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Sexta-feira, 13 do Novembro do 1992 I Série - Número 13
DIÁRIO da ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
VI LEGISLATURA 2.º SESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 12 DE NOVEMBRO DE 1992
Presidente: Ex.(tm) Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Ex.mº Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
Belarmino Henriques Correia
SUMARIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 11 horas e 5 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.º 224/VI a 228/VI.
Foram aprovados os n.º l e 2 do Diário.
Após debate do parecer da Contusão de Agricultura e Mar sobre o requerimento de adopção do processo de urgência para o projecto de lei n.º 207/VI (PCP)-Alteração ao Decreto-Lei n.º 385/88. de 25 de Outubro (regime do arrendamento rural), foi este rejeitado, tendo intervindo os Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP), Carlos Duarte (PSD), António Martinho (PS) e Narana Coissoró (CDS).
A Câmara aprovou os votos n.º 38/VI e 41/VI, relativos à passagem do 1º aniversario do massacre no Cemitério de Santa Cruz, ern Timor Leste, apresentados, respectivamente, pelo Sr. Presidente da Assembleia da República e pelo Sr. Deputado independente Mário Tomé. Usaram da palavra os Srs. Deputados Isabel Castro (Os Verdes), Mário Tomé e João Corregedor da Fonseca (Indep.), Adriano Moreira (CDS), António Filipe (PCP), Almeida Santos (PS) e Pacheco Pereira (PSD).
Foram também apreciados os votos n.º 39/VI-De pesar pela violação dos acordos de paz de Angola, apelando ao seu cumprimento e ao reforço do empenhamento das Nações Unidas, apresentado pelo Sr. Presidente da Assembleia da República, 40/VI-De consternação pela violação armada dos resultados eleitorais e pelo cerceamento dos direitos e liberdades, expressando o desejo de paz e democracia em Angola, apresentado pelo Deputado independente Mário Tomé, e 42/Vl - De pesar e preocupação pela situação em Angola, expressando a necessidade do integral respeito pelos Acordos de Bicesse (PCP), tendo o primeiro sido aprovado e os outros rejeitadas. Produziram intervenções os Srs. Deputados Mário Tomé e João Corregedor da Fonseca (Indep.), André Martins (Os Verdes), Manuel Queiró (CDS). Octávio Teixeira (PCP), Manuel Alegre (PS) e Duarte Lima (PSD).
Procedeu-se à discussão e votação, na generalidade, do projecto de lei n. º 196/VI-Candidaturas de cidadãos independentes à eleição dos órgãos das autarquias locais (PS), que foi aprovado. Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Alberto Costa (PS), João Corregedor da Fonseca (Indep.), João Amaral (PCP), Isabel Castro (Os Verdes), Mário Tomé (Indep.), Manuel Moreira (PSD), Narana Coissoró (CDS), Castro Almeida (PSD) e Jorge Lacão (PS).
Entretanto, o Sr. Presidente deu conhecimento à Câmara da carta que enviou ao seu homólogo da Assembleia Federal da República Federativa Checa e Eslovaca a propósito do falecimento de Alexander Dubcek.
Foi rejeitado, na generalidade, o projecto de lei n.º 219/VI - Altera parcialmente o instituto e o regime da adopção (PCP), e posteriormente foi aprovada, na generalidade, na especialidade e em votação final global, a proposta de lei n.º 38/VI - Autoriza o Governo a legislar sobre o regime jurídico da adopção, tendo proferido declaração de voto os Srs. Deputados José Vera Jardim (PS) e Odete Santos (PCP).
Entretanto, foi rejeitado um requerimento do PS de avocação a Plenário das propostas de alteração ao Decreto-Lei n.º 212/92, de 12 de Outubro - Regulariza a situação dos imigrantes clandestinos [ratificação n.º 36/VI (PCP)].
A Sr.ª Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 35 minutos.
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O Sr. Presidente: -Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 11 horas e 5 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Abílio Sousa e Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Ana Paula Matos Barros.
Anabela Honório Matias.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Bernardino Gata Silva.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Elói Franklin Fernandes Ribeiro.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrígues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Isilda Maria Renda Periquito Pires Martins.
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
João Carlos Teixeira Baltazar Gomes.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos.
João Manuel dos Santos Henriques.
Joio Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Luís António Carrilho da Cunha.
Lufe Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luis Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrích de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Costa.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira Mourão.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
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António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borram Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos da Costa.
António Manuel Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Lufe.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Edite de Fátima dos Santos Marreiros Estrela.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
Joio António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José António Martins Goulart.
José Barbosa Mote.
José Eduardo Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Mário Manuel Videira Lopes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
Apolónia Maria Alberto Pereira Teixeira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Fernando Araújo Calcada.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Joio Carlos da Silva Pinho.
Narana Sinai Coissoró.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.
Deputados independentes:
Mário António Baptista Tomé.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os projectos de lei n.º 224/VI - Lei Eleitoral para o Presidente da República, 225/VI - Lei Eleitoral para a Assembleia da República, 226/VI-Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu, 227/VI - Lei Eleitoral para as Autarquias Locais, da iniciativa do PSD, e 228/VI - Alteração à Lei Eleitoral para as Autarquias Locais (CDS), tendo todos baixado à 3.º Comissão.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.ºs l e 2 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias dos dias 15 e 16 de Outubro.
Não havendo objecções, consideram-se aprovados.
Passamos ao debate do parecer da Comissão de Agricultura e Mar sobre o requerimento de adopção do processo de urgência para o projecto de lei n.º 207/VI (PCP) - Alteração ao Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de Outubro (regime do arrendamento rural).
Por acordo estabelecido entre todos, o tempo para este debate é de três minutos para cada grupo parlamentar, o que se afasta da regra geral sobre distribuição de tempos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os pequenos agricultores rendeiros constituem, sobretudo no Norte e Centro, uma parte fundamental da estrutura social agraria do País.
A legislação do arrendamento rural em vigor, designadamente a obrigatoriedade de redução a escrito dos contratos de arrendamento e a fixação da renda em dinheiro, que o nosso regime democrático introduziu no ordenamento jurídico agrário, permitiu, pela primeira vez, criar um conjunto de garantias e de condições de estabilidade para os rendeiros- grande parte dos quais pequenos agricultores autónomos-, articulando e equilibrando os direitos destes com os dos proprietários, senhorios das terras.
Contudo, o Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de Outubro, alterou, nalgumas áreas, esse equilíbrio de interesses, dei-
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xando os rendeiros, em certas condições, desprotegidos face às pretensões dos proprietários.
Uma dessas situações decorre do artigo 20.º daquele diploma.
Expliquemo-nos: o Decreto-Lei n.º 385/88 está a perfazer quatro anos de vigência. Tal significa, nos termos do n.º 5 do seu artigo 36.º, que termina agora o prazo a partir do qual os senhorios/proprietários podem denunciar, para efeitos de exploração directa, os contratos que já existiam à data da entrada em vigor da lei e que, por força deste dispositivo legal, foram automaticamente renovados pelo prazo de quatro anos.
Só que, nos termos do artigo 20.º da actual lei do arrendamento, os rendeiros não podem opor-se à denúncia do contrato quando o proprietário declarar pretender a terra para passar ele próprio ou os filhos a explorar directamente o prédio.
Mesmo que tal não corresponda à verdade ou que o proprietário dela não necessite, e que a lance, por exemplo, na especulação fundiária (como tantas vezes acontece), o rendeiro verá o contrato automaticamente denunciado, irá para a rua e só poderá reocupar o prédio se nos cinco anos seguintes o proprietário não o vier a explorar.
É evidente que, entretanto, nada poderá proteger o rendeiro que foi despejado, que ficou sem o prédio e sem meios de subsistência. Só em acção judicial posterior poderá, eventualmente, ver repostos os seus direitos.
Ora, o que nós propomos, no projecto de lei que apresentámos, sem desequilibrar os interesses em presença e para se evitarem múltiplos casos de injustiça social, é que o arrendatário possa opor-se à efectivação da denúncia, intentando, se quiser, uma acção judicial antes do processo de despejo onde o proprietário comprove que tem uma situação económica inferior à do arrendatário e que, efectivamente, vai ele ou os seus filhos fazer a exploração directa da terra.
Tendo em conta que, perfazendo a actual lei do arrendamento rural quatro anos, é exactamente só a partir de agora que a denúncia de contratos de arrendamento para exploração directa pode ser realizada, tendo ern conta que neste momento já se vivem em várias regiões do País situações de tensão e de angústia derivadas de processos de despejo em que o arrendatário não se pode opor, o Grupo Parlamentar do PCP entende justificar-se a adopção do processo de urgência para o nosso projecto de lei para que o seu debate, votação e eventual aprovação venham a decorrer ainda ern tempo útil.
São, como dissemos, diversíssimos casos de injustiça social que importa evitar e que estão a atingir - ou podem vir a atingir brevemente - milhares de pequenos agricultores rendeiros, cuja fonte de rendimento e sobrevivência é exclusivamente a exploração do prédio que trazem à renda.
É uma situação a que, evidentemente, esta Assembleia não pode ser insensível.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP pede hoje que seja dada urgência a um diploma que apresentou em Outubro, diploma esse que pretende alterar a lei, aprovada por esta Câmara em 1988, que previa e permitia equilibrar o relacionamento entre os rendeiros e os proprietários, de forma que não houvesse o desequilíbrio que existiu durante uma determinada época e que impediu ou limitou, muitas vezes, que o mercado de arrendamento do solo agrícola não fosse suficiente para os empresários agrícolas existentes.
Esta lei tinha alguns mecanismos transitórios para os contratos de arrendamento existentes na altura, que eram de quatro anos. Só depois desse prazo é que, eventualmente, os mecanismos previstos nesse diploma entrariam ern vigor relativamente aos contratos de arrendamento existentes em 1988.
Ora, na nossa perspectiva, esta lei e esse mecanismo ainda não estão suficientemente testados (sobretudo no que respeita à vertente que mencionei), pelo que pensamos que esta iniciativa da PCP é extemporânea.
Mais do que o rendimento do rendeiro ou do proprietário, o que, para nós, é importante é a disponibilidade e a capacidade para utilização do solo agrícola
O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Por isso, não entendemos razoável a argumentação expendida, quer na intervenção do Sr. Deputado Lino de Carvalho, quer na fundamentação do diploma.
Nesse sentido, o Grupo Parlamentar do PSD não apoia a concessão do estatuto de urgência para este diploma, embora estejamos disponíveis para, quando o PCP, com o direito potestativo que o Regimento lhe confere, agendar este diploma, discutir, a qualquer momento, esta questão em profundidade.
Vozes do PSD: -Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Martinho.
O Sr. António Martinho (PS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista votará favoravelmente este pedido de urgência.
O que está em discussão é o pedido de urgência e não o próprio diploma que lhe deu origem e, por uma questão de princípio, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista é favorável à decisão de que os pedidos de urgência sejam aprovados.
Para além disso, reconhecemos a acuidade das questões que são objecto deste pedido de urgência, que tem, ele próprio, oportunidade face ao calendário das acções necessárias e decorrentes dos normativos em análise.
Por outro lado, em nosso entender, a dignificação desta Câmara também passa pela capacidade de tomar as decisões em tempo útil e com oportunidade.
Assim, o Grupo Parlamentar do PS reserva a sua posição sobre o conteúdo deste projecto de lei, que, em nosso entender, denota uma visão pouco global do País, para um momento oportuno, mas, neste momento, vai votar favoravelmente o pedido de urgência.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS):-Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não temos quaisquer preconceitos nem para limitar o direito que o PCP tem de pedir a urgência nem argumentos para dizer que, efectivamente, não deve ser dada essa urgência.
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O que é certo é que a lei que existe neste momento não tem levantado grandes polémicas. O regime actual do arrendamento rural é muito melhor do que aquele que vigorava antes. Mas, tal como aqui referiu o PSD, pensamos que a lei ainda não foi suficientemente testada para se poder dizer que ela deve ou não ser substituída por outra.
De qualquer forma, não nos opomos a este pedido, pelo que iremos abster-nos quanto a este requerimento.
(O orador reviu.)
O Sr. Presidente: - Como não há mais inscrição, dou por encerrado o debate.
Vamos agora proceder à votação deste requerimento de adopção do processo de urgência para o projecto de lei n.º 207/VI (PCP) - Alteração ao Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de Outubro (regime do arrendamento rural).
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé e a abstenção do CDS.
Srs. Deputados, passamos agora ao debate respeitante à situação ern Timor Leste, um ano após o massacre no Cemitério de Santa Cruz.
É um facto muito triste para a humanidade e muito doloroso para todos nós, Portugueses, aquele que boje temos o dever histórico de memorar. É a chacina feita no Cemitério de Santa Cruz, em Timor Leste, de cidadãos timorenses, perpetrada pelas tropas da Indonésia, ocupante desse território.
A Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor Leste preocupou-se em assinalar, hoje, nesta Câmara, a nossa mais viva repulsa por esse brutal gesto.
Na sequência do trabalho organizado pela Comissão Eventual, e ouvida a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, proponho à Assembleia da República, como tema de reflexão e para introduzir este debate, o voto n.º 38/VI, que vou passar a ler.
Completa-se hoje o l.º aniversário do massacre de que foram vítimas, no Cemitério de Santa Cruz, muitos civis timorenses que participavam numa manifestação pacífica de homenagem à memória de um jovem, morto dias antes na Igreja de Motael e conhecido pela sua acção a favor da autodeterminação do povo de Timor Leste.
Segundo testemunhas oculares da violência, soldados indonésios, enquadrados por oficiais, abriram fogo de forma indiscriminada e repetida sobre a multidão indefesa, sem que dela tivesse partido qualquer provocação. As chocantes imagens mostradas nas televisões de muitos países foram reveladoras do bárbaro comportamento dos militares ocupantes, que ainda perseguiram e agrediram os que, muitas vezes já feridos, se procuravam proteger no interior do Cemitério. O número total de mortos, feridos e desaparecidos é ainda desconhecido, calculando-se o seu total em várias centenas, apesar dos números oficiais avançados pelas autoridades indonésias.
Esta tragédia veio alertar, de forma até aí não conseguida, apesar de todas as denúncias feitas sistematicamente no decurso dos anos, a opinião pública mundial para o drama de Timor Leste, ilegalmente ocupado pela República da Indonésia
desde que o invadiu militarmente em 7 de Dezembro de 1975.
Apesar de todas as condenações e críticas que lhe foram dirigidas, a Indonésia não só recusou a realização de uma investigação objectiva e imparcial do massacre de Díli como tem vindo a perseguir, julgar e condenar, de forma intolerável, os próprios civis sobreviventes, não acusados de actos de violência, enquanto condenou a penas simbólicas os próprios autores dos disparos criminosos.
Declarações realizadas por responsáveis indonésios, nas quais são feitas ameaças, justificando a violência cometida e chegando ao ponto de lamentar não ter havido mais mortos, contradizem as condolências apresentadas às famílias das vítimas e permitem pensar que se tratou de um acto deliberado, de quem está habituado a proceder a uma repressão sistemática e sem contemplações pelos mais elementares direitos humanos.
Nada no comportamento do Governo de Jacarta tem indicado haver a mais leve intenção de dar cumprimento àquilo a que se comprometeu perante as Nações Unidas. Com efeito, verifica-se uma contradição chocante entre a prática política da Indonésia em Timor Leste e a posição assumida pelo Presidente daquela República ao discursar ern Setembro perante a Cimeira dos não Alinhados. Ali, o Presidente da Indonésia defendeu a necessidade de um respeito absoluto dos direitos dos povos oprimidos agredidos por vizinhos poderosos e o direito, sem restrições, à autodeterminação e independência, citando exemplos de nações vítimas de ocupações ilegítimas realizadas pela força.
Além disso, a Indonésia, tendo-se comprometido, ao subscrever a declaração consensual aprovada pela Comissão dos Direitos do Homem das Nações Unidas, em 4 de Março passado, a permitir o acesso ao território, mantém as mais severas restrições, impedindo inclusivamente as organizações de direitos humanos de a ele acederem.
Nestes termos, a Assembleia da República:
1) Inclina-se, em sentida homenagem, perante a memória das vítimas do massacre do Cemitério de Santa Cruz, cometido pelas forcas armadas indonésias em 12 de Novembro de 1991, e bem assim de todos os timorenses que caíram, ao longo destes quase 17 anos de ocupação, em defesa dos direitos e das liberdades do seu povo;
2) Apela para a comunidade internacional, para a opinião pública mundial e para os parlamentos de todos os países democráticos, para que tenham presente o drama do povo de Timor Leste, privado dos mais elementares direitos humanos e liberdades fundamentais, exigindo que os mesmos sejam efectivamente respeitados;
3) Reitera a sua condenação pela continuada ocupação ilegal de Timor Leste - território de que Portugal é potência administrante-, em violação dos princípios da Carta das Nações Unidas e das resoluções da Assembleia Geral do Conselho de Segurança e da Comissão dos Direitos Humanos aprovadas sobre a questão;
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4) Condena as autoridades ocupantes que, ao arrepio dos mais elementares princípios da convivência entre os povos e do respeito pela pessoa humana, continuam a violar os direitos do homem em Timor Leste, a impedir o livre acesso ao território e a reprimir, de forma brutal e sistemática, os seus habitantes;
5) Reconhece que, sem uma solução justa, global e internacionalmente aceitável para a questão de Timor Leste, não será possível pôr cobro à situação intolerável vivida no território, e que esta solução deverá permitir ao povo de Timor Leste o exercício do seu direito à autodeterminação e independência, em conformidade com o direito internacional;
6) Apela para a manutenção por Portugal da linha de firmeza crítica que, ao nível da Comunidade Europeia, vem sustentando em relação à Indonésia, no que respeita à relações com a ASEAN;
7) Exprime o seu apoio ao diálogo sem condições prévias e com todas as partes interessadas, incluindo representantes do povo timorense, sob os auspícios e com o empenhamento activo do Secretário-Geral das Nações Unidas;
8) Apela para todas as instâncias internacionais para que, de forma construtiva, colaborem para a resolução desta questão que, na última década do século, constitui um verdadeiro espinho cravado na consciência internacional.
Srs. Deputados, é este o voto que, recolhendo o trabalho, longamente meditado, da Comissão Eventual de Acompanhamento da Situação em Timor Leste e da Conferência de Representantes dos Grupos Parlamentares, apresento no início deste debate sobre um tema tão doloroso.
Srs. Deputados, sobre o mesmo assunto, deu entrada na Mesa o voto n.º 41/VI, apresentado pelo Sr. Deputado Mário Tomé, que vai ser distribuído.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Um ano passou já sobre o massacre no Cemitério de Santa Cruz, em Díli. Um longo ano sobre as imagens que correram o mundo, dando testemunho da brutalidade da ditadura indonésia sobre um povo ocupado.
Para muitos, terá sido o despertar para uma realidade desconhecida, o consciencializar para a violência opressora de um poder militar sobre um povo indefeso, a descoberta de que, algures no Planeta, num pequeno território perdido nas lonjuras, um povo com uma identidade cultural própria era vítima de genocídio.
Para outros, de há muito preocupados com a sorte do povo de Timor Leste, era um, mais um, dos brutais ataques que contra este povo sofredor se fazia ao longo dos 16 anos de ocupação.
O choque produziu efeitos, pois a solidariedade brotou espontânea, com força múltipla e criativa Nas escolas, adolescentes e jovens reagiram. Mulheres, intelectuais, sindicalistas, autarcas, organizaram-se. Os estudantes, generosamente, vieram para as ruas dar testemunho do seu apoio. Durante meses, gente deu as mãos, multiplicou protestos, desdobrou--se em iniciativas, agiu por Timor, não só para que lá longe se soubesse e chegasse aos que resistiam a voz dos portugueses que escutaram o seu apelo mas também para que a comunidade internacional não ficasse alheada.
O Governo, naturalmente, reagiu, como parte integrante, na resolução do conflito.
A presidência portuguesa da Comunidade Europeia, que se aproximava, era, admitia-se então, a oportunidade favorável para melhor dar a conhecer a situação do povo de Timor Leste aos nossos parceiros, as chacinas, as violações, as agressões e as mortes e para exigir que, com determinação, a Comunidade Europeia, como lhe competia, assumisse uma atitude enérgica de condenação da Indonésia, naturalmente expressa também ao nível da suspensão das trocas comerciais com este país.
Tal, porém, não aconteceu. A Comunidade Europeia votou a questão de Timor Leste ao ostracismo, limitando-se a vagas declarações de princípio que admitiam a possibilidade de poder vir a condicionar futuros acordos à quase hipotética violação dos direitos humanos. Bem pouco, claramente, para uma Comunidade que pretende manter uma fachada de respeitabilidade na defesa dos valores humanos na Europa e no mundo.
Também os Estados Unidos, assumidos como guardiões dos sagrados direitos e valores da liberdade, se mantiveram silenciosos ante o crescente protesto da opinião pública mundial, as denúncias das organizações internacionais e a própria pressão da diplomacia portuguesa.
Afinal, Timor é demasiado pequeno e o seu interesse geoestratégico não justifica, hoje, a perda do sono. Afinal, Timor ficou-se ao nível dos poderes políticos, pelos estados de alma.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Um ano passou sobre o massacre no Cemitério de Santa Cruz, na capital de Timor Leste, e a situação alterou-se profundamente, não porque as violações e as mortes tenham acabado, pois elas existem e, só este ano, conhecidas, foram 271, mas porque a opinião pública despertou, movimentou-se. Hoje, estamos certos, a importância do peso da opinião pública é vital para a manutenção do processo e para a sua conclusão.
Porque acreditamos que os tiranos não são eternos e porque acreditamos na justiça da luta dos povos, temos a esperança de que a luta do povo de Timor Leste vai ser bem sucedida. É essa a nossa convicção e é com ela que partimos, e apoiamos, para o diálogo que agora vai iniciar-se.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: -Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Senti-me na obrigação de apresentar um voto sobre a passagem do 1.º aniversário do massacre no Cemitério de Santa Cruz, em Díli, e vou justificá-lo com o texto do voto subscrito pelo Sr. Presidente da Assembleia da República, na parte em que refere que o próprio Presidente Suharto defende a necessidade do respeito absoluto pelos direitos dos povos oprimidos, sem restrições, mas que, depois, faz tudo ao contrário.
A este respeito, diria que Suharto é um facínora sábio, que pode proceder dessa maneira por estar sustentado pelo comportamento da comunidade internacional, que tem dois pesos e duas medidas, isto é, chora lágrimas de crocodilo
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pelo que se passa em Timor Leste e, depois, fornece armas aos assassinos e aos criminosos.
Como esta atitude é uma evidência que percorre a opinião pública, todos o sabemos, a Assembleia da República não devia escamoteá-la ou, pelo menos, usando um termo mais adequado, não devia deixá-la passar em claro, para bem do povo de Timor Leste.
Srs. Deputados, o meu voto é do seguinte teor:
O massacre de Díli, que boje se evoca, revelou, sem lugar para dúvidas, o carácter brutal da ocupação de Timor Leste pela Indonésia
À custa de centenas de mortos, Portugal passou a ter condições, como nunca, para afirmar na cena internacional os direitos do povo de Timor Leste à autodeterminação e à independência; para exigir o reconhecimento do seu próprio papel como potência administrante; para exigir da ONU o cumprimento das suas resoluções.
Apesar dos esforços insistentes, não foi além de uma actividade diplomática que, devendo ser reconhecida, nunca conseguiu obter resultados satisfatórios por não ter aproveitado as reais possibilidades que lhe eram dadas pela sua presença na CE e pelos seus acordos com os Estados Unidos, para uma acção efectiva de isolamento e retaliação contra a Indonésia.
O Sr. Presidente da República considerou, e bem, que a resolução do problema de Timor é uma questão sine qua non da dignidade de Portugal como país e nação independente.
A Assembleia da República, na passagem do aniversário do trágico massacre de Díli, exorta o povo português a continuar, como até aqui, a dar o seu apoio entusiástico e empenhado à luta do povo de Timor Leste pela autodeterminação e independência, estimula o Governo a encontrar meios mais eficazes de persuadir e pressionar a comunidade internacional a fazer respeitar as resoluções da ONU e compromete-se a assumir, no âmbito das suas próprias responsabilidades, um papel mais activo e comprometido.
Aplausos do PS, do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os acontecimentos que se registaram há um ano no Cemitério de Díli têm de ser permanentemente recordados pela humanidade. Eles inserem-se numa longa e muito violenta actuação do regime militarista, ditatorial e antidemocrático chefiado pelo general Suharto, que visa, deliberadamente, o aniquilamento de todos quantos se lhe opõem e o aniquilamento de um povo heróico e mártir que luta, em circunstâncias dramáticas, pela sua autodeterminação e independência.
Autodeterminação e independência que têm de ser respeitadas no estrito cumprimento das resoluções das Nações Unidas, devendo os invasores indonésios ser obrigados a abandonar aquele território sob administração portuguesa.
Nesta ocasião solene, em que recordamos os momentos dolorosos de há um ano, os massacres e torturas perpetrados sobre uma população desarmada e indefesa, homenageamos, ainda, as centenas de milhares de vítimas que, durante anos, aquele regime obseuro e repressor tem provocado.
Há que pôr termo à barbárie e Portugal deve prosseguir, cada vez com mais empenho, junto da generalidade dos países democráticos e dos organismos internacionais, tais como as Nações Unidas e a Comunidade Europeia - que, no que respeita à defesa dos direitos humanos, não podem (nem devem) ter dois pesos e duas medidas -, no sentido de forçar a Indonésia a terminar com um comportamento abjecto, que repugna a consciência universal.
Sr. Presidente, é tempo de acabar com a hipocrisia de alguns países, mais preocupados com as trocas comerciais do que com a defesa dos direitos de um povo subjugado contra a sua vontade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Somos defensores do diálogo e de reuniões entre as partes interessadas, incluindo a presença de representantes legítimos do povo timorense, sob os auspícios do Secretário-Geral das Nações Unidas.
Mas, enquanto o povo heróico e mártir de Timor não for libertado, enquanto as resoluções das Nações Unidas não forem respeitadas, o nosso país deve reforçar a sua actividade diplomática de forma a influenciar a comunidade internacional- e Portugal está em boa posição para isso, principalmente no seio da Comunidade Europeia -, de modo que a hipocrisia e a avidez do lucro comercial de uns tantos países, através, inclusive, de venda de armamento à Indonésia, sejam substituídas pela exigência da retirada do invasor, possibilitando-se, enfim, ao povo timorense, a livre escolha do seu futuro.
Sr. Presidente, a mobilização da opinião pública mundial para esta gravíssima situação é um imperativo de Portugal e à Assembleia da República cabem especiais responsabilidades, pelo que à respectiva comissão parlamentar se exige um trabalho mais profundo e adequado às circunstâncias. A luta do povo de Timor a isso nos obriga.
(O orador reviu.)
Aplausos do PS, do PCP, do CDS, de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O novo Secretário-Geral da ONU tomou posse em Janeiro de 1992 e a primeira reunião do Conselho de Segurança, a nível de Chefes de Estado e de Governo, não unha precedente na história da Organização.
Pareceu evidente a consciência de que começava uma nova era, com uma segunda dinastia de responsáveis, de alguma maneira fundamentalistas em relação aos grandes princípios proclamados pelos fundadores e, entretanto, paralisados pelos factos da guerra-fria e por uma inconfessada, mas actuante, precepção da história. Pareceu, foi por eles próprios notado, que "a luta pelo poder dos decénios da guerra-fria e a sua hipótese teórica, a saber, que a história era o desenvolvimento de uma luta entre dois sistemas em competição, exerciam uma influência decisiva nas relações internacionais e tomavam extremamente difícil de cumprir a promessa original da Organização. Nessas condições, o mundo para o qual apontava a Carta parecia ser uma aspiração para um longínquo futuro."
Aquilo que se espera que seja uma nova era das Nações Unidas, a cargo de uma segunda dinastia de responsáveis, deu origem a dois documentos importantes: o primeiro é uma agenda para a paz, que o Secretário-Geral tornou pública no Dia das Nações Unidas de 1992; o segundo é uma memó-
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ria sobre o trabalho da Organização do 46.º até ao 47.º período de sessões da Assembleia Geral.
Este último documento é uma espécie de relação, a beneficio de inventário, da herança da época que findou com a queda do Muro de Berlim, em 1989. Neste relatório, que foi complementado, com algum sabor tecnocrático, por um compêndio, Notas para Oradores, de 1992, vêm os principais conflitos em curso, nos quais a ONU está envolvida, sobretudo em operações de paz. Os cinco mais típicos, seleccionados pela ONU como representando o pico da gravidade e das ofensas aos princípios e à paz, são os do Camboja, de Angola, da Sumália, de El Salvador e da Jugoslávia. Não existe qualquer referência a Timor.
No entanto, o que merece reparo maior é a inexistência de uma linha referente ao grande tema da autodeterminação, que teve lugar tão destacado na Carta e preenche algumas décadas de intervenção das Nações Unidas. É difícil enumerar a Jugoslávia entre os cinco conflitos maiores e esquecer o capítulo da autodeterminação. É difícil anotar o fim da guerra-fria como facto divisor de épocas e esquecer, perante a evolução dos antigos territórios soviéticos, o problema da autodeterminação.
É impossível deixar de apontar a grave omissão, porque ela ajuda a remeter para a categoria de povos dispensáveis todos aqueles - e são certamente, nesta data, mais de 50 milhões de pessoas - que ainda não conseguiram voz internacional. Por isso, neste dia em que se debate a situação em Timor, um ano após o massacre de Santa Cruz, temos de proclamar que o povo de Timor não é um dos povos dispensáveis pela comunidade internacional, que o capítulo do direito à autodeterminação da Carta das Nações Unidas não caducou e que a ordem dos interesses das grandes potências não coincide com a ordem jurídica internacional.
Por isso mesmo, também, não podemos consentir que a questão seja definida como um conflito entre Portugal e a Indonésia. É um conflito entre a Indonésia e a comunidade internacional, uma rebelião da Indonésia contra a Carta das Nações Unidas, uma responsabilidade do cargo de Secretário-Geral das Nações Unidas e o resultado de uma cumplicidade de interesses, entre outros, dos Estados Unidos da América, em face do seu poderoso aliado que é a Indonésia, e da Austrália, a executar o seu novo conceito estratégico de se tomar asiática, solidária com o seu poderoso vizinho co-interessado no petróleo, o que, tantas vezes, é uma calamidade que acontece aos povos pobres.
Portugal, como potência administrante, é a voz do povo de Timor, procede correctamente querendo o diálogo com o agressor, porque esta é a obrigação derivada da Carta, mas não pode renunciar a nenhum direito ou interesse do povo de Timor, porque apenas o representa Em suma, o Secretário-Geral da ONU não tem de tender para uma posição de arbitragem, mas deve, pelo contrário, assumir uma directa intervenção em nome da comunidade internacional contra a qual a Indonésia está em rebelião.
Não estamos aqui, nesta Casa, apenas para lembrar as vítimas do massacre que se inscreve no crime contra a humanidade, que é o genocídio em curso. Não estamos, aqui, apenas para reafirmar o total comprometimento português no processo de salvação do povo de Timor e o total compromisso de todas as forças políticas e da sociedade civil portuguesa a favor da autodeterminação dos Timorenses. Não estamos, aqui, apenas para, claramente, condenar as violações dos direitos do homem, em curso de execução. Também queremos exercer o direito de membros da ONU para exigir que o capítulo da autodeterminação não tenha leituras variáveis ou que seja remetido para o silêncio. E estamos aqui para não deixar esquecer que a responsabilidade primeira por esta situação pertence à Assembleia Geral e ao Secretário-Geral da ONU; para lembrar que os nossos aliados na NATO e parceiros na Comunidade Europeia não podem ter políticas internacionais comuns com leituras diversas e que a política escolhida os obriga a todos, sem leituras privilegiadas para os mais poderosos. Estamos ainda aqui para proclamar que não existem povos dispensáveis e que o destino dos Ibos ou dos Curdos não pode repetir-se, nesta anunciada nova era da ONU, que está a cargo de uma nova dinastia de responsáveis.
E, repetindo a adesão das instâncias políticas portuguesas aos princípios da Carta das Nações Unidas, também devemos manifestar o realismo político orientado pela percepção da conjuntura. É com tal realismo que apelamos à nova Administração dos Estados Unidos e à Austrália para que reconsiderem a sua política de relações com a agressiva Indonésia. A intolerável declaração de que os factos estão consumados precisa de ser revista Entretanto, aquilo que não terá revisão - e nisso acreditamos - é o total comprometimento português com a representação e defesa intransigente dos direitos do povo de Timor. Não são apenas, neste caso, os mortos que mandam. Também manda o futuro anunciado de uma nova maneira de viver e de uma nova paz.
Aplausos do CDS, do PSD, do PS e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Passou um ano sobre o massacre de Díli. As imagens do Cemitério de Santa Cruz, em 12 de Novembro de 1992, ficaram na nossa memória como o retraio da tragédia por que passa o povo timorense, desde há 17 anos, sujeito à barbárie da ocupação indonésia
A chacina que as forças de ocupação indonésia, então, praticaram no Cemitério de Santa Cruz, quando o povo acompanhava, pacificamente, o funeral de um jovem que essas mesmas forcas haviam assassinado, tornou conhecida em todo o mundo a verdadeira face de uma política de genocídio que, ao longo dos últimos 17 anos, foi responsável em Timor Leste pela morte de mais de 200 000 pessoas.
As imagens trágicas da barbárie indonésia, ocorrida no Cemitério de Santa Cruz, comoveram e indignaram milhões de pessoas por todo o mundo. O apelo do povo timorense começou a ser escutado onde, até então, não era A consciência da humanidade foi alertada para o martírio do povo maubere.
A condenação universal do massacre de Santa Cruz tornou inevitável o fim do alheamento generalizado da comunidade internacional sobre o problema de Timor Leste. Obrigou muitos governos a quebrar o silêncio cúmplice em relação à ocupação indonésia Abriu uma nova perspectiva à luta de libertação do povo timorense e aumentou a responsabilidade solidária de Portugal para com essa justa luta
Não obstante as imagens da barbárie indonésia terem corrido o mundo, apesar da repulsa pelo crime cometido, a veemência dos protestos que motivou e a variedade dos apelos que foram dirigidos ao Governo de Jacarta, este continua a ignorar as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas que proclamam o direito inalienável do povo de Timor Leste à autodeterminação e à independência
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A ditadura do general Suharto, em ostensiva demonstração de desrespeito pela Carta das Nações Unidas e por tomadas de posição da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança da Organização, insiste em sustentar que a anexação de Timor Leste é um facto consumado, sendo aquele território a 18.º província da República Indonésia.
A poucas semanas do início das conversações, na ONU, entre os Ministros dos Negócios Estrangeiros de Portugal e da Indonésia, que vão decorrer sob os auspícios da ONU, importa alertar para a contradição antagónica existente entre a posição concreta do Governo de Jacarta relativamente a Timor Leste e a atitude assumida pelo Presidente Suharto ao discursar, em Jacarta, perante a Cimeira dos não Alinhados, em Setembro último. Afirmou, então, o Presidente Indonésio que o seu país defende, com intransigência, a necessidade de um respeito absoluto pelos direitos dos povos débeis, agredidos por vizinhos poderosos. Mais: o general Suharto sustentou, no encerramento daquela Cimeira, o direito, sem restrições, à autodeterminação e à independência de nações vítimas de ocupações ilegítimas realizadas pela força.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste ano que passou, após o massacre de Santa Cruz, se é justo salientar o impulso significativo que foi dado ao movimento nacional e internacional de solidariedade para com o povo de Timor Leste, é também indispensável referir a hipocrisia com que muitos governos aliados de Portugal e autoproclamados paladinos dos direitos humanos se tem comportado em relação à questão timorense.
Ao assinalar o aniversário do massacre de Santa Cruz, não podemos deixar de assinalar, também, a cumplicidade dos governos de países como os Estados Unidos, a Grã--Bretanha, a Holanda, a Austrália, o Canadá ou o Japão, em relação à ocupação de Timor Leste pela Indonésia a sua débil condenação do massacre de 12 de Novembro a sua satisfação perante as conclusões de falsos inquéritos ilibatórios da responsabilidade dos militares indonésios nesse e noutros crimes, o seu nulo empenhamento em que, no caso de Timor Leste, sejam cumpridas as resoluções das Nações Unidas.
Ao assinalar o avanço, a nível nacional e internacional, do movimento de solidariedade para com a luta do povo de Timor Leste pela autodeterminação e independência, não podemos deixar de assinalar também que muito mais poderia e deveria ter sido feito pelo Estado Português, considerando as responsabilidades inalienáveis enquanto potência administrante do território de Timor Leste.
Não podemos deixar de lamentar, neste momento, o facto de Portugal, recentemente, ter ocupado, durante seis meses, a presidência das Comunidades Europeias, sem que essa oportunidade tenha sido aproveitada para colocar a questão de Timor Leste no centro das preocupações comunitárias.
Não podemos, de igual modo, deixar de lamentar que a proposta, aqui apresentada - faz amanhã um ano -, pelo presidente do Grupo Parlamentar do PCP, da realização, por iniciativa da Assembleia da República, de uma conferência interparlamentar sobre Timor Leste não tenha tido o seguimento que se impunha.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A juventude portuguesa fez sua a causa do povo de Timor Leste. Neste último ano, os jovens portugueses fizeram sentir, pelas mais diversas formas, a expressão da sua solidariedade para com o martirizado povo maubere.
Em nome do Grupo Parlamentar do PCP, saúdo fraternalmente todos os jovens portugueses que, através das mais diversas iniciativas, têm erguido a voz em nome do direito do povo de Timor Leste à autodeterminação e à independência e que, hoje mesmo, por todo o País assinalam o aniversário do massacre de Santa Cruz.
Ao prestar, hoje, sentida e justa homenagem à memória das vítimas do massacre de Santa Cruz e expressar a sua total solidariedade à luta pela liberdade travada pelo heróico povo maubere, o Grupo Parlamentar do PCP chama, mais uma vez, a atenção para o farisaísmo da política do Estado Indonésio, que pede para os outros as liberdades e os direitos que nega a Timor Leste e proclama a sua firme intenção de desenvolver todos os esforços para o pleno reconhecimento dos inalienáveis direitos do povo de Timor Leste.
Aplausos do PCP, do PS, do CDS, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho muita honra em associar-me, pessoalmente e em nome do meu grupo parlamentar, a este debate e, naturalmente, em votar a favor da deliberação final sobre a situação de Timor Leste.
Trata-se de um problema que me emociona sempre, porque visitei Timor Leste, quando era ministro - dizem-me até, não sei se com verdade, que fui o primeiro ministro português a visitar Timor, o que já dá uma imagem do interesse que pudemos alimentar, durante séculos, pelo território- e depois de ter deixado o cargo, aquando de uma missão, que entendi dever assumir, para fazer uma tentativa de pôr termo à guerra civil que tinha, entretanto, deflagrado, e em que passei pela ONU, onde consegui a autorização para poder dispor de um grupo de "capacetes azuis", e depois pela área da Indonésia, Austrália e Filipinas, para conseguir uma força multinacional que, sob a liderança do exército português, entrasse em Timor para fazer a paz.
Nessa altura, pude verificar até que ponto ia o quase fetichismo amoroso pela bandeira portuguesa. Nunca soube explicar aquele fenómeno, aparentemente de amor sem limite, pela bandeira portuguesa e também de respeito pelo povo português. Penso que a primeira coisa que devo realçar é a de que o povo de Timor Leste, quer na última Grande Guerra, em que resistiu heroicamente ao exército japonês, infelizmente, abandonado pelo povo português que assumiu uma política de neutralismo, quer, agora, mais uma vez, em face do povo da Indonésia, está a construir, a desenhar e a escrever o mais belo hino de amor à liberdade, que algum povo já foi capaz de escrever.
Devo dizer-lhes que, quando visitei Timor, pude constatar esta coisa singular: aquele povo heróico, que é capaz de heroísmos inultrapassáveis, conviveu e resistiu, quase sem violência, durante cinco séculos, ao domínio colonial português, não porque tivéssemos feito nada de especial por ele, nada ou quase nada pelo seu progresso, pois deixámo-lo praticamente na situação em que o encontrámos, com ligeiras diferenças, como é óbvio, mas porque fomos capazes de preservar e de respeitar a sua identidade cultural e religiosa, como povo.
Creio que só isso fez que, durante cinco séculos, convivessem connosco, tendo desde já, obviamente, o heroísmo que depois vieram a revelar. Não creio que fosse possível a Portugal manter cinco séculos de domínio, se não houvesse da parte do povo timorense, efectivamente, um laço de afeição para com o povo português.
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Quando lá voltei, tinha deflagrado uma guerra civil, que, por ironia, foi desencadeada pelo partido político que mais ligado a Portugal se encontrava e que mais defendia futuras ligações a Portugal. Julgou que poderia vencer a guerra, mas foi vencido e pelo partido político que, tendo-se deixado impressionar pelas modas da época, no espaço português, e pelo entusiasmo um pouco utópico de alguns militares que julgavam que era seu dever e que era bem para o povo de Timor serem aliciados para as suas próprias ideias e programas de governo e de vida, acabaram por convencer a Indonésia de que eram favoráveis a um regime de esquerda comunista. Não creio que fosse assim, mas, de qualquer modo, a Indonésia, a partir daí, assumiu o projecto de fazer em Timor o que tinha feito na sua própria casa, onde chacinou, matou, assassinou 500 000 indonésios, sob o pretexto, talvez em parte verdadeiro ou talvez em parte falso, de serem adeptos de uma solução comunista.
A Indonésia não quis aceitar a força multinacional que lhe propus e contrapropôs-me que só Portugal e eles próprios interviessem como força de paz. Percebi que queria que lhe déssemos um salvo-conduto para intervir em Timor e ficar lá pela nossa mão. Não tinha poderes para concordar com isso e não poderia, de modo algum, concordai' com isso, pelo que não foi possível, nessa altura, encontrar uma solução militar para fazer a paz em Timor.
Quando se deu a guerra civil, a UDT, que foi vencida, refugiou-se no território da Indonésia e esta convenceu-a a solicitar-lhe que interviesse militarmente em Timor. Foi essa a falsa legitimidade com que perpetrou a ocupação e chacinou, então, 200 000 Timorenses. Estamos, aqui, a lamentar a morte de 200 000 Timorenses no Cemitério de Santa Cruz! Associo-me a esse lamento e ele teve o simbolismo que lhe pôde emprestar o facto de esse fenómeno ter sido filmado e de esse filme ter corrido o mundo.
Mas, antes disso, perante a indiferença do mundo e, de algum modo, perante a nossa indiferença, chacinaram 200 000 timorenses e praticaram um acto de genocídio, sem precedentes, para com um povo pequeno e indefeso, como era o povo de Timor.
Nas reuniões da União Interparlamentar, sempre que tenho a possibilidade de falar, uso da palavra para acusar a Indonésia pela sua actuação em Timor Leste. E durante muito tempo, a comunidade internacional, ali representada por 100 parlamentos nacionais, questionou-me: mas o que é isto de Timor Leste? Você está tão zangado porquê? Mas o que é que a Indonésia fez de mal? Nem sequer sabia o que era Timor Leste e a Indonésia, já tinha chacinado 200 000 timorenses. Ao fim de algum tempo, começaram a saber o que era Timor Leste, quem era a Indonésia e, de cada vez que eu falava, a Indonésia usava o seu direito de defesa - aliás, ainda agora assim faz -, a cada passo, para me dizer que estivemos em Timor 500 anos e não fizemos nada, enquanto eles já fizeram não sei quantas escolas, não sei quantas pontes, não sei quantas estradas. A isto replico sempre: não trocamos direitos humanos, nem o direito à liberdade e à vida por betão armado! E denuncio a incompreensão e a intolerância daquele povo perante aquele fórum de parlamentos, supostamente democráticos, mas é evidente que a maior parte deles não são.
Bom, hoje, penso que, após o que aconteceu no Cemitério de Santa Cruz, a comunidade internacional está consciente do que se passa em Timor, mas continua, em grande maioria, a praticar uma hipocrisia inaceitável.
As declarações do novo Presidente dos Estados Unidos da América, Clinton, justificam alguma esperança, mas, até agora e durante muito tempo, a Indonésia prestou aos Estados Unidos da América o alto serviço de ser o tampão contra a expansão da União Soviética e da China naquela área do mundo.
A Austrália está coacta, tem medo da Indonésia. A Austrália tem um continente e apenas 15 milhões de habitantes, ao passo que a Indonésia tem 13 000 ilhas e 280 milhões de habitantes. A teoria do espaço vital ainda pode, um dia, fazer acordar a Indonésia para ir pedir um pedaço daquele continente imenso, pelo que a Austrália vive apavorada.
E, quando fui lá pedir a concordância para a tal força multilateral, a Austrália disse: "Não nos peçam nada que possa desagradar à Indonésia! Compreendam a nossa situação aqui."
Penso que a Indonésia, hoje, já não desempenha esse papel de tampão à expansão soviética (que já não existe) e provavelmente também já não da expansão chinesa, mas continua a ser uma potência enorme daquela área, uma das maiores do mundo, continua a ser uma potência económica produtora de petróleo, continua, portanto, a justificar a hipocrisia daqueles que defendem o direito à autodeterminação dos povos, o direito à vida, mas que, depois, apertam a mão e colaboram, cooperam e fazem negócios com a Indonésia.
Tive oportunidade, também, e mais do que uma vez, de chamar hipócritas àqueles que defendiam os direitos humanos e a autodeterminação e, depois, no corredor, apertavam a mão à delegação da Indonésia.
Queridos amigos, este povo precisa do apoio da comunidade internacional, não um apoio teórico ou folclórico, como, em parte, tem acontecido até agora, mas um apoio efectivo que se baseie na defesa dos direitos humanos, que, felizmente, vão ganhando cada vez mais força. Começaram por ser o sonho utópico de alguns sonhadores, que muito admiro, e foram ganhando uma força que é, hoje, superior à da bomba de Hiroxima. Já destruíram muitas ditaduras, já apearam muitos ditadores e, com essa nova religião dos direitos do homem, com validade crescentemente universal, fará também ajoelhar o regime da Indonésia.
Não tenho dúvida de que, mais tarde ou mais cedo, sobretudo se o povo de Timor Leste conseguir manter a chama de amor à liberdade e à independência que tem mantido, os direitos humanos vão derrotar a Indonésia. É esse o nosso filão: responsabilizar aqueles que violam os direitos humanos, que praticam o genocídio de povos indefesos, que procuram roubar-lhes a identidade nacional, a cultura, a religião, e destruir-lhes a alma e fazer que os direitos humanos, essa nova religião, na sua máxima potencía, destruam as ditaduras e os ditadores que ainda restam e possam deitar abaixo os muros de pedra, os muros de vergonha e os muros de pressão que ainda existem por esse mundo fora.
Queridos amigos, eu, em Timor, comovi-me até as lágrimas! E tenho para com aquele povo uma dívida de gratidão que não consigo pagar, gratidão porque eu era ministro português e testemunhei um invulgar amor a Portugal. Quando lá fui, ainda consegui convencer a UDT e a FRETILIN a fundirem-se, dizendo-lhes que, para poderem combater a Indonésia e a APODETI, era preciso que estivessem unidos. Uniram-se, mas, logo a seguir, desuniram-se. E, depois, a guerra que se desencadeou entre eles foi possível porque a UDT, a tal que nos era mais favorável, resolveu assaltar o nosso comando de polícia, levando armas e o próprio comandante. Julgou-se que ele tinha sido sequestrado e, mesmo nessa suposição, as autoridades de então preferiram dialogar a praticarem um acto de força, que estava perfeitamente ao seu alcance e que teria, talvez, resolvido o problema. Depois, veio a verificar-se que esse militar, que se su-
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punha sequestrado, tinha desertado do exército português. Era um oficial distinto, um patriota, sem dúvida nenhuma aliás, conheço uma proclamação final, patética, ern que ele, de algum modo, justifica o seu acto de deserção (embora, a meu ver, seja um acto injustificável) e que até acaba com um patético «Viva o Partido Socialista», não sei porquê nem sei explicá-lo.
Pois meus queridos amigos, quando a FRETILIN se apercebeu de que era possível assaltar quartéis de polícia e levar armas sem reacção, também fez o mesmo. E desde que os dois movimentos hostis passaram a ter armas nas mãos, enquanto as nossas autoridades continuavam a negociar, porque nessa altura existia o complexo da guerra colonial, havia a ideia de que era preciso sobrepor os meios políticos aos meios militares e de que era impossível retomar o diálogo das armas, mesmo que viesse a ser justificado, por razoes de honra militar ou de interesse local, de negociação em negociação, fomos parar a uma situação em que já não era possível recuperar a capacidade de iniciativa.
Foi pena que tivesse de ser assim, mas não se esqueçam também de que isso ocorreu durante o «Verão quente» de 1975 em Portugal, em pleno V Governo Provisório, quando era absolutamente inconcebível dar satisfação aos apelos do Governador para que fossem enviados para Timor - tão longe! - reforços militares significativos.
Tudo isto foi uma sequência de actos de pouca sorte. Algumas culpas haverá, mas não vale a pena estarmos a julgar-nos uns aos outros, porque senão teremos, talvez, de julgar-nos a nós todos: primeiro, porque batemos palmas (aqueles que bateram) ou não lutámos suficientemente (aqueles que não lutaram) contra o regime que criou a situação dos últimos anos da era colonial; segundo, porque, depois do próprio 25 de Abril, houve aqueles que cometeram excessos, porventura em nome de ideais dos mais nobres, e erros que conduziram também aos resultados verificados.
Não vale a pena lamentar o leite derramado, nem vale a pena olhar para trás. Olhemos para a frente, confiemos na força dos direitos humanos, sejamos fanáticos dessa nova religião, condenemos, sem descanso, de todas as formas, em todos os momentos, ern todas as horas do dia e da alma, a Indonésia e tenhamos confiança de que, a pouco e pouco, enquanto o povo de Timor mantiver a chama do seu heroísmo e do seu amor à independência e à Uberdade, os direitos humanos farão o seu caminho, os déspotas que ainda restam cairão, como já caíram muitos antes deles, a Indonésia será vítima das suas próprias contradições internas, porque Timor só foi invadido para que os focos de rebelião existentes em algumas áreas das muitas nações fundidas no Estado Indonésio pudessem eclodir e criar problemas internos insolúveis ao Sr. Presidente Suharto.
Confiemos em que, se formos mais activos, se formos mais exigentes, se formos mais intolerantes para com aqueles que traem, transigem e são hipócritas relativamente a esta matéria, conseguiremos o triunfo do povo timorense e este poderá escolher, em paz e em Uberdade, o futuro que quiser ter para si, onde, estou certo, haverá um grande lugar para um grande futuro de relações e amizade com o povo português.
Aplausos do PS, do PSD, do CDS, de Os Verdes e da Mesa da Assembleia da República.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para, em nome da minha bancada, agradecer a tolerância de V. Ex.ª, que, certamente, se justificou perante o impressionante testemunho que acabámos de ouvir por parte do Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Presidente: - Não é preciso agradecer, porque não houve tolerância nenhuma. Apenas segui rigorosamente o princípio da igualdade. É que eu trato igualmente o que é igual e diferentemente o que é diferente.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Saudámos a iniciativa da apresentação de um voto a pretexto do aniversário do massacre de Santa Cruz porque, sobre as questões que estão envolvidas com a situação de Timor e com esse massacre, temos posições claras. Para nós, há aqui duas questões que merecem ser tratadas de forma complementar, mas, ao mesmo tempo, de forma distinta: há uma questão de direito, de direito internacional, e há uma questão de direitos, de direitos humanos.
Sobre a questão de direito, nós, Portugal, todos nós, temos a obrigação de, em Timor, terminar o processo de descolonização; Timor permanece por descolonizar, o povo de Timor não foi ouvido sobre o seu próprio destino, nunca decidiu aquilo que quer ser e a nossa obrigação, enquanto potência administrante, em relação ao povo de Timor e em relação à comunidade internacional, é a de garantir que ele possa ser consultado sobre o destino que pretende ter, sem termos a veleidade de entender ou interpretar qual o sentido da sua decisão. Sob esse ponto de vista, para nós, esta matéria é clara e, como sempre temos afirmado, trata-se de uma questão que não é entre Portugal e a Indonésia, mas entre a Indonésia e a comunidade internacional, entre a Indonésia e o direito internacional e o princípio do direito enquanto regulador da actuação das nações e dos povos. Esta é a primeira das questões.
A segunda das questões tem a ver mais com aquilo que é a essência do nosso entendimento do mundo e tem a ver com os direitos humanos, que são quotidianamente violados em Timor. E os direitos humanos são, para nós, algo que não tem nação, nem cor, nem pátria, nem etnia - são indissolúveis em relação à qualidade do humano. É por isso que, para nós, não há mortos de primeira nem de segunda, não há torturados de primeira nem de segunda, não há cores, não há etnias, não há, em bom rigor, princípios políticos que justifiquem a violência e a violação desses direitos humanos. Sob esse ponto de vista, a violação dos direitos humanos é, para nós, uma questão ética, uma questão de fundamento de politica, algo que não tem tradução sequer no debate político, é absolutamente indissolúvel em qualquer contradição politica, é inerente à qualidade do humano e é inerente à qualidade da civilização.
A hipocrisia de que todos nós falámos em relação a Timor, a hipocrisia em relação ao problema dos direitos humanos em geral, a duplicidade do critério a que assistimos em relação a Timor e, muitas vezes, também em relação aos direitos humanos em geral é algo que cria um mal-estar, uma doença no interior de nós próprios que devemos ter sempre a coragem de denunciar. Não pode haver, sobre matéria de direitos humanos, sobre matéria da integridade individual, da Uberdade das pessoas, do seu direito de exprimirem as suas opiniões, qualquer espécie de duplicidade - e Timor é vítima dessa duplicidade, é vítima do realismo político no mau sentido, da política de conveniências. E isso nós não podemos admitir porque sabemos, porque é um elemento do nosso conhecimento civilizacional, que a diferença entre a civilização e a barbárie é pequena,
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que pode ser dobrada de um dia para o outro, pode ser dobrada de uma esquina para a outra. E é para preservarmos os valores do primado do direito internacional, do primado dos direitos humanos, do primado da civilização que aqui condenámos o que, há um ano, aconteceu em Timor.
Aplausos do PSD, do PS, do CDS, de Os Verdes e da Mesa da Assembleia da República.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está terminado o debate sobre a situação ern Timor, um ano após o massacre no Cemitério de Santa Cruz.
Vamos, pois, proceder à votação dos votos apresentados, seguindo-se a ordem de entrada na Mesa.
Está em votação o voto n.º 38/VI, subscrito por mim e que teve a sua origem na Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor Leste.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PSN.
Está em votação o voto n.º 41/VI, da iniciativa do Sr. Deputado Mário Tomé.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé e as abstenções do PSD e do CDS.
Srs. Deputados, vamos passar ao debate sobre a situação em Angola.
Relativamente a este tema, vou proceder à leitura do voto n.º 39/VI - De pesar pela violação dos Acordos de Paz de Angola, apelando ao seu cumprimento e ao reforço do empenhamento das Nações Unidas no processo, subscrito por mim e que teve origem na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares:
Os Acordos de Paz assinados em Bicesse, que previam nomeadamente a formação de um exército nacional único, a realização de eleições livres e a aceitação dos seus resultados, foram desrespeitados. A soberania popular que, com tanto civismo, os cidadãos angolanos exerceram nas umas, bem como a vontade de paz e democracia, foram defraudadas e traídas. Em muitos pontos de Angola verificaram-se novas confrontações e graves actos de violência. A lógica da guerra substituiu a lógica do diálogo e da paz. As armas sobrepuseram-se ao voto e aos direitos humanos, o sangue voltou a correr na martirizada nação irmã.
Interpretando os sentimentos do povo português, profundamente chocado com a situação em Angola, a Assembleia da República:
a) Lamenta a violação dos Acordos de Paz, exprime o seu pesar pelo renascimento da violência que provocou vítimas inocentes, incluindo cidadãos portugueses, e apresenta as mais sentidas condolências a todas as famílias enlutadas;
b) Apela para as duas partes para que cumpram o cessar fogo e retomem o diálogo, tendo ern vista o restabelecimento da paz, o acatamento dos resultados eleitorais, o respeito pelos direitos do homem, a garantia da integridade territorial do país e a criação de condições para a realização da segunda volta das eleições presidenciais;
c) Apela para as Nações Unidas para que reforcem o seu empenhamento no processo de paz em Angola.
Foram também apresentados, sobre o mesmo tema, os votos n.ºs 40/VI e 42/VI, respectivamente, da iniciativa do Sr. Deputado Mário Tomé e do PCP.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O voto que acabou de ser lido pelo Sr. Presidente, cobrindo, nas suas considerações gerais, a situação em Angola, não chega ao cerne da questão. Daí a necessidade de eu apresentar também um voto.
A meu ver, tem de ser condenado quem violou a vontade do povo angolano, mesmo tendo em conta as dificuldades e obstáculos colocados ao processo eleitoral, pois foi reconhecida a validade das eleições pela comunidade internacional. A UNITA tem de ser estigmatizada porque lançou de novo o povo angolano na guerra.
Aliás, quero lamentar a figura patética das conferências de imprensa, em que estavam presentes o Sr. Vereador João Soares e outros senhores e senhoras, ao dar a entender que a UNITA estava a ser uma vítima.
A UNITA desencadeou, mais uma vez, a violência e a tragédia sobre Angola, não respeitando a democracia que sempre disse defender e querer implantar em Angola.
Não posso também deixar de sublinhar a resposta excessiva que levou ao massacre, em Luanda, por parte do Governo de Angola, nem tão-pouco a continuação da violação dos direitos, liberdades e garantias, uma vez que as chacinas nas zonas em que comanda a UNITA se mantêm, impedindo, nomeadamente, que as forças políticas tenham a sua prática normal e natural em democracia.
Simão Cassete, candidato à presidência da República, não pode sair de casa,, porque tem a polícia à porta. Será para sua segurança? Quem quer segurá-lo, se essa não for a sua vontade?...
Estas questões são cruciais para podermos abordar o problema de Angola. Exactamente por isso apresentei um voto. Mas também não quero deixar de sublinhar o papel das potências que deviam eximir-se a não estar permanentemente a tentar intervir. Não me refiro as instituições internacionais...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir.
O Orador: - Vou concluir rapidamente, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, não me refiro às instituições internacionais, que têm o papel de encontrar uma situação de paz e democracia, refiro-me às que continuam a querer, «jogando» na UNITA ou no MPLA, as duas maiores forças, porque estão armados...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, terminou o seu tempo!
O Orador: - Vou concluir já, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - É que já terminou o seu tempo, Sr. Deputado!
O Orador: - Sr. Presidente, deixe-me só acabar o raciocínio.
O Sr. Presidente: - Só uma frase, Sr. Deputado!
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O Orador: - Sr. Presidente, perdi-me no raciocínio... Já agora deixe-me recuperá-lo. Por meio segundo poderia ter deixado que eu concluísse...
O Sr. Presidente: - Não deve ser difícil, Sr. Deputado.
O Orador: - Dizia eu que tanto a UNITA como o MPLA não podem ser sustentados, quer do ponto de vista do armamento quer do das pressões e do poder, por aquelas potências que querem continuar a tratar Angola como um corpo ensanguentado a que os abutres se atiram para obter as suas riquezas.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, vou dar a palavra ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, solicitando-lhe que seja o mais sintético possível, uma vez que é por tolerância da Mesa que os Deputados independentes estão a usar da palavra quanto a este ponto.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O povo angolano deu ao mundo uma surpreendente lição de civismo quando se realizaram as eleições legislativas e presidenciais.
Ávidos de paz, os Angolanos compreenderam que, através do acto eleitoral, cumpriam com um dever de cidadania independentemente dos resultados que se viessem a verificar.
Observadores da ONU e de outros organismos e instituições internacionais tiveram oportunidade de confirmar a grande adesão e o civismo generalizado dos eleitores, tendo concluído pela total legalidade do acto que fiscalizaram. As Nações Unidas chegaram a classificá-lo como «justo e livre». Dava-se, assim, cumprimento a uma das mais importantes cláusulas do Acordo de Bicesse.
No entanto, uma dramática, muito grave e inesperada situação foi, entretanto, criada quando uma das partes usou a ameaça de provocar novamente a guerra se os resultados legais fossem publicados.
Não tardou que se passasse das ameaças às acções violentas contra a paz. O povo de Angola está, uma vez mais, confrontado com o espectro da guerra.
Os Acordos de Bicesse foram desrespeitados. Uma das partes, a UNITA, ao contrário do que fazia crer, através de alguns comprometidos lobbies, manteve as suas forcas ern armas, ameaçadoras e prontas a impedir o curso democrático, que é desejável para Angola, se os resultados eleitorais não lhes fossem favoráveis.
Sr. Presidente, numa aliara em que a paz global se perspectivava para a região, embora se mantenha o gravíssimo problema de Moçambique e o odioso regime do apartheid, forças retrógradas e violentas lançaram Angola novamente para uma situação explosiva, com a qual a comunidade internacional não deve ser condescendente.
O nosso país tem um papel fundamental a desempenhar- e não pode, nem deve, ser substituído nessas funções - no sentido de contribuir para que os Acordos de Bicesse sejam rigorosamente respeitados, nomeadamente no tocante à desmilitarização e à livre circulação ern todo o território angolano, para que seja possível instalar-se a tranquilidade naquele país livre e independente.
À comunidade internacional, nomeadamente à ONU, exige-se também uma acção mais eficaz e exigente que obrigue os vencidos a depor as armas para que não se verifiquem mais violações dos direitos humanos e se observe o respeito pelos Acordos de Bicesse.
Sr. Presidente, todos os esforços democráticos e de boa fé devem ser envidados para que os povos daquela região, nomeadamente os Angolanos, possam finalmente viver em paz, em liberdade, com dignidade e em democracia.
(O orador reviu).
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, nos termos regimentais, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.
O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: No seguimento e em conformidade com os Acordos de Bicesse, nos dias 29 e 30 de Setembro passado, sob a égide da Nações Unidas, realizaram-se eleições livres e justas em Angola.
Devo confessar que eu próprio, tendo tido a oportunidade de assistir ao acto eleitoral, na qualidade de observador internacional, integrando uma delegação da Assembleia da República e estando pela primeira vez naquela ex-colónia portuguesa, senti-me bastante impressionado e até emocionado pela forma como decorreu o acto eleitoral, não só nas dezenas de mesas de voto que visitei mas também pelo ambiente geral que envolveu as eleições, no que pude constatar.
Sendo reconhecidas, à partida, as grandes dificuldades técnicas e logísticas para pôr em prática, pela primeira vez, em Angola, uma operação da envergadura que representa, ainda hoje, a realização de eleições gerais em qualquer país europeu, não era de estranhar a existência de dificuldades e o surgimento de problemas que poderiam ter influência na apreciação do acto eleitoral.
Apurados os votos expressos, ponderadas as situações e problemas surgidos, a Organização das Nações Unidas e a esmagadora maioria dos observadores internacionais reconheceram os resultados eleitorais e expressaram ao povo angolano o seu apreço pela forma exemplar como decorreu o acto eleitoral.
Quem teve oportunidade de apreciar, às 8 horas da manhã do dia 29 de Setembro, como os cidadãos angolanos se alinhavam em longas filas frente às assembleias de voto para exercer o seu direito de cidadão livre, facilmente se apercebia que a sua postura e determinação, após várias noras de espera, se deviam tanto à possibilidade de escolher os seus representantes para os órgãos de soberania nacional como à convicção de que a consumação do acto representava a implantação definitiva da paz em Angola.
A sede de paz que o povo angolano fez transparecer ao participar massiva e exemplarmente no acto eleitoral é, certamente, superior à fome que muitas famílias angolanas passaram durante uma guerra que durava há 31 anos.
Quando uma das partes que subscreveu os Acordos de Bicesse - a UNITA - se recusou a aceitar os resultados eleitorais, ratificados pela comunidade internacional, e abandonou o processo de criação das forças armadas de Angola- duas condições consideradas determinantes no processo de paz angolano -, todas as expectativas e esperanças de paz acalentadas ao longo de muitos anos, e que agora já se assumiam como uma realidade, foram bruscamente violentadas por uma decisão pouco digna para quem se assumiu empenhado na paz, no processo democrático e no desenvolvimento de Angola.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Pela informação que nos chega dos acontecimentos que vêm ocorrendo em Angola depois do acto eleitoral, verifica-se que o direito do povo angolano a viver em paz está a ser vilipendiado, inclusive com a perda de vidas humanas. Está, pois, a ser,
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mais uma vez, adiado o futuro de um país, Angola, onde interesses estranhos e exteriores continuam a querer sobrepor-se à vontade de um povo já livremente expressa.
Por estarem a ser claramente evidenciadas manifestações contrárias à vontade da esmagadora maioria dos angolanos e à reafirmação e prosseguimento do processo de paz em Angola, não podemos deixar de, nesta oportunidade, manifestar a nossa preocupação pela forma como o ainda racista regime da África do Sui se pretende agora insinuar medianeiro num conflito em que historicamente tem sido parte interessada e interveniente e, ao mesmo tempo, denunciar o facto de figuras públicas do nosso país, algumas com responsabilidades político-institucionais, em vez de contribuírem de forma positiva para o entendimento entre os Angolanos, se aproveitarem de incidentes manifestamente graves ocorridos no período pós-eleitoral para pôr em causa todo o processo de paz, designadamente os resultados eleitorais, aceites pela esmagadora maioria dos observadores internacionais e reconhecidos pela Organização das Nações Unidas.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Partido Ecologista Os Verdes aproveita esta oportunidade para reafirmar que acredita em Angola como um país livre e democrático, para expressar a sua convicção de que o povo angolano saberá encontrar rapidamente os melhores caminhos para garantir a paz e aprofundar os valores da democracia na sociedade angolana.
Estando fora de causa a responsabilidade de Portugal na ajuda ao processo de paz em Angola e a importância dos seus contributos para estimular o entendimento entre os Angolanos, valorizando as virtualidades do pluralismo democrático, o Grupo Parlamentar de Os Verdes propõe que, logo após a instalação do novo Parlamento Angolano, seja convidada uma delegação parlamentar representativa de todas as forças políticas para visitar a Assembleia da República, contribuindo também para aprofundar as relações e os laços de amizade entre os povos irmãos de Portugal e de Angola.
Apostamos na paz e no futuro de Angola em democracia.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.
Enquanto o Sr. Deputado Manuel Queiró sobe à tribuna, aproveito para informar que estão nas galerias, a assistir a esta sessão, 50 alunos da Escola Profissional de Salvaterra de Magos, a quem dirigimos os cumprimentos da Assembleia.
Aplausos gerais.
O Sr. Manuel Queiró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os Angolanos, a opinião pública portuguesa e a comunidade internacional alimentavam justificadas esperanças no processo de pacificação e democratização de Angola. Essa expectativa foi defraudada e traída pelos graves acontecimentos que sucessivamente ocorreram após a realização do acto eleitoral.
A contestação dos resultados eleitorais pela maior parte das forças políticas concorrentes, a manutenção de forcas armadas beligerantes, constituídas ou conservadas ainda antes das eleições, a não integração de largos contingentes militares no exército único, o regresso da violência e da perseguição politica, culminando tudo no assassinato dos membros de uma das equipas negociadoras da paz assinada em Bicesse, constituem um conjunto de violações graves dos Acordos de Paz patrocinados pelas Nações Unidas.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!
O Orador: - O CDS tem procurado manter ao longo de todo o processo de paz em Angola, antes e depois da assinatura dos Acordos de Paz em Bicesse, uma postura responsável, de respeito por todas as posições assumidas em nome de Portugal peto Governo Português. Foi preocupação permanente fortalecer a posição portuguesa preservando a unidade nacional, tendo por detrás decisões para as quais, na maior parte das vezes, não contribuímos. Procurávamos, do mesmo passo, não importar para a cena política interna divisões que dizem respeito, antes do mais, aos Angolanos. Calámos críticas, reservas e preocupações.
Nesta hora ern que se constata a justeza de muitos desses sentimentos, do mesmo modo entendemos que o importante é evitar que a gravidade dos acontecimentos recentes em Angola constituam pretexto para alinhamentos e ajustes de contas entre as forças políticas portuguesas. Para tanto, vamos continuar a calar...
Desta vez calaremos indignações, repulsas e algumas solidariedades que o demasiado sangue talvez exigisse. Fazemo-lo com a consciência da inutilidade dos gestos puramente simbólicos e da utilidade que a intermediação portuguesa ainda poderá ter. Continuaremos a fazê-lo, mesmo perante provocações como a que há dias aqui tivemos oportunidade de presenciar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS manteve sempre a opinião - que, aliás, não deixou de manifestar aos interessados-de que, aceitando a UNITA, nos Acordos, as condições em que decorreria o acto eleitoral, em particular quem o prepararia e controlaria, não poderia furtar-se a aceitar os resultados eleitorais daí advenientes, por maiores que fossem as suas suspeitas ou mesmo comprovações de irregularidades.
Pouco importa as ilusões ou as pressões que a tenham levado a aceitar o que aceitou. O facto aí estava e pesava nas considerações dos apoios internacionais, sem os quais hoje não teríamos o princípio de democracia que se tentou em Angola e sem a continuação dos quais não vale a pena pensar em prosseguir. À UNITA, mais do que aos restantes partidos de oposição ern Angola, cabia uma trágica e dolorosa responsabilidade, à qual queremos crer, hoje procura um caminho para corresponder.
Prisioneiros de erros, para si irrecuperáveis, aos dirigentes da UNITA que restam deve ser encontrado espaço para não cometerem novos erros, que, agora, seriam fatais para eles, para todos e para Angola.
Mas os erros da UNITA, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não podem servir de desculpa e pretexto para as acções que ocorreram há 12 dias. Cada dia que passa mais clara se torna a leitura dos acontecimentos. Mal-grado a unilateralidade da versão que aos Portugueses foi brutal e insistentemente imposta, começa já a ser impossível fazer-nos acreditar que os milhares de mortos, a caça ao homem, o bombardeamento de hotéis e residências, o assassinato sumário durante a noite, as prisões políticas continuadas e o mais que se não sabe, tudo isso, possa ser produto de maquiavélicos planos imputados às vítimas ou que as perseguições selectivas possam ser imputadas aos excessos da população. As fundadas suspeitas transformaram-se, aliás, em certezas, ern face da propaganda preparatória e justificativa que precedeu e sucedeu à matança organizada.
A Assembleia da República não se pode abstrair do que vai sabendo e detectando, uma vez que aqui não é costume confundir a necessária clareza das posições com a contenção das notas diplomáticas, até porque as perseguições atin-
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giram a generalidade dos partidos da oposição perante quem Portugal avalizou a abertura política em que participaram e porque o silêncio pode encorajar a continuação de perseguições, com risco de vida para alguns que ainda podem ser salvos.
Ninguém entenderá, a este respeito, qualquer tibieza da nossa parte, assim como será difícil explicar, para os outros e para o futuro, que alguns dos que ainda há pouco brindavam à nossa mesa pelos Acordos firmados tenham desaparecido sem um lamento que seja dos Portugueses.
Foi exactamente neste espírito, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que procurámos «casar» a responsabilidade necessária com a dignidade exigível e que o CDS colaborou e colabora, com as palavras indispensáveis, na procura da melhor expressão para a Assembleia corresponder à gravidade do momento que atravessa um país irmão, esperando que Portugal continue a significar para os Angolanos a esperança num desenvolvimento pacífico e democrático.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os acontecimentos dos últimos 10 dias na República Popular de Angolana, ameaçando mergulhar de novo aquele país no ciclo da guerra, sofrimento e destruição, suscita a nossa mais profunda preocupação e a nossa solidariedade com o povo angolano.
O restabelecimento da paz em Angola é condição indispensável para a reconstrução do país devastado por prolongada guerra e para que o povo angolano possa construir ern liberdade o seu futuro de progresso económico e social.
A comunidade internacional - e em particular Portugal, pelas relações especiais que nos ligam a Angola e ao seu povo e pelo papel desempenhado no processo que conduziu aos Acordos de Bicesse - tem o dever político e moral de tudo fazer para que o restabelecimento da paz seja célere, efectivo e duradouro.
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Temos para nós que, para ser eficaz, essa contribuição da comunidade internacional deve assentar, necessariamente, na análise objectiva das causas que geraram a crise actual e nas consequentes responsabilidades políticas.
Ora, a verdade é que a perigosa situação que boje se vive em Angola tem como causas principais a violação dos Acordos de Bicesse no que concerne à desmobilização dos exércitos e o desrespeito pelos resultados eleitorais. E é indubitável que quem manteve as suas forças armadas foi a UNITA, quem recusou aceitar a decisão soberana do povo angolano, livremente expressa nos resultados eleitorais, foram Jonas Savimbi e a UNITA.
Como é público e indisfarçável, a UNITA desencadeou múltiplas acções militares em diversas localidades do território angolano, visando conseguir pelas armas o que o povo lhe recusou nas umas, ern eleições internacionalmente reconhecidas como isentas e livres.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - A UNITA e os seus dirigentes, pelas atitudes anti-democráticas que assumiram de recusar aceitar a vontade do povo angolano, de fuga ao diálogo e de recurso à violência, são os responsáveis pelos confrontos armados e pelas mortes que recentemente se registaram em Angola. Por essas atitudes e acções devem ser politicamente condenados pela comunidade internacional. Sem ambiguidades e sem sofismas!
O estabelecimento de uma paz duradoura em Angola não será possível se se pretender assentá-la em equívocos. A imparcialidade e a prudência diplomática de que se devem revestir as posições e acções da comunidade internacional, de Portugal, da Assembleia da República, não podem significar, na prática, uma tomada de posição objectivamente parcial, pretendendo co-responsabilizar o MPLA e o Governo legítimo de Angola pelos actos reprováveis que a UNITA praticou. Isso seria tomar o partido do prevaricador.
Não é, pois, dessa forma que se ajuda o restabelecimento da paz e se previnem e impedem futuras violações dos Acordos que o mesmo prevaricador seja tentado a fazer. E é essa razão para a nossa posição em relação ao voto formalizado pelo Sr. Presidente da Assembleia da República.
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Recusamos a hipocrisia de muitos que, pelas reacções que tiveram após os resultados das eleições angolanas e face aos graves acontecimentos que se lhe sucederam, deixam entender que os seus eloquentes apoios aos Acordos de Bicesse tinham como fundamento único a convicção de que do processo eleitoral neles previsto sairiam vencedores a UNITA e Jovas Savimbi. E que, porque os resultados eleitorais, porque a vontade largamente maioritária do povo angolano foi contrária aos seus desejos, querem agora justificar a intervenção armada externa e promover a «balcanização» de Angola.
A República Popular de Angola não foi lançada numa situação de vazio do poder. Tem um governo legítimo com condições e vontade para exercer as suas funções e que, interpretando os sentimentos do povo angolano, está determinado em manter a integridade nacional.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O que Angola necessita da comunidade internacional não é a ocupação do seu território por forcas armadas externas, mas sim que essa comunidade desenvolva todos os esforços políticos e diplomáticos para que os vencidos nas umas aceitem democraticamente os resultados eleitorais, para que a jurisdição governamental legítima se alargue a todo o território e para que se concretize a estruturação das forças armadas nacionais angolanas; o que Angola necessita da comunidade internacional é a condenação rápida e clara das actuações desestabilizadoras da África do Sul, incluído das incursões militares em território angolano por parte da famigerada divisão Búfalo.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Nestas perspectivas é que será possível retomar, em prazo breve, os Acordos de Bicesse e fazer regressar a paz a Angola, com a formação efectiva de um exército nacional único e a extensão a todo o território angolano da jurisdição plena do legítimo Governo de Angola. No respeito pela vontade expressa nas eleições e pela integridade e soberania da República Popular de Angola.
Aplausos do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista abdicou do seu voto para facilitar a apresentação, pelo Sr. Presidente da Assembleia, de um voto tão consensual quanto possível. Por entendermos que esta é a posição que melhor serve o prestígio da Assembleia e o interesse nacional, votaremos a favor do voto apresentado pelo Sr. Presidente da Assembleia da República.
O Partido Comunista Português decidiu, seguindo um método diferente, apresentar um outro voto. A nossa deliberação foi a de conceder Uberdade de voto ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma política julga-se pelos seus resultados. Há cerca de um ano e meio saudámos os Acordos de Bicesse, mas os mortos de agora desmentem o optimismo de então.
Vem-nos à lembrança alguns avisos: do cardeal Alexandre Nascimento, quando alertou para os riscos de se andar demasiado depressa e de se realizarem eleições antes do desarmamento; de Mário Pinto de Andrade, quando, num dos seus últimos textos, chamou a atenção para o facto de o conflito angolano não ser apenas um conflito entre dois exércitos e dois partidos, mas entre duas culturas e duas psicologias, um conflito em que cada um tinha de tal modo interiorizado a noção de inimigo que só podia sentir-se ele próprio com a exclusão do outro.
Talvez, afinal, se tenha andado depressa de mais. Talvez as duas superpotências tenham querido desembaraçar-se da incomodidade de Angola. Por uma razão ou por outra não se deu às duas partes suficiente tempo de convivência para aprenderem a defrontar-se nas umas sem a seguir voltarem a confrontar-se pelas armas. Talvez as Nações Unidas devessem ter-se envolvido ern Angola com meios humanos e materiais semelhantes aos que foram utilizados, por exemplo, na Namíbia.
Seja como for, a tragédia voltou a abater-se sobre Angola. Não está em causa apenas o processo de paz e o processo democrático; está ern causa o próprio futuro de Angola como país, como Estado, como destino. É por isso que todos devemos humildemente unir os nossos esforços para impedir a «somalização» de Angola.
Há uma responsabilidade angolana, uma responsabilidade internacional, uma responsabilidade portuguesa. Uma responsabilidade angolana porque foram angolanos que violaram os Acordos, foram angolanos que não aceitaram o voto, foram angolanos que voltaram a pegar em armas, a matar os seus irmãos, a destruir as suas cidades.
Temos a nossa opinião própria sobre a responsabilidade política e moral dos trágicos acontecimentos, cuja origem está na violação dos Acordos de Bicesse. Bom seria, no entanto, que uma comissão internacional, sob a égide das Nações Unidas, pudesse apurar responsabilidades e, desse modo, evitar que a pressão de lobbies, a mentira e a propaganda continuem a desvirtuar os factos e a dificultar o desbloqueamento da situação.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Uma responsabilidade internacional porque a causa da paz e da democracia em Angola deveria ter merecido outra atenção, outro acompanhamento e, sobretudo, uma muito maior mobilização de meios humanos e materiais por parte das Nações Unidas.
Uma responsabilidade portuguesa porque os Acordos de Paz foram assinados no nosso país, sob mediação do Governo Português. Saudámos o evento como um sucesso diplomático do Governo e do País. Não podemos deixar de reconhecer que os resultados estão longe do então previsto: infelizmente para Angola. Infelizmente para todos nós, que sentimos no nosso coração de portugueses o luto dos Angolanos...
A questão angolana não pode ser partidarizada nem governamentalizada Pela nossa parte não cairemos nessa tentação.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Mas não podemos deixar de dizer que nem sempre o Governo soube evitá-la. Inebriou-se por vezes com o triunfo de Bicesse; não soube prever nem prevenir todos os riscos; a oposição foi, por vezes, esquecida, o Presidente da República marginalizado.
A Sr.ª Maria Julieta Sampaio (PS): - Muito bem!
O Orador: - A gravidade da situação em Angola exige uma maior conjugação de esforços para que, no quadro definido pelos Acordos, consiga abrir-se a porta estreita que conduz à paz.
Talvez seja a altura de admitir que os partidos de oposição, através dos seus meios e influências, podem ter também uma palavra a dizer. Talvez seja o momento de reconhecer que o Presidente da República, pelas suas funções institucionais e pelo seu prestígio internacional, poderá, em consonância com o Governo, desempenhar um papel fundamental no restabelecimento do diálogo e da paz em Angola.
Essa é a questão essencial. A causa da paz em Angola tem de ser encarada como uma causa nacional. Devemos todos, Governo, oposição, Assembleia da República, Presidente da República, unir e conjugar esforços para levar as partes a cumprir e respeitar os Acordos que assinaram no nosso país.
Devemos todos unir e conjugar esforços para denunciar e evitar intervenções estranhas aos interesses do povo de Angola, sobretudo aquelas que, vindas da África do Sul ou de outros países vizinhos, se destinam a atiçar a guerra. Seria extraordinariamente grave que uma nova intervenção militar estrangeira viesse a condicionar o futuro político de Angola.
A confirmarem-se as notícias de que tropas da África do Sul teriam entrado no Sui de Angola e o batalhão Búfalo no Norte, o Governo deverá imediatamente alertar o Conselho de Segurança a fim de que sejam tomadas as medidas adequadas.
O PS, por seu lado, não deixará de sensibilizar o Partido dos Socialistas Europeus e todos os membros da Internacional Socialista.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Havia uma questão de legitimidade. Começou a ser resolvida pelo voto e tem de ser completada pelo voto, uma vez que não há outra forma de legitimar democraticamente o poder e porque não é aceitável a tese de que em África tem de ser de outro modo.
É imoral considerar que a democracia só é boa quando se ganha e má quando se perde.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E, sobretudo, porque não há solução militar ninguém vencerá militarmente ninguém; ninguém será
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ele próprio à custa da destruição do outro, a menos que, à foiça de querer destruir o outro, se acabe por destruir Angola.
É o que é preciso impedir, pela negociação, pela paz, pela democracia
Aplausos do PS, de pé.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, em nome do meu grupo parlamentar, anunciar que damos o nosso acordo integral e votamos favoravelmente o voto que o Sr. Presidente da Assembleia da República apresentou. Tal representa um grande esforço no sentido de obter o consenso possível sobre uma matéria da maior delicadeza para Portugal-não apenas para o Governo ou para o PSD - e para todos os seus órgãos de soberania.
Não posso deixar de reconhecer e agradecer ao Partido Socialista a colaboração prestada no sentido de abdicar de parte da sua formulação, num esforço muito louvável de obter o consenso que, gostosamente, damos relativamente a este texto.
Da mesma forma, também quero dizer que o Grupo Parlamentar do PSD decidiu que haveria liberdade de voto para todos os Deputados relativamente ao voto do Partido Comunista e ao apresentado pelo Sr. Deputado Mário Tomé. Contudo, o nosso acordo vai para um voto que, ern nossa opinião, formula esta matéria de uma forma rigorosa e com grande sentido de Estado.
Quanto a este problema, entendemos que, independentemente da análise que cada um de nós faz sobre os factos, aquilo que é exigível neste momento à comunidade internacional e, em particular, a Portugal, porque foi sob a mediação portuguesa que se assinaram os Acordos de Paz, é que, após os acontecimentos lamentáveis de desrespeito pelos Acordos, de não acatamento dos resultados eleitorais, de abandono do exército único e, subsequentemente, de sucessivas e reiteradas violações de direitos humanos, que nós, veementemente, condenamos, face a um esforço diplomático grande para pôr as partes de novo a falar, para que não corra mais sangue, porque muito sangue, infelizmente, já correu em Angola.
E quando um esforço destes está a ser feito, manda o bom senso e as regras que não se entre num processo de estigmatização e de acusação das partes. O PSD não o quer fazer e o Governo Português, naturalmente, também não. O Sr. Primeiro-Ministro, em particular, tem tido um papel louvável neste processo, que é o de procurar falar, praticamente todos os dias, quer com o presidente da UNITA quer com o Presidente Eduardo dos Santos quer com o Secretário-Geral das Nações Unidas.
Não gostaríamos de entrar num debate desta natureza, num processo de recriminações, particularmente em relação a acontecimentos que se verificam num país que, do ponto de vista afectivo, nos diz muito, naturalmente, mas que é um país soberano e independente.
O Sr. Sirva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Por isso, vamos dar a este texto, que é um texto enxuto, contido e equilibrado, o nosso apoio.
Contudo e não desejando entrar na polémica, queria - e de uma forma institucional não podia deixar de o fazer -, em nome do meu partido, recusar e repudiar liminarmente as infelizes declarações e acusações injustas, que queremos esquecer depressa, ontem dirigidas ao Governo Português e, em particular ao seu Primeiro-Ministro, por parte do presidente da UNITA, Dr. Jonas Savimbi.
Aplausos do PSD.
Não podemos aceitar - e neste momento isto já não é uma questão partidária mas uma questão que envolve o Estado Português - que, de uma forma tão incorrecta, se possa acusar o Sr. Primeiro-Ministro de não querer a paz em Angola e de querer vender fardas e armamento para Angola. Esta é uma injustiça que a Assembleia da República deve recusar liminarmente. É que podemos, entre nós, discordar quanto aos métodos - naturalmente que podia haver outras formas de chegar à paz -, mas não quando é colocada em causa a boa-fé de qualquer orgão de soberania, ern particular do Sr. Primeiro-Ministro, no desejo real de obter a paz em Angola.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - O líder da UNITA não pode eximir-se às responsabilidades que terá, naturalmente, e a outra parte também, fazendo uma fuga para a frente e acusando terceiros.
Recusamos estas declarações como recusamos a tentativa de ingerência nos negócios internos portugueses quando se procura recomendar quem deve ser institucionalmente a entidade adequada para, em Portugal, conduzir a política externa.
Com efeito, a política externa portuguesa, nos termos da Constituição, é conduzida pelo Governo e, numa matéria tão delicada como esta, naturalmente que o Governo procura obter a solidariedade activa de todos os órgãos de soberania, sendo particularmente desejável que obtenha a do Sr. Presidente da República.
Não aceitamos também que se possa fazer um processo de intenções ao Sr. Presidente da República, procurando partidarizar a sua intervenção, e estamos certos de que ele a não aceita. Porém e não querendo avivar polémica entre as partes em relação a uma matéria como esta que foi ontem anunciada pelo presidente da UNITA, não podia deixar obscurecida a posição do meu partido.
Sr. Presidente, formulamos sinceros votos para que, muito rapidamente, as armas deixem de se fazer ouvir novamente ern Luanda e em todas as cidades de Angola e para que as principais partes envolvidas neste conflito se possam sentar à mesa das negociações a fim de que os Acordos de Bicesse tenham o seu respeito integral e para que não haja violações de direitos humanos por nenhuma das partes, porque isso seria lastimável em função do sangue que já correu.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encerrado o debate, vamos passar à votação dos votos n.ºs 39/VI, 40/VI e 42/VI, relativos a Angola e apresentados, respectivamente, por mim, pelo Sr. Deputado Mário Tomé e pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, tendo o primeiro já sido lido.
Vamos, pois, proceder à votação do voto n.º 39/VI.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS e de Os Verdes, votos contra do PCP e abstenções dos Deputados independentes Mário Tomé e João Corregedor da Fonseca.
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O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, se houvesse possibilidade e se se considerasse adequado, pedia que o voto por mim apresentado fosse lido, uma vez que há liberdade de voto nalgumas bancadas.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, dispensámo-nos de fazer a leitura dos votos n.ºs 40/VI e 42/VI dado que o seu texto já foi distribuído de modo a proporcionar a sua leitura por todos os Srs. Deputados.
Vamos, portanto, passar à votação do voto n.º 40/VI, apresentado pelo Sr. Deputado Mário Tomé.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PCP, do CDS, de Deputados do PSD e de Deputados do PS, votos a favor do Deputado do PSD Adérito Campos e do Deputado independente Mário Tomé e abstenções de Os Verdes, de Deputados do PSD, de Deputados do PS e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Era o seguinte:
Voto n.º 40/VI
De consternação pela violação armada dos multados eleitorais e pelo cerceamento dos direitos e liberdades, expressando o desejo de paz e democracia em Angola.
Na passagem de mais um aniversário da independência de Angola, a Assembleia da República expressa ao povo angolano a sua solidariedade no grave momento que está atravessando.
Depois de uma guerra que dilacerou a terra e as suas gentes, uma grande esperança de conquista de paz, fazendo calar as armas e dando a voz ao povo, percorreu Angola.
Os resultados eleitorais não foram respeitados, apesar de aceites como válidos pela ONU e pelos observadores internacionais, tendo embora em conta deficiências e irregularidades reais, nomeadamente as dificuldades criadas às forças políticas emergentes para se organizarem e implantarem no terreno.
O veredicto popular foi violado por uma das forcas, que contra toda a razoabilidade se mantiveram armadas.
As armas que deviam ter sido depostas aos pés do povo angolano voltaram a matar, a intimidar, a reprimir de um e outro lado.
A Assembleia da República, manifestando a sua tristeza e consternação pela tragédia renovada, apela à UNITA para que cesse as acções dê guerra e ao Governo Angolano que respeite os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e dê garantias de livre acção democrática a todas as forças políticas.
A Assembleia da República manifesta a sua convicção de que a procura de paz em Angola exige a participação de todas as forças políticas e não deve ser reduzida àquelas, do MPLA e UNITA, que sustentaram uma trágica guerra fraticida.
A Assembleia da República considera que não pode haver democracia sem paz mas também que não pode haver paz sem democracia.
Assim sendo, convida os dois partidos armados a sentarem-se à mesa das negociações e a garantirem o relançamento da procura da paz e da democracia em Angola, para o que se exige o emudecimento das armas e o respeito pelos resultados das eleições em que o povo angolano se empenhou com tanto civismo e entusiasmo.
Quanto à votação que se vai seguir, peço aos Srs. Deputados que se levantem para facilitar a sua contagem pela Mesa.
Vamos, então, passar à votação do voto n.º 42/VI, apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português.
Submetido à votação, foi rejeitado, com 56 votos contra (52 do PSD e 4 do CDS), 42 votos a favor (31 do PS, 7 do PCP, 2 de Os Verdes, 1 do PSD e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca) e 40 abstenções (19 do PSD, 20 do PS e do Deputado independente Mário Tomé).
Era o seguinte:
Voto n.º 42/VI
De pesar e preocupação pela situação em Angola, expressando a necessidade do integral respeito pelos Acordos de Bicesse.
Ao abrigo ao artigo 5.º, n.º 1, alínea b), do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, apresentam o seguinte projecto de resolução:
Interpretando os sentimentos do povo português, profundamente chocado com a situação em Angola, a Assembleia da República:
a) Exprime a sua profunda preocupação pela evolução da situação na República Popular de Angola decorrente da contestação, por parte da UNITA, dos resultados das eleições de 29 e 30 de Setembro, internacionalmente reconhecidas como livres e justas;
b) Lamenta profundamente as perdas de vidas humanas já provocadas, incluindo de cidadãos portugueses, e apresenta as suas condolências às famílias enlutadas;
c) Considera essencial que os Acordos de Bicesse sejam respeitados, nomeadamente no que respeita à efectiva formação do exército angolano único e à extensão a todo o território da legítima jurisdição governamental, exortando o Governo Português a contribuir activamente para a sua efectiva implementação;
d) Exprime a sua convicção de que, através do diálogo e da negociação e no respeito pela vontade expressa nas eleições e pela integridade e soberania da República Popular de Angola, será possível retomar o caminho da paz, da democracia e da reconstrução nacional para a martirizada nação irmã angolana.
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Para anunciar que irei entregar na Mesa uma declaração de voto sobre as votações realizadas, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
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Sr. Deputado Rui Gomes da Silva, pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Rui Gomes da Silva (PSD): - Sr. Presidente, é também para anunciar que apresentarei uma declaração de voto por escrito.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Cecília Catarino, inscreveu-se para o mesmo efeito?
A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Sim, Sr. Presidente, para anunciar que entregarei também na Mesa uma declaração de voto sobre as votações a que procedemos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques, pretende fazer um anúncio semelhante?
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, é para dizer que apresentarei uma declaração de voto indignando-me veementemente contra os insultos do Dr. Savimbi dirigidos ao Primeiro-Ministro de Portugal.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Lello, também vai apresentar uma declaração de voto?
O Sr. José Lello (PS): - Não, Sr. Presidente. Era apenas para informar a Mesa de que não vou apresentar uma declaração de voto.
Risos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a ordem de trabalhos estabelecida para a parte da manhã da nossa sessão está esgotada, pelo que faremos agora o intervalo para almoço e retomaremos os trabalhos às 15 horas e 30 minutos.
Está suspensa a sessão.
Eram 13 horas e 20 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão reabertos os nossos trabalhos.
Eram 15 horas e 55 minutos.
Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Partido Socialista para fazer a apresentação do tema que marcou para esta reunião, ao abrigo do seu direito regimental, gostaria de dar conhecimento a esta Assembleia de que fui convidado, muito gentilmente, pelo Sr. Presidente da Assembleia Federal da República Federativa Checa e Eslovaca, para participar no funeral de Alexander Dubcek, tendo-lhe escrito a seguinte carta:
Em nome da Assembleia da República e em meu nome pessoal, apresento aos povos checo e eslovaco, por intermédio de V. Ex.ª, sentidas condolências pelo falecimento de Alexander Dubcek - o inesquecível combatente pela liberdade e pela justiça social que, no final da década de 60, soube dar esperança a todos quantos, no velho mundo europeu, se recusavam a aceitar, como fatalidade na organização das sociedades, a alternativa capitalismo ou comunismo. Esse dilema infernal seria desfeito com a «terceira via» a que Dubcek dedicou a sua vida e empenho públicos. Mas foi o sonho de uma «Primavera...», o que basta para
Dubcek não ser esquecido no conjunto dos europeus notáveis desta segunda metade do século XX.
Infelizmente, por virtude dos trabalhos parlamentares inadiáveis próprios deste período, como, por exemplo, a discussão e votação do Orçamento, estou impedido de corresponder ao muito honroso convite de V. Ex.ª para tomar parte nas exéquias solenes do insigne político.
Aceite, Excelência, a expressão dos nossos sentidos pêsames.
Esta carta foi enviada, em nome de todos nós, ao Sr. Presidente da Assembleia Federal da República Federativa Checa e Eslovaca.
Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão do projecto de lei n.º 196/VI - Candidaturas de cidadãos independentes à eleição dos órgãos das autarquias locais (PS), agendamento do Partido Socialista, ao abrigo do direito regimental.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estão à vista as próximas eleições autárquicas. Importa, pois, que fiquem rapidamente clarificadas as regras que lhes serão aplicáveis.
As alterações a introduzir na legislação eleitoral não podem deixar de ter em conta esta exigência, que decorre do próprio calendário político. É preciso dar prioridade ao que o requer.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Foi nesta óptica que o Partido Socialista, ainda na sessão legislativa passada, apresentou a iniciativa que hoje está em discussão, anunciando logo o propósito de promover o seu agendamento na primeira oportunidade.
Não havia, nem então nem aquando do exercício do direito de agendamento, quaisquer outras iniciativas legislativas concretizadas nesta matéria, apesar de o PSD ter feito fixar sucessivos prazos para a sua apresentação, prazos que ele próprio e o Governo foram deixando passar.
Com esta iniciativa do PS pretendeu-se, pretende-se, em matéria de reforma da legislação eleitoral, passar das palavras aos actos, concretizando a abertura da lei às candidaturas de independentes em todas as eleições para órgãos autárquicos.
A lei ordinária confere hoje aos partidos políticos o exclusivo da apresentação de candidaturas às câmaras e às assembleias municipais.
É a altura de rever este exclusivo, sem que isso envolva qualquer diminuição ou prejuízo para o papel dos partidos no funcionamento da democracia portuguesa. Vale a pena reafirmá-lo.
É que a democracia é não só um regime com partidos, é o regime dos partidos.
Ao contrário do que sustentam as visões nostálgicas da totalidade, o pluralismo e a competição partidária são as fontes essenciais do potencial crítico e de produção de alternativas políticas que faz a superioridade das sociedades democráticas.
Percebe-se, pois, que a promoção da implantação dos partidos nos vários níveis da sociedade e a consagração do seu papel na configuração das diversas escolhas eleitorais tenha sido preocupação justificada, numa fase de consolidação da democracia, e que o tenha sido, em especial, quando esta se seguiu a um longo período de ditadura e agentes
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alheios à lógica democrática detinham ainda a possibilidade de desvirtuar as novas soluções institucionais. Em suma, numa fase de consolidação democrática, a promoção legal do papel dos partidos era um factor positivo de radicação do pluralismo político numa sociedade que o desconhecia ou o tinha esquecido.
Foi em tal contexto que encontraram entre nós fundamento soluções institucionais, visando valorizar e proteger o papel dos partidos na apresentação de alternativas eleitorais aos cidadãos no próprio terreno autárquico.
Mas, tanto quanto o défice de afirmação partidária pode ser nocivo a uma democracia emergente e fragilizá-la, a uma democracia rotinada e adulta podem também tornar-se nocivas soluções institucionais que, em condições entretanto alteradas, passem a promover exclusivos partidários em domínios e níveis injustificados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No caminho das sociedades democráticas, as soluções explicadas por problemas e preocupações já ultrapassadas devem ser sujeitas a reexame e actualizadas à luz dos novos dados. Dados que incluem, nas democracias estabilizadas de hoje, uma exigência crescente de novos espaços de participação para os cidadãos que não passem pela mediação partidária.
A democracia e os partidos políticos estão, hoje, suficientemente enraizados na sociedade portuguesa. A continuação do regime legal de monopólio de que os partidos têm beneficiado no domínio das eleições para as câmaras e assembleias municipais não só vem perdendo justificação como expõe o sistema a evitáveis tensões, quando é certo que a própria actividade dos partidos só tem a ganhar com um alargamento do quadro de competição politica, que os estimulará a aperfeiçoar o seu funcionamento e a aproximar-se mais dos eleitores.
O PS entende que é o momento de levantar as interdições legais que têm limitado a apresentação de candidaturas por parte de cidadãos independentes em eleições autárquicas.
A ideia em si, recordar-se-á, não é nova. A política não é, contudo, uma permanente disputa pela novidade das ideias ou pela própria ideia de novidade.
Keynes admitia que os políticos davam vida às ideias de economistas defuntos.
Na vida politica, as reformas para fazer dão também, muitas vezes, vida a ideias de reforma que se tomaram defuntas por terem ficado por fazer ou porque ainda não era o seu tempo ou por qualquer outra contingência, como, por exemplo, as que se verificaram a este respeito na última legislatura e a que voltaremos, por certo, ao longo do presente debate.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que falta e o que é importante em relação a esta reforma é que seja feita.
A democracia local é justamente o terreno privilegiado para, em estratégia gradualista, promover o levantamento do monopólio legal de apresentação de candidaturas por parte dos partidos e iniciar a implantação de um modelo de livre concorrência cívica e politica.
O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!
O Orador: - É, de facto, no domínio local que mais incontroversamente se pode conceber e concretizar o interesse da abertura à apresentação de candidaturas por parte de cidadãos cuja perspectiva das necessidades e das aspirações locais se não esgota e se não identifica com as dos partidos em presença.
É também nesse horizonte que, de forma mais evidente, se poderá sentir o efeito benéfico desta inovação no apuro posto pelos partidos na selecção dos seus candidatos, sendo ainda o domínio em que mais viável se pode tornar para os eleitores o conhecimento e a avaliação do mérito dos candidatos independentes.
O quadro constitucional e o sentido político da sua estabilidade, um desejável gradualismo e as particularidades da democracia no plano local e regional justificam, pois, que seja neste campo que se avance para a regulamentação da apresentação de candidaturas por parte de cidadãos independentes.
Esta iniciativa não assinala apenas que o PS, pelo seu lado, está preparado para se abrir a uma mais larga concorrência democrática, num quadro de livre iniciativa cívica, mas pretende ser também um desafio para que o PSD viabilize uma reforma eleitoral que é imediatamente possível e susceptível de aplicação já nas próximas eleições autárquicas.
É essa também a vontade do partido do Governo ou iremos assistir a uma mistura artificial deste e de vários outros objectivos de reforma eleitoral com a intenção de impedir a concretização de um propósito de reforma imediatamente alcançável? É pergunta que hoje espera resposta.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - É a reforma global!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A abertura desta nova possibilidade de participação política só é séria e fará sentido se for acompanhada de uma real vontade de assegurar a sua concretização.
Se a inovação for acompanhada de exigências que a onerem injustificadamente, tornando absurdamente difícil que os cidadãos dela lancem mão, o propósito de abertura revelar-se-ia apenas aparente e arrastaria a justa decepção dos destinatários.
Seria incompreensível que o número de assinaturas necessário para apresentação de candidaturas a eleições autárquicas viesse a atingir o que é requerido para a formação de um partido político ou para a apresentação de uma candidatura à Presidência da República.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É por elementares razões de congruência e por se querer, efectivamente, viabilizar o recurso prático a esta nova possibilidade de participação cívica que, no presente projecto, o número de proponentes exigido, sendo variável ern função da relação entre o número de eleitores da respectiva autarquia e o de mandatos de órgãos de integral eleição directa, nunca atinge o necessário para a constituição de partidos políticos.
Apresenta-se para isso uma solução correctora, que não só impede a apresentação de listas por grupos demasiado restritos e carecendo de legitimidade como impede uma exigência exagerada de proponentes.
Ern coerência com este objectivo de abertura efectiva, introduzem-se medidas de desburocratização e de simplificação que se estendem, aliás, também ao processo de tramitação jurídica constitutivo das coligações de partidos políticos para fins eleitorais.
É assim que se deixa de exigir o reconhecimento das assinaturas e a apresentação das certidões de eleitor, ficando o mandatário responsável pela falsidade ou inexactidão fraudulenta dos elementos indicados para o processo.
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É que não basta que se enuncie uma solução de abertura a uma nova forma de participação, é preciso também que se proporcionem as condições para que recorrer a ela não seja percorrer um caminho eriçado de dificuldades dissuasoras.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!
O Orador: - Empenhados, como estamos, na criação das regiões administrativas, quisemos também deixar desde já estabelecido o princípio de que o regime de eleição dos respectivos órgãos será estabelecido por forma a garantir a possibilidade de apresentação de candidaturas também por parte de cidadãos independentes.
Procedem ao nível regional argumentos idênticos aos que justificam tal solução ao nível local e não seria adequado que se fechasse essa possibilidade de participação cívica, numa altura em que os cidadãos legitimamente esperam novos espaços de intervenção e de protagonismo.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: São dois, em suma, os propósitos fundamentais que animam a presente iniciativa legislativa.
O primeiro é o de que se estabilizem, no curto prazo, as regras sob as quais se irão desenrolar as eleições autárquicas do próximo ano; o segundo é o de que já nessas eleições cidadãos independentes possam, e possam efectivamente, isto é, sem que estejam submetidos a exigências exorbitantes, apresentar candidaturas a todos os órgãos autárquicos de eleição directa.
Esta é uma reforma necessária e possível no quadro constitucional e que urge fazer. Cabe agora ao PSD escolher.
O Primeiro-Ministro anunciou, neste domínio, uma lógica de tudo ou nada: ou reforma constitucional antecipada em matéria eleitoral ou nada de reformas eleitorais.
Segue o PSD esta lógica de tudo ou nada ou acompanha, ern coerência, uma inovação positiva, para que já no passado mostrou abertura?
Pela nossa parte, queremos deixar aqui claro que não haverá nova revisão constitucional extraordinária.
Aplausos do PS e do Deputado independente Mário Tomé.
A revisão europeia da Constituição aproxima-se do seu termo. Impunha-se que fosse feita para viabilizar a participação de Portugal na união europeia.
Por nossa iniciativa, deverá passar a ficar prevista na Constituição uma distinção expressa entre revisões constitucionais ordinárias e extraordinárias, por forma a assegurar que a próxima revisão ordinária tenha lugar em 1994 e não em 1997.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!
O Orador - Para nós a estabilidade constitucional é um valor a preservar. Encerrado o presente processo de revisão constitucional, não alinharemos numa espécie de revisão contínua da Constituição, que teria, por efeito, uma mistura inaceitável entre agenda política e agenda constitucional, ao sabor das conveniências governativas.
As revisões constitucionais extraordinárias não podem constituir um derivativo ou uma cortina para as dificuldades de governação. Não se conte com o PS para consumar esse efeito de distracção pública.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Pretendemos contribuir de forma positiva para a concretização das reformas que cabem e se justificam no presente quadro constitucional. Desde já, no que toca às eleições autárquicas. Proximamente, daremos também o nosso contributo para a revisão da Lei Eleitoral para a Assembleia da República, que também pode receber importantes melhorias no actual quadro constitucional.
É a próxima revisão constitucional ordinária, que viabilizámos para 1994, que será a sede adequada para serem examinadas as inovações eleitorais que envolvam modificação das normas constitucionais.
O País deve, agora, saber quem viabiliza reformas oportunas e constitucionalmente possíveis e quem as difere ou dificulta, seja qual for o pretexto.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E deve saber que conta connosco, como oposição, para promover e apoiar tais reformas, mas não - em definitivo, não! - para aceitar qualquer lógica de ultimato.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca, João Amaral, Isabel Castro, Mário Tomé, Manuel Moreira e Narana Coissoró.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Costa, ouvi atentamente a sua intervenção, que me suscitou, pelo menos, uma dúvida. A apresentação de listas de candidatos à eleição dos órgãos das autarquias locais por grupos de cidadãos eleitores é um problema que nos preocupa desde sempre. Nós, na associação Intervenção Democrática, sempre tivemos essa preocupação. Tanto assim é que eu próprio e o Sr. Deputado Raul Castro apresentámos, no decorrer do anterior processo de revisão constitucional, uma proposta, que VV. Ex.ªs agora, com mais ou menos palavras, copiam.
Sr. Deputado, nós reconhecemos o papel fundamental desempenhado pelos partidos políticos na vida política do Pais e podemos pensar que o quadro partidário português está, em princípio, estabilizado e que há democracia. Mesmo assim, julgamos e julgávamos, na altura, a exemplo do que acontecia com as assembleias de freguesia, que, para além dos partidos políticos, poderiam concorrer aos actos eleitorais para todos os órgãos autárquicos listas de cidadãos eleitores, reforçando-se, assim, a sua participação na actividade dos órgãos municipais.
Acontece, porém, Sr. Deputado Alberto Costa, que, na altura da revisão constitucional, o Partido Socialista votou contra esta nossa pretensão de alterar o artigo 141.º da Constituição. No entanto, dois anos depois, o PS revê a sua posição e apresenta uma nova proposta. Muito bem!
Mas, uma vez que a Constituição da República Portuguesa prevê expressamente no seu articulado uma norma clara dizendo que, para as assembleias de freguesia, podem concorrer listas de cidadãos eleitores, poderemos pensar, a priori,
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que esta vossa proposta poderá ser considerada anticonstitucional.
É evidente que, embora defendendo essa vossa pretensão, tenho dúvidas quanto à sua constitucionalidade, devido ao processo desenvolvido anteriormente, não importando fazer especulações quanto ao facto de o PS não ter votado, na altura, a nossa proposta, pois isso, agora, não tem qualquer interesse.
Como essa dúvida existe, gostaria de ter uma resposta por parte do Partido Socialista.
(O orador reviu.)
Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Leonor Beleza.
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Alberto Costa, deseja responder já ou no final?
O Sr. Alberto Costa (PS): - Já, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem, então, a palavra.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, é absolutamente claro para os melhores constitucionalistas que este projecto de lei não enferma de inconstitucionalidades.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Alberto Costa, a pergunta que lhe quero formular tem a ver com a conjuntura política e com os condicionalismos políticos em que o vosso projecto de lei é apresentado.
É sabido que o PSD disse, desde o começo desta legislatura, como operação de chantagem e ultimato, que não faria qualquer revisão das leis eleitorais se não fossem aceites um certo número de exigências, que envolvem uma revisão constitucional antecipada, nomeadamente no que diz respeito ao voto dos emigrantes para a Presidência da República.
A minha pergunta tem, portanto, a ver com o sentido com que o Partido Socialista marca esta iniciativa e promove este debate. Que espera o Partido Socialista que aconteça? Quer testar a fidelidade do PSD aos compromissos do Sr. Prof. Cavaco Silva? Pensa que o PSD vai mudar de opinião ou quer abrir, de alguma forma, uma via gradualista, de pequenos passos, que, no fundo, vá atingir o mesmo nível de alterações ao sistema eleitoral que o PSD propõe?
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado João Amaral, o objectivo do Partido Socialista, ao apresentar iniciativas legislativas, não é o de obter efeitos internos junto do PSD, mas sim contribuir para a introdução de reformas positivas na sociedade portuguesa.
Ao introduzirmos esta iniciativa nesta altura, pelas razões que justifiquei na minha intervenção, quisemos exactamente pôr ao serviço dos Portugueses, e nomeadamente dos cidadãos independentes, uma nova oportunidade de intervenção na vida civil.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Alberto Costa, do nosso ponto de vista, o projecto de lei que o Partido Socialista apresenta, no tocante à simplificação processual que propõe, é positivo e creio que será consensual a todas as bancadas o facto de se caminhar no sentido da simplificação dos métodos relativamente à proposição de candidaturas, com tudo o que isso envolve. De qualquer modo, há uma questão que nos suscita grandes dúvidas e que gostaria de ver esclarecida pelo Sr. Deputado.
Como é do seu conhecimento, Os Verdes não é um partido que tenha para si que a democracia se esgota na representação dos partidos políticos. Não é esse o nosso entendimento, nem tão pouco, como alguns partidos fazem, que há partidos de primeira e de segunda, ern função da dimensão que têm. Do nosso ponto de vista, a sociedade é um todo e os partidos, na sua pequenez ou grandeza, são tão importantes quanto o são os elementos cidadãos.
Pensamos que cada vez mais se caminha neste sentido - e terá de se caminhar -, na área da participação dos movimentos de opinião, das organizações cívicas, de mulheres, em relação ao ambiente, em relação à participação efectiva.
De qualquer modo, penso que há uma questão que se pode colocar e em relação à qual gostaria que o Sr. Deputado tecesse o seu comentário. Não estamos a falar de uma freguesia - tal como a Constituição prevê -, um espaço físico determinado, um universo claramente definido territorialmente, em que as pessoas se conhecem e a decisão dos cidadãos é tomada em plena consciência.
Perante um projecto de lei que propõe para um município este tipo de processo de apresentação de eleição, a questão que lhe coloco é esta: o Sr. Deputado não admite a possibilidade de, num país como o nosso - onde o ordenamento do território não existe, não há regras relativamente ao uso dos solos, a anarquia instala-se diariamente, a corrupção no poder, designadamente ao nível autárquico, não é uma ficção, não é uma hipótese, ela existe -, um qualquer lobby de interesses, nomeadamente de interesses económicos, se apresentar ao eleitorado, através de um grupo de cidadãos que tem a seu favor a possibilidade de se apresentar, como independentes que são, contra os partidos políticos - que serão o poder e, portanto, estão associados aos malefícios - e que esse grupo de cidadãos, bem trabalhados do ponto de vista da imagem - e isso é fácil, há regras de marketing para o fazer - podem vir a apresentar- se ao eleitorado, ganhar eleições, exercer durante quatro anos uma acção perfeitamente perniciosa no terreno, com grandes interesses imobiliários, dando cabo da paisagem, dando cabo de um espaço territorial?
Perante isso e perante a constatação, que o Sr. Deputado reconhece e partilha, de que a democracia e os mecanismos de participação, em Portugal, estão muito aquém do desejável, como é que numa situação destas, em que a única arma que resta às pessoas é o voto, como forma de penalizar alguém que esteve à frente do município e que agiu incorrectamente, é penalizado o grupo de cidadãos que boje existe e que amanhã se dissolve?
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr.ª Deputada, queira terminar.
A Oradora: - Termino já, Sr.ª Presidente. Como é que numa situação dessas - repito - o Sr. Deputado enquadra
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e compatibiliza os interesses dos cidadãos com um projecto que prevê, nesta democracia que temos e com as características que tem, que um grupo de cidadãos independentes possa apresentar-se num município? É que, já em relação às freguesias, partilhamos completamento a possibilidade, que, aliás, a Constituição hoje prevê, de um grupo de cidadãos independentes se apresentar ao eleitorado.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado Alberto Costa, tem a palavra para responder, se assim o entender.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr.ª Presidente, Sr.ª Deputada, o risco que apresentou existe. Trata-se de escolher entre combatê-lo de forma administrativa, isto é, com soluções legis restritivas, ou através de mais acção e iniciativa dos partidos políticos. A nossa ideia é a de que, alargando o quadro da concorrência, os partidos serão mais estimulados para intervir melhor, nomeadamente no quadro de acção que acaba de referir.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Alberto Costa, gostei de ouvi-lo dizer que não pretende revisões constitucionais como saída para as dificuldades governativas, embora VV. Ex.ªs tenham alinhado numa revisão constitucional como saída para uma dificuldade do Governo, que assinou o Tratado de Maastricht, que era inconstitucional.
Mas dando isso de barato, Sr. Deputado, quero dizer que fico satisfeito por saber que não quer andar ao ritmo da revisão das leis eleitorais que o PSD pretenderia e por apresentar este projecto de lei - que saúdo -, que me dá alguma esperança e garantia de que não aceitarão revisões de leis eleitorais que rebaixem o papel dos cidadãos, a sua participação e, nomeadamente, a representação proporcional.
Acho que, neste momento, num país onde a estabilidade da democracia tende para o centralismo, para a burocracia e falta de transparência dos actos do Governo ao nível das autarquias, nomeadamente dos municípios, naquilo onde mais facilmente o cidadão é convocado e mobilizado pelos seus próprios e directos interesses, considero que esta proposta é de aprovar e é importante.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Porque, de facto, as autarquias são o espaço privilegiado da afirmação dos cidadãos. O alargamento da lista dos cidadãos independentes favorece, na minha opinião, a participação dos cidadãos, a eficácia da democracia participativa. Considero, também, oportuna a previsão para a eleição dos órgãos das regiões administrativas.
Por outro lado, e finalmente, considero que estão criadas, neste projecto, as normas exigíveis que permitam que tais candidaturas sejam feitas em condições adequadas, salvaguardando a democracia, a participação dos cidadãos e o papel dos partidos.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Mário Tomé, queria apenas dizer-lhe que a revisão constitucional ern curso não é um serviço ao PSD, é um serviço ao País. Seria incompreensível que a Constituição Portuguesa fosse um obstáculo a que Portugal participasse na união europeia. Foi nesse espírito e com esse objectivo que nós participámos nesta revisão extraordinária da Constituição, com a ideia e a consciência de ter, com isso, servido o País.
Vozes do PS: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Alberto Costa, o PSD considera da máxima importância para o nosso país a reforma do sistema eleitoral e, por isso, já há muito que tem entendido. Não só durante a anterior legislatura bem como durante a campanha eleitoral para as eleições legislativas de 1991, o PSD teve oportunidade de apresentar ao País a sua opinião acerca desta reforma.
O Sr. Alberto Avelino (PS): - Projectos de lei!
O Orador: - Acontece que o PSD, através do governo que suporta nesta Câmara, apresentou informalmente, ao abrigo do estatuto da oposição, aos partidos da oposição, diversos diplomas com este objectivo, de fazer uma reforma global. Até hoje, infelizmente, não houve uma concordância com esta revisão global. E hoje, mais uma vez, pela voz do Sr. Deputado Alberto Costa, continuam a dizer-nos que estão em desacordo com esta revisão global, o que lamentamos.
Consideramos que não é correcto, para os objectivos que nos propomos, fazer apenas uma revisão pontual e avulsa de leis eleitorais, como é aquela que boje aqui nos é proposta pelo Partido Socialista - a revisão da Lei Eleitoral para as Autarquias Locais. O PSD considera que se deve fazer a revisão desta Lei Eleitoral bem como de todas as demais leis eleitorais. E foi por isso que, em coerência com o nosso pensamento político, apresentámos, nesta Câmara, esta semana, os projectos de lei com o objectivo de rever a Lei Eleitoral para a Presidência da República, a Assembleia da República, o Parlamento Europeu e também, naturalmente, para as autarquias locais.
O Sr. Alberto Avelino (PS): - Já era tempo!
O Orador: - Conforme também se justifica, Sr. Deputado, fazer também um projecto de lei para a revisão das leis para as Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores. Julgo que também temos de apontar nesse sentido, uma vez que agora estão concluídos os processos eleitorais nas duas Regiões Autónomas.
Pergunto ao Sr. Deputado Alberto Costa se não considera muito mais útil, para esta Câmara e para o País, fazermos uma discussão conjunta destas iniciativas apresentadas pelo seu partido e pelos demais partidos com assento nesta Câmara, que leve a essa reforma do sistema eleitoral português e que até viesse a desembocar num código eleitoral.
Acho que seria desejável que Portugal tivesse não diversas leis eleitorais mas um verdadeiro código eleitoral, com normas gerais e comuns para todos os actos eleitorais e, depois, normas específicas para cada um desses actos. É esta pergunta que lhe deixava.
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A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Manuel Moreira, é verdade que o Governo, em Março deste ano, apresentou aos partidos da oposição um documento juridicamente inclassificável...
O Sr. Manuel Moreira (PS): - Na sua opinião!
O Orador: -... coleccionando alterações à lei ordinária e alterações à Constituição. Sucede que, apesar de terem sido marcados sucessivos prazos por parte do PSD para serem apresentadas as correspondentes iniciativas legislativas, o Governo as não apresentou, como anunciou nessa altura. E mais: tendo eu próprio feito um requerimento ao Governo, há vários meses, sobre o estado dos estudos e dos trabalhos preparatórios, que certamente estariam a ser desenvolvidos para concretizar este propósito, a resposta do Sr. Ministro da Administração Interna foi, até ao presente, nula Não houve qualquer informação sobre o andamento desse trabalho. De modo que o global é interessante, mas é interessante que se vá trabalhando a partir do sectorial para que alguma vez se atinja o global.
Aliás, quando em 1990 se discutiu, nesta Câmara, esta matéria da revisão da legislação eleitoral para as autarquias locais, foi o Sr. Deputado Pacheco Pereira que defendeu, exactamente contra as perspectivas globais, a vantagem democrática das reformas parciais, dizendo que em democracia tudo aquilo que era para fazer era pontual e limitado e tudo aquilo que era globalizante era para não fazer ern democracia.
Vozes do PS: - Exactamente!
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Responda à minha pergunta!
O Orador: - Ora bom, nós entendemos que, havendo eleições autárquicas no horizonte, não é possível retardar ou impedir a introdução das alterações que se impõem, sob pena de serem aplicadas às próximas eleições, com o pretexto de fazer avançar...
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Estamos de acordo com isso!
O Orador: -... um código eleitoral de cuja preparação recente não há notícia. Aliás, o grande facto nesta matéria é que o Governo tenha metido no bolso um projecto, a vários títulos meritório, que ficou concluído em 1987 e foi elaborado por uma qualificada comissão, dirigida pelo Prof. Jorge Miranda. Portanto, nesta matéria, não somos nós que temos culpas...
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Mas é a favor ou não?
O Orador: -... ou que temos inibições a respeito de um código eleitoral. O que não se percebe politicamente é por que é que o Governo, tendo nas suas mãos, há vários anos, um projecto de código eleitoral tecnicamente bem elaborado, vem apresentar aos partidos uma colecção avulsa de reformas às várias leis eleitorais, coleccionando - da tal maneira que eu diria juridicamente inclassificável - o que muda na lei ordinária e o que muda na revisão constitucional.
Pergunto ao Sr. Deputado se concorda ou não com o conteúdo da iniciativa que hoje propomos.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Nós estamos de acordo!
O Orador: - Porque no passado, o PSD propôs também uma reforma nesta matéria e admitiu o princípio como bom. A questão que hoje se pode colocar é a de saber se o PSD é coerente com a posição que defendeu no passado ou vai submeter-se à tal lógica de chantagem e de tudo ou nada.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Temos isso contemplado no projecto de lei!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Alberto Costa: Em primeiro lugar, quero saudá-lo pela iniciativa que tomou, porque esta pode ajudar - e muito! - a moralização da vida autárquica, já dentro de dois ou três anos.
Sabemos que o PSD faz só aquilo que lhe mandam fazer nos comícios do Algarve. Assim, numa dessas ocasiões, o Sr. Primeiro-Ministro disse: «Este ano, eu quero a limitação de mandatos e candidaturas independentes...» e, passados dois ou três meses, apareceu aqui a proposta de lei, inconstitucional, propondo a limitação dos mandatos dos presidentes de câmara e o reforço dos seus poderes e, para além disto, apareceu também a proposta de lei das candidaturas independentes. Quando perguntámos ao PSD por que razão não tratava de todo este problema da reforma eleitoral de forma global, o Sr. Deputado Pacheco Pereira respondeu que «querer fazer uma reforma global e não uma reforma avulsa é puro marxismo-leninismo...»
Risos do PS.
Protestos do PSD.
Aliás, vou ler as palavras exactas do Sr. Deputado Pacheco Pereira:
As democracias não são regimes nos quais se possam fazer reformas globais, a não ser na cabeça, no papel ou nos gabinetes, porque o carácter complexo da sociedade, a pluralidade dos interesses, dos desejos e das expectativas molda a acção reformista e toma-a numa acção de humildade face ao real. O carácter necessariamente pontual das reformas numa democracia estabilizada nada tem a ver com o alcance profundo e com o efeito das reformas, mas sim com as características da acção de política em democracia. A obsessão de globalidade é uma sobrevivência da visão marxista-leninista da sociedade, reduzida a contradições lineares, a que se soma depois a ideia jacobina de Estado, como sendo capaz de mudá-la em função da ideia preconcebida do progresso.
Neste momento - e neste sentido o PSD quer uma reforma marxista, tem uma visão marxista-leninista do progresso das autarquias locais -, se calhar, é por isso que o Sr. Deputado Pacheco Pereira não está aqui presente hoje - mas ouvimo-lo perguntar aos outros partidos da oposi-
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cão: «Porque é que vocês não se tomam marxistas-leninistas, como agora nós somos? Por que é que não adoptam esta visão globalizante da sociedade?» E eu pergunto: por que é que, ainda este ano, o Sr. Primeiro-Ministro quis ser marxista-leninista e, noutro ano, era tão liberal que até citava Gunnar Myrdal?
Face a isto, pergunto-me se o Partido Social-Democrata quer adoptar uma visão globalizante marxista ou se é ainda social-democrata-liberal.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - O PSD quer uma reforma global, o que é diferente!
O Orador: - Ern segundo lugar, quero perguntar-lhe o que é que as candidaturas de cidadãos independentes às eleições autárquicas têm a ver com o problema do voto dos emigrantes nas eleições presidenciais. O que é que têm em comum? O que é que liga uma coisa à outra?
E, tal como pergunto ao PS, também o PSD deveria perguntar ao Partido Socialista por que é que não apresentou este projecto de lei em simultâneo com um projecto de reforma das finanças locais e com tudo o que respeita às autarquias locais. Para além disto, se o Sr. Primeiro-Ministro viesse dizer que «nós não apresentamos o projecto de lei das candidaturas de independentes sem uma revisão global da legislação sobre autarquias locais», concordaria com ele. Mas o problema é que não dizem nada disto e apenas apresentam alguma modificação das normas processuais sobre a legislação adjectiva agora em vigor para adaptá-la à introdução de candidaturas de grupos de pessoas.
Pela nossa parte, já demos a nossa aprovação a esta ideia na anterior legislatura e, este ano, até apresentámos um projecto de lei sobre esta matéria, só que deu entrada na Assembleia com atraso.
Portanto, estamos de acordo com este projecto de lei em debate.
Daí que tenha uma única pergunta a fazer ao Sr. Deputado Alberto Costa. O Sr. Deputado fez as contas para saber quantas assinaturas seriam necessárias, em Lisboa, para apresentar uma candidatura de grupos de cidadãos independentes? Ou não será que seria mais barato e melhor formar um partido, apresentando 5000 assinaturas, assim concorrendo às eleições em todo o País, à semelhança do que defendia o Sr. Ministro da Administração Interna perante a obrigatoriedade da apresentação de 8000 assinaturas para formação de uma lista de cidadãos independentes? Por que é que o PS não apresentou um pacote global sobre as autarquias, já que os senhores sempre têm proclamado que tanto a Lei das Finanças Locais como a lei que regula os poderes das câmaras municipais, etc., precisam de ser revistas e, afinal, só vieram apresentar-nos hoje um projecto de lei parcelar que não se compreende?
(O orador reviu.)
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr.º Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró: Falando a sério, quero dizer-lhe que já apresentámos nesta Assembleia um projecto de lei relativo às finanças locais, que o mesmo «está na geleira» por culpa do PSD e que, portanto, não incorremos na deficiência que V. Ex.ª aponta. Mas permita-me que também lhe responda «a brincar»: não voltámos a apresentar o referido projecto de lei nesta altura porque não somos marxistas-leninistas e não seguimos o retrato que o Sr. Deputado Pacheco Pereira aqui traçou na anterior legislatura, aquando da discussão sobre esta matéria.
Quanto à questão que colocou relativamente à apresentação de candidaturas de cidadãos independentes em Lisboa, respondo-lhe que, justamente para evitar o problema que refere, introduzimos como limite máximo ao número de assinaturas exigíveis 2000 para as freguesias e 4000 para os concelhos, a fim de não cairmos na situação absurda de ser necessário maior número de assinaturas para apresentar uma candidatura de cidadãos independentes do que para formar um partido político ou até para apresentar uma candidatura à Presidência da República.
Vozes do PS: -Muito bem!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira, para defesa da consideração.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr.ª Presidente, peço desculpa à Câmara por ter de recorrer a esta figura regimental, mas as palavras do Sr. Deputado Narana Coissoró a tal me obrigam.
É que julgo que não devemos confundir o que é uma posição de coerência do Partido Social-Democrata, já de há muito tempo, no sentido de defender uma revisão global de toda a legislação eleitoral portuguesa com as tais teses marxistas que, francamente, não vislumbro por parte do PSD, até porque, por natureza, sempre fomos e somos cada vez mais - e com muita honra! - um partido social-democrata, um partido eminentemente reformista.
Devido a essa coerência, repito, apresentámos nesta Câmara, esta semana, um conjunto de projectos de lei no sentido da revisão das diversas leis eleitorais. Aliás, entendemos que devia ser feito um debate urgente neste Hemiciclo sobre os mesmos.
Para além disto, também me pareceu que houve uma certa incoerência por parte do Sr. Deputado Narana Coissoró. Dado que V. Ex.ª, criticou o facto de estarmos a defender aquela reforma global e, por outro lado, caiu no mesmo erro de que nos acusa ao ter perguntado ao Partido Socialista por que é que não apresentou aqui o projecto de reforma global do sistema autárquico, incluindo a revisão da Lei das Finanças Locais e a revisão da Lei das Atribuições e Competências das Autarquias.
(O orador reviu.)
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Manuel Moreira: Em primeiro lugar, perguntei ao Partido Socialista por que é que não apresentou um pacote global, por ter sido esta a crítica feita pelo Sr. Deputado Jorge Lacão à proposta de lei apresentada na anterior legislatura.
Quanto ao marxismo-leninismo, V. Ex.ª terá de protestar junto do Sr. Deputado Pacheco Pereira, e não comigo.
Risos do PS.
É que foi ele que fez a afirmação, pois apenas repeti o que ele disse. Mas, se o Sr. Deputado Pacheco Pereira não é coerente com a coerência de V. Ex.ª, o problema é vosso.
Portanto, ou o Sr. Deputado têm coerência ou é o Sr. Deputado Pacheco Pereira que não a tem.
(O orador reviu.)
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A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Castro Almeida
O Sr. Castro Almeida (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Faz boje precisamente um ano que o Primeiro-Ministro apresentou nesta Assembleia uma alargada reflexão sobre a necessidade de uma reforma do sistema eleitoral no nosso país.
A legislatura tinha-se iniciado há apenas uma semana e estava marcada por uma clara vitória eleitoral do PSD nas eleições legislativas.
Conseguida a vitória e reforçada a maioria, nenhuma suspeita poderia haver de que o PSD pretendesse alterar as regras do jogo eleitoral no sentido do seu próprio favorecimento. Acrescia o facto de, nessa altura, estarmos a mais de dois anos de distância de quaisquer eleições de âmbito nacional.
Era, portanto, o momento certo para lançar um debate que se pretendia sério, sereno, participado e consensual.
Como todos os Srs. Deputados se recordam, a iniciativa aqui apresentada tinha, entre outras, as linhas de força que passo a enumerar.
Primeiro, ao nível da Lei Eleitoral para as Autarquias Locais, pretendia-se assegurar a formação de executivos municipais maioritários e permitir que grupos de cidadãos pudessem concorrer às eleições para os órgãos municipais.
Segundo, no que respeita à Lei Eleitoral para a Assembleia da República, propunha-se o desdobramento dos círculos que actualmente tem mais de 10 Deputados, com o objectivo de promover uma maior aproximação entre os Deputados e os seus eleitores.
Terceiro, no tocante à Lei Eleitoral para a Presidência da República, o nosso objectivo central consiste em assegurar que os cidadãos portugueses residentes no estrangeiro possam participar na eleição do seu Presidente da República, eliminando a vergonhosa e absurda discriminação que impende sobre aqueles cidadãos portugueses.
Conscientes de que uma revisão global das leis eleitorais constitui matéria de grande sensibilidade politica, afirmámos desde o início o nosso propósito de procurar um largo consenso entre as principais forcas políticas representadas nesta Assembleia Especialmente com o Partido Socialista.
É também conhecida a nossa disposição de avançar para uma reforma de leis eleitorais que seja global e coerente, recusando o nosso acordo a quaisquer soluções de remedeio ou a alterações intercalares.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - O projecto de lei do Partido Socialista que hoje apreciamos representa um passo no caminho certo, na medida em que vem dar resposta positiva a um dos aspectos da reforma global que propusemos. Trata-se de possibilitar que grupos de cidadãos eleitores proponham listas de candidatos para a assembleia municipal e para a câmara municipal, retirando aos partidos políticos o exclusivo deste processo.
É apenas um passo, um pequeno passo, do Partido Socialista, mas é-o no bom sentido e, portanto, há que saudá-lo.
Pela nossa parte, continuamos a defender a reforma global do regime eleitoral, não abdicando em caso algum da defesa do direito dos portugueses que trabalham no estrangeiro de participar na eleição do Presidente da República.
Pretendemos um consenso global, mas tal não significa que tenhamos de nos pôr de acordo no mesmo dia ou discutir de uma só vez, numa mesma sessão, todos os aspectos que envolvem a revisão das leis eleitorais. Esperaremos, por conseguinte, novos passos do Partido Socialista, sem enjeitar, evidentemente, que também da nossa parte haverá a flexibilidade que tem de ser recíproca em qualquer processo negocial.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Foi legítima e compreensível a opção de 1976 de limitar aos partidos políticos a possibilidade de apresentação de candidaturas aos órgãos municipais: havia que reforçar os partidos (alguns deles de formação muito recente) e evitar que se transferissem para a vida democrática certas forças e clientelas organizadas no regime anterior. O que importa hoje é estimular formas de participação dos cidadãos na vida pública, diminuindo a hegemonia dos partidos políticos e alargando a discussão política para além da mera conflitualidade partidária.
Sobre esta matéria regista-se, pois, uma perfeita coincidência de pontos de vista entre o PSD e o PS.
Lamentavelmente, no entanto, o Partido Socialista não se mostra sensível à nossa preocupação de assegurar condições de governabilidade e eficácia aos órgãos executivos municipais.
Nos órgãos municipais há-de haver um espaço de debate, de oposição, de confronto e de polémica, tendo em vista as importantes funções deliberativa e fiscalizadora Esse espaço haverá de ser a assembleia municipal. Do órgão executivo, a câmara municipal, os eleitores esperam decisão e acção, eficaz e expedita condicionada apenas ao limite da lei e das deliberações da assembleia municipal.
A nossa proposta é que ao partido mais votado seja assegurada a maioria absoluta de lugares no órgão executivo, distribuindo-se os restantes mandatos de acordo com o princípio geral da proporcionalidade. Afigura-se-nos ser esta uma solução possível dentro do quadro constitucional vigente. Em qualquer caso, está o Partido Social-Democrata disponível para encontrar com os partidos políticos aqui representados outra solução que assegure as já referidas condições de eficácia ao funcionamento das câmaras municipais.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O nosso pensamento sobre os objectivos que devem nortear a reforma eleitoral é bem conhecido. Sobre as questões essenciais não podem os partidos de oposição esperar quaisquer cedências à revelia do nosso compromisso com o eleitorado. Neste quadro, porém, é desejável e necessário encontrar um clima de consenso alargado para o qual reafirmamos a nossa disponibilidade.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedirem esclarecimentos, inscreveram-se os seguintes Srs. Deputados: João Amaral, António Costa, Narana Coissoró e Jorge Lacão.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Castro Almeida: Gostaria que me esclarecesse um ponto muito concreto da sua intervenção.
Citou as afirmações do Primeiro-Ministro, proferidas há um ano nesta sede, pelo que também lhas cito para, repetindo o que ele disse, lhe dizer que «ou fazemos uma reforma global do sistema incluindo as necessárias alterações constitucionais, ou, pela nossa parte, consideramos que é preferível deixar o sistema como está».
Até agora, a coerência por parte de VV. Ex.ªs traduziu-se em nada apresentarem, isto é, em era tudo ou era nada.
Assim, pergunto: que se passou que levou o PSD a apresentar quatro projectos de lei sobre a revisão das leis eleito-
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rais sem ter apresentado simultaneamente uma proposta de revisão constitucional antecipada? Ou seja, por que é que o PSD não coloca a questão da revisão constitucional no quadro da iniciativa legislativa pendente na Assembleia?
Faço-lhe até uma outra pergunta No projecto de lei que o PSD aqui apresentou, referente à Lei Eleitoral para as Autarquias Locais, por que é que uma das matérias incluídas, a dos executivos maioritários, é das que só é possível alterar por via de revisão constitucional? Por que é que o PSD propõe, através de projecto de lei, que a alteração seja feita por via ordinária, quando sabe que a mesma só pode ser feita por via de ser constitucional? Será que isto significa que espera algo mais do desenvolvimento deste processo?
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Costa.
O Sr. António Costa (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Castro Almeida: O PSD tem tido uma posição, aparentemente, contraditória sobre a matéria da revisão das leis eleitorais. O PSD tem não só entendido que a revisão deve ser global, como também tem misturado, como foi há pouco sublinhado pelo meu camarada Alberto Costa, matérias que pressupõem com as que não pressupõem a revisão da Constituição. E chamo a sua atenção para o facto de estar pendente na Assembleia da República um projecto de lei, que é precisamente o n.º 2/VI, que tem a ver com a pura regulamentação do sistema.
Este projecto de lei visa regulamentar uma norma constitucional introduzida na última revisão, o que é, portanto, já um elemento adquirido pelo sistema, e regular a capacidade eleitoral dos cidadãos estrangeiros residentes em Portugal, quanto aos órgãos das autarquias locais. VV. Ex.ªs têm feito com que esse projecto de lei fique «adormecido» na Comissão desde então e, mais uma vez, inviabilizaram a possibilidade de, hoje, subir a Plenário, para discussão simultânea com o nosso diploma sobre a candidatura de cidadãos independentes à eleição dos órgãos das autarquias locais.
Sr. Deputado, tendo ern conta o facto de me ter parecido ver na sua intervenção uma intenção de revisão do quadro global, fixado pelo PSD, em matéria de revisão da lei eleitoral o que quero saber, em concreto, é se isto significa ou não que o PSD pretende agora viabilizar, a tempo e a horas, isto é a tempo das próximas eleições autárquicas, a possibilidade de os cidadãos estrangeiros residentes em Portugal poderem, visto terem já, nessa altura, o direito conferido pela Constituição, votar e ser eleitos para os órgãos das autarquias locais.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Castro Almeida: Gostaria de perguntar-lhe por que é que o PSD apresentou, anteontem à noite, um lote de diplomas se efectivamente era sua intenção discuti-los conjuntamente com a iniciativa do PS?
V. Ex.ª, por um lado, não desconhece o Regimento e tem no seu partido «peritos» em matérias regimentais e, por outro, sabe, com certeza, que para qualquer diploma subir a Plenário por arrastamento de outros tem de ser entregue com,
pelo menos, oito dias de antecedência, a não ser que haja consenso.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Claro!...
O Orador: - Mas, como não valia a pena esperar que o PS desse o consenso a uma coisa que já tinha dito que não dava, apresentar os diplomas na véspera tem de ser, necessariamente, um acto de provocação.
Vozes do PSD: - Não!...
O Orador: - Logo, ou o PSD entregava os seus documentos no prazo regimentalmente estabelecido para serem discutidos em Plenário ou, então, não fazia nada, porque sabia de antemão que o PS não daria o consenso.
Portanto, esta apresentação visou um acto provocatório, desculpem-me se a expressão é muito forte, mas foi, pelo menos, um acto hipócrita por parte do PSD.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Isso ainda é mais forte!
O Orador: - Em segundo lugar, pergunto se o Partido Social-Democrata estará na disposição de rever a Constituição para, relativamente às eleições autárquicas, abandonando o método da proporcionalidade, optar peto método a duas voltas. Isto é, como todos sabemos, a realidade portuguesa tem demonstrado constantemente, através dos anos, que quem ganha as eleições é a pessoa que concorre à presidência de câmara, mesmo que tenha contra si acções judiciais, que tenha sido punido nos tribunais e tudo o mais. Muitas vezes, verificamos que as pessoas gostam dessa pessoa, mesmo depois de tudo fazer, elegendo-a para presidente de câmara municipal. São pessoas que chegam até a mudar de partido e que são compradas a preço de ouro. Começam a andar atrás delas para que sejam apresentadas pelo partido, roubando-as, deste modo, a outros partidos. Tudo isto serve, porque existe uma personalização tão grande de poder nas câmaras municipais, com a qual é absolutamente inevitável deixar de concordar.
Se é assim, poderemos adaptar às eleições autárquicas o método a duas voltas, isto é, ganha o que tiver a maioria absoluta dos votos dos cidadãos, mantendo depois o método proporcional para a assembleia municipal, reforçando os poderes do presidente da câmara municipal pelo método proposto pelos senhores.
Estará V. Ex.ª na disposição de aceitar uma modificação destas?
(O orador reviu.)
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Castro Almeida: Penso que as suas palavras, pelo significado que tiveram, merecem, desde já, um registo positivo por parte da minha bancada.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Com efeito, o Sr. Deputado sublinhou aqui uma predisposição para a aceitação, como boa, da iniciativa tomada hoje pelo PS.
Portanto, nesse aspecto, congratulamo-nos com as afirmações produzidas por V. Ex.ª. Todavia, há um outro aspecto
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que gostaria de aclarar e que tem a ver com uma referência que o Sr. Deputado fez ao seu próprio projecto, que, embora não esteja boje em discussão, foi por si aludido, em termos de, a propósito, lamentar o facto de, porventura, o PS não acompanhar o PSD na preocupação quanto às condições de governabilidade e de eficácia dos órgãos das autarquias locais.
Vozes do PSD: - É verdade!
O Orador: - Ora bem, o projecto de lei apresentado pelo PSD tem dois temas fundamentais: um é a regulamentação da possibilidade das candidaturas de cidadãos independentes à eleição dos órgãos das autarquias locais; o outro é justamente a alteração da regra para a eleição do executivo municipal, de acordo com uma situação que permitirá conferir um bónus de mandato ao partido que ganhe as eleições, mesmo que, porventura, as não ganhe com maioria absoluta.
Devo dizer-lhe desde já, Sr. Deputado, que o PS considera essa medida ferida de uma flagrante inconstitucionalidade e por isso, hoje mesmo, anunciamos que tomaremos a iniciativa de recorrer do despacho de admissão desse projecto de lei, justamente por via da inconstitucionalidade que nele anotámos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Mas a questão sobre a qual gostaria de ouvir o seu ponto de vista é outra.
Sr. Deputado, na legislatura passada, aquando da discussão da temática autárquica, o PSD forçou a introdução de uma disposição relativa à limitação do número de mandatos dos autarcas para a circunscrever apenas a três mandatos. Na altura - recordar-se-á, alguns partidos políticos, como o CDS e o PS, avisaram o PSD de que, se continuasse a pressionar a introdução dessa disposição, isso iria implicar que, no final, o Tribunal Constitucional não tivesse outra solução senão a de declarar a inconstitucionalidade da medida Foi exactamente o que aconteceu. Em consequência o Sr. Presidente da República fez a devolução do diploma ao Plenário da Assembleia da República.
Perante isto, o que se esperava na ocasião, era que o PSD tomasse então a iniciativa de expurgar a norma inconstitucional, viabilizando, desde logo, a consagração das candidaturas independentes, mas, paradoxalmente, não foi isso o que aconteceu. O PSD meteu esse decreto no «congelador», onde ficou até ao final da legislatura anterior.
Ora, o busílis da questão está exactamente no facto de aparecer agora com um novo projecto de lei, uma nova propositura de candidaturas independentes -vencido que ficou quanto à questão da inconstitucionalidade sobre a limitação do número de mandatos dos autarcas -, que vem suscitar uma nova inconstitucionalidade, desta feita com a questão da composição das câmaras municipais.
Daí a minha dúvida Sr. Deputado, que muito gostaria de ver clarificada neste debate.
Gostaria pois, de saber se o PSD, por sistema quando trata das candidaturas de cidadãos independentes à eleição dos órgãos autárquicos, inventa sempre um dispositivo inconstitucional, para depois, por essa via bloquear o diploma e, portanto, bloquear também a possibilidade da aprovação efectiva dessas candidaturas.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Pergunto, Sr. Deputado: quer, finalmente, o PSD dissociar a questão e viabilizar, sem qualquer dúvida, a possibilidade de as candidaturas independentes à eleição dos órgãos autárquicos serem aprovadas por forma a poder entrar em vigor antes das próximas eleições autárquicas?
Esta é a questão fundamental, sobre a qual o PSD ainda não respondeu. Ficaria pois, muito grato se viesse agora dar a resposta.
Vozes do PS: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Castro Almeida.
O Sr. Castro Almeida (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado João Amaral: Em reposta à questão formulada por V. Ex.ª, direi que o pacote de diplomas que aqui apresentámos, relativo à revisão das leis eleitorais, consagra todas as reformas que pretendemos introduzir no sistema eleitoral, com excepção das que, face à Constituição em vigor, se nos afiguram inconstitucionais.
Repito, apresentámos, há dois dias, um conjunto de iniciativas legislativas que traduzem todos os nossos objectivos, que são muito claros, à excepção daqueles que são inconstitucionais face à Constituição da República em vigor.
O facto de não termos apresentado iniciativas legislativas consabidamente inconstitucionais tem uma explicação muito simples: não seriam, seguramente, admitidas pela Mesa e, portanto, não queremos estar aqui a «fazer flores» sem consistência jurídica e política.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. João Amaral (PCP): -Mas apresentaram uma iniciativa inconstitucional!
O Orador: - O que não quer dizer, Sr. Deputado, que tenhamos deixado cair qualquer desses objectivos, designadamente aquele que muito prezamos, que é o da possibilidade, que consideramos fundamental, de os portugueses que trabalham no estrangeiro poderem votar nas eleições para o Presidente da República.
Relativamente à questão aflorada por diversos Srs. Deputados que tiveram a amabilidade de me pedirem esclarecimentos, a da aparente inconstitucionalidade do nosso próprio projecto, devo dizer que esse diploma visa criar condições de eficácia nas câmaras municipais e não temos qualquer razão para acreditar que seja uma norma inconstitucional.
O Sr. Deputado Jorge Lacão veio dizer-nos que o PS considerava a norma inconstitucional, mas não deu qualquer argumento nesse sentido, embora não tivesse de o fazer agora. Certamente, também não esperará que eu vá agora apresentar argumentos em favor da constitucionalidade. Não cedo, até, à tentação de lhe referir o artigo 116.º da Constituição, cujo n.º 5 diz: «A conversão dos votos em mandatos far-se-á de harmonia com o princípio da representação proporcional» - isto a propósito dos princípios gerais do direito eleitoral.
Em diversos artigos da Constituição fala-se do respeito pelo princípio da proporcionalidade, só que não se fala, designadamente a propósito das eleições para as autarquias locais, da aplicação do método de Hondt
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Ora, parece-nos evidente que o nosso projecto respeita a proporcionalidade e não propõe um sistema de voto maioritário, nem defende, obviamente, a inversão da proporcionalidade. Apenas se cria a possibilidade de encontrar uma solução, que, do ponto de vista político, é uma opção nossa - criar condições de governabilidade e eficácia nas câmaras municipais -, dentro do respeito da Constituição.
Mas, Sr. Deputado, como se diz na moção que a Comissão Política Nacional do PSD apresenta ao Congresso, não vamos fazer disputa política de questões jurídicas. Quem decide da constitucionalidade ou não de uma norma é o Tribunal Constitucional.
Afigura-se-nos que esta proposta é constitucional, mas, se o Tribunal Constitucional disser que não é, Sr. Deputado, acataremos a decisão do venerando tribunal. Não vamos, por isso, considerar que perdemos, da mesma forma que, se a questão for suscitada junto do Tribunal Constitucional e este considerar a norma constitucional, como esperamos, não vamos entender daí que o PS foi derrotado. Não misturamos questões jurídicas com questões políticas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado António Costa, a nossa posição é esta: somos favoráveis a que se leve até às últimas consequências o Tratado de Maastricht e a revisão constitucional que por causa dele fazemos. Portanto, queremos implementar em Portugal e transpor para a legislação ordinária tudo o que for necessário para pôr em prática esse Tratado.
Sr. Deputado Narana Coissoró, queria referir-me à questão que foi aqui muito cilada de um estalinismo ou de um marxismo de revisões globais, revisões parcelares e do «porquê agora». Dir-lhe-ia que há uma oportunidade política para todas as iniciativas e faço notar que há dois anos, quando esta matéria se discutiu aqui, estávamos na proximidade da realização de eleições legislativas e, nessa medida, não era sensato trazer alterações às leis eleitorais para a Assembleia da República.
Por outro lado, como estávamos a três anos da realização de eleições autárquicas, era essa a altura de tratar dessas eleições. Ora, quando o Primeiro-Ministro anunciou nesta Assembleia - faz exactamente hoje um ano - a intenção de apresentar estes diplomas, estávamos a dois anos de quaisquer eleições de âmbito nacional.
Trata-se, portanto, de uma questão de oportunidade o facto de hoje apresentarmos uma proposta de alteração global referente ao conjunto das eleições, uma vez que não temos eleições próximas no horizonte e há dois anos não era assim. Esta é a simples justificação para esta diferença do nosso procedimento.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Onde é que apresentaram há dois anos?! Não apresentaram nada!
O Orador: - Finalmente, Sr. Deputado Jorge Lacão, quanto à questão da limitação do número de mandatos, continuamos a pensar que esse princípio é saudável para as autarquias locais, só que ele é inconstitucional, pois o Tribunal Constitucional assim o decidiu. Mais uma vez distinguimos entre juízo político e o juízo jurisdicional. Neste momento, é inconstitucional e, Sr. Deputado, a questão que se coloca é esta: ou os partidos estão de acordo quanto ao fundo da questão ou não. Se o PS está de acordo quanto ao voto dos emigrantes para a eleição do Presidente da República, tal como quanto à limitação do número de mandatos ou quanto a um conjunto de propostas que fazemos, o PS terá de o dizer, pois, se estivermos de acordo quanto aos princípios, tiraremos daí as respectivas consequências jurídicas e faremos as alterações legislativas - constitucionais se necessário for- para implementar o acordo e o consenso político que formarmos.
Não misturemos, pois, estas questões, que são completamente distintas. O que pretendemos é fazer um acordo político com os diversos partidos quanto aos princípios, aos objectivos e quanto à bondade das soluções; as consequências jurídicas serão aquelas que tiverem de ser.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - O Sr. Deputado António Costa pediu a palavra para que efeito?
O Sr. António Costa (PS): - Sr.ª Presidente, há certas respostas que pressupõem, no mínimo, alguma desatenção por parte do interlocutor e, portanto, vejo-me obrigado a recorrer à figura da defesa da minha consideração.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, tem a palavra para esse efeito, se usar a figura de acordo com o respectivo conteúdo.
O Sr. António Costa (PS): - Sr. Deputado Castro Almeida, de facto não estou desatento e quero dizer-lhe que o Sr. Deputado não respondeu à pergunta que lhe fiz. Na última revisão constitucional foi alterado o artigo 15.º da Constituição, conferindo capacidade eleitoral - e, portanto, não há distinção, quer activa, quer passiva - aos cidadãos estrangeiros residentes em Portugal, remetendo-se para a lei a sua regulamentação.
Portanto, não estamos a falar do Tratado de Maastricht, mas da Constituição Portuguesa, que já está em vigor e que carece de regulamentação legal.
O Tratado de Maastricht refere-se também à cidadania europeia, e esta, numa das sua componentes, implica também a concessão de capacidade eleitoral activa e passiva aos nacionais dos Estados membros da União que residam em outros Estados membros da mesma União.
Portanto, as questões não se confundem, porque a nossa Constituição é mais vasta, não se referindo apenas aos cidadãos estrangeiros, nacionais de Estados membros da União, mas também, por exemplo - e, como sabe, são esses a maioria dos imigrantes residentes em Portugal -, a estrangeiros provenientes dos países africanos de língua oficial portuguesa.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, manifestamente não é a defesa da consideração que o Sr. Deputado está a fazer.
O Orador: - É manifestamente, Sr.ª Presidente, porque a resposta do Sr. Deputado Castro Almeida pressupunha que eu estivesse desatento relativamente à questão que está em causa.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Não, não vamos exagerar. Sr. Deputado, conclua a sua intervenção por favor.
O Orador: - Em resumo, a questão que lhe coloco é a seguinte: está o PSD disponível para, a tempo e horas
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- o que significa ser aplicável à próxima eleição autárquica -, permitir que esta Assembleia da República regulamente o n.º 4 do artigo 15.º da Constituição, tal como está ou como resultar desta revisão constitucional, de forma que os imigrantes residentes em Portugal possam votar e ser eleitos para os órgãos das autarquias locais já nas próximas eleições autárquicas?
A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado Castro e Almeida, deseja dar explicações?
O Sr. Castro e Almeida (PSD): - Sr.ª Presidente, não tenho nenhuma explicação a dar porque não ofendi a honra do Sr. Deputado António Costa e, pessoalmente, não pactuo com este desvirtuamento regimental.
Devo dizer que fico ofendido por o Sr. Deputado admitir que o ofendi, pois não tive manifestamente essa intenção.
Assim sendo, não tenho nenhuma explicação a dar-lhe. Agora sobre a questão de fundo, discutiremos na forma regimental que entender.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A questão das candidaturas de independentes à eleição dos órgãos das autarquias locais creio poder dizer-se que não passa neste debate do pretexto para outras apostas políticas. Toda a gente o sente e percebe, e as intervenções até agora produzidas mostram amplamente este facto. Apesar disso - apesar de particularmente o PSD não levar muito a sério esta questão e não a considerar o verdadeiro cerne do debate -, não deixarei, em nome do PCP, de exarar aqui algumas notas sobre a questão das candidaturas de independentes.
Pela nossa parte, defendemos essa solução. Defendemo-la na Assembleia Constituinte e se ela não teve expressa consagração constitucional foi porque o PSD e o PS a rejeitaram. A questão foi novamente colocada ern sede da revisão constitucional em 1989, através de uma proposta apresentada pela Intervenção Democrática e só o PCP a votou favoravelmente; novamente o PSD e o PS a rejeitaram e, por isso, ela continua sem consagração constitucional.
Hoje, aqui, reiteramos a nossa posição favorável à consagração destas candidaturas de independentes, mas tal consagração é de duvidosa constitucionalidade, já que, como disse, essa possibilidade não figura na Constituição, pela expressa vontade do PSD e do PS. Ora, ela está expressamente prevista para a eleição das assembleias de freguesia e, assim sendo, contrapondo a essa explicitação a omissão de tal possibilidade no caso dos municípios - omissão que se há-de ter por significativa, já que resulta da rejeição das propostas feitas durante a elaboração e a revisão da Constituição -, não pode, em nossa opinião, deixar que se levantem, neste quadro, as maiores dúvidas quanto à admissibilidade constitucional destas candidaturas de independentes à eleições dos órgãos de município.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Aliás, mesmo o PS já levantou expressamente essa questão em 1985 e foi com fundamento nela que, nessa data, rejeitou uma proposta de idêntico teor apresentada pelo PRD. O próprio PSD partilha dessas dúvidas e basta ver o texto do chamado «documento Dias Loureiro», entregue aos partidos, para verificar que a previsão das candidaturas de independentes figura entre as alterações propostas pelo PSD para a revisão da Constituição.
Resumindo: somos favoráveis à solução, temos dúvidas sobre a constitucionalidade e, por isso, iremos abster-nos. E sobre a questão dos independentes é tudo.
Tomemos, então, o cerne do debate, que está num pequeno mas demolidor conjunto de alterações à legislação eleitoral que o PSD anda há anos a tentar fazer aprovar. Dessas propostas, as realmente importantes são quatro: o voto dos emigrantes nas presidenciais; o retalho dos círculos eleitorais para a eleição da Assembleia da República; a criação artificial de maiorias absolutas nas câmaras municipais, e a limitação do número de mandatos nas câmaras. A característica comum destas propostas é que elas violam o princípio da representatividade e da genuinidade das eleições, criando situações ern que só o PSD, e só ele, sairia beneficiado.
Isto demonstra claramente que seria o PSD quem iria beneficiar com o voto dos emigrantes para a eleição do Presidente da República. Obviamente que o retalho dos círculos eleitorais foi feito a régua e esquadro, para permitir ao PSD esmagar administrativamente os partidos à sua direita - o CSD, com a proposta do PSD, nas últimas eleições tinha eleito um Deputado e o PSN, pura e simplesmente, não teria entrado no Parlamento - e, já agora, pelo jogo do retalho, garantir ao segundo partido o lugar permanente de número dois, garantindo simultaneamente para si próprio, PSD, uma supremacia permanente.
Quanto às câmaras, o PSD, pela violação do princípio da representação proporcional, quer resolver casos como o de Sintra - onde não tem a maioria absoluta nem tem competência e capacidade para gerir a Câmara e para enfrentar as críticas dos outros partidos -, querendo eliminar da cena política presidentes de câmara de outras forças políticas que constituem sérios obstáculos às suas pretensões de ganhar essas câmaras.
O PSD, é preciso dizê-lo, quer hegemonizar a vida política nacional - uma maioria na Assembleia da República, um Governo, um Presidente da República e uma maioria no poder local - e quer consegui-lo pela manipulação da legislação eleitoral.
Assim, estas propostas do PSD são a expressão de um plano de perpetuação do PSD no Poder, visando distorcer e defraudar a vontade popular, e, por isso, são antidemocráticas e inaceitáveis.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Desde 1990 que o PSD as pos na ordem do dia, fazendo todo o tipo de chantagens em torno desta questão. Todos recordam que as propostas quanto às eleições autárquicas foram avançadas pelo Primeiro-Ministro, no Verão de 1990, ern Faro, depois de uma estrondosa derrota nas eleições autárquicas de 1989.
Por outro lado e depois disso, o PSD, também em 1989, pôs a Assembleia da República a discutir a revisão da legislação para a Assembleia da República, a lei dos círculos eleitorais que reapresentou aqui ontem -, tal como as alterações à legislação autárquica, que foram apresentadas e discutidas no fim de 1990. Depois das eleições de 1991, todos lembramos que o Primeiro-Ministro fez das alterações à lei eleitoral o ponto mais saliente do debate do Programa do Governo. Nessa altura, o Primeiro-Ministro disse - e
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citei-o aqui há pouco: «Ou fazemos uma reforma global do sistema, incluindo as necessárias alterações constitucionais ou, por nós, é preferível deixar o sistema como está.» Depois, no termo do debate, para justificar a chantagem e o prazo-ultimato para a formação de um consenso para aprovação destas propostas, dizia o Primeiro-Ministro: «Se não for possível alcançar esse consenso até ao fim de 1992, pensamos que é preferível adiar a revisão das leis eleitorais para a próxima legislatura, depois de terminada a revisão constitucional ordinária.» Pura chantagem, inadmissível ern democracia! Completamento inadmissível!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - A parada foi repetida pelo Primeiro-Ministro ao longo de todo este tempo, sempre com o mesmo conteúdo: ou eram aceites todas as propostas, incluindo as que implicam revisão constitucional, ou zero, mesmo que se trate de propostas urgentes e necessárias, como é, por exemplo, a da melhoria e da maior rapidez do processo eleitoral ou a da transparência das finanças eleitorais. A tudo isso, zero! Mesmo que fosse necessário ou urgente, o PSD dizia «zero, sem aquelas alterações e a revisão constítucional antecipada».
Ao longo do ano de 1992, a apreciação parlamentar deste processo arrastou-se em ziguezague. O Ministro Dias Loureiro entregou um dossier aos partidos - e já aqui foi dito que não é juridicamente classificável, porque não é uma proposta de lei, não pretende sê-lo, nem pode sê-lo, porque é inconstitucional -, constituiu-se uma comissão parlamentar, no termo de um processo interessantíssimo, em que o PSD queria apresentar propostas que eram inconstitucionais e em que, portanto, não se podia criar a dita comissão e, depois, o PSD fixou um prazo para a apresentação de iniciativas, só que ninguém apresentou iniciativas nesse prazo, nem mesmo o próprio PSD.
Desde o começo desta sessão legislativa e até ao fim do ano de 1992 que estamos com a agenda totalmente preenchida e, até ao final do ano, quando expirar o prazo chantagista do PSD, a agenda da Assembleia da República estará ocupada com o Tratado de Maastricht, com o Orçamento do Estado e com a revisão constitucional.
Tudo apontava, portanto, para que a operação do PSD fosse devidamente sepultada, deva dizer-se que sem nenhuma honra para os seus proponentes. Havia de ser o PS a descobrir a forma de tirar o cadáver da tumba! Aqui estamos, pois, com mais os quatro projectos do PSD e com o «projecto-pretexto» das candidaturas de independentes, a discutir, por iniciativa e marcação do PS, toda esta questão.
E para quê? Não falo das razões que foram ditas e que são muito lineares e muito simples. Falo das razões que estão nas entrelinhas. Em 1990, o PS começou por contrapor, às propostas do PSD em relação às câmaras municipais, que estas deixassem de ser eleitas directamente pelas populações e avançou com aquela que era, na altura, a sua obsessão preferida - a moção de censura construtiva. Quanto ao retalho dos círculos eleitorais, anunciou o PS que os seus especialistas também fizeram estudos e têm também uma proposta, que ainda não viu a luz do dia, mas que o PS assegura que não será tão antidemocrática como é a do PSD. Quanto ao voto dos emigrantes, já houve sinais, já foi dito para a Presidência da República e já houve uns acenos no sentido de que, na revisão ordinária, a partir de 1994, o PS consideraria a questão.
Alguns, como justificação, dizem que tudo isto é preciso, porque, de outra forma, só o PSD apareceria perante a opinião pública como um partido de «reformas» e que é preciso também lançar umas reformas para que essa observação não se possa fazer! Não dá para acreditar! O PSD não fez nenhuma das reformas essenciais para a qualidade de vida dos Portugueses e para o aprofundamento da democracia! Nem a reforma da justiça, nem a reforma administrativa, nem a regionalização, nem a reforma dos serviços de saúde, nem uma reforma educativa a sério! Nenhuma das reformas essenciais foi feita! As reformas de que o PSD tanto se gaba são aquelas que têm a ver com mais impostos, menos despesa em serviços essenciais, menos democracia ou menos direitos para os trabalhadores, como é exemplo o pacote laboral! Estas é que são as reformas de que o PSD se gaba!
O PSD chama a estas propostas de alteração das leis eleitorais uma reforma, mas não é reforma alguma, é uma perversão da democracia. Chama-lhe «reforma» para com isso chantagear outros partidos, insinuando que vai acusá-los de serem contra as reformas do sistema político se não aceitarem essas propostas. Mas, Srs. Deputados, só aceita chantagens quem quer!
E, agora, pergunto: será que o PS tem nestas questões a sua própria identidade? Acha as propostas do PSD, no seu conjunto, negativas e antidemocráticas? Então, espera-se um não claro e sem equívocos a todas essas propostas. É um sinal de afirmação da própria personalidade - isso vem nos livro - essa capacidade de dizer não e estamos sempre a tempo de o aprender!
Ó PS, em 1990, disse claramente não ao retalhamento dos círculos eleitorais para a Assembleia da República numa proposta que agora o PSD repete. E, agora, dizem claramente não?
A verdade é que, entretanto, aberta a porta com a marcação do PS, o PSD meteu logo o pé - é típico! -, com a apresentação de quatro projectos de lei. E, não tendo havido uma revisão constitucional prévia, isso há-de querer dizer alguma coisa, Srs. Deputados, mesmo quando os líderes do PSD continuam a falar de acordo global e de revisão constitucional antecipada.
Claro que o PSD imagina-se novamente beneficiário de compromissos, vê na iniciativa e marcação do PS - de acordo com a intervenção do Sr. Deputado Castro Almeida- um sinal positivo, que saúda, a juntar provavelmente a outros sinais de vontade de compromisso por parte do Partido Socialista. Um tal compromisso configuraria uma inaceitável degradação do regime democrático e das características de representatividade e de pluralismo político em que assenta.
O PSD quer perpetuar-se no poder, quer transformar o regime democrático num regime de partido hegemónico, dominante, à custa do aviltamento e da degradação da democraticidade das leis eleitorais. É um projecto que o PSD prossegue friamente há muito tempo, pelo que, neste contexto, espreita evidentemente a fresta aberta.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente!
O Orador: - Não é por acaso que, do conjunto de diplomas apresentados pelo PSD, este formaliza, pela primeira vez, em projecto de lei uma proposta de a lei consagrar a criação artificial de executivos municipais maioritários através da aplicação parcial do método maioritário.
Por essa razão, é uma proposta claramente inconstitucional, e o PSD sabe-o, assim como sabe que as propostas do PSD e do CDS apresentadas durante a revisão constitucional foram, na altura, rejeitadas. Sabe que é inconstitucional
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porque, no projecto que apresentou em 1990 sobre a reforma da Lei Eleitoral para as Autarquias Locais, esta proposta não aparecia e não poderia passar, apesar de, na altura, o Primeiro-Ministro ter anunciado esta como uma das questões fulcrais da reforma pretendida.
O PSD sabe que é inconstitucional, até porque no dossier entregue pelo Ministro Dias Loureiro aos partidos políticos está escrito, em relação às autarquias locais, que essa é uma das alterações a fazer em sede de revisão constitucional. E mais, Sr. Deputado Castro Almeida, há pouco V. Ex.ª dizia que não, mas essa proposta foi feita para o artigo 252.º da Constituição.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, o tempo do PCP esgotou-se, pelo que agradeço que termine.
O Orador: - Termino já, Sr.ª Presidente. Essa norma tem o seguinte teor.
A câmara municipal é o órgão executivo colegial do município, eleito pelos cidadãos eleitores residentes na sua área, segundo o princípio da representação proporcional, adaptado, quando necessário, à constituição de executivos maioritários.
Essa é a adaptação que os Srs. Deputados propõem para a lei ordinária, quando sabem perfeitamente que não a podem fazer sem que haja uma revisão da Constituição, pois aplicam parcialmente o método unitário à constituição dos executivos camarários.
Agora, importa saber por que razão o PSD pensou ser possível antecipar para a lei ordinária uma alteração que sabe perfeitamente só poder ser feita em sede de revisão constitucional. Onde é que o PSD vê uma alteração de circunstâncias que lhe permite, agora, aspirar a concretizar tal norma sem revisão constitucional - com os riscos de fiscalização do Tribunal Constitucional - ou, então, mesmo com uma revisão constitucional?
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Da nossa parte, temos uma posição transparente, somos contra este núcleo central de propostas do PSD, contra os executivos camarários por via da postergação do método proporcional, contra a manipulação dos círculos eleitorais para a Assembleia da República, contra o voto dos emigrantes para a eleição do Presidente da República - tal como o configura o PSD - e contra as limitações de mandatos dos eleitos para as autarquias.
Estamos certos de que ao País e aos Portugueses é devido que todos assumam com igual transparência as suas posições.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.
O Orador: - Termino imediatamente, Sr.ª Presidente.
Esperamos que as assumam em defesa da democracia e de um direito eleitoral que garanta a expressão genuína da vontade dos Portugueses!
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Manuel Moreira e Silva Marques.
Tem a palavra, para esse efeito, o Sr. Deputado Manuel Moreira.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado João Amaral: V. Ex.ª praticamente não se pronunciou - está no seu direito - sobre o projecto de lei hoje ern discussão, resolvendo antes enveredar por um conjunto de críticas, a meu ver altamente inconsequentes e injustas, às iniciativas do PSD que ainda não estão a ser debatidas hoje.
Lamentamos que o tenha feito! Julgo que não leu bem as nossas iniciativas ou que, então, preferiu tentar, antes de mais -por ser mais fácil -, fazer ataques que não podemos aceitar, referindo que o PSD quer hegemonizar a vida política portuguesa. Não é verdade! O PSD sempre defendeu de uma forma coerente que é necessário continuarmos a fazer uma reforma da vida política nacional e também do nosso sistema político, o que passa, forçosamente, pela reforma das leis eleitorais, que defendemos e que queremos realmente levar à prática.
Nesse sentido, o PSD, ao consagrar o princípio de que todos os cidadãos devem votar para a eleição do Presidente da República, a começar pelos emigrantes, não quer beneficiar do seu voto. Compete aos emigrantes, no seu livre exercício da escolha dos órgãos de soberania, optar em cada momento por aqueles que entendam ser os melhores representantes e governantes de Portugal.
Por essa razão, para nós, não há resultados antecipados, pois estes devem ser conseguidos em função da vontade política do povo português, de acordo com as propostas e candidaturas que os partidos políticos portugueses submetem a sufrágio.
Nessa matéria, não queremos beneficiar de modo algum, como insinuou o Sr. Deputado João Amaral, do voto dos emigrantes; apenas queremos pôr cobro, de uma vez por todas - e somos intransigentes nesse objectivo - a esta discriminação de cidadãos portugueses, pois os emigrantes merecem-nos igual respeito que os que vivem no espaço territorial português.
Em relação à Lei Eleitoral para a Assembleia da República, a proposta que fazemos de alteração dos círculos eleitorais é no sentido de aprofundarmos a democracia portuguesa e de aproximarmos os cidadãos eleitores dos eleitos. Penso que é um princípio democrático saudável aquele que o PSD quer introduzir nesta reforma da Lei Eleitoral para a Assembleia da República, mas tal só sucederá desde que se verifique o consenso dos demais partidos políticos portugueses, e não mercê apenas da vontade do PSD. O mesmo pode dizer-se em relação aos demais diplomas que vão ser debatidos nesta Câmara oportunamente.
Por estas razões, Sr. Deputado João Amaral, o PSD considera que, 18 anos depois da implantação da democracia portuguesa, é tempo de aperfeiçoarmos o nosso sistema político de acordo com a experiência adquirida ao longo destes anos.
Termino colocando algumas questões concretas: considera ou não positivo o Sr. Deputado João Amaral que os partidos políticos com assento nesta Câmara apresentem iniciativas legislativas com o objectivo de aperfeiçoar e de modernizar o sistema político? Nesse sentido, o PSD está aberto, como já foi dito pelo meu colega Castro Almeida, a estabelecer um diálogo franco e leal com todos os partidos políticos com vista à obtenção de consensos no âmbito desta reforma politica, que é indispensável ao futuro do País.
Está ou não disponível o Partido Comunista Português para participar connosco nessa reforma? Entende ou não que é útil proceder-se a essa revisão da legislação eleitoral nos termos globais que propomos?
(O orador reviu.)
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A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, em tempo cedido pelo PSD, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Manuel Moreira: Não corresponde à verdade que eu tenha decidido não me pronunciar sobre o projecto de lei n.º 196/VI. Sucede que fui directo à questão de fundo e que não fiz floreados, mas talvez possamos introduzir aqui a prática de dizer aquilo que pensamos. Ora, entendemos que a solução é positiva, embora tenhamos dúvidas acerca da sua constitucionalidade.
Quanto à questão central que o Sr. Deputado Manuel Moreira me colocou, creio que os Srs. Deputados do PSD não querem fazer uma reforma política essencial para a vida do País. O País não precisa dessa reforma politica, e os Srs. Deputados do PSD apenas querem fazer uma reforma política essencial à vossa perpetuação no Poder. É essa a acusação que vos faço: a de quererem fazer uma reforma do sistema eleitoral para a Assembleia da República que, por exemplo, extinga a representação parlamentar do CDS e do PSN e que garanta ao PSD uma perpétua maioria absoluta!
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Não é verdade!
O Orador: - Querem reformar o sistema de eleição do Presidente da República com o voto dos emigrantes, o qual - e não vamos brincar aqui com as palavras - VV. Ex.ªs, com a máquina partidária de que dispõem a partir da máquina de Estado, dos consulados, irão utilizar em proveito próprio. Esta é a realidade!
Por outro lado, devo acentuar uma outra questão essencial: é que, efectivamente, o PSD quer hegemonizar a vida politica.
Algumas pessoas ainda acreditaram que o PSD podia conter na sua perspectiva política uma ideia de bipartidarismo ou de bipolarização, mas este partido tem demonstrado com clareza, e particularmente nas propostas avançadas em matéria de reforma da legislação eleitoral, que o seu objectivo é criar um sistema de partido dominante que lhe garanta, através de determinados meios administrativos e mesmo com menos votos, a perpetuação no Poder. É um projecto profundamente antidemocrático e que subverte regras fundamentais da nossa Constituição!
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): -Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr.ª Presidente, prescindo do uso da palavra.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Tive ocasião de, há pouco, formular uma pergunta ao Sr. Deputado Castro Almeida, a que ele, naturalmente, respondeu nos termos que entendeu.
Sucede, porém, que os termos em que entendeu responder-me não deram resposta, em meu entendimento, à questão fulcral que lhe tinha colocado e que é a seguinte: tendo o PSD demonstrado, como penso que demonstrou, estar disponível para viabilizar a aprovação, na generalidade, do projecto de lei que o PS hoje apresentou, quererá viabilizar a possibilidade de a solução final a sair da Assembleia da República poder efectivamente entrar em vigor a tempo de ter eficácia nas próximas eleições autárquicas, ou não?
Esta parece-me ser a questão política fulcral para a qual se esperaria uma resposta clara da parte do PSD e que, todavia, até ao momento e salvo melhor opinião, ainda não chegou. E isto porque, no essencial, o Sr. Deputado Castro Almeida voltou, de alguma forma, a refugiar-se na argumentação de que aquilo que o PSD quer é a chamada «solução global», onde volta a inserir, a par da consagração das candidaturas independentes, a questão do modo de designação dos titulares do orgão executivo dos municípios. Relativamente a esse aspecto, como tive oportunidade de referir há pouco, o PSD associa a uma solução viável ern matéria de candidaturas independentes uma solução inviável, porque inconstitucional, ao querer forçar a junção das duas questões.
Gostaria de sublinhar que, mais uma vez, do último debate travado na legislatura passada, nesta Assembleia, para esta legislatura, o PSD muda claramente de posição, também neste domínio.
O Sr. Deputado Pacheco Pereira já hoje foi aqui invocado para sinalizar contradições de posição na bancada do PSD, e não me levarão a mal que tenha de reportar-me novamente a ele para lembrar a posição do PSD sobre esta questão em 1990, portanto não há muito tempo.
Vou passar a citar as palavras proferidas em Plenário pelo Sr. Deputado Pacheco Pereira: «O tema [...]», e o tema era, justamente, o modo de designação dos titulares para os executivos das câmaras municipais, «[...] já foi objecto de muitas discussões, designadamente nos processos anteriores de revisão constitucional.» Mais adiante referia ainda: «Daí que se torne adequado proceder à reponderação do problema.» Acrescentando depois: «Sem se pretender a abertura de uma discussão jurídico-constitucional sobre a matéria, no quadro actualmente em vigor [...]», isto é, no quadro que ainda está em vigor, «[...] entende-se oportuno suscitar a adesão dos partidos e forças políticas a uma solução correctiva.» Mas, logo a seguir, o Sr. Deputado Pacheco Pereira dizia o seguinte: «Nesse sentido, o PSD propõe que na próxima revisão do texto fundamental se procure uma solução que garanta a constituição de executivos maioritários, sólidos e operacionais.»
Ora, há muito pouco tempo, e em nome do PSD, o Sr. Deputado Pacheco Pereira veio dizer que em matéria de legislação ordinária não queriam entrar na discussão das implicações constitucionais do problema e que convidariam os demais partidos a reflectir sobre o assunto, aquando da próxima revisão constitucional que se debruçasse sobre a matéria.
Afinal, Srs. Deputados do PSD, trata-se de dois pesos e de duas medidas, pois mudaram claramente de posição. Ontem, o Sr. Deputado Pacheco Pereira dizia e sustentava que a matéria, pelas suas implicações constitucionais, só teria cabimento em sede de revisão constitucional; boje, vem ser dito aqui, no Plenário, que não é assim e que a questão poderia ser virtualmente resolvida por via de legislação ordinária.
Posto isto, volto à questão crucial: como os Srs. Deputados efectivamente já demonstraram, estão convencidos de que a temática da alteração da eleição para as câmaras municipais é matéria constitucional. Ora, ao quererem forçar agora uma solução na lei ordinária, o que pretendem é a declaração de inconstitucionalidade desse dispositivo. Em
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consequência, estou habilitado a dizer que, afinal, o que também pretendem é que a questão das candidaturas independentes não entre ern fase de aprovação em tempo útil, tendo ern vista as próximas eleições autárquicas.
Assim, Srs. Deputados do PSD, peço-vos muita desculpa, mas ou resolvem esta vossa contradição sobre uma questão nuclear, ou são suspeitos de estar aqui a fazer um jogo escondido, de, por um lado, não terem coragem de se pronunciar contra as candidaturas independentes e, nesse sentido, viabilizarem o projecto de lei apresentado pelo PS e, por outro lado, de estarem à procura de uma artimanha, do ponto de vista da solução que querem construir, para inviabilizar que essa solução entre em vigor em tempo útil.
Portanto, faço novamente o convite à bancada do PSD para que se esclareça quanto às duas posições que tomou sobre a matéria até ao momento e, em função disso, nos esclareça qual a sua posição definitiva.
Mas, exactamente porque entendo que nenhuma questão deve ficar sem resposta, quero também reportar-me a outro aspecto suscitado igualmente pelo Sr. Deputado Castro Almeida.
O Sr. Deputado referiu que o PSD estava preocupado com as condições de governabilidade e eficácia nos órgãos municipais e que o PS parecia não estar preocupado com este assunto. Pois bem, Srs. Deputados do PSD, queremos dizer-vos, mais uma vez, que estamos efectivamente preocupados e, por isso mesmo, temos uma opinião e uma proposta nesse domínio.
A nossa opinião sobre essa matéria já foi assumida publicamente, passa por uma revisão constitucional no tempo certo e implica a possibilidade de virmos a formar as assembleias municipais com base na eleição directa e a constituir os executivos das câmaras municipais com base num princípio de constituição indirecta e numa relação de confiança com as assembleias municipais.
Como os Srs. Deputados sabem, esta é, de facto, a posição do PS. No entanto, como o PS sabe que esta matéria é do foro constitucional, não a traz aqui, obviamente, como proposta de lei ordinária, porque não quer deitar areia para os olhos de ninguém e, portanto, não quer confundir no processo legislativo ordinário uma matéria do foro da revisão constitucional.
Mas também porque o PSD sustentou que a solução que propugna é a melhor, quero chamar a atenção para a sua contradição.
Srs. Deputados, a vossa proposta de constituição de executivos maioritários na base de bónus de mandatos ocasiona, em muitos casos, a seguinte contradição insanável: um partido que, por exemplo, pudesse ter 30 % de votos ou até menos, tendo ganho uma eleição em disputa com partidos concorrentes ou com candidaturas independentes, poderia vir a ter um número de mandatos superior a 50 % do total de mandatos. Do nosso ponto de vista, isto traduz uma violação clara do princípio da proporcionalidade como princípio eleitoral estabelecido na Constituição. Sobre esta questão estamos entendidos e já dissemos que consideramos a disposição inconstitucional.
Mas, Srs. Deputados, se essa disposição, porventura, não fosse inconstitucional, como é que os senhores pretendiam garantir eficácia e estabilidade institucional no funcionamento dos nossos municípios, se um partido com 30 % de votos teria mais de 50 % dos membros do executivo municipal, mas, em correspondência, na assembleia municipal continuava apenas com 30 % de mandatos, ou seja, a maioria da representação na assembleia municipal não teria qualquer correspondência real com a maioria artificial resultante da solução para o executivo? Consequências práticas desta solução: a assembleia municipal estaria politicamente desvinculada dos actos dos executivos, não se sentiria politicamente comprometida a viabilizar os seus planos e os seus orçamentos e poderia facilmente, por sistema, votar contra eles. O resultado do vosso sistema seria o bloqueio completo do funcionamento das autarquias.
Estranhamente, quando os senhores vêm falar de mais governabilidade, o efeito da vossa solução é o de menos governabilidade, impasse institucional e crise permanente, numa relação de costas voltadas entre a assembleia municipal e a câmara municipal.
Srs. Deputados, a vossa solução não tem consistência constitucional, nem prática e, desculpem que vos diga, não presta. E, porque não presta, vamos ao essencial do problema hoje colocado, pois do que se trata é de viabilizar candidaturas de cidadãos independentes para os órgãos das autarquias locais, para os municípios, nas próximas eleições.
Assim, não posso deixar de concluir nos mesmos termos em que comecei: comprometem-se os Srs. Deputados a viabilizar agora o projecto de lei do PS e a viabilizá-lo também em votação final global, de forma a garantir essa solução nas próximas eleições autárquicas, ou, sinceramente, não estão ainda em condições de responder a esta pergunta?
Vozes do PS: - Não estão em condições!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão: Temos muito gosto em responder à sua pergunta, mas parece-me que a resposta já é do seu conhecimento, uma vez que - e recordo o que foi dito há pouco pelo meu colega de bancada Castro Almeida -, exactamente há um ano, o Sr. Primeiro-Ministro fez uma proposta de reforma do sistema eleitoral a esta Câmara e referiu que seria desejável que essa reforma tivesse a sua conclusão até final de 1992.
O PSD continua aberto e disponível para tentar encetar esta revisão das leis eleitorais até final de 1992.
Os Srs. Deputados do Partido Socialista conhecem as nossas intenções há muitos meses, através de anteprojectos apresentados pelo próprio Governo ao abrigo do Estatuto da Oposição. Sucede que ainda não houve, como seria desejável e continua a ser, um amplo consenso entre os partidos, designadamente entre o PSD e o PS, para que essa reforma tenha lugar.
O PSD não quer fazer apenas esta alteração que o PS hoje propõe, ou seja, a possibilidade das candidaturas de independentes às câmaras municipais. Queremos que essa e outras reformas sejam encetadas e, mais, que sejam introduzidas não só na Lei Eleitoral para as Autarquias, mas também nas outras leis eleitorais.
Nesse sentido, o PSD continua disponível para dialogar com o PS e com os demais partidos com assento na Assembleia da República.
Quero ainda dizer ao Sr. Deputado Jorge Lacão exactamente aquilo que foi dito na intervenção do meu colega Castro Almeida.
No nosso entendimento e à luz do actual texto constitucional, consideramos que é perfeitamente possível, para dar maior estabilidade, maior eficácia e maior governabilidade aos executivos municipais, introduzir normas que permitam os executivos maioritários. É este o nosso entendimento. Podemos estar errados, mas não compete a esta Câmara
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decidir se o nosso entendimento é ou não correcto, pois isso competirá eventualmente ao Tribunal Constítucional, se for essa a decisão política final desta Câmara.
Nesse sentido, introduzimos no nosso projecto de lei de revisão da Lei Eleitoral para as Autarquias Locais a consagração dos executivos maioritários.
(O orador reviu.)
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Manuel Moreira: Não me leve a mal, mas gostaria de desfazer, desde já, um equívoco que me pareceu pairar nas suas palavras. V. Ex.ª sabe que é da competência da Assembleia da República proceder por forma a cooperar para a garantia da lei e da constitucionalidade e que, por isso mesmo, há normas no nosso Regimento segundo as quais os próprios projectos ou propostas de lei só devem ser admitidos se se conformarem com a Constituição. Ora, isto significa que o problema da constitucionalidade das leis não é apenas, como pretendeu sugerir, um problema, em última instância, do Tribunal Constitucional.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Em última instância é.
O Orador: - É, desde logo, em primeira instância, um problema nosso, porque o nosso principal dever é legislar de acordo com a Constituição da República, e não conscientemente contra ela.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Esclarecida esta primeira questão, quero reafirmar-lhe que o PS, como já há pouco noticiei, apresentará, hoje mesmo, recurso do acto de admissão do vosso projecto de lei por considerarmos que a solução nele proposta -já o expliquei- está ferida de inconstitucionalidade. E este facto significa que os Srs. Deputados do PSD não podem dispensar-se de tomar a vossa própria posição sobre esta matéria. Assim, ao tomarem a vossa própria posição, estarão a assumir no plano político uma convalidação de interpretação jurídica sobre a Constituição Portuguesa. E estou certo de que dessa responsabilidade política não se demitirão.
Finalmente, Sr. Deputado Manuel Moreira, devo salientar-lhe a minha perplexidade porque já não percebo a coerência do Sr. Primeiro-Ministro. Aliás, foi V. Ex.ª que invocou o precedente das posições do Sr. Primeiro-Ministro, mas num célebre discurso no Pontal, vai para três anos ...
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Foi há um ano.
O Orador: -..., falou das reformas que, com prioridade, queria para as autarquias locais e falou, designadamente, desta solução dos executivos maioritários e da limitação do número de mandatos dos autarcas, dizendo que queria essa reforma como uma prioridade. Mas, posteriormente, o Governo apresentou aqui uma proposta em que a questão dos executivos maioritários era omissa - não se esqueça disso, Sr. Deputado Manuel Moreira. Ora, isto quer dizer que o Primeiro-Ministro considerou uma determinada matéria como prioritária, mas, a seguir, o seu governo, na tradução legislativa dessa posição, esqueceu-se da prioridade afirmada pelo Sr. Primeiro-Ministro.
E que aconteceu a seguir? Num determinado momento, no início desta legislatura, o Sr. Primeiro-Ministro veio à Assembleia da República e disse que queria soluções pactuadas com o PS com vista a uma solução global para a reforma do sistema eleitoral. E a resposta do PS foi a de que não tinha nenhuma razão para fazer qualquer acordo específico em matérias eleitorais com o Governo, nas costas do Parlamento, mas que estava disponível, num quadro parlamentar, para se debruçar sobre as reformas possíveis.
É exactamente isso que estamos a fazer, Sr. Deputado Manuel Moreira. E o meu camarada Alberto Costa sinalizou aqui há pouco que o PS tomará muito brevemente a sua própria iniciativa em matéria de revisão da Lei Eleitoral para a Assembleia da República no quadro - e sublinho-o - da Constituição vigente.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sempre foi essa a nossa posição.
O Orador: - Mas, por outro lado, o Sr. Primeiro-Ministro, o mesmo que no Pontal tinha feito o discurso das prioridades políticas, também recentemente, na vossa festa de aniversário, salvo erro em Rio Maior, voltou a dizer que só haveria reforma do sistema eleitoral nas suas várias componentes se ao mesmo tempo houvesse introdução da questão do voto dos emigrantes.
No entanto, curiosa e estranhamente, nos projectos apresentados anteontem pelo PSD, essa questão volta a ser omissa. O Sr. Deputado Manuel Moreira, nem o Sr. Primeiro-Ministro tem mantido coerência ao longo do tempo nas sucessivas posições que tem afirmado e alterado, nem o PSD sabe verdadeiramente o que quer. Portanto, o problema da contradição é, do princípio ao fim, da sua bancada, do seu governo, do Sr. Primeiro-Ministro.
Sr. Deputado, por uma vez, aproveitem o vosso congresso para definirem uma estratégia clara e apresentem-se aqui na próxima semana com ideias concertadas sobre os problemas. É que - e desculpar-me-á que lho diga- a vossa posição neste debate foi a de um razoável desconcerto de posições, e isso não concorre para a própria eficácia do trabalho parlamentar.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - O Sr. Deputado Manuel Moreira pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Para uma intervenção, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Julgo que não há qualquer contradição por parte do PSD e do Governo que suportamos, na medida em que já foi afirmado perante esta Câmara, e ainda hoje pela voz do meu colega Castro Almeida, que o PSD mantém a sua disposição de fazer esta reforma global da legislação eleitoral, consagrando também o voto dos emigrantes na eleição do Presidente da República. Mas, como isso implica uma revisão constítucional antecipada, o PSD defende-a, só que compete aos outros partidos com assento nesta Câmara, em particular ao Partido Socialista, dar anuência a essa revisão constitucional antecipada, na medida em que a revisão constitucional tem de ter uma maioria qualificada. Daí,
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Sr. Deputado Jorge Lacão, não haver qualquer contradição da parte do presidente do PSD e Primeiro-Ministro e da parte do PSD, porque nos mantemos fiéis aos nossos objectivos políticos. Isto é, queremos uma reforma do sistema político. Aliás, ela é desejável depois de 18 anos de implantação da democracia portuguesa; julgamos que é tempo suficiente, de acordo com a experiência adquirida, de modernizarmos o sistema eleitoral português, e nesse sentido o PSD quer dar o seu contributo sério.
Todavia, não quer impor uma reforma. O PSD quer que a reforma que viermos a fazer tenha um consenso tão amplo quanto possível nesta Câmara e por isso é desejável que se procure encontrar esse consenso com o PS. Por isso, Sr. Deputado Jorge Lacão, penso que o seu partido - e também o próprio CDS e o PCP, que nos dá a sensação de que não quer porque se calhar pensa que as leis eleitorais estão bem assim -, e V. Ex.ª em particular, devia ter essa humildade e dispor-se a um diálogo sério para que esta reforma, que hoje o Sr. Deputado aqui nos traz pontualmente em relação à Lei Eleitoral para as Autarquias Locais, e que o PSD também traz em relação não só à eleição para as autarquias locais, mas também em relação a outros diplomas para a eleição da Assembleia da República, para o Parlamento Europeu, para o Presidente da República, se faça. E se faça no mais curto espaço de tempo para que possa ainda surtir efeito, como o PSD deseja, para as eleições autárquicas de 1993.
(O orador reviu.)
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, chegámos ao fim da discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 196/VI.
De seguida, Srs. Deputados, vamos iniciar o período de votações. Nos termos regimentais, votaremos em último lugar o projecto de lei que acabámos de apreciar.
Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 219/VI (PCP) - Altera parcialmente o instituto e o regime da adopção.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PCP e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé e abstenções do PS e do CDS.
Srs. Deputados, não vamos proceder de imediato à votação da proposta de lei n.º 38/VI porque deram entrada na Mesa propostas de alteração, da iniciativa do PCP, que vão ser distribuídas dentro de momentos.
Assim, passamos à votação do requerimento do PS de avocação a Plenário das propostas de alteração ao Decreto-Lei n.º 212/92, de 12 de Outubro - Regulariza a situação dos imigrantes clandestinos [ratificação n.º 36/VI (PCP)].
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do CDS, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.
Srs. Deputados, enquanto aguardamos que sejam distribuídas as propostas de alteração relativas à proposta de lei n.º 38/VI, vamos proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 196/VI - Candidaturas de cidadãos independentes à eleição dos órgãos das autarquias locais (PS).
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr.ª Presidente, a minha interpelação parece-me atempada, a fim de que a minha bancada possa melhor definir a sua posição, pois queríamos permitir a aprovação do projecto de lei de iniciativa socialista.
Dissemos, há pouco, que essa iniciativa merece a nossa apreciação positiva, mas acontece, porém, que não desejamos isolá-la ern relação ao conjunto das nossas preocupações.
Isto é, votaremos a favor se a iniciativa do Partido Socialista for aprovada na generalidade e baixar à respectiva comissão para apreciação na especialidade.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr.ª Presidente, nem outra era a nossa intenção! Decorre da prática parlamentar que, após a votação na generalidade, salvo motivo ponderoso, os diplomas baixam, para ser submetidos a um processo de apreciação na especialidade, à comissão competente em razão da matéria.
Penso que é isso que vai ocorrer, e obviamente que o PSD conta com a anuência do PS.
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, vamos então proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 196/VI, apresentado pelo Partido Socialista.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do CDS e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé e abstenções do PSD, do PCP e de Os Verdes.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na generalidade, na especialidade e final global, da proposta de lei n.º 38/VI.
Começamos por votá-la na generalidade.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se as ausências do PSN e do Deputado independente Mário Tomé.
Vamos iniciar a votação na especialidade. Em primeiro lugar, vamos votar os artigos 1.º e 7º da proposta de lei, em relação aos quais não há propostas de alteração.
Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade, registando-se as ausências do PSN e do Deputado independente Mário Tomé.
São os seguintes:
Artigo 1.º
Fica o Governo autorizado a introduzir modificações no regime jurídico da adopção, com o objectivo de adequar este instituto às necessidades actuais das crianças privadas de meio familiar normal, para quem a adopção constitui uma das respostas mais relevantes.
Artigo 7.º
A presente autorização caduca no prazo de 120 dias.
Srs. Deputados, vamos votar, de seguida, o artigo 2º, com excepção da alínea b).
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Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências do PSN e do Deputado independente Mário Tomé.
É o seguinte:
Artigo 2.º
A autorização a que se refere o artigo anterior abrange a possibilidade de alterar o Código Civil, com a extensão e o sentido seguintes:
a) Criação, em casos tipificados na lei e que se referem a situações graves de crianças em situação de abandono, ou em risco, ou quando exista consentimento do instituto da confiança judicial do menor, por forma a permitir o seu encaminhamento e a dispensa dos consentimentos normalmente exigidos e a assegurar que a adopção possa ser decretada regularmente e de forma segura;
c) Determinação do regime dos consentimentos necessários à adopção, adaptando-o ao mecanismo de confiança judicial, admitindo expressamente a necessidade do consentimento de pais menores e eliminando a alínea d) do artigo 1981.º do Código Civil;
d) Proibição do consentimento da mãe antes de decorridas seis semanas após o parto, por forma a permitir o levantamento da reserva feita aquando da ratificação da Convenção Europeia Relativa à Adopção;
e) Necessidade de audiência de parentes do progenitor falecido se se tratar de adopção de filho do cônjuge do adoptante, com vista a averiguar da conveniência do estabelecimento do vínculo;
f) Alargamento do regime do segredo sobre a identidade dos pais naturais em relação ao adoptante e instituição do segredo como princípio, visando corresponder aos desejos conhecidos e legítimos dos intervenientes nestes processos;
g) Previsão da possibilidade de, em casos excepcionais, modificar o nome próprio do menor adoptado plenamente, com vista a permitir uma melhor integração na nova família.
Srs. Deputados, vamos votar a proposta de substituição da alínea b) do artigo 2º, apresentada pelo Partido Socialista.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do CDS, de Os Verdes e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Era a seguinte:
b) Revisão das condições em que se pode adoptar e ser adoptado, tornando-as mais realistas e clarificadoras, exigindo como pressuposto necessário da adopção, excepto em relação a filho do cônjuge do adoptante, a confiança judicial, de modo a tornar mais seguro todo o processo, diminuindo para 4 anos de casamento o requisito prévio à adopção conjunta e para os 30 e 25 anos, consoante os casos, a idade mínima do adoptante na adopção plena e elevando-se para 15 e 18 anos a idade a que se refere o n.º 2 do artigo 1980.º do Código Civil.
Srs. Deputados, dado o resultado da votação que acabámos de efectuar, a proposta de alteração da alínea b) do artigo 2.º, apresentada pelo PCP, fica prejudicada.
Vamos, pois, votar a alínea b) do artigo 2.º da proposta de lei.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e votos contra do PS, do PCP, do CDS, de Os Verdes e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
É a seguinte:
b) Revisão das condições em que se pode adoptar e ser adoptado, tornando-as mais realistas e clarificadoras, exigindo como pressuposto necessário da adopção, excepto em relação a filho do cônjuge do adoptante, a confiança judicial ou administrativa do menor, de modo a tornar mais seguro todo o processo, diminuindo para 4 anos de casamento o requisito prévio à adopção conjunta e para os 30 e 25 anos, consoante os casos, a idade mínima do adoptante na adopção plena e elevando-se para 15 e 18 anos a idade a que se refere o n.º 2 do artigo 1980.º do Código Civil.
Srs. Deputados, em relação ao artigo 3.º, há uma proposta de aditamento à alínea a), da autoria do PCP, mas, em primeiro lugar, vamos votar o artigo 3.º da proposta de lei.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências do PSN e do Deputado independente Mário Tomé.
É o seguinte:
Artigo 3.º
A autorização abrange também:
a) A possibilidade de atribuir competência aos tribunais em relação ao processo de confiança judicial do menor, com vista a futura adpoção, e legitimidade ao Ministério Público em relação ao mesmo processo e ao de consentimento prévio;
b) A possibilidade de se criar, na sequência de decisão de confiança judicial, um regime de suprimento do exercício do poder paternal;
c) A possibilidade de atribuir carácter secreto ao processo de adopção e aos procedimentos preliminares, com aplicação da pena de prisão até um ano ou de multa até 120 dias a quem violar o segredo, bem como de conferir carácter urgente aos processos de consentimento prévio e de confiança judicial.
Srs. Deputados, vamos agora votar a proposta de aditamento à alínea a) do artigo 3.º, apresentada pelo PCP.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca e a abstenção do CDS.
Era a seguinte:
a) [...] garantindo, de igual modo ao candidato a adoptante, legitimidade para propor processo de confiança judicial do menor logo que concluído pelo organismo de segurança social o estudo prévio da situação do menor.
Srs. Deputados, em relação ao artigo 4.º, existem duas propostas de alteração da alínea a), uma da autoria do PS e
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outra do PCP, e uma proposta de aditamento de uma nova alínea - alínea c) -, subscrita pelo PCP.
Srs. Deputados, vamos, pois, votar o artigo 4.º da proposta de lei, à excepção da alínea a).
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências do PSN e do Deputado independente Mário Tomé.
É o seguinte:
Artigo 4.º
Fica, ainda, abrangida pela autorização legislativa a possibilidade de:
b) Admitir recurso das decisões dos organismos de segurança social para os tribunais competentes em matéria de família ou de família e de menores.
Srs. Deputados, vamos agora votar a proposta de alteração da alínea a) do artigo 4.º, apresentada pelo PS.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do CDS, de Os Verdes e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Era a seguinte:
a) Determinar a intervenção prévia e obrigatória dos organismos de segurança social em relação ao processo de adopção, a ser precedido de um período de pré-adopção.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação da proposta de alteração da alínea á) do artigo 4.º, da autoria do PCP.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca e a abstenção do CDS.
Era a seguinte:
a) Determinar a intervenção prévia e obrigatória dos organismos de segurança social relativamente ao processo de confiança judicial do menor e ao processo de adopção, a ser precedido de um período de pré-adopção.
Srs. Deputados, vamos votar a alínea a) do artigo 4.º da proposta de lei.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS e votos contra do PS, do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
É a seguinte:
a) Instituir, com vista a futura adopção, com possibilidade de controlo pelo Ministério Público, a confiança administrativa do menor por parte dos organismos de segurança social, determinando a intervenção prévia e obrigatória destes em relação ao processo de adopção, a ser precedido de um período de pré-adopção.
Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação da proposta de aditamento de uma nova alínea - alínea c) - ao artigo 4.º, da autoria do PCP.
Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD e do CDS, votos a favor do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca e a abstenção do PS.
Era a seguinte:
c) Assegurar, através de incidente próprio no processo de adopção, sendo pressuposto desta a confiança administrativa, o respeito pelo princípio do contraditório, relativamente às pessoas das quais a lei exija o consentimento, nos casos em que o Tribunal possa decidir-se pela sua dispensa.
Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 5.º, em relação ao qual existe uma proposta de alteração do corpo do artigo e da alínea á), subscrita pelo PSD, que vamos votar de imediato.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se as ausências do PSN e do Deputado independente Mário Tomé.
É a seguinte:
Artigo 5.º
Pode o Governo determinar a submissão à prévia decisão judicial da colocação no estrangeiro de menor residente em Portugal com vista a ser ali adoptado:
a) Estabelecendo um regime de subsidiariedade de tal solução em relação à adopção ern Portugal.
Srs. Deputados, vamos agora votar as alíneas b) e c) do artigo 5º constantes da proposta de lei.
Submetidas à votação, foram aprovadas por unanimidade, registando-se as ausências do PSN e do Deputado independente Mário Tomé.
São as seguintes:
b) Regulando a competência e a legitimidade para o referido processo judicial, bem como os requisitos da decisão, que visarão a estabilidade e a segurança respectivas;
c) Determinando a necessidade de revisão de sentença estrangeira que decrete a adopção de menor nacional e conferindo legitimidade ao Ministério Público para requerer essa revisão, caso o adoptante não a requeira ern determinado prazo.
Segue-se o artigo 6.º, em relação ao qual há uma proposta de alteração, também apresentada pelo PSD, que vamos votar.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se as ausências do PSN e do Deputado independente Mário Tomé.
É a seguinte:
Artigo 6.º
Fica ainda o Governo autorizado a estabelecer regras gerais quanto a procedimentos a seguir na adopção de crianças residentes no estrangeiro por cidadãos residentes em Portugal.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global da proposta de lei n.º 38/VI.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se as ausências do PSN e do Deputado independente Mário Tomé.
Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.
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13 DE NOVEMBRO DE 1992 393
O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr.ª Presidente e Srs. Deputados: Votámos, em votação final global, a favor deste diploma pelas razões que largamente enunciámos aquando da sua discussão, sendo certo que temos as mais fundadas dúvidas sobre a constitucionalidade de algumas das suas disposições para as quais apresentámos propostas de alteração.
Vozes do PS: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Também para uma declaração de voto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.
A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr.ª Presidente e Srs. Deputados: Depois de mais esmiuçada, desde o debate na generalidade, esta proposta de lei, constata-se que, embora ela venha imbuída do espírito de melhor disciplinar o regime da adopção, ao fim e ao cabo, o resultado não vai ser aquele que foi anunciado.
Para além do mais, o processo de adopção toma-se muito mais demorado com esta proposta de lei. De facto, a um período de seis meses para a confiança administrativa do menor segue-se o período de pré-adopção de um ano, e só depois o processo de adopção. Ora, isto alonga extremamente todo o processo, o anterior ao pré-adoptivo, o pré-adoptivo e o adoptivo, o que nos parece bastante inconveniente.
Para além do mais, admirámo-nos bastante com a rejeição de uma proposta por nós apresentada, destinada tão-só a colmatar a lacuna da lei de não admitir o princípio do contraditório relativamente aos progenitores ou parentes que tem de dar o seu consentimento, na medida ern que, na economia da proposta de lei, acabando-se com a declaração judicial de abandono, os progenitores ou os parentes a quem devia ser pedido o consentimento ficam na situação, se os juízes não usarem de uma grande boa vontade e admitirem a abertura do incidente - e não costuma ser assim-, de não se poderem defender da acusação de que abandonaram o menor, pois ficam limitados a prestar declarações perante o juiz no processo.
Ora, se há situações tremendas de abandono, também há outras que não podem ser verdadeiramente configuradas como tal, porque se devem muitas vezes a más situações económicas da parte dos pais.
Assim, a proposta de lei não dá, efectivamente, a possibilidade ao juiz de ouvir, em igualdade de circunstâncias, as duas partes.
Fiquei bastante admirada com o facto de essa nossa proposta não ter sido aprovada, na medida em que já vem sendo debatido na doutrina que terá de se abrir um incidente próprio ou, então, uma acção tutelar comum própria para a dispensa do consentimento.
Em resumo, votámos favoravelmente, na medida em que, parece-nos, a proposta procura acertar um caminho, embora também estejamos convencidos de que ele não vai ser encontrado. E, em minha opinião, os bloqueios são outros, que não são resolvidos na proposta de lei, e vão continuar, sobretudo devido às condições sociais difíceis em que vivem muitas famílias portuguesas.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, terminámos, por hoje, os nossos trabalhos.
A próxima reunião plenária lerá lugar na terça-feira, dia 17, pelas 10 horas, constando do período de antes da ordem do dia eventuais declarações políticas e do período da ordem do dia a apreciação dos projectos de revisão constitucional n.º 1/VI (PSD), 2/VI (Deputado independente Mário Tomé), 3/VI (PS), 4/VI (PCP), 5/VI (CDS) e 6/VI (PSN).
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 35 minutos.
Declarações de voto enviadas à Mesa para publicação relativas ao voto n.º 39/VI
Como alguém que se sente profundamente ligado à terra de Angola, onde nunca esteve, quero deixar sobretudo uma palavra de solidariedade ao seu povo inteiro e não exprimir juízos de valor sobre as causas próximas da tragédia que é o recomeço de uma guerra fratricida. Causas essas que, aliás, não conheço com uma profundidade que iguale a do afecto.
Choremos os mortos e, muito especialmente, os que buscavam, em negociações, os difíceis caminhos de uma solução pacífica para os diferendos. Que a memória desses homens e mulheres de boa vontade sirva de incentivo e apelo ao reencontro e reconciliação entre irmãos!
O voto formulado boje, nesta Câmara, exprime, ao que creio, um desejo popular autêntico e veemente. Por isso, nenhum outro parlamento o poderia fazer de forma mais sincera, mais consonante com a vontade colectiva que representa.
Do mesmo modo afirmo a convicção de que nenhum outro governo se empenhou tanto e tão dedicadamente como o Governo Português no processo de paz em Angola.
Assim foi e assim será.
A Deputada do PSD, Manuela Aguiar.
Votámos favoravelmente o voto n.º 39/VI, sobre a situação em Angola, apresentado pelo Sr. Presidente da Assembleia da República, por ter significado um esforço considerável de consenso em relação à formulação original do voto apresentado uma semana antes pelo PS sobre a mesma matéria.
No entanto, persistem ainda nesse voto muitas ambiguidades que não queríamos deixar de registar, numa atitude que é mais de consciência do que suscitada por qualquer tomada de posição sobre matérias de política interna de Angola, que cabem apenas aos Angolanos. Choca-nos, sinceramente, que no mesmo dia em que se comemora o massacre de Santa Cruz, haja tão grande discrepância sobre o modo como se trata a questão dos direitos humanos em Timor e em Angola. Em Timor somos facilmente grandilo-quentes, em Angola pouco passamos de vagas referências de circunstância, demasiado ambíguas em relação ao conhecimento que temos do que aconteceu. A duplicidade em matéria de direitos humanos é inadmissível.
Tais ambiguidades só reforçam o nosso sentimento da necessidade de preservar o processo de paz iniciado pelos Acordos de Bicesse e de condenar quaisquer atitudes confrontacionais vindas de qualquer das partes, em particular as declarações manifestamente injustas para o papel de Portugal e do Governo Português. O papel do Governo Português - responsável constitucional pela condução da política externa de Portugal - no processo de paz, e que foi livremente aceite pelas partes angolanas, não pode ser posto em causa na sua boa fé.
Os Deputados do PSD: Pacheco Pereira - Rui Gomes Silva - Cecília Catarino - Isilda Martins.
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394 I SÉRIE - NÚMERO 13
Protesto com veemente indignação contra as declarações do Dr. Savimbi, atribuindo ao Primeiro-Ministro de Portugal e ao seu Ministro dos Negócios Estrangeiros intuitos torpes de comércio de armas e uniformes, alimentando com essa finalidade a tragédia que martiriza o povo angolano. Tais declarações são falsas e caluniosas, ofendendo a própria dignidade do Estado Português.
Protesto igualmente, com veemente indignação, contra as declarações do líder do CDS, Manuel Monteiro, dando como boas as declarações do Dr. Savimbi Trata-se do infeliz caso de um jovem líder que tudo sacrifica, rigor, princípios e elevação de Estado, à sôfrega ânsia de afirmação política.
Apelo formalmente ao Sr. Presidente da República, Dr. Mário Soares, tanto mais que o seu nome foi abusivamente utilizado neste lamentável e reprovável incidente, para que com firme indignação repudie as declarações do Dr. Savimbi.
O Deputado do PSD, Silva Marques.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
António Esteves Morgado.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Cipriano Rodrigues Martins.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João José da Silva Maçãs.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Guilherme Reis Leite.
José Macário Custódio Correia.
José Pereira Lopes.
Luís António Martins.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Simão José Ricon Peres.
Partido Socialista (PS):
Alberto de Sousa Martins.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
José Apolinário Nunes Portada.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Centro Democrático-Social (CDS):
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
Manuel de Lima Amorim.
Partido Socialista (PS):
António Ribeiro Marques da Silva.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Centro Democrático-Social (CDS):
José Luís Nogueira de Brito.
Partido da Solidariedade Nacional (PSN):
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.
Depósito legal n.º 8818/85
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