quatros para intervenção na área te fiscalização do cumprimento de normas de higiene e segurança.
Nesta área, as omissões constituem um verdadeiro atentado contra a vida e integridade física dos trabalhadores.
Os acidentes mortais de jovens menores de 20 anos tiveram um aumento de mais de 50%, de 1990 para 1991, para não falarmos já dos afectados de incapacidade permanente e dos trabalhadores entre os 20 e os 39 anos, que viram aumentado em quase 60% o número de acidentes de trabalho que os vitima.
Estes são os dados fornecidos pelo Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Justiça! Dados bem mais fiáveis do que as fornecidos pelas seguradoras, já que muitos trabalhadores não estão abrangidos por qualquer seguro.
Assim, o Ano Europeu de Segurança e Higiene no Trabalho assinalou-se no nosso pais com a vitimização de mais uns milhares de trabalhadores, a perda de mais uns milhares de dias de trabalho, custos económicos acrescidos, custos sociais elevados, traduzidos no sofrimento de muitas famílias.
Quanto ao anúncio bombástico das promessas incumpridas, não deixámos de manifestar as nassas dúvidas e mesmo incredulidade relativamente à concretização daquelas.
Mingua á vontade política, ao Governo e a alguns dos parceiros sociais que ainda não entenderam que a prevenção do risco gera mais produtividade, maior competitividade, maiores lucros, porque uma roda ferrugenta e carcomida demora o dobro do tempo a engrenar!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Consciente da gravidade da situação, o Grupo Parlamentar do PCP apresentou na Mesa da Assembleia da República, em Maio de 1991, um projecto de lei, a que foi atribuído o n º 747/V, sobre higiene, saúde e segurança no trabalho.
Já muito depois disso, em Novembro desse ano, foi publicado o Decreto-Lei n º 441/91, mas, mesmo assim, entendeu o PCP que se justificava a apresentação de um projecto de lei de alterações, com vista a introduzir um aperfeiçoamento naquele diploma.
Na verdade, o vezo dilatório do Governo levou-o a deixar para a regulamentação uma parte importante do diploma- enquanto se diz que se está a regulamentar, vai-se adiando a entrada em vigor da lei de bases.
Para a regulamentação deixou o Governo o processo de eleição dos representantes dos trabalhadores e os respectivos regimes de protecção com os serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho a implementar pelas empresas, bem como a definição das formas de aplicação do diploma à Administração Pública, a protecção de grupos de trabalhadores especialmente sensíveis a certos riscos, nomeadamente jovens e mulheres grávidas, e a prevenção dos riscos no caso da agricultura, da pesca, da marinha e do comércio.
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Com o projecto de lei em debate, o PCP pretende: precisar e alargar as obrigações do Estado no que concerne ao Instituto Nacional de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, à promoção de investigação científica e à formação nas áreas da prevenção dos riscos profissionais; precisar a competência para a definição da política de segurança, saúde e ambiente no trabalho; definir a natureza, composição e competências do Instituto de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, e do Conselho Nacional; alargar o direito à informação e consulta dos trabalhadores; instituir, desde logo, a figura de representantes dos trabalhadores definindo as suas funções, para que possam começar a intervir na vida da empresa, já que, como se sabe, as entidades patronais atrasam a formação das comissões de higiene e segurança no trabalho; instituir na lei as comissões de higiene e segurança no trabalho, definir a sua composição,
funcionamento, e os direitos dos seus membros; cometer ao INE a tarefa de publicar anualmente as estatísticas de lesões profissionais; definir princípios relativamente aos técnicos de segurança, higiene e saúde no trabalho, e estabelecer a necessidade de criação de um estatuto e de um código deontológico.
Desafiamos, pois, o PSD a demonstrar, verdadeiramente, o empenhamento na aplicação de uma lei quadro que sirva, de facto, os objectivos de prevenção dos risco profissionais.
É óbvio que não vai responder ao desafio. A sua postura neste debate - bem como a do Governo, que não é obrigado a estar, mas bom seria que estivesse, presente numa questão de tamanha importância - é como a de uma criança mal comportada que perante um aviso se põe a assobiar e a olhar para os pássaros.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A revisão do quadro legal relativo aos riscos profissionais não pode quedar-se apenas na área da prevenção.
Se for muito barato reparar os riscos, a prevenção degrada-se, pois no imediatismo da avidez do lucro, entre investir na prevenção e estender uns tostões a um corpo estropiado ou minado pela doença, prefere-se geralmente a esmola.
Se a reparação do acidente ou da doença profissional corresponder aos danos efectivamente sofridos pelo homem social, o homem em toda a sua dimensão, que é o trabalhador, torna-se mais atractivo o investimento na área da prevenção.
Dada a estreita ligação entre esta área e a de reparação, pode perguntar-se por que é que o Governo continua mudo quanto à reformulação urgente da legislação sobre acidentes de trabalho e doenças profissionais.
Aliás, não está totalmente mudo nesta área, porque foi publicada, para consulta pública, uma tabela de remição de pensões, que retira aos trabalhadores centenas e centenas de milhares de contos na remição. Também conhecemos uma proposta de tabela nacional de incapacidades morosamente parturejada.
Iniciados os trabalhos de revisão da actual tabela em Abril de 1983, só em Janeiro de 1992 foi posta em discussão pública, merecendo, desde logo, vivos reparos de organizações sindicais e de associações de trabalhadores vitimas de acidente.
Em grande parte dos casos os coeficientes de incapacidade, nesta nova tabela, diminuem em relação à tabela vigente, que data de 1960 - o que é espantoso.
Suponhamos o exemplo: se do traumatismo resultar encurtamento do braço em 2 cm, o coeficiente de incapacidade é de 0,04 na tabela nacional vigente, mas na proposta da nova tabela o coeficiente será 0,00.
Poderíamos ainda falar da diminuição dos coeficientes nos casos de perda de segmentos do joelho que implique uma desarticulação bilateral, na hipótese de hipotrofia das massas musculares do braço, de incapacidade do polegar.
Sendo importe para o cálculo das pensões e indemnizações o coeficiente de incapacidades, verificamos, numa primeira abordagem, que a tabela proposta retrocede em muitos casos, brindando sinistrados e suas famílias com esmolas ainda mais baixas.
Mas por que é que, simultaneamente com o anúncio da legislação na área da prevenção, não avançou o Governo na revisão da velha lei sobre acidentes de trabalho e doenças profissionais?
Alguém escreveu um dia que o dinheiro é do mundo o grande agitador. E é precisamente nesta máxima que encontramos a razão de ser de um silêncio que se abate funestamente sobre as vítimas do trabalho.
Em 1989, os prémios recebidos pelas seguradoras rondaram os 45 milhões de contos, enquanto de indemnizações tais entidades pagaram apenas cerca de 21 milhões de conte.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Um escândalo!
A Oradora: - Por sua vez, a Caixa Nacional de Seguros e Doenças Profissionais, naquele ano, teve 6 milhões de contos de lucros, sendo as despesas apenas 29 % das
receitas.
A revisão da lei sobre reparação dos riscos profissionais, com o objectivo de estabelecer pensões e indemnizações condignas, impedirá, como é óbvio, acumulações de capital daquela ordem.
Daí, o silêncio, a espera conivente!
Mas há que pôr cobro à situado de miséria das vítimas do trabalho.
Por isso mesmo, o Grupo Parlamentar do PCP apresentou o projecto de lei na área da reparação. Indispensável também para que as medidas propostas quanto à prevenção conheçam um verdadeiro sucesso.
A lei em vigor, que constituiu algum avanço na altura em que fui publicada, não encontra hoje qualquer justificação.
Encarando o trabalhador apenas como uma máquina de trabalho com uma determinada capacidade de rendimento, a lei não repara as lesões, nem ao direito à integridade física, nem a perda do direito à vida.
O que a lei repara é tão-só, e mesmo assim parcialmente, o direito à integridade económica ou produtiva e, no caso de morte, como diz o Dr. Vítor Ribeiro, «a lesão de uma certa capacidade de rendimento favorecia certas pessoas suposta ou realmente portadoras de um certo grau de dependência económica em relação ao sinistrado falecido».
Ora, esta óptica ninguém a defenderá hoje abertamente. O trabalhador é um homem social, com direito à reparação integral das lesões sofridas. Reparação que tem que envolver danos não patrimoniais por si sofridos.
Não se compreende que pensões correspondentes a uma capacidade inferior a 30%, fixadas antes de 1975, quando surgiu o primeiro diploma sobre actualização de pensões, continuem sem poder ser actualizadas. 15to é tanto pior quanto é certo que, em todos os casos de pensões
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iguais ou superiores a 20 %, a mesma continua a não ,poder ser remida, ou seja, recebida por inteiro.
Temos, assim, pensões ridículas de algumas dezenas de escudos para o recebimento das quais se chega a gastar importância superior à mesma.
Por exemplo, uma pensão fixada em 1973 para um trabalhador com um vencimento mensal de 3500$ (e já era na altura um bom vencimento) e uma incapacidade de 25% (que é já uma desvalorização significativa) era na altura 590$/mês e, hoje, continua a ser do mesmo montante.
Vozes do PCP: - Muito bem!.
O Oradora: - É inacreditável! Não sei se algum trabalhador aceita sem desconfiança a explicação de que a seguradora ou o Fundo de Garantia de Pensões não lhe vai pagar toda a sua desvalorização, mas apenas dois terços da mesma. Eles não podem acreditar nesta explicação. E menos compreende ainda que na parta que excede o salário mínimo nacional só é levado em conta 70% do excesso se a incapacidade for inferior a 50% e 80% se for superior.
Para ele, as cantas do tribunal nunca batem certas, porque não reparam, de facto, o dano de quem se incapacitou trabalhando para outrem.
O projecto de lei do PCP visa conferir às vitimas do trabalho, por acidente ou doença profissional, e aos seus familiares o direito à reparação integral quanto aos danos patrimoniais e quase integral quanto aos danos não patrimoniais.
Daí que o cálculo da indemnização, segundo o nosso projecto, seja feito sobre a retribuição devida altura do seu pagamento e não na altura do acidente e, no caso das pensões, sobre a retribuição devida na data da cura clínica ou da morte.
O nosso projecto visa transformar o direito a uma efectiva reabilitação, impondo obrigações relativamente a este direito - daí, as disposições dos artigos 8.º, 22.º e 31.º; alarga a noção de acidente no trabalha e de acidente de trajecto; impõe a intervenção na Inspecção do Trabalho quando lhe for comunicado um acidente, por forma a facilitar ao trabalhador a prova do mesmo; integra na retribuição do cálculo todas as prestações regulares e periódicas, mesmo as gratificações, e não apenas, como hoje acontece, o subsídio de Natal e o subsídio de férias; fixa o direito a prestações suplementares quando for necessária a assistência permanente de outra pessoa, o complemento de familiar a cargo, o montante do subsídio por morte, o direito ao 14.º mês, o direito à acumulação das pensões com outras prestações da segurança social; torna sempre possível a remição de pensões, ainda que nalguns casos apenas parcialmente.
A atitude paternalista da actual lei, proibindo a remição de pensões que correspondam a desvalorizações iguais ou superiores a 20%, a exigência noutros casos da prova da aplicação útil do capital da remição cem o objectivo, segundo se diz, de evitar que o trabalhador malbarate o seu dinheiro, outra finalidade não tem do que a de permitir a acumulação de capital nas seguradoras, nas entidades patronais, no Fundo de Garantia de Pensões.
No projecto do PCP alargam-se ainda as hipóteses em que podem ser remidas as pensões por morte; estabelece-se a actualização anual das pensões em função do coeficiente correspondente à variação do custa de vida.
Às doenças profissionais o diploma aplica, com as devidas adaptações, a filosofia que atrás se explanou para os acidentes de trabalho.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Da aplicação do regime previsto no projecto de lei do PCP resultará uma melhoria significativa nas indemnizações e pensões das vítimas do trabalho.
Não será, não é, e nenhum projecto se pode gabar de o ser, a solução ideal. Mas é, desde já, o patamar intermédio e necessário até à reformulação global do regime dos acidentes de trabalho e doenças profissionais.
Poderíamos multiplicar os exemplos que dariam bem a medida da melhoria. Citaremos tão-só, e em resumo, três exemplos ao acaso.
A pensão de que atrás falámos, fixada em 590$/mês em 1973, passaria, por força do projecto de lei do PCP, para 12 980$/mensais. E poderia ser remida em parte, tornando possível ao trabalhador o investimento do capital recebido.
Uma pensão relativa a um acidente de que, por hipótese, foi vitima um trabalhador em 1981, de que resultou uma desvalorização de 40 %, e que, hoje, por força do novo salário, estaria fixada em 11 866$/mês, sem possibilidade de remição, passaria a ser pelo projecto de lei do PCP de 20 767$/mensais, podendo ser em parte remida. É certo que a isto há que juntar também a reparação dos danos não patrimoniais.
Um trabalhador que auferisse agora 80 000$/mês e recebesse 20 000$/mês por ajudas de custos e 10 000$ de gratificações, se sofresse um acidente de trabalho de que resultasse uma incapacidade de 30%, receberia, pela actual lei, uma pensão mensal de 15 737$, mas, pelo projecto do PCP, receberia uma pensão de 37 000$/mensais, e a mesma poderia em parte ser remida, o que não acontece na vigência do actual diploma.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Face às propostas apresentadas e à gravidade da situação, que se vive em matéria de riscos profissionais, será difícil recusar à Assembleia
da República a possibilidade de discutir, na especialidade, os diplomas. Os trabalhadores não o compreenderiam.
A consulta pública, organizada pela Assembleia, trouxe o apoio das organizações de trabalhadores. E a consulta pública, a participação dos trabalhadores na elaboração de legislação de trabalho não pode ser, não é, um mero pró-forma, um ritual sem sentido.
Ela indica o sentido das alterações a introduzir no quadro legal vigente - o sentido desejado pelos trabalhadores.
A consulta pública é uma das formas de democracia participativa que a maioria desta Assembleia não pode continuar a esconjurar com um simples vade retro.
Aplausos do PCP.
Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente
Leonor Beleza.
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, estão inscritos os Srs. Deputados Mário Tomé e Castro Almeida.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, apenas umas breves palavras tendo em conta o pouco tempo de que disponho.
Quero começar por dizer que os acidentes de trabalho são uma chaga, uma doença social e são também um crime organizado com a cumplicidade do Governo.
Protestos do PSD.
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Organizado, no sentido em que a concorrência selvagem, á custa da produtividade, não assenta no real investimento, mas preferencialmente no sacrifício dos trabalhadores, com ritmos e imposições que vão muitas vezes para além do limite físico e moral dos mesmos, delineando assim o perfil daquilo que seria o trabalhador modelo: aquele que a tudo se sujeita!
É evidente que a cumplicidade do Governo entra aqui pela falta de imposição de condições de prevenção, de preparação e educação dos trabalhadores e até de fiscalização.
E tudo isto sem falar no trabalho infantil, essa forma miserável de aumentar os lucros, que todos conhecem, contra a qual todos protestam, mas que vão deixando passar as autoridades e ou aqueles que deviam pôr cobro a essa situação.
Trabalho infantil que é, também ele, uma causa de sinistralidade dos mais desprotegidos da sociedade quando deviam ser os mais protegidos, porque a morte de um trabalhador é, humanamente, igual á morte de 200 ou 300 trabalhadores. Mas para as seguradoras, a existência da sinistralidade é apenas uma forma de aumentar os seus lucros.
O Governo e os empresários vêem apenas os trabalhadores como números, mas como sabemos, e por aquilo que a Sr.ª Deputada Odete Santos disse, também os números condenam tanto o Governo como os empresários.
Numa altura em que, com pompa, se anuncia a pacóvia homenagem ao empresário português - e até se fala numa estátua -, deixaria aqui a sugestão de que era bem melhor, mais justo e bem mais de acordo com o que se passa na nossa sociedade, um monumento ao trabalhador desconhecido.
Sr.ª Deputada, é esta a minha forma de saudar as duas importantes iniciativas do PCP.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr.ª Deputada, uma vez que há outro orador inscrito para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - No fim, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Castro Almeida.
O Sr. Castro Almeida (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, consideramos que esta iniciativa do Partido Comunista - e refiro-me concretamente ao projecto de lei n.º 169/VI, sobre o regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais - diz respeito a uma matéria que é séria e delicada e que merece resolução, na medida em que deixa, em caso de acidente, muitos dos trabalhadores deste país em muito precária situação. Trata-se de uma situação que, manifestamente, tem de ser revista.
O regime essencial que regula esta matéria data já da década de 60 e de 70, pois trata-se de diplomas dos anos de 1965 e 1971 que abordam o essencial desta matéria. Ora, isto diz bem como é difícil mexer nela.
Muitos governos passaram já por este país depois dessa data e continua a manter-se o essencial do regime legal, respeitante aos acidentes de trabalho e doenças profissionais, o que não quer dizer que esta matéria não deva ser revista. Com isto, apenas chamo a atenção da Sr.ª Deputada para as dificuldades que há em revê-lo.
Concordamos com vários dos pontos do projecto do Partido Comunista, a saber: uma melhor e mais rigorosa definição do conceito de acidente de trabalho; alguma superação de jurisprudência inconstante nesta matéria; uma actualização e uma revisão do cálculo das pensões e das indemnizações que são devidas, pois estão manifestamente desactualizadas; a previsão da possibilidade de indemnização por danos morais e a inversão do ónus da prova da culpa do acidente de trabalho. Parecem-nos matérias aceitáveis e que, portanto, são passíveis de merecer o nosso acordo.
No entanto, fiquei algo surpreendido com uma parte da sua intervenção, que, aliás, é referida no preâmbulo do projecto, e que tem a ver com os lucros, supostamente fabulosos, das companhias seguradoras no que diz respeito a esta matéria.
Os números que temos relativamente ao ano de 1991 não são esses - a Sr.ª Deputada citou números de 1989 que demonstram a existência de um lucro da ordem de 50%, em que as companhias pagavam apenas, a título de indemnizações, 50% daquilo que recebiam pelos seguros de acidentes de trabalho -, apontam para valores muito mais razoáveis.
Ficou-me, no entanto, no espírito a dúvida de saber se a Sr.ª Deputada preferiria uma inversão dessa situação. E não sei se seria sensível ou insensível, caso a situação fosse a inversa, ou seja, se as companhias de seguros tivessem de pagar mais do que aquilo que recebiam pelos seguros de acidentes de trabalho. Fiquei com a noção de que, com tanta generosidade da parte de V. Ex.ª, não veria mal algum se a situação fosse a inversa.
15to tem a ver com a questão concreta que lhe quero formular.
Todos estamos de acordo que esta matéria precisa de revisão, o projecto de lei do Partido Comunista aponta para valores concretos e para soluções precisas, mas pergunto se o Partido Comunista está em condições de nos indicar os cálculos que nos garantam a solvabilidade das companhias seguradoras, no que respeita a este ramo de acidentes de trabalho, ou se os trabalhadores não iriam, porventura, à custa de tanta generosidade, ficar pior protegidos pela insolvabilidade das companhias seguradoras, caso este projecto viesse a ser aprovado. Gostava de ter a segurança e a certeza de que assim não é.
Dou o benefício da dúvida ao Partido Comunista de que não teve, obviamente, esta intenção, mas, como pode cair nesse risco, gostava de estar seguro de que assim não é.
Por outro lado, e para terminar, pergunto à Sr.ª Deputada se tem conhecimento - e admito que sim - da existência de uma comissão interministerial, que já está criada, para, exactamente, proceder á revisão desta matéria.
A Sr., Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr, Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, já tivemos o aviso de que estes dois projectos vão para o «congelador». Enquanto a comissão interministerial não trabalhar, ficará lá à espera de melhores dias.
De qualquer forma, quero, em primeiro lugar, exprimir a minha satisfação em relação a estes dois projectos de lei, embora julgue necessário fazer-lhes algumas críticas, que, com certeza, não são as de eles favorecerem as com-
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panhias seguradoras, porque não será este o ramo em que elas mais perdem, pois lá outros bem piores. Talvez este seja até um daqueles ramos em que elas beneficiam alguma coisa a avaliar pelas dificuldades que levantam para pagamento das pensões.
Simplesmente, pareceu-me que o zelo do legislador em querer aqui definir várias coisas leva, muitas vezes, a uma confusão tal que gostaria de perguntar qual é verdadeiramente ou substantivamente a distinção entre «uma lesão profissional» e «uma lesão traumática», entre um «risco profissional» e um «risco grave e imediato». O que é esta coisa chamada «medida de protecção»? O que significa esta generalidade que no artigo 3.º, no que se refere às condições de trabalho, é exprimida pela frase «bem como todos os outros que têm influência sobre a forma como o trabalho é desenvolvido e que exponham o trabalhador a um risco profissional»?
Enquanto, por um lado, se espraia sobre o conceito e, por outro, se subdivide em conceitos estanques, cria uma confusão tal que, realmente, a antiga definição parece muito mentor, tua medida em que engloba tudo o que aqui está. A vossa subdivisão pode levar a que muitas das coisas fiquem de fora, porque não cabem nestas «gavetinhas», digamos assim, que abrem para cada espécie.
Em segundo lugar, não me pareceu claro aquilo que se diz quanto as pensões das viúvas. Não será um erro distinguir entre pessoas que estão a cargo do falecido, do acidentado ou do inválido e pessoas que não estão, e, depois, atribuir-se o mesmo direito a qualquer delas? Pelo menos, da maneira como aqui está, parece levar-nos a esta interpretação.
Em terceiro lugar, chamo a atenção para o facto de os representantes ou membros das comissões de higiene e segurança terem os mesmos direitos que são concedidos aos membros das comissões de trabalhadores. 15to quer dizer que, se, amanhã, houver uma empresa que tenha 30 trabalhadores e houver umas três ou quatro comissões - uns são da comissão de trabalhadores, outros da comissão sindical, outros ainda da comissão de higiene e segurança ... -,todos ou quase todos os trabalhadores beneficiam da presunção e do regime próprio dos membros das comissões de trabalhadores.
Há, portanto, aqui uma diversificação de membros de comissões a que se atribuem os «privilégios» que, a meu ver, não deveriam existir, por forma que, nas pequenas empresas, não ficasse quase toda a gente a beneficiar do regime que apenas foi criado para alguns representante dos trabalhadores, pelas suas funções específicas.
Em quarto lugar, quero perguntar a V. EX.ª se a noção de acidente de trabalho, principalmente o que se verifica in itinere, não extravasa totalmente aquele conceito que a jurisprudência actual fixou e que já é bastante mais extensivo do que aquele que vem previsto na lei. VV. Ex.as ultrapassam essa corrente jurisprudencial mais extensiva para englobarem acidentes que, porventura, nada têm a ver com o verdadeiro acidente de trabalho.
Em quinto lugar, quero lembrar aqui a questão da responsabilidade patronal por acidente de trabalho que, nos contratos à peça, se verifica fora do espaço da empresa. É o caso de uma entidade patronal que contrata uma bordadeira, na Madeira ou aqui, por exemplo, para fazer determinados trabalhos no seu domicílio - isto só para dar o exemplo mais clássico- e sofre aí um acidente durante a feitura desse trabalho, que está completamente fora do raio de acção de previsibilidade e controlo da entidade patronal, ficaria englobada na vossa definição. Gostaria, por isso, que nos explicasse melhor este aspecto fundamental da questão.
(O orador reviu.)
A Sr., Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª, Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr.ª, Presidente, Sr. Deputado Castro Almeida, quero agradecer-lhe as perguntas que me colocou e a intervenção que fez. Penso que foi uma intervenção com alguns pontos positivos, mas não gostei da parte final, como é óbvio, quando disse «denota uma certa ingenuidade». Penso que não o fez com a convicção de que estava a dizer uma coisa que toda a gente sabe que não vai acontecer, que é a falta de solvabilidade das companhias seguradoras, porque elas arranjam sempre meios de ter solvabilidade.
Tenho aqui os dados fornecidos pelo Instituto de Seguros de Portugal e foi daí que tirei os dados relativos às pensões e às indemnizações pagas e aos prémios recebidos pelas companhias seguradoras. Não há, portanto, margens para dúvida!
O Sr. Castro Almeida (PSD): - Estão desactualizados!
A Oradora: - Não estão desactualizados. São de 1989, mas podemos ir buscar os de 1990 ou de 1991...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - São melhores!
A Oradora: - As pensões não foram aumentadas!
Toda a gente sabe, é voz corrente, mesmo não tendo os dados estatísticos, que as companhias de seguros têm lucros chorudos com os acidentes de trabalho e têm prejuízos com os acidentes de viação.
Mas - e isto agora não se dirige a V. Ex.ª, porque penso que analisou a questão equilibradamente - a tabela nacional de incapacidades tem uma coisa incrível: é que passa a aplicar-se aos acidentes de viação, se for aprovada.
V. Ex.ª, já imaginou os lucros chorudos que as companhias seguradoras passaram a retirar dos acidentes de trabalho e dos acidentes de viação? Não tenha pena das companhias de seguros, pois elas não têm pena dos trabalhadores!
Não defendi que as companhias de seguros não deveriam ter lucros - com certeza que percebeu mal a minha frase; o que eu disse foi que esta acumulação de lucro, que era escandalosa, não se poderia verificar, porque, de facto, enriquecer desta maneira com a tragédia de muito trabalhadores e da, suas famílias não pode ser admitido pela nossa sociedade, pela sociedade, nos finais do século xx.
Para terminar, gostaria de ficar com esta secreta esperança...
O Sr. Castro Almeida (PSD): - As contas! As contas!
A Oradora: - Sr. Deputado, referi-lhe as contas do montante mensal, que tem os lucros das seguradoras, o número de acidentes de trabalho, a média das desvalorizações, que estão nas estatísticas, pelo que é fácil fazer as contas. E olhe que as contas e as propostas são modestas, pois, não sei se reparou, normalmente, as pensões, vão para o dobro ou um pouco mais e, inclusivamente, tendo em
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atenção o facto de se ir pagar mais remunerações, até se diz no projecto do lei que saí será remida no caso de incapacidades superiores a 20% a parte relativa a 20% de desvalorização, continuando a outra a ser recebida mensalmente.
Portanto, até aí houve esse cuidado para que os senhores não pudessem acusar o projecto de irrealista. Por isso, Sr. Deputado, espero que essas suas palavras signifiquem a aprovação, na generalidade, por parte do PSD, dos nossos projectos de lei.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - És ingénua!
A Oradora: - Não sou ingénua, mas gosto de fazer graça, às vezes!
Risos do PSD.
Quanto às questões que o Sr. Deputado Narana Coissoró colocou sobre o projecto de lei relativo ao regime geral de segurança, higiene e saúde no trabalho, posso dizer-lhe que este processo adquiriu, em matéria de conceitos, algumas coisas da directiva da CEE e outras que a medicina no trabalho vem utilizando.
Em todo o caso, creio que isso não é significativo, pelo que, na especialidade, poderíamos discutir essas questões, sendo, isso sim, significativo o alargamento das matérias expressamente já regulamentadas da lei quadro para que não se «atirasse» isso para uma futura regulamentação.
Quanto às comissões de higiene e segurança no trabalho, claro que, Sr. Deputado Narana Coissoró, este é um dos pontos em que estaremos sempre em desacordo, como é óbvio, uma vez que as nossas filosofias e as nossas posições quanto a esta matéria são bastante diferentes.
No meu entender, estas comissões desempenham, ou melhor, desempenharão, um papel importante neste país, pois até à data não se tem dado qualquer formação nesta área aos trabalhadores, pelo que eles não sabem sequer os riscos a que estão sujeitos.
Relativamente aos conceitos de acidente de trabalho e de acidente de trajecto, que fazem parte deste projecto de lei, são, propositadamente, mais extensos do que os conceitos consagrados na jurisprudência. Aliás, fiz um estudo, ainda que sumário, de direito comparado e encontrei, por exemplo, não a lei francesa - que me parece bastante mázinha, se, entretanto, ainda não foi alterada - mas,
sim, a lei belga, que considero avançada. E posso dizer-lhe que algumas das questões tratadas neste projecto de lei foram adaptadas dessa lei, que, repito, me parece ter
óptimas soluções.
Creio que relativamente ao trajecto todo ele respeita à realização de trabalho e quanto à questão do viúvo ou da viúva diz-se no projecto de lei...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Na alínea a) do artigo 11.º!
A Oradora: - ... «50 º/, da retribuição se estiver a cargo da vítima e 30%, se esta condição não se verificar». Aliás, esta redacção já estava proposta na versão anterior do nosso projecto de lei, e creio que tem justificação.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - E se não esteve a cargo?
A Oradora: - Se não esteve a cargo, tem também prejuízo!... Uma pessoa que não está a cargo, mas que vive com o marido ou com a mulher, entrando em casa dois ordenado, por virtude da morte de um tem um abaixamento do nível de vida! Não tenho dúvidas algumas acerca disto! Logo, terá de ser indemnizada!
Relativamente ao trabalho no domicílio, gostaria de tratar este tema, mas dado a falta de tempo, remeto o Sr. Deputado para o parecer elaborado pela Procuradoria-Geral da República...
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Também li esse parecer!
A Oradora: - ... quanto às bordadeiras, onde se considera o trabalho no domicílio como sendo trabalho subordinado, devendo, como tal, estar abrangido.
Finalmente, agradeço as palavras proferidas pelo Sr. Deputado Mário Tomé, que falou de forma sentida, sofrida, relativamente às vitimas dos acidentes de trabalho. Creio que talvez um dia possamos vir a ter, neste país, um monumento aos sinistrados no trabalho por aquilo que sofreram por culpa de omissões, que no aspecto literário são crimes e que se não o são na lei são-no, pelo menos, naquilo que as pessoas sentem.
Aplausos do PCP e dos Deputados inpendentes, João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Salvada.
O Sr. Rui Salvada (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Entendeu o Grupo Parlamentar do PCP apresentar, no passado dia 11 de Junho, o projecto de lei n.º 167/VI, que nos cumpre apreciar na sessão plenária de hoje, que visa introduzir alterações ao regime jurídico de segurança, higiene e saúde no trabalho.
Esta iniciativa legislativa não tem, manifestamente, oportunidade se atentarmos no facto, como se refere no n.º 5 do preâmbulo, de ter como razão de ser «melhorar o regime geral constante do diploma do Governo».
Ora, acontece que o diploma do Governo é o Decreto-Lei n.º 441/91, publicado em Novembro, mas com entrada em vigor, como dispõe o seu artigo 25.º, no dia 1 de Agosto de 1992, isto é, depois da apresentação do projecto de lei do PCP.
Quer isto dizer que o PCP pretende aperfeiçoar um regime que, à data de hoje, entrou em vigor há menos de quatro meses.
Acresce ainda que o regime jurídico que o PCP pretende alterar é resultado de um processo negocial demorado e complexo, que logrou conciliar o essencial das posições de todos os parceiros sociais e do Governo. Pretender o Grupo Parlamentar do PCP que um seu projecto de lei, ainda que hipoteticamente muito meritório, substitua um diploma de elaboração tão prolongada e participada que, ainda nem sequer tinha entrado em vigor é um direito que lhe assiste, mas que nenhuma força política responsável pode sensatamente subscrever.
Recordamos que o referido decreto-lei, que o PCP se propõe alterar, resulta do desenvolvimento do acordo económico e social, celebrado em sede de Conselho Permanente de Concertação Social, e que a própria CGTP, com as suas conhecidas dificuldades em tudo o que respeita à concertação social, assinou o acordo de segurança, higiene
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e saúde no trabalho, ao qual está anexado o texto do diploma que o PCP hoje pretende tico profundamente alterar.
Na sua saga legiferante, pretensamente obreirista, o PCP não se distancia apenas das posições do Governo, o que é natural e até saudável, como se isola face a todo o movimento associativo, com especial destaque da CGTP, a que está. intimamente associado.
Talvez por se ter apercebido disso, o PCP não repete a apresentação do projecto de lei que sobre a mesma matéria fizera na anterior legislatura, tendo optado por, com base no decreto-lei, apresentar propostas de alteração visando, como refere, «aperfeiçoá-lo».
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - E qual é o problema?
O Orador: - Resulta daí um texto confuso, repetitivo, obsessivamente regulamentador, que tudo burocratiza, por ser, em muitos aspectos, utópico, irrealista e contraproducente.
No entanto, a iniciativa do PCP tem aspectos positivos, desde logo porque são de louvar as preocupações sobre um tema tão importante e caro à vida e ao bem-estar dos trabalhadores e das empresas e porque proporciona a oportunidade de, mais uma vez, debater esse problema - aliás, temos a convicção firme de que esta é uma das áreas em que a pedagogia, a informação e o impacte público podem operar melhorias e transformações positivas por via da consciencialização de todos os agentes nela participantes.
Mas a primeira lição a tirar de todo este processo é o reconhecimento, que mais uma vez é preciso fazer, das virtualidades da concertação social, que, levaram a que, comprovadamente contra a vontade do PCP, sobre uma matéria tão sensível surgisse consenso total entre entidades tão diferentes como o Governo apoiado pelo PSD, a CAP, a CIP, a CCP, a UGT e a CGTP.
E, se é justo louvar o Governo por ter sabido protagonizar com grande sentido de Estado o difícil papel de, a um tempo, ser motor e mediador de um processo assaz difícil e complexo, é igualmente justo reconhecer o contributo decisivo dos parceiros sociais.
O facto de, entre nós, as forças políticas e sociais virem conferindo uma grande importância à temática da higiene e segurança no trabalho é um forte motivo de regozijo, porque tal preocupação traduz o sentido de importantes e positivas transformações a nível da componente económica e ao nível das preocupações sociais.
O meu partido assume esta matéria como mais um exemplo da política de solidariedade, devida a todos os trabalhadores portugueses, sem a qual não há sucesso por que valha a pena lutar! É por assumirmos inequivocamente esse projecto, como uma vertente da solidariedade, que entendemos ser este um campo farto de possibilidades, quanto à convergência de esforços de todos os responsáveis e de todos os agentes sociais pela Causa pública, e nos recusamos a entendê-lo como uma área de disputa partidária de onde alguém possa pretender retirar dividendos políticos.
Estamos, pois, na primeira linha dos que se recusam a encarar o trabalhador como mero factor de produção de riqueza! A empresa e a sociedade laboral no seu conjunto têm de saber corresponder aos desafios da modernidade que exigem, como é indispensável, uma prestação técnica tão competente quanto possível, mas que reclamam que o homem seja perspectivado na sua globalidade, tendo em vista a satisfação de necessidades económicas, psicológicas
e sociais, as quais encontram, em grande parte, resposta nas condições de ambiente no trabalho e na ausência de acidentes e doenças profissionais.
Temos a consciência de que são praticamente inavaliáveis os custos sociais decorrentes desses acidentes e dessas doenças, para além de serem um factor importante de prejuízos financeiros e económicos para os trabalhadores, para as empresas e para o País.
Bata ponderarmos o cotejo de consequências para a vida dos trabalhadores e do seu agregado familiar quando confrontados com o impacte negativo que um qualquer deles provoca ao nível da sua carreira profissional, ao nível do ambiente familiar, do rendimento que aufere, do stress de uma imobilidade forçada, quando não da sua ruína física e moral. A agressão a estes valores é inavaliável, daí elegermos as políticas de prevenção como uma importante componente do projecto de sociedade solidária que é o nosso.
Por outro lado, sendo certo que a pessoa humana é para nós o princípio e o fim de todas as coisas, não postemos esquecer a indispensabilidade de Portugal contar com recursos humanos saudáveis, que são a melhor garantia para que continuemos a percorrer, com passos seguros, a distância cada vez mais curta que nos separa dos países mais desenvolvidos.
Esse é um objectivo prioritário para todos os agentes socialmente responsáveis para o Estado, que poderá evitar o dispêndio de verbas avultadíssimas, designadamente nos sectores de segurança social e de saúde, e assim aplicá-las nos sectores que potenciem o aumento da riqueza nacional; para os trabalhadores que preservam a sua carreira, os seus rendimentos e a sua saúde, quando não a sua própria vida; para as empresas, que assim dispõem de condições para uma gestão rigorosa dos seus recursos, com evidentes consequências positivas ao nível de produtividade, dos prazos de entrega, da qualidade dos produtos, tudo revertendo, afinal, a crédito da sua imagem e da sua competitividade.
Ora, a legislação actualmente em vigor é suficientemente vasta e acautela devidamente os objectivos a atingir, pelo que o ordenamento pós-laboral português não sairia enriquecido com as alterações propostas pelo PCP.
Na verdade, o caminho que tem vindo a ser seguido está correcto no essencial: legislação adequada, recebendo os contributos dos parceiros sociais e um grande esforço no sentido de consciencializar as empresas e os trabalhadores de que, pese embora esteja em vigor legislação que responde às necessidades, ela só por si será insuficiente porque estamos numa área em que o querer das pessoas e os seus comportamentos são indispensáveis para atingir os fins desejados.
E aqui há um fosso intransponível a separar-nos do PCP: enquanto este deposita todas as suas esperanças na burocratização do sistema e do aparelho administrativo e legal, nós entendemos que, definido um quadro legislativo adequado, como já está, há um amplo campo que só ao homem compete gerir, e por isso há um grande esforço a operar no domínio da consciencialização de empregadores e de trabalhadores de modo que adiram conscientemente a todo projecto.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Por isso é que fizeram a arbitragem obrigatória!
O Orador: - Esta referência estratégica julgo-a fundamental já que a actuação em segurança vai, muitas vezes,
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contra o instinto natural do homem, subordinado à lei do menor esforço, do mais cómodo e do mais fácil. Formação, participação, informação; uma palavra: ganhar a adesão de trabalhadores e empregadores! Eis a via insubstituível para, assente o quadro legislativo, chegar a bom porto nesta viagem.
E, por sobre isso, uma grande atenção dos competentes órgãos da Administração Pública, como grandes mobilizadores de todo o processo a nível do quadro legislativo, da formação, da informação e da fiscalização.
Estamos plenamente seguros de que os problemas na área da prevenção dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais não têm por causa carências legislativas.
Temos boa legislação, temos legislação bastante, que responde em absoluto aos imperativos constitucionais, comunitários e da OIT, razão por que a prioridade das prioridades deve centrar-se ao nível da fiscalização da alteração das mentalidades e dos comportamentos. Esta, sim, é uma causa em que as contribuições de todas as forças políticas e de todas as torças sociais não são de mais e o PSD assume-a como uma das primeiras prioridades no dossier social.
Do que ficou dito bem se compreende que não possamos apoiar a iniciativa comunista nesta matéria. Ninguém compreende - provavelmente a começar pelas centrais sindicais- que o esforço louvável que fizeram na feitura de um acordo tão complexo nas suas várias vertentes esteja a ser posto em causa por um partido que se diz de base operária, agora que ele daí os primeiros passos e nem foi ainda testado pelo país real.
Fica, no entanto, a nota de que mais um debate sobre o tema tem a inequívoca vantagem de lhe conferir honras de primeira página e, quanto a isso, o PSD entende que falar de higiene, saúde e segurança nos locais de trabalho é sempre um tema querido a quem, como nós, coloca os interesses legítimos dos trabalhadores na primeira linha das suas preocupações.
Aplausos do PSD.
O projecto de lei n.º 169/VI, também em debate, visa proceder à revisão parcial do regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, matéria de extrema importância social e que interessa a todos os trabalhadores.
Somos os primeiros a reconhecer que a legislação em vigor, cuja base essencial data de Agosto de 1965, isto é, de há quase 30 anos, precisa de ser revista. Não é, entretanto, matéria fácil, como se conclui pela simples constatação de que nenhum dos muitos governos que desde aquela data tomaram posse logrou implementar uma reforma profunda do seu articulado.
Como podemos verificar, o PCP não tem a esse respeito qualquer dificuldade, pois junta alguns dos seus quadros e apresenta um projecto de lei que, desenquadrado da realidade, não tem qualquer viabilidade e apenas visa adregar eventuais ganhos políticos na sua base de apoio.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Não apoiado!
O Orador: - Foi talvez pena que o PCP, quando participou do Governo, não tivesse sido tão lesto como o é agora na oposição a aperfeiçoar sistemas que tanto condena e já então vigoravam.
O que o meu grupo parlamentar entende sobre esta matéria é que ela deve continuar a ser estudada, como já vem sendo pelos organismos competentes, com realismo e com uma grande compreensão da carga social que lhe está afecta, e que, num prazo que desejamos curto mas que deve ser definido sem precipitações, os resultados do trabalho sério que sabemos estar a ser feito venham a ter tradução em forma de lei. Será, seguramente, mais um importante contributo do PSD para a coesão social que importa a todo o momento aperfeiçoar.
Temos consciência de que alguns dos aspectos da actual legislação merecem uma ponderação equilibrada, como sejam o conceito de acidentes de trabalho, a precisão quanto ao salário de referência, a eventual assistência ao sinistrado por uma terceira pessoa, a talvez justificável valoração dos danos morais na reparação, um maior equilíbrio no cálculo das indemnizações.
Só que ninguém espera do PSD soluções simplistas, demagógicas e «popularuchas». Oportunamente, quando o quadro de referência, onde se movimentam os diversos valores que contribuirão para uma solução mais justa mas responsavelmente exequível, estiver suficientemente clarificado, não protelaremos essa iniciativa, que pretendemos seja amplamente participada pelos parceiros sociais e não uma iniciativa avulsa, como é este projecto de lei n.º 169/VI, no qual, obviamente, não nos reconhecemos.
Aplausos do PSD.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para defesa da honra.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr.ª Presidente, recorro a esta figura regimental com pertinência, na medida em que o Sr. Deputado Rui Salvada, na sua intervenção, cometeu duas inverdades, isto para não dizer que proferiu duas mentiras, e cometeu uma mistificação.
Em primeiro lugar, relativamente à posição do PCP quanto ao acordo sobre a higiene e segurança no trabalho, o Sr. Deputado Rui Salvada disse uma inverdade, na medida em que nós não estivemos contra o acordo mas, sim, denunciámos as omissões quando o diploma foi negociado entre os parceiros sociais. Estivemos sempre em desacordo, isso sim, foi com o acordo económico e social do qual fazia parte o acordo sobre higiene e segurança tio trabalho.
Portanto, em termos globais, estivemos contra o pacote laboral...
O Sr. Rui Salvada (PSD): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?
O Orador: - Se a Sr.ª Presidente permitir!...
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - O Sr. Deputado Jerónimo de Sousa pediu a palavra para defesa da consideração, pelo que lhe peço que a utilize nos estritos limites da figura regimental que está a usar.
O Orador: - Portanto, como estava a dizer, estávamos em desacordo com o acordo económico e social em termos globais, relativamente ao conteúdo gravoso que ele tem para os trabalhadores.
Mas a segunda inverdade que proferiu - para não dizer mentira- foi a seguinte: só em 1975 é que houve a
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valorização das pensões em relação aos acidentes de trabalho.
O Sr. Rui Salvada (PSD): - E o resto?
O Orador: - É evidente que não estavam lá só os comunistas mas, também, militantes do PSD, do PS... De qualquer forma, foi em 1975 que houve a primeira actualização desde que a lei existe.
Fica-lhe mal, Sr. Deputado, essas afirmações de fé...
O Sr. Rui Salvada (PSD): - Fica mal?
O Orador: -... na confiança nos parceiros sociais, de que o PCP é que quer a burocratização, etc. Explique-me lá, Sr. Deputado, por que é que os senhores aprovaram. e impuseram aos trabalhadores portugueses a arbitragem obrigatória nos conflitos na negociação da contratação colectiva? Não seja hipócrita! O PSD que não seja hipócrita e assuma que, em relação aos direitos dos trabalhadores, quando se trata de poder haver diálogo e equilíbrio entre os parceiros sociais sem a intervenção do Estado, os senhores, para desequilibrar esse mesmo equilíbrio, acabaram por criar esse sistema de arbitragem obrigatória.
Não haja hipocrisia neste debate, Sr. Deputado!
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Salvada.
O Sr. Rui Salvada (PSD): - Sr.ª Presidente, não tenho de dar explicações ao Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, porque, como é evidente, não o ofendi.
Porém, gostaria de clarificar uma ou duas questões que levantou relativas ao acordo sobre segurança, higiene e saúde no trabalho.
Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, se os senhores, enquanto partido, concordavam com o acordo como é que apresentam um projecto de lei praticamente a alterá-la?
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Não é verdade!
O Orador: - Então, Sr. Deputado, a um diploma que é para entrar em vigor num determinado dia, no dia X,...
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Não é verdade! O nosso projecto de lei visa aperfeiçoar e aprofundar!
O Orador: - Posso continuar?
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Faça favor!
O Orador: - Dizia eu, os senhores apresentam a oito dias, a dez, a quinze dias ou a um mês da entrada em vigor do diploma, do dia X- diploma que foi objecto de um trabalho prolongado, de meses, de um ano ou de coisa parecida, com as confederações patronais e sindicais, a UGT e a CGTP-, um projecto de lei com não sei quantos artigos, 20, 30 ou 40, a alterar aquele diploma, e o senhor diz-me que o Partido Comunista está de acordo com isso? Ó Sr. Deputado, isso é mistificar!
Quanto à questão de fundo - e é a essa que quero responder -, lembro que a lei é de 1975.E o Partido Comunista Português, que esteve várias vezes no Poder- teve influência, teve militantes no Governo, que foram vice-primeiro-ministro e adjuntos do primeiro-ministro -, por que é que a não alterou? Até mesmo o aspecto consagrado no Decreto-Lei n.º 668/75, aquando da modificação do cálculo das pensões, relativo às pensões resultantes de incapacidades inferiores a 30%, o Governo não lhes tocou. Logo, nunca houve, mesmo quando tiveram algum poder, uma atitude responsável vossa em termos de alterar a estrutura do sistema.
Portanto, Sr. Deputado, sabe que não estão à vontade nisso. E embora assumamos muitas das medidas aqui previstas não as assumimos nesse contexto mas, sim, no da responsabilidade que, oportunamente, queremos apresentar nesta Câmara e ao País.
Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, o que os senhores pretendem é fazer um pouco de mistificação, de demagogia, para tirarem alguns dividendos políticos,...
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Não diga isso!
O Orador: - ... e é nesse sentido que os senhores brincam com as pessoas, e não nós.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Não apoiado! 15so é indecente!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.
A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr.ª Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família promoveu um amplo debate com os parceiros sociais, Governo, Administração, técnicos e universidades sobre a higiene e segurança no trabalho, que teve a virtude de identificar consensos, conflitos e definir responsabilidades.
É oportuno o agendamento do PCP, que nos permite renovar e aprofundar este debate e efectuar o balanço das concretizações, que, nesta fase, dependem essencialmente da acção governativa.
O PS está consciente das dificuldades das empresas, dos trabalhadores e dos apoios necessários ao salto gigantesco de décadas de inércia e mesmo de desinvestimento.
As exigências comunitárias, a partir de 1993, aplicam-se a todos os Estados membros: a harmonização de um conjunto de normas estudadas pela Fundação Europeia para as Condições de Vida e Trabalho e pelo CEN-CENELEC têm incidência nos locais de trabalho e na construção de equipamentos, máquinas e ferramentas, por razões de concorrência.
Portugal está, nesta matéria, como o pensador angolano que se senta à porta da aldeia sem comer até encontrar solução para os problemas, o estômago incomoda a reflexão serena, mas gera dinâmicas espantosas: diz o povo que a necessidade aguça o engenho.
A expectativa de nos sentarmos à mesa dos Doze com coesão económica e social pode ser um factor decisivo para acelerar a mudança, tanto mais que a Comunidade, sem ser generosa, também não foi indiferente às nossas dificuldades.
Se a chave do sucesso das empresas e da economia é a qualidade e a excelência o seu novo paradigma, então o papel da empresa na sociedade e do homem na empresa é uma questão central ala modernidade.
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É por isso que o PS não se resigna com as estatísticas do emprego/desemprego, aparentes indicadores positivos que escondem a qualidade do emprego e do equipamento instalado, factores que também são determinantes para que tenhamos os mais elevados índices de sinistralidade da Europa.
Frederico Edelman, escrevia, há dias, no Le Monde um interessante artigo sobre a imagem das empresas de ponta francesas, segundo ele verdadeiros monumentos à realização humana assinados pelos melhores arquitectos do mundo - refere a IBM e a Bull -, e destaca a sede do Canal Plus, um edifício magnífico sobre o Sena, que classifica de «Diamante na Noite» e no plano estético, pela sua ousadia, elegância e até insolência, compara-o a um Picasso ou a um Matisse.
Fez-me reflectir no caso português - e também temos bons arquitectos, como é sabido -, onde as empresas industriais são, regra geral, espartanas e pobres, com raras excepções de novo-riquismo, curiosamente nos sectores de mais baixos salários; assiste-se ao crescimento de opulentos monstros de betão das grandes superfícies de distribuição; alguns estabelecimentos comerciais começam a modernizar fachadas e vitrinas. Todavia, nos bastidores, as condições de trabalho tocam os limites da decência. Mas verdadeiramente indecentes são os locais de trabalho e as condições dos empreiteiros e sub-empreiteiros de empreiteiros, que, em autênticos tugúrios, fabricam subprodutos e componentes, fazem manutenção e prestam serviços indiferenciados, garantindo a funcionalidade das maiores empresas a menores custos.
É significativo que, em Portugal, só os bancos ergam as catedrais do século XXI, se multipliquem, se ampliem, proliferem, se imponham e esmaguem. São símbolos não do engenho humano mas de poder e pretendem transmitir segurança e prosperidade à custa do endividamento do sector produtivo.
Nas últimas décadas, 90 %, das empresas portuguesas mudaram pouco, em matéria de ergonomia do posto de trabalho; degrada-se a relação entre o habitat e a empresa e muitos acidentes ocorrem em trânsito para o trabalho; piora a situação ambiental e ecológica em consequência da escassez de instalação de tecnologias não poluentes.
O Ano Europeu contribuiu muito para o despertar da sociedade portuguesa para as suas carências e realidades, tornando também mais evidentes a incapacidade do Governo para animar parceiros sociais, técnicos e universidades, no sentido de dar corpo aos acordos estabelecidos, cujo balanço farei sucintamente: constituição do instituto tripartido de higiene e segurança, até 31 de Dezembro de 1991 - esta é uma questão central, sem a qual o acordo é letra-morta, que aguarda melhores dias orçamentais; a Lei Quadro n.º 44l/91 carece de regulamentação, mas, sem a existência do instituto, mesmo regulamentada, não terá eficácia, avolumar-se-ão os conflitos e os desencantos. As propostas em debate no CPCS são inaceitáveis, não correspondendo à filosofia do acordo.
Em matéria de reparação do acidente e de doença profissional, tudo está por fazer: nova tabela de incapacidades; lista actualizada de doenças profissionais; quadro regulamentar adequado à evolução da ciência e da tecnologia; revisão da fórmula de cálculo das pensões, por incapacidade ou invalidez, em consequência de acidente ou de doença profissional, que, nos termos estritos do acordo - pasme-se! -, pretendia a equiparação ao regime geral da segurança social.
O Governo devia tomar para si a responsabilidade exemplar de implementar na função pública o normativo que publicou, mas usou o álibi das situações de excepção, devidas à segurança do Estado, para nada fazer.
O Ministério do Emprego e da Segurança Social e a Inspecção-Geral do Trabalho procuraram cumprir com os indicadores estatísticos, que, esperamos, sejam fiáveis, mas que são já contraditórios com os registos hospitalares, dos tribunais e das seguradoras.
O relatório do 2.º trimestre de 1992 da Inspecção-Geral do Trabalho é revelador do dramatismo e da incapacidade da administração do trabalho controlar a situação. Apesar dos escassos recursos humanos, constata-se um aumento significativo das visitas às empresas e um acréscimo de relatórios e pareceres. Factores culturais e o medo inibem sindicatos e trabalhadores de apresentar queixas, mas verdadeiramente desencorajador é o facto de o valor médio dos autos ser de 14 790$.
As infracções mais frequentes são ao nível primário: 42,6% de falta de seguro; 27% de falta de comunicação
do acidente; 14,5% de incumprimento da regulamentação;8%, de falta de material de protecção e 3% de relatório médico.
No mesmo período, apenas três meses, no Porto e em Setúbal registaram-se seis acidentes mortais; em Lisboa e em Braga, cinco, e em Leiria, quatro. Se tivermos em conta a proporcionalidade da população activa, Braga, Setúbal e particularmente Leiria carecem de medidas especiais e urgentes.
Permitam-me que foque o caso de Leiria. Os inspectores efectuaram 108 visitas; detectaram 2853 contratos a prazo - o mais elevado número do País -, o dobro de Lisboa e mas 1000 que no Porto; foram levantados apenas sete autos; em matéria de higiene e segurança, as visitas foram zero, as queixas zero e os autos zero.
A primeira investigação da Fundação Dublim sobre ambiente de trabalho fornece-nos elementos interessantes de reflexão: 25% dos trabalhadores manuais europeus e 33% dos trabalhadores agrícolas queixam-se de posições cansativas e dolorosas. Em Portugal, estas percentagens duplicam.
Portugal e a Itália são os países em que os trabalhadores mais se queixam de falta de ferramentas e equipamentos adequados.
Os trabalhadores portugueses, os da antiga RDA e os de Espanha são os mais incapazes de mudar ou escolher as suas tarefas, funções e métodos de trabalho.
Nas grandes empresas, os constrangimentos físicos são menores que os organizacionais e a jornada de trabalho é mais curta, mas, sujeitos a maiores ritmos e pressões, os ciclos de tarefas repetitivas são mais comuns.
Nas pequenas empresas, os constrangimentos são físicos, com muitos problemas musculares, ósseos, intoxicações, riscos de acidentes graves, mais frequentes devido a deficiente concepção do local de trabalho, manipulação de cargas e produtos perigosos e menor protecção e vigilância médica.
Entre países, há uma clara divisão Norte/Sul em matéria de condições de trabalho, concluindo-se que, mesmo que os países eliminassem as barreiras de estrutura económica, subsistiriam problemas culturais relacionados com as políticas empresariais, os parceiros sociais e as autoridades públicas, que só um grande esforço de formação pode atenuar.
Os investigadores caracterizam três grupos de países. No primeiro incluem-se a Bélgica, a Dinamarca, a Alemanha,
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o Luxemburgo, a Holanda e o Reino Unido, com sólidas estruturas, boas instalações, recursos humanos preparados,
generalizado uso do computador, reduzidos constrangimentos físicos. Discute-se o taylorismo, a participação, a introdução de novas tecnologias, a pressão e o stress.
No segundo grupo incluem-se a Grécia, Portugal e Espanha, com longas jornadas de trabalho, onde as preocupações são ainda ao nível dos constrangimentos físicos - calor, frio, cargas pesadas, posições dolorosas, riscos de poluição directa e indirecta. A saúde está mais em risco devido ao trabalho do que a qualquer outro factor nestes países. A percentagem de trabalhadores independentes é muito elevada.
O terceiro grupo inclui os países em transição, como a França, a Itália, a Irlanda e a antiga RDA, mais devido a longas jornadas de trabalho e a menores exigências da concepção do local de trabalho do que a outros factores.
O PS entende não ser necessário inventar o que está inventado, pelo que não apresenta qualquer projecto de lei. Adoptadas as recomendações dar OIT, a legislação comunitária e o acordo económico e social, específico nesta matéria, estruture-se a administração do trabalho, faça-se criteriosa aplicação dos fundos estruturais em articulação com as universidades, formem-se médicos de trabalho, higienistas industriais, empregadores e trabalhadores e as mudanças de atitude em diálogo produzirão, por si só, aumentos de produtividade, redução do absentismo, maior qualidade dos produtos e serviços e, sobretudo, das condições de vida e de trabalho.
Os projectos do PCP, no essencial, sistematizam o acordo de higiene e segurança com algumas pequenas diferenças conceptuais. Têm, todavia, a grande virtude de confrontar o Governo com as suas responsabilidades. O projecto de lei n.º 169/VI dá mesmo excelentes contributos para a inadiável modernização do regime jurídico de acidentes de trabalho e doenças profissionais.
O PS indigna-se que se percam oportunidades, que se ludibriem os parceiros sociais, que se ignorem os problemas dos empresários, que se esqueçam os elevados índices de sinistralidade que nos envergonham na mesas dos Doze.
Convidamos o Governo a explicar aos trabalhadores portugueses como vai compatibilizar os acordos assinados e a música celestial das Grandes Opções do Plano com o Orçamento do Estado para 1993, ano em que passa a assumir, sem quaisquer desculpas ou derrogações, as obrigações comunitárias. Portugal e as empresas Portuguesas ficam sujeitas a sanções e a interdições que terão consequências desastrosas para as nossas exportações.
A inércia do Governo compromete o nosso futuro.
Aplausos do PS e do PCP.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Salvada.
O Sr. Rui Salvada (PSD): - Sr.ª, Presidente, Sr.ª Deputada Elisa Damião, registo a parte, importante, da sua intervenção que respeita à importância que dá a esta matéria e, nesse sentido, estamos em total convergência. É bom que os partidos e as forças sociais convirjam numa matéria que, além de ser de primeira prioridade, deve preocupar todos os agentes públicos e sociais.
Portanto, quanto a este ponto, penso que há uma grande convergência de preocupações.
Há, no entanto, uma divergência profunda quando a Sr.ª Deputada faz um juízo de valor sobre a avaliação política daquilo que tem sido feito. A Sr.ª Deputada sabe, tão bem como eu, porque está integrada no meio sindical, no movimento sindical, e porque está integrada num partido que tem a obrigação de estar bem informado, que o Governo como o PSD estão à vontade em relação à gestão desta matéria.
Como disse na minha intervenção, e como seguramente conhece, o acordo sobre segurança, higiene e saúde no trabalho resulta de um trabalho complexo, participado. É um exemplo acabado de como é possível dar aos agentes sociais, designadamente às confederações patronais e sindicais, um papel interveniente, havendo, portanto, uma participação. Talvez seja, em Portugal, um dos exemplos mais importantes e pioneiros da possibilidade de haver participação desses agentes nesta área. A Sr.ª Deputada não referiu este aspecto, provavelmente porque não teve tempo para referir tudo, mas queria deixar-lhe esta nota.
Também não referiu que, quanto a acidentes de trabalho, o período de 1985-1990 foi bom, embora se não possa dizer isso a partir do momento em que haja acidentados de trabalho e morram pessoas devido a isso, o que irá acontecer sempre apesar dos mecanismos existentes. Não
sei se a Sr.ª Deputada consultou as estatísticas, mas posso dizer que elas dizem que, em Portugal, houve uma diminuição para metade dos acidentes imortais e uma diminuição de 30%, como, aliás, o PCP refere num dos seus documentos, dos acidentes não imortais, o que significa que houve algum trabalho feito pela sociedade em geral mas, seguramente, também pelo aperfeiçoamento da acção do Governo e da legislação.
Por outro lado, quero lembrar-lhe que há uma comissão de acompanhamento, como também sabe, de execução deste acordo e não tem sido público qualquer distanciamento dessa comissão em relação às várias tramitações desse acordo, o que significa que as coisas se estão a consolidar quanto a este complexo de agentes políticos e sociais e àquilo que foi consensualizado.
Gostaria ainda de registar a sua indignação, como referiu - foi esta a palavra que empregou -,para com o Governo por, segundo diz, ser insensível às questões de alteração do regime jurídico de doenças profissionais.
Sr.ª Deputada Elisa Damião, o PS, pelos vistos, e mais uma vez, vai a reboque do PCP, porque não apresentou qualquer iniciativa nesta matéria, o que poderia ter feito.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado Rui Salvada, peço que conclua.
O Orador: - Concluo de imediato, Sr.ª Presidente.
Neste sentido, gostaria de saber se só agora é que o PS sentiu essa necessidade, num momento em que o PCP apresentou este projecto de lei.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza):- Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.
A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Rui Salvada, muito brevemente, gostaria de dizer que em democracia há consensos e há divergências. E, Sr. Deputado, o seu papel não é mesmo nada fácil, é extremamente incómodo, porque o Sr. Deputado tem de defender uma filosofia, um acordo, uma política, e esquecer a concretização, que é minha - e assumo isso, subscrevo
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o acordo económico e social, e voltaria a fazê-lo, particularmente nesta matéria.
Respondendo já à última questão colocada pelo Sr. Deputado, a dos acidentes de trabalho, devo dizer que esta matéria está consagrada, acordada, no acordo económico e social, que não é nenhum diploma, havendo, por isso, compromissos por parte do Governo por cumprir. E percebo que o Sr. Deputado sinta como eu e não possa dizer «que pena termos perdido - e por isso nos indignamos-
estas oportunidades; que pena o Governo estar a desacreditar o diálogo social; que pena não haver instituto; que pena não haver formação dos parceiros sociais; que pena estarmos a fazer mistificações quando poderíamos fazer coisas sérias!».
Vozes do PS e PCP: - Muito bem!
O Sr. Rui Salvada (PSD): - Sabe que não é verdade!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Eduardo Reis.
O Sr. José Eduardo Reis (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: À medida que a sociedade vai redescobrindo a eminente dignidade da pessoa humana, e, consequentemente, vai enveredando por uma prática ditada pelo valor supremo da vida, mais valorizada e importante se torna, nas empresas e nos serviços, a existência de uma política de prevenção contra os acidentes de trabalho e as doenças profissionais.
A Constituição da República consagra entre nós os conceitos fundamentais relativos à segurança social. Não faz, no entanto, qualquer referência expressa aos acidentes de trabalho e às doenças profissionais, embora reconheça no seu articulado que o trabalho deverá ser prestado em boas condições de higiene e segurança. Efectivamente, as condições de trabalho são, em qualquer país, uma matriz fundamental na defesa do trabalhador e subsequentemente no desenvolvimento económico e social.
Como primeiras medidas que postulam este desenvolvimento, citaremos, como pioneira, a Lei de 1802 da Grã-Bretanha, a de 1810 na Bélgica e a de 1877 nos Estados Unidos da América. Esta matéria constitui hoje em dia uma referência obrigatória na luta pela conquista de melhores condições de vida dos trabalhadores e na prossecução de uma maior produtividade.
É imperiosa a promoção da segurança e saúde no trabalho não só por razões humanitárias e sociais, só por si suficientemente justificativas, mas também por motivos económicos, numa perspectiva de profundas e constantes mudanças tecnológicas, bem como de organização laboral e de competitividade.
Com a assinatura do Acto Único, a Comunidade Europeia deu maior ênfase a esta temática, declarando o ano de 1992 como o Ano Europeu da Segurança, higiene e Saúde do Local de Trabalho, pretendendo com isso sensibilizar os parceiros sociais e contribuir para a diminuição da sinistralidade laboral na Europa comunitária, sinistralidade essa que se cifra anualmente, em média em 4,5 milhões de acidentes e dos quais resultam 8000 mortos.
Era natural que Portugal tentasse recuperar o grande atraso que possuía em relação aos seus parceiros comunitários, mas, não obstante ter proclamado essa intenção, não deu qualquer passo nesse sentido. Vai, tímida e compassadamente, ratificando velhas convenções e recomendações da Organização Internacional do Trabalho, aceitando directivas comunitárias, mas na prática nada tem feito porquanto não regulamentou nenhum desses instrumentos.
A dispersão de alguma legislação existente, bem como o facto de a mesma estar já ultrapassada e caduca, despertou nos parceiros sociais algum protagonismo nesta matéria, nomeadamente quando, a 30 de Julho do ano findo, subscreveram com o Governo o acordo específico de Higiene e Segurança no Trabalho com o objectivo de « promover a humanização nas condições em que o trabalho é prestado, e a protecção social, de turma a contribuir para melhorar progressivamente e de forma sustentada as condições de vida dos Portugueses, num quadro de desenvolvimento da competitividade das empresas, finalidades económico-sociais que se compatibilizem com a modernização da economia nacional».
E que foi feito então pelo Governo para melhorar a segurança e a saúde dos trabalhadores portugueses? Temos que responder que nada ou quase nada. O Decreto-Lei n º 441/91, de 14 de Novembro, estabelece o regime jurídico do enquadramento da segurança, higiene e saúde no trabalho. Porém, e inexplicavelmente, não foi publicada qualquer regulamentação ao referido diploma, o que deveria ter acontecido até 30 de Abril último.
Por outro lado, o Instituto de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, criado pelo mesmo diploma, não só não foi regulamentado como morreu à nascença. É do
conhecimento geral que o referido Instituto não terá vida própria como merecia pois vai ficar integrado no Instituto do Desenvolvimento e da Inspecção das Condições de Trabalho, Instituto esse que não desejamos suceda ao INTP de má memória.
Esta situação só acontece porque este governo tem uma filosofia economicista desprezando o factor humano.
O Sr. António Braga (PS):- Muito bem!
O Orador: - É urgente que se criem mecanismos legais que alterem substancialmente conceitos completamente ultrapassados, que se actualizem as pensões e as indemnizações, que se reveja e crie legislação social específica.
Mais do que a reparação e a reabilitação, pensamos que é fundamental promover massivamente uma política virada para a prevenção dos riscos profissionais, que passe a «constituir a matriz fundamental que, por um lado, orienta a acção do Estado ao nível legislativo e das responsabilidades executivas e, por outro lado, referencia o quadro essencial de direitos e obrigações dos empregadores e trabalhadores».
Se nos recordamos, que, segundo as estatísticas oficiais, houve no nosso país, durante o ano de 1987, 258 113 acidentes de trabalho dos quais resultaram 534 mortos, 326 961 em 1988 com 805 óbitos - peço desculpa pela citação, mas os números são fundamentais - e 865 casos mortais em 1989, chegaremos rapidamente ì conclusão que algo vai muito mal neste país de sucesso, neste oásis europeu, como alguém já lhe chamou. Estes números são tenebrosos e preocupantes.
Sr.º Presidente, Srs. Deputados: O recurso ao trabalho infantil contribui enormemente para acentuar esta nódoa, que nos coloca também aqui, na cauda da Europa, como o país com maior índice de sinistralidade laboral. A segurança e saúde ocupacionais exigem um esforço colectivo de mudança que provoque de imediato uma redução dos acidentes e construa a humanização das condições de trabalho.
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O êxito do combate ao acidente e todas as melhorias das condições de trabalho resultam primeiramente das medidas impostas pelo Governo, em letra de lei, passando pela tomada de consciência dos trabalhadores, dos empregadores e pelas suas organizações representativas. Também no que concerne aos organismos oficiais, responsáveis pela inspecção e fiscalização das condições de trabalho, a situação é insustentável. Confundem-se às competências sem se conhecer, a maioria das vezes, as responsabilidades específicas de cada um. Vive-se na maior confusão possível e não se vislumbra vontade e capacidade política para se ultrapassar esta situação até porque estão em causa interesses de ministérios diferentes, muito ciosos dos seus direitos e das suas capelinhas.
O Sr. António Braga (PS):- Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, é nula ou quase nula a formação profissional dos responsáveis por esta área laboral tão importante na vida de qualquer sociedade. Hoje é fundamental o trabalho dos técnicos de prevenção, porque além de lhes caber a responsabilidade pela vigilância sobre o risco e o acidente, ainda lhes compete a nobre tarefa de preservar a saúde e o bem-estar nos locais de trabalho.
Discute-se nos areópagos dedicados à saúde ocupacional se os técnicos desta área deverão ser encarados numa lógica humanista ou numa lógica técnica. Cremos não ser importante neste momento a discussão destas duas opções, mas sim criar uma carreira prestigiada que posa atrair mais e melhores profissionais. O equipamento necessário ao controlo das condições de trabalho existente, por exemplo, na Inspecção-Geral do Trabalho encontra-se encaixotado há alguns anos, por não haver técnicos capazes de o utilizar. 15to é mais uma prova da ineficiência dos organismos oficiais que têm ou deveriam ter responsabilidades nesta matéria.
É preciso pôr cobro imediato a esta situação tão degradante.
Aplausos do PS e do PCP.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, chegámos ao fim da discussão dos dois diplomas agendados para hoje e, se não houver oposição, procederíamos às votações agendadas antes da hora regimental. Aguardaremos, no entanto, alguns momentos para que os Srs. Deputados ocupem os respectivos lugares.
Pausa.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na especialidade e final global, da proposta de lei n.º 21/VI - Autoriza o Governo a legislar em matéria de actividades paramédica, que já foi aprovada na generalidade em 19 de Maio de 1992.
Não havendo oposição, votaremos na especialidade todo o texto da proposta de lei.
Pausa.
Como não há oposição, vamos proceder à votação, na especialidade, de todo o texto da proposta de lei n.º 21/VI.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, votos contra do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé e abstenções do CDS e do PSN.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global da proposta de lei atrás referida.
Submetida à votação, foi rejeitado, com votos a favor do PSD, votos contra do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé e abstenções do CDS e do PSN.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 169/VI - Introduz alterações ao regime geral da segurança, higiene e saúde no trabalho (PCP).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS, votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé e a abstenção do PSN.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 169/VI - Procede à revisão parcial do regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais (PCP).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS, votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé e a abstenção do PSN.
Srs. Deputados, chegámos ao fim das votações agendadas para hoje.
A próxima reunião plenária terá lugar na próxima quinta-feira, pelas 15 horas, tendo como ordem do dia a interpelação n.º 7/VI - Sobre a situação da economia portuguesa e o sentido da política económica do Governo.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Declaração de voto enviada à Mesa para publicação relativa à votação da proposta de lei n.º 21/VI
O Partido Socialista considera imprescindível que se legisle em matéria de actividades paramédicas.
Na maioria das unidades privadas de prestação de cuidados de saúde encontram-se a exercer a profissão habilitados com o 9 º ano de escolaridade e detentores de diplomas de formação profissional emitidos pelas mais diversas entidades públicas ou privadas, quando face à legislação vigente o exercício de actividades paramédicas pressupõe a frequência de cursos de formação de três anos lectivos, para cujo ingresso é exigido o 12 º ano de escolaridade.
Estes cursos são ministrados pelas escolas técnicas dos serviços de saúde, criadas pelo Decreto-Lei n.º 371/82, a Escola de Reabilitação do Alcoitão e a Escola Superior de Medicina Dentária, sendo os seus diplomados os únicos devidamente habilitados ao exercício de actividades paramédicas.
É urgente que, para a segurança dos cidadãos, os prestadores privados e convencionados possuam técnicos devidamente habilitados.
Mas o Governo solicitou uma autorização legislativa sem encetar as seguintes diligências prévias:
1) Diálogo com sindicatos, associações profissionais e entidades patronais;
2) Estudo exaustivo do sector e correspondente levantamento;
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3) Número de profissionais de que o País necessita;
4) Explicitação de como se fará a formação dos que exercem a actividade sem habilitação;
5) Explicitação do acesso às carreiras;
6) Plano de acção de forma que todos tenham acesso às acções de formação sem criarem situações de ruptura nos seus locais de trabalho.
Dada a importância de que este assunto se reveste para a saúde dos cidadãos, não pode o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, face à ausência de uma proposta de lei ou, no mínimo, de um projecto de decreto-lei, e face à falta de diálogo patenteada pelo Governo neste processo, conceder a autorização legislativa solicitada.
O Deputado do PS, Rui Cunha.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
António José Barradas Leito.
Arlindo da Silva André Moreira.
Cecília Pita Catarino.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
José Alberto Puig dos Santos Cota.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Pereira Lopes.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel da Silva Azevedo.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Simão José Ricon Peres.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.
Partido Socialista (PS):
António Luís Santos da Costa.
Armando António Martins Vara.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Helena de Melo Torres Marques.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
António José Caeiro da Mota Veiga.
António Maria Pereira.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
João Álvaro Poças Santos.
João José da Silva Maçãs.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Partido Socialista (PS):
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Natividade da Cota Candal.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Santos de Magalhães.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Partido Comunista Português (PCP):
Lino António Marques de Carvalho.
Centro Democrático Social (CDS):
José Luís Nogueira de Brito.
A DIVISAO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.
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