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Quarta-feira, 17 de Fevereiro de 1993 I Série - Número 39

DIÁRIO da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 2.º SESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 16 DE FEVEREIRO DE 1993

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretário»; Exmos. Srs.
João Domingo» Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Calo Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa de diplomas, de requerimentos e de respostas a alguns outros.
Em declaração política, e Sr. Deputado António Guterres (PS) criticou a política económica e social do Governo, tendo, no final, respondido a pedidos de esclarecimento das Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP), Mário Tomé (Indep.) e Nogueira de Brita (CDS).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Duarte Lima (PSD) teceu criticas à actuação do Sr. Presidente da República nas presidencial aberta. No fim, respondeu ao pedido de esclarecimento dos Srs. Deputados Almeida Santos (PS), Antónia Filipe (PCP), Manuel Alegre, José Magalhães e Ferro Rodrigues (PS), Mário Tomé e João Corregedor da Fonseca (Indep.) e António Coita (PS).
Ordem do dia. - Foi apreciado o Decreto-Lei n.º 209/92, de 2 Outubro, que altera o Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro (Estabelece o regime jurídico das relações colectivas de trabalho) [ratificação n.º 42/VI (PCP)], tendo sido rejeitado o projecto de resolução n.º 50/VI de recusa de ratificação da diploma em apreço. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Emprego e da Segurança Social (Jorge Seabra), os Srs. Deputados Odete Santos (PCP), Elisa Damião (PS) e Fernandes Marques (PSD).
Apreciando o Decreto-lei n.º 166/92, de 5 de Agosto, que define o regime aplicável ao pessoal docente das exalas superiores de enfermagem [ratificação n.º 46/VI (PS)], fizeram intervenções, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde (Jorge Pires), os Srs. Deputados Joel Hasse Ferreira e João Rui de Almeida (PS), Luís Peixoto (PCP) e Joaquim Vilela Araújo (PSD).
Foi igualmente apreciado o Decreto-Lei nº 216/92, de 13 de Outubro, que estabelece o quadro jurídico da atribuição dos graus de mestre e de doutor pelas instituições de ensino universitário [ratificação n.º 47/VI (PCP)], sobre o qual se pronunciaram, a diverso título, além do Sr. Secretarie de Estado do Ensino Superior (Pedro Lynce), os Srs. Deputados José Calçada (PCP), Fernando de Sousa (PS) e Aristides Teixeira (PSD).
Por último, a Câmara apreciou o Decreto-Lei n.º 210/92, de 2 de Outubro, que altera o Decreto-Lei n.º 398/83, de 2 de Novembro (Estabelece o regime jurídico da suspensão do contrato de trabalho) [ratificação n.º 43/VI (PCP)], tendo intervindo, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Emprego e da Segurança Social, os Srs. Deputados Odete Santos (PCP), Artur Penedos (PS) e Margarida Silva Pereira (PSD).
Entretanto, a Câmara concedeu autorização a dois Deputados para deporem como testemunhas em tribunal e, em votação final global, aprovou o texto final elaborado pela Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente relativo ao projecto de lei n.º 122/VI - Obrigação de notificação prévia na utilização, por via aérea, de produtos fitofarmacêuticos (PS), produzindo declaração de voto os Srs. Deputados Mário Maciel (PSD) e Júlio Henriques (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 55 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Abílio Sousa e Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Ana Paula Matos Barros.
Anabela Honório Matias.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima. .
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Isilda Maria Renda Periquito Pires Martins.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago e Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Eduardo Dias Madeira Gouveia.
João José da Silva Maçãs.
João Manuel dos Santos Henriques.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Manuel Pereira de Almeida e Silva.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José António Peixoto Lima.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís Carlos David Nobre.
Luis Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Costa.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro António de Bettencourt Gomes.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Sousa Martins.

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Alberto Manuel Avelino,
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Marta Dias Bettencourt
António Alves Marques Júnior.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Chaves Medeiros.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos da Couta.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Edite de Fátima Santos Marreiros Estrela.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrígues Pimenta.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
Joio Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José António Martins Goulart.
José Eduardo Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luis Filipe Marques Amado.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Marta Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrígues.
António Manuel dos Santos Murteira.
Apolónia Maria Alberto Pereira Teixeira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Fernando Araújo Calcada.
José Manuel Mota Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luis Carlos Martins Peixoto.
Maria Odete dos Santos.

Centro Democrático Social (CDS):

José Luís Nogueira de Brito.
Juvenal Alcides da Silva Costa.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes:

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Mário António Baptista Tomé.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas, os requerimentos e as respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: proposta de lei n.º 47/VI - Autoriza a rever o Regime Jurídico dos Revisores Oficiais de Contas; projectos de lei n.º 256/VI - Lei de Enquadramento do Desporto de Alta Competição (PCP), que baixou à 8.ª Comissão, 257/VI - Elevação da vila de Esmoriz a categoria de cidade (PS), que baixou à 6.ª Comissão, 258/VI - Elevação da vila de Marco de Canaveses à categoria de cidade (CDS), que baixou à 6.ª Comissão, e inquéritos parlamentares n.º 9/VI - Circunstâncias e responsabilidades dos casos e do tratamento dado na fronteira a certos cidadãos estrangeiros, particularmente do Brasil e dos PALOP (PCP) e 10/VI - Extensão, natureza e implicações das irregularidades, ilegalidades e operações de traficância política na gestão pelo Governo e pela Administração Pública de subsídios provenientes de fundos comunitários e outras verbas públicas destinadas à reconversão e modernização da agricultura portuguesa, bem como à intervenção dos mercados agrícolas (PS).
Na última reunião plenária, foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos: ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulados pelas Sr.ªs Deputadas Elisa Damião e Apolónia Teixeira; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados João Granja da Fonseca, José Silva Costa, Octávio Teixeira e Cardoso Martins; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados João Oliveira Martins, António Vairinhos, José Silva Costa, Luís Pais de Sousa e Leonor Coutinho; ao Ministério da Justiça, formulados pelos Srs. Deputados António Vairinhos e João Granja da Fonseca; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulados pelos Srs. Deputados Luís Pais de Sousa. Pedro Passos Coelho e Lino de Carvalho, e ao Ministério da Agricultura, formulado pelo Sr. Deputado Álvaro Viegas.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Marques Júnior, na sessão de 30 de Janeiro; Miranda Calha, na sessão de 8 de

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Maio; José Apolinário, na sessão de 29 de Maio; Joel Hasse Ferreira, na sessão de 2 de Junho; Rui Cunha, na sessão de 9 de Junho; Luís Peixoto, na sessão de 9 de Julho; João Poças Santos, na sessão de 17 de Julho; Guilherme Oliveira Martins, na sessão de 30 de Setembro; Raul Brito, na sessão de 23 de Outubro; António Martinho, na sessão de 3 de Novembro; Miguel Urbano Rodrigues, na sessão de 25 de Novembro; Leonor Coutinho, na sessão de 27 de Novembro; António Filipe, na sessão de 3 de Dezembro; Cerqueira de Oliveira, na sessão de 9 de Dezembro; José Lello, na sessão de 10 de Dezembro; Jorge Paulo Cunha, na sessão de 15 de Dezembro; Jerónimo de Sousa, na sessão de 5 de Janeiro; José Magalhães e José Calçada, na sessão de 12 de Janeiro; Isabel Castro e Gameiro dos Santos, na sessão de 19 de Janeiro, e António Alves, na sessão de 21 de Janeiro.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Duas ameaças pesadas pairam, hoje, sobre a vida política portuguesa.

Vozes do PSD: - Ah!...

O Orador: - Paira, em primeiro lugar, uma crise de confiança, sem precedentes, agravada por uma sucessão de escândalos financeiros, cujo ritmo não tem paralelo no passado recente,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... e, em segundo, o risco de ruptura na coesão social do nosso país. Coesão essa que é indispensável ao desenvolvimento, ao progresso, à estabilidade das instituições e à própria segurança nas ruas, condição da nossa qualidade de vida colectiva. Risco de ruptura da coesão social cujas causas estão no agravamento da crise económica e da situação social de uma larga parte da população portuguesa.
De facto, no passado recente, talvez nunca como agora foi tão chocante o contraste entre um certo novo riquismo ostentatório e a situação de exclusão e de extrema pobreza que continua a afligir uma parte substancial da população portuguesa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Há cerca de dois milhões de portugueses cujo nível de rendimentos está abaixo da satisfação das suas necessidades alimentares. É um problema dramático e é um problema incompreensível num país que recebe da Comunidade Europeia mil contos por minuto, ou seja, 1,5 milhões de contos por dia, a fundo perdido, que, se inteiramente bem aplicados, poderiam minorar a crise económica e resolver tantos e tantos problemas sociais.

Aplausos do PS e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

Só que não basta o dinheiro, é preciso vontade politica, e não há vontade política onde falta a sensibilidade aos problemas humanos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E que mais chocante insensibilidade aos problemas humanos que a de um primeiro-ministro que, através da televisão, vem dizer a todos os portugueses que é um sucesso do Governo o facto de o desemprego, em Portugal, passar de 4 para 6 %?!

Aplausos do PS e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

É que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, nesses 2 % estão dezenas de milhar de portuguesas e de portugueses. E se para alguns deles o desemprego será um fenómeno temporário ou suprível por mecanismos de segurança social próximos da reforma, para outros, sobretudo de meia idade, será um drama, com terríveis consequências para o seu futuro, lançando uma enorme angústia sobre as suas famílias.

A Sr.ª Maria Julieta Sampaio (PS): - É dramático!...

O Orador: - No momento em que o governo japonês reabilita Keynes e lança um pacote fiscal e orçamental de relançamento económico, em que Bill Clinton aposta na intervenção selectiva do Estado para a modernização da economia...

Vozes do PSD: - Aumenta os impostos!

O Orador: - ... e aposta, simultaneamente, na valorização dos recursos humanos, como condição indispensável para a competição internacional, e em que Jacques Delors apela a uma iniciativa europeia a favor do desenvolvimento e do emprego, o Primeiro-Ministro português está «orgulhosamente só» na defesa da ortodoxia liberal e monetarista,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... no fundamentalismo do escudo caro e na aposta numa política monetária ultra-restritíva, que está a asfixiar as empresas e a fazer, de novo, do desemprego o problema central da economia portuguesa nos próximos anos.

Aplausos do PS.

Tive ocasião de referir em profundidade este tema no passado sábado e de apresentar um conjunto de propostas do PS para o resolver. Não vou boje aqui desenvolvê-lo, mas o Grupo Parlamentar do PS entende que este é um tema que exige debate parlamentar aprofundado e, por isso, não deixará de tomar as iniciativas parlamentares indispensáveis à sua realização.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Queria hoje concentrar-me, sobretudo, na primeira ameaça de que vos falei, a da crise de confiança, referindo as questões do Fundo Social Europeu, os dinheiros para a agricultura portuguesa, os pagamentos da RTP e algumas privatizações pouco claras... .
Há uma sensação difusa de apodrecimento na vida política portuguesa...

O Sr. António José Seguro (PS): - Muito bem!

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O Orador: - ... e a questão está em saber como explicar essa sensação difusa de apodrecimento, no quadro de um regime democrático. A corrupção e o tráfico de influência existirão sempre! Mas a corrupção e o tráfico de influências transformam-se num flagelo sempre que existir abuso e concentração de poderes, sempre que houver limites ao exercício dos controlos democráticos. Esse é o problema português!

Aplausos do PS.

Há, boje, Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma tentativa clara do PSD para se transformar no partido hegemónico da sociedade portuguesa e para se perpetuar num poder, aliás cada vez mais concentrado nas mãos de um único homem - o seu líder e actual Primeiro-Ministro.
São dois os instrumentos estendais desse projecto: o controlo político apertado do principal orgão de condicionamento da opinião pública, a televisão do Estado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador:- ... -primeiro, agindo em regime de monopólio, e, depois, dotada pelo Governo dos meios financeiros indispensáveis para fazer concorrência desleal aos canais privados de televisão -, e o estender progressivo pelo País de uma rede clientelar, rede essa que se aplica directamente na Administração Pública e nas empresas públicas, mas que, indirectamente, vai envolvendo toda a sociedade, e que não hesita em recorrer à intimidação, quando necessário, mas que, normalmente, prefere a sedução, que é sempre possível a quem tem o poder de distribuir arbitrariamente subsídios, que os fundos comunitários vieram poder generalizar às sociedades, à economia e ao essencial da nossa própria vida cultural.
É necessário darmo-nos conta de que estamos perante um projecto de dependência da sociedade em relação ao Estado, através do Governo, e de subordinação dos interesses da sociedade aos interesses do partido maioritário com pretenções hegemónicas na sociedade portuguesa.
Entendamo-nos sobre esta questão. O que está para nós em causa não é a seriedade da figura de um primeiro-ministro ou a honorabilidade deste ou daquele membro do Governo, pois estas são questões que o PS não está, sequer, interessado em discutir. O que é pare nós, no entanto, evidente é que o Primeiro-Ministro é o primeiro responsável e o principal impulsionador desta lógica de poder e deste sistema para a perpetuar-esta i uma questão iniludível na sociedade portuguesa -, ...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... lógica e sistema que, quando associadas à falta de regras claras para o financiamento dos partidos políticos, que não decorrem, em Portugal, de maneira transparente, e à falta de controlos no financiamento da vida politica, tornam esta um terreno inevitavelmente fértil para a generalização do tráfico de influências e da corrupção. E a questão do Fundo Social Europeu, a questão do dinheiro da agricultura e a questão dos problemas de algumas privatizações deixam, assim, de ser acidentes pontuais e transformam-se numa forma natural de degenerescência do sistema e do regime. É isso que é profundamente preocupante!

Aplausos do PS e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.

A agravar este quadro está a recente tentativa de intimidar aquilo a que chamam as forças de bloqueio. Mas o que são as forças de bloqueio? São os instrumentos de equilíbrio institucional, como o Presidente da República, e os instrumentos de controlo da legalidade e da legalidade democrática, como o Tribunal de Contas, o Tribunal Constitucional ou a Procuradoria-Geral da República. É, simultaneamente, preocupante que, sendo, hoje, a imprensa livre o principal instrumento de dissuasão em relação ao alargamento do tráfico de influências e da corrupção, nos seja, de novo, anunciada uma nova lei da imprensa.
Fica claro que o Partido Socialista tudo fará para evitar que se criem, em Portugal, as condições de impunidade, que permitam aproveitar as facilidades abertas pelo sistema para o benefício pessoal daqueles que nele intervêm. É, aliás, a esta luz que mesmo algumas acções pretensamente moralizadores ganham um significado diverso. Vejamos o caso da demissão recente do presidente da RTP.
Seria o presidente da RTP demitido por ter violado a ética da concorrência que as empresas públicas devem respeitar ou teria sido ele demitido por ter entrado em conflito com a lógica e com o sistema de poder inserido na própria televisão pública, instrumento essencial do partido hegemónico?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peco-lhe que conclua.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
A intervenção penosa, arrastada, repetitiva, com que o Ministro da pasta procurou justificar a sua demissão mais não conseguiu do que explicar-nos que o presidente da RTP tinha sido demitido por praticar actos de gestão inteiramente idênticos aos praticados pelos seus antecessores, nomeadamente nas relações com um grupo privado de que é representante qualificado o sucessor nomeado para o substituir.

Aplausos do PS e do Deputado independente Mário Tomé.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta é, para nós, a questão central da democracia portuguesa. Uma questão que tem de encontrar, no quadro próprio - o desta Câmara -, uma resposta e uma solução. Por isso, quero apresentar, aqui, solenemente, em primeiro lugar, ao Primeiro-Ministro, como responsável pelo Governo, e, depois, a todas as forças políticas representadas nesta Câmara, seis propostas concretas de moralização do nosso regime político.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Já aumentou uma!

O Orador: - em primeiro lugar, que a Assembleia da República, no quadro dos seus poderes de fiscalização da actividade do Governo, recorra a auditorias feitas por entidades independentes, seleccionadas por concurso público, à aplicação dos fundos comunitários em Portugal.

Aplausos do PS.

Em segundo lugar, que seja publicada a lista nominativa completa de todos os cidadãos e empresas portuguesas que beneficiaram ou beneficiem desses fundos, dos respectivos pagamentos e das datas correspondentes.

Aplausos do PS.

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Em terceiro lugar, que sejam tomados públicos os contratos de aquisição de programas, realizados pela televisão do Estado, os montantes envolvidos, os respectivos pagamentos e as suas datas.

Aplausos do PS.

Em quarto lugar, que seja definido urgentemente o conceito de serviço público de televisão e quantificada a contrapartida financeira que lhe deve corresponder por parte do Estado e que seja simultaneamente revisto, para garantia de independência, o método de designação dos gestores públicos, cuja lógica, bem recentemente, se mostrou inteiramente fracassada.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em quinto lugar, que se aceite concluir com rapidez um processo de revisão das regras de financiamento dos partidos políticos e da vida política nacional, conferindo-lhe clareza, transparência e instituindo mecanismos de controlo democráticos que garantam a sua correcção.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em último lugar, que sejam rapidamente aprovadas leis que reforcem as incompatibilidades dos titulares de cargos políticos, que obriguem ao registo de interesses e à declaração pública dos rendimentos e dos patrimónios desses mesmos titulares antes e no fim do exercício das respectivas funções.

Aplausos do PS.

Várias destas propostas não são novas.

Vozes do PSD: - Nada! Nada novas! Nada novas!

O Orador: - Algumas foram mesmo recusadas, aqui, explicitamente, pelo Primeiro-Ministro, na altura invocando razões políticas. Creio que elas são, boje, à luz dos acontecimentos recentes, irrecusáveis no plano ético.

Aplausos do PS.

O que está em causa, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é a aprovação, por um consenso tão amplo quanto possível, de uma verdadeira plataforma de moralização do regime, plataforma indispensável ao restabelecimento da confiança do cidadão nas instituições. Talvez não seja este o melhor método de alguns se perpetuarem no poder, mas é seguramente o único método de perpetuar, consolidando-as, as convicções democráticas dos portugueses.

Aplausos do PS, de pé, e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para formular pedidos de esclarecimento, os Srs. Deputados Lino de Carvalho, Mário Tomé e Nogueira de Brito.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Deputado António Guterres, da nossa parte, podemos dizer que estamos, no essencial, de
acordo com o diagnóstico aqui feito por V. Ex.ª sobre o estado actual da sociedade portuguesa em diversos quadrantes. Mas o Sr. Deputado concordará connosco que não basta condenarmos as consequências, é preciso irmos às causas.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Orador. - Não basta condenar as consequências e absolver as causas. Em nossa opinião, não se trata, simplesmente, de uma atitude de diferença moral entre os vários partidos que se projectam na sociedade portuguesa, no quadro da qual V. Ex.ª centrou o seu discurso. Trata-se, sobretudo, em nossa opinião, de projectos de sociedade que conduzem à degradação da condição de vida dos Portugueses, principalmente dos que têm menores recursos, e à tal perda de confiança e degradação das condições de transparência do Estado.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Orador: - E nesse plano, Sr. Deputado, o que nos disse? O que disse, sobretudo o que consta da comunicação social de sábado, permite-nos algumas perplexidades e interrogações sobre qual é, efectivamente, o projecto de sociedade alternativo do Partido Socialista em relação ao PSD.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Vai explicar!

O Orador: - Segundo a comunicação social, V. Ex.ª, no discurso que teria proferido no sábado, afirmou que «a diferença não é nas políticas mas nas atitudes».
A par desta intervenção, lembramos a intervenção, ainda recente, do seu porta-voz para as finanças, o Dr. Daniel Bessa,...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não fale nisso! O que veio lembrar!...

O Orador:- ... que também apontava no mesmo sentido: eram mais os pontos que os aproximavam do PSD do que aqueles sobre os quais divergiam.
Parece que VV. Ex.ª, no Partido Socialista, querem dar razão a um recente comentarista que escrevia no editorial de um jornal que «as diferenças existem, mas parecem mais influenciadas pelo facto de o PS estar na oposição e de o PSD governar». Será exactamente isso, Sr. Deputado, ou quererá esclarecer-nos melhor, aqui, sobre quais são as diferenças de projecto efectivas, reais, para a sociedade portuguesa, entre o PS e do PSD?
Quando V. Ex.ª critica - e bem - as consequências, no plano social, da degradação de vida dos trabalhadores, dos despedimentos, da instabilidade na função pública, por exemplo, que se vivem hoje na sociedade portuguesa, é preciso recordarmos que isso tem raízes, naturalmente, na política económica do Governo e do Ministro das Finanças - que V. Ex.ª ali caracterizou -, mas tem também uma causa, que se chama Tratado da União Europeia, que impõe e determina critérios de convergência nominal, aos quais o Partido Socialista está indissoluvelmente ligado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Só falta aqui o Sr. Manuel Monteiro!

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O Orador: - O que me parece, Sr. Deputado, é que não podemos querer chuva na eira e sol no nabal e, portanto, ...

Vozes do PSD e do PS: - Ao contrário!

O Orador: - ... temos de ter uma atitude coerente em relação aos posicionamentos estratégicos da sociedade portuguesa.

O Sr. Presidente: - Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Srs. Deputados, o provérbio é ao contrário, sol na eira e chuva no nabal, mas certamente que fui entendido.
A questão fundamental é a seguinte: o, Sr. Deputado fixa o discurso do Partido Socialista, numa questão de atitude, de estilo, de diferença moral, de diferença de ritmos. Nós pensamos que a diferença é de projectos de sociedade e é nesse plano que gostaríamos que o Partido Socialista nos esclarecesse melhor qual o projecto alternativo que oferece ao País em relação ao PSD.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, havendo mais oradores inscritos para pedirem esclarecimentos, pergunto se deseja responder já ou no final.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, respondo já, esperando, aliás, que este método se transforme em praxe parlamentar, porque creio que contribui muito para o enriquecimento dos debates.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Deputado Lino de Carvalho, o Partido Comunista parece fixado em dois problemas: a solidez do seu bunker e a oposição ao PS como adversário principal. São problemas tradicionais do Partido Comunista, dos quais, nos tempos recentes, parece completamente incapaz de se libertar. É necessário que o PCP compreenda que o objectivo central na vida política portuguesa, para quem tenha convicções de esquerda, não é atacar o Partido Socialista, mas, sim, derrotar o PSD. Essa é uma questão decisiva no debate político em Portugal.

Aplausos do PS.

Na minha intervenção, não falei de consequências, falei de causas. Não falei de problemas morais mas de problemas políticos. Quando anunciei as diferenças e a situação imprópria, disse que, para além das diferenças nas políticas, nas orientações e nas medidas - é esta a situação completa -, há também uma diferença fundamental de atitudes, a qual é muito importante, porque é a diferença entre quem entende que a política se faz para as pessoas e quem entende que a política se faz para os números e agora, aparentemente, também para os negócios.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E essa é outra questão decisiva da vida política portuguesa, embora o Partido Comunista pareça insensível a esta diferença de atitude.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Partido Socialista e o Partido Social-Democrata tem, na sociedade portuguesa, um conjunto de pontos de discórdia clara, como tem alguns pontos de acordo. Concordamos, por exemplo, na importância do projecto europeu de Portugal mas discordamos frontalmente na concepção que fazemos do regime democrático, como tive ocasião de demonstrar. Na política económica que propomos para resolver os problemas da crise económica em Portugal temos insistido, nomeadamente, na necessidade de políticas cambiais e monetárias profundamente diversas das actuais e, sobretudo, temos discordâncias frontais em matéria de política social, na educação, na saúde, na habitação e na segurança social. Tenho pena que não tenha estado presente no Hotel Altis, no último sábado, porque ter-se-ia apercebido integralmente dessas diferenças.

Risos do PSD.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não fui convidado!

O Orador: - Agora, Sr. Deputado, tenho de lhe dizer que, ao contrário do Partido Comunista, o PS tem um projecto de sociedade, não está órfão pelo desaparecimento do seu projecto de sociedade.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Eles também tem, não querem é dizê-lo em público!

O Orador: - Porque tem um projecto de sociedade e uma perspectiva de poder, o PS pode dar-se ao luxo de fazer oposição responsável e não há proposta alguma que o PS faça que não esteja em condições de ser aplicada pelo Governo amanhã, ou hoje mesmo, se for necessário.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A atitude de crítica meramente destrutiva, de protesto pelo protesto, que o Partido Comunista sucessivamente vem aplicando nos últimos anos, sem conseguir corrigir esse seu pecado original, afasta, definitivamente, os comunistas portugueses, se não superarem essa crise e esse problema, de serem um parceiro credível para a transformação da realidade portuguesa numa linha de mais democracia, de mais justiça social e de melhor economia para todos os Portugueses.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr, Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Guterres, começo por saudar a sua intervenção, que foi acutilante, tocando em algumas questões fundamentais de crítica, necessária, ao PSD, à sua ânsia de poder centralizador e ao seu desprezo pelos interesses do povo, dos cidadãos, dos portugueses. O PSD está, manifestamente, cada vez mais divorciado, arredado e surdo à realidade concreta do nosso país.
Se me permitem, gostaria de acrescentar aos sintomas referidos pelo Sr. Deputado um outro que, hoje, segundo me parece, ressalta na vida portuguesa.
Houve, na vida portuguesa, uma mudança, pois, a meu ver, o que hoje a mais caracteriza já não é a diferença entre a riqueza ostentatória e os que nada têm, a miséria, mas, sim, um outro factor, o de haver cada vez mais pes-

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soas, que não pertencem a qualquer destes extremos, a dizerem: «Não temos emprego! Não há emprego! Não há segurança no emprego! Não há salários! Não há segurança no futuro! Isto manifesta uma nova situação no nosso país.
Durante os 15 dias de Presidência Aberta - e V. Ex.ª diz que o PS faz política para as pessoas - houve uma grande manifestação popular nas ruas, mostrando não só as coisas boas, até com alegria, mas também revelando, profundamente, os males que hoje existem nesta sociedade. E também foram convocadas as forças políticas da oposição para a luta contra esta situação, luta que exige uma nova política, passos concretos, do ponto de vista de táctica eleitoral para as novas eleições autárquicas, no sentido de o PSD não conseguir resultados além dos 30 % que teve na últimas eleições - o que foi uma derrota e espero que se repita desta vez -, o que só é possível se houver, por parte dos partidos da oposição, unidade.

Vozes do PSD: - Exacto!

O Orador: - É nessa perspectiva que pergunto ao Sr. Deputado António Guterres se não considera necessário haver, hoje, nesta situação, a unidade possível, através de listas únicas ou de coligações, onde for possível - não digo que isso seja um traço geral, mas onde isso for possível...

Vozes do PSD: - Não!...

O Orador: - A Presidência Aberta mostrou também, para além dos males que há na sociedade, a importância das autarquias ao nível regional e local, onde se pode fazer essa unidade,...

O Sr. Rui Carp (PSD): - Viva a unidade, a unidade de esquerda!

O Orador: - ... e pergunto se isso não deve ser um objectivo e se os congressos não devem ser «camisas de força» em absoluto numa situação em que a vida muda...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... tão rapidamente como estamos a ver.
Em relação a isto, já houve um partido que teve de fazer um congresso, em 1985, para responder a uma necessidade como esta, que foi a da eleição de Mário Soares. Logo, o PS deve, a meu ver, entender a necessidade de unidade como uma exigência premente da população do nosso país.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Mudam muito depressa!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mário Tomé, em primeiro lugar, quero saudar o carácter moderado e construtivo da intervenção do Sr. Deputado,...

Risos do PSD.

... que contrasta apreciavelmente com a anterior.

Vozes do PSD: - Ah!,..

O Orador: - Espero que o convívio existente hoje entre o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português e o Sr. Deputado Mário Tomé venha a facilitar a evolução necessária desse partido e que o Sr. Deputado possa ser, pela moderação do seu discurso, um fermento das transformações indispensáveis ao PCP.

Aplausos do PS.

Sr. Deputado Mário Tomé, não há pior unidade que a feita de equívocos.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Isso é verdade!

O Orador: - Ninguém tem maior empenhamento na conjugação máxima de esforços em relação ao PSD, o nosso principal adversário, do que o PS, mas importa que essa conjugação possa assentar em projectos políticos claros e na identificação clara de objectivos políticos comuns para a sociedade portuguesa, e ainda há, a meu ver e infelizmente, um longo caminho a percorrer...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Longo, não! Isso é uma grave injustiça!

O Orador:- ... por algumas forcas políticas, em Portugal, para que uma perspectiva de unidade credível junto da população e do eleitorado português possa triunfar. Pela nossa parte, aguardamos serenamente esse caminho e essa transformação, com a consequência de que agora, sim, ela será inelutável na história.

Aplausos do PS.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Lisboa mostra que é credível, que é possível!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Guterres, fez V. Ex.ª uma intervenção que não só dignifica o Parlamento como também justifica uma intervenção tribunícia, chamando a atenção para os males e problemas da sociedade portuguesa, com a qual, no fundo, estiveram todos de acordo, ou pelo menos o grande auditório a que V. Ex.ª se dirige, atendendo ao velho princípio de que «quem cala consente». E como o PSD nada disse é porque está de acordo!

Aplausos do CDS e do PS.

O Sr. Deputado António Guterres apontou dois mates fundamentais: a crise de confiança, induzida pelos casos de corrupção e de tráfico de influências, e o risco de ruptura na coesão social, induzida por uma política económica errada e persistente em remédios próprios do monetarismo. Podia ter-se ficado pelo panorama nacional, que lhe dava margem de manobra suficiente para um grande discurso, mas V. Ex.ª não quis deixar de ir aos casos paralelos. Falou-nos do Japão, que estava a pôr em prática políticas keynesianas, dos Estados Unidos da América, de Bill Clinton, de França...

O Sr. António Guterres (PS): - Na França, não! Na CEE!

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O Orador: - Mas, Sr. Deputado, não posso deixar de pensar também nos casos paralelos e pergunto como é que o Partido Socialista nos vem chamar a atenção e prevenir contra estes males. O que faz o vosso confrade francês, em matéria de luta contra a corrupção, de tráfico de influências, ...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... de persistência de políticas monetaristas, para além do que é sustentável? E aqui Q tono vizinho espanhol, Sr. Deputado António Guterres, o que faz em matéria de combate ao tráfico de influências, à corrupção e à taxa de desemprego, que já é boje, porventura, maior do que a que acompanhou os anos negros e terríveis da grande depressão dos anos 30?

O Sr. Silva Marques (PSD): - E o caso italiano?!

O Orador: - Não sei se o Partido Socialista será, tendo, ainda por cima, um passado de persistência na aplicação de remédios próprios do monetarismo, o partido indicado para nos prevenir contra estes males e nos apontar um caminho. Tenho dúvidas!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Então, deixa para trás o Craxi?!

O Orador: - Tenho aqui ao meu lado um ponto persistente, mas, apesar disso, vou prosseguir.
Sr. Deputado António Guterres, V. Ex.ª, depois de descrever um panorama negro, e tem razão, apontou alguns remédios, mas foi pena não ter referido as fontes.
Em relação a alguns desses remédios, vejo que V. Ex.ª segue com atenção e que é um leitor atento das propostas apresentadas pelo CDS.

Risos do CDS, do PSD e do PS.

O primeiro, Sr. Deputado António Guterres, tem a ver com as auditorias, por entidades independentes, à forma como se processaram os auxílios dos fundos sociais europeus...

O Sr. José Magalhães (PS): - Proposto pelo CDS!

O Orador: - Exactamente, foi proposto por nós e estou a ver que VV. Ex.ªs, apesar de não referirem a fonte, manifestam, porém, o vosso acordo à nossa medida.
Quanto à redefinição das incompatibilidades dos cargos políticos e à publicidade dos meios de fortuna, de riqueza, e dos rendimentos dos políticos, vejo que o Sr. Deputado acompanha as proposta» do CDS e que vamos poder contar com o seu apoio.
Relativamente à televisão, penso que o Sr. Deputado António Guterres ficou a meio caminho. V. Ex.ª propõe a definição urgente do serviço público e eu pergunto: por que não ir mais* longe, sujeitando o serviço público a um regime de concurso público com imediata privatização dos dois canais que se mantêm públicos? Sr. Deputado, está provado que a privatização dos meios de comunicação social é a única forma de manter o quarto poder como um poder independente, que detende a sociedade e os cidadãos. Peço-lhe, Sr. Deputado, que comente esta proposta.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nogueira de Brito, começo por saudar, com muita simpatia, o seu regresso ao Parlamento. Não sei se foi o Sr. Deputado Nogueira de Brito que converteu o CDS ou se foi o CDS que o converteu, é uma matéria que ainda não está inteiramente esclarecida,...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - O que também não tem interesse!

O Orador: - ... mas penso que todos ficamos a ganhar com o facto de se terem criado as condições para o seu regresso.

Vozes do PS: - Muito bem!

Risos do PSD.

O Orador: - O Sr. Deputado revelou dois tipos de problemas, tentando atirar sobre a família socialista um conjunto de acusações relativamente a eles: os problemas de corrupção e os de política económica. São problemas distintos, que vamos analisar separadamente.
Quanto aos problemas de corrupção, tive o cuidado de dizer daquela tribuna que, para nós, o que estava em causa não era a honorabilidade pessoal de nenhum membro deste Governo nem de nenhum membro de outro governo deste ou daquele País. Sabemos que a corrupção e o tráfico de influências são algo que tende a instalar-se em todos os sistemas políticos, que a carne é fraca,...

O Sr. Silva Marques (PSD): - A carne socialista!

O Orador:- ... havendo tentações que chegam a todos os lados. O que queremos, Sr. Deputado Nogueira de Brito, é alterar o sistema, evitando os mecanismos de concentração de poder e multiplicando as formas de controlo democrático, para que quem quer que seja que esteja no poder não tenha ocasião de beneficiar, de forma tão grave e tão sistemática - e em Portugal tão oculta -, dos mecanismos de corrupção.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Alguns dos países citados tem a vantagem de ter mecanismos de controlo que permitem evidenciar casos de corrupção que em Portugal nunca serão conhecidos e, por isso, combatidos.

Aplausos do PS.

Passemos às questões de política económica. Neste ponto, quero saudar a reconversão keynesiana do Sr. Deputado Nogueira de Brito, pois é um contributo decisivo para que seja possível encontrar, em Portugal, políticas económicas adequadas à solução dos problemas nacionais.
No entanto, gostaria de dizer-lhe que falhou o alvo e falhou-o porque o grande debate que hoje se trava, na Europa, entre os socialistas, os social-democratas e as forças conservadoras, nomeadamente cristãs-democratas, é o de saber se o único objectivo da política económica deve ser, como os senhores pretendem - não como o Sr. Deputado Nogueira de Brito, já convertido ao keynesianismo -,

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o combate à inflação, a convergência nominal, com objectivos que têm a ver com a moeda única europeia, ou se, pelo contrário, deve ser combinado o objectivo central da política económica, que não ignoramos, com o de relançamento do crescimento e do emprego.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Isso foi percebido, talvez tardiamente, não só pelo próprio governo espanhol - que tomou as devidas medidas que o Governo português não foi capaz de seguir - como também o próprio governo francês ao tomar um conjunto de iniciativas de relançamento do emprego, porventura, também tardias e talvez por se ter emancipado tarde de mais de algum vento excessivo de ortodoxia liberal, que soprou por este mundo, contaminando alguns socialistas, mas que nós, aqui, fomos dos primeiros a denunciar.

Aplausos do PS.

Sr. Deputado Nogueira de Brito, a última questão colocada por V. Ex.ª tem a ver com as fontes. Devo dizer-lhe que não me preocupei em ser original em todas as propostas que fiz e, em minha opinião, no debate político não faz sentido pormo-nos sempre «em bicos de pés» - a reivindicar autorias das coisas que são boas e devem ser consensuais. Mas o que não faz qualquer sentido é pormo-nos «em bicos de pés» a reivindicar autorias do que não fizemos ou do que fizémos mal, e dou-lhe um exemplo. Em matéria de auditoria aos fundos comunitários, a proposta que o CDS apresentou é totalmente disparatada, pois propõe uma comissão interpartidária para gerir, em Portugal, os fundos comunitários, o que retira ao Governo uma competência e responsabilidade indiscutíveis.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não é isso que propomos! O que propomos é que a Assembleia da República, no quadro das suas competências de fiscalização da acção do Governo e sendo manifesto que não tem meios indispensáveis para tal, possa recorrer a auditorias independentes, feitas por entidades seleccionadas por concurso público, que forneçam os elementos indispensáveis para podermos julgar a acção que ao Executivo, e só a ele, compete.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por isso não se trata de uma cópia mas, sim, de uma proposta razoável, correcta e que contrasta com uma iniciativa um tanto ou quanto apressada e mal preparada por parte do CDS.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas há um aspecto em que estamos de acordo e que é o de sublinhar o silêncio da bancada do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - E o sublinhar do silêncio da bancada do PSD revela duas coisas. Em primeiro lugar, o incómodo do PSD, que sabe que o seu Governo é desumano. Este ano gastou em habitação social cinco vezes menos do que gastou para construir ú mais luxuoso stand de automóveis da Europa, o Centro Cultural de Belém!

Aplausos do PS.

Em segundo lugar, o PSD sabe que é culpado da introdução de um conjunto de mecanismos de concentração de poderes na sociedade portuguesa, conjunto de mecanismos esse que gera, inevitavelmente, a degenerescência do sistema em termos de tráfico de influências. Sobre isso, o PSD nada diz! E nós até já sabemos o que o PSD vai dizer a seguir que o Sr. Presidente da República é a oposição; que andou na Área Metropolitana de Lisboa a substituir-se à oposição, que os partidos da oposição não fazem o seu papel e que é por essa razão que o Presidente da Republica tem de fazer o que faz, que não há um equilíbrio institucional mas, sim, uma usurpação de poderes dos outros, etc.

Aplausos do PSD.

É o discurso que vamos ouvir a seguir, da parte do Sr. Deputado Duarte Lima!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontram-se a assistir à sessão os alunos da Escola Secundária de Gouveia, da Escola Primária de Santo António dos Cavaleiros, do Instituto de Gouveia e da Escola Secundária de Faro, para os quais peço a vossa habitual saudação.
Peço aos Srs. Deputados que olhem para os alunos presentes nas galerias, que são a expressão viva da multirracionalidade que reina na idade em que assim se é cidadão no nosso país.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª s e Srs. Deputados: É meu dever começar por dar uma explicação ao Sr. Deputado António Guterres, líder do PS. A diferença política que existe entre nós em nada diminui a consideração democrática que o Sr. Deputado nos merece e o grande apreço que temos pelos seus dotes e qualidades políticas.
A razão por que o PSD não lhe colocou nenhuma questão é apenas esta: o Sr. Deputado António Guterres, contrariamente àquilo que era a nossa expectativa em função dós seus dotes políticos, não trouxe, hoje, nenhuma questão nova £ Câmara. Creio que este é o quinto relançamento que o PS faz no espaço de um ano. Não disse nada de novo e as questões já tinham sido postas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente; Sr.ªs e Srs. Deputados: «O Presidente da República»...

Risos do PS.

Se prometerem ouvir-me, prometo também que não vos defraudarei.
«O Presidente da República assumiu-se como chefe da oposição e não como Chefe de Estado» ...

Risos do PS.

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«O Presidente da República sabe que o Governo legítimo da Nação é constitucionalmente empossado e mantido no poder por ele próprio e que não lhe cabe a sua crítica pública [...] Não parece à altura da dignidade do cargo manter o Governo em funções, procurando, ao mesmo tempo, desautorizá-lo perante a opinião pública, o que pode parecer um acto inserido numa estratégia de sentido político-partidário [...] Ao referir carências da sociedade portuguesa por todos sentidas e reconhecidas, em primeira linha, pelo Governo, formulou uma crítica generalizada aos partidos políticos, às Instituições e ao próprio Governo.»
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para não os defraudar, gostaria de dizer que as afirmações que acabo de fazer não são da minha autoria. Foram proferidas pelo Dr. Mário Soares em Janeiro de 1985, em nota oficiosa do Governo a que ele presidia, e dirigiam-se ao Presidente da República de então, Ramalho Eanes.

Aplausos do PSD.

A mensagem de Ano Novo que o então Presidente da República proferira vinha coroar um conjunto de críticas larvares que aquele Presidente dirigira ao governo de Mário Soares em deslocações sistemáticas a municípios, num arremedo das actuais presidências abertas, durante as quais se apresentavam ao Chefe de Estado as carências que legitimamente as populações sentiam.
Hoje, a vítima de 1985 transformou-se em agressor e, numa espécie de viagem de regresso ao passado, pelos mesmos locais, com as mesmas palavras e com os mesmos métodos, repete a linha de conduta que tanto criticou ao seu antecessor e que, porfiadamente, rebateu em mais de cinco anos de doutrinação coerente sobre a essência da função presidencial.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não se estranhará, assim, que o PSD subscreva integralmente as palavras da nota oficiosa de Mário Soares com que abri esta intervenção, mas que as aplique ao comportamento dele próprio enquanto Presidente da República.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente da República diz que é livre e que já não está obrigado (parece que por já não precisar de votos) ao dever de reserva e discrição que sempre usou em relação ao Governo.
A liberdade do Presidente da República não é, de facto, contestável. Ele tem, contudo, uma prisão, um limite que o próprio Dr. Mário Soares - não nós! - definiu. Esse limite são os seus compromissos eleitorais. Quando tais compromissos não são respeitados, nós esperaríamos legitimamente que fosse o Dr. Mário Soares, em homenagem ao seu passado como democrata, o primeiro a sentir-se incomodado com as suas atitudes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas também o PSD é livre e entende que lhe assiste o direito de analisar criticamente, como é próprio de uma República democrática, os actos e as palavras do Sr. Presidente da República, com o respeito e a lealdade a que a dignidade de Estado da sua função nos obriga.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ao apoiar a sua recandidatura, o PSD disse sempre o pressuposto em que o fazia, e esse pressuposto era, por acaso, coincidente com os propósitos igualmente defendidos pelo Dr. Mário Soares: «Ter o Presidente da República uma acção estabilizadora na vida política nacional, contribuindo para a paz social e a concórdia nacional; ajudar, com a sua acção, ao desenvolvimento de um clima de confiança no País; pautar a sua conduta pela isenção e independência, guardando estrita equidistância em relação às forças político-partidárias e evitando ser um contra-poder relativamente ao Governo; manter um comportamento que contribua para o reforço da solidariedade nacional, institucional e social».
O PSD reservou-se sempre o direito de verificar a observância destes princípios, elogiando e louvando quando eles fossem respeitados, criticando quando tal se não verificasse.
É isso que resulta com clareza da moção de estratégia aprovada no último Congresso do meu partido, onde se afirma a este propósito: «O PSD e os Portugueses tem o direito de exigir que o Presidente da República respeite estas regras básicas de conduta e será de acordo com elas que apreciaremos os seus actos e comportamentos.»
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O PSD nada tem contra a realização das Presidências Abertas.

Risos do PS.

A prova mais evidente disso é que sempre, no passado, se lhes associou, em função não só dos propósitos do Presidente da República como do equilíbrio - temos de o reconhecer! - que ele nelas soube manter presente. Tal equilíbrio e esforço de imparcialidade foi ao ponto de ele se recusar a fazer uma Presidência Aberta num ano de eleições, invocando precisamente esse facto.
Daí nos ter parecido bizarro o facto de o Sr. Presidente da República este ano não ter observado essa regra.
Os factos viriam a dar-nos razão!
A organização do programa da presidência aberta, as frequentes declarações de hostilidade face ao Governo que o Sr. Presidente da República nela proferiu, quer na área da política interna quer-o que ainda é mais grave! - na área da política externa (não hesitando em colocar-se ao lado de um governo de um outro país, contra o próprio Governo português), e a instrumentalização tendenciosa que, à sua revelia, permitiu que dela fizessem leva o PSD a concluir o seguinte: o Presidente da República, Dr. Mário Soares, cometeu uma grave quebra do dever de isenção e imparcialidade a que está obrigado como Chefe de Estado e Presidente que se afirma de todos os portugueses.

Aplausos do PSD.

O Presidente da República, Dr. Mário Soares, não respeitou a obrigação que sempre disse assumir de garantir a solidariedade institucional para com o Governo, fazendo com frequência, nesta Presidência Aberta, a sua crítica pública - o que sempre recusou! - de uma forma que seria considerada estranha em qualquer outro país da Europa Ocidental (se por qualquer hipótese inverosímil isso se verificasse).
O Presidente da República, Dr. Mário Soares, não manteve, nesta Presidência Aberta, a equidistância entre as forças partidárias a que sempre se considerou obrigado, podendo claramente ser acusado de tentar favorecer alguns

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partidos da oposição, em particular o seu antigo partido, o Partido Socialista.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Picou claro nesta Presidência Aberta quê a garantia expressa dada pelo Dr. Mário Soares aos Portugueses de que não modificaria o seu comportamento no seu segundo mandato, que este seria idêntico ao primeiro, está posta em causa. Os seus actos e as suas palavras foram precisamente o contrário desse seu compromisso!
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O PSD sempre assumiu, e assume, a existência de problemas no País, aos quais urge dar resposta. O Primeiro-Ministro, em particular, sempre tem afirmado que o seu combate não é contra os partidos da oposição. Que é, pelo contrário, um combate que visa erradicar a miséria e a pobreza que ainda existe em Portugal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quando o PSD e o Governo assumem como principal divisa «retirar Portugal da cauda da Europa» essa afirmação é o mais evidente reconhecimento de que os excelentes resultados da política económica dos últimos seis anos não nos levam a negar os problemas estruturais ainda existentes, sejam eles económicos, sociais, educativos, e que necessitam de solução.

Aplausos do PSD.

O único político de que há memória em Portugal após o 25 de Abril que negou a evidência desses problemas, numa demonstração gritante da insensibilidade social, foi o Dr. Mário Soares em 1985 quando, em Setúbal, foi com eles confrontado.
Nós não o negamos! O actual Governo tem estado a erradicar grande parte da miséria que o Dr. Mário Soares deixou em 1985, quando detinha o poder de Primeiro-Ministro e os instrumentos governativos que lhe permitiam actuar sobre as realidades económicas, e sociais.
E o que constituiu parcialidade nesta Presidência Aberta, neste retorno do Sr. Presidente da República aos infernos que ele deixou em 1985, é não reconhecer que, ao lado da miséria e do desemprego que ainda subsistem, muitos postos de trabalho foram criados e muito progresso se registou.
E esse progresso não se registou apenas no combate - não acabado, é certo - à pobreza urbana. Registou-se também no combate à pobreza rural, na ultrapassagem de muitos dos obstáculos que bloqueavam o desenvolvimento do País e que se traduziam nas profundas assimetrias, que separavam o interior do litoral. Só quem não conhece Portugal, só quem vive fechado num palácio é que não reconhece o que o País mudou e não estimula os Portugueses, por esse exemplo, a seguir o caminho certo.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS): - Essa só por ironia! ...

O Orador: - Não nos choca que o Sr. Presidente da República se encontre com os desempregados e os sem abrigo da margem sul do Tejo. É importante que o faça para que todos os responsáveis políticos tenham plena consciência dos problemas a que ainda urge dar resposta. Mas choca que transforme a sua visita num hino ao miserabilismo decadentista, de quê, infelizmente, se alimentam tantos espíritos em Portugal e que não visite ostensivamente os grandes melhoramentos e investimentos que nessa região entretanto se promoveram, que estão a transformar as condições de vida das pessoas, porque ao Presidente também cabe fazer a pedagogia pelos exemplos positivos.

Aplausos do PSD.

E choca, sobretudo, que o mais alto magistrado da Nação não reconheça que não é possível atacar as misérias que ainda subsistem sem a coragem de assumir reformas estruturais difíceis, as quais não podem ser travadas como nalguns casos ele tem feito; que não é possível dizer que há miséria e isso é mau, e fazer uma guerrilha de usura política ao Governo quando este toma medidas que visam reestruturar sectores fundamentais do País (caso da reforma das Forças Armadas) ou promover a justiça social no ensino superior, com a reforma das propinas.

Aplausos do PSD.

A pedagogia pela positiva passa por afirmar aos Portugueses, com sentido de responsabilidade, que nenhum país se moderniza e se transforma sem dor, sobretudo num contexto internacional, como o actual, em que o fantasma da crise bate à porta dos países, mais desenvolvidos do Ocidente (facto que omitiu o Sr. Deputado António Guterres), com três milhões de desempregados na vizinha Espanha, ao lado de mais três milhões de trabalhadores com emprego precário, com outros três milhões em França (mais um milhão do que havia quando Miterrand chegou ao poder) e um número semelhante na Grã-Bretanha, onde neste momento o Governo se sentiu compelido a pôr em causa todo o Estado social de bem-estar.
E até o poderoso colosso americano (e, hoje, o Sr. Deputado também se esqueceu deste facto), pela voz de Bill Clinton, se viu hoje mesmo obrigado a anunciar um aumento de impostos, depois de cortes drásticos de pessoal em toda a administração americana e em todas as agências federais.
Abstrair desta situação, ao falar de problemas económicos e sociais, é promover o culto da demagogia e da irresponsabilidade; não reconhecer que os novos fenómenos de pobreza urbana são hoje uma chaga em todas as grandes metrópoles, em particular nas capitais que funcionam como centros de atracção populacional, é puro farisaísmo político, a que só assiste sem indignação quem nunca se lembrou de ir ao Casal Ventoso quando foi Primeiro-Ministro. E podia na altura fazer alguma coisa por aquilo que já era uma chaga na cidade.

Aplausos do PSD.

Assumir, como fez o Presidente da República, um papel que só cabe aos partidos com representação parlamentar - qual seja o de actuar de uma forma que implica uma fiscalização do programa do Governo, viabilizado na Assembleia da República - é faltar ao respeito pela Constituição, da qual ele deve ser o primeiro garante.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Daí que se possa resumir esta presidência aberta na frase lapidar de Francisco Salgado Zenha, personalidade insuspeita, no Jornal de Notícias, de sába-

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do passado: «Nela se levantaram problemas, mas não se apontaram soluções.»

Vocês do PSD: - Claro!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Todos sabemos que o Dr. Mário Soares não morre de amores pelo PSD nem por este Primeiro-Ministro, o que não é particularmente relevante; até achamos normal que lhe agradasse mais, como socialista que é - o que assume descomplexadamente e que o País fosse dirigido por um governo igualmente socialista.
Daí compreendermos, inclusive, notícias não desmentidas, a que os jornais dão relevo com frequência, de tentativas frequentes de interferência nas decisões internas do PS: ele foi o caso do referendo sobre Maastricht; ele foi o caso da ratificação do dito; ou os desejos de coligações PS-PCP para as eleições autárquicas - desejos estranhos que não se percebe em que é que se encaixam nos chamados desígnios nacionais do Presidente; e não faltaram sequer as pequenas, picardias, que passaram por chamar «anjinho» ao Professor Danjel Bessa, novel promessa económica (creio que a décima) do Partido Socialista.

Risos do PSD.

Percebe-se assim, a esta luz, que o Presidente da República sinta alguma frustração por verificar que o seu antigo partido não consegue fixar com êxito a agenda política contra o Governo, e que o líder do PS seja, inclusive, ultrapassado nas sondagens pelo líder do CDS.
Percebe-se igualmente que tenha a tentação de fixar ele a agenda político-partidária, procurando, com o peso institucional da sua função, obter o êxito que a liderança socialista não consegue.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Percebe-se, mas não se aceita sem protesto em nome do respeito não só das competências constitucionais a que o Presidente da Republica está obrigado, mas também em nome dos compromissos eleitorais a que livremente se vinculou.
O PSD não dará ordens de silêncio aos seus responsáveis políticos (como terá feito recentemente o Partido Socialista) para evitar o incómodo de comentar palavras ou atitudes do Presidente da República que extravasem o exercício normal das suas competências e da função presidencial.
O Presidente da República tem sempre afirmado ser o moderador da vida política nacional.
Seja!
Mas não pode invocar esse atributo e comportar-se na verdade como o principal perturbador da vida política nacional, assumindo um papel que cabe legitimamente aos partidos, particularmente aos da oposição.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Se o Chefe do Estado deixar de ser aquilo que une para passar a ser aquilo que divide os Portugueses será altura de dizer que «o rei vai nu».
O Sr. Presidente da República invoca amiúde a sua legitimidade eleitoral, resultante de uma votação maciça na sua candidatura, votação que também nos inclui e que nos confere o direito de lhe pedir responsabilidades. Respeitamos integralmente essa legitimidade conquistada pelo seu mérito próprio, lembramos-lhe que dela não decorrem responsabilidades governativas e desejamos que no exercício da função não extravase as competências que a limitam.
Lembramos igualmente que o PSD tem também uma legitimidade idêntica à sua, igualmente conferida pelos Portugueses em eleições livres posteriores à sua, essa, sim, para governar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Que ele se lembre também e, mais do que isso, que ele o respeite, é o nosso desejo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Almeida Santos, António Filipe, Manuel Alegre, José Magalhães, Ferro Rodrigues e Mário Tomé.
Nesse sentido, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Lima, estava escrito nas estrelas que, hoje, o PSD ia atacar o Presidente da República. Já estamos habituados a esse género de atitudes, Sr. Deputado!
Há três ou quatro anos que ando aqui a fazer premonições sobre o deslize para o autoritarismo e o culto do poder pessoal do vosso partido, mas devo dizer que não esperava ter tanta razão. Há uns anos atrás fui acusado de ser pessimista, excessivo e exagerado. Hoje, são os factos que me dão razão! Os senhores foram graduando as vossas reacções e tomando conta do poder das formas mais imprevisíveis. Só restavam os tribunais - e aí os senhores criaram as chamadas «forças de bloqueio» - e o Presidente da República, pelo que passaram ao ataque!
Hoje, fizeram uma graduação no ataque ao Sr. Presidente da República. Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que a conclusão que tiro é a de que eu estava cheio de razão quando, por reservas à maneira como os senhores iriam gerir a vossa maioria absoluta, no receio de que a confundissem com poder absoluto mas, infelizmente, a confusão verificou-se.
Sr. Deputado Duarte Lima, criticar não é desautorizar, mas ajudar; criticar não é agredir; criticar é o contrário, é exactamente não agredir, é evitar que as próprias realidades objecto da crítica se transformem, elas próprias, numa agressão.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Então e o que é que fez com o general Eanes?

O Orador: - Sr. Deputado Silva Marques, não me interrompa porque neste momento não o permito.
O Sr. Deputado Duarte Lima falou na função estabilizadora do Presidente da República. Mas essa função estabilizadora é não sair de Belém, não saltar os tapumes que escondem a miséria dos arredores de Lisboa e não fazer com que a televisão salte também os tapumes e denuncie essa miséria perante o País?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É não fazer aquilo que ele fez, e fez bem, ou seja, fazer com que o País inteiro - e, até nós, até eu

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próprio-tomasse consciência de um grau de problemática social muito superior àquilo que nós próprios imaginávamos sendo vizinhos dela? É isso que é desestabilizar? Acho que desestabilizar é consentir nessa miséria, consentir nos tapumes e deixar que ela exista sem que ninguém a conheça e, sobretudo, não ter respostas para ela.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Disse o Sr. Deputado que não se apresentaram soluções. Todavia, aí sim, aí é que o Presidente da República poderia talvez ser objecto de críticas se se substituísse ao Executivo dizendo que a solução é esta, que a verba deve sair daqui, etc.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Presidente da República não tem mais do que denunciar a existência de problemas sociais e - mais - chamar a atenção do Governo para que encontre soluções para eles. Nós próprios vamos contribuir para essas soluções. Estamos nesse caminho e vamos continuar cumprindo até onde pudermos a nossa função. Mas não se peça ao Presidente da República que seja ele a cumpri-la, porque isso ele não pode.
No entanto, a afirmação mais grave que o Sr. Deputado proferiu foi a de que o Presidente da República se pos ao lado do governo de outro país contra o Governo do seu próprio país. Quero dizer-lhe que, quando tomou a posição que tomou, relativamente ao problema dos cidadãos brasileiros, o Presidente da República defendeu Portugal, pôs-se ao lado de Portugal,...

Aplausos do PS.

... mesmo que isso implicasse uma crítica indirecta ao Governo do seu próprio país.
Aliás, devo dizer-lhe que não acompanhei muito a presidência aberta mas, na parte em que o fiz, só ouvi elogios aos membros do Governo e aos autarcas do PSD que acompanharam o Presidente da República, que, inclusivamente, bateram palmas.
O Sr. Deputado Duarte Lima, com a sua intervenção, desautorizou esses ministros, esses secretários de Estado, esses autarcas e, no fundo, desautorizou o seu partido, que andou com o Presidente da República, com ele concordou e o ovacionou. Confesso, Sr. Deputado Duarte Lima, que não percebi essa sua crítica porque me pareceu que quem V. Ex.ª mais criticou foi os que estiveram ao lado do Presidente da República nas atitudes que tomou.

Vozes do PS: - Muito bem!

Por outro lado, comparar, uma vez mais, a miséria de 1985 com a de 1993 ... Pois não é verdade, Sr. Deputado Duarte Lima, que em 1985 estávamos à beira da bancarrota e que, em 1993, recebemos 1,5 milhões de contos por dia da CEE? Quer V. Ex.ª comparar ainda? E, sobretudo - não se esqueçam que fizeram parte desse governo -, pergunto-lhes: fizeram, nessa altura, propostas construtivas no sentido do combate à miséria, encontrando as verbas necessárias para essas respostas?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado e meu amigo Duarte Lima, sabe o que dói ao PSD? É que, no fundo, no espaço de dois meses, culminados com a presidência aberta, ficou revelado perante a opinião pública deste país que o vosso oásis não é verde, não tem palmeiras, não consente a esperança, porque vocês não alimentam respostas para esses problemas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Isso é que vos dói! E lamento muito que continue a doer-vos, porque não creio que, com o vosso neo-liberalismo, com a vossa fé cega no mercado, com a vossa redução da intervenção do Estado no mercado para resolver crises, tenham capacidade para encontrar respostas à altura da gravidade das situações.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, vou seguir o método do Sr. Deputado António Guterres, pelo que responderei de imediato para vivificar o debate. Assim, teremos mais um elemento de identificação entre o PSD e o PS.
Sr. Deputado Almeida Santos, compreendo a incomodidade com que V. Ex.ª fala sobre esta matéria, porque reconheço a sua coerência política. Aliás, V. Ex.ª tomou parte nessas decisões, foi parte nesse discurso feito em circunstâncias semelhantes, se calhar, não tão graves, relativamente a outro Presidente da República. O Sr. Deputado estava no Governo e se aquelas notas oficiosas não tiveram a sua lavra, dado que o seu estilo é inconfundível, tiveram, pelo menos, o seu consentimento, pois não seria nesse momento que não estaria solidário com o Dr. Mário Soares.
Portanto, nada estava escrito nas estrelas. Aliás, o que estava escrito nas estrelas era que, no coroamento da agenda política que o Sr. Presidente da República procurou marcar ao longo da presidência aberta, o Sr. Deputado António Guterres ia fazer no Hotel Altis o que fez no sábado passado.
V. Ex.ª tem clara incomodidade política ao falar sobre isto, porque foi, até em entrevistas públicas que deu na altura, um dos críticos duros do Presidente Eanes. Não diga que ataquei o Presidente da República: o que fiz foi uma crítica legítima a um ponto! Tenho esse direito, Sr. Deputado!
Os senhores é que nunca se inibiram de criticar o anterior Presidente da República. Lembro-me que um membro da sua bancada, que aqui se senta, chegou a ter, na altura, a ideia peregrina de fazer um inquérito parlamentar ao Presidente da República. Não se lembra, mas isso aconteceu!
Porém, sempre que alguém faz uma crítica ao Sr. Presidente da República procura criar-se um clima de inibição à volta do Grupo Parlamentar do PSD. Não estamos em nenhuma monarquia, não funcionamos na base do direito divino dos reis. Estamos numa República democrática e todos os órgãos eleitos por sufrágio estão sujeitos ao elogio e à crítica.
O Sr. Deputado Almeida Santos far-me-á a justiça de reconhecer que o meu partido (se quiser pode fazer o balanço aos seis ou sete anos que o Dr. Mário Soares leva como Presidente da República) tem feito muito mais elogios do que críticas. Portanto, dê «de barato» que lhe possa fazer algumas críticas.

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Também sua acusação de que temos tendência para deslizar para o autoritarismo, dada a forma, como exercemos o poder, não tem cabimento! O poder que o PSD tem foi-lhe dado, reiteradamente, por três vezes consecutivas, em eleições livres e, certamente, V. Ex.ª não questionará a liberdade dessas eleições.
O Sr. Deputado também teve, com o PSD, una matéria mais absoluta do que a actual, e eu assumo os erros do bloco central, que certamente também foram, do PSD, embora a vossa quota parte fosse maior porque o comandante, o primeiro-ministro era do vosso partido.
Mas deslizar para o autoritarismo porquê? Porque nós, perante um facto concreto, levantámos a nossa voz e exercemos o direito de crítica? O Sr. Deputado Almeida Santos reconhece ao Sr. Presidente da República o direito de criticar e não me quer reconhecer esse direito a mim? Francamente, Sr. Deputado Almeida Santos, não compreendo!
Claro que para nós a função estabilizadora não é ficar em Belém. Afirmei que o PSD esteve sempre empenhado em todas as anteriores presidências abertas e reconheceu que foram imparciais, isentas. Aliás, foram extraordinariamente positivas e estivemos lá sempre.
Mas o que disse foi que há um facto qualitativo diferente nesta presidência aberta e no discurso do Sr. Presidente da República: ele assumiu, mais de, 20 vezes, perante os Portugueses, que o seu segundo mandado não seria diferente do primeiro. Todavia, as suas palavras e os seus actos ao longo das suas últimas semanas evidenciam precisamente o contrário.
Isto é uma realidade objectiva que. o, Sr. Deputado Almeida Santos não pode ignorar! Sobre isto, tenho de, politicamente,, dizer alguma coisa. Não critiquei - até disse que foi positivo -, o Sr. Presidente da República foi mostrar algumas das chagas da zona da Grande Lisboa. Digo é que é negativo que o supremo magistrado da Nação, que se arroga-e bem! - do dueto de fazer pedagogia democrática, de apenas evidência dos maus exemplos, que não reconheça aquilo que esta a ser bem feito no País, o esforço que está a ser feito por todos, e que não diga que esse é o caminho certo para se acabar com a miséria, com a pobreza, com a fome e com o desemprego que ainda existe.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Lima, se a sua intervenção não estava escrita nas estrelas estava, em parte, escrita no Diário de Notas da passada quinta-feira, pelo menos a citação que referiu estava lá inteirinha.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Falta um parágrafo!

O Orador: - Lendo esse artigo ou ouvindo a sua Intervenção, ficamos com a convicção de que o que preocupa o PSD não é propriamente o facto de se realizar a presidência aberta, mas, sim, a questão desta iniciativa fazer com que se tomem mais evidentes e, anais claras para todos os Portugueses situações para as quais o PCP tem vindo a alertar o País.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Aliás, do que se teve um conhecimento mais alargado foi das pesadas consequências da chamada democracia de sucesso e do seu rotundo fracasso, bem como das consequências dramáticas que a política do PSD está a trazer para a vida de muitos milhões de portugueses.

O Sr. Joio Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É isso que realmente está a preocupar o PSD. É que, perante todo o País, se tomou mais claro a existência de situações muito graves de desemprego, de salários em atraso, de extrema precariedade de vínculos laborais. Ficaram mais evidentes perante o país as gritantes situações de degradação das condições sociais, a nível das condições penosas de habitação para muitos portugueses, a nível das difíceis condições de saúde e educação. Mais: há imensas manchas de pobreza a alastrar por este país, particularmente nesta zona tão sensível, que é a Área Metropolitana de Lisboa. O que preocupa o PSD é que todo o País adquira mais consciência destas realidades.
E preocupa-os que as pessoas não se acomodem e que aproveitem as oportunidades para virem para a rua contestar a política do PSD e protestar contra a situação em que vivem. Esta é a grande questão que preocupa o PSD.
Há ainda a questão da legitimidade. Creio que aquilo que se tem vindo a revelar nos últimos tempos é que cada vez mais as pessoas têm consciência que os senhores não têm legitimidade para prosseguir esta política...

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ... que se está a traduzir em consequências dramáticas, do ponto de vista social, para muitos portugueses. Essa política do PSD é ilegítima e o que preocupa o PSD é que as pessoas têm, cada vez mais, consciência dessa ilegitimidade.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, se a minha intervenção estava escrita nas estrelas como não estaria a do PCP, que foi exímio - e tiro-lhe o chapéu -, muito mais exímio do que o Partido Socialista, com os cartazes, com as manifestações, com os gritos organizados durante a visita do Sr. Presidente da República? Essa situação foi visível em todo o lado!

O Sr. João Amaral (PCP): - Não seja provocador!

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Parece o Isaltino!

O Orador: - No entanto, quero colocar ao Sr. Deputado António Filipe uma única questão relevante. V. Ex.ª diz que o PSD e o Governo não têm legitimidade para fazer esta política. Se assim é, então os senhores ou alguém desta Câmara têm de apresentar uma moção de censora ao Governo. Não percebo como se pode dilucidar o problema da legitimidade quanto à política do Governo de uma outra maneira que não seja esta.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Lima: V. Ex.ª disse - e muito bem! - que não estamos numa monarquia. De facto, não estamos e, sobretudo, não estamos na monarquia do Sr. Primeiro-Ministro, que é aquele tipo de nova monarquia que, por vezes, o PSD dá impressão de querer instaurar em Portugal.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Que eu saiba, não é o filho dele que quer ser Primeiro-Ministro.

O Orador: - Mas, Sr. Deputado, o silêncio e o discurso do PSD fazem parte da mesma estratégia de diversão, a qual tem em si, por um lado, uma fuga ao verdadeiro debate político e, por outro, uma perversão desse mesmo debate.
O secretário-geral do Partido Socialista, como líder do maior partido da oposição, fez, hoje, um ataque político frontal ao Governo. Os senhores calaram-se, não responderam, procurando projectar na opinião pública a ficção de que o Sr. Presidente da República é o chefe da oposição. Os senhores, aliás, estão instalados na ficção de que Portugal é um oásis, uma democracia de sucesso. E estão incomodados porque o Sr. Presidente da República, ao não se deixar encerrar no Palácio de Belém, ao não se deixar amordaçar, ao não pôr em causa os compromissos eleitorais que assumiu para com o povo português, ao não pôr em causa os compromissos eleitorais que assumiu com o povo português, fez esta coisa simples: o que um filósofo chamaria uma acção de desocultação da realidade. O Sr. Presidente da República, ao fazer esta presidência aberta em Lisboa, mostrou ao País uma realidade.
Não foi o Sr. Presidente da República que mudou, não foi o Sr. Presidente da República que alterou os seus compromissos eleitorais: a realidade é que está diferente, a situação é que está diferente, os Portugueses é que puderam descobrir que Portugal não é uma democracia de sucesso, que Portugal não é um oásis e que o discurso optimista, novo-riquista, é um discurso que não corresponde à realidade da situação. V. Ex.ª acusa o Sr. Presidente da República de um discurso miserabilista, de um discurso decadentista - a realidade é incómoda, os factos são incómodos! Mas foi isto apenas que esta presidência aberta permitiu mostrar. Mas mais: permitiu que o Presidente da República, como Chefe do Estado, que é um traço de união entre todos os Portugueses, pudesse dar voz àqueles que não têm voz e pudesse ser um amparo e um reconforto para os excluídos da sorte, para os que não têm emprego, para os que não têm pão e para os que não tem habitação. Essa é também uma função do Chefe do Estado: a de ser um eco, um amparo, um conforto humano para os portugueses desprotegidos.

Vozes do PS e do Deputado independente Mário Tomé: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, penso que VV. Ex.ªs têm uma incomodidade com o Sr. Presidente da República, e têm-na há muito tempo!
Em primeiro lugar, porque ele nunca foi o vosso candidato. Não esqueçam que o vosso candidato, na primeira candidatura, foi derrotado.
Em segundo lugar, porque, também na segunda candidatura, não apoiaram do coração, não apoiaram com convicção a recandidatura do Dr. Mário Soares.
Assim, têm um problema com o Presidente da República e com a própria realidade! Tem um problema com o próprio país, porque, de facto, instalaram-se na ficção e fizeram dessa ficção uma realidade! Penso que o País e os democratas devem ao Presidente da República esta coisa simples: o facto de ele, não se deixando amordaçar nem encenar, permitir que os Portugueses pudessem ver que Portugal não é um oásis, que Portugal não é uma democracia de sucesso, que Portugal tem problemas e que esses problemas têm de ser resolvidos. Não é função do Presidente da República apontar as soluções - essas foram hoje aqui apontadas pelo secretário-geral do meu partido, as acusações políticas foram feitas aqui pelo líder do PS. Mas, perante isso, o PSD calou-se porque VV. Ex.ª s querem dar a ideia de que não há oposição, de que o PS não tem líder.
Conhecemos essa ficção política do PSD, mas a realidade é outra! É outra lá fora e é outra cá dentro!

Aplausos do PS e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Deputado Manuel Alegre, em primeiro lugar, o problema da resposta ou não resposta ao seu líder. Não procuramos dizer - nem eu cometo essa injustiça! - que o Sr. Deputado António Guterres não é o líder do PS, nem somos nós, porque não nos compete, a criar-lhe dificuldades. Compete-nos, isso sim, responder aos reptos que ele faz. Mas não me obrigue a responder pela quinta vez, Sr. Deputado Manuel Alegre, não me obrigue a superar as crises de imaginação que, neste caso concreto, o líder do seu partido tem! Ele tem imaginação para muito mais, mas hoje não o demonstrou. Agora não queira que amplifique aquilo que V. Ex.ª diz pela quinta ou pela enésima vez, só porque VV. Ex.ªs não têm imaginação para mais! Se alguém cria dificuldades a este líder do PS ou a outros líderes anteriores do PS não somos nós. Lembro-lhe algumas queixas importantes de líderes anteriores que fizeram, preto no branco, a acusação sobre quem era e onde estava a pessoa que criava dificuldades - não era o PSD que o dizia: o Dr. Victor Constâncio, nomeadamente numa fase do seu mandato, acusou o Sr. Presidente da República desse facto - não fomos nós que o fizemos!
Só trago isto à colação, porque V. Ex.ª pôs o dedo na ferida.

O Sr. José Magalhães (PS): - Só se for na vossa!

O Orador: - Não somos nós que colocamos dificuldades. Não desejamos sorte política ao engenheiro António Guterres, mas não somos nós que dizemos que ele não existe como líder da oposição!
Disse o Sr. Deputado que o que nos incomoda é que o Presidente da República mostrou a realidade ao País. Isso não é verdade. Sr. Deputado Manuel Alegre! A realidade não é aquela!

Vozes do PS: - É, é!

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O Orador: - Não, Srs. Deputados! É aquela, mas não é só aquela!

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Fartei-me de ver coisas bonitas nas câmaras da margem sul!

O Orador: - O que é grave é isso! Quando falamos em parcialidade é porque a realidade é aquela, mas não é só aquela! Não é feito o contraponto com aquilo que está a ser feito de positivo no País, e isso também é uma obrigação da imparcialidade do Chefe do Estado.

Protestos do PS.

Aplausos do PSD.

Se a realidade é aquela, diria que o Casal Ventoso já lá estava há muito tempo! E o Sr. Presidente da República, enquanto primeiro-ministro, nunca lá foi! Nem o Dr. Jorge Sampaio, que me lembre, a não ser na campanha eleitoral!

Protestos do PS.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Nem o Sr. Primeiro-Ministro lá foi!

O Orador: - Isso é uma posição de princípio. Aquilo é uma parte da realidade...

Vozes do PS: - Aquilo é a realidade!

O Orador: - Com o que não concordamos é que o Presidente da República, que é o símbolo da unidade nacional, que deve unir todos os Portugueses, mostre apenas uma parte da realidade. E há-de reconhecer que tenho o direito de o afirmar.
Quanto à estafada questão do oásis, não vale a pena estar a explicar, mas quem falou em oásis, foi o Ministro das Finanças - não foi em paraíso, foi em oásis, que é uma coisa que está no meio do deserto, é um espaço de transição para o bom caminho. Não falou em paraíso nenhum, um oásis tem umas árvores e um bocado de água, é um sítio onde quem anda no deserto pode respirar e repousar - e era do deserto que nós vínhamos!
Quero lembrar-lhe que é o espírito decadentista - que reina, sobretudo, na oposição - que faz com que VV. Ex.ªs digam isso, porque só se lembraram quando o Ministro das Finanças, de uma forma abreviada, referiu esta expressão. Mas esta expressão tem direitos de autor em Portugal. No ano de 1992, num célebre artigo, uma pessoa cujas simpatias pelo Partido Socialista são indiscutíveis e, sobretudo, pelo Dr. Mário Soares, o Dr. Manuel José Homem de Mello, que é um analista inteligente, quando contava a história de uns clientes que o tinham procurado, das referências que lhe pediram sobre o País, taxa de juro, inflação, perturbações sociais, greves e por aí fora, ele dizia no Diário de Notícias: «Recolho os dados, envio o fax antes mesmo de os clientes chegarem, vou à Portela de Sacavém recebê-los, trazem as minhas respostas nas mãos, apontam para elas e saúdam-me assim, ipsis verbis: eis-nos chegados ao paraíso.»

Protestos do PS.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Isso era sobre o sol de Portugal!...

O Orador: - «Ao partirem, quarenta e oito horas depois, confirmam a impressão que o meu fax lhes deixara: Portugal é um oásis, inclusive, na própria Europa comunitária.» E acrescenta, rematando, o Dr. Manuel José Homem de Mello...

Protestos do PS.

O Orador: - Sr. Deputado Manuel Alegre, faça-me todas as injustiças a mim, mas afio as foça ao Dr. Manuel José Homem de Mello! Ele acaba assim: «Confesso a minha surpresa e não posso deixar de exteriorizar, como português, a minha satisfação.» Se V. Ex.ª quer o recorte, eu dou-lho!

Aplausos do PSD.

O Sr. Prestante: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Deputado Duarte Lima, compreendo a dificuldade de V. Ex.ª perante a situação que está criada. O PSD não soube enfrentar, com garbo e com um mínimo de dignidade, o facto político que era a presidência aberta, tomou uma postura errada de crispação e agora, aparentemente, está num beco sem saída! Só lhe resta um caminho - que é um caminho perigoso - que é mastigar uma derrota e que é agravar o tom e subir a injúria.
Aquilo que V. Ex.ª aqui acabou de dizer é, objectiva e subjectivamente, injurioso. E é injurioso em relação ao Previdente da República eleito por 70 % dos sufrágios! Além disso, é duplamente injurioso porque V. Ex.ª já ouviu da boca do próprio a resposta a 99 % das questões que suscitou, mas insiste!
No entanto, trouxe um contributo acrescido (que, aliás, não estava no artigo do Diário de Notícias do Sr. Deputado Pacheco Pereira, que V. Ex.ª emulou em 80 % da sua intervenção), que é relevante politicamente, porque é um sinal de impotência. É que traçou o paradigma do presidente da república que V. Ex.ª amaria: esse presidente da república, em vez de ter feito o que fez o Dr. Mário Soares, faria aquilo a que V. Ex.ª chamou «a pedagogia dos exemplos positivos»! Neste momento, o Presidente da República de Portugal, eleito por 70 % dos sufrágios, deveria percorrer todos os sítios, fazer uma pergrinatio ad loca infecta e dizer «não vejo nada, não sinto nada, não ouço nada, não sei nada»! Um perfeito tolo! O Presidente da República de Portugal não pode fazer esse papel! E isso dói ao PSD!
Mas compreendo a dor do PSD: a de não ter em Belém o Presidente que desejava. Mas esse é um problema irresolúvel face às instituições portuguesas!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não é nada disso!

O Orador: - Irresolúvel! VV. Ex.ªs não podem fazer um impeachement do Presidente da República! Num jantar em que estive, o Sr. Presidente da República teve o garbo e a honorabilidade de saudar o Chefe de Governo com dignidade, o que me parece curial, inteligente, leal e institucional. V. Ex.ª sobe à tribuna e faz exactamente o contrário: injuria! Devo dizer-lhe que percebo porquê: VV. Ex.ªs não são capazes de, actualmente, inventar outra forma de criar factos políticos que não seja a de injuriar o Chefe do Estado!

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O secretário-geral do PS sobe à tribuna e, documentadamente, alude a situações gravíssimas. VV. Ex.ªs não querem discuti-las! Aliás, se o Sr. Deputado Duarte Lima quisesse dar o exemplo de fazer um discurso substantivo - faço-lhe esse desafio - deveria subir à tribuna e fazer um discurso sobre a situação económica! Faça-o! Defenda a política do Governo! Defenda o Ministro do Emprego e da Segurança Social, por exemplo, que mantém elementos corruptos até ao último minuto na direcção do Instituto do Emprego e Formação Profissional! Defenda o Ministro das Finanças, quando diz que os indicadores económicos são excelentes! Defenda o Ministro da Agricultura, face aos casos de corrupção denunciados e evidenciados!
V. Ex.ª fá-lo? Não faz!
Esta fuga é ainda perigosa noutro sentido, porque degrada e avilta o debate parlamentar na Assembleia da República. O PSD não tem uma única iniciativa legislativa credível nesta Assembleia. VV. Ex.ªs fizeram umas jornadas parlamentares, que acompanhei com muito interesse, na Madeira, nas quais se comprometeram a apresentar várias iniciativas legislativas. Ora, não está cá nenhuma, Sr. Deputado! As iniciativas do PSD foram sobre o segredo de Estado, feita pelo Ministro Laborinho Lúcio; sobre a Lei Orgânica do Ministério Público, escrita pelo Ministro Laborinho Lúcio, clandestinamente; sobre a reforma da lei eleitoral, escrita pelo Ministro da Administração Interna; e não tem mais nada!
O PSD não tem projectos de lei substantivos! É um zero legislativo! As iniciativas do PSD são fertilizadas no Terreiro do Paço e inseminadas aqui, na sua bancada. VV. Ex.ªs são um zero do ponto de vista legislativo! Não tem nada para apresentar zero!

Aplausos do PS.

Por isso, pergunto-lhe, Sr. Deputado Duarte Lima: como é que V. Ex.ª responde às seis que o Sr. Deputado António Guterres boje aqui abordou? São seis questões sobre os fundos comunitários, sobre a moralidade na vida pública, sobre o controlo parlamentar. Se V. Ex.ª não responde nada a essas questões, isso significa que o PSD está numa crise de consciência gravíssima. Isso explica, em parte, que estejamos, tal como o Sr. Deputado António Guterres sublinhou, numa gravíssima crise de regime para a qual, se V. Ex.ª tivesse um mínimo de sentido de Estado, deveria contribuir com soluções positivas, concretas - que podem não ser as nossas, mas que sejam concretas.
No entanto, a única coisa que V. Ex.ª faz é injuriar o Dr. Mário Soares! Isso há-de cansá-lo um dia a si! A nós, não nos cansa nada, podemos ouvimos isso calmamente. Mas V. Ex.ª há-de cansar-se um dia. Só não cansará o Presidente da República!

Aplausos do PS e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, V. Ex.ª disse tudo quando falou do «facto político» que é a presidência aberta. Foi assim que a viu, como um facto político!

O Sr. José Magalhães (PS): - E é!

O Orador: - Mais nada, apenas como um facto político, com tudo quanto a expressão tem de artificial. Sr. Deputado José Magalhães, não disse que ele devia fazer a pedagogia das coisas positivas.

O Sr. José Magalhães (PS): - Disse!

O Orador: - Não, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Está na acta!

O Orador: - Eu sei que V. Ex.ª ouve mal, mas também sei que lê bem e, além da acta, está escrito no meu discurso e vou dizer: «ele devia também fazer a pedagogia dos exemplos positivos» - isto é substancialmente diferente.
Quanto às iniciativas legislativas, é profundamente errado aquilo que V. Ex.ª disse. Limito-me a lembrar-lhe uma, que abarca, no fundo, cinco iniciativas: trata-se da reforma do Parlamento, que inclui cinco iniciativas legislativas, e que é o meu partido, que está no Governo, que apoia o Governo, que tem a coragem de apresentar as propostas mais ousadas que, inclusive, ultrapassam as vossas propostas e que vos levam a reboque. V. Ex.ª sabe disto!
Quanto às soluções concretas, é óbvio que apresentamos aqui as soluções concretas de uma forma diferente do PS. V. Ex.ª pode ser o campeão, e é-o frequentemente, da demagogia. Ninguém «lhe vai à mão» por isso, não tem de prestar contas a ninguém, não tem responsabilidades governativas. É óbvio que o Grupo Parlamentar do PSD assume isso com clareza: não apresenta o mesmo número de iniciativas do PS nem do PCP, mas articula-as com o Governo, o que é natural, e tem as suas iniciativas próprias. Ora, no ano passado teve sete, Sr. Deputado José Magalhães. Claro que é preferível ter poucas iniciativas e boas do que ter muitas e más. O PS apresentou 40 ou 50 iniciativas, mas estão todas nas gavetas e nenhuma delas vê a luz do dia.
Deixe-me só referir-lhe mais duas coisas.
Diz o Sr. Deputado José Magalhães, de uma maneira que é claramente esforçada, que cometi uma injúria ao Sr. Presidente da República.

O Sr. José Magalhães (PS): - Várias!

O Orador: - Várias injúrias, diz ele agora! É o pudico, é o prudente, é o comedido, é o contido Deputado José Magalhães ...

Risos do PSD.

... que me acusa, a mim, inocente Deputado Duarte Lima, de ser injurioso! Já nem lhe lembro o passado, Sr. Deputado José Magalhães! No seu curvilíneo percurso político, já nem lhe lembro as coisas que V. Ex.ª disse, quando pertencia à bancada do PCP, ao Dr. Mário Soares quando ele era primeiro-ministro! Não lhe lembro, porque isso dava para V. Ex.ª ficar várias vezes com vergonha e para não se levantar dessa bancada do PS a falar nele!
O que disse ao Dr. Mário Soares, quando era primeiro-ministro do bloco central, ou ao Dr. Almeida Santos, ou a outras figuras, levaria a que V. Ex.ª fosse um pouco mais prudente e um pouco mais comedido naquilo que diz.
Agora, o que é importante, é V. Ex.ª dizer que se faz uma injúria quando se faz uma crítica ao Sr. Presidente

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da República. Afinal, não percebo qual é sentido de Estado do Sr. Deputado José Magalhães. V. Ex.ª quer que o Sr. Presidente da República não possa ser objecto de críticas por parte de ninguém? V. Ex.ª está muito menos ousado agora do que estava quando fazia parte da bancada do PCP. Louvo-lhe a paciência. Vai longe dessa maneira, de certeza absoluta!
Faz-me V. Ex.ª um desafio. Para culminar, desafia-me para que faça um discurso substantivo, por exemplo, a defender a política económica do Governo. Respondo-lhe de duas maneiras.
Faça o Sr. Deputado, também, em primeiro lugar, uma intervenção substantiva ou um pedido de esclarecimento substantivo nesta Câmara, porque aquilo a que assistimos suo palavras, adjectivação, e nada mais.
Sr. Deputado, devo dizer-lhe que não vou repetir a defesa do discurso da política económica do Governo. Sabe porque?

O Sr. José Magalhães (PS): - Não tem defesa!

O Orador: - Porque era muito simples para mim fazer o discurso político substantivo da defesa da política económica do Governo.

O Sr. José Magalhães (PS): - Se respondesse estava em maus lençóis!

O Orador: - Bastava-me pegar na entrevista. ao Sr. Professor Daniel Bessa. A tal entrevista que levou a que lhe chamassem anjinho. Parece que foi aí que houve uma fraude politica! foi aí que houve uma perturbação dos soaristas a dizer que ele não tinha jeito político, que não sabia em que mundo estava a viver e que tinha de fazer uma reciclagem...
Portanto, respondia, pura e simplesmente, com o discurso do Sr. Professor Daniel Bessa e penso que ficaria satisfeito.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Lima, como Deputado eleito pelo PS, pelo círculo eleitoral de Lisboa, tive o privilégio de estar em vários momentos na presidência aberta com o Sr. Presidente da República. Em muitos desses momentos vi ao meu lado Deputados do seu partido, autarcas do seu partido, ministros do seu partido e nunca os vi criticar o Sr. Presidente da República. Pelo contrário, vi-os muitas vezes aplaudir de pé o Sr. Presidente da República.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - Até a elogiar!

O Orador: - O Sr. Presidente da República prestou um grande serviço a Portugal e sabe qual foi? Foi o de contribuir para que fosse reposta a verdade sobre a situação do resto país.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Muito bem!

O Orador: - Além disso, prestou outro enorme serviço porque demonstrou como era possível dessacralizar o poder, contactar os cidadãos um a um sem medo e ter capacidade para ouvir. Enfim, o Sr. Presidente da República fez a diferença.
O que é dramático, é que dizer que Portugal não é um oásis económico e social é considerado peto PSD como um ataque político. O que é dramático é que chamar a atenção para o problema da xenofobia, da miséria, de carência na habitação, na educação, no ambiente, no património, é considerado pelo PSD uma ofensa política.
O PSD reconquistou uma maioria absoluta na base de uma mentira absoluta, e aquilo que foi feito nestes dias foi mostrar a outra face e a realidade do nosso país.
Os senhores, no vosso reino - como fizeram hoje aqui perante a intervenção do secretário-geral do Partido Socialista -, onde se sabem mover é nas águas do silêncio ou da mistificação e nesta presidência aberta não houve nem silêncio nem mistificação!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Duarte Lima, lamento ter de dizer-lhe que, depois da sua intervenção de hoje, depois de sabermos o que se passa no Ministério do Emprego e da Segurança Social, no Ministério da Agricultura, o que se passa em geral na governação, é compreensível que o Sr. Primeiro-Ministro não dê a terça-feira de Carnaval aos funcionários públicos, pois está a transformar a governação num permanente Carnaval e numa permanente grande farra.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, não há nada de substantivo para dizer-lhe, pois também não trouxe qualquer questão substantiva. O Sr. Deputado Ferro Rodrigues enunciou apenas que o País tem vivido numa mentira e que as vitórias eleitorais do PSD foram obtidas através do recurso a uma mentira.
Que mentira urdida foi essa, Sr. Deputado Ferro Rodrígues, que engana tantos milhões de portugueses, a quem V. Ex.ª passa um Atestado de estupidez com tanta simplicidade, que engana todas as estatísticas portuguesas, que engana todas as estatísticas e todas as referências que são feitas internacionalmente sobre Portugal?!

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Não dizem nada disso!

O Orador: - É verdade Sr.ª Deputada.
Mesmo hoje, em que a borrasca económica está instalada em todos os países do Ocidente, a Sr.ª Deputada e o Sr. Deputado Ferro Rodrigues sabem que, de facto, há um abrandamento do crescimento económico em Portugal, se compararmos os quadros de 1993 em relação a 1992 e 1991. Mas, Sr. Deputado, deve reconhecer-se é rigoroso como é enquanto académico - que os indicadores económicos indicam que Portugal é o país da Europa Ocidental onde os reflexos dessa crise, dessa borrasca económica, se fizeram sentir menos.

Protestos do PS.

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O Sr. António Guterres (PS): - E os fundos estruturais?!

O Orador: - Todos os outros países tem fundos estruturais e o Sr. Deputado António Guterres sabe isso muito bem.
Portanto, quanto ao tipo de acusações que boje se fazem, de que não se aproveitou o período de transição para agricultura, pergunto ao Sr. Deputado Ferro Rodrígues se a Franca aproveitou bem ou não o período de transição? Se aproveitou, o que é que justifica, permanentemente, 300 000 agricultores a protestarem nas ruas?

Vozes do PSD: - Boa pergunta!

O Orador: - E na Bélgica, na Holanda, nos países que têm uma agricultura próspera? Não será que o problema que temos é um problema mais grave e que tem a ver com a existência de excedentes na agricultura de todos os países da Comunidade Económica Europeia?
Portanto, se o Sr. Deputado Ferro Rodrigues quer ser rigoroso até ao fim tem de reconhecer que aquilo que é mostrado é uma parte íntima - é a parte mais negativa que existe e tem de ser combatida - daquilo que é a realidade portuguesa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Lima, penso que o que preocupa o PSD é que bastou o Sr. Presidente da República dar voz aos Portugueses para que se revelasse que a democracia de sucesso está a dar lugar ao sucesso da instabilidade social.
Srs. Deputados, há nomes que saltaram - não são as pancartas, mas são as pessoas - e que já são legendas hoje: é a Stephens, o Vale do Ave, a Convex, a Gefa, a Quimigal, a Siderurgia, a Endelma, etc. O Alentejo está desertificado, a agricultura está falida e a indústria está desorientada. É esta a realidade.
Os Srs. Deputados do PSD, apesar de lá terem estado alguns, deviam lá ter estado muito mais a acompanhar e a corresponder ao convite do Sr. Presidente da República.
O PSD e o Governo que tentaram desvalorizar esta presidência aberta, que teve tanto valor para o País e para o seu futuro, até para o Governo e para todas as forças políticas, devem saber olhar para aquilo que foi mostrado. O Governo e o PSD desvalorizaram esta acção, mas o problema é que o povo deu-lhe toda a importância. É isso que os devia fazer reflectir.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Lima, a presidência aberta constitui, na minha opinião, um momento altamente democrático da vida política portuguesa e V. Ex.ª não o nega com certeza. Inclusivamente, nenhum dirigente do PSD pode negar isso.
VV. Ex.ªs, contudo, classificam o Sr. Presidente da República de perturbador da vida política nacional. Com efeito, depois das vossas reacções, chego à conclusão que é necessário repetir mais presidências abertas.
É evidente que o Sr. Presidente da República, na região de Lisboa; na presença de ministros, de dirigentes do PSD, de presidentes de câmara e de Deputados, deparou com problemas sociais gravíssimos que V. Ex.ª, também, não pode desconhecer. O Sr. Deputado certamente que não vai dizer que não existem.
Ele conviveu com populações e verificou que, afinal - ou verificamos todos -, a célebre política de sucesso é capaz de estar a transformar-se cada vez mais numa política de insucesso.
O Sr. Presidente da República encontrou situações degradantes e deparou-se com outras realidades muito positivas como também V. Ex.ª não pode deixar de desconhecer, nomeadamente na própria cidade de Lisboa.
Sr. Deputado Duarte Lima, chamam ao Sr. Presidente da República força de bloqueio e criticam-no por, no cumprimento da Constituição da República Portuguesa, recorrer ao Tribunal Constitucional. O PSD insulta o Sr. Presidente da República - com muita rapidez - como aqui há dias verificámos e agora chamam-lhe perturbador da vida política nacional. Não querem que o Sr. Presidente da República saia de Belém e que fique ali numa redoma de vidro. Com efeito, assim não é e penso que com a personalidade do Sr. Presidente da República assim não vai ser.
Portanto, Sr. Deputado Duarte Lima, perante este tipo de insultos - desculpe que lhe diga, mas são insultos - ao Sr. Presidente da República, afinal, quem é o perturbador da vida política nacional? Poder-se-á considerar democrática, na verdadeira acepção do termo, o tipo de linguagem que ultimamente dirigentes do PSD - como é V. Ex.ª - estão á utilizar em relação ao Sr. Presidente da República? Será que VV. Ex.ªs estão a criar uma instabilidade política nacional? Com que intenções, Sr. Deputado?
Este tipo de afirmações estão a criar instabilidade grave, mas porquê e com que intenções, Sr. Deputado?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Duarte Lona, informo-o de que já gastou 16 minutos quando lhe foram atribuídos apenas 15 minutos.
Para responder, se assim o desejar, tem a palavra.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, muito obrigado pela sua benevolência e peço desculpa por responder aos dois ao mesmo tempo, mas é apenas devido à exiguidade de tempo.
O Sr. Deputado Mário Tomé, no fundo, resume a sua intervenção dizendo que aquilo que nos custa é que o Sr. Presidente da República dê voz aos Portugueses.
Sr. Deputado Mário Tomé, não posso subscrever essa afirmação. Os Portugueses tem voz, independentemente da passagem por lá da presidência aberta do Sr. Presidente da República. Os Portugueses tem voz em todos os actos eleitorais e não apenas para as eleições legislativas como também para as autarquias.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - E para vocês chega!

O Orador: - Não, não chega. Mas não é apenas nos actos eleitorais. Inclusivamente, têm voz através das organizações da sociedade civil que hoje temos. Isto é, uma sociedade civil que hoje pulula de organizações de todo o tipo e natureza e que fazem a sua pressão legítima sobre o Governo, sobre este Parlamento, nas mais diversas formas que hoje a nossa democracia permite.

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Portanto, é estultícia estar a dizer que os Portugueses só têm voz se o Sr. Presidente da República lá for. Não, não é verdade.
É óbvio que há uma intensificação na abordagem e na amostragem dos problemas quando o Sr. Presidente da República lá está, mas contra isso não temos nada. O Sr. Presidente da República, noutras presidências abertas, mostrou outras coisas negativas e mostrou outras coisas positivas.
Portanto, aquilo que pensamos que deveria ser feito, com o equilíbrio que era exigível nesta presidência aberta, é que fosse feita a mesma coisa.
Elogiámos sempre e estivemos presentes em todas as presidências abertas. Assim, aquilo que condeno aqui em nome do meu partido - e não pode isso ser entendido como um insulto, Sr. Depondo João Corregedor da Fonseca - é que, de facto, essas coisas positivas que o Sr. Deputado viu ninguém as viu.
Daquilo que foi o resultado público em toda a comunicação social - é óbvio, não sou Deputado por Lisboa e não podia estar presente, mas acompanhei com muita atenção toda a cobertura da comunicação social, ou seja, das televisões, da rádio, que foi talvez a maior cobertura de sempre - e, portanto, que saltou, essencialmente, foram os aspectos negativos que existem - não negamos - e aos quais vamos dar resposta, mas o Sr. Presidente da República não fez o equilíbrio com isso.
Depois, o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca torna a procurar desviar a minha intervenção - tal como já fez um ou outro Deputado do Partido Socialista - para um ponto em que claramente ela não se insere.
Sr. Deputado peço-lhe o favor de ler com atenção, a minha intervenção e de ver qual a expressão que lá está que pode ser considerada injuriosa para o Sr. Presidente da República. Não cometo, qualquer, injúria, nem qualquer insulto ao Sr. Presidente da República. Se quisesse responder-lhe de uma maneira leviana até lhe diria; eu não disse vez alguma «desapareça Sr. Guarda».

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não disse isso vez alguma. Portanto, faço uma crítica que pode ser considerada dura, mas não é injuriosa ao Sr. Presidente da República e espero que o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca me dê o direito de o poder fazer como dou a si o direito de criticar da maneira que entender o Governo.

Aplausos do PSD.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, dou-lhe a palavra só para esse efeito e reservo-me o direito para, se se desviar do assunto, lhe cortar a palavra. A interpelação à Mesa tem a ver com a condução dos trabalhos.

O Sr. António Costa (PS) - Sr. Presidente, então, colocar-lhe um problema, antes de dizer o que queria dizer.
Não me inscrevi no momento próprio porque durante a intervenção do Sr. Deputado Duarte Lima não o ouvi dizer aquilo que por três vezes o ouvi dizer no período de respostas.
Aquilo que quero dizer tem a ver com aquilo que disse nas respostas e não com aquilo que disse na tribuna.
Portanto, se antes não se justificava a minha intervenção, agora penso que é possível.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, dou-lhe um minuto para esse efeito e o Sr. Deputado Duarte Lima terá um minuto para responder-lhe.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Deputado Duarte Lima, inscrevi-me só por um dever de consciência, que tem a ver com o facto de me sentir incorrer em falso testemunho por omissão, se permanecesse calado.
Depois de o ter ouvido dizer três vezes, neste período de respostas, que a critica que faz se justifica exclusivamente pelo facto de o Sr. Presidente da República só ter revelado, durante a sua presidência aberta, parte da verdade e não a sua totalidade, ao contrário do que fez outras vezes, ou seja, só ter mostrado o negativo e não o positivo.
Só compreendo que V. Ex.ª tenha dito isto porque não acompanhou a presidência aberta.
Tive o prazer de acompanhar a presidência aberta em todos os concelhos do distrito de Lisboa, com excepção do concelho de Mafra, e, portanto, é com conhecimento de causa que recordo vários momentos e de, na presença de Srs. Membros do Governo, por parte do Sr. Presidente terem sido não só louvadas coisas positivas que estavam a ser feitas como foram publicamente elogiados os membros do Governo em presença.
Recordo-me, por exemplo, da visita ao hospital que está em construção e que vai servir os concelhos da Amadora e de Sintra, em que na presença do Sr. Ministro da Saúde o Sr. Presidente da República o louvou publicamente.
Logo no primeiro ou segundo dia, na Camará de Loures, quando na presença do Sr. Ministro Pereira do Amaral, o Sr. Presidente da República elogiou, em meu entender excessivamente, aquilo que estava a ser apresentado peto Sr. Ministro.
Pretendia somente cumprir este dever de consciência e dizer ao Sr. Deputado Duarte Lima o seguinte: se o Sr. Deputado estava equivocado quanto aos factos, é bom que se desequivoque e venha aqui retratar-se num futuro próximo; se não estava equivocado, então reconheça já aqui publicamente que aquilo que disse não estava imbuído da boa fé invocada. Poderá dizê-lo, naturalmente - o que já fez -mas perde o pretexto da boa fé.
Aconselho-o, de qualquer forma, a falar com os diversos Deputados da sua bancada que acompanharam a visita do Sr. Presidente da República a todos estes concelhos, porque eles serão testemunhas - em seu entender, com certeza, mais confiáveis do que eu - daquilo que acabei de dizer.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra, por dois minutos, o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Não é preciso tanto, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, a resposta à questão colocada pelo Sr. Deputado António Costa é muito simples e não merece qualquer retratação da minha parte.
Ele sabe perfeitamente que aquilo que resulta essencialmente para os milhões de portugueses, e não apenas para

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nós, desta presidência aberta é o que foi transmitido para todos pela comunicação social.

Vozes do PS: - Agora, á culpa é da televisão!

O Orador: - Não estou a atacar a comunicação social, longe disso!
Não ponho em causa que o Sr. Presidente da República, esporadicamente, aqui ou além, tenha feito um elogio a uma ou a outra coisa concreta. E basta os senhores passarem os olhos petos jornais ou recordarem-se das declarações do Sr. Presidente da República na entrevista dada à SIC, no último dia da presidência aberta, para verificarem que o balanço feito pelo Sr. Presidente da República serviu essencialmente para evidenciar aquilo que existia de negativo na área da Grande Lisboa. Nada mais do que isso!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 15 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a apreciação do Decreto-Lei n.º 209/92, de 2 de Outubro, que altera o Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro (estabelece o regime jurídico das relações colectivas de trabalho) [ratificação n.º 42/VI (PCP)].
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O mecanismo da arbitragem obrigatória, consagrado pelo Decreto-Lei n.º 209/92, para todos os processos de negociação colectiva e rejeitado pelos trabalhadores é a mais completa confissão da impotência do governo de Cavaco Silva.
Impotência para conseguir os objectivos que se propôs e que se cifram, na área do trabalho, na quase completa desregulamentação das relações laborais.
O Governo foi subvertendo a legislação de trabalho, retirando direitos aos trabalhadores, precarizando as relações laborais e sempre invocando a necessidade de garantir a segurança no emprego, através, dizia o Governo, da garantia de competitividade das empresas.
Mas o paradoxo contido nesta afirmação ficou a descoberto. É que, para a gestão empresarial apadrinhada pelo Governo, competitividade acaba por significar baixos salários, despedimentos, recibos verdes, contratação a prazo e tudo o mais que consta do pacto laboral laranja.
Assim, a competitividade das empresas no modelo PSD significa, efectivamente, insegurança no emprego, facto de que os trabalhadores sempre tiveram a consciência.
Por isso mesmo, contra todas as investidas na área do direito laboral, as lutas empreendidas pelos trabalhadores e pelas suas organizações assumiram uma especial importância na defesa de direitos consagrados na contratação colectiva.
Corrido da praça pública, onde tentava vender gato por lebre, o Governo resolveu arremeter contra o direito à contratação colectiva consagrado na Constituição da República.
As greves geradas no decurso da contratação, usadas petos trabalhadores como a última forma de luta, são como a estaca de madeira cravada no cerne de uma politica anti-social.
E logo se impôs ao Governo, de acordo com as palavras usadas pelo Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Emprego e da Segurança Social, na sessão de 8 de Abril de 1992, que cito textualmente, a necessidade de «prevenir o recurso sistemático à greve» e de «evitar as perturbações económicas e sociais daí decorrentes».
A arbitragem obrigatória surge, assim, como uma barreira à luta dos trabalhadores, à conquista, ou mesmo à manutenção de direitos fundamentais. Surge como abóbada de um edifício, que já não representaria um direito do trabalho verdadeiramente digno desse nome, mas um direito delineado à medida de uma gestão empresarial vesga, desenvolvida para obter o máximo lucro no menor tempo possível, mesmo que se revele necessário sacrificar a própria empresa no altar do imediatismo da abundância e o tecido produtivo da sociedade portuguesa.
A arbitragem obrigatória significa impotência, porque o Governo reconhece que, sem aquela, não pode levar por diante os seus objectivos.
Como já alguém escreveu, a propósito do direito do trabalho na crise - e convinha que o Governo aprendesse com estas máximas e sabedorias -, «o modelo do homem que trabalha não pode ser mudado sem o consenso do homem que trabalha». E os trabalhadores portugueses já demonstraram que não aceitam a subversão dos seus direitos.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Anunciando-se como um diploma que diminuiria a intervenção do Estado na contratação colectiva, a verdade é que o Decreto-Lei n.º 209/92 prossegue objectivos contrários. Assegurando, como é óbvio, o papel tutelar do governo do PSD relativamente ao grande patronato, o Governo impõe a arbitragem obrigatória, quando não haja acordo das partes em submeter o conflito a arbitragem voluntária, no prazo de dois meses, ou mediante requerimento de qualquer das partes ou recomendação do Conselho Económico e Social.
Isto representa, de facto, uma intromissão abusiva no processo de negociação colectiva e a própria denegação do direito à liberdade negocial colectiva. E, embora a Constituição remeta para a lei a definição dos termos ern que se exerce esse direito, a verdade é que não tem o legislador ordinário um amplo poder discricionário quanto à definição desses termos. A verdade é que o texto constitucional obriga a garantir o direito à liberdade negocial colectiva, estando-lhe, portanto, vedada a adopção de qualquer esquema público obrigatório de solução de conflitos.
O legislador não pode invadir o espaço não vedado à contratação colectiva, à revelia e contra as associações sindicais. E a arbitragem obrigatória é a invasão daquele espaço e a imposição da decisão de um conflito à revelia e contra as organizações dos trabalhadores competentes para a condução do processo.
Importará aqui tornar a citar, para quem tem orelhas moucas, o que dizia a Organização Internacional do Trabalho, em 1985: «Se o Estado lhes impõe (às partes) a arbitragem obrigatória, na prática, retira-lhes essa liberdade contratual, para conferir a um terceiro o poder de decisão. A consequência, segundo é correntemente admitido, é que decairá a negociação colectiva e a arbitragem obrigatória passará a ser um método predominante de regular as relações entre empregadores e trabalhadores.»

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É claro que compreendemos que tal arbitragem dará um jeitão para decidir alguns diferendos - como, por exemplo, para tornar possível jornadas semanais de trabalho de cinquenta hora»! - e que neste direito de trabalho típico desta era cavaquista o vezo é de acolher na contratação colectiva o princípio do tratamento mais desfavorável para o trabalhador, ficando vedada a alteração de matérias, como a dos despedimentos. Aí, já nada se diz contra a intervenção do Estado, intervenção que, mesmo sendo solicitada pelas associações sindicais para emissão de portarias de extensão ou de portarias de regulamentação do trabalho, tem sido negada pelo PSD, não em nome da autonomia e liberdade de negociação, mas, de facto, em nome da protecção do patronato - e lembro a recusa de emitir portarias de regulamentação da trabalho, por exemplo, para os têxteis e para a agricultura do Norte.
É que é preciso entendermo-nos. As portarias atrás referidas, destinando-se a colmatar a ausência de associação sindical ou a acorrer a uma eventual debilidade da mesma, emitidas nos termos em que a actual lei o estabelece - com a intervenção das associações, sempre que existam -, não violam o direito à contratação colectiva. Representam, de facto, a intervenção do Estado, mas para assegurar aos trabalhadores aquelas condições de trabalho consideradas indispensáveis a quem produz riqueza para outros.
Não terminaremos sem referir que também no diploma se protegem as privatizações em curso, deixando-se a porta aberta para, com maior celeridade, se privar os trabalhadores de direitos há muito adquiridos.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Vamos apresentar uma proposta para a recusa de ratificação.
O Decreto-Lei n.º 209/92 representa um aleijão de tal ordem no ordenamento juslaboral que não há tratamento que se revele eficaz.
A verdade é que lá fora - nas fábricas, nos escritórios e nos campos - é generalizada a recusa de ratificação da política do Governo.
E contra o Homem que trabalha acaba por não haver diploma que resista. Nem direito da crise que não acabe por soçobrar na própria crise.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Emprego e da Segurança Social.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Emprego e da Segurança Social (Jorge Almeida Seabra): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Decreto-Lei n.º 209/92, de 2 de Outubro, cuja apreciação neste Plenário foi requerida pelo PCP, teve em vista a actualização parcial do regime jurídico das relações colectivas de trabalho.
A apreciação dos seus objectivo e contendo devem assentar em duas referência», a saber: a utilização da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 11/92, de 15 de Julho, e o desenvolvimento na iniciativa legislativa como consequência do acordo económico e social, celebrado em 1990.
No que se reporta à utilização da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 11/92, imporia realçar que os termos de tal autorização, quanto ao sentido e extensão da legislação a estabelecer, foram aprovados por esta Assembleia com um desenvolvimento tal que marcaram com rigor o decreto executante. Assim, o decreto executante materializa todo o normativo autorizado, integrando com precisão os seu» próprios termos.
Por outro lado, trata-se de uma iniciativa legislativa, objecto de desenvolvida negociação em sede do Conselho Permanente de Concertação Social, de onde resultou o acordo, celebrado em 19 de Outubro de 1990, entre o Governo, a Confederação da Indústria Portuguesa, a Confederação do Comércio Português e a União Geral dos Trabalhadores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste acordo encontram-se definidos os objectivos que orientaram as soluções normativas, os quais passo a citar: assegurar uma maior celeridade da negociação colectiva e da emissão de portarias de extensão; conferir maior eficácia aos mecanismos para dirimição dos conflitos negociais, nomeadamente através da institucionalização de um sistema de arbitragem independente e respeitado; potenciar a negociação colectiva, como instrumento natural de previsão de mecanismos de resolução de litígios emergentes de contratos Individuais de trabalho, e alargar, em algumas matérias concretas, o objecto da negociação, nomeadamente como um dos meios adequados à fixação de regimes profissionais complementares de segurança social.
As medidas de carácter normativo estão a ser implementadas, evidenciando algumas delas resultados, desde já, positivos. Assim, quanto ao disposto no artigo 5.º, alínea c), encontra-se em fase actual de negociação na concertação social a instituição dos centros de arbitragem de Lisboa e do Porto para a dirimição de conflitos individuais de trabalho, instituições que vão dar corpo à previsão de que a negociação colectiva possa evoluir pára a previsão de tais centros.
Quanto ao previsto no artigo 24.º, deixou já de ser exigida a aprovação tutelar para depósito de convenções relativas as empresas públicas ou de capitais públicos.
Quanto ao disposto no artigo 29.º, a emissão de portarias de extensão já ocorre com maior celeridade, como resultado do processo de simplificação introduzido pelo referido diploma.
Finalmente, no que diz respeito à norma revogatória, a redução da duração de trabalho, actualmente, já pode ser negociada entre as partes, sem ficar condicionada à autorização do Governo.
Não restam dúvidas, nestes casos, do interesse das alterações introduzidas no regime das relações colectivas de trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei 519-C1/79.
Mas, quanto as restantes normas, é também manifesta a utilidade económica e social dos resultados. Assim, a extensão do objecto da negociação colectiva à regulação de benefícios complementares dos assegurados pelo sistema de segurança social, previsto no artigo 6.º, sem dúvida, é reconhecido por todas as partes subscritoras do acordo como um elemento fundamental de desenvolvimento do sistema de benefícios para os trabalhadores.
No que respeita ao artigo 9.º, a salvaguarda da estabilidade das relações de trabalho, durante certo prazo, no caso de cessão total ou parcial de uma empresa ou estabelecimento, vem também contribuir, sobretudo no que diz respeito à cessão de empresas, para uma maior estabilidade na aplicação dos instrumentos anteriormente negociados.
No que se reporta à possibilidade de denúncia da convenção colectiva de trabalho, a todo o tempo, em casos excepcionais previstos na lei, também é reconhecida a

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importância de que se reveste para uma maior adaptação quer da duração do trabalho quer da organização do tempo de trabalho.
Finalmente, também a possibilidade de tornar obrigatória a arbitragem, nos casos em que, tendo-se frustrado a conciliação ou a mediação, as partes não acordem, no prazo de dois meses, em submeter o conflito a arbitragem voluntária, é um dos elementos importantes, em termos da aplicação do referido diploma, reconhecido pelos subscritores do referido acordo.
Quanto à arbitragem obrigatória aqui referida, acentuo que ela não é, ao contrário do que possa ser dito, uma intromissão indevida e coactiva em relação à autonomia negocial, mas desenvolve-se, isso sim, de acordo com aquilo que se procura afirmar como a defesa da própria autonomia negocial nos processos de negociação colectiva.
A arbitragem obrigatória já estava prevista no Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 Dezembro, em termos de ser determinada tão-só pelos ministérios da tutela e por uma escolha de árbitros que não tinha a ver com a participação das próprias partes.
O processo da arbitragem obrigatória, previsto no Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 Dezembro, e, no fundo, merecedor, ao longo destes anos, de um consentimento tácito por parte de todos os partidos e até das confederações sindicais, veio a sofrer, nas alterações aqui introduzidas, um reajustamento, esse sim, conforme à exigência de autonomia que era importante trazer a esse mesmo processo.
Nesses termos, a arbitragem obrigatória pressupõe sempre a frustração de um processo; de conciliação ou de mediação, ou que não seja requerida a arbitragem voluntária. A arbitragem obrigatória só pode ser desenvolvida a requerimento das partes ou mediante recomendação do Conselho Económico e Social, salvaguardando-se sempre um processo de escolha de árbitros que permita reflectir o posicionamento das partes no conflito.
Registo, como alternativa à solução da arbitragem obrigatória, o reforço que tem vindo a ser solicitado da emissão de portarias de regulamentação do trabalho.
O Governo não aceita esta alternativa da intervenção administrativa pura, no que diz respeito à regulamentação das condições de trabalho. O Governo considera que, em vez do aprofundamento da regulamentação administrativa do trabalho, em que se trata de uma dimensão puramente administrativa, deve com maior propriedade dar-se lugar à autonomia das partes, no que diz respeito à composição dos interesses recíprocos. E essa autonomia faz-se, de uma forma mais adequada, através da arbitragem obrigatória se, eventualmente, essa composição não se alcançar por outra forma mais ajustada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As normas contidas no Decreto-Lei n.º 209/92, de 2 de Outubro, respeitam a Lei de Autorização n.º 11/92. Tais normas colheram particular legitimidade por serem a expressão de consensos obtidos na concertação social e, volvidos mais de dois anos sobre tais negociações, ainda hoje se reconhece a pertinência e utilidade das medidas normativas implementadas.
São razões que justificam que a apreciação pelo Plenário conduza à ratificação do diploma sob discussão.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Dentro do período de tempo disponível por parte do Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Emprego e da Segurança Social: Desejava fazer um breve pedido de esclarecimento que servirá, digamos, para que V. Ex.ª corrija uma afirmação que fez e que não corresponde à verdade. Aliás, em Abril de 1992, já tinha feito a mesma afirmação.
Mas, antes disso, queria perguntar-lhe se acha ou tem consciência que recusar, como, aliás, fez este Governo e até o anterior, quando o PSD tinha a pasta do Ministério do Trabalho, a emissão de portarias de regulamentação de trabalho para os gráficos e para os têxteis, por exemplo - há bocado, só falei nos têxteis, mas sucedeu o mesmo com os gráficos, como bem sabe o Sr. Deputado Fernandes Marques -, privou os trabalhadores que reivindicavam a emissão dessas portarias de muitos direitos.
Em segundo lugar, já da outra vez V. Ex.ª fez a afirmação, com a qual, aliás, não estamos totalmente de acordo, pois temos algumas divergências num ou noutro ponto, de que o diploma de 1979 previa a arbitragem obrigatório tout court. De facto, previa mas só em relação a empresas públicas ou de capitais exclusivamente públicos e era isso que o Sr. Secretário de Estado devia dizer para, depois, concluir que no vosso diploma alargam essa arbitragem obrigatória a todos os casos.
Assim, acho que ficava bem a V. Ex.ª reconhecer isto e rectificar a afirmação que fez.

O Sr. Presidente: - Para responder, dentro do período de que dispõe o Governo, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Emprego e da Segurança Social.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Emprego e da Segurança Social: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, desejo apenas referir que, de facto, apesar de existirem vários processos de negociação colectiva das relações de trabalho, não tem sido possível, desde há vários anos, obter a revisão por acordo entre as associações patronais e as sindicais em virtude das posições estremadas que conduzem a rupturas nesses processos negociais.
Com efeito, foi aqui referido o caso dos gráficos, mas ainda existem outros processos que, sem dúvida nenhuma, desde há vários anos, não têm resultado em termos de processo negocial. Porém, pela associação representativa dos trabalhadores tem vindo a ser solicitada a emissão de portarias de regulamentação de trabalho.
Ora, na minha intervenção, referi, e confirmo, que a forma mais errada de dirimir composições de interesses, que entram em ruptura por falta de negociação entre as partes, que politicamente pode existir, é a da emissão, por via administrativa, de portarias para regulamentação do trabalho. Trata-se, aí sim, de uma intromissão do Governo na regulamentação do trabalho.
Do nosso ponto de vista, a forma mais ajustada, como alternativa a uma ruptura bloqueadora, ainda é, em termos institucionais das relações de trabalho, a de procurar recuperar, no contexto da autonomia das partes, a composição desses mesmos interesses.
E a arbitragem obrigatória, nos moldes em que os subscritores do Acordo Económico e Social a conceberam e nos termos em como ela veio a ser regulada no diploma em apreciação, contém, sem dúvida nenhuma, esse mérito de aproximação à autonomia das partes.
A arbitragem obrigatória para as empresas públicas ou de capitais públicos estava já prevista, de facto, no De-

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creto-Lei n.º 519-C1/79. Também é verdade que a privatização de empresas públicas ou de capitais públicos gerou, em relação à iniciativa privada, uma passagem de atribuições nos domínios da área das necessidades sociais que, sem dúvida, teriam de permitir ou exigir o ajustamento do mecanismo da arbitragem obrigatória prevista nesse diploma.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr. Deputados: Desbloquear os constrangimentos à negociação colectiva para permitir soluções diversificadas que correspondam às necessidades de modernização das empresai, das relações de trabalho e das expectativas dos trabalhadores, para alcançarem mais compensações, nomeadamente pela via de carreiras profissionais motivadoras e inovadoras, com reflexos no bem-estar físico, psíquico e na produtividade das empresas, era indispensável.
Tais objectivos não se conseguem com constrangimentos, que o PS desejaria ter irradicado na mais tempo, pois, há já quatro anos, na anterior legislatura, apresentou um projecto, então rejeitado pelo PSD e pelo Governo, que previa uma solução que, entretanto, veio a merecer o apoio deste e dos parceiros sociais.
O Governo, embora tarde, decidiu, finalmente, cumprir o acordado e facilitar e tornar mais célere a negociação colectiva à excepção da protecção social complementar sob o pretexto de, e em muitos casos com fundamento, proteger a poupança da massa salarial para fundos de reforma e outras prestações sociais por as empresas, por falência ou mesmo por abuso, ludibriarem os interesses dos trabalhadores, limitando-se, com este pretexto, a aceitar a complementaridade transferida para as seguradoras por sugestão da UGT, podendo e devendo ir mais longe, legislando uma abertura total com consagração da participação dos trabalhadores na gestão desses fundos.
Consideramos, todavia, este diploma positivo, pois corresponde ao Acordo Económico e Social, com excepção da medida n.º 1, alínea a), que estabelece que, no caso de cessão total ou parcial de orna empresa ou estabelecimento, a entidade empregadora cessionária ficará obrigada a observar a vigência do acordo, no mínimo 12 meses, tendo o Governo omitido na legislação o acordado com os parceiros que previa a vinculação da entidade cedente até à sua substituição por outro acordo resultante, também ele, de negociação colectiva.
Houve, com efeito, incumprimento e até má-fé, que compreendemos, porque o Governo, ao desmembrar empresas públicas, de que são exemplo a CP, a Petrogal, a Quimigal e a Rodoviária, colocou os regimes de negociação por acordo de empresa em causa, nestes casos e noutros seguramente, com grave retrocesso das relações de trabalho e da capacidade negocial futura dos trabalhadores afectados a essas novas empresas.
O que leva o PCP a pedir esta ratificação, conforme já percebemos, é a arbitragem obrigatória. Parece-nos, por isso, oportuno esclarecer a forma como surgiu esta solução.
A arbitragem obrigatória foi apresentada na mesa do CPCS (Conselho Permanente de Concertação Social) pelas duas confederações sindicais, a UGT e a CGTP, constando de um documento previamente acordado entre estas confederações, que passo a citar «No caso de recusa de uma das partes em iniciar a negociação ao aceitar o recurso à arbitragem voluntária, quando o conflito se arrasta há mais de seis meses, desde o início do processo negocial, e uma das partes o requerer, não podendo, no entanto, o objecto da arbitragem obrigatória incidir em matérias relativas a direitos dos trabalhadores.»
Este foi o acordo que as duas confederações fizeram e tudo isto foi consagrado em lei, o que não é habitual mas temos de fazer justiça porque foi este o caso.
Posteriormente, a CGTP mudou de opinião e a própria CIP, subscritora do acordo, também já manifestou a sua pouca simpatia por esta solução. Estranha coincidência que não queremos tomar por convergência de opiniões ou de estratégia.
Diz a CIP que o Governo não escolheu bem a ocasião para fazer entrar em vigor esta legislação, dada a situação de contenção salarial, e apela mesmo para a intervenção do Sr. Ministro das Finanças, com base no facto de os futuros árbitros-presidentes não darem garantias de decidir sempre dentro dos parâmetros de contenção salarial.
E a CIP acrescenta que, para haver designação, na ausência de acordo, de um terceiro árbitro, é preciso que trabalhadores e empregadores tenham chegado a acordo sobre uma lista a indicar ao Conselho Económico e Social, sem a qual o processo nunca será posto em movimento. A CIP promete (e passo a citar): «Julga-se que a constituição da referida lista, já que implica a aceitação das mesmas pessoas pelas duas partes, será difícil, demorada, talvez até muito demorada ...»
Também o Governo se empenhou mais em alterar a Lei da Greve, reconhecendo, implicitamente, que valoriza mais o conflito aberto e de rua do que a sua rápida e pacífica resolução.
O Governo, o PCP, parte da CGTP e a CIP acreditam e promovem a greve como único instrumento de pressão para forçar as negociações. O PS lamenta esta coincidência de posições que em nada contribui para modernizar as relações de trabalho e para reduzir os prejuízos das quebras negociais para as partes e ainda enfraquece uma já muito débil negociação colectiva, que se faz em 82 % dos casos apenas ao nível sectorial, sem expressão significativa nas empresas, pois apenas 11 % destas convenções são acordos de empresa, e sem negociação diversificada com aplicação concreta na organização do trabalho e a cada trabalhador.
Grande número de trabalhadores aufere vencimentos e regalias, muitas delas em fuga aos impostos e à segurança social, superiores ao CCT que, por tão generalista e ultrapassado em muitos sectores, não se aplica a ninguém. Consequentemente, os sindicatos ficam enfraquecidos e os trabalhadores na dependência absoluta da política de recursos humanos de cada empresa. E daí as portarias de extensão que alguns sectores que não querem negociar reclamam; daí também que o Governo tenha feito compasso de espera, de uma forma Inadmissível, sujeitando os trabalhadores dos sectores mais fragilizados a ficarem sem um enquadramento negocial adequado, no caso das PRT.
A greve é um direito constitucional caro, sobretudo, para os trabalhadores que, por isso, desejam usá-lo em último recurso e nunca como primeiro e sobretudo como único.
O diálogo e a concertação social não servem para mascarar antagonismos e impedir a assunção e a visibilidade dos conflitos mas têm de ser sustentados por soluções que permitam superar os conflitos pela via negocial, dentro de prazos úteis, e não pelo arrastamento indefinido, pelo adiamento constante de falsas negociações que podem servir

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muitos fins mas não os trabalhadores e não servem as empresas nem a modernização da economia.
Sem prejuízo do recurso à greve e a outras formas de luta, cada processo negocial deve ter um ponto final, com ou sem greve, sob pena de condenarmos o diálogo social e a negociação colectiva a um ritual e os sindicatos a um constante declínio ou a uma mera formalidade inconsequente.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernandes Marques.

O Sr. Fernandes Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Como é do conhecimento geral, em Outubro de 1990, foi celebrado um acordo económico e social que incluiu inúmeras matérias de grande relevância económico-social.
Entre as matérias que constam desse Acordo de 1990 referem-se, nomeadamente, a revisão do regime jurídico das relações colectivas de trabalho e os princípios a que deveriam obedecer as alterações legislativas pertinentes para dar corpo a esse Acordo, obtido no âmbito da concertação social.
Assim, era objectivo do Governo e dos parceiros sociais subscritores do Acordo que pudesse haver uma maior celeridade dos processos de negociação colectiva e de emissão das portarias de extensão. É óbvio que a maior ou menor celeridade dos processos de negociação colectiva estão, em grande parte, nas mãos dos parceiros sociais que negoceiam as convenções colectivas de trabalho, embora também seja possível, através dos serviços de conciliação do trabalho, fomentar a celeridade dos processos.
Tratava-se de que não houvesse empecilhos de ordem legal que inviabilizassem, à partida, a celeridade deste processo negocial. Por outro lado, pretendia-se, com esta revisão legislativa, que a emissão de portarias de extensão tivesse, tanto quanto possível, um início de vigência mais ou menos coincidente com o início da convenção colectiva de trabalho a que dizia respeito.
Era também necessário encontrar uma maior eficácia dos mecanismos de dirimição dos conflitos negociais, nomeadamente através de um sistema de arbitragem em que as partes não são substituídas pela administração de trabalho, mas são elas próprias que participam de forma activa no processo de arbitragem através dos árbitros que livremente indicam.
Finalmente, com este diploma começava-se a dar corpo a uma justa reivindicação de organizações de trabalhadores e de parceiros sociais - a de poder haver mais matérias que fossem objecto de negociação colectiva.
Fomos nós, PSD - quer no Governo quer na Assembleia da República -, que tivemos sempre a iniciativa de aprovar medidas legislativas que têm vindo a contribuir para uma muito maior margem de manobra dos parceiros sociais em termos da negociação colectiva.

O Sr. José Puig (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Decreto-Lei n.º 209/92, de 2 de Outubro, consagrou estes princípios que tinham sido acertados na concertação social, nem mais nem menos!
Com efeito, não há notícia - eu, pelo menos, desconheço-de que algum dos parceiros sociais que subscreveu o Acordo Económico e Social de 1990 tenha vindo levantar o problema de que este diploma eventualmente violasse alguns dos princípios acordados na concertação social, no que respeita à alteração da legislação que regulamenta o regime jurídico das relações colectivas de trabalho.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto já se referiu ao que tem sido a evolução das relações colectivas de trabalho, depois da entrada em vigor deste decreto-lei. Por isso, verificamos que este pedido de ratificação, apresentado pelo PCP, no fundo e em boa verdade, nem terá o suporte da CGTP-Intersindical, porque também agora pela voz da Sr.ª Deputada Elisa Damião ficámos todos a saber que, oportunamente e no âmbito do Conselho Permanente da Concertação Social, as duas centrais sindicais tinham subscrito um documento que apontava no sentido da tentativa da superar os conflitos de trabalho.

O Sr. José Puig (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pela nossa parte, pela nossa conduta, quer no Governo quer na Assembleia da República, quando estas matérias são apreciadas, queremos dizer claramente que este diploma (que resultou, como já disse, do Acordo Económico e Social) é um bom diploma. Não será o diploma óptimo, mas não conheço leis óptimas; elas são, sim, as possíveis em cada momento.
Naturalmente que a prática da negociação colectiva há-de, daqui a alguns anos, indiciar, porventura, que outros caminhos serão passíveis de ser trilhados, mas, neste momento, este diploma começa a dar provas positivas. É uma forma de não vir a haver instrumentalização por parte do Governo relativamente à fixação de condições de trabalho, porque, em última análise, são os parceiros sociais que irão intervir, através da escolha dos seus árbitros e, designadamente, da escolha de um terceiro árbitro, que será incluído numa lista de personalidades reconhecidas pelos parceiros sociais no Conselho Económico e Social.
Ora, isto significa que o Estado, o governo do PSD, pretende, mais uma vez, entregar aos parceiros sociais aquilo que mês compete!
Portanto, não compreendemos qual o objectivo e o alcance deste pedido de ratificação do PCP e ficamos com a ideia de que o PCP tem de apresentar serviço, nomeadamente em termos estatísticos, para alguma comunicação social continuar a referir que as «grandes formigas» deste Parlamento estão nessa bancada.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, está encerrada a discussão da ratificação n.º 42/VI.
Entretanto, deu entrada na Mesa um projecto de resolução, apresentado pelo PCP - que será votado ainda hoje na hora regimental -, em que se propõe a recusa da ratificação.
Vamos agora apreciar o Decreto-Lei n.º 210/92, de 2 de Outubro, que altera o Decreto-Lei n.º 398/83, de 2 de Novembro (Estabelece o regime jurídico da suspensão do contrato de trabalho) - ratificação n.º 43/VI, apresentada pelo PCP.

Pausa.

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O Sr. Secretário de Estado dos assuntos Parlamentares (Luís Filipe Menezes): - Sr. Presidente, peço a palavra pare interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, penso que o PCP tem o problema de a Sr.ª Deputada Odete Santos, que iria abrir o debate desta ratificação, estar numa comissão parlamentar.
Assim, sugerimos que se passe agora à apreciação do Decreto-Lei n.º 166/92, de 5 de Agosto - ratificação n.º 46/VI. Não faz muito sentido invertermos a ordem das intervenções, na medida em que os argumentos a aduzir pelos diferentes partidos e pelo Governo decorrerão do que for invocado pelo partido que suscitou a ratificação.

Vozes do PSD - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, a Mesa estava à espera de saber quem iria intervir por parte do PS para poder passar a discussão da ratificação seguinte, uma vez que a Sr.ª Deputada Odete Santos já tinha informado a Mesa de que, neste momento, estava numa Comissão, não podendo, desta forma, abrir o debate relativo à ratificação n.º 43/VI.
Srs. Deputados, vamos, então, passar à apreciação do Decreto-Lei n.º 166/92, de S de Agosto, que define o regime aplicável ao pessoal docente das escolas superiores de enfermagem - ratificação n.º 46/VI, apresentada pelo PS.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apresentamos aqui boje nesta Assembleia uma posição relativamente à ratificação do regime aplicável ao pessoal docente das escolas superiores de enfermagem que se baseia DOS princípios da equidade e do equilíbrio que julgamos possível aperfeiçoar no quadro dessa legislação aqui boje submetida a ratificação.
Esta proposta insere-se num âmbito de recondução do problema ao seu enquadramento numa perspectiva global de equilíbrio do ensino superior politécnico e de adequada análise das carreiras e das profissões ligadas à enfermagem.
Nesse sentido, julgamos que não se compreende, por exemplo, que o Decreto-Lei n.º 166/92, no seu artigo 6.º, estabeleça condições correspondentes ao regime de tempo integral substancialmente diferentes das que estabelece a legislação concernente ao ensino politécnico. Pensamos assim que se deve reconduzir, neste caso, a questão à integração global deste subsistema de ensino no politécnico, com as mesmas características de definição de regime de tempo integral.
As especificidades correspondentes ao exercício da enfermagem seriam, na prática, traduzidas no tipo de ocupação exterior à leccionação e no âmbito do tempo integral prestado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também no que se refere ao regime específico de transição, haverá que referir que, tratando-se de profissão onde só muito recentemente foram criadas diversas habilitações académicas de grau mais elevado, o conjunto dos profissionais mais qualificados, que disporá dessas habilitações, será, ao contrário do que se passa noutras profissões, extremamente reduzido.
Neste caso, os mesmos princípios de justiça e equidade que acima nos nortearam levar-nos-ão a propor que se tenha em conta a credenciação que uma experiência profissional enriquecida deve dar e que, em meios profissionais onde certos diplomas são relativamente raros entre os elementos mais experientes e quiçá mais qualificados, haverá que ter em conta essa mesma experiência profissional, durante o período de transição para um sistema novo e enquanto uma nova geração vai paulatinamente ganhando novas habilitações académicas e, simultaneamente, progredindo na sua experiência profissional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ora, acontece que um bom ponto de equilíbrio entre os vários aspectos focados tinha, em nosso entender, sido atingido no quadro de uma negociação entre representantes governamentais e sindicais, nomeadamente no que toca ao artigo 8.º do decreto-lei de cuja ratificação hoje tratamos e que engloba o regime de transição do pessoal docente da área em causa.
Assim, independentemente de eventuais correcções formais ou de alguma sempre possível simplificação do clausulado, julgamos, em termos gerais e salvo alguma especificidade sobre a qual estaremos dispostos a dialogar, que a adopção da proposta que fazemos neste ponto constituiria uma alteração positiva ao artigo em causa.
No entanto, não se ficam por aqui as nossas sugestões e propostas de alteração.
Consideramos que não existem razões para alterar, no âmbito do ensino em causa, as regras concernentes à exclusividade referentes ao restante ensino politécnico. Assim, os n.ºs 5 e 6 do artigo 6.º deverão cair, adoptando-se então a regra que esteja vigente para o ensino superior politécnico, no qual, de acordo com o artigo 1.º do diploma cuja ratificação se discute, se integra o pessoal docente das escolas superiores de enfermagem.
Estão assim focados alguns pontos essenciais relativos ao regime de transição, ao regime de tempo integral e ao regime de exclusividade. Neste âmbito, propomos soluções que consideramos equilibradas, que terão globalmente a aceitação das principais estruturas sindicais e, julgamos, a concordância de elementos responsáveis do Ministério da Saúde. No entanto, à Assembleia cabe decidir, pois também para isso ela foi eleita!
Há ainda mais uma disparidade que gostaríamos de referir e que é relativa ao artigo 2.º, concernente ao pessoal auxiliar de ensino. Também, neste caso, preferimos a versão negociada entre Governo e sindicatos, por nos parecer mais justa e não discriminatória.
Neste sentido, temos uma proposta, que a qualquer momento poderemos apresentar, e que pretende restabelecer o princípio da equidade neste domínio.
Gostaríamos, ainda, de propor um último conjunto de adendas, que aparecem integradas nas nossas propostas, e que são referentes à clarificação das regras aplicáveis aos enfermeiros-directores, no que concerne à sua nomeação e à remuneração base mensal aplicável.
A terminar, gostaríamos de sublinhar que o Decreto-Lei n.º 166/92, de 5 de Agosto, que veio definir o regime aplicável ao pessoal docente das escolas superiores de enfermagem, é um documento importante, na medida em que aplica a este pessoal, com algumas alterações, o Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico, possibilitando assim uma carreira integrada no ensino superior.

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No entanto, a sua aplicabilidade pode, parcialmente, revelar-se menos correcta se não forem corrigidos erros, omissões ou distorções como as que procurámos apresentar nesta despretensiosa intervenção e que integrarão as nossas propostas.
Desta forma, procurámos contribuir para uma significativa melhoria do diploma em causa e para um mais correcto funcionamento do ensino superior da enfermagem, o que, certamente, é um passo positivo para a melhoria das condições de saúde dos portugueses.
Abertos ao diálogo e ao acerto destas propostas, nomeadamente em sede de comissão parlamentar, chamamos a atenção para a importância ern se estabelecerem consensos que melhor fundamentem o bom funcionamento deste ensino.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretario de Estado Adjunto do Ministro da Saúde.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde (Jorge Pires): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Decreto-Lei n.º 166/92, de S de Agosto, que 6 boje objecto de um pedido de ratificação nesta Assembleia, constitui um importante documento de dignificação e modernização das actividades de enfermagem e, em especial, da integração do seu ensino no sistema educativo nacional com o nível de ensino superior politécnico.
Na verdade, o decreto-lei em apreciação aplicou aos docentes de enfermagem o disposto na carreira do pessoal docente do ensino superior politécnico, concretizando assim o disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 480/88, que manda aplicar este regime às escolas de enfermagem.
Assim, foi necessário prever, para efeitos de transição, um conjunto de normas que assegurassem a continuidade de funcionamento das escolas sem pôr em causa as exigências que o ensino superior politécnico coloca.
Neste contexto, aproveitam-se as especialidades da anterior carreira de enfermagem afecta ao ensino para proceder à transição para a carreira dos docentes do ensino superior politécnico sem transigir na exigência de determinados graus académicos, garantia formal de um maior nível técnico e pedagógico consentâneo com o ensino politécnico.
Deste modo, pretendeu-se garantir que o grau de exigência quanto às qualificações constituísse um factor de dignificação do ensino da enfermagem no seio do ensino superior politécnico.
As regras de transição dos antigos enfermeiros da área da docência para a nova carreira constitui a matéria que maiores dificuldades suscitou.
Com efeito, a transição determinada pelo Decreto-Lei n.º 166/92 não é uma mera passagem normal entre carreiras, pois existem diferenças estruturais que importa assinalar. As carreiras do ensino superior pressupõem a demonstração de capacidades científicas e pedagógicas subjacentes a qualificações académicas que, na sua pureza, são eliminatórias do prosseguimento na carreira. Este aspecto materializa-se, através da obtenção de graus académicos e da demonstração das qualidades científicas através da realização de provas públicas.
Assim sendo, não seria possível concretizar com uma transição meramente administrativa a passagem do pessoal de uma carreira para a outra onde as exigências académicas são muito maiores.
Não obstante, criaram-se mecanismos facilitadores de transição dos docentes de enfermagem através de, primeiro, estabelecimento de um período transitório alargado até 31 de Dezembro de 1995, que permitirá a obtenção dos graus académicos exigidos; segundo, dispensa da exigência da titularidade de um grau académico específico pelo reconhecimento de determinadas habilitações obtidas na carreira de enfermagem; terceiro, consagração de medidas excepcionais de transição quanto a habilitações, mediante o estabelecimento de equivalências e de aprovação dos currículo técnico-científicos adequados; quarto, e último, salvaguarda da possibilidade de transição para a carreira do ensino superior politécnico de acordo com o grau de habilitação detido sem ficar condicionado pela categoria de origem.
Por outro lado, pretendeu-se, desde já, em matéria de regime de trabalho, adequar a situação dos enfermeiros docentes às novas Unhas de orientação do ensino superior politécnico e às especialidades do ensino de enfermagem, nomeadamente as relacionadas com a sua vertente eminentemente prática. Com vista a salvaguardar a situação do pessoal que não tem ainda habilitações para garantir a transição, estabeleceram-se mecanismos de remuneração idênticos ao restante pessoal de enfermagem da vertente da prestação de cuidados.
Quanto aos docentes que não transitem em definitivo podem manter-se na área da docência com a qualidade de professores convidados de acordo com o regime geral.
Houve, aliás, o cuidado de garantir que os actuais enfermeiros docentes fossem mantidos nos seus lugares, independentemente da transição, uma vez que os lugares das novas categorias só poderão ser preenchidos por vacatura dos actuais.
Estão ainda em curso medidas complementares como a regulamentação das escolas superiores de enfermagem que irão completar o quadro jurídico já delineado e resolver alguns problemas de natureza transitória como o da situação dos docentes que exercem funções de director de escola.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo deu passos importantes no sentido da dignificação da carreira de enfermagem e do seu ensino, não adoptando, no entanto, critérios de facilidade certamente mais populares mas de menor valia técnica e de qualidade.
Vamos aprofundar as linhas traçadas na convicção de estarmos a contribuir para garantir mais e melhores cuidados de saúde, através de profissionais qualificados e acima de tudo motivados para o desempenho das suas funções.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, o Partido Socialista decidiu chamar a Plenário, através da figura regimental do pedido de ratificação, o Decreto-Lei n.º 166/92, de 5 de Agosto, porque verificou que nele existem algumas omissões e mesmo alguns erros.
Quero confrontar o Sr. Secretário de Estado com uma situação - e vou-me referir só a essa - que nos parece ser um erro deste diploma. É o caso de alguns actuais enfermeiros-directores das escolas superiores de enfermagem - e agradecia que acompanhasse o meu raciocínio

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seguindo »leitura do diploma-relativamente aos quais o artigo 8.º, n* S, alínea b), prevê a exigência de que «estejam habilitado* com o grau de mestre, [...}» e depois da vírgula acrescenta «tenham já prestado provas públicas para acesso à categoria de enfermeiro-professor T...J».
Sr. Secretário de Estado, acontece que aos enfermeiros-professores que estão nesta situação - os mais antigos, mais qualificados até, exercendo inclusivamente funções de coordenação dos elementos que, neste momento, querem ter acesso a esta carreira e que, aliás, fizeram parte dos júris dos concursos de enfermeiros que agora estão a caminho de verem esta pretensão contemplada - antes de 1984-1985, não lhes era exigido que prestassem provas públicas, como aqui vem contemplado na alínea é) do n.º 5 do artigo 8.º
Portanto, há aqui uma impossibilidade; é mesmo impossível estes enfermeiros-professores prestarem agora provas públicas, já que na altura tal não lhes era exigido - aliás, uma das nossas propostas é a de que seja retirada a expressão «tenham já prestado provas públicas para acesso à categoria de enfermeiro-professor».
Gostava de ouvir o Sr. Secretário de Estado sobre este ponto concreto, porque nos parece, inclusivamente, que estamos perante uma impossibilidade, uma vez que na altura em que exerciam essas funções não Inês era exigida a prestação de provas públicas.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde: - Sr. Deputado João Rui de Almeida, suponho que houve aqui um ligeiro lapso, não sei se por percepção minha, mas, ao referir-se previsão da alínea b) do n.º 5 do artigo 8.º, inicialmente falou em enfermeiros-directores.
A transição dos enfermeiros-directores, conforme eu disse, será contemplada posteriormente, quando se fizer a regulamentação das escolas de enfermagem. E isto porque? Porque na actual carreira do ensino superior politécnico não há uma categoria equivalente. Enquanto que podemos encontrar equivalências em três categorias num lado e noutro, não existe especificamente a carreira de enfermeiro-director, pelo que. decidimos contemplar a transição quando se fizer a regulamentação das escolas.
Mas, quanto à sugestão dada relativa à alínea b) do n.º 5 do artigo 8,º, há aqui uma questão. Com efeito, se retirarmos a segunda parte da alínea b) não faz sentido, porque é exigido o grau de doutor. Bem, se exigirmos só o grau de mestre em a segunda parte, não faz sentido, porque então o grau de mestre é suficiente para as pessoas poderem transitar.
A questão que colocou é uma questão diferente, penso eu, e penso que por essa via não vamos lá. A questão que levantou foi como contemplar os profissionais a quem no passado não era exigido um determinado tipo de prestação de provas. É uma questão diferente. Só que não podemos resolvê-la pela via que apontou, porque, então, para a transição, não vale a pena exigir o grau de doutor, basta exigir o grau de mestre.

O Sr. Presidente! - Paca uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Peixoto.

O Sr. Luis Peixoto (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A discussão hoje aqui encetada, relativamente ao Decreto-Lei n.º 166/92; de 5 de Agosto, que se aplica ao pessoal docente das escolas superiores de enfermagem, é, quanto a nós, mais um exemplo vivo da forma como arbitrariamente o PSD, através do Governo, impõe ao País a sua lei.
Com efeito, após a discussão com os interessados daquilo que, melhor correspondia à valorização do ensino da enfermagem em Portugal, após ter sido elaborado e discutido em Conselho de Ministros um diploma com uma redacção resultante dessa mesma discussão, é com surpresa que o diploma publicado «m S de Agosto de 1992 perverte totalmente aquilo que seria aconselhado para garantir aos docentes de enfermagem o desempenho do seu cargo cem aquele valor que tal carreira exige.
O ensino de enfermagem foi integrado no sistema educativo nacional a nível do ensino superior politécnico no ano de 1988 pelo Decreto-Lei n.º 480/88, de 23 de Dezembro. Nele se prevê a reconversão das escolas de enfermagem em escolas superiores integradas na rede do ensino superior politécnico e a aplicação ao pessoal docente das, escolas superiores de enfermagem, com as necessárias adaptações, do Estatuto da Carreira Docente do Ensino Superior Politécnico.
Para trás fica já a imposição feita no ano de 1990 às escolas para a abertura do 1.º Curso Superior de Enfermagem, à revelia da necessidade dos então docentes disporem de tempo para uma reformulação dos currículos escolares, de se adaptarem às novas perspectivas das actividades lectivas e da criação de condições de prestação de trabalho iguais às praticadas para os outros docentes do mesmo nível de ensino.
Para trás ficam também as promessas do então Secretário de Estado da Saúde e Secretaria de Estado do Ensino Superior de que, até fins de 1990, seriam concretizadas as medidas de estruturação da carreira dos docentes de enfermagem.
Para trás ficou igualmente a greve, com uma adesão quase total, dos docentes de enfermagem que conduziu ao Decreto-Lei n.º 166/92, de 5 de Agosto, hoje aqui chamado para ratificação.
Por escassez de tempo, não é possível um aprofundar minucioso que tal matéria exigiria, mas podemos reportar-nos aos aspectos mais gravosos deste decreto-lei.
O regime de trabalho estabelecido no seu artigo 6.º é exactamente o oposto do que se verifica para o ensino superior. Enquanto nos outros estabelecimentos politécnicos a apreciação do regime de exclusividade depende no essencial da opção do interessado, nos estabelecimentos superiores de enfermagem, a adopção do regime de dedicação exclusiva depende, de acordo com o disposto no n.º 5 do artigo 6.º, de deliberação do conselho científico, o que à partida resultará na especial aplicação deste regime com consequências óbvias na dedicação ao trabalho, no empenha na carreira e nos vencimentos dos docentes de enfermagem.
Também a estes docentes, em relação a outros docentes do politécnico, é exigido mais tempo para assistência a alunos e orientações no estágio, o que na prática se traduz na redução do tempo necessário à preparação do trabalho, ao estudo e à investigação científica fundamentais nesta carreira.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No que às normas de transição diz respeito, designadamente no artigo 8.º, existe uma total contradição. O facto de quase todos os

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actuais docentes ficarem de fora da nova carreira vai exigir um funcionamento das instituições de formação de tal forma intensivo que na prática irá resultar numa quebra de qualidade do ensino ministrado.
A transição para as novas categorias exige condições impossíveis para os actuais docentes, visto não haver actualmente grau de mestre ou doutor em enfermagem, até mesmo se tivermos em conta a data limite para a sua obtenção, ou seja, 31 de Dezembro de 199S, que consideramos ser muito escassa.
A título de exemplo, se aplicarmos a presente lei aos docentes existentes, poderemos concluir que dos 65 enfermeiros-monitores, 50 não vão transitar para a nova carreira e dos actuais 90 enfenneiros-assistentes apenas sete passariam a professor-adjunto, ficando sem transitar 83. Dos actuais 76 enfermeiros-professores, 24 também não transitariam para a nova carreira como professores-adjuntos, o que na totalidade significa que dos 231 docentes de enfermagem 157 ficarão sem lugar nas novas carreiras.
Se às questões referidas acrescentarmos aquelas que o artigo 2º também contempla, quanto a nós, de desvalorização da carreira de enfermagem, ao permitir contratar docentes de outras áreas - e é lógico que assim se faça, por exemplo, nas áreas de informática - e que irão usufruir de um vencimento muito superior a enfermeiros não integrados na carreira, que sejam também requisitados, conduzem-nos a que, por mero bom senso, não se ratifique este diploma, fazendo-o baixar à comissão para que se lhe possam introduzir as alterações negociadas, pelo Governo, com os sindicatos do sector.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Vilela Araújo.

O Sr. Joaquim Vilela Araújo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Entendeu o Partido Socialista fazer baixar a esta Câmara, para ratificação, o Decreto-Lei n.º 166/92, de 5 de Agosto.
Ora, a referida legislação, como aqui já foi bem dito, integra o ensino de enfermagem no sistema educativo nacional ao nível do ensino superior politécnico e, naturalmente, aplica ao pessoal docente das escolas superiores de enfermagem as regras do Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Politécnico, bem como encontra mecanismos de transição para aqueles que asseguraram e asseguram o funcionamento das escolas onde se faz o ensino de enfermagem.
Desconhecemos o que moveu o Partido Socialista ao exercer, regimentalmente, este direito, mas já que esta oportunidade surgiu não a iremos desperdiçar para, por um lado, e de novo, apresentarmos as razões de fundo que levaram o Governo, ou os governos do PSD, como tão amiudadas vezes se repete, a prosseguir, de forma coerente e continuada a fazer justiça a um sector profissional tão dedicado e tão decisivo na batalha da melhoria dos cuidados de saúde às populações e, por outro, a manifestar as preocupações ainda existentes e que resultam dos mecanismos e regras de excepção com vista a uma gradual mas tranquila integração nesta nova carreira dos actuais docentes do ensino de enfermagem.
Três ordens de razões houve que ponderar, e a saber primeiro, ter em conta a categoria profissional; segundo, ter em conta a equivalência ao diploma de estudos superiores especializados em enfermagem; terceiro, ter em conta, ainda, o contributo dado ao desenvolvimento da profissão e a circunstância de estes docentes estarem já a leccionar o curso superior de enfermagem.
Não obstante estas preocupações, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, sabemos bem que a transição dos actuais docentes para a nova carreira não satisfaz, na plenitude, as expectativas naturais e quiçá justas, tanto mais quanto foram conhecidas formas de transição mais facilitadoras.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Os enfermeiros em geral, e, neste caso, os enfermeiros-professores, nunca quiseram nem nunca pediram nada a que não tivessem direito. Tudo quanto ao longo da história lhes foi dado, há muito que já lhes era devido. Mas, por isso também, consideram a nova carreira como o princípio de um fim de um longo caminho há muito iniciado e que, finalmente, começa a colocar os docentes de enfermagem em igualdade de circunstâncias com as demais carreiras de professores, para as quais a formação pos graduada e a prestação de provas públicas é uma exigência. É também, e sobretudo, um marco deveras importante na evolução continuada do ensino de enfermagem.
Não poderemos esconder, porém, alguns aspectos que podem ensombrar o clausulado legal e a que daremos tratamento diferenciado.
Com efeito, as normas de transição foram, como não podiam deixar de ser, o ponto da discordância.
É natural, por evidente, que qualquer docente, para poder transitar para uma carreira de ensino superior, possua como formação necessária o diploma de estudos superiores especializados, ou seja, a equivalência a licenciatura.
A questão importante, porém, nesta transição relaciona-se com os actuais enfermeiros-professores e também a latere com os directores das escolas.

Em relação aos primeiros, no n.º 5 do artigo 8.º, exige-se como condição para a transição, para além do grau de mestre e da posse de um currículo técnico-científico relevante, o terem prestado provas públicas parai acesso à categoria de enfermeiro-professor. Parece natural tal exigência, pois atingir-se o topo de uma carreira sem qualquer prova pública não parecerá muito curial - porém, tempos houve, e aqueles profissionais disso não tem culpa, que àquele grupo e para ascender àquela categoria tal concurso não era exigido. Mas o mais grave é que esta situação começa a tornar-se inultrapassável e, por isso, irreversível por já ter sido extinta a carreira que tal concurso previa e permitia.
Nesta matéria valerá a pena reflectir-se na tentativa de encontrar uma solução digna para as partes. Para o efeito nos esforçaremos dando os nossos contributos.
Porém, a questão dos directores é bem diferente. Os directores das escolas superiores de enfermagem são, em última análise, nomeados pela tutela e como órgãos de gestão não devem ser tratados num diploma desta natureza. Esta questão anómala vai ser, como acabámos de ouvir há pouco, muito brevemente resolvida com a publicação do regulamento e do estatuto das escolas superiores de enfermagem.
E assim esta profunda desigualdade, e porque não a injustiça em que se encontram os directores, terá o seu fim.
Porque esta nova carreira dos docentes de enfermagem é, sem qualquer dúvida, um importante documento para a

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história da profissão, satisfaz uma profissão e honra um Governo que a leva à prática, esta iniciativa do PS transformou-se em mais um bom momento para o Governo e uma oportunidade para o Grupo Parlamentar do PSD vincar o acerto das medidas governamentais, ainda que insuficientes.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Está tudo feito? Está tudo bem feito? Claro que não. Porém, continuar e melhorar obra boa é dever dos homens que procuram amanhãs melhores que ontens. Por isso aqui estamos, na certeza de que o trabalho em comissão poderá vir ainda a melhorar um trabalho que a todos engrandece.

Aplausos do PSD e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, dentro do tempo disponível, tem a palavra o Sr. Deputado Luis Peixoto.

O Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr. Deputado Joaquim Vilela Araújo, tal como entendi, V. Ex.ª considera que há necessidade de alterar esta lei, mas criticou o facto de ela ter sido aqui chamada a Plenário. Ora, na minha opinião, de outro modo não seria atingido o desiderato de alterar a lei.
Quero colocar-lhe algumas questões muito breves. O Sr. Deputado não considera que estas medidas de excepção aplicadas aos docentes de enfermagem são injustas, tendo em atenção os outros docentes politécnicos? Refiro-me, por exemplo, à questão de a exclusividade ser atribuída mediante o apoio expresso da escola. Será que isto não vai contribuir para que os enfermeiros tenham um tempo integrado que, na prática, é o tempo de exclusividade, mas traduz uma redução significativa do vencimento?
Por outro lado, quero também perguntar-lhe se acha justo que se assista agora por parte dos docentes de enfermagem a ama corrida aos mestrados que não estão necessariamente ligados à carreira de enfermagem, como por exemplo, Sociologia e Ciências da Educação? Será que não se está desta forma a desvirtuar a qualidade que tem de procurar-se nos mestrados ligados à enfermagem e a prejudicar, enfim, o surgimento de mestrados mais ligados a esta área?
Por último, quero perguntar-lhe se não considera que estas medidas vão ocasionar alguma injustiça? E isto porque, por exemplo, um enfermeiro requisitado para uma escola de enfermagem e integrado no grau mais alto da carreira vai auferir um vencimento muito superior ao de outro enfermeiro que esteja na carreira e que a ela se dedique exclusivamente.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Vilela Araújo.

O Sr. Joaquim Vilela Araújo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Peixoto, percebo a facilidade com que o meu querido amigo «resvala», mas eu não disse que ela tinha de ser alterada, o que disse e repeti foi que ela devia ser melhorada. É um estado de espírito diferente, como são diferentes as posições da minha e da sua bancada em relação a esta matéria.
A questão da corrida para o mestrado é interessante, mas, infelizmente, nos dias de hoje, não chegam a duas dezenas os enfermeiros que frequentam o mestrado. Infelizmente!
É evidente que há muitas pessoas que até talvez preferissem que não houvesse um mestre e que os enfermeiros nunca pudessem ser licenciados. Há muitas pessoas assim! Não me refiro a V. Ex.ª, mas há muitas pessoas assim.
No entanto, quando se faz um esforço enorme por tornar uma classe deveras importante e por começar a atribuir-lhe graus académicos a que já há muito tinha direito, há sempre alguém que procura «confundir a árvore com a floresta», só porque não quer louvar um trabalho, que vai ser memorado na comissão e, espero bem, com a sua contribuição.
Há sempre alguém que procura tapar o que os governos do PSD fizeram, e disso nós orgulhamo-nos. É só olhar para a História: em 1980, fizemos a primeira perspectiva de integração; em 1985, fizemos o primeiro diploma; e agora, em 1993, realizamos esse diploma. Não se trata de obra acabada, de obra feita, mas é um bom trabalho e nós continuá-lo-emos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida, que, aliás, de acordo com o tempo regulamentar, tem de ser breve.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, volto à questão que coloquei há pouco ao Sr. Secretario de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, porque, certamente por culpa minha, não fui bem entendido.
É que trata-se de uma questão, a meu ver, tão evidente que talvez até tenha havido um lapso por parte de quem elaborou este decreto-lei.
A questão relativa aos directores de escola, coloquei-a há pouco apenas em relação a eles por me parecer mais evidente, mas refiro-me, de uma forma geral, a todos os professores, a todos os enfermeiros-professores.
O que defendemos em relação à alínea b) do n.º 5 do artigo 8.º, no que se refere a «Transitam para a categoria de professor-coordenador os enfermeiros-professores que [...] estejam habilitados com o grau de mestre, [...]» - e lá vem a tal questão - «[...] tenham já prestado provas públicas para acesso à categoria de enfermeiro-professor e tenham currículo técnico-científico [...]», não é que seja retirado tudo o que vem a seguir a «tenham já prestado provas públicas».
Somos de opinião que se deve manter na íntegra a alínea b), com excepção da parte «tenham já prestado provas públicas para acesso à categoria de enfermeiro-professor». E isto, Sr. Secretário de Estado, pela razão muito simples de que há uma impossibilidade, ou seja, como não foi exigida a prestação de provas públicas a todos os enfermeiros que adquiriram o grau de enfermeiros-professores antes de 1984-1985, eles não podem agora fazê-lo. Para além de ser uma aberração, considero que, em termos legais, há mesmo uma impossibilidade.
Quero frisar que deve manter-se tudo o resto, isto é, que estejam habilitados com grau de mestre e tenham currículo técnico-científico relevante, devidamente comprovado através de apreciação curricular, bem como a alínea a), a alínea c), etc.

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Assim, gostaria de ouvir de novo a opinião do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde em relação a este pequeno pormenor.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde.

O St. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde: - Sr. Presidente, vou voltar um pouco atrás, só para fazer uma pequena intervenção relativamente ao que foi dito pelo Sr. Deputado Luís Peixoto.
Quero dizer que a nossa visão acerca desta matéria não é a visão catastrófica e caótica que aqui foi apresentada. Temos, dos profissionais de enfermagem, da sua carreira e da carreira dos docentes de enfermagem, uma visão completamento diferente - e parece-me que o provámos na alteração que introduzimos muito recentemente no regime relativo a estes profissionais -, ou seja, uma visão de respeito, de dignificação da profissão, mas, no entanto, sem a banalizarmos. Aliás, tive o cuidado de o dizer durante o período em que decorreram várias negociações com estes profissionais.
Por outro lado, é muito estranho que, sempre que se fala em questões de pessoal, haja uma tendencia muito grande para falar em exclusividade. Parece-me que há aqui uma confusão no que diz respeito à exclusividade que, tal como está interpretada neste momento, tem efeitos perversos ou mesmo extraordinariamente perversos.
Pela nossa parte, entendemos a exclusividade no sentido de os profissionais poderem dedicar mais tempo a determinadas tarefas que lhe são exigidas para o cabal desempenho da sua função e não no sentido de as pessoas não fazerem mais nada depois das suas funções. Aliás, neste caso concreto, o que é exigido, cumulativamente, é o seguinte: eles terem uma coordenação científico-pedagógica e, ao mesmo tempo, exercerem a investigação científica. É neste sentido que entendemos a exclusividade.
Ainda relativamente ao tempo integral, como é de todos sabido, a profissão exige uma grande componente prática, pelo que não podemos ater-nos apenas às partes teóricas e temos de olhar efectivamente para a componente prática. Ora, parece-me que os profissionais de enfermagem são um grupo profissional que conhece bem as suas obrigações e sabe perfeitamente definir, com precisão, quais as suas obrigações e quais as exigências da sua profissão.
Em relação ao problema levantado pelo Sr. Deputado João Rui de Almeida acerca da questão da impossibilidade, como o diploma vai baixar à comissão, se há aqui, realmente, um símbolo de impossibilidade, ele vai ser abordado e analisado. Não lutamos contra símbolos de impossibilidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate acerca da ratificação n.º 46/VI. Entretanto, como não há qualquer projecto de resolução e foram apresentadas propostas de alteração, o decreto-lei baixará à comissão, nos termos regimentais, para efeitos de apreciação das referidas propostas de alteração.
Neste momento, registaram-se aplausos de público presente nas galerias.
O público não pode manifestar-se!
Srs. Deputados, vamos agora proceder às votações agendadas para hoje.
O Sr. Secretário vai dar conta de dois pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o primeiro parecer é do seguinte teor De acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Peniche, a Comissão de Regimento e Mandatos decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado António Barradas Leitão (PSD) a depor, como testemunha, num processo que se encontra pendente naquele Tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PSN e do Deputado independente Freitas do Amaral.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o segundo parecer é do seguinte teor A solicitação do 2.º Juízo, 3.ª Secção, do Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos, a Comissão de Regimento e Mandatos decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Eurico Figueiredo a intervir, na qualidade de testemunha, em processo que se encontra pendente naquele Tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PSN e do Deputado independente Freitas do Amaral.

Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação final global do projecto de lei n.º 122/VI - Obrigação de notificação prévia na utilização, por via aérea, de produtos fitofarmacêuticos (PS), já votado na especialidade, em sede de comissão.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PSN e do Deputado independente Freitas do Amaral.

Vamos agora proceder à votação do projecto de resolução n.º 50/VI - Recusa a ratificação do Decreto-Lei n.º 209/92, de 2 Outubro, que altera o Decreto-Lei n.º 519-Cl/79, de 29 de Dezembro (Estabelece o regime jurídico das relações colectivas de trabalho) [ratificação n.º 42/VI (PCP)], cuja discussão foi realizada no início do período da ordem do dia de hoje.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS, votos a favor do PCP, de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé e a abstenção do PS.

Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou fazer uma declaração de voto relativa à

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votação final global do projecto de lei n.º 122/VI - Obrigação de notificação prévia na utilização, por via aérea, de produtos fitofarmacêuticos, apresentado pelo PS, para fundamentar o voto favorável do Partido Social-Democrata,
Já havíamos votado a favor deste projecto de lei, na generalidade. Aliás, lembro-me que ele foi discutido conjuntamente com outros e que, na altura, considerámos a sua boa intencionalidade, pelo que obteve a aquiescência do Partido Social-Democrata.
Em sede de comissão, e na discussão na especialidade, o Partido Social-Democrata empenhou-se, com um conjunto de propostas de alteração, ern valorizar o projecto de lei.
Entendemos que conseguimos um articulado não totalmente satisfatório, porquanto sempre dissemos que o projecto de lei, ern si, não contemplava ainda questões importantes no que toca à notificação prévia na utilização, por via aérea, de produtos fitofarmacêuticos.
Contudo, registamos a importância de enquadrar, pela via legislativa, uma realidade que, dia-a-dia, está cada vez mais patente, ou seja, o crescendo da luta química no combate a pragas de animais infestantes, contra a proliferação de espécies vegetais que sufocam as culturas e também no combate a doenças das plantas.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, seria desejável que, em vez da luta química, se utilizasse a luta biológica. Todavia, reconhecemos a dificuldade dessa operação, não só porque a luta biológica ainda não se encontra suficientemente generalizada, mas também porque é menos abrangente do que a luta química. Por isso mesmo é de ter muito cuidado com a utilização de pesticidas, de herbicidas e de fertilizantes, sobretudo, por via aérea, dado que é um meio que utiliza a pulverização, a qual, eventualmente, pode causar danos a culturas, a pessoas e a animais.
Nestes termos, fica sendo obrigatória a notificação prévia às direcções regionais de saúde e as direcções regionais de agricultura da oneração aérea e da respectiva pulverização. Tal notificação tem de mencionar um conjunto de elementos que consideramos importantes, quais sejam a parcela ou parcelas que vão ser afectadas pela operação, a empresa ou o agricultor que a solicitou, a designação do produto ou produtos químicos que vão ser utilizados, bem como as suas principais características químicas, a sua toxicidade, as suas características nocivas e ainda um conjunto de especificações técnicas da operaçao aérea.
Estas notificações estão disponíveis e todos os cidadãos, bem como todas as associações de cidadãos, com objectivos de preservação do ambiente, de defesa da saúde pública ou dos interesses dos agricultores, poderão consultá-las para constatar a natureza das operações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Reiteramos que este projecto de lei fica ainda um pouco aquém da necessidade legislativa para resolver este problema, ou seja, consideramos que é de reflectir em normas que accionem mecanismos que responsabilizem as pessoas singulares e colectivas que procedem a notificação, para que, dando sequência ao princípio de educação ambiental e de prevenção, haja todo um conjunto de mecanismos que desencadeiem uma informação correcta e eficaz junto das populações cujos terrenos vão ser alvo dessas operações e, finalmente, para que haja um mecanismo eficaz de impedir o acesso de pessoas e animais as áreas tratadas.
Terminamos com um apelo no sentido de que os cidadãos e as associações de defesa do ambiente se empenhem na atitude de educação ambiental para que os agricultores e as pessoas que manipulam produtos tóxicos respeitem, as instruções escritas nos respectivos rótulos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Júlio Henriques.

O Sr. Júlio Henriques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Partido Socialista deseja congratular-se com o facto de a sua iniciativa legislativa, que veio cobrir uma lacuna no quadro jurídico da protecção ambiental, ter merecido a aprovação unanime da Camará, registando, de igual modo com agrado, a participação e o interesse que os outros partidos políticos, em sede de comissão, demonstraram pelo nosso projecto de lei e acolhemos com satisfação as suas propostas e iniciativas que visaram e, estamos certos, melhoraram o texto que havíamos apresentado à Assembleia da República.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora iniciar a discussão da ratificação n.º 43/VI, apresentada pelo PCP.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, por razões idênticas às que estiveram na base da troca da ordem da discussão desta ratificação com a que acabamos de analisar, sugeríamos que se discutisse já a ratificação n.º 47/VI.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa aceita a sugestão, pelo que vamos dar início à discussão do pedido de ratificação n.º 47/VI (PCP), relativo ao Decreto-Lei n.º 216/92, de 13 de Outubro, que «Estabelece o quadro jurídico da atribuição dos graus do mestre e de doutor pelas instituições de ensino universitário.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O pedido de ratificação, apresentado pelo PCP, do Decreto-Lei n.º 216/92, de 13 Outubro, tem a ver, por um lado, com questões de natureza - que eu diria - razoavelmente tecnicista e, por outro lado, também com questões que se prendem com a filosofia do próprio decreto-lei.
Desde logo, o texto merece-nos duas ordens de comentários. Num primeiro plano, a sua publicação não foi precedida da necessária audição das partes interessadas, competentes na matéria, ao contrário do que se afirma no preâmbulo. Ao mesmo tempo, um dos dispositivos do diploma pretende colocar sobre fiscalização do Governo o exercício de uma competência que, legítima e exclusivamente, cabe as instituições de ensino superior, designadamente a atribuição de um título académico.
Num segundo plano, alguns dos dispositivos preconizados são excessivamente rígidos, ferindo os interesses, quer das instituições de ensino superior quer dos poten-

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ciais candidatos a graus de pós-graduação e prejudicando a necessária flexibilidade dos mecanismos de formação exigida pela diversidade de domínios e natureza da formação oferecida.
Importa rectificar o diploma nos aspectos enunciados e enriquecê-lo com as contribuições interessadas e informadas do Conselho de Reitores, do Conselho Coordenador dos Institutos Politécnicos e do Conselho Nacional de Educação, que para o efeito deverão ser consultados.
Entrando em aspectos mais particulares do diploma e não fazendo uma apreciação exaustiva do mesmo, julgamos que os aspectos estritamente técnicos que subjazem a este nosso pedido de ratificação, certamente, terão das várias bancadas o razoável acolhimento.
Em relação ao artigo 30.º - e vamos começar já por ele -, entendemos que deve ser suprimido o n.º 2, porque, como já dissemos há pouco, é inaceitável colocar na dependência, explicita ou implícita, do Governo o reconhecimento dos méritos de ordem científica, pedagógica ou cultural que fundamentem a atribuição de qualquer grau académico a qualquer individualidade nacional ou estrangeira. O preceituado, tal como está, fere, sem dúvida, a autonomia universitária em âmbito da sua expressa e exclusiva competência e, em última análise, pretende condicionar o seu pleno exercício.
Não vamos, aqui, fazer grandes comentários sobre as intenções do legislador neste domínio, mas consideramos que, no plano estritamente objectivo, a intenção dele é essa, sem dúvida, o que prevêm a possibilidade do exercício pleno da autonomia universitária.
Outros aspectos há, no entanto, que não podemos deixar de assinalar. Assim, por exemplo, entendemos que no artigo 5.º, n.º 2, alínea a), deveria constar a seguinte redacção: «Frequência e aprovação nas unidades curriculares que integram os cursos de especialização ou os planos de formação estabelecidos»; no artigo 6.º, n.º 2, deveria escrever-se «Após apreciação curricular a realizar pelo orgão competente da instituição de ensino superior, são admissíveis à candidatura à inscrição licenciados com classificação inferior a 14 valores, com actividade profissional para o feito relevante, assim como bacharéis com classificação mínima de 14 valores e cumulativamente actividade profissional para o efeito relevante, em condições a fixar pelo órgão competente da instituição no regulamento do respectivo mestrado.» E deveria aditar-se um n.º 3 onde se consagrasse: «Excepcionalmente, após apreciação curricular a realizar pelo orgão competente da instituição de ensino superior, podem ser admitidos candidatos detentores de habilitação de nível superior que não se encontrem nas condições dos números anteriores.»
E, na sequência disto, entendemos ainda que a redacção do artigo 7.º deveria ser alterada para: «O curso de mestrado tem uma duração mínima de três e máxima de seis semestres, consoante as exigências e especificidades da natureza e do domínio da especialização, compreendendo ou a frequência de um curso de especialização ou o cumprimento de um plano de formação, bem como a apresentação de uma dissertação original.»
Estas alterações que propomos a nível destes três artigos (5.º, 6.º e 7.º) são fundamentadas com base em dois grandes objectivos: por um lado, permitir a admissão ao grau de mestre de bacharéis com formação adequada e actividade profissional relevante no domínio em que o grau é conferido e definir, com maior rigor, as condições mínimas exigidas para que os licenciados com classificação inferior a 14 valores sejam, eventualmente, admitidos.
Por outro lado, permitir que as unidades curriculares exigidas para a obtenção do grau possam ser oferecidas, quer através de cursos de pós-graduação quer através do cumprimento de planos de formação, consoante as exigências e especificidades da natureza e do domínio da especialização a que o grau se reporta.
Quanto ao artigo 20.º, entendemos que a redacção do n.º 3 deveria ser alterada para: «No acto de aceitação da candidatura pode ser imposta ao candidato a frequências aprovação em unidades curriculares inseridas ou constituindo curso de pós-graduação leccionado na universidade, ou o cumprimento de um plano de formação especificamente estabelecido.»
E porquê? Porque, deste modo, se pretende - aliás, é esta a nossa justificação para esta alteração - flexibilizar, para melhor poder adequar aos objectivos da formação e à especificidade do domínio da investigação, as modalidades da formação complementar exigida para a obtenção do grau de doutor.
Consideramos também que o n.º 3 do artigo 22.º deveria consagrar que «os titulares do grau de mestre pela universidade em que se candidatem a doutoramento ficam dispensados de qualquer prova que não seja a defesa pública da tese».
E porquê esta redacção? Porque assim se pretende clarificar o regime de dispensa de prestação de provas complementares e garantir essa dispensa aos detentores do grau de mestre conferido pela mesma universidade.
Para o n.º 2 do artigo 24.º propomos ainda a seguinte redacção: «O registo tem a validade de cinco anos, extensível por até mais dois anos, em condições previstas ou justificadas, após o que caduca, e a candidatura é anulada, caso não tenha lugar a entrega da tese.» E para o n.º 3: «A extensão do período referido no número anterior é não só um direito do candidato, em situações devidamente justificadas e como tal reconhecidas pelo órgão competente da instituição, como pode estar prevista no regulamento de doutoramento da universidade para cada ramo em que o grau é concedido.»
E esta alteração porquê? Porque se pretende deste modo flexibilizar a duração do período em que é elaborada a tese, não só atendendo à diversidade de exigências dos domínios científicos como também à de situações profissionais dos doutorandos.
É igualmente de atender que muitos doutorandos serão «trabalhadores-estudantes», designadamente docentes do ensino superior, cuja formação deve ser incentivada.
A nível do artigo 26.º, entendemos que no n.º 3 o que deveria ficar contemplado era: «Poderão ainda fazer parte do júri investigadores ou especialistas de reconhecida competência na área científica em que se insere a tese.» E porquê? Porque deste modo temos em vista reconhecer a competência profissional de investigadores não doutorados e de outros especialistas ao permitir a sua plena participação em júris de doutoramento sempre que a natureza e o domínio da tese o exija ou aconselhe.
Em relação ao artigo 19.º - damos-lhe particular ênfase porque cremos tratar-se de uma alteração importante -, pretende prever-se a possibilidade de a orientação do doutorando ser assegurada por um especialista investigador, não necessariamente professor, já que o grau de doutor não está obrigatoriamente associado à competência pedagógica. Deste modo, em função do referido objectivo, o n.º 2 do artigo 19.º deveria passar a ter a seguinte redacção: «Do requerimento deve constar, para além do curriculum vitae, o domínio a investigar, o professor

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ou o investigador profissionalizado que escolheu para orientador e a aceitação deste.»
Entendemos que as alterações que propomos, e que por essa mesma razão impõem que este diploma baixe à comissão competente, são suficientemente sensatas e razoáveis para merecerem o acolhimento das diversas bancadas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Entretanto, assumiu a presidência a Sr.ª Vice-Presidente Leonor Beleza.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior.

O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior (Pedro Lynce): - Sr.º Presidente, Srs. Deputados: O Partido Comunista Português requereu a apreciação pelo Plenário da Assembleia da República do Decreto-Lei n.º 216/92, de 13 de outubro, que estabelece o quadro jurídico da atribuição dos graus de mestre e doutor pelas instituições do ensino universitário. Não existem, porém, fundamentos que possam justificar a introdução de alterações a este diploma legal.
De facto, o diploma legislativo em análise foi o resultado de um amplo e consensual processo de elaboração entre as instituições de ensino superior universitário, representadas pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, e o Ministério da Educação.
Assim, é na sequência da iniciativa do Conselho de Reitores, já em Julho de 1991, ultimava o Ministério da Educação um projecto de decreto-lei de atribuição dos graus de mestre e de doutor. Ern Setembro de 1991, foi o referido projecto normativo remetido para apreciação e emissão de parecer ao Conselho Nacional de Educação por determinação do então Ministro da Educação, engenheiro Roberto Carneiro. Como é sabido, o Conselho Nacional de Educação é o orgão por excelência do exercício da democracia participativa ao nível da definição da política nacional para o ensino superior.
Em Fevereiro de 1992, foi de novo determinada a apreciação pelo Conselho Nacional de Educação de um projecto normativo pelo Ministro da Educação na altura, Professor Diamantino Durão. Nesta versão de projecto legislativo, às normas sobre atribuição dos graus de mestre e de doutor adicionavam-se, num regime que se procurava unitário, os critérios de atribuição dos graus de bacharel e de licenciado e mantinham-se, nas suas linhas gerais, as regras já consensuais sobre a atribuição pelos estabelecimentos de ensino universitário dos graus de mestre e de doutor.
Com base neste consenso alargado, foi opção da actual equipa ministerial avançar com a aprovação e publicação do regime jurídico de atribuição dos graus de mestre e de doutor pelos estabelecimentos de ensino superior universitário, dados os prejuízos a que estavam sujeitos diversos candidatos e à pressão efectiva das instituições universitárias.
Postergava-se, para momento ulterior, o regime de atribuição dos graus de bacharel e de licenciado, de modo a permitir um mais amplo debate e aprofundada reflexão sobre esta matéria, aqui, sim. um normativo totalmente inovador.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O diploma sobre o qual é pedida a apreciação por um grupo de Deputados do Partido Comunista Português é consensual, pois resulta de iniciativa das universidades e goza do seu acordo.
A falta de resposta do Conselho Nacional de Educação, desde que instado a emitir parecer em Outubro de 1991, não pode senão significar aquiescência e aprovação do texto do Decreto-Lei n.º 216/92.
Há muito que era reclamada pela comunidade científica a publicação pelo Governo de um novo regime de mestrados e de doutoramentos. Efectivamente, datava de 18 de Agosto de 1970 o regime jurídico dos doutoramentos e de 7 de Agosto de 1980 o regime jurídico dos mestrados.
As alterações legislativas entretanto ocorridas, com a publicação da Lei de Bases do Sistema de Ensino e da Lei da Autonomia Universitária, vieram tomar premente a adequação do regime de atribuição dos graus de mestre e de doutor a esta nova disciplina.
Permitir-me-ia destacar três alterações fundamentais ao regime anteriormente vigente quanto aos mestrados e doutoramentos introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 216/92. A primeira, prende-se com o princípio de autonomia científica e pedagógica de que gozam as universidades.
Efectivamente, resultando da lei uma reserva de competência de atribuição dos graus de mestre e de doutor em favor dos estabelecimentos de ensino universitário, urgia definir os parâmetros do exercício deste poder dentro de um regime comum aos vários estabelecimentos de ensino e próprio à sua diversa vocação científica.
Tal desiderato foi prosseguido através da formulação de uma lei de enquadramento que permitisse às universidades, através da emissão de regulamentos privativos, adequar o regime legal às especificidades próprias do ensino ministrado e da investigação realizada sem perda da qualidade que é condição de reconhecimento e autoridade social dos graus em referência.
Por outro lado, importava ainda garantir a posição dos candidatos à obtenção dos graus, fixando garantias de isenção e de imparcialidade na composição dos júris das provas e regras claras e precisas quanto à sua organização.
A segunda alteração que merece ser salientada prende-se com a necessária separação entre a titularidade de graus e o acesso e progressão na carreira docente. Efectivamente, é para nós claro que o desafio da educação e do progresso científico e tecnológico depende, cada vez mais, da inserção dos mestres e dos doutores no meio profissional.
A terceira alteração fundamental introduzida pelo Decreto-Lei n.º 216/92, e que merece igualmente destaque, prende-se com a previsão de acções de coordenação entre estabelecimentos de ensino universitário, através das suas unidades orgânicas, para a realização de mestrados e doutoramentos. A admissão deste regime dentro de amplos contornos, permitindo a celebração de protocolos de cooperação entre estabelecimentos públicos e privados, nacionais e estrangeiros, de ensino ou de investigação, possibilita a necessária interdisciplinaridade, que é o esteio do avanço científico e a garantia de actualização pedagógica.
Neste domínio, a permissão concedida aos institutos politécnicos de realizarem mestrados em associação com as universidades vem igualmente contribuir para a desejada colaboração científica e pedagógica entre os estabelecimentos de ensino superior, colaboração indispensável ao desenvolvimento educativo que se pretende para Portugal.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O Decreto-Lei n.º 216/92, de 13 de Outubro, ao estabelecer o quadro jurídico da

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atribuição dos graus de mestre e de doutor pelas instituições do ensino universitário mais não visa do que adequar a sua disciplina interna aos valores da autonomia universitária.
O seu conteúdo é consensual. Não há, por estas razões, motivos para introduzir neste diploma quaisquer alterações ou correcções.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O decreto-lei que estabelece o quadro jurídico da atribuição dos graus de mestre e de doutor pelas instituições de ensino universitário refere, no seu preâmbulo, que a legislação anterior relativa a esses graus pelas instituições em causa era rígida, lacunosa e pouco maleável e garante que, em caso algum, se pretende beliscar a autonomia das universidades.
Ora, verificamos que as disposições contidas neste decreto-lei colidem com tais intenções e princípios. Senão vejamos: o curso de mestrado tem a duração máxima de quatro semestres, compreendendo a frequência do curso de especialização e a apresentação de uma dissertação original. Perguntamos: porquê um prazo tão limitado? No caso, por exemplo; das Ciências Sociais e Humanas em que se toma muitas vezes necessário fazer trabalho de campo ou de arquivo, longe do local de residência dos mestrandos, esse prazo é manifestamente insuficiente!
Sabe o Governo que a maior parte dos alunos que frequentam os mestrados encontram-se a trabalhar e que, muitas vezes, é sacrificando os tempos livres e as suas férias que conseguem assistir às aulas e investigar? Ou será que os alunos de mestrado, a partir de agora, vão passar a dispor de bolsas e, sobretudo, no caso de serem docentes, de dispensa de serviço para efectuarem e concluírem com êxito o seu mestrado? Afinal, os alunos de mestrado não pagam propinas e não serão eles os mais interessados em acabar rapidamente as suas dissertações? Esta medida não prejudica fundamentalmente aqueles que querem prosseguir os seus estudos para além da licenciatura mas que, para o fazerem, têm de trabalhar?
Por outro lado, no caso de a dissertação de mestrado ou de doutoramento não ser aceite pelo júri nomeado para a apreciar, verificamos que são dados ao candidato, respectivamente, 90 e 120 dias para este a reformular. Havia necessidade de o decreto-lei indicar tais prazos? Em caso afirmativo, considera o Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior que este prazo é suficiente e que não deveria ser alargado substancialmente, pelo menos, para um ano? Como é que o candidato, em três ou quatro meses, pode efectivamente reformular a dissertação sobretudo no caso do doutoramento? A diferença, a este nível, entre uma dissertação de mestrado e uma dissertação de doutoramento reduz-se a 30 dias? Que critérios foram utilizados para definir este prazo?
Por último, refere também o diploma que a atribuição de doutoramentos honoris causa a individualidades estrangeiras deve ser precedida de audição do Ministro dos Negócios Estrangeiros. Porquê? Como é possível esta disposição? Não constitui ela um atestado de incompetência e de menoridade das universidades?
O preâmbulo do diploma sublinha a contribuição das universidades na sua elaboração e o Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior acabou agora de referir que resulta de um consenso dos reitores e das universidades. Queria perguntar-lhe que universidade ou conselho de reitores deu parecer favorável a esta enormidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Até este momento, as universidades eram soberanas para conceder os doutoramentos honoris causa. Não está o Governo, com tal exigência, a politizar a concessão dos doutoramentos honoris causa quando as universidades se regem apenas por critérios de natureza científica e cívica?
Não é esta disposição. Sr. Secretário de Estado, inconstitucional?

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Aristides Teixeira.

O Sr. Aristides Teixeira (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A ratificação n.º 47/VI, referente ao Decreto-Lei n.º 216792, de 13 de Outubro, solicitada pelo Partido Comunista Português, é seguramente sinal revelador do espírito de ratificação que reina naquele partido, admitindo-se desta vez - e passe a ironia - que tal pedido se destina a elogiar o mencionado diploma.
Na verdade, o Decreto-Lei n.º 216/92 vem muito justamente actualizar, adaptar e valorizar a atribuição dos graus de mestre e de doutor no ensino superior, estando tais pressupostos claramente expressos no seu preâmbulo, tomando como referência obrigatória a Lei de Bases do Sistema Educativo e a Lei da Autonomia Universitária.
Sendo certo e consensual que a legislação sobre a matéria em apreço datava de 1970 - mais propriamente, o Decreto-Lei n.º 388/70 - e de 1980 - Decretos-Leis n." 263/80 e 264/80 -, era óbvio o desajuste entre as realidades ao tempo e as actuais, com diferentes exigências e obrigações, e torno a lembrar a publicação das Leis de Bases do Sistema Educativo e da Autonomia Universitária.
A situação da universidade, sempre em mudança, impunha, pois, que as regras que assistiam à atribuição de graus fossem reformuladas para serem concordes com a vida das universidades e também com as exigências dos que lá ensinam e trabalham.
Nessa disposição, foi desencadeada a elaboração de um documento que recolheu as opiniões, as opções e sugestões das universidades, com papel destacado para o Conselho de Reitores. Na devida altura, foi também enviado ao Conselho Nacional de Educação para a respectiva emissão de parecer.
Foi assim, então, publicado o Decreto-Lei n.º 216/92, fruto de muitas trocas de impressões, pois sintetiza legislação dispersa e introduz melhorias nítidas e como tal bem aceites na comunidade universitária, harmonizando critérios, definindo prazos mais consentâneos, coordenando e generalizando procedimentos curriculares e administrativos.
Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Nesta perspectiva, e porque vem de encontro ao que atrás fica dito, não resisto a chamar aqui à colação, por significativas, elogiosas e insuspeitas, se bem que a par de algumas reservas, sobretudo aos artigos 7.º e 24.º, as opiniões e a apreciação de um coordenador de uma corrente sindical, publicadas no Jornal da FENPROF, suple-

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mento ao n.º 95 de Dezembro do ano quo passou, que com a devida vénia transcrevo, sem que me possam acusar de deslocá-las do contexto. Assim, no n.º 1, diz-se: «É positivo o estabelecimento de normas gerais aplicáveis em todo o território nacional, deixando-se a cada instituição de ensino superior a competência para a elaboração de regulamentos próprios, nomeadamente para as questões de ordem processual.» Verifica-se aqui, de qualquer maneira, o respeito integral pela autonomia e pelas instituições.
O articulista refere ainda: «É, por exemplo, favorável aos candidatos à obtenção do grau de mestre que a lei estipule um prazo de 30 dias para que, após a entrega da dissertação, seja nomeado um júri.» Portanto, o prazo tem também o beneplácito deste elemento do sindicato.
É igualmente bastante positivo que se estabeleça - como já vinha acontecendo, de resto - que a deliberação do júri se faça através de votação nominal fundamentada, não sendo permitidas abstenções.
Do n.º 3 respigo ainda que: «É igualmente positivo que a lei prescreva que estão isentos do pagamento de propinas os docentes do ensino superior -independentemente da escola em que prestam serviço - que, nos termos dos estatutos da carreira, estejam obrigados à obtenção dos graus de mestre e doutor.»
Reparem no modo como este elemento do sindicato se refere, destacando e aplicando palavras que, de qualquer maneira, são interessantes mencionar. Considera-se elucidativa esta opinião e demonstrativa de que, nos sectores a que o decreto-lei se destina, ele foi bem recebido. Mais uma vez o Partido Comunista Português continua desfocado das realidades, contestando por contestar, sem se preocupar com a razão dos factos.
Sr.ª Presidente, Srs. Membros tio Governo, Srs. Deputados: O Partido Social-Democrata tem a óbvia noção de que não há obras acabadas e perfeitas, sobretudo neste campo, e que haverá aspectos atada a regulamentar, designadamente quanto à atribuição dos graus de bacharel e de licenciado. Tem, porém, a certeza de que essa matéria será objecto de reflexão e em tempo oportuno terá legislação apropriada por parte do Ministério da Educação.
O Partido Social-Democrata assome a convicção certa das virtualidades do Decreto-Lei n.º 216/92, o qual contribuirá decisivamente para o desenvolvimento, responsabilidade e incentivo do rigor científico e da investigação e capaz, também, de defender e valorizar os estatutos da carreira e os interesses legítimos da comunidade universitária.
Tudo dito, o PSD tem todas as razões para votar a favor da ratificação do Decreto-Lei n.º 216/92, de 13 de Outubro, que estabelece o quadro jurídico da atribuição dos graus de mestre e doutor pelas instituições de ensino universitário.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, terminou o processo de apreciação do Decreto-Lei n.º 2167 92, que baixa agora à comissão competente para ser discutido.
Passamos de seguida à apreciação do ultimo diploma agendado para boje, o Decreto-Lei n.º 210/92, de 2 de Outubro, que alterou o Decreto-Lei n.º 398/83, de 2 de Novembro (estabelece o regime jurídico da suspensão do contraio de trabalho), da iniciativa do PCP.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, os meus agradecimentos por terem atrasado hoje, suponho que por duas vezes, a apreciação deste diploma, o que se deve ao facto de me encontrar ocupada noutras tarefas de âmbito parlamentar, que me impossibilitarão i!. também assistir ao debate até final.
De qualquer forma, esta introdução não impede que diga algumas palavras menos agradáveis para o Governo e para o PSD a respeito do Decreto-Lei n.º 210/92. Emitido no âmbito de uma autorização legislativa-aliás, como não podia deixar de ser-, faz parte do chamado pacote laboral que corresponde a uma nova etapa do direito do trabalho em Portugal neste final de século. E se digo que não podia deixar de ser é porque o Governo habituou-nos nesta área do direito do trabalho, bem como noutras a trazer aqui autorizações legislativas, mesmo quando tem os diplomas já preparados.
Penso que a Assembleia da República, da votação dessas profusas alterações legislativas nesta área como noutras, não sairá dignificada.
Apesar de todos os esforços, o direito do trabalho não está em extinção. O essencial do seu núcleo, aquilo que o toma distinto de qualquer outro ramo do direito, o conjunto de normas que exigem um tratamento mais favorável para o trabalhador mantém-se, nomeadamente, nos normativos constitucionais que consagram o direito ao trabalho, à segurança no emprego, o direito à greve, o direito à negociação colectiva, o direito à liberdade sindical, o direito à prestação do trabalho em condições socialmente dignificantes, entre outros.
O «pacote laboral» veio tripudiar direitos constitucionalmente garantidos, na sequência, aliás, de anteriores investidas legislativas que nem sempre lograram passar a fieira do Tribunal Constitucional.
Com a descaracterização do direito do trabalho, segue o Governo a esteira do que se passa noutros países, porque na esteira segue das crises ali existentes. Muito fala e falou o Governo da necessidade de flexibilizar as relações laborais, da urgência em precarizar as relações de trabalho, garantindo aos jovens emprego se os mais maduros pudessem ser facilmente despedidos.
A realidade demonstrou que foram sacrificados os jovens e os trabalhadores de idade madura - estes vítimas de várias formas de despedimento, aqueles, joguetes do poder empresarial, usados como mão-de-obra barata e atirados depois para a prateleira dos desempregados de longa duração.
A realidade encarregou-se de demonstrar que quem dita as leis se encontra do lado de quem exige a instabilidade no emprego, a insegurança, de quem proporcionou a degradação das condições em que se trabalha. Avessas ao esquema legal de despedimento colectivo pelo que este regime continha de rigor como tampão para a utilização do mesmo em despedimentos sem justa causa, grandes empresas estrangeiras exigiram a introdução do regime de lay-off como forma de flexibilização da relação de trabalho que teria a vantagem de não exigir dispêndios com indemnizações.
Cedo, porém, o regime de suspensão do contrato de trabalho e de redução do período normal se revelou sem utilidade para as empresas. Não admira que assim seja à semelhança do que acontece, por exemplo, no caso da arbitragem obrigatória, para falar de um debate anterior, não admira que já não sirva à CIP o que consta do diploma relativo à arbitragem obrigatória, sendo por sinais

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opostos aos do PCP que, de facto, a CIP está contra esse diploma e não pelos motivos que o PCP invoca e invocou aqui na Assembleia da República. Que fique boa nota disto, pois quem faz afirmações deve fazê-las com cuidado, sem leviandade, porque corre o risco de perder credibilidade.
O lay-off foi, de facto, um nado-morto. Contam-se pelas dedos os casos em que foi utilizado tal regime. As grandes empresas foram descobrindo outras formas de se desfazerem dos trabalhadores, formas com que se torneavam as próprias leis sem passarem pela peneira da lei, por cujos crivos, aliás, quase que se via o sol. E lá foram reclamando contra aquilo que chamam de burocracia, sempre que em qualquer dispositivo se descortina uma norma de protecção do trabalhador.
As alterações constantes do Decreto-Lei n.º 210/92 alargam a fieira do crivo, aligeirando a protecção dos trabalhadores em obediência aos interesses da gestão empresarial. O diploma vem permitir o aumento das remunerações dos membros dos corpos sociais durante a vigência do regime de lay-off, exceptuando apenas e tão-só os casos ern que haja comparticipação financeira da segurança social; acaba com a necessidade de autorização administrativa para a suspensão de contratos de trabalho, que, aliás, já muito ligeiramente constava do actual regime legal, depois de retocado o diploma de 1983 - nem sequer se institui um sistema jurisdicional de fiscalização da aplicação do lay-off como acontece, por exemplo, no direito brasileiro, ern que o desacordo dos trabalhadores relativamente às medidas só pode ser superado através de recurso à justiça do trabalho. Acresce que às alterações do artigo n.º 1 subjaz a filosofia de uma maior flexibilização ainda das relações de trabalho, sempre na óptica do favorecimento do poder empresarial.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Apresentado como uma alternativa ao desemprego, a verdade é que o regime de suspensão do contrato de trabalho e de redução do período normal de trabalho, com a consequente redução do vencimento, não produz esse efeito nem sequer o anunciado pelas grandes empresas estrangeiras. Tal sistema legal representou, no entanto, mais uma peça no caminho da deslaborização das relações de trabalho. Uma forma de provocar a desmoralização, o desencanto, o desânimo; uma forma até de subverter o labor interpretativo de outros diplomas da área do trabalho. Desde o início, desde o primeiro diploma, pronunciámo-nos contra o regime, porque o que eslava em causa, ao fim e ao cabo, era a fragilização dos direitos dos trabalhadores.
As alterações constantes do diploma em discussão são de sinal negativo quanto baste. As únicas alternativas ao desemprego são o emprego e um sistema de segurança social que verdadeiramente impeça o aparecimento de novos pobres, daqueles que são vítimas de uma política que os sacrifica em nome da mobilidade de mão-de-obra - leia-se «precariezação do emprego», «despedimento», «trabalho clandestino», leia-se «não Direito»!

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Emprego e da Segurança Social.

O Sr. Secretário de Estudo Adjunto d» Ministro d» Emprego e da Segurança Social (Jorge Almeida Seabra); - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Decreto-Lei n.º 210/92, de 2 de Outubro, cuja apreciação neste Plenário foi requerida pelo Partido Comunista Português, altera o regime da redução do período normal de trabalho e da suspensão do contrato de trabalho.
Pela intervenção da Sr.ª Deputada Odete Santos, no que se reporta à invocação dos argumentos que poderiam levar à recusa da ratificação, apenas constatámos declarações políticas de fundo contra o pacote laboral, a política legislativa e os despedimentos, para além de outras invocações que, quanto ao objecto deste tipo de diploma, pouco ou nada tem a ver.
A apreciação dos seus objectivos e conteúdo devem assentar em duas referências: a utilização da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 10/92, de 15 de Julho, e o desenvolvimento da iniciativa legislativa como consequência do Acordo Económico e Social celebrado em 1990.
No que se reporta à utilização da autorização legislativa, concedida pela Lei n.º 10/92, importa realçar que os termos de tal autorização, quanto ao sentido e extensão da legislação a estabelecer, foram aprovados por esta Assembleia, com um desenvolvimento que marcaram com rigor o decreto executante, que materializa todo o normativo autorizado, integrando com precisão os seus próprios termos.
Por outro lado, trata-se de uma iniciativa legislativa, objecto de desenvolvida negociação em sede do Conselho Permanente de Concertação Social, celebrado em 19 de Outubro de 1990 entre o Governo, as Confederações da Indústria e do Comércio Português e a União Geral de Trabalhadores.
As alterações introduzidas ao regime da redução do tempo de trabalho e da suspensão do contrato de trabalho visaram, fundamentalmente, três aspectos: primeiro, clarificar a desnecessidade de autorização para a aplicação do regime, dúvida que vinha sendo colocada em virtude, de, por lapso, o legislador ter anteriormente eliminado tal autorização mantendo, contudo, uma referência no artigo 5.º, segundo, alterar os critérios de selecção dos trabalhadores, uniformizando, aliás, com o que já havia sido adoptado para o despedimento colectivo, de modo a prevalecerem critérios de gestão na manutenção dos postos de trabalho, única solução compatível com as exigências de recuperação da empresa, que justificam a aplicação destas medidas excepcionais; terceiro, admitir o aumento das remunerações dos corpos sociais, salvo se as remunerações estiverem a ser comparticipadas pela segurança social, procurando-se, nesta medida, criar condições para o recrutamento de gestores com as qualificações adequadas às exigências técnicas que a recuperação da empresa impõe.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: As normas contidas no Decreto-Lei n.º 210/92, de 2 de Outubro, respeitam a Lei n.º 10/92 de autorização legislativa. Tais normas colheram particular legitimidade por serem expressão de consensos obtidos na concertação social. Volvidos mais de dois anos sobre tais negociações, ainda hoje se reconhece a pertinência e utilidade das medidas normativas implementadas.
Não subsistem, por isso, quaisquer razões para o pedido apresentado pelo PCP. São, sim, as razões que existem que justificam a recusa desse pedido.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Penedos.

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O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Decreto-Lei n.º 210/92, de 2 de Outubro, que estabelece o regime jurídico da suspensão do contrato de trabalho, e que se encontra hoje em discussão para ratificação, merece, como sempre mereceu do PS, críticas, não só no método, mas também no conteúdo.
No método, porque o Governo, numa fuga permanente à discussão dos grandes problemas que afectam trabalhadores e empresários, se refugia nos pedidos de autorização legislativa, criando, desta forma, duas situações distintas: por um lado, ao fugir à discussão, evita a desejada e indispensável informação junto das populações; por outro, e conforme já foi hoje aqui referido, esvazia a bancada do seu próprio sentido no tocante A iniciativa parlamentar e legislativa!
Certamente que do Governo e da bancada do PSD serão ouvidas vozes tecendo críticas à ausência de quaisquer referencias aos acordos celebrados na concertação social em que se afirmam melhores!
Obviamente, o PS, como sempre tem afirmado e praticado, é adepto da concertação social e - e vale sempre a pena referi-lo - foi um governo de maioria PS que criou o Conselho Permanente de Concertação Social (CPCS).
E, pois, neste contexto que continuamos a afirmar que a nossa política seria necessariamente melhor, não só para os trabalhadores, mas também para os empregados, já que passaria, obviamente, por uma maior contratualização e co-responsabilização dos parceiros sociais.
Passamos ao conteúdo, o regime de lay-off para o Partido Socialista deverá ser, sempre, considerado como uma solução temporária, que visa evitar a necessidade de recorrer ao despedimento colectivo e permita a viabilização das empresas. Tal não tem acontecido no passado, razão pela qual o regime ali estabelecido praticamente não tem sido utilizado. Daí que valha a pena alterar a situação.
Daí, ainda, a nossa defesa de uma aproximação das condições em relação ao regime do despedimento colectivo, de modo que os empresários vejam vantagens em adoptar uma medida com muito menores consequências sociais.
Todavia, a necessidade de viabilização das empresas não pode justificar tudo e muito menos colocar em condições de quase exclusão social os trabalhadores portugueses. Há pois que fazer uma repartição equilibrada dos sacrifícios e, se possível, com imputações diferentes. Por isso, o PS, ao defender que não possa haver, na lei em discussão, aumentos dos corpos sociais durante o período de lay-off, o que, todavia, não impede o recrutamento de quadros especialmente qualificados e que a introdução do regime de rotatividade na suspensão dos contratos de trabalho tenha em conta a minimização dos prejuízos sociais, pretende, no mínimo, uma consulta às organizações representativas dos trabalhadores.
O Partido Socialista, com as propostas formuladas durante a discussão do pedido de autorização legislativa, a que o Governo e o PSD fizeram ouvidos moucos, visava a correcção de situações que não aparecem devidamente explicitadas na proposta governamental ou que, sendo-o, apresentavam uma formulação inaceitável.
Finalmente, Sr.ª Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, para o Partido Socialista a permanente e sistemática ausência de critérios de preferência na manutenção das condições normais de trabalho, com fundamento em prejuízo sério para o funcionamento eficaz da empresa ou serviços, conduzem sempre à conflitualidade social, situação que em nada favorece o desejável entendimento entre os agentes sociais e que, como facilmente se pode entender, perturba o normal desenvolvimento das negociações entre trabalhadores e empregadores.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira.

A Sr.ª Margarida Silva Pereira (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Ficou claro perante esta Câmara, aquando da discussão da proposta de autorização legislativa para alterar o regime da suspensão do contrato de trabalho, que o diploma, então nascituro, materializava um compromisso assumido no Acordo Económico e Social, celebrado em Outubro de 1990 no Conselho Permanente de Concertação Social.
As soluções, cuja ratificação é agora solicitada, foram, pois, aí apreciadas, tal como aconteceu com a própria autorização legislativa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Isto significa a submissão da génese do diploma a critérios estritos de democraticidade e àquilo a que a moderna doutrina jus laboralista vem chamando de tripartismo.
O tripartismo é um método de negociação privilegiado pela Organização Internacional do Trabalho e reiterado perante o Conselho Económico e Social das Nações Unidas, em Julho de 1991, como única forma de banir os privilégios de oligarquia.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Esse critério, o tripartismo, esteve aqui presente e é um primeiro elemento legitimador da substância das propostas decorrentes do texto do diploma. Ora, esta Câmara tem a função de apreciação e de fiscalização do mesmo, mas não podemos, de maneira alguma, esquecer o critério de legitimação.
Entrando, agora, no detalhe do diploma propriamente dito, visa-se uma alteração parcial do Decreto-Lei n.º 398/83. Foi também dito que o diploma não contém a disciplina geral da suspensão do contrato de trabalho, mas tão-só a cobertura normativa do lay-off, que se caracteriza pela colocação de trabalhadores em actividade reduzida ou nula durante um certo prazo.
Trata-se, portanto, de uma situação provisória e evitadora da cessação do contrato de trabalho.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Essa situação do lay-off, relativamente desconhecida pelo direito português, mas que nem por isso deixou de ter a sua justificação a partir de 1983, sustenta-se em conveniências de gestão da empresa ou de compressão de custos.
Naturalmente que conveniências de gestão de empresas ou de compressão de custos sofrem algumas limitações, que podem decorrer ou de critérios de ordem pública ou do respeito pelos direitos sociais dos trabalhadores. Cumpre dizer que nenhum desses direitos foi postergado por via destas alterações.

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Vozes do PSD: - Muito bem I

A Oradora: - A demonstrá-lo, vamos passar à análise das modificações que estão, hoje, aqui submetidas a ratificação.
Em primeiro lugar, o novo regime elimina o critério de preferência na manutenção das condições de trabalho relativamente a certos trabalhadores, trabalhadores onerados financeiramente por razões de natureza familiar, trabalhadores deficientes e trabalhadores em razão da antiguidade.
Esta banição explica-se por duas ordens de factores: porque este critério de preferência não era um critério absoluto, era um critério que comportava possibilidades de excepção, ou seja, a entidade patronal podia, em certas circunstâncias, já na vigência do decreto-lei anterior, colocar em situação de suspensão todas estas pessoas, mas tinha de justificá-lo através de um processo estrito e apertado. Porém, sabemos todos a conflitualidade que foi originada por esse mesmo processo, assim como a estigmatização social que provocava, para pessoas deficientes, para pessoas debilitadas financeira e pessoalmente, uma fundamentação dessa ordem com vista à sua integração no mercado de trabalho, particularmente, competitivo.
Hoje, onde em todo o mundo dominam as teorias do labeling approach e em que as pessoas tanto se preocupam pela não estigmatização seja de quem. for, temos de ter em linha de conta que este é um critério rector do direito do trabalho ao serviço do favor laboratoris, ao serviço dos trabalhadores, e não, como às vezes demagogicamente se diz, contra eles.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Em segundo lugar, aos representantes sindicais e membros das comissões de trabalhadores em funções, à data da redução ou da suspensão, é reconhecida preferência na manutenção da relação de trabalho dentro da mesma unidade orgânico-funcional e dentro da mesma categoria profissional. Portanto, o critério delimitativo, a única excepção possível para esta situação é o estabelecimento, em sentido contrário, de regras em qualquer instrumento de regulamentação colectiva. Isto significa que houve uma preocupação de, só por via de concertação social, delimitar este direito. De todo o modo, cumpre também dizer que esta redução ou suspensão não prejudicará o direito ao exercício normal das funções sociais dentro da empresa.
O decreto-lei teve, aliás, em linha de conta a doutrina do Acórdão do Tribunal Constitucional de 1988, que apreciou o regime de protecção dos representantes legais dos trabalhadores e que normativizou de acordo com ele, tendo como ideia força a de que as funções destes trabalhadores no processo negocial devam exercer-se com total isenção e imparcialidade.
Portanto, é preciso continuar a haver uma discriminação positiva relativamente aos membros das associações sindicais.
Em terceiro lugar, a suspensão do contrato de trabalho deixa de estar sujeita à autorização administrativa.
Compreendo perfeitamente esta desoneração. É que presidindo à suspensão razões de gestão, cuja ponderação cabe à empresa e aos trabalhadores no processo negocial, não teria mais sentido relegar para uma entidade exterior à própria empresa, desconhecedora e com pouca sensibilidade para os vários mecanismos, que vão acontecendo dentro dela durante esse processo complicado, com vista a uma reconversão da unidade empresarial.
Em quarto lugar, favorece a rotatividade dos trabalhadores abrangidos pelas medidas. Não se pode dizer - como, aliás, já foi, infelizmente, aventado por algumas pessoas - que é uma medida negativa seja para quem for. Pelo contrário, é uma medida que redunda em justiça na partilha dos sacrifícios. Entende-se que não devem ser apenas alguns trabalhadores abrangidos, mas que, na medida do possível, deverão ser todos os trabalhadores a partilhar entre si o ónus desta situação socialmente complicada, que é a suspensão do contrato de trabalho.
Em quinto lugar, reconhece-se que a vantagem de contratar técnicos especializados para os negócios de gestão, da prestação de suplementos de capital ou suprimentos, ou para a alienação da empresa a terceiros e sua própria segurança no mercado de capitais é um valor a ter em linha de conta. Por isso, estabelece-se que só no caso de comparticipação financeira da segurança social, na compensação salarial conferida aos trabalhadores, se justifica proibir o aumento dos corpos sociais.
Estas são, portanto, a nosso ver, as razões que justificam as alterações.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A terminar, diria, muito rapidamente, que o Estado, em todo o seu aparelho, deve ter um comportamento de enorme lisura, e, por maioria de razão, deve tê-lo nas relações jus laborais. Cumpre que as regras do jogo do Estado sejam transparentes, que diga por onde vai, com que meios e quais são os seus objectivos. Isto consegue-se por um meio privilegiado, que é o da concertação. Foi esse o meio, repito, pelo qual se estruturaram as medidas, hoje, aqui em apreço.
Por esta razão, entendemos que o pedido de ratificação é destituído de sentido e o nosso voto será no sentido da sua inoperância.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, deu entrada na Mesa o projecto de resolução n.º 51/VI, da iniciativa do PCP, que propõe a recusa de ratificação do Decreto-Lei n.º 210/92, de 2 de Outubro, cuja apreciação acabámos de fazer no âmbito da ratificação n.º 43/VI.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (Luis Filipe Menezes): - Peço a palavra, Sr.ª Presidente, para interpelar a Mesa.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Faça favor, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (Luís Filipe Menezes): - Sr.ª Presidente, há pouco, aquando da discussão da ratificação n.º 47/VI, uma intervenção do Sr. Deputado Fernando de Sousa não foi interpretada por nós como uma intervenção mas, sim, como um pedido de esclarecimento. Ficámos na dúvida, mas entretanto a Mesa fez seguir os trabalhos e seguiu-se uma outra intervenção. O Governo não teve, pois, possibilidade de responder às questões suscitadas pelo Sr. Deputado Fernando de Sousa, mas tinha intenção de fazer uma inscrição final, para poder, dessa forma, responder às questões que haviam sido suscitadas. Só que entretanto a passagem da discussão de um para outro ponto da ordem

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de trabalhos foi tão rápida que não nos permitiu proceder atempadamente a essa inscrição.
Se houvesse consenso entre a Mesa e todos os grupos parlamentares, talvez se pudesse fazer uma pequena entorse regimental que permitisse recuperar os pequenos espaços de tempo remanescentes que cada partido e o próprio Governo ainda unham disponíveis nessa discussão, a fim de permitir que o Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior responda às questões suscitadas pelos Srs. Deputados, particularmente pelo Sr. Deputado Fernando de Sousa, e que porventura um ou outro pedido de esclarecimento possa ainda ser formulado.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - A questão que o Sr. Secretário de Estado acabe de colocar tem a ver com o processo da ratificação n.º 47/VI.
Há alguma objecção a que se proceda conforme o réquerido, utilizando-se os tempos sobrantes?

Pausa.

Não havendo objecções, dou de imediato a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior.

O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior: - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Tenho todo o interesse em deixar bem clarificada a posição do Governo sobre esta matéria, nomeadamente em relação a três ou quatro aspectos que aqui foram abordados, sobre os quais é de todo o interesse dizer algo.
Utilizarei a própria ordem das normas do decreto-lei em apreço, o que tornará a exposição mais fácil.
O primeiro problema aqui suscitado, penso que pelo Sr. Deputado Fernando de Sousa, refere-se à questão dos quatro semestres e dos 90 ou 120 dias. Temos boje conhecimento - e provavelmente V. Ex.ª também o sabe - de que neste momento existem na própria universidade teses de mestrado que eventualmente não foram acabadas, na minha perspectiva, por responsabilidade mútua quer do candidato quer do docente orientador. O que neste momento se pretende com o diploma em apreço é responsabilizar mutuamente quer o candidato quer o professor orientador. É possível que porventura haja algo a corrigir. A nossa finalidade fundamental pretende isso mesmo: responsabilizar e não permitir, como já vem acontecendo, a existência hoje de teses de mestrado que são autênticas teses de doutoramento.
A segunda questão quê gostaria de abordar respeita ao artigo 22.º, neste caso para dar uma resposta ao Sr. Deputado José Calçada, em cujas palavras há uma grande incoerência, sendo patente que a autonomia das universidades só é utilizada quando eventualmente convém. Propõe o Sr. Deputado, quanto ao artigo 22.º, que os titulares do grau de mestre pela universidade em que se candidatem a doutoramento fiquem dispensados de qualquer prova, quando no decreto-lei em discussão se diz que essa matéria é deixada a regulamente? da própria universidade. Pergunto qual é a maior autonomia: a proposta do Sr. Deputado, que obriga a que fiquem automaticamente dispensados, ou o decreto-lei, que propõe que seja o conselho científico a definir o seu regulamento?
O artigo 26º é também um dos artigos sobre o qual temos dificuldade - com toda a franqueza o digo - em aceitar os reparos do Sr. Deputado. Propõe o Sr. Deputado, nesta matéria, que eventualmente façam parte do júri investigadores sem grau académico. Segundo penso, esses investigadores podem hoje requerer o próprio grau académico. Na nossa perspectiva, não é, pois, necessário recorrer a artificialismos dessa natureza.
Referir-me-ei, por fim, ao artigo 30º, onde se fala da audição do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Pensamos, Srs. Deputados, que se trata de uma questão de prudência e bom senso, que é o que pretendemos com o referido preceito. Se o comparamos com o que foi legislado na altura, em 1970, pelo Professor Veiga Simão, verificaremos que efectivamente há uma diferença muito grande entre o que o Governo propõe actualmente e o que então se diria. Nesta altura, a atribuição dos doutoramentos contemplados nesse preceito só era possível com autorização do então Ministério da Educação Nacional. Volto, contudo, a repetir, Sr. Deputado, que se trata, pura e simplesmente» de uma norma ditada pelo sentido de prudência e bom senso.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente, (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior, não tenho apenas conhecimento do problema das teses de mestrado e doutoramento - tenho conhecimento de causa e sei como é que isto funciona, pois oriento teses de mestrado, encontrando-me actualmente a orientar sete mestrandos.
O problema que levanto é o de que efectivamente o tempo de quatro semestres é muito reduzido para quem trabalha. Penso que a duração de quatro anos estava razoavelmente bem e que se quisessem encurtar esse tempo poderiam passá-lo para três anos, o que seria aceitável. em menos tempo do que esse é que é praticamente impossível os mestrandos acabarem a sua tese, precisamente por não haver condições para que eles tenham bolsas - porque não podemos por toda a gente a beneficiar de bolsas, nem porventura haverá condições para isso - e por todos eles trabalharem. Como trabalham, é já com grande dificuldade que, assistem às aulas. No caso da preparação e feitura da tese, é efectivamente com muita dificuldade que conseguem acabá-la.
Corroboro a sua preocupação em afirmar que as teses de mestrado não são de doutoramento, porque também penso dessa forma, mas o problema reside em quem confunde uma coisa e outra e permite que as teses de mestrado vão por aí fora, se alarguem os prazos para além dos quatro anos e por vezes até as defendam passados cinco ou seis anos.
No que respeita ao problema da reformulação, não é materialmente possível - o Sr. Secretário de Estado sabe-o bem - reformular uma tese de doutoramento em 120 dias, nem nenhum júri aceita, depois de recusar uma tese, que, passados quatro meses, apareça o candidato a defender de novo essa tese. O candidato necessita, no mínimo, de um ano para fazer trabalho sério e reformular a sua tese, sob pena de o júri recusar outra vez liminarmente a tese dizendo que nela houve tão-só uns pequenos acrescentos e alterações, mas que não se reformulou a substância. Reformular implica alteração profunda do conteúdo e da substancia.
Quanto à prudência e ao bom senso, não percebo por que é que o Ministério dos Negócios Estrangeiros há-de

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ter mais prudência e bom senso do que a que têm as faculdades, as reitorias e, em última análise os senados universitários, porque todas estas instituições intervêm, como o Sr. Secretário de Estado sabe, no processo de atribuição de doutoramentos honoris causa a individualidades nacionais e estrangeiras.
Cumpre-me, para terminar, agradecer à Mesa o favor de me ter permitido prestar estes esclarecimentos.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Devo dizer ao Sr. Deputado Fernando de Sousa que a Mesa interpretou as suas palavras como pedidos de esclarecimento.
Assim sendo, dou a palavra para responder, ao Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior.

O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior: - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Fernando de Sousa, espero, sinceramente, que em breve os senados tenham esse bom senso, que, infelizmente, parece não terem demonstrado ultimamente.
Um outro aspecto que gostaria de esclarecer é o de que, na minha perspectiva, o diploma legal em discussão se destina a evitar o vexame da reprovação pública. Trata-se de permitir que amanhã, quando um júri, pura e simplesmente, não aceita uma tese, possam tão-só introduzir-se pequenas correcções, as quais, essas sim
, podem ser feitas em 60, 90 ou 120 dias, precisamente para evitar que o candidato se apresente e se confronte com o vexame de uma reprovação pública. A ideia da legislação em vigor vai nesse sentido.

O Sr. Fernando Sousa (PS): - Então a formulação é que estará um pouco imperfeita!...

O Orador: - Talvez, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Peço a palavra, Sr.ª Presidente, para interpelar a Mesa.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr.ª Presidente, esta discussão tem seguramente muita importância e não estará acabada. Por isso, atrever-me-ia a sugerir a V. Ex.ª que, estando o Governo a ouvir-me, o Sr. Secretário de Estado seja permitido a participar na reunião que terá lugar na comissão competente, uma vez que o diploma em análise irá baixar à comissão, dado terem sido apresentadas propostas de alteração na especialidade. Talvez este diálogo possa continuar nessa sede.
Quero dizer à Sr.ª Presidente, para que fique registado no Diário, que o Partido Socialista aceitou este «entorse» à normalidade do funcionamento dos trabalhos não só por ter consciência de que a Sr.ª Presidente, por razoes físicas, não pôde aperceber-se do facto de o Sr. Secretário de Estado ter pedido a palavra na altura própria para responder, mas também porque nos pareceu de interesse ouvir as explicações que tinha para dar.
De todo modo, gostaríamos que ficasse registado não considerarmos a referida alteração da ordem de trabalhos como um precedente, que não poderá ser invocado em futuras situações.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Esclareço o Sr. Deputado Manuel dos Santos de que a Mesa apenas permitiu o dito «entorse» por ter registado o consenso de todas as bancadas nesse sentido.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Peço a palavra, Sr.ª Presidente, para interpelar a Mesa.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr.ª Presidente, quero apenas referir que da parte do PSD não há, naturalmente, qualquer objecção a que o apelo do Sr. Deputado Manuel dos Santos seja concretizado. Embora a prática regimental não seja essa, o Governo é um agente parlamentar que pode comparecer nas reuniões das comissões quando o desejar, sendo certo, aliás, que as comissões têm sempre as portas abertas aos membros do Governo.
Gostaria de sublinhar, em todo o caso, que a proposta veio do Partido Socialista. Quando às vezes, a despropósito, se acusa a bancada do PSD de governamentalizar a Assembleia da República, quero recordar, para que fique registado, que foi por iniciativa do Partido Socialista que se previu a participação do Governo no debate na especialidade.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, terminámos a ordem de trabalhos de hoje.
A próxima reunião plenária terá lugar na quinta-feira, dia 18, pelas 15 horas, com período de antes da ordem do dia, destinado a eventuais declarações políticas, e período da ordem do dia, do qual consta a apreciação da proposta de resolução n.º 19/VI - Aprova, para ratificação, a Convenção relativa à Transferência de Pessoas Condenadas - e da proposta de lei n.º 46/VI - Autoriza o Governo a rever o sistema de garantias de isenção e imparcialidade da Administração Pública.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 55 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Maria Pereira.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
João Carlos Barreiras Duarte.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos. -
José Ângelo Ferreira Correia.
Luis António Martins.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.

Partido Socialista (PS):

João António Gomes Proença.
José Barbosa Mota.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.

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Partido Comunista Português (PCP):

Jerónimo Carvalho de Sousa.
Octávio Augusto Teixeira.

Deputados independentes:

Diogo Pinto de Freitas do Amaral.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António Paulo Martins Pereira Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.

Partido Socialista (PS):

Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Lage.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Mário Manuel Videira Lopes.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.

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DIÁRIO da Assembleia da República

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