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l Série - Número 11 - Sábado, 7 de Novembro do 1992

DIÁRIO da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 2ª SESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 6 DE NOVEMBRO DE 1992

Presidente: Exmo.. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos.. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
José de Almeida Cesário
Maria da Conceição Figueira Rodrigues
José Ernesto Figueira dos Reis

SUMARIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 20 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.º 222/VI e 223/VI.
A Câmara denegou autorização a três Deputados para comparecerem em tribunal.
Procedeu-se à apreciação do Decreto-Lei n.º 727/92, de 3 de Julho, que reestrutura os centros de saúde mental [ratificações n.º 32/VI (PS) e 33/V1 (PCP)]. Intervieram, a diverso titulo, além do Sr. Secretário de Estado da Saúde (José Martins Nunes), os Srs. Deputados Eurico Figueiredo (PS), Luís Peixoto (PCP) e Vilela Araújo (PSD).
Foi também apreciado o Decreto-Lei n.º ]28/92, de 4 de Julho, que define o regime de formação profissional após a licenciatura
em Medicina [ratificações n.º 34/VI (PCP) e 35/VI (PS)], tendo intervindo, a diverso título, além dos Srs. Secretários de Estado Adjunto do Ministro da Saúde (Jorge Pires) e dos Assuntos Parlamentares (Luís Filipe Menezes), os Srs. Deputados Luís Peixoto (PCP), Ferraz de Abreu (PS), António Bacelar e Jorge Paulo Cunha (PSD).
Finalmente, a Câmara debateu o Decreto-Lei n.º 272/92, de 12 de Outubro, que regulariza a situação dos imigrantes clandestinos [ratificação n.º 36/VI (PCP)]. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna (Carlos Encarnação), os Srs. Deputados António Filipe (PCP), José Puig (PSD), António Costa (PS) e Mário Tomé (Indep.).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 12 horas e 35 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Abílio Sousa e Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Ana Paula Matos Barros.
Anabela Honório Matias.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Bernardino Gata Silva.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Elói Franklin Fernandes Ribeiro.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Isilda Maria Renda Periquito Pires Martins.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Carlos Teixeira Baltazar Gomes.
Joio do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
João Manuel dos Santos Henriques.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Costa.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira Mourão.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.

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Vítor Manuel da Igreja Raposo. Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos da Costa.
António Manuel Oliveira Guterres.
António Ribeiro Marques da Silva.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Edite de Fátima dos Santos Marreiros Estrela.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José António Martins Goulart.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Eduardo Reis.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dona Santa Clara Gomes.
Mário Manuel Videira Lopes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
Apolónia Maria Alberto Pereira Teixeira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
José Fernando Araújo Calçada.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
João Carlos da Silva Pinho.
José Luís Nogueira de Brito.

Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN): Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados Independentes:

Mário António Baptista Tomé.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os projectos de lei n.º 222/VI - Regula formas de apoio financeiro aos estudantes (PSN), que baixou à 8.º Comissão, e 223/VI - Controlo público da riqueza e dos interesses dos titulares de cargos políticos (PS), que baixou à 3.º Comissão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de três relatórios e pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos sobre comparência de Deputados em tribunal.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Figueira da Foz, a Comissão de Regimento e Mandatos decidiu emitir parecer no sentido de não autorizar o Sr. Deputado Cardoso Ferreira a comparecer, a fim de ser julgado, num processo que se encontra pendente naquele Tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

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Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências do CDS, de Os Verdes, do PSN e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca do Cartaxo, a Comissão de Regimento e Mandatos decidiu emitir parecer no sentido de não autorizar o Sr. Deputado Rui Macheie a comparecer, a fim de ser julgado, num processo que se encontra pendente naquele Tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências do CDS, de Os Verdes, do PSN e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, a Comissão de Regimento e Mandatos decidiu emitir parecer no sentido de não autorizar o Sr. Deputado Eduardo Pereira a comparecer, a fim de ser julgado, num processo que se encontra pendente naquele tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências do CDS, de Os Verdes, do PSN e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início aos trabalhos agendados para hoje com a apreciação do Decreto-Lei n.º 127/92, de 3 de Julho, que reestrutura os centros de saúde mental (ratificações n." 32/VI (PS) e 33/VI (PCP).

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Eurico Figueiredo.

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr." e Srs. Deputados: Ao pedirmos a ratificação do Decreto-Lei n.º 127/92, de 3 de Julho, que reestrutura os centros de saúde mental, fizemo-lo por razões que têm a ver com o conteúdo da lei, mas também perplexos por não termos ainda descortinado as razões de fundo que levaram o Sr. Ministro a legislar nesta área, dando uma volta de 180 graus à política do Governo.
Porque, quando sabemos que, em 1960, a psiquiatria em Portugal apenas se reduzia a alguns asilos psiquiátricos em Lisboa, Porto e Coimbra e que, em 1990, o País se encontrava praticamente todo coberto por centros de saúde mental de nível distrital, não podemos negar sucesso à Lei de Saúde Mental, aprovada em 1964.
Apesar das magras verbas atribuídas a esta área, praticamente todo o País ficou coberto com uma rede de cuidados próxima da população, centrada na actividade extra-hospitalar, utilizando unidades leves e baratas.
Para as áreas urbanas, com estruturas hospitalares herdadas dos asilos, menos
flexíveis e mais obsoletas, nos princípios dos anos 80, por iniciativa governamental, desenvolveram-se projectos prevendo profundas alterações na prática psiquiátrica, desinstitucionalizando, descronificando e aproximando os cuidados de saúde mental das populações.
Fruto deste trabalho, altamente consensual nas suas conclusões, temos, em 1985, um primeiro programa de saúde mental nacional aprovado pelo Governo, com objectivos, projectos e recursos. O seu autor, Prof. Sampaio Faria, foi seguidamente convidado para responsável europeu da OMS para a saúde mental.
Antes, já em 1985, todos os Ministros da Saúde da CEE tinham subscrito uma declaração de princípios de organização que o referido projecto contemplava.
Em 1987, sob o patrocínio da OMS, na Figueira da Foz, durante dois dias, sociedades científicas, universidades e representantes de instituições de saúde mental apontaram o que se chamou uma «harmonização das políticas de saúde mental».
Em 1988, os objectivos da política governamental tornaram-se mais claros e específicos em documento profusamente distribuído pelos técnicos de saúde mental.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não tivemos conhecimento de contestações claras e assumidas a estes projectos, nem de associações de utentes, nem de organizações profissionais de médicos, psicólogos, assistentes sociais ou outros técnicos, nem de organizações sindicais, apenas tivemos algumas reservas quanto ao seu excessivo formalismo e, que eu saiba, só nós próprios as assumimos publicamente e mais ninguém.
Mas em 1990 o novo Ministro da Saúde resolveu pôr tudo em questão. Quem o inspirou? De que análise partiu? Que organizações o alertaram? Que vozes públicas seguiu? Mistério!...
A inspiração foi, certamente, oculta, pois, que conste, nada no passado do Sr. Ministro fazia pensar em dotada inspiração nesta área da saúde.
O subdirector dos Cuidados de Saúde Primários e o Director de Saúde Mental demitiram-se. O Sr. Ministro nomeou uma comissão constituída por 18 ilustres psiquiatras, e só psiquiatras, para elaborar um relatório que fundamentasse a mudança. Mas este relatório não faz um diagnóstico da situação, não detecta falhas, estrangulamentos ou disfuncionamentos, apenas avança com vagos princípios largamente consensuais entre técnicos de saúde mental.
Estes princípios até são bastante semelhantes aos referidos no documento enviado ao Sr. Ministro da Saúde, em 17 de Setembro de 1990 informando-o do mal-estar existente nos técnicos de saúde mental, alertados pela intenção de mudança na política de saúde mental, e subscrito pelo Secretariado dos Centros de Saúde Mental, pela Associação Portuguesa de Psiquiatria, pela Associação Portuguesa de Psiquiatria da Infância e da Adolescência, pela Associação Portuguesa de Psicanálise, pela Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar, pela Sociedade Portuguesa de Terapias Cognitivas e Comportamentais e pela Sociedade Portuguesa de Epidemiologia e enviada por nós próprios, promotores da iniciativa.
O Sr. Ministro não só não deu qualquer resposta a este documento, como ocultou também o relatório da comissão nomeada para análise e funcionamento dos serviços de saúde mental, que não foi nem divulgado nem discutido.

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Mais grave: o Sr. Secretário de Estado da Saúde afirmou aqui, a uma pergunta nossa, que a nova legislação sobre os centros de saúde mental, entretanto publicada e hoje discutida, se inspirou neste documento. Foi uma falta de honestidade intelectual! Nada nesse documento pode inspirar uma legislação que nega propostas que nele são feitas.
A pp. 17 e 18 do referido documento diz-se claramente, quanto às funções dos hospitais psiquiátricos, centros de saúde mental - que entretanto foram liquidados - e clínicas psiquiátricas universitárias, que são estas instituições que deviam levar para a frente as políticas de saúde mental em Portugal.
E mais: nas conclusões afirma-se, no ponto n.º 4, que «em Portugal urge levar a cabo uma série de iniciativas de carácter nacional e regional que permitam uma articulação eficiente entre as diferentes estruturas de saúde mental e destas com as da saúde em geral». Este documento defende claramente uma inter-relação entre as estruturas de saúde mental e destas com as da saúde em geral.
Mas o Sr. Ministro legisla no sentido de uma integração da saúde mental nos hospitais centrais e distritais. Mas porquê nos cuidados diferenciados, sobretudo quando estava já na forja a nova legislação sobre o Estatuto do Serviço Nacional de Saúde que podia permitir um novo tipo de articulação a nível, por exemplo, das sub-regiões de saúde nele previsto e com nível distrital?
Esta articulação é-lhe proposta no ponto n.º 9 das conclusões do relatório da referida comissão de 18 psiquiatras, onde se diz: «considera-se importante que, ao nível dos conselhos de administração regional de saúde, sejam criados conselhos de saúde Mental regionais».
Para que servem, pergunto eu, os três centros de saúde mental que, surrealistamente, o Sr. Ministro criou - espante-se! - a Norte, ao centro e a sul do País, quando no novo Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, aprovado segundo consta, se prevêem cinco administrações regionais de saúde? Como articular os três centros de saúde mental com as cinco administrações regionais de saúde?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não há dúvida de que o Sr. Ministro da Saúde é um planificador de génio!
Preferiu o Sr. Ministro a originalidade da integração, e não a articulação, a via da revolução legislativa, e não o pragmatismo reformista; preferiu amalgamar estruturas de saúde com ritmos de mudança diferentes quanto ao modelo médico que as inspira: a psiquiatria e a saúde mental mais viradas para um modelo sócio-psico-biológico, as outras especialidades médicas para um modelo mais biologista; a psiquiatria mais sensível à criação de unidades ligeiras, onde predomina a actividade extra-hospitalar, à económica utilização dos meios complementares de diagnóstico, à continuidade terapêutica e ao trabalho na comunidade, as outras especialidades médicas mais tendentes à criação de unidades pesadas de predominância hospitalar, pródigas na utilização de meios complementares de diagnóstico, menos sensíveis às noções de continuidade terapêutica e menos propícias a desenvolver trabalho comunitário.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nos países mais avançados da Europa, a evolução para uma profunda integração da psiquiatria com outras valências médicas é possível, mas não está na ordem do dia. As condições ainda não existem, se algum dia isso for desejável! Prefere-se a articulação, com autonomia administrativa e financeira dos serviços de psiquiatria e saúde mental, como garantia de que a revolução psiquiátrica em curso nos países mais avançados,
nos últimos 40 anos, vai prosseguir a bom ritmo, acabando com a cronicidade pela prevenção primária e secundária, apostando na continuidade terapêutica, garantindo uma maior personalização do acto médico e, como tal, a sua humanização.
A autonomia administrativa e financeira na clínica geral e na psiquiatria são os maiores garantes de uma evolução da medicina em geral para um modelo menos caro, mais compreensivo, encarando o homem na sua globalidade.
A articulação das diferentes valências médicas a todos os níveis, que nunca foi tentada em larga escala entre nós, garantiria o necessário apoio dos técnicos de saúde mental aos outros serviços médicos, e vice-versa. O que é importante é a articulação, e não a integração!

O Sr. Ministro não seguiu a via do bom senso e do óbvio, comportou-se, na sua pesporrência legislante, como um jovem esquerdista bem intencionado mas irresponsável.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - Será assim? Ou será que há interesses ocultos procurando reduzir os serviços de psiquiatria a meros fornecedores de pílulas? Quem estará interessado nesta política?
Procurando bem, quem estiver vocacionado para este tipo de investigação encontrará pistas profícuas a seguir!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Peixoto.

O Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com a extinção dos centros de saúde mental, conseguiu o Ministério da Saúde introduzir um factor desestabilizador nos cuidados médicos que vinham, há alguns anos, sendo prestados às populações, nos lugares mais recônditos e tantas vezes esquecidos de Portugal.
Com efeito, se a recente lei não teve outra virtude, pelo menos essa teve, ou seja, a de deixar os profissionais suspensos, ansiosos e menos disponíveis e desmotivados para o trabalho que vinham desenvolvendo.
Não restam dúvidas a todos os que lidam com estes problemas de que o indivíduo atingido por doença do foro psiquiátrico é melhor acompanhado quando inserido num sistema complexo e amplo onde interage uma multiplicidade de factores.
Os efeitos nocivos dos internamentos prolongados, sobejamente reconhecidos por todos aqueles que diariamente lidam com esta matéria, são evidentes porque cortam os elos que estes doentes devem necessariamente possuir com o meio sócio-familiar próprio.
O importante é aproximar os serviços das comunidades assistenciais, e esta é, sem dúvida, uma das virtudes que possuía o Estatuto do Serviço de Saúde Mental, cuja continuidade não está absolutamente assegurada.
Acabou-se com os centros de saúde mental. A lei é bem clara. Mas qual a alternativa criada? Como vai ser assegurada a continuidade dos serviços? Como se vai assegurar uma intervenção que, cada vez mais, se reclama de incidência na prevenção primária, prevenção essa essencial, por ter em conta factores individuais, familiares e sociais, só realizáveis com o apoio de uma equipa multidisciplinar, que era fundamental no modelo de funcionamento dos defuntos centros de saúde mental? Qual é

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o reforço e o estímulo à comunicação entre técnicos, tão necessário neste como em qualquer campo da actividade médica, que a recente lei introduz?
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não fica bem claro qual irá ser o método para dar continuidade à organização regional, distribuída por regiões geograficamente definidas que, aliadas à autonomia técnica, administrativa e financeira, faziam com que o tratamento dos doentes mentais em Portugal fosse um facto. A mudança que agora se propõe corre o risco de falhar, pois não está garantida a boa vontade e o empenho dos profissionais ligados ao sector.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Aquilo que é a tendência internacional da reconversão do hospital psiquiátrico, que Portugal apoiou, curiosamente por um governo apoiado pelo mesmo partido que apoia o actual, parece estar a ser posto em causa. Nem mesmo a opinião de respeitáveis especialistas consultados pelo próprio Governo parece ser respeitada, pois num já célebre relatório apontava-se a evolução no sentido da sectorização como forma de dar continuidade aos cuidados de saúde mental e onde se defendia que os centros de saúde mental deveriam ser considerados locais privilegiados, quer como protagonistas de pequenas valências, quer como complementares dos serviços de internamento.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A resposta a esta questão, dirão, está contida, e é esse o objectivo, na presente lei que rege os serviços de saúde mental. Mas, Srs. Deputados, como vai continuar a ser assegurada a continuidade dos serviços, de forma eficiente, se se pretende a sua absorção por uma estrutura hospitalar que já de si atravessa momentos tão difíceis em termos de sobrevivência económica? Como irão ser suportadas as várias actividades dos centros de saúde mental se deixaram de ter cobertura orçamental e se o aumento das verbas destinadas aos hospitais não cresceu mais de 5%?
É nossa opinião que deveria assistir a todos os que, de alguma forma, se encontram ligados a este sector o direito de acesso a documentos escritos, que, da parte do Governo, expusessem as razões e os fundamentos técnicos que levaram à decisão de alterar radicalmente a política de saúde mental.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apelamos, pois, à alteração do presente diploma, não por uma crítica cega, mas, sim, porque achamos necessário um maior diálogo entre Governo e técnicos do sector.
É necessário que esse diálogo, que ainda não existiu e que por isso não conduziu a uma solução exequível, se faça. É necessário que, antes de se proceder a uma qualquer alteração, se encontre uma alternativa, que só nascerá do diálogo entre todos os que, de alguma forma, estão ligados ao sector.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Propomos a alteração do presente diploma e o início imediato da procura de soluções, que conduzam a um serviço de saúde mental cada vez mais moderno e eficiente, e não ao seu desmantelamento.

Aplausos do PCP e do Deputado do PS Raúl Rêgo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Saúde.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde (José Martins Nunes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me que comece por saudar o porta-voz do Partido Socialista para a área da saúde, o Prof. Eurico Figueiredo, com quem hoje tenho, pela primeira vez, a oportunidade institucional de travar um estimulante debate.
Quiseram os Grupos Parlamentares do Partido Comunista Português e do Partido Socialista pedir a ratificação do decreto-lei que reestrutura a saúde mental no nosso país. Este é um momento alto e importante, por se tratar da modernização de uma área particularmente sensível, cujas reformas, ao longo da história, referenciaram sempre decisões de grande coragem.
Coragem e responsabilidade, atestadas também neste processo, ao congregar numa comissão nacional para a reestruturação um conjunto tão importante de individualidades, representativas das diferentes sensibilidades que se entrecruzam na realidade da saúde mental.
Capacidade de decisão ao conseguir implementar uma reestruturação que, do nosso ponto de vista, responde com eficácia ao sentir que prevalece na comunidade científica e vai ao encontro de uma satisfação acrescida do direito fundamental dos cidadãos à saúde.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Esta é uma reforma para os cidadãos. E é-o porque aproxima as instituições à comunidade, ao dar-lhe uma maior capacidade de resposta, conseguida através da disponibilização das instituições hospitalares para a saúde mental, e numa perspectiva hospitalo-comunitária; porque garante a dignidade do doente mental, evitando a estigmatização da sua doença; porque potência uma autonomia técnica e funcional efectiva, ao transformar os centros de saúde mental em departamentos, que funcionam como centros de responsabilidade, beneficiando de um regime de gestão flexível.
É este modelo de organização que preserva a especificidade da saúde mental, garantindo a ligação à comunidade e assentando no pressuposto de que a psiquiatria, como disciplina médica, deve estar em perfeita articulação com as demais disciplinas.
Mas importa deixar bem claro que nem os hospitais foram invadidos pela saúde mental, nem esta foi absorvida por um sistema relativamente ao qual já possuía assinalável autonomia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A integração visou enriquecer a interligação entre os vários sistemas, integrando conhecimentos diferenciados na prevenção e tratamento de uma doença tão complexa e interdisciplinar.
A ligação hospitalo-comunitária não é, de resto, exclusiva da psiquiatria, sendo uma tendência actual em todas as especialidades novas, que assim tendem a saúdo hospital, prestando cuidados de saúde junto dos cidadãos.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a reestruturação da saúde mental criou, ao mesmo tempo, três grandes centros de saúde mental, com a função - como se diz no diploma de coordenar horizontalmente as múltiplas estruturas nas regiões.

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Entre as atribuições que lhes são cometidas cumpre destacar a rigorosa definição das condições de admissão e tratamento de doentes mentais numa prespectiva de coordenação interinstitucional integrada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os hospitais psiquiátricos especializados viram o seu potencial reforçado nas áreas do ensino e da reabilitação.
Trata-se de uma reestruturação que reflecte uma concepção de pendor humanista, onde a dignificação do doente mental, a continuidade multidisciplinar dos cuidados prestados, o carácter não dualista de tais cuidados e a tónica da prevenção constituem aspectos decisivos.
A formação específica dos clínicos gerais na área psiquiátrica vai aumentar a capacidade operativa do sistema.
Com a ligação dos clínicos gerais aos doentes integrados na comunidade, por um lado, e dos psiquiatras e técnicos de saúde mental, por outro, consegue-se uma perfeita harmonia na resposta à doença.
No momento em que a promoção da saúde mental vinha adquirindo maior relevância e em que os avanços científicos e experiências várias sugeriam a possibilidade de outras opções organizativas, impôs-se analisar a estrutura existente, com vista à modernização que se revelasse aconselhável.
Assim, com base num relatório enunciando grandes princípios, foi concebido um modelo que, apresentado aos seus autores, obteve a concordância por unanimidade. Foi constituído, a partir dessa comissão, um grupo presidido pelo mesmo presidente, o insuspeitável Prof. Fernandes da Fonseca, e com elementos da própria comissão que acompanharam a feitura da lei.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os três meses decorridos desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 127/92 permitem, com toda a segurança, afirmar que a transição, que alguns encaravam com cepticismo, se processou com tranquilidade e sem perturbações, permitindo já hoje obter resultados favoráveis.
Provou-se que não eram, e não são, válidas as críticas que assentavam no temor de que os serviços se iriam encerrar, protegidos pelos muros do hospital. Provou-se que os novos departamentos não só se mantêm abertos e virados para a comunidade, como passaram a melhorar a sua ligação aos outros serviços e especialidades, com mais meios e, nalguns casos, com memores instalações.
A reforma da saúde mental só foi possível pela tenacidade daqueles que acreditaram que era necessária, oportuna e moderna, contra os que estão sempre do outro lado da mudança.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento inscreveram-se os Srs. Deputados Joaquim Vilela Araújo e Luís Peixoto.
Para esse efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Vilela Araújo.

O Sr. Joaquim Vilela Araújo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A pessoa que pretendia interrogar sobre esta matéria não era o Sr. Secretário de Estado da Saúde, mas sim, naturalmente, o Sr. Prof. Eurico Figueiredo.
Porém, e dado que o Sr. Deputado do PS abordou a questão, nomeadamente fazendo um enfoque quanto à grandiosidade da comissão, e acabou, depois, por dizer que ela foi feita num secretismo absoluto, não obstante o Sr. Secretário de Estado ter referido aqui, há pouco, o nome do seu presidente, pediria a V. Ex.ª que aqui nos dissesse por quem era composta a comissão nacional e, principalmente, quem são os verdadeiros responsáveis pela nova legislação da saúde mental.

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário de Estado da Saúde pretende responder já ou no fim?

O Sr. Secretário de Estado da Saúde: - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, igualmente para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luis Peixoto.

O Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado: Disse V. Ex.ª ter ficado provado que os serviços de saúde mental não se iriam fechar nos muros dos hospitais. Como é sabido, a grande virtude que a saúde mental teria em Portugal seria a da sua ligação à população. E a ligação à comunidade, o sair para o exterior, era uma vertente mais a nível de cuidados primários do que dos cuidados diferenciados de saúde. Essa filosofia, que o Sr. Secretário de Estado defendeu cada vez mais - corrija, se não for assim -, de ir no sentido de uma política hospitalo-comunitária, levanta, quanto a mim, algumas questões de fundo, designadamente as que se prendem com a centralização e o carácter impessoal de qualquer política hospitalar. O doente que recorre ao hospital recorre geralmente àquela instituição; um doente que recorre a um outro clínico que está no terreno, quer seja nos cuidados primários, quer seja na saúde mental, tem sempre aquela relação pessoal que permite conhecer toda uma multiplicidade de factores que irá conduzir à cura da doença.
A questão que lhe quero colocar é a seguinte: como pensa o Sr. Secretário de Estado ser possível alterar esta filosofia de funcionamento hospitalar de forma a que a saúde mental não caia dentro do campo de acção da psiquiatria, da consulta externa e da situação em que se passam os medicamentos para o doente tomar em casa?
Mais, como pensa que isso não se passará deste modo se a forma como o funcionamento hospitalar vinha a ser feito exigia financiamentos que, neste momento, como sabe, não existem uma vez que as verbas destinadas aos hospitais são muito inferiores à inflação e, consequentemente, esses serviços viram-se privados do financiamento de que vinham beneficiando? Em suma, gostava de saber como pensa que vai poder transformar esta filosofia hospitalar e de onde pensa que pode ser financiado este serviço.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Saúde.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começava por responder ao Sr. Deputado Joaquim Vilela Araújo, dizendo-lhe que se podem encontrar entre as personalidades que fizeram parte desta primeira comissão o Prof. Fernandes da Fonseca, o único catedrático que em Portugal tem tratado de psiquiatria, o

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Prof. Palha, o respeitável Prof. Vaz Serra, o respeitável Prof. Dias Cordeiro, o Prof. Polónio e tanta outra gente que fez parte da comissão, representantes da Ordem dos Médicos, como o Dr. Bernardo Teixeira Coelho. Mas desta comissão nacional, que elaborou este documento e à qual foi apresentado um modelo, que foi aprovado por unanimidade, saiu uma segunda comissão, presidida pelo mesmo presidente - o Prof. Fernandes da Fonseca -, que vai acompanhar todo o processo legislativo.
Esta comissão é constituída pelo Dr. Domingos Ferreira, pelo Dr. Mota Cardoso - e ambos fizeram parte da comissão nacional -, pelo representante da Ordem dos Médicos, Dr. Bernardo Teixeira Coelho, etc. Quer isto dizer que houve uma sequência, uma continuidade de trabalho da comissão nacional e da que depois foi acompanhar o trabalho legislativo.
Mas queria ler aqui o texto final da segunda conferência do Conselho dos Ministros da Saúde da Comunidade Europeia. É um texto em francês, que vou traduzir e diz o seguinte: «em todos os países está a ser desenvolvido um esforço para integrar a saúde mental na política geral de saúde, visando, assim, fazer desaparecer toda a discriminação entre a doença somática e a doença mental».

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Esta é a última resolução do Conselho de Ministros da Saúde da Comunidade Europeia.
Quanto à pergunta feita pelo Sr. Deputado Luís Peixoto, quero dizer-lhe que os departamentos têm uma grande autonomia, como sabe e como está na lei, o que quer dizer que vai continuar a haver continuidade de utilidades e trabalho na comunidade. De resto, se conhecer algum local onde, durante estes três meses, foi interrompido esse trabalho de comunidade, pode aqui dizê-lo. Pessoalmente, não tenho conhecimento de nenhum departamento que deixasse de praticar trabalho na comunidade porque foi constituído como departamento. Eu não tenho conhecimento. Se V. Ex.ª tiver conhecimento dessa situação, agradeço que o diga.

O Sr. Paulo Pereira Coelho (PSD): - Não sabe! Não sabe!

O Orador: - Quanto ao financiamento, devo dizer que, como é do conhecimento de todos, foram distribuídos para a saúde mental, no ano passado, 13,5 milhões de contos e que a verba deste ano foi dividida em duas rubricas, sendo uma para os hospitais psiquiátricos, de 8 milhões de contos, e a outra, o restante, para os serviços hospitalares, para a área da saúde mental. Isto quer dizer que há um financiamento extra e suplementar dos próprios hospitais para a área da saúde mental.
Não sei se o Sr. Deputado Luís Peixoto tem algum exemplo que queira apresentar, uma vez que não tenho conhecimento de nenhum.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Saúde: De facto, V. Ex.ª não tem muita subtileza na análise destes problemas, pois apanha muitas coisas pelo geral.
Gostava de dizer a S. Ex.ª que, enquanto director do Hospital de Magalhães de Lemos, lutei, eu próprio, por um protocolo com o Hospital de Santo António, por forma que a psiquiatria e as outras valências médicas do Hospital de Santo António pudessem colaborar mais. Fui eu próprio que perdi uma votação numa assembleia geral, porque os meus colegas estavam contra esta política, e foi na sequência desse voto contra, dessa moção de desconfiança, que pedi a minha demissão de director do Hospital.
Por isso, Sr. Secretário de Estado, ouvir dizer que eu, Eurico de Figueiredo, o director do hospital que pugnou pela articulação entre a psiquiatria e as outras valências médicas, estou neste momento contra a articulação da saúde mental com as outras valências médicas é uma afronta à minha honra, porque, inclusive, me demiti de director de um hospital por tal não ter sido possível, por não ter tido apoio dos meus colegas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É que V. Ex.ª desconhece uma coisa: a maturação dos técnicos. Qualquer gestor medíocre sabe que para fazer uma política é preciso ter o apoio dos técnicos, e V. Ex.ª não tem o apoio dos técnicos de saúde mental. Esta é uma verdade! Não há nenhuma associação que vos tenha apoiado.
V. Ex.ª diz que há unanimidade. Sr. Secretário de Estado, gostava de vos dizer que, no cara-a-cara com esses membros da comissão, todos eles dizem que estão em desacordo. Onde é que está essa unanimidade?!
Posso citar exemplos desse desacordo dados em público, e não em privado. No primeiro congresso de saúde mental, realizado no Porto - logo, em público -, perante centenas de pessoas e o Sr. Deputado Macário Correia, dois dos subscritores desse documento disseram, em público, repito, que não estavam de maneira nenhuma de acordo com a legislação que, entretanto, alterou a política de saúde mental.
Com efeito, VV. Ex.ªs nomeiam pessoas, tornando-as dependentes, que não têm as costas direitas, uma vez que num sítio dizem uma coisa e noutro afirmam outra. Este é o vosso sistema de nomeação. É um sistema que cria, de facto, pessoas que não têm verticalidade.
Mas, Sr. Secretário de Estado, verticalidade tenho e defendo aqui o que sempre defendi não só na minha vida profissional, mas também como professor universitário.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Saúde.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Eurico Figueiredo: Devo dizer que o Sr. Deputado está a defender a honra, mas também está a atacar pessoas que não estão presentes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - E o senhor também está aqui a falar de pessoas que não estão aqui presentes!

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O Orador: - E está a dizer-lhes que elas mudaram, mas elas não estão presentes!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Sr. Secretário de Estado, onde está o documento da unanimidade?! Publique-o!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Vilela Araújo.

O Sr. Joaquim Vilela Araújo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estamos hoje a discutir, ao abrigo das disposições regimentais, a ratificação do Decreto-Lei n.º 127/92, de 8 de Julho, pedida pelos Partidos Socialista e Comunista.
Do que na verdade se trata, com este pedido de ratificação, para além de um mais que vulgar acto de oposição, aliás infundamentado, é mais uma tentativa de impedir uma maior economia de meios, quer humanos, quer materiais, que as necessidades do País impõem e que qualquer governo sério e capaz a tal é obrigado por imperativo moral.
Na verdade, longe, muito longe, vão os tempos do Decreto-Lei n.º 41 759, de 25 de Julho de 1958, altura em que foi criado o Instituto de Assistência Psiquiátrica e instalados os dispensários regionais, as colónias agrícolas, os asilos para crianças e adolescentes anormais, asilos para pessoas perigosas e anti-sociais, hospícios, etc. Em resumo, os doentes do foro psiquiátrico, na época, eram tratados e internados, quando possível, em edifícios próprios e naturalmente isolados dos demais.
Assim se pensava e agia nos anos de 1950 e 1960.
Hoje, porém, o pensamento moderno é radicalmente diferente, e os problemas de saúde mental são já quase problemas de civilização. E por isso urge «despsiquiatrizar» as instituições de saúde mental, sem pôr em risco a formação dos técnicos. Daí a necessidade da manutenção dos hospitais psiquiátricos, mas nunca devemos esquecer--nos da longa tradição nos nossos serviços de saúde, que se caracteriza, permanentemente, por resistências sempre e quando ocorra qualquer reestruturação que envolva o Serviço Nacional de Saúde.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: -Em 1984, o Governo de então andou bem ao publicar o Decreto-Lei n.º 74-C/84, de 2 de Março, e criar a Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários, extinguindo assim, entre outros serviços, o Instituto de Assistência Psiquiátrica, na perspectiva de reforçar as possibilidades de acção no campo da saúde comunitária.
O que importava e importa é promover a maior economia de meios onde a coordenação e a complementarização de actividades tenha sempre como objectivo e finalidade uma autêntica articulação horizontal dos serviços oficiais que prestam cuidados de saúde mental. São mais que evidentes as vantagens em criar condições que ponham fim ao estado de gueto, em que se encontram ainda muitos serviços de saúde mental.
Lógico e necessário será que se mantenha e até amplie a necessidade de preservar a autonomia técnica dos serviços, sabida e reconhecida que é a especificidade da saúde mental e as suas características próprias, donde avulta, claramente, a qualidade dos técnicos que a prestam, não podendo haver neste capítulo qualquer confusão possível por virem a pertencer no futuro a quadros de pessoal de um qualquer hospital geral, distrital ou pediátrico.
Tudo isto, porém, foi, no meu entender, devidamente acautelado nos novos dispositivos legais e, nesta matéria, se o Governo pecou foi por excesso de prudência.
Com efeito, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, em 6 de Agosto de 1990, sublinho, foi nomeada uma comissão nacional com vista a proceder à análise da organização e funcionamento dos serviços de psiquiatria e saúde mental, composta por cerca de duas dezenas de psiquiatras do nosso país.
Em 6 de Fevereiro deste ano, uma vez concluído o relatório elaborado por aquela comissão, foi constituído um grupo mais restrito daqueles psiquiatras que trabalhou aquele estudo, mas já com objectivos muito concretos e que, em síntese, se destinavam a integrar os vários serviços de psiquiatria e saúde mental em hospitais gerais, distritais e pediátricos, conforme os casos. Esta integração foi feita - e, no meu entender, rodeada com as cautelas necessárias, no que concerne à garantia da qualidade dos cuidados - e assegurada pela criação de departamentos de psiquiatria e saúde mental que tiveram de ser criados nos referidos hospitais e que poderão até funcionar como centros de responsabilidade. E devo dizer que, em relação à integração do pessoal, ela se fez com as mesmas garantias de vínculo que tinham nos extintos serviços.
Por tudo isto e porque estão garantidos os cuidados a prestar aos doentes, os interesses e expectativas dos técnicos e também o menor consumo de meios, que reverterão naturalmente para a saúde, não podemos deixar de reprovar esta iniciativa daqueles partidos da oposição, que mais não seria, com o devido respeito, senão uma pura perda de tempo, não fora o facto de permitir ao Governo e ao partido que o apoia mais esta demonstração das razões da sua política e da fraqueza da vossa oposição.

Aplausos do PSD.

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Para apresentar uma proposta de alteração ao Decreto-Lei n.º 127/92, de 3 de Julho, em apreço, Sr. Presidente.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, informo a Câmara de que a proposta de alteração apresentada pelo Sr. Deputado Eurico Figueiredo foi entregue nos termos regimentais, isto é, antes do encerramento do debate na generalidade. Informo ainda que irá proceder-se à votação de recusa da ratificação na próxima terça-feira e só depois é que, eventualmente, a proposta baixará à comissão competente.
Declaro encerrado o debate deste ponto da agenda de trabalhos.
Srs. Deputados, informo ainda que se encontra a assistir à sessão, nas galerias, um grupo de alunos da Escola Profissional Pública de Electrónica e Telecomunicações e da Escola Preparatória de Vila Franca de Xira, para quem solicito a habitual saudação da Câmara.

Aplausos gerais, de pé.

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Passamos à apreciação do Decreto-Lei n.º 128/92, de 4 de Julho, que define o regime jurídico de formação profissional após a licenciatura em Medicina - pedidos de ratificação n.ºs 34/VI e 35/VI (PCP e PS).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luis Peixoto.

O Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O decreto-lei que regula os internatos médicos, imposto sem prévia discussão...

O Sr. Jorge Paulo Cunha (PSD):- Falso!

O Orador: -... não serve os interesses da população em geral, por não contribuir de forma alguma para a melhoria da qualidade da formação pós-únivérsitária dos médicos portugueses.
O decreto-lei objecto do pedido de ratificação não garante a liberdade individual prevista na Constituição Portuguesa, ao proibir a opção pelo regime de dedicação exclusiva aos médicos que o pretendam fazer e, mais do que isso, por impossibilitar os médicos de acumularem outras funções públicas e manterem o horário de trabalho de quarenta e duas horas semanais, o que impossibilita, na prática, outras alternativas individuais.
O mesmo governo que anteriormente tinha decidido que só o regime de dedicação exclusiva era compatível com o nível de qualidade exigível a este tipo de formação vem agora desdizer-se apenas por motivos economicistas, que resultaram, desde já, na redução escandalosa do vencimento dos profissionais, o que se traduz na perda de direitos adquiridos.
São criadas condições que conduzem a que haja lugar a um despedimento colectivo dos médicos após o término do internato complementar, facto este que é agravado pela impossibilidade, nessa altura, do exercício da medicina privada/convencionada como especialista, uma vez que ao médico apenas é conferido o grau de assistente.
A carência de meios existentes em Portugal, quer na área humana, quer na de equipamentos, aconselha, sem dúvida alguma, que medidas como as que agora foram tomadas se façam sempre com respeito e profundo diálogo com os interessados.
É necessário pôr a qualidade à frente de qualquer interesse económico, e não são medidas como esta que o favorecem, ainda mais quando estão aliadas a outras como as que se prendem com o recentemente conhecido mapa de vagas para os internatos complementares.
Faz-se depender agora o acesso a esse internato de um simples teste com 100 perguntas, pondo de lado longos anos de curso, já de si sujeito a um apertadíssimo numerus clausus. O número de vagas postas à disposição dos que terminaram o internato geral, por ridículas que são, revela que não existe preocupação na qualidade da formação dos nossos médicos...

O Sr. Jorge Paulo Cunha (PSD): - Pelo contrário!

O Orador: -... e mais flagrante se toma este facto se atendermos a que muitas delas terão lugar em locais onde não é garantida na totalidade a idoneidade dos serviços, o que revela que a distribuição dos mapas foi feita sem qualquer lógica.
Por tudo isto, pedimos a alteração do presente diploma e propomos que se avance para a procura de novas soluções que tenham em conta questões básicas exigíveis para que a formação médica pós-graduada seja de qualidade inquestionável.
É necessário que o acesso dos médicos do internato complementar ao regime de dedicação exclusiva seja uma opção individual.
É necessário que se proíba o trabalho não remunerado, garantindo-se a manutenção da remuneração mensal em casos de repetição de períodos de internato, facto que não está consignado na presente lei.
É necessário corrigir o índice de remuneração dos internatos geral e complementar, que consideramos desactualizado.
É necessário garantir a formação complementar para todos os médicos habilitados com o internato geral.
É necessário prorrogar o contrato para todos os médicos que concluam o internato complementar por um período de, pelo menos, 24 meses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É necessário alterar a presente lei e é nesse sentido que vai o nosso apelo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ª e Srs. Deputados: O decreto-lei que vai ser apreciado hoje pela Assembleia da República, a requerimento do Partido Socialista, define o regime de formação profissional após a licenciatura em Medicina.
Estamos todos de acordo em que a formação do pessoal médico para suportar as estruturas da saúde é assunto relevante a exigir a atenção dos governantes. Daí não pormos em causa que ele possa ser objecto de iniciativas legislativas sucessivas, visando o aperfeiçoamento constante do regime definido e escolhido para essa formação. O que já não compreendemos são os saltos bruscos de orientação com uma inversão total da filosofia anteriormente adoptada, sobretudo quando da autoria de governos do mesmo cariz político, como acontece neste decreto-lei no que diz respeito ao regime da dedicação exclusiva.
Não compreendemos, mas não devíamos admirar-nos, dado que os governos do Prof. Cavaco Silva nunca foram capazes ou nunca quiseram tomar clara e transparente a sua política da saúde, antes optaram sempre por uma política de ziguezague, de avanços e de recuos face ao Serviço Nacional de Saúde, com maior frequência e peso dos recuos, que muitas vezes mostraram ser meros afloramentos do oculto e inconfessado desejo de ver desmantelado aquele Serviço.

O Sr. Jorge Paulo Cunha (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - Em suma, estamos habituados a ver aplicar uma política ambígua, com decisões pontuais, parcelares e controversas, mas onde é legítimo descortinar contribuições para a destruição camuflada do SNS com um único objectivo: libertar o Estado dos encargos com a saúde e da obrigação da prestação dos respectivos cuidados, com desrespeito total da Constituição. Esta é que tem sido a verdadeira política dos governos do Sr. Prof. Cavaco Silva!

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Isto apesar de ser reconhecido por todos o enorme salto em frente dado com a criação do SNS, incluindo neste «todos» o actual Ministro da Saúde, que recentemente afirmou na comissão especializada que aquele serviço tem prestado inestimáveis serviços aos Portugueses e que está na origem da melhoria de todos os índices registados, incluindo o tão badalado índice da mortalidade infantil, que já quase nos levou aos níveis europeus.

O Sr. António Bacelar (PS): - Ainda bem!

O Orador: - Então, se é assim, porque não envereda o Governo por uma política inovadora mas no sentido de aperfeiçoar o SNS, corrigindo as distorções nele introduzidas ao longo da sua existência, actualizando-o face à evolução da nossa sociedade e à experiência adquirida e, sobretudo, aproveitando todas as suas potencialidades ainda não esgotadas?
Porquê continuar com a tal política de ziguezague, não se assumindo a recusa do SNS, mas continuando a minar tudo o que de bom foi conseguido através dele, como tudo leva a crer que vai acontecer na reforma que se anuncia?
Dizíamos que não devemos admirar-nos com a inversão total do regime de dedicação exclusiva, que salta à vista ao cotejar o decreto em apreço com o Decreto-Lei n.º 90/88. Mas é que este cotejo deixa-nos estupefactos por outra razão: demónios conta de como foi possível, com a mesma fundamentação, tirar conclusões diametralmente opostas, antagónicas, revelando uma contradição tão espantosa e inaceitável que cremos não se ter o próprio Governo apercebido dela.
De facto, lê-se na fundamentação do Decreto-Lei n.º 128/92, que está em apreço:

Embora numa linha de continuidade, sem transformações ou inovações substanciais ao nível dos princípios, são objectivos deste novo quadro legal melhorar as condições de formação médica pós-graduada e revalorizar a qualificação profissional.
Mais adiante, ao tratar dos aspectos do provimento e do regime jurídico da frequência, lê-se ainda:

Como medida fundamental neste domínio destaca-se a abolição do regime de dedicação exclusiva. Este novo quadro legal oferecerá maiores garantias de qualidade de formação e trará maior clareza e definição na relação dos internos com os estabelecimentos de saúde.
Ora, na fundamentação do Decreto-Lei n.º 90/88, que criou e tornou obrigatório o regime de dedicação exclusiva para o internato complementar, lê-se o seguinte:

Sendo uma das preocupações dominantes proporcionar durante os internatos uma formação de nível tão elevado como possível, entende-se intervir desde já no sentido de estabelecer o regime de dedicação exclusiva, que, para esse efeito, se considera essencial.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Como foi possível que há quatro anos se considerasse que, para obter uma formação de nível tão elevado quanto possível, se tornava indispensável a obrigatoriedade da dedicação exclusiva e quatro anos depois venha afirmar-se que o novo quadro legal, que suprime a dedicação exclusiva, oferecerá maiores garantias de qualidade de formação?
Como vêem, há razões para ficar-se estupefacto, pelo que se torna desejável uma alteração do que foi agora legislado!
A única explicação que nos ocorre para esta lamentável contradição é a ausência de uma linha de rumo bem definida, o que permitiu que ambas as decisões tomadas não tenham respeitado os interesses reais em causa, mas tenham sido ditadas exclusivamente pelas conjunturas dominantes nas duas datas.
É que em 1988 vivia-se num clima de luta permanente no Ministério, de contestação, a que só soube responder-se com critérios de autoritarismo e de confrontação, a que não foi alheia a imposição da obrigatoriedade da dedicação exclusiva.
Em 1992 vive-se num clima de grandes dificuldades financeiras, para a resolução das quais se optou por critérios predominantemente economicistas. E aqui reside, sem dúvida, a verdadeira razão da supressão do regime da dedicação exclusiva agora decretada e que vai permitir algumas economias.
Cremos estar em presença de duas posições extremas, diametralmente opostas e ambas erradas por terem sido ditadas por razões alheias ao verdadeiro interesse dos hospitais e da boa formação dos médicos.
Srs. Deputados, por que não procurar uma solução alternativa que harmonize aqueles interesses, fazendo, por exemplo, depender o regime da dedicação exclusiva da opção dos internos e da aceitação desta opção pela direcção clínica de cada hospital, depois de avaliar da sua utilidade e da capacidade do hospital em fornecer os meios financeiros e formativos necessários?

O Sr. Jorge Paulo Cunha (PSD): - É o que acontece! As pessoas propõem-se, a direcção concorda ou não!

O Orador: - Esta é a nossa proposta de alteração à lei que vamos, desde já, entregar na Mesa.
Fazemos, pois, um apelo a toda a Câmara, mas sobretudo à bancada do PSD, que não teve qualquer responsabilidade na autoria da lei em apreço - e está, portanto, à vontade -, para que votem connosco a sua baixa à comissão respectiva, a fim de nela ser corrigida esta anomalia, que não defende nem o bom funcionamento dos hospitais nem a boa formação dos médicos mais dedicados e que não prestigia ninguém, a começar pelo próprio Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde (Jorge Pires): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Decreto-Lei n.º 128/92, de 4 de Julho, correntemente designado por diploma da formação médica ou da pré-carreira, instituiu o regime jurídico dos internatos médicos, como processo de formação posterior à licenciatura em Medicina Procurarei que a minha intervenção se resuma a este diploma, visto que ele está, neste momento, em apreço, e não me referirei a outros, como, por exemplo, ao relativo ao Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, também mencionado, pois já foi discutido em momento oportuno.

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Cumpriu-se, assim, o disposto no Decreto-Lei n.º 73/90, de 6 de Março, que reformula as carreiras médicas, adequando-as também aos princípios do novo sistema retributivo.
O diploma contém os princípios gerais básicos a que obedecerão os internatos, devendo ser complementado com regulamentação que o desenvolva. Pretende-se, assim, garantir um quadro legal coeso, disciplinador da formação médica obtida através da frequência dos internatos geral e complementar. Esta legislação reflecte a importância que se reconhece ao papel da formação no desempenho dos profissionais de saúde, aliás de acordo com a base XVI da Lei de Bases da Saúde.
Pretendeu-se, com o regime definido pelo presente diploma, melhorar a qualidade da formação atribuída e acentuar a qualificação profissional que dela decorre, adequando também o direito interno ao conteúdo das directivas e recomendações comunitárias referentes às condições de formação, nomeadamente as que se reportam à formação especializada.
Nesta perspectiva, salientam-se algumas inovações introduzidas que consubstanciam as linhas mestras sobre as quais deverá assentar a qualidade pretendida: reformulação dos órgãos dos internatos complementares no que se refere à sua composição, competência e funcionamento, sendo de destacar o perfil mais acentuado do director do internato médico, que, com a nova figura do orientador de formação, constituem a pedra de toque, a nível institucional, do sistema de avaliação contínua. Por outro lado, assegurou-se a participação dos próprios formandos em todas as questões relacionadas com a formação, o que poderá ser concretizado através da constituição de comissões de representantes dos internos.
Particular atenção foi prestada à estruturação dos programas dos internatos, que têm como objectivo primordial garantir as condições de formação estabelecidas pela Comunidade Europeia, devendo também ter em conta as propostas e recomendações de organizações nacionais ou internacionais. Estes programas mencionarão expressamente os objectivos a atingir em cada área ou estágio, bem como os seus conteúdos e actividades a desempenhar, além da duração parcelar por períodos de formação, momentos e métodos de avaliação.
A idoneidade dos locais de formação, estabelecida em conjunto com a Ordem dos Médicos, assume particular relevo, exigindo-se a obediência a determinados parâmetros e a verificação de condições consideradas indispensáveis à qualidade pretendida. A existência destas condições em estabelecimentos privados permitirá que neles também decorram processos de formação.
A determinação do contingente de lugares que anualmente será disponibilizado para a formação, nomeadamente a especializada, obedecerá a um maior rigor, devendo ser consideradas as necessidades previsionais de médicos em cada área profissional, bem como a idoneidade formativa dos estabelecimentos de saúde.
Clarifica-se a forma de provimento dos internos através de contrato administrativo e define-se o modo a que obedecerá a sua eventual colocação em estabelecimentos privados, bem como o mecanismo a adoptar em caso de frequência dos internatos por funcionários públicos.
É também explicitada a duração dos contratos dos internos e são clarificadas as condições a que poderá obedecer a sua prorrogação ou suspensão, sendo igualmente moralizadas as transferências ou mudanças de ramo ou área profissional.
Medida inovadora fundamental é, por certo, a abolição do regime de dedicação exclusiva obrigatória, por se entender que este não constitui, só por si, uma garantia de qualidade da formação, sendo suficientes o respeito pelas normas de direito comunitário referentes às condições de frequência da formação especializada e a manutenção da impossibilidade de acumulação com outros cargos ou actividades públicas durante o período de formação. Admite-se, todavia, como medida transitória, que os actuais internos se mantenham nesse regime, sendo-lhes facultado, nesse caso, um período de vinculação ao Estado, tendo em vista a busca de uma actividade profissional alternativa.
Finalmente, estabelecem-se as condições de permanência ao serviço após a conclusão dos internatos, respeitando-se, quanto a esta matéria, através das normas transitórias, direitos adquiridos pelos internos no âmbito da legislação anterior.
Considera-se, assim, que o diploma publicado encerra um contributo importante para a qualidade da formação médica, consolidando a posição que Portugal já assumira, no seio da Comunidade Europeia, de alinhamento pelas normas emanadas das suas instituições.
Mas, Srs. Deputados, nesta matéria, bem como em muitas outras, o Governo está disponível para discutir com a Assembleia da República eventuais aperfeiçoamentos ao diploma que não desvirtuem, como é evidente, os princípios e opções fundamentais nele contidos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados António Bacelar, Luís Peixoto e Ferraz de Abreu.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Bacelar.

O Sr. António Bacelar (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado: Na sua intervenção, V. Ex.ª referiu que o Governo está disponível para alterar um ou outro ponto do diploma, o que, quanto a nós, é pertinente. É o caso, por exemplo, dos internos do internato complementar que iniciaram a sua actividade em 1 de Janeiro de 1988 e que, em determinada altura, com o aparecimento do Decreto-Lei n.º 128/92, de 4 de Julho, viram goradas as suas perspectivas.
Pergunto, pois, a V. Ex.ª se o Governo está aberto a rectificar alguns dos artigos. Se assim for, hoje mesmo entregarei uma proposta de alteração ao diploma apresentado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Peixoto.

O Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado: V. Ex.ª fez uma afirmação que, não sendo menos verdadeira, não corresponde totalmente à verdade. O Sr. Secretário de Estado disse que o regime de exclusividade obrigatória foi extinto, mas, na verdade, não foi isso que aconteceu. Se assim fosse, ele deixaria de ser obrigatório e passaria a facultativo, o que não acontece.
Depois de todo o rigor que referiu e de todas essas alterações que, nas suas palavras, levam a uma melhor qualidade da formação, pergunto-lhe se não acha que é um pouco incompatível com tudo isso a frequência dos metamos, por parte dos profissionais, em regime de part-time.

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Pergunto isto porque a exigência do trabalho assim o aponta, ou seja, um profissional médico no regime de formação complementar deve estar, quanto a mim, 100 % absorvido pelo seu trabalho, trabalho esse que é muito importante e, em algumas circunstâncias, muito completo. A questão que gostaria de colocar-lhe era, pois, exactamente a de saber se não acha que o desmotivar dos clínicos, o deixá-los ir procurar outras alternativas se arranjarem tempo para isso! -, vai diminuir, em muito, a qualidade dos formandos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado: V. Ex.ª insistiu em que o novo regime para os internos vai melhorar a qualidade da sua formação. Em que ficamos, Sr. Secretário de Estado? Para melhorar a qualidade da formação, é necessário o regime de dedicação exclusiva ou, pelo contrário, é preciso extingui-lo? Faço esta pergunta porque são duas posições completamente antagónicas e em que os argumentos são precisamente iguais, sobreponível.
Ainda podia dizer-se: «Bem, mudou o Governo, é outra filosofia que o envolve, é outro partido que está no Poder, portanto agora altera-se a lei!» Mas não é esse o caso, Sr. Secretário de Estado, porque é o mesmo partido que está no Poder.
A filosofia é totalmente antagónica, contraditória e até há dois documentos, com quatro anos de intervalo, que se desdizem mutuamente.
Sr. Secretário de Estado, não é verdade que se acabou apenas com a exclusividade obrigatória. No preâmbulo do diploma refere-se «como medida fundamental neste domínio destaca-se a abolição do regime de dedicação exclusiva» e no artigo 15.º nem sequer se fala em dedicação exclusiva. Portanto, esse regime deixou, pura e simplesmente, de existir!
Sr. Secretário de Estado, creio que lhe ficava bem confessar aqui que as razoes que estiveram na origem dessa medida foram, de facto, puramente economicistas. É preciso poupar dinheiro, pois o Ministério da Saúde está «com a corda ao pescoço» em matéria financeira, porque deve dinheiro a toda a gente e não sabe como pagar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Os senhores arranjaram mais uma pequena economia, suprimindo a dedicação exclusiva, mas prejudicando a formação dos médicos dedicados. Acredito que haja médicos a quem não interessa conceder a dedicação exclusiva, porque o hospital não ganha nada com isso, mas há médicos que, com esse regime de dedicação exclusiva, vão melhorar e contribuir para um melhor funcionamento dos hospitais.
É nesse sentido que eu digo, na minha proposta,- que não basta um médico dizer «eu opto pela dedicação exclusiva»; é necessário que a direcção clínica reconheça utilidade nessa opção e que o hospital tenha condições para ela poder ser exercida.
Sr. Secretário de Estado, um bocadinho de franqueza nestas matérias talvez ajude a entendermo-nos sobre este problema que nos interessa a todos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Bacelar Como disse na minha intervenção, e repito, estamos abertos à introdução de aperfeiçoamentos no diploma, como, aliás, noutras matérias, porque somos um governo aberto. Portanto, desde que haja consenso nesta matéria, estamos abertos a essa hipótese.
O Sr. Deputado Luís Peixoto colocou-nos o problema da exclusividade obrigatória, mas todos sabemos a posição do seu partido sobre essa matéria e que VV. Ex.ªs defendem a exclusividade. Todavia, e respondendo à sua pergunta, é um facto que se criou um sistema transitório que permite a todos os profissionais que estão neste momento nesse regime fazerem a sua opção para, posteriormente, se acabar com a exclusividade nesta matéria.
No entanto, a exclusividade, só por si, e respondo ao Sr. Deputado Ferraz de Abreu, não justifica nada. Se houver toda uma envolvente que possa evitar o problema da exclusividade e dado que - e vou dizê-lo abertamente - nós temos responsabilidade pela gestão dos dinheiros públicos, é evidente que tomamos todas as medidas tendentes a poupar esses mesmos dinheiros públicos, desde que não haja prejuízo, saliento-o, para a qualidade. Ora, como esse é um dos pontos essenciais, criámos outras envolventes por exemplo, os tutores -, levando a que os próprios formandos tenham participação em várias matérias relacionadas com a sua formação. Há toda uma outra envolvente que pode determinar melhoria da qualidade e não é a exclusividade por si que tem influência absoluta sobre essa matéria.
Mas permita-me ainda uma pequena observação, a propósito da vossa afirmação de que houve mudança em quatro anos. Sr. Deputado, só quem não leu, por exemplo, O Choque do Futuro é que não sabe o que é o problema da mudança! Sr. Deputado, quatro anos é muito tempo na vida de hoje e só lhe faço ver -e está dito nesse livro, não fui eu quem inventou - que nos últimos 50 anos o mundo evoluiu mais e descobriu mais coisas que nos milénios que os precederam. Portanto, quatro anos no mundo de boje é muito tempo e permite-nos evoluir. Nós somos um partido aberto à evolução. Queremos evolução, queremos progresso e, por isso, podemos modificar perfeitamente concepções que se tinham em determinado momento. É isso mesmo que queremos: mudar o sistema, poupando, como é nossa obrigação, desde que a qualidade não seja diminuída. Aliás, eu não vejo em que é que este diploma vem diminuir a qualidade.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma pequena intervenção.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra. Sr. Deputado.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pretendo apenas dizer ao Sr. Secretário de Estado que não ignoro a mudança e a evolução, não tivesse eu já muitos mais anos do que ele para ter assistido a alterações extraordinárias, profundas, no nosso mundo. No entanto, é estranho que uma inovação venha basear-se e alicerçar-se exactamente nos mesmos argumentos que justificaram a precedente. É estranho que quatro anos depois mudem, mas que continuem, para explicar a

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mudança, a utilizar a mesma argumentação com as mesmas palavras. Nunca vi nenhuma alteração tecnológica que se apoie nos argumentos ou nas experiências do passado, pois são novas experiências, são novos argumentos, que justificam a alteração.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Volto a chamar a atenção para o problema da mudança e para a envolvente que este diploma tem, pois não vamos basear a qualidade apenas na exclusividade.

Mas, em questões de mudança, Sr. Deputado Ferraz de Abreu, e tanto quanto a memória não me atraiçoa, há quatro anos VV. Ex.ªs defendiam precisamente o oposto. E agora mudaram.

O Sr. Jorge Paulo Cunha (PSD): - É verdade!

O Orador: - Há quatro anos, VV. Ex.ªs foram contra a inclusão da exclusividade neste diploma. E agora mudaram! Portanto, também mudaram.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Não mudámos nada!

O Sr. Presidente: - Para esclarecimento da questão, concedo um minuto a cada parte.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Não mudámos nada, Sr. Secretário de Estado. Há quatro anos, combatemos a exclusividade obrigatória, tal qual como hoje venho aqui defender a exclusividade por opção e, mesmo assim, submetendo-a ao critério da direcção clínica. Há quatro anos combatemos aqui -e eu fui porta-voz dessa posição - a exclusividade obrigatória, porque essa obrigatoriedade foi criada num contexto de confronto que havia entre o Ministério da Saúde e a classe, sendo essa lei mais uma violentação dos direitos da classe.
Sr. Secretário de Estado, nós não defendemos a exclusividade, V. Ex.ª está equivocado. Aliás, há quatro anos, como V. Ex.ª ainda não estava no Governo, não assistiu às intervenções que refere.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde: - Mas estava atento!

O Orador: - Se estava atento, teve conhecimento do que então afirmei.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Roque Cunha.

O Sr. Jorge Paulo Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Mais uma vez, na discussão destas duas ratificações, estamos perante uma situação paradigmática do comportamento da oposição.
Assim, é reconhecida a necessidade de se alterar uma determinada situação, mas, quando tal acontece, descobrimos, com surpresa, que afinal o que a oposição pretende é manter o status quo. Desde, pelo menos, os meus tempos da faculdade que pedagogos, professores, sindicatos, Ordem dos Médicos, defendiam repetidamente a necessidade de ser radicalmente alterado o sistema da formação pós-graduada.
Crítica como a desresponsabilização das instituições e serviços médicos, dos directores de serviço, a inexistência de critérios objectivos da avaliação, eram frequentemente referidas.
Sr. Deputado Luís Peixoto, depois de um ano e meio de discussão com a Ordem e os sindicatos sobre esta matéria - e quando o Governo resolve alterar a situação -, vem a oposição dizer que, afinal, vivíamos no melhor dos mundos e que não faz qualquer sentido este decreto-lei de que a oposição pretende obter a ratificação.
Contudo e sem, naturalmente, pôr em causa a legitimidade desta atitude, não podemos deixar de referir a nossa estranheza pela utilização do instituto da ratificação, quando esta é a única iniciativa tomada em relação a esta matéria. Aliás, se a oposição estivesse atenta e realmente interessada nesta questão, teria decerto encontrado outras formas para chamar a atenção e proporcionar o debate e, quem sabe, contribuir para o encontrar de outras soluções. E o nosso espanto é tanto maior quanto não nos recordamos de qualquer posição em relação ao anterior sistema, sabendo nós as insuficiências e as limitações que foi revelando ao longo dos anos e que me absterei de referir, por limitações óbvias de tempo.
Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O que é que o Decreto-Lei n.º 128/92, que define o regime profissional após a licenciatura de Medicina, pretende? Parafraseando La Palice, pretende tão simplesmente definir as regras a que deve obedecer a formação dos licenciados em Medicina, que, devido à particular responsabilidade e melindre resultante do facto de lidarem com a vida das pessoas, necessita de linhas precisas.
Deste diploma permitam-me salientar cinco aspectos.
Em primeiro lugar, são reformulados profundamente os órgãos dos internatos médicos, dando-lhes maior operacionalidade e responsabilidade no processo formativo e aproximando-os do seu verdadeiro objecto, os internos.
Ò segundo aspecto que gostaria de referir e que, curiosamente, não foi salientado neste debate por qualquer dos colegas da oposição é o da introdução da avaliação contínua como princípio basilar da formação. Trata-se, de facto, de uma mudança de fundo neste novo normativo legal. Todos os sistemas de aprendizagem e de formação apontam para a excelência deste método e das suas vantagens, quando comparado com o simples exame final.
Para tal, cria-se a figura do tutor, com responsabilidades claras, dignificando e incentivando a actividade formativa, e estabelece-se pela primeira vez uma remuneração por essa actividade. Desta forma, parece-nos evidente que a qualidade da prestação de serviços médicos pelos internos melhora, porque existe uma clara definição de responsabilidades e conhece-se o rosto do médico mais experiente que transmite os conhecimentos. Privilegia-se, deste modo, a consolidação dos conhecimentos, em detrimento do laxismo.
Em terceiro lugar, estabelece-se maior uniformidade e rigor na formação entre as várias instituições hospitalares. Por outras palavras, os serviços passarão a saber, sob a orientação dos colégios de especialidade da Ordem dos Médicos, o que se entende como mínimo necessário para uma formação adequada. Estamos certos de que desta forma se combaterão eventuais insuficiências de formação, que a necessidade de utilização pelos internos de vários serviços e diversas instituições tantas vezes incentiva.

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Em quarto lugar, permite a participação activa dos internos nos assuntos relacionados com a formação através de estruturas competentes, valorizando ainda actividades extra-hospitalares desses mesmos internos.
Finalmente, adequa a experiência portuguesa com as orientações da Organização Mundial de Saúde e da Comunidade Europeia à transposição para o direito interno português dos conteúdos das Directivas n.ºs 75/363 e 86/45.
Em resumo, passam a existir, pela primeira vez, critérios objectivos para a avaliação. É desejável, no entanto, que sejam afastadas as tentações de excesso de zelo que obriguem os internos do complementar a ter actividade de avaliação teórica em regime semelhante ao das faculdades. Com este decreto-lei é afastada a necessidade de se fazerem dois exames para se obter o título de especialista, assunto que mereceu repetidas críticas, desde que me conheço, em termos médicos.
Apesar de não directamente relacionada com este decreto-lei, gostaria de abordar superficialmente a política de recursos humanos dos internatos médicos que aparece hoje como tema de debate e, em relação à intervenção do Sr. Deputado Luís Peixoto, como pane fundamental desse debate.
Com a aprovação da Lei de Bases da Saúde e a possibilidade de maior importância e transparência na relação entre o sector público e o privado, utilizaram-se nos últimos dois anos, até ao limite, as capacidades formativas dos vários serviços hospitalares e de clínica geral, o que causou a desertificação de muitos serviços, particularmente de clínica geral, nas regiões do interior.
Para este ano - devo recordá-lo ao Sr. Deputado Luís Peixoto foram abertas vagas em número exactamente igual ao número de internos que concluíram o internato geral. Este acréscimo que surge em termos de candidatos tem, pois, claramente a ver com as pessoas que estão noutra especialidade e que pretendem fazer essa mudança. Também aqui a opção do Ministério nos parece a mais adequada, dando prioridade à carreira de clínica geral e de saúde pública e colocando a prioridade efectiva na medicina preventiva.
Gostaria ainda de referir um aspecto importante, que é a abolição do regime de dedicação exclusiva compulsiva, reivindicação durante muitos anos defendida pelos médicos e as suas organizações de classe, permitindo a todos aqueles que estão nesse regime um período de transição de 18 meses para a procura de novas soluções profissionais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Não percebeu nada do que dissemos!

O Orador: - Para terminar, quero manifestar o regozijo e o empenho do Grupo Parlamentar do PSD em introduzir melhorias neste decreto-lei, com vista à correcção de uma injustiça que foi criada com a aplicação retroactiva de uma lei deste Governo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Peixoto.

O Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr. Deputado Jorge Paulo Cunha, ouvi com muito gosto as suas declarações. Permita-me, aliás, dizer-lhe que realmente estava uma redacção muito bem feita, que nos esclareceu totalmente sobre as matérias de que esteve a falar.
O esclarecimento que pretendo, muito simples, 6 o seguinte: a que país respeitam as considerações que fez?

Risos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Paulo Cunha.

O Sr. Jorge Paulo Cunha (PSD): - Sr. Deputado Luís Peixoto, só me cabe agradecer-lhe o facto de entender que tenho uma boa capacidade de redacção, porque eu, fazendo autocrítica, penso que essa é precisamente uma das minhas grandes lacunas.
Respondendo à questão que me colocou, dir-lhe-ei que nos preocupamos fundamentalmente com Portugal e que a actuação do PSD ao longo dos anos tem sido prova disso mesmo. Ao contrário de muitos outros, que andaram durante muito tempo preocupados com outras questões, o PSD preocupa-se é com este nosso país. Foi nesse sentido que fomos eleitos e é nesse sentido que iremos defender os interesses dos Portugueses.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Não havendo mais inscrições, dou por concluído o debate das ratificações respeitantes ao Decreto-Lei n.º 128/92, de 4 de Julho.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (Luís Filipe Menezes): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, como estamos a acabar este bloco de duas ratificações dedicadas a temáticas ligadas à política de saúde, e porque no tempo previsto para o primeiro ponto da ordem de trabalhos, ligado à saúde mental, o Governo esgotou o tempo que lhe estava destinado e não teve oportunidade de prestar esclarecimentos adicionais que, atendendo à forma como o debate decorreu, reputa de importantes, mas também por ter a certeza de que este tema, pela sua importância, não se esgota no presente debate e certamente será alvo de futuras discussões no âmbito da Assembleia da República, particularmente no seio da Comissão de Saúde, facultaria a V. Ex.ª, com o pedido de ser remetida à Comissão de Saúde, a última acta da comissão de que o Sr. Secretário de Estado falou, que liderou tecnicamente os estudos que conduziram às soluções políticas que o Governo preconizou.
Essa acta demonstra, penso, de uma forma clara, que as afirmações feitas pelo Sr. Secretário de Estado são verdadeiras, ao contrário de outras que foram proferidas nesta Câmara.

O Sr. Presidente: - Assim se fará, Sr. Secretário de Estado.

Passamos, assim, à apreciação do Decreto-Lei n.º 212/92, de 12 de Outubro, que regulariza a situação dos imigrantes clandestinos [ratificação n.º 36/VI (PCP)].
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

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O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em 26 de Março último, a Assembleia da República debateu, e subsequentemente aprovou, a concessão de uma autorização legislativa ao Governo para promover a regularização extraordinária da situação ilegal de cidadãos não comunitários em território nacional, tendo especialmente em atenção a situação dos cidadãos originários dos países africanos de língua oficial portuguesa, a par da revisão do regime de entrada, permanência, saída e expulsão de estrangeiros do território nacional.
A concessão desta autorização legislativa coincidiu, aliás, com a aprovação, para ratificação, dos chamados Acordos de Schengen, com os votos do PSD, do PS e do CDS, cuja entrada em vigor implicará modificações severamente restritivas no regime de entrada e permanência desses cidadãos no território nacional.
Ao abrigo de uma autorização legislativa, foi recentemente publicado, e entrou em vigor, o Decreto-Lei n.º 2127 92, de 12 de Outubro, que, para usar a sua própria denominação, «regulariza a situação dos imigrantes clandestinos». É este decreto-lei que hoje é chamado à apreciação da Assembleia da República, por iniciativa do PCP.
Importa, antes de prosseguir, deixar bem claros dois aspectos: primeiro, o de que o PCP concorda inteiramente com a realização de um processo de regularização da situação dos imigrantes que se encontrem no nosso país em situação ilegal e, portanto, identifica-se e congratula-se com a realização do objectivo proclamado pelo decreto-lei hoje em apreciação; segundo, o de que, mesmo considerando as deficiências do processo já em curso, o PCP entende que ele deve prosseguir, embora lhe devam ser introduzidas correcções significativas - que o PCP se encarregará de propor - que não impliquem rupturas, nem acrescentem dificuldades ao processo de regularização.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No debate aqui realizado em tomo da autorização legislativa, o Grupo Parlamentar do PCP, pela voz do meu camarada Manuel Correia, teve oportunidade de apontar as deficiências, lacunas e omissões do decreto-lei que o Governo se propunha aprovar, reconhecendo, porém, a importância e justeza da concretização da regularização extraordinária dos cidadãos em situação ilegal, que há muito vinha sendo reclamada pelas associações de imigrantes existentes em Portugal.
O PCP criticou aqui a exiguidade do período de vigência do diploma (quatro meses) e salientou que o facto de não se encontrarem previstas medidas de divulgação do processo e da sua tramitação junto das comunidades de imigrantes poderia vir a impedir a resolução junto de muitas situações de imigração irregular.
Para além de que diversas exigências que são feitas, designadamente a nível da prova documental da entrada e permanência continuada no território nacional, de existência de rendimentos próprios ou de exercício de uma actividade profissional, não têm suficientemente em conta a situação de precariedade profissional e a difícil situação social que afecta, a todos os níveis, a esmagadora maioria da comunidade africana em Portugal.
Se as exigências que são feitas para a regularização não tiverem em conta as realidades próprias e as dificuldades específicas destas comunidades, este processo não obterá o sucesso que o Governo afirma pretender e concluir-se-á sem ter atingido os seus objectivos.
Em reunião que o Grupo Parlamentar do PCP promoveu recentemente e para a qual convidou as associações representativas de cidadãos de países de língua oficial
portuguesa, cuja colaboração neste processo nunca é de mais enaltecer, tomou-se claro, através das informações que nos foram transmitidas, que o processo de regularização em curso decorre de forma deficiente e que pode dificultar a concretização dos seus próprios objectivos.
São manifestamente escassos os locais de recepção dos processos de regularização. Basta lembrar que na Região de Lisboa, que concentra largas dezenas de milhares de cidadãos imigrantes em situação ilegal, só existem dois locais de recepção dos processos.
A informação sobre o processo de regularização é praticamente inexistente. A maioria dos cidadãos potencialmente abrangidos ainda não sabe como proceder para regularizar a sua situação, e o prazo é apenas de quatro meses, terminando em Fevereiro próximo.
Portanto, é, a nosso ver, inquestionável que o diploma em vigor carece de concepções urgentes. As propostas que apresentamos visam precisamente a consagração, se não de todas, pelo menos das principais correcções e aditamentos que se nos afiguram indispensáveis.
Passarei, portanto, sinteticamente, a expor as propostas de alteração que o Grupo Parlamentar do PCP irá apresentar, em seguida, durante este debate, para correcção do Decreto-Lei n.º 212/92.
Uma primeira alteração tem a ver com a correcção das limitações que são impostas em função do tempo de permanência em território nacional constantes do artigo 1.º Não nos parece que tenha cabimento que, se um cidadão cumpre e prova os demais requisitos que são exigidos para a sua regularização extraordinária, essa regularização fique dependente da prova da sua permanência em território nacional há mais de 180 dias. Nos casos dos cidadãos que não careçam de provar, designadamente, o exercício de uma actividade remunerada, como é o caso dos PALOP, aí, sim, já é admissível que haja um período mínimo de permanência exigível, mas nunca os cinco anos que constam do diploma.
Uma segunda ordem de alterações prende-se com uma questão que nos parece fulcral e relaciona-se com a participação dos próprios interessados neste processo. Iremos propor a participação de uma representante dos próprios interessados na composição do Grupo Técnico de Avaliação e Decisão dos Processos.
Uma terceira alteração relaciona-se com a possibilidade de existência de mais locais de apresentação de documentos. Como referi há pouco, um dos grandes problemas deste processo de regularização tem sido a sua inacessibilidade relativamente aos cidadãos potencialmente abrangidos. Portanto, propomos, para além dos locais que existem e que estão determinados como sejam os governos civis e o Serviços de Estrangeiros e Fronteiras, que o governo civil promova a abertura de mais postos de recepção dos documentos que estejam mais próximos das populações e que facilitem, dessa forma, o processo de regularização.
Uma quarta ordem de questões diz respeito à declaração da entidade patronal sobre a existência de uma actividade remunerada por conta de outrem por parte dos imigrantes em situação ilegal. Pensamos que é evidente que a situação de precariedade profissional, a existência de subempreiteiros e a situação precária em que se encontram esses trabalhadores dificultam, se não na maioria, pelo menos em muitos casos, a existência desta declaração. Portanto, pensamos que devem ser encontradas formas de suprimento desta declaração, seja através da aceitação da declaração emitida pelos sindicatos repre-

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sentativos desses sectores, seja através de declaração do próprio requerente abonada por duas testemunhas devidamente identificadas.
Uma quinta ordem de questões diz respeito ao agregado familiar, cuja composição se apresenta, nos termos do diploma, extremamente restritiva, sabendo-se, como se sabe, que a união de facto é uma situação muito frequente entre os agregados familiares dos cidadãos imigrantes em Portugal. Assim, a proposta que fazemos é a de que passem a integrar o agregado familiar, para efeitos do presente diploma, todas as pessoas que vivam em economia comum com o requerente, integrando aqui a união de facto, tal como outras situações, como seja a situação de órfãos a cargo, que são também bastante relevantes e frequentes.
Uma outra questão tem a ver com a anualidade da autorização que é concedida nos termos deste diploma. Não vemos razão para que essa situação excepcional seja criada neste diploma de regularização extraordinária.
Parece-nos que aqui deve ser aplicável o regime geral já constante da lei e que faz depender a duração de autorização de residência do período de residência efectiva do cidadão em território nacional. Não vemos razão para que, no processo de regularização extraordinária, independentemente do tempo da duração de residência do cidadão em território nacional, a autorização seja apenas de um ano e tenha de ser renovada anualmente.
Deveriam ser clarificadas neste diploma as condições de recurso de uma eventual decisão desfavorável à autorização de residência. Pensamos que isso deve ser clarificado assim como deve ser clarificado, também que esse recurso tenha efeito suspensivo sobre uma eventual decisão de expulsão que venha a seguir-se à não autorização de residência. Isto é, suspensão até ao trânsito em julgado da respectiva decisão.
Uma penúltima questão, também importante, diz respeito ao período de vigência do diploma. Parece-nos que o período de vigência de quatro meses é extremamente restritivo e que poderá comprometer os objectivos do próprio diploma. Seguir o exemplo de outros países europeus, ou seja, um período de seis meses, como princípio, seria mais adequado. No entanto, parece-nos também que deve consagrar-se o princípio de que o Ministro da Administração Interna possa decidir a prorrogação do prazo, caso este se afigure manifestamente insuficiente no momento da sua conclusão.
Por último, parece-nos importante referir a questão da participação dos próprios interessados, quer no acompanhamento deste processo, quer no seu próprio envolvimento, a nível da participação e da ajuda aos seus próprios compatriotas para que possam, de facto, vir a conseguir obter o processo de regularização extraordinária em condições satisfatórias. Seria, pois, de consagrar neste diploma um apoio explícito às associações representativas dos cidadãos imigrantes, para que possam colaborar activamente neste processo de regularização.
Pensamos que com estas propostas contribuiremos para que este processo possa conseguir os seus objectivos de uma forma mais eficaz do que aquela que consta do actual diploma e do que, até ao momento, parece estar em curso.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.

O Sr. José Puig (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe: V. Ex.ª abordou várias questões na sua intervenção, que ouvi com atenção, e gostava que me prestasse alguns esclarecimentos sobre alguns temas que, julgo, ficaram um pouco em aberto.
Em primeiro lugar, sobre as insuficiências e lacunas do decreto-lei agora em vigor, peço ao Sr. Deputado que me confirme se, aquando da discussão da autorização legislativa, que aqui teve lugar aos vinte e poucos dias do mês de Março do corrente ano - e, por essa ocasião, já era conhecido o decreto-lei que o Governo aprovaria no âmbito daquela autorização legislativa -, o PCP apresentou ou não, como, por exemplo, o PS fez na altura, algum projecto de lei sobre esta matéria.
Sobre as associações de imigrantes e as conversas que mantiveram com o Sr. Deputado, devo dizer-lhe que, durante os últimos dias, também dialoguei com elas. E, se é certo que são assumidas algumas deficiências no decurso deste processo, que são naturais - as quais, aliás, vamos abordar de seguida - e que têm a ver com diversos factores, exigindo o empenho de muitas instituições, nomeadamente da sociedade civil, gostaria que o Sr. Deputado me confirmasse, ou não, o seguinte: se os dirigentes dessas associações de imigrantes também lhe disseram a si, como a mim, que, em termos de legislação, e só, o diploma actualmente em vigor é aceite por todos. É que, a mim, disseram-me isso e queria que o Sr. Deputado confirmasse, ou não, a veracidade desta afirmação.
Quanto ao prazo dos seis meses, quero perguntar-lhe o seguinte: o Sr. Deputado concorda, ou não, comigo quando lhe digo que, nos países em que se elaborou um diploma do género deste, o prazo foi, mais mês menos mês, semelhante ao nosso e que, num país em que esse prazo é de seis meses, esses dois meses a mais têm a ver com a questão do âmbito territorial desse mesmo país? Ou seja, considera, ou não, que, num país mais pequeno e com menos imigrantes, como o nosso, se justifica o mesmo prazo, só por uma questão de igualdade em termos legislativos com esses países, ou devemos atender apenas às circunstâncias, que não são exactamente as mesmas?
Quanto às condições de recurso das decisões, julgo que já falámos sobre isso por ocasião da discussão da autorização legislativa. Penso que o legislador incorre frequentemente no erro de, a propósito de cada situação, às vezes sem especificidades que o justifiquem, criar processos próprios, normas processuais e substantivas próprias, que, muitas vezes, vêm tornar confuso e estragar o nosso ordenamento jurídico. O Sr. Deputado considera que existe aqui alguma especificidade que justifique normas, nomeadamente de carácter adjectivo, específicas e próprias, em termos do regime geral que está obviamente subjacente a todos estes recursos, na medida em que não é feita qualquer norma especial?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Puig: Agradeço-lhe as questões que me colocou.
Relativamente ao debate sobre a autorização legislativa, devo dizer-lhe que, inclusivamente, servi-me dele como material de trabalho para a preparação deste debate. E é importante salientar que o PCP está a fazer agora exactamente aquilo a que se comprometeu aquando da

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autorização legislativa. De facto, nessa altura, debatemos a autorização e apontámos o que nos pareciam ser as principais deficiências e lacunas do decreto-lei que o Governo se propunha aprovar e do qual foi dado conhecimento a esta Assembleia. Contudo, as propostas de alteração a esse mesmo decreto-lei não são apresentadas no momento da autorização legislativa, mas, sim, em sede de ratificação. É para isso que o processo de ratificação serve e foi inventado e é isso o que, neste momento, estamos a fazer: a propor aqui, em sede de ratificação, que essas correcções, já na altura detectadas, possam vir, em tempo útil e sem perturbar o processo em curso, a ser introduzidas, beneficiando a aplicação do próprio diploma legislativo.
Sr. Deputado, as associações de imigrantes não precisam que eu esteja a servir-lhes de porta-voz neste debate; elas falam por si, através dos seus dirigentes, que, a propósito deste diploma, já têm leito as declarações públicas que entendem por bem. Agora, é inquestionável que há situações que poderiam ser melhoradas se este diploma também o fosse, isto é, se fossem introduzidas alterações que facilitassem, não num sentido de facilitação mas de acessibilidade, o aproveitamento por parte dos imigrantes em situação ilegal deste período de regularização extraordinária, que efectivamente deve ser aproveitado por todos ou, pelo menos, pela esmagadora maioria, e isso pode não vir a acontecer.
Assim sendo, o que propomos é num sentido construtivo, no sentido de que este diploma possa ter a sua eficácia máxima, que, cremos, na situação actual, pode não vir a ter.
Quanto ao prazo estabelecido de quatro meses, parece-nos curto e que não há razão para tal. Por isso, julgamos que ele podia ser de seis meses. O que propomos, fundamentalmente, é que esse prazo possa ser prorrogado por decisão do Ministro da Administração Interna, caso se verifique que ele foi insuficiente. Isto é,...

O Sr. José Puig (PSD): - Dá-me licença que o interrompa. Sr. Deputado?

O Orador: - Sr. Deputado, já não disponho de tempo para consentir a interrupção. Fá-lo-ia com muito gosto, mas, neste caso, teremos de apelar para a benevolência do Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Presidente já está a ser muito benevolente, como se pode ver pelo relógio electrónico. Sr. Deputado José Puig, seja muito breve.

O Sr. José Puig (PSD): - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Sr. Deputado António Filipe, quero fazer-lhe uma pergunta muito breve. Não acha que seria preferível esperarmos pelo decurso do prazo, em vez de estarmos já a alterá-lo - é que o diploma só entrou em vigor há três semanas-, para vermos qual é a adesão que tem este processo?
Em segundo lugar, V. Ex.ª tem ideia do número de requerimentos já apresentados,...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Segundo informações, foram 20.

O Sr. José Puig (PSD): -... e os que já foram despachados favoravelmente, no âmbito deste diploma legal? Se tem, diga!

O Sr. Presidente: - Faça favor de terminar a sua resposta, Sr. Deputado António Filipe.

O Orador: - Sr. Deputado José Puig, despachados ainda não foram, porque o processo está em curso. Mas essa é uma questão legal. O Sr. Deputado tem muita razão no que disse, porque podemos chegar ao final do processo e verificar que o prazo foi insuficiente. Só que o actual diploma não prevê possibilidade de prorrogação. Ora, o que propomos é que seja prevista, no actual decreto-lei, a possibilidade de, se verificar que no final do prazo ele se revelou insuficiente, o Ministro da Administração Interna poder prorrogá-lo. É isso que propomos, e creio que o Sr. Deputado, com o que acaba de dizer, até está de acordo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna (Carlos Encarnação): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ainda há relativamente pouco tempo tive oportunidade de estar aqui, na Assembleia da República, respondendo a algumas perguntas que foram colocadas pelo Sr. Deputado António Costa, do PS.
No fundo, embora a figura regimental seja diferente, as questões essenciais hoje aqui tratadas são mais ou menos as mesmas, pelo que me arrisco a fazer uma repetição daquilo que já disse da outra vez. Porém, fá-lo-ei com muito prazer, para que o Sr. Deputado António Filipe compreenda o que está a acontecer, o alcance da iniciativa do Governo, como ela está a ser realizada e quais os seus resultados.
Na verdade, aquilo que o Sr. Deputado António Costa, do PS, disse na Assembleia foi mais ou menos repetido hoje pelo Sr. Deputado António Filipe, e o que ambos disseram foi que concordam inteiramente com os objectivos desta iniciativa e que se congratulam com ela.
Assim, como é evidente, face a esta posição de dois partidos da oposição, o Governo não pode deixar de estar contente, isto porque, na maior parte dos casos, é difícil o PCP fazer a confissão pública da sua concordância com os actos do Governo - ainda que secretamente pense que, por vezes, está de acordo com ele, mas não o diz -, sendo por isso esta uma boa oportunidade de, perante uma questão concreta, obtermos a aquiescência dos dois maiores partidos da oposição.
No meu entender, as grandes questões que se colocam advêm da mera suposição, de algum erro de julgamento ou de um erro essencial em relação a esta questão.
Na verdade, o que é que pretendemos fazer com esta iniciativa? Penso que é suficientemente claro para toda a gente entender: pretendemos, como já aqui disse, resolver uma situação que se colocava ao Estado Português e que era da sua responsabilidade, isto é, permitir que dentro das suas fronteiras existisse um universo de cidadãos ilegais, não tendo uma resolução pronta para esta situação.
Como já disse, o problema era, fundamentalmente, o da existência de alguns milhares de processos por decidir, aos quais a burocracia normal não dava solução pronta, e também o da existência de alguns milhares de cidadãos que nem sequer tinham processos abertos, isto é, que nem sequer tinham solicitado a regularização da sua situação, havendo toda a conveniência para o Estado Português e para eles próprios em ver a sua situação de ilegalidade transformada em legalidade.

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Assim, o que fizemos? Utilizámos, a exemplo de vários Estados europeus que assim procederam, com iguais razões e com recurso a uma figura semelhante, uma medida excepcional da competência do Estado português, criando uma comissão apropriada para o efeito, constituída pelos quatro ministérios que têm mais contacto com os problemas da imigração, e admitindo que fossem eles a decidir rapidamente num processo excepcional e não num processo normal, porque a esse têm sempre recurso todos os imigrantes ilegais -, por forma que estas questões se resolvessem.
De qualquer forma, o Sr. Deputado António Filipe disse que isto vai resolver pouco, ou melhor, que tem receio que resolva pouco, uma vez que o prazo é curto. Contudo, como já aqui disse, entendemos que o prazo é suficiente e, por isso, a nosso ver, não se justificam alterações a este prazo.
Em comparação com os demais países europeus que tiveram processos idênticos, quer o universo de abrangiveis quer a dimensão dos próprios países eram de tal maneira grandes que, por si só, nos dão uma considerável vantagem se apreciarmos a comparação entre os quatro e os seis meses e o universo de imigrantes legalizáveis no nosso país e nos restantes países europeus. Ora, penso que isto não pode sofrer qualquer contestação!
Gostaria de dizer ainda que temos tido uma colaboração excepcional de variadíssimas entidades, nomeadamente das centrais sindicais, da Obra Católica Portuguesa das Migrações - que tem um relacionamento muito estreito com as associações representativas das comunidades de cidadãos imigrantes clandestinos, que exerce permanentemente uma acção social junto dos bairros onde reside grande parte desses cidadãos em situação ilegal e que tem colaborado na divulgação da medida e na instrução dos processos - de jornais, de rádios locais e da televisão (através da emissão de um spot informativo que, cinco vezes por dia, uma das quais no período nobre de emissão, vai para o ar), de juntas de freguesia, do Instituto da Juventude e de várias câmaras municipais, nomeadamente a de Lisboa, que ainda no outro dia foi citada aqui pelo Sr. Deputado António Costa e que rapidamente se viu envolvida, e bem, neste processo.
Sendo assim, não temos de queixar-nos quanto à colaboração prestada pela sociedade civil, que tem demonstrado para connosco e para com os imigrantes ilegais a sua solidariedade.
Devo ainda dizer-lhe que esta iniciativa, que representou uma viragem importante na burocracia que estava ligada aos processos normais de legalização, foi muito sensível nos seus resultados. Isto é, graças ao que agora aconteceu, já 3000 dos processos pendentes foram resolvidos, ou seja, já houve 3000 cidadãos notificados da sua legalização em processos pendentes; já deram entrada 750 requerimentos de legalização que até hoje já foram decididos favoravelmente pela comissão de avaliação, ficando despachados até à próxima semana mais de l SOO processos. Existem ainda várias centenas de processos pendentes, havendo, neste momento, 4000 processos que estão a transitar para o grupo técnico e que advêm da colaboração das embaixadas, designadamente da de Cabo Verde e da de São Tomé e Príncipe, è há ainda 11 000 processos pendentes que seguirão o seu trânsito normal, isto é, que serão transformados de processos pendentes de legalização para processos ao abrigo desta disposição excepcional.
Ora isto significa que, nas próximas duas ou três semanas, contamos resolver cerca de 20 000 casos pendentes, o que tem uma dimensão numérica e social muitíssimo importante, e o Sr. Deputado não poderá negar - nem certamente é essa a sua intenção - a verdade e a importância daquilo que eu aqui afirmo hoje.
Portanto, como V. Ex.ª compreenderá, não vejo qualquer interesse em perturbar o processo e introduzir modificações no diploma em curso, designadamente as que, no meu entender, são irrelevantes, embora creia que a sua intenção seja boa - aliás, não duvido disso!
Todavia, as alterações que propõe são revelantes face aos números, ao modo como está a decorrer o processo e ao conteúdo do diploma. É que V. Ex.ª, com certeza, não vai teimosamente - e desculpe-me que lho diga - continuar a querer as modificações, porque isso seria uma prova de imaturidade relativamente ao processo que desencadeámos. V. Ex.ª não pode deixar de dizer, depois daquilo que acabei de referir e das informações que acabei de lhe prestar, que não só concorda inteiramente com o objectivo, não só se congratula com a iniciativa legislativa, como ainda se congratula com os resultados que esta iniciativa está a ter no terreno. Sei que o Sr. Deputado é uma pessoa inteligente e não irá, com certeza, dizer coisa contrária àquilo que afirmei.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.

O Sr. José Puig (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ª e Srs. Deputados: Apreciamos hoje, por iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Comunista, o Decreto-Lei n.º 212/92, que regulariza a situação dos imigrantes clandestinos.
Importa, antes de mais, sublinhar que, aquando da discussão em Plenário da respectiva autorização legislativa, que ocorreu em 26 de Março do corrente ano, o referido grupo parlamentar não apresentou qualquer projecto de lei alternativo ao subscrito pelo Governo.
O diploma legal em apreço não pode ser analisado em abstracto, isto é, retirado do contexto em que foi elaborado, nomeadamente do enquadramento no regime geral de entrada, permanência, saída e expulsão de estrangeiros do território nacional.
O regime legal aprovado neste âmbito é bem demonstrativo de que o nosso governo tem uma política de imigração bem definida, ponto de encontro entre os verdadeiros interesses nacionais e os compromissos internacionalmente assumidos, de entre estes se destacando o Acordo de Schengen.
Com o Decreto-Lei n.º 212/92 abriu-se a porta à regularização da situação de milhares de imigrantes, a maior parte deles oriundos de países Lusófonos, que de outra forma, mediante a lei geral, se manteriam na clandestinidade.
Instituiu-se um mecanismo que permite a legalização da presença em território nacional de todos os imigrantes que demonstrem uma mínima integração e enraizamento, em termos sociais, profissionais e ou familiares.
Criou-se um processo gratuito, sem preciosismos burocráticas, claramente simplificado.
Com efeito, pretendeu-se inequivocamente que todos aqueles que com o seu trabalho, a sua integração, vêm colaborando no nosso processo de desenvolvimento não sejam marginalizados dos respectivos benefícios.

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Não sejam marginalizados da segurança social, da protecção na doença e do acesso à educação dos seus descendentes, entre outros. Para além de tudo o mais, também porque é assim que melhor se previnem fenómenos de revolta e criminalidade, em suma, de conflitualidade social.
Certo é que a eficácia do normativo em discussão dependerá da adesão que manifestarem os imigrantes clandestinos, seus beneficiários.
Para que, neste ponto, se alcancem bons índices, tem de se apostar na divulgação das medidas previstas e dos processos necessários junto da população em geral, essencialmente junto das comunidades envolvidas.
A este respeito, temos acompanhado as iniciativas governamentais, traduzidas em boletins informativos, spots televisivos, protocolos com embaixadas e referências diversas na comunicação social.
Sugerimos, e esperamos, que este esforço se mantenha e, até, se intensifique. No entanto, não podemos deixar de notar que esta é uma tarefa que tem de ser assumida solidariamente por todas as instituições da sociedade civil. As associações de imigrantes, naturalmente, as diversas associações sindicais, as próprias autarquias, podem, no seu âmbito territorial, nas respectivas empresas, prestar um contributo decisivo à boa concretização dos objectivos de plena integração dos imigrantes ainda clandestinos.
Com esta finalidade, a de proporcionar mais um debate, de reforçar a divulgação, de convidar os interessados à participação no processo de integração, de legalização, compreendemos e aceitamos de bom grado a iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Comunista.
Não podemos nem devemos ficar, de todo o modo, por aqui.
Os Deputados, todos os Deputados da Assembleia da República nas suas múltiplas actividades e intervenções, de carácter local, regional e nacional, podem, da mesma forma, desempenhar um papel relevante nesta área, até 13 de Fevereiro de 1993, data limite para a apresentação dos requerimentos de regularização da situação dos imigrantes clandestinos.
Os debates, as próprias visitas das organizações de imigrantes aos bairros habitados pelas suas comunidades, terão certamente outro efeito e assumirão uma credibilidade diferente com a nossa participação.
E nesta tarefa, que não podemos nem devemos partidarizar, ninguém se pode demitir, ninguém deve «sacudir a água do seu capote».

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Costa.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Este é o quarto debate da Assembleia, nesta legislatura, relativo à questão da regularização dos imigrantes clandestinos. O primeiro resultou de uma iniciativa legislativa do Partido Socialista que visava precisamente a criação de um processo extraordinário de regularização, projecto esse acompanhado de dois outros que se encontram ainda pendentes nesta Assembleia, sendo um relativo à capacidade eleitoral, activa e passiva, dos cidadãos estrangeiros residentes em Portugal para os órgãos das autarquias locais e outro referente à eliminação de medidas descriminatórias quanto à atribuição de habitação social.
É por isso que o PS tem assistido com interesse a este debate, em que já participou o PCP, o Governo e o PSD. Em nosso entendimento, este processo legislativo tem sido interessante e tem evoluído de uma forma positiva. Votámos contra a proposta de autorização legislativa porque considerámos que mantinha em aberto diversas disposições que dificultariam o sucesso do processo de regularização.
Porém, como tive oportunidade de dizer ao Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna há 15 dias, aqui nesta Assembleia, verificámos com satisfação que o Decreto-lei n.º 212/92 melhorou francamente relativamente à proposta de autorização legislativa. O Governo teve melhores ouvidos para as críticas formuladas pela oposição e pelas associações de imigrantes do que o Grupo Parlamentar do PSD havia tido nesta Assembleia da República. Assim, votaremos favoravelmente a ratificação deste decreto-lei e associaremos o nosso voto aos demais no sentido da manutenção da sua vigência.
Relativamente às alterações propostas pelo Partido Comunista Português, há duas questões centrais que gostaria de referir. A primeira tem a ver com o âmbito do processo de regularização e a segunda relaciona-se com os seus efeitos.
No que diz respeito ao âmbito do processo de regularização, estamos de acordo com a proposta do Partido Comunista no sentido de alargar o conceito de agregado familiar, pois trata-se de uma proposta que vem ao encontro de uma outra feita pelo PS. Por isso mesmo convido o PSD a reflectir ponderadamente sobre esta questão, uma vez que, neste âmbito, existem agregados familiares que, muitas vezes, não se reconduzem à ideia ocidental de agregado familiar ou até à ideia nacional.
Alguns destes imigrantes, como, por exemplo, os provenientes da Guiné e alguns de Moçambique, têm agregados familiares que, efectivamente, não se reconduzem ao nosso conceito. A letra da lei é, neste caso concreto, restritiva e poderá deixar de fora algumas situações que deveriam ser consideradas, designadamente as de união de facto.
Mas há ainda outros casos que não têm a ver com essa diferença de conceitos de agregado familiar, como, por exemplo, a questão dos órfãos, que não estão cobertos pelo decreto-lei em vigor, e talvez merecessem consideração.
Por outro lado, em relação a outras questões, estamos em desacordo com a proposta do Partido Comunista Português. Tal é o caso da questão dos limites. A este respeito, entendemos que é essencial manter um limite para as entradas em Portugal e o de 180 dias que consta do decreto-lei corresponde ao que apresentámos no nosso projecto de lei. Consideramos que não se devem beneficiar aqueles que vieram para Portugal após ser notório que ia ser aberto um processo de regularização, ou seja, não devemos beneficiar os imigrantes oportunistas. Devemos, isso sim, regularizar a situação daqueles que já estavam em Portugal antes de o processo se iniciar.
Relativamente à segunda questão que referi no início, ou seja, a questão dos efeitos, o Partido Comunista pretende que eles não se restrinjam à concessão da autorização de tipo A, isto é, a autorização de residência para aqueles que já estão há um ano em Portugal, e quer ver atribuídas autorizações de residência de tipo B ou C.
A posição do PCP é compreensível, mas entendemos que não é aceitável que aqueles que permaneceram em Portugal ilegalmente venham a merecer o mesmo tratamen-

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to que teriam se não tivessem entrado e permanecido em Portugal nessa situação. Efectivamente, deve estabelecer-se uma diferença, pelo que a autorização de tipo A parece-nos razoável.
Quanto às restantes questões suscitadas pelo PCP, francamente não vemos nenhum obstáculo a que elas sejam introduzidas, embora não as consideremos essenciais. A prova, por exemplo, não é excluída pelo Decreto-Lei n.º 212/92, mas não vemos inconveniente em que a interpretação que o Sr. Secretário de Estado se vem empenhando em fazer constar das actas da Assembleia da República seja também vertida na lei. E isto não porque ela acrescente muito à lei, mas porque permite clarificá-la.
Como nem todas as decisões estarão sujeitas a recurso hierárquico para o Sr. Secretário de Estado e haverá, eventualmente, uma fase em que os tribunais poderão ser chamados a intervir, não me parece que haja inconveniente em que a lei clarifique já aquilo que o próprio Sr. Secretário de Estado tem vindo a clarificar.
No que se refere à questão do alargamento do prazo, ela parece-me positiva - nós próprios propusemos seis meses - e não nos parecem convincentes as razões invocadas quer pelo Sr. Secretário quer pelo PSD para manter a restrição dos quatro meses. A dimensão diminuta do território nacional é verdadeira, mas também é verdade que a circulação da informação em Portugal, por razões tecnológicas, é menor do que a existente noutros países que têm vindo a ser invocados. Assim, não vejo que exista uma razão determinante para a manutenção dos quatro meses.
Por outro lado, relativamente ao recurso, estamos de acordo em que deve ter efeito suspensivo - aliás, nós próprios já havíamos avançado essa possibilidade no nosso projecto de lei.
Aquilo que o Sr. Deputado José Puig referiu é verdade, ou seja, a Lei de Processo dos Tribunais Administrativos e o Decreto-Lei n.º 256-A/76 prevêem a suspensão de eficácia dos actos administrativos e, neste caso, também estão em causa actos administrativos. No entanto, não é menos verdade que os requisitos exigidos pela jurisprudência dos tribunais administrativos nacionais quanto à concessão da suspensão de eficácia são, ainda hoje, extremamente restritivos.
Ora, como nestes casos nada nos garante que isso venha a ser concedido, se a própria lei fixar desde já o efeito suspensivo, não vem mal ao mundo, antes pelo contrário. Aliás, há várias leis que prevêem, elas próprias, o efeito suspensivo dos recursos contenciosos.
Finalmente, há várias propostas no sentido da participação das associações e, naturalmente, estamos de acordo com isso, ou seja, com a comissão consultiva, com a integração das associações no grupo técnico, etc.
Em todo o caso, há uma questão que, para nós, é essencial e que se traduz no facto de não aceitarmos quaisquer incidentes que possam quebrar ainda mais a confiança dos imigrantes clandestinos na bondade e validade do processo de regularização que está em curso.
Assim, e porque o Regimento da Assembleia da República o permite, convidamos esta Câmara a aderir ao seguinte princípio: ou estas alterações baixam à respectiva comissão parlamentar, arrastando-se e criando um ónus sobre este processo, o que é inaceitável, ou o próprio Plenário resolve o problema da votação na especialidade.
Pela nossa parte, vamos votar a favor ou contra as alterações conforme acabei de indicar, mas só se a questão for resolvida em Plenário, isto é, no dia em que se votar a ratificação. Não aceitaremos que esta questão seja remetida para comissão, arrastando-se indefinidamente.
Entendemos que o reforço da confiança neste processo de regularização é necessário e urgente e, por isso mesmo, o que nos parece essencial não é esta ratificação, mas sim que haja um maior empenho das associações, das autarquias locais, do Governo, dos grupos parlamentares e, enfim, de toda a sociedade no sentido de divulgar e tomar credível este processo de regularização.
Como sempre dissemos, defendemos uma política integrada de imigração, e a questão da regularização é só uma primeira medida. Consideramos essencial que a Assembleia da República, ainda no decurso deste processo, dê um sentido positivo e claro da vontade política do Estado Português de proceder à integração e não só à regularização da situação dos imigrantes.
Por outro lado, parece-nos importante que esta Assembleia discuta e aprove o projecto de lei apresentado pelo PS no sentido da regulamentação da disposição constitucional do artigo 15.º, n.º 2, tendo em vista a definição da atribuição da capacidade eleitoral activa e passiva aos cidadãos de que estamos aqui a tratar e a fim de que essa disposição possa ser aplicada já nas eleições autárquicas de Dezembro de 1993.
A manifestação desta vontade política é essencial para o reforço da credibilidade deste processo e traduz-se na posição do Partido Socialista, que me parece poder contribuir para que a Assembleia da República assinale o sucesso deste processo de regularização com o contributo mais maioritário possível, dando maior credibilidade e confiança aos imigrantes.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Costa: gostaria apenas de lhe colocar uma pequena questão em relação ao prazo de regularização da situação dos imigrantes clandestinos.
Com efeito, o Sr. Deputado levantou a questão das capacidades técnicas, nomeadamente a da informação, mas penso que o principal problema não é bem esse. Não considera V. Ex." que a necessidade do alargamento do prazo previsto no diploma é o aspecto mais importante, tendo em atenção a marginalidade objectiva a que os imigrantes estão votados em relação aos circuitos da informação e, nomeadamente, ao funcionamento da Administração no nosso país?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Costa.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mário Tomé: Concordo em absoluto com o que acabou de dizer, pois a razão que invocou é bem mais essencial do que a que tive oportunidade de referir. Na verdade, na proposta que apresentámos e que vamos votar a favor, consta o prazo de seis meses. Aliás, estou convencido de que, no termo dos quatro meses, haverá uma prorrogação para a concretização deste processo de regularização.
No entanto, consideramos que tem, desde já, de ser fixado o prazo e resolvida rapidamente esta questão, pois é do interesse de todos que este processo tenha sucesso. Isso é óbvio!

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate da ratificação n.º 36/VI.

As votações relativas às ratificações que hoje estiveram em debate irão ter lugar na próxima reunião plenária, que se realiza na terça-feira, dia 10, às 15 horas, e de cuja ordem do dia consta ainda a apreciação da proposta de lei n.º 35/VI - Autoriza o Governo a legislar sobre detenção, circulação e controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, bem como a discussão conjunta da proposta de lei n.º 38/VI - Autoriza o Governo a legislar sobre o regime jurídico da adopção, e do projecto de lei n.º 219/VI - Altera parcialmente o instituto e o regime de adopção (PCP).

Está encerrada a sessão.

Eram 12 horas e 35 minutos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
António José Caeiro da Motta Veiga.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Monteiro do Amaral.
João Álvaro Poças Santos.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Manuel da Costa Andrade.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS):

António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Maria Odete dos Santos.

Centro Democrático Social (CDS):

Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró.
Narana Sinai Coissoró.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.

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