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Quarta-feira, 6 de Janeiro de 1993 I Série - Número 25

DIÁRIO Da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 5 DE JANEIRO DE 1993

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário

SUMÁRIO
O Sr Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa de diplomas, de requerimentos e de respostas a alguns outros.
O Sr. Presidente, no início do novo ano, comentando diversos fenómenos políticos ocorridos em 1992, formulou votos de que o trabalho parlamentar decorra com acrescida qualidade, face à reforma que a Assembleia irá aprovar.
Em declaração política, o Sr. Deputado João Amaral (PCP) condenou a política do Governo em várias áreas da vida nacional.
Em declaração política, o Sr. Deputado Carlos Coelho (PSD) enalteceu a reforma do Parlamento com que a Assembleia inicia o novo ano.
Também em declaração política, a Sr.ª Deputada Isabel Castro (Os Verdes) alertou para os perigos do aparecimento de grupos neo-nazis e sua ideologia no nosso país. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Manuel Alegre (PS) e Lino de Carvalho (PCP).
Ainda em declaração política, o Sr Deputado Armando Vara (PS) deu conta à Câmara da proposta do seu parado no sentido da abolição de portagens em auto-estradas e pontes, tendo respondido a pedidos de esclarecimento do Sr Deputado José Manuel Maia (PCP).
O Sr. Deputado António Braga criticou a forma utilizada na atribuição de subsídios para o sector da imprensa regional.
O Sr Deputado João Rui de Almeida (PS) referiu-se à necessidade de melhorar e reconverter a rede viária do distrito de Coimbra.
O Sr Deputado João Granja da Fonseca (PSD) falou sobre o Quinto Centenário dos Descobrimentos Portugueses e a nossa integração na Comunidade Europeia
Foram lidos dois votos, o n.º 50/VI - De pesar pela morte de Francisco Ferreira (PSD) e o n.º 51/VI - De protesto pela violência verificada em recintos desportivos (PCP).
A Câmara aprovou doa pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos, sobre substituição de Deputados do PSD e do PS.
Ordem do dia. - Procedeu-se à apreciação conjunta dos projectos de lei n.ºs 5/VI - Revisão do regime legal dos inquéritos parlamentares (PCP), 53/VI - Regime jurídico das comissões eventuais de inquérito (PS), 55/VI - Estatuto dos Deputados (PS), 118/VI - Regime jurídico das comissões de inquérito (PSD), 119/VI-Alterações à Lei das Petições (PSD) e 120/VI-Alterações ao Estatuto dos Deputados (PSD) e dos projectos de resolução n.º 5/VI - Alterações ao Regimento da Assembleia da República (PS), 7/VI - Alterações ao Regimento da Assembleia da República (PCP), J2/VI-Alteração ao Regimento da Assembleia da República (PSN), 15/VI - Alterações ao Regimento da Assembleia da República (PSD), 20/VI - Propostas de alteração ao Regimento da Assembleia da República (Deputado independente Raul Castro), 23/VI - Alterações ao Regimento da Assembleia da República (Deputado independente Mário Tomé) e 24/VI - Proposta de alteração ao Regimento da Assembleia da República (PSN).
Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados José Manuel Maia (PCP), Fernando Condesso e Fernando Amaral (PSD), José Vera Jardim (PS), Manuel Sérgio (PSN), João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé (Indep.), António Lobo Xavier (CDS), Leonardo Ribeiro de Almeida (PSD), Isabel Castro (Os Verdes), Guilherme Oliveira Martins (PS) e Ana Paula Barros (PSD).
No final foram aprovados, em votação final global, os textos elaborados pela Comissão Eventual para a Reforma do Parlamento relativos ao regime jurídico das comissões de inquérito, ao regime de exercício do direito de petição, ao Estatuto dos Deputados e às alterações ao Regimento da Assembleia da República, que tiveram por base os diplomas atrás referidos.
Foi anula aprovado, em votação final global, o projecto de deliberação n.º 51/VI - Reformulação integral do Regimento da Assembleia da República e sua sistematização, apresentado pela mesma Comissão.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 20 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Abílio Sousa e Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Ana Paula Matos Barros.
Anabela Honório Matias.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Elói Franklin Fernandes Ribeiro.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Isilda Maria Renda Periquito Pires Martins.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Eduardo Dias Madeira Gouveia.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
João Manuel dos Santos Henriques.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Costa.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro António de Bettencourt Gomes.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Ana Maria Dias Bettencourt.

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António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos da Costa.
António Manuel Oliveira Guterres.
António Ribeiro Marques da Silva.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luis.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Edite de Fátima Santos Maneiros Estrela.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d* Oliveira Martins.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José António Martins Goulart.
José Eduardo Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
Apolónia Maria Alberto Pereira Teixeira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
José Fernando Araújo Calçada.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
João Carlos da Silva Pinho.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes:

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Mário António Baptista Tomé.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas, os requerimentos e as respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: proposta de resolução n.º 18/VI - Aprova, para ratificação, o acordo de transporte aéreo entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República da Turquia, que baixou às 4.ª e 7.ª Comissões; projecto de lei n.º 240/VI - Carta dos direitos das pessoas idosas (PCP), que baixou às 3.ª, 8.ª, 9.ª e 10.ª Comissões; projecto de lei n.º 241/VI - Alteração dos limites das freguesias de Oeiras, São Julião da Barra e Paço de Arcos, no concelho de Oeiras (PCP), que baixou à 6.ª Comissão; projecto de lei n.º 242/VI - Dá nova redacção ao n.º 3 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 338/88, de 28 de Setembro (Atribuição de alvarás e licenciamento de estações emissoras de radiodifusão sonora), do PS, que baixou à 3.ª Comissão; projecto de resolução n.º 42/VI - Convocação de um referendo pelo Presidente da República sobre a regionalização administrativa, do Deputado independente Mário Tomé.
Deu ainda entrada na Mesa o orçamento da Assembleia da República para 1993.
Nas últimas reuniões plenárias foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos: ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Fernando de Sousa, Álvaro Viegas e Marques da Silva; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Luís Peixoto; ao Ministério da Agricultura, formulado pelo Sr. Deputado António Martinho; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados Raul Brito e António Costa; ao Ministério da Administração Interna, formulados pelos Srs. Deputados Octávio Teixeira e José Calçada.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Agostinho Lopes, nas sessões de 19 de Dezembro e 11 de Fevereiro; Fernando Pereira, nas sessões de 9 de Janeiro e 16 de Julho; Luís Sá, nas sessões de 9 de Janeiro e 20 de Outubro; José

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Apolinário, nas sessões de 2 de Abril e 16 de Junho; João Proença, nas sessões de 17 de Junho e 28 de Outubro; Joel Hasse Ferreira e Vítor Ranita, na sessão de 9 de Julho; Guilherme Oliveira Martins, na sessão de 22 de Julho; Mário Tomé, Carlos Oliveira e António Carvalho Martins, nos dias l e 7 de Outubro; Macário Correia, Luís Filipe Madeira e Fialho Anastácio, na sessão de 15 de Outubro; Apolónia Teixeira, na sessão de 16 de Outubro; Adérito Campos, na sessão de 22 de Outubro; Isabel Castro, nas sessões de 20 e 22 de Outubro; João Amaral, na sessão de 27 de Outubro; Luís Peixoto, na sessão de 28 de Outubro; Álvaro Viegas, na sessão de 29 de Outubro; Jerónimo de Sousa, nas sessões de 30 de Outubro e 3 de Novembro; Cerqueira de Oliveira, nas sessões de 30 de Outubro e 12 de Novembro; António Filipe, na sessão de 3 de Novembro, e Manuel Sérgio, na sessão de 17 de Novembro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra, para uma declaração política, ao primeiro orador inscrito, gostaria, no início da primeira reunião plenária de 1993, de dizer algumas palavras a propósito deste momento inaugural ou natalício do ano civil de 1993.
A primeira palavra é para renovar os meus votos de que o período de descanso, que hoje acaba, tenha sido propício a todos - a cada um dos Srs. Deputados, às suas famílias e ao seu particular círculo de amigos. Neste meu voto propiciatório incluo também, claro é, todos os Srs. Funcionários, agentes de segurança e jornalistas, que assumiram para seu ofício, missão ou profissão a tarefa, sempre ingrata e menos vistosa, de apoiar, proteger e divulgar o trabalho diuturno dos Srs. Deputados no Plenário e nas comissões da Assembleia da República.
A segunda palavra é para lembrar uma lição que todos aqui sabemos, mas que 1992 claramente confirmou uma vez mais. Nisto se resume ela: os desafios políticos só se ganham, ou perdem, perante as pessoas concretas e na obra de resolução dos seus problemas reais. Por outras palavras: os temas próprios da actividade política não são teóricos, mas práticos; situam-se não tanto no domínio das reflexões filosóficas, das confabulações ou das ideologias, quanto na trivialidade do viver das pessoas comuns; não podem distanciar-se por muito no espaço e no tempo, antes precisam de estar por perto de quem em definitivo decide em democracia, isto é, do eleitor...
A comprovar tudo isso parece estar simbolicamente o que aconteceu na América. As eleições presidenciais não as ganhou aí quem levou a efeito operações espectaculares no grande teatro do mundo, talvez tenham sido perdidas por quem, apesar disso, se esqueceu do Arkansas. Assim também na Europa dos Doze, a batalha do ano não se ganhou com grandes frases e intensas campanhas de sensibilização e propaganda sobre uma «União Europeia» urdida e tecida por burocratas e políticos, mas cujos contornos o homem comum mal vislumbrava e cuja urgência de modo nenhum entendia. E isto viu-se exemplarmente nas votações referendarias ocorridas na Dinamarca e na França...
Em suma, talvez 1992 tenha mostrado de modo particularmente eloquente que, para a investidura democrática dos detentores do poder político ou para a legitimação dos seus programas de acção - e nisto se condensa o plebiscite de tous lês jours inerente ao regime democrático -, de pouco importará, como diria um grande poeta português, ir, ou querer ir, à índia, quando se deixa crescer a erva na eira!...
E com isto passo à terceira e última palavra. É o meu voto que 1993 seja um feliz ano parlamentar - o voto de que todas as forças políticas representadas nesta Câmara pelo sufrágio dos Portugueses, residentes dentro e fora das fronteiras, estejam atentas e saibam ser fiéis aos valores e promessas que apresentaram aos eleitores, de modo que a Assembleia da República contribua, a seu modo, isto é, ao modo pluralista, para «a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno» - como lapidarmente está enunciado no preâmbulo da Constituição da República Portuguesa.
O facto de esta reunião plenária ser preenchida por um debate sobre projectos de reforma do Parlamento, aliás, longamente ponderados pela comissão eventual constituída para o efeito, talvez valha como bom augúrio para o período de trabalho que hoje iniciamos. A verdade é que aquele objectivo primordial, definido pela Constituição, mal poderia na prática ser cumprido sem uma organização interna da Assembleia da República adaptada às circunstâncias de cada tempo.

Aplausos do PSD, do PS e do PSN.

Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os últimos dias de 1992 foram, infelizmente, marcados por alguns dos mais violentos ataques desenhados contra o poder local pela equipa de Cavaco Silva no Governo e no PSD.
O próprio Primeiro-Ministro, o que é espantoso, fez questão de ser ele em pessoa a lançar sobre as autarquias locais uma acusação falsa, a de delapidarem os meios financeiros ao seu dispor.
Toda a gente sabe que as autarquias locais têm sido quem tem rentabilizado com maior eficácia e melhor proveito as respectivas verbas.
O poder local democrático defrontou-se logo a seguir ao 25 de Abril com uma dramática situação de atraso e carências em todas as áreas da sua intervenção, incluindo em campos como o saneamento básico e o abastecimento domiciliário de água.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Nestes 18 anos o poder local mudou a face do País. E se não fez mais, porque não lhe foram distribuídas verbas suficientes, foi porque foi objecto de ingerências e boicotes sucessivos por parte da administração central e porque lhe foram sonegados milhões e milhões de contos em fraudulentos incumprimentos da lei.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Vir o Primeiro-Ministro falar em obras sumptuárias é dar um merecido tiro no pé, ele que é responsável pelos 40 milhões gastos no Centro Cultural de Belém e que, pelos vistos, tende a ficar como o maior monumento ao desperdício que foi concebido pela cabeça de qualquer português.
Espectáculo lamentável e degradante foi também o dado pelo Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações no programa «De caras» da RTP, onde foi responder pela sua política de habitação, ou, mais correctamente, pela ausência dessa política.

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A linha seguida pelo Ministro, para tentar explicar o rotundo fracasso do Governo no campo da habitação, foi a linha obsessiva do passa-culpas para o poder local. O Ministro - é preciso dizê-lo com clareza! - faltou à verdade. Atirou responsabilidades para as câmaras, quando ele sabe perfeitamente que são do seu Ministério. Acusou as autarquias de atrasos, que são provocados pela legislação que o seu próprio Ministério e ele mesmo propõem e fazem aprovar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O espectáculo foi, repito-o, degradante e penoso. O Ministro foi apanhado em falta, meteu os pés pelas mãos, gaguejou, deu o dito por não dito, e só se animava quando pensava que podia passar a bola às autarquias.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: há a Constituição, a lei, o orçamento, há todos os instrumentos de política que apontam para as responsabilidades nesta área do Governo e da administração central. E há também princípios exigíveis, como os da seriedade, os do conhecimento dos dossiers e os do sentido das responsabilidades, que se tem de exigir a qualquer alto dignitário da Administração, particularmente quando se trata de um membro do Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Quando um Ministro não assume as suas responsabilidades mostra uma profunda ignorância dos dossiers e permite-se faltar despudoradamente à verdade, atirando para cima de outros as suas próprias culpas. Afinal, que noção tem da função pública e da função política? Um jogo? Um faz de conta para enganar papalvos?
Não é isso falta de perspectiva ético-cultural, falta de sentido da dignidade do serviço público?
Mas o que mais grave releva deste comportamento do Ministro da habitação, como das afirmações do Primeiro-Ministro e de outros membros do Governo, é a falta de perspectiva sobre o que é o poder local e sobre o seu insubstituível papel na estrutura democrática do Estado. O Governo pratica uma perspectiva centralista e avessa à descentralização dos poderes do Estado, contrariando expressamente o que a Constituição impõe.
Este comportamento, como outros, de afrontamento à Constituição na área modal da estrutura e regras do Estado democrático e dos direitos fundamentais provam que, ao contrário do que propagandeia o Primeiro-Ministro, em Portugal existe efectivamente um problema de defesa do Estado democrático, um problema de liberdades, ameaçados por perversões de vária ordem, que configuram no seu conjunto a intenção de instauração de um regime centralista, governamentalizado, autoritário, de partido dominante e confundido com o próprio aparelho de Estado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - As ameaças que o Primeiro-Ministro faz ao poder local são uma afronta ao regime tal como ele está instituído e tal como emerge do 25 de Abril e dos seus ideais transformadores. São uma ameaça à democracia política tal como está desenhada na Constituição.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - São uma ameaça ao mesmo nível da ameaça que o mesmo Primeiro-Ministro fez aos partidos da oposição que não subscrevem as suas teses sobre a construção europeia e sobre o Tratado de Maastricht, querendo excluir esses partidos políticos, nesta Assembleia, do debate desta ou daquela matéria política.
Quem faz afirmações deste jaez é que demonstra, sem qualquer pudor, que quer violar as regras da democracia política e do regime democrático-constitucional.
Parece que há quem não tenha ainda percebido isto. Os sucessivos casamentos do PS com o PSD para a revisão constitucional e para a aprovação do Tratado de Maastricht levaram alguns à tentativa de explicar o bloco central como um bloco de regime. Há quem assuma como missão teorizar assim, mesmo sentando-se na bancada do PS.
Para não lhe chamar outra coisa, fico-me por lhe chamar «missão suicida» - pelo menos, para o PS.
Bloco de regime com um Governo e uma direcção partidária que militam no estrangulamento de direitos fundamentais dos trabalhadores, como o direito de greve? Um Governo e uma direcção partidária que visam a adulteração das regras de proporcionalidade eleitoral, que praticam o hegemonismo do PSD no aparelho de Estado, que não hesitam em utilizar os Serviços de Informações para vigiar opositores sociais, sejam estudantes, agricultores, sindicalistas, imigrantes ou quaisquer trabalhadores?
Um Governo e uma direcção partidária que não hesitam em desvalorizar datas históricas como o 25 de Abril, mostrando não compreender o seu significado, incluindo quanto à caracterização do regime democrático e à defesa e afirmação das liberdades?
Um Governo e uma direcção partidária que não hesitam em afrontar os poderes autónomos do Estado, como o Tribunal de Contas ou a Procuradoria-Geral da República, ou o Provedor de Justiça, só porque não obedecem às directivas governamentais, e por isso, porque exercem as suas próprias competências, são apodadas de «forças de bloqueio»?
E isto que esses teóricos do «Arco de Maastricht» têm de explicar, isto é, se é com esta postura do PSD que assumem um pacto de regime, um pacto contra a democracia política, como hoje está consagrada, contra a estrutura democrática do Estado, como hoje resulta da Constituição e dos mecanismos de representação e participação democrática que aí têm acolhimento.
Da nossa parte, PCP, rejeitamos a tese, como rejeitamos práticas de cumplicidade ou benevolência em relação a qualquer postura antidemocrática, autoritária ou centralista.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Interviremos em todas as questões nacionais ou internacionais, queira ou não o Sr. Primeiro-Ministro. Falaremos de fundos estruturais, participaremos no processo fora daqui, nas autarquias locais e também na Assembleia da República, com propostas concretas, correspondentes à nossa própria visão dos interesses nacionais e dos interesses do povo português.
E para os que não reparam ainda nos perigos que a política do Governo vem criando à democracia, veja-se o estado da sociedade portuguesa - há claros sinais de crise e doença -, veja-se a proliferação dos grupelhos nazis que actuam nos estádios de futebol, com total e estranha impunidade, fomentados por sinais de xenofobia, que, por exemplo, transparecem na anunciada proposta governamen-

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tal dos centros de concentração de imigrantes, fomentados ainda pelo espírito do «salve-se quem puder» que o cavaquismo promoveu a postura de Estado.
Evidentemente, toda esta postura que, no final de 1992, o Sr. Primeiro-Ministro assumiu publicamente não pode ser desligada do discurso alarmista que entendeu fazer acerca das condições de vida dos Portugueses.
Escolhendo como alvo o poder local em ano de eleições autárquicas, o Primeiro-Ministro mostra, mais uma vez, que o seu objectivo essencial é salvaguardar o Governo e que a esse objectivo sacrifica tudo, sejam princípios, seja a verdade.
O Primeiro-Ministro procura passar para cima das câmaras o ónus político do que chamou o «despesismo», para se tentar resguardar dos efeitos das dificuldades que as suas opções políticas causam ao povo português.
O Primeiro-Ministro faz estas acusações ao poder local num quadro em que tem de explicar o inexplicável. Por que é que, tendo o País como horizonte a duplicação dos fundos estruturais provindos das Comunidades, hão-de os cidadãos ver duplicadas as suas dificuldades e ver agravadas as suas condições de vida?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Boa pergunta!...

O Orador: - O ano de 1993 nasce assim com o próprio Governo a prometer e a anunciar más perspectivas, dificuldades, degradação do poder de compra, despedimentos.
Mas esta nem é a política necessária nem é a política desejável. O Primeiro-Ministro não consegue convencer ninguém de que é aceitável e desejável decretar que os aumentos de salários não passem os 6 %, deixando, contudo, que muitos preços aumentem mais que isso, como tem sido visível ultimamente em numerosos produtos que consumimos diariamente.
Por isso não conte o Primeiro-Ministro com a «compreensão» dos Portugueses para esta política de sacrifícios. Conte, sim, com um ano de muitas lutas, de oposição social firme e combativa e, da nossa parte, de clara oposição política, aqui e em todos os locais da vida nacional.
Aliás, quero já deixar aqui registada uma certeza. Num ano de anunciados e prometidos sacrifícios é inaceitável, e constituiria um insuportável escândalo para as instituições, que os políticos resolvam auto-aumentar-se acima de qualquer tabela!

Aplausos do PCP.

A função política deve ser justamente remunerada - é óbvio! Mas a remuneração das políticos não serve só as necessidades dos políticos, é uma bitola para apreciar o seu comportamento face à situação dos cidadãos e às suas perspectivas.
O mais elementar sentido de justiça, de que os políticos devem ser portadores, deve obrigá-los a pautar-se no quadro do País real, com respeito pela situação dos seus concidadãos.
Dizendo com clareza «não» a qualquer aumento extraordinário dos políticos, fazemo-lo, não só para defesa da dignidade das instituições, mas também em nome de um sentimento de justiça, que se nos impõe em todos os momentos e, mais ainda, hoje, na conjuntura de dificuldades que o Governo quer impor.
Reconheça-se, pois, essa justiça que é devida aos cidadãos!

Aplausos do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado
Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esteve bem o Sr. Presidente da Assembleia da República e a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares quando decidiram assinalar o início do ano com o agendamento da reforma do Parlamento.
De facto, Ano Novo deve significar vida nova.
A Assembleia da República precisava e precisa de vida nova, memorando o seu funcionamento, valorizando o trabalho das suas comissões, aumentando o protagonismo dos Deputados, estreitando a sua ligação com a sociedade civil e os eleitores.
Foi essa constatação que levou o PSD, no início desta Legislatura, a lançar o processo de reforma do Parlamento. Foi numa conferência de imprensa do meu líder parlamentar que o PSD divulgou as linhas mestras das propostas que viria a apresentar, desencadeando este processo.
E, Sr. Presidente e Srs. Deputados, seja-me permitido recordar dois aspectos que reputo com particular significado.
Em primeiro lugar, tratou-se de um acto de coragem.
É habitual serem as oposições a reclamarem a alteração das instituições. Em qualquer parte do mundo desenvolvido não é comum serem os partidos do poder, mais identificados com as suas expressões organizadas, a tomarem a iniciativa de reformar as instituições.
Fizemo-lo sem complexos de maioria ou de oposição. Fizémo-lo porque essa era a nossa interpretação do interesse nacional e porque decorria da importância que, como democratas, atribuímos à Assembleia da República às suas atribuições, ao seu funcionamento e à sua imagem e dignidade.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não cremas que seja sério lutar por um maior protagonismo e importância do Parlamento quando se está na oposição e moderar esses entusiasmos quando se é Governo. Esta atitude dúplice não conta com o beneplácito do PSD. No Governo ou na oposição, batemo-nos pela dignificação da Assembleia da República, a par do prestígio e da valorização de todos os órgãos de soberania.
Em segundo lugar, cumprimos até ao limite o desafio que lançámos de fazer uma reforma consensual.
Como bem sabemos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, nem a Constituição nem a lei obrigavam o PSD a buscar consensos alargados. Os votos do nosso grupo parlamentar seriam suficientes para aprovar os documentos que hoje sobem a votação final global. Mas dissemos, e continuamos a afirmar, que o jogo é mais claro quando todos fixam as suas regras.
Trata-se, neste caso, do funcionamento da Assembleia da República do mais exposto e representativo dos órgãos de soberania.
Para nós, estas questões são questões de regime. Não as confundimos com aspectos secundários nem as misturamos com a controvérsia partidária ela própria essencial à lógica da democracia e à função do Parlamento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O esforço que fizemos, e que outros fizeram connosco, saldou-se por um apreciável conjunto de inovações e melhorias e vieram dar razão a todos quantos de boa fé acreditaram que o consenso era possível.

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Resta-nos esperar que o empenho de que soubemos agora dar provas se possa igualmente verificar noutras importantes questões de regime, que, seguramente, teremos pela frente ainda nesta sessão legislativa.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: de que acusavam o Parlamento?
Acusavam-nos de não valorizar o debate político e de o Governo vir poucas vezes à Assembleia da República.
Por nossa proposta passam a existir: um debate anual sobre o estado da Nação, o debate mensal de actualidade, a participação do Governo no PAOD e maior iniciativa para os debates de urgência.
Acusavam-nos também de valorizar pouco o trabalho das comissões.
Assegurou-se maior visibilidade ao funcionamento das comissões; diminuiu-se o seu número e pretendeu-se aumentar e melhorar o seu funcionamento; criou-se uma moldura para os relatórios, que passarão a ser mais fundamentados e rigorosos, e valorizou-se a figura do relator, concedendo-lhe até em sessão plenária um estatuto próprio, que valoriza o seu protagonismo e promove a qualidade.
Acusavam-nos ainda de enfraquecer a função de fiscalizador do Executivo.
Além da maior presença dos membros do Governo anteriormente referida e consequência das novas figuras regimentais, alterou-se substancialmente o sistema arcaico e desinteressante das perguntas ao Governo, passando-se a ser particularmente exigente com a ratificação de decretos-leis aprovados ao abrigo de autorização da Assembleia sobre matéria da sua competência reservada; apertaram-se os prazos para a resposta aos requerimentos dos Deputados e valorizou-se o debate da Conta Geral do Estado.
Acusavam-nos de negligenciar o contacto com o eleitorado.
Passou-se a reservar, na organização quinzenal dos trabalhos da Assembleia, um tempo próprio para o contacto entre os Deputados e os eleitores; valorizou-se o instituto da petição, passando a Assembleia, quando reconhece pertinência à queixa do cidadão, a dispor da possibilidade de realizar uma diligência conciliatória; estabilizou-se o mandato do Deputado, pondo cobro às suspensões de curta duração e assegurou-se um sistema penalizante dos Deputados pouco assíduos às suas responsabilidades parlamentares.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: é certo que falta ainda o chamado 2.º pacote da reforma, onde se incluem matérias como a Lei Orgânica da Assembleia da República, a participação do Parlamento nas questões comunitárias e as questões ligadas ao Estatuto dos Titulares de Cargos Políticos.
É uma tarefa que devemos, desde já, abraçar para concluir no mais curto espaço de tempo possível.
Como importa também ter presente que muitos dos problemas do Parlamento têm a ver não com a forma como este se organiza mas com o processo de selecção e legitimação dos seus titulares.
Uma instituição é também o resultado daqueles que lhe dão expressão.
O Parlamento não é uma casa vazia. Vale pela controvérsia, pelo debate, pelo trabalho e pelo esforço dos que exercem a soberania em nome do povo.
Por isso, é deslocado pretender que as leis eleitorais nada têm a ver com este debate e esta reflexão. Importa
relermos que sem o aperfeiçoamento daquelas a reforma ficará coxa nos objectivos que nos propusemos para esta Legislatura.
E ficará, seguramente, para próxima revisão do Regimento o aprofundamento de tendências que, por timidez ou receio, não lograram ir mais longe.
Sustentámos, sem notado sucesso, que sem redução do tempo despendido com sessões plenárias era, e é, possível uma arrumação que preserve mais tempo para o trabalho em comissão, que queremos valorizar ainda mais. Não quiseram os outros Deputados ir tão longe quanto pretendemos. O tempo, estamos certos, dar-nos-á razão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: é indiscutível o investimento que o PSD fez neste processo, o tempo que lhe dedicámos, as energias que pusemos ao seu serviço e as figuras que emprestámos a esta causa. Foi com prazer e orgulho, por podermos contá-lo entre os nossos, que pedimos ao Deputado Fernando Amaral que aceitasse ser presidente da Comissão Eventual para a Reforma do Parlamento. Sabíamos, de antemão, que exerceria com superior isenção estas funções. É justo referir que devemos ao seu saber e experiência muitas das boas soluções adoptadas e não poucos dos importantes consensos alcançados. E é recordando o testemunho eloquente da sua presidência que recordo a postura do PSD.
Questões de Estado são questões de Estado. Não devemos, por isso, ter receio de fazer consensos quando o interesse do País o recomenda: não deve a maioria evitá-lo pelo gosto, duvidoso e inconsequente, de afirmar a sua capacidade de liderança; não deve a oposição afastá-lo pela necessidade forçada de evidenciar o seu afastamento e marcar a diferença.
Na maior parte das questões, as nossas diferentes propostas políticas tornam evidente, sem ser necessário recorrer a artificialismos, que trilhamos caminhos diferentes.
Nestas questões, Sr. Presidente e Srs. Deputados, importa o consenso tão largo quanto possível e tão fundamentado quanto formos capazes.
Se formos capazes de tanto, seremos, com certeza, capazes de mais ainda.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada
Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs Deputados: O ano findou e, com ele, a maior vaga de protesto contra o racismo e a xenofobia que a Europa nos últimos anos conheceu. Verificaram-se manifestações gigantescas, um pouco por todo o lado, de repúdio contra o horror, a bestialidade, o ódio e o autoritarismo que o racismo e a xenofobia representam, bem como protestos contra símbolos de uma era que representou sofrimento para a Humanidade e cujos sinais, durante a última década, muitos tardaram em interpretar, agindo e teimando acreditar fazerem parte de um passado morto e enterrado.
O racismo e a xenofobia não são ficção: vivem, manifestam-se, já não de modo submerso, mas marcando violentamente o quotidiano, através da intolerância, da marginalização, da violência, da agressão e da morte, sem fronteiras, profanando túmulos, perseguindo imigrantes, espancando refugiados, africanos, judeus, ciganos, árabes, estrangeiros, marcados pelo estigma único da diferença a diferença da cor, da raça, da religião, da cultura, do país, um estigma que os obriga a viver acossados pelo medo da violência.

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É uma violência que mergulha na crise profunda que abala o Planeta e que se alimenta dos desequilíbrios regionais e sociais e da ruptura ecológica, responsável pelo êxodo de povos que, condenados à desertificação, à fome e à opressão, buscaram e buscam noutras latitudes a sobrevivência, o abrigo e, não raro, a liberdade que agora hipocritamente se lhes nega. Uma violência que da insegurança, do desemprego e da incerteza quanto ao futuro faz bandeira, não para bramir contra as causas da crise, que ignora, mas, antes, para agitar primariamente contra os mais indefesos, aqueles que, porque diferentes, porque não normalizados, se tornam presa fácil e bode expiatório para todos os males.
O racismo e a xenofobia atingem assim, assustadoramente, uma nova dimensão, não só no agravamento e multiplicação das suas acções agressivas mas também na sua própria organização política e expressão eleitoral, o que sucede na Bélgica, em França, na Alemanha, na Aústria, em Itália e em Espanha, mas igualmente em países tradicionalmente considerados tolerantes, como a Suécia e a Dinamarca, que recentemente, em actos de violência de grupo e em eleições, concluíram que não estão imunes ao fascismo e ao racismo e que estes agem articuladamente.
É perante tudo isto, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que é útil que, no início deste novo ano, nos questionemos sobre Portugal.
É lugar-comum afirmar-se, porventura para descanso de algumas consciências e com esta mania de tudo facilitarmos, que somos um país de brandos costumes, doce e tolerante, onde o racismo não tem expressão significativa e que somos uma sociedade multi-racial. É até costume lembrar, a propósito, a nossa fácil relação com outros povos, resultante de um colonialismo exemplar que teria favorecido tal facto. Nada de mais enganador e um mito que importa desmontar, não tanto hoje e agora para julgar o passado e avaliar a real dimensão do chamado «encontro de culturas» que o assinalaram, feito de esmagamento cultural, de humilhação, de dor e, não raro, de violência brutal, ou para lembrar uma guerra colonial que hoje muitos querem apagar da memória, mas antes para permitir ver a realidade para além das fachadas, se efectivamente sobre ela queremos agir.
O racismo existe, presente nos ditos, nas anedotas, de forma ingenuamente subtil, mas presente também nos factos: espancamentos, agressões, mutilações, mortes até. Homossexuais, militantes de esquerda e sobretudo africanos são o alvo preferencial. A lista é longa, a impunidade, total. A prová-lo está o facto de serem muitas vezes os próprios agentes da autoridade, supostos defensores da lei, a protagonizá-la.
A lei, essa, é clara: proíbe actividades de organizações fascistas, impede a formação de partidos nazis e garante a igualdade de todos, impedindo que alguém possa ser prejudicado ou privado de qualquer direito em razão da raça, da língua, do território de origem, da religião ou das convicções políticas. Obviamente não tem chegado!...
Sr. Presidente, Srs. Deputados: a televisão deu-nos não há muitas meses, através de imagens acusatórias, o impiedoso testemunho de um jovem guineense barbaramente espancado, até à cegueira por agentes da PSP em Vila Nova de Gaia. São imagens que - estou certa - não deixaram de tocar profundamente muita gente e causar a mais viva repulsa e repúdio por poderem acontecer no nosso país.
É uma situação que não pode ficar impune - e certamente muitos partilharão desta opinião-, mas esse é o anti-racismo mais fácil, aquele que, pelo carácter excepcional, pela brutalidade limite, torna os consensos mais fáceis. Importa alargá-lo a outras áreas porventura menos conscientes. O racismo enquanto exclusão dos outros é mais profundo, está interiorizado, é social, é cultural, é, como hipótese, não admitir viver numa zona habitada por indivíduos de outra raça é sentir-se inseguro por ter ciganos perto, é recusar a hipótese de ter negros na família é pensar que os imigrantes vêm roubar emprego.
Mas racismo é igualmente uma realidade vivida. É a expulsão de residências universitárias de estudantes só por serem africanos. É o espancamento de um homem por ser angolano. É a recusa em alugar quartos por se não ser branco. É a segregação em turmas diferenciadas de crianças ciganas ou africanas. É a segregação física e a marginalização de imigrantes e de minorias étnicas que os bairros de lata onde vivem não podem esconder, sem saneamento básico, sem electricidade, em habitações degradadas nas periferias mais pobres da cidade, a favorecer a «guettização», o isolamento e a marginalidade. É a exclusão dos meninos sem condição, crianças que a escola dificilmente está em condições de apoiar, condenadas ao insucesso escolar e a ficar à margem da sociedade, gerando a prazo fenómenos de exclusão porventura mais violentos. É negar o acesso aos cuidados de saúde, à informação, ao planeamento familiar, a uma população em si mesmo fragilizada e vulnerável. É obrigar homens a cumprir horários desumanos, sem quaisquer condições de segurança, com salários de miséria sem protecção, na total clandestinidade.
Isto passa-se em Portugal, no país que se reclama de uma privilegiada relação de cooperação com África.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: o combate ao racismo é de hoje e não pode ficar adiado. Exige uma estratégia para a igualdade e para a inserção social das minorias étnicas, respeitadora da sua diversidade e identidade culturais. Exige mudanças sociais, mas também de mentalidade, e uma nova atitude cultural.
É uma responsabilidade de todos: das igrejas, das associações e movimentos de solidariedade, dos sindicatos, dos partidos, de todos e de cada um de nós que aqui estamos. Mas é uma luta que não pode ser feita de abstracções nem de meras boas vontades. Obriga a uma acção determinada do poder, do Governo, uma acção coerente com os princípios de solidariedade de que se faz apanágio.
O anti-racismo não é um estado de alma. No ano que de novo se inicia com a extrema direita a persistir fazer do futebol veículo privilegiado de expansão, com pontas-de-lança cada vez mais visíveis de movimentos racistas e neo-nazis, não é compreensível que se fique de braços cruzados.
Portugal tem estado na rota da extrema direita europeia: cruzes celtas simbolizando a raça branca, emblemas da Legião e da Mocidade Portuguesa símbolos nazis e bandeiras com suásticas empunhadas por jovens invadiram o nosso espaço. Importa juntar dados e interpretá-los.
O racismo é uma doença da Humanidade. Tal como para a preservação da Natureza o princípio da prevenção conta também aqui faz sentido agir em defesa da vida e do direito à diferença. É, pois, recorrendo à sabedoria popular, que diz que mais vale prevenir que remediar, que lançamos a proposta de que um profundo debate se faça

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urgentemente neste Parlamento, no ano que agora se inicia, sobre o racismo e a xenofobia em Portugal... enquanto é tempo!

Aplausos do PCP, do Deputado Manuel Alegre, do PS, e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr.ª Deputada Isabel Castro, partilho, no essencial, das preocupações manifestadas pela Sr.ª Deputada.
Quero apenas sublinhar que os símbolos neo-nazis estão a aparecer também em Portugal, sobretudo nos estádios de futebol. Assistimos às imagens, repugnantes, afrontosas e vergonhosas, que a televisão portuguesa transmitiu no passado fim-de-semana, mostrando símbolos e bandeiras neo-nazis ostentadas por elementos das claques durante o desafio de futebol que opôs o Belenenses ao Benfica e a agressão ao funcionário do marcador do estádio do Belenenses.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Esses símbolos e bandeiras neo-nazis têm aparecido noutros estádios e no decorrer de outros desafios de futebol.
As mesmas imagens mostraram-nos também a impotência, a complacência ou a cumplicidade da polícia.
O que pergunto à Sr.ª Deputada, colocando de uma forma geral o problema, é se devem ou não ser tomadas medidas imediatas para proibir que esses símbolos, que nunca apareceram tão despudoradamente em Portugal, continuem a ser exibidos nos estádios e para obrigar a polícia a cumprir o seu dever e a fazer respeitar a Constituição, que expressamente proíbe a divulgação e ostentação de símbolos neo-nazis.

Aplausos do PS, do PSD, do PCP e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino e Carvalho (PCP): - Sr.ª Deputada Isabel Castro, quero, em nome do meu grupo parlamentar, saudar a Sr.ª Deputada e o Grupo Parlamentar de Os Verdes por terem trazido, hoje mesmo, à sessão plenária, com plena actualidade, uma intervenção sobre a generalização com que começa a aparecer, em vários países da Europa (incluindo Portugal, como referiu o Sr. Deputado Manuel Alegre), a simbologia nazi, motivadora de atitudes autoritárias, que nos fazem lembrar outros tempos e que ninguém quer ver retornar a Portugal, em particular a partir dos campos de futebol e desta actividade lúdica desportiva.
Nesse mesmo sentido, acabámos de apresentar na Mesa um voto sobre esta matéria, que poderá mesmo, se houver consenso, ser votado hoje, no qual expressamos uma ou duas preocupações sobre as quais gostaríamos que a Sr.ª Deputada viesse a reflectir.
Uma dessas preocupações reside na necessidade de serem tomadas medidas preventivas que impeçam, designadamente nos estádios de futebol e a propósito de manifestações desportivas largamente cobertas pela comunicação
social, o aparecimento e a generalização de símbolos nazis motivadores da violência e de todas as características ligadas a essa simbologia. É esse um dos aspectos que frisamos no voto que apresentámos, onde, naturalmente, repudiamos a onda que, sobretudo no passado fim-de-semana, perpassou por alguns dos nossos estádios de futebol, em relação à qual certamente esta Assembleia se deverá pronunciar, repudiando-a e procurando, em conjunto com os organismos executivos, as direcções dos clubes desportivos e os próprios órgãos de comunicação social, que se tomem medidas enérgicas no sentido de evitar que este fenómeno se generalize e propague.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: responderei em conjunto aos pedidos de esclarecimento formulados pelos Srs. Deputados Manuel Alegre e Lino de Carvalho, porque de algum modo se articulam entre si.
É nosso entendimento - e é esse claramente o sentido da intervenção que produzi - que o racismo em Portugal tem sinais visíveis. Do nosso ponto de vista, é também claro que a nossa lei não deixa quaisquer dúvidas relativamente à proibição das actividades de organizações fascistas em Portugal. Esse princípio está consagrado na lei, como também acontece, aliás, com a garantia de que ninguém pode ser discriminado em função da sua raça.
É, por isso, nossa convicção - afirmámo-la na nossa intervenção - que o anti-racismo não é um estado de alma nem pode viver de abstracções. Entendemos que a visualização e constante utilização do fenómeno desportivo, como espectáculo de massas, para veicular símbolos fascistas e neo-nazis constitui uma questão - é esse o sentido do nosso apelo e da nossa intervenção - que nos deve fazer reflectir em Portugal e impedir de ficar de braços cruzados e de continuar a dizer que vivemos num país tolerante, onde o racismo não tem expressão nem significado.
Em nossa opinião, as manifestações públicas que têm sido feitas, a pretexto do fenómeno do futebol como fenómeno de massas, devem ser claramente punidas e não devem ser permitidas, porque, como é óbvio, é essa a forma mais fácil de a extrema direita utilizar um espectáculo de massas para visualizar símbolos, cuja passagem e banalização acaba por vir a desculpabiliza! e a retirar o sentido e o significado, profundo e grave, que eles têm.
A nossa história recente não nos deve fazer omitir o passado. Assume para nós extrema importância que a questão do racismo e da xenofobia seja analisada e discutida de uma forma mais aprofundada.
É esse o objectivo da nossa proposta de debate futuro. Para já, pensamos que deve ser banida dos estádios de futebol a utilização que tem sido feita de símbolos nazis e fascistas.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.

O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A alteração da portagem na Ponte 25 de Abril lançou a confusão nos acessos da margem sul a Lisboa. Com esta medida, o Governo afundou no Tejo o

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equivalente à receita de quase um ano de portagens. Esta alteração apenas serviu para desbaratar 2,1 milhões de contos, pois que, mesmo a funcionar em boas condições, não melhorará a acessibilidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Se acrescentarmos a esta quantia a verba gasta em publicidade nos últimos dias e a diminuição de receitas resultante da suspensão do pagamento da portagem, estaremos muito próximos dos 3 milhões de contos.
Uma primeira interrogação que esta questão suscita tem a ver com a forma como são gastos os dinheiros dos contribuintes. Como justifica o Sr. Primeiro-Ministro, depois dessa cruzada contra o despesismo, este desbaratar de dinheiros públicos em obras sem nenhuma utilidade? Como se sentirão os milhares de cidadãos que todos os dias passam horas em longas filas para chegar ao seu local de trabalho, ainda por cima obrigados a pagar uma portagem, quando vêem o seu dinheiro lançado fora desta maneira?
Uma segunda questão tem a ver com a existência de portagens. Ora, os argumentos em favor das portagens andam sempre em torno da necessidade de financiar o investimento, da necessidade de assegurar os custos da manutenção ou como instrumento regulador do tráfego (ou da procura). Ou seja: quando o investimento está pago, inventam-se os custos de manutenção, e se esse argumento não chega, usa-se o da regulação no tráfego (ou da procura) e as portagens tendem a eternizar-se, deixando, na prática, de ser uma taxa e, portanto, a contrapartida de um serviço, para passar a ser mais um imposto.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - Será justo obrigar cidadãos que diariamente se deslocam de casa para o trabalho a pagar uma taxa, ainda por cima quando a infra-estrutura de que se servem está paga há vários anos?

Vozes do PS: - Não!

O Orador: - Será justo penalizar o uso do automóvel, quando não existe um serviço de transporte alternativo eficaz?

Vozes do PS: - Não!

O Orador: - Será justo continuar a pagar portagem, na totalidade, numa auto-estrada que, por estar em obras, não permite a circulação em condições de rapidez e segurança exigidas de uma auto-estrada, como acontece nas nossas auto-estradas, quase todas permanentemente em obras, em muitos casos resultantes da apressada entrada em funcionamento, pelas razões que todos bem conhecemos?

Vozes do PS: - Não!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: consideramos que toda esta situação deve ser repensada. Não somos, pois, contra a existência de portagens sempre que tal se revele a melhor solução; o que somos é contra esta tendência para sobrecarregar o cidadão com taxas para tudo: taxas moderadoras na saúde, taxas na educação, taxas nas auto-estradas, taxas nas pontes, taxas de radiodifusão, taxas, taxas, taxas...

O Sr. António José Seguro (PS): - É o Governo mais taxista!

O Orador: - Enquanto os impostos não param de subir, o Governo revela-se o mais gastador de sempre e os serviços degradam-se de dia para dia.
Influenciado por essa nova moda liberalizadora que consiste em deixar tudo entregue ao mercado, o Governo descobriu, nos últimos anos, dois novos sócios a quem não tem de distribuir dividendos para financiar os investimentos do Estado: o primeiro, a Comunidade Europeia, através das contribuições provenientes dos diversos fundos a título de comparticipação nos investimentos; o segundo, todos os cidadãos, que são contribuintes para pagar os impostos que lhes são próprios e que, de seguida, passam a chamar-se utentes para serem onerados com taxas no uso de infra-estruturas ou na prestação de serviços criados com o dinheiro dos seus impostos.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: vamos apresentar um projecto de lei com o objectivo de reformular o sistema de portagens nas infra-estruturas de transportes rodoviários e que contemplará os seguintes princípios: em primeiro lugar, a suspensão do pagamento de portagem nos troços em obras nas auto-estradas do País.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo, a não existência de portagens nas deslocações no interior das áreas metropolitanas sempre que não existam soluções alternativas de transportes eficazes,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: -... no caso da Área Metropolitana de Lisboa as rodovias interiores ao perímetro definido pela Circular Exterior de Lisboa (CREL).

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em terceiro lugar, no caso da Ponte 25 de Abril, a suspensão do pagamento de portagem até que se verifiquem as condições aceitáveis de fluidez de tráfego e a existência de soluções alternativas de transportes.
Neste caso concreto, a suspensão do pagamento é a única solução justa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Governo reconheceu já que a alteração da portagem foi executada com precipitação e alguma incompetência. Não tardará, pois, a arranjar um bode expiatório. Se tivesse dado ouvidos às interrogações aqui levantadas por Deputados do PS, teria evitado toda esta confusão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mais tarde ou mais cedo vai ter de dar ouvidos as vozes que se levantam contra o aumento da portagem, agora com o objectivo de custear a construção da nova ponte, porque se não é aceitável continuar a pagar uma taxa pela utilização de uma infra-estrutura que já está paga há muitos anos, é, de todo, imoral obrigar milhares de cidadãos ao pagamento diário de uma taxa para custear uma nova ponte cuja localização, todavia, não ajudará à resolução dos seus problemas.

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O Sr. Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações confirmou, neste caso, que a política que verdadeiramente lhe interessa é a política do espectáculo, qualquer que seja o seu custo, a sua inutilidade social ou a sua imoralidade.
O que o PS exige resume-se numa palavra: acabe-se com esta imoralidade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Armando Vara, gostaria de lhe colocar algumas questões, ainda que de forma breve.
Começo por referir que as questões aqui trazidas não são matéria nova. Aliás, penso que é do conhecimento do Sr. Deputado a existência de iniciativas do PCP, uma delas para a abolição das portagens até Vila Franca e outra, juntamente com o Sr. Deputado Mário Tomé, para a abolição da portagem na Ponte 25 de Abril.
Na nossa perspectiva não deve haver na Área Metropolitana de Lisboa portagem alguma, mesmo havendo alternativas. Ou seja, serão apenas as alternativas de um bom e real transporte público que farão com que diminua o fluxo de tráfego individual aos grandes centros urbanos e, em particular, a Lisboa.
A este propósito importava referir a posição que os Srs. Deputados Crisóstomo Teixeira, Armando Vara e outros do Partido Socialista assumiram na Comissão de Equipamento Social, em relação ao projecto de lei da iniciativa do PCP e do Deputado Mário Tomé, sobre a abolição da portagem na Ponte 25 de Abril - e apenas falo deste caso, e que passo a citar: «A nosso ver trata-se de um fenómeno que a supressão da portagem só transferirá rapidamente para o interior das localidades de destino dos viajantes. E perfeitamente possível modernizar o sistema de portagens da Ponte 25 de Abril, aumentando a sua capacidade e velocidade de atendimento. Havendo conhecimento da intenção governamental de remodelar a referida portagem, é válido admitir um tratamento adequado a este tipo de preocupações, introduzindo métodos de pagamento rápidos e confortáveis.»
E diziam mais: «O pronunciamento da Assembleia Municipal de Aunada a favor da abolição da portagem da Ponte 25 de Abril é outro das argumentos apresentados a favor do projecto de lei.» Concluíam dizendo: «Será sempre popular e populista propor a abolição da portagem e outros pagamentos, se possível já, o que não significa que esse tipo de proposta corresponda a um sentimento de necessidade por parte dos postos beneficiados.»
Sr. Deputado Armando Vara, penso que trouxe aqui questões positivas que importa assinalar, mas a questão de fundo é saber se o que aqui nos vem expor traduz uma real alteração das posições políticas assumidas pelo Partido Socialista relativamente às portagens na Auto-Estrada do Norte até Vila Franca e na Ponte 25 de Abril ou se é apenas um projecto para que tudo se mantenha na mesma.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.

O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Manuel Maia, começou por referir que estas questões não constituem matéria nova e terminou dizendo que são matéria nova, porque, afinal de contas, afirmou que há uma mudança de posição, o que poderia querer dizer matéria nova. Mas nem uma coisa nem outra, Sr. Deputado!

O Sr. João Amaral (PCP): - Isso não é matéria nova, é posição nova!

O Orador: - Diria ao Sr. Deputado que não ouviu da minha boca dizer que somos tout court contra o pagamento de portagens. Antes, em certas circunstâncias somos a favor.
Ora, o que vamos propor em relação à Ponte 25 de Abril é a suspensão do pagamento de portagem até à existência de um serviço eficaz de transporte alternativo.

Vozes do PCP: -Ah!

O Orador: - Há, pois, aqui uma diferença qualitativamente significativa entre a nossa posição e a do PCP.
Quanto às novidades, remeteria o Sr. Deputado para o projecto que vamos apresentar ainda esta semana, pois verá que contempla algumas novidades muito significativas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na reabertura da sessão parlamentar temos mais um exemplo em como o Governo não cumpre as suas próprias promessas nem os propósitos que, a cada passo, jura serem verdadeiros. É um Governo que diz uma coisa e faz outra; que discrimina por razões de concorrência política e partidária, o que vale por dizer que não respeita as regras democráticas na sua prática.
De facto, propõe-se o Governo, através da publicação da Portaria n.º 411/92, de 18 de Maio, proceder, e cito, a «reformulações e alterações no que respeita aos apoios do Estado à comunicação social e mormente no que se refere aos apoios existentes à imprensa regional.» Afirma tal «sobretudo tendo em vista a modernização e reconversão do sector».
Aprovou, deste modo, o novo regime de apoios que, segundo o próprio Governo, «alarga o âmbito dos projectos» que podem ser contemplados, indo mesmo ao ponto de afirmar, com veemência, que o anterior regime marginalizara muitas publicações de âmbito regional, o me aliás até é verdade. Enfatizou, pois, a ideia da facilidade e do estímulo ao surgimento de projectos válidos oriundos da imprensa regional, não só pela desburocratização das candidaturas mas, igualmente, pela desgovernamentalização da selecção e apreciação dos projectos a aprovar.
Tanta boa vontade, expressa no preâmbulo da portaria, predispunha qualquer cidadão a acreditar no Governo e na bondade do novo modelo de apoios. Mas o Governo não resistiu à tentação e fez o contrário: governamentalizou e discriminou. Pelo menos o diário regional Correio do Minho não foi contemplado, quando, de acordo com as regras que o próprio Governo estabeleceu, tinha sido seleccionado e proposto para aprovação, pela Comissão Técnica Paritária. Não há qualquer explicação para este

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facto do ponto de vista legal; pelo contrário, tudo apontava - e aponta- para que o Correio do Minho fosse contemplado, de acordo com a nova filosofia dos apoios à imprensa regional, de forma a ter acesso a meios que permitam a sua reconversão tecnológica. O modelo anterior nunca o permitiu.
Apesar de apresentar uma tiragem média diária de 4500 exemplares, o Governo, nessa altura, aprontou uma norma que o excluía expressamente. Desta feita, impossibilitado de usar essa «norma» legal para obstar à atribuição de apoios, o Governo não hesitou e, contradizendo a sua própria doutrina, expressa na portaria, deitou mão do último recurso: a discriminação política.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: é inaceitável, em face disso, que o Sr. Subsecretário de Estado Adjunto, da tutela, Amândio de Oliveira, apareça a afirmar, publicamente, que todos os projectos apresentados e seleccionados pela Comissão Técnica Paritária prevista na nova modalidade tinham sido aprovados. Mentiu descaradamente ao fazê-lo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: o Governo ainda vai a tempo de emendar a mão. Em democracia não vale usar a discriminação política como critério ou razão seja para o que for. Com efeito, a atribuição de apoios, que resultam do dinheiro dos contribuintes, deve obedecer a regras claras e transparentes, designadamente pela publicação dos critérios e das razões que levaram à atribuição ou à negação dos apoios aos candidatos.
Desafio, pois, o Governo a fazê-lo, ou seja, a demonstrar, por argumentos claros e razões válidas, a exclusão do Correio do Minho e, eventualmente, de outros jornais regionais.
Caso o não faça, está demonstrada a única razão que levou à exclusão daquele importante diário regional: discriminação assente em razões políticas, que a Constituição proíbe!
Contudo o Estado de direito prevalecerá, caso o Governo não aproveite a oportunidade para se penitenciar e corrigir esse desvario político.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tendo sido eleito Deputado pelo círculo de Coimbra, considero ser meu dever chamar a atenção da Assembleia da República e do Governo para os problemas reais com que se confronta este importante distrito e sua região. Falar-vos-ei hoje da necessidade de melhorar os seus meios de transporte rodoviários, ferroviários e marítimos.
O distrito de Coimbra, estrategicamente situado na zona centro do País, possui todo um conjunto de potencialidades capazes de criarem condições geradoras de mais desenvolvimento, bastando para isso que sejam removidos alguns factores de estrangulamento a esse mesmo desenvolvimento, designadamente o da insuficiência da sua rede de transportes. Esta temática assume agora toda a oportunidade e importância após a recente aprovação do chamado Pacote Delors II na reunião de Edimburgo, onde Portugal viu aprovada a sua pretensão de duplicação dos fundos comunitários de apoio, e em cujas linhas prioritárias de auxílio está inscrito o Programa de Modernização das redes de transportes.
Bem se pode dizer que chegou a hora do distrito de Coimbra e de toda a região centro. Reivindicamos a concretização de um conjunto de aspirações justas e merecidas para um distrito que trabalha para obter mais desenvolvimento e progresso. Não tanto pelas expectativas agora criadas, mas acima de tudo porque o distrito de Coimbra e a sua região não têm merecido a necessária atenção por parte do Governo. Estas palavras não podem ser interpretadas como uma mera retórica da oposição nem como uma tentativa de hegemonização de Coimbra ou mesmo uma cruzada do Centro contra o Norte e o Sul, para cujas populações nós também desejamos maior desenvolvimento e progresso.
No que se refere à rede rodoviária do distrito de Coimbra, constatamos que a maior parte destas infra-estruturas, construídas ainda antes dê 1950, encontram-se subdimensionadas, desactualizadas e degradadas e, portanto, incapazes de dar respostas positivas às actuais exigências do mercado nacional e internacional; encontramos a existência de assinaláveis assimetrias entre os concelhos do litoral e do interior, continuando-se a verificar a existência de um verdadeiro hiato na rede de vias de comunicação rodoviária nos concelhos da serra interior, atingindo particularmente os concelhos da Pampilhosa da Serra, Góis e Arganil, que se confrontam com problemas de desenvolvimento e fixação das populações.
Os atrasos incompreensíveis que se têm verificado na conclusão do IP3, se considerarmos que o troço Santa Eulália-Figueira da Foz estava previsto como uma das primeiras obras do Plano Rodoviário Nacional e que deveria estar pronto em 1987, enquanto que o troço Geria-Santa Eulália deveria estar pronto em 1990. A conclusão desta obra é de fundamental importância para o distrito de Coimbra, pois permite a ligação do litoral - e do porto da Figueira da Foz - a alguns concelhos do interior e ao IP5.
Estamos em 1993 e este distrito não dispõe de nenhuma importante via transversal que aproxime o litoral do interior. O IP3 poderia desempenhar este papel, mas só em parte, pois tem um traçado dirigido para Norte. Por isso, assume total pertinência e justeza a pretensão de muitos autarcas e empresários do distrito (e também da região) de verem construído um eixo rodoviário que una transversalmente a região centro e que faça a ligação com a Espanha (Madrid) por Monfortinho - estamos a falar do que se convencionou chamar Eixo Peninsular, cujo traçado terá de ser definido de acordo com os interesses dos vários concelhos, da região e do novo Plano Rodoviário Nacional. Hipótese de trabalho que, evidentemente, tem de ser analisada e estudada conjuntamente com a vizinha Espanha, caso queiramos que venha a fazer parte da rede dos grandes eixos transeuropeus.
A região, que beneficia já de um eixo transeuropeu - a IP5 (a necessitar de melhoramentos, reconhecemos) -, passaria a dispor de um outro situado mais a sul - o chamado Eixo Peninsular-, servindo vastas zonas onde se fazem sentir enormes dificuldades nos meios de comunicação rodoviária, proporcionando assim um desenvolvimento mais equilibrado e harmonioso de toda a região.
Mas, se agora analisarmos a não menos importante rede dos itinerários complementares (ICI, IC2, IC3, IC6, IC7 e IC8), verificamos que também aqui o distrito de Coimbra tem muito que esperar, pois falta fazer tudo ou quase tudo. E como entretanto muito tempo passou, alguns destes itinerários complementares correm o risco de nascerem já desactualizados, por isso juntamos a nossa voz àqueles que

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defendem que alguns deles terão de passar à categoria de itinerário principal, como os caso dos IC7 e IC8. Outros exemplos poderíamos dar, como é o caso da importante EN 342 - que liga Condeixa, Miranda do Corvo, Lousã, Góis e Arganil -, em que a maior parte das obras programadas nem sequer foram começadas, e nos poucos quilómetros em que elas se iniciaram, logo de seguida pararam, até hoje!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: vamos iniciar o ano de 1993 e o distrito de Coimbra não dispõe, em toda a sua extensão, à excepção de alguns quilómetros da Auto-Estrada Lisboa-Porto, de nenhum outro importante eixo rodoviário pronto a ser utilizado em todo o seu percurso. Repito, vamos entrar em 1993 e o distrito de Coimbra não dispõe de qualquer outro eixo rodoviário importante pronto a ser utilizado em todo o seu percurso.
Dispomos de uma rede viária cheia de soluções de continuidade, isto é, fragmentada e aos bocados. Dos cerca de 64 km do único itinerário principal (IP3) que passa pelo distrito de Coimbra, apenas estão prontos 23 km e dos cerca de 200 km de itinerários complementares (l, 2, 3, 6, 7 e 8) apenas 7 km, repito, apenas 7 km estão prontos. Isto é, dos cerca de 260 km de IP e IC do distrito de Coimbra apenas estão prontos 30 km, o que quer dizer que apenas foi feito 11 % do que está previsto no Plano Rodoviário Nacional. Bem pouco para a muita propaganda que tem sido feita.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Os dados que acabo de divulgar não são histórias da oposição nem das «forças de bloqueio»! São a crueza dos números a reflectirem os resultados amargos da pouca atenção que tem sido dada pelo Governo ao distrito de Coimbra.
No que diz respeito à rede ferroviária assinalaremos em primeiro lugar, e como não podia deixar de ser, a necessidade de Coimbra ficar, no futuro, integrada na rede europeia de transportes de grande velocidade (TGV), bem como a necessidade de encontrar uma solução positiva para o ramal da Pampilhosa (Cantanhede) que a CP tem vindo programadamente a deixar degradar. Assunto este já abordado por mim nesta Câmara, e que hoje apenas lembrarei a importância da sua «natural» ligação à linha da Beira Alta, isto é, à futura rede ferroviária europeia.
Assinalaremos ainda a necessidade de efectuar uma verdadeira revolução/modernização da linha da Lousã: revisão de toda a estrutura da linha férrea; modernização de todo o material circulante, tendo em vista a melhoria da qualidade dos serviços de transportes de passageiros; electrificação da Unha e a elaboração de alternativas seguras e operacionais às tão numerosas quanto perigosas passagens de nível.
Estas necessárias medidas justificam-se para dar resposta ao significativo aumento do número de passageiros transportados nos últimos anos nesta linha: de 8 passou-se para 36 composições que hoje em dia nela circulam diariamente. A este propósito gostaria de lembrar que há cerca de 15 anos a CP esteve também para encerrar esta importante linha férrea, utilizando na altura argumentos sobreponíveis aos que agora usa para defender a desactivação do ramal da Pampilhosa!
Quando falamos na necessidade de melhorar os meios de transportes ferroviárias, estamo-nos a lembrar do quanto é ainda necessário fazer para melhorar a velocidade média atingida nas nossas linhas férreas, que é actualmente de 100-120km/hora, bastante inferior à média europeia que ronda os 160-170 km/hora.
Finalmente, no que diz respeito aos transportes marítimos, a nossa atenção vai, como não podia deixar de ser, para o importante contributo que o porto da Figueira da Foz pode dar para o desenvolvimento da economia da região e do País. Este porto, que vai em breve ficar apetrechado com um cais para graneis, o que permitirá uma maior diversificação e aumento do volume de mercadorias, tem uma localização privilegiada a nível nacional e internacional. Situado em plena região centro do País, apresenta óptimas condições para servir toda uma vasta zona do interland, bem como a grande vantagem de ser o porto português melhor colocado para fazer a ligação ferroviária com a linha da Beira Alta, que vai receber melhoramentos consideráveis com o objectivo de facilitar e desenvolver a ligação à rede europeia.
Consideramos por isso de vital importância para o desenvolvimento deste porto a concretização desta ligação à rede ferroviária para além da já prevista ligação rodoviária ao IP3. De realçar, no entanto, que a ligação ferroviária está como que «naturalmente» facilitada, dada a curta distância que separa a actual linha férrea do cais comercial.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: aqui apresentei um conjunto de problemas com que o meu distrito se confronta. A sua resolução irá permitir um maior desenvolvimento e progresso, por isso lutamos pela sua concretização. Fá-lo-emos com determinação, mas também com serenidade, sem entrarmos em disputas mesquinhas interdistritais ou regionais. Não alimentaremos rivalidades onde elas não existem, e que alguns inventam apenas para consumo jornalístico, utilizando por vezes palavras despropositadas e mesmo insultosas.
Não somos contra ninguém, somos apenas pelo distrito de Coimbra e sua região.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Granja da Fonseca.

O Sr. João Granja da Fonseca (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha intervenção versará o V Centenário dos Descobrimentos Portugueses e a nossa integração na Comunidade Europeia, focando, como dado fundamental, o espírito universalista do povo português.
A exposição internacional de Lisboa de 1998, que terá lugar por altura da passagem do V Centenário da chegada de Vasco da Gama à índia, destina-se a evocar a epopeia dos descobrimentos portugueses, a nossa presença no mundo e o seu contributo na obra civilizacional desses povos e também a ser um marco indelével e visível que lembrará aos vindouros o maior feito da nossa história.
A comemoração dos descobrimentos, que ocorre na última década do século XX e já quase no dealbar do terceiro milénio, revestir-se-á de carácter não apenas nacional mas também internacional, porque o contributo dos navegadores de Quinhentos insere-se nos feitos maiores da nossa história universal.
«Foi graças à gesta dos descobrimentos e à obra dos Portugueses, com as suas páginas de glória e as suas sombras de destruição própria e alheia, que se deu a unificação do globo; que muitos se adaptaram aos mais diversos climas e aos mais diversos costumes; que se deu a assimilação mais ou menos profunda das culturas mais hete-

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rogéneas; que se deu a missionação de vários continentes com a transmissão daquilo que julgávamos possuir de melhor - a mensagem de Cristo; que, no contacto com outros povos e outras raças, se verificou a ausência, se não total, pelo menos acentuada de preconceitos raciais, em contraste nítido com outros povos que nos seguiram no encalço pelas rotas do globo.»
Sem pretender entrar nos meandros da filosofia da Historia, não deixarei de lembrar factos importantes que ocorreram de quinhentos em quinhentos anos e deixaram marcas indeléveis no caminhar do Homem através dos tempos.
Lembro o século v antes de Cristo, o século de Péricles, que, após a vitória contra os persas, se traduziu numa esplêndida florescência de todas as artes na Grécia e, sobretudo, em Atenas.
Quinhentos anos volvidos surge o século primeiro da nossa era. Reinando em Roma Augusto, fundador do Império, nasceu na Judeia Jesus Cristo, a quem nós, os cristãos, adoramos como filho de Deus e a quem os agnósticos, como Renan, consideram ser a honra de quem tem um coração humano.
Foi ele quem legou à Humanidade um conjunto de princípios e valores imperecíveis que impregnam a nossa civilização ocidental.
No século v depois de Cristo, em 476, o Império Romano ocidental caiu em poder dos invasores germânicos.
No segundo milénio, em 1095, surge a primeira cruzada, a que se seguirão mais sete. E foi, nessa altura, em 1143, que o reino de Portugal foi fundado.
No século XV, com o Renascimento, surge a renovação do conhecimento da antiguidade greco-romana, que imprime uma nova direcção aos estudos e à cultura europeia.
Os descobrimentos geográficos que ocorrem neste século e em que Portugal levou a palma relativamente a outras nações, nomeadamente aos reinos de Leão e de Castela, constituem uma das maiores aventuras do espírito humano.
Encontramo-nos, agora, a caminho do ano 2000. Neste final de século ocorrem na Humanidade mudanças inesperadas e imprevisíveis: no plano internacional, assistimos à queda do comunismo e ao desmoronamento da ex-URSS, no plano interno, optamos pela integração europeia.
Dois factos irão, assim, dominar a minha intervenção: os quinhentos anos dos descobrimentos e a nossa integração na Europa Comunitária.
Os descobrimentos feitos no século XV foram tanto ou mais importantes para o mundo de então quanto a descida do homem na Lua e as viagens interplanetárias, no nosso século.
Luís de Camões imortalizou em Os Lusíadas toda a epopeia dos descobrimentos e todo um povo: «Eu canto o peito ilustre lusitano...»
A epopeia vale, desta forma, como o poema de uma raça que, dominada pelo espírito de cruzada, tudo sacrificou à dilatação da fé e do império.
Muito se tem falado dos descobrimentos geográficos, daqueles que deram novos mundos ao mundo; pouco ou quase nada se tem falado, neste Parlamento, acerca daqueles que difundiram a nossa cultura e contribuíram para o encontro da nossa civilização com outros povos. Refiro-me à meritória obra dos missionários.
É certo que a evangelização não se deu de maneira uniforme. Houve episódios edificantes de autêntico amor evangélico, de promoção humana e de respeito pelo próximo, mas também houve momentos menos felizes, sobretudo na América Latina.
Ocupemo-nos, porém, da acção daqueles que partiram em naus portuguesas e que foram o cimento da nossa, maneira de estar no mundo em contacto com novas gentes e os principais transmissores do nosso espírito ecuménico e universalista.
A este propósito, Eduardo Lourenço, num artigo intitulado «Portugal e os Jesuítas», que escreve em memória do Padre Manuel Antunes, na revista Oceanos, diz o seguinte: «Partindo à conquista do mundo - e nisto seguindo a injunção evangélica-, os Jesuítas em parte o conquistaram, mas o seu maior prodígio foi o de serem conquistados por ele. Não foram os únicos que em presença do «outro» se esforçaram por compreendê-lo para melhor o evangelizar ou dialogar com ele... mas ninguém como eles, com aplicada consciência e persistência, se extraiu da matriz europeia e se fez outro para que, segundo o seu desígnio, o mesmo do apóstolo das gentes, «Deus fosse todo em todos».
«Neste confronto ou encontro com o «outro», os companheiros de Inácio de Loiola -de Francisco Xavier a Manuel da Nóbrega, a Anchieta, a Matteo Ricci - serviram-se da barca portuguesa e, objectivamente, serviram o que eram então os interesses de Portugal como Nação conquistadora e missionária e como povo cristão...»
E tomando como referência este texto, que salienta uma das características do ecumenismo português e do sentido da universalidade que está inscrito na nossa história, desde a Idade Média, pois já então formávamos o desígnio de ir à procura de espaços desconhecidos, não poderei deixar de lembrar alguns nomes que foram arautos desta missão.
Não esquecendo a valiosa obra missionária de todas as ordens religiosas, por todos, vou recordar o nome de Francisco Xavier e de António Vieira.
O papa Paulo III, a pedido de D. João III, enviou Francisco Xavier, em 1540, para a evangelização da índia. É o apóstolo do Oriente e do Japão.
Ò Padre António Vieira, a quem Fernando Pessoa apelida de imperador da língua, personifica os modelos de intervenção da companhia com o universo lusíada.
Homem de Deus e homem do mundo, a sua figura domina o século XVII português: pregador, escritor, político de visão, conselheiro de reis, diplomata, missionário...
É lugar comum dizer-se que o estudo do passado serve para compreendermos o presente e prepararmos o futuro. Volvidos cinco séculos sobre os descobrimentos, preparamos a nossa integração na Comunidade Europeia.
Eduardo Lourenço, no artigo citado, detende que os Portugueses, a título de cristãos, possuíam no século XV tudo o que bastava para serem ecuménicos nas suas acções através do mundo.
O Padre Manuel Antunes, um dos mais lúcidos pensadores da segunda metade do século XX, e perante cuja memória me curvo, ao proceder a uma análise histórico-
filosófica do povo português, num texto recolhido no livro Repensar Portugal, publicado em 1979, defende a nossa integração na Europa como consentânea com o nosso destino a cumprir: a universalidade.
Vale a pena lembrar parte daquele texto, como pequena homenagem aquele ilustre pensador, que muitas vezes ouvi e de quem tive o privilégio de ser amigo: «Qualquer que seja a explicação para esse sentido da universalidade
- posição geográfica frente a África e as Américas como cais 'natural' de embarque e desembarque de três continentes, constituição étnica de heterogéneos elementos amalgamados ou, sobretudo, a linha cultural dominante, forma-

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da e informada pelo cristianismo, religião universalista por excelência - qualquer que seja a explicação do facto, importa que a descolonização recente, com os vícios e os erros que a precederam e acompanharam, não nos feche a pretexto de «independência nacional» neste rectângulo do ocidente ibérico, isolados e bisonhos, reduzidos a uma miséria carpideira, prefácio obrigatório a uma outra dependência incomparavelmente mais onerosa.»
E depois acrescenta: «o apontar para a integração na Europa têm, além de outras, essa vantagem, a Europa, é o continente da universalidade pela sua ciência, sua técnica e a sua cultura. A Europa é o único continente que, tendo tido tantas experiências de divisão conflitual, quase mortais, poderá, graças à sua unificação a todos ou quase todos os níveis, constituir para os outros continentes divididos experiência válida de como se pode chegar à unidade. A Europa é o único continente verdadeiramente moderno - apesar da sua designação de velho - que é possuidor de experiências fecundas, que poderão ligar o remoto do passado ao remoto do futuro sem cataclismos, sem traumatismos de dominação, sem ambições de restauração do estado de coisas ainda não muito longínquo...»
A ratificação do Tratado de Maastricht, que os maiores partidos portugueses votaram nesta Assembleia e que tem como consequência, no plano político-jurídico, a nossa cada vez maior integração na Comunidade Europeia, está conforme a este espírito universalista dos Portugueses.
Portugal, fiel à sua História, não podia, movido por antiquadas concepções de soberania ou por desactualizadas lutas anti-economia de mercado, perder esta oportunidade de modernização.
Os velhos do Restelo de então, opondo-se à epopeia dos descobrimentos, desconheciam a nossa missão histórica. Os velhos do Restelo de hoje, os anti-europeístas, ao rejeitarem a nossa integração na Comunidade, parecem desconhecer os sinais do nosso tempo e a nossa identidade cultural.
«Um país, na verdade culto, poderá ser pobre mas nunca miserável. Um país na verdade culto e com cerca de um milénio de história vivida atrás de si -e que história!-, só demitindo-se por completo, desistindo de existir, como um animal esgotado que se deita para morrer, é que deixará de contar no concerto dos povos. Antes, não.»
Portugal, ao «dar novos mundos ao mundo», «ao dar do mundo a Deus parte grande», ao fazer parte da Comunidade Europeia, está a cumprir um destino, o seu destino: a universalidade.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de entrarmos no período da ordem do dia, o Sr. Secretário vai proceder à leitura de dois votos que entretanto deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, o voto n.º 50/VI - De pesar pela morte de Francisco Ferreira, apresentado pelo PSD, é do seguinte teor:
Faleceu no dia 1 de Janeiro Francisco Ferreira, conhecido como «Chico da CUF».
A sua vida atravessou todo o nosso século e simbolizou muito da sua história. Jovem operário da CUF, participou nas lutas e reivindicações sociais da população do Barreiro.
Como militante político, travou, nas árduas condições de clandestinidade, a que obrigava a repressão
do regime autoritário, um longo combate contra a ascensão do fascismo e da ditadura, que o tez passar pela Espanha, durante a guerra civil, e pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, durante a II Guerra Mundial, em momentos de grande dificuldade pessoal e familiar.
Na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas não foi apenas um militante, realizando tarefas políticas, mas também um operário e, nessa condição - que sempre referia com orgulho -, pôde aperceber-se da realidade opressiva do totalitarismo do regime comunista.
Coerente com essa experiência, regressou a Portugal e conduziu, depois do 25 de Abril, um combate pelo esclarecimento da verdade do «socialismo real». Fê-lo em condições de muita dificuldade, mas com uma grande determinação e dignidade pessoal.
Teve ocasião de ver, após 1989, o desmoronar do sistema de poder soviético e o emergir da liberdade e da democracia na Europa de Leste e na ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, confirmando, assim, muitos dos seus pontos de vista e a realidade cruel de muitas das suas descrições.
A Assembleia da República exprime, pois, o seu pesar pela morte de Francisco Ferreira, conhecido como «Chico da CUF».
Srs. Deputados, o voto n.º 51/VI - De protesto pela violência verificada em recintos desportivos, apresentado pelo PCP, é do seguinte teor:
Todo o País tem vindo a assistir, nos últimos tempos, a cenas deploráveis nos recintos em que se realizam espectáculos desportivos, envolvendo os clubes mais representativos do futebol nacional.
Tem sido frequente, durante e após a realização de diversos jogos de futebol, a prática de actos de agressão e de vandalismo por parte de indivíduos identificados com «claques» de importantes clubes desportivos, que exibem, com propósitos ostensivos, bandeiras e símbolos nazis e de movimentos de carácter racista e xenófobo, que praticam, comprovadamente, actos de violência organizada.
Se não for travado o crescimento deste fenómeno, poderemos ver, a breve prazo, os campos de futebol como palco privilegiado de acções de violência, com consequências irreparáveis.
É imperioso actuar antes que tal aconteça.
Repudiando profundamente que o papel educativo, que devia estar associado à prática desportiva, seja subvertido pela apologia e prática da violência nos estádios de futebol e que clubes desportivos de inquestionado prestígio nacional e internacional se vejam associados à difusão desses valores antisociais, a Assembleia da República, reunida no dia 5 de Janeiro de 1993, considerando o dever de prevenir a violência no desporto, que incumbe constitucionalmente ao Estado:
Apela aos dirigentes desportivos para que tomem medidas enérgicas destinadas a impedir a instrumentalização das «claques» dos respectivos clubes por grupos violentos neo-nazis ou de natureza racista e xenófoba;
Chama a atenção para a necessidade de uma acção preventiva por forma a impedir a prática de acções violentas e a ostentação de simbologia apologista do crime e da violência nos recintos desportivos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não existe consenso para votarmos hoje estes dois votos, eles serão objecto de votação na próxima reunião plenária.
Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas.

ORDEM DO DIA

Srs. Deputados, vamos iniciar o período da ordem do dia.
O Sr. Secretário vai dar conta de dois relatórios e pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos sobre substituição de Deputados.

O Sr. Secretário (Caio Roque): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o primeiro relatório e parecer refere-se à substituição dos Srs. Deputados Vítor Crespo, do PSD, por um período não inferior a 30 dias, com início em 1 de Janeiro de 1993, inclusive, José Reis Leite, do PSD, por um período de seis meses, com início em 1 de Janeiro de 1993, e Mário Videira Lopes, do PS, pelo período de 19 de Dezembro de 1992 a 18 de Janeiro de 1993, inclusive, respectivamente pelos Deputados João Carlos Duarte, Pedro António de Bettencourt Gomes e Alberto Cardoso.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do Deputado independente Freitas do Amaral.

O Sr. Secretário (Caio Roque): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o segundo relatório e parecer refere-se à substituição dos Srs. Deputados Falcão e Cunha, do PSD, por um período não inferior a 15 dias, com início em 4 de Janeiro de 1993, inclusive, e João de Deus Pinheiro, do PSD, com início em 6 de Janeiro de 1993, inclusive, respectivamente pelos Deputados Arlindo Moreira e Joaquim Manuel Pereira de Almeida e Silva.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do Deputado independente Freitas do Amaral.

Srs. Deputados, vamos agora iniciar a apreciação conjunta dos projectos de lei n. ºs 5/VI - Revisão do regime legal dos inquéritos parlamentares (PCP), 53/VI - Regime jurídico das comissões eventuais de inquérito (PS), 55/VI - Estatuto dos Deputados (PS), 118/VI - Regime jurídico das comissões de inquérito (PSD), 119/VI - Alterações à Lei das Petições (PSD) e 120/VI - Alterações ao Estatuto dos Deputados (PSD) e dos projectos de resolução n.ºs 5/VI - Alterações ao Regimento da Assembleia da República (PS), 7/VI - Alterações ao Regimento da Assembleia da República (PCP), 12/VI - Alteração ao Regimento da Assembleia da República (PSN), 15/VI - Alterações ao Regimento da Assembleia da República (PSD), 20/VI - Propostas de alteração ao Regimento da Assembleia da República (Deputado independente Raul Castro), 23/VI - Alterações ao Regimento da Assembleia da República (Deputado independente Mário Tomé) e 247 VI - Proposta de alteração ao Regimento da Assembleia da República (PSN).

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, a minha interpelação tem a ver com a orientação dos trabalhos sobre o debate da reforma do Parlamento.
O Sr. Deputado Raul Castro -o qual estou a substituir neste momento - apresentou um projecto de resolução para reforma do Regimento da Assembleia da República; no entanto, verifico, Sr. Presidente, que aos Deputados independentes, em conjunto, apenas foram distribuídos três minutos. Nesse sentido, pergunto como é possível que aos Deputados que apresentaram projectos - e creio que o Sr. Deputado Mário Tomé também está nesta situação, mas estou apenas a falar em meu nome -, numa altura em que vamos exactamente discutir a reforma do Parlamento, em que se pretende, segundo alguns dizem, dar mais poderes aos Deputados, se coarcte a possibilidade de um Deputado defender um projecto de que é autor.
Portanto, Sr. Presidente, gostava de saber se há possibilidade, depois de ouvidos os líderes dos grupos parlamentares, de aos Deputados independentes ser atribuído pela Mesa um outro tempo que possibilite uma intervenção mais condigna neste debate.

(O Orador reviu.)

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Se é sobre o mesmo tema, tem a palavra.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, é, de facto, sobre o mesmo tema, pois parece-me um pouco auspicioso para aquilo que virá a ser a reforma do Parlamento que Deputados, sejam eles quais forem, tenham um minuto e meio para intervir, com a agravante de, no caso concreto, terem apresentado projectos.
Assim, junto as minhas palavras às do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca no sentido de solicitar a V. Ex.ª, depois de obtido o acordo dos grupos parlamentares, que nos fosse concedido mais algum tempo para que a nossa intervenção tenha um mínimo de dignidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, os tempos que estão assinalados no quadro para os Deputados independentes e para o PSN foram fixados na Conferência de Representantes dos Grupos Parlamentares e obedecem ao estipulado no Regimento.
Em todo o caso, por consenso geral das bancadas, darei àqueles que são autores de projectos de alteração do Regimento mais cinco minutos, pelo que passarão a dispor de 8 minutos e não de três.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para quem, como o Grupo Parlamentar do

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PCP, apresentou diversas iniciativas legislativas e, como é por eles reconhecido, interveio de forma empenhada e construtiva em todo o processo na perspectiva de valorizar o papel e a imagem da Assembleia da República, é com pena que temos de concluir que a reforma do Parlamento fica aquém da expectativa criada.
Para o Grupo Parlamentar do PCP, este não é um debate interno e que só ao Parlamento diga respeito. Sendo muito importante para a Assembleia da República, o conjunto dos diplomas que hoje votaremos e o dos que estão ainda pendentes na Comissão são, contudo, diplomas com profundas repercussões em toda a actividade parlamentar e do bem ou mal fundado das soluções encontradas podem depender a democraticidade, a transparência, o livre relacionamento e exercício de direitos por todos os agentes parlamentares e também pelos cidadãos. São diplomas que, pela sua natureza, fazem parte da estrutura desse tão importante edifício, que desejamos cada vez mais sólido - o regime democrático.
Assim, encarámos e encaramos a reforma do Parlamento como um objectivo político de interesse nacional, perspectivando a melhoria do funcionamento da Assembleia da República não só no reforço da eficácia das suas funções políticas, legislativas e fiscalizadoras mas também no estreitamento da ligação aos cidadãos e aos seus problemas e na melhoria da imagem pública do Parlamento.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: desde a primeira hora, empenhámo-nos no trabalho da Comissão conscientes de que a reforma a encetar era um todo em que os vários diplomas se completam e interligam, obrigando a uma análise de conjunto, sem deixar nenhuma matéria para trás.
Outros, infelizmente, assim não pensam e é por isso que apenas uma parte das matérias discutidas sobe, hoje, a Plenário para decisão.
Embora esta questão não seja a mais importante, nela reside o primeiro dos aspectos que fundamenta a conclusão de que a reforma ficou aquém da expectativa criada.
Na verdade, este debate, que antecede a votação final, é apenas uma parte do que se convencionou chamar a reforma do Parlamento.
Trata-se, sem dúvida, de iniciativas importantes nas áreas do Regimento da Assembleia da República, do Estatuto dos Deputados, da Lei dos Inquéritos Parlamentares e da Lei do Direito de Petição pelos Cidadãos.
Mas a outra parte, tão ou mais importante que esta, foi arredada de ser também hoje decidida. Ficaram, infelizmente, adiadas iniciativas legislativas como o «Controlo público da riqueza dos titulares de cargos políticos», o «Registo de interesses dos políticos», a «Garantia de audição da Assembleia em determinados processos comunitários» e a «Lei orgânica e o quadro de pessoal».
E estas são iniciativas cuja importância é inquestionável para uma real e abrangente reforma da instituição parlamentar, pois:
Quanto ao controlo de rendimentos, propõe-se a revisão da actual lei, com dois grandes objectivos: garantir, com efeitos imediatos, o princípio do livre acesso às declarações por todos os interessados; garantir a entrega da competência da realização de um efectivo controlo sobre o conteúdo das declarações a uma entidade independente, que o Grupo Parlamentar do PCP propõe que seja a Procuradoria-Geral da República.
No que se refere à audição da Assembleia em determinados processos comunitários, consideramos que esta é uma questão central e que são necessárias normas capazes de inverter a situação de marginalização do Parlamento, devida à intervenção exclusiva do Governo nas questões relativas à Comunidade Europeia.
Foi neste âmbito que os Deputados comunistas apresentaram o projecto de lei que institui a forma de apreciação pela Assembleia das propostas de conteúdo normativo apresentadas no âmbito das Comunidades, em que se definem os casos em que obrigatoriamente a apreciação é feita, regula o processo, articulando a intervenção das comissões especializadas, nomeadamente a Comissão de Assuntos Europeus e do Plenário, define ainda os relatórios que o Governo deve apresentar à Assembleia da República e os mecanismos de apreciação.
Quanto à lei orgânica, dado a experiência acumulada, desejamos que seja cada vez mais uma «carta» de direitos de todos os agentes parlamentares, permitindo o mais eficaz funcionamento dos Deputados, dos grupos parlamentares e das próprias comissões e, também, que assegure uma melhor produtividade, racionalização e articulação dos serviços, aproveitando melhor as qualificações dos trabalhadores e as potencialidades dos recursos disponíveis, o estabelecimento inequívoco da regra do concurso público para o preenchimento dos lugares no quadro, solucionando, ao mesmo tempo, o problema dos trabalhadores com vínculo precário ou não integrados no quadro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: refiro apenas estas iniciativas para exemplificar o que ficou por fazer da tão falada e ainda não suficientemente conseguida reforma do Parlamento.
Mas não conseguida, principalmente -e aqui está a questão mais importante -, devido a certas deficiências e insuficiências dos textos hoje apresentados para votação.
Pela nossa parte, tentámos, tanto em intervenções no Plenário como nas dezenas de reuniões da Comissão, que o conteúdo dos quatro diplomas fosse substancialmente mais positivo.
Defendemos que o Regimento e o Estatuto dos Deputados fossem instrumentos estáveis, que permitissem um trabalho parlamentar qualificado e assegurassem a livre expressão democrática e plural dos Deputados e dos grupos parlamentares.
Defendemos um mais eficaz funcionamento da Assembleia da República, que permitisse uma maior operacionalidade e uma maior capacidade de resposta aos problemas com que, dia a dia, somos confrontados.
Defendemos que a Assembleia se prestigia quanto melhor e mais em tempo útil dê resposta aos problemas dos cidadãos.
Pensamos que estes desideratos podiam ter sido conseguidos com uma reflexão desapaixonada, aprovando-se dispositivos que conseguissem reunir em seu apoio um generalizado consenso e fazendo-se verdadeiras reformas, não só sem ignorar ou pretender ultrapassar os direitos da maioria, decorrentes do próprio facto de serem maioria, mas também sem deixar de atender e valorizar o papel insubstituível das minorias no jogo democrático.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: será que as alterações introduzidas ao Regimento, ao Estatuto dos Deputados, ao direito de petição e aos inquéritos parlamentares estão na linha da afirmação que passo a citar?
«Ela [a Reforma] terá de passar [...] pela afirmação do debate político, privilegiando os debates no Plenário, como grande espaço de confronto de ideias e opções políticas legislativas; pela valorização do trabalho das comissões permanentes; pela maior eficiência dos instrumentos e figuras regimentais que garantam a sua função fiscalizadora;

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pelo reenquadramento das comissões parlamentares de inquérito; pela valorização da ligação do Deputado ao eleitorado e, sobretudo, pelo desenvolvimento do diálogo, no respeito e aceitação dos contributos imprescindíveis das oposições.»
Palavras justas, contendo grandes desafios. Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, os textos que hoje se votam não respondem tanto a estes desafios, e ficam, por isso, aquém destas afirmações e das expectativas criadas.
Nesta medida, esta é uma reforma que podemos apelidar de baça em muitas das soluções encontradas e que, por vezes, não se consegue libertar de aspectos de governamentalização.
Consideramos que o nome de reforma assentaria melhor em muitas das propostas apresentadas pelo PCP e outros partidos da oposição, propostas que foram afastadas, com prejuízo de todo o trabalho feito.
Vale a pena analisar essas propostas não aceites, mas antes permitam-me que faça um parênteses.
Se bem estão lembrados, em Outubro de 1992 foram colocadas na ordem do dia questões consideradas por muitos de transcendente importância, a tal ponto que levou alguns, com altas responsabilidades político-partidárias, a pôr em causa acordos políticos, incluindo no âmbito da revisão constitucional.
E penso que também se lembram dessas questões:
Primeira questão: «Não» à possibilidade de a semana de Plenário apenas ocorrer de 15 em 15 dias.
Segunda questão: «Sim» à obrigação da vinda do Primeiro-Ministro à Assembleia da República, para um debate, uma vez por mês.
Terceira questão: «Não» à redução do número de comissões por poder limitar a capacidade de fiscalização da Assembleia da República.
Quarta questão: «Sim» a comissões de inquérito abertas e cujos relatórios devam ser aprovados por maioria qualificada de Deputados.
Para dar mais força a estas questões afirmaram: «Dizemos redondamente 'não* à operação antiparlamentar, que o PSD pretende levar a cabo, e recusamos um Parlamento estilo propaganda, como pretende o Executivo. Não seremos coniventes com uma reforma do Parlamento que pretende transformá-lo num órgão cercado.»
Afinal, o que ficou quanto a estas áreas?
Vejamos:
A possibilidade de o Plenário reunir apenas de 15 em 15 dias não está claramente afastada. Basta ler articuladamente os artigos 53.º, n.º 1, e 65.º, n.º 2, do Regimento proposto:
O artigo 65.º, n.º 2, sobre os dias das reuniões, diz que «As reuniões plenárias realizam-se às segundas-feiras, terças-feiras e quartas-feiras, salvo quando a Assembleia ou a Conferência delibere diversamente», e o artigo 53.º, n.º l, sobre o funcionamento do Plenário e das comissões, diz que: «Os trabalhos parlamentares poderão ser organizados, em termos de enquadramento quinzenal, de modo a reservar um período especificamente para reuniões do Plenário e outro para reuniões de comissões, sem prejuízo dos tempos necessários ao contacto dos Deputados com os seus eleitores».
A proposta apresentada pelo PS, de realização de um debate mensal com convite ao Primeiro-Ministro, bem como a proposta do PCP, de sessões especiais, mensais, de perguntas ao Governo com a presença, também, do Primeiro-Ministro, foram recusadas.
O número de comissões foi reduzido de 14 para um máximo de 12. Não ficaram as 7 ou as 10 como o PSD pretendia, mas não há dúvida de que foram reduzidas.
As reuniões e diligências a efectuar pelas comissões de inquérito não são, regra geral, públicas e o relatório é aprovado por maioria simples.
É isto que está proposto. São estes os textos que serão votados. Para que conste.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: fechado que está o parênteses, gostaria então de me debruçar de forma sintética sobre as propostas não acolhidas, particularmente as do PCP.
A apreciação deve ser feita tendo em atenção a forma como decorreu o debate e a votação na especialidade, em Comissão. E aqui permitam-me que, com outro parênteses, afirme o reconhecimento do trabalho do Sr. Deputado Fernando Amaral como presidente da comissão, que beneficiou, sem dúvida, os trabalhos da comissão e que foi um pólo aglutinador de interesses, de debate, da democracia plena que funcionou também naquela comissão e que foi por todos reconhecida.

Aplausos do PCP, do PSD e do PS.

Como dizia, a verdade é que a comissão funcionou pelo método da exclusão, ou seja, foi excluído tudo o que o PSD recusava, deixando pelo caminho importantes soluções.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Isso não é correcto!

O Orador: - Neste quadro, importa referir os objectivos das iniciativas do Grupo Parlamentar do PCP sobre o Regimento, o Estatuto e os inquéritos parlamentares:
Defender e reforçar o papel da Assembleia no quadro das instituições e da vida política nacional;
Potenciar a função de fiscalização dos actos do Governo;
Dignificar o debate em Plenário e o seu insubstituível papel político;
Melhorar a ligação da Assembleia aos cidadãos;
Concretizar uma maior transparência do trabalho da Assembleia;
Reforçar a independência dos Deputados.
Foi neste desejo amplo que - e em teoria todos estão de acordo - apresentámos vários preceitos que foram rejeitados.
Destacamos, entre outros, e pela sua inquestionável importância, os seguintes:
No domínio do efectivo reforço dos poderes de fiscalização da Assembleia: a alteração radical do regime de perguntas - garantindo debate vivo - e a presença sequencial de todos os Ministros, incluindo o Primeiro-Ministro; a criação da figura da moção de apreciação da política sectorial e o processo quanto ao atraso ou falta de resposta aos requerimentos dos Deputados.
No âmbito das comissões especializadas, propusemos, além da adopção do princípio de que os seus trabalhos são públicos, o reforço dos seus poderes face à Administração Pública, através do poder de chamar a prestar informações e esclarecimentos, sobre matérias de natureza técnico-administrativa, os directores-gerais ou equiparados.
Propusemos ainda normas com o objectivo de valorizar o Plenário e as iniciativas legislativas dos Deputados, através da criação da figura «primeira leitura», que permitisse um primeiro debate público das iniciativas, contrariando o «veto de gaveta».

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Ao nível do regime das comissões de inquérito, apresentámos propostas tendentes à sua reforma, nomeadamente atribuindo poderes a cada um dos membros da comissão, por forma a requererem e obterem os elementos considerados úteis ao exercício das suas funções e ao apuramento da verdade, bem como a definição de regras quanto as conclusões, evitando a fuga às questões que o inquérito levante.
Quanto ao Estatuto, defendemos o princípio de que o Deputado - da maioria ou da oposição - deve ser independente do Governo. Propusemos, assim, que o Deputado não possa exercer, mesmo a título gratuito, qualquer função de nomeação ou representação governamental.
Estas propostas, como outras que, por uma questão de tempo, não refiro, foram parte do nosso contributo para a dignificação do órgão de soberania Assembleia da República, possibilitando a participação e afirmação plena da oposição e deixando de estrangular a iniciativa e actividade dos Deputados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: é com preocupação que vemos não ter sido melhorado o regime das garantias de independência dos Deputados perante o Governo.
Vale a pena recordar a história.
O PCP apresentou uma alteração ao Estatuto para que fosse vedado o exercício de quaisquer funções de nomeação governamental ou de representação do Governo, ainda que a título gratuito ou temporário.
O próprio PSD apresenta então uma formulação - uma outra proposta -, na sequência da proposta do PCP, que foi aprovada por unanimidade em Comissão e com a seguinte redacção: «É vedado aos Deputados exercer quaisquer funções na dependência hierárquica do Governo ou sob a sua tutela ou superintendência.»
Na última reunião, o PS e o PSD acordaram que o impedimento fosse suprimido.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: queremos com isto dizer que o conteúdo dos quatro diplomas hoje em debate pioram radicalmente a situação actual?
Não diremos isso. Afirmamos mesmo que, aqui e ali, afloram aspectos positivos, como é o caso do regime de perguntas. Mas, Srs. Deputados, fica aquém das possibilidades e das necessidades de uma verdadeira reforma do Parlamento.
Também é verdade que em relação a muitas propostas do PSD se conseguiu evitar o pior.
Mas não podemos estar satisfeitos apenas porque afloram aspectos positivos ou porque não aconteceu o pior.
Por exemplo, o texto de alteração à Lei dos Inquéritos Parlamentares, que vamos votar, não contemplou -e bem - a proposta do PSD inserida no artigo 4.º do projecto de lei n.º 118/VI. Proposta essa que impedia a realização de inquéritos parlamentares, pois não seria admitido nem discutido um inquérito desde que «sobre o mesmo objecto se encontrasse em curso uma investigação judicial» e se o inquérito já estivesse em curso e entretanto se iniciasse uma investigação judicial, o inquérito cessaria imediatamente. A ter vencimento esta norma, e levada às últimas consequências, poderia ter inviabilizado uma boa parte dos inquéritos realizados até hoje (por exemplo: o caso de Camarate; o inquérito aos actos administrativos no âmbito do Ministério da Saúde; o inquérito relativo ao Fundo Social Europeu).
Evitou-se o pior, mas as melhorias, quando as há, são insuficientes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: evitou-se o pior, mas há casos em que, mesmo assim, o regime legal piorou significativamente. É o que se passa com o projecto de revisão da Lei do Direito de Petição pelos Cidadãos que foi apresentado, quando altera de 1000 para 4000 o número de cidadãos subscritores de uma petição para que esta seja apreciada pelo Plenário da Assembleia da República.
Podendo as petições ser apresentadas aos órgãos de soberania ou a quaisquer autoridades, o artigo 52.º, n.º 2, da Constituição da República remeteu para a lei as condições em que as petições são apreciadas pelo Plenário e a experiência destes últimos três anos de exercício deste direito pela Assembleia da República não apontava para a alteração do que então foi aprovado por unanimidade - a subida a Plenário das petições subscritas por 1000 cidadãos- mas, sim, a forma como sobem, os documentos que as acompanham, o relatório e a forma de debate.
Com esta alteração à Lei n.º 43/90, de 10 de Agosto, é de alguma forma amputado o direito e dever cívico de participação política e democrática dos cidadãos para a defesa das seus direitos, da Constituição, da lei e do interesse geral.
Se o poder político pertence e é exercido pelo povo, então é necessário assegurar e alargar aos cidadãos a possibilidade de participação directa e activa.
Só que esta participação do povo não se pode confinar aos momentos eleitorais, antes exige uma intervenção que possibilite não apenas uma democracia representativa mas uma democracia participativa.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: pela nossa parte tudo fizemos, tanto com as iniciativas legislativas apresentadas, como com propostas posteriormente avançadas, como ainda nos debates em Plenário e em Comissão, para que se fizesse uma real e completa reforma do Parlamento.
A experiência mostra, e por isso o defendemos, que o prestígio da Assembleia da República defende-se quando se aprovam leis justas, quando se responde aos interesses do povo e do País, quando se trabalha com eficácia, com profundidade e estudo sério. Esse é o cerne da questão.
O funcionamento democrático e livre é essencial à vida do Parlamento. Como lhe é também essencial garantir uma maior disponibilidade e a necessária independência dos Deputados, um reforço dos seus poderes e meios de intervenção, uma melhor organização dos serviços de apoio e adequadas instalações.
A reforma necessária é a que possibilite maior eficácia no exercício de certas competências (particularmente na fiscalização dos actos do Governo e da Administração), maior transparência dos actos e melhor utilização da semana parlamentar.
Continuaremos, assim, empenhados a dar o nosso contributo para o prestígio e dignificação da Assembleia da República Portuguesa.

Aplausos do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado José Manuel Maia, ouvi-o com atenção, mas não posso deixar de, através da figura regimental do pedido de esclarecimento, pedir a V. Ex.ª que esclareça o seu pensamento sobre um conjunto de afirmações que fez.

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O Sr. Deputado, no que diz respeito especificamente - e começo pelo fim- ao Estatuto dos Deputados começa por fazer algumas afirmações que não coincidem com aquilo que nos é dado saber da evolução do debate, designadamente no respeitante à questão da garantia da independência dos Deputados - face ao Governo. A sua proposta foi ponderada e têm já uma resposta, que pode não ser completa, mas o Sr. Deputado sabe perfeitamente que o problema da nomeação da representação, da tal relação que não - pode existir, e? termo: de ligação de nomeações no momento do registo de interesses; ficou para ser ponderado de um modo mais completo.
No que diz respeito às comissões de inquérito, o Sr. Deputado diz que o problema do despacho de pronúncia constitui um mal. A verdade é que resolução que está consagrada não tem nada a ver com outras como a solução francesa, em que há uma acumulação: absoluta digamos mesmo, que; em face do passado, não impedia qualquer, situação verificada através de comissões de inquérito. Não percebo onde está a questão tão pungente que levantou aqui sobre este tema.
Relativamente às petições, levanta: um í certo, «papão» quanto à maior exigência no número de assinaturas. Mas, Sr. Deputado, o espírito foi de flexibilizar a questão de as petições poderem subir ou não ao Plenário. Porque se tomou o regime das petições mais exigente quanto à subscrição destas, a verdade é que se flexibilizou permitindo que a comissão, sempre que entenda que uma petição
- mesmo que não tenha, de início o número mínimo de assinaturas- tem uma importância verdadeiramente autónoma; não é uma simples repetição de um debate político, a envie para Plenário? Quanto ao Regimento do Sr. deputado levantou algumas questões que gostaria que esclarecesse melhor. V. Ex.ª dá à entender que não se privilegiaria os debates em Plenário. Penso que o espirito é privilegiar os debates políticos em Plenário, embora, também, privilegiado as comissões, enquanto grande centro do debate dos diplomas da legislação. Por outro lado, as comissões permanentes são valorizadas em todas as nossas propostas, nomeadamente nas que se referem aos relatórios, ao relator, ao debate à abertura muito maior, ou quase absoluta das Comissões. O Sr. Deputado refere, depois o problema dos plenários de 15 em 15 dias. Nunca esteve em causa a realização de plenários de 15 em 15 dias! Sr. Deputado esclareça essa afirmado. Isso não está agora em causa, com o texto actual, nem nunca esteve. O que esteve em causa foi o princípio de uma maior concentração do trabalho parlamentar começando pelas comissões, preparando o trabalho para os plenários, mas o número de horas de Plenário seriam as mesmas. E se os plenários legislativos eram, concentrados numa parte desse período, a verdade é que não estava fechada a possibilidade de plenários de tipo político, de relações políticas, mesmo quando decorrem comissões, ou no intervalo de comissões; poder-se-ia reservar um dia da semana para isso. Nunca esteve em causa diminuir o número de plenários. Pretendia-se pôr em prática o princípio de uma certa concentração dos trabalhos para os tornar mais eficazes. E o que está agora, de qualquer maneira, corresponderão consenso geral.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Leram mal! Leram mal!

O Orador: Particularmente, penso que o futuro e a
experiência dirão se esta será a melhor solução ou se não haverá outras
melhores, respeitando, embora, aquele principio da concentração dos trabalhos.
Depois faliu da redução do número de comissões. Mas pretende-se que passe a existir apenas mesmo duas comissões, Sr. Deputado, e uma, ou duas comissões podem perfeitamente enquadrar-se, pois se há algumas, que, efectivamente deverão enquadrar-se deverão merecer uma reponderação. Não vejo que este problema o permita.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado faça o favor de terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente. Depois o Sr. Deputado refere o problema de as comissões de inquérito serem ou não serem abertas ao público. Mas elas são praticamente abertas, Sr. Deputado. Basta ler o texto e ver que, efectivamente, as alterações são profundíssimas Sr. Deputado, o que se trata de fazer mais e melhor trabalho nesta Casa. Isto é, maior eficácia...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe para concluir.

O Orador: - Concluo, já, Sr. Presidente. Como dizia, maior eficácia no 'trabalho interno: Há mais Governo, mas não há governamentalização; o que há é mais fiscalização política do Governo por parte da Assembleia, como os senhores sempre pediram Sr. Deputado, quero esclarecer quedos textos que V. Ex.ª leu são os mesmos que temos sobre a mesa.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, durante três minutos, tem a palavra...
O Sr. Deputado José Manuel Maia.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Presidente, vou ser muito breve. Responderei questão a questão.
Analisemos primeiro a referência ao Estatuto dos Deputados ao registo de interesses e aos impedimentos. É que este problema não devia ser visto ao nível de interesse mas, sim, do impedimento. A questão é esta!
Quanto às comissões de inquérito, o Sr. Deputado Ferrando Condesso diz que na verdade, o que acontece é que elas são praticamente abertas. Mas é precisamente essa a diferença: o que queríamos era que fossem efectivamente abertas!
O Sr. Deputado afirmou ainda que, neste campo, a lei francesa é importante, mas concordará, com certeza, que é muito mais importante o que diz, que passe a dizer, a lei portuguesa. Agora queríamos é que a lei portuguesa incluísse as propostas : que tivemos ocasião de apresentar. Para o Sr. Deputado o problema que levantei sobre ás petições não é importante: Ora, nós consideramos que o facto de o número; mínimo de assinaturas necessárias passar de 1000 para 4000, para que o debate do diploma suba a Plenário, podendo: desse modo os peticionantes ver o seu assunto aí tratado, é um, problema importantíssimo. É que trata-se, tem nosso entender, de uma punhalada no poder de participação dos cidadãos, além de ser uma questão política significativa: O Sr. Deputado pode dizer-me, que esta não é a questão mais importante,- mas, para mim, é. Por exemplo, a Assembleia, pode até por unanimidade dar razão ao peticionante; contudo o Governo continua sem pôr em prática aquilo que é a vontade da Assembleia e as: questões dos peticionantes não, são atendidas.
Voltando ainda ao problema da abertura das comissões, na verdade; essa não, é o princípio; não é a regra; elas são abertas apenas em alguns casos.

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O Sr. Deputado diz que nunca esteve em causa o tacto de o Plenário vir a reunir apenas de 15 em 15 dias. Este vê claramente em causa, sim, Sr. Deputado, pela posição do PSD, uma vez que este deseja, através da proposta de alteração ao artigo 53.º, n.º 1, do Regimento, que os trabalhos parlamentares - o Plenário e as comissões - sejam organizados em períodos quinzenais, de modo a reservar um período especificamente para as reuniões das comissões e um outro para as do Plenário. Ora, a ser assim, isto significa que haveria semanas sem Plenário e não podemos fugir de tirar esta conclusão.
Mesmo em relação àquilo que ficou decidido em Comissão, não podemos dizer que não é possível à Assembleia reunir todas as segundas, terças e quartas-feiras. O que dizemos é que, em função do artigo 53.º, n.º 1, também é possível à Assembleia reunir-se apenas de 15 em 15 dias, ou seja, pelo menos esta possibilidade não está completamente afastada.
Relativamente à redução do número de comissões, como, com certeza, se apercebeu e se voltar a ler a minha intervenção perceberá melhor, referi essa questão, que é uma realidade, mas citei outras.
Quanto ao aumento da fiscalização política, temos bastantes dúvidas, Sr. Deputado. Repare que até agora o que era possível à oposição, em termos de agendamento para o período da ordem do dia, como direito potestativo, era 18 contra 82 reuniões e agora, com esta alteração, a diferença é relativamente pequena, pois passa para 19 contra 81.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Amaral.

O Sr. Fernando Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Alguém, com a autoridade que lhe é reconhecida como grande pensador e analista dos fenómenos sociais, caracterizou o ano em curso como o «ano de transição». Seguindo na sombra dos seus juízos, também pensamos que 1993 vai ser um ano de mudanças, de reformas e transição para um novo relacionamento dos cidadãos, entrosamento das comunidades e novos compromissos entre Estados e continentes. Os fenómenos sociais, culturais e políticos dos três últimos anos sucederam-se em tal ritmo, imprevisibilidade e impacte que destruíram os habituais quadros de pensamento que sustentavam as respostas às questões suscitadas pelas exigências dos cidadãos e dos povos.
Cinquenta anos, desdobrados entre dois pontos de referência, que nos pareciam fixos, limitavam as opções e condicionavam as respostas, porque um deles ruiu e o outro se mantém com renovado perfil, abriu-se um novo processo de relacionamento, cujo desenvolvimento é acicatado por insuspeitados impulsos onde os interesses, as ideias e os sentimentos se entrechocam com excessos contraditórios.
Os interesses dominaram com tal veemência que a Europa se transformou num grande mercado e o pensamento foi reduzido a números, a gráficos, a percentagens, a estatísticas, a índices.
As ideias emagreceram e quase desapareceram, marginalizadas por um consumismo desenfreado e uma produtividade económica de excedentes agressivos.
Os sentimentos, esses, sofrem a angústia dos seus novos ajustamentos.
A queda do muro de Berlim terá sido, na simbologia dos fenómenos que fazem história, o ponto de viragem que obrigou o Mundo à prospecção de novos caminhos, de tal modo que o Sr. Professor Adriano Moreira com a lucidez, a competência e a autoridade que lhe são próprias e admiramos com singular respeito, o assinalou como o começo do ano zero.
É nesta perspectiva que nos cumpre receber 1993, como quem, em aventura aberta, se lança na procura de novos trilhos. A tarefa é empolgante e sedutora.
Os intelectuais, os sociólogos, os homens de cultura, os políticos, são chamados ao testemunho para novos ordenamentos.
Está em causa a modelação do nosso futuro comum e ele é demasiado importante para que seja apenas tarefa de governantes e de técnicos. Todos os cidadãos responsáveis e todas as instituições têm de participar, actuar e colaborar nessa formidável empresa onde a dignidade do homem livre será a pedra angular do futuro a construir.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A Europa proclamou a liberdade e inventou a democracia. Hoje, por toda a Europa, a democracia pluralista faz o seu curso, como forma apetecida de governo dos povos.
Ela passou a ser a nossa herança mutável de aptidões, de hábitos, de crenças e de uma acção social contínua em busca de novos horizontes, sem termo, porque não aceita soluções finais. É nesse contexto que se insere a preocupação da reforma do nosso Parlamento. Por ela se pretende um Parlamento mais moderno, mais pronto, mais representativo, mais responsável.
Mais moderno para acompanhar as mutações da Europa e participar na construção de um novo sistema europeu.
Mais pronto nos seus processos de actuação para dar resposta aos problemas sociais que preenchem a vivência do povo português.
Mais representativo, não no seu aspecto formal mas na expressão concreta da função de garantia que lhe está cometida.
Mais responsável porque está mais atento às soluções dos problemas que nos envolvem.
Temos a consciência de que a democracia só é possível se a sociedade civil participar e viver com o Parlamento o quotidiano das suas preocupações.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É necessário que se sinta, aqui, o pulsar da opinião pública. É necessário que o Parlamento não seja, nem pareça, pela solidão em que está, como tenda isolada na aridez do deserto. É necessário que esta tribuna seja a tribuna de Portugal.
Aqui se podem tratar quaisquer assuntos de interesse colectivo, já que eles são, ou devem ser, o resumo vivo e a impulsão dirigente de toda a alma nacional. Mas para que interessem a opinião pública para que adquiram, no ardor de quem as defende e na paixão de quem as combate, a vivacidade e a força de que carecem é preciso que a controvérsia parlamentar os levante, os agite, os aqueça, os ilumine. Só assim a contradição na tribuna política dá à liberdade de crítica o estímulo à eficácia desejada, porque o debate político constitui a essência da instituição parlamentar, a Comissão para a Reforma do Parlamento analisou, com particular interesse, o relevante papel do Parlamento no novo contexto de exigências sociais e pó-

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líticas que informam os tempos que estamos vivendo. Assim, para além dos debates de urgência que as circunstâncias ditarem, foram previstos debates mensais sobre política geral e um debate anual sobre o estado da Nação.
E porque tais debates devem ser precedidos de estudo profundo, por parte da comissão competente em razão da matéria, espera-se que a reunião plenária não continue a ser um debitar difuso de monólogos, mas revele um questionar permanente, orientado e vivo, sobre as posições assumidas, aprovadas ou contestadas.
Desejamos que o Parlamento seja não só o lugar privilegiado da sublimação dos conflitos sociais mas também o da legitimação do exercício do poder. Por outro lado, ele tem de cumprir a sua função de garantia democrática. Ele servirá então e ainda de forum de publicidade da actuação dos poderes públicos para que o povo, titular da soberania, possa conhecer os motivos e os objectivos do exercício das respectivas competências. Aqueles ganharão uma legitimidade acrescida e o Parlamento cumprirá, pela sua parte, a mais nobre das suas funções.
Com tal preocupação abriram-se novos espaços para a presença do Governo no Parlamento. É que hoje a luta política não se trava tanto entre os grupos parlamentares como entre o Parlamento e o Governo. Eles são os dois grandes protagonistas da nova concepção do debate político.
É pelo debate que se afirmam diferenças e estas são tão necessárias à democracia como a liberdade que a fundamenta. É que, como referiu François Mitterrand, um povo não é forte senão quando está unido no respeito das suas próprias diferenças. Em política, como já tive ocasião de dizer, ninguém tem razão sozinho. A «verdade» e a «justiça», que devem ser as determinantes dos nossos processos, não são património exclusivo de partido algum. São aspirações de todos os homens e, não raras vezes, a propriedade de menor número.
Srs. Deputados, não vou anotar o que de mais importante a Comissão consensualizou, pois grande parte já aqui foi dito pelo Sr. Deputado José Manuel Maia, embora eu não concorde com muitas das conclusões por ele retiradas. De resto, já o fiz na minha última intervenção e tenho o dever de vos poupar a uma repetição impertinente.
O trabalho realizado pela Comissão é digno - estou certo disso - da vossa atenção. E se ao Partido Social-Democrata se deve o principal impulso e o maior número de propostas adiantadas, não é menos certo que o Partido Socialista e o Partido Comunista lhe deram tão largos e valiosos contributos que os diplomas em apreço já não pertencem a qualquer deles mas são o resultado das convergências conseguidas, onde o espírito de transigência, a cordialidade e a procura das melhores soluções andou a par de um vincado «sentido de Estado», que dominou todo o trabalho da Comissão.
Concluímos, assim, uma primeira etapa deste longo processo de reforma. Longo porque nem sempre os Srs. Deputados e os grupos parlamentares tiveram a disponibilidade de tempo para se poderem realizar as reuniões que eram necessárias, mas penso que vamos prosseguir com a apreciação da Lei Orgânica nos segmentos que respeitam à maior operacionalidade dos processos previstos em cada um daqueles diplomas. Porventura, no que respeita a um melhor e mais eficaz apoio as comissões e aos Srs. Deputados, muito especialmente, segundo penso, na elaboração de relatórios, que se vão tomar mais exigentes quanto à forma e conteúdo, para que o Plenário possa ter uma visão mais aprofundada dos temas que lhe derem causa.
Há ainda algumas leis avulsas que irão ser objecto do seu estudo, designadamente a que se refere ao registo de interesses e à declaração de rendimentos dos titulares de cargos políticos. Mas os quatro diplomas que vos são presentes, respeitantes às Comissões de Inquérito, Direito de Petição, Estatuto do Deputado e Regimento constituem, no seu conjunto, o núcleo essencial da reforma conseguida. Por ela se pretende um Parlamento mais dinâmico, mais vivo, mais transparente e, sobretudo, mais envolvido na teia dos problemas do povo que representamos, para que ele seja o centro e motor das soluções que se esperam na resposta aos desafios com que nos confrontamos.
O ano de 1993 vai ser de transição, mas também e fundamentalmente ano de mudanças, porque não só o povo o exige como também razões internas e externas o impõem.
Há dias, Sua Excelência, o nosso Presidente, dizia a um jornalista, com a autoridade e o saber de mestre, que a reforma «não é uma questão de leis. É uma questão de mentalidades. Por isto, o Regimento não muda nada se a mentalidade das pessoas não for mudando nesse sentido. E, às vezes, o antecipar para o regime de uma solução vai burocratizar essa solução, ela ritualiza-se e depois não consegue mudar a realidade». Estas foram as palavras do nosso Presidente.
Estamos com Sua Excelência, Sr. Presidente, quando retiramos a ilação de que as reformas pouco ou nada valerão por si se os agentes que lhes vão dar expressão prática não forem capazes de ganhar uma nova mentalidade. Deles depende, sem dúvida, a eficácia do preceituado nas normas. Mas penso, pela experiência vivida com os meus pares, que esta renovação de mentalidades é um dado adquirido e que, pelo seu empenhamento, entusiasmo, competência e sentido de responsabilidade, saberão actuar de modo a colmatar omissões, ultrapassar deficiências e avançar com propósitos que enriquecerão o conteúdo dos normativos fixados, para uma maior dignidade e prestígio do Parlamento.
A premonição de Vossa Excelência, Sr. Presidente, foi justa, pertinente e oportuna. Vamos, por certo, tê-la sempre presente para que o exercício do nosso mandato não seja de tal modo ritualizado que não acompanhe as mudanças que a realidade exige.
Estes serão, meus caros companheiros, os meus votos e o meu empenho para que o nosso Parlamento seja a sede e a matriz onde o povo se reveja com o orgulho de o ter constituído.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Terminamos hoje uma parte importante, mas limitada, das reformas do funcionamento do nosso sistema político. Essas reformas passam, necessariamente, por uma revalorização do papel da Assembleia da República nos vários tipos de competências que, constitucionalmente, lhe são atribuídas; pelo aprofundamento dos mecanismos de relacionamento da Assembleia, dos grupos parlamentares e Deputados com os cidadãos; pela maior transparência e visibilidade do trabalho parlamentar; pela maior iniciativa e responsabilização dos Deputados face aos eleitores; por uma leitura clara e responsabilizante das relações entre Governo e Assembleia, quer no que respeita

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à função legislativa, quer à função fiscalizadora; pela necessária actualidade do debate político no Plenário. Em suma, por fazer do Parlamento o centro nevrálgico da vida democrática, do debate e da iniciativa políticos.
Todos temos consciência de que as reformas que hoje iremos votar constituem apenas um instrumento necessário mas por si só incapaz de, decisivamente, revalorizar o papel do Parlamento. Desde logo porque as reformas legais têm sempre várias leituras e uma das possíveis leituras é sempre a de que há que reformar para que tudo fique na mesma.
A resistência à mudança é um dado permanente do funcionamento dos sistemas jurídicos e políticos - a lei não é o «Abre-te Sésamo!» das mudanças necessárias se as relações de forças em favor da conservação e da manutenção do statu quo impuserem a rápida recuperação da situação antecedente.
É necessário que a reforma encontre o caldo de cultura necessário, por parte da maioria e da oposição, para que possamos romper com os hábitos instalados e vencer o peso do imobilismo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mais do que o escrito, importa saber do espírito com que todos, sobretudo a maioria, iremos encarar no imediato a necessária revalorização do Parlamento e o seu papel no sistema político.
Continuarão a maioria e o Governo a dificultar a fiscalização pela Assembleia dos actos do Governo e da Administração, designadamente não dando resposta ou dando resposta evasiva às questões orais ou às perguntas escritas formuladas?
Continuará o Governo a entender que a forma, por excelência, de legislar é o uso sistemático das autorizações legislativas, em desfavor da apresentação de propostas de lei?
Continuará o Governo a enviar à Assembleia tarde e a más horas todos os elementos em seu poder relativos a trabalhos preparatórios das propostas de lei e pedidos de autorização legislativa?
Está a maioria disposta a encarar favoravelmente a necessária e urgente regulamentação dos poderes constitucionais da Assembleia da República face às matérias comunitárias?
Está a maioria disposta a dignificar os trabalhos das Comissões de Inquérito, assumindo na sua plenitude o poder de fiscalização, que também é seu e não apenas da oposição?
Está a maioria disponível para valorizar os trabalhos das Comissões Permanentes, desde logo contribuindo para as apetrechar com os meios técnicos necessários ao seu digno funcionamento?
Estão a maioria e o Governo disponíveis para fazer do Hemiciclo o lugar próprio para o anúncio das iniciativas políticas ou continuarão a privilegiar as agências noticiosas e as conferências de imprensa?
Da resposta a estas questões, que só a prática nos dará, depende em grande parte o êxito das reformas que hoje vamos votar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: esta não é a nossa reforma! Não é a reforma que o Partido Socialista entende que melhor serviria os interesses do sistema político democrático. Várias das propostas que apresentámos e que continuamos a julgar importantes não mereceram a aprovação da maioria, do PSD. Mas o nosso contributo foi
decisivo para que se pudesse formar um corpo de preceitos que, no seu todo, constituem um avanço positivo para a revalorização do Parlamento. Entendemos que não seria viável uma reforma parlamentar sem um amplo consenso. Não estamos de acordo com todo o conteúdo desta reforma, mas damas o nosso voto ao seu sentido geral e encontramos nela muito de evolução positiva.
O sistema democrático de base parlamentar encontra--se hoje sob o fogo cerrado dos que, sempre se afirmando democratas, dão largas a uma autêntica esquizofrenia antidemocrática, que vai encontrando algum eco em camadas da população que, atingidas quer pela crise económica quer pela crise geral de valores, procuram demiurgos, que fazem da demagogia anti-sistema a arma de arremesso contra os partidos, os Parlamentos, os políticos, o regime democrático.
É tempo de os democratas encararem seriamente o conjunto de questões com que hoje se defrontam as democracias parlamentares e encontrarem, dentro do sistema, os antídotos necessários para evitar o seu desaparecimento.
A representação é sempre comunicação, a representação parlamentar como forma de formação da vontade política não pode perder de vista ser a vontade popular a ratio e o fundamento da soberania e que «a participação directa e activa dos cidadãos na vida política constitui instrumento fundamental da consolidação do sistema democrático»- artigo 112.º da Constituição da República.
Por nós, Partido Socialista, continuaremos empenhados em contribuir para que todas as reformas de aperfeiçoamento do sistema radiquem na crescente transparência da vida política na participação empenhada dos cidadãos no conjunto de decisões que a todos dizem respeito, na comunicação constante entre representantes e representados.
São estes os caminhos certos da reforma que hoje iniciamos.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.

O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, uma nótula de carácter pessoal, mas que julgo integrar-se no ambiente desta sessão: sou presidente da assembleia geral do Clube de Futebol Os Belenenses, e pela primeira vez na história do Estádio do Restelo, assisti surpreso a manifestações de símbolos e práticas fascistas e nazis durante um espectáculo desportivo.
Sou pela necessidade das medidas repressivas e preventivas...

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Mas o que é que isto tem a ver com a
reforma do Parlamento?

O Orador: - Não consigo perceber o que a Sr.ª Deputada disse, mas estava a dizer que, pela primeira vez, assisti a manifestações nazis no Estádio do Restelo. No meu clube, não consta que isso tenha sucedido noutros.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Mas isso não está relacionado com o tema em discussão.

O Orador: - Pois não, julgava que a Sr.ª Deputada estava a referir-se a este assunto.
Sou pelas medidas preventivas, visto que os problemas na democracia se resolvem com mais democracia. Mas,

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entre ás medidas preventivas, há que dar relevo muito especial a um trabalho pedagógico no qual se integrem os órgãos da comunicação social: É preciso que: acabe um certo discurso: referenciar, por exemplo, um simples chuto como um tiro; é preciso que acabem os jogos de vida ou, de morte e os impróprios para cardíacos. Quer isto dizer que há um estilo de discurso nos órgãos da comunicação social que já tem um carácter demasiado bélico.
Gostava de chamar a atenção da Câmara para o seguinte: o desporto só se justifica como contrapoder ao poder das taras dominantes e não pode continuar a, reproduzir a multiplicar as taras da sociedade, não se destina a fazer bestas esplêndidas, mas homens é em favor desses homens e da sua dignidade de pessoas que o desporto, deve ser praticado e institucionalizado. O desporto deve conduzir ao pólo oposto da alienação e, portanto, contribuir para a entrega do homem a si próprio.
Eu de via uma palavrinha, sobre este assunto, dado que sou presidente da assembleia gerai do Clube de Futebol Os Belenenses e não poderia calar-me.
Agora vou referir-me ao tema sobre que, versa o período da ordem do dia.
Se a forma de exercício parlamentar fosse outra, talvez de outra, maneira pudesse falar, desta reforma. Mas como, sem essa reforma me vem, faltando sempre tempo para agora dela falar, desejo aproveitar os generosos minutos que a defunta - espera-se- forma parlamentar me faculta, ainda para reafirmar com a veemência, da razão democrática o quão prejudicado, tem sido o meu partido com o actual quadro legal da Assembleia da República e, com o actual figurino da actividade parlamentar.
Mas quero também, por ser verdade e inteiramente justo, salientar o espírito de solidariedade democrática que todos os grupos parlamentaras, sem exepção, manifestaram ao PSN, reconhecendo a evidente situação de desfavor, democrático em que, ao longo da sessão legislativa finda, se tem mantido o seu Deputado.
É, pois chegado o momento de vermos toda essa indicativa e animadora promessa de solidariedade concretizada em factos, isto é,, na aprovação da legítima pretensão do PSN em constituir-se em grupo parlamentar com a plenitude das inerentes regalias.
A seu devido tempo tivera oportunidade de distribuir pelos grupos parlamentares uma interpretação dos artigos 62.º e 63.º da Lei Orgânica da Assembleia da República que, embora não estando neste momento em apreço, espero possa ter contribuído para ajudar o reconhecimento da não contradição entre a solidão aritmética do Deputado do PSN e a sua dimensão instrumental e representativa dos 96 000 eleitores que nas últimas eleições legislativas votaram no meu partido.
A actual situação em que me encontro é tecnicamente a de refém: permanentemente envolvido em trabalhos parlamentares, comissões, Plenários, etc., sem tempo, quer para exprimir suficientemente as preocupações dos que me elegeram, quer para contactar localmente com os portugueses cada vez mais divorciados da vida cívica.
É, pois, grande a esperança que o meu partido e todos os que nele confiaram depositam neste louvável esforço de adequar a praxis parlamentar aos desígnios representativos que lhe estão subjacentes. É um esforço que, se tiver sido ditado por um qualquer arranjismo, estará fatalmente votado ao fracasso. Mas é nossa convicção de que se tenha tratado de uma urgência cívica em ordem ao estabelecimento dos laços de confiança entre as cidadãos e os seus representantes, para bem do regime e da própria nação e olfacto de ter sido o próprio Parlamento a sentir essa urgência é o indício mais eloquente da própria vitalidade da democracia.
Mais participação, melhor representação: estes os objectivos tão urgentes quanto decisivos desta reforma: Este o desafio cívico que a todos é dirigido!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, a propalada reforma do Parlamento é uma reforma coxa: na nossa opinião, dever-se-ia quer através dar revisão do Regimento, quer da do Estatuto dos Deputados e da Lei Orgânica da Assembleia da República, concorrer para se dispor de um Parlamento mais participativo, com poderes mais reforçados e com um claro respeito pelos direitos das minorias.
O articulado do nosso Regimento é demasiado longo e não afasta, desde logo, o domínio das maiorias, contendo perigos de uma maior governamentalização do Parlamento. A Assembleia da República deve prestigiar-se e ser transparente como órgão legislativo, mas também como órgão fiscalizador da actividade governamental e da Administração Pública. E é desde logo; grave o facto de se ter impedido a aprovação de uma norma que obrigasse o Primeiro-Ministro a deslocar-se mensalmente à Assembleia da República, como, aliás, sucede noutros parlamentos. Veja-se o exemplo do Primeiro-Ministro britânico, que participa obrigatoriamente, todas as semanas, em debates realizados na Câmara dos Comuns; respondendo às questões colocadas pelos Deputados.
O aprofundamento da nossa democracia- passa pelo reforço do Parlamento como instituição central do debate político e obrigaria a que os diplomas em apreço não ficassem aquém do que seria de esperar. No que concerne ao caso dos Deputados independentes, a Intervenção Democrática, através do Sr. Deputado Raul Castro, apresentou propostas de alteração ao Regimento no sentido de serem corrigidas algumas disposições que não se harmonizam com os direitos reconhecidos constitucionalmente a todos os Deputados.
Não exageramos no nosso projecto de resolução como, aliás fica claro na sua exposição de motivos, pois naturalmente que não deixa de se ter presente que o próprio estatuto de independente não pode colocar-se em pé de igualdade com os grupos parlamentares quanto à forma de regulamentação do exercício dos seus direitos parlamentares. Nessa perspectiva, e não se tratando de uma falsa concepção de concorrência com os grupos parlamentares, apresentamos algumas propostas para melhorar o Regimento expressando, nomeadamente, que não faz sentido atribuir um tempo de intervenção comum aos Deputados independentes; como se pertencessem a uma mesma organização, quando até acontece o contrário. Por um lado, não é concebível que nunca possam intervir no PAOD ou nas sessões de perguntas ao Governo, se bem que, em relação ao PAOD, a questão tenha sido minorada.
Finalmente corrige-se no nosso projecto a manifesta exiguidade do tempo de intervenção, estabelecendo uma diferença necessária nos chamados debates nobres: A este propósito, dou uni exemplo: apresentei, como Deputado, variadíssimas; propostas de alteração ao Orçamento do Estado em sede de comissão, mas não as pude votar, integrei esta, comissão parlamentar que discutiu a reforma do Parlamento, discuti várias propostas e projectos de al-

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teração, mas também não os pude votar, apesar de ser Deputado! Ora, parece-me que algo tem de ser melhorado em relação à situação dos Deputados que não integram grupos parlamentares.
Também no tocante à Lei Orgânica - e falo nela porque nunca deveria ser votada uma reforma do Parlamento sem se considerar ao mesmo tempo a Lei Orgânica, pois é um documento essencial para o funcionamento da Assembleia da República-, entendemos que os Deputados independentes devem dispor de funcionários de sua livre escolha, pelo menos de um adjunto. É muito importante dispor de meios constitucionalmente previstos para a actividade parlamentar e, se é importante termos um gabinete próprio e o necessário equipamento, como ora acontece, já se torna inaceitável não poder contar, pelo menos, com um funcionário, seja para dactilografar, seja para atender os telefones ou para assessoria. Um Deputado independente tem mais ou tanto trabalho como os que integram os grupos parlamentares, e é lícito pensar que como Deputados independentes temos demonstrado total empenhamento na valorização dos trabalhos parlamentares. É público e é notório! Precisamos, por essa razão, Sr. Presidente e Srs. Deputados, de alguém que nos apoie no nosso gabinete.
Quanto aos restantes textos, como os referentes às petições, às comissões de inquérito e ao Estatuto dos Deputados, os resultados a que se chegou não são de molde a poderem ser considerados como francamente positivos. Longe disso! A Assembleia da República merece que no futuro se melhore qualitativamente estes diplomas que são essenciais para a actividade parlamentar!

(O Orador reviu.)

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A reforma do Parlamento, ponto de honra do PSD mas também do empenhado interesse dos Deputados e grupos parlamentares, era aguardada com expectativa e interesse por todos, Deputados e cidadãos, que vêem na Assembleia da República o órgão de soberania que, pela representatividade e funcionamento democrático e plural, atribuições fiscalizadora e legislativa, deve garantir o funcionamento democrático da sociedade portuguesa nas fronteiras traçadas pelo regime constítucional vigente.
Ao fim de vários meses de debate em comissão, constata-se que os ovos postos já estavam chocos O consenso pretendido e o que dele resultou sublinha, uma vez mais, o cerco que o PSD consegue impor ao Partido Socialista, objectivamente sustentado pelo acordo de Maastricht, enquanto Pacheco Pereira zurze sem piedade na oposição inconsequente do PS, dando deste partido uma imagem dolorosamente taxista. De facto, o consenso entre os dois partidos foi todo ele feito na base dos projectos do PSD, com alguns contributos subsidiários. «A montanha pariu um rato!»
Não basta dizer que os documentos propostos não são piores que os reformados. Seria preciso que respondessem claramente às exigências democráticas que a vida lá fora e a prática parlamentar colocam.
As petições, menina dos olhos do PS na revisão constitucional de 1989, em duas penadas transformam-se de instituto político destinado a estimular a participação democrática dos cidadãos em intermediação burocrática, sem
eco, encerrada em conspícuas comissões. A primeira penada é logo a exigência do quádruplo das assinaturas até hoje requeridas para a petição subir a Plenário. Segunda penada, a petição perde dignidade ao deixar de ser o motor para passar a ser um atrelado - se, até aqui, embora com a ineficácia conhecida, a petição provocava a avocação a Plenário de iniciativas correlativas, agora será a petição a ser avocada se houver iniciativas agendadas.
Os inquéritos parlamentares, em vez de uma arma acerada de fiscalização do Governo e da Administração, são um escudo posto à disposição do Governo contra essa mesma fiscalização. A sua publicidade não está garantida e só a maioria na comissão, que é a maioria do PSD, pode garantir a convocação de depoentes. Em vez de inquérito eminentemente político, com repercussão e consequências políticas, temos inquéritos quase parajudiciais, que podem ser impedidos se o seu objecto tiver sido motivo de pronúncia pelos tribunais.
Teremos uma presença mais assídua do Governo, mas por sua iniciativa própria, aumentando assim a governamentalização do Parlamento. Nos debates normais, o Governo por cima. Mensalmente, um show-off do Governo, se se dignar a estar presente. Anualmente, debate sobre o estado da Nação, num arremedo de moções de confiança encapotadas. Neste âmbito, de positivo apenas o facto de nas sessões de perguntas ao Governo haver uma generalização do debate.
No Regimento saem reforçados os grupos parlamentares e aumentam os poderes do Presidente e da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares. Os artigos 53.º e 65.º , em contradição substancial bem ponderada, permitem que só haja Plenários de 15 em 15 dias, podendo reduzir o peso político do Parlamento e afastando-o ainda mais da intervenção na vida nacional
Os Deputados, constitucionalmente os detentores individuais do poder soberano, continuam dissolvidos no reino dos grupos parlamentares. O que de novo surge quanto aos Deputados independentes é tão-só uma correcção parcial de uma inconstitucionalidade flagrante, que é a da limitação do seu poder de iniciativa legislativa - passam a poder integrar comissões, mas não as podem escolher; podem propor agendamento de projectos de lei, mas não os podem agendar; podem, teoricamente, exercer o seu mandato, mas não têm direito a apoio qualificado.
Chega a argumentar-se contra a independência dos Deputados para os condenar a ser dependentes dos grupos parlamentares dos partidos em cujas listas foram eleitos. E isso porque a Assembleia seria estranha a tais acordos que, no entanto, são acordos políticos, legítimos, com objectivos transparentes e como tal reconhecidos publicamente. Mas mais estranho é que se a Assembleia fosse estranha a tais acordos argumentasse com eles para se tornar ela própria estranha aos direitos constitucionais e parlamentares dos Deputados independentes.
Na última sessão legislativa ficou provado à saciedade que a qualidade e o volume de trabalho desenvolvido pelos Deputados independentes não teria existido sem apoios qualificados. No entanto, estranhamente, o Regimento continua a não reconhecer a sua existência.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: as teorias que tendem a reduzir a democracia à vontade do Governo saído da maioria, isto é, a uma casca de laranja - como muito bem disse Fernando da Costa-, têm bons seguidores. Bom será que a Assembleia da República não se transforme num deles!

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na época em que se fala na «crise da representação» ou da «crise do Parlamento» e na altura em que, em Portugal, existe alguma ansiedade sobre o tema, os Deputados não podem queixar-se de que as modificações das regras sobre o seu estatuto e sobre o funcionamento do Parlamento sejam analisadas com especial rigor.
Após um longo e bem publicitado trabalho sobre a chamada «reforma do Parlamento», que teria por objectivo a dignificação da Assembleia da República, do Estatuto dos seus Deputados, a reabilitação do instituto de inquérito, que caíra em quase total descrédito, e a aclaração, com modificações substantivas, do exercício do direito de petição, sobem, hoje, a uma rápida e quase simbólica discussão no Plenário - com a óbvia alegação de que tudo foi minuciosamente tratado na comissão criada para o efeito- um lote de diplomas que, embora formalmente se apresentem como textos que mereceram consenso entre todos os partidos presentes neste Hemiciclo, em bom rigor não passam de uma operação de cosmética empreendida com sucesso pela maioria social-democrata, acompanhada, como vem sendo hábito em certas alturas, pelo maior partido da oposição - o Partido Socialista; o mesmo Partido Socialista que deixou ficar pelo caminho algumas das propostas que o Sr. Deputado Jaime Gama entendia tão indispensáveis que por elas chegou mesmo, sem sucesso, como é conhecido, a pôr em causa a revisão constitucional mínima para efeitos de ratificação do Tratado de Maastricht.
Matérias como a regulamentação do direito, agora consagrado na Constituição, de o Parlamento ser previamente informado da actuação do Governo na esfera da construção da União Europeia, as normas sobre o regime das imunidades e incompatibilidades, a declaração dos interesses dos Deputados, a modificação da própria legislação sobre a declaração de riqueza e rendimentos dos titulares de cargos políticos não viram ainda desta vez a luz do dia. A questão, hoje candente, sobre a revisão do regime de subsídios vitalícios e de reintegração após o termo das funções de Deputado, cuja iniciativa foi tomada pelo CDS, ficará, assim, a aguardar uma nova fase de revisão. Outro tanto sucede com a revisão da Lei Orgânica da Assembleia e com o estatuto do pessoal administrativo desta Casa, para apenas indicar as lacunas mais importantes.
As modificações que hoje vão aqui ser votadas não representam mais que algumas adaptações do Regimento às sempre crescentes preocupações de hegemonia da maioria e, em particular, de hegemonizar o Parlamento. Algumas introduções de matéria nova quanto aos poderes do Governo, que são aumentados, quanto à sua presença no Hemiciclo, mesmo que facultativa, não têm contrapartida nas competências das oposições, ficando tudo na mesma quanto à própria aplicação dessas normas, que ficam dependentes do exclusivo critério da maioria parlamentar.
Mesmo os institutos, que por todo lado são considerados em primeira linha como armas da oposição contra os abusos e ilegalidades do Governo ou as formas de fiscalização política dos membros do Executivo e dos actos da Administração ficam, em Portugal, na dependência do favor da maioria. No próprio caso do inquérito parlamentar, é a maioria que comanda o seu andamento, lhe fixa os contornos substantivos e adjectivos, o que impede o princípio de livre descoberta dos elementos probatórios por parte de qualquer membro da comissão, limita os espaços de investigação, deixando para o seu exclusivo juízo a conclusão final. De pouco valerá contra isto dizer que o debate do relatório final ocorre no Plenário, sabendo-se que a decisão de realizá-lo e o tempo de intervenção da oposição dependem do voto da maioria. Ao fim e ao cabo, o poder governamental é fiscalizado politicamente pelo poder parlamentar da maioria - e sempre o anverso e reverso da mesma moeda cunhada pelo Governo.
Quanto ao magno problema, que no princípio pareceu dividir o PSD e os restantes partidos da oposição, sobre a frequência da realização de sessões plenárias, verifica-se que, após conversas de bastidores, o partido interessado em reduzi-las levou a melhor, com a aquiescência do Partido Socialista, pois é claro e líquido que a fixação na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares dos tempos de Plenário está sujeita aos humores da maioria.
Quanto ao Estatuto dos Deputados, verifica-se que cada Deputado pode suspender o seu mandato por mais de um terço do tempo da legislatura e, se souber coadunar as férias parlamentares com as suspensões, é-lhe possível estar apenas presente durante a metade do tempo por que foi eleito. Se se juntar a esta circunstância a generosidade do elenco das causas de justificação das faltas - lembro as dificuldades de transportes, a objecção de consciência, «a vida e interesses dos Deputados» e o apoio dado ao Deputado-estudante -, o absentismo justificado (passe a expressão) é a fonte maior do laxismo no exercício das funções de Deputado eleito pelo povo para, em permanência, representar e defender os seus interesses.
O artigo 12.º do projecto de lei n.º 55/VI, que estabelece as condições de exercício da função de Deputado, mantém intacto o problema várias vezes levantado pelas oposições. O n.º 4 impõe o dever aos serviços da administração central de facultarem aos Deputados os elementos e as informações, mas permanece sem resposta a questão de saber se o agente da Administração deve estar munido de prévia autorização do seu ministro ou, mesmo, se o Deputado, antes de se dirigir ao agente administrativo, deve informar o membro do Governo respectivo.
Quanto à indemnização por danos previstos no artigo 12.º-A, não se prevê o direito de regresso do Estado contra o autor da ofensa. Se houvesse lugar a este regresso, não se fixaria este montante sem a intervenção do Ministério Público e do princípio do contraditório e da defesa do eventual ofensor.
Felizmente, à última hora, o regime do protocolo previsto no artigo 21.º-A, já objecto de longa discussão, foi substituído, mas as propostas denotavam uma atracção pelo bipartidarismo que esforçadamente os dois maiores partidos procuram introduzir no nosso sistema político.
Quanto aos agendamentos, a maioria e o Governo passam a somar 81 iniciativas a seu favor, contra 19 dadas a todas as oposições, não se fazendo qualquer distinção entre partidos que têm um Deputado eleito e um grupo parlamentar com mais membros.
Finalmente, quanto às petições, além de a Assembleia da República funcionar em muitos casos como uma simples caixa do correio, o novo procedimento diminui os poderes da Assembleia, pois, nos casos em que o Parlamento não tem competência para lhes dar seguimento, a solução normal seria o seu arquivamento, com a comunicação ao peticionário das razões da incompetência material. Por outro lado, a diligência conciliadora, que parece

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assumir um carácter quase pré-judicial, não se coaduna com o prestígio e as funções da Câmara, que deve tomar posições políticas sobre o objectivo das petições e não adoptar as fórmulas dos procedimentos judiciais. A exigência de 4000 peticionários para apreciação do Plenário é um exagero injustificável. Faz-se, assim, sair pela janela o direito de exercício de petição, que é uma das grandes conquistas da nossa democracia participativa.
Em resumo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a revisão parcelar fica muito aquém das expectativas criadas e reforça os poderes do Governo e da maioria, em prejuízo das oposições.
Quanto ao regime dos inquéritos e das petições, apesar do nosso inconformismo, não temos razões suficientes para romper um desejável consenso que deveria existir neste momento. As alterações ao Regimento, por seu turno, pecam, em grande parte, por serem feitas contra a oposição.
Mas o que fundamentalmente rejeitamos é que, nesta circunstância política, em que se erguem vozes altamente críticas sobre os privilégios dos políticos, se proceda a uma simples maquilhagem do Estatuto dos Deputados, deixando ignoradas, quase provocatoriamente, todas as questões difíceis que a opinião pública e muitos Deputados, cada vez mais, querem ver esclarecidas.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Leonardo Ribeiro de Almeida.

O Sr. Leonardo Ribeiro de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como é do conhecimento da Câmara, eu exerço as funções de presidente da Comissão de Petições.
Desejava, antes de mais, agradecer ao Sr. Deputado Fernando Amaral e aos membros da Comissão Eventual para a Reforma do Parlamento a atenção que dispensaram à Comissão de Petições, na medida em que tiveram a cortesia de lhe submeter o projecto de lei que elaboraram sobre a alteração à Lei n º 43/90, que actualmente rege e define o regime do exercício do direito de petição.
Também não foi menos gratificante saber que a Comissão Eventual atendeu quase todas as observações que, a esse respeito, a Comissão de Petições lhe transmitiu, depois de analisado o referido diploma, e devo acrescentar que o projecto de lei que está neste momento a ser submetido à apreciação da Câmara tem, sem excepção, a plena concordância da Comissão de Petições.
Não quero entrar na sua análise, pois tal afigura-se-me desnecessário; contudo, há um ponto que me parece dever salientar e que é este: o entendimento do Sr. Deputado Fernando Amaral expresso na Comissão é o de que deste texto resulta uma certa valorização política da Comissão de Petições. Tal como já foi aqui afirmado por vários Srs. Deputados, em relação ao exame das petições pelo Plenário, há uma limitação em razão do aumento do número de assinaturas necessárias para impor essa mesma discussão. Até aqui bastavam 1000 assinaturas para qualquer petição colectiva ser necessariamente discutida em Plenário; esse número passou para 4 000, mas é necessário dizer que isso foi feito através de uma disposição nova inserida no artigo 20.º do diploma em discussão, onde se diz que as petições são apreciadas, em Plenário, sempre que sejam subscritas por mais de 4 000 cidadãos.
Um novo preceito estabelece também que serão discutidas em Plenário as petições sobre as quais a Comissão elabore relatório e parecer devidamente fundamentado e favorável à sua apreciação em Plenário, tendo em conta, em especial, o âmbito dos interesses em causa a sua importância social, económica ou cultural e a gravidade da situação objecto da petição.
Ora isto significa que há agora uma responsabilidade política alargada, o que só enobrece as funções da Comissão de Petições; a verdade é que não se faz depender sequer do número de assinaturas a disponibilidade que a Comissão tem.
Assim, o que desejo salientar é que este texto, que corresponde a uma razoável melhoria, não deixa, em todo o caso, de levantar a questão relativa a um apoio técnico e jurídico efectivo à Comissão de Petições. As petições que entram nesta Assembleia endereçadas a V. Ex.ª, Sr. Presidente, são em número crescente. Pela magnífica compreensão que há meses o Sr. Presidente teve para com este problema que tive a honra de lhe expor, foi possível afectar à Comissão de Petições dois juristas desta Casa o que é manifestamente insuficiente. Ora, a dignidade do direito de petição e o alto valor democrático que essa instituição representa exigem e impõem um apoio absolutamente necessário e imprescindível.
Era, pois, neste sentido que gostaria de sensibilizar a Câmara. Seria vantajoso que, com a maior rapidez possível, esta Câmara definisse um apoio exclusivo, próprio da Comissão de Petições, para que ela possa, efectivamente, cumprir os deveres correspondentes à dignidade do direito que lhe cumpre servir.

Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Prometida, pelo PSD, como uma grande novidade para o início dos trabalhos parlamentares, a reforma parlamentar parecia que era a grande transformação que iria introduzir profundas modificações no modo de funcionamento deste Parlamento. Prometia a moralização da vida política; prometia ser portadora de transparência, eficácia e operacionalidade; prometia a responsabilização do papel das Deputados, bem como a criação de mecanismos de aproximação efectiva aos cidadãos.
É por isso que, perante o texto que hoje é apresentado - e faço-o na qualidade de Deputada faltosa, que participou muito pouco no trabalho da Comissão Eventual para a Reforma do Parlamento, mas que não deixa de apreciar o trabalho feito por outras Deputados, designadamente pelo Presidente da Comissão, Sr. Deputado Fernando Amaral -, não posso deixar de, na qualidade de Deputada eleita por Os Verdes, fazer um juízo de avaliação sobre esse projecto de lei que hoje vai ser votado.
Em primeiro lugar, a grande reforma que foi anunciada é, no fundo, uma reforma que sai em fascículos, que não encara globalmente os problemas, que fala na necessidade de aproximação, de operacionalidade e eficácia, mas que mantém à margem a discussão sobre a Lei Orgânica, que não resolve os problemas internos de funcionamento desta Assembleia, que não equaciona grande parte das questões que hoje se colocam a este Parlamento, nomeadamente os respeitantes aos mecanismos de acompanhamento da construção europeia.
Para nós, esta é uma falsa reforma! É, tal como hoje já foi aqui dito, uma «reforma de cosmética», que toca no secundário, mas que mantém intocáveis as questões essen-

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ciais, não sendo, capaz de ouvir, embora essa tenha sido uma preocupação anunciada, a voz daqueles, que estão fora deste Parlamento, dos muitos portugueses ,que já não votam hoje nos Deputados, porque não acreditam na eficácia do regime parlamentar e não vêem traduzida, dentro do Parlamento, no modo como ele funciona, na rapidez de dar resposta, às suas, preocupações e anseios uma capacidade de aproximação, de escutar, de saber ouvir o que se passa lá fora.
Em concreto, gostaria de colocar algumas questões, que me parecem graves, do ponto de vista do projecto de lei apresentado.
Em primeiro lugar, a questão da moralização da vida parlamentar é algo que toca profundamente os Portugueses. As sondagens de opinião são claras relativamente ao mal estar e, à opinião extremamente crítica que os Portugueses têm do Parlamento.
O que é facto é que, embora anunciado com grande entusiasmo, nada foi mexido no sentido de transformar efectivamente essa realidade. Não há medidas inovadoras! Não há medidas ousadas!
Assim, o controlo de riqueza dos titulares de cargos políticos fica para segundas núpcias. E também a referência aos cargos de nomeação governamental, aspecto extremamente interessante e que o próprio PSD tinha colocado na sua proposta inicial - artigo 19º. Assim desaparece sem que qualquer explicação plausível, seja encontrada.
Também o absentismo continuará como aqui já foi a ser possível com os mecanismos de justificação múltiplos que foram introduzidos.
As petições, como um instrumento, extremamente importante da participação dos cidadãos e como uma forma que traduz ainda a confiança que alguns depositam neste Parlamento, ficam prejudicadas, já que o aumento para 4000 do número de subscritores não parece em nosso entender, favorecer a utilização desse mecanismo. Aliás, igualmente nos parece que o não equacionar do funcionamento da Comissão de Petições com o alargamento do quadro técnico que urge fazer mantém a actual situação das petições como um mero exercício de forma que acaba por desprestigiar, desencorajar, desmobilizar os peticionários, mau grado o esforço dos Deputados e de todos os que fazem parte da Comissão para dar resposta adequada. Este é, quanto a nós, outro aspecto que nos parece, extremamente gravoso.
As comissões de inquérito, mau grado ter sido anunciado e prometido que seriam tão abertas quanto possível, tem uma abertura limitada. Assim, aos Deputados continua a ser negada a possibilidade de terem livre acesso ou de requererem informação às instituições a que entendam dever recorrer no sentido de uma participação mais plena nessas comissões.
Por outro lado, a própria visão estreita desta proposta, que é partidária está expressa na introdução de um elemento novo na constituição dos grupos de trabalho para as comissões de inquérito quando se estabelece que deles, fazem parte apenas representantes dos quatro maiores grupos parlamentares. Este aspecto, novo e curioso daria lugar a que por exemplo, o Grupo Parlamentar Os Verdes, que é o mais pequeno no actual Parlamento, que foi o proponente do único inquérito feito nesta legislatura, - o inquérito ao esvaziamento da barragem do Maranhão - ficasse excluído desse grupo de trabalho. É que, tal como a proposta está redigida a sua pequenez não permite que seja colocado em pé de igualdade com os outros grupos parlamentares.
Para terminar, referiria que desta diferenciação ressalta a hipocrisia que existe quando se fala na valorização dos Deputados, quando se fala - e a Constituição é clara - que todos os Deputados são responsáveis para com o seu eleitorado, todos estão em pé de igualdade perante a Constituição e têm o mesmo grau de responsabilização perante aqueles que os elegem. É que se não se tem uma visão limitativa e redutora, criando grupos parlamentares de primeira e de segunda - e de que dou como exemplo o protocolo que é agora introduzido e que não é um aspecto acessório, mas que tem a ver com a criação e a introdução de critérios de diferenciação entre os Deputados e, neste caso, os grupos parlamentares -, não vemos como é que se verificou a introdução deste aspecto novo na proposta que ora apreciamos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, duas notas prévias. A primeira é a de que, chegados ao termo da primeira parte dos trabalhos da Comissão Eventual para a Reforma do Parlamento, desejo saudar, em meu nome pessoal e no do meu grupo parlamentar, o Sr. Dr. Fernando Amaral, presidente da referida Comissão, pela forma como desempenhou as suas funções e que constituiu elemento extraordinariamente importante para chegarmos aos resultados alcançados.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - A segunda nota tem a ver com a intervenção do meu bom amigo, Deputado Lobo Xavier. Sr. Deputado, a sua intervenção, infelizmente, surpreendeu-nos muito, uma vez que não vimos o CDS participar, nestes quatro meses 3 de longo labor, na Comissão Eventual para a Reforma do Parlamento. Aliás, seria extraordinariamente, positivo e importante que tivéssemos ouvido nessa mesma Comissão, muitas das propostas, muitas das sugestões que aqui nos deixou. De facto, teria sido mais importante que, em quatro meses de longo labor, o CDS tivesse participado nos trabalhos. Efectivamente, apenas participou numa discussão de somenos, a relativa ao ordenamento do protocolo.
Mas, voltando à reforma começo por dizer que vamos votar favoravelmente. E, vamos fazê-lo porque entendemos que se trata de uma reforma globalmente positiva e que constitui um avanço - e um avanço importante - em relação à situação actual. Aliás, não podemos olhar esta reforma de um modo isolado, pois temos de a olhar em comparação com a situação actual. Nesse campo, eram conhecidas as nossas críticas. Eram conhecidos os nossos reparos ao actual Regimento e ao actual Estatuto dos Deputados e por isso pensamos que as soluções adoptadas, não sendo, naturalmente, as ideais que advogamos, são soluções globalmente positivas.
A reforma do Parlamento constitui um processo permanente de aperfeiçoamento de uma das instituições fundamentais da democracia, mas nunca está feita ou realizada, uma vez que, uma instituição viva, feita de pessoas concretas, e representando cidadãos e pessoas concretas tem de estar permanentemente atenta à sociedade e à história. Daí a nossa preocupação em , ligar cada vez mais a Assembleia da República ao País, não deixando que se

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encerrem nestas paredes os problemas fundamentais que discutimos e que são de todos, de todos os cidadãos.
Num momento em que assistimos à crise das instituições representativas nas democracias ocidentais, não podemos ficar insensíveis as mudanças profundas que ocorrem nas sociedades complexas, devendo ser cada vez mais exigentes nas reformas, na transparência, na verdade, na abertura, para que haja mais participação cívica e melhor representação.
O Parlamento é o coração da democracia, mas não basta afirmá-lo, é indispensável dar conteúdo prático a essa afirmação. Verificamos, porém, que a imagem pública das câmaras legislativas sofre uma erosão rápida e significativa. É um problema não exclusivamente português, mas que existe.
Más porquê, perguntarão alguns? Conhecem-se as razões: as assembleias têm uma representação plural e difusa, a visibilidade da sua acção não é facilmente perceptível pelo cidadão comum e toma-se fácil personalizar críticas à classe política ou à classe dirigente num órgão colegial, como é a Assembleia. Além disso, é um facto que nem sempre os Deputados exercem a sua função como se lhes exigiria, o que é humano, mas obriga a que sejamos mais exigentes connosco, com a nossa acção e com a defesa da vontade e dos interesses dos cidadãos que nos escolhem.
Há, pois, uma reflexão que tem de ser prosseguida, a fim de que os Parlamentos possam responder adequadamente aos desejos, aos desafios que lhes são lançados, no sentido de exercerem não só as suas competências constitucionais de poder legislativo mas também as suas competências de fiscalização e acompanhamento da actividade governativa. Há um longo caminho a percorrer nesse domínio, que não preocupa apenas a Assembleia da República portuguesa mas que também está na ordem do dia não só nos Parlamentos nacionais da Comunidade Europeia mas também no próprio Parlamento Europeu.
Já dissemos, em diversas circunstâncias, que esta reforma não é a reforma ideal. Mas onde é que está a reforma ideal? Gostaríamos de ver mais audácia, apesar dos avanços importantes alcançados, nalguns domínios, como o da maior publicidade e abertura não só nas comissões especializadas mas também das comissões de inquérito ou o da presença regular do Primeiro-Ministro, que na nossa proposta deveria ser mensal, à semelhança do que ocorre noutros Parlamentos ocidentais.
No entanto, procurámos participar activamente num esforço de consenso alargado, do qual pensamos ter saído um trabalho muito meritório, que permite a nossa votação favorável dos textos que hoje estão para apreciação em Plenário. E, se há pouco salientei a atitude do CDS, agora quero salientar a contrária do PCP, que teve uma participação activa na Comissão, que fez propostas e que tem toda a autoridade para, como o Sr. Deputado José Manuel Maia aqui disse, apresentar as suas críticas, as suas alternativas.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Muito bem!

O Orador: - O nosso espírito, como já disse, é o de que, de uma forma gradualista, devemos estar sempre empenhados no aperfeiçoamento da instituição de que fazemos parte. Daí que a reforma continue, sempre com salvaguarda da necessária estabilidade, mas também com grande exigência em relação a uma maior transparência e verdade e a uma maior aproximação, não apenas artificial, entre eleitores e eleitos.
Perguntar-se-à quais os aspectos positivos que retiramos dos textos que vamos votar. Não poderei ser exaustivo na sua enumeração, mas permito-me destacar: a previsão de melhores condições de trabalho para o exercício pelos Deputados do seu mandato; o maior rigor e exigência na apresentação de iniciativas legislativas e de relatórios parlamentares; a melhor definição do que se entende por trabalho parlamentar; a inclusão da apreciação da participação de Portugal no processo de construção da União Europeia entre as prioridades de matérias a atender na fixação das ordens do dia; a clarificação do regime dos debates de urgência com previsão expressa de um prazo para a sua realização; o incentivo à vivacidade e à oralidade nos debates - aspecto por que muito, e justamente, se bateu a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques e que aqui saliento. Aliás, esta vivacidade, que importa assegurar, deve verificar-se não só a propósito dos pedidos de esclarecimento mas também a propósito das perguntas ao Governo, em cujo debate passam agora a poder participar todos os Deputados. Esse é, parece-me, um aspecto importante.
Por outro lado, a previsão de audições parlamentares, que terão lugar nas respectivas comissões por deliberação das mesmas e que serão sempre públicas, por proposta do PS; a consagração da regra segundo a qual os trabalhos das comissões devem ser, em princípio, públicos (designadamente para os jornalistas parlamentares acreditados); a adopção de um debate especial sobre a Conta Geral do Estado e a criação de uma série especial do Diário da Assembleia da República, de periodicidade quinzenal e de distribuição gratuita aos assinantes da 1.ª série do Diário da República, com transcrição dos sumários.
Consideramos ainda como positiva a previsão de debates mensais sobre temas de actualidade, de relevância nacional ou internacional, e o debate anual sobre o estado da Nação - que eu próprio tive ocasião de sugerir há alguns anos, à semelhança do que ocorre noutras democracias. Como já afirmei, ficou-se, todavia, ainda aquém do desejável no que diz respeito, por exemplo, à presença em Plenário do Primeiro-Ministro, como já tive ocasião de referir, ou à abertura total aos jornalistas, como era nossa proposta, dos trabalhos das comissões parlamentares.
Aliás, gostaria de deixar uma nota. A consagração do ciclo quinzenal não prejudica, a nosso ver e como declarámos expressamente em Comissão, a solução, que foi consagrada graças à insistência do PS, da realização obrigatória de três reuniões semanais - às segundas, terças e quartas-feiras. Também, de quinze em quinze dias, as quintas e as sextas-feiras serão reservadas, alternadamente, para o contacto com os eleitores e para reuniões de comissões.
Por outro lado, quanto às comissões de inquérito, foi possível prever expressamente que as reuniões, relativamente às quais os depoentes manifestem interesse na sua publicidade, possam ser públicas, desde que a comissão reconheça que isso não prejudicará os objectivos do inquérito e a eficácia dos trabalhos.
Um ponto há que mereceu em Comissão a nossa discordância. Refiro-me ao regime de substituição temporária dos Deputados por motivo relevante. Concordámos com o sistema geral adoptado de conceder maior estabilidade ao mandato parlamentar, procurando pôr termo a um inconveniente sistema de substituições - corropio, como alguém correctamente lhe chamou. Não estamos de acordo com esse corropio de Deputados e de substituições e

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procurámos pôr termo a esse inconveniente sistema que não dignifica a instituição e que não favorece a permanência e a dedicação no exercício das funções pelo Deputado. A regra no futuro deverá ser, porventura, a de restrição maior quanto às substituições.
Mas, agora, previu-se que a suspensão temporária de mandato não possa ocorrer por período inferior a 45 dias. Estamos de acordo, de uma forma geral; no entanto, consideramos que há uma situação especial que deveria ter sido atendida e que merecia ponderação autónoma. Refiro-me ao caso dos presidentes de câmaras municipais. É que a ligação necessária entre eleitores e eleitos tem a ver, também, com a ligação da vida política nacional ao poder local.
Daí que, sem tocar propriamente na questão de fundo que é a de saber se a incompatibilidade se deve manter no futuro, entendêssemos que deveria prever-se a manutenção do regime actual de suspensão temporária de mandato apenas para o caso dos presidentes de câmaras. Por isso votámos contra, na especialidade, o que constituiu, aliás, um caso isolado.
A Comissão Eventual para a Reforma do Parlamento não terminou as suas funções. Há, ainda, um trabalho bastante exigente que se nos coloca. Refiro-me à Lei Orgânica da Assembleia da República, basicamente, à discussão sobre as iniciativas no tocante ao acompanhamento das questões comunitárias e à transparência da vida política.
Nós próprios somos autores de propostas, num e noutro dos esquemas, designadamente de uma proposta de conjunto, já aqui apresentada, sobre a publicidade, das declarações individuais de rendimentos, sobre as declarações de rendimentos e sobre o registo de interesses.
Julgamos que a forma correcta de dignificar e fortalecer as instituições democráticas passa pela apresentação de propostas concretas e não pela prática de um discurso equívoco de base extraparlamentar. Por nós, estamos dispostos a encarar de frente as falhas, as limitações e os erros das instituições democráticas, até porque a democracia é, antes de tudo, o reconhecimento não só da imperfeição mas também de que temos como horizonte a necessidade permanente de ir mais além e de enraizar, no quotidiano, a cidadania e a responsabilidade.
Eis a que somos chamados!

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Lobo Xavier pediu a palavra, mas não dispõe de tempo. Pergunto-lhe, no entanto, para que efeito deseja usar da palavra.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, temo que a consideração da minha bancada tenha sido atingida pelas palavras do Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para comunicar à Mesa que temos todo o gosto em ceder tempo ao Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, se o Sr.º Deputado António Lobo Xavier aceitar a oferta, pode usar da palavra, por dois minutos.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, entendi as referências do Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins, meu querido amigo e pessoa que admiro, mais
como um lamento do que como uma crítica. Porém, para o caso de me ter enganado, sempre direi que, sob a aparência de uma censura, o Sr. Deputado acabou, afinal, por lisonjear o Grupo Parlamentar do CDS. Digo isto porque a sua crítica revela a crença de que um grupo parlamentar com quatro Deputados pode estar em toda a parte e falar sobre tudo. Ora, isto é, de facto, lisonjeiro, porque se trata de avantajar o nosso número com a ilusão da nossa eficácia ao longo de vários debates.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que muitas vezes poderá acontecer que os Deputados do CDS não possam estar presentes em todas as comissões ou em algumas. Assim, espero que de si não venha sempre a negação da autoridade para falar, pelo simples facto de não termos estado em reuniões de comissão.
Sendo certo que analisei, com a atenção que pude, as propostas que foram discutidas, embora condicionado pela data da minha chegada a esta Câmara e pelo facto de não ter, estado presente na Comissão Eventual, não posso abster-me de dar a minha opinião sobre elas.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, tive ocasião de salientar, da tribuna, a admiração que tenho por si e a atenção com que ouvi a sua intervenção.
Certamente verificou que houve pontos em que nos encontrámos, designadamente quanto à necessidade de olhar a crise das instituições representativas, de colmatar as dificuldades correspondentes a essa mesma crise e de não nos fecharmos dentro destas portas, mas, antes pelo contrário, auscultarmos aquilo que ocorre lá fora, no que se refere ao cidadão comum. Nesse sentido, Sr. Deputado, naturalmente que há uma preocupação comum, que me apraz registar.
Relativamente às críticas pontuais e concretas, permiti-me destacar duas atitudes: a do CDS e a do PCP. Quanto à atitude do PCP, trata-se de uma crítica, mas construtiva; quanto à atitude do CDS, também é uma crítica, mas - e é evidente que reconheço toda a autoridade ao Sr. Deputado António Lobo Xavier para referir o que disse -, relativamente à ubiquidade, gostava de lhe dar o exemplo do Sr. Deputado Manuel Sérgio, que, sendo apenas o único Deputado do PSN, participou, na medida das suas disponibilidades, nos trabalhos da Comissão Eventual.
Nesse sentido, o CDS, que tem cinco Deputados, embora hoje, momentaneamente, apenas estejam presentes quatro, está mais beneficiado que o PSN.
Porém, não sendo esta a questão fundamental, gostava apenas de dizer-lhe duas coisas, Sr. Deputado António Lobo Xavier.
Em primeiro lugar, quero reafirmar o que disse, ou seja, que alguns aspectos que referiu preocupam-nos e estamos atentos a eles, tendo até estado presentes no meu discurso.
Em segundo lugar, quero referir a necessidade, que julgamos dever aqui destacar, de que, no futuro, se criem melhores condições - e penso que este Regimento o faz - para que partidos com a dimensão do CDS possam ter uma intervenção mais activa nas comissões. É que o facto de não poderem, em muitas circunstâncias, ter uma participação activa nas comissões é um factor de, empobrecimento para esta Câmara.

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O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Paula Barros.

A Sr.ª Ana Paula Barros (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, gostaria de apresentar à Câmara, na pessoa de V. Ex.ª, Sr. Presidente, os sinceros desejos de um «Bom 1993», ano em que o Parlamento português, em boa hora, decidiu iniciar a discussão dos diplomas referentes à sua própria reforma.
Cabe-me falar-vos das alterações ao regime das comissões de inquérito, ao direito de petição e ao Estatuto dos Deputados.
Quando, em 1991, no início da legislatura, o PSD decidiu erigir a reforma do Parlamento como um dos pontos fulcrais da sua actuação, não o fez por acaso.
Na verdade, era por nós sentida a necessidade não só de valorizar o trabalho do Parlamento mas também, e sobretudo, de tomar o seu funcionamento mais transparente e mais eficaz.
Importava, pois, apresentar propostas que, de forma clara e objectiva, dignificassem, na medida em que tal depende das leis, o papel do Parlamento como instância basilar e insubstituível da democracia.
Assim, o PSD apresentou à consideração de todos os outros partidos, constituída que foi a comissão eventual, um vasto pacote de alterações legislativas que tocavam quase todos os pontos essenciais da vida parlamentar e, muito particularmente, a intervenção e o relacionamento da instituição com a sociedade civil.
Eram as nossas propostas, o nosso entendimento do que devia ser alterado, e, portanto, havia e houve que compatibilizá-las, na medida do possível, com outros entendimentos e propostas apresentados.
O resultado a que se chegou é, assim, fruto de uma reflexão em conjunto e da compatibilização possível entre os diferentes projectos e, não poucas vezes, entre as diferentes filosofias que subjaziam a cada um deles. Não é, por isso, a reforma do Parlamento do PSD.
No que toca ao direito de petição, alargou-se substancialmente, tal como o PSD propôs, o âmbito de actuação da Assembleia da República e consagraram-se objectivamente mecanismos que permitem ao Parlamento contribuir para a resolução dos problemas que afectam os cidadãos.
Assim, esta Assembleia, através da comissão encarregue de analisar a petição, pode solicitar não só a prestação de depoimentos de quaisquer cidadãos como requerer e obter, junto dos demais órgãos de soberania e entidades públicas ou privadas, documentos e informações que julgue importantes para a resolução do diferendo que lhe for presente.
Ademais, a dita comissão pode solicitar que as entidades que deram origem à situação exposta pelo peticionário tomem uma posição concreta relativamente ao problema, em face do estudo que a comissão elaborou.
Quando, em casos excepcionais, qualquer dos mecanismos que referimos não seja suficiente para solucionar o diferendo que opõe o peticionário ou peticionários aos demandados, a comissão dispõe ainda da possibilidade de realizar uma diligência conciliadora, na qual convidará a entidade que deu causa à petição a corrigir a situação ou a reparar os seus efeitos.
Com estas alterações, cremos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que se dá eficácia prática ao tratamento das petições que são dirigidas à Assembleia da República.
Por outro lado, eleva-se substancialmente o número de assinaturas necessárias para que uma petição colectiva seja obrigatoriamente apreciada em Plenário, mas não é menos verdade que, a partir de agora, qualquer petição pode ser apreciada pelo conjunto da Câmara, bastando que, para tal, a comissão respectiva elabore relatório e parecer favorável. De tudo o que se passar será sempre dado conhecimento ao primeiro signatário da petição.
Na lei ficam expressos os prazos de que a Assembleia dispõe para analisar e tratar as petições que lhe são apresentadas.
Ganhou-se em transparência, ganhou-se em eficácia, dignificou-se o Parlamento.
No que toca às comissões de inquérito, importa, antes de mais, dizer que elas constituem um instrumento significativo de fiscalização dos actos do Governo e da Administração. Neste particular, importava reforçar os poderes do Parlamento e, ao mesmo tempo, favorecer a transparência do funcionamento das comissões.
Assim, estabeleceu-se o prazo máximo de seis meses para a realização do inquérito; tornaram-se obrigatoriamente públicas as reuniões da comissão que estabeleçam os objectivos do inquérito, nomeadamente as de elaboração do questionário orientador e as reuniões finais de votação do relatório e respectivas declarações de voto, bem como todas aquelas reuniões em que os depoentes manifestem interesse na publicidade e a comissão reconheça que tal não prejudicará os objectivos e a eficácia dos seus trabalhos.
Ao mesmo tempo que se deu expressão à consagração constítucional de que as comissões de inquérito gozam dos poderes de investigação das autoridades judiciárias, tendo, pois, direito à coadjuvação dos órgãos de polícia criminal e das autoridades administrativas, nos mesmos termos que os tribunais, e podendo solicitar, por escrito, aos órgãos do Governo, da Administração ou às entidades privadas informações e obter documentos que julguem necessários; consagrou-se, dizíamos, simultaneamente, que não haverá coincidência entre o inquérito parlamentar e o processo criminal com despacho de pronúncia transitado em julgado.
Ainda no âmbito das comissões de inquérito, consagrou--se a impossibilidade de um só partido, qualquer que ele seja, inviabilizar a constituição e o funcionamento de uma comissão de inquérito. Também aqui houve retorço da transparência e promoveu-se a eficácia do trabalho parlamentar.
No que toca ao Estatuto dos Deputados, a Comissão Eventual conseguiu, cremos, atingir os objectivos que para nós eram essenciais, ou seja, os de dignificar o trabalho do Parlamento, através de uma maior responsabilização individual dos Deputados, e, concomitantemente, a consagração legal do direito ao exercício condigno do mandato pela atribuição de locais de trabalho adequados no edifício da Assembleia e nos distritos pelos quais o Deputado foi eleito.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: elaborar alterações a um tão vasto conjunto de diplomas não foi, e não é, tarefa fácil. Pelo contrário, tal exigiu uma negociação permanente, baseada na boa fé e na genuína intenção de encontrar os consensos possíveis.
Os diplomas que hoje estão em apreço, repito, não são do PSD mas, sim, o resultado de um trabalho da Comissão Eventual para a Reforma do Parlamento, no seu conjunto. Estamos convictos de que, com eles, o papel do Parla-

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mento no funcionamento da democracia portuguesa sai reforçado, porque será mais exigente, mais transparente, mais eficaz.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, por consenso geral, vamos proceder à votação final global dos textos sobre que versou o nosso debate de hoje. Já foi distribuído por todas as direcções dos grupos parlamentares um guião, onde estão ordenados os quatro textos que vamos votar. São textos apresentados pela Comissão Eventual para a Reforma do Parlamento e em cada um deles são englobadas as iniciativas, que na altura própria referirei, dos diferentes grupos parlamentares e Deputados.
Srs. Deputados, vamos, pois, em primeiro lugar, proceder à votação final global do texto apresentado pela Comissão Eventual para a Reforma do Parlamento respeitante ao regime jurídico das comissões de inquérito, que tem por base os projectos de lei n.ºs 5/VI (PCP), 53/VI (PS) e 118/VI (PSD).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do PCP, do CDS e do PSN, votos contra de Os Verdes e do Deputado independente Mário Tomé e a abstenção do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global do texto apresentado pela Comissão Eventual para a Reforma do Parlamento respeitante às alterações ao regime de exercício do direito de petição, que tem por base o projecto de lei n.º 119/VI (PSD).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS e do PSN, votos contra de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé e a abstenção do PCP.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global do texto apresentado pela Comissão Eventual para a Reforma do Parlamento respeitante ao Estatuto dos Deputados, que tem por base os projectos de lei n.ºs 55/VI (PS), 76/VI (PCP) e 120/VI (PSD).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do PCP e do PSN, votos contra do CDS e de Os Verdes e abstenções dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

Srs. Deputados, vamos passar à votação final global do texto apresentado pela Comissão Eventual para a Reforma do Parlamento respeitante às alterações ao Regimento da Assembleia da República, que tem por base os projectos de resolução n.ºs 5/VI (PS), 7/VI (PCP), 12/VI (PSN), 15/VI (PSD), 20/VI (Deputado independente Raul Castro), 23/VI (Deputado independente Mário Tomé) e 24/VI (PSN). Para a sua aprovação exige-se maioria absoluta dos Deputados presentes.
Em tempo foram distribuídas pelos vários grupos parlamentares e Deputados as várias alterações a este texto, tendo agora sido elaborada uma norma transitória, a cuja leitura vai proceder o Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, é do seguinte teor: «A limitação do elenco das comissões permanentes estabelecida no n.º l do artigo 38.º aplica-se, observados os respectivos termos, na presente legislatura mediante decisão a proferir no prazo de quinze dias a contar da publicação desta resolução.»

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, esta norma transitória, como é da lógica jurídica, faz parte integrante do texto atrás referido apresentado pela Comissão Eventual para a Reforma do Parlamento, respeitante às alterações ao Regimento da Assembleia da República e tendo por base os projectos de resolução já referidos. Vamos, então, proceder à votação final global deste texto.

Submetido à votação, foi aprovado, com 141 votos a favor do PSD e do PS, 3 votos contra de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé e 13 abstenções do PCP, do CDS e do PSN.

Srs. Deputados, vamos agora votar o projecto de deliberação n.º 51/VI, relativo à reformulação integral do Regimento da Assembleia da República e sua sistematização, igualmente apresentado pela Comissão Eventual para a Reforma do Parlamento.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do Deputado independente Freitas do Amaral.

Srs. Deputados, terminámos, por hoje, os nossos trabalhos.
A próxima reunião plenária terá lugar na quinta-feira, dia 7, pelas 15 horas, tendo como ordem do dia a apreciação do projecto de lei n.º 8/VI (PCP), que reduz a duração semanal de trabalho normal.
Está, pois, encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 20 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António Maria Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
João Álvaro Poças Santos.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Manuel Nunes Liberato.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Luís António Martins.
Manuel Castro de Almeida.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS):

António José Borram Crisóstomo Teixeira.
António Poppe Lopes Cardoso.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.

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6 DE JANEIRO DE 1993 957

Partido Comunista Português (PCP):

Luís Carlos Martins Peixoto.
Maria Odete dos Santos.

Deputado independente:
Diogo Pinto de Freitas do Amaral.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
António Joaquim Correia Vairinhos.
João de Deus Rogado Salvador Pinheiro.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.

Centro Democrático Social (CDS):

João Paulo de Castro Morais Gomes.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.

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