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Sexta-feira, 11 de Dezembro de 1992 I Série - Número 19
DIÁRIO da Assembleia da República
VI LEGISLATURA
2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 10 DE DEZEMBRO DE 1992
Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Ex.mos Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 35 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa de um abaixo-assinado apelando para que a Assembleia não aprove o Tratado de Maastricht.
O Sr. Presidente evocou o 44.º aniversário da Declaração Universal das Direitos do Homem.
Concluiu-se o debate da proposta de resolução n.º 11/VI - Aprova, para ratificarão, o Tratado da União Europeia, assinado em Maastricht em 7 de Fevereiro de 1992, tendo usado da palavra, a diverso titulo, além do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Durão Barroso), as Srs. Deputadas Rui Carp (PSD), Manuel dos Santos (PS). Manuel Queira (CDS). João de Deus Pinheiro e Pacheco Pereira (PSD). Meneses Ferreira (PS). Lino de Carvalho (PCP). Luís Geraldes (PSD). Helena Torres Marques (PS). Rui Rio (PSD), João Corregedor da Fonseca (Indep.), Isabel Castro (Os Verdes). Mário Tomé (Indep.), Guilherme Oliveira Martins (PS), Freitas do Amaral (Indep.), Álvaro Barreto, João Oliveira Martins e Mário Maciel (PSD) e José Magalhães (PS).
Produziram intervenções finais, além do Sr. Ministro da Administração Interna (Dias Loureiro), os Srs. Deputados Isabel Castro (Os Verdes). Manuel Queiró (CDS). Octávio Teixeira (PCP), António Guterres (PS) e Duarte Lima (PSD).
Após aprovação de um requerimento, apresentado pelo PS, pedindo a votação nominal da proposta de resolução, foi a mesma aprovada em votação global.
Entretanto, foi também aprovado um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sabre substituição de um Deputado do CDS.
A Câmara deu ainda assentimento à viagem de carácter oficial do Sr. Presidente da República a Paris.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 10 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 35 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Abílio Sousa e Silva.
dérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Ana Paula Matos Barros.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Bernardino Gata Silva.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Elói Franklin Fernandes Ribeiro.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Santos Pereira.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Isilda Maria Renda Periquito Pires Martins.
João Carlos Barreiras Duarte.
João de Deus Rogado Salvador Pinheiro.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Eduardo Dias Madeira Gouveia.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João Manuel dos Santos Henriques.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Agostinho Ribau Esteves.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugênio Ramos Ribeiro de Almeida.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Costa.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
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António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António Luís Santos da Costa.
António Manuel Oliveira Guterres.
António Ribeiro Marques da Silva.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Edite de Fátima Santos Marreiros Estrela.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Helena de Torres Marques.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Meneses Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Eduardo Reis.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui de Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
António Manuel dos Santos Murteira.
Apolónia Maria Alberto Pereira Teixeira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
José Fernando Araújo Calçada.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques Peixoto.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Miguel Augusto Teixeira.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
João Carlos da Silva Pinho.
João Paulo de Castro Morais Gomes.
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.
Partido da Solidariedade Nacional (PSN):
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.
Deputados independentes:
Mário António Baptista Tomé.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Diogo Pinto de Freitas do Amaral.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para a leitura do expediente, o Sr. Secretário.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente. Srs. Deputados, foi recebida na Mesa e no Gabinete de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República uma carta, datada de 9 de Dezembro de 1992, do seguinte teor:
No primeiro dia do debate parlamentar visando a aprovação para ratificação do Tratado de Maastricht, os signatários procedem à entrega de um abaixo-assinado dirigido a V. Ex.ª apelando à Assembleia da República para que não aprove o referido Tratado, e que foi subscrito por 40 563 cidadãos.
Agradecendo que o Plenário da Assembleia da República seja informado deste facto e do texto do abaixo-assinado, apresentamos a V. Ex.ª as nossas cordiais saudações.
Esta carta tem como primeiro subscritor, entre os 40 563 que assinaram o abaixo-assinado, o escritor José Saramago.
Acrescento ainda, Srs. Deputados, que parte do texto do abaixo-assinado é do seguinte teor:
[...] partilhando da profunda convicção de que o Tratado de Maastricht representa para Portugal, bem como para outros povos e países das Comunidades Europeias, extensas, desproporcionadas e inaceitáveis perdas de soberania que modificam gravemente o estatuto e a fisionomia histórica do nosso país e ameaçam comprometer o seu futuro como nação independente e soberana:
Pronunciando-se firmemente pela salvaguarda e renovada afirmação dos interesses, da identidade e da soberania nacionais, num quadro de abertura à Europa e ao mundo e de activo empenho de Portugal no progresso de uma Europa de povos livres e de nações iguais e soberanas, de uma Europa de intercâmbio, de cooperação, de paz, liberdade, democracia e justiça social:
Manifestam a sua firme oposição ao envolvimento de Portugal no perigoso projecto federalista da construção de uma «União Europeia» que o Tratado de Maastricht claramente prefigura como um super Estado europeu, dominado pelos países mais desenvolvidos, e em que os centros de decisão ficariam cada vez mais distanciados dos cidadãos e fora do seu controlo democrático: e apelam à Assembleia da República para que não aprove o Tratado de Maastricht.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar início à ordem do dia, gostaria de dizer, se me é permitido, o seguinte:
Passam hoje 44 anos sobre a data em que a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Lembro apenas o primeiro considerando da Declaração, o qual encerra uma tarefa inesgotável para Estados, sociedades e pessoas em todos os tempos.
Diz-se aí:
O reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo.
E nesta lembrança incluo, de modo especial, todos os Estados e territórios onde se fala português, a começar por Timor, e aqueles onde seja mais urgente incentivar o reconhecimento efectivo dos Direitos do Homem.
Com a evocação do aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem estou, de alguma maneira, a dar início à continuação da discussão do tema da ordem do dia de hoje - o Tratado da União Europeia. Pois não é verdade que, culminando toda uma longa evolução da ordem jurídica comunitária, impulsionada sobretudo pelo Tribunal de Justiça, o Tratado da União Europeia reafirma solenemente a fé da Europa nova nos Direitos do Homem?
Com efeito, o n.º 2 do artigo F deste Tratado diz expressamente:
A União respeitará os direitos fundamentais tal como os garante a Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950, e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados membros, enquanto princípios gerais do direito comunitário.
É este, como se sabe, um dos pilares da União Europeia agora na mira dos Estados ratificantes do Tratado de Maastricht.
Srs. Deputados, vamos agora dar início à ordem do dia de hoje, que consta da continuação da discussão da proposta de resolução n.º 11/VI - Aprova, para ratificação, o Tratado da União Europeia, assinado em Maastricht em 7 de Fevereiro de 1992.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Depois de ontem termos debatido, talvez não com a impetuosidade e o calor de outros debates nesta Assembleia, depois de hoje ter ouvido uma pertinente crónica sobre um certo desinteresse e talvez menos calor existente neste debate, perguntei a mim próprio porque seria que tal acontecia, não obstante importantes intervenções que ontem aqui foram produzidas, quer pelo Governo, designadamente uma intervenção que considero riquíssima do Sr. Ministro das Finanças, quer também pelas bancadas que vão ratificar o Tratado, quer pelos próprios partidos que, na linguagem feliz do Sr. Primeiro-Ministro, se encontram nas margens deste Parlamento contrariando o Tratado. E a razão que encontrei para essa falta de calor radica-se nos debates já realizados desde há mais de um ano sobre a União Económica e Monetária e a União Política Europeia. Aliás, esta situação lembra-me a figura do jogador a quem o treinador manda aquecer e de tanto ter aquecido - neste caso em debates, conferências, seminários, mesas redondas, etc., etc. - quando chega ao jogo revela uma certa saturação. É talvez essa saturação, que não é a mesma coisa do que convicção, que eventualmente teremos mostrado em relação a esse Tratado que nos vai marcar, enquanto país europeu, nas próximas gerações.
Efectivamente, depois de muitos debates (que só alguns políticos com crises agudas de autismo teimam em ignorar), seminários, colóquios, conferências e mesas redondas em todo o País e após quase um ano (um ano menos um dia!) do histórico acordo na Cimeira de Maastricht, aqui estamos, como legítimos representantes do povo português, a ratificar o Tratado da União Europeia. Tratado esse que criará condições para colocar a Europa no nível cimeiro que teve durante séculos e séculos na história das civilizações. À Europa não se exigiu, durante todas essas épocas, necessidade de se definir, porque foi o resto do mundo, que os Portugueses ajudaram a conhecer, que se foi definindo em relação a ela.
Ora, o projecto de Tratado da União Europeia, cimentado pelo projecto da União Económica e Monetária, que, por sua vez, é a consequência lógica do Acto Único (aprovado em 1985 e assinado em Fevereiro de 1986), procura dar a resposta adequada à formidável aceleração que a história da Europa conheceu nos últimos anos, através de um duplo impulso. Por um lado, prossegue o já longo caminho da integração económica, iniciado há mais de 40 anos, baseado na ideia de um grande Mercado Único Europeu, mas, por outro, o Tratado alarga definitivamente o campo de acção europeu, para além dos campas económico, financeiro e comercial, explicitando bem a ideia de uma União Política Europeia, sem pôr em causa as identidades nacionais, nem adoptar o modelo federal.
Trata-se, Sr. Presidente e Srs. Deputados, nesta construção de uma nova Europa, da substituição da visão tecnocrática pela visão social e democrática, sendo talvez isso o que mais apoquenta os que só compreendem Portugal (e a própria Europa) agarradas a saudosismos por glórias passadas que já não voltam, e que temem os desafios e as incertezas do futuro. Não é esse, naturalmente, o nosso campo!
Centremo-nos agora na parte do Tratado mais longamente preparado e com mais antecedentes concretos: a União Económica e Monetária. Esta União era prevista realizar-se, de acordo com o relatório do então primeiro-ministro luxemburguês Pierre Werner (1969/1970), para o início da década de 80 e que agora se prevê estar pronta no último ano deste século, seguindo um processo de realização em três fases (que não vos vou incomodar repetindo quais são) e cujas marcas mais visíveis serão a moeda única europeia, o Banco Central Europeu com grande independência, como vértice do futuro Sistema Europeu de Bancos Centrais, garante máximo da estabilidade dos preços e um severo sistema de vigilância e correcção mútuas quanto à convergência e disciplina financeira e orçamental de cada economia nacional.
O Sr. Duarte Lima (PSD): -Muito bem!
O Orador: - Esta realização da União Económica e Monetária por fases implicará alterações institucionais em cada uma delas, impedindo os fracassos anteriores, pois tornará o processo da convergência nominal que cada Estado membro terá de cumprir nos próximos quatro anos num processo menos brusco, socialmente falando. Por outras
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palavras, em Maastricht concebeu-se um método de atingir até 1999 a União Monetária que facilite a União Económica, esta última pela via da reestruturação orçamental da Comunidade num claro retorço da coesão económica e social, já previsto no Acto Único de 1986.
No plano geopolítico, a União Económica e Monetária afirmará, assim, a Comunidade Europeia como o mais importante pólo monetário homogéneo, dotando as economias nacionais que a compõem do peso mais importante no processo da coordenação internacional, passando-se, finalmente, a dispor da força suficiente para se instaurar uma nova ordem económica internacional mais equilibrada e socialmente justa.
Quanto aos critérios que se terão de cumprir para a passagem à terceira fase (taxas de juro, finanças públicas, inflação, banda estreita do mecanismo cambial do Sistema Monetário Europeu) eles são exigentes, poderão ser contestáveis quanto à sua expressão quantificada e ao seu timing para um ou outro Estado membro. Mas parecem-nos todos exequíveis (ao menos quanto a tendência da convergência aproximativa), porque têm como contrapartida positiva para as economias menos desenvolvidas o forte crescimento dos fundos estruturais, o próximo Fundo de Coesão, a diminuição da componente nacional nos processos comparticipados e principalmente uma solidariedade positiva entre todas as nações, como nunca se viu desde que o Tratado de Roma foi assinado e que a ideia de cooperação europeia foi lançada (muito menos desde que o Sistema Monetário Europeu foi criado, no final da década de 70).
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A prolongada recessão económica internacional que se seguiu ao conflito do golfo, a recente turbulência nos mercados cambiais, o sucesso, em todos os aspectos, que constitui a adesão e integração de Portugal na Comunidade Económica Europeia (culminando com a bem conseguida e cada vez mais elogiada Presidência Portuguesa) levam-nos a reflectir como é que se poderá potenciar o nosso «sim» a Maastricht.
Embora seja difícil de quantificar as vantagens da integração de um país como o nosso na União Económica e Monetária, um longo estudo da Comissão Europeia intitulado Mercado Único, Moeda Única, publicado em Outubro de 1990, mantém actualidade quanto à identificação dos seus principais impactes. Assim, quanto à inflação, prevê-se com a União Monetária e Económica uma maior estabilidade dos preços, dado que a criação de uma autoridade monetária europeia independente com esse mesmo objectivo fundamental vai impedir grandes ou mesmo médias derrapagens, pelo que deixaremos de poder contar com os erros dos outros.
Os agentes económicos e sociais poderão, assim, concertar melhor os seus interesses respectivos porque a erosão/inflação será muito menor e a evolução das taxas de juro não ficará exclusivamente dependente do objectivo monetário do banco central da economia mais forte da Comunidade Europeia.
Quanto à maior eficácia por redução de custos, é natural que, havendo uma moeda única e desaparecendo os custos das transacções cambiais, aumente a transparência da comparação internacional dos preços, aumente a competitividade dos nossos produtos nos mercados interno e externo e desapareça o risco de câmbio. Em suma, o factor incerteza será drasticamente reduzido.
Quanto à menor carga das finanças públicas na economia, obrigados os países a uma grande disciplina orçamental para baixar os défices e reduzir a dívida pública, os governos estarão «condenados» a gerir bem os meios ao seu dispor, sabendo que a alternativa a uma criteriosa escolha de prioridades públicas e a uma profunda desburocratização e eliminação de desperdícios seria compensada negativamente por agravamentos fiscais, com repercussões muito perversas a prazo, bem conhecidas pelos cidadãos portugueses em épocas passadas de forte agravamento das taxas dos impostos.
Quanto ao papel dos europeus da Comunidade Europeia na economia mundial, com o ecu ao nível do dólar e do yen a Comunidade estará em posição bem mais forte para negociar com países terceiros, defendendo ainda, num quadro comercial aberto, os seus interesses.
Logicamente que, com estes impactes, Portugal será dos países que mais beneficiará do Tratado da União Europeia e da União Económica e Monetária. Desconhecer isto é, de facto, desconhecer quais os mecanismos, os efeitos e os objectivos dessa mesma União.
É evidente que o processo de convergência nominal não será «um mar de rosas» e implicará ajustamentos de natureza micro-económica e social, porventura dolorosos. Também do ponto de vista das assimetrias regionais, algumas decisões menos simpáticas terão de ser tomadas - haja em vista o pleno e atempado aproveitamento dos recursos comunitários, significativamente acrescidos segundo o Pacote Delors II.
Também não há certezas absolutas em economia e já no final do século passado um grande economista Alfred Marshall, ensinava aos seus alunos (Keynes incluído) como essa era a única certeza que possuía. Mas não vemos outra alternativa de a Europa enfrentar, em paz e em progresso, a convulsão mundial em que se vive e uma Europa Comunitária que terá mais tarde ou mais cedo, que receber os seus irmãos da Europa Central e Oriental, descendentes e herdeiros da mesma civilização greco-romana e cristã que nos une. para além do alargamento aos Estados nórdicos mais ricos.
Porque só a partir de uma Europa dispondo de economias saudáveis, em progresso sustentado, com perspectivas de permanente elevação dos níveis de bem-estar se poderá passar para discussões de interesses superiores às visões utilitarístas da sociedade e que passam pela nova cultura europeia. A cultura que na Europa é a sua memória e a sua força para o futuro; uma cultura que para se impor mais do que grandes exércitos (os abusos da expansão colonial estão para trás) precisa de novas estruturas económicas, com empresas competitivas, profissionais criadores e cooperantes, investigadores verdadeiramente inovadores com valor acrescentado, centros de ensino que formem cidadãos novos e onde os valores democráticos e respeitadores dos direitos humanos estejam acima de tudo (aqui, também, permito-me realçar a efeméride que hoje passa sobre a Declaração Universal dos Direitos do Homem).
Portugal, velha nação europeia e atlântica tem aproveitado bem a sua integração europeia. Estamos confiantes que na próxima meia dúzia de anos vamos continuar a surpreender positivamente a comunidade internacional. E este Tratado de Maastricht, que vamos agora ratificar, vai-nos dar um alento significativo para assim prosseguirmos.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Carp, estou relativamente desiludido com a sua
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intervenção porque pensava que V. Ex.ª subia à tribuna para fazer uma profissão de te naquilo que sei ser o seu pensamento profundo em matéria de doutrina económica e para, de algum modo, se distanciar da visão mecanicista e de automatismo que o Sr. Ministro das Finanças aqui nos trouxe ontem.
No entanto, V. Ex.ª limitou-se, no fim do seu discurso, e a medo, porque talvez esteja lembrado da resposta que o Sr. Ministro das Finanças lhe deu da primeira vez que ousou referir-se a Keynes, a fazer uma breve referência histórica a esse autor. Mas talvez fosse bom que não tivesse abandonado a sua linha de pensamento para podermos perceber que na bancada que apoia o Governo existem vozes que não têm uma visão tão estreita, tão monetarista, tão convergente nominalísticamente como a que o Sr. Ministro das Finanças aqui nos trouxe ontem.
Isto é muito importante dado que, se assim fosse, já V. Ex.ª não estaria isolado - e aí eu comungaria consigo dessas ideias - porque, como V. Ex.ª bem sabe, hoje (nas vésperas da Cimeira de Edimburgo, onde serão lançadas as tais iniciativas comunitárias de crescimento) já se fala muito, e outra vez, nas políticas keynesianas - não o Sr. Ministro das Finanças, que continua a rejeitá-las e apostratá-las como algo extremamente preocupante - e também já se fala muito da necessidade das políticas keynesianas para retirar a Europa Comunitária da sua situação de pré-recessão.
Assim, e na linha de diálogo amável e simpático que tive ontem com o Sr. Ministro, coloco-lhe a mesma questão: acha V. Ex.ª que - em Março ou Abril, em Madrid, numa reunião das Comissões de Economia dos Parlamentos da Comunidade Europeia, comungou comigo de algumas destas preocupações - os critérios de convergência, os quais se cansou de citar e referir no seu discurso, devem ser critérios imutáveis? E acha que Portugal não tem nada a dizer sobre isso e que não deve lutar para que, eventualmente em determinadas circunstâncias, esses critérios sejam alterados? E, sobretudo, acha V. Ex.ª que o critério dos défices excessivos, que foi assumido como grande bandeira pelo Governo ainda recentemente na política orçamental - e que conduziu a que rapidamente se fizesse um esforço em Portugal (em matéria de política orçamental, insisto) para que o défice crescesse -, não poderia ser tratado de maneira mais flexível e mais dinâmica?
Sr. Deputado, são estas as questões que lhe deixo.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente. Sr. Deputado Manuel dos Santos, aproveito a oportunidade para esclarecer esta matéria do keynesianismo e do não keynesianismo que envolve os debates sobre a economia europeia.
No meu discurso, elogiei a intervenção de ontem do Sr. Ministro das Finanças, porque ela foi uma intervenção densa mas muito rica sobre as perspectivas, os instrumentos e as envolventes que vão condicionar as economias portuguesa e europeia, onde nós nos queremos cada vez mais integrar. E tinha razão, porque uma política monetária segura não significa que seja uma política monetarista.
Sobre esse mesmo aspecto até agradeço que tenho levantado esta questão, porque, por acaso, tenho aqui na pasta - e isto não- foi combinado entre o Sr. Deputado Manuel dos Santos e eu próprio, pois apenas o trouxe porque estava à espera que levantassem aqui essa questão- um pequeno livro comemorativo do 50.º centenário da teoria geral de Keynes, que foi publicado em 1986 pelo Instituto Superior de Economia. Foi feito um colóquio, riquíssimo, aliás, no qual participaram, como convidados, economistas profissionais e disponíveis - e digo isto porque alguns estavam no Governo e não puderam estar presentes) que debateram esta matéria. Tenho a sorte, porque fui professor dessa escola, de ter esse livro, que teve uma edição muito pequena. Nesse debate há um professor de Economia que diz isto:
É que Keynes conseguiu uma ambição à sua obra que permite que uma larga margem já sua mensagem se mantenha, embora com nomes completamente diferentes. Basta olhar para o livro de textos de Sargeant, onde as referências aos trabalhos de Tobin que por seu turno se inspiram em keynes são numerosos. Quer dizer, isso é que realmente marca a macro-economia de uma maneira que outras escolas não conseguiram fazer. Porque realmente aquilo que é justamente e por vezes enfatizado como sendo a mensagem de Keynes, o intervencionismo é, na minha perspectiva a parte trivial da mensagem. Eu penso que realmente a questão de saber se o keynesianismo é a recuperação do capitalismo ou se é realmente um maior papel para o Estado é de facto a parte trivial da mensagem de Keynes. É uma parte que tem a importância que tem, na medida em que as pessoas a citam, mas do ponto de vista teórico, a contribuição de Keynes foi a de na minha perspectiva, mostrar que modelo de equilíbrio de concorrência waleasiana não era princípio e o fim, não era o alfa e o ómega. E, portanto ele está agora a dar extrema animação a todos esse ramos da Economia, estruturas de mercado não concorrenciais, desequilíbrios quer no passado quer desequilíbrios práticos no presente.
Sabe quem escreveu isto, Sr. Deputado? Sabe quem fez este elogio de elevado valor, de grande defesa de papel fundamental? Foi o Prof. Doutor Jorge Braga de Macedo!
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - O Sr. Ministro perdeu a cabeça nesse dia!
O Orador: - Portanto, Sr. Deputado, quando falamos de monetarista e de não monetarista temos de Ter cuidado, porque, por vezes, o tratamento perfunctório pode levar a conclusões erradas.
De facto, a economia europeia prespectiva-se não de uma forma monetarista mas, sim de uma forma solidária social e em democracia.
Esta é a mensagem mais importante e esse é o aspecto mais vincado que podemos Ter do Tratado de Maastricht, independentemente das imperfeições que nele possamos encontrar.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró, que usa da palavra ao abrigo do n.º 2 do artigo 80.º do regimento... dispõe de dez minutos.
O Sr. Manuel Queiró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aprovar ou não a ratificação que o Governo hoje nos propõe coloca esta assembleia ... particular responsabilidade histórica ...
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acto que assume uma relevância para com o destino do País, que só encontra paralelo, desde o 25 de Abril, na descolonização e na adesão à Comunidade Económica Europeia.
Essa responsabilidade está associada a dois factos que marcam e condicionam decisivamente a nossa decisão. Por um lado, é-nos proposto que aceitemos uma dramática alteração do quadro de dependências, poderes e hierarquias em que a nossa comunidade nacional se situa e, por outro, é-nos dito que a margem de decisão que a dinâmica dos factos nos concede é praticamente nula. Ou seja, na história mais recente de Portugal não se encontra momento de uma opção tão importante e, ao mesmo tempo, sujeita a tanta violência.
Para a substância da decisão todos somos chamados a formular resposta. Pela nossa parte, não nos furtamos à responsabilidade, mas ninguém poderá contar connosco para abstrair ou ajudar a escamotear a pressão envolvente a que todos lemos sido sujeitos, e de que alguns, entre nós, têm sido prestimosos intérpretes, quando a dignidade nacional exigiria menos diligência e mais pudor, menos interiorização da chantagem e mais sentido de Estado.
A este respeito não se pode fazer outra coisa senão falar claro. Os que conduzem o processo, e que manifestamente não são portugueses, estariam de tal modo empenhados nesta mudança que prescindiriam da unanimidade e, consequentemente, amputariam a Comunidade dos pequenos países que à mudança não aderissem. A ser assim, como constantemente nos repetem que é, não ratificar Maastricht significaria simplesmente sair da Comunidade. A seguir, formula-se o corolário tão lógico quanto inadmissível: contestar Maastricht será o mesmo que estar contra a Europa. Não denunciar esta conclusão seria aceitar o carácter abjecto da premissa. Mas nem por isso se deixou, internamente, de brandir esta indignidade como um suposto «argumento», quando, de facto, nunca passou de um sintoma de subjugação.
Aceitar decidir à luz dessa chantagem, Srs. Deputados, teria implicações incontornáveis para o nosso debate. Uma, a mais definitiva, é a de que não fará então sentido perder tempo a debater os méritos do Tratado da União Europeia, devendo a atenção concentrar-se apenas sobre os custos para nós da não ratificação pela nossa parte. Restar-nos-ia, assim, quedarmo-nos a reflectir sobre as limitações da nossa autodeterminação.
Com os que, de boa-fé insistirem que não podemos realisticamente deixar de pesar as consequências de um voto negativo, não apenas para nós mas também para a construção europeia no seu conjunto, haverá que discutir sobre de quem será a responsabilidade dessa associação de destinos entre um tratado e a própria Comunidade. A este respeito já ninguém pode, honestamente, continuar a negar que a responsabilidade das consequências de um eventual recuo da ideia europeia recairá sobre os que adoptaram a estratégia do tudo ou nada para fazer passar o Tratado a todo o custo. Consequências publicamente associadas às dificuldades que se amontoam à volta do financiamento da Comunidade e dos instrumentos de solidariedade e desenvolvimento, cuja viabilidade está em causa e que foram indevidamente associados à ratificação do Tratado.
Com efeito, o que ganhámos nós, portugueses, em ligar a ratificação do Tratado de Maastricht as perspectivas financeiras contidas no Pacote Delors II e à duplicação dos fundos estruturais? Comprometer os países contribuintes da Comunidade a essa duplicação? Convencer os Portugueses de que Maastricht é imprescindível para as ajudas ao desenvolvimento? Provavelmente procurava-se obter os dois efeitos. A conclusão é a de que o efeito propagandístico era abusivo e a de que o compromisso era ilusório. A verdade é que a transferência de recursos para os países mais atrasados da Comunidade nunca poderá ser encarada como um esforço dos países ricos a exigir contrapartidas políticas dos países pobres. Essa transferência é, antes, uma exigência do Mercado Único já acordado, pois sem ela funcionarão, sem qualquer correcção ou compensação, os mecanismos automáticos de acentuação dos desequilíbrios, com os quais a Comunidade não poderá subsistir e alargar-se.
A associação entre fundos europeus e evoluções na esfera política, acompanhada da estratégia do tudo ou nada, é inimiga dos nossos interesses e põe desnecessariamente em risco os verdadeiros progressos que se podem conseguir para a União Europeia.
A inviabilização parcial dos instrumentos de solidariedade, que no discurso governamental foram sempre associados a Maastricht, somada à inexequibilidade, assumida pela maioria, do calendário da União Económica e Monetária transformam a aprovação deste Tratado num misto de um salto no desconhecido com um verdadeiro salto no vazio. No desconhecido, pois ninguém pode prever qual o ajuste à realidade dos instrumentos da união política que suscitam. É hoje inegável a desconfiança maioritária, seja passiva seja militante, dos cidadãos dos Estados membros. No vazio, uma vez os passos em favor da união económica, pressuposto essencial da união política, estão a bater numa parede ainda antes de entrar em vigor.
É caso para perguntar, Srs. Deputados, se valeu a pena a mobilização de tanta intolerância em favor deste Tratado. Uma intolerância e uma intransigência que puseram de lado, repetidamente, aquilo que colocou a Europa Ocidental como modelo para os países que buscam o desenvolvimento e a democracia, ou seja, a nossa diferença específica, a nossa determinação de cooperar para o desenvolvimento sem nunca pôr em causa a liberdade e a concertação. Com que ligeireza se quebrou a regra da unanimidade, com que facilidade veio ao de cima a hierarquia dos Estados, com que fúria se excluiu qualquer possibilidade de negociar para obter a aprovação de todos, com que rigidez os adeptos da federação recusaram aceitar um dado do presente, a impossibilidade dos Estados Unidos da Europa no futuro que se pode perspectivar. Experimentados governantes, direcções partidárias responsáveis, quantos se juntaram a sacrificar regras democráticas elementares na vida política europeia no altar de um projecto descompassado da vontade dos povos da Europa. O voluntarismo não justifica tudo. Sobretudo não justifica que se dêem passos no sentido da imposição de um modelo no mesmo instante em que a maioria dos cidadãos do continente dá sinais de não estar, de modo nenhum, preparada para o aceitar.
A ideia de que o federalismo é um objectivo já adquirido da construção europeia é uma forma intolerável de tentar tornear o indispensável debate democrático sobre o tema Diz-se, por exemplo, que as democracias cristãs da Europa estão globalmente comprometidas há muito tempo com esse objectivo político. Não estão! Bom seria que se enumerassem os casos em que esse objectivo político já tenha sido claramente exposto e sufragado pelo eleitorado de cada partido. Não o foi na maioria dos casos! Se é assim com as democracias cristãs, o mesmo se passa com a generalidade dos partidos, com a excepção notória do
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partido radical italiano. Nunca entenderam por bem propor esse objectivo aos seus eleitores (por uma razão fácil de entender, aliás). É, pois, de repudiar por inteiro a ideia de que a confirmação democrática se pode dispensar, que se podem vincular as forças políticas e os povos a esse modelo através de mecanismos disciplinares ou de ameaças de exclusão. A ideia é tão inaceitável que no CDS a temos recusado com toda a tranquilidade de espírito e com a certeza de que os factos, no futuro, não poderão deixar de se conformar com a nossa razão. A nossa serenidade assenta, aliás, na absoluta certeza de que estamos em absoluto sintonizados com os portugueses que representamos e com muitos mais: com os portugueses que queremos representar! Nunca o CDS os enganou a este respeito, em eleição alguma lhes deu qualquer indicação que fosse que a União Europeia que defende é do tipo federal. Pelo contrário, nas eleições para o Parlamento Europeu a federação como modelo para a Europa foi explicitamente recusada como projecto do CDS.
A intolerância dos defensores de Maastricht teve, em Portugal, o CDS como alvo principal. A criminalização da oposição ao Tratado revestiu-se, no que toca à posição que os militantes do CDS definiram, de um confessionalismo perfeitamente desajustado. Inventou-se um novo pecado: estar contra Maastricht! Este Tratado exprime, na sua substância, um objectivo político e não pode ser confundido com princípios ou valores. O CDS permanece comprometido com o aprofundamento da unidade europeia, mas não está obrigado às concretizações que considere irrealistas, inconvenientes ou perigosas.
Estamos, pois, tranquilos na nossa decisão e na nossa determinação, até porque o nosso «não» está condicionado pelo não preenchimento de pressupostos que consideramos, a justo título, imprescindíveis a uma aprovação portuguesa de Maastricht. Uma consulta popular, a salvaguarda da nossa soberania e a garantia de fundos para o desenvolvimento das perspectivas do Tratado. Consideramos a não cobertura destas condições suficientemente negativa para determinar uma resposta negativa e para não votar positivamente. Estamos mesmo convencidos de que o povo português seria da mesma opinião, se lhe não tivesse sido subtraída a oportunidade de se pronunciar.
Não nos mete medo o terrorismo verbal que já ontem assomou neste debate. Não nos impressiona o peso do bloco central, mobilizado em favor de Maastricht. Diverte-nos até a distribuição de funções, neste debate, entre o PSD e o PS. Para o PS fica o trabalho de atacar o CDS, com acusações de ligações a interesses, com suspeições e processos de intenção inadmissíveis. Se o PS está desconfortável neste debate, se está internamente dividido, então que não procure mascarar os seus problemas atacando o CDS dessa forma. Eleve o seu tom, ponha em causa a nossa posição pelo que ela vale sem invocar suspeitas ou passados que não são da sua conta e que, aliás, sempre combateu. O PSD, é claro, fica liberto desta tarefa antipática. Assume, de resto, no debate um postura justificativa, sem grandes manifestações de fé, de acordo, aliás, com o distanciamento já ensaiado pelo novo Ministro dos Negócios Estrangeiros na previsão de dificuldades que antecipa para o imediato. Será bem interessante ouvir o discurso de encerramento por parte do Governo, que, como é de regra, deverá ficar a cargo do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, para se poder avaliar em que medida o Governo Português vai participar na reunião de Edimburgo com um discurso significativamente alterado sobre as reais possibilidades de Maastricht.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A posição do CDS em relação ao Tratado de Maastricht tem sido de há longos meses a esta parte uma posição própria, que tem contribuído como nenhuma outra para o interesse de Portugal. Sem as nossas observações críticas, desde o início, não teria ocorrido em Portugal o debate que se verificou e que, ainda assim, é muito insuficiente. Não teria sido o que foi o interesse dos Portugueses sobre Maastricht e a sua ratificação teria, provavelmente, sido tão confidencial como foi a sua negociação. Sem o nosso projecto não teria, provavelmente, ocorrido revisão constitucional nenhuma, nem sequer a que se verificou e que se queda muito aquém das necessidades. O nosso combate peio referendo popular, de início isolados, com o correr do tempo acompanhados por um número crescente de forças, tomou indesmentível que não vale a pena tentar a adesão dos Portugueses a estas transformações sem um debate decisório e sem uma consulta popular.
A posição do CDS distingue-se claramente da do PCP, que não quis a nossa integração na Europa. Estamos sinceramente preocupados com a preservação da nossa soberania, sem nunca termos aprovado, como o PCP, uma doutrina de soberanias limitadas. Estamos contra esta versão do Tratado para lutar pela nossa ideia de Europa, uma Europa das pátrias, de construção gradual, em negociação permanente, com a adesão de cada povo e no respeito pela sua soberania Em apreciação global, a acção política do CDS frutificou numa maior consciência crítica do processo de construção europeia, em que estamos felizmente integrados, e num maior conhecimento dos mecanismos que neste momento crítico se procura implantar. Só com uma coisa e outra aderiremos com sucesso à Europa, em vez de ela simplesmente nos acontecer e nos diluir como povo e como pátria. Lutamos pelo sucesso de um Portugal inteiro numa Europa com futuro. Confiamos em que as crises que os voluntarismos e os irrealismos fazem neste momento atravessar ao projecto europeu serão ultrapassadas pelas .necessárias correcções que a realidade vai impor. Combatemos, contra os prejuízos provocados pelos erros desnecessários. Não desistimos da possibilidade da Europa, por isso apenas aceitamos a Europa possível.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Rui Carp, João de Deus Pinheiro, Pacheco Pereira e Meneses Ferreira.
Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Queiró, a pergunto que coloco é esta: afinal, o que quer o CDS para Portugal na Europa? Ouvimos V. Ex.ª dizer que o CDS não quer isto, não quer aquilo, não quer aqueloutro. Quer, sim, manter a pátria. Sr. Deputado, nós já dissemos aqui várias vezes que a pátria está garantida, que a soberania nacional será reforçada e que o desenvolvimento económico e as garantias sociais serão largamente beneficiadas!
Afinal, o que quer o CDS? Que exemplos nos dá? Tem algum modelo? Tem algum precedente?
Vejamos, por exemplo, o modelo conservador inglês, que a partir da segunda década de 80 tentou afastar-se de uma política económica concertada e coordenada a nível europeu. Quando era a altura mais indicada, em 1985, recusou-se a integrar o Sistema Monetário Europeu, o que levou mais tarde ao pedido de demissão do então chanceler do Tesouro Nigel Lawson (aliás, seria um bom exercício
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para o CDS ler as memórias desse antigo ministro das Finanças inglês).
Então, o que é que VV. Ex.ªs propõem para o País? É só a negativa? É só um olhar para o passado? É o receio do futuro? VV. Ex.ªs falam em aprofundamento. Mas que aprofundamento é que o CDS apresenta para os Portugueses em matéria europeia? Estou convencido de que VV. Ex.ªs estão a confundir aprofundamento com afundamento. Isso, Sr. Deputado, nós não queremos!
Gostaria, pois, que o Sr. Deputado me respondesse a estas questões.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Manuel Queiró, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?
O Sr. Manuel Queiró (CDS): - No fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, tem u palavra o Sr. Deputado João de Deus Pinheiro.
O Sr. João de Deus Pinheiro (PSD):- Sr. Deputado Manuel Queiró, devo confessar que senti uma grande desilusão ao ouvi-lo pois esperava que, finalmente, o CDS nos dissesse as razões concretas pelas quais ataca o Tratado de Maastricht. Mas, em vez disso, o que é que ouvimos? Um conjunto de afirmações gratuitas, porque não fundamentadas, e algumas falsidades.
O Sr. Deputado disse que a coesão económica e social é uma exigência do Mercado Único. Bom, isso em teoria é certo, mas, na prática, o Sr. Deputado sabe bem, ou devia saber, que as exigências postas agora requerem maiores fundos, e estes vão muito para além daquilo que o mercado interno justificaria.
Falou também o Sr. Deputado na fácil quebra de unanimidade, ó Sr. Deputado, não é aqui, no Tratado de Maastricht; a quebra de unanimidade vem no Acto Único Europeu e não no Tratado.
Falou ainda na imposição do modelo federal. Onde, Sr. Deputado? Indique-me, no Tratado de Maastricht, quais são os pontos em que é imposto o modelo federal, e só partir daí é que pode dizer-se que o Tratado impõe esse modelo federal.
O Sr. Deputado Manuel Queiró falou também em garantias de fundos. Que outras garantias quer para além das que já referi ontem e das que constam do Protocolo Adicional ao Tratado?
Finalmente, o Sr. Deputado referiu-se à salvaguarda das soberanias. Quais, Sr. Deputado? E porquê?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Queiró, sei que tem pouco tempo e, portanto, vou colocar-lhe algumas perguntas muito directas às quais não terá, com certeza, dificuldade em responder com um sim ou com um não, porque a proposta de falar claro é igual para todos, e talvez sobre esta matéria o CDS tenha oportunidade de falar um pouco mais claro.
Assim, como é óbvio, não irei repetir aquilo que já foi dito pelos meus colegas Deputados que já lhe colocaram questões, mas irei. sim, abordar a questão do referendo.
De facto, não adianta aqui dizer que o problema do referendo não é para ser tratado a preto e branco, ou seja, do nosso ponto de vista, é legítimo, em determinadas circunstâncias, fazer - aliás, sempre o defendemos! - consultas referendarias.
Mas as perguntas concretas que quero colocar-lhe têm a ver com a proposta de referendo do CDS e sobre o exemplo que tomou, em relação ao seu próprio partido, como modelo de referendo que propunha para apresentar ao País.
Assim, gostaria que o Sr. Deputado Manuel Queiró me dissesse, em primeiro lugar, e porque a proposta de referendo que faria ao País não pode ser indissociável da proposta de referendo que fez dentro do seu partido, qual o número total de militantes do CDS e qual o número de militantes que respondeu ao referendo interno.
A segunda pergunta que quero colocar-lhe é no sentido de saber se entende que as perguntas que colocou no referendo interno eram as que deveriam ser colocadas ao País, porque, na verdade, essas perguntas nunca passariam por qualquer proposta minimamente aceitável numa democracia para constarem de um referendo, porque são perguntas tautológicas que contêm no interior a sua própria resposta e que manipulam quem as responde.
Aplausos do PSD.
Gostaria que o Sr. Deputado as lesse aqui para as pessoas perceberem quais os riscos e a manipulação da vontade a que perguntas desse género podem conduzir o eleitorado. Na verdade, as perguntas que o CDS fez aos seus militantes são referidas, como exemplo escolar, como o tipo de perguntas que não podem ser feitas ao eleitorado por qualquer democracia séria que não quer manipular aqueles que são confrontados com a necessidade de responder.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Portanto, gostaria que o Sr. Deputado me respondesse e me dissesse, claramente, se entende que essas eram as perguntas que deviam ser feitas ao povo português sobre o Tratado de Maastricht.
Gostaria ainda de perguntar-lhe se o Grupo Parlamentar do CDS se considera, pela circunstância de ter mudado a orientação política da sua direcção, desobrigado em relação ao programa e às posições que apresentou ao eleitorado...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: -... e em relação à responsabilidade que tem para com os eleitores que votaram e elegeram os Deputados do CDS em função de determinado programa.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Meneses Ferreira.
O Sr. Meneses Ferreira (PS): - Sr. Deputado Manuel Queiró, a sua intervenção também nos desiludiu - alias, começa por dar algumas «alfinetadas» que são, obviamente, para dentro e não para fora...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Dá ideia que o rebanho, que é o CDS, tem muitas ovelhas tresmalhadas, neste momento, ...
Risos do PS e do PSD.
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Aliás, teríamos que indagar se o problema é das ovelhas ou da mudança de pastores, ...
Risos do PS e do PSD.
... ou seja, teríamos de saber se, neste momento, não há pastores completamente desvairados, em termos europeus.
Mas, de facto, repito, a sua intervenção começou por ser para dentro do seu próprio partido, contudo, depois, o Sr. Deputado fez afirmações estranhas sobre o Tratado de Maastricht- algumas já devidamente denunciadas - e algumas lamentações sobre o fim das pátrias.
Será que a pátria portuguesa está diluída? Estarão diluídas as outras pátrias, tendo em vista que os governantes de todas elas decidiram empreender esta acção conjunta? Estaremos num movimento de «suicídio colectivo» na Europa? Ou será o CDS que está a diluir-se? Bom, estas são algumas perguntas que deixamos no ar!...
Porém, a grande interrogação que gostaria de deixar - e que já ontem deixei ao Srs Prof. Adriano Moreira - é sobre a diferença radical que existe quanto a esta questão europeia. É óbvio que o Tratado não é perfeito, a conjuntura não é perfeita, a Europa não é perfeita,...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Só Deus é perfeito!...
O Orador: -... mas, quando chegamos aos momentos históricos há os opositores de circunstância a este ou aquele aspecto, a este ou aquele passo em frente, a este ou aquele mecanismo que foi criado, e há os inimigos históricos, que estão, claramente, como aqui foi dito, nos extremos do leque partidário e ideológico.
Assim, gostaríamos de saber se os senhores, neste momento, se colocam nos extremos desse leque ou se têm dúvidas, que justifiquem com alternativas, sobre este Tratado.
Recorrendo de novo àquilo que foi dito, há pouco, pelo Sr. Professor João de Deus Pinheiro, pergunto-lhe, com grande sinceridade: em primeiro lugar, se crê que era possível fazer, neste momento, um Tratado melhor, considerando as ideias do CDS; e, em segundo lugar, se era melhor ficar no estado em que estamos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem à palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.
O Sr. Manuel Queiró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta mobilização do bloco central...
Risos do PSD e do PS.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Bem lembrado, sim senhor!
O Orador: -... em relação à defesa de. Maastricht obriga-me, antes de mais, à seguinte reflexão: fazendo vénia ao autor de uma frase feliz, que me parece descrever adequadamente a circunstância que todos estamos a viver, direi que Maastricht é um doente em coma ligado à máquina e que ainda ninguém teve coragem de desligar a ficha.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Quem está em emergência médica é o CDS!
Risos do PSD.
O Orador: - E os Srs. Deputados do bloco central continuam a fazer como se nada se passasse, demonstrando que o vosso principal problema é de política interna e que estão, essencialmente, preocupados em atacar as pessoas, os partidos, as forças políticas, que lhes podem disputar a influência eleitoral...
Risos do PSD e do PS. Vozes do PSD: - Ah!...
O Orador: - Sim, é verdade! Os Srs. Deputados do bloco central estão essencialmente preocupados com razões de política interna e estão a fazer um combate interno, fechando os olhos ao que está a passar-se na Europa neste momento.
Em primeiro lugar, respondendo à questão sobre aquilo que o CDS quer e que alternativas apresenta, gostaria de dizer que quem propõe uma mudança deve ser o primeiro responsável a ter o ónus da justificação do porquê da alteração de determinado estado de coisas...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Isso está já demonstrado!
O Orador: -... que, aliás, estão largamente comprometidas.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Está mais do que justificado! Leia o Tratado, Sr. Deputado!
O Orador: - Mas à questão sobre se o CDS tem alternativas eu não posso fugir! De facto, o CDS está sempre a dizer que Maastricht tem de ter alternativa! Pois claro que tem!
Em primeiro lugar, entendemos que é imprudente e perigoso desenhar, desde já, uma aceleração de um processo de União Europeia sem termos ainda, sequer, iniciado, e muito menos consolidado, os resultados do Mercado Único...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Isso é um intróito, não é a alternativa!
O Orador: -... e sem vermos em que medida as economias da Comunidade se podem integrar e se os mecanismos de solidariedade podem evitar o crescimento das assimetrias. Assim, julgamos que não há condições para avançar na esfera política a troco de ilusórias contrapartidas no que respeita à acentuação dos mecanismos de solidariedade.
Portanto, a nossa alternativa, Sr. Deputado Rui Carp, começava por, desde já, apostar tudo na consolidação do Mercado Único, nem que tivéssemos de exigir...
O Sr. Rui Carp (PSD): - Isso é a União Económica e Monetária!
O Orador: -... uma institucionalização dos mecanismos de solidariedade, que me parecem inerentes a qualquer integração num só mercado.
O Sr. Deputado João de Deus Pinheiro, um dos 12 subscritores deste Tratado - que agora parece que está mal escrito, segundo a opinião do seu sucessor e segundo também a opinião, 50 vezes afirmada, do Sr. Primeiro-Ministro -, ficou um pouco escandalizado quando eu disse que se quebrou facilmente a regra da unanimidade.
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Olhe, Sr. Deputado João de Deus Pinheiro, julgo que o Sr. Deputado, na altura em que era ministro, desempenhou um papel que não ficou bem a Portugal.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Não apoiado!
O Orador: - Para si, ir para a frente do pelotão era ir para a frente do pelotão de execução da Dinamarca! E o Sr. Deputado, nisso, apenas esteve a diminuir o peso político dos pequenos países, e Portugal nada ganhou! Aliás agora, o Sr. Primeiro-Ministro vai para a Madeira queixar-se de que aqueles que cumprem são pior tratados do que aqueles que não cumprem... Pois é! Aqueles que são os primeiros a chegar à festa são muito menos importantes do que aqueles que chegam em último lugar!...
O Sr. Rui Carp (PSD): - Isso é na Olá!
O Orador: - Nós estamos a perceber isso, pois compreendemos os prejuízos que podem advir para Portugal. Por isso é que a táctica portuguesa do aluno bem comportado não está a pegar, razão pela qual propusemos o adiamento da votação do Tratado para depois da Cimeira de Edimburgo, o que o PSD, mais uma vez apoiado pelo PS, recusou. Vamos ver o que ganhamos com isso Cimeira de Edimburgo!
Quanto à questão do referendo, colocada pelo Sr. Deputado Pacheco Pereira, gostaria de dizer que, no dia em que o Sr. Presidente da Rússia parece que tem de recorrer a um referendo de tipo constitucional, o PSD, pelos vistos, desistiu das suas ideias de sempre sobre o referendo.
Vozes do PSD: - Vá lá, fale do CDS!
O Orador: - Quando u esquerda argumentou com o perigo do referendo constitucional para chumbar a proposta do CDS, o PSD não disse uma palavra.
Vozes do PSD: - Fale do CDS! Quantos é que votaram o referendo?
O Orador: - O PSD, partido referendista, desde sempre em Portugal, está nitidamente incomodado com a necessidade de por razões de política interna, ...
Vozes do PSD: - Mas quantos militantes do CDS é que votaram? Diga lá!
O Orador: - ... ter de recusar um referendo, e resolve dedicar-se a considerações sobre a consulta interna que o CDS resolveu fazer.
Vozes do PSD: - Mas quantos militantes do CDS é que votaram?
O Orador: - Se os senhores estiverem tranquilos, ouvirão as minhas respostas...
Se calhar os senhores dedicaram-se a este tipo de críticas, pondo em comparação com o referendo interno que o PSD realizou.
Vozes do PSD: - Então, e o número de votantes?
O Orador: - olhe, Sr. Deputado, tenho a dizer-lhe que o CDS teve a resposta de cerca de cerca de 7000 militantes, o que representa uma taxa de participação da ordem dos 30%.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Então não responderam 70%?!...
O Orador: - Quanto às perguntas tautológicas, Sr. Deputado Pacheco Pereira, vou admitir que as perguntas...
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Acha que as perguntas eram as que deviam ser feitas ao País?
O Orador: -... e as condições que o CDS colocou para uma ratificação positiva de Maastricht, que eram a realização de um referendo, a salvaguarda de soberania na nossa Constituição e a garantia de fundos, condicionam as respostas.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Claro!
O Orador: - Em todo o caso, quando os Srs. Deputados dizem que se essas perguntas fossem colocadas a todo o eleitorado este, esmagadoramente, responderia «não», eu dir-lhe-ei que essa é uma estranha conclusão no preciso momento em que os senhores se preparam para dizer «sim» sem salvaguardas de soberania, sem garantias de coesão e sem a realização de um referendo popular.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Isso está tudo no Tratado!
O Orador: - O Sr. Deputado Meneses Ferreira falou do problema da diluição das pátrias e sobre se elas já estariam diluídas.
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Deputado, não respondeu às minhas questões!
O Orador: -Sr. Deputado Pacheco Pereira, V. Ex.ª não pode escamotear assim um debate entre duas tendências desde o início da Comunidade Europeia: a tendência da Europa das pátrias e a tendência para um Estado transnacional, um Estado único...
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Permita-me que o interrompa, Sr. Deputado!
O Orador: - Não tenho tempo para permitir interrupções, Sr. Deputado.
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Nós damos-lhe o tempo necessário.
O Orador: - O Sr. Deputado não pode escamotear a existência deste debate. E neste debate o CDS nunca se comprometeu com a visão de um Estado único.
O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
É certo que tem prosseguido o debate no seu interior, desde a sua fundação até hoje, mas esta questão nunca ficou decidida. Porventura está hoje a ser decidida em favor da versão Europa das pátrias.
É, pois, essa a posição que claramente assumimos, sem contradição com nenhum compromisso eleitoral. Pelo contrário, como vos disse, a única vez que estas questões foram abordadas em campanhas eleitorais pelo CDS foi
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nas últimas eleições para o Parlamento Europeu, em que o principal candidato do CDS, que usava (como toda a gente sabe) imagens para fazer chegar as questões a toda a gente, usou esta: «a ideia da Europa que se quer para Portugal não será a de uma federação, nem sequer a de uma confederação, mas a de uma cooperativa». Esta foi a imagem utilizada pelo primeiro candidato do CDS em eleições europeias. Tire daí, Sr. Deputado Meneses Ferreira, as devidas conclusões.
O Sr. João de Deus Pinheiro (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra e consideração.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
Ò Sr. João de Deus Pinheiro (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Manuel Queiró, não respondendo a nenhuma das minhas questões, optou por tentar denegrir aquilo que era uma posição da presidência comunitária e não de Portugal, alcunhando-nos de algozes da Dinamarca. As causas das dificuldades deste país, Sr. Presidente, não residem na presidência da Comunidade, nem nos outros Estados membros, mas nos argumentos que foram usados - errados, falsos e demagógicos - e que são parecidos com os que hoje são usadas neste discurso do CDS!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.
O Sr. Manuel Queiró (CDS): - Sr. Presidente, confesso que não entendi bem o sentido da intervenção do Sr. Deputado João de Deus Pinheiro, pois penso não o ter ofendido.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Fale claro, Sr. Deputado!
O Orador: - O Sr. Deputado levantou uma nova questão ao fazer a psicanálise do voto dos Dinamarqueses, dizendo que votaram em obediência a argumentos enganosos, tal qual como o CDS quer fazer! Tenho a impressão que foi este o sentido da sua intervenção.
Penso que em democracia, Sr. Deputado, as motivações dos votos nunca podem ser interpretadas para anular ou invalidar os resultados das votações. Isso seria o mesmo que dizermos que depois destas últimas eleições o que foi validado pelo eleitorado não foi o programa do PSD, mas apenas a figura do Sr. Primeiro-Ministro. Não viemos dizer isso a esta Assembleia aquando da discussão do Programa do Governo. Em democracia há certas regras que têm de ser respeitadas.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Isso é verdade!
O Orador: - O que está votado, está votado! O sentido do voto é objectivo, pelo que não podemos fazer a psicanálise do voto.
No entanto, o Sr. Deputado, na altura ministro dos Negócios Estrangeiras de Portugal, e ocupando a presidência das. Comunidades, não se coibiu de fazer declarações desta natureza e deste tipo, que, do ponto de vista democrático, seriam absolutamente inaceitáveis, acompanhadas de outras argumentações no sentido da exclusão da Dinamarca, que foram violadoras das regras da Comunidade, violadoras até da própria letra do Tratado, e que colocaram Portugal numa posição objectivamente fraca, como hoje se está a constatar no prosseguimento das negociações de Maastricht.
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra e consideração.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Queiró, coloquei-lhe algumas questões a que V. Ex.ª entendeu não responder. Eu compreendo porquê, e nesse sentido sinto-me desconsiderado. É que as perguntas eram incómodas, e é notório que o Sr. Deputado não está à vontade para falar sobre as matérias em que o questionei. E não está à vontade porque o seu partido podia ter razão em tudo, mas perdeu-a no momento em que, face a si próprio, cometeu aquilo que neste processo de discussão sobre o Tratado de Maastricht foi talvez a mais desonesta atitude de um partido político,...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: -... que foi a de colocar perguntas aos seus próprios militantes que os tratam como menores em relação à questão sobre a qual são questionados. Mais: trata--se de perguntas que tiveram um resultado de 93%, resultado que é sinistro para o CDS. Porque das duas uma: ou o debate existente no País sobre o Tratado de Maastricht ou as divisões que ele provocou em todos nós e que se reflectiram nas hesitações, nas dúvidas e nos debates que todos os partidos tiveram - pelos vistos o único partido que não teve dúvidas sobre o Tratado foi o CDS, onde 93% dos militantes responderam a perguntas que são um exemplo de pura manipulação política.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Não compreendo porque é que esta questão ainda não teve o papel que devia ter pessoas que estão a falar contra nós - contra o PS, contra o PSD -, com grande arrogância ética, com grande violência verbal, com o terrorismo verbal com que o Sr. Deputado nos acusou, foram aquelas que tiveram a falta de coragem política e a desonestidade de, face aos membros do seu próprio partido, colocarem questões que são absolutamente inaceitáveis para qualquer conceito cie ética política e que aceitaram os resultados, que são puramente manipulatórios, como sintoma de alguma coisa que tenha significado político, ou que não seja de uma mera operação de propaganda.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Lembre-se da ética agora, Sr. Deputado!
O Sr. Manuel Queiró (CDS): - Sr. Presidente, antes de mais nada, quero agradecer ao Sr. Deputado Pacheco Pereira em ter-se sentido desconsiderado. É que as questões que o Sr. Deputado Pacheco Pereira, com o respecti-
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vo pedido de desculpa para os outros Srs. Deputados que me colocaram perguntas, foram talvez aquelas que foram inteiramente respondidas. Mas usou esta figura regimental para repetir o que tinha dito há pouco,...
O Sr. Silva Marques (PSD): - As suas respostas são melhores que o vosso referendo!
O Orador -... com maior ênfase, porventura, e dá-me mais três minutos para poder desenvolver o tema do referendo.
Já agora, Sr. Deputado Pacheco Pereira, V. Ex.ª, em vez de atacar o referendo interno do CDS, que pelos vistos foi o único referendo que em Portugal se fez em torno de Maastricht...
O Sr. Rui Carp (PSD): - Mau exemplo. Um péssimo exemplo!
O Orador: - Foi o único referendo que se fez!
O Sr. Deputado ataca o único exemplo e ainda não explicou a esta Câmara as verdadeiras razões por que o seu partido estava, e está, absolutamente determinado em subtrair este direito ao povo português: o direito de se pronunciar sobre o seu futuro.
Penso que o Sr. Deputado, numa oportunidade que, com certeza, ainda vai ter até ao encerramento deste debate, sentirá por certo vontade de explicar politicamente nesta Câmara porque é que o PSD, sem falsos argumentos, sem problemas de custos financeiros, sem problemas de falta de tempo, sem alusões à complexidade enorme do Tratado (que, mesmo mal escrito, se consegue entender, sobretudo se houver um debate público decisório que suscite o interesse das pessoas), não possibilitou esse direito. E isto é o que lhe tenho a dizer no tempo que o Sr. Deputado me proporcionou.
Quanto às perguntas penso que já lhe respondi da forma mais honesta possível. Perguntas, aliás, que eu não coloquei, que não teria feito daquela maneira, mas que tiveram...
Vozes do PSD: - Ah!
O Orador: - Mas que tiveram a utilidade de demonstrar que, perante o não preenchimento destes pressupostas, a esmagadora maioria dos portugueses está, naturalmente, quase que diria automaticamente, contra a ratificação do Tratado pela pane de Portugal nestas circunstâncias. E esta observação, que há pouco lhe fiz, o Sr. Deputado, mais uma vez, ultrapassou-a quando resolveu repetir o que tinha dito antes. E não respondeu a esta questão, como nunca mais vai explicar as razoes por que o PSD negou o direito ao povo português de se pronunciar sobre o seu futuro.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Finalmente teve um lampejo ético!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontram-se a assistir à sessão alunos da Escola Secundária Patrício Prazeres, de Lisboa, do Colégio da Bafureira, da Parede, e da Escola C+S de Mem Martins, para os quais peço a vossa habitual saudação.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre substituição de um Deputado.
O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: relatório e parecer refere-se à substituição do Sr. Deputado Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró, do CDS, por um período não inferior a 15 dias, com início em 11 de Dezembro corrente, inclusive, pelo Sr. Deputado António Bernardo da Gama Lobo Xavier.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: No prefácio que o Presidente desta Assembleia, Dr. Barbosa de Melo, escreveu para a publicação do Tratado de Maastricht organizada pela biblioteca pode ler-se:
O Tratado da União Europeia [...] ainda está à espera de um amplo debate nacional, de necessidade iniludível face à profundidade e alcance dos efeitos históricos, políticos, sociais e económicos que uma sua previsível ratificação acarretará para Portugal.
Pela nossa parte, estamos completamente de acordo com esta frase.
Contudo, a verdade é que aqui estamos, por força das vontades do PSD e do PS, a aprovar para ratificação o Tratado que mesmo V. Ex.ª considerou exigir «um amplo debate nacional», sem que tal debate, entendido como um debate verdadeiramente público e nacional e não como um debate em circuito fechado, se tenha realizado, porque o PSD e o PS não o quiseram.
Seguramente, a História julgará o desconcerto entre palavras e actos!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se há matéria do Tratado onde estão condensadas as mais sérias consequências para Portugal, designadamente no âmbito da perda de soberania, ela é, sem dúvida, o conjunto de disposições relativas à União Económica e Monetária, que constitui o núcleo central do Tratado de Maastricht.
A total liberalização dos mercados é edificada, como se lê no artigo 3.º-A, e cito, com base na «fixação irrevogável das taxas de câmbio conducentes à criação de uma moeda única, o ecu» e na «definição e condução de uma política monetária e de uma política cambial únicas(...]», obrigando ao condicionamento das políticas económicas e orçamentais de cada país, cujas orientações gerais serão definidas por maioria qualificada pelo Conselho de Ministros da Comunidade (artigos 103.º e 104.º-C) e asseguradas pela supervisão multilateral das economias, nacionais, no quadro do qual o ECOFIN pode também, por maioria qualificada, dirigir recomendações aos Estados membros e o Conselho Europeu, também por maioria qualificada, impor sanções. Isto é, diria mesmo, a consagração de um direito de ingerência; que vai porventura mais longe do que o do FMI.
Portugal fica, pois, amarrado e na dependência das decisões dos países maiores e mais poderosos da Comunidade, perdendo cada vez mais autonomia e perdendo soberania na definição da sua política económica, monetária e orçamental.
Srs. Deputados, a construção da União Económica e Monetária, a concretizar-se, far-se-ia em três fases suces-
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sivas. Para a passagem à terceira e última fase da UEM com a criação de uma moeda única - final de 1997 ou 1 de Janeiro de 1999, o mais tardar-, o Tratado define um conjunto de critérios de convergência nominal que, por serem conhecidos de toda a Assembleia, abstenho-me de os descrever.
Como todos sabemos, Portugal não só está longe de alcançar estes indicadores como fica sujeito a políticas monetária e cambial únicas, a critérios de convergência iguais para países em diferentes condições de desenvolvimento, a critérios de unicidade, como lhes chamou, nesta Assembleia, o Prof. Jacinto Nunes. A verdade é que, em tais condições, Portugal, como os restantes países menos desenvolvidos, não poderá progredir no sentido da convergência real com os países mais desenvolvidos da Europa.
Em parte alguma do Tratado é, aliás, apresentada qualquer fundamentação das indicações numéricas exigidas para a convergência nominal e para a determinação dos «défices orçamentais excessivos». Tais números são claramente arbitrários, não têm em conta as especificidades próprias de cada economia, carecem de nacionalidade e impossibilitam o caminho para a coesão económica e social, para a convergência real.
Em países como Portugal, com necessidades acrescidas de investimento e de estímulo por parte do Estado, tanto nos sectores estratégicos e produtivos da economia como na satisfação de necessidades sociais, impor-se-iam critérios de convergência que tivessem em conta essas necessidades reais e permitissem uma efectiva aproximação ao nível médio da Comunidade, o que claramente não acontecerá com a imposição e aceitação pelo PSD e pelo PS dos rígidos e universais critérios de convergência nominal mas, seguramente, de divergência real.
A verdade é que a obrigação assumida pelo PSD tem já tradução concreta no Orçamento de Estado para 1993 e na política monetária e cambial prosseguidas à medida dos compromissos assumidos em Maastricht, mas completamente desligadas das condições concretas da nossa economia real - um escudo sobrevalorizado, com graves consequências para as empresas portuguesas, em especial para as pequenas e médias empresas e para o sector exportador, e uma tentativa de redução artificial da taxa de inflação e do défice através da penalização dos rendimentos reais dos trabalhadores, da privatização das funções sociais do Estado, que acabará por conduzir, contraditoriamente, a efeitos negativos em matéria de inflação, da desaceleração e desresponsabilização da função reguladora e estimuladora do Estado na economia.
Como afirmou na Comissão de Assuntos Europeus o insuspeito Dr. João Salgueiro, essa «convergência acelerada provoca crescimento menos rápido» e atraso no desenvolvimento.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Por isso dizemos, legitimamente, ao Partido Socialista que a sua oposição ao Orçamento de Estado para 1993, que decorre do Tratado de Maastricht, é inconsequente e contraditória com o seu apoio ao referido Tratado.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Aliás, quando muito, a diferença nesta matéria entre o PS e o PSD é uma diferença de grau, de velocidade, mas é uma convergência e um acordo no fundamental.
Sr. Presidente. Srs. Deputados: A criação de uma moeda única e de uma autoridade monetária europeia, o Banco Central Europeu, como epílogo do processo da União Económica e Monetária, irá traduzir-se, por sua vez, na perda de um dos elementos caracterizadores do conceito de soberania dos Estados: a emissão de moeda.
O compromisso da criação da moeda única é porventura, aquele que mais sublinha as características federais do Tratado. É que, como dissemos ontem no plano técnico bastaria a fixação, a prazo, das paridades das taxas de câmbio entre as várias moedas nacionais para se atingirem os mesmos objectivos de eliminação das flutuações monetárias dentro da Comunidade.
O que o Tratado pretende sublinhar com a criação da moeda única é a natureza federal da União Europeia, pois só uma federação de Estados exige uma moeda única. Além do mais, estão longe de demonstração, bem pelo contrário, as vantagens da moeda única.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Orador: - «É possível dispor de todas as vantagens do comércio livre sem uma moeda comum», afirmou, e bem, o Prof. Feldstein, presidente do Centro Nacional de Investigação Económica dos Estados Unidos.
O Sr. Rui Carp (PSD): - O Sr. Deputado agora esta um keynesiano! Anda a estudar umas coisas!
O Orador: - O que vai acontecer é que a disposição artificial a economias com graus de desenvolvimento muito desiguais de uma política monetária e cambial únicas e de uma moeda comum afunilará e fragilizará ainda mais o nosso já fraco tecido económico nacional, tornar-nos-á mais vulneráveis às oscilações da situação económica e política internacional e mais dependentes dos países mais poderosos a dos grupos transnacionais. Assim, não se trata, seguramente, do paraíso anunciado que o Deputado Rui Carp nos trouxe aqui, há pouco, mas é certamente, no mínimo, o purgatório anunciado para a economia portuguesa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um outro ... que caracteriza a construção da UEM é o seu duplo défice democrático.
A definição e execução da política monetária e cambial e até a supervisão das instituições de crédito dos países da Comunidade são entregues a um Banco Central Europeu (BCE), detentor de personalidade jurídica, que não responde nem perante os Parlamentos nacionais, nem perante o Parlamento Europeu e cuja comissão executiva, como já foi aqui largamente discutido, é constituída por seis altos funcionários nomeados pelos diversos países. Isto é, o núcleo das políticas financeiras e económicas de Portugal passará a ser dirigido por uma instituição supranacional politicamente irresponsável perante os Estados membros, perante os seus Parlamentos e perante os seus povos, mas seguramente responsável e estreitamente articulada com as estratégias e os interesses dos países mais fortes e dos grupos transnacionais. Por seu lado, a aprovação anual do Orçamento por esta Assembleia passará a ser um jogo de sombras em que as mãos que as projectam estão sediadas em Bruxelas, em Bona em Londres, mas não aqui, neste Parlamento!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Para além disso, o artigo 105.º do Tratado define como objectivo primordial do Sistema
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Europeu de Bancos Centrais «a manutenção da estabilidade dos preços», o que significa que, se for necessário, como é já hoje, atacar situações de estagnação ou recessão não pela via da penalização do investimento, dos trabalhadores, do mercado de trabalho ou das funções sociais do Estado, como defendeu aqui ontem o Sr. Ministro das Finanças, mas exactamente pela via da dinamização da actividade económica e social, o Banco Central Europeu ficará, mesmo que queira, impedido de o fazer, por ter de subordinar todas as suas políticas a critérios de redução artificial da inflação e, por maioria de razão, ficará impedido de apoiar estratégias visando a aceleração das processos de crescimento e desenvolvimento em países disso carecidos, como Portugal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: De acordo com o Protocolo anexo ao Tratado relativo à passagem para a terceira fase da União Económica e Monetária, «a assinatura das novas disposições do Tratado confere um carácter irreversível à evolução da Comunidade para a terceira fase da UEM».
Vale a pena transcrever o 2.º parágrafo desse Protocolo:
[...] todas as Estados membros, quer satisfaçam ou não as condições necessárias à adopção de uma moeda única, devem respeitar a vontade de que a Comunidade entre rapidamente na terceira fase; do mesmo modo, nenhum Estado membro impedirá a entrada na terceira fase.
Temos aqui a descrição do caminho, claramente admitido, para uma Europa a várias velocidades - aliás, já hoje expressamente aceite por altos responsáveis europeus -, em que três ou quatro países terão, em 1997 ou em 1999, condições para satisfazer as exigências de convergência, passando a conduzir a «locomotiva», e aqueles que, tendo-as satisfeito, não querem a terceira fase ou os que, não as tendo preenchido - e Portugal será seguramente um deles -, ficarão num dos muitos «apeadeiros» do Tratado, sofrendo os eleitas da UEM mas nenhuma das suas propaladas vantagens.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O quadro exposto conduz-nos necessariamente à rejeição de todo o articulado da UEM - e portanto à rejeição do Tratado de que a UEM é núcleo essencial -, mais a mais quando aquilo a que o Governo português, no início da presidência portuguesa das Comunidades, chamou a «coluna vertebral dos grandes compromissos que os Doze fixaram para realizar a união política e a União Económica e Monetária» e o Pacote Dellors II está hoje claramente posto em causa, pelo menos nos montantes e prazos iniciais.
A coesão económica e social passará a ser, ainda mais, um horizonte de prazo indefinido, do qual corremos o risco de nos afastar cada vez mais.
A constituição da União Económica e Monetária tem todos os ingredientes para conduzir a uma Europa a várias velocidades, para tomar Portugal num país ainda mais periférico e de serviços, para alargar o fosso real de desenvolvimento que separa povos e países e tem óbvias repercussões na dimensão social da Europa.
O capítulo da política social - de que o Reino Unido se afastou - o que garante, no máximo, é a «igualização por baixo», apenas exigindo aos Estados membros que adoptem «prescrições mínimas progressivamente aplicáveis».
Sintomaticamente, ao contrário das decisões relativas à UEM que são estabelecidas com base na regra da maioria, aqui, na área da política social, são exigidas decisões por unanimidade quando se trata de deliberações respeitantes à vários direitos dos trabalhadores. Fala-se frequentemente em união política e em União Económica e Monetária, mas não se fala em «união social»; fala-se numa política externa e de segurança comum, mas não numa política social comum.
A política social é verdadeiramente o parente pobre do Tratado, um conjunto pobre de declarações de intenções, como o confirmou, aliás, em entrevista recente, o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Dr. Vítor Martins, ao anunciar e defender o adiamento da livre circulação de pessoas.
A política social não podia deixar de ser isto, quando o que se visa, realmente, para lá do manto diáfano da fantasia das palavras, é a criação não da Europa social, mas da Europa dos banqueiros e das monetaristas.
Esta Europa sem alma, esta «Europa de Maastricht» não serve seguramente Portugal nem os Portugueses, mas serve, com certeza, os interesses estratégicos dos países mais fortes e das empresas e grupos económicos transnacionais de base europeia. Esta Europa, a do Tratado da União Europeia, merece por isso ser rejeitada.
(O orador reviu.)
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se três Srs. Deputados. O Sr. Deputado Lino de Carvalho não tinha tempo para responder, mas o PSD e o PS concederam-lhe, respectivamente, dois e um minuto dos seus tempos.
Assim, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís denudes.
O Sr. Luís Geraldes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, ontem foi aqui produzida uma intervenção que se aguardava com enorme expectativa, a intervenção do seu companheiro Carlos Carvalhas, após a eleição para secretário-geral do PCP. Foi uma intervenção fraca, morna, sem convicção e em relação a uma matéria tão importante e fundamental para o futuro de Portugal como a que estamos a tratar.
Hoje, V. Ex.ª subiu à tribuna e utilizou um tom de linguagem mais alto, pensando que se ouvia melhor, e falou mais depressa pensando que chegávamos mais depressa também, mas não é nada disso.
O PCP, e V. Ex.ª hoje deu aqui mais uma prova, fala de soberania e de cidadania. Trata-se de duas matérias relativamente as quais gostava de lhe colocar algumas questões.
Em relação à problemática da cidadania, o PCP tem defendido que vamos ter mais problemas e que os Portugueses não vão ter o acolhimento nem a protecção que se diz agora que eventualmente terão. Ora, lembro ao Sr. Deputado que os portugueses que residem não no espaço físico comunitário mas em todos os outros países que não fazem parte da Comunidade Europeia vão ser melhor protegidos através da extensão de redes de embaixadas e consulados de outros países nossos parceiros na CEE, havendo uma extensão a zonas e áreas que Portugal não cobre e. consequentemente, aos portugueses aí residentes e que neste momento não estão abrangidos.
Por outro lado, V. Ex.ª falou na soberania que o País vai perder. Neste âmbito, há dois pilares que temos, efectivamente, de equacionar. Um deles é o da soberania antes
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de aderirmos ao projecto ou ao processo europeu, e não me refiro só ao Tratado de Maastricht mas também, obviamente, à nossa adesão à Europa Comunitária.
Com certeza, o conceito que V. Ex.ª tem de soberania é ligeiramente diferente do meu e reporta-se, naturalmente, ao tempo em que o Fundo Monetário Internacional mandava em Portugal, ao tempo em que vinham dizer-nos como devíamos orientar a nossa economia, o que devíamos comprar, como devíamos vender e como devíamos governar-nos.
Devo dizer-lhe que não é essa a soberania que pretendo para o meu país nem para os Portugueses. A nossa soberania tem um conceito diferente e não é aquela em que cada cidadão, para sair do País, estava condicionado a uma quantidade de divisas limitada, que tinha de pedir atempadamente às instituições bancárias, através do banco central.
A soberania que quero para Portugal é a que temos hoje, ou seja, um país respeitado nas instâncias internacionais, uma moeda respeitável e apreciável em todos os outros mercados. Quero poder deslocar-me ao estrangeiro e não estar condicionado a levar 5000$, 10 000$, 15 000$ ou 20 000$ por cada deslocação que faço.
Em suma, a soberania que quero é o desenvolvimento, a prosperidade e o bem-estar de todos os portugueses, a que VV. Ex.ªs têm obstaculizado e posto entraves de todo o tipo. A nossa soberania é a soberania da liberdade, do bem-estar e do desenvolvimento futuro de Portugal e de todos os portugueses.
O Sr. Presidente: - Suponho que o Sr. Deputado Lino de Carvalho vai responder globalmente a todos os pedidos de esclarecimento, pelo que dou de imediato a palavra à Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.
A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, o senhor começou a sua intervenção dizendo que estamos hoje, aqui, a discutir a Europa por força do PS e do PSD.
No que respeita ao PS, quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que estamos sim senhor e com muita honra, porque se não fossem o PS e o PSD não estávamos na Comunidade Europeia e isso para nos é fundamental.
Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Assim, o que o senhor acabou de dizer foi uma grande verdade para o País e um grande louvor para o meu partido.
Com a mesma veemência, o seu partido atacou sistematicamente a entrada de Portugal na Comunidade Europeia, pelo que a primeira pergunta que lhe faço é a seguinte: onde estaria Portugal, neste momento, se tivéssemos seguido o PCP e não tivéssemos entrado na Comunidade Europeia, em 1985? Estávamos como Chipre ou Malta? Éramos como qualquer outro país da Europa Oriental que agora quer entrar para a Comunidade Europeia e não faz ideia se e quando isso poderá acontecer?
Se era isto que os senhores queriam para Portugal, não é o que queremos. Fiquem com a vossa verdade!
Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - E a Suíça?
A Oradora: - Se estão muito contentes com o facto de a Suíça não ler votado a favor do espaço económico europeu, lembrem-se dos problemas dos nossos emigrantes, nomeadamente da sua legalização, pois isso vai contra os seus interesses e é pena que tenha de o dizer.
Para nós, socialistas, o que estamos agora a tratar é um aspecto fundamental do futuro do nosso país e é por amor à pátria que vamos votar o Tratado de Maastricht.
Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - No que diz respeito aos objectivos deste Tratado, relativamente aos quais o Sr. Deputado passa por cima como se não tivessem importância, quero chamar-lhe a atenção para o artigo 2.º, onde estão consagrados esses objectivos. E quais são eles? É um crescimento sustentável e não inflacionista que respeite o ambiente. O senhor é contra isto? É um alto grau de convergência do comportamento das economias. O senhor é contra isto? É um elevado nível de emprego e protecção social. O senhor é contra isto? É o aumento da qualidade de vida, a coesão económica e social e a solidariedade entre os Estados membros, o que é tudo novo. O Partido Comunista é contra estes objectivos? Não sabe o Partido Comunista que este conjunto de objectivos novos tem de enformar todas as políticas da Comunidade? O Partido Comunista é contra estes princípios?
Por outro lado, o Sr. Deputado acusou o Partido Socialista por estar contra o Orçamento do Estado para 1993 e a favor do Tratado de Maastricht. Ora, o que dizemos é que, em relação aos critérios de convergência, não era necessário que este Orçamento tivesse já, de forma tão drástica, uma redução tão grande do défice. Isto é perfeitamente perceptível, foi explicado e continuará sempre a ter explicação.
O Governo e o PSD têm opções diferentes em relação a esta matéria mas elas não nos levam a estar contra o Tratado de Maastricht, sobretudo se se tiver em atenção que, em 19.96, ele vai ser revisto e, muito provavelmente, alguns dos aspectos considerados terão de ser reanalisados. É essa a nossa perspectiva, isto que tique bem claro!
O Sr. Presidente: - Para fazer um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.
O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Deputado Lino de Carvalho, V. Ex.ª referiu no seu discurso, que tenho na mão, que, para a passagem à terceira fase da União Económica e Monetária, é preciso cumprir cinco critérios e acrescentou, muito claramente, que Portugal está longe de alcançar estes indicadores.
Não podia dizer outra mentira mais forte! Sr. Deputado, relativamente ao défice público, e V. Ex.ª conhece bem o Orçamento de Estado de 1993, ele já está praticamente nos limites exigidos; quanto à dívida pública, ela já está também nos limites exigidos; no que se refere à taxa de inflação, ela tem vindo a descer, assim como as taxas de juro, e o escudo, relativamente ao Sistema Monetário Europeu, está na banda larga mas em breve poderá estar na banda estreita. Não podia V. Ex.ª mentir mais facilmente do que aquilo que acabou de fazer no referente a esta matéria!...
Disse ainda V. Ex.ª que bastaria a fixação da paridade entre as diversas moedas, em vez da moeda única, para com isso se ganhar soberania. Nessa medida, e se essa paridade fosse inalterável, não se ganhava nada, era rigorosamente a mesma coisa que a moeda única, tendo a agravante, tal como disse já ontem o Sr. Ministro das
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Finanças e V. Ex.ª deveria tê-lo ouvido, de que bastava vir um governo pedir a alteração dessa paridade para a situação ser completamente diferente daquilo que será com a moeda única.
Portanto, Sr. Deputado Lino de Carvalho, devia ter um pouco mais de cuidado na elaboração dos seus discursos e um pouco mais de atenção quando o PSD ou o Governo falam no sentido do esclarecimento destas matérias. Gostava, no entanto, de cumprimentar o PCP pela sua coerência, porque é diferente do PS, que vem aqui defender o Tratado e os critérios para a terceira fase da União Económica e Monetária mas, depois, não vota a favor do Orçamento de Estado que contempla esses factores.
Protestos do PS.
O Orador: - A bancada do PS está um pouco agitada e vou aguardar um pouco que se faça silêncio!
Sr. Deputado Lino de Carvalho, relativamente as eventuais perdas de soberania, se fizermos uma análise meramente teórica da situação e dissermos que, segundo o Tratado, a política monetária vai ser conduzida pelo Banco Central Europeu, por exemplo, e que Portugal, através do Banco de Portugal, vai deixar de poder fazê-lo internamente, obviamente que a leitura directa é a de que se trata de uma perda de soberania. Porém, se analisarmos a realidade, as situações concretas neste momento, em que qualquer alteração numa taxa de juro introduzida pelo Bundesbank influencia fortemente ou, direi mesmo, decisivamente aquilo que se passa em matéria de política monetária em Portugal, pergunto se não há antes um ganho claro de influência após a vigência do Tratado, dado que Portugal vai poder participar em decisões em que hoje não participa e que o condiciona. Esta é uma pergunta muito clara.
Para terminar, Sr. Deputado, relativamente a esta soberania fictícia, vou relembrar-lhe algo que, com certeza; é muito caro ao PCP: em Portugal, durante 48 anos, tivemos um governante que estava «cheio» dessa soberania fictícia mas estava orgulhosamente só e orgulhosamente pobre. Sr. Deputado Lino de .Carvalho, o que é que o povo português respondeu nessa altura a essa soberania? Não respondeu com a troca do escudo pelo ecu, mas respondeu com a troca do escudo pelo franco, pelo marco, e com a troca da possibilidade de os filhos viverem e crescerem na terra onde nasceram. Foi esta a valorização que o povo português deu a esse tipo de soberania que V. Ex.ª agora tanto defende. O que é que tem a dizer a isto, Sr. Deputado? O que é que o PCP tem a dizer a isto?
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Agradeço ao PS e ao PSD o tempo que nos cedeu para podermos responder.
Sr. Deputado Luís Geraldes, o PCP nunca fez as afirmações que V. Ex.ª referiu, de que os nossos emigrantes vão ter pior ou diferente acolhimento nos diferentes países. Portanto, terá que dizer quais são os documentos, os textos, onde isso está escrito para eu poder responder-lhe. Se a premissa é falsa, é evidente que a sua pergunta não tem resposta. Mesmo assim, quanto às possibilidades de apoio aos portugueses fora dos países da Comunidade, dir-lhe-ei que bastaria que o Governo Português fizesse, como tem feito em relação a outras áreas, acordos bilaterais com outros países para criar os instrumentos de protecção aos emigrantes nesses países - se não o fez, se não o tem feito, essa responsabilidade é única e exclusivamente do Governo e não releva da eventual não ratificação do Tratado de Maastricht.
Quanto à soberania e ao BCE, a questão é a de saber se um tratado que define um conjunto de condicionamentos para as políticas económicas, cambiais e monetárias de vários países, que estabelece mecanismos de controlo e de supervisão dessas economias, que pode estabelecer recomendações e sanções para os países que não respeitem determinados critérios, e tudo isso decidido por maioria qualificada (e isto também é resposta ao Sr. Deputado Rui Rio), não configura um direito de ingerência porventura tão forte como aquele que V. Ex.ª referiu em relação ao FMI.
Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, começo por saudar a animação que o PS parece ter trazido hoje para este debate, uma vez que ontem esteve tão silencioso que até deu origem àquele comentário do Sr. Deputado Rui Carp, depois de ouvir a Antena 1 esta manhã - comentário esse que tinha um destinatário, que era, certamente, a bancada do PS. Pelo menos, a minha intervenção permitiu suscitar alguma animação à bancada do PS neste debate, que tão parada tem andado e tão a reboque do PSD em matéria do Tratado da União Europeia.
A Sr.ª Deputada disse que estamos aqui a discutir a Europa - eu diria que estamos, sobretudo, a discutir Maastricht, o que é diferente de discutirmos a Europa, o futuro da Europa, a Europa que queremos, uma Europa de paz, de cooperação, de desenvolvimento, de ruptura de assimetrias e de igualização dos níveis de desenvolvimento económico e social. E o que nós dizemos é que este Tratado, ao contrário das palavras e desse tropeço na leitura de alguns artigos do Tratado que a Sr.ª Deputada referiu, para lá disso, V. Ex.ª sabe tão bem como eu (aliás, não sou só eu que o digo - também o dizem Deputados da sua bancada que nem sequer estão cá hoje porque pediram a; suspensão do mandato, tal como alguns Deputados do PSD que fizeram o mesmo), que, pelos critérios únicos de convergência nominal que exige para todos os, países, independentemente dos seus níveis de desenvolvimento, aquilo a que vai conduzir não é a esses objectivos que referiu pela leitura do artigo 2.º mas sim, seguramente (e sobretudo quando o Governo, por sua vez, impõe ainda critérios de convergência porventura mais acelerados do que os que o próprio espírito do Tratado exigiria), à divergência real e ao fosso cada vez maior entre a nossa economia real, o nível do nosso desenvolvimento e o do desenvolvimento da Europa Comunitária.
Quanto ao Sr. Deputado Rui Rio, em parte já respondi às questões que nos tinha colocado, apenas quero dizer o seguinte: V. Ex.ª diz que estamos à beira de alcançar os vários critérios de convergência mas, como sabe, muitos dos critérios fundamentais ainda não os atingimos e os indicadores que referiu estão mais próximos mas ainda estão longe de serem atingidos, tal como este Orçamento está aí para o provar. Assim, a minha pergunta é esta - estão mais próximos à custa de quê? À custa, sobretudo, da penalização da economia real, à custa da penalização dos direitos dos trabalhadores que o Sr. Ministro referiu ontem aqui como flexibilização que é necessário introduzir - o tal consenso baseado na flexibilização do trabalho, que mais não é do aquele manto diáfano das palavras que esconde a palavra despedimento ou a palavra desemprego! É à custa disso, da convergência real, da
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economia real, dos direitos dos trabalhadores, da efectiva aproximação de Portugal à Comunidade, do desenvolvimento autónomo e soberano do País que a tal aproximação que o Sr. Deputado referiu está a ser feita, aceleradamente, contrariamente às necessidades e as condições específicas de Portugal no contexto europeu.
(O orador reviu.)
Aplausos ao PCP.
A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da consideração da minha bancada.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.
A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - O Sr. Deputado Lino de Carvalho, da forma exaltada que lhe conhecemos algumas vezes, veio aqui acusar o PS de ontem não ter intervindo de forma activa neste debate. Penso que 6 importante repor a verdade e dizer que o PS foi, ontem, o partido que mais intervenções fez, pois falou o meu colega Jaime Gama, falei eu própria, falou o meu colega João Proença e a minha colega Teresa Santa Clara Gomes sobre os assuntos mais diversos ligados à Comunidade Europeia. E, Sr. Deputado, isto foi feito de propósito para mostrar o nosso enorme empenhamento no debate que está agora em causa!
Sr. Deputado, Maastricht, para nós, é essencial e foi isso que eu lhe quis dizer. Pergunto-lhe como é que ficaria Portugal se agora não ratificássemos o Tratado. É isso o que V. Ex.ª querem para Portugal? Também já não queriam a sua entrada na Comunidade! Que fique claro que é contra isso que nós estamos!
Também, para que conste, devo dizer que nenhum deputado do PS pediu suspensão do mandato.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, creio que não ofendi a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques nem me exaltei por aí além! Penso que a Sr.ª Deputada aproveitou a minha intervenção para, através de mim, procurar justificar, perante a comunicação social e o Sr. Deputado Rui Carp, algumas análises que hoje de manhã foram feitas em relação à apatia de algumas bancadas, ontem, no debate sobre o Tratado da União Europeia. Como sabemos, estes debates na Assembleia têm momentos altos e momentos nobres e, certamente, todos estaremos de acordo, independentemente das posições políticas que tenhamos, em que um desses momentos é a intervenção do Primeiro-Ministro. Ora ontem, nessa altura, nesse momento alto do debate, onde o PS teria condições e oportunidade de expor as suas concepções globais da Europa alternativas às do Governo, o PS primou pelo silêncio. Penso que isto marca a posição do PS em relação às questões de fundo, não em relação às questões sectoriais, às minudências, em relação às quais o PS tem vindo agora debater alguma coisa.
Quanto a onde estávamos, Sr.ª Deputada, a Jangada de Pedra ainda não se tornou realidade - nós estaríamos certamente aqui, onde estamos hoje, mas seguramente com melhores condições para discutir os nossos critérios de desenvolvimento para a economia, sem perda das autonomias e sem perda da soberania que este Tratado vem trazer ao futuro do nosso país. Esta é que é a questão: nós estamos a discutir, não o Portugal de há 10 anos (podemos fazê-lo, podemos promover uma reunião ou um Plenário para esse efeito), mas sim o Portugal de hoje e as consequências para o Portugal de hoje que advêm da aprovação do Tratado da União Europeia com os condicionalismos que Maastricht nos traz.
(O orador reviu.)
O Sr. Presidente: - Para fazer uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Durão Barroso): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No momento em que esta Assembleia aprecia, para efeito de aprovação, o Tratado da União Europeia, compete-me reafirmar o entendimento de que o Governo o apresenta com sincera e profunda convicção europeia mas também por entender que as opções nele vertidas são aquelas que, nas circunstâncias presentes, melhor correspondem aos interesses mais essenciais da Nação portuguesa.
Não temos da Europa Comunitária uma leitura meramente económica e os passos concretos que temos vindo a dar no sentido do reforço da integração europeia não podem ser considerados como quaisquer gestos de reconhecimento dirigidos a uma Europa concebida como algo exterior a nós, a qual, através de algumas prestações, asseguraria da nossa parte determinadas contrapartidas.
A Europa não é, para Portugal, um acidente ou uma circunstância externa e se houve país que muito fez para que a civilização europeia não se confinasse a este, relativamente, pequeno continente em que nos encontramos, e que contribuiu como poucos para que o espírito europeu que, hoje em dia, constitui matriz principal da própria civilização mundial se afirmasse, no diálogo com outras culturas, esse país foi, de facto, a pátria do Infante D. Henrique e de Vasco da Gama, de Camões e de António Vieira.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Também não é como projecto essencialmente económico que a Comunidade Europeia encontra a sua justificação. Com efeito, a sua principal realização não reside em constituir o maior parceiro comercial à escala mundial ou a de ter proporcionado aos seus cidadãos um crescimento económico e um nível de bem-estar social sem precedentes. O maior sucesso comunitário terá sido, na genialidade da sua concepção e na originalidade do modelo que veio erigindo, o principal garante da paz num continente que ao longo dos séculos e ainda naquele em que vivemos, se viu dilacerado por conflitos cruéis a que muitos livros de história chamam guerras entre Estados mas que o futuro classificará, justamente, como guerras civis europeias.
Este aspecto não tem sido devidamente salientado. Mas parece-me útil relembrar que a Europa Ocidental assistiu, ainda não há muito tempo, a guerras bem cruéis e que foi, precisamente, este território europeu que levou a civilização aos pontos mais altos na filosofia, na cultura e nas artes que também conheceu o supremo horror do holocausto.
A Comunidade Europeia tem sido e continuará, certamente, a ser o principal cimento de uma paz que, hoje, na Europa Ocidental, muitos dão, levianamente, por ad-
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quirida, mas que os pais fundadores do projecto europeu souberam que seria difícil conservar e que, aqui as nossas portas, os povos da ex-Jugoslávia, diariamente, não têm ocasião de usufruir.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Somos, pois, claramente pela Europa, pelos seus valores, pelos seus princípios, pela sua cultura. Mas a análise que fazemos, quando se trata de tomar qualquer decisão em matéria de política externa, se reconhece como elemento constitutivo incontornável a natureza europeia do nosso país, parte sempre de uma condição primeira que é o entendimento que temos do interesse nacional.
Seja em que domínio for, quer se trate da aprovação de um tratado como aquele que hoje discutimos ou de uma questão de aparência meramente técnica, o Governo português, quando decide no foro internacional, orienta-se, antes de qualquer outra consideração, pela ponderação daquilo que julga melhor servir os interesses permanentes e essenciais da Nação portuguesa. Se entendemos que a Europa não é só parte da nossa circunstância histórica, pois nela residem os elementos definidores do carácter e identidade nacionais, não temos, contudo, ilusões relativamente ao tacto de no espaço europeu existirem Estados e, portanto, contradições entre os seus respectivos interesses.
É nossa convicção que o Tratado da União Europeia, texto compromissório, como teria de ser o de qualquer acordo entre doze Estados soberanos, corresponde, no seu conjunto, aos interesses actuais do nosso país, pois nada nele ofende os princípios que reputamos essenciais e muito do que nele se consagra propicia a obtenção de objectivos que consideramos fundamentais. O Tratado não afecta aspectos inegociáveis de soberania, mas permite que, em algumas áreas, através de um exercício partilhado de poderes soberanos, Portugal aumente, no contexto comunitário, e projecte, na área extracomunitária, as suas capacidades nacionais.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - É óbvio que o nível superior de integração que o estádio da União Europeia representa relativamente a fases anteriores da construção comunitária impõe, em domínios de interacção permanente com interesses de outros Estados, uma maior atenção e uma gestão muito mais rigorosa daquilo que é o interesse nacional. Mas temos plena confiança que hoje e no futuro, tal como tantas vezes sucedeu no passado, Portugal saberá encontrar os meios, os métodos e as formas de aproveitar, plenamente, as oportunidades que uma situação complexa lhe abre, atenuando as riscos que, simultaneamente, ela possa encerrar.
Ao longo da nossa História, muitas vezes nos encontrámos em confronto com interesses bem mais fones, mas nem por isso deixámos de defender e afirmar, através dos mais diversos meios, as posições congruentes com os objectivos que elegemos. Entre os recursos, que nos permitiram tal actuação, a visão política de um escol nacional que soube interpretar a relação de Portugal com o exterior e a capacidade diplomática que geriu essa relação não foram com certeza despiciendos. Com isto quero dizer, Srs. Deputados, que nas matérias internacionais e europeias a questão do poder político interno não é indiferente. E os desafios e as exigências da situação internacional e dos
estádios superiores de integração europeia, em que hoje nos encontramos, terão de ser correspondidos por capacidades nacionais equivalentes, nomeadamente através da formulação clara dos objectivos nacionais e da organização adequada dos meios para a sua prossecução.
Aplausos do PSD.
Não é diferente, por exemplo, termos um regime político democrático capaz de gerar soluções de consenso e de estabilidade ou um qualquer sistema político cuja credibilidade se questione pela falta de confiança dos cidadãos nas suas instituições.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Mas que fique bem claro que não receamos esses desafios. E permitam-me, Srs. Deputados, que, perante declarações que aqui e além vimos ouvindo e que procuram de algum modo sugerir que a opção do Governo pela União Europeia traduz um qualquer enfraquecimento na convicção nacional, reafirme que, em matéria de patriotismo, de capacidade para a defesa do interesse nacional e de amor a Portugal, não temos lições a receber de ninguém.
Aplausos do PSD.
Apraz-me, porém, registar que, nesta matéria, o Governo e o partido que o apoia - e saliento aqui, propositadamente, o partido que o apoia, porque Portugal é, assumida orgulhosamente, uma democracia representativa de partidos e não um regime democrático de tipo plebiscitário - o Governo e o partido que o apoia, dizia, não estão sós nesta Assembleia quando pensam que é através do avanço da União Europeia que melhor se defendem e consolidam os interesses profundos de Portugal.
Aplausos do PSD.
Congratulamo-nos sinceramente com esse facto, pois consideramos que a capacidade de gerar consensos entre as principais forças políticas democráticas sobre as grandes questões do Estado constitui, precisamente, um dos recursos nacionais de que um país de pequena/média dimensão, como é o nosso, absolutamente carece para o reforço do seu papel na questão europeia e, de um modo geral, para a gestão da sua relação internacional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Haveria muitas questões que gostaria de tratar perante esta Assembleia, depositária da vontade do povo português. Mas para não repetir o que já foi abordado, quer pelo Sr. Primeiro-Ministro quer pelos meus colegas do Governo, ir-me-ei concentrar num aspecto que, no actual executivo, é da minha mais directa responsabilidade e que diz respeito à política externa e de segurança comum da União Europeia.
A política externa e de segurança comum (PESC), que constitui o título V do Tratado da União Europeia, representa a proposta mais clara e ambiciosa até agora acordada pelos Estados membros da Comunidade Europeia no sentido de um reforço da sua capacidade colectiva para intervir na cena política internacional.
São sobejamente conhecidas as críticas dirigidas à CE em virtude da ausência de uma real representatividade desta organização no plano político. Devido a vicissitudes ligadas à História da Europa, sobretudo nas décadas de 50 a 70, não havia sido possível levar os parceiros comunica-
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rios a elaborarem mecanismos que permitissem à CE, enquanto tal, desempenhar um papel político internacional em consonância com o seu peso e prestígio no domínio económico.
Com efeito, as dificuldades surgidas na construção da Europa política, nos anos 50, de que é exemplo mais flagrante a fracassada Comunidade Europeia de Defesa (CED), algumas concepções dominantes na década de 60, hostis a toda a supranacionalidade no domínio da política externa, a hesitação dos Nove. nos anos 70, em ultrapassarem a dicotomia «comunitário versus intergovemamental», tudo isto contribuiu para que, ao darem-se as profundas transformações na Europa Central e Oriental, nomeadamente na URSS, que caracterizaram o final da década de 80, a CE continuasse a ser, consabidamente, «um gigante económico mas um anão político».
Os avanços que a unificação entre os Doze deverá registar, no domínio económico e monetário, à luz do calendário anunciado pelo Acto Único Europeu, tomaram ainda mais flagrante a aberração da «menoridade política» da CE, não obstante os largos progressos alcançados, ao abrigo da cooperação política europeia, em múltiplas questões internacionais.
Na verdade, o processo de informação, consulta e acção comum entre os parceiros no campo da política externa, actividade de carácter intergovemamental conhecida como CPE - Cooperação Política Europeia, que abarca todas as questões de interesse geral para os Estados membros, tem permitido uma útil e eficaz diplomacia concertada dos Doze nos mais diversos domínios da política internacional.
Porquê, então, uma política externa e de segurança comum? Porque a experiência internacional demonstrou que, para responder com coerência e credibilidade aos desafios que actualmente se colocam à CE, é necessário que esta possa dispor de mecanismos normativos que lhe permitam ir além da simples coordenação ou cooperação no campo da política externa.
Os Doze reconheceram que era indispensável que, nos domínios onde têm interesses importantes em comum, a União Europeia pudesse talar com uma só voz e que as acções empreendidas nesses domínios fossem «acções comuns». Mais: acordaram ainda que essa capacidade de agir em comum, como um todo, devia estender-se aos domínios da política externa e de segurança.
A prossecução de interesses comuns obedece a um certo número de objectivos genéricos, os quais representam áreas fundamentais da acção externa da União Europeia: a salvaguarda dos valores comuns e da independência, bem como o reforço da segurança da União e dos seus Estados, a manutenção da paz e o fomento da cooperação internacional e, bem assim, o desenvolvimento e o reforço da democracia e do Estado de direito e do respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais.
Convirá recordar, nesta ocasião, que pouco antes da abertura da Conferência Intergovemamental sobre a União Política, Portugal apresentou aos parceiros um memorando no qual, entre outros aspectos, defendia a criação de uma política externa e de segurança comum que deveria ter por objectivos precisamente aqueles que vieram a ficar consignados.
Pode-se pois afirmar, e digo-o sem qualquer asco de exagero, que foram as nossas propostas que encontraram acolhimento favorável no Tratado de Maastricht. Também foi orientação sempre defendida por Portugal que a grande conveniência que resultaria da criação de um centro de decisão único para todas as matérias a cargo da União Europeia - o conselho - não significava, que estas fossem todas tratadas num quadro comunitário nem que a dimensão populacional de cada parceiro fosse o critério único para a ponderação do seu voto na hipótese de se chegar a acordo quanto à possibilidade de decisões serem tomadas por votação no domínio da PESC.
A solução adoptada cobre, perfeitamente, estas preocupações tão legítimas da parte de um país como Portugal, cuja influência, tradição histórica e laços preferenciais ultrapassam em muito a sua dimensão geográfica ou populacional. A PESC, como o seu nome indica, não é uma política daquelas que se chamam comunitárias, mas, em verdadeiro sentido, uma política comum. Conserva muitos aspectos de carácter intergovernamental mas adquire outros, de inspiração comunitária, destinados a garantir que a influência dos Estados membros seja conjugada de forma mais eficaz através da convergência das suas acções. Por outras palavras, procura-se obter um resultado comum que seja superior à simples soma das acções individuais dos parceiros.
A PESC representa, portanto, o segundo pilar do edifício da União Europeia - sendo o primeiro pilar formado por todas as matérias de carácter comunitário - e tem as suas regras próprias de funcionamento.
As propostas advogadas por Portugal na negociação do Tratado estão, largamente, contempladas nessas regras. Assim, a regra da unanimidade constitui a base de toda a acção comum, garantindo a defesa dos interesses próprios e da individualidade internacional de cada parceiro, independentemente da sua dimensão. Essa unanimidade, que começa ao mais alto nível de decisão, o do Conselho Europeu, mantém-se, depois, na fase de adopção de qualquer acção comum do Conselho de Ministros dos Negócios Estrangeiros. Caberá a este acordar, em cada caso, os domínios em que as suas decisões poderão vir a ser tomadas por maioria qualificada. Nas votações, não bastará reunir um mínimo de 54 votos, mas é preciso alcançar a aprovação de, pelo menos, oito Estados membros, ou seja, existe sempre uma minoria de bloqueio de cinco parceiros.
Um outro aspecto importante da posição portuguesa, na fase da elaboração do articulado sobre a PESC, diz respeito à necessidade de esta, em matéria de segurança, levar em devida conta o facto de, para 10 dos 12 Estados membros, a sua qualidade de membros plenos da Aliança Atlântica já implicar ipso facto a existência de uma política de segurança e de defesa comum.
Por outro lado, tinha de ser devidamente reconhecido o papel que cabia à União da Europa Ocidental, nesta matéria, e à qual pertenciam nove parceiros.
A solução encontrada, depois de negociações prolongadas (uma vez que os Doze não estão todos vinculados pelos mesmos compromissos), consistiu em reconhecer o carácter específico da política de segurança e defesa, tanto dos que são aliados na OTAN como dos que não pertencem a nenhuma aliança. Tal não obstou a que fosse atribuída à UEO, enquanto parte integrante da União Europeia, a tarefa de criar uma verdadeira identidade europeia de segurança e defesa, através de um processo gradual em fases sucessivas, que poderá conduzir, no momento próprio, a uma defesa comum compatível com a da Aliança Atlântica. Este aspecto fundamental da vertente da segurança da PESC está, portanto, contemplado segundo linhas de orientação que, mais uma vez, correspondem aos desejos formulados e defendidos por Portugal. O nosso país, membro pleno das duas alianças
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mencionadas, participa na concepção e condução de políticas de segurança a mais curto prazo e, eventualmente, de defesa, a mais longo prazo, em ambos os «fora». Políticas essas, que, simultaneamente, assegurem a continuação dos laços de solidariedade transatlântica criados pela OTAN e o reforço da contribuição europeia para o esforço colectivo.
O Conselho Europeu de Lisboa, preparando o futuro, forneceu uma indicação útil sobre as desenvolvimentos mais prováveis da PESC, na sua tese inicial, ao aprovar um relatório preparado pela presidência portuguesa acerca desse tema. O referido documento começa por recordar que a PESC absorve o acervo precioso da CPE- Cooperação Política Europeia e potencia-o, mediante as acções comuns, as quais são muito mais vinculativas para os Estados membros.
O título V do Tratado de Maastricht encerra, por conseguinte, um conjunto de disposições que deverão permitir, de uma forma progressiva e controlada por todos os Estados membros, o salto qualitativo que a construção da verdadeira Europa política nos exige.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Concluindo, penso que o Tratado da União Europeia, aceitando que para uns ele poderia ter ido mais além mas que para outros ele deveria ficar mais aquém, corporiza uma opção realista e equilibrada para a Europa que hoje conhecemos.
Penso, sinceramente, que a União Europeia corresponde aos nossos anseios e às nossas responsabilidades como portugueses e como europeus. Quero terminar desejando que Governo e Assembleia, através de uma cooperação institucional profícua, trabalhem para a maior afirmação de Portugal no projecto europeu que é, estou certo, aquele que, inquestionavelmente, corresponde ao sentido mais profundo da nossa comunidade nacional.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca, Isabel Castro e Mário Tomé.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, á aplicação de um tratado ou de qualquer acordo proporciona a transferência de certa soberania em determinadas matérias. Entendemos, contudo, que em relação ao Tratado de Maastricht essa transferência é excessiva já que se trata de um Tratado com carácter federalista seguindo um modelo federal que é bem visível em vários aspectos: a introdução da mexida única, da cidadania europeia, do Banco Central Europeu, da política externa e de segurança comum, que. o Sr. Ministro tanto defendeu, além da quebra da regra da unanimidade.
Apesar do que dizem os defensores de Maastricht, é patente que há grandes dúvidas sobre este Tratado. Assim - e já sem falar da questão gramatical no sentido de saber se está bem ou mal escrito como declarou o Ministro dos Negócios Estrangeiros -, entende ou não V. Ex.ª que se deveria proceder com cautelas e - rever este Tratado? Isto é, considera ou não que, mais tarde ou mais cedo, ele deverá ser revisto? V. Ex.ª entende que está tudo bem, que não há dúvidas e que está tudo certo para o País? V. Ex.ª acha que todos os nossos interesses estão perfeitamente defendidos ou entende que deveríamos melhorar o que está consagrado?
Já agora uma última questão, muito rápida, pois não disponho de mais tempo, em relação à livre circulação de pessoas e à aplicação dos tratados. O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, na segunda-feira, numa entrevista, declarou que a livre circulação de pessoas tem de ser adiada, na melhor das hipóteses, por seis meses ou até por um ano. V. Ex.ª quererá referir-se a este aspecto?
(O orador reviu.)
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, V. Ex.ª, quase no final da sua intervenção, disse que o Tratado corporiza os anseios da Europa - presumo que foi esta a ideia que quis transmitir. Portanto, não referiu, ou melhor, esteve ausente da sua intervenção a questão da pouca felicidade e da má redacção que atribuiu ao Tratado e que, aliás, fez notícia nos jornais.
Ora, a minha questão prende-se exactamente com esta matéria, pois, em minha opinião, por um lado, não há interesse dos Portugueses em saber a opinião do ministro de um governo português sobre, eventualmente, as questões gramaticais que se colocariam a um tratado desta natureza e, por outro, esta nota não veio quebrar o dogmatismo do Governo e introduzir diversidade relativamente a esta matéria.
Assim, em primeiro lugar, gostaria de saber se, com a sua afirmação, pretende, desde já, acautelar e prevenir os eventuais desaires que V. Ex.ª, se calhar melhor do que nós, já vislumbra relativamente ao Tratado ou se, por outro lado, esta é uma afirmação de quem tem a noção de que ele, pela sua ambiguidade, pela sua falta de transparência e pelas armadilhas que tem no modo como está deliberadamente conseguido, pode ser mal redigido, pouco feliz, e, portanto, propositadamente, um tratado que deve fazer alertar os povos e em relação ao qual algumas cautelas da parte de quem o defende seriam interessantes. Gostaria que o Sr. Ministro respondesse às minhas questões e comentasse as minhas palavras.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, começo por dizer que o tom pouco entusiasmado do seu discurso contrasta um pouco com o do seu antecessor João de Deus Pinheiro, o que, talvez - e desculpe repetir -, se deva ao facto de considerar o Tratado mal escrito e infeliz e de, portanto, não o ter percebido bem.
A meu ver, o facto de o Tratado estar mal escrito - e quanto a isto estou de acordo consigo e penso que esta constatação talvez abone a favor do Sr. Ministro - coloca, para além das violações que existem quanto à soberania, uma outra situação, a das indefinições. Ora, estas indefinições funcionam sempre a favor dos mais poderosos e poderão, do meu ponto de vista, afectar ainda mais as perdas de soberania, porque é disso que se trata e não, como é evidente, da convicção, da identidade nacional e do respeito por ambas. E isto porque a identidade nacional nunca é prevenida, nunca desaparece - veja-se o caso de Timor, do próprio Kuwait e dos próprios países de Leste -, só que, depois, quando a soberania não corresponde a essa identidade nacional, ela surge, como
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se diz, exacerbada, ou seja, surgem os nacionalismos e variantes que a todos muito preocupam.
Portanto, Sr. Ministro, o problema não é o da identidade nacional, pois com essa ninguém acaba, e não é ela que está em perigo no nosso país, mas é a soberania, suporte físico - chamemos-lhe assim, para facilitar - desta identidade nacional. Já agora quero colocar o problema da grande liberdade de trânsito e de estabelecimento que os emigrantes terão na Europa. Na verdade, considero esse facto também uma armadilha, porque o que se verifica - e já estamos a ver efeitos concretos e práticos no nosso país - é que, em Portugal, os nossos profissionais, os nossos trabalhadores, devido à incapacidade que o Governo tem mostrado em dar formação, em avançar na especialização, etc., vão ser confrontados com emigrantes altamente qualificados que lhes vão disputar os lugares, como já se viu com as orquestras, pois os estrangeiros têm muito mais qualificação. Está, pois, implícita a falta de perspectiva e o receio de que isso venha a acontecer.
Aliás, também os nossos emigrantes irão deparar com o que está a acontecer na Alemanha e na França, ou seja, a xenofobia e o racismo, que lhes destrói as casas e violenta as famílias, tudo isso fomentado e estimulado pelo Acordo de Schengen, que o PSD, o PS e o CDS apoiaram. Em minha opinião, esse acordo estimula, de facto, a xenofobia e o racismo por tentar fazer da Europa uma fortaleza e de Portugal um país hostil aos outros povos em vez de, como é tradição, ser tolerante.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, relativamente ao alegado carácter federal do Tratado, quero esclarecer que, no nosso entendimento, ele não o tem.
Como é sabido, quando se negociou o Tratado surgiu, de facto, a palavra federal, não para qualificar uma natureza realmente federal do Tratado mas porque alguns poderiam querer que, ao colocar a palavra, ela viesse a criar uma realidade federal. Foi o Governo português, que defende uma visão gradualista de defesa dos interesses nacionais, que se opôs, entre outros, precisamente, à inclusão de qualquer terminologia federal, ciente que, ao afastar a palavra, estava também a afastar a realidade que ela poderia pressupor.
Julgamos, muito sinceramente, que este Tratado é equilibrado; defendê-mo-lo, como disse na minha intervenção, com sincera convicção europeia, tratando-se, como também tive ocasião de dizer, de um compromisso entre 12 Estados soberanos. Não podemos ter, a este respeito, qualquer ilusão.
Do mesmo modo que não queremos que nos seja imposta a vontade dos outros Estados, também não podemos pretender que seja a nossa vontade que se vá impor a todos os outros. Há uma negociação e, portanto, trata-se de um compromisso muito realista, ajustado ao actual estádio de desenvolvimento da Comunidade Europeia e, sobretudo, adequado e ajustado aos interesses fundamentais de Portugal.
No que diz respeito à questão colocada pela Sr.ª Deputada Isabel Castro, fico satisfeito com a oportunidade que me dão de, mais uma vez, clarificar as declarações que proferi numa intervenção feita na Câmara de Comércio Luso-Alemã, toda ela a defender o Tratado de Maastricht.
Nessa ocasião e respondendo a uma pergunta acerca da transparência, disse exactamente que considerava a linguagem do Tratado hermética, que ele estava, de facto, mal escrito e que abusava, em termos jurídicos, do método das remissões. Tive ocasião de o dizer como questão meramente incidental e foi decidido promover esta afirmação a grande notícia de impacte nacional.
No entanto, considero que a linguagem tem um carácter hermético e não estou só, porque os próprios chefes de Estado e de Governo, em Birmingham, reconheceram que se devia dar instruções para que, de futuro, a legislação comunitária passasse a ser mais clara e mais simples, como diz a declaração de Birmingham. Portanto, não estou só e há, de facto, problemas de um certo hermetismo na linguagem.
Porém, quanto a haver uma divisão dentro do Governo relativamente a esta matéria, que a Sr.ª Deputada procurou aqui salientar, gostaria de dizer que houve realmente uma divisão: eu disse isto na Câmara de Comércio Luso-Alemã e o Sr. Primeiro-Ministro tinha-o dito, alguns dias antes, na Câmara de Comércio Luso-Britânica. Foi esta divergência que existiu no Governo!
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - O Sr. Primeiro-Ministro já o tinha dito 50 vezes!
O Orador: - Quanto à pergunta do Sr. Deputado Mário Tomé, devo dizer francamente que, hoje, o Sr. Deputado surpreendeu-me, porque disse que as vantagens que os nossos trabalhadores têm no contexto comunitário são, de certa forma, um perigo. Isso quer dizer que também os estrangeiros vão passar a ser uma ameaça...
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Ministro, permite-me que o interrompa?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Ministro, espero que não altere o conteúdo da minha intervenção.
Não disse que as facilidades são um perigo, o que disse foi que o contexto em que estão colocadas, nomeadamente as determinados pelo Acordo de Schengen, fazem com que os nossos emigrantes de França ou da Alemanha não tenham segurança, porque a crise social e a recessão, que lhes são atribuídas, estão a criar um ambiente de xenofobia e de ódio ao estrangeiro, que o próprio Acordo de Schengen estimulou quando afirma que devemos estar fechados, etc., o que estimula os movimentos neo-nazis, de extrema direita, que estão a crescer em força e a atacar os emigrantes.
O Orador: - Sr. Deputado, julgo que os direitos que o Tratado de Maastricht dá aos trabalhadores portugueses e aos de outros países, ao permitir a livre circulação dos cidadãos no âmbito europeu, corresponde aos seus próprios interesses. É um grande progresso não apenas em termos de relações entre Estados mas em termos dos direitos dos próprios cidadãos.
Só agora, com a correcção que fez, percebi a sua ideia. Porém, na sua primeira intervenção notei-lhe um certo tom de xenofobia em relação aos estrangeiros que poderiam vir para Portugal retirar lugar aos portugueses. Isso, confesso, surpreendeu-me, vindo da sua parte.
É óbvio que não podemos querer determinados direitos para os portugueses que estão no espaço comunitário sem
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garantir o mesmo aos cidadãos comunitários que estão em Portugal. Isto faz parte do princípio da igualdade e da reciprocidade entre Estados soberanos.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins.
O Sr. Guilherme Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Tratado da União Europeia consagra, com alguma minúcia, os passos conducentes à criação da moeda única no âmbito da União Económica e Monetária. Em três fases, escalonadas no tempo, pretende-se criar um autêntico espaço de integração económica, o que se insere nos objectivos dos pais fundadores da Comunidade Europeia que incluíram, em 1957, no Tratado de Roma, a determinação de «estabelecer os fundamentos de uma união cada vez mais estreita entre os povos europeus» e a preocupação «em reforçar a unidade das suas economias e assegurar o seu desenvolvimento harmonioso pela redução das desigualdades entre as diversas regiões e do atraso das menos favorecidas».
Trata-se, pois, de dar sequência natural ao Tratado de Roma e ao Acto Único de 1986. Daí, a previsão da existência de um Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu para funcionarem depois de 1997 ou de 1999 e, até lá, numa segunda fase, a existência do Instituto Monetário Europeu com funções de supervisão do Sistema Monetário Europeu e de preparação da terceira fase da União Económica e Monetária.
As conferências intergovernamentais que serviram de base para a elaboração do Tratado assinado em Maastricht privilegiaram, assim, a vertente monetária, deixando aquém do desejável e do esperável as reformas em matéria política.
Com efeito, não há ainda neste Tratado uma verdadeira união política; o que, em bom rigor, está consagrado é algo que corresponde ao delineamento dessa união política.
Os objectivos da estabilidade de preços e a convergência nominal, como via para a convergência real, estão, assim, muito nitidamente presentes no texto aqui em apreciação, com alguma rigidez que tem de ser interpretada à luz das preocupações sentidas pelos participantes nas conferências intergovernamentais imediatamente após os acontecimentos de 1989 e de 1991, sob o impacte da unificação alemã e perante os primeiros anúncios da recessão económica.
Houve, assim, no domínio monetário, uma posição nitidamente defensiva, que o futuro fará inevitavelmente evoluir através dos indispensáveis complementos políticos e institucionais e da flexibilização desejável de critérios atendendo à diversidade das economias.
A convergência real, a justiça e a equidade, bem como a racionalidade, obrigarão a ajustamentos, que se revelam essenciais e que são perfeitamente possíveis. A rigidez não pode, nem deve, assim, ser absolutizada, até porque o artigo N prevê expressamente que, em 1996, seja convocada uma nova conferência de representantes dos governos dos Estados membros para analisar as disposições do Tratado em relação às quais esteja prevista revisão, conferência, que, nas actuais circunstâncias, haverá toda á conveniência em preparar o mais depressa possível. Há, assim, largo espaço de manobra para compreender e assumir as novas realidades.
Mas sejamos claros, o essencial do Tratado da União Europeia não está na rigidez de critérios de convergência, mas nas portas abertas a um funcionamento mais democrático das instituições, com passos significativos no sentido da co-responsabilização entre órgãos e da criação gradual dos necessários freios e contrapesos.
Importa, porém, colocar desde já na ordem do dia os pontos mais sensíveis para o futuro da União Europeia: a coesão económica e social; a repartição de recursos e o apoio ao desenvolvimento; o alargamento que tem de se ligar ao aprofundamento sem se tomar com este antagónico; o apoio às novas democracias da «outra Europa» e a reforma das instituições no sentido da melhor representação dos cidadãos, da protecção dos seus direitos e da salvaguarda das minorias. E sejamos claros: não será possível avançar em nenhum desses domínios se não dermos o passo político que está consubstanciado neste Tratado!
Houve, porém, muita gente que só agora se deu conta de que há Comunidade Europeia, enquanto fenómeno supranacional e não como organização intergovernamental; de que há o Acto Único Europeu e que o Mercado Interno se concretiza, no essencial, dentro de dias; de que não é já o princípio sacrossanto da unanimidade que funciona ou de que o primado do direito comunitário é já uma das leituras possíveis e actuantes na jurisprudência europeia Daí que, no debate lateral sobre o Tratado a que se vai assistindo - que tem mais a ver com angústias do tempo que atravessamos do que com a Comunidade em si-, se vislumbrem muitos argumentos que são mais contra a Comunidade Europeia do que contra os valores acrescentados neste Tratado.
E, pois, uma falácia dizer que se é pela Europa e contra a União Europeia, quando esta é o centro vital de um continente que só pode ser protagonista de primeiro plano na balança mundial se houver uma Comunidade a funcionar articulada e integralmente.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Naturalmente que há um longo caminho à nossa frente, com muitos escolhos e dificuldades. Há que contrariar determinadamente a Europa a várias velocidades e a Comunidade à la carte. Há que levar a sério a definição por cada Estado de objectivos próprios e a participação na definição negociada dos interesses comuns e há ainda que cumprir, designadamente, a declaração segundo a- qual «os governos dos Estados membros diligenciarão para que os Parlamentos nacionais possam dispor das propostas legislativas da Comissão em tempo útil, para sua informação ou para eventual análise», que a nossa lei fundamental já consagra.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!
O Orador: - Não se trata, pois, de proceder, com este Tratado, à diluição das soberanias, mas, sim, de harmonizar poderes e competências, de conciliar diferenças e de ressituar o Estado nação como instância mediadora entre os espaços supranacionais e infra-estaduais. O Estado tem de ser, no fundo, lugar de respeito das identidades nacionais, de salvaguarda dos direitos fundamentais e espaço de tolerância e de protecção das minorias.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O Estado nação não está ultrapassado, está em transformação, passando, sim, a ter de inserir-se
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numa lógica de partilha de poderes e competências - supranacionalmente, naturalmente, e também nas regiões onde as houver.
A Comunidade Europeia não pode, assim, fechar-se numa lógica egoísta, tecnocrática e economicista. Há que encontrar um ponto de equilíbrio entre influências e legitimidades, e isso passa por uma definição clara de esferas de acção - por um lado, as próprias dos Estados, por outro, as comuns entre estes - e ainda pela reforma corajosa das instituições supranacionais, no sentido da separação de poderes e do primado do direito e dos direitos.
É uma união de direito que temos de construir, na qual os cidadãos sejam protagonistas de parte inteira e as instituições representativas desempenhem um papel activo.
A União Europeia a que se chegou em Maastricht é um esboço organizativo, talvez excessivamente monetarista que, no entanto, apenas pretende dar sequência aos Tratados de Paris, de Roma e ao Acto Único.
Houve, no entanto, excesso de timidez no domínio político, designadamente na reforma institucional e na política externa e de segurança comum, só compensado por alguns avanços importantes no reforço da ligação entre o Parlamento Europeu e os Parlamentos nacionais - que urge aprofundar - e quanto à co-decisão entre Parlamento e Conselho, bem como à responsabilização política da Comissão.
O que ocorreu na Europa depois de 1989 foi, porém, uma profunda alteração de circunstâncias. A queda da «cortina de ferro», o fim da guerra fria, a necessidade de alargamento da Comunidade, a solidariedade com as novas democracias, a recessão económica internacional, tudo isso obriga a repensar a Comunidade Europeia criada no pós-guerra e num contexto - que já não existe - de bipolarização geoestratégica. É, pois, o pós-Maastricht que tem de começar a ser preparado.
Face à profunda mudança de circunstâncias, o Tratado da União Europeia é um ponto de passagem, necessário como alavanca, mas não interpretável rigidamente. Não se trata de discutir se vamos para a federação ou para a confederação, mas, sim, de tentar saber exactamente quais as acções, os interesses e as políticas comuns realizáveis.
A União Europeia, qualquer que venha a ser a sua configuração, terá de ser aberta e capaz de articular eficiência e justiça. A internacionalização da economia, da política, da sociedade e da cultura têm conduzido a uma mudança qualitativa da noção de soberania. Não se trata, porém; de pôr em causa a soberania originária dos Estados - ainda que exígua-, mas, sim, de adaptar a sua configuração prática a um inevitável processo de partilha. O princípio da subsidiariedade obriga à definição clara do que são competências comunitárias, interesses, acções e políticas comuns. As noções de Estado e nação tenderão, contudo, a distinguir-se entre si, do mesmo modo que as de cidadania e nacionalidade. E o futuro destas realidades dependerá de haver ou não consciência europeia da necessidade de articular identidades e complementaridades. Se o «fanatismo da pertença» prevalecer, se os egoísmos nacionalistas, regionalistas ou tribais se afirmarem, então, haverá muito para recear. Mas também nada haverá a esperar se prevalecerem o conformismo e a indiferença. Tudo está em aberto. A Europa está numa encruzilhada decisiva. Precisamos de uma cidadania europeia actuante e responsável, que não esqueça as pertenças de cada um. Somos europeus porque portugueses e é a pensar em Portugal e nos Portugueses que votamos a União Europeia.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Freitas do Amaral. V. Ex.ª dispõe de dez minutos, nos termos do n.º 2 do artigo 80.º do Regimento, e de mais cinco minutos cedidos pelo PSD e outros cinco cedidos pelo PS.
O Sr. Freitas do Amaral (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: Desejaria que as minhas primeiras palavras fossem de saudação para a própria Assembleia da República- órgão máximo da representação nacional - e também, sem distinções, para todos e cada um dos Srs. Deputados que a constituem. Quero ainda cumprimentar V. Ex.ª, Sr. Presidente, que vejo com muita satisfação a presidir ao Parlamento português.
Estou aqui hoje para defender o Tratado da União Europeia, e faço-o em nome da coerência, da fidelidade e da solidariedade.
Em nome da coerência, porque preconizo a integração europeia de Portugal há mais de 30 anos. Fi-lo pela primeira vez num artigo publicado na revista Rumo, em Dezembro de 196ï, quando a ortodoxia oficial só queria que se falasse da integração ultramarina. Fi-lo depois, em 1974, na conferência da imprensa em que anunciei a fundação do CDS.
Fi-lo, mais claramente ainda, quando em 1975 obtive a aprovação no I Congresso do CDS para o n.º 3 do capítulo I do programa do partido (ainda hoje em vigor), onde se diz textualmente o seguinte:
Adopção de uma atitude positiva em face da União Política e Monetária Europeia [...] e defesa de instituições comunitárias democráticas e fortes.
Fi-lo em 1980 quando, nesta mesma tribuna, como Ministro dos Negócios Estrangeiros, proclamei a adesão de Portugal à CEE como «a prioridade das prioridades» da política externa portuguesa.
E fi-lo, por último, na campanha eleitoral de 1991, quando defendi por todo o País o programa eleitoral do CDS, em cujo ponto 14 se prometeu, sem margem para dúvidas, a «participação empenhada de Portugal na construção do Mercado Interno, da União Económica e Monetária e da União Política, no âmbito da CEE».
Pela parte que me toca, estou, pois, aqui para reafirmar uma coerência de mais de 30 anos, e para representar - mesmo sozinho - a voz daqueles eleitores que confiaram em mim quando lhes garanti na campanha que as promessas eleitorais do partido seriam cumpridas na Assembleia da República.
Mas também falo hoje, nesta Assembleia, em nome da fidelidade a um ideal que há 50 anos anima e caracteriza a família política em que me integro: a democracia cristã. Recordo, a esse propósito, três dos pais fundadores da Europa Unida: Konrad Adenauer, Alcide de Gasperi e Robert Schuman.
Lembro a corajosa atitude dos cinco ministros democratas cristãos franceses, liderados por Pierre Pflimlin, que em 1962 se demitiram do governo do general De Gaulle por este ter rejeitado em público a ideia de supra-nacionalidade na construção europeia. E evoco ainda, porque é com eles que me sinto identificado, a geração actual dos chefes de governo democratas cristãos que assumiram o desafio de concluir o- Tratado de Maastricht - os meus amigos e companheiros Helmut Kohl, da Alemanha;
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Wilfried Martens, da Bélgica; Rudolph Lubbers, da Holanda; Jacques Santer, do Luxemburgo; Giulio Andreotti, da Itália, e Constantin Mitsotakis, da Grécia.
Esta minha fidelidade é importante para quem, como eu, foi presidente da União Europeia das Democracias Cristas, com um programa assente na ideia de unidade europeia, e para quem subscreveu o Programa do Partido Popular Europeu (PPE), onde claramente se proconiza o modelo federal para a Europa unida em construção. E aproveito para esclarecer que esse programa do PPE, subscrito pelo CDS, foi aprovado em 1978 e publicado na íntegra em 1979, na revista do IDL, Democracia e Liberdade.
Sendo tudo isto assim, mal se compreenderia que no presente debate não se ouvisse aqui em S. Bento uma voz democrata cristã defendendo aquilo que, desde a 2.ª Guerra Mundial, todos os grandes nomes da democracia cristã sempre defenderam acerca da unidade da Europa.
Em terceiro lugar, estou aqui por razões de solidariedade política. Desde logo, e sobretudo, com Adelino Amaro da Costa, que comigo subscreveu todos os documentos iniciais do partido e da sua adesão à UEDC e ao PPE e que nesta Casa tantas vezes demonstrou o seu empenhamento naquilo que ele chamava «essa aventura grandiosa que é a unidade da Europa, [...] uma verdadeira componente para-ideológica de todos as famílias democráticas europeias». Solidariedade também com Francisco Sá Carneiro, meu primeiro-ministro no governo da AD, que comungava do mesmo ideal europeu e que afirmou nesta Assembleia, em 1977, que «não bastava olhar para a Europa com o pensamento no Mercado Comum, mas, sim, com o pensamento numa verdadeira comunidade, favorecendo mesmo a institucionalização de órgãos supranacionais».
Ao Dr. Mário Soares, a quem se deve a histórica iniciativa do pedido de adesão de Portugal à CEE, desejo daqui declarar que o apoio que então lhe dei para a adesão lho mantenho hoje, sem tinir nem pôr, para a ratificação de Maastricht.
Aplausos do PS.
E ao Prof. Cavaco Silva, que nas delicadas negociações de 1990-1991 consultou regularmente os partidos da oposição, e ouviu da minha boca, em nome do CDS, palavras de concordância e de estímulo ao aprofundamento da União Europeia, quero dizer publicamente que, não podendo responder já pelo CDS, venho aqui manifestar o meu apoio que então lhe garanti para o Tratado de Maastricht.
Aplausos do PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Participo com o maior interesse neste debate, mas teria gostado ainda mais de participar num referendo sobre esta questão. Porque, na minha concepção de Estado, se há matérias em que o País deve ser individualmente consultado, entre elas está seguramente qualquer alteração aos elementos essenciais, do próprio Estado. Ora, o Tratado de Maastricht propõe-se introduzir alterações substanciais - a meu ver desejáveis, mas que não devem ser ocultadas - na organização do Poder político do Estado, mediante um certo número de modificações na configuração da soberania. Por isso me declarei desde o início favorável ao referendo proposto Pelo CDS.
Risos do Sr. Deputado Manuel Queira.
Criticando embora a atitude tomada a esse respeito pelo PSD e pelo PS, entendo, no entanto, que o momento passou, e que não é agora oportuno insistir no assunto, pois qualquer adiamento da nossa ratificação só enfraqueceria a posição negociai portuguesa nessa outra questão, essencial para nós, que é a discussão do Pacote Delors II.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - É necessário, contudo, que não fiquem dúvidas a pairar nos espíritos: o acto em que estamos aqui a participar é legítimo e democrático. A validade dos procedimentos parlamentares afere-se pela Constituição que temos, e não por aquela que gostaríamos de ter ou por aquelas que outros países têm.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O movimento para a união política da Europa nasceu durante a 2.ª Guerra Mundial e foi um grito da consciência humanista europeia contra a guerra, contra as ditaduras e contra o projecto hitleriano de unir a Europa pela força e pela violência.
Por isso, as principais forças políticas, que logo a seguir à guerra se declararam a favor da União Europeia, foram os democratas cristãos e os socialistas, para além das vozes individuais, mas nem por isso menos influentes, de Winston Churchill e de Jean Monnet.
O fracasso da Comunidade Europeia de Defesa rejeitada em 1954 pela Assembleia Nacional francesa, logo separou as águas: a favor, votaram os democratas cristãos, a maioria dos socialistas e os liberais; contra, em aliança contra-natura que haveria de voltar a repetir-se no futuro, votaram sobretudo os dois nacionalismos de um lado e doutro do leque político - comunistas e gaullistas.
Gorada a tentativa de 1954, o espírito pragmático dos «pais» fundadores levou a tornear a dificuldade propondo o começo da integração pelo lado da economia. Mas Monnet e Schuman não enganaram ninguém e sempre declararam bem alto que, através da união económica o objectivo final era a união política.
Hoje, 30 anos depois de uma experiência bem sucedida, o Tratado de Maastricht representa o retomar da parte mais importante do projecto inicial - a construção da união política - e como tal deve ser saudado.
É certo que Maastricht é um compromisso entre federalistas e intergovernamentalistas: mas é um compromisso que avança e abre portas para o futuro, não é um compromisso para trás ou para o lado.
Por isso, quem, como eu, desejaria que se tivesse podido ir mais longe, pode aceitar Maastricht com tranquilidade e com esperança; mas deve também bater-se para que se não recue no que já se alcançou, pois, como dizia Proudhon, «o século XX abrirá a era dos federalismos, ou a humanidade recomeçará um purgatório de mil anos».
Os opositores a Maastricht argumentam sobretudo com a noção de soberania, e querem-na absoluta e ilimitada. É curioso lembrar que quem definiu assim a soberania foi Jean Bodin, em 1576. Mas é, talvez, conveniente sublinhar que o célebre jurista trances acrescentava que a soberania devia manifestar-se sem qualquer obediência às leis e não previa qualquer forma de respeito pelos direitos individuais dos cidadãos. Ele foi um dos primeiros teorizadores do absolutismo anterior à Revolução Francesa. Estranho patrono escolhem hoje os adversários de Maastricht...
Aplausos do PSD e do PS.
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A soberania só pode ser entendida actualmente na subordinação plena ao direito e no quadro das interdependências que caracterizam a moderna vida internacional, as quais condicionam inclusivamente as próprias superpotências.
De modo que uma soberania absoluta e ilimitada, na Europa actual, só se for uma soberania do velho tipo albanês,...
Risos do PSD.
... e essa rejeito-a para Portugal com todas as minhas forças.
Aplausos do PSD e do PS.
Sr. Presidente, Srs. Deputadas: Não me permite o tempo disponível analisar em pormenor o Tratado da União Europeia. Cuidarei apenas de sublinhar os pontos essenciais.
Maastricht reforça as garantias da paz entre os europeus - e considero que ter a segurança da paz no velho continente é o bem mais precioso, necessário tonto para os Europeus como para o resto do mundo.
Maastricht amplia a esfera da liberdade individual dos cidadãos. E desejo sinceramente que a economia, a cultura, a abolição das fronteiras aumentem constantemente os espaços de autonomia, de livre escolha e de opções alternativas à disposição da cada português.
Maastricht acelera o desenvolvimento económico, e eu - que sempre me bati para que Portugal fosse um país mais desenvolvido-julgo sinceramente que o rápido crescimento da nossa economia só pode vir, nas circunstâncias actuais, de um apoio maciço da Europa mais avançada ao nosso país.
Maastricht permite caminhar mais depressa para padrões elevados de justiça social. E enquanto houver em Portugal tanta pobreza, tanta miséria e tantas vidas abaixo do nível mínimo da dignidade humana...
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Ai há?!
O Orador: -... não quero ver o meu país excluir-se do único esquema de solidariedade activa que o pode ajudar a vencer o seu maior drama histórico. E aproveito para felicitar o Governo pela boa negociação que fez do capítulo da coesão económica e social.
Aplausos do PSD.
Maastricht consagra o princípio da subsidariedade e um certo reforço dos poderes do Parlamento Europeu. E eu congratulo-me com esses novos travões à hipertrofia da centralização, pois, para mim, o federalismo europeu só faz sentido se for amplamente descentralizado e respeitador das identidades nacionais.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Maastricht propõe o início de uma cidadania europeia. E eu desejo fortemente que todos os portugueses, a começar pelas nossas emigrantes, deixam de ser estrangeiros na Europa e passem a sentir-se, além de portugueses, cidadãos europeus de parte inteira.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Maastricht avança para a moeda única. E eu vejo mais vantagens do que inconvenientes nessa solução. Entre uma política económica de rigor, de verdade e de exigência e uma política económica de laxismo, de descontrolo e de facilidades, as normas do Tratado de Maastricht garantem-me que a Comunidade Europeia, ao mesmo tempo que se libertará da hemogenia do marco alemão, também se emancipará positivamente das tendências viciosas de tantos governos nacionais.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Equilibrando exigências de grande ortodoxia financeira com generosos instrumentos de política social, Maastricht afigura-se-me um compromisso razoável entre a eficiência necessária do mercado e as reivindicações legítimas da justiça.
Por último, Maastricht apresenta a grande vantagem de dotar a União Europeia de uma política externa e de segurança comum e, a prazo, de uma política de defesa comum. Acolho com agrado e com esperança esta inovação.
No campo da política externa, os desafios que a Europa Comunitária enfrenta são enormes: a Europa de Leste, a CEI, o descontrolo nuclear na ex-URSS, a Jugoslávia, o Médio Oriente, o fundamentalismo islâmico, o fosso Norte-Sul.
Mesmo os maiores países europeus reconhecem não serem capaz de resolver sozinhos tal imensidão de problemas. Uma política externa comum é, pois, uma urgente necessidade para a Europa e para todo o mundo.
O que está em causa é saber se queremos regressar aos egoísmos nacionais, as alianças precárias, ao chamado «concerto europeu» de triste memória, ou se temos coragem e determinação para rasgar novos caminhos, criando uma estrutura supranacional que mantenha a paz no interior do espaço europeu e exerça sobre terceiros uma influência benéfica e moderadora.
Só a Europa comunitária pode, enfim, concretizar o ideal generoso da paz internacional, tão lucidamente defendido por Erasmo no século XVI, por Kant no século XVIII, e por Victor Hugo no século XIX.
Para isso tem de assumir-se como uma autêntico sujeito de direito internacional, a fazer ouvir a voz da sua razão num mundo profundamente instável onde a União Europeia surge como zona de estabilidade e ponto de referência para milhões de pessoas.
A partir daí tudo será diferente: já não é a Europe de affaires que vai estar em cena, mas uma grande potência mundial cujas actuações têm de passar a ser políticas, porque políticos são os desafios com que se confronta.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É, pois, desejável e necessária a construção de uma personalidade própria da Europa no campo internacional. Declaro, no entanto, desde já, que essa inovação fundamental não significa, para mim, que a Europa ou os Europeus devam extinguir ou enfraquecer a Aliança Atlântica e o seu principal instrumento - a NATO-, pois estas, devidamente remodeladas, são indispensáveis à segurança do Ocidente.
Mas a Europa Unida precisa de uma defesa europeia. São os próprios Americanos que andam há anos a chamar a atenção dos Europeus - e com carradas de razão - para que não é aceitável nem justo que todo o peso da defesa europeia, ou a maior parte dele, recaia sobre os Estados Unidos.
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Não é difícil prever, creio eu, que está a aproximar-se o momento em que a América vai começar a retirar a maioria das suas tropas estacionadas em território europeu. E é óbvio que, nesse momento, a percepção de novos riscos e possíveis ameaças conduzirá inevitavelmente os Europeus a clamar por uma defesa europeia.
É preciso, portanto, começar quanto antes a prepará-la.
Não nos deixemos impressionar com as críticas dos que boje acusam a Europa de pretender dotar-se de meios comuns de intervenção externa, porque são precisamente os mesmos que, há dois anos, criticavam a Europa por não ser capaz de assumir nenhum papel na guerra do golfo ou no drama da Jugoslávia.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Tão pouco me parece que mereça acolhimento a exigência, feita pelos adversários de Maastricht, de que todas as decisões sejam submetidas à regra da unanimidade.
Numa comunidade a 12 - e amanhã a 15 ou a 20, como não pode deixar de ser -, estabelecer para todas as questões a regra da unanimidade seria o mesmo que provocar deliberadamente a paralisia. Maastricht contém, neste ponto, um doseamento razoável entre decisões por maioria e decisões por unanimidade, que, aliás, impede quaisquer tentativas de organização de um directório dos grandes. Essa é, de resto, uma das maiorias qualidades desta Comunidade Europeia: é que, no século XIX e na primeira metade do século XX, os grandes decidiam tudo sozinhos e os pequenos suportavam passivamente as consequências, ao passo que agora todos se sentam à mesma mesa, todos discutem e todos votam.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Parece-me, assim, de aprovar o capítulo crucial do Tratado que abre caminho a uma política externa de segurança e de defesa comum.
Oxalá os governantes europeus das próximas décadas saibam explicar bem aos seus países que a Europa tem valores e interesses próprios a proteger no mundo, mas que temos de ser nós, europeus, a defender-nos com os nossos soldados, o nosso esforço e o nosso dinheiro, em vez de aceitarmos comodamente a situação subalterna de países que entregam a defesa dos seus interesses vitais ao esforço, ao dinheiro e ao heroísmo dos outras.
Aplausos do PSD e do PS.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A fase inicial da integração europeia terminou. Agora é que, na realidade, começa a sua fase central e decisiva Seria verdadeiramente anacrónico que, no momento em que as democracias ocidentais triunfaram na sua batalha histórica contra o comunismo, e em que os países que dele se libertaram olham para a União Europeia como referência, como destino e como ideal, fosse no próprio seio da Comunidade dos Doze que surgissem alguns a querer liquidar o projecto e a desdenhar o ideal.
Faço votos para que a nova Europa não seja uma fortaleza de egoísmos, uma feira de vaidades ou um mero espaço de negócios, mas que saiba sobretudo afirmar-se-pela excelência da sua democracia, da sua cultura, e do seu espírito - como um polo de civilização exemplar.
Desejo ardentemente que todos os europeus de boa vontade adiram cada vez em maior número a este ideal generoso. E espero que, em vez de sucumbirem de novo à tentação do nacionalismo «orgulhosamente só», se lembrem daquela outra mensagem, bem mais nobre e elevada, contida na carta de S. Paulo aos Colossenses: «Nesta renovação, não há mais judeus nem gentios, nem bárbaros nem gregos, nem escravos nem homens livres.»
É nesta perspectiva, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que votarei a favor de Maastricht, para legar aos meus filhos, se for possível, uma Europa sem fronteiras, onde todos os europeus se sintam irmanados e unidos na paz, na liberdade e na justiça.
Aplausos do PSD e do PS.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Freitas do Amaral, cumpre-me, como Presidente da Mesa, agradecer-lhe as referências que fez à Câmara, os cumprimentos que dirigiu a todos os Srs. Deputados e, em meu nome pessoal, a gentil referência que quis fazer-me do exercício desta função.
Por outro lado, quero dizer-lhe que o Sr. Deputado ultrapassou o tempo de que dispunha. Porém, o PSD cedeu-lhe mais algum tempo, para terminar a sua intervenção, mas que ainda sobrou para responder às perguntas dos três Srs. Deputados que se inscreveram para pedir-lhe esclarecimentos. São eles o Sr. Deputados Álvaro Barreto, a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques e o Sr. Deputado João Oliveira Martins.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Barreto.
O Sr. Álvaro Barreto (PSD): - Sr. Deputado Freitas do Amaral, quero, em primeiro lugar, felicitá-lo pela maneira clara e brilhante como defendeu, com coerência, os seus pontos de vista.
Tive o grato prazer de, com o Prof. Freitas do Amaral, pertencer ao VI Governo Constitucional, chefiado por Francisco Sá Carneiro, e de admirar a frontalidade e a clareza com que, habitualmente, expunha os seus pontos de vista.
No entanto, há uma divergência entre o meu ponto de vista e o modelo federalista que o Prof. Freitas do Amaral defende.
Por isso, gastava de pergunta-lhe se não pensa ser perfeitamente possível atingir os objectivos que definiu-e com os quais estou inteiramente de acordo - sem caminharmos para uma solução federalista. Não pensa o Sr. Deputado Freitas do Amaral que, se caminharmos depressa demais para uma solução federalista, poderemos pôr em causa o triunfo dos ideais que tão bem aqui defendeu?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Freitas do Amaral, responde já ou, como suponho, por uma razão de tempo, prefere responder no fim aos três Srs. Deputados?
O Sr. Freitas do Amaral (Indep.): - Respondo no fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.
A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, quero também dizer ao Sr. Deputado Freitas do Amaral do gasto que tive em ouvi-lo, pela clareza e coerência da sua posição. Estou habituada-aliás, estamos todos habituados- a ouvi-lo, há muitos anos, defender a Europa. Eu própria, ontem, tive a oportunidade de falar sobre a
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prioridade das prioridades - a Europa - que o Sr. Deputado, então vice-primeiro-ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros, defendeu nesta Casa.
É sempre um gosto ouvir um europeísta, como o Sr. Deputado, defender, de forma tão clara e precisa, os interesses da Europa.
Gostava de falar de um ponto que o Sr. Deputado não tocou, mas que ontem aqui foi abordado e que me parece importante para Portugal. Refiro-me aos interesses vitais do País.
O Sr. Deputado João de Deus Pinheiro, voz autorizada em nome do PSD, mas também em nome do Governo, pois foi ele que subscreveu o Tratado de Maastricht, disse-nos, ontem, considerar que se mantém o compromisso de Luxemburgo. Também nós, no PS, consideramos que ele se mantém em vigor e pode ser invocado. Quer o Sr. Deputado Freitas do Amaral dizer-nos qual é a sua perspectiva sobre esta matéria, vital para os interesses do País?
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira Martins.
O Sr. João Oliveira Martins (PSD): - Sr. Presidente, quero saudar a presença do Sr. Deputado Freitas do Amaral nesta Câmara e testemunhar que já há muitos anos conheço o seu pensamento sobre a construção europeia. No entanto, hoje, tendencialmente, ele pareceu-me mais abertamente federalista.
A questão que quero colocar-lhe não tem qualquer novidade e resulta das características de um país como aquele em que vivemos.
Como é que, numa federação, dentro das comparações que podemos fazer com outras federações existentes, um país periférico e pequeno, como Portugal, pode resistir a certas atracções de um centro forte, dinâmico e ria)? Como é que certos problemas de melhoria do bem-estar da sua população podem ser devidamente considerados?
Do meu ponto de vista - e sobre Isto solicitava o seu comentário -, poder-se-á fazê-lo desde que o sistema de votação nessa federação tenha, de alguma maneira, em conta a posição dos países pequenos.
Dir-se-á que isso já hoje existe no caso da Comunidade Europeia. Mas não lhe parece, Sr. Deputado, que o Governo teve «carradas» de razão quando, em determinada altura, no exercício da presidência portuguesa da Comunidade, propôs - e penso que essa proposta se mantém - a formação de uma segunda câmara, em que o voto não fosse pró raia da respectiva população? Srs. Deputado, não ficaria mais seguro na defesa das suas teses se existisse uma segunda câmara com esta configuração? Acha que o princípio da subsidariedade defende suficientemente a posição dos países pequenos?
Por último, tendo o Sr. Deputado fundado um partido, cuja vida influenciou ao longo de tantos e tantos anos e cujas teses defendeu, como é que explica que esse partido, apesar de hoje estar fora dele, tome a posição que se conhece relativamente ao Tratado de Maastricht?
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Freitas do Amaral.
O Sr. Freitas do Amaral (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permito-me agradecer aos três Srs. Deputados que me pediram esclarecimentos as amáveis referências com que as iniciaram.
Em relação ao Sr. Deputado Álvaro Barreto, quero dizer que sou entusiasticamente um federalista, mas não sou um federalista com «botas de sete léguas». Portanto, admito perfeitamente que o modelo federalista é um modelo final, para qual eu, pessoalmente - e muitos outros como eu, na Europa -, desejo caminhar. No entanto, não tenho qualquer vontade de fazê-lo depressa demais ou de percorrer o caminho de uma forma precipitada.
Aceitamos perfeitamente, também nesse ponto, o método gradualista de Jean Monnet e, por isso, vamos avançando, passo a passo. Assim, vamos do Tratado de Roma para o Acto Único, do Acto Único para o Tratado de Maastricht, e prevemos já uma revisão deste Tratado para de aqui a uns anos, pois sabemos que a construção da Europa Unida é um projecto para muitas gerações. Aliás, não me preocupa nada que isso demore muito tempo. Sei que não verei o atingir do destino final dessa caminhada, assim como sei que mesmo os Estados Unidos da América demoraram 200 anos a tornarem-se a potência económica e militar que hoje são.
Por isso, se a Europa demorar o mesmo tempo, ou até mais, a realizar o seu projecto, isso não me impressiona. O que pretendo, ao iniciar um caminho, é saber para onde vou, saber qual é o destino final para onde me dirijo ou para onde me levam. Aliás, em minha opinião, o que muitas vezes faltou neste debate europeu sobre Maastricht foi a lealdade suficiente, da pane dos homens públicos que defenderam soluções concretas do Tratado, para dizerem aos povos europeus qual era o destino final da caminhada cujo avanço lhes propunham.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!...
O Sr. Luís Geraldes (PSD): - Quem diria!...
Risos.
Diria, portanto, que não vamos depressa demais, mas tem havido sempre - e, de certo, continuará a haver - este contraste, esta disputa entre a corrente federalista, em que me integro, e a corrente intergovernamental. E, posto que somos democratas, se há duas correntes com pesos relativamente idênticos, defendendo modelos diferentes, pois então cheguemos a um compromisso e avancemos por compromissos.
Este foi o compromisso possível em Maastricht. No Tratado não está tudo aquilo que gostaria que estivesse, mas está o suficiente para que o considere um passo em frente. Ao dizer um passo em frente, tenho em vista o objectivo final para o qual desejo que a Europa caminhe.
Respondo, em segundo lugar, à Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, a quem agradeço também a referência que ontem me fez no seu discurso. Quero dizer-lhe que, como é evidente, considero que os interesses vitais dos diferentes Estados membros têm de ser salvaguardados e que o compromisso de Luxemburgo é uma forma de defender esses interesses vitais.
Há, neste Tratado, uma cláusula que vai um pouco mais além e que leva os Estados membros a comprometerem-se que usarão de boa-fé na utilização do seu direito de veto e que procurarão evitar, o mais possível, vetar uma decisão em relação à qual haja um quase consenso formado. No entanto, esse dever imposto aos Estados não lhes retira o direito de veto.
Por isso, entendo que é direito de cada Estado, que é obrigação dos governos de cada Estado, sempre que este-
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já em causa um interesse vital, usar, sem vergonha e sem medo, o direito de veto.
A minha terceira resposta vai para o Sr. Deputado João Oliveira Martins.
Penso que a federação que delineio como projecto ideal- e de que estão realizados apenas os primeiros passos- será sempre uma federação sui generis. Não será igual à federação americana, não será igual à federação suíça, não será igual a nenhuma federação das que, até hoje, existiram à face da Terra. A Europa que inventou a civilização inventará, com certeza, um modelo sui generis de federação, que atenda aos interesses fundamentais de todos os países membros e, nomeadamente, porque somos portugueses, aos interesses de Portugal.
Veja, Sr. Deputado, como já neste momento, no Tratado de Maastricht, começa a emergir essa sensibilidade da Europa para os problemas dos países menos desenvolvidos ou com mais problemas.
Já lá está a coesão económica e social, o fundo de coesão e certas normas que apontam para a necessidade de corrigir os desequilíbrios, para que a Europa seja de todos e não apenas dos mais ricos, dos mais avançados ou dos mais desenvolvidos, que seja uma Europa solidária para dentro antes de o ser para fora, como também tem de ser.
E não pensemos só em nas! Entre os Doze há outros países que também precisam de colocar-se ao nível dos mais avançados e, amanhã, quando entrarem -e têm de entrar - as novas democracias do Leste europeu, também para elas será necessária coesão económica e social, a fim de arrancar esses países do fosso profundo de miséria em que os deixaram 40 anos de ditadura comunista.
Vozes do PSD e do PS: - Muito bem!
O Orador: - Finalmente, o Sr. Deputado fez a pergunta mais delicada que me poderia ter sido feita neste debate, ou seja, que explicação dou para a diferença profunda de atitude que marca hoje a posição do CDS em relação aos 18 anos da sua vida, que decorreram desde 1974 até hoje.
Não quero que, neste debate, haja qualquer traço de polémica e muito menos de ajuste de contas. Direi, apenas, que o CDS exerceu o seu direito de ser diferente, arredando-se da linha que tinha seguido e que lhe tinha sido proposta pelos seus fundadores. Está no seu direito, mas os fundadores do partido também estão no seu direito de não se identificarem com essa alteração e de se afastarem dela.
Aplausos do PSD e do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Meneses Ferreira.
O Sr. Meneses Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A integração de Portugal nas Comunidades Europeias é uma responsabilidade histórica da nossa geração.
No marco inicial que foi a adesão e em todos os desenvolvimentos comunitários com que nos temas defrontado, compete-nos medir os prós e os contras e lançar ou não Portugal nesta prodigiosa aventura colectiva. Não o fazemos somente por nós, mas pelos nossas filhos. E também pelos filhos dos nossos filhos, se forças destrutivas não tornarem este processo de aproximação pacífica dos povos europeus numa questão sem sentido.
É uma responsabilidade difícil esta de ratificar Maastricht. Quem disser o contrário, baseado em autoconfiança ilimitada ou na certeza, porque certeza há, de que existem ganhos financeiros de curto prazo, estará a menosprezar o desafio que. se nos coloca.
A discussão do Tratado da União Europeia na Comissão Parlamentar dos Assuntos Europeus e, tanto quanto sei, em muitas outras comissões especializadas, contou com muita gente, de dentro e de fora da Assembleia da República. Foi fecunda e, certamente, polémica, pois ouviram-se vozes concordantes e vozes críticas, quase sempre bem fundamentadas.
No relatório que preparei para a Comissão dos Assuntos Europeus decidi fazer o relato fiel de um debate polémico, ou seja, mesmo com uma perspectiva pessoal globalmente positiva, entendi não fugir às questões mais espinhosas.
Embora um pouco desfasado na ordem de trabalhos, referirei, desta tribuna, duas ou três ideias força que nelas se contêm, deixando de lado, por exemplo, várias questões geoestratégicas que ocuparam o nosso debate: o necessário reencontro desta pequena Europa com a grande Europa; o binómio aprofundamento/alargamento; a menoridade da Europa Comunitária enquanto potência política; a coexistência das vertentes atlântica, mediterrânica e continental no seu seio; a eventualidade de velocidades diferenciadas e geometrias variáveis no processo de unidade europeia; o caso alemão como síndroma de hegemonia, etc.
Também o tempo não nos chega para abordar certos temas de carácter horizontal que melhor iluminam a opção que nos é pedida e que constam desse relatório. Refiro-me, nomeadamente, à realidade da soberania e da interdependência no limiar do século XXI, à questão das transferências de soberania como perda ou partilha, à concepção adoptada no Tratado sobre a subsidiariedade, enquanto repartição de poderes entre a Comunidade, os Estados e as colectividades regionais e locais, ao peso relativo dos mecanismos pré-federais e dos mecanismos vincadamente interestaduais na experiência comunitária - que será sempre sui generis -, à subsistência de um modelo formalmente igualitário que marca o destino dos pequenos países, como Portugal.
Tendo que optar por dois ou três aspectos que no debate foram mais frisados, farei uma breve reflexão sobre os sobressaltos e avanços na construção europeia, para que se evitem certas tentações potencialmente perigosas e, também, sobre a flexibilidade que este instrumento pode demonstrar face a diversas conjunturas.
O que se construiu em paz nos últimos 40 anos é notável. Mas, a menos que se acredite na exponencial aceleração da História e na evolução humana para a bondade universal, este processo comunitário tem de ser apreciado com cautela.
Uma tentação perigosa é a de se considerar que a construção europeia opera por patamares, ou seja, que há paragens e progressos mas nunca regressões. Essa noção de irreversibilidade conforta todos os que acham, neste ou naquele momento, que é preciso e é tempo de parar.
Só que hoje é legítimo questionar a durabilidade das soluções já decididas e postas em prática. À medida que sobe a fasquia e se toma mais exigente a solidariedade dos Estados em todos os domínios, são mais acirrados os ataques dos inimigos da construção europeia. Este é um ponto, mas não é sequer o principal.
O que acontece, acima de tudo, é que alguns dos contextos em que nasceram as Comunidades Europeias estão
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a desaparecer. Eclodem novas tensões e velhos fantasmas e o mundo altera-se radicalmente em perspectivas de longo prazo. Com efeito, podem dar-se como exemplos a inevitável reorganização regional europeia na sequência da queda do muro de Berlim, as dificuldades de concretização, já decidida, da livre circulação de pessoas e capitais se não operarem certos avanços e a regressão óbvia nos princípios originários da Política Agrícola Comum.
Uma outra tentação, quase oposta à anterior e de igual modo perigosa, é a de caminhar a golpes de voluntarismo, por cima das nuvens e a velocidade desenfreada. Esta opção de ignorar o grau de sedimentação dos terrenos que se pisam raras vezes é inconsciente. No entanto, os seus defensores pensam que é mais fácil explicar às populações ideias claras do que compromissos complicados. Segundo eles, a canga das nações, dos Estados e dos redutos de soberania será olhada com desdém pelos cidadãos europeus se tiverem a ousadia de a substituir por uma organização descentralizada, com um único governo democraticamente controlado por uma assembleia representativa de todos os povos europeus.
Como em tudo na vida, no meio estará a virtude. Se os objectivos são claros e por todos partilhados, a opção preferível será a de manter o rumo, evitar escolhos, ir gerando consensos e avançar. Consolidar os progressos, vivê-los, traçar novos objectivos e avançar de novo. Avançar sempre que a oportunidade histórica surja e se sabe para onde ir, mesmo com contrariedades previsíveis.
Esta evolução será, com certeza, rapidíssima se o padrão temporal for a velha história dos Estados europeus, mas ganha em ser lenta e inexorável no tempo história) que é o nosso, o que viu nascer as Comunidades Europeias.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A propósito das várias dinâmicas da construção europeia, o debate incidiu frequentemente sobre a redacção do Tratado e as incompreensões que ela suscita.
Uma importante questão a colocar é a da flexibilidade dos instrumentos de direito internacional que instituíram ou modificaram as Comunidades Europeias, flexibilidade que comporta essa dinâmica e até a estimula. O Tratado da União Europeia não é senão o último caso da espécie e, neste momento, o mais importante porque é a sua ratificação que está em jogo. Os restantes são só modelos antigos, mais ou menos recomendáveis.
Importa que se reconheça que os modelos provaram bem e que este Tratado, que é inovador nos aspectos não despiciendos, é ainda um filho legítimo desses modelos.
Qual é, então, a diferença fundamental que não evita a confusão de alguns leitores e intérpretes qualificados e pode causar perplexidade ao cidadão comum, parcamente informado e mobilizado? É que este Tratado teve a ambição de designar uma multiplicidade de objectivos em diversas áreas, enumerou técnicas diferenciadas para os atingir e, quanto aos conteúdos intermédios, deixou - como aliás os outros modelos o haviam feito - tudo em aberto. Com tantas portas, umas mais estreitas que outras mas quase todas escancaradas, não admira que a especulação abunde e que a soma de todas as hipóteses configuradas possa assemelhar-se a uma confusão.
Ou seja, o que muitos criticam neste instrumento, felizmente flexível, é o que não está lá mas pode vir a estar, e o que por vezes se afirma para o defender e acalmar os ânimos é também o que não está lá mas que pode vir a estar. Não admira que em debates públicos os mesmos temas suscitem comentários absolutamente contrários e não admira que o esclarecimento das populações saia diminuído desses debates.
Relativamente a este Tratado, como os outros que o precederam, o que admira é que não haja a coragem de avaliá-los pela justeza dos seus objectivos - mesmo dispersos - nem a de admitir neles a flexibilidade que pode determinar, para um Estado signatário, boas ou más consequências,...
O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!
O Orador: -... conforme o modo como esse Estado souber jogar com os seus parceiros durante a respectiva vigência.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - Também admira que não se elogie a capacidade que todos os tratados comunitários têm demonstrado em resistir às más conjunturas, estancando e acelerando quando é caso disso.
Devo concluir, Sr. Presidente, relembrando, em primeiro lugar, os ingredientes do pacto tácito mas solene que faz mover a construção europeia no passado, no presente e no futuro, isto é, a paz, a liberdade, a prosperidade, o equilíbrio entre grandes e pequenos e entre diferentes tradições, bem como a convivência quotidiana e a solidariedade. E é a favor de tudo isto que continuamos.
Em segundo lugar, relembrando o mandato dado aos negociadores deste Tratado: aprofundar as políticas comunitárias sem prejuízo da sua eficácia e transparência; conferir mais legitimidade democrática à vida comunitária; procurar unidade e coerência na acção externa da comunidade.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - Os resultados estão aí e são, naturalmente, um compromisso que apoiamos. Aos que são contra Maastricht deixamos o repto de demonstrar que ou o mandato era mau ou que a Comunidade ficará melhor tal como está.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, ao abrigo do n.º 2 do artigo 80.º do Regimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
Neste momento verifica-se o abandono da Sala por parte de muitos Deputados.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Verifico que há um certo desconforto na Câmara - e com muita razão. Mas, Srs. Deputados, a organização dos trabalhos, bem como a culpa de estarmos aqui, neste momento, numa situação em que se desvalorizou claramente o debate sobre Maastricht, não é minha. Assim sendo, não vão, concerteza, os Srs. Deputados impedir que expresse aqui a minha opinião e da Associação Intervenção Democrática.
Creio, contudo, que deveria ter havido maior ponderação no tipo de organização de trabalhos para que não se deparasse, como acontece neste momento, com uma Assembleia semideserta e com a ausência do Governo, quando se está ainda a discutir uma matéria importante.
Esta é a crítica que tinha que ser feita, Sr. Presidente.
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O Sr. José Magalhães (PS): - Então, e nós, os que ficaram a ouvi-lo?!
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados (já que não se encontra presente qualquer membro do Governo): A defesa de uma unidade europeia capaz de assegurar um papel político e económico determinante, no quadro mundial ao espaço comum que é a Europa...
Sr. Deputado José Magalhães, se quiser intervir, faça o favor!
O Sr. José Magalhães (PS): - Estava a dizer que estava aqui para o ouvir, Sr. Deputado!
O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado. Aliás, tenho verificado isso através do seu «silêncio»...
Como ia dizendo, a defesa de uma unidade europeia capaz de assegurar um papel político e económico determinante, no quadro mundial ao espaço comum que é a Europa, não pode fazer-se com sacrifício da identidade cultural, política, social e económica de cada um dos povos.
Sr. Presidente, talvez os Srs. Deputados Mário Maciel e José Magalhães pretendam intervir. De facto, podemos ficar aqui o tempo que entenderem, pois disponho de tempo para falar. Se pretendem continuar nessa «chicana», pois continuem a divertir-se, mas penso que há um mínimo de respeito, que exijo, nomeadamente ao Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peco-lhe que use da palavra, pois está no seu direito. As pessoas estão atentas ao que está a dizer.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca não há aqui malcriados!
O Orador: - Ainda bem que não há malcriados Sr. Deputado!
Como dizia, a defesa de uma unidade europeia capaz de assegurar um papel político e económico determinante, no quadro mundial ao espaço comum que é a Europa, não pode fazer-se com sacrifício da identidade cultural, política, social e económica de cada um dos povos que integram a Comunidade Europeia, pelo que se impõe, nesse sentido, uma perspectiva de respeito mútuo e de cooperação alargada que, na nossa opinião (da Intervenção Democrática), não surge reflectida nos termos do Tratado.
Os termos do Tratado de Maastricht, tal como se encontram definidos, não asseguram uma total garantia de independência e de respeito pela soberania nacional. Partindo-se da hipótese, contestável, de não se verificar, a médio ou curto prazo, uma grave crise económico-financeira- o que a realidade actual, francamente, começa a desmentir, agravada ainda pela recente turbulência no SME - o Tratado contempla, em si mesmo, uma série de medidas económicas que provocarão, seguramente, consequências graves para Portugal. Os limites económico-financeiros definidos pelo Tratado são, na nossa opinião, muito restritivos.
As implicações políticas da aprovação deste Tratado são visíveis e conduzem a uma inegável perda de soberania, o que deveria ser ponderado e, posteriormente, alteradas numa revisão deste Tratado, melhorando-o sensível e qualitativamente. Nada é irreversível, ao contrário do que consideram os que defendem Maastricht - Maastricht Pode e deve ser revisto.
O carácter federalista de Maastricht é patente. Tal foi insistentemente assinalado no decurso deste debate, não obstante as tentativas dos defensores do Tratado em demonstrarem o contrário do que está implícito no documento que o Governo, o PS e o PSD pretendem ratificar apressadamente.
Dizem estes que não existem no clausulado referências a uma união ou vocação de carácter federal. No entanto, não é imperioso que o Tratado contemple essas posições para considerar afastado o referido carácter federalista do Tratado.
Entendemos, como já aqui o disse, que qualquer acordo ou tratado internacional significa sempre a introdução de certos limites à soberania dos Estados signatários. Contudo, o tratado de Maastricht representa a perda de uma parcela demasiado forte da soberania do nosso país, que nenhum Tratado pode justificar.
No quadro de Maastricht, os países prescindirão do exercício de soberania própria em áreas fundamentais, designadamente em matéria económica, financeira e monetária, com a criação da moeda única, e em matéria política, com a deslocação de centros de decisão, criação da cidadania única e novas imposições para as políticas externa e de segurança comum a favor de uma união onde podem vislumbrar-se, como disse, concepções federalistas.
Por outro lado, são introduzidas distorções graves ao nível do funcionamento das instituições, atribuindo escassos poderes a instituições, como o Parlamento Europeu, a favor de um órgão burocrático e centralizado, como a Comissão Europeia ou o banco central. Verifica-se, assim, um claro défice democrático.
O Tratado reflecte, também, uma tendência real para um maior afastamento dos cidadãos relativamente aos centros de decisão, apesar das declarações de princípio sobre esta matéria. É igualmente previsível a tendência para a subalternização dos países pequenos, como Portugal, observando-se ainda o termo da regra da unanimidade.
Sr. Presidente, perante uma matéria de tão amplo alcance e com tão importantes consequências e repercussões na vida portuguesa, a nenhuma instituição assiste o direito moral de decidir sem uma larga audição da população. Por este motivo, não podemos aceitar os argumentos do Governo que visam justificar o facto de não se ter promovido uma ampla discussão pública que culminasse numa consulta popular.
Com efeito, para uma discussão desta natureza, impunha-se a distribuição de uma publicação onde constassem as principais normas do Tratado, bem como a elencagem das principais consequências que decorrerão para o País, e não o opúsculo a que o Sr. Primeiro-Ministro ontem se referiu. Isto mesmo fez a Dinamarca, onde o governo deste país, apesar de ser um defensor acérrimo de Maastricht, não deixou de possibilitar ao povo dinamarquês um conhecimento profundo do Tratado, promovendo um debate público exemplar que possibilitou aos Dinamarqueses decidir em consciência, como se verificou. O mesmo se passou em França.
Os múltiplos aspectos que vão condicionar a vida dos Portugueses obrigariam a uma participação de toda a sociedade, nomeadamente - como já ontem afirmei - a sua responsabilização na ratificação ou não do Tratado. Insistimos que é absurdo, não compreensível e inaceitável que o nosso povo não possa fundamentar uma opinião sem conhecer profundamente o Tratado.
Temos ainda o facto negativo de os países mais ricos pretenderem impedir neste momento a aprovação e apli-
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cação do Pacote Delors II, notando-se a hostilidade flagrante da presidência britânica ao referido pacote, que se destina a minimizar alguns dos aspectos mais negativos que o Tratado de Maastricht encerra para países como Portugal.
E não se diga que é urgente a ratificação, quando se sabe que o Tratado não entrará em vigor tão cedo, conhecida como é a posição da Dinamarca e da própria Grã-Bretanha. Havia e há tempo que baste, Sr. Presidente, para se promover essa discussão pública; havia e há tempo para a realização de um referendo sobre esta matéria antes da sua ratificação, ratificação esta, Sr. Presidente, que eu próprio e a Associação Intervenção Democrática recusamos.
(O orador reviu).
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Mário Maciel pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, pretendia esclarecer a minha posição face a uma observação, que considero ofensiva, do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. Presidente: - Para a defesa da consideração, tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, a hora já vai avançada, o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, certamente, tem fome e eu, apesar de ter tanta fome quanto ele, fiquei aqui para o ouvir. Portanto, fiz um sacrifício pessoal. Não estava, de maneira alguma, a pretender desvalorizar a sua intervenção, simplesmente conversava com o meu colega vice-presidente, Carlos Coelho, sobre matérias sobre as quais o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca não tem nada que saber. Ou seja, a minha presença significava respeito pelo Sr. Deputado e nada mais.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mário Maciel, é evidente que respeito V. Ex.ª, e longe de mim pensar que não me tem igual sentimento. Exigir-lhe-ei sempre esse respeito. Assim acontece comigo em relação a V. Ex.ª
De facto, fome não tenho! Porque tenho muito trabalho e todos sabem aqui como actuo. É verdade, Sr. Deputado, que V. Ex.ª e outro Sr. Deputado me estavam a incomodar, claramente, de forma desrespeitosa quando pretendi usar da palavra.
(O orador reviu).
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães pede a palavra para o mesmo efeito, suponho. Tem a palavra. Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, creio que não se justifica a utilização da figura da defesa da honra porque não me considero ofendido. No entanto, gostaria de deixar exarada na acta, se V. Ex.ª me permite, uma observação.
O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca interpretou mal, inteiramente mal, o sentido de algumas observações feitas no início da intervenção que produziu - e deixaria completamente de lado as observações de carácter pessoal que tez e que considero infelizes por tudo, pelo passado e pelo presente.
Em todo o caso, gostaria de sublinhar que a bancada do Grupo Parlamentar do PS fez-se representar neste debate, de resto para ouvir o Sr. Deputado, não só através de elementos da direcção do grupo parlamentar como pelo presidente da Comissão de Assuntos Europeus, o coordenador da referida Comissão e outros Srs. Deputados que aqui ficaram, como aliás é nosso dever, até ao termo da intervenção.
Considero esta afirmação importante; pois é esta a conduta que consideramos adequada.
O Sr. Guilherme Oliveira Martins (PS): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, suponho que nada mais há a dizer. Apenas gostaria de dizer ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca que os trabalhos foram organizados pela Mesa, e a Mesa não tem de se arrepender do modo como os organizou. Além do mais, o Sr. Deputado deveria considerar-se feliz por que teve uma boa Câmara a ouvi-lo.
Risos.
Srs. Deputados, visto estarem esgotadas as inscrições para intervenção neste debate, vamos suspender os nossos trabalhos. Retomaremos às 16 horas e 55 minutos.
Eram 14 horas e 10 minutos.
Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 17 horas.
Srs. Deputados, recebi do Sr. Presidente da República uma carta que diz o seguinte:
Estando prevista a minha deslocação a Paris entre os dias 14 e 16 do corrente mês de Dezembro, para a inauguração da exposição sobre Jorge Amado, venho requerer; nos termos dos artigos 132.º, n.º 1, e 166.º, alínea b), da Constituição, o necessário assentimento da Assembleia da República.
O Sr. Secretário vai proceder à leitura do respectivo parecer e proposta de resolução da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: É do seguinte teor o referido parecer e proposta de resolução:
A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação da Assembleia da República, tendo apreciado a mensagem de S. Ex.ª o Presidente da República em que solicita o assentimento para se deslocar, em visita de carácter oficial, a Paris, entre os dias 14 e 16 do corrente mês de Dezembro, apresenta ao Plenário a seguinte proposta de resolução:
Nos termos do n.º 1 do artigo 132.º da Constituição, a Assembleia da República dá o
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assentimento à visita de carácter oficial a Paris, entre os dias 14 e 16 do corrente mês de Dezembro.
O Sr. Presidente: - Vamos proceder à votação do parecer e respectiva proposta de resolução que acabaram de ser lidos.
Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade, registando-se a ausência do Deputado independente Mário Tomé.
Entramos agora na fase de encerramento do debate da proposta de resolução n.º 11/VI, durante a qual usarão da palavra, como sabem, os representantes dos diversos grupos parlamentares pela ordem inversa da respectiva representação parlamentar.
Para uma intervenção, tem então a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Tratado de Maastricht vai ser ratificado. Poderão dizer que tiveram de assumir compromissos, cumprir um qualquer destino ou simplesmente passar à margem, na certeza de que nada, mas nada, justificará o modo como o Tratado foi ratificado e o processo que o antecedeu. Esse ficará como memória do entendimento que PSD e PS têm da transparência, da participação dos cidadãos, da democracia, um processo negociado na sombra pelos que da política têm a curta visão das conversas de corredor e dos acordos à porta fechada.
Em alianças a dois convergiu-se, negando a informação, escapando à divulgação do Tratado, recusando a análise, o debate, o confronto de opiniões, a discussão pública, o que não deixa de ser curioso para quem como dogma assumiu este Tratado não só como a via mas a única via possível para a construção da Europa. A rolha foi lei, impedindo 10 milhões de portugueses dê ter acesso a instrumentos de análise e confronto, negando-lhes a possibilidade de fazer ouvir a sua voz, a pretexto de que esta questão era demasiado complexa, e insinuando, falta de capacidade de discernimento como razão para impor a ignorância sobre o Tratado e recusar o referendo. Maastricht foi tabu.
E nós, Os Verdes, porque recusamos a «política tabu» dos velhos partidos tradicionais, porque recusamos a política como privilégio de alguns, a política que nega aos cidadãos e aos seus movimentos espaço de afirmação e desrespeita a vontade expressa dos povos (como no caso dinamarquês), porque recusamos o sigilo e o diktat que o Tratado impõe, dizemos não a Maastricht e sim a uma Europa informada, de debate plural, de direito à livre escolha.
E nós, porque recusamos a Europa como superpotência burocratizada e centralizadora e o poder sem rosto dos eurocratas de Bruxelas, porque recusamos a transferência de poderes do Parlamento nacional não para o Parlamento Europeu mas para instâncias que nenhum voto legitimou e que imunes ao poder fiscalizador dos povos o Tratado coloca, dizemos não a Maastricht e sim à democracia, ao poder próximo dos cidadãos, à participação, ao poder para as regiões.
E nós, porque recusamos o primado do lucro, a Europa como mero mercado de consumidores e o fatalismo de milhões de desempregados e pobres que a Europa gerou e este Tratado não resolve com vagas declarações de princípios, dizemos não a Maastricht e sim a uma Europa humanizada, não geradora de exclusões, de violência, de insegurança, que, em igualdade, garanta a todos direitos humanos e cívicos.
E nós, porque recusamos a Europa patriarcal e a discriminação existente contra as mulheres, que este Tratado não resolve, numa estratégia para a igualdade de oportunidades, dizemos não a Maastrícht e sim a uma Europa não sexista e discriminatória.
E nós, porque recusamos a perpetuação da desigualdade nas trocas entre o Norte e o Sul e o enriquecimento à custa da degradação ecológica dos povos do Terceiro Mundo, porque recusamos a Europa como fortaleza, a Europa que com intolerância fecha as portas aos povos que ela própria condena à miséria, à desertificação e à fome, a Europa que Schengen iniciou e este Tratado acentua, dizemos «não» a Maastricht e «sim» a uma Europa pautada por uma nova ética de cooperação, uma Europa de solidariedade, uma Europa multi-racial.
E nós, porque recusamos a degradação ecológica como um atentado ao futuro que o livre comércio e a indústria ferozmente acentuarão, porque recusamos o ambiente sem uma política de união que o Tratado mantém, dizemos não a Maastricht e sim à Europa do equilíbrio ecológico, do futuro e da preservação da vida.
E porque, por último, recusamos a Europa como superpotência militar que através do recurso à força quer resolver diferendos e impor a preservação dos seus privilégios no Mundo, dizemos não a Maastricht, sim ao reforço da segurança e da cooperação não militares e sim ao desarmamento, à não violência e à paz.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs Deputados: O Tratado que vai ser ratificado representa uma opção condenada ao fracasso. Maastricht não foi capaz dê interpretar a história recente da Europa, nem foi capaz de equacionar as grandes questões da. Humanidade.
Maastricht é a opção condenada de quem recupera valores caducos dos regimes totalitários, feitos da marginalização dos povos, da anulação da sua identidade cultural, do asfixiante autoritarismo.
Maastricht é a opção condenada de quem recusa equacionar o dilema da Conferência do Rio, nega enfrentar a profunda crise ecológica planetária e quer manter vivo o modelo económico que lhe esteve na origem.
Por tudo isso, nós. Os Verdes, como outros o fizeram, diremos não a Maastricht- como uma opção sem futuro. Por isso diremos sim à Europa e sim à esperança, fiéis à utopia e convictos de que outros caminhos existem e bem cedo se abrirão.
Aplausos de Os Verdes, do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.
O Sr. Manuel Queiró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: No termo destes dois dias de debate, quando a. Assembleia da República se prepara, no exercício formal de uma legitimidade constitucional, para aprovar o envio ao Sr. Presidente da República da proposta do Governo para que o Tratado da União Europeia seja por ele ratificado em nome do povo português, alguns factos sérios e graves se impõem à constatação pública.
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Em primeiro lugar, todo este processo político se aproxima do seu fim sem que o povo português, no seu conjunto, tenha tido a possibilidade de se pronunciar sobre o seu futuro e o do seu país, largamente determinado pelas perspectivas decorrentes deste Tratado. Não importam agora as razões invocadas pelos que lhe negaram esse direito. O facto simples está aí: os Portugueses estavam interessados nisso, tinham esse direito, mas não tiveram qualquer hipótese de o exercer.
Em consequência disso, e em segundo lugar, não se produziu em Portugal o debate público, profundo e esclarecedor que permitisse a tomada de consciência das formas e do modelo de integração na Europa que mais interessam a Portugal. Uma integração que a esmagadora maioria não questionou, mas de cujas possíveis implicações continua a manter-se perigosamente alheada, como se fosse possível encarar o aprofundamento da nossa integração numa entidade mais vasta, politicamente unida, como um negócio de elites que diga somente respeito ao Governo e aos políticos.
Em terceiro lugar, a decisão que hoje será tomada é, pela primeira vez, assumidamente condicionada por uma pressão envolvente que nos retira, na prática, a liberdade de escolha. Deste constrangimento não souberam os dois maiores partidos retirar uma consequência necessária: a de que se impunha debater com os Portugueses, ter a coragem de junto deles defender uma posição e de neles depositar uma decisão tão importante e decisiva.
Estes três factos, que previamente a este debate já o marcavam negativamente, acabaram por retirar-lhe a relevância que à partida devia ter. A opinião pública acompanhou as nossas palavras com uma atenção distraída e recebe a nossa posição última com o fatalismo e o conformismo de quem absorve uma realidade exterior, que lhe acontece, mas a que não se sente vinculada por inteiro.
Por triste que seja esta observação, não encontramos forma de fugir-lhe. Temos a consciência de, pela nossa parte, termos feito o que podíamos para que assim não fosse. Demos, desde o primeiro momento, um contributo decisivo para alterar estes condicionalismos, mas, infelizmente, quase tudo foi olhado como manobras ou jogadas políticas. Foi quase impossível encontrar um interlocutor que tomasse as nossas iniciativas pelo seu «valor facial», como se os partidos, hipnotizados pela permanente disputa no mercado político, já não conseguissem olhar mais longe, mesmo quando a importância decisiva do assunto e do momento não exigia outra coisa.
A nossa proposta de referendo foi inicialmente afastada por unanimidade, como uma ideia bizarra e quase irresponsável. O próprio Presidente da República, a quem incumbe a responsabilidade constitucional de ratificar Maastricht, não deu ao assunto a atenção e importância que agora, a destempo, parece querer dar-lhe e não utilizou aquela faculdade, que só ele detém, para forçar a realização tempestiva do referendo.
As salvaguardas de soberania que procurámos desde já introduzir na Constituição foram rejeitadas pela preocupação acessória de não abrir um processo de revisão que precipitasse PSD e PS em incómodas negociações. Também aqui o essencial foi esquecido em favor de razões de pura oportunidade política.
A nossa preocupação em que Portugal pusesse o seu peso negociai a favor de uma renegociação que removesse as normas que favorecem ou possibilitam um desenvolvimento do tipo federal da União Europeia foi repetidamente frustrada, com o falso argumento de que esse termo tinha sido retirado, como se fosse esse o nosso motivo de preocupação. Argumentou-se posteriormente que a melhor lógica negociai era justamente encabeçar a recusa da renegociação, como forma de melhor garantir o que pragmaticamente interessava a Portugal, ou seja, o financiamento dos mecanismos da coesão. Ainda não obtivemos essa garantia. O que está garantido é mesmo a amputação dessa perspectiva.
Perante tudo isto, a decisão dos filiados no CDS só poderia ter sido a que foi: confrontados com a impossibilidade de um referendo e com a ausência de salvaguardas de soberania, sem garantias dos fundos de coesão, decidiram pela nossa não aprovação do Tratado. É o que faremos, sem qualquer imposição autoritária sobre os que entenderam representar esta posição não tomando parte no voto.
Acorreram logo os que negaram todo e qualquer referendo e nem sequer admitem as discussões e a consulta interna, mesmo que fosse apenas nos seus grupos parlamentares, a criticar a forma como o CDS inquiriu os seus membros. Que com essas condições todo o bom português votaria contra Maastricht. Admitamos que sim, admitamos que os portugueses votariam «não», sem referendo, sem salvaguardas de soberania, sem garantias de fundos. Estranha conclusão para aqueles que se preparam para, em nome dos Portugueses, votar «sim», sem referendo, sem aquelas salvaguardas e sem aquelas garantias!
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Questionando a forma da decisão e o modelo, o CDS mantém-se fiel à sua posição em favor do aprofundamento da União Europeia, nos precisos termos do nosso compromisso nas eleições europeias. Como foi dito então, para nós «a melhor Europa para Portugal não será uma federação nem sequer uma confederação; será antes uma cooperativa».
O CDS está mesmo convencido de que a sua posição é a que melhor serve uma integração autêntica de Portugal na Europa e que mais consequentemente luta pela construção com êxito de uma Europa respeitadora das pátrias e da soberania de cada povo, uma construção gradual, sem hierarquias e submissões. Estamos convencidos de que só essa Europa é possível.
A outra hipótese poderá um dia ser a de um país Europa. Não será nunca Portugal na Europa.
Alguns acharam melhor criminalizar a nossa posição. Não é nosso problema, não nos assalta qualquer má consciência, por isso respeitamos todas as posições, mesmo a dos comunistas, que não quiseram a integração europeia e que hoje invocam a defesa da nossa soberania, quando ainda há pouco defendiam a doutrina das soberanias limitadas.
Não nos intimida essa coincidência com o nosso voto. Definimo-nos autonomamente e bem antes de qualquer outro. Se outros se sentem obrigados a seguir-nos, tanto melhor; é mais um sinal de que procurámos interpretar o interesse nacional, com humildade e com a convicção de que correspondemos à responsabilidade que a história cobrará de todos nós.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O debate que
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nestes dois dias se processou no Plenário mostrou, ainda de forma mais. evidente, que os fundamentalistas pró-Maastricht querem a ratificação do Tratado independentemente do seu conteúdo e das suas consequências negativas para Portugal.
O Partido Socialista, pela voz do Sr: Deputado Jaime Gama, foi a esse respeito extremamente claro: o PS, tal como o Governo e o PSD, quer ratificar o Tratado porque os seus objectivo e interesse fundamental são a transformação da Europa Comunitária num efectivo «bloco económico e político-militar», comandado pelo directório das grandes potências comunitárias!
Para o Partido Socialista, pela voz reautorizada do Deputado Jaime Gama, tudo o resto é acessório: é acessória a soberania nacional e a sua transferência para órgãos supranacionais; é acessório que a União Económica e Monetária, com as orientações que o Tratado lhe impõe, seja prejudicial ao desenvolvimento económico e social do nosso país; é acessório o facto de o Tratado subalternizar ostensivamente a dimensão social e a orientação para o desenvolvimento; é acessório que o Tratado de Maastricht imponha, de forma exclusiva e com carácter irreversível, a concepção monetarista como a única admissível para a política económica da União e de cada um dos Estados membros.
Aliás, o Partido Socialista apresentou-se neste debate não só completamente convertido as teses monetaristas mas como um seu acérrimo defensor.
Para tentarem justificar o injustificável, assistimos por parte dos apoiantes de Maastricht a uma barreira de argumentação falaciosa, a versões «diabolizadas», ao acenar do fantasma do caos.
Repetiram esforços desesperados para tentar incutir a ideia de que o Tratado de Maastricht é a sequência lógica e inevitável do Tratado de Roma e do Acto Único Europeu, mas não o é. Como aqui ontem foi referido por um Deputado apoiante de Maastricht, este Tratado «é um dos modelos possíveis» para aprofundar e ligar o Tratado de Roma e o Acto Único; é apenas um dos modelos possíveis, um péssimo modelo e, para nas, um modelo inaceitável!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O aprofundamento da cooperação comunitária pode e deve fazer-se com base na salvaguarda das soberanias e independências nacionais e orientar-se fundamentalmente para o desenvolvimento económico e social de todos os países, em especial dos que se apresentam mais atrasados, inversamente ao que sucede com o Tratado de Maastricht. Por isso o rejeitamos.
Os fanáticos de Maastricht procuraram branquear a sua atitude de recusar por todos os meios que os Portugueses fossem cabalmente esclarecidos sobre o conteúdo do Tratado e sobre ele se pudessem pronunciar.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Tentaram confundir e substituir o debate nacional por debates em circuito fechado no âmbito das comissões especializadas. Verdadeiramente ilustrativo da falta de um debate nacional e elucidativo da falta de empenho do PSD e do Governo, mas também do Partido Socialista, numa real confrontação democrática de opiniões sobre o Tratado, é o facto de, tendo passado 10 meses sobre a sua aprovação em Conselho Europeu, o 1.º Canal da RTP não ter organizado nem transmitido um único debate (com uma composição efectivamente pluralista e representativa das principais forças políticas nacionais) sobre esta importantíssima questão nacional e europeia.
Mas não conseguiram esconder que a recusa do referendo pelo PS e pelo PSD se deve ao receio, ao medo da dimensão que o «não» ao Tratado certamente teria.
Aplausos do PCP.
Chegámos ao cúmulo de ouvir um Primeiro-Ministro, desorientado, comparar o Tratado de Maastricht com o Código do IVA ou do IRS, dislate só comparável ao do Partido Socialista defendendo e propondo um referendo sobre o modelo de gestão da televisão pública, mas recusando terminantemente um referendo sobre Maastricht.
A verdade - repito - é que o PS e o PSD usurparam, de forma politicamente ilegítima, o direito de o povo se pronunciar sobre o Tratado, porque têm medo.
Aplausos do PCP.
O Governo e o Partido Socialista tiveram medo de que também em Portugal um referendo sobre o inaceitável conteúdo do Tratado de Maastricht mostrasse que, nesta matéria, o bloco central maioritário nesta Assembleia fosse, atinai, a «franja» no sentimento e desejo dos cidadãos portugueses.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - A verdade é que nesta matéria não há franjas, pois o Tratado de Maastricht divide a meio os povos dos países comunitários.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Debalde se esforçaram os defensores de Maastricht - ressalve-se, no entanto, a posição do Sr. Prof. Freitas do Amaral - em tentar negar a orientação federalista que integra o Tratado de Maastricht. Diga-se, em abono da verdade, que o fizeram com base na mera afirmação retórica e demagógica e nunca tentaram demonstrá-lo, porque essa demonstração é impassível!
Inversamente, é profusamente sustentada no Tratado de Maastricht a sua natureza marcadamente federalista. Só a orientação federalista justifica o avanço, com carácter irreversível, para a criação de uma moeda única e um Banco Central Europeu, com os substanciais poderes que lhe são conferidos.
É na intenção federalista que assenta a imposição de regras vinculativas para os orçamentos nacionais.
É a perspectiva federalista que está presente quando o Tratado cria uma cidadania europeia e atribui à União uma identidade jurídica internacional, autónoma da dos Estados membros, no âmbito da política externa e de segurança comum.
É ainda do sentido federalista do Tratado de Maastricht que decorre a participação do Parlamento Europeu na investidura da Comissão das Comunidades e bem assim a generalização da regra do voto por maioria nas decisões do Conselho.
São factos indesmentíveis constantes do articulado do Tratado que o PS e o PSD se preparam para aprovar!
Só a má-fé e o receio da reacção negativa dos povos europeus, concretamente do povo português, podem justificar que o Sr. Primeiro-Ministro venha à Assembleia dizer que o Tratado mantém em aberto o modelo final para
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que caminha a União Europeia ou o Partido Socialista se apresente a afirmar que o Tratado afasta o modelo federalista.
Mais sinceridade mostraram o presidente do Partido Socialista e do seu grupo parlamentar, quando escreveu que o Tratado da União Política (o de 1996) será «necessariamente mais polémico», porque «vai sobretudo pôr em causa o princípio federador das vontades estaduais», ou aqueles que, no PS e no PSD, dizem que, em rigor jurídico, não se pode ainda falar em verdadeira federação, porque não está excluída aos Estados membros a hipótese de sucessão, embora omitam pudicamente que o protocolo relativo à moeda única e ao Banco Central Europeu refere, expressamente, que a assinatura do Tratado confere um carácter «irreversível» e «irrevogável» a esses símbolos, a esses princípios federalistas.
É evidente que o Tratado de Maastrícht não é a lei constitucional de um Estado federal europeu, tal como é verdade que os (e as) fundamentalistas pró-Maastricht que aqui ouvimos esperam a revisão do Tratado prevista para 1996 para dar novos e maiores passos no sentido da construção de uma federação de Estados e não têm coragem política para dizê-lo publicamente.
Mas não restam quaisquer dúvidas de que a orientação e natureza do Tratado de Maastricht é federalista. Por isso nós, Partido Comunista Português, o rejeitamos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Muito, e mal, tentaram os fundamentalistas de Maastricht defender a estulta ideia de que o Tratado não impõe perdas e transferências de soberania. Até aqui ouvimos um Deputado independente do Partido Socialista, mas vice-presidente do seu grupo parlamentar, dar mais meia dúzia das suas já conhecidas carnavalescas cambalhotas argumentativas, despudoradamente renegando agora o que há cinco minutos atrás afirmava peremptoriamente (ou vice-versa) para tentar demonstrar o indemonstrável ou, melhor, para correr em cada momento ao sabor do vento que lhe parece soprar de feição.
Aplausos do PCP.
Não cabe agora fazer o rol dos constitucionalistas e professores de Direito, das mais diversas áreas político-ideológicas, que se nem e publicamente ridicularizam tão abstrusas opiniões, mas impõe-se sublinhar que nenhum desses fundamentalistas, funâmbulos uns, ignorantes e incompetentes outros, conseguiu explicar, por exemplo, como é que a eliminação da competência soberana de emitir moeda não significa, pura e simplesmente, a transferência dessa até agora competência nacional para um órgão supranacional!...
Neste caso, mais precavido se mostrou o Primeiro-Ministro, que, fora desta Assembleia embora, tentou justificar as perdas de soberania evidentes argumentando que tais perdas seriam a moeda de troca necessária para preservar a independência nacional. Louve-se ao Sr. Primeiro-Ministro esse momento de parcial sinceridade, mas lembre-se-lhe de imediato que sem soberania não há independência que perdure.
Aplausos do PCP.
Aliás, é significativo que na intervenção de ontem o Sr. Primeiro-Ministro tenha procurado fugir à problemática das perdas e transferências de soberania, refugiando-se sempre na afirmação de que o Tratado preserva a identidade cultural. Pois é, Sr. Primeiro-Ministro, também o povo maubere tem uma identidade própria, mas ninguém ousará dizer que Timor Leste é soberano e independente!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Porque sabe que assim é, mas não quer dizê-lo, era inevitável que, no período das respostas aos pedidos de esclarecimento, o Sr. Primeiro-Ministro se tivesse igualmente destrambelhado.
Em desespero de causa, alguns dos apoiantes de Maastricht procuraram não negar mas subestimar as efectivas transferências de soberania que o Tratado impõe, argumentando que, nesse âmbito, o grande passo foi dado com o Acto Único Europeu. Porque fomos o único partido que na altura votou contra o Acto Único e promoveu debates públicos sobre o seu conteúdo, estamos acrescidamente à vontade, também aqui, para contestar aqueles argumentos falaciosos.
É certo que o Acto Único fez incursões sérias sobre as perdas de soberania nacional e no âmbito das votações por maioria, como na altura denunciámos e o PS e o PSD então negaram, situação que hoje se repete com o Tratado em discussão!
Mas o Tratado de Maastricht dá um enorme salto nessa matéria.
Das transferências de poder em áreas limitadas e concretas, em especial ou exclusivamente de natureza regulamentar no âmbito económico, o Tratado de Maastricht pretende agora avançar para as transferências de competências soberanas mais gerais e globais, abrangendo já matérias políticas, para um conjunto sistematizado de transferências de soberania em áreas cruciais para a independência nacional.
O Acto Único abriu uma brecha, o Tratado de Maastricht escancara as portas!
Sr. Presidente, Srs. Deputados:. É este o momento propício para afirmar ao Sr. Primeiro-Ministro que não tem qualquer razão quando diz que a actual soberania portuguesa, em matéria de moeda e de políticas monetária e cambial, é meramente ilusória.
Ninguém duvida de que, no âmbito do Sistema Monetário Europeu, o marco alemão e as políticas monetária e cambial do Bundesbank restringem fortemente a autonomia das políticas dos restantes parceiros, designadamente de Portugal. Por isso lhe dissemos no momento próprio, Sr. Primeiro-Ministro, que a integração do escudo no mecanismo das taxas de câmbio do SME foi precipitada e inoportuna, como, aliás, os acontecimentos têm demonstrado cabalmente. Mas. mesmo assim, neste momento, o Banco de Portugal e as políticas monetária e cambial portuguesas usufruem de autonomia. Limitada, mas usufruem. Se o seu Governo e o Banco de Portugal não se servem dela isso cai no âmbito da vontade política e não no da impossibilidade de o fazerem.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - E não resta a mínima dúvida de que, no contexto de uma futura moeda única e de políticas monetária e cambial únicas, determinadas por um Banco Central Europeu, como impõe o Tratado de Maastricht, aí, sim. Portugal perderá toda e qualquer autonomia Por acréscimo, essa moeda e essas políticas monetária e cambial únicas significarão, inevitavelmente, a submissão institucionalizada ao marco e ao Bundesbank.
Convença-se da verdade, Sr. Primeiro-Ministro: se, agora, a soberania portuguesa nesse âmbito, é limitada com
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a União Económica e Monetária não há lugar a qualquer ilusão sobre a perda completa e total da soberania que ainda nos resta!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Srs. Deputados, no quadro das orientações da UEM, só o desconhecimento do conteúdo do Tratado, a ignorância ou a incompetência, ou, mais realisticamente, só a má-fé pode sustentar as afirmações de que, com o Tratado de Maastricht, serão melhores as possibilidades de desenvolvimento de Portugal.
É sabido e comprovado que uma união monetária entre países com profundas diferenças nos seus níveis de desenvolvimento económico e social tende a acentuar esses desníveis de desenvolvimento, concentrando os ganhos da união nas regiões mais ricas e centrais do espaço integrado, em detrimento dos países e regiões mais pobres e periféricas.
E é incontroverso que o Tratado de Maastricht não assegura condições objectivas necessárias para contrabalançar os efeitos directos da união monetária, isto é, para garantir a prossecução da convergência real das economias, dos níveis de desenvolvimento dos países e dos níveis de vida dos povos.
Bem pelo contrário, como o mostra já a experiência recente, a política de dinheiro caro e de elevadas taxas de juro, que a prossecução dos critérios de convergência nominal provoca, é incompatível, a prazo, com a necessidade de modernização das estruturas produtivas e do acelerado crescimento económico.
Na verdade, a União Económica e Monetária, se vier a entrar em vigor, retirará a Portugal instrumentos essenciais da política económica, imporá à economia portuguesa políticas de estagnação e de deflação, acentuará ainda mais o atraso relativo do nosso desenvolvimento e agravará a divergência real, face à média comunitária, mesmo com a duplicação dos fundos estruturais e mais duramente sem o Pacote Delors II, que, como é hoje evidente, nunca verá a luz do dia na sua versão inicial.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É para nós inaceitável que se pretenda impor o Tratado de Maastricht ao povo português, à margem do seu esclarecimento e da auscultação da sua vontade soberana. Estamos convictos que os Portugueses recusam a grave limitação da soberania e da independência nacionais que o Tratado de Maastricht pressupõe e impõe e que o PS e o PSD tentam mistificar.
A luta pela independência e soberania nacionais, em quadros históricos e em contextos diversos, é para nós uma questão sempre actual e moderna.
Porque temos uma visão progressista da sociedade e do mundo, rejeitamos os xenofobismos e os nacionalismos serôdios; recusamos a lógica da submissão dos países mais pequenos aos interesses e comandos dos países económica e politicamente mais poderosos; e dispensamos o alegado progressismo daqueles que apresentam como ideia do modernismo, nas relações entre as nações e os Estados, a sujeição dos mais fracos e a imposição dos mais fortes.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Estamos certos que a crescente internacionalização das relações económicas e dos processos produtivos e o consequente reforço das interdependências se apresenta como irreversível e que essa realidade impõe um aprofundamento da cooperação entre povos e Estados, mas recusamos que a cooperação se transforme no domínio de uns países por outros, que conduza a inaceitáveis mutilações das soberanias nacionais e que sirva de pretexto para agravar a exploração dos trabalhadores.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Porque temos para Portugal um projecto que privilegia a dimensão social, os interesses e o bem-estar dos trabalhadores, rejeitamos uma União Europeia enfeudada aos interesses do capital transnacional, ao economicismo e ao monetarismo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Estamos contra o Tratado de Maastricht porque ele se opõe a uma Europa social, de cooperação e de desenvolvimento.
Opomo-nos à transferência de competências soberanas para instituições supranacionais de orientação federalista, porque também entendemos «que as soberanias nacionais não são um obstáculo à cooperação entre iguais mas, sim, uma protecção contra as dominações».
Votaremos contra o Tratado de Maastricht porque queremos um futuro melhor para Portugal, para o povo português e para os povos europeus.
Aplausos do PCP. de pé, de Os Verdes e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.
O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Vivemos um momento de incertezas sobre o futuro da Europa, e é nesses momentos que importa afirmar convicções.
Os socialistas não vão ratificar o Tratado de Maastricht por um qualquer exercício de contabilidade mas, sim, por uma profunda convicção europeísta. Convicção essa que nos leva a apostar no futuro da União Europeia e no destino europeu de Portugal, o qual faz parte integrante da civilização europeia que, apesar de ser feita de uma multiplicidade de culturas, soube basear-se em valores que, hoje, são verdadeiramente universais e para os quais os Portugueses contribuíram, mais do que qualquer outro povo.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Hoje, ser europeísta não é fácil nem está na moda. O que está na moda é o eurocepticismo ou o europessimismo. E há aspectos compreensíveis desse eurocepticismo: é verdade que, na Europa, há um défice de informação e de participação dos cidadãos na construção do nosso destino comum; é verdade que houve, por parte dos governos, nas diversas fases da construção da União Europeia, algum excesso de secretismo, que fez com que muita gente não tivesse compreendido aquilo que, verdadeiramente, se passava, talvez com a ideia de que concentrar a informação é concentrar o poder; é verdade que, no comportamento e na linguagem das instituições europeias, há, por vezes, aspectos que as distanciam do comportamento e da linguagem dos cidadãos comuns, cavando, com isso, um fosso entre elas e esses mesmos cidadãos.
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Mas é necessário dizer também que, no essencial, o que o eurocepticismo faz é esconder o recrudescimento do egoísmo nacional, o que deve ser claramente denunciado e combatido por nós.
Aplausos do PS e do PSD.
O grande adversário do nosso futuro colectivo não ë a perda ou a diluição da soberania no quadro europeu nem são as ameaças à nossa identidade nacional ou cultural. Estamos onde estamos há 800 anos! Sabemos quem somos e o que queremos! A nossa identidade não foi forjada num isolamento protector mas, sim, numa permanente encruzilhada de civilizações.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O grande adversário do nosso futuro colectivo é a irrupção dos nacionalismos violentos, é a generalização dos comportamentos de xenofobia e de racismo por toda a Europa Ocidental e dos fundamentalismos religiosos em várias outras partes do inundo. Esse é o nosso principal adversário colectivo!
Aplausos do PS e do PSD.
E não é um problema que não nos diga respeito. Também é e vai ser, cada vez mais, um problema português. Já aqui, nesta bancada, chamei a atenção do Governo para a necessidade urgente de criar um instituição pública, empenhada num projecto de integração das comunidades africanas que vivem em Portugal, e de termas uma política visando a integração harmoniosa dessas comunidades.
Há, hoje, no nosso país, mais de uma centena de milhar de imigrantes, muitos deles em condições terríveis de discriminação no emprego e na habitação, com taxas de insucesso e de abandono escolar extremamente preocupantes, que são um campo fácil para a generalização de formas de criminalidade e de marginalidade, que tendem sempre a gerar nas comunidades nacionais sentimentos de xenofobia e de racismo. Importa prevenir esses problemas, porque, depois, porventura, será tarde de mais para o remediar!
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, regressemos ao Tratado de Maastricht.
Há quem seja contra o Tratado de Maastricht por ser contra a Europa. Não vou perder muito tempo com argumentos. Essa é a posição do Partido Comunista Português. Sempre foi assim! O Partido Comunista Português, em matéria de Europa, é como os Bourbons: «não esquece nada e nunca aprende nada».
Risos do PS e do PSD.
Não vale, portanto, a pena entabular uma discussão nesses termos!
Mas há quem seja contra o Tratado de Maastricht, convencido de que ele é negativo para a União Europeia, mas seja favorável a ela e à construção da Europa. Penso que vale a pena analisar, com detalhe, esta questão.
Em meu entendimento, essa posição é inteiramente legítima, mas não realista, face ao presente estado da opinião pública europeia. O Tratado de Maastricht foi, essencialmente, um compromisso de solidariedade entre o Norte e o Sul das Comunidades Europeias.
Se o Tratado de Maastricht não for ratificado, não creio que haja, hoje, na opinião pública, no interior da Europa Ocidental e, em particular, na evolução dos interesses concretos dos países da Europa do Norte e, especificamente, da Alemanha, condições para renovar um contrato de solidariedade do mesmo tipo. Hoje, o interesse concreto da Alemanha está, sim, em procurar alargar os mecanismos de solidariedade com a Europa do Centro e do Leste, onde, naturalmente, a economia alemã encontra a área privilegiada para a expansão dos seus mercados.
Não aproveitar esta oportunidade, não aproveitar este contrato de solidariedade entre o Norte e o Sul da Europa será, em minha opinião, condenar os cidadãos portugueses a não disporem de meios essenciais para melhorar o seu desenvolvimento e as suas condições de bem-estar na década que aí vem.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mas há uma outra razão que me leva a considerar essencial a ratificação do Tratado de Maastricht: se ele não for ratificado haverá um movimento pendular na opinião pública europeia e o processo de integração europeia poderá andar para trás várias décadas. Viremos, com o alargamento que se anuncia, a cair, inevitavelmente, num projecto - que é o de alguns - de um mercado sem fronteiras, mas que não é o que nós desejamos.
Mesmo no plano estritamente económico, não queremos que a Europa seja apenas um grande mercado sem fronteiras, queremos que seja um espaço económico organizado, o que implica que haja mais competição, mas também mais cooperação e mais solidariedade, como tem insistido Jacques Delors.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!
O Orador: - A competição que estimula e que é, hoje, uma condição de progresso e a cooperação que é indispensável para o lançamento de uma iniciativa europeia de relançamento económico e de defesa do emprego, que é uma das necessidades mais evidentes dos tempos modernos, e para que a Europa possa ganhar as batalhas tecnológicas da viragem deste século, sem as quais a Europa, provavelmente, ficará subalternizada face aos Estados Unidos e ao Japão.
A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Muito bem!
O Orador: - É também por essa razão que consideramos indispensável a ratificação do Tratado de Maastricht.
Mas, já que se falou aqui de fundamentalismo, devo dizer que não sou um fundamentalista da letra do Tratado de Maastricht. E, seguramente, ninguém o poderá ser. Não está tanto em questão o problema de saber se ele está ou não bem escrito - e não quero entrar em qualquer polémica com o Ministro dos Negócios Estrangeiros -, o que está em causa é que, seguramente, há aspectos do conteúdo do Tratado que não agradam a muitos de nós. Isso é evidente.
O Tratado foi um compromisso entre 12 governos num dado momento e não pode, necessariamente, agradar, em todos os seus pormenores, a todos os povos desses respectivos governos.
Em particular, considero que há um desequilíbrio entre a União Política e a União Económica e Monetária e que na definição desta há aspectos que não são os mais desejáveis, na perspectiva do interesse português.
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Vejamos o desequilíbrio: o Tratado de Maastricht configurou uma União Económica e Monetária de consequências extremamente fortes para todos nós; infelizmente, em matéria de união política, limitou-se a entreabrir uma porta. E é muito importante que essa porta seja aberta e que os povos da Europa possam prosseguir por essa mesma porta.
Para mim, não está tanto em causa o saber se, hoje, a Europa tem ou não condições de afirmação no todo mundial. É verdade que a Europa é um gigante económico e um anão político e que estamos, hoje, reduzidos à situação de ter uma única superpotência mundial, mas não é isso o que mais me preocupa. O que mais me preocupa-e é indiscutível - é que a Europa não tem, hoje, instituições políticas que lhe permitam, sequer, garantir a sua segurança colectiva, no interior do continente europeu.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Não há qualquer mecanismo eficaz de segurança colectiva no quadro europeu, como não havia no período entre as duas guerras, com todas as consequências que são conhecidas. E ainda hoje, mesmo depois do desmoronamento do bloco comunista, a Europa continua a ter a necessidade da presença estabilizadora dos Estados Unidos da América no quadro europeu para garantir a sua própria segurança colectiva.
Admira-me que o Partido Comunista Português não fique preocupado com esta situação de tacto...
Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!
O Orador: -... e não reconheça a necessidade do progresso das instituições europeias para que a Europa possa assegurar, um dia, a sua própria segurança em termos realistas.
Aplausos do PS e do PCP.
E, depois, há, seguramente, aspectos da União Económica e Monetária que poderiam e deveriam ser modificados. Estou confiante de que as conferências intergovernamentais, que aí vêm, o vão fazer.
Os socialistas são dos que entendem que um banco central não deve ter como única preocupação a estabilidade dos preços, mas também o desenvolvimento e o emprego, e consideram que, sendo o objectivo de coordenação orçamental e o rigor orçamental condições fundamentais para a estabilidade económica e para o desenvolvimento, há uma rigidez excessiva na formulação concreta do Tratado, que, porventura, terá de ser abandonada, porque alguns países europeus, que não Portugal, não estarão em condições de a cumprir efectivamente, em 19%.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Mas tudo isso tem de ser encarado por nós nos seus precisos termos e no esforço que devemos fazer para aperfeiçoar, em cada momento, a União Europeia e não como argumento ou pretexto a invocar contra essa mesma União Europeia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Somos pela ratificação do Tratado de Maastricht, mas o nosso projecto europeu não se esgota nele. Queremos continuar o caminho da União Política; queremos aperfeiçoar a União Económica e Monetária; queremos, neste momento particular, insistir na necessidade de uma grande iniciativa europeia de relançamento económico e a favor do emprego, como a recentemente proposta por Jacques Delors.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E não deixa de ser curioso que, no momento em que a política do governo japonês e a política anunciada por Bill Clinton conseguem fazer, de alguma forma, a reabilitação dessa grande figura europeia que foi lord Keynes, seja ainda na Europa que mais proliferam hoje as ideias dos chamados Chicago Boys.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Penso que todos teremos de reflectir um pouco sobre a questão.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Mas, acima de tudo, o nosso projecto europeu não se configura com uma visão mesquinha e contabilística do futuro da Europa e do futuro da nossa presença na Europa. Pensamos que é indispensável que Portugal tenha um contributo a dar na definição da estratégia europeia e do futuro da afirmação da Europa no mundo. Nós não queremos uma Europa centrada sobre si própria ou simplesmente obcecada com os problemas do Leste europeu.
Queremos uma Europa que reafirme a sua vocação atlântica, a sua vocação mediterrânica e a sua vocação pioneira no diálogo Norte-Sul. E, quando digo que a Europa não deve ficar obcecada com os problemas do Leste europeu, não quero dizer que a Europa deva esquecer esses problemas. Nós sabemos o que é a solidariedade europeia. Se a batalha da democracia foi ganha em 1975 em Portugal ela foi em grande medida ganha por causa da solidariedade europeia e porque podíamos oferecer aos Portugueses a esperança de um destino europeu, o que quer dizer a esperança de melhores condições de vida e de trabalho para os cidadãos portugueses.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E isso, que foi vital para ganharmos a batalha democrática de 1975, continua a ser vital hoje na Europa de Leste. E, se queremos ajudar os que se batem pela paz e pela democracia na Europa de Leste, devemos também oferecer-lhes, sem visões estreitas e egoísmos nacionais incompreensíveis, uma perspectiva de solidariedade. Devemos afirmar-lhes que também queremos que com eles, um dia, haja um destino comum europeu, por muito difícil que seja a construção desse destino ou por muito tempo, muitas condições e muitas etapas que ele possa configurar.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Agora importa que os povos do Leste da Europa vejam uma luz no fundo do túnel e só nós, os cidadãos da Europa Comunitária, estamos em condições de acender essa luz.
Aplausos do PS.
Mas também uma visão atlântica, particularmente importante num momento em que o México, os Estados
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Unidos e o Canadá, procuram, eles próprios, à semelhança do modelo europeu, organizar um espaço económico de livre troca. É importante que a Europa saiba definir com esse espaço uma relação descomplexada e adulta, sem subordinações, com a consciência de que não é hoje mais possível aplicar políticas keynesianas a nível de um só país, mas que é perfeitamente possível cooperar em espaços largos para iniciativas conjuntas e globais de relançamento económico.
Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Depois, uma vocação mediterrânica. É bom não esquecermos que a principal ameaça concreta à nossa segurança está hoje no perigo do triunfo do fundamentalismo islâmico no Magrebe e das condições que ele gerará contra a estabilidade e paz a ocidente do Mediterrâneo.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E, se queremos evitar o risco da vitória desse fundamentalismo, temos de ter consciência que o Magrebe tem hoje uma situação demográfica explosiva, com condições económicas extremamente deterioradas, com o fim da emigração que funcionou como o fim de uma válvula de escape social, e que a única hipótese de garantirmos aos povos do Magrebe um futuro democrático é estabelecer com eles uma política de cooperação económica e de segurança capaz de alterar o estado de coisas, que, de outra forma, conduzirá ao desastre.
Depois, uma vocação pioneira no diálogo Norte-Sul. Um diálogo que a Europa soube empreender e do qual, de alguma forma, se tem vindo a esquecer nos últimos tempos. As relações Norte-Sul são no mundo relações de injustiça e de iniquidade e o que o Norte nega em solidariedade recebe multiplicado em terrorismo, em droga e em condições de instabilidade social e de instabilidade em relação à paz no mundo. Importa que a Europa tenha novas iniciativas no quadro desse diálogo Norte-Sul. Não é aceitável que, num ano como 1990; tenha havido uma transferência líquida de mais de 50 biliões de dólares dos países do Sul para os seus credores. Não é aceitável que aqueles que morrem de fome, de doença e de guerra estejam a financiar a prosperidade do Norte.
Aplausos do PS e do PSD.
É neste quadro, de uma visão aberta e generosa da Europa, que nós queremos Portugal na Europa. Com a consciência de que uma visão aberta e generosa da Europa trará inevitavelmente, em alguns momentos, conflitos com interesses concretos de alguns portugueses, mas que, nesses momentos, teremos de saber subordinar os interesses temporários de alguns portugueses aos interesses permanentes de Portugal.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Termino como comecei: não vamos ratificar Maastricht em nome de um exercício de contabilidade; vamos fazê-lo em nome de um exercício de solidariedade europeia, que o mesmo é dizer de humanismo e de universalidade.
Aplausos do PS, de pé, do PSD e do Deputado independente Freitas do Amaral.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente da Assembleia da República. Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: A Assembleia da República procederá dentro de momentos a uma votação histórica ao ratificar o Tratado da União Europeia, ligando os Deputados portugueses a uma das mais importantes decisões que irão condicionar o futuro de Portugal. Não sendo nem podendo ser uma obra perfeita, já que de obra humana se trata, não sendo nem podendo ser um documento que, no conjunto das suas soluções, congregue a satisfação máxima das partes subscritoras, já que ele é o resultado de um compromisso, o Tratado da União Europeia consagra nas suas disposições o essencial da defesa dos interesses de Portugal no quadro complexo da evolução da Comunidade Europeia do futuro.
A discussão aqui travada ao longo deste debate provou-o à evidência. A esmagadora maioria das forças políticas representativas da Nação revêem-se no equilíbrio das soluções que ele consagra. O Grupo Parlamentar do PSD, consciente de que a política comunitária deve ser a política da Nação e não apenas a política do partido maioritário, não se poupou a esforços para encontrar o entendimento alargado que, em matéria de revisão constitucional, viabilizasse a ratificação do Tratado. É sabido que, em variadíssimas circunstâncias, o meu partido criticou outros partidos da oposição, nomeadamente o seu maior partido, pela forma como, neste ou naquele momento, entenderam desempenhar o seu papel de oposição ao Governo. Com a mesma frontalidade democrática, não podemos hoje deixar, igualmente, de salientar o sentido de Estado com que o PS, e em particular o seu líder, encararam o problema, colocando em primeiro lugar os interesses do País e não a guerrilha partidária.
Aplausos do PSD.
Não pretendo com isto fazer um elogio envenenado ao PS. É, tão só, o reconhecimento sincero de quem sabe que, nesta matéria, era mais fácil, como outros fizeram, preferir o caminho da demagogia, que só é possível aos que não têm nunca nada a perder, por saberem de antemão que jamais assumirão responsabilidades governativas, podendo por Isso, com pueril descontracção, cavalgar a onda da contestação pela contestação.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Por parte dos que se opõem ao Tratado da União Europeia estiveram presentes, de novo, os dois fantasmas que, em sua opinião, fazem deste documento um monstro do Apocalipse - o fantasma da perda de soberania, argumento destinado a minar a credibilidade das suas soluções substantivas, e o fantasma da inexistência de um referendo popular, argumento destinado a minar a sua credibilidade formal e a sua legitimidade democrática. Vale a pena responder a um e a outro destes argumentos, provando que eles são apenas fantasmas. Muitos dos que hoje invocam que, com a ratificação do Tratado, Portugal perde soberania, utilizam este termo e esta noção, esquecendo que a sua acepção actual está longe de corresponder ao seu sentido clássico.
O conceito clássico de soberania, entendida esta como poder de mando em última instância, estava intimamente
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relacionado com o conceito de Estado moderno, tal como foi teorizado a partir do século XVI, quando esta entidade constituía o centro autónomo, primordial e exclusivo das relações internacionais. Contudo, é preciso levar em linha de conta a transfiguração operada neste conceito e sobretudo aquela que foi operada no século XX, muito em particular após a 2.ª Guerra Mundial.
A segunda metade do presente século assistiu ao despontar de importantes organizações- internacionais de carácter político, económico, cultural, ambiental, defensivo, etc. Assistiu, igualmente, ao nascimento de comunidades supranacionais e a movimentos cada vez mais intensos, à escala planetária, a favor de uma crescente cooperação internacional, em todos os domínios. Aquelas entidades e estes movimentos deram origem a que o conceito de Estado moderno entrasse em crise, na medida em que ele deixou de ser - e sê-lo-á cada vez menos - o centro autónomo, primacial ou exclusivo das relações internacionais. A nova faceta das relações internacionais, na qual a interdependência dos Estados é crescente, quer jurídica, quer política, quer económica, quer mesmo ideologicamente, teve como mais importante consequência o desaparecimento da plenitude do poder estatal e foi esta plenitude que, ao longo dos últimos séculos, constituiu o atributo essencial da soberania.
O exemplo mais flagrante do desaparecimento desta plenitude do poder estatal reside no advento das comunidades supranacionais, cujo objectivo se traduz sempre numa limitação, quer interna quer externa, ao exercício de poderes soberanos dos Estados membros. Há outros exemplos que demonstram à saciedade quão ilusória é a invocação do argumento clássico da soberania, que já não reflecte a mesma realidade política que reflectia há 50 anos atrás: por exemplo, o poder soberano de emitir moeda, tantas vezes aqui invocado, é hoje ilusório e limitadíssimo, se atendermos, por um lado, ao poder das administrações autónomas e das empresas públicas de decidir acerca das despesas ou, por outro lado, ao poder de facto que já hoje resulta da preponderância de uma moeda dominante à escala europeia, como é o marco, cujos ajustamentos arrastam inevitavelmente - sem qualquer válvula de segurança soberana - ao ajustamento das moedas dos países economicamente mais fracos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Atente-se a um caso que nos toca directamente num outro domínio: antes de integrar qualquer organização internacional de defesa, Portugal tinha o exclusivo do comando soberano sobre as suas Forças Armadas. A partir do momento em que aderiu à NATO, aceitou partilhar com outros países o exercício da sua soberania neste domínio, sobre a pane das suas Forças Armadas que venham a ser adstritas à NATO em caso de guerra. Igualmente, passa a compartilhar competências soberanas sobre Forças Armadas de outros países que integrem a mesma organização. A crise do Estado moderno provocou a erosão do conceito clássico de soberania, na medida em que alguns dos atributos que a caracterizavam deixaram de ser exercidos, exclusiva e autonomamente, pelos Estados nacionais. Digo «exercidos» propositadamente, por que é a modalidade do exercício da soberania e não a titularidade- no nosso caso concreto e nos termos da Constituição inalienável - que está em causa.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Actualmente, em todos os domínios da vida dos povos se verifica uma tendência neste sentido. É este, igualmente, Srs. Deputados, o sentido da União Europeia. Com ela Portugal não perde soberania. Partilha, sim, o seu exercício com outros Estados e essa partilha é uma relação biunívoca, na medida em que Portugal passa a exercer competências soberanas que não exercia, que também têm repercussão na esfera jurídica e política de outros Estados. O conceito de soberania que tantos invocam corresponde, pois, a um conceito ultrapassado, que já não tem vigência efectiva em nenhum Estado da actualidade.
Mas devem, ou não, as matérias que, de uma forma ou de outra, têm de ver com a soberania, e deveria esta, em particular - o Tratado de Maastricht -, ser submetida a um referendo popular? Continuando a raciocinar na base dos princípios que desde sempre regeram a maioria dos países do continente europeu, afirmamos que não. E explicamos porquê: o referendo é o principal instrumento de democracia directa, já que, por seu intermédio, o corpo eleitoral participa sem intermediários ou representantes no processo decisório.
Foi nos primeiros anos deste século, após a consolidação da democracia, que o referendo teve de forma decisiva os seus primeiros defensores. Após a 2.ª Guerra Mundial, mantendo-se embora vivo o espírito referendista, assistiu-se à sua racionalização, o que resultou, essencialmente, da crescente complexidade da actividade estatal. O referendo passou a ser defendido como sendo adequado para dar respostas concretas a questões igualmente muito concretas, e geralmente de fácil apreensão, em relação às quais se supunha que uma comunidade política estava dilematicamente dividida - a este respeito ainda hoje algumas Constituições, como a italiana, não permitem a realização de referendos relativamente a matérias votadas por dois terços do Parlamento, já que, quanto a elas, se pressupõe a existência de um amplo consenso social. E foi assim que aconteceu, como se lembram, com as alterações pertinentes à nossa Constituição que têm a ver com a ratificação do Tratado de Maastricht.
Sempre que a utilização do referendo saiu daquele quadro, o seu sentido foi pervertido. Os casos mais evidentes são a forma como De Gaulle os utilizou na V República, sempre com o fim último de demonstrar a sua superioridade sobre as restantes forças políticas, que levaram ao descrédito do referendo em França a à sua transformação em instrumento plebiscitário. Ou as vicissitudes por que o referendo passou em Itália, entre 1974 e 1981, em que o pronunciamento popular referendou sempre uma coisa completamente diversa da decisão sobre o problema que lhe era colocado.
O referendo mais exemplar a este respeito foi o do divórcio, que se transformou num campo de batalha entre as formações políticas, à margem do problema que deveria ser discutido, que era o da dissolução do matrimónio.
Ressalvada a experiência dos países nórdicos e da Suíça, quase sempre na tradição do continente europeu na qual nos integramos, os diversos regimes do referendo excluíram a possibilidade de serem submetidas a consulta popular as decisões mais intimamente relacionadas com o exercício da soberania.
É assim que estão excluídas normalmente desse procedimento as seguintes matérias: a ratificação de tratados e convenções internacionais; a ratificação das decisões - que é importantíssima - de fazer a paz ou a guerra (já se pensou que estas matérias têm a ver, de uma forma dra-
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mática, não apenas com o exercício, mas igualmente com a própria titularidade da soberania, na medida em que a principal consequência das guerras, particularmente para os derrotados, é a imposição de sanções, que se traduzem, em maxime, na perda de território, que é um dos elementos fundamentais da soberania?); as leis do Orçamento e as consequentes decisões de lançar impostos ou de promover a sua suspensão; a concessão de indultos e amnistias; o poder de emitir moeda; o poder de nomear chefes militares e magistrados (estes últimos detentores do poder de julgar, outro atributo essencial da soberania).
Srs. Deputados, voltamos ao início. Se o problema é um problema de princípio, ou seja, se se deveria referendar o Tratado da União Europeia,, porque está em causa a soberania, porquê referendar num caso e não em todos os outros que acabo de enunciar?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A razão é simples: o povo decide, através de um mecanismo de democracia directa, a resolução concreta do problema e não a escolha de quem vai resolver o problema, como é próprio do mecanismo da democracia representativa. Deve, por isso, poder tomar uma decisão racional, fundamentada, o que pressupõe conhecimentos seguros da matéria a decidir e não apenas uma mera opinião sobre ela, que possa ser instrumentalizável com facilidade. Uma opinião que, dada a carga emotiva das matérias atrás referidas, como tradicionalmente excluídas de decisão referendaria, não possa ser de utilização demagógica.
Foi, de resto, a facilidade dessa instrumentalização que sempre conduziu à degenerescência dos regimes democráticos, fenómeno que na história das ideias políticas foi baptizado com o nome de demagogia. E foi igualmente por isso que alguém se lembrou de inventar a democracia representativa que, com todos os seus defeitos, particularmente os dos seus representantes, ainda mostrou ser a melhor forma de lhes dar resposta de forma equilibrada e razoável.
Vão, pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados, os Deputados do PSD dar o seu apoio, sem reservas, à ratificação do Tratado da União Europeia.
Alguém referiu há dias - neste momento, já não me lembro bem quem foi - que os dois maiores partidos portugueses, o PSD e o PS, ainda se iriam arrepender por não terem feito um referendo sobre uma matéria que, em sua opinião, pode levantar questões delicadas de soberania. Não estamos, francamente, preocupados com o íntimo e momentoso problema do arrependimento, porque se os homens políticos se deixassem dominar por essa angústia jamais saltariam a fronteira do risco que as grandes decisões sempre comportam.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Quem assim profetizou tais arrependimentos poderia encontrar motivo de maior ânimo e esperança nas palavras que o Sr. Presidente da República, Dr. Mário Soares - ele próprio uma referência política fundamental no processo de adesão à Comunidade Europeia -, proferiu, num momento de rara inspiração e amor europeus, no seu discurso de 10 de Junho de 1990.
Nesse discurso, após um empolgante exórdio sobre a conquista da liberdade pelos povos de Leste, explanava-se S. Ex.ª o Chefe do Estado em arrojados voos quanto ao futuro da Europa Comunitária e às modificações que, inevitavelmente, nela ocorreriam. E explicava-as assim:
No centro de todas estas tão grandes modificações, a Europa volta a ocupar uma posição cimeira e determinante. E na Europa, como motor da nova construção geopolítica, está a Comunidade Europeia, à qual Portugal pertence por direito próprio. Porém, com a unificação das duas Alemanhas, a Comunidade entrou ela própria também e necessariamente numa fase de grandes transformações para poder corresponder aos apelos que, de todos os lados, lhe são dirigidos. '
Não se trata já e tão só da construção do grande Mercado Único, em 1993, criando um imenso espaço interno sem fronteiras. É a própria união política, servida por uma moeda única e por um Banco Central Europeu comum aos Doze, com instituições supranacionais e restrições importantes das soberanias de todos os Estados membros, que está a caminho de se construir, para responder com eficácia aos apelos do Leste e dar à Europa o peso decisivo a que tem jus no conceito mundial.
Portugal, no interior desse turbilhão, não pode ignorar os desafios que lhe são postos, as exigências e sacrifícios que lhe serão requeridos, e também, em contrapartida, as perspectivas que lhe estão a ser abertas. Pela primeira vez, desde a época áurea dos Descobrimentos, Portugal, volta a estar na vanguarda dos países em condições de marcar o futuro da Humanidade. Uma tal oportunidade, com as vantagens dela decorrentes e as consequentes responsabilidades, não pode, repito, ser perdida nem subestimada.
Claro que o Presidente da República pensava nos eurocépticos, nos «velhos do Restelo», para quem ficar é sempre mais fácil do que partir. Antevendo quiçá o argumento com que, em arroubos de nacionalismo, alguns anatemizariam essa Europa em construção, invocando, claro, o argumento já visível da perda de soberania, rematou, a esse propósito, o Sr. Presidente da República:
As transformações em curso, põem-nos problemas nacionais que ninguém deve pensar que serão fáceis de resolver. Não tenho dúvida de que serão resolvidos; digo apenas que não são de fácil resolução. Não se trata já tão-só dos períodos de transição, negociados, aquando da adesão de Portugal, para ajuda ao nosso desenvolvimento [...]. É também o choque da concorrência acrescida, a partir de 1993, com a livre circulação no nosso espaço nacional de pessoas, capitais, mercadorias e serviços de toda a Comunidade.
O poder de decisão, em áreas fundamentais da nossa economia, passará para Bruxelas, através das directivas comunitárias aí decididas. Não só estrangeiros, cada vez em maior número, virão comprar as nossas terras e empresas. Profissionais de outros países comunitários virão concorrer com os nossos, e nós com eles nos países deles. É a regra do jogo, para a qual teremos de estar preparados.
A União Económica e Monetária e a futura União Política, em termos ainda vagos e incertos, que estão a ser discutidos, levarão necessariamente a limitações da nossa soberania e à modificação da própria estrutura do poder - do poder político e do poder
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económico -, tal como nos habituámos a conhecê-lo até aqui.
Não temos, porém, alternativa. No mundo de hoje, as nações não podem viver isoladas e as que o estão pagam um preço elevadíssimo, de que as respectivas populações são as principais vítimas.
Claro que não concordamos com alguns dos excessos federalistas que promanam deste discurso, mas isso não nos impede de considerar que, no essencial, os argumentos do Chefe de Estado, em prol da construção europeia, devem ser lembrados àqueles que, assaltados pela angústia da 25.º hora, se preocupam com os eventuais arrependimentos que as incertezas do futuro nos reservem.
Aplausos do PSD.
Portugal encontra-se, de facto, solidamente instalado nesta posição do Europa Comunitária que, fechado o ciclo do império, escolhemos como comunidade de destino. É a comunidade onde os povos da Europa, amantes da paz e da liberdade, podem encontrar o rumo do progresso económico, social e cultural. E é também para que os Portugueses sejam parte activa e fautora desse espaço de paz, de liberdade, de progresso e de solidariedade, que o meu grupo parlamentar votará favoravelmente o Tratado da União Europeia.
Aplausos do PSD, de pé, e do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.
O Sr. Ministro da Administração Interna (Dias Loureiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputadas: Compreenderão VV. Ex.ªs que, tendo as responsabilidades que tenho no domínio da Administração Interna, nem por estarmos num período de encerramento poderei deixar de dedicar umas breves palavras ao denominado terceiro pilar e à liberdade de circulação de pessoas. É o que farei antes de, pela parte do Governo, fazer uma apreciação do balanço do debate que agora termina.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Esta Europa que, passo a passo, estamos, por vontade de todos, a construir não pode deixar de prosseguir num dos seus mais importantes princípios fundadores: a livre circulação de pessoas, princípio este inscrito, lapidarmente, no Tratado de Roma e que foi, claramente, reafirmado no Acto Único de 1986, que, sem ambiguidades, fixou um calendário. Mas cabe lembrar que a afirmação e a reafirmação deste grande objectivo dos Doze foi sempre acompanhado da enunciação explícita de um pressuposto fundamental à liberdade de circulação de um espaço comunitário.
A livre circulação não pode, em caso algum, significar diminuição das condições de segurança no conjunto dos 12 países. O que se pretende é, sim, uma Europa onde a circulação de pessoas é livre mas, ao mesmo tempo, uma Europa segura. Segura face à imigração clandestina; segura em relação a um tráfico de droga; segura quanto ao terrorismo; segura, numa palavra, face à criminalidade em geral. ^Para tanto, e sobretudo a partir da celebração do Acto Único, considerado o calendário definido, com suficiente clareza, foram enunciados os requisitos a preencher de modo a tornar efectivas as condições de segurança referidas.
A este propósito vale a pena lembrar as decisões tomadas no Conselho Europeu de Rodes, que haveriam de dar origem ao Documento de Palma, verdadeiro programa de acção para os anos que, nessa altura, nos quedavam até Janeiro de 1993. Necessário, é referir que todo este programa devia ser cumprido no quadro da cooperação intergovernamental, eleito como modelo a seguir neste domínio.
É justo dizer que, no quadro referido, se procedeu a avanços significativos, traduzidos em factos importantes de que se destacam: a Convenção de Dublim, visando a harmonização das políticas de asilo; a convenção sobre a passagem das fronteiras externas, visando harmonizar mais profundamente a política de imigração e os procedimentos de fronteira. A decisão tomada sobre a criação da Europol, com vista à obtenção de um quadro exequível de cooperação policial, sobretudo, e num primeiro momento, para o combate, que se quer eficaz, ao tráfico da droga.
Por outro lado, basta referir dois problemas, a imigração e a droga, para darmos conta da dimensão do desafio que constitui para os Doze a realização das condições de segurança que permitam a liberdade de circulação de pessoas.
Sobre a dimensão do desafio que a imigração nos coloca, não há hoje posições controversas, embora possam, obviamente, existir divergentes pontos de vista sobre os caminhos a percorrer. Do consenso faz parte a certeza, que todos temas, de que a Comunidade Europeia é hoje vista por milhões de pessoas como o paraíso a alcançar, como a «Terra» que, mesmo não sendo «Prometida», é, supostamente, um lugar de leite e mel. Assim é vista do Leste, onde a crise económica e social, quando não a guerra, são o dia-a-dia, fazendo a desgraça de quase todos, e assim é apreciada a partir do Sul, onde o crescimento demográfico, a fome, a miséria, a ausência de emprego e das mais elementares condições de saúde e a morte precoce são a realidade brutal e quotidiana de milhões de seres humanos. Aliás, para nossa profunda preocupação, nem é necessário ver este lado do drama chega, é suficiente, pensar que a população dos países do nosso vizinho Magrebe será de 100 milhões de seres humanos antes do ano 2010.
É evidente que o espaço dos Doze se não pretende uma fortaleza, nem sequer surdo e mudo e indiferente aos clamores de tanta gente. A Comunidade não pode ser, nem pode pretender ser, uma ilha de prosperidade num oceano de miséria. Não é menos verdade, contudo, que a solução para o problema não é, seguramente, a entrada maciça de tantos imigrantes nos países da Comunidade porque, então, seria o naufrágio para todos.
Segurança, portanto, face à imigração que reside, em primeiríssima mão, numa política consistente de cooperação, de ajuda, ao desenvolvimento, numa visão nova da relação Norte-Sul, mas que não pode também deixar de ser um conjunto de medidas que previnam e evitem.
Quanto à droga, ao desafio da droga, devo dizer que este é, cada vez mais, um problema complexo e difícil.
Chegará, certamente, recordar aqui que, em 1991, os cartéis colombianos conseguiram introduzir no espaço da Comunidade 3000 milhões de dólares de estupefacientes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dei conta apenas de duas das muitas preocupações ao nível da segurança e procurei mostrar as contornos da dimensão da tarefa Não preciso de me alongar para demonstrar que, num quadro de livre circulação de pessoas, que não seja devidamente acompanhado por medidas compensatórias no domínio da segurança tudo será mais perigoso, tudo poderá ser mais dramático.
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Pois bem, estamos em Dezembro de 1992 e a liberdade de circulação está prevista para 1 de Janeiro de 1993 e vale a pena então deitar contas à vida e ver se tais medidas compensatórias existem em quantidade suficiente. E a resposta, Srs. Deputados, é não. Não no que respeita à ratificação da Convenção de Dublim, no que concerne à convenção de passagem de fronteiras externas, que continua por assinar; não no que tem a ver com o sistema europeu de informações e a Europol, nomeadamente.
Ora, não podemos esquecer que temos de combater uma criminalidade, cujos traços principais se encontram, cada vez mais, nas conexões múltiplas, no campo de acção alargado, no não reconhecimento de fronteiras. A criminalidade, não nos restam dúvidas, aproveitar-se-ia, sabiamente e depressa, de todas as nossas debilidades.
É minha obrigação, por isso, dizer à Câmara e ao País o que penso e o que pensa o Governo sobre a data de l de Janeiro de 1993, fixada para o início da abolição dos controlos fronteiriços, que dêem corpo à liberdade de circulação de pessoas. E repito aqui o que disse na semana passada no Conselho de Ministros de Imigração e TREVI.
No quadro actual de realização de medidas compensatórias para a segurança não há condições para, em l de Janeiro de 1993, isto é, daqui a menos de um mês, se proceder ao desmantelamento dos controlas de fronteira da Comunidade.
Não postergamos o objectivo, mas não o podemos realizar sem as garantias de segurança adequadas. Somos pela livre circulação, mas essa Europa tem de ser, e pode ser, uma Europa onde não tenhamos de viver a angústia da insegurança.
Só uma Europa segura, que ninguém duvide, é uma Europa de liberdade!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tudo o que venho dizer tem muito a ver com Maastricht. Tenho como assente que passos que não foram dados, no sentido da criação de condições e factores de segurança para a livre circulação, têm muito a ver com o modelo de cooperação intergovemamental até agora seguido, porque a verdade, Srs. Deputados, é que não têm sido questões vitais ou sequer fundamentais para cada um dos países que têm impedido os Doze de avançar mais decididamente neste domínio. Às vezes, quantas vezes, tem sido o simples facto de se não obter a unanimidade, sempre requerida neste quadro, sobre a localização de uma sede ou até, quantas vezes, a sediação de um simples grupo de trabalho que nos impede de andar para a frente. E Maastricht, repito, tem muito a ver com isto.
Em boa verdade, o Tratado assinado na Holanda representa a elevadíssima consciência dos perigos que corremos e que é preciso, podem e devem, ser evitados para que a livre circulação possa, de facto, ser levada a cabo. E, a meu ver, a instituição do terceiro pilar da União representa precisamente um caminho mais efectivo para a criação de condições de segurança, porventura, direi mesmo, o único caminho eficaz.
Por isso se formula uma nova estrutura para a cooperação nos domínios da justiça e dos assuntos internos. Do novo modelo instituído resulta a possibilidade de adopção de posições comuns e a capacidade a atribuir ao Conselho de decidir que as medidas de execução de uma acção comum, de iniciativa, em regra, de qualquer Estado membro ou da Comissão, sejam obtidas por uma maioria qualificada. Ao mesmo tempo mantém-se a possibilidade, é certo, de cooperação intergovemamental, e portanto a possibilidade de celebração de convenções entre Estados membros, e, ainda neste campo, como se vê, o Tratado não se fecha mas acrescenta alguma coisa.
Estamos perante significativas alterações.
Passa a existir, nos termos do Tratado, uma nova arquitectura de organização e ligação às instituições comunitárias. Por mim, não duvido que este adquirido do Tratado não seja um simples acrescento mas laboriosa conclusão que reflecte um percurso, consciencializa dificuldades, oferece um patamar de entendimento e reforço da coesão europeia.
A segurança torna-se, assim, mais possível e, portanto, mais próxima se torna a liberdade, de circulação.
Defender o Tratado significa também, neste domínio, pensar uma Europa onde temos mais liberdade e, ao mesmo tempo, como não podia deixar de ser, mais segurança.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Chegam ao fim dois dias de debate profundo sobre Maastricht e sobre a Europa. Ao longo dele, como era necessário, todas as vozes se puderam fazer ouvir, para afirmar o acordo ou a discordância, a adesão ou a recusa, livremente, como é próprio de homens livres, numa sociedade livre.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como a esta hora já está tudo dito, de um lado e do outro lado, resta-me, assim, para não repetir outros, realçar, em jeito de conclusão, alguns aspectos que se me afiguram importantes e que, em minha opinião, não foram expressos ou, pelo menos, ainda não foram devidamente enfatizados.
Em primeiro lugar, gostaria de fazer o justo realce do consenso alcançado e que engloba os dois maiores partidos desta Câmara, o Partido Social-Democrata e o Partido Socialista, o que significa que - é bom dizê-lo - a ratificação do Tratado de Maastricht é aqui aprovada por uma maioria de Deputados que representa, legitimamente, cerca de 80% dos eleitores portugueses. É expressivo e é, portanto, de assinalar! E sobre este importante ponto tem de reconhecer-se que o Tratado recolhe aqui a aprovação de uma imensa maioria que representa, nesta, instância primeira da democracia, a vontade dos Portugueses. A aprovação deste Tratado segue as regras constitucionalmente previstas para o efeito e obtém a expressiva adesão. É justo e é legítimo afirmá-lo!
Pode discutir-se tudo. Pode estar-se ou não de acordo com todo ou parte do Tratado, mas sobre este ponto temos, uns e outros, de estar de acordo.
Ouvi, ouvimos todos, ao longo do debate, as intervenções dos que são a favor e dos que estão contra e, como é natural, ainda com maior atenção estas do que as outras. E aqui e além pareceu-me, como de resto já me certificara por prévias atitudes e declarações, que, da parte dos que discordam, o conjunto de argumentos aduzidos permite concluir que as discordâncias ultrapassam o Tratado em discussão para evidenciarem uma discordância maior e que tem a ver com a construção europeia ela mesma.
É posição, sem dúvida, legítima e por isso proclamável! A mim, parecer-me-ia melhor, contudo, que as coisas fossem ditas com clareza. Preferiria a coragem de uma afirmação explicitamente inequívoca aos subentendidos, às formulações redondas, que fazem do Tratado o bode expiatório de ideias e de intenções que não podem e não querem, com clareza evidenciar-se.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quanto lamento que o consenso sobre a Europa, no âmbito das
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forças partidárias portuguesas, tenha diminuído. Digo torças partidárias e não digo portugueses, porque, entre estes, creio, se encontrará mesmo reforçado.
Mas, falando de forças partidárias, devo dizer que, de um lado, do lado da integração, estiveram empenhadamente e sempre o PS, o PSD e o CDS e os seus líderes de então: Mário Soares, Sá Carneiro e Freitas do Amaral. Uns e outros, no governo ou na oposição, foram sempre, com entusiasmo e tenacidade, defensores intransigentes da estratégia europeia. A estes partidos e personalidades deve Portugal, em boa medida, a adesão as Comunidades.
Do outro lado, esteve o Partido Comunista Português. O PCP foi contra e, no fundo, é contra desde sempre e mostra a sua discordância pelo modo que em cada momento a conjuntura permite. Da posição do PCP sobre a Europa e sobre o Tratado de Maastricht nada a estranhar, portanto.
Hoje, são contra o Tratado como antes foram contra o Acto Único e contra o Acto Único como anteriormente foram contra a adesão de Portugal as Comunidades.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Ontem, o PCP dizia aqui, pela voz do seu actual secretário-geral, que não entendia a pressa do Governo na ratificação deste Tratado.
Falava do mesmo modo, nesta mesma Câmara, o mesmo Deputado, em 8 de Fevereiro de 1986, num debute sobre o Acto Único: «Não foram aclaradas as razões por que o Governo tem tanta pressa para hoje discutir o Acto Único Europeu.» Já então era como hoje, uma questão de pressa!
Vozes do PSD: - É cassette!
O Orador: - Ontem, o Sr. Deputado Carlos Carvalhas afirmava que o presente debate representava uma instrumentalização da Assembleia da República.
Já dizia o mesmo nesse debate de 8 de Fevereiro, quando afirmava que o debate sobre o Acto Único não representava uma atitude de respeito pela Assembleia mas, antes, uma operação de propaganda.
Uma e outra vez, portanto, os mesmos argumentos, porque, no fundo, a posição do PCP não mudou: o PCP ontem como hoje, apesar de tudo o que entretanto se passou, não defende o modelo europeu.
Do PCP nada a realçar, a não ser a coerência, que respeito.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que é novo e o que faz diminuir o mencionado consenso partidário é que o CDS mudou de rumo. O CDS, em boa verdade, excluiu-se do consenso europeu. Auto-excluiu-se!
Com toda a legitimidade, concedo, mas registo e registo sem prazer.
Naquele debate de 8 de Fevereiro de 1986, sobre o Acto Único, de acordo com o que até aí - e mesmo depois - sempre defendeu, pela voz do Sr. Deputado Narana Coissoró, o CDS dizia: «Uma política de defesa da concepção de vida, das liberdades civis e políticas, da manutenção do espaço cultural e, ao mesmo tempo, a adopção de políticas de reconversão económica é, em suma, a alma da CEE.» Para em seguida afirmar, naquilo que deve ser lido simultaneamente como desejo e lamento: «Falta ainda um processo de unificação de decisões políticas globais [...].»
Vozes do PSD: -Ah!...
O Orador: - Como mudaram as posições do CDS, face a Europa e à construção europeia. E que razão podemos descortinar para a mudança? Tenho a minha própria explicação.
Para mim, o que se passa é que o CDS, que defendia a Europa, independentemente da sua maior ou menor representatividade parlamentar, manteve sempre intacta uma vocação: a vocação do poder. O que me parece é que hoje o CDS já a não tem.
O que tudo isto significa .é que a liderança actual do CDS tem a certeza de que a sua deliberada auto-exclusão do consenso europeu lhe acarreta uma participação política na vida do País que pode servir muitos desígnios, mas não, seguramente, a perspectiva do exercício ou partilha do poder executivo.
Um CDS fora do consenso europeu, como agora está, não será em Portugal, e por muitas décadas, um partido de poder.
Este, sim, é um dado a reter, porque é um dado novo.
Aplausos do PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há uma tónica nova ao nível do discurso, dos que discordam da construção europeia, é que estabelecem um distingo, que me não parece nem adequado nem justo. De um lado, estariam os que, acima de tudo, defendem os interesses de Portugal e, do outro, nós, que privilegiaríamos a construção europeia, mesmo nos casos em que, uns e outros, possam entrar em conflito ou mesmo em colisão.
Errada maneira de ver as coisas, permitam-me dizer.
Não há, nem houve, nem haverá, passos possíveis e sólidos da construção europeia que ponham em causa interesses fundamentais dos parceiros comunitários, por razões que se me afiguram evidentes. Não tenhamos ilusões - e é bom que assim seja, parece-me - de que, no processo de construção europeia, cada parte defende os seus interesses. E os passos que nos fazem avançar a todos só são possíveis quando os interesses de todos convergem.
Parece-me uma evidência que pode e deve ser dita deste modo claro. Sempre foi assim, sempre será assim e só pode ser assim!
O Tratado aqui em discussão é um passo que representa isso mesmo, a convergência dos interesses de todos, pelo que não têm razão os que afirmam que o Tratado consagra a lei do mais forte. Não! O Tratado não foi feito à medida de algum ou alguns, pela razão de que só foi possível por ter sido feito à medida de todos. O Tratado é o ponto de encontro de todos para os avanços que consegue.
Se não fosse assim - repito - o Tratado não seria possível.
E é bom que se diga, alto e em bom som, que a nossa defesa do Tratado radica, em primeiríssimo lugar, no facto de que, para nós, sem margem para dúvidas, ele contém, no que é importante e decisivo, a defesa dos interesses portugueses.
O que pode acontecer, e acontece seguramente, é que haja numa comunidade nacional quem pense que o que é entendido como ponto de convergência de interesses não seja visto como tal. É legítimo e não é censurável. E é até legítimo que haja quem pense que nunca haverá convergência de interesses, nem pode haver, e se não defenda por isso mesmo até a integração de Portugal neste espaço.
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É uma posição muito minoritária no nosso país, mas é, certamente, legítima.
Mas nem uma coisa nem outra permitem aquele distinguo que referi.
Sou pela Europa, porque, primeiro que tudo, sou pela minha pátria e penso que a opção europeia que fizemos em 1986 constitui a correcta estratégia nacional. Mas sou por uma Europa que não vejo como exclusivo destino colectivo dos Portugueses. Somos um povo universalista, europeu pela geografia e pela cultura, mas atlântico e universal. Em todo o mundo construímos pontes e laços que são hoje, porventura, o nosso mais importante património colectivo. Mas é no espaço dos Doze que decidimos viver, construir um futuro de progresso e bem-estar e tornar ainda mais forte e importante a nossa presença no mundo.
Somos pela Europa, porque somos pela paz. O processo de construção europeia tornou possível uma era de paz num espaço que, ainda este século e num período de 30 anos, viveu duas guerras que a destruíram e ceifaram a vida a dezenas de milhões de seres humanos.
Conseguimos, através da construção europeia aquilo que foi uma busca permanente - quem se não recorda, entre tantos, do Tratado de Vestefália? -, a busca da paz.
O que, neste momento, se passa na Europa Central e Oriental, esfacelada por conflitos étnicos e outros, é o monstruoso espelho do nosso passado e não queremos voltar a ele.
Somos por esta Europa voluntariamente construída e que devolveu a este espaço uma presença importante no mundo dos nossos dias.
Somos pela Europa porque somas pela liberdade e pelos direitos humanas.
Somos pela Europa porque somos por Portugal, um Portugal soberano, capaz de, responsavelmente, partilhar competências, poderes e responsabilidades, num processo que é de engrandecimento colectivo porque engrandece cada uma das partes.
E ninguém pense que um país que pensasse necessário à construção europeia o despojamento das seus interesses, cultura e valores seria um bom parceiro neste processo.
Somos pela Europa e nela Portugal é Estado membro, exactamente igual aos outros e, ademais da sua participação europeia, continua dono e senhor da sua voz, dos seus anseios e projectos que, em tantos domínios, pode fazer ouvir e realizar com a autonomia de povo secularmente soberano.
Somos um Estado membro igual aos demais e estamos na Europa das Comunidades por decisão e interesses próprios, contribuindo com a nassa parte para o projecto que é de todos e não somos, nem seremos nunca, uma simples região deste continente que busca neste projecto auxílios que dispensam vontade e esforço próprias.
Por isso repito: esta Europa que já somos e todos os avanços que experimenta só é possível se o motor for a salvaguarda do interesse de cada um que, coincidindo com os de todos os outras, permita novos avanços. E somos gradualistas na prossecução desses avanços e atentos sempre à voz dos cidadãos e por isso não fazemos ouvidos de mercador a tudo o que, em Portugal ou noutros Estados membros, se disse e se passou a propósito da ratificação deste Tratado. E sendo gradualistas não definimos nem pensamos que possa ser definido já um modelo fulcral de organização. Penso mesmo ter uma certeza: o modelo organizativo não será, em nenhum caso, uma cópia de modelos historicamente aplicados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A esta hora do debate, já tudo foi dito. De um lado e do outro. O que acabo de dizer parece-me ser o mais importante de proclamar agora.
Não é justo o radicalismo de quem pensa que quem não é contra Maastrícht não é bom português. A divergência de posições sobre este Tratado ou, mesmo, sobre a Europa, ela própria, nunca me levará a afirmar coisa semelhante.
Por mim, prefiro pensar, a concluir, que todos os que aqui tomam assento, em nome de quem os elegeu, amam Portugal e querem todos - cada um a seu modo, sem dúvida - defender os interesses permanentes do País multissecular que somos. Todos, os que somos a favor e aprovamos este Tratado como aqueles que o rejeitam.
Mas a história dirá de que lado estava a razão em 1992.
Acredito firmemente que está do nosso lado.
Aplausos do PSD e do Deputado independente Freitas do Amaral.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, utilizo esta figura regimental para informar a Mesa e o Plenário que, após uma proposta da sua direcção, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista deliberou conceder aos seus Deputados total desvinculação de voto.
Assim, os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista poderão votar, em consciência e em função do seu próprio juízo, sobre o interesse nacional que está em causa.
Na mesma linha de reforço da pessoalização do voto, que, neste caso, se justifica plenamente em razão dos valores que estão em causa, apresentámos na Mesa um requerimento no sentido de ser nominal a votação que vai seguir-se.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate da proposta de resolução n.º 11/VI - Aprova, para ratificação, o Tratado da União Europeia, assinado em Maastrícht em 7 de Fevereiro de 1992.
Chamo a vossa atenção para o facto de a votação desta proposta de resolução ser global e que, portanto, incide sobre o próprio Tratado no seu conjunto.
Entretanto, tal como acabou de dizer o Sr. Deputado Almeida Santos, deu entrada na Mesa um requerimento apresentado pelo Partido Socialista, que vai ser lido.
Tem a palavra, Sr. Secretário.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O requerimento, apresentado pelo Partido Socialista e assinado por mais de 23 Deputados, entre os quais o Sr. Deputado Almeida Santos, é do seguinte teor:
Tendo em consideração o alto significado para Portugal e para o futuro europeu da votação a que vai proceder-se sobre o Tratado da União Europeia, os Deputados abaixo assinados, ao abrigo do artigo 105.º, n.º 2, do Regimento, requerem o seguinte:
A Assembleia da República delibera a votação nominal do Tratado da União Europeia.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação deste requerimento.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, do CDS, de Os Verdes e dos Deputados independentes Freitas do Amaral, João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé e a abstenção do PSD.
Srs. Deputados, de acordo com o requerido, será nominal a votação global da proposta de resolução n.º 11/VI - Aprova, para ratificação, o Tratado da União Europeia, assinado em Maastrícht em 7 de Fevereiro de 1992.
Segundo o Regimento, os Srs. Deputados serão chamados por ordem alfabética e, quando se levantarem, deverão indicar o respectivo sentido de voto, respondendo «sim», «não» ou «abstenho-me».
Srs. Deputados, vamos votar:
Procedeu-se à votação:
Abílio Sousa e Silva - SIM.
Adérito Manuel Soares Campos - SIM.
Adriano da Silva Pinto - SIM.
Adriano José Alves Moreira - NÃO.
Alberto Arons Braga de Carvalho - SIM.
Alberto Bernardes Costa - SIM.
Alberto Cerqueira de Oliveira - SIM.
Alberto de Sousa Martins - SIM.
Alberto Manuel Avelino - SIM.
Alberto Marques de Oliveira e Silva - SIM.
Alberto Monteiro de Araújo - SIM.
Álvaro José Martins Viegas - SIM.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto - SIM.
Ana Maria Dias Bettencourt - SIM.
Ana Paula Matos Barros - SIM.
Anabela Honório Matias - SIM.
André Valente Martins - NÃO.
António Alves Marques Júnior - SIM.
António Alves Martinho - SIM.
António Carlos Ribeiro Campos - SIM.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara - SIM.
António da Silva Bacelar - SIM.
António de Almeida Santos - SIM.
António de Carvalho Martins - SIM.
António do Carmo Branco Malveiro - SIM.
António Domingues de Azevedo - SIM.
António Esteves Morgado - SIM.
António Fernandes da Silva Braga - SIM.
António Filipe Gaião Rodrigues - NÃO.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu - SIM.
António Joaquim Correia Vairinhos - SIM.
António José Borram Crisóstomo Teixeira - SIM.
António José Caeiro da Mota Veiga - SIM.
António José Martins Seguro - SIM.
António Luís Santos da Costa - SIM.
António Manuel dos Santos Murteira - NÃO.
António Manuel Fernandes Alves - SIM.
António Manuel Oliveira Guterres - SIM.
António Maria Pereira - SIM.
António Moreira Barbosa de Melo - SIM.
António Paulo Martins Pereira Coelho - SIM.
António Poppe Lopes Cardoso - SIM.
António Ribeiro Marques da Silva - SIM.
Apolónia Maria Alberto Pereira Teixeira - NÃO.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira - SIM.
Armando António Martins Vara - SIM.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha - SIM.
Arménio dos Santos - SIM.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos - SIM.
Belarmino Henriques Correia - SIM.
Bernardino Gata da Silva - SIM.
arlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas - NÃO.
Carlos Alberto Lopes Pereira - SIM.
Carlos Cardoso Lage - SIM.
Carlos de Almeida Figueiredo - SIM.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira - SIM.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves - SIM.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva - SIM.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira-SIM.
Carlos Manuel Luís - SIM.
Carlos Manuel Marta Gonçalves - SIM.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal - SIM.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira - SIM.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho - SIM.
Cecília Pita Catarino - SIM.
Cipriano Rodrigues Martins - SIM.
Delmar Ramiro Palas - SIM.
Diogo Pinto de Freitas do Amaral - SIM.
Domingos Duarte Lima - SIM.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco - SIM.
Edite de Fátima Santos Marreiros Estrela - SIM.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva - SIM.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues - SIM.
Eduardo Ribeiro Pereira - SIM.
Elisa Maria Ramos Damião - SIM.
Elói Franklin Fernandes Ribeiro - SIM.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista - SIM.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo - SIM.
Fernando Alberto Pereira de Sousa - SIM.
Fernando Alberto Pereira Marques - SIM.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade - SIM.
Fernando dos Reis Condesso - SIM.
Fernando José Antunes Gomes Pereira - SIM.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso - SIM.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira - SIM.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa - SIM.
Fernando Monteiro do Amaral - (FALTA).
Fernando Santos Pereira - SIM.
Filipe Manuel da Silva Abreu - SIM.
Francisco Antunes da Silva - SIM.
Francisco João Bernardino da Silva - SIM.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues - SIM.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva - SIM.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins - SIM.
Gustavo Rodrigues Pimenta - SIM.
Helena de Melo Torres Marques - SIM.
Hilário Torres Azevedo Marques - SIM.
Isabel Maria de Almeida e Castro - NÃO.
Isilda Maria Renda Periquito Pires Martins - SIM.
Jaime Gomes Mil-Homens - SIM.
Jaime José Matos da Gama - SIM.
Jerónimo Carvalho de Sousa - NÃO.
João Alberto Granja dos Santos Silva - SIM.
João Álvaro Poças Santos - (FALTA).
João António Gomes Proença - SIM.
João António Gonçalves do Amaral - NÃO.
João Carlos Barreiras Duarte - SIM.
João Carlos da Silva Pinho - NÃO.
João Cerveira Corregedor da Fonseca - NÃO.
João de Deus Rogado Salvador Pinheiro - SIM.
João do Lago de Vasconcelos Mota - SIM.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado - SIM.
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João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu - SIM.
João Eduardo Dias Madeira Gouveia - SIM.
João Granja Rodrigues da Fonseca - SIM.
João José da Silva Maçãs - SIM.
João José Pedreira de Matos - SIM.
João Manuel dos Santos Henriques - SIM.
João Maria de Lemos de Meneses Ferreira - SIM.
João Maria Leitão de Oliveira Martins - SIM.
João Paulo de Castro Morais Gomes - NÃO.
João Rui Gaspar de Almeida - SIM.
Joaquim Américo Fialho Anastácio - SIM.
Joaquim Cardoso Martins - SIM.
Joaquim Eduardo Gomes - SIM.
Joaquim Maria Fernandes Marques - SIM.
Joaquim Vilela de Araújo - SIM.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira - SIM.
Jorge Lacão Costa - SIM.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha - SIM.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho - SIM.
José Agostinho Ribau Esteves - SIM.
José Alberto Puig das Santos Costa - SIM.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego - (FALTA).
José Álvaro Machado Pacheco Pereira - SIM.
José António Martins Goulart - SIM.
José Apolinário Nunes Portada - (FALTA).
José Augusto Santos da Silva Marques - SIM.
José Barbosa Mota - SIM.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha - SIM.
José de Almeida Cesário - SIM.
José Eduardo Reis - SIM.
José Eduardo Vera Cruz Jardim - SIM.
José Ernesto Figueira dos Reis - SIM.
José Fernando Araújo Calçada - NÃO.
José Fortunato Freitas Costa Leite - SIM.
José Guilherme Reis Leite - SIM.
José Júlio Carvalho Ribeiro - SIM.
José Leite Machado - SIM.
José Macário Custódio Correia - SIM.
José Manuel Borregana Meireles - SIM.
José Manuel da Silva Costa - SIM.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida - SIM.
José Manuel Maia Nunes de Almeida - NÃO.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santas - SIM.
José Manuel Santos de Magalhães - SIM.
José Mário Lemos Damião - SIM.
José Pereira Lopes - SIM.
José Rodrigues Pereira dos Penedos - SIM.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa - SIM.
Júlio da Piedade Nunes Henriques - SIM.
Júlio Francisco Miranda Calha - SIM.
Laurentino José Monteiro Castro Dias - SIM.
Leonardo Eugênio Ramos Ribeiro de Almeida - SIM.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos - (FALTA).
Lino António Marques de Carvalho - NÃO.
Luís António Carrilho da Cunha - SIM.
Luís António Martins - SIM.
Luís Carlos David Nobre - SIM.
Luís Carlos Martins Peixoto - NÃO.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa - SIM.
Luís Filipe Nascimento Madeira - SIM.
Luís Manuel Capoulas Santos - SIM.
Luís Manuel Costa Geraldes - SIM.
Manuel Acácio Martins Roque - SIM.
Manuel Albino Casimira de Almeida - SIM.
Manuel Alegre de Melo Duarte - (FALTA).
Manuel Antero da Cunha Pinto - SIM.
Manuel António dos Santos - SIM.
Manuel Castro de Almeida - SIM.
Manuel da Costa Andrade - SIM.
Manuel da Silva Azevedo - SIM.
Manuel de Lima Amorim - SIM.
Manuel Filipe Correia de Jesus - SIM.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso - SIM.
Manuel Maria Moreira - SIM.
Manuel Sérgio Vieira e Cunha - (FALTA).
Manuel Simões Rodrigues Marques - SIM.
Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queira - NÃO.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues - SIM.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira - SIM.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Costa - SIM.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia - SIM.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio - SIM.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares - SIM.
Maria Luísa Lourenço Ferreira - SIM.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira - SIM.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa - SIM.
Maria Odete dos Santos - NÃO.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes - SIM.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo - SIM.
Mário António Baptista Tomé - NÃO.
Mário Jorge Belo Maciel - SIM.
Mário Manuel Videira Lopes - (FALTA).
Melchior Ribeiro Pereira Moreira - SIM.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva - SIM.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas - SIM.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues - NÃO.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos - SIM.
Octávio Augusto Teixeira - NÃO.
Olinto Henrique da Cruz Ravara - SIM.
Pedro Domingos de Sousa e Holstein Campilho - SIM.
Pedro Manuel Cruz Roseta - SIM.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho - SIM.
Raul d'Assunção Pimenta Rego - SIM.
Raul Fernando Souzela da Costa Brito - SIM.
Rogério da Conceição Serafim Martins - (FALTA).
Rui Alberto Limpo Salvada - SIM.
Rui António Ferreira da Cunha - SIM.
Rui Carlos Alvarez Carp - SIM.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira - SIM.
Rui Fernando da Silva Rio - SIM.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva - SIM.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete - SIM.
Simão José Ricon Peres - SIM.
Vasco Francisco Aguiar Miguel - SIM.
Virgílio de Oliveira Carneiro - SIM.
Vítor Manuel Caio Roque - SIM.
Vítor Manuel da Igreja Raposo - SIM.
Vítor Pereira Crespo - SIM.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminado o escrutínio, os resultados são os seguintes: faltaram à votação 9 Srs. Deputados e responderam 221. Destes, 200 disseram «sim» e 21 disseram «não».
Está aprovada a proposta de resolução, ou seja, o Tratado da União Europeia.
Aplausos, de pé, do PSD, do PS e do Deputado independente Freitas do Amaral.
Nestes termos, o texto do Tratado será enviado ao Sr. Presidente da República para efeito de ratificação, as-
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sim como será publicada no Diário da República, e por mim próprio assinada, a resolução da sua aprovação.
Srs. Deputados, a próxima sessão plenária realiza-se amanhã, a partir das 10 horas, com a apreciação e respectivas votações das propostas de lei n.º 39/VI - Altera a Lei n.º 6/91, de 20 de Fevereiro (Enquadramento do Orçamento do Estado) e 41/VI - Altera a Lei n.º 2/92, de 9 de Março, e do projecto de Orçamento suplementar da Assembleia da República para 1992.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 10 minutos.
Declaração de voto enviada à Mesa, para publicação, relativa à votação global da proposta de resolução n.º 11/VI - Aprova, para ratificação, o Tratado da União Europeia, assinado em Maastricht em 7 de Fevereiro de 1992.
Caso se tivesse realizado um referendo sobre o Tratado de Maastricht - como gostaria e preferiria que tivesse havido -, ter-me-ia batido pela sua aprovação.
Não se tendo, infelizmente, propiciado as condições para que se efectuasse essa consulta popular, votei de acordo com as minhas convicções e posições desde sempre favoráveis ao movimento para a unidade económica e política da Europa, e que julgo compartilhar com a maioria dos portugueses.
O Deputado do PS, Carlos Lage.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Adriano da Silva Pinto.
Anabela Honório Matias.
António José Caeiro da Mota Veiga.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Cipriano Rodrigues Martins.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João José Pedreira de Matos.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
anuel Maria Moreira.
Pedro Domingos de Sousa e Holstein Campilho.
Simão José Ricon Peres.
Partido Socialista (PS):
Alberto Manuel Avelino.
António José Borram Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Jaime José Matos da Gama.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
José António Martins Goulart.
José Barbosa Mota.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Maria Odete dos Santos.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Fernando Monteiro do Amaral.
João Álvaro Poças Santos.
Partido Socialista (PS):
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Apolinário Nunes Portada.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Mário Manuel Videira Lopes.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.