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Quarta-feira, 3 de Março de 1993 I Série - Número 43

DIÁRIO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
VI LEGISLATURA 2.º SESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 2 DE MARÇO DE 1993

Presidente: Exmo. Sr. António/Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
José Mário Lemos Damião
José Ernesto Figueira dos Reis
Maria da Conceição Serafim Rodrígues

SUMARIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-te conta da entrada na Mesa da proposta de resolução n.º 2J/VI e do projecto de lei n.º 267/VI, de requerimentos e de respostas a alguns outros.
O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território (Valente de Oliveira) comunicou à Assembleia a decisão de Incluir o empreendimento do Alqueva no Plano de Desenvolvimento Regional No final, respondeu a pedidas de esclarecimento e deu explicações aos Deputados Helena Torras Marques (PS), Lino de Carvalho (PCP), André Martins (Os Verdes), Maria Tomé (Indep.) e Luís Capoulas Santos (PS).
Ern declaração politica, o Sr. Deputado Octávio Teixeira (PCP) condenou a política económica e social do Governa, respondendo, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Rui Carp e Duarte Pacheco (PSD).

O Sr. Deputado José Sócrates (PS) referiu-se às reacções da PSD acerca da próxima presidência aberta sobre ambiente e respondeu, no fim, a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Mário Maciel (PSD).
O Sr. Deputado João Maçãs (PSD) abordou questões relacionadas com o distrito de Portalegre.
Ordem do dia. - Foram aprovados quatro pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos, respectivamente, sobre substituição de Deputado do PS, autorizando um Deputado a depor em tribunal e denegando autorização a outros dois.
Procedeu-se à discussão, na generalidade, dos projectos de lei n.º 49/VI - Altera a Lei das. Associações de Defesa do Ambiente (Lei n.º 10T87, de 4 de Abril) (PCP), 185/VI-Lei das Associações de Defesa do Ambiente (PSD) e 265/VI-Lei das Associações de Defesa do Ambiente (Os Verdes). Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados António Murteira (PCP), Mário Maciel (PSD), José Sócrates (PS), Mário Tomé (Indep.), Isabel Castro e André Martins (Os Verdes) e Manuel Moreira (PSD).

O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 15 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Abílio Sousa e Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Ana Paula Matos Barros.
Anabela Honório Matias.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Isilda Maria Renda Periquito Pires Martins.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João José da Silva Maçãs.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Manuel Pereira de Almeida e Silva.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís Carlos David Nobre.
Luis Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro António de Bettencourt Gomes.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.

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António José Martins Seguro.
António Luís Santos da Costa.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Edite de Fátima Santos Marreiros Estrela.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Helena de Melo Torres Marques.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Barbosa Mota.
José Eduardo Reis.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Paulo Martins Casaca.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
Apolónia Maria Alberto Pereira Teixeira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Fernando Araújo Calcada.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
José Luís Nogueira de Brito.
Juvenal Alcides da Silva Costa.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes: t

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Mário António Baptista Tomé.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas, os requerimentos e as respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: proposta de resolução n.º 21/VI - Aprova a decisão do Conselho de Governadores do Banco Europeu de Investimento, de 11 de Junho de 1990, relativa ao aumento de capital do Banco, que baixou à 4.º Comissão, e projecto de lei n.º 267/VI - Alterações à Lei n.º 86/89, de 8 de Setembro (reforma do Tribunal de Contas), apresentado pelo PSD, que baixou à 3.º Comissão.
Nas últimas reuniões plenárias foram apresentados à Mesa os requerimentos seguintes: ao Governo, formulados pelo Sr. Deputado José Magalhães e outros; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Maria Julieta Sampaio, Ana Maria Bettencourt e José Silva Costa; ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulado pela Sr.ª Deputada Helena Torres Marques; ao Ministério do Comércio e Turismo, formulado pelo Sr. Deputado João Granja; ao Ministério da Indústria e Energia, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Luís; à Secretaria de Estado da Cultura, formulados pelos Srs. Deputados João Rui de Almeida e Fernando Pereira Marques; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado José Silva Costa.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Jorge Paulo Cunha ,nas sessões de 10 de Fevereiro e 14 de Dezembro; Luís Peixoto, nas sessões de 28 de Abril, 16 de Dezembro e 2 de Fevereiro; Rui Cunha, na sessão de 11 de Junho; António Barradas Leitão, na sessão de 2 de Julho; Macário Correia, no dia 13 de Outubro e na sessão de 10 de Dezembro; José Manuel Maia, no dia 25 de Novembro; Marques da Silva, na sessão de 10 de Dezembro; Olinto Ravara, na sessão de 16 de Dezembro; António Martinho, na sessão de 17 de Dezembro; Edite Estrela, na sessão de 7 de Janeiro; Lino de Carvalho, na sessão de 12 de Janeiro; Guilherme Oliveira Martins, na sessão de 15 de Janeiro; Isabel Castro, na sessão de 19 de Janeiro; António Alves, na sessão de 21 de Janeiro; e Mário Tomé, na sessão de 9 de Fevereiro.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, durante a manhã, o Governo solicitou-me, primeiro por via telefónica e depois por carta, o uso da palavra em primeiro lugar, hoje, no período de antes da ordem do dia, uma vez que o membro do Governo que vai usar da palavra tem de deslocar-se ainda esta tarde para fora de Lisboa, em visita de Estado.
O meu despacho foi nesse sentido, pelo que vou dar a palavra ao Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, para uma intervenção.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, essa Dão é a primeira inscrição!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o Governo solicitou-me a intervenção e, segundo o Regimento da Assembleia da República, ele intervém nas condições que por mim forem fixadas. Pela minha parte, fixei estas condições por escrito.

Tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.

O Sr. João Amaral (PCP): -Não é assim! O Sr. Ministro não tem vergonha de intervir nestas condições? Não sabe que primeiro deviam ser os grupos parlamentares? Isto não é a assembleia do Governo!

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território (Valente de Oliveira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo tomou, na semana passada, a decisão de incluir o empreendimento do Alqueva na proposta que está a elaborar do Plano de Desenvolvimento Regional, com vista às negociações que tem de fazer com a Comissão da Comunidade Europeia para definir o novo Quadro Comunitário de Apoio.
Tratando-se de uma obra de grande vulto, que chega a apaixonar defensores e opositores, entendemos como conveniente vir à Assembleia da República justificar - ainda que de forma breve, face à extensão e profundidade dos estudos que foram feitos - a razão de ser da nossa decisão.
Dar água ao Alentejo, é ambição antiga! Sucedeu, até agora, não haver uma visão global do empreendimento ou não haver confiança no sucesso da mudança estrutural que tem de acompanhar a transformação do sequeiro em regadio ou, ainda, pretender-se justificar o empreendimento com base, quase exclusivamente, na sua capacidade para gerar energia, naturalmente por se temer que as práticas agrícolas não se adaptassem ao uso de um factor que as circunstâncias de disponibilidade e exploração tornam caro.
Todavia, já no princípio do século XXII, o padre Manuel Severim de Faria, cónego da Sé de Évora, propunha como medida azada para o Alentejo: «Povoar com aguai»
O Plano de Rega do Alentejo, elaborado nos finais da década de SÓ, previa um sistema de barragens para usos hidroagrícolas com algumas delas dependentes de um grande reservatório a construir no Guadiana. Foram mesmo erguidas algumas que nunca encheram, por não haver recursos hidrológicos locais suficientes: as barragens do Alvito, do Monte da Rocha, do Roxo e de Odivelas estão hoje sobredimensionadas, a contar com a água que para elas e, portanto, para os perímetros de regadio que comandam, há-de ser conduzida a partir da grande represa em que a lógica de todo o sistema assenta.
Após a apreciação do Conselho Superior de Obras Publicas e a atribuição, ern 1973, da concessão do aproveitamento hidráulico do Guadiana à Companhia Portuguesa de Electricidade, foi finalmente decidida, em 1975, a realização do empreendimento do Alqueva, cujas obras preliminares se iniciaram ern 1976. Em 1978 elas foram interrompidas, em virtude de um conjunto de circunstâncias interligadas nos seus efeitos: estava em queda a valia eléctrica do empreendimento, a situação financeira do País era preocupante, a confiança na reconversão agrícola do Alentejo era nula, havia outras preocupações mais urgentes do que a harmonização do desenvolvimento do território e a consideração da água como factor estratégico desse desenvolvimento e da própria viabilidade da vida ainda não se tinha revelado de importância tão crucial e instante como nos nossos dias.
Em Novembro de 1980, foi determinada a retoma das obras e, ern 1985, foi assinado um protocolo entre o Estado e a EDP para esse fim. Não obstante a expressão dessa vontade, as obras mantêm-se interrompidas desde 1979, altura em que ficaram concluídas as ensecadeiras de montante e de jusante, o túnel de desvio das águas do rio, a ponte entre as duas margens e um conjunto de construções de apoio ao estaleiro.
Quando se reacendia a questão, havia sempre alguém que levantava dúvidas acerca da relevância económica e social do projecto, em termos globais, ou sobre aspectos específicos da forma de calcular a valia eléctrica ou o impacte ambiental; outros duvidavam da oportunidade de aplicação de tão vultosos montantes num empreendimento de tão grande dimensão, fazendo relembrar outras realizações de dimensão similar que o tempo e as circunstâncias comprometeram nos seus futuros potenciais; outros queriam medições do caudal sólido no trecho final do Guadiana; outros, ainda, pretendiam uma avaliação rigorosa das consequências da transformação do sequeiro em regadio sobre a população das abetardas, que se sabe em regressão... Quase todos colocavam dúvidas em relação à viabilidade da transformação cultural, à possibilidade de os agricultores actuais se reconverterem à prática de novas culturas e, nos últimos tempos, à justeza da realização de investimentos tendentes a aumentar a capacidade de uso dos solos face à nova política agrícola comum.
Nunca estavam suficientemente avaliadas todas as consequências potenciais do projecto, levantando-se, sistematicamente, dúvidas acerca de novos aspectos do mês* mo ou retomando-se dúvidas antigas que surgiam com outras vestimentas ou com propósitos diferentes.
Não é possível persistir na hesitação, eternamente. Se houver boas razões para abandonar u/n projecto começado, deve desistir-se dele definitivamente, sem deixar prolongar a dúvida e a agonia, alimentando as esperanças e, ao mesmo tempo, iludindo as expectativas.
Foi por isso que, ern 1990, se tomou a decisão de não elaborar mais nenhum estudo parcelar mas, antes, articular todas as análises já feitas num exercício de avaliação global que pudesse fundamentar ou o abandono definitivo do projecto, com pesquisa de outras soluções para alcançar objectivos semelhantes, ou a retoma do empreendimento, acompanhada do lançamento das medidas complementares que hão-de permitir optimizar os resultados da sua realização. Decidiu-se, também, que esse exercício não fosse realizado no seio da Administração, porventura presa a posições anteriormente assumidas.

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Assim, foi negociado o financiamento, peia Comunidade Europeia, de um estudo adjudicado ã um consórcio internacional, que, reunindo toda a informação disponível e consultando quem quis, acabou por analisar 24 alternativas relativamente à área a regar e à sua combinação...

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, peco-lhe que conclua o mais rapidamente possível, uma vez qne já decorreram os seis minutos.

O Orador: - Sr. Presidente, é só mais um minuto.

Como estava a dizer, acabou por analisar 24 alternativas relativamente à área a regar e à sua combinação com a produção de energia eléctrica ou a sua ausência e com o fornecimento de água ao Algarve e à Andaluzia ou à sua ausência. As 24 variantes foram analisadas na sua viabilidade técnica e económica e nos seus impactes ambientais.
Na seriação de preferencias, surgiu como mais interessante a alternativa composta da seguinte forma: barragem ern Alqueva com 96 m de altura, 4150 milhões de metros cúbicos de capacidade de represamento de água e com nível de pleno armazenamento dê albufeira à cota de 152 m; rega de 110000 ha; centra) eléctrica em Alqueva, equipada com duas turbinas-bombas; um açude a jusante para permitir a constituição de um contra-embalse que torne possível a operação de bombagem-turbinamento e um açude ainda mais a jusante, já no trecho internacional do Guadiana, para permitir o abastecimento ao Algarve e à Andaluzia de caudais que, entretanto, a barragem principal regularizou.
A solução preconizada e que o Governo reteve como a mais adequada tem muitas virtualidades. É, todavia, evidente que um tão grande volume de meios financeiros não representa um empreendimento sem exigências. Se as não tivesse, há muito que teria sido construído.
Na parte de geração de energia eléctrica ele não oferece problemas nem de construção, nem de operação. A dúvida, a este respeito, prende-se com a existência de muitos outros projectos mais interessantes, tendo o de'Alqueva de entrar, em matéria de castos, na proporção da energia que produz e, mesmo assim, em situação de indiferença entre benefícios e custos.
Na parte da adaptação ao regadio, é evidente que não se trata de produzir as mesmas culturas que lá se fazem hoje mas com água... O que temos diante de nós é uma operação de reconversão muito intensiva.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A água do Alqueva não poderá ser barata, porque tem, logo à cabeça, uma elevação de cerca de 80 m para, a partir daí, «caminhar pelo seu pé». O ser uso tem, por isso, de ser o mais racional.
Teremos, assim, de fazer acompanhar a construção da barragem e de todo o esquema que a completa, por numerosas acções que permitam extrair do empreendimento todas as suas virtualidades, que são muitas mas não apresentam um eixo dominante que justifique, por si só, tudo quanto nele se investe. Ele constitui um empreendimento de fins múltiplos! São muitas e variadas as suas utilidades e repercussões!
A maior é, seguramente, a constituição de uma reserva estratégica de água, numa zona que, em certos períodos de seca mais prolongada, apresenta preocupantes sinais de desertificação.
Logo de seguida vêm as novas oportunidades que a água vai permitir para introduzir modelos culturais alternativos na agricultura.
Sendo muito variável o regime das águas no Guadiana, há que regularizá-lo.
O consumo de água no Algarve está em subida constante, recorrendo-se, mais do que se deveria, à exploração das águas subterrâneas que têm de representar uma reserva com carácter estratégico, a usar parcimoniosamente e sempre com grandes cautelas, porque elas são vulneráveis a muitos tipos de agressão.
As condições de temperatura no sul do Alentejo fazem contemplar, como praticável, a introdução de muitas novas actividades que reclamam água, desde a aquacultura ao turismo. Mas, sobretudo, há de imediato a alteração das expectativas de vida de uma população que quase desanimou e que, por via desta expressão de confiança e de solidariedade, está a encontrar um novo ânimo, preparando o futuro das novas gerações.
À multiplicidade de fins do empreendimento tem de corresponder, naturalmente, uma diversificação dos fundos que o hão-de suportar. A nossa proposta de apoio por parte da Comunidade irá articular recursos oriundos dos diversos instrumentos financeiros comunitários com os empréstimos junto do Banco Europeu de Investimento.

O Sr. Presidente: - Peco-lhe para concluir, Sr. Ministro

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
É natural que tivéssemos dificuldade em avançar com a concretização do empreendimento, se não houvesse uma ajuda comunitária expressiva. Porém, conjugando a vontade de todos os alentejanos com a determinação dos principais protagonistas do processo de desenvolvimento que agora entra numa fase mais ambiciosa mas suficientemente realista para ser levada a bom termo e com a expressão inequívoca de solidariedade que a decisão tomada pelo Governo traduz, iremos dar corpo a uma ambição de mais de três séculos: povoar o Alentejo com água!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, estava hoje inscrita para fazer uma intervenção exactamente sobre este tema. Por isso, muito me congratulo com a presença do Sr. Ministro.
O assunto é de excepcional importância e parece-me que foi essa a razão pela qual o Sr. Presidente deu mais tempo ao Governo, para ele poder explicar este projecto que é verdadeiramente importante para o nosso país.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Vou começar por felicitar o Governo pelo facto de, finalmente, ter tomado a decisão de recomeçar o projecto do Alqueva.

Aplausos do Deputado do PSD Silva Marques.

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Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, ergui a minha voz tantas vezes, aqui e nas comissões, como o Sr. Ministro sabe, a favor do projecto do Alqueva que não podia deixar de referir esta decisão do Governo, que considero essencial para avançar com o mencionado projecto.
No entanto, quero perguntar ao Sr. Ministro a razão por que só agora se avança com ele. É que estive a ouvir a sua intervenção com toda a atenção possível e todas as razoes que invocou foram as que relevámos aquando da discussão do primeiro plano de desenvolvimento regional, no sentido de nele se incluir o projecto de fins múltiplos do Alqueva.
Na altura, apresentámos todos os argumentos que o Sr. Ministro invocou agora. Dissemos que não se podia hesitar mais, que era fundamental ter uma reserva de água, era necessário utilizar os fundos comunitários, que já existiam, ou seja, precisamente aquilo que o Sr. Ministro agora afirma!
Ora, como V. Ex.ª já é Ministro há oito anos, pergunto-lhe: por que é que este governo entendeu suspender a decisão do Governo do bloco central de avançar inexoravelmente com o projecto, em Julho de 1985? É que tínhamos acabado de entrar na Comunidade, como o Sr. Ministro se recorda, em 12 de Junho, e imediatamente, assim que se pôde contar com os fundos comunitários como contrapartida portuguesa, houve uma decisão do Governo Português de continuar o projecto.
Sr. Ministro, perderam-se oito anos, os oito anos que agora o Governo nos pede para construir a barragem. Porquê estas hesitações durante oito anos? É que nada as justifica! Era apenas uma questão de não avançar tanto com obras de fachada mas, sim, como o Sr. Ministro referiu agora, com as obras que são essenciais, como é o caso do Alqueva.
A segunda pergunta que lhe quero fazer é a seguinte: por que é que o projecto demora oito anos a construir e 30 anos a ser plenamente utilizável? Por que é que o projecto vai demorar tanto tempo? Não seria possível apostar nele com mais força, em detrimento de outros, avançando-se mais rapidamente? Sr. Ministro, o Alentejo precisa de água já! Aliás, a sua necessidade já vem de há muito.
A terceira pergunta que quero colocar ao Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território é a seguinte: quem vai dar as contrapartidas deste financiamento? Em que medida' é que os agricultores do Alentejo vão ser chamados a financiá-lo? Em que medida é que esses financiamentos se repercutirão no custo das obras? No fundo, as questões fundamentais que lhe quero colocar já foram suscitadas aquando da tomada de decisão pelo Professor Oliveira Salazar quem é que vai pagar o custo da água? São os donos das propriedades que não as utilizam ou são os lavradores que as vão utilizar?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O PS está contra o Alqueva!

A Oradora: - Este problema é essencial. Quem é que vai pagar a utilização da água? São os donos das terras que vão fazer arrendamentos mais caros, porque vão beneficiar da água, ou são os utilizadores das propriedades?
Por outro lado, também gostava de saber se, desde já, vão utilizar a conjugação dos quatro fundos, mais concretamente dos três fundos estruturais que visam reestruturar a agricultura (o FEOGA), formar novos agricultores (o Fundo Social Europeu) e apoiar a comercialização.
Queria ainda perguntar-lhe. Sr. Ministro, o que é que está previsto em relação à orientação do Instituto Politécnico de Beja, em termos de produção agrícola. Não sei se o Sr. Ministro sabe, mas aquela escola é fortemente defensora do cultivo de cereais de sequeiro, o que é fundamental para a reorientação nessa matéria, assim como é fundamental que os circuitos de comercialização passem a constituir matéria a ensinar a quem trabalha a agricultura. O que é, que está previsto nesta matéria. Sr. Ministro?
Ern termos de turismo, vai aparecer algum projecto de integração? Há algum estudo sobre qualquer apoio a empreendimentos turísticos que venham a surgir naquela área?
Finalmente, Sr. Ministro, em relação ao Quadro Comunitário de Apoio, que o senhor vai apresentar à Assembleia da República dentro em breve, espero que, desta vez, o projecto não seja uma folha em branco, pois o último era a ficha 13-A e chamava-se «Aproveitamento dos fins múltiplos do Alqueva», mas era uma ficha completamente em branco. Esperemos que, desta vez, ela venha «recheada» e que estas promessas não sejam só mais umas promessas, pois ninguém as aguentará e não há justificação para tal.

Sr. Ministro, dê-nos detalhes sobre o Alqueva.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, face ao facto de V. Ex.ª ter de viajar para Bruxelas para discutir o PDR, vou procurar ser o mais rápido possível, começando por sublinhar, apesar desse pretexto para que o Governo tenha usado da palavra em primeiro lugar, o insólito do momento em que o Governo interveio, na medida em que, havendo já, antecipadamente, Deputados inscritos para declarações políticas, designadamente do meu partido, entendíamos que a ordenação deveria ter sido respeitada. O Governo, nesta matéria como noutras, não pode ter, nesta Casa, um tratamento privilegiado em relação aos agentes parlamentares, maxime aos grupos parlamentares.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lino de Carvalho, considero que essa observação se dirige à Mesa e não ao Governo, pelo que a Mesa lhe dará a resposta na altura própria.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Sr. Ministro, o Governo decidiu, finalmente, avançar com a construção da empreendimento do Alqueva, pelo que, neste momento, recordo o ditado: «Mais vale tarde do que nunca!»

O Sr. Silva Marques (PSD): -Muito bem!

O Orador: - O Partido Comunista Português congratula-se pela decisão do Governo...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

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O Orador: -... e pelo fim das hesitações, dos atrasos e dos bloqueios que, ao longo de variadíssimos anos e governos, designadamente do PSD, o projecto sofreu. Aliás, atrasos, hesitações e bloqueios esses que estão na origem de, ainda boje, estarmos no Alentejo a enfrentar uma situação de seca cíclica, que poderia estar não direi resolvida mas, seriamente, minimizada, se a decisão do projecto já tivesse sido tomada há bastante tempo.
Na verdade, o Sr. Ministro referiu as hesitações no seu discurso, mas não referiu que um dos seus principais autores, agentes e responsáveis foi exactamente o Sr. Primeiro-Ministro, que ainda há pouco tempo chamava ao Alqueva «elefante branco». Felizmente que as iniciativas e as múltiplas acções, que todos os agentes da sociedade alentejana, ao longo destes anos, tomaram, obrigaram o Governo a rever a sua posição e a concordar com o PCP sobre a necessidade e a importância estratégica deste empreendimento.
Recordo ainda que, durante muitos anos, ò PCP esteve sozinho a defender aquilo que sempre considerou como uma verdade inquestionável: a importância da água como elemento estratégico para a região e a importância da albufeira do Alqueva como reserva estratégica de água para abastecimento da zona, compensando a rede de pequenas e médias albufeiras em anos de seca, para se poder reconverter a agricultura, abastecer de água as populações e para, enfim, com base num projecto de valias múltiplas, criar as condições para o desenvolvimento do Alentejo, em que o projecto do Alqueva é essencial.
Diria até que se, boje, é proposta a construção do complexo do Alqueva, isso é feito à revelia e contra a vontade do PSD e do Governo, que desde sempre procuraram criar os pretextos e as razões para o atrasar. Mas, felizmente, a realidade dos factos, a força dos argumentos e a força das acções e das iniciativas que, no Alentejo e por todo o País, foram desenvolvidas fizeram o Governo reconhecer a importância deste projecto, que é, na verdade, de âmbito nacional.
Por isso, Sr. Ministro, congratulamo-nos pela decisão e disponibilizamo-nos desde já para, com o Governo e em todas em instâncias nacionais e comunitárias, intervir no senado de confirmar as perspectivas de financiamento que já existem, evitando que qualquer pretexto impeça a sua efectiva construção.
Dito isto, gostaria apenas de lhe colocar duas questões, Sr. Ministro. A primeira tem a ver com o facto de o projecto do Alqueva ir, desde já, levantar três problemas: o da gestão institucional do projecto, o da futura política agrária e o de uma política de desenvolvimento industrial para a região, em suma, o de uma política de desenvolvimento regional.
Assim, a questão que coloco é no sentido de saber se o Sr. Ministro e o Governo estão na disposição de discutir estas matérias aqui, na Assembleia da República, com as forças políticas, com as autarquias e com os agentes de desenvolvimento económico, social e cultural da região.
Por outro lado, devo salientar que a decisão de avançar com o projecto do Alqueva não resolve o problema da seca, pelo que gostaria de saber que medidas é que o Governo tem para fazer face à seca que assola o Alentejo pelo segundo ano e se tem, desde já, previsto algum programa de emergência pata aquela região.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os- Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, como ecologista e representante do Partido Ecologista Os Verdes, gostaria de dizer que, tendo acompanhado, ao longo destes anos, os debates, nesta Assembleia, e ouvido as posições que muitas figuras têm manifestado, na qualidade de ambientalistas, em Portugal, contra o projecto do Alqueva, nós, porque somos ecologistas e defendemos, em primeiro lugar, o homem, o seu desenvolvimento, o seu progresso e o seu bem-estar, entendemos que o projecto do Alqueva será bem-vindo, se for concretizado e se conseguir garantir a realização dos objectivos que referi.
Dito isto, Sr. Ministro, importa também referir que recusamos frontalmente um projecto para o Alqueva que sirva apenas para viabilizar os 80 campos de golfe que estão projectados para aquela região.
E a este propósito, levantam-se duas interrogações. Em primeiro lugar, Sr. Ministro, perante o facto de o Governo ter decidido, de um momento para o outro, sair de Lisboa e ir ao Alentejo dizer a todos os portugueses que vai assumir a responsabilidade de avançar com o projecto do Alqueva, numa altura em que, segundo parece, a imagem do Governo «anda um pouco por baixo», gostaríamos de saber se, por acaso, não haverá alguma irresponsabilidade na forma como o Governo, tão precipitadamente, decidiu esta campanha de promoção da sua imagem.
Na verdade, levanta-se-nos a dúvida de se, de facto, o Governo terá em seu poder os estudos que garantam, a médio e a longo prazo, os impactes ambientais, nomeadamente os económicos e os sociais, o que acontecerá no Alentejo, dado que a construção desta albufeira, sendo feita em extensão, levará a uma grande concentração de humidade, que põe em causa grande parte da fauna e da flora tradicionais do Alentejo, podendo atingir até o montado de sobro e de azinho. Gostaríamos, portanto, de saber se o Governo tem informações sobre estas possíveis alterações e até que ponto é que elas poderão vir a acontecer.
Por outro lado, gostaríamos de conhecer também se, através desses estudos, se sabe que tipo de culturas alternativas poderão, a médio e a longo prazo, vir a ser instaladas no Alentejo, tendo em conta que determinado tipo de culturas já não fazem grande sentido na Europa, dado que há excedentes na Comunidade e, tendo em conta a rentabilidade do próprio investimento, se, de facto, tudo isto foi acautelado.
Finalmente, gostaria de saber se esta decisão do Governo não foi precipitada pelo facto de o Governo Espanhol estar em vias de aprovar o plano hidrológico e se já há a certeza de que esse plano - que, na sua verdadeira dimensão, ainda não se sabe que implicações terá nas alterações do caudal dos rios internacionais- não vai provocar diminuição, pelo menos, no caudal do Guadiana.
O que é que levou o Governo a tomar esta decisão de um momento para o outro, optando por anunciar aos Portugueses a responsabilidade de assumir este investimento?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, se o padre Manuel Severim de Faria já sabia que

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era preciso povoar o Alentejo com água ë se agora o Governo, finalmente, chegou a essa conclusão, só temos de nos congratular com isso.
Gostaria apenas de colocar algumas questões ao Sr. Ministro. Em primeiro lugar, queria saber se o Governo tem a consciência de que se trata de um projecto de envergadura nacional, que vai ter repercussões em todo o País.
Em segundo lugar, se tem em conta tudo aquilo que é necessário em matéria de reordenamento do território, de criação de infra-estruturas, de previsão de colonização - passo o termo - do Alentejo e, enfim, de tudo aquilo que tem a ver com o desenvolvimento, que se espera venha a concretizar-se, com este grande empreendimento que é o projecto do Alqueva. Refiro-me, propriamente, a questões que se ligam com a habitação, com a saúde, com o reforço estrutural para as novas vilas, etc.
Em terceiro lugar, gostaria também de saber se todo este projecto vai ficar ad eternum nas mãos de um governo, do seu ou de qualquer outro, isto é, se não estamos perante mais uma razão para responder de forma adequada, positiva e afirmativa à necessidade de regionalização do Alentejo, de criação de uma região, para enfrentar todo este acervo quer de fundos quer de problemas que vão colocar-se.
Finalmente, no desenvolvimento de todo este projecto, o Governo vai fazer como tem feito até agora, tudo em secretismo, sem ninguém saber de nada, à espera do grande anúncio de Cavaco Silva, ou vai, de facto, participar de uma forma empenhada com todas as forças políticas e organizações, nomeadamente com as autarquias e as forças vivas do Alentejo?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem à' palavra o Sr. Deputado Luis Capoulas Santos.

O Sr. Luis Capoulas Santos (PS): - Sr. Ministro, os Alentejanos seguiram com expectativa a decisão do Sr. Primeiro-Ministro, tendo ern conta, sobretudo, a grande montagem cénica que foi efectuada na passada semana junto ao paredão do Alqueva, bem como a divulgação propagandística feita nos dias que a antecederam, mas dir-se-ia que, sendo sem dúvida uma decisão importante, «a montanha pariu um rato».

Vozes do PS: -Muito bem!

O Orador: - E pariu um rato, Sr. Ministro, porque aquilo que o Sr. Primeiro-Ministro disse em Alqueva ,não foi que o Governo construiria, daria execução ao empreendimento; aquilo que o Sr. Primeiro-Ministro disse foi que o Governo decidiu pedir dinheiro a Bruxelas.

Por isso, Sr. Ministro, a questão que quero colocar-lhe é esta: na hipótese (certamente pouco verosímel) de Bruxelas o não financiar, o Governo vai avançar na mesma com a execução do projecto?

Vozes do PS: -Muito bem!

O Orador: - Convém relembrar, Sr. Ministro, que aquilo com que os Alentejanos exultaram é um imperativo de justiça. O que foi feito, o pequeno passo que foi dado relativamente ao Alentejo, não foi um favor que o Governo fez aos Alentejanos. Foi, sim, um imperativo de justiça, porque uma região que declina há 30 anos, que perdeu cerca de 30 % da população, que tem o triplo do desemprego a nível nacional, que tem os piores indicadores sociais, que envelhece progressivamente e em relação à qual não foi feita uma única obra de vulto na última década justifica que se faça isto e muito mais. Os Alentejanos exigem-no e esse é um imperativo de solidariedade nacional!

Aplausos do PS e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

Sr. Ministro, vou ainda fazer-lhe duas ou três perguntas.
Suponho que a partir de agora o Governo vai dizer que resolveu todos os problemas do Alentejo. Porém, sendo sabido que a decisão aponta apenas para uma irrigação de cerca de 110 OOO ha quando a opção máxima do projecto apontava para 200 OOO ha, pergunto: que contrapartidas vai ter o distrito de Évora relativamente ao de Beja, já que o de Évora vai ficar parcialmente inundado, sem nenhum efeito directo e, por consequência, com alguns impactes negativos?
O Alentejo não é só o Baixo Alentejo! É muito mais amplo e a parte norte da região tem os mesmos problemas, se não mais agravados ainda, do que a zona que vai ser beneficiada pelo empreendimento.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Nada de rivalidades bairristas!

O Orador: - Por último, Sr. Ministro, sendo sabido que os actuais perímetros de regra da responsabilidade do Estado têm permanecido, nos últimos anos, completamente inaproveitados - e não se argumente agora com os anos de seca, porque tem havido água -, tendo a sua percentagem de aproveitamento sido ínfima, pergunto-lhe que elementos existem, neste momento, para a efectiva reconversão da agricultura alentejana.
Tenhamos em conta que foi o PSD que, desde 1986, fomentou criminosamente o incentivo da produção cerealífera' que toda a gente sabia estar condenada, que levou os agricultores a investir em equipamentos agrícolas que estão, neste momento, sem utilização prática, que não fez nada em termos da reconversão do regadio. Agora, anuncia uma obra (e espero que não seja apenas de fachada) para que possamos entrar no Guiness, para dizer que temos o maior lago da Europa?
Que alternativas, em termos de reconversão agrícola, estão previstas para a zona passível de irrigação?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, usando cinco minutos cedidos pelo PSD, com a anuência dos demais grupos parlamentares, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.
O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho ern devida conta a solenidade deste momento, em que toda a Câmara disse que apoiava o grande empreendimento que acabou por ser decidido pelo Governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - A Sr.» Deputada Helena Torres Marques quer saber a razão de só agora se ter avançado com o empreendimento. Dir-lhe-ei, Sr.ª Deputada, que só agora convergiram uma série de circunstâncias felizes.

Risos do PS.

Em primeiro lugar, o fim do estudo que foi elaborado pelo consórcio que analisou tudo quanto já estava mais do que feito.

O Sr. José Sócrates (PS): - É só desculpas!

O Orador: - Os Srs. Deputados são testemunhas que, aqui e fora daqui, fomos muitas vezes incentivados a prosseguir com estudos de impacte ambiental, de cultura, de medição do caudal sólido. Houve sempre muito estímulo para fazer novos estudos, para deferir a construção e a sua decisão.
Em 1990, foi tomada a decisão de acabar com os estudos parcelares e de fazer um estudo de avaliação global, que nos foi entregue em Novembro de 1992. Desde então até agora avaliámos as diversas componentes do estudo e, Sr.º Deputada Helena Torres Marques, isso não foi feito nem em 1985 nem em 1986 porque não havia dinheiro.
Em 1985, na sequência das dificuldades do governo do bloco central, as considerações acerca do custo da oportunidade da barragem do Alqueva colocavam-se mais do que nunca, porque havia muitas outras necessidades urgentes e não era possível contemplar essa obra, o que agora já, é possível!
É evidente que não tomámos a decisão de fazer Alqueva sem mais. Vamos, naturalmente, montar todo uni esquema complexo, que, aliás, já se iniciou durante a própria fase de negociação com a Comunidade. Não vamos apresentar à Comunidade um estudo que ela não conhece! Esse estudo foi feito em parceria com a Comunidade, pelo que não vai haver surpresas para a Comissão e para os respectivos serviços acerca do que vai ser a nossa proposta. Conhecem-na muito bem e quando a apresentámos já tínhamos uma presunção muito razoavelmente adquirida de que iria haver financiamento, combinando todos os fundos estruturais, numa engenharia financeira complexa em que vai entrar o FEDER, o FEOGA e uma parte do Fundo de Coesão combinada com empréstimos do Banco Europeu de Investimento. Todavia, ainda não posso adiantar-lhes os pormenores desse exercício, mas muito brevemente ele estará conseguido.
Tal como tive ocasião de referir na minha exposição, não vamos pôr ninguém à margem e a Universidade de Évora e o Politécnico de Beja também vão ser envolvidos.
É evidente que teremos de fazer coisas diferentes das que se faziam quando não havia água. O estudo que- vai ser elaborado e de que falarei noutra ocasião determinará certamente as produções agrícolas que irão ser feitas no Alentejo.
Sr. Deputado Lino de Carvalho, porque queremos que isto seja efectivamente muito pensado e participado, dentro de duas a três semanas vamos fazer um seminário em Beja, o qual foi por mim anunciado na sexta-feira passada no Alqueva. Se os Srs. Deputados quiserem estar presentes nesse seminário, trazendo o fruto da vossa experiência e do vosso conhecimento sobre esta área, serão muito bem-vindos.
Todavia, Sr. Deputado, Alqueva não resolve o problema da seca deste ano. Na passada sexta-feira foram anunciadas medidas, quer no que respeita ao abastecimento de água, quer no que respeita à alimentação do gado, para todo o Baixo Alentejo. Mas estes dois problemas são distintos.
Alqueva é uma grande barragem, que vai durar oito anos a construir. Aproveito para dizer à Sr.ª Deputada Helena Torres Marques que esta é uma barragem com quase 100 m de altura, não podendo construir-se em dois anos. Ela vai demorar oito anos a construir e eu não conheço ninguém que seja capaz de a fazer em menos tempo. Como é evidente, os 30 anos que estão previstos para o desenvolvimento de toda a rede de irrigação têm o escalonamento da capacidade de absorção da própria água que vai ser utilizada para regadio. Mas se houver uma exibição clara de que a velocidade de absorção é mais rápida, não deixaremos de o ter em conta.
Sr. Deputado André Martins, as culturas alternativas foram analisadas, sabendo-se quais são. Não tenho tempo de as referir agora, mas tenho muito gosto que venha a esse seminário. Pode ter a certeza de que os 110000 ha, que é a versão mais restrita daquilo que vai regar-se, não estão seguramente em proporção com os 80 campos de golfe. Os 80 campos de golfe não chegarão com certeza a 500 ha ou 800 ha, o que é uma parcela muito pequena daquilo que é o domínio do perímetro regado.
Sr. Deputado Mário Tomé, estamos a pensar no reordenamento de tudo o que está à volta deste empreendimento, a começar pela população que mais sofre e que é a Aldeia da Luz, que tem de ser corripletamente realojada.
Sr. Deputado Luís Capoulas Santos, o Governo não vai dizer que, com este empreendimento, todos os problemas do Alentejo ficam resolvidos, porque sabe muito bem que o norte desta região, particularmente o distrito de Évora, precisa de várias outras barragens, o que também já está anunciado para incluir no próximo Quadro Comunitário de Apoio - só agora é que foi possível fazê-lo.
Mas ninguém ilude ninguém e sabemos que Alqueva é um empreendimento importante, uma barragem importante, uma componente de um programa integrado muito vasto e muito variado, reclamando a convergência de muitos factores, os quais tivemos em mente nesse verdadeiro programa integrado, mas, como é evidente, tudo isto depende de uma obra vultosa. Só depois de termos sido muito cautelosos na análise de todas estas componentes, decidimos avançar com esta obra.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra e consideração.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro indicou a forma como o Governo do bloco central tomou a decisão de fazer Alqueva sugerindo que ela foi leviana.
Quero dizer-lhe, Sr. Ministro, que isso não foi decidido levianamente, pois o Governo só anunciou a decisão de concluir Alqueva depois da nossa entrada na Comunidade e depois de poder candidatar-se aos fundos comunitários. Todas as indecisões do Governo, com os custos que

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o Alentejo está pagar agora, resultam do facto de ele não ter decidido, quando poderia tê-lo feito, a realização da obra. A verdade é que foram financiadas tantas outras obras sem ter sido necessário pedir à Comunidade que fizesse os respectivos estudos. Sabemos fazer esses estudos, que no caso estavam feitos e não era preciso fazer mais. Por que razão foi a obra do Alqueva anunciada agora? É que se trata do momento de mais baixa popularidade do Primeiro-Ministro. O que está ern causa é tentar reabilitar o Primeiro-Ministro, que está já com uma taxa de popularidade negativa.

Vozes do PS: - Muito bem! Protestos do PSD.

A Oradora: - Naquela altura, o PSD também assumiu que o projecto iria para a frente. Foi o bloco central que o decidiu e os senhores estavam de acordo com essa decisão, mas agora querem esquecer esse compromisso, porque esquecem tudo o que fizeram anteriormente, em função do Professor Cavaco Silva. Os senhores já viram que o Professor Cavaco Silva está a «ir por água abaixo» e, pelos vistos, vão atrás dele.

Risos do PS e do PSD.

Em relação ao convite que o Sr. Ministro aqui deixou, quero dizer-lhe que teria sido elegante que o Sr. Primeiro-Ministro e os Srs. Ministros tivessem convidado os Deputados da área para a cerimónia de Alqueva.

Vozes do PS: - Muito bem! Vozes do PSD: -Ah!...

A Oradora: - Se os senhores consideram que este é um projecto pelo qual todos nos temos batido e a favor do qual todos aqui nos pronunciámos, dizendo, em uníssono, que ainda bem que tomaram a decisão, teria sido elegante da vossa parte terem convidado os Deputados de todos os partidos a assistir à cerimónia. Sempre nos batemos por esse projecto, até com mais força do que os senhores.
O que lhe pergunto, Sr. Ministro, é qual é o convite. Faça-o sempre que for ao Alentejo, porque nós, Partido Socialista, teremos sempre o maior gosto em estar presentes em todas as decisões que forem tomadas para bem do Alentejo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.
O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: - Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, é inacreditável que tenha dito que este acontecimento foi um instrumento de encenação para uma notícia que só no dia seguinte foi publicitada no jornal. A nossa ida estava decidida há muito mais tempo, logo que acabou a análise dos documentos...

O Sr. Armando Vara (PS): - Logo que acabou a análise das sondagens!...

O Orador: -... que, aplicadamente, tenho vindo a fazer desde Novembro de 1992.

Tal análise tem sido aturada e tenho tido, naturalmente, a companhia da Sr.ª Secretária de Estado em toda essa complicada operação. Não foi, assim, sem termos imprimido muito escrúpulo em toda a minúcia da fundamentação que fizémos isto. Em todo o caso, a ida ao Alentejo naquele dia, para aferir das circunstâncias e condições da obra e anunciar a nossa decisão, foi anunciada muito antes da publicação da notícia que liga a nossa ida ao local...
Quando, ern 1985, se registava a dificuldade de fazer qualquer coisa contando com fundos estruturais cujo montante ainda não se conhecia, apenas havendo a fé de que iriam ser alguns, quando as ajudas de pré-adesão eram pequenas, não se sabia de quanto eram e mesmo as ajudas previsíveis dos fundos estruturais eram muito pequenas (recordo que só em 1989 foram duplicadas), quando havia dúvidas sérias, colocadas com muita acutilância, relativamente à construção do Alqueva, dizer que, nessa ocasião, teria sido uma decisão acertada avançar com o empreendimento é ser demasiado ousado.
Sei que politicamente pode dizê-lo, mas, certamente, se nessa ocasião estivesse no governo, teria tido as maiores dificuldades em confirmar imediatamente a realização do complexo, quando havia tantas hesitações sobre o assunto e especialmente quando ainda nesse ano, já depois de eu ter tomado conta deste sector, a própria valia eléctrica, que tinha começado por ser de 70 %, desceu, num ano, numa altura em que eu já era responsável pela administração deste domínio, repito, para 29 %.
Nessas condições, quem poderia decidir sem grande irresponsabilidade uma coisa que estava orientada fundamentalmente para um empreendimento com uma valia eléctrica de 70 %? Só alguém efectivamente muito pouco responsável poderia, contando com os fundos estruturais mas vendo o empreendimento a naufragar em termos hidroeléctricos e num completo descalabro de organização, decidir avançar com o projecto!
Por isso, só agora, com muita organização e muita convergência de fundos, é acertado, oportuno e equilibrado tomar essa decisão, no conjunto das decisões tomadas a nível nacional.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, cumpre à Mesa explicar, como há pouco se havia comprometido, a alteração de última hora da ordem de inscrições no âmbito do período de antes da ordem do dia.
Como sabem, emiti, ao fim da manhã, um despacho nos termos do qual o Sr. Secretário da Mesa incumbido das inscrições para o período de antes da ordem do dia da sessão de hoje deveria proceder à inscrição em primeiro lugar de um membro do Governo, conforme era solicitado num ofício que recebi do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares. Por seu turno, a leitura desapaixonada do n.º 2 do artigo 82.º do Regimento mostra claramente que a decisão constante do meu despacho foi correctamente tomada.
Terei, todavia, de pedir à Câmara desculpas pelo facto de ter sido muito pouco exigente no cumprimento dos tempos atribuídos e tolerante para com todos. Não irei contabilizar as tolerâncias, até porque a tolerância não tem

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contabilização possível. Como sabem, nos termos do artigo 82.º, n.º 2, do Regimento, o tempo destinado ao uso da palavra por membros do Governo - que é só de seis minutos, embora a Mesa tenha permitido que o Sr. Ministro falasse por mais quatro minutos e meio não desconta nos tempos disponíveis para o período de antes da ordem do dia.
Como o Sr. Ministro falou pouco mais de 10 minutos, para efeito da contabilização do período de antes da ordem do dia, considerarei que a presente sessão teve início às 15 horas e 45 minutos, o que levará a que, havendo declarações políticas a ser produzidas, ele tenha um prolongamento.
Para uma declaração politica, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um retrato impressivo do nosso país no momento actual dá-nos conta de uma economia atolada numa grave crise, uma situação social que se degrada aceleradamente, uma sucessão ininterrupta de escândalos de corrupção e irregularidades na utilização de fundos públicos e comunitários e um governo desnorteado, que teimosamente recusa admitir a realidade, que perdeu qualquer controlo sobre a crise económica e social que ele próprio provocou, que dá provas da mais completa incapacidade política para travar e inverter a recessão económica e a regressão social, um governo que se refugia no autismo político e cujo nervosismo patente o leva a mais despudoradamente mostrar a sua natureza prepotente e autoritária.
É uma evidência que Portugal está hoje mergulhado na recessão económica. A diminuição da produção nacional é extensiva a todos os sectores da actividade directamente produtiva. A taxa de utilização da capacidade instalada na indústria transformadora atingiu o nível mais baixo dos últimos seis anos e, à excepção do sector automóvel, não haverá hoje, provavelmente, nenhum ramo da indústria em que se não registe diminuição da produção. A generalidade da produção agrícola não encontra escoamento. O alojamento turístico do País é ofertado no estrangeiro a autênticos preços de saldo. As exportações portuguesas perdem quotas de mercado, apesar da diminuição dos preços e da redução significativa das margens das empresas exportadoras. A taxa de penetração das importações aumenta em progressão geométrica, isto é, as empresas e produções nacionais perdem igualmente quotas do mercado nacional.
Por isso, o produto interno bruto apresenta evolução negativa, o investimento produtivo em bens de equipamento estagna e as encomendas ern carteira nas empresas nacionais registam diminuição generalizada.
Como corolário da recessão económica, aumenta o número de falências e de encerramento de empresas, acelera-se o crescimento do desemprego, avolumam-se as situações de salários em atraso, degrada-se acentuadamente a situação social, com o alastrar da insegurança e a multiplicação das bolsas de pobreza e das exclusões sociais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando, durante o debate do Orçamento do Estado para 1993, o Grupo Parlamentar do PCP alertou para a gravidade da situação que já se fazia sentir, fomos acusados de fazermos o «discurso do caos», de tomarmos a nuvem por Juno.
Então, ainda o Governo falava, sem qualquer pudor, no prosseguimento da propagandeada «política de sucesso» e no oásis que alegadamente a economia portuguesa significaria no contexto da Comunidade Europeia. Hoje já ninguém, com um mínimo de bom senso e de sentido das realidades, ousa pôr em dúvida a existência de uma grave crise económica e social, nem o próprio Primeiro-Ministro, que se remete ao silêncio sobre a crise, assim procurando transferir o respectivo ónus para cima dos seus ministros, e apenas vem a público, com nervosismo embora, para anunciar a intenção de construir duas barragens. A táctica é já conhecida: o que é mau é obra dos seus ministros, o bom é da responsabilidade do Primeiro-Ministro.
A dúvida que hoje legitimamente se coloca não é a da existência da crise; é, sim, a da profundidade que a crise assumirá, a da dimensão que a recessão irá atingir no futuro próximo. Ou, como alguém já referiu, a questão que se suscita é de saber se os estragos provocados pela crise, por exemplo na indústria e na agricultura, poderão ainda ser reversíveis no futuro. Infelizmente, é de recear que os estragos se venham a mostrar irreversíveis e que a recessão económica e a regressão social possam vir a suplantar a crise de 1983-1985, por exclusiva responsabilidade de um governo autista e da sua teimosa persistência nas políticas económicas que provocaram a crise e demonstradamente só podem agravar ainda mais a situação actual.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao responsabilizarmos o Governo pela crise que assola o País, não esquecemos que a evolução negativa das economias internacionais, nomeadamente as da CEE, tem efeitos sobre a economia doméstica (inversamente, de resto, à posição assumida pelo Governo e pelo PSD nos anos favoráveis de 1986 a 1989).
Mas não residem aí as causas essenciais da recessão em Portugal. Aliás, a crise externa teve como primeiro e importante resultado deixar a nu a persistência e mesmo agravamento das fragilidades e insuficiências estruturais da nossa economia, realidade que durante os últimos anos o Governo procurou escamotear com a propaganda da falsa «política de sucesso».
As causas essenciais da crise são primeiramente da responsabilidade das políticas dos governos do PSD.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É da responsabilidade do Governo esta economia sem «rei nem roque», por ausência de uma estratégia nacional para a evolução da economia portuguesa, em torno da qual se procedesse à sua reestruturação e ao serviço dela se concentrassem o essencial dos recursos disponibilizados pela CEE.
E da responsabilidade do Governo o facto de a estrutura produtiva nacional ser a mesma que existia em 1986, incapaz de competir com a concorrência externa, e de entretanto se terem delapidado centenas de milhões de contos de fundos comunitários.
É o Governo o único responsável pela nefasta venda de períodos de transição essenciais para a defesa e adaptação da agricultura portuguesa, a troco de míseros milhões de contos.
Só ao Governo cabe a responsabilidade da antecipação da total liberalização dos movimentos de comprovadamente precipitada e inadequada integração do escudo no mecanismo de taxas de câmbio do Sistema Monetário Europeu.

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É da exclusiva responsabilidade do Governo o privilégio que as políticas económicas tem concedido aos sectores especulativo e financeiro em prejuízo é à custa das actividades produtivas.
São da responsabilidade do Governo os efeitos profundamente negativos sobre a economia portuguesa e a competitividade das produções nacionais provocadas pela Desastrada política de revalorização artificial do escudo.
Enfim, só o Governo pode. ser responsabilizado pela sua opção cega pela política deflacionista de convergência nominal a todo o custo, contra tudo e contra todos, contra a defesa e o reforço da indústria e da agricultura nacionais, contra a melhoria sustentada do nível de vida dos Portugueses.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É, pois, o Governo o primeiro e principal responsável pela recessão que atingiu a economia portuguesa e ameaça arrastar o País para uma profunda e devastadora crise económica e social.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minimização dos custos da recessão económica e a abertura de perspectivas de futuro para a economia portuguesa exigem uma política económica substancialmente distinta da prosseguida pelo PSD, mas distinta nos objectivos e orientações fundamentais, nos valores, nos critérios, nos métodos e nos, resultados e não apenas diferente em aspectos acessórios ou de grau ou no discurso, político. Exigem uma política que se empenhe na prioridade à criação de bases sólidas para o desenvolvimento económico e social do País, em vez de se subordinar, passiva e voluntariamente, às imposições da convergência nominal e da união económica monetária.
Importa recordar, aliás, que os critérios de convergência nominal do Tratado de Maastricht são eles próprios uma das causas fundamentais, se não a essencial, da crise económica que grassa em todos os países comunitários, por impor políticas deflacionistas generalizadas, embora em graus diferentes, a todas as economias.
No nosso país é urgente uma nova política que coloque no centro das preocupações nacionais a indispensável e adequada resposta à realidade de uma economia cada vez mais frágil e dependente, de uma estrutura produtiva atrasada e de um tecido empresarial sem condições de competitividade com a concorrência externa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Essa política necessária não se compatibiliza com inaceitáveis atitudes prepotentes e autoritárias dos governantes, como a veiculada pelo Ministro das Finanças, ameaçando as empresas que acordem aumentos salariais superiores a 6 %; ou, como a do Ministro do Planeamento e da Administração do Território, que se prepara para discutir amanhã, em Bruxelas, as grandes, orientações do Plano de Desenvolvimento Regional para 1994-1999, sem que antes as tenha discutido com a Assembleia da República e com os agentes económicos e sociais - aliás, esteve hoje aqui presente e nem sequer referiu uma palavra sobre o que vai amanhã negociar em Bruxelas.

Aplausos do PCP.

Iremos, pois, requerer de imediato a urgente comparência do Ministro do Planeamento e da Administração do Território nesta Assembleia a fim de explicar esta atitude autoritária e antidemocrática do Governo e de expor e discutir as orientações do novo PDR, antes de serem assumidos quaisquer compromissos com Bruxelas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Essa política distinta não se coaduna com um governo divorciado das realidades, divórcio lapidarmente exemplificado pelo Ministro da Agricultura ao afirmar, há poucos dias, que a agricultura portuguesa não está em crise.
Fundamentalmente, a política do Governo e as orientações macro-económicas da união económica monetária, bem como as suas exigências de convergência nominal são incompatíveis com uma política adequada às necessidades objectivas da economia e da sociedade portuguesas.
Não servem e têm de ser claramente rejeitados um colete de forças e uma política cujos resultados conduzem à desertificação agrícola, à desindustrialização do País e ao agravamento do desemprego.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É inaceitável que a necessária reestruturação industrial seja mero sinónimo de falências, de encerramento de empresas e de destruição de muitos milhares de postos de trabalho. Como inaceitáveis são as tentativas de transferir para Os trabalhadores os custos de uma crise de que eles não são minimamente responsáveis mas apenas vítimas.
Por isso, recusamos as imposições da política económica e monetária constantes de Maastricht; por isso combatemos a política do Governo, verdadeira e principal força de bloqueio à modernização e desenvolvimento da economia portuguesa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por isso defendemos uma política distinta da actual, que aposte numa indústria forte, numa agricultura eficaz e num sector exportador competitivo, que tenha como objectivo e preocupação sempre presentes a melhoria sustentada dos níveis de vida dos Portugueses.

Aplausos do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Rui Carp e Duarte Pacheco.
Porém, antes de lhes dar a palavra, gostaria de saudar, em nome da Câmara, o grupo numeroso de alunos da Escola Secundária de São Lourenço, de Portalegre, bem como o grupo de alunos da Escola Secundária de Cascais.

Aplausos gerais.

Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, fiquei na dúvida sobre qual a real intenção de V. Ex.ª ao fazer esta intervenção no período de antes da ordem do dia.

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Com efeito, o Sr. Deputado não veio trazer nada de novo sobre o discurso do seu partido, limitando-se, mais uma vez, a manifestar a enorme contradição que, desde sempre, o Partido Comunista tem tido em matéria de política económica.
V. Ex.ª falou aqui em desenvolvimento económico e ern confiança, mas sabe muito bem que o Partido Comunista sempre foi adepto da eliminação da propriedade privada. Que melhor forma de destruir a confiança económica do que eliminar a propriedade privada?!
Mas, o que é mais lamentável é que VV. Ex.ª, que tanto falam de autismo, são os maiores autistas políticos da nossa vida parlamentar e politica, propriamente dita.
O Sr. Deputado referiu que a nossa economia está em grave crise e em recessão, o que é falso; a economia apresenta uma situação de abrandamento do seu crescimento, que é dos mais elevados da Europa desde que entrámos na Comunidade Europeia, mas não de recessão.
Caso estivéssemos em recessão, o investimento e as exportações não cresceriam. Ora, V. Ex.ª não pode desmentir que, na verdade, as exportações e o investimento cresceram em 1992, isto a par de uma quebra sustentada da inflação que era o principal objectivo para podermos ganhar a batalha da convergência com a Comunidade Europeia - e de uma taxa de desemprego que se manteve ao nível mais baixo da Europa, exceptuando o caso do Luxemburgo.
Contudo, a máxima contradição consiste no seguinte: o Sr. Deputado referiu que é preciso aumentar a competitividade das exportações portuguesas. Muito bem! Porém, ao mesmo tempo, vem aqui dizer que os salários tem crescido abaixo do que seria exigido.
Nestes termos, como é que V. Ex.ª consegue eliminar a contradição fundamental de aumentar a competitividade das nossas exportações e, simultaneamente, não conseguir uma moderação salarial, que é a «pedra de toque» da nossa competitividade externa e da modernização da economia portuguesa.
VV. Ex.ª referem ainda que a reestruturação industrial implicará perda de milhares de postos de trabalho. Pergunto, então, como é que se poderia modernizar a indústria, a agricultura e os serviços em Portugal sem reestruturação, o que implicaria, necessariamente, o encerramento de empresas não viáveis, para se criarem empresas modernas, competitivas e viáveis ...

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Onde é que estão,... quando?

O Orador: -De facto, VV. Ex.ª continuam a cair na mesma contradição, pelo que gostaria que o Sr. Deputado esclarecesse este ponto.
Já agora, gostaria de fazer uma pergunta final: no fundo, esta sua intervenção não visa atirar um bocado de poeira para os nossos olhos, no momento em que o seu partido resolve expulsar de uma central sindical um dos mais importantes sindicalistas, José Luís Judas?

Aplausos do PSD.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Já cá faltava esta!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Pacheco.

O Sr. Duarte Pacheco (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, da sua intervenção resulta um quadro muito negro para a economia portuguesa, no sentido de que o Governo Português perdeu, por completo, o controlo da situação económica de Portugal e da resolução da potencial crise que afirma estarmos a viver.
Começo por lhe perguntar o seguinte: se esse quadro é verdadeiro e se o Governo perdeu o controlo, como diz, então como justifica que um dos objectivos fundamentais do Governo - um baixo nível de desemprego -, em Dezembro de 1992; seja de 4,5 %, quando a média comunitária para esse indicador é já de cerca de 11 %, sendo, por exemplo, dê 20 % em Espanha e de 18 % na Manda? Como é que, então, estes outros governos da Europa controlam a economia?
Esta é, pois, a prova completa de que temos objectivos muito concretos e de que eles estão a ser alcançados, controlando o Governo, claramente, a situação.
Faço-lhe ainda uma outra pergunta, de cariz mais político, uma vez que o Sr. Deputado falou ern situação de crise. De facto, o Partido Comunista insiste numa situação de crise, mas a terapêutica com que avança é a do aumento de salários reais, positivos para a generalidade da população, designadamente para a função pública. Esta terapêutica não será semelhante àquela que, em 1975, foi posta ern prática pelo seu- partido e que nos levou a tão maus resultados?
Por último, talvez seja de esclarecer a definição de oásis,...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Isso já disse o Duarte Lima!

O Orador: -..., porque ainda nem toda a gente sabe o que é. Um oásis não é um jardim nem é um paraíso; um oásis está rodeado de deserto por todos os lados.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Está a copiar o Duarte Lima!

O Orador: -Nem sequer cá estive!...

Com efeito, face a uma situação internacional de crise profunda, o que temos ern Portugal é uma situação de relativa estabilidade.

Vozes do PS: - Ah!...

O Orador: - Se comparar a situação económica portuguesa com a dos restantes parceiros comunitários, verificará que estamos muito melhor. Venha desmentir, se for capaz, venha desmentir, que estamos num oásis!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Pacheco, começaria pela questão do oásis para dizer-lhe que foi mal aconselhado. Estava convencido de que a única pessoa deste país que ainda era capaz de falar em oásis era o Sr. Deputado Rui Rio.

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Com certeza, deixou-se levar por ele: é a segunda pessoa. Não vá nessas conversas, afaste as más companhias!

Risos do PS.

De facto, julgo não valer a pena falar-vos da questão do oásis, pois estaríamos a perder tempo. Neste momento, é absolutamente ridículo fazê-lo, qualquer que seja, a definição que se dê sobre oásis.
Por acaso, também li o artigo que veio no suplemento económico do Diário de Notícias, sobre a questão do oásis e com essa definição que o Sr. Deputado aqui deu. Era interessante: fartei-me de rir quando o li! Mas, não vale a pena estar aqui a relê-lo e a rir de novo.
Há, contudo, um aspecto que é essencial que fique claro para os dois Srs. Deputados que me interpelaram: a crise não é potencial; a crise e a recessão económica estão cá!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mesmo em termos meramente de manual económico - parece-me que o Sr. Deputado Rui Carp só gosta dos manuais, aliás, na linha do Sr. Ministro das Finanças e do seu Primeiro-Ministro, que não olham para a realidade-, a partir do momento em que o produto interno bruto entrou em evolução negativa, já no 4º trimestre de 1992, estamos claramente em crise e em recessão económica. Não há, pois, manual que os salve!
Quanto à questão do autismo, o Sr. Deputado Rui Carp não considera que há autismo puro e descabelado no ,facto de o Ministro da Agricultura português vir, neste momento, dizer que não há crise na agricultura portuguesa?!

Então, que nome dá a isto?

O Sr. Rui Carp (PSD): - Há seca!

O Sr. António José Seguro (PS): - É um oásis do Governo!

O Orador: - Quanto ao problema da competitividade e dos salários, Sr. Deputado, não é possível haver baixas de salários -se é que isso, alguma vez, constituiu um caminho para resolver problemas económicos- ou aumentos de produtividade que possam compensar revalorizações cambiais do escudo na ordem dos 30%. Tal é absolutamente inaceitável e impossível!

Aliás, Sr. Deputado, recomendo que, pelo menos, ouça algum dos seus ministros

O Sr. Rui Carp (PSD): - Quais?

O Orador: - Ouça, por exemplo, o Sr. Ministro do Comércio e Turismo a dizer que é inequívoco que em 1992 «perdemos quotas de mercado»! É inequívoco, está escrito e, aliás, Sr. Deputado, posso mostrar-lhe onde...

O Sr. Rui Carp (PSD): - Tenho aqui a revista Valor!

O Orador:- Veja A Vida Económica, de 13 de Dezembro de 1992, onde o Sr. Ministro Faria de Oliveira escreve: «O crescimento das exportações, de quase 6% em volume, não deve escamotear realidades que são negativas; estamos a perder quotas de mercado e, portanto, a nossa competitividade externa diminuiu.»

O Sr. Rui Carp (PSD): - Em termos sectoriais, mas não em termos globais!

O Orador: - Sr. Deputado, regressando ao problema da crise, pois essa é a questão importante, indico-lhe um sinal claro da crise, já que falaram em emprego e em desemprego: números oficiais do Instituto do Emprego e Formação Profissional demonstram que, entre Janeiro e Dezembro de 1992, num prazo de 12 meses, o número de desempregados aumentou em 31 OOO; no mês de Janeiro de 1993 - apenas num mês e não em 12 - esse número aumentou ern 11 OOO. Este é um sinal claro da crise que está em curso, que existe e da recessão social que se está a verificar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, Sr. Deputado, de facto, há um partido e um governo que não têm contradições na sua política económica: o PSD e o governo de Cavaco Silva, porque desde o início desenvolvem, desde o início, uma política para lançar a economia portuguesa na sua mais profunda crise, que já hoje se encontra presente.

Aplausos do PCP.

O Sr. Rui Carp (PSD): - V. Ex.ª não respondeu às minhas questões!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar nas intervenções do período de antes da ordem do dia.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma das grandes novidades que a actualidade política nos trouxe é ter-se, agora, percebido que as presidências abertas põem o PSD em estado de choque.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Já há muito tempo que sabíamos que a simples palavra «presidência» fazia cócegas aos sociais-democratas que «abertura» era também palavra de que a maioria sempre desconfiara,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: -... mas ficámos, agora, a saber que, juntar essas duas palavras - «presidência» e «abertura» - põe os cabelos em pé a qualquer membro do PSD.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Menos à primeira fila!...

O Orador: - Ainda maí foi anunciada a presidência aberta sobre o ambiente e já o PSD deita as mãos à cabeça e diz que discorda dela, que é inoportuna e que não acha bem que ela se realize.
Ora, acontece que, nesta discussão em que desejo entrar, a última coisa que, sinceramente, me ocorre alegar é que o PSD não tenha carradas de razão para tanto nervosismo e para tamanha inquietação. Olha se tem!...

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Srs. Deputados, imaginemos o Sr. Presidente da República a ir por esses parques naturais fora, a visitar as nossas paisagens protegidas, a passear no nosso litoral e perceberemos, então, as razões que levam o Sr. Primeiro-Ministro a franzir o sobrolho; pensemos no Sr. Presidente da República a ir ver as nossas praias, os nossos rios, ver o que aconteceu à nossa floresta nos últimos anos e perceberemos, então, o Sr. Primeiro-Ministro. É de arrepiar!
Como compreendo a fúria do PSD e do Sr. Primeiro-Ministro! É que, em oito anos de governo, nada têm para apresentar ao País. Em matéria de ambiente, este governo não tem obra.
Mas, digam-me, Srs. Deputados, que culpa tem o Sr. Presidente da República em que quase 50 % dos nossos rios estejam poluídos, em que um quarto das nossas praias estejam impróprias para banhos e em que a nossa floresta tenha sido eucaliptízada e destruída pelo fogo? Que culpa tem o Sr. Presidente da República em que os cancros ambientais do País, que já existiam, permaneçam e se agravem? Que culpa tem o Sr. Presidente da República que o Alviela esteja na mesma, depois de três secretários de Estado terem prometido lá banhar-se, sem que, até à data, qualquer temerário se tivesse atrevido a tal?

O Sr. Laurentino Dias (PS): - Muito bem!

O Orador: - Com franqueza, Srs. Deputados! Será culpa do Sr. Presidente da República que o País, no que respeita ao ambiente, esteja, como dizia Eça de Queirós, em «robe de chambre», isto é, incapaz de ser visitado?
Deixem-me dizer-lhes uma coisa, Srs. Deputados do PSD: julgo perceber nessa vossa nervoseira um mal disfarçado julgamento de intenção. Dirão os senhores: «Lá foi o Sr. Presidente da República escolher a área governamental mais descuidada e onde o insucesso é mais visível para, assim, escancarar esse insucesso perante os Portugueses e chocá-los.»
Mas, então, Srs. Deputados do PSD, digam-me lá em que áreas ou em que sectores da governação deveria o Sr. Presidente da República abrir os olhos aos Portugueses? Na indústria?... Nem pensar! Na agricultura?... Horror dos horrores! Na habitação, na saúde, na segurança social, na educação?... Em todas elas «seriam piores as emendas que os sonetos»!
Todos nós temos de concordar que é muito difícil - se não impossível - descobrir um sector onde o Governo pudesse brilhar. Mas, uma vez mais, Srs. Deputados, que culpa tem o Sr. Presidente da República em relação a isso?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A expressão da preocupação pelo ambiente não é apenas um direito do Sr. Presidente da República, é também um dever. E é um dever para ele como o é para todos os políticos.
A questão ecológica é, hoje, uma questão central da decisão política. Por todo o mundo, políticos, especialistas e cidadãos se empenham na procura de um compromisso entre conservação e crescimento; por todo o lado, sobe a consciência dos riscos ambientais e os cidadãos exigem políticas que respeitem o ambiente. Como pode, então, o Presidente da República manter-se alheado ou fora desta questão?
Não será que nos devemos congratular pelo facto de o Presidente da República querer dar ao País um sinal da importância que a problemática do ambiente representa Hoje? Não será altura de todos nós percebermos como a crise ambiental se tem agravado no País? Não será altura de reconhecermos, sem pessimismos, que já há situações de crise e de ruptura que deveriam ser advertências vigorosas para todos nós?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A verdade é que o País não pode esperar que o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais acorde do sono profundo em que mergulhou. Sejamos sinceros, Srs. Deputados: o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, pura e simplesmente, não existe! Dali não vem um gesto, uma atitude, uma orientação!
Com tantos problemas por resolver no País, em que é que está ocupado o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais? Na sua própria remodelação! Essa é a grande prioridade do Ministério!
Vejamos, por exemplo, a seca. Já vamos no segundo ano consecutivo e vamos ter, outra vez, o eterno folhetim: mais peixes mortos, mais focos de poluição, mais dificuldades no abastecimento de água. E que fez o Ministro? Alertou o País? Anunciou alguma medida? Fez um programa de emergência? Lançou, ao menos, uma campanhazinha de poupança de água? Não, não fez nada! O Ministro acha que não é nada com ele!

O Sr. António José Seguro (PS): - Ele nem sabe que é Ministro!

O Orador: - E enquanto o País se angustia com a falta de água, o Ministro anda entretido a resolver a transcendente questão de saber se o actual Instituto Nacional do Ambiente se deve chamar Instituto Português do Ambiente!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A experiência recente tem-nos mostrado que o Governo segue a lei «a cada dia, seus problemas», prometendo pensar na ecologia, depois de aumentar a riqueza económica. A qualidade ambiental está, portanto, apesar dos discursos, subordinada aos objectivos de crescimento.
Ora, acontece que não há visão mais limitada e mais bacoca, porque será muito mais difícil intervir em altura de crise e custará muito mais remediar do que prevenir.
Nenhum sistema económico sobrevive, hoje, à custa do dumping ambiental. Os padrões ambientais são, hoje, factores de concorrência e de competitividade.

A Sr.ª Julieta Sampaio (PS): - Muito bem!

O Orador: - É altura, portanto, de alterar o nível pardacento em que tem vivido a nossa política ambiental, de a valorizar no contexto político global e de lhe conferir uma nova prioridade.
Os cidadãos avisam-nos todos os dias e os especialistas manifestam as suas mais sérias preocupações e apreensões. A politica, Sr. Deputado, não pode esperar mais.
A presidência aberta sobre o ambiente é, portanto, bem-vinda. O ambiente é mais importante que os interesses conjunturais de uma maioria e, seguramente, muito mais importante que o humor do Primeiro-Ministro.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

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O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Sócrates, permita-me, antes de mais um desabafo : depois dos porta-vozes do Partido Socialista paca as áreas económica e da saúde terem proferido declarações públicas e, na sua sequência, terem sido corrigidos publicamente pelo seu secretário-geral,; só resta ao meu grupo parlamentar a compreensiva curiosidade em saber se V. Ex.ª falou em seu nome pessoal ou em nome do Partido Socialista, dado que é o seu porta-voz para á área ambiental.
Todavia, partindo do princípio de que V. Ex.ª filou ern nome do Partido Socialista, temos, forçosamente, de concluir que trouxe a esta Câmara um exercício confrangedor de impotência política ern matéria de alternativas à política ambiental do Governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - V. Ex.ª teve mesmo necessidade de se pendurar - e pendurou-se autenticamente - no calendário oficial e político de S. Ex.ª o Sr. Presidente da República para justificar algumas ideias e alguns projectos.
Onde é que está o Partido Socialista como colectivo ideológico e doutrinário, sobretudo, na área ambiental, que é a área em discussão?

O Sr. António José Seguro (PS): - No Expresso vai à frente do PSD!

O Orador: - Neste momento, não será o Partido Socialista uma amálgama e uma miscelânea de personalidades -"- ilustres e competentes, sem dúvida - sem um cimento aglutinador ideológico e doutrinário? Onde é que está o vosso projecto alternativo?

O Sr. António Braga (PS): - Como é que pode haver projecto alternativo se não há um «oficial»!?

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Sócrates, no período da ordem do dia de hoje, vamos discutir diversos projectos sobre a temática ambiental. Onde é que está o projecto de lei do Partido Socialista? Não existe!
Só posso, portanto, compreender a sua intervenção como sendo uma tentativa, embora frustrada, de colmatar essa grave lacuna de o Partido Socialista não ter, neste momento, opinião sobre as associações de defesa do ambiente, por exemplo!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Só posso interpretar a sua atitude como tal!

Sr. Presidente, Sr. Deputado José Sócrates, a presidência aberta de S. Ex.ª o Sr. Presidente da República em matéria ambiental é bem-vinda. O Grupo Parlamentar do PSD saúda, desde já, essa intenção.
Todavia, uma presidência aberta não é um exercício de subjectividade politica, mas, sim, um gesto congregador de vontades, objectivo para que, sobre uma determinada temática, o País tenha uma posição de concórdia para debelar graves problemas.
Também gostaria de deixar ficar aqui bem patente que a questão ambiental deve ser entendida numa perspectiva não facciosa, ou seja, os problemas ambientais de que Portugal enferma -e alguns, sobretudo no domínio hídrico, são graves - resultam de insensibilidades que se acumularam ao,longo de muitos anos, tendo perpassado diversos governos e diversas administrações regionais e locais.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): ou a do Governo!?

- Mas essa é a sua opinião

O Orador: - Portanto, temos de entender este problema numa perspectiva responsável e não com atitudes distorcidas nem com elaborações teóricas facciosas e de suportar e consolidar o nosso pensamento com base num discurso científico autorizado.

Aplausos do PSD.

O Sr. António José Seguro (PS): - E qual é a pergunta?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado José Maciel: Confesso que não percebi nada dessa questão dos porta-vozes, porque não mostramos os nossos discursos ao líder do partido. Não sei se antes de fazerem as vossas intervenções VV. Ex.ª as vão mostrar ao Sr. Primeiro-Ministro. Acontece que, aqui, isso não é hábito da Casa.

O Sr. António José Seguro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, em minha opinião, quem tem de adaptar o discurso é a sua bancada. Não somos nós!

O Isaltino de Morais disse que a presidência aberta sobre o ambiente é mal-vinda, vários dirigentes políticos do PSD dizem que vêem esta iniciativa com bastante preocupação, que talvez não seja oportuna, que vêm aí as eleições autárquicas.
Porém, o Sr. Deputado diz que é bem-vinda, que estão de acordo. Confesso que não sei o que perceber...
Sr. Deputado, eu referi-me às declarações dos dirigentes políticos do PSD que se puseram a jeito, isto é, que, mal foi anunciada a presidência aberta do ambiente, mostraram toda a insegurança que o PSD tem nessa matéria. Ficaram logo muito preocupados porque sabem tudo o que por aí vai no País, como sabem que se o Governo quisesse escolher um sítio para levar o Sr. Presidente da República e mostrar-lhe a obra feita em oito anos não tinha um único para indicar!

O Sr. Fernando Pereira (PSD):-Não?!...

O Orador: - Desafio-o, Sr. Deputado, a dizê-lo. Dê a sugestão de um sítio para o Sr. Presidente da República ir visitar e poder dizer ao País: «Aqui está a obra do governo de Cavaco Silva.»
Conhece alguma coisa, feita nos últimos anos, em prol do ambiente? Desafio-o a dizer uma que seja.

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O Sr. Armando Vara (PS): - A relva do Estádio Nacional!

O Orador: - Sr. Deputado, limitei-me a fazer uma apreciação política de um facto, porque vocês puseram-se a jeito!...
Assim que foi anunciada a presidência aberta do ambiente, em vez de dizerem: «estamos de acordo, muito bem, vamos lá fazei o inventário da problemática do ambiente», dizem antes: «não, estamos muito nervosos, há eleições autárquicas, talvez não seja a altura própria».
Sr. Deputado, não apresentei alternativas, porque não posso, em todos os discursos, referir a doutrina e as alternativas que o PS tem em matéria de ambiente. Agora, se o senhor quer comparar iniciativas legislativas ,então vamos compará-las.
O PS já apresentou cinco projectos de lei' sobre matéria fundamental para o ambiente, não sobre questões menores, como a que vamos discutir hoje à tarde, mas sobre questões importantes, decisivas, da «coluna vertebral» ...

O Sr. Fernando Pereira (PSD): - Menores !...
O Orador: - Questões menores, exactamente. Porque esta é uma questão menor! O que os senhores agenciaram, apenas para fazer show off com o ambiente, não passam de meras alterações à Lei das Associações de Defesa do Ambiente!...

Nós já aqui apresentámos ...

O Sr. Fernando Pereira (PSD): - Quais?

O Orador: - Quer que lhe lembre? Pois bem: lei quadro das áreas protegidas, projecto de lei que regulamentava os impactes ambientais, o papel reciclado, a limitação dos pesticidas, etc. Isso, sim, são diplomas ambientais e não meras alterações à lei do associativismo ambiental.
Aliás, como é que VV. Ex.ª se atrevem a pedir meças em termos de iniciativas legislativas se foi a primeira vez que produziram uma iniciativa legislativa em matéria ambiental!...

O Sr. António José Seguro (PS): -Muito bem!

O Orador: - Ainda por cima sobre uma questão pontual, pois trata-se de alterar, em dois ou três pontos...

O Sr. Fernando Pereira (PSD): - A primeira vez?!... É muito esquecido!...

O Orador: - A primeira vez,... que me lembre! Tem de recordar-me as outras porque não me lembro. Diga lá que iniciativa legislativa apresentaram?

O Sr. Fernando Pereira (PSD): - A Lei de Bases do Ambiente é da nossa autoria.

O Orador: - A Lei de Bases do Ambiente? Mas isso foi entre 1985 e 1987!... Eu falo nos últimos 10 anos! Com a Lei de Bases do Ambiente todos nós colaborámos!...
Vê, não arranjou qualquer iniciativa legislativa nos últimos oito anos para indicar!
Sr. Deputado, sobre o ambiente tem de haver uma política de verdade e o que esta presidência aberta pode mostrar ao País é a verdade sobre a política ambiental, é que tudo se tem agravado nos últimos anos.
Na realidade, mercê' do crescimento, mercê da urbanização, todos os problemas ambientais que existiam há oito anos agravaram-se, a crise ambiental que hoje o País suporta é maior, os recursos ambientais que os cidadãos têm de enfrentar são maiores.
Nestes termos, pergunto: quando é que deixarão de abusar da nossa paciência para implementarem, de facto, uma política de ambiente que jeito tenha?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Maçãs.

O Sr. João Maçãs (PSD): - Sr. Presidente, Srs, Deputados: Antes de abordar o tema que hoje me proponho tratar, não posso ,e não quero deixar de congratular-me, vivamente, com a decisão do Governo de viabilizar o projecto do Alqueva e felicitar, de forma muito sentida, todo o povo alentejano, na pessoa dos Srs. Deputados pelo círculo de Évora e, sobretudo, pelo de Beja, como seus legítimos e honrosos representantes.
O País assistiu, na sexta-feira passada, pela voz do Sr. Primeiro-Ministro, ao anunciar de uma obra que ficará na nossa história e mudará, certamente, o rumo do Alentejo.
Apesar do meu distrito não ser directamente beneficiado, permitam-me que me associe - e, através da minha voz, aqueles que represento - à alegria que, naturalmente, nos enche o coração e deseje que a alegria de hoje corresponda, no futuro, a dias de prosperidade e de riqueza.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como VV. Ex.ª estarão recordados, há cerca de um mês, em intervenção produzida nesta Casa, tive a oportunidade de colocar-vos ao corrente de várias questões relacionadas com o desenvolvimento do distrito de Portalegre.
Centrei-me, nessa altura, essencialmente, em matérias inerentes ao sector agrícola e à rede viária, tendo, no entanto, mencionado a existência de fortes indícios de interesse por parte de investidores ligados à indústria em relação àquela região.
Nesta curta comunicação ocupar-me-ei apenas e só deste assunto, reportando-me ao que na imprensa local foi já apelidado do «maior negócio do século para Portalegre».
Efectivamente, para além da já muito antiga fábrica Robinson, transformadora de cortiça, da FINO'S ligada aos têxteis e da antiga FINICISA, hoje Hoechst Fibras, a capital do distrito contará em breve com mais um grande investimento no sector industrial.
Tratasse da instalação de duas fábricas na zona industrial, pertencentes à multinacional Johnson Controls, as quais implicarão a criação de mais de 700 novos postos de trabalho e ocuparão uma área de 6 ha, com a vantagem de serem indústrias não poluentes e carecerem de pouquíssima água para laboração.
As referidas fábricas, cuja sede social ficará em Portalegre, destinar-se-ão a produzir componentes de estofos e encostos para automóveis! Implicarão, em termos globais, num investimento de 5 milhões de contos, cabendo

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ao Governo comparticipar com 16 % e à Câmara Municipal de Portalegre com cerca de 300 OOO contos mais a área infra-estrutarada.
A primeira das duas fábricas criará 400 postos de trabalho e entrará em funcionamento já no dia l de Outubro próximo, destinando-se esta e o seu produto às fábricas espanholas da Seat, em Barcelona, da Ford, em Valência, e da General Motors, em Saragoça.
A segunda empregará mais de 300 trabalhadores e iniciará a sua actividade em l de Julho de 1994, abastecendo as montagens de Setúbal da AutoEuropa, podendo, no futuro, estender-se ao mercado inglês.
O recrutamento de pessoal far-se-á através das disponibilidades do distrito e a responsabilidade da formação caberá à Secretaria de Estado do Emprego e Formação Profissional e a uma empresa associada, a NAUÉ, em Espelkamp, na Alemanha, no que respeitar aos quadros médios e a pessoal que careça de superior especialização.
A Johnson Controls é uma empresa americana fundada em 188S, que opera, hoje, em 480 locais dispersos pelo mundo, empregando mais de 43 OOO trabalhadores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A decisão, já tomada, da instalação desta importante unidade industrial desencadeou, como não poderia deixar de ser, a maior satisfação e as melhores expectativas no distrito de Portalegre, não apenas porque a região passa a deter uma posição verdadeiramente importante no sector, mas, também, pelo que pode significar como factor de redução do desemprego e fixação ou mesmo aumento de população.
Porém, é bom que se diga que os êxitos não surgem por mera sorte e que uma grande multinacional não se manifesta interessada em investir no interior por obra do acaso.
Na verdade, a Johnson Controls instala-se ern Portalegre graças a esforços conjugados e a circunstâncias que, naturalmente, satisfazem os seus objectivos e as suas exigências.
Ao aperceber-se da intenção desta empresa radicar-se em Portugal, o presidente do NERPOR alvitrou, de imediato, a possibilidade de que tal pudesse ocorrer em Portalegre, passando a partir daí, ele próprio e o núcleo, a desempenharem um papel relevante até à fase final das negociações.
Por sua vez, confrontado com a eventual hipótese de que a empresa pudesse vir a interessar-se em investir no País e, eventualmente, ern Portalegre, o Dr. João Transmontano, presidente da Câmara Municipal de Portalegre, revelou-se absolutamente incansável nos esforços que levou a cabo e demonstrou que havia preparado o concelho, ao longo do seu mandato, para não deixar escapar semelhantes oportunidades.
A ele se ficará a dever, por motivos vários, o investimento já mencionado, empreendimento de grande envergadura, que, certamente, contribuirá, quer por si quer por efeito multiplicador, para o «salto» da economia da região e para o. seu desenvolvimento.
Conhecendo-me VV. Ex.ª como me conhecem, aceitarão, certamente, que não teço estas referências elogiosas pelo simples facto de o presidente da Câmara de Portalegre ser um social-democrata, o que, naturalmente, muito me apraz.
Gostaria, no entanto, que interpretassem estas palavras como um acto de justiça dirigido a alguém que leva mais de três anos de incansável trabalho, permanentemente confrontado com as agruras e desconforto que resultam do facto de não se ser detentor de uma maioria no executivo.
Trata-se de um gesto de apreço por quem demonstrou que, para além de gestor competente, soube planear a vida do concelho e aguardar serena, mas atentamente, a oportunidade de transformá-lo.
À sua abnegação e ao seu empenho se deve a segunda fase da zona industrial, espaço que agora lhe permitiu obter vantagens em relação a outras ofertas de outras regiões, do País e de Espanha.
Eu próprio posso testemunhar a luta sem tréguas que a si próprio impôs para conseguir que esse espaço fosse infra-estruturado, evitando que, agora, este investimento resvalasse para outra região, como aconteceu, infelizmente, com outras câmaras do concelho de Portalegre no passado.
Da mesma forma tem de reconhecer-se a capacidade e competência negocial, bem como o trabalho que desenvolveu ern apenas mês e meio e que conduziram à situação presente, depois de contactos permanentes com representantes da empresa e do Governo, concretamente com os Ministérios da Indústria e Energia, do Planeamento e da Administração do Território, do Comércio e Turismo e do Emprego e da Segurança Social, os quais, também em tempo record, souberam corresponder, contribuindo assim, de forma séria e inequívoca, para a correcção de assimetrias entre regiões.
Com o mesmo espirito de justiça com que elogiei o trabalho do Sr. Presidente da Câmara, tenho de reconhecer a postura digna e séria dos restantes membros do executivo camarário ao aprovarem, por unanimidade, a proposta de implantação da empresa na zona industrial, ninguém ignorando que os encargos financeiros que daí advêm poderão prejudicar ou comprometer algumas importantes realizações.
Porém, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a vida é feita de opções e esta foi, sem dúvida, uma opção muito séria e muito correcta, merecedora do maior respeito e consideração por parte de todos.
Tal como o fiz há um mês, terminarei afirmando que não tememos o futuro, ele representa para nós um desafio, mas um desafio que aceitamos e encaramos com sentido de responsabilidade e muita esperança.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 15 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos, sobre a substituição de Deputados.
O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Sr. Presidente e Srs, Deputados, o relatório e parecer refere-se à substituição do Sr. Deputado Martins Goulart, do PS (círculo eleitoral dos Açores), por José Paulo Casaca, com início em l de Março corrente, inclusive.

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O Sr. Presidente: -Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PSN e dos Deputados independentes Freitas do Amaral e João Corregedor da Fonseca.
Srs. Deputados, a Sr.ª Secretaría Conceição Rodrigues vai dar conta de mais três pareceres, igualmente da Comissão de Regimento e Mandatos.

A Sr.º Secretária (Conceição Rodrigues): - Srs. Deputados, a solicitação do Tribunal de Polícia de Lisboa, 1.º Juízo, 1.º Secção, a Comissão de Regimentos e Mandatos decidiu emitir parecer no sentido de não autorizar o Sr. Deputado Rui Vieira (PS) a suspender o seu mandato para comparecer em processo que se encontra pendente naquele Tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.

Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PSN e dos Deputados independentes Freitas do Amaral e João Corregedor da Fonseca.
A Sr.º Secretária (Conceição Rodrigues): - Srs. Deputados, a solicitação do Tribunal de Polícia de Lisboa, 2.º Juízo, 3.º Secção, a Comissão de Regimento e Mandatos decidiu emitir parecer no sentido. Se não autorizar a Sr.ª Deputada Edite Estrela (PS) a suspender o seu mandato para comparecer em processo que se encontra pendente naquele Tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PSN e dos Deputados independentes Freitas do Amaral e João Corregedor da Fonseca.
A Sr.ª Secretária (Conceição Rodrigues): - Srs. Deputados, a solicitação do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, 12.º Juízo, 2.º Secção, a Comissão de Regimentos e Mandatos decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Rui Cunha (PS) a depor, como testemunha, no processo que se encontra pendente naquele Tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PSN e dos Deputados independentes Freitas do Amaral e João Corregedor da Fonseca.
Srs. Deputados, vamos passar à matéria agendada para esta ordem do dia, ou seja, à discussão conjunta dos projectos de lei n.º 49/VI - Altera a Lei das Associações de Defesa do Ambiente (Lei n.º 10/87, de 4 de Abril) (PCP), 185/VI - Lei das Associações de Defesa do Ambiente (PSD) e 265/VI - Lei das Associações de Defesa do Ambiente (Os Verdes).

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira.

O Sr. António Murteira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em meados do século XXI, a Terra poderá contar com 10 ou 12 biliões de pessoas, cerca do dobro da população actual.
Está hoje provado, infelizmente, em muitas zonas do planeta, que o progresso material e cultural e uma qualidade de vida superior não são possíveis onde o homem agrediu ou quebrou o equilíbrio evolutivo da natureza.
Cada vez mais cidadãos, políticos e povos tomam consciência de que a questão do ambiente tem toda a actualidade e deve estar inserida ern políticas de desenvolvimento integradas e sustentadas, não a curto, mas a longo prazo.
O nosso olhar e actuação incidem não só sobre o nosso país mas também sobre todo o planeta, a «nossa casa comum».
Em Portugal, como noutras regiões do mundo, os solos, a floresta, os rios, os mares e oceanos, o litoral, os recursos, em geral, as grandes metrópoles, o património histórico e cultural precisam de uma atitude simultaneamente científica e humana, solidária, dos homens, das sociedades e dos poderes.
As sociedades contemporâneas industrializadas dispõem de meios e lançam mão de modelos de crescimento que podem destruir rapidamente o equilíbrio da natureza em grandes áreas do globo.
Mas dispõem igualmente dos conhecimentos para recuperar, preservar, valorizar e assegurar um equilíbrio evolutivo, numa atitude de dignidade e sapiência, que conta cada dia com mais apoios; numa atitude que constituirá um gesto de confiança num futuro melhor e mesmo na possibilidade de um futuro; numa atitude que traduzirá o despontar e o propor de uma renovada abordagem política destas questões, talvez, até, da questão política e social e das concepções dominantes, a nível do poder político e económico, nas, sociedades capitalistas.
Infelizmente para Portugal, a política do Governo e do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, em matéria de ambiente, traduz-se num evidente fracasso, sobre o qual se tem de ponderar e tirar as devidas ilações.
Das indicações saídas da Conferência do Rio de Janeiro, de concreto, nada foi feito até agora.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O meio ambiente, a natureza, o património natural e construído - tal como as pessoas - não podem estar sujeitos a concepções, egoístas e destruidoras, de meros crescimentos económicos, em benefício de minorias de privilegiados, nem aos interesses imediatistas e do lucro fácil e rápido dos grandes grupos económicos e dos governos que servem os seus interesses.
Por isso, hoje mais do que nunca, é preciso que as pessoas intervenham, é necessário criar legislação e condições concretas para estimular e apoiar essa participação e intervenção dos cidadãos.
Em Portugal, como a realidade evidencia, é preciso estimular e apoiar uma adequada política de investigação e educação ambiental, uma política correcta de informa-

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cão, um adequado ordenamento do território, uma correcta urbanização, industrialização e agricultura, um aproveitamento integrado e racional dos recursos.
Sem a participação empenhada e esclarecida das populações e das suas associações, pouco será possível fazer.
Após o 25 de Abril, o poder local democrático, como regra, tem tido uma atitude positiva face a estas questões e, ern colaboração com as populações e associações de defesa do ambiente e do património, tem sensibilizado, recuperado, preservado, saneado e travado, em muitos casos, os «apetites» de certos grupos e lobbies, designadamente nas áreas das celuloses e da construção civil.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Constituição, a Lei de Bases do Ambiente e a Lei das Associações de Defesa do Ambiente constituem um bom quadro normativo para a salvaguarda do ambiente e da qualidade de vida em Portugal.
Contudo, como todos sabemos, não basta dotar o País de boas leis. Tão importante como legislar bem é criar condições que proporcionem e traduzam uma mudança de mentalidade, é garantir procedimentos que assegurem e facilitem a sua aplicação.
Com refere o preâmbulo do projecto de lei apresentado pelo PCP, que boje aqui apresentamos, «a experiência demonstrou que a Lei das Associações de Defesa do Ambiente, resultante; aliás, de iniciativa do Grupo Parlamentar do PCP, não permite que o movimento associativo usufrua dos direitos aí consagrados, dado que no n.º 2 do artigo 2.º se exige um elevado requisito numérico para a classificação das associações de defesa do ambiente (4000 associados para associações de âmbito nacional, 1000 para as de âmbito regional e 200 para as de âmbito local)»
Num balanço feito pelo Instituto Nacional do Ambiente constatou-se que, das 86 associações de defesa do ambiente com pedidos de registo, apenas duas seriam classificadas de âmbito nacional, quatro de âmbito regional e 36 de âmbito local, ficando 44 de fora e sem qualquer classificação.
O projecto de lei do PCP, que altera a Lei das Associações de Defesa do Ambiente, recolhe a experiência dos movimentos associativos em Portugal, de consciente e livre associação. Tem como objectivo concreto «contribuir para a dinamização do movimento associativo, possibilitando que todas as associações tenham os mesmos direitos, reconhecendo-as como parceiro social e alargando os apoios previstos», podendo ler-se, por exemplo, no seu artigo 8.º, que «as associações de defesa do ambiente têm direito ao apoio do Estado, através da administração central, regional e local, para a prossecução dos seus fins, nomeadamente cedência de instalações e equipamentos, ou comparticipação nos seus custos».

O PCP diferentemente do projecto de lei apresentado pelo PSD mantém e assegura, no seu projecto, o direito de as associações de defesa do ambiente solicitarem aos laboratórios oficiais a efectivação de análises sobre a composição ou o estado de quaisquer componentes do ambiente e de tomarem públicos os correspondentes resultados, sem que isso dependa de qualquer despacho do Ministro do Ambiente e Recursos Naturais. É, aliás, um direito adquirido- pelas associações, que não deve agora ser retirado, como pretende o PSD, no seu projecto de lei.
O PCP considera também que, face à experiência do movimento associativo português e à experiência específica das associações de defesa do ambiente, «não na necessidade de delimitar o número de associados nem de estabelecer uma classificação limitativa dos direitos das associações, devendo todas as associações de defesa do ambiente ter iguais direitos, independentemente do número de associados». O PCP considera ainda que «é importante clarificar e definir em termos legais que as associações de defesa do ambiente podem estar organizadas em uniões de federações, as quais gozam dos mesmos direitos».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É nossa opinião que as associações de defesa do ambiente tenham um papel crescente na definição de políticas nas diversas áreas e, nesse sentido, contarão sempre com o apoio do PCP.
Embora contendo aspectos positivos, discordamos de alguns aspectos dos outros dois projectos de lei ern apreciação, que insistem ern quantificar - em nosso entender, arbitrariamente o número de sócios minimamente exigíveis. Além disso, o projecto do PSD permanece fechado à possibilidade de as associações se poderem legalmente organizar em uniões ou federações e pretende retirar às associações o direito consagrado na actual lei (artigo 7.º) de solicitarem aos laboratórios oficiais a efectivação de análises, sem necessidade de despacho do Ministro do Ambiente e Recursos Naturais.
Com o seu projecto, o PCP pretende contribuir para que se dê mais um passo e frente para que o cidadão e a sociedade civil possam ter, designadamente através das associações de defesa do ambiente, a gratificante oportunidade de contribuir para a recuperação, preservação, valorização e evolução do rico e belo património natural e construído do nosso país, parte relevante da nossa identidade cultural, social e humana.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

Neste momento, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Murteira, V. Ex.ª iniciou a sua intervenção com um conjunto de considerandos que me merecem total concordância.
O. Sr. Deputado falou na expansão industrial à escala mundial, no crescimento demográfico e na utilização desmesurada dos recursos naturais não renováveis. Tudo isso gerou um quadro internacional e nacional de fruição, nalguns casos irracional, dos recursos naturais. Q ambiente, a natureza, está, pois, neste momento, sob uma pressão, que se pode considerar intolerável, nalguns casos, e que resulta, muitas vezes, não só de um crescimento urbanístico desmesurado, mas, também, de uma irresponsabilidade na defesa dos mais elementares direitos respeitantes à educação ambiental.
Todavia, porque a ordem do dia trata especificamente das associações de defesa do ambiente e considerando que o Partido Social-Democrata também apresenta um projecto de lei sobre esta matéria, gostaria de utilizar este pedido de esclarecimento para afastar a dúvida, que se instalou na Câmara, de que o PSD pretende impedir que as associações de defesa do ambiente solicitem análises aos laboratórios oficiais.

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Não é essa a intenção do PSD. A lei em vigor, como o Sr. Deputado sabe, permite que essas associações possam requerer aos laboratórios oficiais analises químicas e outras sobre os componentes do ambiente - ar, água, solo, etc. - mediante parecer favorável do Instituto Nacional do Ambiente, se forem associações de âmbito nacional ou regional, e mediante parecer favorável da autarquia local, no casos das associações de âmbito local.
O que pretendemos, na sequência da experiência que temo» vivido, é que essas análises continuem a ser requeridas pelas associações, mas com mais critério, mais ordem, com menos caos, pois tem-se constatado que há um caudal enorme de pedidos de análises e os nossos recursos laboratoriais, infelizmente, são escassos e não lhe conseguem dar resposta eficaz.
Lembro mesmo que a lei em vigor, a dado passo, diz que aqueles pedidos tem de ser atendidos antes de quaisquer outros, exceptuando os urgentes e os das entidades públicas.
Ora bem, a nossa intenção, ao impormos a necessidade do despacho do Ministro do Ambiente e Recursos Naturais, é de ordenar, digamos, a resposta dos laboratórios aos pedidos. Mas, de modo algum, pretendemos impedir que as associações possam requerer essas análises. Espero que isso fique muito claro.
No entanto, se as associações estiverem muito renitentes a que fique consagrada, no projecto de lei, a necessidade desse despacho, o PSD, em sede de especialidade, considera a hipótese de o próprio Instituto Nacional do Ambiente elaborar um regulamento que permita...

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente. ... aquilo que, em nossa opinião, é fundamental: que se confira mais ordem a este afluxo desmesurado de pedidos de análises e que se possa gerar um maior critério e um conjunto de princípios mais responsabilizantes das próprias associações para que todas fiquem bem servidas com o serviço prestado pelos laboratórios.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado António Murteira, havendo mais um orador inscrito para pedir esclarecimentos, deseja responder já ou no fim.

O Sr. António Murteira (PCP): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Então, Sr. Deputado José Sócrates, tem a palavra.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Morteira, estamos aqui a discutir, no essencial, alterações a uma lei que já existe. De todos os projectos apresentados uma constatação se deve tirar a lei que já existe é, essencialmente, boa, pois a maior parte destes projectos apenas pretendem fazer pequenas alterações à lei.
Algumas das alterações são resultado de uma experiência que nos indica que o movimento associativo ambiental necessita de ser dinamizado, necessita de um novo folgo. Quanto a este ponto, coloca-se a questão de sabermos se se deve ou não reduzir o número mínimo de associados para se constituir uma associação de defesa do ambiente.
O Sr. Deputado e o seu grupo parlamentar propõem que não haja um número mínimo de associados. Bem sei que a intenção do Grupo Parlamentar do PCP é, dessa forma, promover e dinamizar o movimento associativo ambiental. Isto é, dar mais possibilidades a que surjam novas associações de defesa do ambiente, tendo em conta que os números mínimos actuais são limitativos ao aparecimento dessas associações.
Acontece que, considerando a dinamização como um valor importante, há o risco - e pergunto-lhe se o reconhece - da pulverização do movimento associativo ambiental, caso escolhamos o caminho mais fácil, isto é, a não exigência de um número mínimo de associados.
Porque se é verdade que o Estado dá direitos de participação às associações de defesa do ambiente, no meu entendimento, deve haver, em contrapartida, exigência de representatividade. Não é possível considerarmos com o mesmo nível de intervenção e a mesma capacidade representativa uma associação de 10 pessoas ou uma de 1000. Penso que há diferenças e creio que a lei as deve assegurar.
Pessoalmente, encaminhar-me-ia mais para o que propõe o PSD ou Os Verdes, isto é, reduzir para metade o número mínimo de associados. O PCP propõe que não haja limite mínimo. Se, entretanto, o vosso projecto de lei for aprovado, tal como está redigido, pergunto-lhe se reconhece ou não que o facto de não haver número mínimo de associados pode conduzir à pulverização do movimento associativo ambiental e passar a ser impossível reconhecer autoridade e representação às associações que, efectivamente, têm muitos associados e são de âmbito nacional, por coexistirem com outras que se podem constituir num café, entre 10 técnicos que saibam alguma coisa de ambiente e de direito para as constituírem.
A outra questão que quero colocar-lhe relaciona-se com o facto de o vosso projecto prever também uma redução no nível de exigência da fiscalização da utilização dos dinheiros públicos pelas associações. É proposta uma pequena alteração à lei. Também aí a minha inclinação não é para o «facilitismo». Acredito que, se dermos apoio às associações, é essencial disponibilizar todos os meios de controlo para que o Estado possa fiscalizar a forma como é gerido esse dinheiro.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Queira concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.

Pergunto-lhe se não reconhece que talvez devamos deixar a lei tal como está porque, definindo esses controlos, se salvaguardarão melhor os dinheiros públicos e a forma como serão utilizados pelas associações de ambiente.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira.
O Sr. António Murteira (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com o nosso projecto de lei procuramos alterar, melhorando, a lei em vigor e, tal como referi, consideramos que existe um quadro legal, razoável, nesta área, se tivermos em conta a Constituição, a Lei de Bases do Ambiente e este diploma que altera a Lei das Associações de Defesa do Ambiente.

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Quanto à primeira questão colocada pelo Sr. Deputado Mário Maciel, devo dizer que temos, de facto, uma opinião diferente, o que ficou claro.
A intenção do PSD e a do Sr. Deputado podem ser boas, visto, segundo disse, não terem a intenção de criar dificuldades ou de tutelar as associações de defesa do ambiente, mas se o que consta do diploma fosse, de facto, aprovado, a possibilidade de as associações de defesa do ambiente recorrerem às análises passaria a depender do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais. Apesar de tudo, registei com agrado o facto de o PSD estar disposto a, ern especialidade, reconsiderar este aspecto, ou seja, a ter em conta a proposta avançada pelo PCP.
Sr. Deputado José Sócrates, apesar de, no nosso projecto de lei, não apresentarmos muitas alterações, as que propomos parecem-nos bastante importantes, porque - e com isto respondo logo às duas questões - os senhores supõem que nesta área poderá haver uma pulverização do movimento associativo se deixar de haver uma imposição quantitativa.
Ora, se olharmos para o movimento associativo português em outras áreas, para a sua experiência e até para a filosofia que lhe tem dado suporte, verificamos facilmente que isso não tem acontecido. O realismo, a objectividade, o bom senso e, enfim, a seriedade das pessoas têm conduzido a que o movimento associativo tenha uma actuação eficaz.
Ora, com a lei actual o que, de facto, tem acontecido é que deram entrada no Instituto 86 pedidos de registo de associações de defesa do ambiente e, até agora, apenas foram registadas quatro de âmbito regional, 36 de âmbito local, ficando 44 de fora. Portanto, isto mostra que, tal como estão, as coisas não estão bem é preciso encontrar uma outra solução!
Neste sentido, a solução mais justa seria, a nosso ver, a de não se impor uma «fasquia» quantitativa, que em nada ajuda a resolver... E o Sr. Deputado sabe, tão bem como nós, que, perante a hipótese de pôr uma fasquia em 50, em 100 ou nada pôr, em nossa opinião e do ponto de vista de estímulo à seriedade, é preferível não pôr coisa alguma, porque, facilmente, também se arranja uma associação de outro tipo!...
Por outro lado, associamos este aspecto de não pôr uma «fasquia» a um outro, que é o da possibilidade legal de haver uniões e federações, o que daria ao movimento associativo a possibilidade de não ter esse aspecto, eventualmente fragmentado, que referiu, mas de ter uma representatividade, através dessas uniões e dessas federações, que lhe daria, enfim, um peso significativo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O índice de democraticidade de uma sociedade pode avaliar-se pelo dinamismo participativo dos seus cidadãos, que, individual ou colectivamente, tomam parte ou alvitram em processos decisórios e orientadores das grandes linhas de desenvolvimento e- de progresso de um país. O associativismo Surge, então, como um instrumento de democracia plena para afirmar um conjunto de interesses legítimos e que congregam muitos cidadãos.
A defesa e preservação do ambiente, sendo uma causa altruísta, nobre e indissociável de um pensamento político moderno, é, obviamente, abraçada por muitos cidadãos, cuja dedicação valoriza o conceito de cidadania e robustece a democracia participativa.
O Grupo Parlamentar do PSD saúda, nesta ocasião, todos os ambientalistas que, arrostando com dificuldades várias, procuram inserir, quer nas mentalidades quer nos comportamentos, uma fruição mais racional e menos mercantilista dos recursos naturais não renováveis. Saudamos também todas as associações de defesa do ambiente, autênticos pólos difusores do respeito que a lei e a ética exigem à Natureza.
Dediquemos-lhes, pois, a ordem do dia, para que o seu profícuo trabalho conheça novas e mais aperfeiçoadas trajectórias.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 9.º, alínea e), dispõe que são tarefas fundamentais do Estado «Proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território;» e que (artigo 66.º) incumbe ao Estado apelar e apoiar «iniciativas populares».
A Lei n.º 11/87, de 7 de Abril (Lei de Bases do Ambiente), no seu artigo 4.º, insere, entre vários, o objectivo de «promover a participação das populações na formulação e execução da política de ambiente e qualidade de vida, bem como estabelecer fluxos contínuos de informação entre os órgãos da Administração e os cidadãos». Foi, certamente, com essa preocupação que a mesma lei, no seu artigo 39.º, criou o Instituto Nacional do Ambiente, de cujas importantes atribuições se destaca o apoio técnico e financeiro às associações de defesa do ambiente para promoverem acções no âmbito da qualidade do ambiente, designadamente na formação e informação dos cidadãos.
As associações de defesa do ambiente com representatividade genérica, ou seja, as de âmbito nacional e as de âmbito regional a tal equiparadas, passaram a ter dois representantes no elenco do conselho directivo do Instituto Nacional do Ambiente para, por exemplo, estudarem e proporem ao Governo a definição de políticas e a execução de acções e promoverem projectos especiais de educação ambiental em colaboração com as autarquias, o Governo, as universidades e outras entidades públicas e privadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Lei n.º 10/87, de 4 de Abril (Lei das Associações de Defesa do Ambiente), curiosamente aprovada nesta Câmara conjuntamente com a Lei de Bases do Ambiente, resultou, após alterações significativas, na especialidade, do projecto de lei n.º 163/IV, apresentado pelo PCP, cuja imperfeição original o PCP quis, teimosamente - em nossa opinião-, manter no seu «gémeo», o projecto de lei n.º 49/VI, hoje em discussão. Há sete anos, não divergimos do PCP na necessidade de haver uma lei para as associações de defesa do ambiente; divergimos, sim, em alguns pressupostos e orientações que essa lei, então, comportou e numa altura em que o PSD era minoritário na governação e nesta Câmara.
Hoje, relativamente ao Partido Comunista Português e ao Partido Ecologista Os Verdes, continuamos a divergir em questões para nós fundamentais e que, desta vez, resolvemos garantir e salvaguardar com o projecto de lei n.º 185/VI, de nossa autoria, que passo a explicitar.

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A experiência tem revelado serem factor de extrema dificuldade para a constituição de associações de defesa do ambiente de âmbito nacional, regional e local os limites mínimos de associados exigidos pela lei em vigor e que são, respectivamente, 4000, 1000 e 200. De facto, segundo números do Instituto Nacional do Ambiente (INA), que boje mesmo solicitei, dos 118 pedidos de registo apenas conseguiram alcançar os limites legais de associados 41 associações, sendo 31 de âmbito local, uma de âmbito regional e 9 de âmbito nacional; as restantes 77 ou ficaram aquém da classificação pretendida ou nem sequer foram classificadas e reconhecidas legalmente. Aliás, depois de ouvir a intervenção do Sr. Deputado António Murteira, tenho de acrescentar que os meus números são significativamente diferentes dos seus. Todavia, convergimos num ponto: é que há, de facto, bloqueios e bloqueamentos na constituição das associações de defesa do ambiente. Mas, repito, os meus números são diferentes dos seus!
Assim, o PSD, numa atitude de estímulo ao associativismo ambiental, propõe a redução desses limites para 1000, SOO e 100 associados, enquanto que o PCP, numa atitude de permissividade absurda, não impõe quaisquer limites, o que é um convite descarado à proliferação e disseminação irresponsável de microassociações penduradas no erário público mas desenquadradas de critérios objectivos e princípios responsabilizantes. A tal absurdo não chegou, contudo, o Partido Ecologista Os Verdes, que impõe limites de 2000, 500 e 100 associados!
O desaparecimento da exigência de um número mínimo de associados para conferir representatividade às associações de defesa do ambiente tornaria possível, in limine, que dois cidadãos, a coberto de uma qualquer denominação e em nome da defesa do interesse público, pudessem desenvolver acções em prol de interesses particulares.
Tal possibilidade agrava-se com a proposta do PCP de eliminar o artigo 3.ª da lei em vigor, precisamente o que distingue as associações com representatividade genérica das que a não possuem. Ou seja, qualquer tipo de associação, independentemente da sua expressão real na sociedade, passaria a ter o estatuto de parceiro social, tempo de antena e demais direitos conferidos por lei. E, como é óbvio, o regular funcionamento das instituições ficaria em causa. Paradoxalmente, o PCP, agora acolitado pelo Partido Ecologista Os Verdes, passa do microassociativismo para o megassociativismo ao propor que as associações se possam organizar em uniões, federações e, até, confederações.
Este emaranhado associativista, longe de facilitar a participação popular, apenas complexifica, burocratiza e distancia o cidadão do decisor político. Aliás, nada impede a inscrição de uma associação de defesa do ambiente numa federação internacional.
Também, discordamos do Partido Comunista e do Partido Ecologista Os Verdes quando comprometem o Estado na cedência de instalações e equipamentos às associações e as isentam do pagamento de imposto sobre o valor acrescentado (IVA). Este pendor filosófico estatizante seria incomportável para o erário público face à um previsível e desmesurado aumento do número dessas associações.
Incompreensivelmente, o PCP toma menos rigoroso o controlo das despesas efectuadas pelas associações com os dinheiros públicos ao alterar o número e a natureza dos documentos comprovativos das suas actividades que, por lei, são obrigadas a apresentar ao INA.
No que respeita à proposta de isenção do pagamento de IVA, lembramos que ela colide frontalmente com o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) que, no seu capítulo II, secções I, II, III e IV, apenas prevê isenções para operações mas nunca de natureza pessoal. Aliás, quando a Lei das Associações de Defesa do Ambiente foi publicada, já vigorava desde l de Janeiro de 1986 o CIVA, razão pela qual, nessa altura, o legislador não incluiu, entre as isenções fiscais previstas no artigo 14.º dessa lei, a isenção do IVA.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei da autoria do PSD contém inovações dignas de realce e que passo a citar.
Possibilita-se a celebração de contratos-programa de natureza sectorial ou plurissectorial, no âmbito da cooperação técnico-financeira, entre as associações, a administração central, regional e local, as associações de municípios e as empresas.
Estabelece-se um regime laboral específico dos dirigentes das associações de defesa do ambiente registadas sempre que eles sejam designados para as representarem na reunião de um órgão consultivo legalmente constituído.
Consagra-se e estende-se o mecenato à preservação do património natural, à conservação da Natureza e à promoção da qualidade de vida. As entidades beneficiárias dos donativos, quer em dinheiro quer em espécie, serão todas as associações de defesa do ambiente, de âmbito nacional, regional e local, que desenvolvam acções ambientalistas, com manifesto interesse e impacte, reconhecido por despacho conjunto do Sr. Ministro das Finanças e do Sr. Ministro do Ambiente e Recursos Naturais.
Saliente-se, ainda, que o projecto de lei do PSD acrescenta a exploração cinegética e as albufeiras de águas públicas ao elenco de matérias acerca das quais as associações têm o direito de consulta e informação junto da Administração, remetendo para os importantes meios administrativos de defesa, agora consagrados no artigo 53.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado recentemente pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei apresentado pelo PSD sobre a Lei das Associações de Defesa do Ambiente não é nem um texto perfeito e inalterável nem um conjunto avulso e irreflectido de alterações pontuais e desarticuladas com a lei em vigor.
Embora mantenhamos intactas ideias e princípios que, há sete anos, não conseguimos plasmar na Lei n.º 10/87, de 4 de Abril, a nossa disponibilidade é total para, em sede de apreciação na especialidade, dialogarmos com os restantes grupos parlamentares e com representantes das associações de defesa do ambiente, que, pelas vias institucionais adequadas, queiram dirigir-se-nos.
Entendemos que a preservação do nosso belo e rico património natural exige também eficientes instrumentos para a efectiva participação dos cidadãos na definição da política de ambiente e nas grandes linhas de orientação legislativa.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu).º - Para pedir esclarecimentos, tem, em primeiro lugar, a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mário Maciel, pelo que tive- a oportunidade de constatar dos projectos de lei apresentados e pelas intenções manifestadas na sua intervenção, parece-me que as associações de defesa do ambiente podem ter a esperança de que a sua situação vai melhorar e de que será possível encontrar pontos de união.
Quero, no entanto, colocar-lhe a seguinte questão: no projecto de lei da autoria do PSD foi considerado, de uma forma dita inovadora, que as faltas dos dirigentes dessas associações seriam justificadas quando representassem determinadas instituições como, por exemplo, o Instituto Nacional do Ambiente. Esta medida é limitativa, pois creio que seria necessário que as faltas dadas pelos dirigentes dessas associações fossem consideradas justificadas noutras actuações muito mais importantes, nomeadamente, quando intervêm quotidianamente no acompanhamento de situações ou quando mantêm contactos com a imprensa, isto é e no fundo, sempre que se trata de uma intervenção relevante para aquilo que é do seu âmbito. Assim, parece--me que seria mais adequado que os dirigentes dessas associações pudessem faltar ao trabalho um dia por semana, um pouco à semelhança do que acontece no caso dos dirigentes sindicais.
Por outro lado, apesar de as associações de defesa do ambiente poderem ver a sua capacidade de intervenção melhorada, tal não é suficiente, na medida em que, depois, podem chocar com forças de bloqueio - como agora se diz habitualmente. Lembro o que está a suceder com a Metalanex, em Setúbal, pois o Governo tem-se mostrado absolutamente incapaz de dar resposta a uma situação que está a preocupar e a afectar profundamente a população dessa região.
A verdade é que foi feita uma proposta, a qual foi aceite pela Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente, tendo sido convocadas as entidades cuja audição era pedida, para além do Ministro do Ambiente e Recursos Naturais. Ora, essa audição foi travada sob a alegação de que iria ser revisto o instituto de audição parlamentar, o que me parece um absurdo, na medida em que a reforma parlamentar entrará em vigor quando for caso disso, e estará para breve, mas não era razão para, dois meses antes, colocar-se esse impedimento, facto que chegou ao meu conhecimento através de um despacho do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.
Gostava, pois, de saber se, na sua opinião, esta situação não indicia que, quer o Governo quer o PSD, apesar das melhorias introduzidas na legislação, vão continuar a não dar uma resposta séria e necessária a questões que, como disse o Sr. Deputado Mário Maciel na sua intervenção, pressionam terrivelmente o ambiente e a qualidade de vida das populações.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado Mário Maciel, há mais Srs. Deputados inscritos para lhe formularem pedidos de esclarecimento, razão pela qual não sei se pretende responder individualmente a cada pedido ou no fim.
O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, não tenciono utilizar todo o tempo de que disponho porque é escasso. Todavia, pretendo responder individualmente a cada pedido de esclarecimento para que não percamos a linha condutora do debate.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, tem a palavra o, Sr. Deputado Mário Maciel.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Mário Tomé, agradeço-lhe a questão colocada, pois demonstrou ter interesse pelo debate, o que muito me agrada.
O regime, específico laboral estabelecido para os dirigentes das associações é uma inovação do Partido Social-Democrata relativamente à lei em vigor. Na nossa opinião, esta proposta é muito importante, porquanto o dirigente associativo ambiental também tem de ter alguns direitos. Talvez não aqueles que o Sr. Deputado Mário Tomé pretenderia, pois é um exagero considerar justificada uma falta semanal ao trabalho - aliás, no nosso projecto de lei consideramos justificadas as faltas que não ultrapassem nove dias de trabalho por ano.
Sempre que um dirigente associativo da área do ambiente tenha necessidade de representar a sua associação num órgão legalmente constituído terá dispensa para esse efeito. Mais: sempre que essa falta acarrete diminuição na remuneração, o Estado terá de compensá-lo. Além disso, ainda permitimos, sem prejuízo de incompatibilidade insuprível com o plano de férias da entidade empregadora, que as férias dos dirigentes associativos sejam marcadas de acordo com as suas necessidades. Certamente que um bom ambientalistas e um ecologista apaixonado marcará as suas férias nos períodos em que possa desenvolver uma acção profícua em prol da sua associação...

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mário Maciel, a primeira questão que gostaria de colocar-lhe diz respeito ao facto de o projecto de lei do PSD condicionar a publicação dos resultados das análises feitas em laboratórios a despacho do Ministro do Ambiente e Recursos Naturais.
Tendo em conta os argumentos que o Sr. Deputado avançou, nomeadamente a necessidade de disciplinar o número extremamente elevado de pedidos de análise existentes, perguntava-lhe se, na sua opinião, esse problema não terá também a ver com a situação de quase paralisia relativa à aceleração do processo de acreditação desses laboratórios. Como sabe, o número de laboratórios que, hoje, são considerados oficiais é muito pequeno, é extremamente elevado o número de entidades que se têm candidato neste processo e a resposta a esses pedidos tem sido muito lenta, de onde me parece que esta é uma das razões por que os laboratórios, efectivamente, não têm capacidade de resposta.
A lei é clara e estabelece as regras relativas às análises de autocontrole, de rotina Trata-se de situações de agressão ambiental a que importa atender, razão pela qual não posso entender senão como um retrocesso o facto de fa-

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zer depender de despacho do Ministro do Ambiente e Recursos Naturais o parecer sobre a publicação desses relatórios.
A segunda questão que gostava de colocar-lhe é relativa ao novo regime laboral específico que o projecto de lei do PSD propõe a pretexto de que se pretende com ele favorecer a participação dos cidadãos. Parece-me importante esta questão, a de criar condições para que ninguém possa, na sua intervenção cívica, ver os seus direitos, nomeadamente os monetários, limitados.
Será que essa nova atitude - porque é uma nova atitude do PSD - relativamente ao papel atribuído às organizações não governamentais vai ter tradução noutras áreas também importantes da intervenção cívica dos cidadãos? Ou seja, vai ser alargado a outras áreas de intervenção cívica o estatuto que está a pretender-se, neste momento, sugerir para as associações de defesa do ambiente?
Gostava de saber se também há uma nova abertura por parte do PSD no sentido de favorecer a participação dos cidadãos, nomeadamente dos autarcas - e lembro que os presidentes das juntas de freguesia ainda não gozam de um regime de permanência a tempo inteiro, porque o PSD o tem obstaculizado.
Por outro lado, houve um aspecto que me pareceu extremamente interessante na sua intervenção e que diz respeito à valorização da informação como um elemento essencial para a participação dos cidadãos. Essa parece ser também uma nova atitude do PSD que, na anterior legislatura, chumbou um projecto de lei da nossa autoria que favorecia o acesso dos cidadãos aos dados sobre o ambiente. Na sua opinião, devemos considerar este projecto de lei e, desse ponto de vista, o que ele contém como indicador de novos comportamentos e de novas formas de o PSD encarar estas questões?

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, relativamente à primeira questão, entendo que a resposta dos laboratórios é obviamente insuficiente, mas temos de ter em conta que despontou uma nova realidade - a participação em termos de associativismo ambiental. O afluxo de pedidos para análises, bem como o número de associações, tem aumentado enquanto que a capacidade de resposta dos laboratórios tem, aqui e acolá, fracassado. Portanto, reconheço que é limitada a sua capacidade de resposta.
A intenção do despacho exarado pelo Ministro do Ambiente e Recursos Naturais, como já disse ao Sr. Deputado António Murteira, não é a de obstaculizar as associações mas, sim, a de criar determinados critérios que permitam enquadrar todo esse afluxo de pedidos de análise feitos aos laboratórios. Considero que se trata de um direito fundamental a possibilidade de as associações pedirem análises por estas constituírem prova em tribunal. Aliás, as associações podem inclusivamente ir a tribunal defender causas ambientais.
Quanto ao regime laboral, talvez não tenhamos dado um passo tão grande quanto os senhores desejavam - é um passo gradual e paulatino. Neste caso, pretendemos enquadrar somente os dirigentes associativos ambientais e não estamos, com esta lei, a indiciar - digamos assim quaisquer outros enquadramentos. Trata-se de permitir que um cidadão possa deixar o seu emprego para defender a sua associação e não tenha, por essa razão, problemas com a entidade patronal.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mário Maciel, julgo que é altura de nos deixarmos de música celestial e fazermos polémica. Portanto, vamos ver em que é que estamos em desacordo, para tentar animar este debate, porque senão «morremos» todos de sono.
Antes de mais, devo dizer que estamos todos de acordo quanto à questão de reduzir o número mínimo de associados e saúdo a iniciativa do mecenato ambiental, que é a grande figura que Q PSD traz à nova lei do ambiente. É de aplaudir.
No entanto, uma das questões mais importantes do vosso projecto com a qual estou ern desacordo é o facto de o PSD abrir a possibilidade de celebração de contratos-programa entre a Administração e as associações. Bem sei que há alguns argumentos a favor desta medida, isto é, que isso daria mais capacidade às associações para qualificarem tecnicamente os seus quadros, para acompanharem melhor as questões ambientais, mas eu oponho-me corripletamente a essa iniciativa. E oponho-me por uma razão de princípio do movimento associativo ambiental: é que não quero que ele seja «comprado» pela Administração, não quero que o movimento associativo se transforme ern cliente do Estado.
A independência do movimento associativo é uma questão essencial, que dá mais crédito, mais legitimidade, mais bom nome ao movimento associativo ambiental. Por isso, temo pela instituição desta figura. O PSD não tinha necessidade de instituí-la, até porque a Administração já fez alguns contratos programa com associações de defesa do ambiente - não sei em que circunstâncias, por isso já fiz um requerimento ao Sr. Ministro a pedir esses elementos.
Portanto, Sr. Deputado, por que é que institucionalizam esta prática? Se calhar, é para utilizá-la indiscriminadamente ... Ora, eu vejo isto com muita preocupação, porque conheço a vida e as instituições e conheço a prática das coisas. E a pior coisa que pode acontecer ao movimento associativo ambiental é ele transformar-se em empresas de consultadoria ambiental, que dependem de fazer contratos com o Governo. Não pagam impostos para isso, não é esse o objectivo deles. A independência de qualquer administração é uma condição fundamental para a credibilidade, para o prestígio do movimento associativo ambiental.
Oponho-me, pois, frontalmente a essa prática. Sei que isso é impopular junto das associações, mas, felizmente, o papel do associativismo ambiental não depende apenas das associações!...

Portanto, não é «fazendo jeitos» às associações de defesa do ambiente que dignificamos o associativismo ambiental.
Peço ao Sr. Deputado e ao seu grupo parlamentar que, por favor, pensem no assunto, porque boje são os senhores que estão no Governo, mas amanhã serão outros.
Acreditem que a minha única preocupação é a de não criar zonas cinzentas, porque Portugal está cheio dessas

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zonas cinzentas, entre o que é a Administração e o que são associações; entre o que é o Estado e o que é a sociedade civil. Normalmente, a Administração e o associativismo ambiental prosseguem objectivos diferentes e conflituantes e o associativismo ambiental não se pode transformar em «cliente» do Estado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, há mais pedidos de esclarecimento?

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu):-Estão ainda inscritos, para lhe pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados André Martins e António Murteira.
O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, nesse caso, responderei no final a todos os pedidos de esclarecimento, uma vez que o meu colega Manuel Moreira ainda está inscrito para uma intervenção.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Então, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Deputado Mário Maciel, em primeiro lugar, quero saudá-lo pela posição de consenso que entendeu estabelecer ao admitir as contribuições dos restantes projectos de lei, que estão aqui em debate.
De facto, é uma posição que contrasta, de alguma forma, com alguns dos seus companheiros. Em outras matérias tão importantes como a das associações de defesa do ambiente, normalmente, nunca se tem ern conta as contribuições que as intervenções da oposição podem dar a essa legislação, que, no fundo, é aquela que irá servir os interesses dos Portugueses e o interesse nacional.
Por isso, congratulo-me e manifesto o meu apreço por essa sua posição. Lamento, no entanto, que tenha feito algumas confusões. Certamente que depois de apresentarmos o nosso projecto ficará mais esclarecido -espero-, nomeadamente sobre algumas confusões que fez quanto ao que está expresso no nosso projecto.
O Sr. Deputado criticou, frontal e fortemente, a questão do número mínimo de associados para a constituição de associações de defesa do ambiente, entendendo, pelo menos foi assim que eu entendi, que esta é uma questão determinante para que as associações funcionem, se reforce esse movimento e intervenham no prosseguimento dos fins estatuídos na lei.

Não é assim o nosso entendimento!

Não será, por exemplo, a cedência de instalações às associações de defesa do ambiente, que o Sr. Deputado criticou, uma forma de contribuir precisamente para que apareçam mais associações de defesa do ambiente e para que tenham melhores condições de trabalho, no sentido de melhor execerem a sua actividade e prosseguir os fins que a lei lhes atribui? Não será assim?
Outra crítica que fez ao nosso projecto de lei refere-se à isenção do IVA na aquisição de materiais e equipamentos por parte das associações de defesa do ambiente.
Se o Sr. Deputado verificar a Lei n.º 10/87, de 4 de Abril, no seu artigo 14.º, n.º l, alínea c), diz-se o seguinte: «Isenções fiscais - impostos sobre equipamentos e materiais indispensáveis ao integral desempenho das suas funções.» Que impostos serão estes, Sr. Deputado? Não serão exactamente os do IVA? Não estou a ver que outros impostos se poderão pagar na aquisição de equipamentos desta natureza. Aliás, considero que, pelo menos, um desse» impostos seja, naturalmente, o IVA...
Portanto, retirar isto do projecto é retirar às associações as isenções que elas já unham adquirido com o tempo e que reivindicam cada vez mais.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira.
O Sr. António Murteira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mário Maciel, pareceu-me ver na sua intervenção alguma tentação controladora em relação ao movimento associativo em matéria de defesa do ambiente, que está expressa nas várias opiniões que aqui trouxe à Assembleia.
Por um lado, o receio da livre expressão e expansão do movimento associativo, com imposições meramente quantitativas. Por que é que os senhores propõem a necessidade de 1000 sócios? Por que é que não têm de ser 100, 200, 500, 1500 ou 2000? Ern que é que se fundamentam para dizer que têm de ser 1000 sócios? Porquê esse receio e essa tentação de controlar as coisas dessa forma?
Por outro lado, porquê o receio da possibilidade de cedência de instalações e outros apoios às associações quando o senhor conhece, e nós também, que essa é uma dificuldade muito grande de muitas associações? Criam-se associações, há boa vontade, há seriedade, mas, por vezes, não têm sequer um buraco onde se meter para começar a trabalhar e a funcionar. É daí que vem o mal? Porquê esse receio de haver uma cedência de uma instalação por parte da autarquia ou do Governo ou, amanhã, do governo regional, uma associação que tenha intenções de contribuir para uma maior intervenção na sociedade civil?
Porquê o excessivo controlo de despesas em relação a este movimento associativo? Porquê a tentativa de imposição de um despacho por pane do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais para assentimento em relação às questões das análises? Porquê também -não se percebe! - esse desacordo em relação à criação de uniões ou federações que, aliás, existem em todo o movimento associativo português e com belíssimos resultados? Creio que não há razão para termos receio de introduzir essa prática também aqui, em relação às associações de defesa do ambiente, que, aliás, o Sr. Deputado «despachou» com uma expressão do tipo «superassociativismo».
Creio que tudo isto traduz alguma concepção menos boa. Portanto, pergunto-lhe se não seria melhor que as alterações à lei fossem no sentido de limpar a lei de imposições tutelares para com o movimento associativo na área do ambiente.
Sr. Deputado, pareceu-me ver ainda, na sua intervenção, uma certa retórica e um aspecto bastante gratuito, quando usa a expressão «o PCP acolitado por Os Verdes». Eu poderia retribuir-lhe, se fosse por essa perspectiva ré-

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tórica, dizendo: «Os Verdes acolitados pelo PSD», porque Os Verdes propõem 2000 sócios e os senhores propõem 1000!...
Mas o que quero perguntar-lhe é se, em vez de dizer e pensar dessa forma, não seria mais salutar que, tratando-se do ambiente, procurássemos aproximar pontos de vista sobre uma matéria que a todos diz respeito e que as diversas formações partidárias pudessem chegar a alguns entendimentos para oferecer às associações e aos cidadãos uma boa lei.
Outra questão que quero colocar-lhe tem a ver também com um certo radicalismo e com alguma contradição na sua intervenção. O Sr. Deputado referiu que estiveram de acordo, não sei se há dois ou três anos - eu não estava cá quando foi feita e aprovada a Lei das Associações de Municípios-, com as propostas e iniciativas apresentadas pelo PCP. Mas, agora, o Sr. Deputado disse que está, praticamente, em desacordo com tudo o apresenta o projecto do PCP e não foi capaz de referir uma única coisa em que estivesse de acordo.
Então, afinal, o Sr. Deputado não está absolutamente de acordo com coisa alguma do nosso projecto e há dois anos o PSD esteve de acordo, no fundamental, com as nossas propostas? Julgo que há aqui algum radicalismo, que não se entende bem porquê.
Finalmente, o Sr. Deputado reconhece que havia e há bloqueios! Nesse caso, está o PSD disposto a remover, em conjunto com os outros partidos e em sede de especialidade, esses bloqueios?

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Afinal, o Sr. Deputado José Sócrates não conseguiu esconder a sua irritação por não ter conseguido apresentar, esta tarde, um projecto de lei e ter preferido dissertar sobre uma visita presidencial que ainda não se realizou. Portanto, está frustrado e irritou-se. Irritou-se e quis estragar o tom, não diria o torpor nem a sonolência da Câmara, mas o tom sereno, apaziguador das diversas bancadas em torno de um assunto que reclama concórdia e não atitudes de grande contundência.
Todavia, o Grupo Parlamentar do PSD concorda com os contratos-programa, porque é uma via de co-responsabilizar as associações face à Administração. E não me refiro só à administração central mas também à regional e à local, às associações municípios e às empresas.
Direi, pois, que é uma perspectiva modernizante da política de ambiente, não é uma perspectiva bafienta e bolorenta que, infelizmente, ainda está instalada na sua mentalidade.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): -Muito bem!

O Orador: - Portanto, estabelecer contratos-programa já é co-responsabilizar e accionar um princípio fundamental que está na Lei de Bases do Ambiente e que é o princípio da cooperação. Ou seja, hoje em dia, sem a cooperação entre as associações de defesa do ambiente, entre as autarquias, entre as empresas, entre as universidades, não há uma política de ambiente com eficiência. É porque não pode caber somente ao Estado, à administração central, conduzir, de forma tutelar, uma política de ambiente. Por isso, estes contratos-programa são também estímulos à sociedade civil. Não é uma forma de controlar, é uma forma de co-responsabilizar.
Sr. Deputado André Martins, não quero que se instale no seu espírito qualquer dúvida, portanto, vou esclarecê-lo mais uma vez: os projectos de lei do PCP e de Os Verdes são contributos válidos para propiciar um debate, mas são incompatíveis com o nosso. Ou seja, nós não poderíamos votar a favor dos vossos projectos, na generalidade, porque, desde logo, divergimos na questão dos limites.
Sr. Deputado António Murteira, nós consideramos fundamental que haja limites a fim de que a constituição de uma associação se faça com critérios, com responsabilidade e com princípios, pois não podemos propiciar a constituição de associações como cogumelos pondo em causa até a própria eficiência do movimento associativo.
E se dizemos isso para o menor também o devemos dizer para o maior. Ou seja, se não queremos uma disseminação excessiva de associações também não concordamos com estruturas macrocéfalas do tipo confederação e federação que podem até distanciar o cidadão do decisor político pois tendem a ser elitizantes.
Portanto, não se trata de controleirismo do PSD e V. Ex.ª, Sr. Deputado António Murteira, com a sua expressão, foi injusto para com a minha intervenção e para com o meu grupo parlamentar. Nós não entendemos o fenómeno associativista ambiental como VV. Ex.ª entendem o fenómeno sindicalista em Portugal.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Relativamente à cedência de instalações, esse é um outro ponto em que gostaríamos de ser simpáticos para com as associações cedendo instalações a todas, mas isso não é possível. Assim, esta lei terá de se enquadrar na realidade nacional e as associações poderão, com os seus contratos-programa com a Administração e na sequência de donativos que eventualmente recebam à luz do mecenato, elas próprias, serem estimuladas para encontrar os seus próprios espaços sem que o Estado tenha aqui uma presença tutelar e paternalista face às associações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Agradeço as perguntas que me fizeram e reitero a disponibilidade do PSD para, em sede de discussão na especialidade, continuar a discussão destas matérias. Todavia, somos inflexíveis na questão dos limites - achamos que devem haver -, na questão das microassociações - uniões e federações - e entendemos importante a questão dos contratos-programa e do regime liberal específico. Quaisquer outras questões poderão ser aperfeiçoadas em comissão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD mais uma vez se manifesta disponível para dialogar com as associações de defesa do ambiente que se nos dirigirem.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.
O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. e Srs. Deputados: A defesa do ambiente, a preservação dos recursos naturais, a valorização do património cultural e a promoção do bem-estar e da qualidade de vida

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do povo português são tarefas do Estado, consideradas cano fundamentais no artigo 9.º da Constituição da República :
Ao mesmo tempo a lei fundamental do País estabelece, desde 1976, que todos tem direito a um ambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado, tendo todos o dever de defendê-lo. E para que não restem dúvidas determina que incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e por apelo e apoio a iniciativas populares, defender o ambiente e promover a qualidade de vida dos Portugueses.
A transposição para a legislação ordinária dos princípios, direitos e deveres fundamentais consignados na Constituição verificou-se apenas em 1987 (H anos depois da aprovação dos preceitos constitucionais), através da Lei de Bases do Ambiente e da Lei das Associações de Defesa do Ambiente.
A Lei n.º 11/87 define as bases e faz o enquadramento da política de ambiente que seria suposto estar boje a ser implementada, com vantagens seguramente verificadas na conservação da Natureza, na defesa do ambiente e na melhoria das condições e da qualidade de vida dos Portugueses, conseguidas através de uma política de desenvolvimento sustentável, preconizada claramente no artigo 91.º da Constituição.
Lamentavelmente, os sucessivos governos do PSD têm feito letra morta da Constituição no que de mais importante nela está explícito sobre desenvolvimento sustentável e ambiente.
Quanto à Lei de Bases do Ambiente, a sua implementação tem valido por uma ameaça permanente de avanços, que apenas têm servido para manter um elevado e constante grau de propaganda em torno da temática do ambiente, já que os resultados práticos são eminentemente nulos, como se revela no Livro Branco sobre o Estado do Ambiente em Portugal, publicado em 1991. E se, por um lado, ainda falta regulamentar em parte significativa a Lei de Bases do Ambiente, sendo de notar designadamente a falta de instrumentos fundamentais para uma política de ambiente (como sejam o Plano Nacional de Política de Ambiente e a Estratégia Nacional de Conservação da Natureza), por outro, verifica-se que, no que se refere à regulamentação feita pelo Governo, este não a cumpre, não a faz cumprir, nem cria as condições para que seja cumprida. Resultado: quando está prestes a ser atingido um ano depois da Cimeira da Terra, altura em que o Governo ocupava a presidência da Comunidade Europeia, em Portugal cada um continua a poluir e a destruir os equilíbrios ecológicos fundamentais à vida segundo as suas necessidades e com a benção do governo do PSD.
No que se refere à Lei n.º 10/87, que define o estatuto das associações de defesa do ambiente enquanto organizações populares que deveriam prosseguir fins consignados na Constituição e na Lei de Bases do Ambiente, seis anos passados sobre a sua aprovação na Assembleia da República justifica-se a sua revisão.
É generalizadamente reconhecido que, apesar de estar a ser extremamente positivo o papel das associações de defesa do ambiente na sensibilização e consciencialização ambientalista da população portuguesa, com particular destaque para as camadas mais jovens, há que criar mais e melhores condições para uma maior e mais alargada capacidade efectiva de intervenção do movimento associativo na sociedade portuguesa no domínio da defesa do ambiente, do património natural e construído, conservação da Natureza e promoção da qualidade de vida.
A experiência e o conhecimento destes seis anos de vigência da Lei n.º 10/87 permitem .introduzir alterações significativas na Lei das Associações de Defesa do Ambiente, não tanto como seria de desejar quanto à eficácia da sua acção no cumprimento da Lei de Bases do Ambiente, porque, como se sabe, é necessário que seja regulamentada e que sejam criadas as condições para que possa ser aplicada, nem tão-pouco no seu papel reconhecido como imprescindível na educação ambiental, porque aí falta um plano de enquadramento e vontade política ou capacidade do governo do PSD para a sua incrementação.
A nova lei das associações dê defesa do ambiente que irá resultar das contribuições que hoje estão aqui a ser dadas através do debate dos projectos de lei apresentados pelo PCP, PSD e os Verdes, e com o contributo dos restantes grupos parlamentares e Deputados, terá benefícios substanciais. É isso que se pretende designadamente quanto à facilidade de constituição e de exercício da sua actividade, quanto à competência de representação e participação necessariamente acrescidas e quanto a um maior apoio à sua implantação e actividades. Com a nova lei espera-se um reforço do movimento ambientalista em Portugal, um crescimento significativo da sua actividade também como movimento crítico e de pressão, o incremento da sua capacidade de intervenção, uma autonomia crescente face aos poderes. E, como consequência do reforço destes factores, acreditamos numa alteração da política de ambiente que tem vindo a ser seguida nos últimos anos em Portugal.
É neste sentido que o projecto de lei n.º 265/VI, subscrito pelo Partido Ecologista Os Verdes, aponta, salientando os seguintes aspectos:
Não sendo a quantidade de membros um factor determinante da capacidade e da qualidade de intervenção, das associações e reconhecendo que o número mínimo exigido na Lei n.º 10/87 para a sua constituição é exageradamente elevado, propõe-se a redução significativa daquele número.
Considerando que a obrigação da exclusividade da actividade das associações na promoção da defesa do ambiente, do património natural e a promoção da qualidade de vida pode ser prejudicial à vida e ao desenvolvimento do movimento associativo, propõe-se que não tenha de haver exclusividade da actividade para que as associações sejam reconhecidas como associações de defesa do ambiente; , Introduz-se a possibilidade de as associações poderem constituir entre si estruturas de natureza federativa ou confederava;
Considera-se que as associações, que estatutariamente se assumem com actividades predominantemente de carácter científico e de investigação, não necessitam de número mínimo de associados ou definição da área de actuação para serem consideradas de âmbito nacional;
Às associações de âmbito nacional, regional e às federações ou confederações de associações de ambiente é atribuída a representatividade genérica;
Estas associações têm direito a tempo de antena, nos termos das associações profissionais, e gozam do estatuto de parceiro social para todos os efeitos legais, designadamente o de integrar todos os órgãos da Administração

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Pública que prevejam esta participação ou que funcionem junto de entidades com competência em matéria de ambiente;
As associações de defesa do ambiente classificadas de âmbito local gozam do direito de representação nos órgãos municipais que prevejam a participação pública, bem como nos órgãos directivos das áreas protegidas onde exercem a sua acção;
Nos apoios a conceder às associações de defesa do ambiente, o projecto de Os Verdes inclui, além do apoio para a prossecução dos seus fias, o apoio à sua instalação, concedido conforme o seu âmbito pela administração central, regional e local;
O apoio técnico e financeiro às associações por parte do INAMB será objecto de regulamento próprio a aprovar pelo Governo através do ministro responsável pela área do ambiente.
Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: São estes os aspectos mais significativos que o projecto de lei de Os Verdes introduz como contribuição inovadora na elaboração da futura lei das associações de defesa do ambiente, para a qual reconhecemos contributos importantes também nos projectos de lei apresentados pelo PCP e pelo PSD, como sejam, respectivamente, a necessidade ou não de considerar um número mínimo de associados para a constituição de uma associação de defesa do ambiente e a consideração de estabelecer um regime laboral específico para os representantes das associações nos órgãos ern que tenham representação.
Esta posição revela claramente o nosso entendimento sobre a importância de os três projectos serem aprovados na generalidade e debatidos na especialidade, de onde deverá resultar um projecto que satisfaça melhor os interesses do ambiente e do País.
Importa, no entanto, Sr. Presidente, Sr. e Srs. Deputados, deixar claro as nossas profundas reservas às disposições incluídas no projecto de lei do PSD, que, em nosso entender, podem, em primeiro lugar, desvirtuar os fins próprios das associações de defesa do ambiente em geral ao ser-lhes reconhecida a possibilidade de estabelecer contratos-programa com a Administração e com empresas públicas e privadas; em segundo lugar, podem levar ao desprestígio do próprio movimento ambientalista quando vivemos num país em que, por falta de legislação ou pela não aplicação da existente, possam ser as empresas mais poluidoras a disponibilizar-se como mecenas do ambiente, beneficiando neste caso dos incentivos fiscais previstos na lei; em terceiro lugar, entendemos que a necessidade de ser o Ministro do Ambiente e Recursos Naturais a despachar a autorização para a realização de análises nos laboratórios oficiais só servirá para tomar os processos mais morosos e condicionantes à actividade das associações de defesa do ambiente.
Sr. Presidente, Sr. e Srs. Deputados: Apresentámos o nosso projecto, demos a nossa contribuição para o que pensamos serem incentivos à criação de um movimento associativo forte no domínio do ambiente, do património natural e da promoção da qualidade de vida dos Portugueses. Um movimento associativo prestigiado e independente de qualquer poder, com capacidade reivindicativa para exigir do Estado os meios necessários e devidos ao desenvolvimento e ao prosseguimento dos fins que prosseguem as associações de defesa do ambiente.
Depende agora dos Deputados desta Assembleia da República a aceitação ou o reconhecimento da justeza da nossa contribuição.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: O debate de hoje é sobre a Lei das Associações de Defesa do Ambiente. Embora as diversas iniciativas legislativas em análise tenham um conteúdo de regulamentação geral, a intenção de todas elas é a de introduzir alterações à lei que já existe. Portanto, talvez seja bom dizer de início que, face às diversas iniciativas legislativas apresentadas, resulta que a lei que já existe é, no essencial, boa.
É claro que, face às experiências que entretanto tivemos do associativismo ambiental, se impõem alguns ajustamentos e a introdução de melhorias. No entanto, o essencial do articulado de 1987 é mantido, o que significa que existe um largo consenso quanto aos aspectos gerais que regulam os direitos de participação e de intervenção das associações de defesa do ambiente.
Discutimos, portanto, não uma lei inteiramente nova mas alterações à lei existente. Convirá sistematizar, para clarificar a discussão, identificando os pontos mais relevantes das alterações propostas, que, no fundamental, são cinco.
Em primeiro lugar, no que respeita ao número mínimo de associados para a constituição das associações, há, hoje, um largo consenso quanto a esta matéria, consenso, esse, que resulta da experiência entretanto vivida e que dá-nos a indicação não só de que os actuais mínimos são demasiado elevados mas também de que é necessário reduzir essa exigência tendo em vista desenvolver e dinamizar o movimento associativo ambiental.
A minha posição aproxima-se da redução para metade, ou aproximadamente metade, do número mínimo de associados para a constituição das associações. Portanto, aproximo-me das propostas de alteração do PSD e de Os Verdes; no entanto, já não concordo que não se exigia um número mínimo de associados. Se é verdade que vamos dar direitos de .participação, deve exigir-se também representatividade! O «facilitismo» não é bom conselheiro nesta matéria e, portanto, não considero bom caminho darmos todas as facilidades e não exigirmos qualquer representatividade.
Em segundo lugar, coloca-se a questão dos apoios do Estado, a sua fiscalização e justificação. Também aqui penso que não devemos entrar no «facilitismo», tal como propõe o Partido Comunista Português. Não vejo qualquer razão para que se diminua o grau de exigência para com as associações que utilizam dinheiros públicos.
Penso que a lei está muito bem como está, porque exige relatórios de actividades, balancetes e facturas justificativas das despesas efectuadas com os dinheiros públicos, bem como informar e facultar todos os elementos julgados necessários para o acompanhamento e controlo daquelas actividades. Portanto, não vejo qualquer razão para alterarmos este articulado.

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Em terceiro lugar, penso que a iniciativa mais relevante e que mais aplausos deve recolher é a que introduz a figura do mecenato ambiental, apresentada pelo PSD. É um caminho que tem dado frutos noutros países e que devemos percorrer. Pela minha parte, sempre preferi o apoio indirecto do Estado através da redução fiscal aos mecenas do que o apoio directo do Estado às associações. É melhor para a independência do movimento ambiental.
Em quarto lugar, põe-se agora a questão, por proposta do PSD, de incentivar a possibilidade de efectuar contratos-programa com a Administração, medida que já não aplaudo. Se aplaudi o mecenato ambiental, já não me parece sensato instituir na lei esta possibilidade de efectuar contratos-programa com a Administração. Não é que não conheça os argumentos a favor, tenho consciência deles. Argumenta-se dizendo que isto daria às associações excelentes oportunidades para desenvolverem interessantíssimos trabalhos de investigação, habilitando e preparando melhor os seus dirigentes e os seus quadros. No entanto, o que acontece é que o conhecimento que tenho da vida, das instituições e da política leva-me a ser muito cuidadoso nessa matéria.
O valor mais importante do associativismo ambiental é o da independência. A credibilidade e o prestígio do movimento associativo ambiental depende da sua independência. A existência de ligações contratuais entre duas entidades que prosseguem fins diferentes e, na maior parte dos casos, conflituantes tira clareza às relações e cria zonas de sombra onde já não se pode distinguir entre o que é Estado e o que é associação.
Não gostaria de ver as associações ambientais transformadas em gabinetes de consultadoria ambiental e a dependerem de contratos com o Governo. Temo que isso possa acontecer, se esta chamada «cooperação técnico-financeira» se desenvolver. Todos sabemos o que é Isso da «cooperação técnico-financeira»!...
Srs. Deputados, penso que devemos fazer tudo para evitar que as associações se convertam em clientes do Estado!
Não nego que, em muitas situações, possivelmente, as associações estariam em melhores condições de prestar serviços relevantes, não escondo essa questão. Pois, quem melhor do que uma associação de protecção da fauna, por exemplo, que está instalada no terreno, que tem sócios que conhecem a zona e que se dedicam ao seu estudo, para fazer o levantamento e recenseamento de uma espécie qualquer numa área protegida?
No entanto, o preceito da lei relativo a cooperação técnico-financeira ern vários domínios é muito vago, não é específico e abre caminho à dependência financeira das associações em relação ao Governo, às câmaras municipais ou a qualquer orgão da Administração.
Sinceramente, Srs. Deputados, bem sei que isto não é do agrado das associações, mas, pela minha parte, oponho-me a que isto venha na lei.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, em quinto lugar, propõe-se um regime específico dos dirigentes das associações de defesa do ambiente.
Estamos de acordo no essencial porque, dado o carácter, cada vez mais exigente, das funções dirigentes do associativismo ambiental e as crescentes solicitações, encaramos positivamente e com agrado a possibilidade de prever um conjunto de direitos a que poderão recorrer, nomeadamente no que se refere à concessão de um crédito de horas para o exercício das suas funções e às compensações monetárias do Estado sempre que, da sua acção, enquanto dirigente associativo, resulte uma diminuição da recuperação.
No entanto, nesta matéria há que ser verdadeiro: não vale a pena prever direitos que depois a prática torne inviáveis. Não podemos esquecer o que neste domínio se passa com os dirigentes sindicais. Veremos o que a experiência da aplicação da lei nos trará!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho consciência de que o papel social mais importante que se espera das associações de defesa do ambiente é a sua participação na decisão política e na defesa dos valores ecológicos, assim como a protecção e valorização dos direitos ambientais das pessoas e das comunidades.
Apesar de, com estas propostas, se poder melhorar a participação das associações de ambiente, tenhamos consciência de que estas alterações não vão introduzir mudanças radicais no panorama actual do associativismo ambiental. O associativismo ambiental e o seu dinamismo precisa de muito mais do que isto.
Em minha opinião, o grande contributo que se poderia dar ao associativismo ambiental é abrir na sociedade novos direitos de participação politica, de onde se destaca, naturalmente, o papel que pode e deve representar a regulamentação legal do direito de acção popular.
A Constituição estabeleceu a acção popular como instrumento privilegiado de participação democrática, justamente na defesa dos valores ambientais e dos direitos dos consumidores.
Como diz o meu camarada Almeida Santos, «Este instrumento daria aos cidadãos e, particularmente, às associações de ambiente maiores possibilidades de combater a fábrica poluente a instalar ou já instalada, a construção que agride, quer a solidez, quer o enquadramento paisagístico do momento histórico, e daria possibilidades de nos defendermos do mixordeiro que sacrifica a saúde dos consumidores ao seu espírito de ganância».
Sabendo, como sabemos, Srs. Deputados, que o Estado pouco faz para fazer cumprir a lei, principalmente a legislação ambiental, e defender os direitos ambientais das pessoas, o melhor contributo que podemos dar ao movimento associativo ambiental é dar-lhe a possibilidade de fazer cumprir a lei e defender os direitos ambientais das pessoas nos tribunais.
A acção popular é uma exigência constitucional. A acção popular é o que as associações precisam para melhor cumprir o seu papel. Não lhes demos somente pequenas alterações na sua lei que, embora meritórias, não vão mudar em muito o seu nível de intervenção. Demos-lhe aquilo que pode ser, isso sim, uma verdadeira revolução: a acção popular.
Ora, tendo o PS apresentado o seu projecto de lei de acção popular na anterior legislatura, como se recordam, é altura de perguntar ao PSD quando é que termina com o «veto de gaveta» que impôs à acção popular. É que, para acreditar que o PSD deseja dar um novo impulso ao movimento associativo na área ambiental, é necessário que mostre aquilo que não teve nestes anos, isto é, vontade

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politica de conferir aos cidadãos aquilo que a Constituição já estabelece, ou seja. o direito de acção popular.
Hoje, já ninguém acredita em queixas à Administração. Quem se queixa ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, quem se queixa à Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente sabe que não obterá uma resposta efectiva.
Pois bem, se a Administração não resolve os problemas, é altura de começarmos a colocá-los nos tribunais, é altura de darmos condições às pessoas para reclamarem também os seus direitos ambientais nos tribunais.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.º Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Sócrates, começo por dizer-lhe que estou de acordo com algumas preocupações que manifestou na sua intervenção e, repetindo o que o meu colega de bancada André Martins já teve oportunidade de salientar, temos grandes reservas relativamente à introdução dos contratos-programa constantes do projecto de lei apresentado pelo PSD, pois pensamos que podem desvirtuar a essência da intervenção das associações de ambiente.
Porém, deixou-me perplexa, sobretudo tendo em conta o raciocínio que desenvolveu relativamente aos contratos-programa, a apreciação que fez à lei do mecenato saudando-a como um aspecto particularmente positivo. O Sr. Deputado disse que o mecenato tem dado frutos extremamente positivos noutros países, mas não referiu Portugal, e presumo que o terá feito, deliberadamente.
Como sabe, a questão do mecenato foi colocada pela primeira vez relativamente às questões culturais e o Sr. Deputado conhece perfeitamente, e o seu partido muitas vezes tem feito eco disso, a situação caótica que se vive em relação à cultura.
Do nosso ponto de vista, em Portugal a experiência do mecenato relativamente à cultura tenderá a repetir-se, e de forma bem mais agravada, relativamente ao ambiente. Ou seja, a total desresponsabilização do Estado para com um direito que não é um qualquer mas é um direito consagrado na Constituição da República Portuguesa: o direito fundamental dos cidadãos «a um ambiente [...] sadio e ecologicamente equilibrado [...]». É um direito dos cidadãos que, ainda por cima, são contribuintes, cabendo também ao Estado, particularmente a ele, criar condições para assegurar o seu exercício. Daí que eu fique surpreendida pela forma como o Sr. Deputado apresentou esta questão.
A Lei de Bases do Ambiente é muito clara relativamente ao papel e às incumbências do INAMB, instituto independente que é e, portanto, vocacionado para dotar as associações de meios financeiros sem os quais a sua capacidade de intervenção será posta em causa. Como sabe, esta é uma questão com que a oposição se defronta anualmente aquando da discussão do Orçamento do Estado, porque o PSD tem recusado as dotações que permitam o reforço desta verba. Portanto, se se coloca o mecenato, como diz o PSD, como forma de permitir uma acção mais interventora das associações, penso que se coloca como uma forma hipócrita de participação da chamada sociedade civil. Isto porque favorece a redução dos impostos das empresas e permite que, à pala das associações, as empresas, de forma gratuita, façam campanhas de imagem e de promoção de marketing, sem que muitas delas, às vezes, tenham feito os investimentos em tecnologias e em condições alternativas de produzir sem poluir. Esta é uma questão que penso ser pública. Inclusivamente, podemos recordar o que fez, por exemplo, a Tabaqueira, em relação àquilo que hoje poderia ser considerado mecenato, quando, numa página inteira do jornal Expresso, apoiou uma associação de ambiente.
Ora, do nosso ponto de vista, isto é a completa subversão da intervenção autónoma das associações que se coloca, e muito justamente, como risco relativamente aos contratos-programa, mas de uma forma bem mais clara relativamente ao mecenato.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, não partilho das suas desconfianças relativamente ao mecenato ambiental. Percebo o que quer dizer, quando se interroga sobre se o mecenato ambiental não será também uma forma de domesticar, através do subsídio de algumas grandes empresas, as associações de ambiente, tomando-as assim dependentes das contribuições dessas empresas, as quais seriam o alvo dessas associações de ambiente. É possível... Nenhum caminho é perfeito. Mas julgo que o mecenato é uma via a ensaiar. Depois, a experiência dir-nos-á qual o resultado. Pelo menos, é um caminho que me merece mais confiança do que o dos contratos-programa com a Administração. Aí, sim, julgo que não há lugar a meias-tintas, porque ou somos a favor ou somos contra.
Percebendo a intenção com que se fazem os contratos-programa - e algumas associações tenderão a fazê-los com muito boas intenções -, julgo que colocam o movimento associativo ambiental tão dependente da Administração que lhe retira a independência, o que penso ser a questão central do movimento associativo ambiental, da confiança que os cidadãos depositam nele e do seu prestígio e crédito junto da sociedade portuguesa, condição de sobrevivência do próprio movimento. Mas já não partilho das mesmas desconfianças relativamente ao mecenato ambiental, fórmula esta que deve ser experimentada.
Quanto ao INAMB, julgo que o governo do PSD limitou-se, nesta reformulação, a tentar mudar-lhe o nome. Mas, de caminho, a pretexto de uma remodelação do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, a primeira coisa que o Governo fez foi «correr» com o seu presidente, que era um socialista e homem reputado, para lá pôr um outro PPD, um encartado do PPD, um aparatchik da sua confiança. A única coisa que o PSD fez - e já há seis meses que pensa em remodelar o seu próprio ministério- foi condicionar, ainda mais, a independência do INAMB, metendo lá um aparatchik da sua confiança, alguém que fosse mais facilmente controlável e não tão incómodo, e tirando um socialista, que tinha currículo, crédito e prestígio.
Finalmente, devo referir que partilho das suas críticas, e tenho-as feito várias vezes, em relação ao seguinte as-

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pecto: se o Estado pensa que o movimento associativo ambiental é importante e quer dar-lhe apoio, que o faça através dos fundos previstos no INAMB, reforçando essas verbas, de modo a garantir, em primeiro lugar, o seu dinamismo e, ern segando lugar, a sua independência.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O ambiente é algo que deve estar cada vez mais presente na vida quotidiana de todos e de cada um dos cidadãos. Trata-se de defender e preservar o presente e o futuro da humanidade no nosso planeta.

Ern Portugal, a temática do ambiente tem vindo, felizmente, a adquirir uma crescente importância e sensibilização na opinião pública e nos poderes públicos instituídos. Mas temos de reconhecer, com humildade, que ainda estamos muito longe do necessário e desejável, em termos da promoção da defesa e da preservação do ambiente.
Desde a aprovação da Lei de Bases do Ambiente, por esta Câmara, em 1987, muitos passos já foram dados para a construção do edifício do ambiente, em Portugal.
Incumbe especialmente ao Estado (Assembleia da República, Governo e organismos próprios), às autarquias locais, às associações de defesa do ambiente e aos cidadãos em geral a construção de um edifício do ambiente sólido, seguro e duradouro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PSD, ao apresentar na Assembleia da República o projecto de lei n.º 185/VI - Lei das Associações de Defesa do Ambiente-, quis dar mais um contributo significativo para a construção e aperfeiçoamento do edifício do ambiente no nosso país.
A Lei n.º 10/87, de 4 de Abril - Lei das Associações de Defesa do Ambiente-; que está em vigor, é inexequível e está desfazada da realidade nacional. Assim, impunha-se a sua revisão e é isso que o PSD se propõe fazer com este seu projecto de lei.
O projecto de lei n.º 185/VI, para além de uma necessária adequação a novos instrumentos legais, introduz um importante conjunto de direitos e de oportunidades de intervenção que poderão e deverão ter um efeito positivo na promoção da actividade das associações de defesa do ambiente.
Inscreveu-se no nosso projecto de lei diversos instrumentos financeiros e fiscais, como sejam o estabelecimento da possibilidade de celebrar contratos-programa no âmbito da cooperação técnico-financeira entre as associações de defesa do ambiente e entidades públicas ou privadas.
Consagra-se o regime de mecenato, no apoio à promoção e defesa do ambiente e às associações de defesa do ambiente.
Consagra-se as alterações introduzidas no artigo 53.º do Código do Procedimento Administrativo (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro), referente à legitimidade de as associações intervirem ou indicarem procedimento administrativo que tenha por fim promover ou defender os interesses ambientais.
No projecto de lei do PSD prevê-se, de forma inovadora, o regime específico dos dirigentes das associações de defesa do ambiente, passando, assim, a dispor de um regime laboral específico com vista a permitir o exercício das suas funções.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente ao preceituado na legislação vigente das associações de defesa do ambiente, que tem sido praticamente inexequível por inadequação à realidade associativa nacional - refiro-me ao elevado número de associados exigível para a constituição das associações de defesa do ambiente de âmbito nacional, regional ou local -, o PSD, neste seu projecto de lei, propõe uma redução significativa do número de associados que passa a ser exigível, no futuro, para a constituição das associações de defesa do ambiente.
No entanto, o PSD, durante o tempo que mediou entre a apresentação do seu projecto de lei, em 2 de Julho de 1992, até a esta discussão na generalidade, reflectiu sobre este relevante e decisivo aspecto, tendo evoluído na proposta subjacente ao mesmo, e admite, durante a discussão na especialidade na Comissão Parlamentar de Administração do Território, Poder Local e Ambiente, propor uma alteração que vá ao encontro de outra legislação já publicada ou a publicar pelo Ministério do Ambiente e Recursos Naturais e que dê maior flexibilidade e durabilidade à nova legislação que estamos agora a promover.
Assim, admitimos que o número de associados para a constituição das associações de defesa do ambiente, de âmbito nacional, regional ou local, em vez de ficar consagrado, desde já, na respectiva lei, possa vir a ser estabelecido por portaria do Ministro do Ambiente e Recursos Naturais, a publicar no prazo de 30 dias a contar da data da entrada em vigor da nova lei.
No entanto, sugerimos que a portaria deve, desde já, consagrar os limites previstos no nosso projecto de lei para as associações de defesa do ambiente, de âmbito nacional, regional ou local, de 1000, 500 e 100 associados, respectivamente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD está disponível para, na comissão especializada e durante a discussão na especialidade, efectuar alterações equilibradas e sensatas, que possam aperfeiçoar o seu projecto de lei, para, aquando da votação final global, podermos aprovar uma nova lei das associações de defesa do ambiente útil, exequível e adaptada à realidade associativa nacional e que contribua decisivamente para o cumprimento do preceituado na Constituição da República que passo a citar: «Todos tem direito a um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.»
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É imperioso, cada vez mais, a existência de um grande movimento de solidariedade nacional e mundial a favor da causa nobre e vital da defesas preservação do ambiente em Portugal e no mundo, para bem das actuais e futuras gerações.

(O orador reviu.)

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada Isabel Castro e os Srs. Deputados André Martins e José Sócrates.

Para o efeito, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Moreira, da sua intervenção, reteria tão-só a penúltima frase, ou seja, a de que todos os cidadãos têm direito a um ambiente sadio e ecologicamente

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equilibrado, bem como o dever de o defender, o que também está consagrado na Constituição. E têm não somente esse direito como também o de o fazer do modo que entenderem.
Coloco esta questão relativamente ao regime específico preconizado pelo projecto do PSD para as associações de defesa do ambiente, ou seja, um regime específico laboral que permita o exercício das suas funções e relaciono-a com o seguinte aspecto: sendo, em nosso entendimento, lógico e natural que qualquer cidadão de qualquer ONG tenha o direito de intervir na sociedade, sem por isso ser penalizado - e daí parecer-me correcto a salvaguarda de dias, não se ser prejudicado do ponto de vista monetário e relativamente à marcação de férias -, parece-me haver neste projecto uma ingerência nítida na esfera das associações, ao decidir que esse regime é para os dirigentes que sejam designados para representar a associação ern causa. Ora, são as associações que têm a liberdade de definir como se fazem representar, nomeadamente ern órgãos consultivos, sendo essa uma característica - a liberdade e a autonomia relativamente ao poder, nomeadamente ao legislativo- que não pode ficar presa a normas. Em minha opinião, este é um projecto que, indo ao encontro daquilo que é uma justa aspiração das associações, vem, de algum modo, indiciar e preestabelecer condições, redefinir moldes e modelos relativamente aos quais as associações se devem organizar.
Gostava que me dissesse se isto pode ou não conduzir a uma via profissionalizante das associações, que neste momento não reivindicam; se isto é ou não o transportar para as associações a forma de organização institucional que manifestamente não lhes cabe e, a caber, se não teriam de ser elas a optar livremente por esse caminho.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado Manuel Moreira, há mais oradores inscritos, para pedir esclarecimentos. Deseja responder já ou só no fim?

O Sr. Manuel Moreira (PSD):-No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Moreira, a questão que quero colocar-lhe não tem directamente a ver com a sua intervenção mas, sim, com o entendimento aqui expresso pelo seu companheiro de bancada, a quem, na altura, não ave oportunidade de questionar acerca desse assunto. Como julgo que V. Ex.ª terá o mesmo entendimento relativamente a essa questão, aproveito para colocá-la agora.
Uma das críticas mais fortes feita ao nosso projecto de lei diz respeito ao número limite de associados para a constituição das associações de defesa do ambiente, designadamente das federações e das confederações. Em nosso entender, esta é uma forma de fazer com que, por exemplo, várias associações de âmbito local se possam constituir, se assim o entenderem, em federações, e, a partir dessa altura, abrangendo uma área bastante alargada, terem os direitos que lhes são atribuídos por uma associação de representatividade genérica. Se assim o entenderem, porque, repito, no nosso projecto aquilo que propomos não é a obrigação de as associações se constituírem em federações ou em confederações, a pergunta que coloco é esta: há alguma questão de princípio para a vossa tomada de posição ou estão dispostos a impedir as associações de defesa do ambiente de, entre si, se constituírem em federações ou confederações?
Aliás, esta questão traz consigo uma outra que é a seguinte: se bem me lembro, há cerca de três anos um ex--secretário de Estado do PSD promoveu, a nível nacional, encontros - para os quais convidou o então Ministro do Ambiente e o próprio Primeiro-Ministro, que se passearam por este país em almoços e jantares com as associações de defesa do ambiente -, para que fosse possível encontrar a forma de constituir uma federação das associações de defesa do ambiente.
Ora, assim sendo, Srs. Deputados, a questão que coloco, neste momento, é a de saber se VV. Ex.ª têm uma memória muito curta ou se a vossa posição, desde que o ex-secretário de Estado saiu do Governo, se alterou em política de ambiente no que se refere, concretamente, ao reconhecimento do papel importante que têm as associações de defesa do ambiente, independentes de todos e de qualquer poder.
Esta é, pois, a questão que gostaria de ver respondida por parte do Sr. Deputado Manuel Moreira.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.
O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Deputado Manuel Moreira, pedi a palavra para ver se não caíamos todos para o lado do sono!... De facto, a sua intervenção, para final de debate, parece-me ter demasiada «música celestial» e pouco conteúdo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Manuel Moreira, lancei alguns desafios ao PSD e penso que talvez fosse conveniente que V. Ex.ª se pronunciasse, nomeadamente, sobre a questão dos contratos-programa, dizendo o que pensa sobre esta matéria, e também sobre a Lei da Acção Popular. V. Ex.ª pensa ou não que isso poderia ser um bom contributo para a «espevitação» e dinamização do movimento associativo ambiental no nosso país?
Sr. Deputado, diga qualquer coisa de positivo e que tenha um pouco mais do que «música celestial» sobre o ambiente, que já tivemos que chegue ao longo deste debate.
O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr.ª Deputada Isabel Castro, relativamente às questões que colocou, julgo que um dos aspectos mais inovadores do nosso projecto de lei é a introdução da garantia que passa a permitir aos dirigentes das associações de defesa do ambiente a participação em organismos de defesa e preservação do ambiente para assim melhor poderem cumprir com as suas funções.

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No fundo, o que consideramos essencial é que se uma associação tem direito a participar em determinados organismos, então deve fazê-lo pela via normal, isto é, através dos seus dirigentes.
A Sr.ª Deputada perguntou-me também por que razão é que defendemos que sejam apenas os dirigentes a participar em determinados organismos. Ora, creio que essa é a lógica das coisas, isto é, quando uma associação tem dirigentes, é óbvio que serão eles a representá-la perante as entidades nas quais a associação participa. É, pois, nesse sentido, que defendemos que sejam os dirigentes a participar nesses organismos e não qualquer associado, o que não faria sentido. Por isso, creio que não há razoes para questionar este ponto do nosso projecto de lei.
O Sr. Deputado André Martins defendeu que seria útil e desejável que, para além de existirem associações, pudesse haver também a possibilidade de existir federações ou confederações. Bom, nós consideramos que não, que se as associações tiverem interesse e necessidade em se associarem umas com as outras para defesa do ambiente numa área mais vasta, então podem constituir-se em associações de âmbito regional ou até, se for caso disso, em associações de âmbito nacional. Por isso, não vejo necessidade de estarmos, de algum modo, a gerar mais complexidade e burocracia com a possibilidade de criação de federações ou confederações.
Creio que o nosso projecto de lei é suficientemente lato e flexível, pois permite que as associações passam constituir-se aos mais diversos níveis - local, regional ou nacional - e não é impeditivo de que elas possam cumprir com todos os seus objectivos no território nacional na defesa do ambiente.
Quanto ao Sr. Deputado José Sócrates, gostaria de dizer-lhe que o senhor já há pouco, relativamente ao meu colega Mário Maciel, disse que estávamos aqui a fazer intervenções com «música celestial» ... Bom, julgo que ela também é positiva, porque pode, de algum modo, animar os nossos debates, pelo que penso que essa é até uma forma de não provocar sonolência...
Quanto à questão de saber se defendemos ou não os contratos-programa, isso já está mais do que respondido através do próprio projecto de lei. De facto, pensamos que eles são úteis e desejáveis para serem estabelecidos entre as associações de defesa do ambiente e entidades públicas ou privadas para que o ambiente possa ser melhor defendido e preservado no nosso país.
Quanto à Lei de Acção Popular, julgo que aquilo que está consagrado na lei é suficiente para que as associações possam, sempre que entenderem útil, recorrer ao poder judicial, aos tribunais, a fim de fazer valer os seus direitos e defender, de forma convicta e positiva, o ambiente em Portugal.

(O orador reviu.)

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Não respondeu às perguntas!

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para que efeito, Sr. Deputado.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, é para formular um requerimento oral à Mesa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - O Sr. Deputado pode anunciar oralmente o seu requerimento, mas a Mesa pede-lhe o favor de apresentá-lo por escrito e com as respectivas assinaturas, para poder submetê-lo à votação, nos termos do artigo 152.º do Regimento.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, gostaria de requerer que os diplomas acabados de discutir baixassem à comissão respectiva para posterior análise, dado o nível do debate e aceitação dos diversos proponentes de que as soluções que se apresentam não são fechadas.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Com certeza, Sr. Deputado.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de saber se não é necessário haver consenso para que o requerimento seja admitido pela Mesa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Não, Sr. Deputado. O Regimento permite que o requerimento seja apresentado à Mesa, se for assinado por 10 Deputados.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Então, votemos o requerimento.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado José Sócrates, a Mesa aguarda que o Sr. Deputado apresente o requerimento por escrito para que possamos votá-lo.

Pausa.

Srs. Deputados, a Sr.ª Secretária vai proceder à leitura do requerimento que deu entrada na Mesa.
A Sr.ª Secretária (Maria da Conceição Rodrigues): - Srs. Deputados, o requerimento é do seguinte teor:
Nos termos regimentais, os Deputados abaixo assinados requerem a baixa à Comissão dos diplomas em discussão.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, vamos votar o requerimento.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do CDS e de Os Verdes.

Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, está encerrado o debate.

Informo que a próxima sessão realizar-se-á quinta-feira, dia 4, a partir das 15 horas, e constará de um período de antes da ordem do dia, com declarações políticas, e do período da ordem do dia serão apreciadas a proposta de lei n.º 47/VI, que autoriza o Governo a rever o Regime

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Jurídico dos Revisores Oficiais de Contas, e a proposta de resolução n.º 20/VI, que aprova, para ratificação, a Convenção para Protecção das Pessoas relativamente ao Tratamento Automatizado de Dados de Carácter Pessoal. Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 15 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Álvaro José Martins Viegas.
António de Carvalho Martins.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Maria Pereira.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Jaime Gomes Milhomens.
João Eduardo Dias Madeira Gouveia.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Ângelo Ferreira Correia.
José António Peixoto Lima.
José Pereira Lopes.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Luís António Martins.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.

Partido Socialista (PS):

Alberto da Silva Cardoso.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Elisa Maria Ramos Damião.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.

Partido Comunista Português (PCP):
Jerónimo Carvalho de Sousa.

Deputados independentes:
Diogo Pinto de Freitas do Amaral.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
João Manuel dos Santos Henriques.
José Macário Custódio Correia.

Partido Socialista (PS):

Jaime José Matos da Gama.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Rui António Ferreira da Cunha.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Luis Carlos Martins Peixoto.

Centro Democrático Social (CDS):
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.

Página 1558

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