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Sexta-feira, 18 de Dezembro da 1992 I Série - Número 23 841

DIÁRIO da Assembleia da República

VI LEGISLATURA

2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 17 DE DEZEMBRO DE 1992

Presidente: Ex.mo Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Ex.mos Srs. João Domingos Fernandes da Abreu Salgado.
Vítor Manual Caio Roque
José Mário Lemos Damião.
José da Almeida Cesário

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 12 horas.
Após a intervenção do Sr. Primeiro Ministro (Cavaco Silva) dando conta das conclusões da Cimeira de Edimburgo, usaram da palavra os Srs. Deputados António Guterres (PS) Duarte Lima (PSD), Octávio Teixeira (PCP), José Carlos Pinho (CDS) André Martins (Os Verdes) Manuel Sérgio (PSN), João Corregedor da Fonseca, Mário Tomé e Freitas do Amaral (Indep.)
Foram discutidas e aprovadas, na generalidade, os projectos de lei n.ºs 224/VI - Lei eleitoral para o Presidente da República 225/VI - Lei Eleitoral para a Assembleia da República 226/VI - Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu a 227/VI - Lei Eleitoral para as Autarquias Locais, todos da autoria do PSD. Intervieram a diverso título, além do Sr. Ministro da Administração Interna (Dias Loureiro), os Srs. Deputados Silva Marques (PSD), Almeida Santos (PS) Mário Tomé (Indep.) André Martins (Os Verdes) António Campos (PS), Alberto Costa (PS), João Paulo Gomes (CDS), Octávio Santos (PCP) Manuel Sérgio (PSN) João Corregedor da Fonseca (Indep.) e Lopes Cardoso (PS).
A Câmara apreciou também a proposta de resolução n.º 17/VI - Estende ao território de Macau a aplicação do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis a Política e de Pacto Internacional sobre os Direitos Civis a Política e de Pacto Internacional sobre os Direitos Civis a Política e do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, que foi aprovada em votação global, tendo usado da palavra, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (Luís Filipe Menezes), os Srs. Deputados José Magalhães (PS), Margarida Silva Pereira (PSD), António Filipe (PCP) e Luís ... (PSD).
Foram ainda aprovadas, em votação final global as alterações aos artigos 24.º, 27.º e 30.º e o artigo novo 32.º. A do Decreto-Lei n.º 128/92, de 4 de Julho, que define o regime de formação profissional após a licenciatura em Medicina (ratificações n.ºs 34/VI (PCP) e 35/VI (PS). Procederam declarações de voto os Srs. Deputados Ferraz de Abreu (PS), Luís Peixoto (PCP) e Jorge Paulo Cunha (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente: -Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 12 horas.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Abílio Sousa Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Ana Paula Matos Barros.
Anabela Honório Matias.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Bernardino Gata Silva.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Camará Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Debitar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Elói Franklin Fernandes Ribeiro.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrígues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Isilda Maria Renda Periquito Pires Martins.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João Carlos Barreiras Duarte.
João de Deus Rogado Salvador Pinheiro.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Eduardo Dias Madeira Gouveia.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
João Manuel dos Santos Henriques.
João Maria Leitão de Oliveira Martim.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Macário Custodio Correia.
José Manuel Borregaria Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Luis António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luis Carlos David Nobre.
Luis Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Costa.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.
Vítor Pereira Crespo.

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Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga d« Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Ana Maria Dias Bettencourt
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António Luís Santos da Costa.
António Manuel Oliveira Guterres.
António Ribeiro Marques da Silva.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luis.
Edite de Fátima Santos Marreiros Estrela.
Eduardo Luis Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Guilherme Valdemar Pereira Taveira Martins.
Gustavo Rodrígues Pimenta
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lado Costa
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José António Martim Goulart.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Eduardo Reis.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Rodrígues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henrique.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luis Filipe Nascimento Madeira.
Luis Manuel Capoulas Santos.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Mário Manuel Videira Lopes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rui António Ferreira da Cunha.
Ruí do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrígues.
António Manuel dos Santos Murteira.
Apolónia Maria Alberto Pereira Teixeira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
José Fernando Araújo Calçada.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luis Carlos Martins Peixoto.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):

João Carlos da Silva Pinho.
João Paulo de Castro Morais Gomes.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes:

Diogo Pinto de Freitas do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Mário António Baptista Tomé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, da ordem do dia de boje consta um debate sobre as conclusões da Cimeira de Edimburgo.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro (Cavaco Silva): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Cimeira de Edimburgo justifica plenamente que o Primeiro-Ministro se desloque à Assembleia da República para explicar as conclusões. Foi um dos conselhos mais longos e mais complexos, de grande tensão e, sem dúvida, um dos mais decisivos desde que Portugal aderiu à Europa comunitária. Todos estavam bem conscientes de que estava em causa o futuro da Europa e que era necessário ultrapassar pessimismos, hesitações e incertezas e restabelecer a confiança e a credibilidade. Estava ern causa inverter, se possível, a tendencia recessiva que se respira ern boa parte dos países da Europa comunitária.
Da agenda de Edimburgo faziam parte pontos tão importantes como o problema da Dinamarca em resultado do seu referendo -, a definição das directrizes para a aplicação do princípio da subsidiariedade e o aumento da transparência, o financiamento da Comunidade até ao fim deste século, uma iniciativa comunitária de crescimento económico, a discussão das sedes das instituições comunitárias, o número de parlamentares no Parlamento Europeu e o início das negociações para o alargamento da Comunidade Europeia. Todos estes pontos estavam interligados -essa foi uma posição que Portugal sempre adoptou -, pelo que «ó existiam dois resultados possíveis: um êxito total ou um fracasso total).
Depois de dois dias de intensas discussões, verificámos que o Conselho de Edimburgo configura um marco histórico no caminho da integração europeia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Penso que, ern Edimburgo, ficou demonstrado que o projecto europeu está vivo, que não existe alternativa a esse projecto, sendo o melhor para responder às aspirações de paz, de estabilidade e de progresso dos cidadãos europeus.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à Dinamarca, foram tomadas algumas medidas que se integram plenamente no Tratado da União Europeia, sendo totalmente compatíveis com os objectivos aí consagrados. Em primeiro lugar, foi tomada uma decisão, pelos chefes do Estado e do Governo reunidos ern Edimburgo, que esclarece três pontos: o primeiro respeita à cidadania europeia - cidadania essa que se acrescenta e não se substituiu à nacional; o segundo é relativo à união económica e monetária em que a Dinamarca comunicou aos outros parceiros que faz uso do seu protocolo anexo ao Tratado de Maastricht, de acordo com o qual não passa à terceira fase; o terceiro tem a ver com a política de defesa - na medida ern que a Dinamarca não faz parte da União da Europa Ocidental, que é o braço que executa as políticas de defesa da União Europeia, também não participa na definição e na execução das políticas neste domínio.
Para além disso, foi feita uma declaração sobre política social consumidores e ambiente, que esclarece que qualquer Estado membro pode manter medidas de protecção mais rigorosas do que aquelas que estão consagradas no Tratado da União Europeia.
Por último, o Conselho tomou conhecimento de declarações unilaterais que a Dinamarca irá fazer e que vai anexar ao acto de ratificação: uma declaração sobre cidadania, em que a Dinamarca diz respeitar todos os direitos consagrados no Tratado da União Europeia que são aplicáveis aos cidadãos dos outros países, incluindo a participação nas eleições para as autarquias locais na Dinamarca e as eleições para o Parlamento Europeu; uma declaração sobre cooperação de justiça, ern que a Dinamarca recorda o princípio da unanimidade que está no Tratado, e uma declaração finai, ern que a Dinamarca afirma que as declarações que faz e as decisões de Edimburgo respeitam totalmente o Tratado da União Europeia e não põem em causa os seus objectivos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - São portanto, decisões que visam facilitar a realização de um segundo referendo na Dinamarca, bem como afastar alguns fantasmas que aí existem. E aqueles que entre nós afirmaram que ern Edimburgo foi dado um estatuto de excepção à Dinamarca, quer na cidadania europeia, quer na defesa, quer na união económica e monetária, manifestam uma total ignorância em relação àquilo que aí aconteceu.

Risos do PCP.

Em relação à subsidiariedade, foram aprovadas directrizes para a aplicação do princípio que estão de acordo com o que Portugal sempre defendeu: a sua aplicação sem afectar os equilíbrios institucionais, sem pôr em causa as competência» comunitárias e o desenvolvimento normal da vida comunitária, tratando-se apenas de orientações para o exercício das competências que já existem.
O princípio da subsidiariedade diz respeito a todas as instituições comunitárias; logo, defende-se a realização de um acordo interinstitucional entre o Conselho, a Comissão e o Parlamento Europeu, acordo esse que está em fase muito avançada e que, com certeza, poderá ser aprovado a breve trecho.
Relativamente à transparência, foram tomadas medidas para reforçar a aproximação da vida comunitária aos cidadãos. Aí destacaria a abertura de algumas sessões do Conselho ao público, a publicação das actas das votações no Conselho, uma tentativa de melhorar a informação sobre a vida do Conselho e medidas tendo em vista tomar mais fácil, mais simples e mais perceptível a legislação comunitária.
Tendo sido acordado em Edimburgo o financiamento da Comunidade e existindo agora perspectivas que entendemos boas para a ratificação do Tratado da União Europeia por parte dos 12 Estados membros, foi possível acordar quanto ao início das negociações para o alargamento. Assim, já em Janeiro, podem indicar-se as negociações para o alargamento com a Aústria, a Suécia e a Finlândia «, logo que o Conselho receba e aprove o parecer da Comissão, com a Noruega. Mas ficou claro que as negociações pressupõem a aceitação integral do Tratado da União Europeia e que não poderão terminar sem que o Tratado esteja ratificado por todos os Estados membros.
Será de realçar também que foi possível chegar a um acordo quanto às sedes provisórias das instituições em funcionamento: o Parlamento Europeu, o Conselho, a Comissão, o Tribunal de Justiça, o Conselho Económico e Social e o Tribunal de Contas. Foi igualmente possível chegar a um acordo quanto ao número de Deputados do Parlamento Europeu, uma questão que visava resolver os problemas que consultavam da representação alemã como consequência da unificação. O acordo a que se chegou foi aquele que foi apresentado pelo Parlamento Europeu e, consequentemente, Portugal passa de 24 para 25 Deputados.
Foi ainda aprovada uma iniciativa de recuperação da economia europeia, tendo em vista aumentar a confiança, incentivar a recuperação económica e criar mais oportunidades de emprego e de investimento. As actuações, tal como foi recomendado, devem ser compatíveis com a convergência para a união económica e monetária, tendo sido desenhadas actuações a dois níveis: a nível nacional e a nível comunitário.
No que diz respeito a actuações por parte dos Estados membros, recomenda-se uma orientação das despesas para infra-estruturas e incentivos ao investimento, principalmente das pequenas e médias empresas, e uma contenção nos acordos salariais, sobretudo nos di função pública. A nível comunitário são sugeridas medidas complementares, onde se destacam duas actuações por parte do Banco Europeu de Investimentos: a criação, por parte desse Banco, de uma facilidade de crédito de 5000 MECU destinado ao financiamento de infra-estruturas transeuropeias e, depois, a criação de um fundo europeu de investimentos, com um capital de 2000 MECU, para dar garantias a projectos de investimento.
Foi também sublinhado, de uma forma muito fone e com o nosso apoio, que talvez a contribuição mais importante que se possa dar para o relançamento da economia europeia seja a da aplicação das perspectivas financeiras e principalmente dos fundos estruturais. Nesse sentido foi também recomendado ao Banco Europeu de Investimentos que reforce o seu apoio em fundos para os quatro países da coesão e para as outras regiões do objectivo n.º 1.

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Mas, tem dúvida, que uma da» partes mais decisivas do Conselho de Edimburgo eslava na aprovação ou não das perspectivas financeiras até ao fim deste século, pois a sua aprovação era decisiva para a afirmação da unidade da Europa, para dar um impulso à actividade económica europeia e para reganhar confiança e credibilidade. Em suma, as perspectivas financeiras eram decisivas paia consolidar o Tratado de Maastricht.
No entanto, temos de reconhecer que o momento era o menos adequado para discutir perspectivas financeiras. E porquê? Devido à recessão económica, às turbulências do mercado cambial, a todo este ambiente de pessimismo e a estas perplexidades em relação ao projecto dá União Europeia e devido às fortes restrições orçamentais que estão a ser aplicadas em todos os países e que, ern muitos deles, incluem cortes substanciais nas despesas de natureza social. Era preciso, de facto, ter uma grande visto do futuro, ser capaz de impedir que a conjuntura acabasse por determinar as perspectivas até ao fim do século, ou seja, essa visto era precisa para se conseguir aprovar perspectivas que fossem consistentes e compatíveis com o Tratado da União Europeia.
É óbvio que, para Portugal, essas perspectivas eram decisivas, porque se tratava de preparar, para o nosso país, a integração plena na união económica e monetária, satisfazer os critérios de convergência, levar por diante as infra-estruturas necessárias para preparar a modernização e, assim, prepararmo-nos para uma competitividade mais forte e mais agressiva.
Como é do vosso conhecimento, esta é uma questão extraordinariamente difícil. No nosso país, a maioria da classe política estava muito céptica e registei até que alguns não conseguiam esconder uma certa satisfação por um fracasso antecipado em Edimburgo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas essa é claramente uma manifestação de miopia por parte daqueles que não conseguem distinguir o interesse nacional de meros interesses pessoais ou partidários.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - São pessoas que não acreditam na Europa comunitária, pelo que também não acreditam nas capacidades dos Portugueses. São miserabilistas por convicção e procuram esconder as suas frustrações pessoais, denegrindo tudo aquilo que é português.

Aplausos do PSD, de alguns Deputados do PS e do Deputado independente Freitas do Amaral.

Felizmente, enganaram-se redondamente! Os resultados correspondem às nossas melhores expectativas e aos nossos melhores objectivos. A estratégia negocial que foi seguida pelo Governo foi correcta e apresentámo-nos com competência e credibilidade para defender os interesses portugueses.
Aliás, quero aqui saudar a postura séria, positiva e nacional que sempre foi adoptada nesta matéria pelo Partido Socialista.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Partido Socialista, conjuntamente com o Partido Social-Democrata, faz parte do consenso europeu que se estabeleceu em Portugal para a ratificação do Tratado de Maastricht e não tenho a mínima dúvida de que, nos fora onde o PS tem influência, ele procurou sempre defender os interesses nacionais, ou seja, o Pacote Delors II.

Aplausos do PSD, de alguns Deputados do PS e do Deputado independente Freitas do Amaral.

O Partido Comunista Português e o Centro Democrático Social votaram contra o Tratado de Maastricht e, dessa forma, excluíram-se do consenso nacional em relação ao projecto europeu de que deriva directamente o Pacote Delors II. Se as suas orientações tivessem vingado no nosso país, nunca teríamos conseguido obter os resultados, para Portugal, que obtivemos em Edimburgo. Estaríamos numa situação muito frágil, sem credibilidade e sem capacidade negocial. Por isso, podemos dizer, com todo o à-vontade, que os resultados de Edimburgo só foram possíveis porque as orientações do Partido Comunista Português e do Centro Democrático Social foram derrotadas ern Portugal.

Aplausos do PSD, de alguns Deputados do PS e do Deputado independente Freitas do Amaral.

Esses partidos estão agora excluídos do consenso de esforços que permitiram a vitória de Portugal em Edimburgo e nem tão-pouco lhes atribuímos autoridade para participar na discussão da aplicação dos fundos pois, se as suas teses tivessem vencido, os fundos acrescidos acabavam por não vir para Portugal.

Aplausos do PSD, de alguns Deputados do PS e do Deputado independente Freitas do Amaral.

Protestos do PCP.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É o autoritarismo à tona!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A coesão económica e social sai claramente reforçada de Edimburgo; o espírito de Maastricht acabou por vencer. O montante das acções estruturais sofre um aumento significativo e o Fundo de Coesão, criado pelo Tratado da União Europeia, é dotado com uma verba de 15 150 MECU, começando já a vigorar em 1993 para o financiamento de infra-estruturas nos domínios do ambiente e dos transportes. Porém» na medida ern que o Tratado não está ainda aprovado em todos os países, vai ser aprovado um instrumento provisório, de forma que o Fundo de Coesão possa ter condições de entrar ern funcionamento por volta do mês de Abril, o que quer dizer que os instrumentos devem ser aprovados até ao mês de Abril.
Para Portugal, e de acordo com cálculos provisórios, as verbas totais para os fundos estruturais devem permitir uma duplicação. Mas será bom esclarecer o que é que isto significa: não é a duplicação de 1993 em relação a 1992; como alguns ingénuos parecem dar a entender, nem duplicação de 1994 relativamente a 1993. O que pensamos ser possível é que a média anual, no período de 1993-1999, seja dupla da média anual dos fundos estruturais no período de 1988-1991, podendo as taxas de co-financiamento do Fundo de Coesão chegar até 85 %. Aliás, gostaríamos que tivesse ficado mais clara a possibilidade de elas chegarem até 90 % para as regiões ultraperiféricas, mas apenas conseguimos que a redacção dissesse que o

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apoio conjugado do Fundo de Coesão e outras contribui» coes comunitárias podem chegar a 90 % e que na mamem dos 5 % a 10 %, que fica reservada para acções comunitárias, se incluísse não apenas a cooperaçâo transfronteiriça mas também o apoio às regiões ultraperiféricas.
Em relação a outras despesas, quero apenas referir que se mantém a directriz agrícola aprovada em 1988, que as despesas para políticas globais aumentam 30 % e que as acções externas vão ter um aumento de 42 %, entre 1992 e 1999.
Vou fazer uma pequena referência à alteração da estrutura de recursos próprios, na linha daquela que Portugal tinha trabalhado para a presidência portuguesa, para o Conselho de Lisboa. A taxa do IVA vai descer de 1,4 % para 1 %, no período de 1995 a 1999, e a base do IVA, para os quatro países da coesão, baixa, logo em 1995, de 55 % do produto nacional para 50 %. Para os outros países vai baixar desde 1995 até 1999:
Consegue-se, assim, que as contribuições de cada país . para a Comunidade estejam mais de. acordo com a capacidade contributiva de cada um. De acordo com os nossos cálculos, Portugal, entre 1995 e 1999, vai poupar, nas suas contribuições para a Europa comunitária, 1995-1999, cerca de 200 milhões de ecus.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ninguém pense que os resultados de Edimburgo significam dinheiro fácil para alimentar o consumo no nosso país. Importa, desde já, desfazer esse equívoco. Vai ser muito grande a nossa exigência na utilização dos fundos comunitários. São apoios que vão vigorar, principalmente a partir de 1994, para financiar investimentos importantes para a nossa modernização e têm de ser investimentos com uma rentabilidade económica e social elevada.
Portugal teve de assumir o compromisso de aplicar internamente políticas económicas são e aplicá-las com muito rigor. Por isso, vai continuar a política de forte, contenção das despesas correntes, até para criar espaço para o financiamento do investimento. Portanto, ninguém pense quo nos vamos deixar impressionar com os alaridos despesista» ou as mentalidades de desperdício, como aquelas que recentemente se têm manifestado. Em relação a esses, vamos ser mesmo particularmente exigentes, porque nada fizerem para que os recursos viessem para Portugal, muito pelo contrário. E a experiência aconselha-nos que sejamos muito rigoroso exigentes para com essas mentalidades.

Aplausos do PSD.

Importa também ter presente que todos os países tem de adoptar um programa compatível com os critérios, de convergência explicitados no Tratado da União Europeia, principalmente com o critério da redução do défice orçamental. O não cumprimento deste artigo 104.º-C do Tratado, ou seja, o não cumprimento do programa de convergência significa que a Comunidade pode suspender o financiamento dos projectos de investimento Portugal já apresentou o seu programa de convergência e temos mesmo de cumpri-lo. Mas quero aqui recordar, perante esta Câmara, que o compromisso que foi assumido por Portugal diz respeito ao défice do sector público global, incluindo, portanto, fundos e serviços- autónomos, segurança social, autarquias e Regiões Autónomas. Logo,
o Governo vai exigir a todos os subsectores da nossa Administração Pública um compromisso plurianual de disciplina orçamental que seja compatível com o compromisso que o próprio Governo Português teve de assumir com a Comunidade Europeia.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem! .

O Orador: - De facto, seria inaceitável que aqueles que prejudicam o cumprimento dos critérios para o recebimento dos fundos acabassem por beneficiar dos fundos acrescidos que acabámos por negociar.

Aplausos do PSD.

É por isso que digo, de forma muito clara, perante esta Câmara, que é o lugar adequado, que os comportamentos despesista contrários ao programa de convergência português que recentemente tem sido manifestados pelas nossas autarquias têm de mudar se quiserem continuar a receber apoios dos fundos comunitários.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Isto porque não se pode tolerar que uma parte do sector público tente prejudicar objectivos que são verdadeiramente nacionais.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se a conjuntura internacional se inverter, está, de facto, em causa uma grande oportunidade de modernizar o nosso país até ao fim deste século. Trata-se de um projecto de dimensão nacional, de aproximação dos nossos níveis de desenvolvimento à média comunitária.
Penso que, neste momento, temos razões de esperança, mas a vitória só vai efectivar-se através da demonstração da nossa capacidade para plantar as árvores e para fazê-las frutificar. Não basta ter acesso aos fundos comunitários. Que ninguém tenha dúvidas que a maior quota-parte do trabalho vai competir aos. Portugueses! A experiência de outros países demonstra que não basta ter muitos fundos comunitários para conseguir taxas de crescimento elevadas. Há mesmo o caso de um país que, tendo uma percentagem de fundos, comunitários, em termos de produto, que é o dobro da de Portugal, tem taxas de crescimento muito perto do zero.
Srs. Deputados, o tempo é de trabalho, de muito rigor, de disciplina acrescida e não o contrário. Quem viu nos resultados de Edimburgo um paraíso de facilidades, é melhor desiludir-se, e para já!
Temos de continuar a nossa luta para reduzir a inflação, para manter a política de estabilidade cambial, pelo que urge continuar com a contenção orçamental e a moderação salarial: Sem isso, não teremos oportunidades para vencer!
Por maiores que sejam os obstáculos criados, temos de continuar com a politica de mudanças na Administração Pública e com a política de reestruturação e reconversão industrial, mesmo que isso signifique alguns custos.
Aliás, nunca vi nenhum país que se conseguisse modernizar mim mar de facilidades e, portanto, não se julgue que Portugal vai modernizar-se num mar de facilidades. Mas os custos do seu adiamento seriam sempre muito

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superiores e teremos, com certeza, a compensação nos benefícios futuros.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, as exigências que se nos colocam, ern resultado da situação internacional complexa que vivemos, que é uma situação recessiva, não desapareceram.
Os resultados de Edimburgo confirmam, de forma muito clara, que o caminho que vínhamos a trilhar é o correcto. Talvez outros tenham de fazer pequenos ajustamentos no seu discurso ou no seu comportamento mas nós não temos de lhes fazer alterações significativas. O que posso dizer é que, agora, como antes, continuamos firmemente empenhados ern conseguir vencer os desafios da integração europeia e realizar a modernização no nosso país. E, Srs. Deputados, estou convencido de que vamos vencer!

Aplausos do PSD, de pé e do Deputado independente Freitas do Amaral.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, de acordo com o que foi estabelecido na Conferencia dos Representantes dos Grupos Parlamentares, não há pedidos de esclarecimento mas tão-só intervenções.
Assim, e entrando no debate propriamente dito, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Vivemos um momento auspicioso na história da integração europeia de Portugal. Na última semana registou-se a ratificação do Tratado de Maastricht peio Parlamento Português e com o êxito do Conselho Europeu de Edimburgo foi possível vencer bloqueios e dificuldades que ameaçavam de crise a construção da União Europeia.
É uma vitória para Portugal, para a Europa e para todos os que, em Portugal, no Governo ou na oposição, apostaram na ratificação do Tratado de Maastricht, na União Europeia e na defesa intransigente do interesse nacional no quadro comunitário.

Aplausos do PS, do PSD e do Deputado independente Freitas do Amaral.

Permitam-me que, como socialista, sublinhe o bom acolhimento que sempre tive nessa defesa por parte do Partido Socialista Europeu, quer na aprovação do Pacote Delors II quer na defesa do princípio de que o alargamento a outros países da Comunidade só seria possível a partir do momento em que sé esclarecessem as perspectivas financeiras pêra os próximos anos e se aprovasse, consequentemente, o Pacote Delors II, exigência fundamental dos países do Sul.
Penso que é justo sublinhar aqui o papel de dois homens, de duas figuras importantes do movimento socialista e do movimento europeu. Refiro-me a Jacques Delors, Presidente da Comissão das Comunidades, arquitecto do apoio e da solidariedade comunitária com os países do Sul, e a Filipe Gonzalez, Presidente do Conselho Espanhol.

Aplausos do PS.

Quero sublinhar também o facto de ter havido sintonia de pontos de vista com ambos nas posições expressas pelo Governo Português, em questões essenciais para o nosso interesse.
Fica claro que o PS assume, sem complexos, o seu papel de oposição e que, ao fazê-lo, nunca recusará cooperar com o Governo ern tudo quanto tenha, do interesse nacional, uma visão conforme com a do Governo e que nunca recusará criticá-lo frontalmente em tudo quanto tenha, do interesse nacional, uma visão distinta. Penso que é assim que se deve reforçar o sistema democrático.

Aplausos do PS.

Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, aprovado o Pacote Delors II, aprovada a duplicação de fundos comunitários, terminam também incertezas, desculpas e álibis. Está clarificado, ern termos extremamente favoráveis para Portugal, o quadro em que vai evoluir a economia e a sociedade portuguesa até ao final deste século. O Governo poderá, a partir de agora, negar a existência de crises; terá é uma enorme dificuldade em justificá-las!
Receberemos cerca de um milhão e meio de contos por dia, a fundo perdido, das Comunidades Europeias os tais 1000 contos por minuto - haverá momentos em que receberemos ainda mais. Isto implica que púnhamos a nós próprios três questões fundamentais quanto à aplicação dos fundos: a dá estratégia, a do desperdício e a do controlo democrático.
Em primeiro lugar, quanto à questão da estratégia, há que convir que o modelo de crescimento dos últimos anos, suportado e sustentado nos fundos comunitários, é um modelo esgotado, pois baseou-se, fundamentalmente, para competir internacionalmente na mão-de-obra barata, o que teve consequências negativas quer no agravamento das desigualdades, quer na desertificação do interior e na concentração excessiva humana e urbana, portanto, nos grandes centros de Lisboa e Porto, quer na degradação ambiental em várias zonas do nosso país.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E preocupa-me a inexistência, por parte do .actual governo, de uma visão estratégica clara sobre as formas de corrigir este modelo, que, há que convir, está, de facto, esgotado. Desde logo, há um problema central, que é o da qualificação humana e da capacidade tecnológica nacional. Não é, seguramente, com o planeamento central dos anos 70 que o resolveremos, mas também não o faremos apenas com o livre jogo das forças de mercado, porque este acentua sempre o carácter periférico e dependente de uma economia como a nossa. O que se impõe em Portugal, como inovação essencial, é a criação de mecanismos permanentes de concertação estratégica entre o Governo, os agentes empresariais e, nomeadamente, os grupos empresariais e os movimentos de trabalhadores, para que seja possível conjugar esforços, articuladamente, num conjunta de transformações que nos permitam competir internaciónalmente, com base noutras vantagens comparativas, numa mão-de-obra mais qualificada e numa maior capacidade tecnológica nacional.
O que está em causa é a capacidade, até boje inexistente, de articular as políticas educativa, de formação profissional, de investigação científica e tecnológica, de apoio ao investimento privado, fazendo-o num quadro que permita a articulação dessas políticas com a própria estratégia de expansão e de crescimento dos grupos empresariais

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portugueses e das empresas multinacionais que queiram prestar-se a este jogo conjunto de desenvolvimento.
Se assim não fizermos, arriscamo-nos a repetir, no futuro, alguns erros do passado, como aconteceu quando apostávamos no desenvolvimento de sectores que entravam em crise no momento seguinte. Foi isso o que aconteceu com a metalomecânica e com a química pesada, nos anos 70, foi isso o que se deu, com as indústrias têxtil, de vestuário e de calçado, finais recentemente, e é isso o que pode vir agora a acontecer com a indústria automóvel. Importa, pois, que apostemos não nos sectores que vão entrar em crise mas, sim, nos que apresentam condições de desenvolvimento sustentado è escala mundial.
O segundo problema estratégico é o do desenvolvimento sustentável da compatibilidade entre crescimento económico e protecção do ambiente. Também aí há que reconhecer enormes lacunas na situação presente. Felizmente, iremos ter a dimensão comunitária da politica ambiental, com exigências a que nem o Estado Português poderá furtar-se, como iremos ter, com o Fundo de Coesão, meios que nos permitir o assegurar, financeiramente, uma estratégia de desenvolvimento sustentável. Essa exigência é fundamental, neste momento.
Finalmente, temos o problema da questão espacial do desenvolvimento. Aí há que apostar num desenvolvimento regional verdadeiramente equilibrado, há que estancar e inverter este afluxo, de desertificação, das zonas rurais e do interior para os grandes centros.

Aplausos do PS.

Isso implica, desde logo, a consciência de que não é boje possível fixar populações no campo apenas à custa da política agrícola, de que é preciso integrar essa política agrícola numa autêntica perspectiva de desenvolvimento rural e implica também ern renunciar a uma visto ruralista ou passadista.
O País vai, necessariamente, urbanizar-se. A questão é saber como irá fazê-lo e com que orientação. Paro nós, o remédio está no apoio ao crescimento de um conjunto de centros urbanos de dimensão intermédia, espalhados de norte a sul do País - e, nomeadamente, no interior -, onde seja possível criar emprego diversificado e, consequentemente, serviços geradores da qualidade de vida, sem os quais as populações não se fixarão e sem os quais continuaremos com este circulo vicioso, intolerável, que toma a vida irrespirável na Grande Lisboa e no Grande Porto.
Outra questão que se levanta, Srs. Deputados, é a do desperdício de fundos comunitários. Temos de convir que, sobre esta matéria, muito há a dizer, sobretudo quanto ao desperdício verificado nos últimos anos. Permitam-me três exemplos simples, começando peto da agricultura.
O Governo Português aplicou, desde 1985, a fundo perdido, 900 milhões de contos na agricultura portuguesa, na sua esmagadora maioria proveniente» de dotações comunitárias. E é caso para perguntar onde está o resultado dessa aplicação?

Aplausos do PS.

Não atravessa, hoje, a agricultura portuguesa uma das suas mais graves crises de sempre? De 1987 até hoje, não tem continuado a diminuir o rendimento dos agricultores portugueses, enquanto sobe o dos agricultores espanhóis - e isto ern média -, apesar da diminuição progressiva desse mesmo número de agricultores?
Há que reflectir, de facto, sobre a maneira possível de travar o desperdício neste sector vital para o nosso desenvolvimento.

O Sr. António Campos (PS): - Muito bem!

O Orador: - O segundo exemplo é o do Fundo Social Europeu. Alguém duvida que uma parte substancial das dezenas de milhões de contos que recebemos, por ano, do Fundo Social Europeu é gasta, em puro desperdício, com alguma formação profissional que se promove neste país e que não tem qualquer utilidade?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não é indispensável que reclamemos que o essencial do Fundo Social Europeu se concentre no sistema educativo, onde, neste momento, está o principal bloqueamento ao nosso desenvolvimento?

Aplausos do PS.

Já que falamos em desperdício e, agora, não tanto a propósito dos fundos comunitários -, permitam-me uma ligeira crueldade. E o Centro Cultural de Belém? 30 milhões de contos!... Algum dos Srs. Membros do Governo aqui presentes, um ano depois da sua inauguração, sabe dizer para o que ele está a servir ou para o que é que ele servir no próximo ano?
O combate ao desperdício é, de facto, uma tarefa central do Estado Português e não das autarquias. O exemplo tem de partir do Governo.

Aplausos do PS.

E porque há desperdício, põe-se o problema do controlo democrático da utilização dos fundos comunitários. Como é lógico, não queremos tirar ao Governo como será, eventualmente, o desejo de outros - competências ou responsabilidade». Mas este é o momento de exigir um profundo debate público e uma intensa participação na definição tanto do próximo quadro comunitário de apoio como do próximo plano de desenvolvimento regional, que vão permitir o enquadramento nacional desta duplicação dos fundos comunitários até ao final do século.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Muito bem!

O Orador: - Este é também o momento de exigir a criação de mecanismos institucionais de verdadeira descentralização. Não há, hoje, qualquer desculpa para que continue a travar-se a criação de regiões administrativas, sobretudo se essa travagem é feita por um governo que assinou, ern Maastricht, a criação de um Comité das Regiões na Europa.

Aplausos do PS.

Não há boje qualquer razão para obstruir um novo quadro legal, global e coerente, de atribuições, competências e fundos para as autarquias locais que permita, não numa lógica de desperdício mas de serviço das populações, multiplicar a sua capacidade de intervenção, na tal perspectiva da subsidariedade que diz que um problema é sempre melhor resolvido por quem está mais peno daqueles que o sentem ou daqueles que o sofrem.

Aplausos do PS.

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Finalmente, Sr. Previdente e Srs. Deputado», põe-se o problema da fiscalização eficaz da aplicação dos fundos comunitários por este Parlamento.
A este respeito é preciso dizer com clareza que, neste momento, o Parlamento não tem meios políticos ou técnicos para fazer essa fiscalização eficaz. Por isso, atrevo-me a sugerir que, no papel fiscalizador da Assembleia da República ern relação à aplicação dos fundos comunitários, se passe a recorrerá de uma forma sistemática e organizada, ao sistema de auditorias externas, feitas por entidades independentes e seleccionadas por concurso público.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - Desta forma, terminará não só a demagogia dos que acham que tudo está bem mas também a daqueles que, eventualmente, acham que tudo está mal. Passaremos, então, a ter, no Parlamento, elementos seguros para verificar onde e como há desperdício e qual o impacte real dos fundos sobre a economia portuguesa e o seu futuro.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, e Srs. Deputados, da mesma forma que, ao reclamar a aprovação do Pacote Delors II, defendemos, intransigentemente o interesse nacional, defendê-lo-emos ao sermos particularmente exigentes quanto a aplicação da duplicação dos fundos comunitários em Portugal.
E permitam-me que termine com uma pequena nota tanto sobre a natureza deste debate como sobre a natureza dos debates Governo/oposição e Primeiro-Ministro/líderes da oposição em Portugal. Considero extremamente positiva a realização deste debate, pois vejo sempre com o maior interesse e com o maior prazer a presença do Sr. Primeiro-Ministro nesta Casa.

O Sr. Filipe Abreu (PSD): - Assim aparece na televisão!

O Orador: - Lamento profundamente que não haja condições, ern Portugal, para o debate entre o Primeiro-Ministro - e isto é para responder ao Sr. Deputado do PSD que fez o aparte - e os líderes da oposição, nomeadamente na televisão.
Não é; talvez, por acaso que o único político português de grande relevo que ainda não apareceu no programa da Margarida Marante é o Sr. Primeiro-Ministro!... Talvez ele não queira submeter-se, como o Sr. Presidente da República, como eu próprio e como vários outros, ao confronto democrático com o povo!

Aplausos do PS.

Risos do PSD.

Quero, uma vez mais assinalar que só abordei esta questão, que não estava na ordem de trabalhos, por ter sido directamente interpelado por um Sr.ª Deputado do PSD. Na realidade, o problema que me preocupa é do debate parlamentar e a presença do Sr. Primeiro-Ministro nesse mesmo debate.
Desde que fui eleito secretário-geral do Partido Socialista, o Sr. Primeiro-Ministro já fez intervenções neste Parlamento por quatro vezes. Numa dessas vezes, o Sr. Primeiro-Ministro veio aqui encerrar um pequeno debate em que o Governo apresentou um conjunto de medidas que considerava - ou que esperava considerar - extremamente populares; nas outras três vezes interveio sempre em matéria europeia e sempre em momentos favoráveis da construção europeia.
Tivemos aqui três debates seguidos sobre a situação económica do País, sobre aquilo que alguns consideram uma crise económica, a asfixia das empresas e as preocupações sobre o futuro dos cidadãos, tanto no emprego como quanto ao seu nível de vida. Em todos eles. o Sr. Primeiro-Ministro guardou de Conrado um prudente silêncio.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - O Sr. Deputado também não falou no Orçamento!...

O Orador: - Gostaríamos de ouvi-lo aqui falar também sobre a educação, sobre a saúde, tanto no que respeita à sua degradação como quanto às medidas que o Governo prevê tomar para melhorá-las.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, já não digo que seria desejável mudarmos as normas, porque, para isso, teríamos de pedir ao Sr. Deputado Silva Marques que, nesta reforma do Parlamento, escrevesse uma norma em que ficasse explícito que o Primeiro-Ministro estava autorizado a intervir no Parlamento em todas as matérias favoráveis ao Governo, mas, estava impedido de fazê-lo em todos os assuntos que causassem dificuldade ou embaraço ao Executivo.

Risos e aplausos do PS.

No entanto, ern minha opinião, seria desejável que criássemos uma prática de diálogo mais intenso, mais aberto, e que os seis séculos que levamos de aliança britânica se traduzissem, cada vez mais, em fair play no comportamento dos políticos portugueses.

Aplausos do PS, de pé, e do Deputado independente Freitas do Amaral.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr.. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Na breve análise a que a Assembleia da República procede sobre os resultados da Cimeira de Edimburgo, o Grupo Parlamentar do PSD gostaria de começar por realçar a competência com que o Governo Português, e muito particularmente o seu Primeiro-Ministro, Prof. Cavaco Silva, nela souberam defender, ern toda a linha, os interesses de Portugal.

Aplausos do PSD.

Numa segunda nota, gostaria também de salientar e de elogiar a forma pronta como o Governo e o Sr. Primeiro-Ministro se disponibilizaram para vir a esta Assembleia comunicar os resultados da Cimeira de Edimburgo, como fizeram, de resto, ern todos os momentos do processo da construção europeia.

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Mal era que não o fizessem!...

O Orador: - E seja-me permitido dizer e replicar ao orador que me antecedeu, o Sr. Deputado António Guterres,

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que, se calhar, o Sr. Primeiro-Ministro tem menos vaidade do que ele e, por isso, não vai tantas vezes à televisão.

Risos do PS.

No entanto, se é indiscutível que o Sr. Primeiro-Ministro tem estado nesta Câmara em todos os momentos importantes, é também inegável que V. Ex.ª não compareceu, ainda muito recentemente, num debate fundamental para o País, o do Orçamento do Estado, onde era importante saber o que pensa o líder do maior partido da oposição. V. Ex.ª é que não foi, então, tão afoito como hoje, pois guardou, isso sim, de Conrado o prudente silêncio, pedindo a Deputados de segunda linha da sua bancada que se pronunciassem sobre a matéria, quando era V. Ex.ª quem deveria fazê-lo, pois tratava-se do momento crucial em que se debatiam as perspectivas económicas e financeiras para o próximo ano.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente e Srs. Deputado, de facto, as conclusões, da Cimeira de Edimburgo duo satisfação ao núcleo essencial das posições portuguesas, tal como haviam sido definidas ao longo da nossa presidência, no 1.º semestre de 1992, posições essas em torno das quais foi possível estabelecer um amplo consenso nacional, traduzido no apoio que lhes foi dado quer pelo partido que apoia o Governa quer pelo maior partido da oposição, o Partido Socialista.
As conclusões da Cimeira de Edimburgo são igualmente marcantes porque representam um importantíssimo salto qualitativo no processo de aprofundamento da União Europeia, tal como este foi delineado no Tratado de Maastricht, que a Assembleia da República ratificou, ern boa hora, na passada semana. Foi acertada, nesta matéria, a posição do Governo, como foram acertadas e de vital importância política a posição e a solidariedade da Assembleia da República.
Ficou claro, com estes resultados, como eram infundados e pueris para não dizer mesmo irresponsáveis - os argumentos daqueles que, movidos pelo pouco amor que devotam a causa da União Europeia, defenderam o adiamento da ratificação do Tratado como arma negocial, diremos mesmo como instrumento de chantagem politica, para a Cimeira de Edimburgo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Salta boje à evidência que, sendo Portugal uma das nações mais interessadas na ratificação do Tratado de Maastricht e na verificação de todas as consequências que dele resultam, se o Governo tivesse seguido por esse caminho suicida não teria voz credível nem autorizada para colocar com êxito sobre a mesa das negociações as exigências que acautelaram e acautelam o interesse nacional.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, há que dizer de novo, hoje, com clareza, que da Cimeira de Edimburgo saem derrotados aqueles que estiveram ostensivamente contra a ratificação do Tratado, colocando-se, como já aqui foi dito, fora do consenso europeu, e que, em Portugal, foram o PCP e o CDS.

Aplausos do PSD.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - E o Sr. Deputado Angelo Correia!

Risos do PCP.

O Orador: - A posição do PCP, pela sua coerência, não admira nem merece reparos. Há muito que os comunistas portuguesa espécie rara e em extinção no Ocidente - estão fora do consenso europeu, por vontade própria.

Risos do PSD.

Ninguém lhes pode levar a mal. Mantendo intacta uma orientação política fossilizada, fundada ainda nos dogmas essenciais do marxismo-leninismo, com uma visão do mundo e das relações internacionais assente num mapa geopolítico de conflitualidades e antagonismos que já não existem, o PCP encaminha-se, cada vez mais, para se tornar numa relíquia preciosa no panorama político português.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Essa é a parte do Deputado Silva Marques!

O Orador: - Como tal, devemos estimar tal relíquia, até porque breve chegará o dia ern que observadores das quatro partidas do mundo, frustrados por já não encontrarem no Leste comunistas genuínos, dos antigos, à boa maneira, os descobrirão, com gosto, ern Portugal e dirão como o actor António Silva num celebrado Filme português que ainda hoje faz as nossas delícias: «Destes já não há mais»...

Risos do PSD e do PS.

Mas o que não pode, neste momento, deixar de se assinalar, pela sua novidade, é a inflexão radical, nesta como noutras matérias, do CDS, partido até há pouco genuinamente democrata-cristão. Ao alienar a tradição europeia que foi seu património desde a sua fundação, o CDS deixou também de ser parceiro europeu, com tudo o que isso implica. E, desde logo, isso implica que o CDS opta por ser um pequeno partido conservador, radical e xenófobo e se automarginaliza, para o futuro, da assunção de quaisquer tipos de responsabilidades governativas, pois na Europa que está ern construção não pode querer ser governo quem se afasta do consenso europeu.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estamos satisfeitos com os resultados da Cimeira de Edimburgo porque eles consolidam a possibilidade que o nosso país tem de proceder, até ao fim do século, a sua modernização.
Mas á nossa satisfação não pode ser confundida com euforia, porque a euforia conduz à facilidade e a facilidade pode perder no Portugal teve, ao longo da sua história, oportunidades únicas para proceder à sua modernização - e esta não é a primeira -, mas a euforia e a facilidade» deixaram sempre, o caminho por fazer.
Os fundo» comunitários que serão colocados a disposição de Portugal nos próximos anos serão um elemento; fundamental pata que esse processo de modernização tenha êxito, mas eles não são tudo nem são, só por si, o remédio salvílico dos nossos inales. A contrapartida dos fundos comunitários para a modernização de Portugal traduz-se, em primeiro lugar, na necessidade de um grande

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esforço nacional de rigor, por forma a atingirmos os objectivos da convergência a que nos comprometemos. Mas que se desiludam os que pensam que esse rigor é apenas exigível ao Governo, É-o certamente, mas é igualmente exigível aos restantes agentes políticos, a nível local e central, aos agentes económicos e aos agentes sindicais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ao aceitar os compromissos do Tratado da União Europeia, Portugal sente-se do direito de exigir que o objectivo da coesão social seja um princípio reitor na construção da nova Europa, mas tem de assumir igualmente o imperativo de manter sob estreito controlo as variáveis macroeconómicas que não permitam a derrapagem da nossa economia.
O rigor que isso implica é avesso ao discurso eufórico da facilidade que alguns já começaram a ensaiar, com óbvias intenções, começando a criar no País o perigoso sentimento de que a duplicação dos fundos funcionará como um maná que resolverá todos os problemas nacionais. Não os resolverá, particularmente se se criar no País a sensação de que aos Portugueses não é exigível, a partir de agora, um esforço de mobilização nacional que só poderá ser superior ao que foi realizado nos últimos anos.

Aplausos do PSD.

Para nós, o respeito pelos compromissos do Tratado de Maastricht tem também, a partir de agora, o significado de um imperativo ético. Por isso, não podemos concordar com os que parecem ter, do futuro de Portugal e do processo de construção da União Europeia, a visão que anunciaram ao País após a Cimeira de Edimburgo, como fez o líder do CDS, e que se traduz no seguinte: Portugal já tem garantidos os fundos comunitários, o que 6 bom, mas deve continuar a bater-se contra Maastricht Para nós, a construção da União Europeia deve fazer-se com base no princípio da boa fé entre os Estados. Não olhamos a Europa com o «sentimento de lacaios em casa rica», para utilizar uma expressão de Eduardo Lourenço.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Portugal conseguiu, nas expressões insuspeitas os relatórios da Comissão Europeia, ser um caso exemplar na execução dos programas integrados nos diversos fundos estruturais. Nada indica que não possa repetir esse êxito, se houver comando político estável, vontade e esforço nacional.
O que não é aceitável é que comecem por ser os responsáveis políticos portugueses a pôr em causa a capacidade nacional, que quem tem os poderes de fiscalização» na área comunitária, sobre a execução desses programa» sempre tem elogiado. O que não é aceitável é o despudor democrático com que se faz apelo a comissões suprapartidárias (o que é isso?) de fiscalização, como sé o sistema democrático português não tivesse os seus legítimos órgãos de fiscalização.

Aplausos do PSD.

Estranha democracia essa cujos alicerces de legitimidade se fundassem não já na existência de órgãos cujas competência» são exercidas ern resultado da vontade popular expressa em sufrágio, mas em estranhas comissões suprapartidárias de independentes que ninguém sabe quem escolheria e a quem prestariam contas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A Cimeira de Edimburgo é a primeira e a mais palpável consequência de Maastricht. Teve razão o Primeiro-Ministro português quando se bateu para que do Tratado constassem cláusulas específicas que salvaguardam os interesses dos actuais países mais pobres da Comunidade, particularmente de Portugal; e teve razão quando o assinou. Tiveram razão todos os que se bateram pela sua ratificação, na maioria e na oposição.
Em nome do meu grupo parlamentar, tenho de fazer uma referência particular não apenas ao trabalho desenvolvido pelo Partido Socialista em Portugal mas também ao trabalho desenvolvido pelo seu líder nos diversos locais ern que participa como representante da Internacional Socialista.

Aplausos do PSD e do PS.

Tiveram ainda razão todos os que não temeram os fantasmas que a propósito do Tratado foram invocados.
Como aqui dissemos na semana passada, Maastricht não será o estádio último da evolução da Comunidade e do processo da construção europeia. Maastricht, contudo, era o posso que a Europa tinha de dar neste momento. Como aqui referiu o Sr. Deputado Freitas do Amaral, na sua memorável intervenção da passada semana, a Europa, que soube inventar a civilização, há-de igualmente saber, no momento certo, quais os passos seguintes que deve dar.
Portugal pode ter, na construção desta Europa, um papel cujo relevo não esteja ern paralelo com a sua exiguidade geográfica, podendo, pelo contrário, superá-la em muito. Nesta Europa em construção não necessitamos de ter complexos de identidade porque a identidade portuguesa, que passou a prova dos séculos, incluindo décadas de ocupação estrangeira, é seguramente indestrutível.
Nação que nunca se confinou às suas fronteiras geográficas, a vocação de Portugal é, como disse Fernando Pessoa, a de «estar no mundo como em casa». Na melhor tradição lusitana, o amor à Pátria nunca se esgotou nos muros estreitos da xenofobia nacionalista ou da autarcia; pelo contrário, conviveu sempre com o espírito universalista que levou igualmente Pessoa a afirmar, numa belíssima expressão só aparentemente contraditória, que «um português que só é português não é português».

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Será na esteira dessa tradição que desejamos que Portugal ajude a moldar a Europa do futuro, uma Europa em que a liberdade, a paz e a tolerância rasguem o caminho do progresso e da solidariedade entre os seus povos.

Aplausos do PSD, de pé.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. De-

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putados: Os resultados da Cimeira de Edimburgo são utilizados pelos chefes de governo, fundamentalmente, para procederem ao show-off que se tem vindo a sedimentar como um ritual semestral.
Mais uma vez assistimos à declaração, 12 vezes repetida, de que a Cimeira significou a vitória das posições defendidas pelos diversos governos, embora estas fossem profundamente divergentes à partida. Na preanunciada peleja de Edimburgo não terá havido derrotas nem sequer empates, mas apenas 12 vitórias -12!
Recusamos entrar nesse espectáculo! Pela parte do PCP, procuramos analisar os resultados da Cimeira de Edimburgo com seriedade e realismo crítico.
Realçaremos os três factos que no» parecem mais importantes e significativos.
O último Conselho Europeu desta presidência do Reino Unido concluiu um acordo sobre as novas perspectivas financeiras da Comunidade. É um facto relevante da Cimeira, porque, por um lado, se recuperaram, ern Edimburgo, os atrasos que nesta matéria se registaram durante a presidência portuguesa, nomeadamente na Cimeira de Lisboa, e, por outro e fundamentalmente, o não protelamento de um acordo sobre o reforço dos fundos estruturais comunitários era do interesse de Portugal.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Para os menos atentos, recordamos que o actual acordo interinstitucional sobre os recursos financeiros termina no final do ano corrente e integrava um compromisso unanime dos Doze para um novo acordo que reforçasse os fundos estruturais, a favor dos países menos desenvolvidos, a partir de 1993. Isto independentemente do Tratado de Maastricht, que só posteriormente veio a ser gerado. O Sr. Primeiro-Ministro está enganado: o Pacote Delors II e o acordo a que se chegou não derivam directamente de Maastricht, o que apenas acontece com o Fundo de Coesão, que é uma parte - a menor - dos fundos estruturais.

Vozes do PCP e do Deputado independente Mário Tomé: - Muito bem!

O Orador: - O acordo agora estabelecido aponta para uma duplicação dos recursos comunitários a distribuir, pelos quatro países menos desenvolvidos nos próximos ceie anos, relativamente aos que foram disponibilizados no ultimo quinquénio. O PCP. espera que esta duplicação se aplique; a cada um dos países, designadamente Portugal, o que não está assegurado na declaração final da Cimeira de Edimburgo, já que o montante a transferir para os «quatro» integra o novo Fundo de Coesão, que como é sabido, se destina em mais de 50% a Espanha.
Este facto não nos leva a «embandeirar em arco», desde logo porque não é lícito, omitir que o acordado em, Edimburgo reduz substancialmente os montantes propostos no Pacote Delors II, quer na versão inicial quer na sua versão reduzida, e alargará o período para á duplicação dor fundos de cinco para sete anos. Face ao Pacote Delors II, o Acordo de Edimburgo significa que Portugal vai receber menos cerca de 50 milhões de contos por ano.
Este insuficiente reforço dos. fundos estruturais é bem vindo. Bater-nos-emos para que a sua aplicação, em Portugal, seja feita com eficácia, em benefício da economia e dos Portugueses e contra o desperdício, a corrupção é o compadrio: Entendemos que os fundos devem ser geridos e acompanhados, de forma transparente e participada, pelas autarquia» locais e pelos parceiros económicos e sociais, para além, logicamente, do Governo.

Aplausos do PCP.

Não podem é, como há pouco o Sr. Primeiro-Ministro quis dar a entender, ser geridos e distribuídos apenas pelos amigos. É, aliás, absolutamente perigoso o indício que decorre da «declaração de guerra» que há pouco o Sr! Primeiro-Ministro lançou às autarquias locais do nosso país.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas reiteramos a nossa posição de que o reforço dos fundos comunitários nunca poderá ser uma compensação suficiente para as negativas consequências económicas e sociais que a união económica e monetária implica para o nosso país, para além do facto de não haver dinheiro que possa pagar tão profundas e importantes transferências de poderes soberanos como as que o Tratado de Maastricht impõe.

Vozes do PCP - Muito bem!

O Orador: - Aliás, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, a própria declaração final dos Doze em Edimburgo dá já uma amostra das consequências, sociais, designadamente ao pretender impor a todos os países, desde já, restrições salariais, a começar pelos trabalhadores da função publica, uma ainda maior desregulamentação do mercado de trabalho e a prioridade das despesas orçamentais para infra-estruturas e outros investimentos, em detrimento das despesas com as funções sociais.
Reafirmamos aqui a nossa oposição a estas orientações de política anti-social e a nossa intenção de reforçar a luta contra a sua implementação pelo Governo.

Aplausos do PCP.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Um segundo facto relevante da Cimeira de Edimburgo reporta-se à declaração relativa ao princípio da subsidiariedade - sobre a qual o Sr. Primeiro-Ministro, há pouco» passou por cima; na sua intervenção, como «gato por brasas» -, a qual vem confirmar o essencial dos perigos que lhe apontámos. Nessa declaração, expressa-se claramente que no princípio da subsidiariedade não tem a ver nem poderá pôr em causa as competências atribuídas à Comunidade Europeia pelo Tratado de Maastricht», não «prejudica o primado do direito comunitário nem coloca em questão os meios necessários para a União atingir os seus objectivos, e realizar as suas políticas», é um «conceito dinâmico», permitindo «que a intervenção comunitária seja alargada» e que, «a interpretação do princípio e a apreciação do seu cumprimento ficarão sujeitas ao controlo do Tribunal de Justiça» comunitário.
Isto é a declaração de Edimburgo explicita a imposição e fixação de limites estreitos não às competências dos órgãos supranacionais, mas às competências nacionais no âmbito do princípio da subsidiariedade. Reafirma, por outro lado, que esse princípio se desuna essencialmente a justificar a usurpação órgãos supranacionais, de todas e qualquer uma das poucas competências que o Tratado de Maastricht ainda deixa sob o âmbito dos poderes nacionais.

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É, afinal, a reafirmação da orientação federal do Tratado da Unão Europeia!
O terceiro facto que agora queremos relevar deste Conselho Europeu tem a ver com a decisão tomada sobre a Dinamarca e o Tratado da União Europeia.
Desde logo importa sublinhar que «o Conselho Europeu recorda que a entrada em vigor do Tratado assinado em Maastricht exige a ratificada» dos Doze Estados membros». Quanto não terá custado ao Primeiro-Ministro de Portugal subscrever uma tese que este próprio, tal como outros responsáveis políticos portugueses defensores de Maastricht, sempre contrariaram e vilipendiaram desde o não dinamarquês?...
Um segundo aspecto a sublinhar é que esta decisão sobre a Dinamarca afirma, preto no branco, que aquele país não participará na moeda única, não ficará vinculado pelas regras relativas à política económica e manterá os poderes de que dispõe em matéria de política monetária, incluindo os poderes do Banco Nacional da Dinamarca em matéria de política monetária» que «a Dinamarca não participará na elaboração nem na execução de decisões e acções que tenham implicações no domínio da defesa»; que a Dinamarca não participará no chamado «terceiro pilar» em tudo o que implique «transferência de soberania» -, e em Portugal ainda há quem jure que não há transferências de soberania! - e que em questões da chamada cidadania europeia a Dinamarca, afinal, só aceita o que quiser aceitar.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Fale de Portugal e não da Dinamarca!

O Orador: - Isto é, a Dinamarca não participo no Tratado da União Europeia assinado em Maastricht!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas continua na Comunidade Europeia, continua a reger as suas relações com a Comunidade na base do Tratado de. Roma e do Acto Único Europeu.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A Dinamarca não foi escorraçada por não ratificar o Tratado de Maastricht, ao contrário do que os defensores de Maastricht, ern Portugal, sempre diabolizaram para a hipótese de ern Portugal haver um referendo e o povo se manifestar maioritariamente pelo não!

Aplausos do PCP.

Das duas, uma, Srs. Deputado: ou a «decisão» sobre a Dinamarca não é para levar a sério e, então, é uma fraude dos 12 chefes de Estado e de governo reunidos em Edimburgo, com o objectivo único de tentar enganar os dinamarqueses e obter o seu sim à ratificação de Maastricht, ou a «decisão» é para levar a sério e; entoo, estamos perante uma efectiva e substancial alteração do Tratada.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Designadamente, o Tratado passa a permitir que cada Estado membro apenas adira ao que entender, e quando o entender por conveniente. Este novo Tratado não é o mesmo que foi aprovado pela Assembleia da República e por outros parlamentos nacionais.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Vamos brincar aos tratados!

O Orador: - Deste modo, deve ser aberto um novo processo de ratificações,...

Risos do PSD e do PS.

Riam Srs. Deputados, sei que continuam receosos.
Dizia que, deste modo, deve ser aberto um novo processo de ratificações, sob pena de atropelo dos mais elementares princípios e regras jurídicas e políticas. Isto é, sob pena de os 12 chefes de Estado e de governo pretenderem interpretar uma inequívoca fraude jurídica e politica.

Aplausos do PCP.

Em suma, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a Cimeira de Edimburgo não encerrou o processo do Tratado de Maastricht como o pretendiam os seus defensores. Antes confirmou que continua em aberto.
Também por isso o PCP prosseguirá a luta contra a sua entrada em vigor, tal como reforçará a luta contra os «tiques» de autoritarismo de que o Primeiro-Ministro boje, aqui, deu sobejas provas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Essa intervenção é um grande tratado! Temos de a ratificar!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Carlos Pinho.

O Sr. João Carlos Pinho (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O nosso partido, numa conferência de imprensa dada ern 14 do corrente, já teve a oportunidade de realçar a importância dos resultados da Cimeira de Edimburgo para Portugal sob vários aspectos.
Naturalmente, para aqueles que pensam que o sucesso da Cimeira se mede pelo volume e os benefícios dos fundos, do seu aumento ou quase duplicação, de que vamos passar a beneficiar nos próximos sete anos, a Cimeira «Só pode deixar de ser considerada como uma vitória, principalmente de Felipe Gonzalez, que chegou ao ponto de ameaçar com o abandono da sala se não se chegasse a acordo nesta matéria, e que foi fortemente apoiado pelo nosso Primeiro-Ministro.
Estamos agora em condições de continuar a modernização de Portugal»..

Vozes do PSD e do PS: - Ah!

O Orador: -... desde que estes dinheiros sejam criteriosamente aplicados, devendo até, e é o que sugerimos, procurar obter-se um grande consenso nacional em que participem os agentes, económicos, as confederações sindicais e patronais, as associações de ambiente e demais interessados, além dos partidos políticos representados nesta Câmara, sobre sua aplicação ern diversos sectores em vez de sé deixar exclusivamente esta matéria ao critério do Governo. Estão em causa fundos que devem ser aproveitados por Portugal, a bem dos Portugueses e não para a propaganda do Governo e beneficio eleitoral do PSD. E, por isso mesmo, todos aqueles que possam contribuir com a sua competência, experiência e visão dos

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problema» nas matérias de ambiente, investigação e desenvolvimento, transportes e infra-estruturas devem ter uma palavra a dizer sobre a utilização dos novos fundos, recorrendo-se mesmo a um largo esclarecimento nacional sobre o seu montante e prioridades da sua utilização.
Não está em causa, como é óbvio, a competência constitucional do Governo para cumprir as suas funções de gestor destes fundos, nem a fiscalização politica que cabe à Assembleia da República para acompanhar esta aplicação e indicar os caminhos alternativos. Trata-se de fazer participar os líderes da opinião pública a intervir neste processo.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS atribui mais importância à Cimeira de Edimburgo no tocante à solução engenhosa dos juristas que possibilitou a manutenção da Dinamarca na união política sem que esta fosse forçada a aceitar aquilo que o seu povo não queria, ou seja, os entraves à sua soberania nacional, possibilitando um novo referendo no próximo mês de Abril.
Diz o Sr. Primeiro-Ministro que se tratou de uma «interpretaçâo do Tratado de Maastricht)», o que, salvo o devido respeito, é incorrecto,...

O Sr. Rui Carp (PSD): - Fala quem sabe!...

O Orador: -... porque se disso se tratasse, esta «interpretação» valeria para todos os membros como o próprio das normas interpretativas. Tratou-se, sim, de uma decisão intergovernamental, totalmente nova, que nada tem a ver com o texto do Tratado.
Com efeito, o que no fundo se passou foi a fume vontade da Inglaterra, ajudada pela Alemanha, de que a União deveria manter-se e avançar com 12 países - também com a Dinamarca e a Inglaterra, que também não ratificou ainda o Tratado, estando tudo dependente do novo referendo dinamarquês -, ou então não haverá qualquer união política nem Tratado de Maastricht, ao contrário do que queria o Sr. Mitterand e o Sr. Delors.
Há quem desde já vaticine que, no caso de novo não da Dinamarca e a consequente não ratificação da Inglaterra, se assine um novo tratado com os actuais 10 e, porventura, alguns dos países da antiga EFTA, como a Suécia, Áustria e a Finlândia. São, porém, conjecturas como as que surgiram logo depois do referendo da Dinamarca.
De facto, só o referendo do povo dinamarquês teve a força que teve, obrigando os restantes 11 a aceitar as reservas do Tratado de Maastricht, de forma jurídica e vinculativa e não como um mero elenco de intenções. Assim, a Dinamarca conseguiu que a política externa comum, a defesa comum, a cidadania europeia e a moeda comum não lhe fossem obrigatoriamente aplicadas, embora permaneça como membro da União. E tudo isto sujeito a novo referendo. Consagrou-se, deste modo, um tratado à ía corte, desmentindo todos aqueles que negavam a possibilidade da sua existência.
Outra circunstancia relevante é ter sido aceite que a Inglaterra possa estar na União com o mesmíssimo estatuto dos restantes 10 sem ter ratificado, até agora, o Tratado de Maastricht e apesar de ter declarado a sua intenção de sair do mecanismo dos câmbios e não entrar na última fase da união monetária, se assim o entender.
Temos assim, pelo menos para já, dois países com, estatutos excepcionais, o que não deixa de ser um bom aviso aqueles que queriam expulsar a Dinamarca como castigo para o seu povo. Amanhã, Portugal também poderá lutar para salvaguardar as suas prerrogativas de soberania.
caso seja esta a vontade do povo português, que, par» tanto, terá de ser consultado através do referendo, que não deixará de existir, mais cedo ou mais tarde, de uma forma ou outra.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - E os resultados da Cimeira para Portugal?!

O Orador: - A posição que o CDS assumiu durante todos estes meses mostra claramente o que também o povo português poderia obter, como a Dinamarca, se fizesse o referendo, e a Inglaterra vai obter depois do debate na Câmara dos Comuns, servindo-se também do precedente do novo referendo da Dinamarca.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - E os resultados da Cimeira de Edimburgo para Portugal?

O Orador: - Estamos em crer que se não fosse o referendo este pequeno «Reino de Hamlet» nunca teria obtido as vantagens que obteve, e todo o esforço que os grandes da Comunidade Europeia fizeram para manter a Dinamarca na União, levou a aceitação do Pacote Delors II, embora na versão reduzida, como condição de troca para se avançar a Doze e acelerar a próxima adesão de alguns países da EFTA, que a Alemanha e a Inglaterra querem a todo o custo como um primeiro passo para um maior alargamento a outros países da Europa Central.
A aprovação à pressa do Tratado de Maastricht por esta Assembleia não foi, por isso, a condição para obter os fundos, porque estes viriam sempre, uma vez que a Espanha tinha posto todo o seu peso nessa obtenção, e era condição para satisfazer as necessidades da Alemanha, como já deixamos dito, para manter a Dinamarca na União.
Estamos ainda na mesma situação sobre a verdadeira definição do princípio de subsidariedade, visto que o conceito permanece vago, não obstante se tenha mantido a . tendência para diminuir os poderes da Comissão e aumentar os poderes nacionais. Mas há ainda muito caminho a percorrer se quiser remar contra a corrente federalista, como a grande maioria deste Parlamento diz pretender.
O mesmo se diga quanto ao conceito da transparência, porque são mínimos os assuntos que serão tratados a céu aberto e não em regime de conclave fechado, o que até aqui tem permitido que cada Primeiro-Ministro ou chefe de Executivo venha cá fora cantar as suas grandes vitórias sem se saber bem e na realidade o que realmente aconteceu lá dentro, e quais foram as verdadeiras cedências de parte aparte.
A Grécia bloqueou a resolução do problema da Macedónia e tudo o resto foi adiado para a próxima presidência, que é da própria Dinamarca.
Para a inquietação dos enro-eufóricos, que peso moral e legai terá a Dinamarca para adoptar uma política de avançar em direcção' à maior união política e mais apertada união monetária se ela própria é a primeira a pôr substanciais reservas e a querer manter-se fora delas? É uma de quadratura do círculo!
De qualquer modo, ao contrário do que se temia, que a presidência fosse um total falhanço e um passo atrás, à última hora os Doze conseguiram travar a corrida para o abismo e dar um novo fôlego, mesmo que aceitando um enfraquecendo de substância do Tratado de Maastricht e sem uma única palavra sobre a união monetária, o que permitirá que o Tratado de Maastricht, nos próximos anos, seja revisto com novas «decisões intergovernamentais»,

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como sempre desejámos para estabelecer o seguro da nossa soberania nacional na revisão constitucional ordinária, como aliás também pretendem os nossos prestigiados constitucionalistas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe para concluir.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
O CDS mantém a sua proposta de que o Governo deve publicar, quanto antes, o livro branco sobre todos os fim dos recebidos até agora da Comunidade Europeia e o modo como os utilizou.
Só assim o povo será participante da Comunidade Europeia.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs; Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Apesar do balão de oxigénio do último fim de semana em Edimburgo,...

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Isso é bom para os ecologistas!

O Orador: -... Maastricht é cada vez mais um fantasma com implicações negativas para a unidade da construção europeia.
De facto, para salvarem o nome de um Tratado que impõe, de cima, a União Europeia e encerra em si uma concepção centralista e fortemente burocratizada na sua construção, os defensores de Maastricht acabaram por escavacar o seu conteúdo específico.
Desta forma, a Cimeira de Edimburgo, ao instituir a construção da União Europeia numa versão à la carte - permitindo a saída e entrada de actuais e novos membros e a doação de novas e mais cláusulas de excepção -, contribuiu de forma significativa por enfraquecer o espírito de unidade europeia, prejudicando formas alternativas de construir a Europa, necessariamente, em nosso entender, através do aprofundamento da cooperação e da solidariedade entre os Estado membros.
Terá sido destas preocupações que o Sr. Primeiro-Ministro veio falar hoje, aqui Assembleia da República? Naturalmente que não, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados. O Governo, solicitou este debate para enaltecer os resultados da Cimeira e evocar o seu papel na aprovação do Pacote Delors II, secundarizando o facto de os valores fixados em Edimburgo serem substancialmente inferiores aos montantes anteriormente considerados - tanto porque o prazo da sua aplicação foi alargado de cinco para sete anos, como porque baixou o valor dos recursos comunitários para os fundos estruturais.
Se considerarmos os constrangimentos económicos e sociais que a união económica e monetária impõe aos Portugueses e ao País, como ficou claro no Orçamento do Estado para 1993 facilmente concluiremos que os fundos aprovados são insuficientes para garantir o desenvolvimento autónomo e sustentável de Portugal no quadro da integração europeia.
Só o Primeiro-Ministro e o PSD é que não são capazes de enchergar esta realidade. Lamentavelmente, o Partido Socialista alinha pelo mesmo diapasão, visto que a sua primeira preocupação tem sido evitar a descolagem do PSD em matérias comunitárias. Esta obsessão do PS tem o impedido de procurar alternativas mais adequadas para servir os interesses nacionais e da Europa.
Pela nossa parte, queremos aproveitar este debate para acentuar a discordância e as preocupações do Partido Os Verdes que são também as dos partidos verdes europeus -, face às implicações de Maastricht pós-Edimburgo, para Portugal e para a Europa.
Em primeiro lugar, se a construção europeia depende da decisão e do empenhamento de todos os Estados membros, e se é verdade que a decisão dos Governos e a ratificação dos parlamentos nacionais é um passo importante do processo - em nosso entender, porque a aplicação do Tratado de Mastricht, além das implicações que teria na ordem politica, económica e social, impõe alterações profundas na vida e no sentir individual e colectivo dos cidadãos e nas culturas seculares dos povos abrangidos -, a marginalização destes do processo de decisão, mais tarde ou mais cedo, terá consequências que não podem ser escondidas como se procurou fazer durante o processo de ratificação.
Desta forma, põe-se definitivamente em perigo a construção europeia, sustentada no ideal e no interesse dos povos e baseada em esforços de cooperação e solidariedade entre os Estados.
Em segundo lugar, os que tem defendido o Tratado a todo o custo e ou a qualquer preço, como é o caso do Governo Português, não podem fazer ignorar que desde o primeiro momento os textos aprovados são uma manta de retalhos que deixa aos Estados membros a possibilidade de se servirem conforme o gosto, ern qualquer momento- situação que se verificou em Maastricht com a Inglaterra, relativamente à política social, e que se acentuou em Edimburgo com a Dinamarca, relativamente à união económica e monetária, política de defesa, justiça e assuntos internos.
Maastricht é agora o Tratado self-service.
Para concluir, diremos que o discurso do Sr. Primeiro-Ministro, boje aqui no Parlamento, revela uma outra faceta da sua concepção, de construção europeia -a utilitarista dado que os êxitos ou inêxitos são apenas medidos pelo número, de ecus, Compreende-se, na medida em que para o governo, do PSD o que conta, fundamentalmente, são as obras públicas, para português ver e votar Cavaco Silva.
O cenário seria perfeitamente previsível se os alicerces dos castelos assim construídos não desmoronassem com a facilidade com que foram engendrados.

Aplausos do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.

O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados;, A primeira coisa que naturalmente me ocorre é a de endereçar ao Governo em geral e ao Sr. Primeiro-Ministro em particular, em nome pessoal e ern nome do PSN, os nossos parabéns:

Aplausos do PS.

E isto porque bem. sabemos- do empenho do Governo na tese que afinal veio, genericamente, a fazer vencimento.

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É de resto nosso timbre, como várias vezes aqui o afirmei, o culto da elegância democrática que consiste, no fim de contas, em reconhecer os sucessos dos outros, mesmo que tais sucessos não tenham para nos o mesmo significado nem o mesmo alcance que para os seus empenhados defensores. A este propósito, gostaria de lembrar que o champanhe também tem um travo amargo, como V. Ex.ª, Sr. Primeiro-Ministro, ainda há pouco salientou.
Compreendemos a necessidade que a Cimeira sentiu de emitir, em grau de intensidade aceitável, um certo número de sinais de esperança e optimismo, numa fase particularmente difícil. Mas devo confessar aqui que, mau grado o volume dos fundos canalizados para os países periféricos, subsiste no meu espirito uma teimosa dúvida acerca do efeito de encantamento que tais fluxos possam originar.
Face às evidentes dificuldades de concertação e convergência das políticas económicas não é fácil apagar a impressão de algum artificialismo que se colhe do resultado desta Cimeira de Edimburgo. Também se nos afigura algo exagerado o optimismo exibido por ser líquido que, num futuro mais ou menos próximo, o acordo agora firmado não venha a ter que ser renegociado, face à previsível instalação do espectro recessivo nos poises comunitários, incluindo os grandes contribuintes.
Mas termino como comecei: quero saudar o projecto de dimensão nacional que animou a postura digna e o empenhamento solidário de V. Ex.ª, Sr. Primeiro-Ministro, no Conselho Europeu de Edimburgo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr.ªs e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: No parco tempo - neste caso, dois minutos - que me foi distribuído, vou dizer que os múltiplos aspectos que veio condicionar a vida dos Portugueses através da aplicação em Portugal do Tratado de Maastricht não deixam de se manter apesar de, em Edimburgo, se ter aprovado a transferência de fundos suplementares, com a qual nos congratulamos. Ou seja, as grandes questões que nos preocupara: e que salientámos no debate sobre a apressada ratificação* do Tratado, mantêm-se em aberto.
Em termos nacionais, as exigências do Tratado obrigam à adopção de uma politica que representará, seguramente, limites ao crescimento e ao desenvolvimento económico do País, com negativos refluxos, apesar da gigantesca campanha e propaganda governamentais. Nem mesmo a transferência de fundos para os países menos, desenvolvidos permitirá corrigir as dificuldades que o Tratado vai provocar em Portugal.
E não se venha com a argumentação fácil, e que não corresponde à verdade, de que; se não tivesse havido a apressada ratificação, não teríamos tido acesso a essas verbas. Não vemos razão pura alterar as criticas que formulámos, quer quanto a questão de fundo, quer quanto ao processo de ratificação adoptado. Continuamos apreensivos quanto ao futuro e implicações que o Tratado trará para a sociedade portuguesa. E não nos deixamos embalar pela euforia exagerada sobre os resultados de Edimburgo, pelos títulos dos Jornais e pela onda propagandística lançada pelo Governo com epítetos deslocados de vitória, como se não tivesse havido em Edimburgo outros intervenientes, como o chefe do Governo Espanhol que se bateu como um leão peia coesão social e pela aprovação do Pacote Delors II.

Protestos do PSD.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Ainda emigra para Castela!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Que falta de patriotismo!

O Orador: - Convém realçar e não esquecer, ao contrário do que o Governo faz constar, que os novos fundos...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peco-lhe para concluir.

O Orador: -... que vão afluir a Portugal não vão resolver, como por «artes mágicas», os graves problemas reais de carácter social e económico com que os Portugueses se defrontam, nomeadamente as classes trabalhadoras, as pequenas e médias empresas, os agricultores.
Mais do que nunca, Srs. Deputados, exige-se á adopção dê uma nova política governamental que preveja o desenvolvimento do País e que tenha em conta os reais problemas referidos e que vão ser ainda mais agravados depois da aprovação, pelo PSD, do Orçamento do Estado para 1993, ontem verificada nesta Casa e que já acusa os efeitos negativos para o nosso país do Tratado de Maastricht.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Edimburgo consagrou o Tratado de todas as excepções e colocou Maastricht, para todo o sempre, no limbo dos actos falhados.
Edimburgo mostrou como o «não» da Dinamarca lhe deu força negocial no contexto da União Europeia.
A maioria maastrichtiana, em Portugal, preferiu a posição permissiva, mesmo sabendo-se que a vinda de fundos dependia, no essencial, dos interesses dos grandes monopólios em criarem as bases infra-estruturais para a máxima rentabilidade dos investimentos.
Para os muitos milhões de contos em fundos, os Portugueses olham entre esperançados, com razão, angustiados e desconfiados, com mais razão ainda.
Esperançados, porque tanto dinheiro tem de significar; crescimento económico e progresso.
Angustiados, porque os milhões não afastam as previsões da OCDE de aumento do desemprego e da recessão e porque, pelo Orçamento do Estada para 1993, ontem aprovado pelo PSD, vêem agravar-se as suas condições de vida. Um governo cheio de «massa» que deixa a sociedade ao deus-dará!

Risos gerais.

Desconfiados, porque, a outra experiência de fundos deu mais concentração de riqueza, mais diferenciação social e mais corrupção.
Temem que a duplicação de fundos possa significar a duplicação de riqueza ostentatória e possa significar a

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duplicação da corrupção; temem que a corrupção passe de consequência da política do Governo a inspiração da politica.
Sr. Primeiro-Ministro, como vai garantir o controlo e a eficácia económica e social da utilização dos fundos? Vai dizer aos Portugueses: contentem-se com pouco, gastem pouco, olhem embasbacados as infra-estruturas e, mesmo que elas não estruturem a vosso bem estar, tenham confiança no Governo e fé em Deus? Vai optar por um instituto de notáveis imaculados, como pretende a imaginação populista, em nítida retracção de Manuel Monteiro? Ou vai, finalmente, avançar para a regionalização, única forma de garantir o controlo democrático e a participação organizada e institucional dos cidadãos e das autarquias - por onde tudo passa em primeira e última instância - no planeamento, definição de prioridades e gestão aplicada dos fundos?
Se queremos real desenvolvimento para o Fafe e para o povo, a regionalização, Sr. Primeiro-Ministro, é o único caminho razoável.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Diogo Freitas do Amaral.

O Sr. Diogo Freitas do Amaral (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: liso da palavra, ern primeiro lugar, para me congratular sinceramente pela vitória da Europa comunitária em Edimburgo, cimeira histórica que representou uma clara superação do europessimismo e um forte relançamento do espírito europeu.
Em segundo lugar, felicito o Governo e, em especial, o Sr. Primeiro-Ministro pelos êxitos conseguidos para Portugal, que não foram obtidos por mero automatismo, mas por uma estratégia correcta e para uma negociação bem conduzida.

Vozes .do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em terceiro lugar, faço votos para que o Governo desenvolva, doravante, um esforço acrescido para tomar o projecto europeu mais conhecido e compreendido, para que o debate público das diversas opções seja mais intenso e mais alargado e para que o papel da Assembleia, na construção europeia, seja cada vez mais activo e reforçado.
Por último, desejaria chamar a atenção para o facto de que se é verdade, como disse o Sr. Primeiro-Ministro, que o CDS está, boje, infelizmente, fora do consenso europeu» no nosso país, não é menos verdade que muito» democratas cristãos, ern Portugal, continuarão, como sempre, na linha da frente do projecto da unidade europeia. Todos eles, entre os quais modestamente me incluo, serão solidários com a política europeia do PSD e do PS, enquanto ela for como tem sido, no sentido de avançar para uma união mais estreia dos povos europeus, numa Europa sem fronteiras, mais democrática, mais justa e mais solidária.

Aplausos ao PSD e do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção em a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou aproveitar esta minha intervenção também para esclarecer algumas dúvidas ou algumas afirmações que aqui foram feitas.
Começo por dizer que considero totalmente erradas as afirmações que o Sr. Deputado do CDS fez, a propósito da solução dinamarquesa. E lenho pena de o ver, tão novo, a afirmar coisas tão erradas!

Risos gerou.

Como parto da hipótese de que ele não leu o que foi decidido em Edimburgo, vou passar a ter essas decisões, para o que peço a sua atenção.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Primeiro ponto: Cidadania. Foi decidido que «as disposições do Tratado que instituem a Comunidade Europeia relativas à cidadania da União concedem aos nacionais dos Estados membros os direitos e a protecção suplementares especificadas no Tratado, não substituindo, de modo algum, a cidadania nacional)». Isto é para a Dinamarca, é para Portugal e é para todos os países.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Segundo ponto: Secção B - União económica e monetária. Foi decidido e agradecia também que escutasse que o protocolo apenso ao Tratado, aprovado ern Maastricht, que institui a Comunidade Europeia dá à Dinamarca o direito de notificar o Conselho das Comunidades Europeias da sua posição relativamente à participação na terceira fase da união económica e monetária». A Dinamarca notificou a Comissão de que não participará nessa terceira fase. Está escrito no Tratado de Maastricht que a Dinamarca notificará e, dessa forma, notificou Edimburgo. Portanto, o que disse está errado!
Terceiro ponto: Política de defesa. Foi decidido que «os chefes de Estado e de governo tomam nota de que, no Tratado da União Europeia, nada obriga a Dinamarca a ser membro da UEO. Assim, a Dinamarca não participará na elaboração nem na execução de decisões acções da União que tenham implicações no domínio da defesa». É isto e não mais do que isto, Sr. Deputado!

Aplausos do PSD.

Depois, não posso deixar de registar, com alguma tristeza, esta partidarite que foi revelada, quer pela bancada à minha direita, quer pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, quando se referiu ao Primeiro-Ministro espanhol, sem saber absolutamente nada daquilo que aconteceu no Conselho de Edimburgo, apenas com o objectivo que é lamentável de denegrir á actuação de toda a delegações portuguesa. Lamento isso. Sr. Deputado!

Aplausos do PSD.

Até porque o que foi insinuado não corresponde absolutamente nada ao que foi debatido durante os dois dias!
Em relação ao Sr. Deputado António Guterres e não vou entrar no debanda grande questão nacional que são os programas televisivos, deixo isso para outra ocasião -....

Risos gerais.

... penso que começou muito bem a sua intervenção, mas permita-me que discorde em relação à parte final, o que é normal.

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Fico satisfeito por ter absorvido esta minha grande luta contra o desperdício e, por isso, estou ao «eu lado. Desperdício esse que existe ern todos os níveis: na Administração Publica, na administração regional,, na administração loca), nos fundos e serviços autónomos... É uma luta que lancei e fico satisfeito por ter, também aqui, ao meu lado o líder do Partido Socialista.
Mas já discordo da aplicação que fez depois dessa luta.
Ao ouvi-lo, recordou-me uma crítica que, há poucos dias, foi publicada num jornal diário de circulação nacional, sobre o último livro de Mário Cláudio, em que, quem escreveu aquela crítica, desancava o escritor de alto a baixo, porque ele tinha ousado enaltecer Portugal. E dizia: «Como é que é possível enaltecer Portugal - este país miserável, de mão estendida, este país pobre?!» Discordo totalmente daquela senhora.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Discordo totalmente, porque acho que Portugal merece ser exaltado.

Por que é que digo isto? É porque a sua crítica se dirigiu toda a aplicação que Portugal faz dos fundos comunitários. Ora, o Sr. Deputado sabe muito bem que, na Europa comunitária - na Comissão, no Tribunal de Contas -, Portugal é considerado o país que melhor aplicação fez desses fundos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, agradecia que perguntasse aos seus amigos socialistas qual foi o único país que; na Cimeira de Edimburgo, foi retendo pelo Sr. Jacques Delors, como exemplo de boa utilização de fundos. Foi Portugal!

Aplausos do PSD.

Não quero com isto dizer que outros países não apliquem bem os fundos, mas o que posso dizer é que, ao longo de dois dias, Jacques Delors só invocou um país para mostrar um caso de boa aplicação de fundos estruturais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Isto significa que criámos e, temos vindo a aperfeiçoar os mecanismos de fiscalização.
Não me atrevo a dizer ainda que os mecanismos que temos são perfeitos e com certeza, que, a Comissão também não diz que os dela são perfeitos.
Aprendemos bastante ao longo deste tempo, e considero que, neste momento, as instâncias de fiscalização portuguesas estão a responder de forma muito razoável, mas, além delas e ao mesmo tempo, temos também as instancias de fiscalização comunitárias.
Portanto, não entendo bem essa tendência para dar no pé. Com certeza que se encontrarão múltiplos exemplos do má utilização de fundos ern Portugal! Mas compare com a Itália, com a Grécia com outros países!
Os Sr. Deputados do Partida Socialista sabem muito bem que o balanço é claramente positivo em relação ao nosso país.
Por isto, só critico o facto de se ter dirigido excessivamente ao caso de desperdícios nos fundos comunitários,, dando a ideia de que Portugal é como que uma ovelha negra da Europa comunitária. Não o é! Posso garantir que Portugal não é uma ovelha negra dentro da Europa comunitária nesta matéria!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O segundo ponto, que não posso deixar de referir -mas aqui é para agradecer muito calorosamente -, é o facto do Sr. Deputado António Guterres ter dito que só venho aqui nos debates favoráveis ao Governo. Como estive aqui no debate do Orçamento do Estado, o Sr. Deputado reconheceu que ele é muito bom e que é claramente favorável, ao Governo.

Aplausos do PSD.

Mas, como também estive aqui a discursar sobre a reforma das forças de segurança, dirijo-lhe o mesmo tipo de agradecimentos. É uma reforma claramente favorável ao Governo e só pode sê-lo se for absorvido, dessa forma, pela população portuguesa! Daí o meu grande agradecimento!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em relação à estratégia -e isso levar-nos-ia mais longe - estamos a preparar um programa de desenvolvimento regional. Começámos a prepará-lo há algum tempo, com muitas audições. Virá certamente a esta Câmara, para discutirmos aqui a estratégia de desenvolvimento regional do País, com toda a profundidade, com a minha presença e com a dos Srs. Ministros, e teria muito gosto que o Sr. Deputado também cá estivesse, na altura, porque é algo de muito importante.
O Sr. Deputado sabe bem que, neste momento, tem orientações para o Fundo de Coesão e para o FEDER, que. com certeza, se vão dirigir, prioritariamente, à redução dos desequilíbrios de desenvolvimento regional. Temos, depois, as aplicações para modernização da agricultura, tal como a formação profissional.
Espero que também seja possível encontrar um mecanismo para a continuação dos apoios à modernização da nossa indústria. Penso que deve ser possível negociar -não gosto de lhe chamar um PEDIP 2 - um mecanismo faz que nos permita dar continuidade ao trabalho que estamos a fazer para aumentar a capacidade competitiva da indústria portuguesa.
Sr. Deputado, quero ainda dizer aqui com toda a abertura que não vamos: aceitar mecanismos de fiscalização constitucional que traduzam, em cada momento, uma suspeição sobre o Governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Mas porque é que hei-de estar sobre suspeição?! Apontem-me os, casos concretos onde o Primeiro-Ministro, o ministro A ou o ministro B são responsáveis por este ou por aquele erro na aplicação dos fundos. Penso que isso não é justo.
Aceito toda a fiscalização democrática desta Câmara, nos termos constitucionais, mas o Governo declara aqui que não aceitará nada; para além disto, que traduza, acima de tudo, um rótulo de suspeição sobre a sua actividade.

Aplausos do PSD.

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Por último. Srs. Deputados, o Conselho de Edimburgo foi muito mais do que uma discussão sobre fluxos financeiros.
Encontraram-se soluções para a Dinamarca, que puderam ser aceites por todos, fixaram-se orientações para as novas adesões à Comunidade Europeia, adoptaram-se medidas para melhorar a transparência da vida comunitária e deram-se alguns passos paira que os Doze ultrapassassem, simultaneamente, a conjuntura económica recessiva.
Penso que a aprovação do Pacote Delors II é a prova evidente do interesse comum dos Doze ern reforçarem a coesão e conseguir a convergência das economias comunitárias. A meu ver, os compromissos de Maastricht foram, de facto, respeitados. O princípio da solidariedade continua a ser aceite por todos os Estados membros. Penso que os interesses de Portugal foram devidamente defendidos.
Sr. Deputado Octávio Teixeira, para o Partido Comunista este é um projecto maldito. Portanto, os fundos são malditos. Quanto menos vierem ... Desculpe que lhe diga, mas o Sr. Deputado, às vezes, até nem consegue esconder uma certa satisfação pela possibilidade de um fracasso nestas negociações. Para quê? Para que de uma forma estreita venha aqui «bater» no Governo e, ern particular, no Primeiro-Ministro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sobre os fundos é falso!

O Orador: - Desculpe, mas é assim. Tenho de lhe dizer isto, porque toda a vossa linguagem vai nesse sentido. Tenho aqui citações que podia fazer, mas que não farei agora, de comparação do que têm dito ao longo do tempo.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por isso diria, Srs. Deputados, e quase para finalizar, que o Conselho de Edimburgo foi uma frustração para aqueles que apostam nas mensagens do cepticismo contra o futuro da Europa, os que fazem acusações de desagregação da Europa, dos perigos do centralismo burocrático, do abandono dos princípios da solidariedade e do desrespeito das identidades nacionais. Penso que Edimburgo mostrou que estes não têm razão.
Compreendo, agora, de alguma forma, as frustrações daqueles que são anti-Maastricht. Mas peço-lhes que não tomem demasiado evidentes...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: -... as suas hipocrisias ao defender, agora, posições diferentes das que defendiam no passado. Cuidado, ao menos, com o nível de hipocrisia. Já não digo a hipocrisia, mas, sim, a dimensão da hipocrisia.

Aplausos do PSD.

Srs. Deputado», entanto» na Europa por vontade própria, por opção nacional!
É desta forma que temos de encarar Edimburgo, não nunca abdicaremos de defender os interesse» nacionais!
Apesar disso, existem múltiplos campos ern que a defesa dos interesses nacionais é convergente com ou interesses, dos outros países comunitários. E isso que é o projector europeu: conseguir que 12 Estados membros progridam de forma convergente, ao mesmo tempo que os interessei de cada sejam respeitados e satisfeitos. Temos agora uma grande oportunidade, coma lhe disse, de modernização e desenvolvimento do País, até ao fim do século.
Temos há nossa frente muito trabalho, muito rigor, não apenas facilidades!
Sr. Deputado António Guterres, permita que lhe diga outra vez que a recessão não acabou com Edimburgo. Tenho alguma esperança que todo o pacote de Edimburgo consiga vencer este clima de marasmo e de algum cepticismo que está instalado na Europa. Mas a recessão não acabou.
Os fundos estruturais, para Portugal, chegarão acrescidos a partir de 1994. Em Portugal, há muitos que ainda não sabem que o quadro comunitário de apoio já inclui 1993. O que há, eventualmente, de novo é apenas o Fundo de Coesão. Mas reparem que o Fundo de Coesão, em 1993, é de 1500 MECU. O máximo para Portugal são 20 %, o que equivale a 300 MECU. Não é isso quê faz alterar a conjuntura nacional no ano de 1993. É bom que se tenha tudo isto presente, porque às vezes pode haver alguma tendencia para dizer, sem querer, alguns disparates.
Por isso, é preciso muito trabalho, muito rigor e uma disciplina muito forte neste projecto de modernização do País, no qual queremos que o Parlamento participe. O momento adequado para essa participação é a discussão do plano de desenvolvimento regional, ao qual darei todo o meu empenho.
Mais uma vez, quero dizer que o êxito de Edimburgo se deveu, acima de tudo. ao consenso europeu que se pôde estabelecer nesta Câmara.
Srs. Deputados, quando falam da Dinamarca, digo-vos que estive lá, no Conselho, e sei quantas vezes a Dinamarca falou. Não o conto aqui porque os conselhos são secretos. Mas certamente que imaginarão a capacidade negocial e de intervenção que se tira a um país quando ele faz um referendo como o da Dinamarca O mesmo teria acontecido a Portugal. Felizmente que os dois maiores partidos revelaram, nesta matéria, um grande sentido nacional, um sentido verdadeiramente patriótico.
Disse há pouco e, aliás tive oportunidade de o referir a dirigentes socialistas - que não queremos assacar o êxito de Edimburgo exclusivamente ao Governo, porque sei bem que são importantes as démarches que se fazem nos fora apropriados para conseguir o consenso, que sempre é possível, para aprovar decisões com importância daquelas que foram aprovadas ern Edimburgo.
Por isso, mais uma vez, digo que estão de parabéns aqueles que, aqui, nesta Câmara, votaram a favor de Maastricht.

Aplausos do PSD.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Ainda faltou a regionalização!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Guterres pediu o uso da palavra, mas lembro a V. Ex.ª o que tinha ficado acordado na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares.
Ficou decidido que não haveria pedidos de esclarecimento nem defesa da honra e da consideraçâo, esse expediente normalmente usado para fazer intervenções suplementares no debate, só quando eu próprio considerasse

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que tivessem tido proferidas frases ou palavras ofensivas, de facto, da honra e consideraçâo devidas às pessoas e instituições, é que daria a palavra para uma intervenção ao abrigo dessa figura regimental.
Foram essas as decisões tomadas e, por isso, lamento, Sr. Deputado António Guterres, não ser possível, ao abrigo desse convénio, desse comprimisse de cavalheiros, dar-lhe a palavra nestas circunstâncias.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Para esse efeito tem a palavra. Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, quero dizer que, naturalmente, aceito a decisão de V. Ex.ª. Não iria, de forma alguma, estragar o debate, que penso que é importante para o País, mas creio que deve ficar claro que estas são regras desiguais para um debate e que devem ser repensadas no futuro.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Primeiro-Ministro, está interrompida a sessão.

Eram 13 horas e 55 minutos.

Após a interrupção, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados, vamos discutir o projecto de lei n.º 227/VI - Lei Eleitoral para as Autarquias Locais (PSD).

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, quero fazer apenas uma pequena precisão. Dizem-me que V. Ex.ª anunciou apenas b primeiro projecto de lei, enquanto que a discussão das quatro iniciativas legislativas é conjunta.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem razão, Sr. Deputado.
Vamos, pois, iniciar a discussão conjunta de quatro projectos de lei da iniciativa do PSD: projectos de lei n.ºs 224/VI - Lei Eleitoral para o Presidente da República, 225/VI - Lei Eleitoral para a Assembleia da República, 226/VI - Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu e 227/VI - Lei Eleitoral para as Autarquias Locais.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, antes desta gigantesca tarefa, vou refrescar a garganta com um pequeno gole de água. Eu sei que não é preciso autorização, Sr. Presidente, mas os sociais-democratas andam, tão fortemente, em busca de consenso que pedem autorização mesmo sobre as coisas em que ela não é necessária.

Aplausos do PSD.

Risos do PSD e do PS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de reforma das leis eleitorais que, hoje, o PSD apresenta é um desafio ao PS....

O Sr. Jorge Lado (PS): - Ai é esse o objectivo?!

O Orador: -... como maior partido da oposição. Também, é evidénte, aos demais partidos, não vos podíamos esquecer.

Risos do PSD.

Mas um desafio, Sr. Presidente e Srs. Deputados, igualmente ao Sr Presidente da República. Um desafio construtivo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - 18 anos após o 25 de Abril e consolidadas que estão as instituições e p funcionamento da nossa democracia, não nos queremos acomodar ao sistema.
Na frase lapidar e fundadora de Sá Carneiro, para nós, acima do PSD está a democracia e, da democracia, Portugal.
Ora, precisamente o nosso desejo é que o regime político se abra mais à Nação que somos e aos Portugueses, sem perder a caracterização das suas traves mestras, que nos parecem boas e sólidas.
É um risco para nós próprios como partido. Mas um risco a que nos leva a nossa raiz permanentemente viva de partido reformista e português.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Do PS, esperamos um passo inequívoco de evolução, de abertura, de aproximação. Ê um risco também para o PS. Mas acreditamos que os novos dirigentes socialistas sejam capazes de correr esse risco connosco, em nome de uma nova afirmação da democracia e de Portugal.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Dos demais partidos, esperamos que não tomem a sua pequenez como inevitável. A dimensão de cada um está mais ern si mesmo do que no sistema, seja ele qual for, como a história e a nossa experiência recente tem demonstrado.
Do Sr. Presidente da República, que se tem pronunciado sobre estes assuntos ern circunstâncias e momentos surpreendentemente desusados a elevação, e a natureza das suas altas funções, esperamos uma mensagem.
Se, na nossa vida politica, tem havido um factor de secundarização do Parlamento e de diminuição da sua dignidade face aos, Portugueses, havemos de reconhecer que tem sido a forma excessiva como o Sr. Presidente da República, entendendo dever pronunciar-se sobre assuntos importantes para o País, o não faz - como lho permite e indica a Constituição -, dirigindo-se através de mensa-

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gem à Assembleia da República, sede própria da representação e decisão nacionais e, através dela, aos partidos, preferindo o comentário inusitado em improvisadas declarações à comunicação social ou em sofisticados colóquios.

Aplausos do PSD.

Permitam-me, caros colegas, porque o ponto é assaz importante e significativo, uma nota. Tenho de dizer que a mim, não apenas como social-democrata, mas como português, me choca profundamente que a postura do Sr. Presidente da Republica o leve à tão inaceitáveis contradições e contrastes.
O Sr. Presidente da República considerou ser seu dever, dada a importância do assunto, dirigir-se por mensagem a esta Assembleia sobre a questão do pluralismo na RTP. E sobre a questão do Tratado da União Europeia, o Sr. Presidente da República considerou seu dever, ern vez de se dirigir à representação nacional por mensagem, pronunciar-se, antes, através de avulsas reflexões sobre o arrependimento dos partidos, em selecto colóquio dos arrabaldes lisboetas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Choca-me, Srs. Deputados - repito -, não como social-democrata, mas como português. Mas coloco uma questão, Srs. Deputados: e a vós, como socialistas ou como portugueses, não vos choca? A minha resposta é inequívoca: sim! A mim choca-me e o que me surpreende é que não vos choque a vós.
Srs. Deputados, quais são as nossas propostas?
Vejamos, em primeiro lugar, a respeitante & eleição do Presidente da República.
Pensamos que é tempo de os portugueses emigrados e residentes no estrangeiro serem aceites na eleição presidencial, participando dessa forma na escolha do símbolo supremo da unidade da Nação que somos;
Fazê-lo será, final e definitivamente - esperemos que definitivamente -, proceder ao reencontro pleno de toda a Nação Portuguesa, na sua liberdade e universalidade, enclausurada e amputada que tem sido ao longo de excessivos e dolorosos anos - por regimes e doutrinas que, por força da sua férrea lógica ou do mero brutal instinto de preservação, lhe retiraram ou a liberdade (com a ditadura), ou a universalidade (com a visão paranóica dos impérios), ou as duas ao mesmo tempo (reduzindo-a conceptualmente à estreita condição de secção portuguesa de uma qualquer internacional).

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Chegou a hora, Srs. Deputados, de o Estado Português passar a ser o Estado de todos os portugueses. Sete um grande passo para a nossa própria coesão nacional enquanto povo e para a projecção de Portugal no mundo.
A segunda proposta Srs, Deputados, respeita à eleição para o Parlamento nacional.
A criação de um círculo nacional permitirá reduzir o actual artificialismo de colocar nas listas distritais cidadãos que, de facto, não têm uma ligação efectiva com esses círculos, mas que os partidos e a justo título, consideram úteis à representação nacional.
O círculo nacional permitirá, pois, pôr termo, permitam-me o palavrão, à «martelagem», pelas direcções dos partidos, das listas de candidato» com ligação específica, e , autêntica aos distrito»; Reconheçamos que tal prática, inevitável no presente, tem sido um dos factores que mais tem prejudicado esse valor político fundamental que é o da ligação dos eleitos ao seu eleitorado.
Simultaneamente» a redução da dimensão do» círculo» excessivamente grandes virá ao encontro desse mesmo objectivo de ligação entre eleito e eleitor.
Srs. Deputado» socialista», o» limites constitucionais do princípio da proporcionalidade não nos permitem ir mais longe. Ma» não se deixará de dizer -para que fique registada esta afirmação politica, independentemente da acta - que o modelo preferido seria um sistema de círculo nacional, segundo a regra da proporcionalidade, e pequenos círculos uninominais, segundo a da maioria simples.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Então vão votar o nosso projecto?

O Orador: - Já comento o vosso projecto.
O PS parece estar ainda muito longe de tal solução, sendo, como tem sido, um defensor místico do princípio da proporcionalidade.
Há-de chegar lá, como tem vindo a chegar a outros pontos. Vai devagar. Nós esperaremos por ele.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Onde?

O Orador: - Desde logo, porque os seus votos são indispensáveis. Mas não só por isso, nem fundamentalmente por isso. Porque em matérias de ordem eleitoral é essencial a plena aceitação recíproca das regras do jogo e a sua legitimidade incontestada.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A nossa terceira proposta diz respeito ao Parlamento Europeu.
É muito simples: pretendemos» por um elementar princípio de igualdade de direito» e deveres, uniformizar as. normas que estabelecem as inelegibilidades e incompatibilidades no tocante aos candidatos a Deputados europeus.
Esta alteração é um comentário para aliviar a dureza dás questões que abordamos. Essa questão virá ajudar muito boa gente. Será um caso típico de Estado providência na ordem moral, ern que este vem em socorro de um qualquer cidadão posto perante os infortúnios de dilemas dilacerantes.
Se a uniformização de critérios já estivesse ern vigor - e está fora de causa - a legislação em direcção à pessoa - se isso fosse verdade, o Dr. Fernando Gomes, por: exemplo, há muito que teria resolvido aquele angustiante problema de coerência, que era ò de escolher entre a Câmara Municipal do Porto e a Câmara Parlamentar de Estrasburgo. Compreendamos os homens e as suas dilacerantes angústias!
Muito provavelmente estará essa tão terrível contradição dilemática da atracção por tão oposta» é distantes deidades na origem da sua grandiosa visão do arco atlântico!
A nossa quarta proposta, soltemos ao assunto, Srs. Deputado», diz respeito: efeito para os órgãos municipais. Pretendemos aqui introduzir duas alterações essenciais; uma, a abertura a candidaturas de grupos de cidadãos, as chamadas de independentes, e, a outra, a introdução de um mecanismo que garanta a constituição de executivos

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maioritário, coesos e estáveis, em nome dos valores da eficácia e da responsabilização politica.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - A eficácia é um valor?!

O Orador: - Quanto as listas de independentes, trata-se de estender ao Âmbito municipal a boa experiência colhida ao longo destes anos no Âmbito da freguesia. É excessivamente artificial, convenhamos, que se exija a todo e qualquer cidadão que se integre num partido ou numa etiqueta partidária se pretender dirigir os assuntos da sua comunidade paroquial ou mesmo municipal.
Melhor se compreende essa exigência no tocante ao Parlamento, que respeita ao governo nacional. E mesmo aí, se optássemos pela- lógica do sistema de círculos uninominais, dever-se-ia dar acolhimento às candidaturas de independentes.
Compreende-se todo o desvelo posto na protecção dos partidos no início da actual democracia, após décadas de cultura antipartidária, gerada pela propaganda, longa, de meio século da ditadura e por quase mais duas décadas de desvario partidário na I República.
Mas hoje, consolidadas as instituições democráticas, o que ontem foi muito provavelmente acerto e virtude pode transformar-se rapidamente no seu contrário, contribuindo para a degenerescência e descrédito dos partidos, em vez de para a sua afirmação.
São boje objecto - sabemo-lo - das atenções gerais e de algum riso nacional as meteórica» transferências de candidatos municipais de um partido para outro e vice-versa.

O St. Eurico de Figueiredo (PS): - O «vice-versa» é que é importante!

O Orador: - Abordemos, Srs. Deputados, tanto quanto possível acima das divergências conjunturais, as questões do País, se quiserem, porque, senão, estou em condições . de continuar o meu discurso, em nome do PSD, independentemente das vossas fraquezas de momento.

Risos do PSD.

Srs, Deputados, imoral, julgarão uns legítimo, acharão todos aqueles que não têm outro caminho para participarem activamente do governo das suas comunidades, e inevitável, mas inconveniente, porque excessivamente artificial pensarão todos aqueles, como eu ë o meu partido, que não desejam que se cave um pernicioso fosso entre o artificialismo do sistema político e a natureza das coisas, as exigências da sociedade e as, aspirações dos cidadãos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, a concorrência acrescentei a que serão sujeitos os partidos obrigá-los-á a um maior rigor na processo das suas escolhas, a uma maior sensibilidade à opinião pública e dos seus concidadãos, tornando-se mais exigentes na selecção dos seus candidatos, na elaboração das suas mensagens eleitorais e, sobretudo, no exercício das suas responsabilidades.
Tudo dependerá, evidentemente» deles próprios, mas as candidaturas de independentes não levarão fatalmente à perda de implantação do» partidos e à sua aniquilação. Poderá mesmo verificar-se o contrário. A experiência estrangeira assim o demonstra, mas vamos a realidades mais próximas: a experiência, entretanto, colhida no nosso país, no Âmbito das freguesias, aponta no mesmo sentido.
De 1976 a 1989, em 14 anos, o número de listas de independentes nas freguesias passou de 466 para 298, isto é, de 4,6 % de mandatos obtidos para 3 %. Significativo também que apenas 115 listas (38 %) de independentes tenham saído vitoriosas contra os partidos e que repare, outro ponto altamente significativo, a meu ver das 298 listas de independentes, nas últimas eleições autárquicas, 256 (86 %) tenham surgido em freguesias até 2000 eleitores.
Srs. Deputados, de toda a evidência, as listas de independentes não constituíram o fim dos partidos, bem pelo contrário, como se acabou de demonstrar, mesmo num terreno onde seria de esperar uma maior despartidarização da participação cívica e politica, e contribuíram, afinal, para um alargamento da implantação natural dos partidos, pela via de livres escolhas e opções, assim melhor ajustando o sistema político, à sociedade, a cada comunidade e aos cidadãos.
Descansem, pois os partidos que não morrerão pela concorrência das listas de independentes, a não ser que já antes, dentro deles mesmos, se tenha instalado a morte da acomodação e da esclerose dos mesquinhos interesses.

Aplausos do PSD.

A outra alteração que propomos, Srs. Deputados, no que toca aos órgãos municipais, é a garantia de executivos municipais maioritários, de forma a assegurar a sua coesão, estabilidade, eficácia e, por isso mesmo, a responsabilização politica. Se queremos aumentar a diversidade da concorrência, da representação e do pluralismo, teremos» simultaneamente, de cuidar, reforçadamente, da eficácia dos executivos, assegurando maiorias estáveis e, ao mesmo tempo, da responsabilização, clarificando pública e politicamente quem tem a responsabilidade de decidir.
Entregar os executivos municipais ao mero jogo de disputas interpartidárias, com a agravante de a etiqueta partidária, as mais das vezes, não representar se não um mero artificio, conduz, como se tem visto, não apenas à paralisia mas também, o que é ainda mais grave, à desresponsabilização.
Separar as duas questões - e agora entro no dialoga ou na discussão, porque diálogo é mais temo, convosco, queridos socialistas -....

Risos do PS.

...o reforço da diversidade, por um lado, e as garantias da coesão e eficácia, por outro, como os senhores propõem, parece-nos, para além de errado, um erro flagrante e grave. Diversos pontos das nossas proposta! são comuns a todas as matérias. E penso que no mea discurso e até este momento coloquei ern evidência os grandes pontos e as divergências. É evidénte que diversos pontos das nossas propostas são comuns a todas as matérias e são de consenso, como é natural e evidente, pacífico, porque se impõem pela própria evidência que, nó» e vos. colhemos ao longo da experiência recente do nosso sistema político. Mas volto a discutir convosco: afigura-se-nos que de todas as nossas propostas, que maiores dificuldades encontrarão, da parte dos socialistas, são as que constituem atenuações, mesmo que mínimas, como é o caso destas, ao princípio da proporcionalidade, em beneficio do da estabilidade, eficácia e responsabilização.

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Os Srs. Deputados introduziram a problemática da regionalização na delimitação dos glandes círculos, em vez do círculo nacional como previu a Constituição, e a bizarra ideia de uma espécie de sondagens personalizadas enxertadas no acto eleitoral, como é a vossa proposta, que foi elaborada durante o fim-de-semana, cuja reunião durou até às duas ou três horas da manhã, a fim de o Sr. Deputado António Guterres a poder pronunciar ern Leiria. Por isso esta proposta alternativa é, naturalmente, para além de estar mal concebida, um desastre.
A vossa proposta introduz uma espécie de sondagens personalizadas no acto eleitoral, que levaria a tomar como eleitos candidatos derrotados. Ora, se a situação já não é brilhante quanto à ligação eleito-eleitor, então seria o descalabro, Srs. Deputados socialistas! Com toda a franqueza, se os senhores não tem, ou não conseguem, a tempo apresentar propostas alternativas às nossas, não as apresentem. É melhor! Penso que este seria, talvez, um caminho mais afirmativo.

Vozes do PS: - Grande partida essa!

O Orador: - Por isso, direi que as vossas propostas parecem mais constituir uma cortina de fumo, por parte . dos socialistas, para ocultarem a verdadeira e real questão, que é a vossa incapacidade de se desprenderem de ideias arcaicas.
Ao longo de quase dois séculos, como sabemos, a esquerda e nela os socialistas sempre se apegaram, misticamente, ao princípio da proporcionalidade, desejando-o aplicado sem restrições, sacrossanto, em nome do primado dos partidos e da máxima diversidade partidária possível, como exclusivo e único autentico meio de representação de toda a sociedade, também como garantia sólida, a seus olhos, de impedimento de qualquer hipótese de retomo a soluções populistas, bonapartistas, antipartidárias e antidemocráticas. Só que, prezados socialistas, menosprezaram, como a história demonstrou a vós, a nós, para não dizer que a esqueceram ou desconheceram, a outra vertente fundamental da democracia, como forma de governo que é: a estabilidade, a eficácia, a responsabilização, a formação de maiorias de governo saídas directamente das opções eleitorais, estreitando, por essa via, a relação entre poder e cidadãos, em vez de feitas e desfeitas no recato dos directórios partidários e dos corredores parlamentares.
Em .resposta, ainda, às nossas propostas, Srs. Deputados socialistas, os senhores e o PS vêm com a ideia da, parlamentarização dos governos municipais, colocando-os na estrita dependência das assembleias e das maiorias aí constituídas. Com toda a franqueza, parece-nos andar para trás!

Protestos do Deputado do PS Raúl Rêgo.

Surpreende-nos, Srs. Deputados socialistas, mas temos, esperança. Temos esperança, Scs. Deputados socialistas! O diálogo profundo que desejamos encetar há-de conduzir a novos aperfeiçoamentos das nossas instituições.
Permitam-me que nesta, já tão antiga polémica sistemas maioritário, sistema proporcional -, tão antiga que se tomou arcaica (havemos de reconhecê-lo), me socorra de um doutrinador insuspeito, admirado por vós, não lenho a menor dúvida, mas também por mim, pois os senhores não podem ter o exclusivo das virtudes: Pierre Mendes France.
Dizia ele escutem, Srs. Deputados socialistas!-, reflectindo sobre as causas da derrocada da m e IV Repúblicas Francesas:
Eu nunca fui partidário do governo de assembleia, quer dizer, do governo exercido por SOO ou 600 pessoas. O executivo, a equipa que age, não pode comportar se não um número limitado de pessoas, entre as quais reine uma certa homogeneidade, uma solidariedade. Elas discutem entre si, mas devem estar suficientemente próximas umas das outras para poderem tomar decisões rapidamente e respeitá-las.
Repito, Srs. Deputados socialistas, já naquele tempo Pierre Mendes France dizia: «decisões, rapidamente e respeitá-las». E continuava: «Será somente assim que uma equipa [...]» é esta a palavra exacta e desculpava-se por chamar equipa ao governo - «[...] encarregada da condução quotidiana dos negócios públicos poderá afirmar a sua vontade, [...]» a sua vontade, Srs. Deputados socialistas! - «[...] a sua autoridade, [...]» -a sua autoridade - «[...] dispor de durabilidade! [...]» -parecia um cavaquista a falar, quarenta anos atrás-...

Risos do PSD.

...«[...] e estabilidade [...]». E concluindo dizia: «Foi isso que faltou na III e ainda mais na IV República.»
Mas, já agora, Srs. Deputados socialistas, que encetamos um diálogo convosco, pois estamos a fazê-lo frontal e publicamente, através do meio constitucional próprio, que é aqui, convosco, à frente do País, continuemos um pouco esta discussão tão importante.
Um segundo autor, igualmente insuspeito, estou seguro disso, pois não ousaria trazer aqui, num diálogo convosco, autores que não fossem admirados reciprocamente, trata-se de um socialista notável e vivo; portanto, para que não haja qualquer dúvida quanto ao arcaísmo do pensamento de Mitterrand, o testemunho agora é de um vivo, que se chama, não caiam de surpresa, Michel Rocard. Cito, cito...

O Sr. António Braga (PS): - Cita, cita, mas não segue!

O Orador: - É o candidato socialista à Presidência da República em França! Só me socorro de bons e respondíveis argumentos...

Como sabem, Michel Rocard demitiu-se porque os socialistas iam voltar ao sistema proporcional dizendo: «Isto é um desastre! Demito-me de Ministro da Agricultura!»
E a propósito da alteração do sistema eleitoral em França, em 1985, disse ainda: «A França está confrontada com um dos maiores desafios da sua história. Para responder a esse desafio, [...]» - reparem, para responder a esse desafio!- «[...] o nosso país precisa de firmeza na sua condução. É, pois, desde logo, ao poder que é necessário estabilidade, sem a qual nenhuma eficácia é possível [...] O sistema proporcional corre o risco de fragilizar ó executivo. De facto, de duas, uma: ou um partido tem a maioria absoluta por si só ou não há maioria sem coligações: Neste caso, [...]» -isto também serve para vós, Srs. Deputados, que querem voltar à coligação...

Risos do PSD e do PS.

Vozes do PS: - É uma ambição legítima!

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O Orador: - Ambição legítima, claro!...
Continua Rocard «Neste caso, o governo deverá a sua existência [...]» -no caso da coligação, Srs. Deputados - «[...] aos grupos parlamentares e aos seus chefes. Saibamos, porém, [...}» - advertia ele -«[...] que não se combate o desemprego (como nenhuma outra grande questão nacional) com reuniões semanais de chefes de grupos parlamentares».

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Serão os socialistas portugueses-e é esta a pergunta, Srs. Deputados capazes de se libertarem, finalmente, de forma completa, dos conceitos e preconceitos, que, repetidamente, têm levado à ruína os sistemas democráticos, roídos pelas combinações e descombinações, pelos jogos de poder entre directórios partida» rios e notáveis das baronias políticas, enfim, paralisados pela ineficácia e abandonados publicamente pelo mais completo descrédito? Esperamos a vossa resposta!
Mesmo o ponto; Srs. Deputados socialistas, respeitante ao voto dos emigrantes para a eleição do Presidente da República, não nos parece boje já tio difícil para vós, no plano ideológico e do estrito pensamento político. A evolução dos acontecimentos políticos e das ideias, a derrocada de muros e tabus tem sido tão rápida e premente, a evidência das coisas é tão forte que é hoje insustentável,
moral t politicamente, a recusa do direito de participação dos emigrados na eleição do símbolo supremo da unidade da Nação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A invocação de argumentos menores, o recurso a pretextos ligados a burocracias consulares ou a menos seriedade de funcionários, ganham contornos
- com franqueza -caricatos e de mau gosto.
Resta a objecção a uma revisto antecipada da Constituição.
É fraco argumento e que nos leva a concluir que o Partido Socialista está a tentar evitar a questão, introduzindo questões acessórias, a regionalização,...

Risos do PS.

... a parlamentarização do executivo municipal. O PS está de facto, perante uma dificuldade substancial e substantiva de se libertar de «preconceitos conceitos e ideias arcaicas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Outra vez?!

O Orador: - E o problema que hoje se coloca é o, de saber se o PS consegue sair desse pântano, desse buraco, e dar connosco um passa novo, no sentido da afirmação da democracia e de Portugal à luz, Srs. Deputados ao socialistas, da coesão e projecção da Nação que somos na sua universalidade, da representatividade do poder, da funcionalidade e eficácia dos governos, da responsabilização dos, partidos, da participação dos cidadãos.
Nas circunstancias actuais e dirijo-me, uma vez mais, a vós, Srs. Deputados socialistas, porque, embora todos estejam empenhados nesta questão, ela depende de vós -, em pleno processo de integração europeia, quando se aceita o próprio princípio de uma cidadania transnacional e o da do voto de estrangeiros nas eleições autárquicas, proceder-se a uma reforma de pontos importantes das leis eleitorais, esquecendo e rejeitando, uma vez muito os emigrados, seria chocante e revoltante. Seria uma autêntica e intolerável humilhação, feita, uma vez mais, pelos partidos a esses portugueses espalhados pelo mundo.

Aplausos do PSD.

Se o PS considera isto de somenos, nós, PSD, não!
Uma vez que é necessário rever a Constituição, pois reveja-se, ao menos nesse ponto! A parte da Nação Portuguesa não residente no território, os emigrados, esses portugueses, bem portugueses, espumados pelo mundo, valem bem uma revisão extraordinária da Constituição,...

Vozes do PS: - Ah!...

Vozes do PCP: - Outra?!

O Orador: -... tanto como o mereceu a Europa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Será, até, Srs. Deputados socialistas, a forma inequívoca e assumida de sarar essa ferida nacional. Aliás, outros pontos de ordem eleitoral poderão ser ponderados, se for essa a vossa exigência para justificar uma revisto extraordinária da Constituição.
Que fique claro: não queremos impor as nossas soluções, desejamos ponderar as objecções e propostas dos restantes partidos, como desejamos que ponderem as nossas! Mesmo no tocante ao voto dos emigrantes para a eleição do Presidente da República, não recusamos, bem. pelo contrário, adoptar disposições que acautelem situações falsas ou artificiais.
Não queremos que dificuldades técnico-jurídicas ou divergências superáveis sejam impedimento para o encontro de soluções positivas. O que queremos, Srs. Deputados socialistas, Q nosso desejo, é facilitar o diálogo com vista a dar novos passos que afirmem a democracia e Portugal.
Esperamos do PS o gesto que todos os portugueses esperam: o novo passo em conjunto. O risco de um novo passo ern conjunto, sofrendo, decerto, o fogo da crítica fácil e demagógica, venha ela de onde sempre vier, dá extrema esquerda comunista ou da extrema direita nacionalista (lá está, outra vez, o bloco central - hão de eles dizer), ou até, Srs. Deputados, de onde menos se poderia supor, ditada pelo incurável apetite da manobra política.
O bloco central foi mau para o Governo, a experiência mostrou o, mas tem sido bom para as questões de regime. Srs. Deputados,, surpreendentemente, alguns, que o acharam óptimo para o Governo, torpedeiam-no agora paia o regime. Tal como há escassos dias demos, em conjunto, um histórico passo, ern frente. Srs. Deputados socialistas, dizendo «sim» ao desenvolvimento da opção europeia, apesar do encarniçado fogo da demagogia e dos obstáculos. vindos dos mais dispares quadrantes, dêmos agora um novo. passo em conjunto. Assumamos esse risco, Srs. Deputados, socialistas, não por nós, nem por vós, pelo País, pela Nação que somos, por Portugal!

Aplausos do PSD, de pé.

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O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Informo a Camará de que se inscreveram para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Almeida Santos, Mário Tomé e André Martins. Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não me passaria pela cabeça mudar o Sr. Deputado Silva Marques com uma interpelação se não se desse o caso de ter referido o Presidente da República e o seu comportamento, em termos que considero menos próprios.

O Sr. António Campos (PS): - É o retomo às origens!

O Orador: - Referir aqui que ele intervém em momentos desusados, por formas excessivas e inusitadas e ern lugares sofisticados...

Vozes do PS: - Arrebaldes!

Q Orador: -... dos arrabaldes de Lisboa - e parece que Sintra foi agora promovida a arrebalde de Lisboa -, é, a meu ver, colocar a liberdade de expressão, o direito de opinião, que o cidadão Mário Soares, que, por acréscimo, é Presidente da República, não pode deixar de ter porque exerce, da forma como o faz, esse cargo. Nós não ligamos o direito de expressão e a liberdade de cada um dizer o que pensa, onde pensa e como pensa, a circunstâncias de lugar, de momento, de circunstância e até de forma. E era isto que queríamos dizer, de forma muito clara, porque nos fez um desafio, perguntando se não nos choca. O que de facto nos choca é a circunstância de esta vez, que é apenas mais uma, o PSD querer encarar o regime e o exercício de direitos fundamentais, por formas que não posso deixar de considerar limitativas, para lá daquilo que considero razoável.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - Na verdade, o que nos choca é o Sr. Deputado Silva Marques, de uma maneira jocosa sempre agradável - e rendo-lhe essa homenagem,, pois também gosto disso -, vir aqui, apesar de tudo, falar de coisa» sérias e mostrar-se completamento insensível. Choca-nos que um ilustre jurista, perante a monstruosidade jurídica e constitucional, que representa a defesa de um bónus para assegurar maiorias municipais, por forma a, violando a Constituição, com uma violação do tamanho do Centro Cultural de Belém, pelo menos.... .

Vozes do PS: - Oh!...

O Orador: -... - é só o tamanho, não é a qualidade! -, aceite converter maiorias relativas de votos em, maiorias absolutas de mandatos queira a manobra mágica' de que elementos que a Constituição quer que sejam eleitos (a palavra está lá) sejam escolhidos por decreto. É isso que pretende. É isso que nos choca enfio aquilo que perguntou.
Devo dizer-lhe também que o eterno retorno ao voto dos emigrantes já nos cansa! A nossa posição é clara, não é complexada e achamos um pouco maçador - não mais do que isso que tenhamos de repetir perante o Parlamento e o País as razoes por que não somos favoráveis ao voto dos emigrantes para as eleições presidenciais. Elas são, no fundo, as mesmas por que o PSD, ao que parece, não é favorável a que os emigrantes tenham o numera de deputados correspondente à sua expressão eleitoral.
Porque é uma- realidade que são os valores da democracia, a sua transparência, o seu significado, a qualidade do voto informado e consciente ou não informado é não consciente que estão em causa. Por que é que, de vez em quando, até nos obrigam a discutir, não o que está nos vossos projectos, mas o que está no preâmbulo dos vossos projectos? Agora já temos de discutir o preâmbulo?
Como o PSD não consegue fazer uma revisão extraordinária da Constituição (espero que não nos peçam que façamos uma todos os meses porque as constituições não são para rever todos os meses), coloca essa questão no preâmbulo e, depois, obriga-nos a discuti-lo!
Nós não estamos dispostos a retomar essa discussão, Srs. Deputados! Convençam-se de uma vez por todas de que não temos complexos; queremos que os nossos emigrantes sejam honrados, respeitados e premiados com aquilo que o País Inês deve, mas entendemos que eles esperam de vós, que sois Governo, outras coisas para eles mais importantes do que um voto que não pode ser exercido em condições genuinamente democráticas.
Depois, vem o Sr. Deputado Silva Marques falar-nos aqui em nome da eficácia. Já sabíamos que as performances são os vossos objectivos, as vossas metas, mas lembro-lhe, Sr. Deputado, que a eficácia é um valor menor em face de outros valores. E digo-lhe também que foi ern nome da eficácia que Nietzsche combateu Cristo e que foi em nome da eficácia que os alemães do regime nazi mataram 5 milhões de judeus, citando e invocando Nietzsche.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Por amor de Deus, não diga isso! Isso é um perfeito disparate!

O Orador: - Desculpe, mas tem de ouvir de vez em quando!
Graças ao Sr. Deputado Silva Marques a quem gostaria- de responder no mesmo tom, discutimos até às duas horas da manhã! Pois é! Isso é porque nós respeitamos a discussão interna e sacrificamos o sono a essa discussão. Disse também que temos ideias arcaicas. Então, agora somos nós os conservadores?!... Deixaram de ser vós, que sempre o foram e serão muito mais do que nós? Se a ideia da proporcionalidade é uma ideia arcaica, direi que ela é identifica com a mais genuína democracia a proporcionalidade é um regra da mais genuína democracia! Desculpe; Sr. Deputado Silva Marques; mas chamar a isto arcaico é correr o risco de poder ser suspeito - e eu não faço essa suspeita de não ser um genuíno democrata.
V. Ex.ª disse também que estamos á encetar um diálogo, mas o que estamos é a retornar a ele. Já não têm conta as vezes ern que o seu partido e o governo do seu partido tomaram iniciativas nu domínio eleitoral, sempre (se quiser, podemos um dia fazer um debate sobre isso e até uma estatística), quer ao nível do recenseamento, quer ao nível do exercício do voto, nomeadamente do voto por correspondência, sempre, no sentido de ganhar as eleições na secretaria. E nós não vos acompanhamos nesse diálogo! A esse diálogo, nós estamos fechados não para discutir mas para não abrir portas nenhumas, porque as portas para esse efeito, do nosso ponto de vista, estão e continuarão fechadas.

Aplausos do PS.

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866 I SÉRIE - NÚMERO 23

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Barbosa de Melo.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep): - Sr. Presidente, Ses. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Deputado Silva Marques: Este lote, esperámos que congelado, de projectos do PSD sobre o sistema eleitoral obriga-nos togo de entrada a perguntar «Que quer o PSD, se sabe que pré, cisa de dois terços para a sua aprovação?» Está a pressionar para uma revisão constitucional? O PSD quer governar com revisões constitucionais de seis em seis meses? Para já, o PSD manifesta claramente a sua intenção de pôr o País a marchar ao som da trombeta laranja, queira ou não queira a maioria do eleitorado.
Não pretendo contestar a necessidade, de aproximar o eleito do eleitor. Mas, sabendo-se que grande pane dos eleitores nem sequer conhece o presidente da junta de freguesia, é evidente que tal aproximação será tanto mais efectiva quanto aumentar a proporcionalidade da representação. O PSD quer exactamente o contrário. Se, em 6 de Outubro de 1991, elegeu 58,7 % dos Deputados com 50,4 % dos votos, com o seu projecto actual elegeria com os mesmos votos 80,4 % dos deputados. De um modo . geral, se o PS aguentava a sua representação, a CDU já elegeu apenas 7,4 % dos Deputados com 8,8 % dos votos; o CDS; que, com 4,4 % dos votos, teve 2,2 % de Deputados, passaria a 0,9 % de Deputados e o PSN a zero -não haveria representação da corrente que elegeu o próprio PSN.
O projecto de lei do PSD para a Assembleia da República perverte o sentido democrático do voto, cria maiorias artificiais e pretende ter mais deputados com menos votos.
Há formas sérias de aproximar, chamemos-lhe assim, o eleito do eleitor, sem tornar o Deputado materialmente despido do seu carácter de representatividade nacional, e não de círculo, como manda a Constituição. Na perspectiva da criação de círculos de apuramento e de círculo» de eleição, há soluções que aumentam a proporcionalidade, aproximando a Assembleia da República da vontade expressa nacionalmente pelos cidadãos, introduzindo as menores distorções possíveis entre a percentagem de votação nacional e a de Deputados, garantindo a maior representação das mais diversas correntes políticas nacionais que, são a vida da democracia plural, impedindo a concentração de poderes com Deputados inventados ern engenharias eleitorais. Um novo projecto de lei para as eleições, para a Assembleia da República só se justifica, se, for para aumentar a democracia e, portanto, a proporcionalidade.
A pergunta, Sr. Deputado, é: a quem aproveita o «deputado proveta»? ...

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Deputado Silva Marques, apesar do seu fervoroso, limitado mas longo discurso, no qual ficou clara a concepção que tem da democracia, ao iniciá-lo dirigindo-se àquilo que nós entendemos como os «senhores da democracia» que podem fazer a «democracia dos senhores», tendo isso ficado claro, bem como a sua afirmação de que a regionalização, para si e para o seu partido, tal como se tem verificado, é uma questão assessoria, apesar disso tudo, eu não posso deixar de colocar algumas questões para reflexão e também um contributo que, penso, deveria caber a todos os partidos e a todas as forças políticas portuguesas ao apresentar projectos de revisão de legislação eleitoral porque, em nosso entender, a revisão desta legislação pode pôr em causa, como é o caso, o próprio sistema democrático. Não foi assim que o PSD entendeu e nós lamentamo-lo.
Queria chamar a atenção para uma das situações que um dos projectos aqui nos traz, e que é a transformação das maiorias relativas ern maiorias absolutas, feita uma proposta que seria aplicada à revelia da vontade do eleitorado, o que é um bom exemplo da subversão do próprio sistema democrático.
Finalmente, queria chamar a atenção para uma outra questão, que é possível, tenha esquecido ou que, deliberadamente, não tenha trazido para o debate, e que é a questão da comparação da apresentação de listas de cidadãos independentes para as freguesias e para os executivos municipais. Certamente, Sr. Deputado e Srs. Deputados do PSD, toda a gente compreende que não são a mesma coisa: o executivo de uma junta de freguesia é eleito pela assembleia de freguesia e dela depende total e exclusivamente; uma lista de cidadãos independentes a ser eleita para um executivo municipal, no final do seu mandato, não pode ser penalizada politicamente. Isto é, uma lista de cidadãos independentes pode ser eleita mediante um programa que apresenta ao eleitorado, mas, no final do montado, se o não cumprir, não pode ser penalizada.
São estas as questões que deixo à reflexão, repetindo que, ern nosso entender, esta matéria da revisão das leis eleitorais deve obedecer a um debate de todas as forças políticas deste país e não apenas ser protagonizada por um partido que, por ter maioria e por se ter habituado a ter maioria, ficou com a fobia das maiorias absolutas.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.

O Sr. António Campos {PS): - Ouvi o Sr. Deputado Silva Marques sobre um assunto de importância fundamental para o funcionamento da democracia portuguesa e devo dizer-lhe que pedi a palavra porque já há muito tempo que não ouvia nesta Caçoara um discurso tão reaccionário ern nome do modernismo! Aliás, Sr. Deputado Silva Marques, por esse caminho e pelo trajecto da sua vida, não sei onde irá parar! O seu discurso baseia-se em dois princípios fundamentais: o da eficácia e estabilidade, contra a proporcionalidade; A eficácia e a estabilidade conheceu-as V. Ex.ª durante muitos anos; esse tema conheceu-o Portugal durante 40 anos e conhecem-no todos os regímenes autoritários, todos aqueles que querem governamentalizar o poder. E pergunto-lhe, Sr. Deputado: V. Ex.ª é a favor de que o fim do regimento seja o aprofundamento da democracia e seja em vez disso, a eficácia e a estabilidade com que, durante tantos anos nos matraquearam a cabeça.
A segunda questão é a da proporcionalidade: Sr. Deputado Silva Marques, sei que o incomoda a diferença, que o incomoda o pluralismo, que o incomoda tudo o que possa levar a participar as minorias. Mas pergunto-lhe se, de facto, esse ataque à proporcionalidade é o seu modernismo; isto é, se V. Ex.ª concebe o poder para ser eficaz e ser estável se tem a concepção de que o poder é só para uns, marginalizando todas as minorias.

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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, V. Ex.ª achou ilegítima, neste debate, a minha referência às posturas do Sr. Presidente da República, mas eu penso que, de forma nenhuma, assim pode ser, visto que estamos a tratar, entre outros pontos, de um sobre o qual o Sr. Presidente da República se tem pronunciado nas tais desusadas declarações à imprensa a que fiz referência. Aliás, repito, sofisticados colóquios e sofisticado não é um adjectivo pejorativo, é um mérito, dado que se trata de selectas assistências!
Discutindo agora a matéria. Sr. Deputado: quanto aos executivos municipais, o ponto é o da eficácia. Não é o nosso modelo e eu disse-o no meu discurso; nós queremos arredar todos os obstáculos técnicos, ou técnico-jurídicos, ou constitucionais, mas colocamos á questão de ser importante ou não reforçar a eficácia ao mesmo tempo que, na outra vertente, se reforça a adversidade. E nós dizemos que é!
Aliás, antecipando a minha resposta ao Sr. Deputado André Martins, eu, pessoalmente - porque o meu partido não ponderou esse ponto -, estou aberto, face à definição feita, a discutir tudo, pois não queremos criar obstáculos técnico-jurídicos. A nossa solução é discutível eu próprio já o disse no meu discurso -, mas a dos socialistas, na modesta apreciação que fazemos, ainda nos parece mais discutível, porque implica a parlamentarização, o reforço da disputa política num quadro onde, precisamente, é mais densa a vertente comunitária, o que nos faz pensar que estamos a andar para trás.
Então, preferimos alargar a solução das juntas de freguesia, que nos parece mais razoável, porque conjuga a adversidade com uma garantia de maioria no tono do executivo e uma ligação directa à escolha do cidadão é presidente o cabeça da lista vencedora. Essa ligação directa ao eleitorado parece-nos importantíssima do ponto de vista da participação dos cidadãos no poder.
Eu critiquei fortemente, como tenho criticado outros doutrinadores, o risco do sistema da proporcionalidade que coloca nos corredores dos parlamentos as maiorias: faz maioria, desfaz maioria...

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Não há onde colocar as minorias?

O Orador: - Sr. Deputado Raúl Rêgo, eu também abrangi na análise desta questão a I República, portanto, o Sr. Deputado não pode sentir-se...

Risos do PSD.

Depois, Sr. Deputado Almeida Santos, quanto aos emigrantes, os senhores já esgotaram todos, os pretextos eu falei nisso e os senhores reconhecem-no inclusivamente o argumento da burocracia consular, que me parece ser de mau gosto, porque, então, também se aplicaria, aos outros actos eleitorais.
Quanto ao problema que colocou «obre a garantia da democracia, isso levaria à rejeição da eleição para o Parlamento nacional. Os senhores esgotaram todos os pretextos, estão nus perante a opinião pública.
Em resposta ao Sr. Deputado Mário Tomé, não queremos que o Partido Socialista continue, nu, mas sim que se vista dando connosco um passo em frente no sentido da afirmação da democracia de Portugal e que saia daquele buraco, preso que está de preconceitos e de arcaísmos. O Sr. Deputado perguntou o que queríamos. Queremos iniciar um debate, estamos a iniciar um debate, não nos corredores do Parlamento, mas perante o País, porque não só defendemos a afirmação da participação dos cidadãos, como a praticamos! O primeiro gesto para aproximar os eleitos dos eleitores não é redigir normas jurídicas, é agir, é fazer, é discutir perante o País. É o que estamos a fazer! É o que queremos!

Aplausos do PSD.

Mais, queremos que haja diálogo e estamos a iniciá-lo. Esperamos que o PS avance connosco, lastimamos se o não fizer, mas é o que queremos!
Quanto àquele problema técnico que colocou sobre o «deputado proveta», Sr. Deputado Mário Tomé, todos os Deputados, estejam ou não inscritos no meu partido, que foram eleitos nas listas do PSD, estão no meu grupo parlamentar. Não há «provetas» aqui! Elas estão nessa bancada! As «provetas» estão aí!

Aplausos do PSD.

Pergunta: a quem aproveita o «deputado proveta»? Resposta: ao PCP! Mas convenhamos que ingloriamente, porque a proveta tem-se multiplicado pouco!

Risos do PSD.

Respondi ao Sr. Deputado André Martins a propósito do diálogo com o Partido Socialista. Quanto ao Sr. Deputado António Campos - esse é o problema - a sua intervenção mostra a dificuldade dos socialistas e, portanto, do Partido Socialista. Os senhores ainda estão no «buraco» da mística da proporcionalidade e não querem sair dele.
Ainda por cima, com os comentários que escaparam ao rigoroso criticismo do Sr. Deputado Almeida Santos ao falar no nazismo o nazismo é a eficácia mas sem democracia, é essa a diferença. Sr. Deputado -, mas V. Ex.ª teve um momento de precipitação, extravasou da matéria que estava a ser debatida, e apenas retomei o seu discurso para relembrar que a eficácia das ditadura» é a eficácia sem democracia, é essa particularidade que faz a diferença qualitativa.
O Sr. Deputado António Campos, que parece estar mais no fundo que o Sr. Deputado Almeida Santos» chama-nos reaccionários. Imagine o que o Sr. Deputado nos chamaria se eu não tivesse tomado a providência cautelar de me fazer acompanhar de dois ilustres socialistas - um, da cena política actual e o outro, embora não seja propriamente um socialista, é uma grande personalidade da tradição republicana francesa -, Pierre Mendes France e Michel Rocard...
Os senhores voltavam a impedir-nos em termos metafóricos, que fique bem claro a nós, sociais-democratas, de participar nas vossas manifestações de resistência ao gonçalvismo, como fizeram quando estavam nessa cratera enorme e ainda andavam a dar palmas ao socialismo quando todos nós dizíamos: «Isso é uma ruína» e o» senhores ainda tinham esperanças de fazer a route com aquele» senhores da esquerda enquanto eles não vos começaram a bater. Porque os senhores só acordaram quando vos começaram a bater e, então, descobriram que existíamos, mas nós somos fiéis às boas alianças. Quisemos,

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queremos e continuaremos a querer construir em comum a democracia viva e perene para bem do nosso país e de Portugal!

Aplausos do PSD.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Para exercer o direito regimental de defesa da honra pessoal, Sr. Presidente.

O Sr. Previdente: - Tem a palavra para esse feito.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Marques, quando falei em «deputado proveta», não pretendi ofender nenhum dos Srs. Deputados do PSD. Pretendi dizer, o que era facilmente compreensível por quem estivesse atento e as perspectivas democráticas conduzissem o seu raciocínio, que a redução dá proporcionalidade no sistema eleitoral conduz ao aparecimento de «deputados provetas», isto é, Deputados que não têm correspondência na vontade do eleitorado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - É o seu caso!

O Orador: - O meu caso, já que V. Ex.ª fala disso, e a negativo que os Srs. Deputados do PSD não estejam habituados ao funcionamento democrático da política no nosso país,...

Protestos do PSD.

... tem a ver com um acordo claro e transparente perante o povo português, assumido de parte a parte, colocado perante o eleitorado dessa mesma forma e que lhe permitiu, bem como a esta Assembleia da República, ter aqui uma voz independente, séria, democrática, que nada fará calar e que responde de forma própria às grandes questões que são colocadas ao nosso povo e ao nosso país. É essa a função que estou aqui a desempenhar, Sr. Deputado Silva Marques!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marquei (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mário Tomé, nós sabemos perfeitamente o que é que o Sr. Deputado está aqui a fazer, não precisava de dizê-lo. Falemos de questões que são evidentes.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Falemos seriamente!

O Orador: - Exacto! Vamos, então, ao que interessa.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Para mim, o debate parlamentar não é uma brincadeira!

Protestos do PSD.

O Orador: - Eu não tenho posições sólidas é estive a. brincar com este assunto. O Sr. Deputado tem posições sólidas e não esteve a brincar com este assunto. Por isso mesmo, vou responder ao ponto sério introduzido pelo Sr. Deputado: a proveta!

Risos do PSD.

Há um aspecto da questão que considero resolvido - saber onde estava e a quem aproveitava a proveta. Apenas me permitia fazer um aditamento ao aprofundamento dessa matéria dizendo que muita gente está enganada, porque é evidente, o que é hoje do conhecimento comum que a proveta é, na tecnologia moderna, um processo de multiplicação!

Risos do PSD.

É falsa a ideia de que se trata de uma tecnologia moderna só recentemente aplicada, pois o Partido Comunista Português há muito tempo que a utiliza, embora esse processo não tenha sido muito divulgado. A única particularidade é que o Sr. Deputado é um dos últimos produtos da proveta do Partido Comunista Português.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Quem tenha levado a sério quer as palavras proferidas pelo Primeiro-Ministro, em 17 de Novembro do ano passado, quer os próprios termos do Programa do Governo então apresentado, não pode ter deixado de ficar surpreendido com as iniciativas legislativas do PSD hoje em discussão.
Foi anunciado, claramente, uma iniciativa legislativa que revestiria o carácter de reforma global e a forma de um código eleitoral. As matérias a abranger, foi então dito, iam do recenseamento aos sistemas eleitorais e os processos eleitorais a contemplar iam das eleições presidenciais às eleições para as assembleias regionais, passando por todas as outras.
Dispunha, por outro lado, o Governo - o que também era expressamente recordado no seu Programa - de um projecto de código eleitoral elaborado por uma qualificada comissão a que, desde 1987, não era dada inexplicavelmente a esperada utilização e que constitui seguramente uma boa base de trabalho para a actualização e sistematização do nosso direito eleitoral.
Para além disso, o facto de vigorarem ern Portugal numerosas leis eleitorais, com soluções nem sempre harmónicas sobre as mesmas questões, reforçava a expectativa de que, ao fim de todos estes anos de continuidade governativa, o Governo, cumprindo o que prometera, se orientasse para a apresentação de uma proposta de código eleitoral.)
Ora, o que temos hoje pela frente é tudo menos um código eleitoral: são incursões avulsas em quatro diplomas. Nem o código eleitoral prometido, nem a reforma global anunciada!
Declarou então também o Primeiro-Ministro que só haveria reforma eleitoral com revisão extraordinária da Constituição neste domínio. Eram. estas ás suas palavras: «ou fazemos uma reforma global do sistema, incluindo as necessária» alterações da Constituição ou, para nós, é preferível deixar o sistema tal como está». Como não houve revisão constitucional que contemplasse matéria eleitoral, é caso para perguntar se houve salutar mudança de ideias na maioria ou se a apresentação dos projectos que hoje discutimos é uma variante da alternativa «deixar estar como está». Ou seja, á criação de um facto político *ob a retórica entusiasmada de um autoproclamado desafio.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - Mas há mais motivos de surpresa! A iniciativa governamental anunciada pelo Primeiro-Ministro e confirmada em Março pelo Sr. Ministro de Administração Interna foi substituída por iniciativas dos Deputados do PSD. Dai que seja legítima a Interrogação: estará a explicação nas exigências do estatuto da oposição ou trata-se afinal da solução encontrada para não ser quem prometeu uma coisa a vir agora apresentar coisa diferente?
Não podemos conceber que, ern matéria como esta. se trate apenas de cumprir calendário, unilateralmente fixado, e que as circunstâncias não impunham. As legislativas e as presidenciais distam e a lei eleitoral para o Parlamento Europeu até ganharia em ser revista após a entrada em vigor do Tratado da União Europeia.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, se há domínio em que se justifica e impõe um esforço de procura de consenso, de cuidada e participada preparação é o da legislação eleitoral. Não se percebe a esta luz que, tendo sido constituída uma Comissão para a reforma do sistema eleitoral, nomeadamente para a análise de documentos de grandes linhas, estudo de propostas e comparação com modelos de outros países, não tenha sido tomada qualquer iniciativa por parte da maioria para a por em funcionamento após a sua posse e a utilizar como espaço de trabalho nessa direcção.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - O quadro de trabalho da comissão teria sido também o mais adequado para se poder beneficiar, nesse processo de diálogo, dos contributos de entidades como a Comissão Nacional de Eleições e de especialistas, nomeadamente dos que participaram na elaboração do projecto de código eleitoral.
E não pode também aceitar-se que, nesta matéria, o Governo se limite a responder com o silencio a requerimentos visando o acesso a trabalhos preparatórios de reforma. O método e o estilo não favorecem obviamente consensos. É-nos dito que queriam um pano conjunto. Pois bem: o método e o estilo dizem o contrário! Também a substancia das vossas propostas não favorece consensos.
No que se refere à lei eleitoral para a Assembleia da República, a solução que o PSD preconiza não se afasta no essencial da que já foi presente a esta Assembleia em 1990. Aliás, poderíamos dizer, deste pacote de projecto que o que é relevante não é novo e o que é novo não é relevante. Chamar a isto um desafio é um pouco demais.
Invocando a aproximação entre eleitoral e eleitos, o que volta a propor-se é a redução do grau de proporcionalidade hoje assegurado, através da combinação de soluções de, subdivisão de círculos e da introdução de um desculpa nacional concebido em termos insusceptível de compensara as perdas de proporcionalidade decorrentes daquela subdivisão e da redução do número de Deputados nos círculos, locais.
Os efeitos prosseguidos continuam á ser baixar significativamente o limiar de formação de maiorias governativas, vitimar os partidos de menor expressão eleitoral, nomeadamente o CDS, assegurar a reprodução maioritária mesmo em contexto de acentuada perda, de votos.
A tão invocada aproximação entre eleitores e eleitos nada ganha com esta operação. Não ganha obviamente com a consagração do círculo nacional. Também não ganha nada de significativo com a divisão proposta dos círculos de Lisboa, Porto, Aveiro, Braga e Setúbal. É claro que o problema não é exclusivo destes círculos e não se altera qualidade do relacionamento entre eleitos e eleitores pela simples redução do número de Deputados a eleger.
Deve notar-se que, neste domínio, a modificação mais significativa - e aqui não sublinhada entre os propósitos do Governo em 1990 e o projecto de agora tem a ver com concepção do voto para o círculo nacional e vai exactamente no sentido da redução da capacidade de escolha do eleitor. É que, em 1990, era aqui elogiada a possibilidade de o eleitor optar pelo voto útil no seu círculo e peto voto ideológico no círculo nacional. Mudam-se os tempos, restringem-se as vontades! O que temos agora pela frente é a proposta de um voto usado simultânea e cumulativamente para o círculo local e para o círculo nacional. Isto é, abandonando o argumento usado em 1990, o PSD evoluiu de mais para menos possibilidades de escolha.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, uma orientação consistente de reforma do sistema eleitoral supõe um juízo apropriado acerca do sistema vigente e das suas deficiências.
Para o PS, o sistema actual tem resolvido adequadamente os problemas de representatividade, assegurando a expressão parlamentar de todas as correntes políticas significativas existentes na sociedade portuguesa e desempenhando positivamente uma função integradora.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - Demonstrou, além disso, não constituir obstáculo à formação de maiorias governativas - seja de coligação pré ou pós-eleitoral, seja monopartidárias. Não é manifestamente pertinente o tópico da ingovernabilidade.
Não há, pois, motivos para pretender actuar sobre o grau de proporcionalidade que hoje caracteriza o sistema no sentido de o reduzir, gerando injustificados problemas de legitimação. O PS não cooperará em operaçao dirigida nesse sentido.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - É no domínio da ligação entre eleitores e eleitos que se situam os problemas que justificam uma séria reforma. É aí que a insuficiente personalização dos mandatos e a falta de uma mais directa responsabilização do Deputado perante os seus eleitores configuram deficiências a que uma reforma deve dar resposta, sem não em causa os actuais atributos positivos do sistema.
O desafio que aí está não é o de reduzir a proporcionalidade para mais facilmente obter maioria governativa mas, isso sim, o de compatibilizar o actual grau de proporcionalidade com a introdução de uma maior personalização das escolhas e dos mandatos; que inove qualitativamente no domínio do relacionamento entre eleitos e eleitores. Para o PS, o desafio que ao está é o de alcançar uma melhor qualidade da representação, o que significa não só proximidade, conhecimento, identificação, mas também, mais directa responsabilidade. Isso não se atinge com a mera subdivisão dos círculos maiores, requer a introdução de uma componente de personalização.
Não deve, por outro lado, perder-se ou afectar-se o que é hoje um sólido referencial de legitimidade na delimitação dos círculos eleitorais e que resulta da sua delimitação por remissão para uma circunscrição administrativa que. como se sabe, tem sido o distrito.
Conforme ponderou e admitiu, já em 1987, a própria comissão que elaborou o projecto de código eleitoral, justifica-se repensar a subsistência do distrito como base do

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círculo eleitoral ern função do processo de regionalização do continente.
O Partido Socialista entende que não é caminho aceitável, não é caminho donde resultasse legitimidade, a prática da découpage dos círculos hoje existentes, através da divisão arbitrária dos actuais distritos.
Há que concretizar, com urgência, a exigência constítucional, nacional-e-europeia da criação das regiões administrativas e, nessa perspectiva e também na da decorrente extinção dos distritos, é o quadro regional e o das áreas metropolitanas que deve servir de ponto de referência objectivo para a reorganização eleitoral do território.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É em tal quadro que se poderá dar resposta aos problemas do reforço da personalização de candidaturas e de escolhas, com a subdivisão dos círculos regionais ern circunscrições uninominais de candidatura. Assim se poderá, por um lado, assegurar a proporcionalidade no âmbito do círculo regional e, simultaneamente, a presença de eleitos directamente responsabilizados diante dos eleitores da sua circunscrição, numa solução que participe das preocupações da representação proporcional personalizada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PS, como há dois anos atrás, não dá o seu aval a uma operação sobre a Lei Eleitoral para a Assembleia da República que se pretende repetir e que se salde por uma distorção da proporcionalidade, uma facilitação intencionada da formação de, maiorias, um contingente retalho dos actuais círculos eleitorais.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - Como resultado dessa oneração, se ela fosse sucedida, o sistema eleitoral não adquiriria novas e melhores propriedades. Perderia algumas das que boje tem.
O PS está interessado e empenhado numa reforma eleitoral que, acrescentando novas dimensões à proporcionalidade boje assegurada, incida sobre a própria qualidade da representação politica, porque também a essa qualidade tem os Portugueses direito.
Personalização de mandatos e proporcionalidade é, pois, o repto que aqui deixamos, em alternativa a um mero arranjo do actual sistema, que desvirtua o que ele tem de bom e não melhora o que ele apresenta de deficiente.
Sr. Deputado Silva Marques, a alternativa «governabilidade versus representatividade» não é hoje, manifestamente, a questão central. Hoje, o problema é o da qualidade da representação e, nomeadamente, o da personalização. Assim, as suas citações estão um pouco retardadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É óbvio que na linha, do recurso que interpusemos da admissão do projecto de lei do PSD; respeitante ás eleições para às autarquias locais, nos oporemos à conversão administrativa de maiorias relativas em maiorias absolutas, ao arrepio do princípio da proporcionalidade, à custa do qual se pretende erguer executivos maioritários à revelia da vontade dos eleitos.
É, aliás, revelador que, em Março passado, o Governo entendesse que tal solução exigia prévia revisão constitucional - como resulta do documento então entregue aos partidos e que os Deputados do PSD ò venham sustentar agora sem que ela se tenha verificado.
Quanto à admissibilidade de candidaturas de independentes a tais eleições, é solução que já consta do projecto de lei que apresentámos e que foi aprovado na generalidade. E que nele é disciplinada em termos bastante mais satisfatórios, nomeadamente no critério de definição e limite do número de assinaturas exigíveis. Na verdade, prever que esse número seja superior ao necessário para formar um partido político é algo de inadmissível e susceptível de comprometer todo o alcance prático da inovação.
Discordamos também do regime que é proposto, e que se pretende generalizar, aplicável aos casos de não realização de votação ern assembleias de voto.
Autonomizar a hipótese em que a impossibilidade se fique a dever a actos ou factos a que não sejam totalmente alheios os cidadãos eleitores para Inês fazer corresponder um regime específico em que não chega a haver repetição é par nas mãos de poucos o direito de inutilizar em definitivo o voto de muitos, é colocar um instrumento perverso ao alcance dos projectos de alguns.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - Cometer o reconhecimento do carácter definitivo dessa impossibilidade, com esses contornos, às mãos da autoridade administrativa é factor que agrava ainda a incorrecção da solução.
Relativamente às alterações que se propõem à Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu, tomar-se-á indispensável compatibilizar a previsão de incompatibilidades com a doutrina de recente acórdão do Tribunal Constitucional nesta matéria, por forma que não venha a pretender-se aplicar soluções inovatórias a mandatos em curso. A lei não deve ser um meio de desforço ou de agravo à Constituição e também não deve visar casos pessoais. Ficou aqui claro que, afinal, essa continua a ser a preocupação da maioria. É, certamente, uma honra para o visado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não aderimos às soluções mais relevantes que são propostas. Discordamos do método seguido na elaboração deste conjunto de projecto».
Se, como foi afirmado há tempo pelo presidente da bancada do PSD, a reforma da legislação eleitoral deveria ocupar boa parte do trabalho parlamentar desta sessão legislativa, não foi esta a melhor maneira de contribuir para que esse trabalho fosse frutuoso. Ficámos a saber que, afinal, apenas pretendiam fazer-mos um desafio.
Pois bem; pela nossa parte, tanto quanto nos dissociamos de meras operações de engenharia, propomos que se prepare seriamente uma viragem efectiva, que permita que coexistam, no sistema eleitoral, proporcionalidade, personalização e responsabilização mais directa em relação aos eleitores.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

O Orador: - Estamos disponíveis, não para perverter mas para melhorar a qualidade da democracia. Propõem-nos um passa é nós respondemos: convocam-nos para um passo atrás e nós propomo-vos que dêem connosco um passo em frente.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

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O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Costa, apenas abordarei dois pontos, muito rapidamente...

O Sr. Alberto Costa (PS): - Para me felicitar?!

O Orador: - Sim, não me custa absolutamente nada felicitá-lo pela clareza da sua posição.
Passando aos pontos que quero abordar, em primeiro lugar, Sr. Deputado Alberto Costa, peço-lhe que repare que, após a evolução do impulso iniciado pelo líder do meu partido, com a abertura às listas de candidatos independentes e também quanto àquela outra vertente de limitação dos mandatos - que foi considerada inconstitucional e, por isso, não insistimos nela -, houve um desenvolvimento importante da problemática e acabámos por desembocar, hoje, numa questão a que, sem esforço, pode chamar-se de reforma eleitoral. Aqui estamos perante um contexto novo e então, a questão coloca-se como eu próprio a pus: como é possível, perante uma situação de reforma eleitoral, que, uma vez mais, os partidos esqueçam os emigrantes?
Portanto, ern resposta à sua pergunta no sentido de saber por que é que colocamos esta questão, respondo-lhe que é ern consequência do contexto entretanto desenvolvido e ocorrido.
Finalmente, quero reafirmar uma questão de princípio, já contida na minha intervenção. Assim, repito que estamos abertos a todas as soluções técnicas. Claro que nós próprios temos algumas que os senhores acham más, enquanto os senhores tem outras que consideramos absolutamente catastróficas, como é o caso daquela proposta de introduzir sondagens no acto eleitoral. No entanto, quero deixar bem claro que não ficaremos empecilhados por questões técnico-jurídicas, pois repito que queremos obter soluções novas em comum.
Também quero esclarecer que ouvi a solução proposta pelo Sr. Deputado António Guterres, segundo a qual o partido que vença numa determinada região terá como Deputados escolhidos aqueles, que tiverem vencido nas eleições uninominais. Assim, pergunto-lhe: e se eles perderem todos? É que, então, o senhor terá, no fim, um partido vencedor com uma lista de Deputado; derrotados! Foi por isto que afirmei que se a ligação entre eleito e eleitor não é boa hoje em dia então, nesse caso, seria o descalabro: um partido chegar a esta Assembleia, com um conjunto de Deputados «de corda ao pescoço»» derrotados um a um nas sondagens locais, só porque venceu no círculo regional...

O Sr. António Guterres (PS): - Não percebei nada!. Isso resolve-se com estudo, e leitura, Sr. Deputado!

O Orador: - De qualquer modo, Srs. Deputados do PS, pela nossa parte, queremos iniciar o diálogo em pormenor e penso que poderemos fazê-lo num local mais. apropriado, embora não em segredo, para podermos chegar a um acordo, de modo que» um dia destes, que espero não esteja longe, possamos voltar a esta sede, novamente em conjunto, para darmos o tal passo ern comum, sem medo. Não tenham medo, porque nós também não temos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Marques; reparou que procurei situar a minha intervenção num nível algo diferente daquele em que o Sr. Deputado colocou a sua.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - Assim sendo, poderei ser muito breve na resposta às questões que colocou.
A razão por que não abordei a questão dos emigrantes na minha intervenção é a mesma pela qual os Srs. Deputados do PSD não incluem no vosso projecto de lei nenhuma norma sobre essa matéria. Isto é, os senhores não puseram «em cima da mesa legislativa» a questão do voto dos emigrantes e é por essa razão que eu próprio não a problematizei expressamente.
Finalmente, quanto ao problema dos Deputados derrotados, apenas quero lembrar-lhe que, certamente, conhece o funcionamento do sistema eleitoral alemão...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Conheço, mas não funciona assim. O problema é que os senhores não sabem alemão!

O Orador: -... e saberá perfeitamente que há soluções da natureza das que propusemos que funcionam satisfatoriamente, seja na Alemanha, seja noutros países, sem que se coloque essa questão nem que a mesma provoque qualquer falta de legitimidade. É que os Deputados representam sempre eleitores e sempre na proporção dos votos efectivamente recebidos. Portanto, não são candidatos perdedores mas, sim, candidatos que, por direito próprio, ocupam os respectivos lugares nas assembleias representativas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Paulo Gomes.

O Sr. João Paulo Gomes (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados. Antes de mais, gostaria de referir que, após a intervenção do Sr. Deputado Silva Marques, entendemos não formular nenhum pedido de esclarecimento, uma vez que temos para nós que esta figura regimental só deve ser exactamente um pedido de esclarecimento e nada mais. Ora, como não tínhamos quaisquer dúvidas sobre o teor da intervenção do Sr. Deputado, embora em múltiplos aspectos não concordemos com ela, entendemos por bem e por respeito pelo Plenário não utilizar aquela figura regimental como aproveitamento para fazer meras declarações políticas sobre os projectos de lei em apreço.
No entanto, para todos os efeitos, devo confessar-lhe, Sr. Deputado Silva Marques, que quase me senti tentado a ter alguns domes ern relação aos membros da bancada do Grupo Parlamentar do Partido Socialista. É que, na sua intervenção, apelidou-os amiúde de «prezados», «queridos»; enfim, utilizou terminologias tão meigas - aliai, foi tal a meiguice que chegou ao ponto de convidá-los a passearem juntos! - que, de facto, me sinto algo tentado a querer partilhar essa sua simpatia.

Risos do PS.

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O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Ciumento!

O Orador: - De qualquer maneira, quero agradecer-lhe não ter-se esquecido do CDS no início da sua intervenção e até que nos tenha feito uma pequena alusão, aliás, à semelhança do que fez no final Concretamente, refiro-me a ter dito que deveremos entender a inevitabilidade da nossa pequenez. Pois com certeza, Sr. Deputado Silva Marques! Mas garanto-lhe é que, de facto, tal não nos obriga a desviarmo-nos do cumprimento do que consideramos serem os nossos princípios nem a deixarmos de respeitar as nossas concepções.
No entanto, não nos revemos nem nos reconhecemos ern determinadas afirmações que, nomeadamente durante a última semana, tom sido proferidas em Plenário, algumas vezes a despropósito, fazendo eventuais alusões à nossa postura e apelidando-nos de «nacionalistas-saudosistas» - repare que esta é uma citação, extraída da intervenção do Sr. Deputado. Igualmente cito, de memória, uma passagem de uma intervenção de um Sr. Deputado do Grupo Parlamentar do Partido Socialista em que nos apelidou de «nacionalistas-saudosistas do tempo do orgulhosamente sós». Não quero alimentar polémica sobre estas matérias mas quero que fique bem claro que nem eu próprio nem o meu partido nos revemos nesta posição nem nesta situação politica que citei.
Terminados estes comentários, passo às questões hoje em debate, referentes aos projectos de lei de revisão dos leis eleitorais.
Antes de mais, desejamos lamentar a atitude do PSD, apesar de não poder contestar-se dado constituir um mecanismo regimental aceitável e legítimo, ao não ter permitido, contrariamente ao que é habitual, o agendamento por arrastamento do nosso próprio projecto de lei de revisão da Lei Eleitoral para as Autarquia» Locais. Repito que lamentamos, mas aceitamos porque, regimentalmente, está correcto. No entanto, temos a certeza de que o debate teria ficado mais enriquecido se também tivessem permitido o agendamento do nosso projecto de lei.
Quanto ao projecto de lei sobre a Lei Eleitoral para o Presidente da República, já aqui foi referida o voto dos cidadãos emigrantes, com o qual o CDS se identifica, por princípio» embora, naturalmente, sujeita a uma metodologia a adoptar na revisão da Constituição da República Portuguesa para ser convenientemente estudado, um pouco no espírito do que foi referido pelo Sr. Deputado Almeida Santos.
Ainda em relação a este mesmo projecto de lei, o n.º 2 do artigo 11.º, salvo melhor opinião, supomos que contraria o que está consagrado no n.º 2 do artigo 129;º da Constituição da República Portuguesa, o qual refere, que, «[...] proceder-se-á a segundo sufrágio no 21.º dia subsequente à primeira votação» e não no 14.º dia, como está previsto neste projecto de diploma - e nós sabemos que, talvez por equívoco do legislador, é assim que está escrito na actual Lei Eleitoral, mas é contrário ao que está consagrado na Constituição.
No que diz respeito aã projecto de lei n.º 225/VI, referente à Lei Eleitoral para a Assembleia da República, já aqui foi por de mais abordada a questão da aproximação: dos eleitores aos eleitos, princípio este que também consagramos nos nossos ideais e que defendemos plenamente. No entanto, devo dizer que não sabemos a que parâmetros obedeceu este projecto de lei apresentado pelo PSD relativamente à distribuição dos diversos círculos eleitorais, pelo que pensamos que não irá corresponder a uma tentativa verdadeira e plena de aproximação dos eleitores aos eleitos. Julgamos que há alternativas melhores e que a tal discussão conjunta, que também nos propomos acompanhar, poderá conduzir a melhores soluções.
Em relação ao projecto de lei n.º 227/VI, que se refere à Lei Eleitoral para as Autarquia Locais, cujo princípio mais relevante é o da possibilidade de candidaturas de cidadãos independentes, desde que verificadas determinadas circunstâncias, quer o CDS dizer uma palavra bem clara no sentido de que, na generalidade, está de acordo com esse princípio.
À semelhança do que foi referido pelo Sr. Deputado Alberto Coso, que me antecedeu, é, de facto, de perguntar se será correcto exigir-se 7500 subscritores quando; como também foi referido por aquele Sr. Deputado, para formar um partido político só são necessários 5000 e quando, para candidatura à Presidência da República, são precisos 7500 subscritores.
É isto que, de momento, se nos oferece dizer, na certeza de que o CDS, como não é um partido «nacionalista» nem tão-pouco «saudosista», está disposto a conversar, com todos os seus parceiros democratas, eventuais revisões às leis eleitoral.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Paulo Gomes, muito rapidamente e em primeiro lugar, gostaria de afirmar o que já disse, ou seja, nós não queremos que questões técnicas sejam impedimento para o grande passo em conjunto, de que os senhores, evidentemente, não estão excluídos.
Por isso, em relação a aspectos de constitucionalidade; nós e, sobretudo, alguém muito acima de nós, decidiremos. Não vale a pena estarmos presos neste ponto. Inclusivamente, podemos aperfeiçoá-lo aquando da análise se do diploma. Nós não estamos numa posição rígida, do ponto de vista técnico, mas perante um objectivo que queremos alcançar, juntamente convosco. Que isso fique claro!
Agora, há outro» aspectos que fazem parte desta boa relação conflitual que todos nós Deputados, temos.

O Sr João Paulo Gomes (CDS): - Relação conflitual?!

O Orador: - Sim, relação conflitual, mas boa, sólida, sã!
Quanto à inevitabilidade, eu disse o contrário. Tive um gesto de alento para vós, quando disse: «Não se dêem como que numa posição fatal, inevitável, na vossa pequenez. Tudo depende de nos próprios. A grandeza das coisas está dentro de nós próprios. Isso depende de vós.»
Depois, há aqui um pequeno pormenor que é o desenvolvimento da seguinte ideia: por que é que eu tratei os socialistas por queridos é prezados? Porque, no fundo; embora haja uma grande proximidade entre mim e eles, apesar de tudo, eles são bons vizinhos, mas de fora, enquanto que eu, quando olho para o CDS, sinto como se fossem de dentro da minha casa. Para mim, os senhores pertencem ao grande campo político que deve governar o País. Os vossos dirigentes não querem, mas o vosso povo, como sabem, tem vindo voluntariamente ao nosso seio.

Risos e aplausos do PSD.

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O Sr: Presidenta - Para responder, se assim o entender tem a palavra o Sr. Deputado João Pauto Gomes.

O Sr. João Paulo Gomes (CDS): - Sr. Presidente, meu querido e prezado amigo Deputado Silva Marques....

Risos do PSD.

... é bom constatar que não nos exclui de colaborar neste objectivo e que também seremos, eventualmente, uma peça, não digo fundamental mas actuante, na ultrapassagem de determinadas questões técnicas.
Portanto, em todos os outros aspectos que referiu que «só dependia de nós», poderá ter a certeza de que, em todas essas matérias, tentaremos fazer um esforço no sentido de uma melhor interpretação daquilo que entendeu. Porém, há uma coisa que não conseguimos ultrapassar com facilidade: é que, de facto, o PSD tem tantos eleitores porque, eventualmente, tem as tais provetas que nós não temos e que lamentamos. Mas diga-me: onde as comprou, por favor?!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não, nós não trabalhamos em engenharia genética mas com a natureza das coisas!

Risos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que houve uma parte da intervenção do PSD, em relação aos seus objectivos, que valeu por tudo. E ela verificou-se quando pretendeu arredar deste debate qualquer outro partido que não fosse o próprio PSD e o PS. Estamos, portanto, conversados em relação ao entendimento que o PSD tem da democracia!

Protestos do PSD e do PS.

Os projectos de lei do PSD, hoje em debate, representam uma proposta global de revisão das leis eleitorais. Assim mesmo têm sido anunciadas.
Formularemos, assim, um juízo global sobre esta proposta de subversão do sistema eleitoral» sobre esta operação «Eleições 1993-1995-1996», sem nos quedarmos da análise parcelar, de um ou outro diploma.
O nosso voto exprimirá assim, a recusa desta operação antidemocrática, antiparlamentar, anti-Constituição, operaçao que, por ser abjecta, impede, de imediato, a serena reflexão sobre os aperfeiçoamentos que, necessariamente, terão de ser introduzidos nas leis eleitorais.
Já afirmámos, mais de uma vez, que tem de ser revistos os prazos constantes daquelas leis excessivamente longos.
Outra das matérias que merece a nossa atenção a do regime de finanças eleitorais que deve ser dotado de transparência. A alterar ainda o regime de incompatibilidades e inelegibilidades.
Mas o que está boje em causa não - é o aperfeiçoamento das leis nem esta reflexão podia ser feita num debate que procurou iniciar-se com uma linguagem pó ao gosto de Calisto Elói Barbuda de A Queda de Um Anjo - mas, isso sim, a adulteração do sistema de representação proporcional, a tentativa de degradação da democracia representativa e participativa tal como a nossa Constituição a
configura, enfim, a realização de um objectivo muito caro ao PSD: o de eternizar-se no poder com uma maioria absoluta formada com uma percentagem de votos inferior a 40%.
O que está ern causa, como já o dissemos, é uma operação, através da qual, o PSD, distorcendo e defraudando a vontade do povo, pretende, com uma muito menor incidência de votos, continuar a hegemonia da vida política nacional - uma maioria na Assembleia da República, um governo, um Presidente da República e uma maioria no poder local.
O que o PSD pretende é, afinal, continuar a cantar, ainda que com uma partitura coxa, «Somos o 1.º!» Tal objectivo resulta, claramente, de alguns dos projectos de lei em discussão.
Com a Lei Eleitoral para a Assembleia da República, o PSD pretende a criação de um círculo eleitoral nacional através do qual seriam eleitos 30 Deputados, sendo eleitos os restantes 196 Deputados por 30 círculos eleitorais locais, formados através de uma operaçao de engenharia bem retratada no mapa que o PSD anexa ao projecto de lei.
Com o projecto de lei relativo às eleições para as autarquias locais, o PSD pretende transformar artificialmente maiorias relativas ern maiorias absolutas. E, usando de uma tecnologia muito atrasada - não é, seguramente, a proveta -, o PSD pretende «pôr os ovos em ninho alheio», como disse, noutro dia, numa intervenção que fiz a propósito de um recurso que interpusemos. Isto é, pretende que sejam eleitas pessoas com votos de outros partidos. Pergunto se algum candidato estará disposto a integrar uma maioria absoluta, sabendo que não teve votos para isso e que o voto dos eleitores se dirigiu, afinal, a outro candidato.
Aparentemente, quanto a Lei Eleitoral para o Presidente da República, o PSD abdica da chantagem que vinha fazendo, utilizando a questão do voto dos emigrante». Aparentemente, dizemos nós porque de todas as declarações até aqui produzidas pelo PSD resulta que mantém a vontade inabalável de só aceitar a reforma das leis eleitorais se for aceite a sua proposta quanto ao voto dos emigrantes.
Esta chantagem política surge agora adiada, ao que parece, para a revisto constitucional ordinária. Mas é óbvio que, até lá, o PSD não deixará de continuar a chantagem, que foi nítida na intervenção aqui produzida dirigida ao PS: «Venham connosco; nós temos esperança que chegarão lá; saiam do buraco.» É uma chantagem com destinatário certo, o Partido Socialista, por forma a concretizar nos sucessivo» actos eleitorais, por meio de uma operaçao de cosmética, a hegemonia através da Assembleia da República, da Presidência da República e do poder local. Em devida altura, apontámos as inconstitucionalidades de dois diplomas em debate.
Contas feitas - algumas já hoje foram aqui referidas -, verifica-se que o círculo nacional proposto pelo PSD conduz a um limiar de cerca de 3%, só acima do qual poderá um partido eleger Deputados, limiar esse que distorce o princípio da representação proporcional, criando uma verdadeira cláusula barreira proibida pela Constituição.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

A Orador: - Por outro lado, nos círculos locais, assistimos a um crescimento insuportável do limiar expresso ern percentagem de votantes. Os limiares situar-se-iam,

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em todos os círculos, acima dos 5%, crescendo em todos eles relativamente aos limiares obtidos pela lei actual. Em Lisboa, por exemplo, o limiar anda pela percentagem de 1,64,% e passaria para 5,07 %.
E este é apenas um dos vários exemplos.
O projecto de lei do PSD penalizaria fortemente os partidos menos votados, impediria a representação parlamentar desses mesmos partidos e o acesso de novas formações políticas ao Parlamento tal como: salientámos no recurso que interpusemos relativamente à admissão do projecto de lei da dimensão dos círculos, da proposta resulta que passariam a existir 14 círculos com menos de seis Deputados e dois círculos de seis Deputados. Sendo certo que os estudos existentes demonstram que só com círculos eleitorais de média dimensão (entre 6 a 10 mandatos) é possível respeitar o princípio da, proporcionalidade, teremos que, de facto, p projecto de lei do PSD desrespeita esse princípio.
O PSD entende que a Constituição da República permite a «engenhosa engenharia de círculos» que enseja no projecto de lei. Mas não é assim. O sistema eleitoral é reservada Constituição e, tal como diz Gomes Canotilho, é inconstitucional qualquer engenharia de círculos que perverta, na .prática, a regra da proporcionalidade.
A divisão dos círculos eleitorais não pode ser arbitrária, tem de basear-se em critérios objectivos, e a dimensão daqueles não pode defraudar um sistema proporcional que a Constituição configurou como aquele que permite que as várias correntes políticas obtenham representação, em proporção da sua quota de votos, sem discrepâncias significativas.
Ora, o projecto de lei do PSD, elaborado apenas na base de objectivos político-partidários que não da democracia, já atrás denunciados, abandonou quaisquer critérios objectivos e prossegue a sua finalidade de apagar da cena política partidos de menor dimensão, cavando ainda mais o descrédito na instituição parlamentar, causando a saturação na opinião pública, enfraquecendo a democracia participativa;
O PSD está ciente da flagrante inconstitucionalidade do seu projecto de lei relativo às autarquias locais, o qual assenta claramente na substituição do sistema de representação proporcional por um sistema maioritário. O PSD sabe - e já o disse que este diploma não é possível face a actual Constituição.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Mas Q projecto do lei, para além de enfermar de inconstitucionalidades, é mais uma peça numa operação de investida rumada eternização fraudulenta no poder, a qual tem conhecida vários andamentos: uns, sussurrados na macia tibieza das alfombras, outros, arremessados a um destinatário certo que se chama o fosso da orquestra, onde deverá limitar-se a passar as folhas da partitura.
Aos ensaios no bloco central e tomado o primeira assento na revisão constitucional, sucedeu-se um primeiro andamento, em Maio e Junho de 1990, com fífias, não conseguido; um segundo andamento com o discurso da, Primeiro-Ministro, na apresentação do Programa do Governo ern 1991, e um terceiro andamento, em Maior de 1992, em que a Assembleia da República cria uma comissão para a reforma do sistema eleitoral» sem objecte, porque, até agora, ainda não fez outra coisa senão tomar posse.
Nesta altura, é surpreendente, mas regista-se que o Partido Socialista parece animar-se. E pergunta-se: será que incentivado pela constatação de que com os últimos resultados eleitorais; também ganharia Deputados, segundo o projecto de lei do PSD, e assustado por ver chegar o final do ano (data limite imposta pelo PSD), receou que não tivéssemos os projectos de lei para discutir? É uma dúvida em relação a qual convém que o Partido Socialista responda.
O certo é que o fosso da orquestra animou-se e foi, de facto, o Partido Socialista que, aparentando cair no engodo, veio impulsionar, em Novembro deste ano, a apresentação dos projectos de lei pelo partido do Governo.
Parece que o Partido Socialista se terá deixado embalar pelo menos, é a dúvida quê nos assalta-pela possibilidade antevista de uma bipolarização da qual gostaria de partir para o lugar dianteiro, mas que se desiluda porque a operação do PSD reserva-lhe, apenas, o eterno segundo lugar, numa ensaiada melodia em que o PSD proclama ao País: «Eu, o primeiro, e vocês, o segundo, passamos a vida juntos!»
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nas últimas eleições legislativas, o líder do PSD endereçou aos cidadãos uma carta-apelo de quase duas páginas e, estando em causa a eleição de Deputados à Assembleia da República, nunca usou, nessa carta, as palavras «Deputados» e «Assembleia da República», o que prova a hipocrisia das afirmações que o PSD faz acerca da reforma do sistema eleitoral. E o líder do PSD. dirigindo-se ao eleitor, terminava assim a sua carta: «Peço-lhe por isso que não deixe de votar nas próximas eleições, nas quais vão ser escolhidos o Primeiro-Ministro e o Governo de Portugal para os próximos quatro anos.»

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Muito bem, não. Muito mal! Para quem diz que «é preciso aproximar a Assembleia dos eleitores», muito mal!

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - O que os senhores querem não é isso.

Aplausos do PCP.

Por isso, o Sr. Deputado do PSD referiu, tão a propósito e com bastante propriedade, uma imagem: recorrem à martelagem para a escolha dos vossos candidatos. São os senhores que recorrem a isso!
Isto demonstra como é hipocrisia afirmar-se que a preocupação do PSD é «aproximar os Deputado» dos eleitores e dignificar, o Parlamento»:
A carta do líder do PSD parece enraizar-se na concepção que Eça de Queirós critica na Companhia Alegre: a de que, é o Governo quem. nomeia a maioria da Câmara e o Deputado só está lá porque é de confiança do futuro Primeiro-Ministro.
De facto, do projecto de lei do PSD não resulta a dignificação da instituição parlamentar, a aproximação entre eleitos e eleitores.
Se a Assembleia da República deixar de ser uma caixa de ressonância do Governo se não for identificada com medidas impopulares! (como acontece, por exemplo, no spot televisivo em que se identifica a Assembleia da República com o iníquo sistema de propinas), se a Assem-

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bleia representar o país na sua diversidade política, e não o Governo, como também diz Eça, então, sim, poderá resgatar-se a imagem do Parlamento, a qual, pelo contrário, só conhecerá ainda algum desgaste se qualquer sistema de círculos uninominais repuser a figura do Deputado carreirista e clientelista que perpassa nas páginas da nossa literatura, fruto, aliás, de círculos uninominais da nossa história eleitoral.
E fica-nos, por fim, o argumento da governabilidade, em nome da qual se advogou, inclusivamente, o analfabetismo do povo e outras coisas já, hoje, aqui referidas.
A governabilidade para o PSD corresponde a governamentalização do regime, a garantia dos interesses eleitorais do PSD, a estabilidade governativa a todo o custo, mesmo contra os interesses da sociedade, mesmo em instabilidade social.
Mas a governabilidade, de facto, não se opõe ao princípio da representatividade, não está no extremo oposto da democracia participativa. A governabilidade resultará do dialogo social, dos respostas as reclamações da sociedade.
É, sem dúvida, o princípio de representação proporcional o que melhor assegura esse dialogo e uma política ao serviço do povo e do País. É por isso mesmo que ele não serve ao PSD.

Aplausos do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna (Dias Loureiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo atribui a máxima importância a este debate e, embora não estando em discussão nenhuma proposta de lei, quis estar presente, participar e dizer o que pensa sobre este assunto. A importância que atribuímos a este debate ô notória até pelo facto de ter sido, em boa verdade, o Governo a chamar a atenção para este problema quando, no início de 1992, apresentou aos quatro maiores partidos com assento parlamentar as linhas mestras que entendia necessárias para uma revisão do sistema eleitoral português. Sr. Deputado Alberto Costa, foi este o método escolhido, mas podia ter sido outro. O Governo podia ter submetido à Assembleia da República, porque o tem, um projecto de código eleitoral. No entanto, não o fez, como na altura explicou às delegações partidárias que connosco contactaram.
Assim, parecendo-nos que havia, como há, algumas divergências, podíamos ter escolhido esse método ou, então, podíamos dialogar, em sede parlamentar, com os paridos políticos na base de um texto que o Governo aqui apresentasse. Se atingíssemos consenso seria fácil chegarmos a conclusões, pois tínhamos a substância, unhamos as leis, havia apenas que as incorporar no, código que, obviamente, pode ser, com vantagem, mais sistemático do que a actual legislação avulsa.
Todavia, este foi o método que escolhemos e não é daí que advém mal ao mundo. Oxalá nos entendêssemos sobre as questões fundamentais porque, depois, ern relação ao código, tudo era verdadeiramente simples.
O Governo tomou essa iniciativa em Janeiro, porque entendeu que era, e é, necessário fazer uma revisão do nosso sistema eleitoral, que não passa apenas- por acabar diplomas avulsos e sistematizá-los num código porque esse é, apesar de tudo, o aspecto menor, se bem que importante.
Aliás, esta nossa iniciativa também não adveio da necessidade, que, aliás, sentimos, de aperfeiçoamento do sistema eleitoral e, muito menos, do facto de pensarmos - e isto que fique claro, porque não foi aqui dito - que o actual sistema eleitoral português é mau, porque, sejamos claros, num conjunto importante de aspecto», o sistema eleitoral português não é péssimo nem requer o que considero mau.
Para nós, trata-se, por um lado, de aperfeiçoar o sistema e fundamentalmente, de corrigir a violação de um direito fundamental que o sistema comporta. É este o grande pecado do sistema e é, sobretudo, por isto que ele tem de ser revisto. Em múltiplos aspectos, ele não é mau. Como todos sabemos, é um sistema proporcional ern que o Governo e as assembleias são representantes legítimos, porque sufragados pelo voto popular.
O grande pecado deste sistema e, portanto, grande necessidade da sua alteração advém do facto de repito, comportar um enorme pecado, que é o da violação de um
direito fundamental de cidadãos portugueses no caso, os cidadãos portugueses que não residem em Portugal.
Assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é preciso que se diga que este é o grande pecado do sistema e que por causa dele é necessário revê-lo. Tudo o mais, com mais ou menos prazo de campanha, com mais ou menos repetições de eleições, não toma a sistema iníquo, nem injusto, nem mau. O que o toma mau e inaceitável é o ponto que referi e que é crucial para o nosso debate.
Em segundo lugar, que método se escolheu para a sua revisão? Srs. Deputados, estamos a tratar das regras do jogo e, se assim é, tem que haver, ern democracia, o maior consenso. Por isso, o nosso texto foi apresentado, conversado com os quatro maiores partidos parlamentares, o que significa, Srs. Deputados do Partido Comunista, que não se pretendeu excluir seja quem for deste consenso; pelo contrário, o que se quis foi que houvesse um consenso tão alargado quanto possível e que, se possível, incluísse toda a Câmara. Foi este o nosso propósito, é este o desejo do Governo nesta matéria.
No entanto, o que me pareceu das palavras que ainda há pouco, atentamente, ouvi da Sr.ª Deputada Odete Santos foi que o PCP se auto-exclui deste processo de dialoga É que, Srs. Deputados, quando o PCP vem dizer a esta tribuna que este projecto de lei representa a subversão do sistema eleitoral, quando vem aqui dizer que se trata - se bem percebi a Sr.ª Deputada de uma operação abjecta, obviamente que é o PCP que está a excluir-se deste processo.
Se assim é, muito bem! Mas que fique claro que, se os outros partidos quiserem, seguiremos com este processo, sem o Partido Comunista. Se o PCP não quer ser companheiro nesta jornada, pois muito bem, não o será e não há qualquer problema. Mas que fique claro que a nossa intenção, o nosso desejo é, porque se trata de definir as regras do jogo, que todos pudessem fazei parte do consenso.
No entanto, para que haja alterações, é necessário que, no mínimo, dois partidas os Partidos Socialista e Social-Democrata estejam de acordo. Se o CDS quiser participar neste consenso, será bem-vindo, como aliás todos os que quiserem.
Por isso, da nossa parte e, certamente, também do partido proponente, só há um espírito nesta matéria: de diálogo e de grande abertura, sem muitos preconceitos, mas. sempre no pressuposto de que a necessidade primeira, a

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mais importante, de modificação do sustenta é aquele pecado a que fiz alusão.
E por que é que escolhemos em Janeiro que este seria o ano, de modificação do processo eleitoral? Porquê essa data? Porque, Sr. Presidente e Srs. Deputados, este é o único ano, até 1998, que não vai conhecer eleições de âmbito nacional. Por isso nos pareceu mais adequado escolher, para definir as regras do jogo, um ano em que não se realizassem eleições. Portanto, esse momento pareceu-nos o mais adequado para o efeito.
É evidente que nesta matéria há aspectos em que é fácil o consenso e outros em que se nota claramente que o consenso não existirá. Todavia, não podemos iludir os problemas e não temos que ficar desanimados quanto ao processo, nem temos de dizer que não, vale a pena caminhar mais. Penso que ainda vale a pena dar passos e, mais, creio que cada vez mais começa a haver espaços para dar passos no que é fundamental. Vale a pena» pois, continuar.
Aliás, é fácil pormo-nos de acordo em relação aos prazos eleitorais ou em relação - ao número necessário para propor listas independentes. As questões mais difíceis são outras, Sr. Presidente e Srs. Deputados.
Assim, irei debruçar-me, fundamentalmente, sobre as posições conhecidas.. Há um ponto, que é de substancia, em que há o consenso, com o qual nos regozijamos desde já, do PS e do PSD, pelo menos. Refiro-me às candidaturas de cidadãos independentes para os órgãos do município. Esta é uma ideia do PSD, que o PS adoptou e com o. qual nos felicitamos. Em tudo o mais, parece-me que ú que há são divergências, mas não insuperáveis, porque, se assim as julgasse, não estaria aqui a gastar tempo e, muito menos, a fazer perder o vosso.
Comecemos, então, pela Assembleia da República.
O texto que o Governo apresentou aos partidos visava, por um lado, manter, como traço fundamental do sistema na eleição para a Assembleia da República, a proporcionalidade e, por outro, compatibilizá-la, naquilo que é possível, com uma maior personalização, uma maior responsabilização do eleito perante o eleitor. Esta é característica fundamental da proposta então apresentada aos partidos desta Câmara e que nos parece razoável; porque achamos importante que se mantenha a proporcionalidade.
O Sr. Deputado Almeida Santos disse há pouco - e, neste aspecto, não posso estar mais de acordo consigo porque sou um adepta da proporcionalidade - que a proporcionalidade é alma da democracia ou «a expressão mais genuína da democracia - esta é exactamente a sua expressão. Mas o que se pretendi» era compatibilizá-la, era moderá-la com a introdução de aspectos de personalização e de responsabilização.
Esta é uma proposta, discutível sem dúvida, que dá um campo enorme para o diálogo, e nós estamos dispostos a ele. No entanto, Sr. Deputado Almeida Santos, a proposta que, em contraponto o Partido Socialista veio fazer não faz esta compatibilização e vem mesmo ao arrepio da idade que V. Ex.ª há pouco expressou - quando disse que a proporcionalidade é «a expressão mais genuína da democracia». E digo isto porque a vossa proposta é muito menos proporcional do que a nossa, o que demonstrarei de imediato...
É que, Sr. Deputado Almeida Santos, neste confronto proporcionalidade/personalização VV. Ex.ªs deram a preferencia à personalização! Aliás, essa posição da Partido Socialista é aceitável e legítima, mas temos que ser claros nesse aspecto e VV. Ex.ªs têm de fazer contas. Aliás, eu já as fiz e concluí que a vossa proposta enfatiza e dá a primazia, ao contrário do vosso discurso, à personalidade porque, Sr. Deputados, eleger metade da Câmara em sistema de personalidade é legítimo, é aceitável, é justo como sistema democrático, claro que é, mas temos que saber o que significa.
Em primeiro lugar, eleger metade da Câmara, isto é, 115 ou 113 Deputados, excluindo os Deputados eleito» pelo círculo «fora da Europa», significa que a limiar da maioria vai baixar substancialmente. VV. Ex.ªs, no campo das hipótese meramente teóricas, podem ter uma eleição de 113 Deputados com 26% dos votos. Pode eleger, em teoria, metade da Camará com 26 % dos votos no sistema de quatro partidos. Dir-me-á que isso não é realista no caso português, e eu concordo. Mas, na caso português, podia ter realista que metade da Câmara - 113 ou 115 Deputados - fosse eleita por 34 % ou 35 % dos votos. Estas contas são muito fáceis de fazer.
Em segundo lugar, mantendo para a outra parte o sistema proporcional tout court, com o vosso sistema, podemos ter, em Portugal, com cenário que testei - não teóricos mas possíveis e plausíveis em Portugal -, em média, maiorias de 39 % de» votos.

O Sr.. Almeida Santos (PS): - Sr. Ministro, posso interrompê-lo?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Ministro, não quero que labore em erro, porque nós não elegemos metade segundo o princípio da proporcionalidade e a outra metade segundo o princípio da personalização. O que foi proposto - e aí estou de acordo com V. Ex.ª, dado que todos os sistemas são discutível e nenhum é perfeito é que nós, sem sacrificar o princípio da proporcionalidade elegemos metade segundo o critério da personalização, mas, sem afectar a distribuição segundo a regra da proporcionalidade.
Todavia o que pode dar problemas e V. Ex.ª não o referiu - é o facto de, por vezes um partido ter mais vitórias ao nível da personalização do que as que lhe cabem ao nível genérico do círculo e, portanto, poder, haver indivíduos que ao nível da personalização, tenham mais, votos do que outro e que não são eleitos. Mas a regra da personalidade fica intacta, porque, se não fosse, a nossa proposta era inconstitucional, e não é.

O Orador: - Sr. Deputado Almeida Santos, conheço o suficiente do vosso modelo, apresentado pelo Sr. Deputado Alberto Costa para, poder testá-lo. Fiz no meu gabinete algumas contas rápidas e cheguei à conclusão de que ele segue de muito perto o modelo da Dinamarca, mas com uma diferença apenas, é que em Portugal, o método de apuramento que suponho, VV. Ex.ªs mantêm é o de Hondt e, na Dinamarca é o de Saint Lague, não havendo muito mais diferenças. Fiz as contas nesta base e, segundo o nosso método de apuramento o de Hondt, e não o da Dinamarca; verificamos - aliás, é só preciso fazer contas e podemos, fazê-las juntos, se quiserem que no vosso modelo, há maiorias de limiares muito mais baixos do que no nosso.
V. Ex.ª pode testar todos os cenários - realistas, como é evidénte - com o modelo que propomos e eu garanto que é possível haver maiorias com o limiar mais elevada do que o actual. Isso é perfeitamente possível com cenários realistas, como também é possível devo dizê-lo, que

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o limiar da maioria no modelo que propomos, com cenários também realistas, baixe apenas 1 %.
Isto é, se hoje em dia é possível, no modelo actual, maiorias da ordem dos 43 %, no modelo que propomos, em cenários realistas, não são possíveis maiorias muito inferiores, apenas 1 % menos. Este foi o valor máximo que encontrei, como cenários realistas.
Repito, neste modelo é mesmo possível haver maiorias mau elevadas do que no actual. Sr. Deputada basta fazer simulações por computador com algum realismo, como é evidente.
Srs. Deputados do Partido Socialista, há ainda um outro aspecto que quero aqui realçar é que o Partido Socialista, para resolver um problema, vem dizer que esta questão só é resolúvel se não fizermos depender a alteração da lei eleitoral da questão da regionalização.
Estamos de acordo que tem de haver, em Portugal, uma regionalização, mas ela é só por si um problema e, portanto, quando tratarmos de fazer regimes, esse será um grande debate. Com efeito, vai ser um problema sobre o qual temos de chegar a acordo, não apenas nesta Camará, garanto-lhe, mas também internamente nos nossos partidos e no País inteiro. Portanto, V. Ex.ª estuo a acrescentar como método de resolução de um problema a, soma de um outro.
Srs. Deputados, não estou de acordo com isso, pois não é assim que procuro resolver os problemas. Este é um outro defeito que, do meu ponto de vista, a vossa proposta contém, mas isto nós quer dizer que ela é iníqua, que deve ser excluída ou que não é democrática. Não estou a dizer nada disso. Existe um campo para o diálogo e podemos continuar a conversar, mas para a primeira aproximação se concretizar ela tem esses dois pecado». Temos propostas diferentes, ideias diferentes, mas uma ideia que é basicamente idêntica: a de que proporcionalidade é um bem a manter. Sobre isso, estamos de acordo e essa é a pedra mais importante, mas, repito, as vossas Ideias tom esses defeitos.
Em relação às autarquias locais, o ponto que dos Srs. Deputados Almeida Santos e Alberto Costa mais criticaram foi o da possibilidade de se adaptar o sistema proporcional à formação de executivo maioritários foi o que me pareceu perceber dás palavras do Sr. Deputado Almeida Santos -, dizer do que era quase um acto completamente antidemocrático ou que não tinha base democrática.
Srs. Deputados, em primeiro lugar, quero dizer que o modelo que propomos é* um entre variar e, em segundo lugar, tanto quanto estou recordado dói debates da de uma revisão constitucional, este modelo foi grandemente debatido e o Partido Socialista, mesmo em trabalho de comissão, deu o seu assentimento. Posso não estar a dizer as coisas com total exactidão, mas é uma questão que pode confirmada pelo Diário e, portanto, é fácil.
Aquilo que se passou foi que, a tese do PSD era a de que primeiro se desse a maioria ao partido que, tinha mais votos e, denota, se dividisse os restantes na base proporcional. A esta tese tanto quanto me recordo, o Partido Socialista contrapôs o seguinte: primeiro, vamos dividir os votos proporcionalmente por todos e, depois, acrescentar.
Penso que foi esta a tese do Partido Socialista. Até com um argumento do qual me recordo, mas que não vou agora aqui usar, mas também não é muito importante.
Hoje, penso que a tese fundamental do Partido Socialista é a de deixar de eleger directamente o Executivo e passar a fazer uma eleição indirecta, atra vénia assembleia municipal. Não considero esta tese antidemocrática, mas ela não é do meu maior agrado, nem do do Governo, certamente.
No entanto, entendo, em primeiro lugar, que esta proposta de modelo um, de entre vários possíveis não é inconstitucional e, em segundo lugar, que é uma hipótese possível. Deixo aqui uma abertura, mas não quero comprometer-me com soluções definitivas, pois estamos num processo de diálogo com base no pressuposto de que o PS considera também importante que haja estabilidade e operacionalidade democráticas nos executivos camarários. Se este é o vosso pressuposto, é também o nosso e, portanto, poderemos continuar a caminhar nesta matéria, pois existe um largo campo de diálogo.
Em relação ao Parlamento Europeu, penso que não existe qualquer tipo de dificuldade. Trata-se de rever um regime de inelegibilidades que era injusto, despropositado, e de manter, de acordo com o sistema português, para a Assembleia da República o sistema da incompatibilidade. Creio que, sobre esta matéria, nada existe de mais fácil.
Srs. Deputados, passemos à questão da eleição presidencial. É verdade que não consta do projecto de lei do Partido Social-Democrata e penso entender a razão - a proposta de reconhecimento do direito de voto aos cidadão» residentes no estrangeiro pela simples razão de que ela é inconstitucional, como os Srs. Deputados sabem todos sabemos que, neste momento, o direito de voto a esses cidadãos não é possível face a Constituição da República Portuguesa. Mas VV. Ex.ªs também sabem a importância que o Partido Social-Democrata e o Governo atribuem a esta matéria. Aliás, eu disse há pouco que este é o pecado do nosso sistema eleitoral, pois o resto são aperfeiçoamentos. Porém, o resto, não torna o sistema nem injusto, nem iníquo o que o toma iníquo, injusto e violador de direitos fundamentais é o não direito de voto aos cidadãos residentes no estrangeiro. Este é o pecado fundamental do nosso sistema, pelo que é necessário mudar.
O Sr. Deputado Almeida Santos perguntou há pouco se vamos fazer mais uma revisão constitucional e eu respondo-lhe, com as palavras de Cristo: o homem não é escravo da lei, a lei é que tem de servir o homem. Não temos de ter aqui uma postura de Velho Testamento mas, sim, de Novo Testamento.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A lei é que serve o homem e não o homem que serve a leu. Se é necessário, para cobrir estai, injustiça, uma revisão constitucional o Partido Social-Democrata está disposto a fazê-la, seguramente.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, por que é que isto é tão importante para o Partido Social-Democrata? Porque se trata de um não reconhecimento a cidadãos portugueses, como nós de um direito fundamental, que é o direito ao sufrágio consagrado no artigo 49.º do texto constitucional. Sr. Deputado Almeida Santos, é disto que se trata, para quem defende uma certa ideia de Portugal.
Admito que possamos ter uma ideia de País diferente, mas a nossa ideia é clara. Pensamos que Portugal, mais do que este espaço geográfico aqui implantado na Europa à beira do oceano Atlântico, é uma comunidade de homens que, através da sua diáspora, se espalhou pelas sete partidas do mundo. Para nós Portugal é isto. E mais ain-

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da: é para DÓS e para as leis de nacionalidade portuguesa. Para a lei actual é assim. Srs. Deputados, se não concordam com a lei proponham-lhe uma alteração.
A lei portuguesa actual consagra dois princípios que muitos países europeus consagram, ou seja, o jus sanguinis e o jus soli. Esta não só é a lei portuguesa, como também é a de países diferente como a França ou a Espanha, por exemplo. Mas, como sabor a lei portuguesa da nacionalidade vai até ao ponto, ao contrário de muitos países, de permitir que um português que adquira outra nacionalidade mantenha a portuguesa cumulativamente. Por exemplo, na Europa dos Doze só a França, Portugal e Espanha o admitem, e este último país apenas em algumas situações. Portanto, esta é a nossa lei e é assim que pensamos.
Neste momento, não reconhecer a possibilidade do exercício do direito de voto aos cidadãos emigrantes é uma violação de um direito fundamental que é uma violação ao espírito e à letra da lei da nacionalidade como a entende-mos e que nos parece ser perfeitamente explícita.
Existem alguns argumentos que o Partido Socialista tem usado nesta matéria sobre os quais gostaria de falar. Em primeiro lugar, dizem que os emigrantes não conhecem a vida nacional. Srs. Deputados, peço desculpa por debruçar-me sobre um aspecto que não faz parte da lei, mas VV. Ex.ªs sabem por que não faz parte da lei e até sabem que isto para nós é o ponto crucial. Portanto, ente é ponto mais importante sobre o qual recai o debate, e sobre isso não tenhamos qualquer dúvida.
O Sr. Deputado diz que não conhecem a vida nacional, mas existe uma coisa em relação à qual não podemos fugir e que deita por terra este argumento: é que esses cidadãos desde que sejam portugueses, vivendo onde vivem, seja na longínqua Austrália ou em França, podem ser eleitos. E o Sr. Deputado não vai convencer-me dizendo que é possível um sistema que deixe eleger para Presidente da República ura cidadão que vive na Austrália - tão longe de Portugal e não o deixe ser eleitor. Sr. Deputado, este argumento não me convence e jamais me convencerá porque não tem pernas para andar.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, porque deveremos ser, aqui, na Assembleia da República, juízes daquilo que os portugueses que se encontram ern qualquer parte do mundo sabem ou não da vida portuguesa, conheçam ou não os programas dos partidos políticos ou as personalidades da nossa vida política? Porque deveremos ser nós e não eles os juízes de si próprios? Se são ou não conhecedores da situação, então participem ou não no acto, mas deixemo-lhes essa liberdade porque assim é que é democrático. Mas sermos juízes por eles é que não me parece genuinamente democrático para usar a sua expressão de há pouco.
Em terceiro lugar, gostava de comentar: o argumento que tenho ouvido coerentemente, de que não é prática dos sistemas eleitorais dos países, da Europa a que pertencemos o reconhecimento do direito de voto aos emigrantes. Srs. Deputados, entendamo-nos! Na Europa a que pertencemos há seis monarquias, onde o rei não é eleito, pelo que não os podemos tomar em consideração. Para além disso, temos a Grécia, a Alemanha e a Itália onde a eleição é indirecta e, como consequência, também não podem servir de exemplo. Assim, só a França, Irlanda e Portugal podem ser tomados como paradigma.
Mas qual é o sistema vigente nestes países? De na Irlanda o sistema eleitoral não prevê que os emigrantes possam votar, mas o mesmo já não acontece em França. Portanto, de todo o argumento estrangeiro em termo de direito comparado que pretendem trazer para esta matéria o que se conclui é que na Europa dos Doze há dos países que até agora não reconhecem esse direito Portugal e a Irlanda e um outro onde é reconhecido. Com efeito, só isto pode servir de comparação ern termos de direito comparado.
Como também sabem, ern França a votação do cidadão, que reside no estrangeiro pode ser feita por duas vias: no consulado do país onde se encontra ou em Franca por procuração. Sr. Deputados, este é o sistema francês.
Portanto, os vossos argumentos não servem nesta matéria. Não são necessários porque existem argumentos internos, endógenos, nossos, portugueses mais do que suficientes para que se reconheça este direito de voto. Mas se queremos falar em termos de direito comparado, devemos falar daquilo que é exacto, ou seja, de seis monarquias, de três países onde há eleição indirecta, da Irlanda, onde não é permitido p direito de voto aos emigrantes, e da França, onde é permitido, inclusivamente, por procuração.
Os argumentos são estes, mas são tão fracos que deixem-me dizer o que me vai na alma sobre esta matéria sem querer perturbar o nosso diálogo futuro: na verdade, os argumentos são tão fracos que aquilo que penso sobre eles é que constituem uma cortina de fumo - neste caso pouco hábil - para esconder o medo qui se tem do voto dos emigrantes.
No fundo, penso que aquilo que está aqui em causa é o medo que se tem do voto dos emigrantes.

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado, nesta minha interpretação - discutível, certamente - não é legítimo que nós, quem quer que seja, tenhamos medo dos resultados eleitorais e estejamos a, coarctar um direito fundamental aos nossos concidadãos.
É tão simples quanto isto!
Apesar de tudo, quero dizer-lhes que cada vez tenho mais esperança nesta matéria, pois é a pedra basilar, e o pecado que urge remediar.
Já ouvi o Sr. Deputado Caio Roque dizer que está de acordo connosco. É um Deputado que conhece os emigrantes e que tem sido, aqui nesta Casa, representante desses , votos. E se disse ao País que estava de acordo e com isso até desobedeceu à liderança partidária do PS foi porque reconhece que o apelo do seu eleitorado, que são os emigrantes, vai oeste sentido. Dou. pois, muita importância, ao argumento do Sr. Deputado Caio Roque.

Aplauso do PSD.

Também uma personalidade se expressou com clareza sobre esta matéria na televisão há poucos dias. E não foi uma personalidade qualquer, foi o Deputado João Cravinho, ilustrei parlamentar nesta Câmara durante anos, que foi cabeça de lista do PS e que deu a cara pela PS nas eleições europeias! Não se trata de uma qualquer personalidade do PS, mas de uma proeminentíssima personalidade, que disse que nesta matéria, o PS tinha de reconhecer aos emigrantes o direito de voto. E ouvi-o dizer que não pode haver distinções entre portugueses de primeira e portugueses de segunda, o que está de acordo com aquilo que sempre dissemos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Mas mais importante ainda é o facto de várias pessoas falarem, a este propósito, do pensamento do. Sr. Presidente da República. Ora, recuso-me a aceitar, que, nesta matéria, se invoque um pensamento de S. Ex.ª o Sr. Presidente da República, que seja diferente daquele que consta do seu programa de candidatura. Pode dizer-se tudo, podem fazer-se todas as interpretações e perguntar-se até como há-de ser do ponto de vista técnico, agora a verdade do pensamento do Sr. Presidente da República só a leio no seu programa de candidatura.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E o que aí se diz sobre esta matéria é muito claro. Diz-se e passo a ler o manifesto político da candidatura do Sr. Presidente da República, Mário Soares: «Finalmente, a participação dos emigrantes em futuras eleições presidenciais vem ao encontro de uma aspiração que se afigura justa.»

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É por isso que um jornal - um entre vários que recolhi - diz: «Soares já advoga o voto dos emigrantes nas presidenciais.»

Aplausos do PSD.

Portanto, se se quer trazer à colação as intenções do Sr. Presidente da República nesta matéria, só nos poderemos guiar por aquele que é o seu manifesto político e por aquele que é o seu programa de candidatura. Nada mais nesta matéria é relevante.
Só que nós, Sr. Presidente e Srs. Deputados, nesta matéria, estamos longe de um acordo. Apesar de tudo, estamos cada vez mais peno, e espero que possamos vir a encontrar esse acordo. VV. Ex.ªs aprovarão aqui na Assembleia a lei que entenderem, mas quero que fique claro o pensamento do Governo que para esse efeito não é agente parlamentar sobre esta matéria: esta revisão do sistema eleitoral só tem sentido se primeiro que tudo, tiver como preocupação acabar com o seu pecado fundamental, que é o não reconhecimento do direito de voto aos cidadãos que vivem no estrangeiro. Tudo o resto poderão fazer, só que as outras questões comparadas com esta são questões menores. Mas, relativamente a esta matéria, tudo o que fizerem sem aprovarem esse direito é deixar no nosso sistema um enorme pecado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos; tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Ministro da Administração Interna, ouvi-o com todo o interesse e devo dizer-lhe que V. Ex.ª fez a defesa mais inteligente possível da sua «dama». No entanto, perdoará que lhe diga que, nunca me convenceu menos do que hoje! E vou dizer-lhe porquê.
Em primeiro lugar, porque ficou demonstrado que aquilo que se pretendeu com estas propostas foi, de facto, criar um facto político em torno do voto dos emigrantes.. O Sr. Ministro não falou praticamente de mais nada. Portanto, está explicada-a origem desta iniciativa e. também o seu conteúdo.
Em segundo lugar, queria dizer-lhe o seguinte: o Sr. Ministro falou de tal maneira que parece ser um pecado mortal terrível, uma coisa inconcebível o Sr. Primeiro-Ministro chegou mesmo a falar em absurdo-recusar-se o voto do emigrante. É, de facto, um pecado mortal e um absurdo que o seu próprio partido votou em 1975! E eu pergunto o que é que mudou de 1975 até agora para que, na altura, esta fosse um boa votação e agora seja um absurdo.

Protestos do PSD.

Ern terceiro lugar, o Sr. Ministro fugiu, como galo de água quente - desculpe a expressão um pouco rude do argumento que há pouco invoquei da circunstancia de a Constituição permitir duas coisas. Se não querem portugueses de primeira e de segunda e também estou de acordo com isso -, por que é que o PSD não tira dal a conclusão de que deveremos ter aqui uma percentagem de 70 % a 80 % dos Deputados ern representação dos emigrantes? .

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em quarto lugar, por que é que o PSD não aprova sozinho - não é inconstitucional - o voto do emigrante ern Portugal segundo o sistema italiano? Porque não?! Pode fazê-la! Por que é que até hoje o não fez?! Não terá a solução total, mas terá uma solução à escala da italiana.

O Sr. Silva Marques (PSD): - É uma violência!

O Orador: - Sr. Deputado, será uma violência que, ern primeiro lugar, nos dá a garantia de que quem vota tem interesse na votação e, em segundo lugar, que virá a Portugal informar-se de quem são os candidatos, numa eleição personalizada. Porque lá nos confins, onde se encontram os nossos emigrantes, sabe-se tanto quem são os candidatos à Presidência da República como eu sei quem são os candidatos de segunda e de terceira ordem a presidência da tal Austrália.

Protestos do PSD.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Essa comparação não é legítima!

O Orador: - Por outro lado, o Sr. Ministro perguntou-me por que é que um português que vive na Austrália pode ser candidata e não pode votar. Mas eu respondo-lhe: porque se for candidato vem aqui fazer campanha eleitoral? nós saberemos quem ele é e ele fica também a saber aquilo em que se mete!
Agora, um indivíduo que vive na Austrália, que perdeu por completo a ligação a Portugal, que porventura já não fala português, que tem eventualmente uma segunda nacionalidade, que talvez não tenha sequer a possibilidade de ter um, papel portuguesa única forma de campanha eleitoral, quo se pode fazer nesse caso que possibilidade terá de votar fundamentada e informalmente, de forma genuína e democrática?
O Sr. Ministro diz que temos medo dos votos dos emigrantes. O que eu tenho é medo da falta de genuinidade dos votos dos emigrantes! Isso tenho! Do sentido de voto não tenho como é óbvio!

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Falou também no exemplo francês, Sr. Ministro, os votos dos emigrantes franceses, em relação à população de França, representam cerca de 10 % dos votos dos pousos emigrantes. Os emigrantes franceses não pesam no resultado eleitoral Mas os votos dos emigrantes portugueses, sobretudo se votassem por correspondência, sem a garantia de que eram eles próprios a preencher o boletim de voto, poderiam resultar na mais monumental chapelada que se pôde conceber) Isso nós não queremos, e é contra isso que nos revelamos.
O meu camarada João Cravinho, na última reunião da comissão política do meu partido, esclareceu todos sobre a afirmação que fez, dizendo que defendia que os emigrantes pudessem votar nas mesmas condições dos residente em Portugal, reconduzindo-se, portanto, aquilo que sugiro que o PSD faça.
Quanto ao Sr. Presidente Mário Soares, o Sr. Ministro citou um jornal, mas eu cito b próprio Presidente Soares em declarações feitos há dias. Terá ele dito o que o jornal que o Sr. Ministro citou diz? Não sei. Mas com certeza o que disse foi o que lhe ouvimos há apenas escassos dias - isto só para acabar com esta mistificação de mandar para aqui uns «projectinhos» de lei, que no fundo não são coisa nenhuma, apenas para voltar a discutir, pela enésima vez, o problema do voto dos emigrantes! Discuti-lo-emos todas as vezes que forem necessárias, necessariamente cada vez mais maçados e cada vez mais convencidos de que o PSD não quer mais nada sentido explorar mesmo esse tacto político!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, trinta e seis segundos apenas para lhe dizer que valeu a pena a sua intervenção porque veio mostrar claramente que estamos aqui num processo de «jogo de sombras».
De facto, os projectos que foram hoje discutidos -ou que teoricamente eram para ser boje discutidos, porque o PSD marcou uma sessão porá discutir aparentemente esses projectos não tinham nada a ver com a situação real que se colocava ao PSD e ao Governo. O que o Governo e o PSD quiseram foi aproveitar mais este argumento e mais esta sessão para exercer pressão politica sobre o PS, procurando que este ceda nessa questão, que o Sr. Ministro, muito claramente; referiu ser o grande pecado do sistema, em função do qual e por causa do qual tem de ser alterado. É só por causa desse pecado que tem de ser alterado. Essa é a grande questão, a única que, em termos dos projectos ern apreço, não está em discussão. De facto, esta é uma questão muito interessante!

Vozes do PCP: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - Finalmente, Sr. Ministro, gostaria de lhe dizer, em relação ao voto dos emigrantes; nos termos, nos moldes e com as condições que o PSD e o Governo propõem, tal como em relação à matéria de, pelo menos, dois dos projectos de lei que pretendem criar maiorias artificiais - quer para a Assembleia da República, quer para as autarquias locais -, que rios por esse caminho não iremos. E não é o PSD que nos exclui o PSD, agora, está na fase de querer excluir o PCP de tudo! Não é o PSD, nem o Governo que nos excluem! Somos nós que nos excluímos desse caminho! Por esse caminho, não iremos!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos, relativamente ao argumento que agora usou e que pretenderia justificar a posição do PS de não reconhecimento do direito de voto aos emigrantes, quero dizer-lhe que, se o vosso princípio for levado à prática, então, esta Câmara terá de ter um muito maior número de representantes dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro.
Sr. Deputado, temos de bater-nos aqui por princípios. E o primeiro é o de que esses emigrantes são tão portugueses como nós. E devo dizer-lhe que, até agora, a prática demonstrou-me que o número de Deputados que representam esses portugueses tem sido adequado. Mas é evidente que se a prática me vier a demonstrar que esse número é inadequado, estarei na primeira linha para dizer que o modelo deverá ser alterado.
E por que é que esse número de Deputados tem sido adequado? Neste momento, segundo as estatísticas, temos 4 269 072 cidadãos portugueses no estrangeiro, estando recenseados 175 000, e têm votado, em média, 33 %. Ora, como na última eleição votaram 59 243, quatro Deputados é uma excelente média. Portanto, temos aqui uma excelente representação. No entanto, se um dia se viesse a verificar que 2 milhões de emigrantes portugueses votavam, como nós, para esta Camará, eu estaria na primeira Unha a pugnar pela mudança do nosso sistema. Estaria lá!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Almeida Santos poderia não estar, mas eu não tinha medo do voto e estaria lá!

Aplausos do PSD.

Portanto, quando eu sentir que a representação não é correcta, estarei na defesa da sua correcção.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Almeida Santos usou o argumento de que poderíamos seguir o modelo italiano. Vai-me perdoar, mas em Itália, nesta matéria, nem os emigrantes nem os nacionais votam. Quem vota são os Deputados; é a Câmara e o Senado, pois a eleição presidencial é uma eleição indirecta. Nós estamos a falar ern coso» de eleições directos. Por que é que o Sr. Deputado não usa o modelo francês? Esse é que deve ser aqui tomado como comparação.
Perguntou também por que é que, apesar de tudo, nós aceitámos este sistema em 1975. E muito simples. Sr. Deputado: em 1975 nós «engolimos» muitas coisas por que queríamos ter uma Constituição.

O Sr. José Magalhães (PS): - Está-se sempre a descobrir coisas novas!

O Orador: - É verdade, Sr. Deputado! Não fique espantado com isso! Eu penso mesmo que, também em 1975,

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o PS engoliu algumas coisas! Engolimos todos, pois queríamos ter uma Constituição! E fomos inteligentes, porque, nessa altura, o mais importante era termos uma Constituição. Mas, ao longo do tempo, temos vindo a fazer aperfeiçoamentos para não termos de engolir o que engolimos naquela altura. Pensamos que esta é a altura de introduzir este aperfeiçoamento. Já fizemos muitos, e agora é altura de fazermos este que, aliás, deveria ter sido feito há muito tempo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Almeida Santos, declarou V. Ex.ª, na sua intervenção, que o PSD e o Governo quiseram criar um facto político. Não, Sr. Deputado! O que o PSD e o Governo pretendem é que os emigrantes possam votar! É isso o que pretendemos! Ao dizê-lo, tomámos este facto num facto político, de debate político, e era isso o que queríamos. Queríamos que a Camará, os emigrantes e o País debatessem este assunto. E, nessa medida, transportámos, voluntariamente, um facto esquecido para o terreno político. Por isso. Sr. Deputado Almeida Santos, é claro que se trata de um facto político, mas de um bom facto político, pelo qual nos batemos!

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado Almeida Santos, quanto à última questão, quero dizer-lhe que o texto que li não é de um jornal, mas, sim, de um manifesto político da candidatura do Sr. Presidente da República.

O Sr. Almeida Santos (PS): - O que diz o manifesto?

O Orador: - Diz o seguinte: «Finalmente, a participação dos emigrantes em futuras eleições presidenciais vem ao encontro de uma aspiração que se afigura justa.» É isto que vem mencionado num programa de candidatura do Sr. Presidente da República e não num jornal! Posso, se quiser, dar-lhe uma cópia.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - É um compromisso com os Portugueses!

O Orador: - Repito que, nesta matéria de ideias e de intenções do Sr. Presidente, só podemos guiar-nos por isto.
Sr. Deputado Octávio Teixeira fiquei contente conta sua intervenção. Pelo menos, deu-me a certeza de que fui claro, e isso deixou-me satisfeito. Ou seja, o Sr. Deputado percebeu que, para nós, o grande pecado do actual sistema é o não reconhecimento de voto aos emigrantes. Entendeu exactamente aquilo que pensamos, Sr. Deputado!
Mas o Sr. Deputado também diz - aí não entendeu bem - que usámos aqui um jogo de sombras. Isso, não! Se diz que fui tão claro, como pode afirmar que usámos um jogo de sombras?! A não ser que o Sr. Deputado ao referir-se a «jogo de sombras», quisesse apenas fazer uma alusão simpática à China... Mas, seguramente, essas questões não tem aqui cabimento...
Em resumo, se o Sr. Deputado percebeu que para o PSD e para o Governo o grande pecado do nosso sistema é o não reconhecimento do direito de voto aos emigrantes, então entendeu o essencial daquilo que eu disse.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, pretendo que a Câmara me informe se há consenso aceita do seguinte: apesar de se aproximar a hora regimental das votações, a discussão deste conjunto de diplomas ainda não está esgotada e o partido que requereu este agendamento gostaria que esta matéria fosse votada ainda hoje. Tenho o consenso informal da bancada proponente para que assim se proceda, pelo que, se ninguém se opuser formalmente, faremos a votação destes projectos de direito eleitoral no fim da sua discussão.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, não nos opomos, mas gostaríamos de saber se a votação é só na generalidade ou também na especialidade.

O Sr. Presidente: - É só na generalidade, Sr. Deputado.
Por outro lado, por razoes que ultrapassam os partidos representados na Câmara, gostaria que houvesse o mesmo consenso para a aprovação da proposta de resolução dos dois pactos internacionais a serem aplicados no território de Macau, que vamos apreciar de seguida. É de interesse nacional que esta aprovação seja feita ainda no ano de 1992.
Vamos, pois prosseguir com o debate.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.

O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente. Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Rever uma qualquer lei eleitoral não é, em princípio, drama algum; é até um bem, se as alterações que se pretendem introduzir visarem mais os eleitores que os eleitos ou, como neste caso, os elegendos.
Pois é este pressuposto, eu diria de lealdade politica, que se nos afigura não existir.
Embora o edificante desígnio da aproximação do eleitor com o eleito seja, com inefável candura, o primeiro dos argumentos expendidos, a verdade é que não é na plurinominalidade das listas que se centra o empenho dos propositores das presentes alterações.
Em toda esta iniciativa, o louvável propósito de responsabilização representativa funciona como barragem de fumo para, a coberto da mesma, se introduzirem disposições técnico-processuais que alteram substancialmente as regras do jogo actuais, mas, como sempre nestas coisas, a favor dos grandes partidos e com prejuízo grave para os pequenos, pese embora a relutância que confesso ter em utilizar este classificativo volumétrico para caracterizar partido cuja actividade: cívica e política nunca se não deveria avaliar pelo colorido dos seus comícios mas pela impressividade da sua mensagem.
Em primeiro lugar, a utilização do vocábulo «previsão» para invocar a legitimidade encontrada no artigo 152.º da Constituição é engenhosa e pretende sugerir uma solicitude e um zelo do partido propositor que estuo longe de existir. O que aquele artigo consagra, com efeito, não é a previsão, más tão-só a possibilidade da existência de um círculo nacional.
Em segundo lugar, este agendamento, nesta altura e tão voluntarista, denuncia uma certa pressa em consumar um

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sistema eleitoral que assegure, desde já, e porque o futuro se perfila nebuloso, a vantagem técnica e política de quem prossegue, por esta via, a manutenção de maiorias.
Em terceiro lugar, e já agora a propósito de pressa, refira-se a comovente candura, do partido propositor, ao invocar os argumentos de celeridade no processo de apuramento e de «operacionalidade e funcionalidade dos órgãos de soberania» para justificar o drástico encurtamento do período de campanha eleitoral para as eleições legislativas.
É claro que para quem dispõe dos argumentos da autoridade (leia-se «poder») e da docilidade do aparelho do Estado pouco tempo é suficiente para a sua campanha, tanto mais que uma campanha mais longa iria dar a possibilidade de mensagens de partidos considerados mais pequenos acabarem por passar e motivar os eleitores, o que, na sua concepção redutora de democracia, seria algo de inconveniente.
Pois inconveniente que não é, Sr. Presidente e Srs. Deputados!
Porque querer americanizar o espectro político português, fazendo distinguir os partidos, entretanto sobreviventes e bipolares, apenas nela estética do marketing, é uma violência cultural que o País não vai suportar.
A pluralidade e a diversidade de propostos não pode ser sustada pela via de uma certa manobra de engenharia eleitoral, mesmo quando assente nos mais irrepreensíveis argumentos técnicos.
Mas há ainda um quarto motivo pelo qual o PSN - e penso que este ponto coincidirá com outros partidos representados nesta Câmara - denuncia o carácter apressado e artificial desta iniciativa.
É que estar a instituir já 30 círculos eleitorais locais sem se ter antes consolidado a distribuição administrativa do País, já que se mantém pendente o processo de regionalização, é, no mínimo, um anacronismo.
E esta iniciativa pode assim, significar uma destas duas coisas, ou as duas em conjunto: para já garantir um sistema eleitoral favorável à reedição da maioria, na presunção de que o processo de regionalização irá sendo adiado; em segundo lugar, a consolidação de um sistema eleitoral que prescindirá, ern definitivo, da regionalização.
Para terminar, gostaria de informar que uma eventual, nova lei eleitoral, que apelidaria de «burguesa» não me vai impedir de, na próxima legislatura, estar aqui já acompanhado de muitos outros Deputados do PSN, já que ele cresce não por força da aritmética nas pela força da solidariedade, que agora tantos querem, incorrendo em plágio, adoptar como bandeira.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A nova tentativa do PSD e do Governo de alterar arbitrariamente as leis eleitorais por que nos temos regido só pode merecer a nossa rejeição. O PSD quer perpetuar-se, a todo o custo, no poder. Para isso, não olha a meios e avança de forma anticonstitucional para um inaceitável exercício de engenharia legislativa. Nada importa ao PSD e ao Governo, a não ser poderem dispor na Assembleia da República de maioria absoluta, mesmo com menos votação e com acentuada quebra percentual. Simultaneamente, quer transformar maiorias relativas em maiorias absolutas nas autarquias pretende impor ao País a sua vontade, «em respeito peia vontade das expectativas do* eleitores e com evidente desrespeito pelas minorias democráticas. Os seus objectivos são claros. Calculista, frio e implacável, o PSD não hesita. Com argumentação e iniciativas não credíveis, tenta desrespeitar e subverter o sistema eleitoral de representação proporcional, tal como está consagrado na Constituição. O universo eleitoral sairia francamente distorcido se as suas pretensões obtivessem qualquer apoio suficiente para as fazer aprovar.
O tema é sério e revela intenções muito preocupantes. Há que estar, no entanto, atentos. E esperemos quê outros não se deixem embalar ou aliciar por convites ou apetites de bipolarização partidária do nosso regime democrático. Sr. Presidente, sobre o voto dos emigrantes, que o Governo e o PSD tanto namoram, como não há proposta, nem pode haver, não há discussão da minha parte. Mas, depois de ouvir o Sr. Ministro da Administração Interna e a forma como argumentou, esse tipo de intenção só merece a minha oposição.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A democracia portuguesa não é, nem pode ser, feudo de ninguém. A democracia tem de ser defendida e aprofundada, não podendo, nem devendo, ser instrumentalizada ou governamentalizada. As medidas preconizadas pelo PSD e peio Governo não valorizam o regime democrático. Antes pelo contrario. Daí a minha oposição a tais iniciativas.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso, para o que dispõe de mais três minutos cedidos pelo Governo.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Peco-lhe, desde já, desculpa, Sr. Ministro, se não levar ern conta a sua intervenção. É que vou analisar o projecto do PSD e a interpretação brilhante que dele fez o Sr. Deputado Silva Marques. E entre o discurso do Sr. Ministro e as declarações do Deputado Silva Marques há algumas semelhanças, que quase me atreveria a classificar de puras coincidências.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Assegurar a identificação entre representantes e representados, a expressão plural das correntes políticas, a estabilidade dos sistemas e o controlo dos eleitos pelos eleitores são metas que surgem sempre como consensuais, quando se aborda qualquer reforma eleitoral.
É que poucos tem a coragem de assumir a sinceridade de Aristides Briand, quando proclamava, sem qualquer espécie de complexos: «Considero que uma reforma eleitoral levanta menos uma questão de princípio do que uma questão táctica.»
Sob a capa daqueles objectivos, as leis eleitorais são, com frequência, encaradas como instrumentos de engenharia política destinadas a perpetuar hegemonias partidárias.
A tentação de usar a geografia dos círculos, como meio de precondicionar os resultados eleitorais, é tão antiga quanto o sistema representativo.
Através de uma cuidadosa divisão do território, com vista à constituição de unidades correspondentes a uma determinada relação de forças políticas, e fazendo variar, ao sabor dos interesses dominantes, a dimensão dos círculos, é possível distorcer o significado das eleições.
A técnica é velha e o PSD não escapou à tentação e não hesitou em utilizar os mesmos argumentos de sempre: a maior aproximação entre eleitos e eleitores e o respeito pelo princípio da representação proporcional.

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Como se a aproximação eleito/eleitor decorrente, de forma automática, da dimensão do círculo, e a redução dessa dimensão, nos moldes em que nos é proposta pelo PSD, garantisse o respeito pelo princípio da representação proporcional, que só é susceptível de uma interpretaçâo: a garantia de uma expressão parlamentar plural.
A proposta do PSD - respeitadas as devidas proporções - lembra-me a lei eleitoral de 1901, que ficaria conhecida, na nossa história como a «ignóbil porcaria». Com ela, os círculos de Lisboa e do Porto eram divididos em dois, e a cada um deles adicionavam-se extensas zona rurais da época. O objectivo era simples: procurava-se diluir os votos da pequena e média burguesia republicanas na massa disciplinada dos votos rurais.
E, como é sempre útil encontrar boas razoes para maus motivos, também, já nessa altura, se justificava a lei, invocando-se o respeito pelas minorias - é verdade que se restabelecia a lista incompleta, mas o que se oferecia com uma mão retirava-se com a outra. É que, neste domínio, Srs. Deputados, há muito pouco paira aprender.
No escrutínio proporcional, a dimensão dos círculos tem uma influência decisiva no grau de representação das minorias. O PSD, ao reduzir a dimensão dos círculos, tentando iludir as suas consequências com a criação de um círculo nacional, mas atribuindo a cada eleitor um voto singular de lista, exercido simultaneamente para o círculo regional e para o círculo nacional, mais não faz do que beneficiar os partidos com maior votação e penalizar drasticamente as minorias. Isto ao arrepio total da filosofia que levou à adopção, pelo próprio PSD, do princípio da proporcionalidade para a atribuição dos mandatos no texto constitucional.
Mesmo no sistema de representação proporcional integral, o limiar necessário para a eleição de um Deputado é tanto maior quanto menor for o número de mandatos. Daí que as probabilidades de representação das correntes minoritárias variem na proporção inversa do número de Deputados a eleger no círculo.
A situação agrava-se, é óbvio, quando a atribuição de mandatos tem por base sistemas de proporcionalidade aproximada, em que aos efeitos directos da redução de Deputados de um círculo sobre a representação da» minorias, se adicionam as distorções que o método de apuramento comporta, e que tendem a beneficiar as listas mais votadas, como acontece com o método de Hondt.
Na sua exposição de motivos, o PSD afirma que o sistema proporcional «desenvolve todas as suas potencialidade» em círculos eleitorais de média dimensão (entre 6 e 10 mandatos)». Vamos dar de barato que o PSD enfim de o respeito por uma representação minimamente aceitável das minorias, com aquilo o que chama o desenvolvimento de toda as potencialidades do sistema proporcional. Desenvolvimento de potencialidade que, certamente, deve perturbar o Sr. Deputado Silva Marques, a ponto de as considerar seguramente arcaicas.

Risos do PS e do PSD.

Mas registemos porque é isso que importa, a confissão do PSD, ao falar nos círculos entre 6 e 10 Deputados, de que em 40 % dos círculos que nos propõe, essas potencialidades não são respeitadas. É que, se fizermos as contas, em 12 dos 30 círculos do território nacional o número de mandatos é igual ou inferior a 5.
O círculo nacional poderia compensar o efeito da redução da dimensão dos círculos regionais. Só que, para tanto, seria necessário que o apuramento se fizesse por aproveitamento dos restos e não pelo somatório dos sufrágios obtidos ern cada círculo regional, como o PSD propõe.
Em verdade se diga que o PSD, tolhido talvez por um certo pudor, limitou-se a justificar o círculo nacional pela necessidade imperativa não percebo bem porquê?! - de regulamentar o n.º 1 do artigo 2.º da Constituição, que consagra a possibilidade, a mera possibilidade, de um círculo nacional A adopção do sistema proposto pelo PSD conduziria ao esmagamento das minorias.
Os propósitos do PSD são claros. É, de certo modo, um «seguro de vida» que procura com o projecto de lei trazido a esta Assembleia. Mas não é tanto isso que me preocupa.
A experiência mostra que as operações de engenharia eleitoral não poucas vezes comportam efeitos perversos para os que delas se servem.
Os sistemas eleitorais são apenas uma parcela de um todo, pelo que quando se assegura a livre expressão da vontade popular, não garantem nunca, com eficácia, o condicionamento absoluto da expressão dessa vontade.
A adopção do princípio da proporcionalidade na atribuição de mandatos tem como única razão de ser a garantia da pluralidade da representação parlamentar.. Por isso, o que me preocupa, Srs. Deputados, é que quando os sistemas proporcionais são distorcidos e manipulados, de tal forma que não garantem aquela pluralidade, nada os justifica e são inaceitáveis. É isso que o PSD aqui nos propõe.
Para nós, a reforma do sistema eleitoral não é uma questão de táctica, é uma questão de princípio. Por isso, a proposta do PSD nunca poderia merecer o nosso acordo.

Aplausos do PS e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, e, muito especialmente, nos seguimento do debate, Sr. Deputado Lopes Cardoso: Considerei - e foi esse o meu grande desafio aos socialistas - que é um arcaísmo da vossa parte, depois dos últimos anos da evolução política e apesar das posições precursoras e actuais dos maiores socialistas, que vão muito mais longe do que nós no campo da atenuação do princípio da proporcionalidade, que «« senhores não aceitem - e transcrevo a minha afirmação «as atenuações mínimas à mística do princípio da proporcionalidade». Foi isto que disse, e considero que é, de facto, um arcaísmo.
Depois de tudo, dos anos, da evolução, etc., é um arcaísmo esse apego omníscio ao princípio da proporcionalidade, a ponto de não aceitarem a mais pequena atenuação, mínima, a esse princípio, ern favor do princípio de eficácia.
Por outro lado, considerei também e penso que o Sr. Ministro tem toda a razão -que são pretextos, é uma «cortina de fumo». Quando os senhores rejeitam a mínima atenuação ao princípio da proporcionalidade, o que, no fundo, não estão a querer é pôr termo, connosco, ao pecado a que me referi, na minha anterior intervenção, como «ferida nacional», porque considero que é uma ferida nacional. E disse que é preciso pôr termo a esta ferida nacional, a este pecada nacional para que se permita o

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reencontro final e talvez definitivo da nação portuguesa, na sua universalidade.
De facto, os senhores estão a tentar criar uma «cortina de fumo»! Não vejo qual a necessidade e qual a razão, esgrimindo o argumento, que também referi na minha intervenção, da revisão extraordinária. Respondi-vos com uma certa Unha de argumentos, tal como o Sr. Ministro, e bem, dizendo que a lei deve servir o homem e não o homem a lei. É evidénte que não devamos cair no abuso das revisões extraordinárias da Constituição, mas a ques» tão que se coloca é esta: entendendo os partidos abordar de novo a questão eleitoral, dos institutos eleitorais, aceitando os partidos...

O Sr. Presidente: -Esgotou o seu tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou terminar imediatamente, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, a questão é esta: aceitando os partidos que há razão para uma reforma eleitoral, será legítimo deixar, uma vez mais, os emigrantes de fora? É que se os partidos fizessem isso praticavam uma verdadeira humilhação. E aqui coloca-se outra questão: irão ou não o Partido Socialista e os outros partidos dar connosco o passo, esse novo nosso, de pôr termo ao «pecado» e sarar a «ferida» que tem dividido a Nação? Julgamos que nenhuma razão pode impedir-nos de, em conjunto, darmos esse passo, porque tudo o mais 6 susceptível de acordo.
Os vossos modelos são discutíveis e os nossos também. Vamos, pois, discutir, Srs. Deputados, sem medo de quem vai fazei chantagem sobre nós, porque alguém irá. Irão fazer chantagem sobre vós e sobre nós. Aliás, já referi que vão dizer: «eles estão novamente no bloco central», no entanto, não devemos ter medo de dar passos em conjunto.
Estou bem convencido de que vamos dar passos positivos em conjunto, para bem do nosso país, para bem da democracia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro, da Administração Intuiu: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta intervenção foi-me suscitada pelo discurso que acabou de proferir o Sr. Deputado Lopes Cardoso. E peço-lhes, Srs. Deputados do Partido Socialista, que entenda esta intervenção, bem como as outras que fiz, como uma contribuição para este debate, que pretendo que não feche portas, antes pelo contrário, que abra caminhos.
Sr. Deputado Lopes Cardoso, a sua intervenção no essencial, o que foi? Foi alertar para o perigo que existe -, em qualquer mexida num sistema eleitoral, das tentações da engenharia eleitoral. Foi o tema que escolheu -, e bem e fez dele o foco central, tema central, da sua alocução.
Ora, sobre esta matéria quero dizer algumas palavras. Todos podemos estar mais ou menos descansados em relação a essa questão, por uma razão simples: qualquer que seja a mudança que haja, a revisão que haja, nas nossas leis eleitorais, depois da última revisão constitucional, elas têm de ter o vosso e o nosso voto, no mínimo. Portanto, podemos estar sossegados.
Já agora, e por outro lado, também quero dizer-lhe uma coisa que é um pouco paradoxal. É que, há pouco, os senhores fizeram uma crítica ao nosso projecto, defendendo a proporcionalidade, e apresentaram um sistema que, do meu ponto de vista, é menos proporcional.
Sr. Deputado, os perigos da engenharia eleitoral, que não vão acontecer e que todos queremos evitar, são latentes no vosso projecto. As técnicas de Gerrymander podem, ser sempre muito mais bem usadas no vosso projecto do que no nosso. O nosso projecto é de 30 círculos, e não sei quantos círculos de apuramento vai ter o projecto do PS - na Dinamarca, aquilo a que chama distritos de nomeação corresponde a 103, para uma câmara de 175 Deputados -, mas, seguramente, vão ter 115 ou 112 círculos de apuramento, o que representa muitos mais do que no nosso. Ora, todas as técnicas de engenharia eleitoral de Gerrymander são mais perigosas quanto mais círculos existem. No entanto e repito- isso não é relevante, porque, do nosso ponto de vista» nada vai acontecer, uma vez que, quer nós. quer o Partido Socialista, vamos estar atentos. Como as coisas só podem ser feitas com o consentimento de ambos, nada vai acontecer.
Uma última palavra, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para dizer que para o Governo não é apenas a questão do voto dos emigrantes que é importante. Que isso fique aqui claro, de uma vez por todas! Entendemos que essa é a questão fundamental, mas isso não faz da actual lei uma lei injusta e iníqua. Apesar de tudo, temos uma lei que é justa è adequada à democracia e às escolhas democráticas no nosso regime.
Se procedermos à revisão desta questão melhoramos a nossa lei, se não a revirmos estamos a manter na lei um «pecado». Por isso, digo que esta é, de facto, a questão fundamental, que não pode ser ultrapassada nem esquecida em nenhum debate eleitoral.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate, na generalidade, dos projectos de lei n.ºs 224/VI, 225/VI, 226/VI e 227/VI, todos apresentados pelo PSD. A respectiva votação terá lugar após a apreciação da proposta de resolução n.º 17/VI, que estende ao território do Macau a aplicação do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e ao Pacto Internacional sobre Direitos Económicos Sociais e Culturais. Vamos passar, de imediato, a este último tema da nossa ordem do dia.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (Luís Filipe Menezes): - O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais constituem dois instrumentos fundamentais adoptados pelas. Nações Unidas, integrando um vasto leque de direitos humanos, desde o direito à vida até à liberdade de pensamento, de consciência e religião, entre outros, cuja aplicação se revela essencial num Estado de direito democrático.
Portugal procedeu à ratificação dos referidos Pactos Internacionais em 1978, através das Leis n.º 29/78, de 12 de Junho, e 45/78, de 11 de Julho, respectivamente, não tendo, contudo, efectuado nenhuma notificação relativa à aplicação territorial a Macau daqueles Pactos, nem tendo estes sido publicados no Boletim Oficial de Macau.
Em 1987, a Declaração Conjunta Luso-Chinesa sobre a Questão de Macau, assinada ern 13 de Abril, por razoes de circunstancia e conjunturais, não fez qualquer referência à aplicação ao território dos dois Pactos e, na mesma

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inha, estes também não foram considerados no projecto Já lei básica da futura região administrativa especial de Macau.
Estas propostas de resolução colocam neste campo, e em relação a estes direitos, Macau e Hong-Kong em pé de igualdade, dado que quer a Declaração Conjunta Sino-Britânica, quer à Lei Básica da Região Administrativa Especial de Hong-Kong estabelecem, neste caso, expressamente, a aplicação a este território destes dói» Pactos Internacionais. Esta homogeneização é particularmente positiva e necessária, dada a proximidade geográfica e as actuais e futuras ligações políticas, culturais e económicas entre estas duas regiões administrativas.
Atendendo à necessidade evidente de aplicação a Macau destes instrumentos, não só até 19 de Dezembro de 1999 mas, e sobretudo, após esta data, a partir da qual a Constituição portuguesa e o Estatuto Orgânico de Macau deixam de se aplicar a este território sob administração do Estado Português, entendeu o Governo, neste sentido, e após submissão do assunto ao Grupo de Ligação Luso-Chinês, apresentar à Assembleia da República a presente proposta de resolução.
Visa-se a extensão a Macau dos dois Pactas, salvaguardando-se, no entanto, de forma equilibrada, preocupações manifestadas pela parte chinesa no sentido de evitar que a aplicação dos mesmos pudesse .par em causa quer o Estatuto de Macau, quer a sua forma de Governo, quer a legislação aplicável sobre a entrada, saída e expulsão de estrangeiros.
Após a aprovação da presente proposta de resolução pela Assembleia da República, o Governo da República Popular da China compromete-se a providenciar para que seja inserida na lei básica da região administrativa especial de Macau uma cláusula estipulando a aplicação dos Pactos a Macau, na linha de abertura manifestada pela parte chinesa no Grupo de Ligação Luso-Chinês, para se encontrar uma solução para este tipo de problemas.
A aplicação a Macau dos dois Pactos Internacionais sobre os Direitos Civis e Políticos e sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais constituirá um factor essencial de garantia do respeito dos direitos humanos e da manutenção do modo de vida e das características do território após 1999, sendo fundamental para a confiança da população de Macau no seu futuro e, por consequência, para a estabilidade e desenvolvimento daquele território.
Finalmente, Sr. Presidente, uma palavra de agradecimento, por parte do Governo, à Assembleia da República, a todos os grupos parlamentares e, em particular, à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias por ter apreciado tão rapidamente, em dois ou três dias, as propostas de resolução do Governo, permitindo a sua votação, tal como foi proposto, antes do final do. ano.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o, Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados. Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: Aprovando esta proposta de resolução, a Assembleia; da República vai honrar, em nome do Estado Português, os compromissos assumidos com a República Popular da China não só no período recente, mas também no espírito da Declaração Conjunta Luso-Chinesa sobre a Questão de Macau, de 1987.
É um acto positivo. Por isso, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista deu aquiescência ao agendamento super-urgente deste texto e participou activamente na reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que, ontem à tarde, elaborou o parecer obrigatório sobre esta questão, aliás aprovado, por unanimidade, ò que nos apraz sublinhar e é de grande importância em termos de defesa dos interesses do Estado Português.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A Assembleia da República, por proposta do Grupo Parlamentar do PS, foi informada atempadamente, através da deslocação do Sr. Embaixador responsável pela condução destas matérias, sobre o conteúdo e o alcance das negociações realizadas com a República Popular da China e sobre os objectivos do Estado Português neste domínio, os quais são, clara e consensualmente, os de garantia do perdurar do modo de vida específico do território após 1999. Todas as medidas adoptadas neste contexto devem inserir-se e perseguir esse objectivo comum.
Trata-se, neste caso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, de aprovar uma proposta de resolução segundo uma metodologia sui géneris, na óptica do direito constitucional português, o que também gostaria de deixar sublinhado.
Após a aprovação desta proposta de resolução, a República Popular da China comprometeu-se a providenciar a inclusão de uma cláusula no texto da futura lei básica da região administrativa especial de Macau, que expressamente assegure, para todos os efeitos e de forma duradoura, a aplicação do conteúdo- útil dos Pactos, após 1999.
Gostaria de sublinhar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, três aspectos. Participámos na elaboração do relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre esta matéria e gostaria de reproduzir, por inteiro, o conteúdo desse relatório, sublinhando a importância que damos a cada uma das palavras que dele constam.
E gostaria também, Sr. Presidente, de realçar aqui três aspectos: em primeiro lugar, esta resolução é apenas uma aclaração. Ou seja, estamos a clarificar, e apenas a clarificar, aquilo que é o bom alcance e a boa interpretação sobre a vigência dos Pactos no território de Macau.
De facto, e em bom rigor, Macau goza da mais alargada malha legal protectora dos direitos fundamentais, desde logo, por força da Constituição, mas também de múltiplas normas intraconstitucionais, que são indissociáveis daquilo a que chamámos, chamamos e chamaremos o modo de vida do território. Essas normas protegem direitos económicos, sociais e culturais mas protegem também múltiplos direitos civis e políticos e, desde logo, o direito à vida - o direito dos direitos, como é evidente. Donde, a relevância, por exemplo, das normas que dó Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos constam sobre a pena de morte, que, na nossa óptica, não se traduzem, nesta proposta de resolução, num debilitamento de malha legal aplicável neste domínio, nem de um empobrecimento dessa malha legal, a qual é fortemente protectora do direito à vida, o que é extremamente importante sublinhar.
Em segundo lugar, gostaria de realçar que foi muito importante que se tivesse assumido, nos artigos 3.º e 4.º desta proposta de resolução, o conteúdo exacto daquilo que se entende serem restrições de vigência do alcance dos Pactos no território de Macau. Tudo fica claramente

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expresso nos termos que constam dos artigos que referi, não há qualquer segredo quanto a este ponto, não há qualquer dúvida, e isso é um factor de confiança junto daqueles que no território se inquietavam quanto ao. alcance daquilo que se chamava, impropriamente, reservas aos Pactos: Não se trata de opor reservas, mas de clarificar certos aspectos da vigência dos Pactos no território.
Finalmente, a última observação é para retomar a ideia de como nos congratulamos com o facto de ter sido possível aprovar, em prazo tão rápido e com tão ampla colaboração institucional, um texto que será importante para que o bom relacionamento entre Portugal e a República Popular da China permita o perdurar, para além de 1999, daquilo que são traços indistinguíveis e próprios do modo de vida daquele território.
O nosso voto, Sr. Presidente, é que esses objectivos sejam alcançados. Tudo fizemos, como era dever, para que eles sejam alcançados através da aprovação desta proposta de resolução.

Aplausos do PS e tio PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira.

A Sr.ª Margarida Silva Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ao vincar o apoio do meu grupo parlamentar à proposta de resolução boje em apreciação, gostaria de destacar alguns aspectos subjacentes a este problema que contribuem para esclarecer o significado político que a resolução pode e, no nosso entender, deve revestir, pois trata-se da aplicação de pactos relativos a direitos fundamentais e, portanto, de questões susbstantivas reforçadoras desses direitos.
Nesta sede, compete dizer que há, em Portugal, um lastro doutrinário que vem afirmando que esses direitos fundamentais, tal qual se encontram consagrados na ordem jurídico-constitucional portuguesa, tom já, nesta altura, sede própria também na ordem jurídica de Macau.
E evidente que a Constituição da República Portuguesa não é uma heteroconstituição, no sentido de que ela não pretendeu elaborar, para além do edifício constitucional português, o edifício constitucional de qualquer outro território, de qualquer outra realidade-política reconhecidamente distinta de Portugal.
Mas se isto é verdade, também não o é menos que sempre a definição jurídica do que seja a autonomia de Macau consentiu uma inserção principiológica na Constituição da República Portuguesa relativamente aquilo que se deve passar na ordem jurídica desse território e essa inclusão principiológica não pode arredar-se, cremos nós, da ideia de que toda a matéria sobre direitos fundamentais está automaticamente incluída.
Os direitos fundamentais são elementos conformativo-aglutinadores de qualquer Constituição, não é possível urdir uma tecitura jurídico-constitucional arredia da matéria dos direitos fundamentais e, por isso, entendemos que, de facto, é bem possível a invocação do argumento de que eles vigoram já, neste momento, em Macau. Neste sentido e no pressuposto de que os direitos em causa estão já em vigor naquele território, entendemos a proposta de resolução como uma realidade «garantística» do que deve ser a perduração de uma ordem constitucional preservadora dos direitos humanos mesmo depois da presença política e jurídica de Portugal no território.
E do mesmo passo que fazemos esta apreciação, sublinhamos o facto de isto resultar de um acordo bilateral e, portanto, de não estar aqui apenas presente a vontade do Estado Português.
Finalmente, uma última nota para dizer o seguinte: os governos de Portugal, sobretudo os que propugnaram pela clarificação das questões relativas a Macau a partir do momento da celebração dos acordos bilaterais, foram governos atentos à perduração de um património sócio-cultural português naquele território. Porém, é completamente impossível, cremos nós, marcar solidamente a presença de uma cultura se, ao mesmo tempo, não acontecer a presença, neste caso concreto em Macau, do aspecto mais essencial da nossa cultura política, que é a manutenção do Estado de direito.
Não pretendemos transportar para fora de Portugal qualquer resquício de ideologias, sobretudo num momento em que muitas das ideologias conhecidas e nascidas a partir de finais do século passado e que ganharam foros durante este século começam a cair ou a demonstrar processos de mutação bastante céleres.
A única coisa que pretendemos é que o cerne fundamental da dignidade da pessoa humana, do direito à Uberdade e. também alguns direitos sócio-económicos e sócio-culturais perdurem naquele território com o acicate normal que sempre o Estado de direito vai ter de enfrentar neste final de século e no entrar do próximo século, que é da sua adaptação a novas realidades, eventualmente menos racionalistas do que as que o marcaram ao longo deste seu tempo de vigência.
(A oradora reviu.)

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Gostaria apenas de dizer que esta proposta de resolução não suscita quaisquer problemas, em nossa opinião, quanto à sua aprovação, pois tanto o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos como o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, que são os que estão em causa, foram subscritos quer por Portugal quer pela República Popular da China. Aliás, estes dois países foram subscritores originários destes instrumentos de direito internacional e é como já foi explicado - de acordo com as partes intervenientes nas negociações bilaterais, entre Portugal e a China sobre o quadro normativo futuramente aplicável em Macau que se procede a esta clarificação, referente à aplicação destes Pactos a esse território, acautelando, tal como foi explicado, o pleno respeito pela Declaração Conjunta Luso-Chinesa sobre a Questão de Macau.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, a urgência da aprovação desta proposta de resolução foi-nos devidamente explicada em sede de Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. As razoes parecem-nos compreensíveis e, por isso, damos a nossa colaboração para que esta proposta de resolução possa ser aprovada, boje, por unanimidade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Sr: Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Geraldes.

O Sr. Luís Geraldes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Governo apresentou à Assembleia da República a proposta de resolução n.º 11/VI, que visa a extensão ao território de Macau da aplicação do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais.
A consciência universal do valor dos direitos humanos constitui um dos fenómenos políticos, culturais e jurídicos de significado mais profundo do nosso século. Entre estes direitos, cumpre salientar o direito à vida, que tem como corolário a inadmissibilidade absoluta da pena de morte, punição esta que, pela sua natureza desumana, por ser uma modalidade de tortura, está a ser progressivamente abandonada pela maioria dos países. Portugal congratula-se com este movimento, na medida em que foi o primeiro país do mundo moderno a abolir a pena capital, em 1876.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de 1948, reflecte o princípio de que os Estados membros se comprometem a promover, em cooperação com a Organização das Nações Unidas, o respeito universal e efectivo dos direitos do homem e das liberdades fundamentais.
Em conformidade com os princípios enunciados na Declaração Universal dos Direitos do Homem, foram assinados o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de 16 de Dezembro de 1966 e o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais da mesma data, que Portugal ratificou através das Leis n.ºs 29/78 e 45/78, de 12 de Junho e de 11 de Julho, respectivamente.
Considerando que estes Pactos Internacionais foram ratificados por Portugal em 1978, considerando ainda que o mundo atravessa um momento em que. os direitos humanos são, cada vez mais, um factor de decisiva importância no contexto internacional, tem plena justificação a extensão ao território de Macau dos referidos Pactos Internacionais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - De realçar que a vigência em Macau do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos; Sociais e Culturais, nomeadamente o artigo 1.º dos dois Pactos, em nada põe em causa o Estatuto de Macau, tal como ele é definido pela Constituição da República Portuguesa e pelo Estatuto Orgânico de Macau. De salientar ainda que a vigência em Macau destes dois Pactos em nada põe em causa as disposições da Declaração Conjunta Luso-Chinesa sobre a Questão de Macau, assinada em 13 dê Abril de 1987.
Sr. Presidente. Srs. Membros do Governo -, Sr. Deputados: Analisada que foi a proposta de resolução, a Comissão dos Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação foi unânime em reconhecer o alto significado da extensão ao território de Macau do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais e deliberou que a mesma se encontrava em condições de ser discutida em Plenário. E é de salientar que, tal como aconteceu na 3.ª Comissão» este relatório foi aprovado por unanimidade.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O artigo 3.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem consagra o direito à vida, à liberdade e à segurança. O artigo 6.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos consagra também o valor do direito à vida. Quis o destino que a Declaração Universal dos Direitos do Homem tenha sido aprovada em Dezembro de 1948. Foi também em Dezembro, mas de 1966, que o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais foram assinados. É igualmente em Dezembro, mas desta vez de 1992, que esta Câmara discute e aprova a extensão destes Pactos ao' território de Macau. Dezembro é mês de Natal, é mês de solidariedade e é período de reflexão. Será em 20 de Dezembro de 1999 que a República Popular da China assumirá o exercício da soberania sobre Macau. O Grupo Parlamentar do PSD formula votos, em Dezembro de 1992, para que o direito & vida seja respeitado em Macau para além de Dezembro de 1999.
(O orador reviu.)

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma vez que ninguém pretende usar da palavra, dou por encerrado este debate e vamos passar à votação de todos os diplomas discutidos ao longo da tarde.

Vamos votar, em primeiro lugar, na generalidade, o projecto de lei n.º 224/VI - Lei Eleitoral para o Presidente da República, apresentado pelo PSD.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, votos contra do PS, do PCP, do CDS. do PSN e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

Srs. Deputados, vamos passar ao projecto de lei n.º 225/VI, que contém alterações à Lei Eleitoral para a Assembleia da República.
Relativamente a esta votação suscitou-se uma dúvida a Mesa, dado, o disposto no n.º 6 do artigo 171.º da Constituição, no sentido de se seria ou não necessária a maioria de dois terços dos Deputados presentes para sua aprovação. Para além do argumento do n.º 6, que fala nas disposições das leis que regulam as matérias referidas nos n.º 1 e 2 do artigo 152.º e na alínea p) do artigo 167.º, tendo em conta que a votação na generalidade não é uma votação da disposições, da lei mas uma votação sobre «os princípios e o sistema de cada projecto ou proposta de lei» (é o que diz o artigo 153.º do Regimento) e, tendo em conta; sobretudo», a prática até agora seguida e nisso quero agradecer ao Sr. Deputado Almeida Santos o apoio que me deu -, aplicar-se-á aqui a regra geral da votação.

Vamos, então, votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 225/VI - Lei Eleitoral para a Assembleia da República, apresentado pelo PSD.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD votos contra do PS, do PCP, do CDS, do PSN e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

Srs. Deputados, passamos agora à votação, também na generalidade, do projecto de lei n.º 226/VI - Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu, apresentado pelo PSD.

Vamos votar, Srs. Deputados.

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Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS. votos contra do PCP e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé e abstenções do PS e do PSN.

Srs. Deputados, vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 227/VI - Lei Eleitoral para as Autarquias Locais, apresentado pelo PSD.

Vamos votar, Srs. Deputados.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, votos contra do PS, do PCP, do PSN e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé e a abstenção do CDS.
Srs. Deputados, passamos agora à votação da proposta de resolução n.º 17/VI -Estende ao território de Macau a aplicação do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais. Embora a formulação do texto constante da nossa ordem do dia dê a entender que há uma só votação, de acordo com o Regimento, e parece-me que correctamente, teremos de fazer duas votações, uma para cada pacto, visto que o artigo 207.º do Regimento diz que, nestes casos, o que se vota é o Tratado. Portanto, o Plenário discute o Tratado na generalidade, procedendo depois à votação global do mesmo e, como estão em causa dois tratados, teremos de fazer duas votações, ainda que a resolução seja apenas uma.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a doutrina que V. Ex.ª acabou de exprimir é, sem dúvida, válida face ao Regimento quando se trate de aprovar para ratificação convenções internacionais, qualquer que seja a designação. Mas, neste caso, trata-se de aprovar uma resolução que tende à extensão do âmbito de aplicação de dois pactos que já estão aprovados e até ratificados pelo Sr. Presidente da República Nesta matéria, Sr. Presidente, creio que o procedimento simplificado é o mais recomendado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo oposição, assim se fará...

Vamos proceder à votação global da proposta de resolução n.º 17/VI - Estende ao território de Macau á aplicação do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do Deputado independente Freitas do Amaral.

Srs. Deputados, passaremos agora à votação final global das alterações ao Decreto-Lei n.º 128/92, de 4 de Julho, sobre formação profissional após a licenciatura em 4 Medicina, o qual foi objecto de apreciação no Plenário na sessão de 6 de Novembro passado [ratificações n.ºs 34/VI (PCP) e 35/VI (PS)].

Tem a palavra o Sr. Secretário João Salgado para proceder à leitura do relatório da Comissão de Saúde sobre a matéria em apreço.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório é do seguinte teor.

Nas votações efectuadas, foram aprovadas por maioria alterações aos artigos 24.º, 27.º e 30.º e ainda o aditamento de um artigo 32.º-A, as quais são anexadas para efeitos de votação final em. Plenário.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global das alterações aprovadas em Comissão relativas ao Decreto-Lei n.º 128/92, de 4 de Julho, de que se deu conta.

Submetidas à votação, foram aprovadas, com votos a favor do PSD, do CDS e do PSN e votos contra do PS, do PCP e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, rejeitar-mos que os diplomas aprovados na generalidade baixem à Comissão Eventual para a Reforma das Leis Eleitorais. Aliás, pressupomos até que seria esse o entendimento da Câmara.

O Sr. Presidente: - Assim se fará, Sr. Deputado. Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos contra as alterações ao Decreto-Lei n.º 128/92, de 4 de Julho, por nelas se conter algumas disposições com as quais não concordamos. Aliás, apresentámos mesmo uma proposta de alteração no sentido de que o regime de exclusividade fosse da opção dos próprios internos, embora a aceitação dessa opção dependesse da direcção clínica de cada um dos hospitais.
O PSD, depois de algumas hesitações, votou contra esta nossa proposta, pensamos até que talvez contra alguns dos seus Deputados, mas esse problema é deles. Foi agora a nossa vez de votar contra e fizemo-lo por sabermos que a alteração que propusemos era indispensável, até porque; há uma contradição no texto do decreto-lei, precisamente a mesma que, em 1988, serviu à Sr.ª Ministra da Saúde para impor a exclusividade obrigatória. Nessa altura, fundamentou-se a exclusividade obrigatória com a necessidade de uma boa formação dos médicos e, agora, para nosso grande espanto, vem impedir-se a exclusividade com o mesmo argumento, ou seja, para fazer também uma boa formação.
Na verdade, pensamos que nunca se tratou disso; nem em 1988 nem agora. Em 1988, o que ocorreu foi um ambiente, de confronto entre o Ministério da Saúde e os médicos e a medida surgiu como um castigo que lhes era aplicado. Agora a situação é diferente, a conjuntura é de grandes problemas financeiros no Ministério da Saúde, com grandes endividamentos, pelo que existe a necessidade de. fazer economias à custa dos médicos, que perdem o direito à exclusividade mas ficam com a obrigação de cumprirem p mesmo número de horas de trabalho, ou seja, quarenta e duas horas. Isto é roubar os médicos,...

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O Sr. Duarte Pacheco (PSD): - Sr. Deputado, isso não é verdade!...

O Orador: -... é uma medida intolerável que não devia ser aceite. Por isso, votámos contra, depois de termos, apresentado uma proposta de alteração e de termos tentado convencer o partido da maioria tanto da seriedade com que a apresentámos Como da necessidade de apaziguar a classe médica.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para fazer uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Peixoto.

O Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados:. O Grupo Parlamentar do PCP votou também contra esta alteração ao Decreto-Lei n.º 128/92, de 4 de Julho, por duas razões fundamentais: em primeiro lugar, porque continuamos a entender que, apesar das alterações que lhe foram introduzidas, ela continua a retirar direitos adquiridos a médicos que já tinham iniciado o seu internato complementar; em segundo lugar e fundamentalmente, porque entendemos também que o tipo de formação que agora é exigido ao médico do internato complementar requer uma dedicação que não se compadece com ocupações fora do próprio serviço.
Em nosso entender, a dedicação exclusiva, em vez de ser obrigatoriamente retirada, deveria, para além de optativa, ser incentivada, para fomentar o interesse dos clínicos pela importância que tem o internato complementar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Paulo Cunha.

O Sr. Jorge Paulo Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Devo dizer que não posso, nesta brevíssima declaração de voto, deixar de estranhar o comportamento da oposição relativamente às alterações introduzidas ao Decreto-Lei n.º 128/92, de 4 de Julho, tanto mais que as medidas propostas não caiem em «saco roto», como tantas vezes costumam dizer.
Aliás, quero esclarecer os nossos colegas que as alterações votadas vão no sentido de colmatar uma injustiça que foi feita em relação a um conjunto de médicos, pois, ao contrário do que foi dito pelo Sr. Deputado Ferraz de Abreu, trata-se de, em vez de os roubar, dar-lhes os direitos que tinham perfeitamente adquiridos. Ou seja, de acordo com uma lei que entrou em vigor em Março e cuja aplicação retorquiu a Janeiro, os internos, que, como sabem, têm um estatuto especial de trabalho, não poderiam concorrer aos concursos públicos como vinculados à função pública. Alterou-se essa situação, de modo que, a partir deste momento, eles possam candidatar-se nesses concursos como se tivessem vínculo à função pública.
Não posso, pois, deixar de demonstrar alguma tristeza pejo facto de uma atitude que nos parece ser de grande abertura e perfeita justiça do Grupo Parlamentar do PSD ter a. resposta que acabámos de verificar por parte da oposição.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não posso também deixar de lamentar profundamente que aqui se tenha dito, de uma forma leve, que se está a pretender tomar atitudes menos correctas - foi até utilizada uma palavra que não me atrevo a repetir -, recordando ao Sr. Deputado Ferraz de Abreu e ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista que durante muito tempo tiveram uma opinião completamente diversa em relação à questão da exclusividade.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Isso não é verdade!

O Orador: - É evidente que agora me dirão que, afinal, eram contra a exclusividade obrigatória e a favor da exclusividade facultativa, em termos de o médico poder optar entre ter ou não exclusividade no hospital. Não me recordo desta segunda parte, mas é provável que isso tenha acontecido e não cometerei essa injustiça. Porém, o que na altura ressaltou do debate é que tinham, relativamente à questão da exclusividade, uma opinião muito diferente da que hoje explanaram aqui. Disseram até que o Governo andava a fazer coisas estranhas com os médicos, o que não posso deixar passar em claro.

Aplausos do PSD.

Risos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Não havendo mais inscrições, dou por concluídos os nossos trabalhos.
Da agenda da próxima reunião plenária, que terá lugar amanhã pelas 10 horas, constam declarações políticas e intervenções sobre assuntos de interesse local, regional e sectorial.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 40 minutos.

Declaração de voto enviada à Mesa, para publicação, relativa à votação, na generalidade, dos projectos de lei n.ºs 224/VI, 225/VI, 226/VI e 227/VI.
O Grupo Parlamentar do PSD apresentou, para discussão e votação na generalidade, um pacote de alterações às Leis Eleitorais para a Assembleia da República (projecto de lei n.º 225/VI), Presidente da República (projecto de lei n.º 224/VI), Parlamento Europeu (projecto de lei n.º 226/VI) e Autarquias Locais (projecto de lei n.º 227/VI), os quais foram aprovados por maioria, tendo baixado à comissão competente.
Apesar de ter votado favoravelmente os quatro projectos de lei, porque assim foi decidido pelo meu Grupo Parlamentar, não posso deixar de manifestar a minha discordância, nesta declaração de voto, em relação ao projecto de lei n.º 227/VI, sobre as autarquias locais, porquanto entendo que melhor sistema democrático é o que é feito com os partidos políticos.
Os 18 anos que levamos de plena democracia e os 16 anos de gestão democrática nas autarquias levam-me a pensar e a concluir que este modelo de regime político feito com os partidos, apesar de alguns sobressaltos e imperfeições, se coaduna com o sentir do povo português.
Os perigos que comporta esta alteração eleitoral para o poder local são, em meu entender, enormes, pois o controlo político pelos cidadãos dos eleitos em listas independentes é nulo, dado que estes, ao não se encontrarem vinculados a partidos políticos, não respondem e não assumem responsabilidades políticas, dado que as suas motivações deixam de ser de índole política e passam a ser de interesse ou de interesses duvidosos.

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Parece-me que, pelo contrário, devemos caminhar para uma maior abertura dos partidos políticos a estes cidadãos, que embora não filiados em qualquer partido, possam, pela sua capacidade e competência, dar o seu contributo em
defesa de uma causa comum.

O Deputado do PSD, Álvaro Viegas Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António José Caeiro da Motta Veiga.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
José Angelo Ferreira Correia.
José Pereira Lopes.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Mário Jorge Belo Maciel.

Partido Socialista (PS):

Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Poppe Lopes Cardoso.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Maria Odete dos Santos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António Maria Pereira.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
Manuel da Costa Andrade.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Pedro Manuel Cruz Roseta.

Partido Socialista (PS):

António José Martins Seguro.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.

Partido Comunista Português (PCP):

João António Gonçalves do Amaral.

Centro Democrático Social (CDS):

driano José Alves Moreira.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.

DIÁRIO da Assembleia da República

Depósito legal n.º 8818/85

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