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Sábado, 6 de Março de 1993
I Série - Número 45
DIÁRIO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
VI LEGISLATURA
2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 5 DE MARÇO DE 1993
Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
José Mário Lemos Damião
José Ernesto Figueira dos Reis
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 25 minutos.
Apreciando o Decreto-Lei n.º 240/92, de 29 de Outubro, que transforma o Laboratório Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial (LNETI) em Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial (INETI [ratificações n.º 49/VI (PS) e 53/VI (PCP)], produziram intervenções, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Indústria (Luís Alves Monteiro), os Srs. Deputados Fernando de Sousa (PS), José Calçada (PCP), Aristides Teixeira (PSD), Joaquim da Silva Pinto (PS) e João Proença (PS).
Foi igualmente apreciado o Decreto-Lei n.º 247/92, de 7 de Novembro, que racionaliza o emprego dos recursos humanos na Administração Pública {ratificações n.º 50/VI (PCP), 51/VI (PS), tendo intervindo, a diverso titula, além da Sr.º Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento (Manuela Leite), os Srs. Deputados Jerónimo de Sousa (PCP), Maria da Conceição Rodrigues (PSD), João Proença (PS), Rui Carp e José Puig (PSD).
Por fim. na apreciação do Decreto-Lei n.º 238/92, de 29 de Outubro, que regula o policiamento de espectáculos desportivos realizadas em recintos desportivos [ratificação n.º 52/VI (PS), usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna (Carlos Encarnação), os Srs. Deputados Laurentino Dias (PS), Miguel Macedo (PSD) e António Filipe (PCP).
Entretanto, a Câmara autorizou um Deputado a depor em tribunal e denegou-a a um outro.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 13 horas e 10 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 25 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Abílio Sousa e Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Ana Paula Matos Barros.
Anabela Honório Matias.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrígues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Isilda Maria Renda Periquito Pires Martins.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Eduardo Dias Madeira Gouveia.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
João Manuel dos Santos Henriques.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Manuel Pereira de Almeida e Silva.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luis António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro António de Bettencourt Gomes.
Pedro Domingos de Sousa e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
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Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Martins Seguro.
António Luis Santos da Costa.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Edite de Fátima Santos Marreiros Estrela.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Helena de Melo Torres Marques.
João António Gomes Proença:
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Barbosa Mota.
José Eduardo Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Paulo Martins Casaca.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luis Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dona Santa Clara Gomes.
Raúl d' Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
Apolónia Maria Alberto Pereira Teixeira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
José Fernando Araújo Calçada.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Centro Democrático Social (CDS):
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Juvenal Alcides da Silva Costa.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.
Partido da Solidariedade Nacional (PSN):
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.
Deputados independentes:
Diogo Pinto de Freitas do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Mário António Baptista Tomé.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Deu entrada na Mesa e foi admitida a ratificação n.º 61/VI - Decreto-Lei n.º 59/93, de 3 de Março, que estabelece um novo regime de entrada, permanência, saída e expulsão de estrangeiros do território nacional (PS).
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a nossa ordem do dia de hoje é dedicada, em primeiro lugar, à apreciação do Decreto-Lei n.º 240/92, de 29 de Outubro, que transforma o Laboratório Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial (LNETI) em Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial (INETI) - [(Ratificações n.º 49/VI (PS) e 53/VI (PCP)].
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.
O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Governo, através do Decreto-Lei n.º 240/92, aprovado em Conselho de Ministros a 13 de Agosto de 1992, transformou o Laboratório Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial (LNETI) em Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial (INETI).
Refere o seu artigo 2.º que a estrutura orgânica, bem como o regime de pessoal, seria objecto de decreto regulamentar, o que veio a acontecer através do Decreto n.º 30/92, aprovado em Conselho de Ministros a 10 de Agosto
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de 1992. Como é possível que o decreto regulamentar tenha sido aprovado três dias antes do decreto-lei?
Uma leitura atenta do decreto-lei vem-nos demonstrar que existe uma real oposição entre o preâmbulo e o corpo do diploma, aliás à semelhança do que vem acontecendo com outros decretos-leis emanados deste Governo, nomeadamente o da extinção do Instituto Nacional de Investigação Científica (INIC), dando-nos a impressão de que a redacção do preâmbulo e do corpo do diploma pertence a entidades diferentes.
Sob o manto diáfano dos grandes princípios, a realidade nua e crua das decisões implacáveis.
Mas vamos à reestruturação do LNETI. Foi ouvida a sua direcção, entretanto extinta? Foram ouvidos os seus investigadores e os trabalhadores, em geral? Procedeu-se a uma consulta serena do que era o LNETI e do que deveria ser?
Sabemos que ao SINTAP foram concedidos três dias úteis para se pronunciar sobre matéria tão complexa como é esta da reestruturação de um dos mais importantes organismos de investigação e desenvolvimento do nosso país. Quantos dias foram dados à ex-direcção do LNETI e a todos quantos aí investigam e trabalham?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: tanto no caso do decreto-lei como no caso do decreto regulamentar estamos perante dois diplomas elaborados apressadamente, tão à pressa que o decreto-lei deu por findas as comissões do presidente e vice-presidente do LNETI sem ainda estar nomeada a nova direcção.
A portaria que regula o quadro de pessoal e a organização interna do novo INETI ainda não saiu e não sabemos quando sairá.
O decreto regulamentar, por sua vez, foi publicado sem o capítulo v, passando-se logo do capítulo ii, relativo à gestão patrimonial e financeira, para o capítulo vi, referente ao pessoal.
Por outro lado, o decreto regulamentar criou o conselho técnico-empresarial, um dos três órgãos que integram o INETI, constituído por um representante do conselho de reitores, um representante do Ministro do Planeamento e da Administração do Território, os directores-gerais de Energia, Geologia e Minas e da Indústria, os presidentes do Instituto Português da Qualidade, do Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas, um representante do sistema financeiro e três empresários industriais. Este conselho já foi criado? No que respeita à sua composição, não seria conveniente e útil que os investigadores se encontrassem representados no mesmo? Por exemplo, como é que o conselho técnico-empresarial pode pronunciar-se sobre a política de formação do pessoal sem ouvir os representantes dos trabalhadores?
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: quais são, afinal, os verdadeiros objectivos que transparecem do decreto-lei e do decreto regulamentar, para além daquele fim, meramente pontual, de se correr, o mais depressa possível, com o presidente do LNETI?
Para além das boas intenções expressas no preâmbulo do decreto-lei, que tanto poderiam ser escritas a propósito do LNETI como do INETI (todas as funções que competem a este eram, naturalmente, desenvolvidas por aquele), são dois, fundamentalmente, os objectivos que se pretendem.
O primeiro tem a ver com o artigo 4.º, concretamente com o seu património, património este obtido para fins específicos e concretos, e que a partir de agora pode ser transferido ou afectado, a título definitivo ou temporário, para outras entidades, públicas ou privadas. Será que o Governo se prepara para desmantelar o antigo LNETI, vender o que for "rentável" e extinguir o remanescente?
O segundo objectivo, que consta do artigo 5.º e seguintes, diz respeito aos trabalhadores do INETI. São disposições que permitem, afinal, reduzir substancialmente o quadro de pessoal do INETI, através da sua transferência, juntamente com os serviços, unidades ou bens patrimoniais que o INETI venha a alienar, e da sua passagem ao quadro de excedentes sempre que a entidade receptora ou os funcionários ern causa não concordem com a respectiva transferência.
Esta medida criou uma forte instabilidade nos trabalhadores do INETI, que a todo o momento poderão ser confrontados com a transferência forçada para entidades que ninguém conhece ou com a passagem obrigatória ao quadro de excedentes.
Tem o Governo em consideração que há carreiras do INETI, nomeadamente na investigação, que são únicas e exclusivas do Instituto? Qual vai ser o quadro do pessoal do INETI? Quando é que a portaria que fixa os quadros do pessoal e a organização interna do INETI é publicada?
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: não compreendemos quais os motivos que levaram o Governo a terminar com o nome e o logotipo do LNETI, nacional e internacionalmente conhecidos e reconhecidos como símbolo de qualidade (atente-se, quanto mais não seja, nos custos financeiros que a alteração do nome deste organismo exige), e menos compreendemos que se pretenda amputá-lo ou destruí-lo.
Podia ter-se procedido à sua reestruturação, à redimensionação dos seus objectivos e à sua adaptação a um modelo de tipo empresarial, como diz o preâmbulo do decreto-lei. É útil e legítimo que se pretenda aumentar a intervenção do LNETI ou INETI no plano social e empresarial, mas não podemos esquecer a sua vocação para a prossecução de funções próprias do Estado.
Reestruturar, redefinir, redimensionar, não devem ser sinónimos de desfigurar, alienar, despedir e alterar sem se vislumbrar claramente os objectivos estratégicos deste prestigiado organismo! Por tais razões votaremos contra a ratificação deste decreto-lei.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.
O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é raro que a leitura dos normativos legais que enxameiam o Diário da República nos leve a deparar com a existência de um extremo cuidado formal por parte do legislador na utilização da escrita da língua portuguesa, o que, diga-se, é factor de surpresa para alguns, que não esperariam encontrar um tão cuidadoso tratamento em orgão tão circunspecto e oficial e em temas tão áridos e depurados quanto os que as leis normalmente enformam.
É assim que, onde menos se esperaria, lá vamos encontrando umas parábolas aqui, umas perífrases acolá, e tudo isto como expressão de uma certa forma de gongorismo que, diga-se também, chega a soar-nos como desajustado. As leis - diz-se - querem-se secas, substantivas, e nada mais prejudicial à sua boa clareza e interpretação do que a presença do adjectivo ou do advérbio.
Só que, mesmo quando expurgadas destes pecados, não há nada mais irremediavelmente adjectivante do que as
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leis. Na verdade, feitas por homens e para homens, são muito mais expressão daquilo que os divide do que daquilo que os une e são muito mais fruto do conflito do que do consumo.
A lei a todos obriga, mas esta não é senão uma fórmula para encobrir um outro pecado, este original, o de que a lei nem a todos responde; daí o seu carácter impositivo, a sua existência e, por vezes, o seu gongorismo. É assim que o legislador, consciente desse "pecado original" objectivo - a lei 6 sempre "contra" alguém -, frequentemente o adocica com uma utilização hábil da língua portuguesa, e fá-lo não necessariamente e apenas por más razões ou por razões de má consciência, mas também por aquilo a que chamaríamos um certo pudor, que é muitas vezes expressão, embora limitada, de uma formação democrática de base. Isto é, uma lei pode não ser consensual, mas não tem de ser ou hipócrita ou pesporrentemente afrontosa.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: numa infeliz conjugação de esforços - diríamos até "numa rara e infeliz conjugação de esforços", mas este Governo já nos habituou a tais comportamentos... -, o Decreto-Lei n.º 240/92, que ora está para ratificação nesta Assembleia, consegue apresentar-se simultaneamente como não consensual, como hipócrita e como pesporrentemente afrontoso.
Passando por cima do conflito permanente entre este Governo e a língua portuguesa - uma vez mais aqui expresso e que tem vindo a constituir uma fonte riquíssima para o anedotário nacional -, o que aqui devemos relevar é um outro conflito (esse sim, de fundo) entre este Governo e os interesses nacionais, entre este Governo e os trabalhadores portugueses, entre este Governo e, no caso em apreço, a comunidade científica nacional, conflito que este decreto exprime com assumida brutalidade.
É esta, se assim se pode dizer, a sua única virtude, que não tem origem num entendimento eventualmente excessivo do conceito de transparência por parte deste Governo, mas antes numa falta de formação democrática de base, que, naturalmente, desagua na perversão da regra da maioria.
Mas poderíamos sempre dizer "Que diabo, este Governo é brutal, mas tem razão! Este Governo é inábil, mas tem razão! Este Governo não consulta os principais interessados, mas tem razão!"
Só que, a acrescer à desnecessária brutalidade deste decreto-lei, há ainda um outro pequeno pormenor: este Governo não tem razão. Nem de fundo, nem de forma. Todo o processo conducente à transformação do LNETI é exemplar - por revoltante- e não assenta em quaisquer razoes de eficácia.
Já de há muito tempo a esta parte que os trabalhadores do LNETI, e particularmente os investigadores, tem vindo a reclamar a cada vez mais urgente necessidade de melhorar o funcionamento do Laboratório. Foi deles e é deles que tem vindo a partir tal exigência, e não do Governo. E a resposta deste Governo tem assumido um progressivo estrangulamento financeiro da instituição. Do Orçamento do Estado para 1993 apenas foi transferido o valor de 60 % dos vencimentos - enquanto essa percentagem havia sido de 90 % ern 92.
Estes dados demonstram ainda, se tal fosse necessário, que a má fé e a irresponsabilidade do Governo transformaram todo este processo numa autêntica "crónica de uma morte anunciada".
É perfeitamente claro para toda a comunidade científica, e não apenas em Portugal, que uma instituição deste tipo - pela sua própria natureza no domínio da investigação de base e pelo seu posicionamento estratégico nas áreas do desenvolvimento e da independência do País - nunca poderá auto financiar-se de modo significativo. É precisamente isso que sucede na generalidade dos países da CE, pelo que cada vez mais se assume como criminosa e irresponsável uma política governamental de desresponsabilização do Estado neste sector. Isto é, este Governo "faz a festa, atira os foguetes e vai a correr apanhar as canas".
Sob a capa de uma insípida reestruturação, o que este diploma nem sequer pretende esconder é um ataque violento a uma estrutura científica de créditos firmados, promovendo o seu desmembramento, incentivando a dispersão do seu pessoal científico e dos seus investigadores, atirando com outros para o quadro de disponíveis - de disponíveis, Srs. Deputados, num país como o nosso, em que a massa crítica de cientistas roça o mínimo necessário-, entregando ao sector privado departamentos mais apetecíveis no plano dos lucros imediatos (como o Centro de Formação, no Lumiar, pólo de convergência factual ou potencial dos sempre nebulosos milhões da Comunidade) e, finalmente, forçando ao estabelecimento com o sector privado de protocolos ditos "de cooperação", autênticas operações de "branqueamento dos dinheiros públicos", como alguém oportunamente já lhes chamou.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: o LNETI, para além da investigação fundamental que também desenvolve, possui departamentos, únicos no País, de apoio a sectores industriais de ponta. Uma política de defesa dos interesses nacionais obrigaria a que uma e outra se potenciassem mutuamente. Não é este o entendimento do governo do PSD. E não o é em defesa de obseuros, e por isso claros, interesses antinacionais e anti-científicos.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Aristides Teixeira.
O Sr. Aristides Teixeira (PSD): - Sr. Presidente., Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Está, hoje, mais uma vez, em debate um processo de ratificações, a n.º 49/VI e a n.º 53/VI, suscitadas, respectivamente, pelos Partidos Socialista e Comunista e concernentes ao Decreto-Lei n.º 240/92, de 29 de Outubro, que transforma o LNETI (Laboratório Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial) em INETI (Instituto Industrial de Engenharia e Tecnologia Industrial).
Aparentemente não se descortinam razões firmes para que esta transformação causasse qualquer angústia ou preocupações aos partidos da oposição, já que deveria ser reconhecido como de relevante importância conferir às instituições, e sobretudo e designadamente neste sector da investigação e desenvolvimento tecnológico, maior operacionalidade, maior eficácia, dinamismo e capacidade de intervenção, tomando como referência principal e, quase diria, obrigatória os desafios com que se defronta a nossa economia, a necessidade imperiosa da intensificação tecnológica da produção industrial e a modernização das indústrias tradicionais.
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Srs. Deputados, é este grande objectivo que claramente se pretende atingir com a transformação em apreço, vertida no Decreto-Lei n.º 240/92 e que o seu preâmbulo muito justamente evidencia, nele se redefinindo linhas de orientação apropriadas e enquadradas na política do Governo.
Nesta perspectiva, será aqui útil recordar, e a este propósito, que já as Grandes Opções do Plano explicitam: a ciência e tecnologia têm um papel crucial no reforço da qualidade do ensino, na renovação do tecido produtivo e na adaptação da sociedade à profunda mutação tecnológica em curso. E, mais adiante, entre outras acções, destaca--se: prosseguimento dos programas de apoio à investigação industrialmente orientada, ao reforço da capacidade tecnológica própria das empresas e à difusão de novas tecnologias na indústria; fomento da inovação empresarial, designadamente pelo apoio aos centros de inovação a constituir nas empresas, por forma a conseguir reduzir custos e desenvolver a capacidade de investigação das próprias empresas.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: o Partido Social-Democrata entende e defende que o agora INETT, neste enquadramento e com as estratégias que saberá definir, concorrerá, decisivamente, para que a investigação e o desenvolvimento tecnológico dêem o salto qualitativo indispensável à modernização do País. Na verdade, e para uma resposta eficaz, impunha-se a reestruturação do LNETI, que, consabidamente, sofria já de um certo desajustamento em relação aos objectivos atrás mencionados.
De facto, e certamente porque a concepção do LNETI era a de um laboratório nacional, à semelhança do que acontecera noutros países nos anos 50 e 60, acabou por determinar uma certa incapacidade de acudir satisfatoriamente a problemas operacionais postos por empresas industriais, mercê, talvez, da sua insuficiente estrutura e vocação.
Deixava já transparecer, como predominante, uma tendência de carácter académico, considerada a natureza da carreira de investigação da função pública. Tinha atingido já uma dimensão e uma diversidade de áreas de referência muito acentuadas, agravadas pela variedade de tarefas e missões, interpondo-se exigências de serviço público à oportuna resposta às solicitações dinâmicas do mercado tecnológico.
Era patente, também, uma insuficiente internacionalização do seu conjunto de actividades e funções, acrescida de uma definição estratégica de prioridades e opções, em ligação com os programas de IDT comunitários (envolvendo aqui as mesmas empresas e outras instituições de IDT).
Srs. Deputados, o Partido Social-Democrata, na convicção e consciência que a inovação, a criatividade, a modernização, são características indissociáveis do desenvolvimento e progresso do nosso país, não pode deixar de estar de acordo com a filosofia e vontade do Decreto-Lei n.º 240/92, complementado pelo Decreto Regulamentar n.º 30/92.
E aqui caberá um pequeno esclarecimento ao Sr. Deputado Fernando de Sousa quando refere algum diferimento no tempo em relação às datas. Devo dizer-lhe que, quer o decreto-lei quer o regulamentar foram aprovados ao mesmo tempo, só que depois terá havido um desfasamento, que é natural tendo em conta as datas de publicação; portanto, não havendo qualquer desfasamento em relação à sua aprovação no tempo.
Então, dizia eu, o PSD, nesta perspectiva, defende que o INETI, e por antítese com o que acima se referiu, será instrumento actuante e indispensável a uma política de IDT, que o Governo prossegue, capaz de colocar Portugal a par de outros países da Comunidade, definindo uma estratégia de fundo, na intenção de relacionar intimamente as estruturas e equipas de I&D com as estruturas económicas e produtivas nacionais e internacionais.
Assim, será assumida uma nova forma de estar no meio científico, tecnológico e industrial envolvente, vocacionando-se para desenvolver actividades de I&D industrialmente orientadas. Prevê-se, também, que cada instituto ou centro técnico científico possua uma maior autonomia de gestão na colocação dos respectivos produtos, funcionando cada um como centro de resultados, conseguindo-se maior responsabilização, avaliação e controlo adequados das suas eficiências e dos seus contributos para a comunidade empresarial.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: o Partido Social-Democrata considera ainda que o INETI será o tal elemento dinamizador das infra-estruturas tecnológicas integradas no sector empresarial, será o grande contribuidor efectivo para o necessário esforço da capacidade competitiva da indústria nacional.
Penso que caberá aqui uma nota relativa aos trabalhadores e que foram referidos pelos oradores anteriores. Assim, nenhum dos trabalhadores será prejudicado nos seus legítimos interesses e, portanto, a estrutura orgânica que agora se refere manterá e não veio alterar quer o regime geral quer o especial da função pública nem modificou sequer as condições dos seus funcionários.
Por todos estes motivos, e na consciência de que este diploma será o grande elemento decisivo para a modernização cada vez mais premente das nossas instituições, o PSD votará favoravelmente as ratificações n.os 49/VI e 53/VI referentes ao Decreto-Lei n.º 240/92, de 29 de Outubro.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Indústria.
O Sr. Secretário de Estado da Indústria (Luís Alves Monteiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio ser evidente que o LNETI se encontrava ferido de um conjunto de inadequações à luz dos objectivos que devia prosseguir e dos desafios que se colocavam à economia e, nomeadamente, no que respeita à intensificação tecnológica, da produção industrial à modernização das indústrias tradicionais e à dinamização de um padrão de especialização semelhante ao das economias avançadas da Europa comunitária.
Alguns tópicos desta inadequação podem ser indicados sinteticamente. Tinha um pendor especialmente académico, atendendo especialmente também à natureza da carreira de investigação, que era importante mas que causava alguns constrangimentos; uma insuficiente vocação e estruturação para solucionar em tempo útil alguns dos problemas operacionais colocados pelas empresas industriais; uma dimensão e uma diversidade de áreas de referência muito acentuadas e agravadas pela variedade de tarefas e missões estatutariamente estabelecidas, interpondo-se exigências de serviço público à atempada resposta às solicitações dinâmicas do mercado tecnológico; uma insuficiente internacionalização do seu conjunto de actividades e funções, ar-
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ticulada com uma insuficiente definição estratégica de prioridades e opções em termos de ligação com os programas de IDT comunitários.
Estes aspectos não surpreendem, dado que o antigo LNETI havia sido concebido com base num modelo de laboratório nacional, como aconteceu nos anos 50 e 60 em diversos países da Europa ocidental. O relatório dos examinadores da OCDE, de 1984, reconhecia que o LNETI parecia querer ter um modelo próprio com larga autonomia decorrente da expansão da investigação sob contrato. O relatório do secretariado, que acompanhava em 1982 o relatório dos examinadores da política científica e tecnológica da OCDE, apontava a necessidade urgente de acrescer significativamente a capacidade tecnológica da indústria portuguesa.
Assim, segundo o mesmo relatório, de que me parece importante citar alguns passos, perfilavam-se três vias complementares de concretizar este objectivo: encorajar as empresas a aumentarem a sua capacidade própria de I&D, quer ern termos de recursos financeiros quer em pessoal qualificado; aumentar o apoio governamental directo à investigação industrial aplicada; e alargar o volume de transferências de tecnologia para a indústria.
E esse relatório da OCDE dizia, quanto ao LNETI "[...] embora evitando um juízo de valor imediato, as observações as tendências académicas do Laboratório, às suas dificuldades de resposta atempada às solicitações da indústria, à orientação das actividades de formação e à própria sobredimensão e excessiva diversidade das actividades originava e justificava uma alteração do próprio LNETI".
Creio que ninguém está em desacordo com isto.
VV. Ex.as conhecem os desenvolvimentos recentes que houve na reestruturação do INETI. Não pondo em causa o diálogo que houve na concretização do diploma e, corrigindo e rectificando as palavras do Sr. Deputado Fernando de Sousa, diria que estes diplomas, quer o decreto--lei quer o decreto regulamentar, foram efectivamente resultado de um largo consenso e de um conjunto de aperfeiçoamentos.
Refiro ainda que a própria direcção anterior do LNETI, durante mais de um ano, esteve ern diálogo aberto comigo na preparação do diploma e que as linhas gerais que apareceram no diploma aprovado, em Agosto, no Conselho de Ministros, de alguma maneira reflectem essas linhas gerais.
Aliás, não posso deixar de referir também aquilo que foi apresentado num seminário de política tecnológica, ainda pela anterior direcção do LNETI, as Unhas gerais do diploma. E para lhe demonstrar que essas linhas gerais estão efectivamente reflectidas neste diploma, recordo-lhe o seguinte: nessa altura dizia-se que o modelo estatutário mais adequado era o do instituto público de I&D e de assistência técnica e, de facto, é assim que ele está consagrado; dizia-se que ele devia ser dotado de personalidade jurídica, com autonomia administrativa e financeira e património próprio, aplicando-se-lhe, subsidiariamente, o regime jurídico das empresas públicas e regendo-se, nas suas relações com terceiros, pelas normas de direito privado, e neste diploma assim acontece; dizia-se que o LNETI deveria poder participar ern empresas, organismos ou outras pessoas colectivas públicas ou privadas directa ou indirectamente prestadoras ou fomentadoras de I&D, e assim sucede; dizia-se que os órgãos sociais previstos deveriam ser o conselho de administração, o conselho técnico ou empresarial e o conselho fiscal, e assim consta do diploma. E poderia continuar a relatar aquilo que eram as linhas gerais acordadas e que, de alguma forma, estão reflectidas neste novo diploma.
Por outro lado, contrariando também outra afirmação que o Sr. Deputado Fernando de Sousa fez, devo dizer que não foi justificação e interesse do Governo, ao aprovar este diploma, substituir a anterior direcção do LNETI. Com efeito, o mandato da anterior direcção do LNETI e do próprio presidente tinha terminado antes da aprovação destes diplomas, pelo que não foram propriamente eles que ocasionaram o final do período de vigência da presidência anterior.
O Sr. Deputado referiu ainda que estes diplomas foram apressados, mas já justifiquei que, segundo a minha opinião e a opinião do Governo, tal não sucedeu, de forma alguma, pois foram articulados e negociados com os interessados durante bastante tempo, obviamente com a participação quer da anterior direcção do LNETI, quer da actual, que não poderia deixar de acompanhar todo este processo.
O Sr. Deputado disse que o SINTAP tinha dado dois dias para se pronunciar sobre este diploma.
O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Três dias, Sr. Secretário de Estado.
O Orador: - Certo, Sr. Deputado. Três dias.
Ora, recordo-lhe que durante a fase de aprovação do diploma, e depois de estar concluída a sua última versão, foi enviada uma cópia a todos os sindicatos que têm trabalhadores no INETI. Essa cópia foi enviada numa quinta-feira e pediu-se a resposta até terça-feira seguinte. Não era necessário fazê-lo, pois a lei não obrigava a isso, mas entendemos que deveria ser dada aos sindicatos a possibilidade de opinarem sobre o diploma.
Assim, se tiver o cuidado de comparar a versão inicial enviada aos sindicatos com a que foi aprovada, verá que, de facto, foram tidas em conta nos novos diplomas algumas observações e alguns comentários e sugestões desses sindicatos.
Refiro-lhe mais ainda: a principal questão que se suscitava tinha a ver com a mobilidade dos trabalhadores que estava prevista no diploma do INETI que veio a ser aprovado e que a lei dos disponíveis vem alterar. De qualquer forma, essa questão foi, obviamente, tida em conta, mesmo nas disposições transitórias, que permitiam alguma mobilidade de pessoal, e o próprio diploma que aprovou o INETI atendeu aos contributos dos sindicatos, que, apesar do prazo curto, chegaram a tempo de serem reflectidos na versão final que foi aprovada.
Ainda quanto a um comentário do Sr. Deputado Fernando de Sousa, no sentido de que o Governo apenas estaria interessado em vender o património e alienar os bens do LNETI, quero dizer que não foi isso.
Não perfilho exactamente aquilo que a OCDE defende, mas se vir o que consta no relatório da OCDE, de 1992, sobre política científica e tecnológica, está lá uma interrogação no sentido de saber se o LNETI não teria uma dimensão tal que justificasse o seu desmantelamento. É isto que lá está. Pela minha parte, como já referi, não perfilho essa posição, o que digo é que o INETI deve trazer para o seio das suas actividades entidades que possam dar-lhe mais eficiência, designadamente entidades privadas. Aliás, temos experiência disso em algumas áreas do LNETI, como, por exemplo, na área das unidades de demonstração, que se associaram a interesses privados, podendo hoje suportar-se a si próprias.
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Esta é a nossa linha de acção. Cremos que é positiva e que permite aproximar mais o INETI dos seus fins, por forma a ajudar de uma forma mais eficaz a indústria nacional.
As questões que o Sr. Deputado Fernando de Sousa suscitou estão suficientemente justificadas. Não se passa aquilo que referiu, pretende-se, isso sim, tomar o INETI um organismo importante, como é, mas mais vocacionado para apoiar a indústria nacional, pois ela, realmente, necessita muito de apoio na área de I&D, a fim de reforçar o seu conteúdo tecnológico para os grandes desafios que se lhe colocam no futuro.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Joaquim da Silva Pinto e João Proença.
Para esse efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto.
O Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - Sr. Presidente, tenho de ser breve, mas, já que é a primeira vez que falo neste Hemiciclo, cumprimento respeitosamente V. Ex.ª
Sr. Secretário de Estado da Indústria, dirijo-me a V. Ex.ª não para salientar o ambiente de tensão e nervosismo que rodeou a saída do anterior presidente do LNETl e, em meu entender, a precipitada publicação deste diploma, porque o antigo presidente do LNETI inscreveu o seu nome no domínio da investigação, da tecnologia e da política educativa do nosso país e por isso não precisa de defesa.
No entanto, recordo-lhe que, não muito antes da sua substituição, no dito seminário que V. Ex.ª citou e em que tive a honra de participar, a comunidade científica internacional trouxe ao LNETI o estímulo de um apoio que não cabe nas palavras do Sr. Ministro da Indústria e Energia ao empossar o actual presidente do INETI, ao considerar crítica a situação do Laboratório.
Prestámos a VV. Ex.as um alto favor, todos quantos lutámos, vivemos e pugnámos pelo LNETI. O LNETI ficou na nossa alma e ficou na história que terminou num período. VV. Ex.as iniciaram outro por enquanto particularmente cinzento, que é o do INETI.
As perguntas que lhe quero colocar, Sr. Secretário de Estado da Indústria, são as seguintes: o que tem estado a fazer o INETI nestes meses? Quando é que o Sr. Presidente do INETI aparece à luz do dia? É que não o vemos, não o ouvimos, não podemos discutir com ele, pedem-se-lhe audiências e ele adia-as. Será porque é tímido ou porque é reflectido? Em todo o caso, há períodos e prazos para reflexão.
Vou colocar-lhe ainda outra questão, mas não sem antes me pronunciar sobre a tranquilizadora afirmação do meu colega da bancada do PSD, Aristides Teixeira, de que os funcionários não serão prejudicados. Não há meio de VV. Ex.as entenderem a diferença entre o Governo e o partido que o apoia. O Sr. Deputado não tem de nos dar essa informação, porque não sabe. O Governo é que tem de o fazer, caso contrário, VV. Ex.as vivem numa cumplicidade parlamentarmente abusiva e democraticamente suspeita.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Secretário de Estado, é ou não verdade que se vai partir o INETI em três panes? É ou não verdade que se acabou com o INTEMI (Instituto para as Tecnologias e Modernização Industrial) precipitadamente? É ou não verdade que o ITIM (Instituto de Tecnologias Industriais para a Modernização) está praticamente sem funcionar? Diga-me alguma coisa sobre o que se passa com os pólos tecnológicos. Diga-me por que é que não foi imediatamente criado o conselho técnico ou empresarial, já que VV. Ex.as estão, e bem, a meu ver, com a preocupação de aproximação dos utentes do Instituto ou Laboratório e, portanto, dos empresários.
Agradeço que V. Ex.ª me responda a tudo isto. Creia que é com simpatia que lho pergunto, mas como está na bancada de representação do Sr. Ministro da Indústria e Energia, é a V. Ex.ª que, logicamente, me dirijo.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto, agradeço-lhe, desde já, os cumprimentos que me dirigiu.
Sr. Secretário de Estado deseja responder já ou no fim dos pedidos de esclarecimento?
O Sr. Secretário de Estado da Indústria: - No fim, Sr. Presidente!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Proença.
O Sr. João Proença (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Indústria, V. Ex.ª falou de inadequações e, de facto, há uma grande inadequação entre o que se pretende para a investigação e desenvolvimento deste país, sobretudo no que se refere à indústria, e o que, efectivamente, existe. Todos sabemos isso, pelo que era importante que o Governo nos dissesse como é que está a tentar resolver este problema e se, a ter havido melhorias durante estes anos de governo do PSD, algo do que está a ser feito contribui para resolvê-lo. Temos muitas dúvidas!
Por outro lado, em relação ao consenso, que o Sr. Secretário de Estado também referiu, diria que ele existiu, sim, mas entre os três elementos nomeados para o conselho directivo e o Governo, porque os trabalhadores, os sindicatos e os cientistas que trabalham no Laboratório não foram tidos em conta para esse consenso, uma vez que vivem em total ignorância, não sabendo nada do que se passa.
Aplausos do PS.
Na verdade, Sr. Secretário de Estado, publicou-se um decreto-lei totalmente omisso em competências e em estruturação orgânica; aliás tão omisso que até fez com que, no dia em que foi publicado, o LNETI ficasse sem a direcção, o que deu origem a que tivessem de procurar soluções atamancadas para resolver o problema.
Posteriormente publicou-se um outro decreto, que continuou a ser omisso ern matéria de estruturação orgânica, remetendo-a para uma portaria. Esperemos que essa portaria, cujo conteúdo e data de publicação toda a gente ignora, não remeta a estruturação orgânica para algum despacho de V. Ex.ª
Deste modo, renovando a pergunta do meu colega Joaquim da Silva Pinto, gostaria que o Sr. Secretário de Estado esclarecesse devidamente esta questão. Ao fim de quatro meses, o que é que se fez no INETI? Ninguém sabe
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o que se passa, não há presidência nem diálogo. O que é que se passa no INETI? Para quando é que se prevê a publicação da portaria? O que é que vai acontecer aos trabalhadores? Qual é o número de excedentes que o Sr. Ministro ameaça vir a constituir e que critérios vai seguir?
Seguramente, Sr. Secretário de Estado, o que o Governo fez foi um acto que, verdadeiramente, nada tinha a ver com o que se pretendia, ou seja, melhorar o funcionamento do INETI.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Indústria.
O Sr. Secretário de Estado da Indústria: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto referiu-se à figura do anterior presidente do LNETI, que, em meu entender, não está aqui em causa, uma vez que estamos a apreciar a ratificação de um decreto-lei e nela não se fala em nomes, quer nos da anterior direcção quer nos da actual. Deste modo, só tenho a dizer que o Sr. Deputado deu o seu testemunho e eu ouvi-o com muita atenção.
Referiu ainda o Sr. Deputado que o que se pretende é que o INETI seja partido, mas não é essa a nossa intenção. Apenas pretendemos que o INETI constitua um núcleo de apoio concreto à indústria centrado, essencialmente, no Lumiar, onde, como sabe, uma estrutura está a ser construída, tendo o apoio, ao nível da gestão, de uma associação, a LIS POLIS. É nosso desejo que essa estrutura seja diferente da que existia anteriormente.
Creio que ninguém duvida, pois nem os Srs. Deputados nem V. Ex.ª, particularmente, disseram nada ern contrário, que o INETI possa vir a prestar um bom serviço à comunidade empresarial. V. Ex.ª, que desenvolve actividades empresariais, conhece bem da necessidade que havia de aproximar o INETI da realidade empresarial. Creio que não há dúvidas sobre isso e foi por essa razão que o presidente anterior do INETI promoveu, por iniciativa própria e com o meu apoio e abertura, uma alteração dos estatutos do INETI.
Por outro lado, quando se diz, agora, que isto parecia uma surpresa no diploma que cria o INETI, permitia-me recordar que o Sr. Ministro da Indústria, acerca de dois anos, aquando da discussão do Orçamento do Estado para 1991, traçou, em sede de Comissão de Economia, Finanças e Plano, as linhas gerais da reestruturação do INETI e prontificou-se a discutir todas as questões.
Ora, tanto quanto me recordo - e eu estava lá -, não foram pedidos esclarecimentos adicionais por parte dos Srs. Deputados, pelo que entendi que, de facto, estavam bem cientes das linhas gerais que iriam estar na base da reestruturação do INETI.
Deste modo, não há qualquer surpresa e penso que se trata de uma decisão lógica, que foi tomada na linha do que já foi feito em outros países e na sequência das reestruturações que os grandes laboratórios nacionais, na área de I&D, sofreram e de que, certamente, hoje, podemos ver os bons resultados. Além de que está também na Unha do que a própria OCDE refere como sendo necessário fazer num organismo com a importância do INETI.
Ao Sr. Deputado João Proença gostaria de referir que o decreto-lei e o decreto regulamentar são instrumentos que irão ser completamento clarificados na portaria, cuja publicação se prevê para breve - espero -, pois estamos, neste momento, em fase final de acerto entre o Ministério das Finanças e o da Indústria e Energia.
Assim, faço votos para que a portaria, que vai definir a orgânica interna do INETI, bem assim como o quadro de pessoal, seja publicada, a curto prazo, para que essa modificação se verifique.
De qualquer maneira, das suas palavras pareceu-me entender que desde Julho até agora o INETI tinha parado. Ora, creio que isso é também uma prova de desconfiança para os trabalhadores, porque uma instituição como o INETI não se resume apenas à presidência. O INETI é uma instituição viva, que tem investigadores, técnicos superiores e funcionários administrativos. O Sr. Deputado exagerou no que disse e, em meu entender, procurou passar um claro sentido de desconfiança aos trabalhadores, o que - creio - não seria propriamente a sua intenção.
O INETI continua a fazer e a promover as iniciativas para que está vocacionado e creio que o apoio que o Ministério tem dado, na área do I&D, nomeadamente nas infra-estruturas tecnológicas - a própria LISPOLIS é um resultado desse apoio -, vai, certamente, permitir que o INETI, no futuro, passada a fase da exploração necessária, cumpra melhor os seus objectivos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para exercer o direito de defesa da consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.
O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, com certeza que o INETI está paralisado! Quando se destrói um organismo e se constrói outro, não se sabe o que é que se vai fazer, o que se vai construir, não se conhece a linha estratégica de actuação, e se, para além disto, se pretende vender organismos, bens e serviços juntamente com o pessoal, cria-se, certamente, um clima de instabilidade, que se vai sentir na actividade desse próprio organismo.
O Sr. Raúl Rego (PS): - Não sabem o que querem!
O Orador: - Sr. Secretário de Estado, o problema não são as intenções, mas a prática. Eu diria que, praticamente, podemos estar de acordo no que diz respeito ao preâmbulo e às intenções do diploma, mas verificamos depois que o corpo da lei não quer dizer nada, não está adequado nem ligado às intenções expressas no preâmbulo.
Certamente que a alienação do património, juntamente com o pessoal, isto é, com a constituição de excedentes, e, eventualmente, com a sua "venda" ou transferência para qualquer outro organismo, assim como a extinção precipitada do LNETI e o afastamento da anterior direcção há-de reflectir-se no funcionamento do INETI.
O Sr. Secretário de Estado diz que não foi apressada?! Então como é que o decreto regulamentar é publicado primeiro do que o decreto-lei?
O Sr. Secretário de Estado da Indústria: - Não foi, não!
O Orador: - Com efeito, V. Ex.ª não esclareceu esta questão e não explicou também por que é que o conselho técnico empresarial ainda não foi criado e por que é que a portaria ainda não fixou os quadros de pessoal.
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Portanto, esta decisão foi precipitada. Nada do que disse justificou a extinção do LNETI e a sua passagem ao INETI. Este processo faz-nos lembrar o processo de extinção do INIC. Primeiro, extinguem-se as instituições e depois pensa-se no que é que as novas instituições hão-de fazer.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Indústria.
O Sr. Secretário de Estado da Indústria: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Sousa, creio que, em intervenções anteriores, já respondi às questões que V. Ex.ª agora colocou. Apenas julgo ter ficado em aberto o problema das datas de aprovação do decreto-lei e do decreto regulamentar.
Creio que, neste aspecto, o Sr. Deputado labora num erro, porque, de facto, se tiver a possibilidade de ver os diplomas, verificará que o decreto-lei foi promulgado em 8 de Outubro, o que demonstra que foi assinado pelo Primeiro-Ministro e enviado para a Presidência da República previamente e o decreto regulamentar posteriormente.
Na verdade, o que lhe posso acrescentar, esclarecendo uma questão que o Sr. Deputado, certamente, já conhecia, é que quer o decreto-lei quer o decreto regulamentar foram aprovados na mesma sessão, mas a tramitação legal do decreto regulamentar dispensa-o de ir a Conselho de Ministros.
Por conseguinte, a data de 10 de Agosto, que aqui aparece, e a menção de Presidência do Conselho de Ministros refere-se à reunião de Secretários de Estado, onde o diploma foi discutido, assim como o decreto-lei, que transitou para a sessão seguinte do Conselho de Ministros, enquanto o decreto regulamentar, de acordo com a tramitação legal, foi dispensado de ir a Conselho de Ministros.
De qualquer maneira, o Sr. Deputado, pelas datas de promulgação, verificará que o Governo legislou, como teria de fazê-lo, em primeiro lugar, sob a forma de decreto-lei e só depois é que o decreto regulamentar foi promulgado pelo Sr. Presidente da República.
O Sr. Presidente: - Para exercer o direito de defesa da consideraçâo, tem a palavra o Sr. Deputado Aristides Teixeira.
O Sr. Aristides Teixeira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Pinto, fui surpreendido pelas suas palavras um tanto acaloradas e talvez emocionadas, mas que devo compreender.
Rejeito veementemente a ideia que quis imprimir à palavra "cumplicidade" entre o Governo e o partido. O Sr. Deputado deve, sim, retirar a palavra "cumplicidade" e substitui-la, talvez, pela palavra "colaboração". Não deve o Sr. Deputado esquecer que realmente somos o partido que apoia o Governo, o que não deve, de qualquer forma, fazê-lo estranhar as posições que o partido toma no sentido de apoiar claramente o nosso governo.
Devo dizer-lhe, de todo o modo, que não era necessário que houvesse por parte do Governo qualquer indicação nesse domínio. Bastaria que o Sr. Deputado tivesse o cuidado de ler o Decreto-Lei n.º 45-A/88, de 3 de Fevereiro, que regula o direito à negociação dos trabalhadores da Administração Pública e abrange as negociações colectivas, por via do qual nada obrigava a mexer no regime geral ou no regime especial da função pública.
Manifesto, assim, perante a Câmara a ideia de que, ao contrário do que o Sr. Deputado aqui pretendeu transmitir, não há qualquer tipo de cumplicidade, mas, sim, uma colaboração absolutamente clara e inequívoca entre o Governo e o Partido Social-Democrata.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto.
O Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - Permitir-me-á, Sr. Presidente, que me dirija primeiro ao Sr. Secretário de Estado da Indústria.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - Quero lembrar ao Sr. Secretário de Estado - perdoar-me-á- que sou docente universitário em matéria de organização de empresas. V. Ex.ª não pode dizer que quando uma empresa não tem gestão e funciona mal vai "benzinho" só por os trabalhadores serem eficientes. O que digo é que, se não houver gestão, não haverá eficácia. V. Ex.ª é Secretário de Estado da Indústria e sabe-o.
O LNETI,.., ou melhor, o INETI - ainda estou preso à sigla anterior, mas não há dúvida de que (fez V. Ex.ª bem ern salientá-lo) a diferença é grande...
Vozes do PSD: - E melhor!
O Orador: - Não é só um problema estético, mas efectivamente um problema de espírito. Dir-lhe-ei, em todo o caso, que o dito organismo está sem direcção, sem gestão. Os trabalhadores - a esses presto-lhes a minha homenagem - têm cumprido, apesar de tudo, as suas tarefas.
Sublinho, por outro lado, esse espírito de diálogo que a própria direcção anterior julgava necessário incrementar, o que V. Ex.ª, e muito bem, salientou. A verdade, porém, é que esse espírito já existia e se sentia no LNETI um ambiente de diálogo mais favorável do que noutros organismos do Ministério da Indústria e Energia.
Ao Sr. Deputado Aristides Teixeira, meu ilustre colega, agradeço, com toda a consideração, o facto de ter entendido a emoção da minha intervenção, sendo certo que nesta Casa nunca faltou emoção e que nunca se deve evitar paixão na defesa dos ideais e princípios pelos quais nos batemos, que é a melhor forma de administrar a confiança dos nossos eleitores.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que uma coisa é colaborar e outra colaborar demais. VV. Ex.ª, como parlamentares, não têm que nos assegurar o intuito do Governo de manter ou não os quadros de pessoal, porque está aqui o Governo para nos responder. V. Ex.ª está aqui, sim, para dizer que o Governo fez muito bem, que o Ministro da Indústria e Energia é óptimo, que o Ministro das Finanças também faz muito bem quando diz maí do governador do Banco de Portugal e outras coisas desse estilo. Nisso é que V. Ex.ª está a colaborar. Já quando nos diz por que é que o Sr. Ministro da Indústria e Energia faz "isto" ou "aquilo", está a adivinhar, a ir além da colaboração.
Aplausos do PS.
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O Sr. Presidente: - Para dar explicações em relação às observações do Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Indústria.
O Sr. Secretário de Estado da Indústria: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto, creio que o Sr. Deputado nunca poderia estar de acordo com uma iniciativa do Governo.
O Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - Porquê?
O Orador: - Por conseguinte, é perfeitamente natural que essa posição seja tomada. Não quereria certamente que o Sr. Deputado aqui manifestasse uma posição de acordo, até por ter sido o próprio PS a pedir a ratificação do diploma, decerto não para dar o seu acordo ao diploma ratificando. Acho, por isso, naturais as intervenções do Sr. Deputado.
O Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para defesa da honra.
O Sr. Presidente: - Não poderei conceder-lhe a palavra. Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto, porque, no uso da mesma, declarou que a exercia simultaneamente para responder ao Sr. Deputado Aristides Teixeira e desagravar-se de palavras que teriam sido proferidas pelo Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - Mas fui agravado depois, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Se lhe desse a palavra, Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto, entraríamos num continuem parlamentar que nunca mais acabaria.
O Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - Então, a minha honra está lavada!
O Sr. Presidente: - Não havendo mais inscrições para o uso da palavra a respeito da ratificação ern apreço, passamos à apreciação conjunta das ratificações n.ºs 50/VI e 51/VI, da iniciativa, respectivamente, do PCP e do PS, ambas relativas ao Decreto-Lei n.º 247/92, de 7 de Novembro, que "racionaliza o emprego dos recursos humanos na Administração Pública".
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP, ao requerer a ratificação do Decreto-Lei n.º 247/92, denominado pelo Governo como "lei dos disponíveis" e classificado pelas organizações de trabalhadores e quadros técnicos como "lei dos excedentes ou dos despedimentos", teve como ideia base suster um nefasto instrumento legislativo que traz no bojo não a perspectiva de uma verdadeira reestruturação ou modernização necessárias à Administração Pública mas a visão de reduzir despesas a qualquer preço e independentemente dos custos sociais. A natureza do diploma é conflitual e criadora de instabilidade e novas inseguranças e foi gerado por um Governo defensor a ideologia do Estado mínimo, socialmente desresponsabilizado, quase limitado à recolha dos impostos.
Durante a discussão e votação do Orçamento do Estado foi fácil perceber as intenções do Governo e desmontar aquilo a que chamam modernização, reestruturação, mobilidade e disponibilidade na função pública. O seu confessado objectivo central era reduzir despesas. Os trabalhadores da Administração Pública foram os alvos preferenciais, a dois níveis: primeiro, nos salários, através dos aumentos de 4,5 % e 5,5 %, e, segundo, no seu direito ao trabalho e à segurança no emprego, através de uma lei que visa liquidar dezenas de milhares de postos de trabalho.
Com tal matriz, cai por terra o argumento falacioso da modernização e da necessidade de melhoria dos serviços prestados. Poderá haver modernização sem investimento, sem formação? Como se pode defender a melhoria da prestação dos serviços, quando tudo está indiciado para reduzir a acção directa do Estado na satisfação das necessidades colectivas a uma rede mínima de serviços, encerrando escolas e infantários, extinguindo serviços, privatizando equipamentos de saúde e de segurança social, restringindo drasticamente os orçamentos dos serviços públicos?
Passo a referir dois casos paradigmáticos dos efeitos da lei em apreço.
Na segurança social, segundo despacho da respectiva Secretaria de Estado, milhares de trabalhadores administrativos poderão ser colocados em quadro de excedentes; no entanto, é um dado adquirido que a ampliação do universo da segurança social à quase totalidade da população e a introdução de novas funções não têm sido acompanhadas pelo correspondente crescimento dos quadros de pessoal, situação agravada pelo congelamento de admissões e pelo elevado número de saídas por aposentação. Segundo cálculos sindicais, os efectivos estão 20 % aquém das reais necessidades dos serviços.
A chamada reestruturação do Ministério da Agricultura é também um exemplo vivo do que afirmamos: em causa está o futuro de mais de 10 OOO funcionários, num ministério onde se instalou a confusão e a instabilidade. Numa altura em que, mais do que nunca, seria necessária uma aproximação dos técnicos aos agricultores - e essa seria a reestruturação necessária -, o Governo prepara-se para encerrar 21 zonas agrárias, todas as extensões concelhias e privatizar importantes e estratégicas infra-estruturas, transferindo-as para multinacionais e para a CAP, como são os casos, entre outros, do Laboratório Rebelo da Silva, da Estação Nacional de Melhoramento de Plantas de Elvas, da Estação Vitivinícola de Dois Portos ou da Estação Vieira da Natividade, em Alcobaça.
No Ministério da Educação a tónica vai no mesmo sentido: centenas de médicos escolares, enfermeiros, técnicos superiores e de diagnóstico, arquitectos, engenheiros, educadores de infância, chefes de divisão, de repartição e de secção e outros funcionários começam a constar de uma impressionante lista de excedentes em preparação. O objectivo é reduzir em cerca de 45 % o número de lugares no quadro do Ministério da Educação.
Mas analisemos o diploma nalguns dos seus aspectos fundamentais, começando pela figura do "disponível", a que o Governo chegou a chamar subutilizado.
Disponível pode ficar um trabalhador ante uma situação de extinção de serviços e organismos, de reestruturação ditada pela alteração dos respectivos serviços ou organismos ou dos quadros de pessoal, reconhecimento da existência de neste ou naquele serviço ou organismo haver trabalhadores a mais ou com qualificações profissionais desajustadas. Importa, todavia, perguntar: de entre os
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potenciais disponíveis, quem, e à luz de que critérios, será objecto de tal qualificação?
De acordo com o mesmo diploma, quem, após um processo de identificação e ordenação em cada carreira e categoria, tiver, nomeadamente: menor identidade entre o conteúdo profissional das funções desempenhadas e das funções a desempenhar, por classificação de serviço (apenas se considerando a pontuação resultante da média aritmética referente à valoração atribuída na última classificação de serviço aos factores qualidade de trabalho, quantidade de trabalho, conhecimentos profissionais, adaptação profissional e responsabilidade, consoante as carreiras e categorias em causa); habilitações menos adequadas às funções a desempenhar; menor adequação da formação e qualificação profissionais às funções a desempenhar, obtido pior classificação no concurso para a respectiva categoria; menor antiguidade na categoria, na carreira e na função pública. E todos estes critérios serão ainda ponderados segundo uma fórmula a definir, sendo certo que, desde já, se atribui aos factores "classificação de serviço" e "classificação em concurso", não obstante o carácter vincadamente subjectivo dos processos que as determinam.
Chegados aqui, que destino o diploma dá aos "disponíveis"? Teoricamente os seguintes: em primeiro lugar, transferência para o quadro de outros serviços ou organismos públicos; em segundo, opção por medidas excepcionais de descongestionamento da função pública (aposentação voluntária, pré-aposentação, desvinculação da função pública mediante indemnização e licença sem vencimento por tempo indeterminado); ern terceiro, integração no quadro de efectivos interdepartamentais.
Pergunto, pois, ao Governo, a respeito do primeiro dos indicados "destinos", e na perspectiva em que todos os serviços e ministérios reconhecem ser necessário reduzir despesas e "atirar" trabalhadores para a situação de excedentes ou disponíveis, para onde é que tais trabalhadores são transferidos tendo ern conta esse princípio da mobilidade constantemente afirmado pelo Governo?
Dizemos que tais "destinos" são apenas teóricos porque, para já, a opção só se fará entre o primeiro e o terceiro dos destinos acima referidos. De facto, como refere o diploma, no seu artigo 6.º, n.º 1, a utilização das medidas excepcionais de descongestionamento da função pública só terá lugar quando sair (e nada garante que saia) o despacho que identifique as carreiras e categorias que poderão ser objecto destas medidas. Se tivermos presentes disposições idênticas existentes cujos despachos nunca foram emitidos, os trabalhadores incorrem no risco de ser enganados.
Atente-se no facto de, quanto à aposentação voluntária, se alertar para que a esse tipo de aposentação apenas podem recorrer os trabalhadores que sejam disponíveis, constem do despacho do Ministro das Finanças e possuam pelo menos 20 anos de serviço. A bonificação do serviço será atribuída apenas aos que tiverem 30 anos de serviço.
À pré-aposentação poderão recorrer os "disponíveis" que integrem o despacho do Ministro das Finanças e tenham 55 anos de idade ou 25 de serviço contáveis para a Caixa Geral de Aposentações. Receberão nesta situação apenas 50 % da remuneração base e do subsídio de Natal, bem como igual percentagem do subsídio de férias a que tenham direito.
Na situação de pré-aposentação, os trabalhadores poderão permanecer, no máximo, cinco anos. Esta situação cessará antes de decorridos os cinco anos caso adquiram, entretanto, o tempo necessário para recorrer à aposentação.
Quanto à desvinculação mediante indemnização, refere-se que será objectivo de diploma próprio, o que significa não existir até à publicação do mesmo.
Sobre a licença sem vencimento por tempo indeterminado, condiciona-se a um mínimo de dois anos este tipo de licença, o que significa ser falsa a definição de tempo indeterminado.
Relativamente aos direitos dos trabalhadores integrados no quadro de efectivos interdepartamentais (QEI), e enquanto na disponibilidade, estes vêem as suas remunerações fortemente reduzidas. De facto, os trabalhadores nestas circunstancias receberão nos primeiros 30 dias a remuneração base mensal na íntegra; a partir do 31.º dia e até ao 180.º - seguidos ou interpolados -, 5/6 do vencimento; do 180.º dia até ao 365.º - também seguidos ou interpolados -, 70 % do vencimento; e a partir daí 60 % do vencimento.
No caso de os trabalhadores não serem entretanto chamados à actividade após um ano seguido, ou dois interpolados, na situação de disponibilidade, poderão ser colocados em qualquer dos cinco concelhos por eles indicados. E se tal indicação se não fizer, então a colocação poderá fazer-se em qualquer concelho do País, sem possibilidade de recusa, sob pena de exoneração.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: o processo, o conteúdo e os objectivos do decreto-lei em apreciação levantam a questão de fundo de saber se com tal matriz são possíveis propostas ou correcções pontuais.
Uma figueira-brava, mesmo enxertada, nunca dá bons frutos. Num processo em que não houve diálogo nem acolhimento das propostas e preocupações das organizações dos trabalhadores, sem qualquer visão ou planificação racional e global, com o triplo objectivo de diminuir despesas exclusivamente à custa dos trabalhadores e dos cidadãos em geral, do enfraquecimento das funções sociais do Estado e da transferência para entidades privadas de importantes e estratégicas infra-estruturas e departamentos públicos, quaisquer arranjos de circunstância, nesta fase, iludiriam os próprios trabalhadores e o seu carácter político e socialmente perverso.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Por isso, o PCP propõe a recusa de ratificação do diploma ern apreço.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão hoje de visita à Assembleia da República grupos de alunos da Telescola de Canedo (Santa Maria da Feira), da Escola Secundária de Viriato (Viseu) e do Colégio de Nossa Senhora da Conceição - Casa Pia (Lisboa), a quem a Câmara saúda.
Aplausos gerais.
Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria da Conceição Rodrigues.
A Sr.ª Maria da Conceição Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, não entende o Sr. Deputado que é exagero e desadequado apelidar de "lei dos despedimentos" o Decreto-Lei n.º 247/92,
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que tem como objectivo único a racionalização dos efectivos da Administração Publica?
É óbvio que, como excepção - e nunca como regra - e em último recurso apenas poderão decorrer da aplicação deste diploma alguns - muito poucos, mesmo - despedimentos. Sejamos francos!...
Porém, na realidade a filosofia deste diploma é bastante clara e a sua pretensão é exclusivamente a de redimensionar e modernizar os serviços, de forma a torná-los mais operacionais - parece que é isto que os senhores não querem nem entendem!
Esse redimensionamento e essa operacionalidade de serviços implicam a mobilidade dos funcionários: nuns casos, essa mobilidade vai verificar-se em termos de transferência para quadros de outros serviços, e noutros casos eles vão ser integrados no QEI, sendo depois enquadrados conforme as exigências dos serviços - se é que vão ser integrados no QEI.
Com efeito, só excepcionalmente serão aplicadas medidas de descongestionamento e, como se sabe, essas medidas traduzem-se, em primeiro lugar, na aposentação voluntária, na pré-aposentação, na licença sem vencimento por tempo indeterminado e, finalmente, apenas muito excepcionalmente - repito -, se verificará a desvinculação da função pública e, nesse caso, mediante o pagamento de uma indemnização.
Em síntese, Sr. Deputado, volto a perguntar-lhe se admite ou não que se trata exclusivamente de uma questão de racionalização e de redimensionamento dos serviços. De facto, se efectivamente se tratasse de uma situação de lei de despedimentos, não lhe parece que o Estado poderia recorrer à aposentação compulsiva?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Sr.º Deputada Maria da Conceição Rodrigues, gostaria de responder-lhe com a mesma serenidade com que me levantou questões tão sérias referentes à chamada lei dos disponíveis, que envolve, possivelmente, o futuro de cerca de 100 OOO trabalhadores - e sobre isto eu gostaria de ouvir aqui o Governo, pois desconhece-se se estão em causa 50000, 60000, 70000 ou 10000... Com certeza, nem a Sr.º Deputada sabe!
Além do mais, a Sr.ª Deputada falou em demasiadas excepções: "só excepcionalmente poderá haver despedimentos; só excepcionalmente se admitirá que existam trabalhadores que possam ser mandados para fora da função pública..."
Creio que a situação que hoje já se vive - aliás, dei dois exemplos concretos - e foi pena não os ter referido, sendo a Sr.ª Deputada uma especialista em matéria de função pública... por exemplo, na segurança social - e não basta o Sr. Secretário de Estado vir dizer que a responsabilidade é do Ministério das Finanças -, com a redução de despesas, quando constatamos a diminuição de pessoal,...
A Sr.ª Maria da Conceição Rodrigues (PSD): - Não é verdade!
O Orador: - ... apesar de a segurança social abranger, hoje, o universo da população portuguesa, o que, em bom rigor, exigiria mais trabalhadores, mais meios e mais investimentos.
Contudo, assistimos à declaração e à ameaça da liquidação de milhares de postos de trabalho efectivos - repare que falo em milhares de postos de trabalho e não em despedimentos!
Vozes do PSD: - Não é verdade!
O Orador: - Mas, quando me diz: "então, Sr. Deputado, não lhe parece que este diploma visa a modernização?!", Ó Sr.ª Deputada, sei que não é economista - eu também não -, mas, mesmo assim, acredita na modernização sem investimento e sem formação profissional?!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - A Sr.º Deputada poderá, com certeza, discutir números, critérios, a excepção e a regra..., mas a verdade é esta: este diploma não trata de qualquer modernização ou de verdadeira reestruturação, também ela defendida pelos sindicatos e pelas organizações de trabalhadores!
Contudo, não são esta reestruturação nem esta perspectiva de modernização, que o Governo diz ter, que os trabalhadores podem aceitar. De facto, o que verificamos é que a intenção do Governo se traduz na privatização da saúde. É mentira ou verdade, Sr.ª Deputada? Foi o Governo quem o anunciou!
Portanto, se privatizam o sector da saúde, o que acontece a esses trabalhadores? Ficam com os vínculos salvaguardados na função pública? Explique-me esta contradição, Sr.º Deputada.
Com efeito, pensamos que com esta perspectiva do "Estado mínimo" - a que alguém muito conhecedor já chamou autêntica privatização do Estado, tentando transformá-lo numa verdadeira sociedade anónima- e perante este decreto-lei, só existe uma alternativa: revogá-lo e, conjuntamente com as organizações dos trabalhadores, com aqueles que estão envolvidos neste processo, tentar começar um novo processo, visando uma verdadeira reestruturação e modernização necessárias ao País e à população portuguesa.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Proença.
O Sr. João Proença (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Dos manifestos eleitorais de todos os partidos consta, necessariamente, um melhor funcionamento da Administração Pública. Também o PSD nos prometeu menos Estado e melhor Estado.
Passados sete anos de Governo monocolor, essa promessa foi cumprida? É evidente que não. Temos hoje, claramente, pior Estado, o que aumenta o descontentamento dos cidadãos face à Administração Pública.
O Sr. Castro Almeida (PSD): - Não apoiado!
O Orador: - Em primeiro lugar, porque se multiplicam os circuitos, se provocam mudanças permanentes nos organismos e se torna a Administração mais opaca, mais burocratizada e mais desresponsabilizada.
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Em segundo lugar, porque o próprio Governo tem incentivado o descrédito da Administração e dos seus trabalhadores.
Em terceiro lugar, porque se provoca a desmotivação e a intimidação desses mesmos trabalhadores.
Em vez de se preocupar com a valorização profissional, com a mobilidade e com melhores qualificações e condições de trabalho, o Governo assume-se como o pior dos patrões. Não incentiva, ameaça; não investe na valorização dos trabalhadores, despede e reprime.
O ano de 1992 foi particularmente fértil nesta política: aumento de salários inferiores aos valores médios nacionais; ameaça de criação de dezenas de milhares de excedentes; tentativa de diminuição das futuras pensões de aposentação; início dos despedimentos dos contratados a prazo; multiplicação dos recibos verdes; e aumento da contratação de empresas de prestação de serviços. O Governo recorre mesmo à provocação e à discriminação, como aconteceu na passada terça-feira de Carnaval.
Os trabalhadores, com tudo Isto, são forçados a lutar. As duas recentes greves do sector, decretadas por todas as organizações sindicais, são bem a prova do seu descontentamento generalizado.
O Governo e o PSD falam muito em diálogo e em concertação social. No entanto, quanto à concertação social, são incapazes de promover acordos com os sindicatos da Administração Pública e, no que toca ao diálogo, preferem o autoritarismo e a política do facto consumado.
Apesar de todos os erros de gestão do PSD e da ausência de uma adequada e transparente política de admissões, é evidente que não existem trabalhadores a mais.
Os estudos da OCDE e os resultados de um estudo do Departamento Central de Planeamento, recentemente divulgado, indicam, para o sector público administrativo, um peso de 13,4 % do emprego total, contra 17,8 %, em média, para os países das Comunidades Europeias, o que significa que Portugal tem hoje, em média, na Administração Pública não só menos 25 % de trabalhadores que os restantes países comunitários como também, ern percentagem, menos trabalhadores que os liberais Estados Unidos da América.
Mas se não há trabalhadores a mais, os mesmos estão mal distribuídos; por isso é necessário melhorar a mobilidade, com incentivos adequados, a fim de lhes permitir transferirem-se de serviço e de localidade. É necessária uma política efectiva de promoção de mobilidade entre os diversos serviços e organismos. Mobilidade que não pode ser desligada de uma rigorosa gestão dos recursos humanos, considerando o controlo e a transparência das admissões, a formação profissional, as medidas voluntárias de descongestionamento e os horários de trabalho. Nesse sentido, o PS apresentou nesta Assembleia um projecto de lei.
Por outro lado, não se pode ignorar a necessidade de encontrar mecanismos que permitam ultrapassar obstáculos especiais a essa mobilidade, que existem no nosso país, como sejam o problema da habitação, o emprego dos restantes membros do agregado familiar e a escola dos filhos, permitindo-se a mobilidade entre as administrações central e local e vice-versa.
O diploma do Governo em apreciação, dito dos disponíveis ou excedentes, não é um instrumento promotor da mobilidade, bem pelo contrário, pretende-se com ele, basicamente, provocar a intimidação e o medo, criando, ao mesmo tempo, condições para despedimentos generalizados.
A prová-lo aí estão as repetidas declarações de membros do Governo de colocação na situação de excedentes de dezenas de milhares de trabalhadores, sem que, até hoje, um só - e repetimos -, um só membro do Governo tenha declarado a intenção de, por esta via, reforçar os recursos humanos de qualquer serviço ou organismo.
O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!
O Orador: - Para haver mobilidade é necessário saber "de onde e para onde", mas o Governo, até hoje, apenas tem dito que existem milhares de excedentes, apontando-os a dedo na agricultura, na segurança social e em muitos outros sítios. Até hoje nem um único organismo mostrou intenção de reforçar os recursos humanos, apesar de todos sabermos as deficiências graves que existem, por exemplo, na função social do Estado.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O Governo aponta excedentes, mas não tem qualquer autoridade moral para os criar, porque, nos sete anos de Governo PSD, o número de trabalhadores da Administração Pública aumentou sensivelmente.
Segundo o referido estudo do Departamento Central de Planeamento, em 1985 existiam 454 OOO trabalhadores, em 1991 esse número subiu para 506 OOO e, entretanto, o número de aposentados cresceu em mais de 40 OOO, o que significa que, neste período de sete anos de governo PSD, para novos postos de trabalho e para substituir trabalhadores aposentados foram admitidos quase 100000 trabalhadores. Estes números apenas pecarão por defeito, face ao imenso clientelismo de que o PSD tem dado provas!
Multiplica-se o pessoal ligado aos gabinetes dos membros do Governo, degrada-se a qualidade do emprego, com utilização permanente de vínculos precários, e contratam--se empresas de prestação de serviços para desempenhar funções na saúde, na educação e na generalidade dos organismos do Estado.
O Decreto-Lei n.º 247/92 só teoricamente visa adaptar os recursos humanos às missões dos serviços e às necessidades permanentes do seu funcionamento, porque são dadas ordens generalizadas a todos os dirigentes para elaborar listas de excedentes sem que tenha havido alteração das missões dos serviços ou sem que esses dirigentes, alguma vez, tenham sido consultados sobre a existência de trabalhadores subaproveitados.
Assiste-se mesmo à situação caricata de responsáveis de serviços e organismos que produziram e justificaram aumentos de efectivos serem agora confrontados com a imposição de criação de centenas de excedentes, por via da redução arbitrária de 5 % nos respectivos orçamentos.
O que se passa na segurança social é disso paradigmático: há seis meses os presidentes dos centros regionais, na sua generalidade, pediram e justificaram o alargamento dos quadros, mas recebem agora ordens para reduzir as despesas com o pessoal de 7 % a 11 %, o que passa pela elaboração de listas de disponíveis. Mais do que isso: são-lhes dadas ordens claras, com indicação das categorias e do número de trabalhadores a reduzir em cada uma delas, para, neste sentido, elaborarem os correspondentes projectos de portaria. São ordens arbitrárias, resultantes de análises puramente orçamentais e estatísticas, sem qualquer correspondência com a realidade dos serviços.
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O diploma dos excedentes, na sua origem, visa claramente impor a total arbitrariedade na gestão. Os critérios de selecção de disponíveis ou excedentes apenas foram introduzidos por razoes de constitucionalidade e, até hoje, apenas existirá um despacho aprovado -mantido no secretismo dos gabinetes, com total ignorância dos trabalhadores e dos seus sindicatos -, contendo, eventualmente, esses critérios. No entanto, existem não só ordens para constituir excedentes, sem os respectivos despachos, mas também listas de excedentes já constituídas, sem quaisquer critérios aprovados.
Mas, para além da mobilidade, ou da pretensa mobilidade, dos excedentes e dos despedimentos, introduzem-se ainda no mesmo decreto-lei mecanismos de mobilidade forcada - as chamadas medidas de descongestionamento.
Para "dourar a pílula", o Governo juntou às medidas dos excedentes as de descongestionamento. A este respeito, é bom lembrar, o Governo pediu à Assembleia duas autorizações legislativas separadas!
Não apreciamos agora a bondade das soluções apresentadas relativamente a estas medidas de descongestionamento, mas registamos que o Governo declarou aos sindicatos não se encontrar, para já, disposto à sua aplicação. Só assim se justifica que, passados quatro meses sobre a publicação do diploma, ainda não tenha sido publicado o despacho do Ministro das Finanças, a que se refere o artigo 6.º, com indicação das carreiras e categorias onde existe pessoal considerado disponível.
O Sr. José Puig (PSD): - Não será preciso!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: o objectivo do Governo não é, claramente, promover a mobilidade, pelo contrário, é criar uma "bolsa" com dezenas de milhares de trabalhadores desocupados, utilizados como tarefeiros para todos os serviços e em condições de, em qualquer momento, poderem ser despedidos.
Com isto pretende-se ainda criar condições psicológicas para "domesticar" a Administração por meio de intimidação individual, mas a reacção dos trabalhadores demonstra que não o conseguirão.
O PS recusa essa insensibilidade social do Governo, não só por imperativo moral mas porque quer uma melhor Administração, pelo que votará contra a ratificação deste decreto-lei.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Proença, que o PS não quer a desburocratização da Administração Pública já tínhamos sentido, e a sua intervenção, agora, acaba de o confirmar. VV. Ex.ªs são, de facto, os grandes adeptos da Administração Pública!
V. Ex.ª disse que a função pública aumentou em algumas dezenas de milhares de funcionários desde que o PSD é Governo. Consideramos que estes aumentos da função pública foram, única e exclusivamente - e isso é um facto provado e comprovado -, justificados por admissões de professores, de investigadores, de enfermeiros e de médicos...
O Sr. José Lamego (PS): - E pessoal do gabinete dos Ministros!...
O Orador: - ... e também pela regularização de dezenas de milhares de tarefeiros, em situação irregular, que o Governo de Cavaco Silva herdou de governos anteriores.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Considerando todos estes elementos, que são factos quantificados e comprovados,...
O Sr. José Puig (PSD): - É verdade!
O Orador: - ... pergunto a V. Ex.ª se considera que o Governo fez mal em ter admitido essas pessoas, porque, se não fosse isso, a Administração até teria reduzido os seus efectivos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Proença.
O Sr. João Proença (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Carp, o PS quer, efectivamente, a desburocratização e, quando foi Governo, criou condições para a fazer. Até criou a Comissão do Livro Branco para estudar a Administração Pública! Até teve a preocupação de reforçar o funcionamento dos serviços sociais e de modernizar os circuitos! Mas estávamos numa época diferente, com meios e condições diferentes!...
Vozes do PSD: - Vê-se!
O Orador: - Não consigo perceber a sua pergunta, porque o Sr. Deputado já foi responsável pela Administração Pública e sabe que o ingresso dos professores, dos médicos, dos enfermeiros e dos investigadores tem sido feito de acordo com descongestionamentos, através de despachos ou resoluções do Conselho de Ministros, publicados no Diário da República. Se fizer as contas - e não tenho aqui os números -, essas entradas andarão, no máximo, pelas 10 OOO ou 20 OOO.
O Sr. Rui Carp (PSD): - 50000!...
O Orador: - Por outro lado, as estatísticas que lhe citei nada têm a ver com os tarefeiros, dizem apenas respeito ao número global de trabalhadores ao serviço da Administração Pública, independentemente do seu vínculo. Nada têm a ver com alterações de vínculo!
O Sr. Rui Carp (PSD): - Tem, sim!
O Orador: - São pessoas que foram admitidas ultrapassando todos os circuitos legais, ofendendo o princípio constitucional da igualdade de condições de acesso à Administração Pública, isto é, pessoas que foram admitidas "pela porta do cavalo".
O Sr. Rui Carp (PSD): - Está enganado!
O Orador: - Constam das estatísticas e o Governo, passados todos estes anos, ainda é incapaz de identificar onde é que as pessoas existem e qual a sua distribuição por categorias.
Num levantamento que fiz, há tempos, verifiquei, por exemplo, o aumento brutal do número de motoristas -
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aumentaram em mais de 1000 -, o que é compreensível, pois também aumentou o número de dirigentes!
O Sr. Rui Carp (PSD): - É falso!
O Orador: - Aumentou, sobretudo, o pessoal auxiliar e administrativo e não o pessoal técnico superior; aumentou o pessoal da administração central, mas não aumentou o da administração local.
É importante que o Governo clarifique o que é a Administração Pública boje e o que ela era há sete anos.
Mas, independentemente destes números, há um dado que também é importante reter: é que, hoje mesmo, a Administração Pública portuguesa, apesar desses aumentos, está 25 % abaixo da média comunitária.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Ninguém sabe qual é a média comunitária!
O Orador: - E está abaixo dos 25 % porquê? Porque há graves carências na área da saúde, da educação, da segurança social, da justiça e da segurança dos cidadãos.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Os universos são diferentes!
O Orador: - Efectivamente, é necessário reflectir sobre a Administração que queremos, porque queremos uma melhor Administração.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Rui Carp (PSD): - Que falta de rigor!
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Há documentos sobre isso!
O Sr. João Proença (PS): - Sr. Deputado, leia os relatórios do Departamento Central de Planeamento e da OCDE!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento.
A Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É um facto inquestionável que a quantidade de serviços prestados pela Administração Pública aumentou significativamente nos últimos anos. Ninguém pode negar o crescimento dos sistemas educativo, de saúde e da justiça - isto para citar apenas os sectores em que esse crescimento foi mais visível.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Ao mesmo tempo, a evolução tecnológica invadiu a Administração Pública. São disso exemplo os computadores, que tomaram o lugar dos intermináveis cálculos manuais, e os populares faxes, que substituíram a circulação de papel, até então feita por pessoal que se deslocava permanentemente entre os diferentes serviços.
A par disto, as restrições orçamentais têm implicado congelamento de novas entradas, o que tem tido como consequência alguma escassez de recursos de pessoal técnico nos sectores em expansão e um acesso mais difícil desse mesmo pessoal, devido às exigências do necessário aumento de qualidade do serviço público.
Por tudo isto se entende que a distribuição de pessoal na Administração Pública se tornou desajustada à realidade, que foi evoluindo, sem que se dispusesse de elementos de gestão adequados à evolução dos tempos.
A Administração Pública começou a surgir como uma casa claramente desarrumada: falta de pessoal em serviços com óbvias necessidades e restrições à sua admissão; excesso de pessoal em muitos serviços e inviabilidade de recolocá-lo onde é necessário.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: o diploma aprovado pelo Governo, e hoje em discussão nesta Assembleia, é o instrumento de gestão que permite a mobilidade de pessoal - que se impunha -...
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - ... trazendo à Administração Pública a flexibilidade necessária aos sectores que pretendem modernizar-se.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Esta iniciativa do Governo tem sido apelidada de "lei dos disponíveis", o que subscrevemos, desde que devidamente entendido como "disponíveis" para a mobilidade e não para a inactividade.
Vozes do PSD: - Exactamente!
A Oradora: - O Governo recusa assumir a intenção, que lhe tem sido atribuída, de ter aprovado um diploma que visa libertar-se de excedentes de pessoal na Administração Pública.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Se há excedentes, desconhecemos. Por essa razão não enveredamos de imediato, e muito menos a priori, por medidas de descongelamento -tais como as aposentações antecipadas-, conforme tem sido sugerido por inúmeras vozes (e, ainda há pouco, pelo Sr. Deputado João Proença).
Só faz sentido adoptar medidas de descongestionamento ern situações de excesso de pessoal. A sua não adopção, por parte do Governo, neste momento, é a prova de que a intenção primordial deste diploma é a mobilidade e não a libertação de pessoal. Fazemos bem em não eleger como prioridade as medidas de descongestionamento. Os factos não nos incitam a outra actuação. Ainda não existem disponíveis e já os pedidos de pessoal para a Direcção-Geral da Administração Pública se traduzem, em média, por 90 ofícios por dia.
O Sr. José Puig (PSD): - É verdade!
A Oradora: - A definição de pessoal disponível para a mobilidade, ao assentar em critérios estabelecidos por lei, afasta a discricionariedade, que tanto tem servido de arauto aos que vêem más intenções no que são actos normais de gestão de uma sociedade moderna.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: não desconhecemos que mexer em pessoas, mesmo que seja apenas para alterar o seu local de trabalho, cria insatisfação e mesmo alguma insegurança.
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É obrigação social de todos nós não acalentarmos a insegurança e, muito menos, fomentá-la, sugerindo intenções e prevendo acções para as quais não existe qualquer legitimidade.
O Sr. José Puig (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - O Governo garante a máxima transparência em todo o processo, estando mesmo aberto a prossegui-lo em conjugação com os sindicatos, mas não pode nem deve abdicar de tomar as medidas necessárias ao progresso futuro do País.
A consideração que os funcionários nos merecem leva-nos a rejeitar com veemência as insinuações de objectivos obscuros numa lei que é, essencialmente, um instrumento de gestão necessário a uma moderna Administração Pública.
A leitura que, intencionalmente, tem sido feita do diploma não é de natureza técnica nem jurídica mas, sim, de natureza política. Só que os objectivos políticos não podem justificar todos os meios e, quando se trata de utilizar pessoas como seu instrumento, parece-me que a ponderação não deveria ter limites.
Aplausos do PSD.
O Sr. João Proença (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. João Proença (PS): - Para uma intervenção, Sr. Presidente.
Vozes do PSD: - Para pedir desculpas!
O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados João Proença e Jerónimo de Sousa entendem que devem usar da palavra, mais uma vez, sobre este assunto. Como já foram gastos os tempos de que podiam dispor para este debate, concedo um minuto a cada um.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Proença.
O Sr. João Proença (PS): - Sr. Presidente, Sr.º Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento: Ouvimos as suas declarações e parece-nos que o seu discurso nada tem a ver com o do Ministro da Agricultura, o do Secretário de Estado da Segurança Social ou de outros, que vão no sentido de querer sanear os excedentes. Ouvimos, também, os seus compromissos e registamo-los.
A minha pergunta - muito clara - é esta: a Sr.ª Secretária de Estado referiu 90 pedidos de trabalhadores por dia. Quando é que esses 90 pedidos por dia chegam para os milhares de excedentes da agricultura, da segurança social, da educação, etc.? Já agora, se a Sr.ª Secretária de Estado me quiser esclarecer, de onde vêm esses 90 pedidos diários que referiu? Não virão dos mesmos organismos cujos dirigentes os obrigaram a criar excedentes, porque nada têm a ver com as necessidades dos organismos?
O Sr. José Puig (PSD): - Durante muitos anos, 90 por dia, já são muitos, mas são todos trabalhadores!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, tem também V. Ex.ª a palavra para uma intervenção.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também eu registei a forma descansada como a Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento aqui garantiu que haveria mobilidade e não haveria excedentes na função pública. Registo isso, mas não posso conter o meu espanto quando confronto essa afirmação "tão sossegada"...
Vozes do PSD: - É a consciência tranquila!
O Orador: - ... com, por exemplo, a afirmação recente de um secretário de Estado que, nesta Assembleia, dizia: "Na minha área serão, quanto muito, 2000."
A Sr.ª Secretária de Estado disse que se usam pessoas. Creio que não lhe fica bem afirmar isso, porque é com estas afirmações -do outro Sr. Secretário de Estado - que fundamentamos as nossas justas preocupações em relação ao futuro dos trabalhadores da função pública.
O Sr. Presidente: - Para fazer uma intervenção, com a duração de dois minutos, no máximo, tem a palavra a Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento.
A Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, Sr. Deputado João Proença, queria tranquilizá-lo e dizer-lhe que, obviamente, não teria citado os 90 ofícios por dia se eles tivessem origem em serviços com hipotéticos excedentes. Não costumo fazer esse tipo de cálculos, nem esse tipo de análise.
Existem efectivamente esses 90 ofícios por dia, mas não têm a ver com os organismos que apresentam disponíveis.
Tanto o Sr. Deputado João Proença como o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa apontam números, falam em milhares, dizem que há um Sr. Secretário de Estado que falou em 2000, que um outro falou em 3000, que um outro fala em milhares. Só quero dizer-lhes que não excluo a hipótese de haver esses milhares de disponíveis para a mobilidade, mas não são excedentes.
Vozes do PSD: - Exactamente!
A Oradora: - E nesse ponto admito que haja 2000 funcionários disponíveis para serem mobilizados para outros locais onde estejam a fazer falta.
O Sr. João Proença (PS): - Mas onde?!
A Oradora: - Por exemplo, no sector da educação. Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.
O Sr. José Puig (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Como, aliás, já foi referido numa intervenção, a modernização e racionalização da Administração Pública - e seria bom registar que a Administração é uma máquina, um aparelho, com cerca de 0,5 milhões de funcionários - necessita de determinados instrumentos e hoje estamos aqui a discutir um deles, que nos parece determinante e indispensável para atingirmos esse mesmo objectivo, nomeadamente o da eficiência, combatendo o subaproveitamento, a subutilização, dos
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recursos humanos e dos materiais disponíveis. Ouvimos uma série de críticas, mas não o que seria importante: uma alternativa.
Digam-nos, Srs. Deputados, se estão sintonizados no mesmo objectivo: modernizar. Qual é afinal a alternativa?
Penso que deste debate já resultou claramente que a expressão atribuída pelo Sr. Deputado Jerónimo de Sousa a este decreto-lei, "lei dos despedimentos", foi francamente infeliz. Uma expressão melhor, se quisermos usar uma, para classificarmos o conteúdo e os objectivos deste diploma, seria "lei das mobilidades".
O Sr. João Proença (PS): - Ah!... Essa é boa! Mobilidade para onde?! Para a educação?!
O Orador: - A Sr.º Secretária de Estado designa-a por "lei de disponíveis para a mobilidade", mas a expressão "lei das mobilidades" é, em minha opinião, a que melhor a definiria.
De facto, a deslocação de funcionários entre os diversos serviços da Administração Pública pode resolver todo o problema existente na nossa Administração, reconhecido pelo próprio Deputado Jerónimo de Sousa, que disse, na sua intervenção: "É certo que há serviços com funcionários a mais e muitos outros com funcionários a menos." Como é que o Sr. Deputado resolve isto? Qual é o seu milagre, sem ser o de os transferir de uns serviços para outros?
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Quais são os critérios?!
O Orador: - Não estamos a imaginar nenhum!
Olhe, Sr. Deputado, a prova da intenção do Governo na aplicação deste diploma - e é uma interpretação que podemos fazer porque é muito clara e objectiva - é feita através de ainda não ter sido dado o despacho previsto no seu artigo 6.º, que fixará que "O pessoal considerado disponível nos termos do artigo 3.º e integrado nas categorias e carreiras [...] poderá optar [...]" - entrando no quadro de disponíveis - "[...] por uma das seguintes medidas excepcionais de descongestionamento da função pública:". Não está dado, e sabe porquê, Sr. Deputado? Esse despacho não foi ainda dado porque, como a expectativa da Administração é a de ser minimalista, os problemas que aqui se colocam podem ser resolvidos através das transferências, o que conduz à sua desnecessidade.
Por outro lado, há um outro aspecto, muito importante, de que os senhores têm falado ultimamente e que só por esta via se pode resolver. Penso que só com um diploma desta natureza se pode racionalizar e moralizar o próprio sistema de contratações da Administração Pública.
O que se passa actualmente? Os senhores falam: "recibos verdes/contratos a prazo". É certo que têm existido algumas situações dessas e sabem porquê? Porque existe um número de funcionários públicos, cerca de 0,5 milhões, número que a Administração considera correcto, nem a mais nem a menos, e, sendo assim, não se pode dar azo a contratações sem regras, por tudo quanto é lado. É por essa razão que existem tectos nas contratações, o que dá origem a que os serviços tenham gente a mais e a não poderem mandá-los para outro serviço.
O Sr. João Proença (PS): - Olhe a lei!
O Orador: - E por acaso sabe como é que, nas situações em que há gente a menos, actuam os organismos para fugir a esse tecto?
O Sr. João Proença (PS): - Olhe a lei!
O Orador: - Recorrem aos recibos verdes, aos contratos a prazo e, aí, não há qualquer segurança no emprego, não há estabilidade nem vínculo laboral. Ora, é isso o que tanto nós como, certamente, o Governo queremos combater com este diploma legal.
Já ouvi, em declarações à comunicação social, dizer a alguns Deputados do PS e do PCP que os "desgraçados" dos funcionários do Porto, que aí trabalham, iriam, na base deste diploma e da tal deslocação, ser transferidos para Bragança, para Loulé, para Portimão...
O Sr. João Proença (PS): - Leia o decreto-lei!
O Orador:- Srs. Deputados, desafio-vos a dizerem isso, aqui.
No entanto, quero deixar a todos os funcionários públicos a mensagem, clara, de que, com base neste diploma - e analisei-o atentamente, o que os senhores também deveriam ter feito-, só podem ser transferidos para os concelhos limítrofes.
O Sr. João Proença (PS): - É falso, Sr. Deputado! Leia o diploma!
O Orador: - Sr. Deputado, diga-me qual é a norma a
que se refere.
Vozes do PSD: - Leia, Sr. Deputado João Proença! Leia!
O Orador: - Diga qual é a norma ern que se baseia.
Por outro lado, também gostaria de sublinhar um outro aspecto importante, já aqui abordado, que é o da facilitação, que agora se criou com este normativo, na deslocação de funcionários entre as administrações central e local. Este é um dado muito importante no sentido da modernização, pois há diversas autarquias que estão constantemente a solicitar - como penso ter sido já referido para a Direcção-Geral da Administração Pública - técnicos qualificados, com experiência profissional em determinadas áreas, nomeadamente no ordenamento, porque o novo desafio dos planos directores municipais a isso obriga. Como se sabe, os planos directores exigem a contratação de técnicos com novos perfis e novas experiências e será este o diploma legal que vai permitir a resolução desta questão.
Muito brevemente, gostaria de dizer aos funcionários públicos - aos quais os senhores tenham criado, nas respectivas mentes, um falso alarme e um dramatismo,...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - ... que não têm qualquer razão de ser-...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - ... que, como a Administração entende que o número global de funcionários públicos é sensivelmente correcto, não é possível que o objectivo deste diploma (e isso não vai acontecer) seja o de qualquer cam-
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panha de disponibilização maciça, como os senhores têm anunciado.
Estejam descansados todos os portugueses porque, mais uma vez, as vossas previsões não vão confirmar-se. E estou a lembrar-me, por exemplo, das vossas previsões a propósito de um pacote laboral, de que muito se falou, em 1989,...
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Acha que é pouco?!
O Orador: - ... de uma grande campanha de despedimentos, que não se verificou e que não passaram de falsos alarmes e dramatismos. Agora vai acontecer o mesmo, mas daqui a um ano estaremos tranquilos, porque nenhuma das vossas previsões irá concretizar-se.
Aplausos do PSD.
Vozes do PS: - Essa é boa!
O Sr. João Proença (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito?
O Sr. João Proença (PS): - Para exercer o direito de defesa da honra e consideração, visto o Sr. Deputado José Puig ter feito uma afirmação não verdadeira.
Vozes do PSD: os dias!
Ora, ora! Vocês fazem isso todos
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vou dar-lhe a palavra para esse efeito, mas com esta ressalva: se V. Ex.ª usar da palavra não para o estrito objectivo de defesa da vossa consideração mas para, eventualmente, "passar ao ataque", retiro a palavra e ninguém irá considerar-se desrespeitado por isso. E, Sr. Deputado, pode ter a certeza de que retiro mesmo a palavra.
Tem a palavra, Sr. Deputado João Proença.
O Sr. João Proença (PS): - Sr. Presidente, teremos esse facto em consideração.
O Sr. Deputado José Puig disse que não era possível a deslocação de funcionários para fora do distrito - e citou o caso específico do Porto. Peco-lhe, Sr. Deputado, que leia o artigo 19.º do diploma em apreço, porque, a meu ver, fez uma leitura demasiado apressada.
O Sr. José Puig (PSD): - Quando é que um funcionário vai do Porto para Bragança?!
O Orador: - O artigo 19.º obriga os trabalhadores a aceitarem colocação fora do distrito após um certo período de disponibilidade. Bem, com estas perspectivas, é evidente que as nossas afirmações acerca da "mobilidade forcada" estão claramente justificadas e que o seu discurso do "oásis" é que não está.
O Sr. Presidente: - Com a mesma ressalva de que lhe concedo a palavra apenas para dar explicações e nada mais, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.
O Sr. José Puig (PSD): - Com certeza, Sr. Presidente, vou cingir-me estritamente ao tema.
Sr. Deputado João Proença, vamos começar por clarificar um ponto: o artigo 19.º é uma norma de excepção, sendo apenas aplicado em casos manifestamente excepcionais. Mas mesmo aí, Sr. Deputado, a regra a utilizar não é a desse artigo, mas a constante na alínea a) do n.º 2 do artigo 22.º, que, para os casos de Lisboa e Porto, diz: "[...] a passagem à actividade pode ser feita no concelho de residência ou nos concelhos limítrofes;". A regra é esta!
O Sr. João Proença (PS): - E eu é que sou distraído!...
O Orador: - Mas se o Sr. Deputado quer a constante no artigo 19.º, que é a situação de excepção, olhe que o funcionário só pode, com base naquele condicionalismo, ser colocado num de cinco municípios à sua escolha. Repito, Sr. Deputado: o funcionário escolhe o município. E o Sr. Deputado bem sabe que nos distritos do Porto ou de Lisboa há muito mais do que cinco municípios. Ora, se o funcionário for do concelho de Valongo, poderá escolher os municípios de Gondomar, da Maia, de Santo Tirso, de Vila Nova de Gaia e do Porto. Todos eles ficam ali perto e não terá, com isso, grande prejuízo. Nunca vai do Porto para Bragança, nem nada que se pareça!
O Sr. João Proença (PS): - Ó Sr. Deputado, falei de forma forçada!
O Orador: - É o funcionário que escolhe, de entre cinco, o município para onde vai. Foi isto o que o Sr. Deputado se esqueceu de dizer! A verdade é esta e é o que está consagrado no diploma legal.
No entanto, é com estas campanhas de falsos alarmismos que os senhores vão conseguindo "levar a água ao seu moinho", mas estes debates são bons, exactamente, para que tudo fique esclarecido.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Puig, não sei se foi bem uma explicação aquilo que deu, mas talvez tenha sido uma explicação do legislador...
Para exercer o direito de defesa da honra e consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, saberá V. Ex.ª que não é meu hábito utilizar esta figura regimental, que considero ser demasiado respeitável, mas o Sr. Deputado José Puig acaba de fazer uma afirmação que não é verdadeira, porque eu não disse que havia trabalhadores a mais na função pública. Já que ouviu maí e para que conste no Diário, leio-lhe o texto.
Mas analisemos o diploma em alguns aspectos fundamentais: "disponível" pode significar quer a situação de um trabalhador quer o reconhecimento da existência, neste ou naquele serviço ou organismo, de trabalhadores a mais. Portanto, é o diploma que diz isso, pelo que não o deve pôr na minha boca.
Em segundo lugar, Sr. Deputado, se "lei dos despedimentos" é uma expressão infeliz, critique o Sr. Ministro das Finanças, que foi o primeiro a baptizá-la desse modo na Comissão de Economia, Finanças e Plano.
Aplausos do PCP e do PS.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig, com a mesma ressalva de há pouco: é para dar explicações e nada mais.
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O Sr. José Puig (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, por esta sua intervenção concluo que, no fim deste debate, estará muito mais optimista em relação a toda esta situação dos funcionários públicos.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Gostaríamos muito!
O Orador: - Em todo o caso, penso que o debate foi bom.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, declaro encerrado o debate das ratificações n.º 50/VI (PCP) e 51/VI (PS), relativas à apreciação do Decreto-Lei n.º 247/92, de 7 de Novembro, que racionaliza o emprego dos recursos humanos da Administração Pública.
Srs. Deputados, antes de passarmos à apreciação da última ratificação, o Sr. Secretário vai dar conta de dois pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a solicitação do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia -Processo n.º 1612. 3.º Juízo, 1.ª Secção-, a Comissão de Regimento e Mandatos decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Manuel Moreira (PSD) a depor na qualidade de testemunha em audiência de julgamento nos autos em referência.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes e dos Deputados independentes Freitas do Amaral, João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.
Tem a palavra, Sr. Secretário.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, por último, a solicitação do Tribunal Judicial da Comarca da Anadia -Processo n.º 331/92, 2.º Juízo, 2.º Secção-, a Comissão de Regimento e Mandatos decidiu emitir parecer no sentido de não autorizar o Sr. Deputado Simão Ricon Peres (PSD) a suspender o seu mandato para comparecer no citado Tribunal.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes e dos Deputados independentes Freitas do Amaral, João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.
Vamos passar agora à apreciação do Decreto-Lei n.º 238/92, de 29 de Outubro, que regula o policiamento de espectáculos desportivos realizados em recintos desportivos [Ratificação n.º 52/VI (PS)].
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Laurentino Dias.
O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O pedido de ratificação do Decreto-Lei n.º 238/92, de 29 de Outubro, que o PS entregou na Mesa da Assembleia da República, tem a ver com uma questão principal, que constituirá o objecto essencial da minha intervenção, e com uma outra a que chamaria de acessória, a qual .foi, aliás, mais divulgada e discutida no debate público realizado a propósito deste diploma e que eu, em jeito de questão prévia, desde já colocava ao Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna. Tem a ver com os encargos do policiamento dos espectáculos desportivos e com a discussão pública realizada sobre dívidas dos organizadores dos espectáculos desportivos - dos clubes, das federações, das associações - que, segundo V. Ex.ª, ascendiam a cerca de meio milhão de contos.
Já agora, e a este propósito, o PS gostava de ser esclarecido sobre se essas questões foram resolvidas, se as liquidações foram feitas e se o respectivo dossier foi encerrado.
Também importa saber se, desde a entrada em vigor deste decreto-lei, em Outubro passado, tudo tem decorrido normalmente no que diz respeito às liquidações de encargos correspondentes às comparticipações das várias entidades que têm a ver com esta questão.
Finalmente, e para terminar esta introdução, gostava de saber o que pensam o Governo e V. Ex.ª do regime que vigorará no próximo ano, e que é apontado no decreto-lei mencionado, no sentido de deixar de ser aplicado o adicional de 7 %, pelo que os clubes não poderão contar com essa receita para custear despesas de policiamento. Esta questão tem a ver com a matéria em discussão, mas não deixa de ser, no nosso entender, lateral. Para o PS é importante, e penso que também deve importar ao Governo, bem como a esta Câmara, a segurança dos cidadãos. A nossa obrigação constitucional e cívica, para além do mais, é a de procurarmos zelar pelas condições de segurança e de tranquilidade dos cidadãos quando presentes em recintos de espectáculos desportivos - essa é que é, no nosso entender, a questão essencial.
Refere este decreto-lei, no seu preâmbulo, que pretende estabelecer o regime de policiamento dos espectáculos desportivos, a definição da responsabilidade dos organizadores e a eventual comparticipação do Estado nesta matéria.
Sr. Secretário de Estado, os espectáculos desportivos são, como sabemos e a opinião pública bem conhece, locais de risco, de grandes concentrações de massas, em que, frequentemente, não apenas no nosso país mas também no estrangeiro, surgem casos, porventura negativos, mas que não devemos deixar de conhecer e de apreciar, que têm gerado situações profundas de conflito e de instabilidade social, acarretando mesmo danos físicos e, nalguns casos, a morte. Ora, são as questões relacionadas com esta matéria que nos preocupam.
O Sr. Secretário de Estado concordará connosco quando fazemos a consideração de que o recinto desportivo, da menos participada modalidade aos espectáculos dos grandes jogos de futebol, com dezenas de milhares de pessoas - alguns dos estádios do nosso país chegam a ter cerca de 100 OOO pessoas -, não são espaços neutros, ou seja, não se equiparam à tranquilidade de um jardim ou de outro local público onde, à partida, os cidadãos disfrutam de condições de tranquilidade e de sossego. Repito: são espaços que podemos, por uma questão de precisão, definir como locais de risco.
Esses fenómenos de massas e de comportamento de multidões que ainda nos últimos tempos foram exacerba-
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dos e testemunhados por vários cidadãos a propósito de conflitos verificados entre claques desportivas - e a que, na minha perspectiva, os dirigentes dos clubes souberam de alguma forma pôr cobro ou minimizar - têm uma explicação, que não apenas nós como os técnicos competentes em matéria de segurança, temos vindo a apreciar um pouco por todo o lado na Europa, naturalmente que também em Portugal e, inclusive, nos serviços a que V. Ex.ª, Sr. Secretário de Estado, superintende.
O controlo da segurança nos recintos desportivos é difícil, implica soluções complexas e tem originado uma evolução na apreciação da forma como deve ser prosseguido. Lembramos que, ainda há relativamente poucos anos, as soluções encontradas quando a violência aconteceu de forma muito forte, nomeadamente nos estádios de futebol, foi quase no sentido de dar-lhes um ar e ambiente de quartel, enchendo as margens dos recintos verdes com contingentes de tropa e de forcas policiais. O tempo e a prática vieram demonstrar que essas soluções eram negativas; hoje entende-se que é preferível optar por outro tipo de soluções, procurando "disfarçar" a presença da autoridade para que ela não possa, pela sua intervenção e até mesmo pelo simples facto de estar presente, ser um factor perturbador ou naturalmente instigador de alguma conflitualidade entre ela própria e os espectadores presentes. É verdade que este risco é enorme, que a imprevisibilidade das situações de conflito e de violência nos recintos desportivos é muito grande e que a experiência conhecida no estrangeiro, bem como ern Portugal, não deve ou não pode ser por nós esquecida; desde logo, não pode ser esquecida pelo Governo, dentro das suas obrigações constitucionais.
Uma das obrigações do Estado e do Governo é a de, como todos sabemos, assegurar, desde logo, a segurança dos cidadãos, a ordem e a tranquilidade em qualquer local, mas também nos espaços públicos e naqueles que são destinados aos recintos desportivos. E, Sr. Secretário de Estado, não é a Lei de Bases do Sistema Desportivo, para além da própria Constituição da República, que refere que a prática desportiva é desenvolvida na observância dos princípios da ética desportiva", que "à observância desses princípios estão igualmente vinculados o público e todos os intervenientes no exercício de funções directivas ou técnicas e que, na prossecução desta ética desportiva, é obrigação do Estado adoptar as medidas tendentes a prevenir e a punir as manifestações antidesportivas e de violência? Claro que sim! Consequentemente, todos nós - os grupos parlamentares, o Partido Socialista, o Governo, os cidadãos em geral - temos a obrigação de acatar estes princípios e de, no nosso espaço de intervenção, procurar defendê-los.
Neste quadro, passemos à apreciação do decreto-lei.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado Ajunto do Ministro da Administração Interna, refere o preâmbulo deste decreto-lei o seguinte: "O regime de policiamento dos espectáculos desportivos, a definição da responsabilidade dos organizadores e a eventual comparticipação do Estado carecem [...] de clarificação e de garantias de praticabilidade."
No n.º 2 do artigo 1.º deste mesmo decreto-lei há uma alínea que define, pura, simples e exclusivamente, o que é um "recinto desportivo" e outra que define o que é o "organizador de espectáculo desportivo". Depois, no artigo 2.º, estabelece-se o princípio da requisição supletiva, ou seja, a responsabilidade pela manutenção da ordem dentro do respectivo recinto e pelos eventos resultantes da sua alteração incumbe aos organizadores e só supletivamente, quando entendem que não têm condições para garantir a ordem, podem pedir a intervenção ou a presença da força pública. Todos os outros artigos têm a ver com encargos: "Responsabilidade pelos encargos com o policiamento" (artigo 3.º); "Participação do Estado" (artigo 4.º); "Calendário dos espectáculos" (artigo 5.º); "Qualificação dos espectáculos" (artigo 6.º); "Número de efectivos" (artigo 7.º); "Regime de requisição e pagamento das forças de segurança" (artigo 8.º); "Conselho técnico" (artigo 9.º) [...]
Sr. Secretário de Estado, este decreto-lei, que, no seu preâmbulo e nos seus princípios, pretende definir como deve fazer-se o regime de policiamento e assegurar a segurança nos espectáculos desportivos versa apenas sobre questões de quem paga a segurança nos espectáculos desportivos. Ou seja, este decreto-lei foi apenas - e perdoem-me a expressão - uma encomenda dos organizadores de espectáculos desportivos para encontrarem uma forma (e que bem discutiram com VV. Ex.as de, porventura, terem menos prejuízo ou gastarem o menos possível na organização dos espectáculos desportivos. Só que as obrigações públicas do Governo são bem diferentes das obrigações dos dirigentes dos clubes! Enquanto os dirigentes dos clubes têm, desde logo, e se calhar de acordo com as suas preocupações, em primeiro lugar, de procurar minimizar os encargos financeiros da sua própria actividade e do seu clube, ao Estado incumbe, sejam quais forem as necessidades de obrigação financeira, seja qual for o custo dessas obrigações, garantir a segurança dos cidadãos, que não tem preço.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Este decreto-lei, Sr. Secretário de Estado, não devia chamar-se aquilo que se chama mas, isso sim, "Regime de encargos com o policiamento dos espectáculos desportivos".
O Governo, ao dizer aquilo que diz neste decreto-lei, demite-se das suas obrigações; o Governo, ao dizer aquilo que diz neste decreto-lei, quer dizer aos Portugueses, aos cidadãos, aos organizadores de espectáculos desportivos, que eles são os responsáveis únicos e simples por aquilo que se passa dentro dos campos. Aliás, Sr. Secretário de Estado, o preâmbulo deste decreto-lei refere que o Estado só tem a ver com a segurança até à porta dos estádios e que aquilo que se passa lá dentro é da exclusiva responsabilidade dos organizadores dos espectáculos desportivos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, informo que, a partir deste momento, está a gastar tempo cedido pelo CDS.
O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Secretário de Estado -e permita-me esta blague-, quando o seu Ministério se preocupou, durante um ano e meio, com um inquérito parlamentar sobre a eventual participação de uma segurança privada de um clube de futebol, que, por sinal, era o Futebol Clube do Porto, e quando na opinião pública se verberaram atitudes de algumas pessoas que, pelos vistos, foram encarregadas por esse clube de fazer alguma espécie de segurança -não sei qual!... -, V. Ex.ª convirá que esse clube não estava a fazer mais do que aquilo a que este decreto-lei o obrigava, dizendo: "a responsabilidade é vossa!". É que, com este decreto-lei, os clubes podem atribuir a segurança dentro dos seus recintos a empresas privadas de segurança,
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aos seus próprios associados -chamem-se eles "Abel" ou outra coisa qualquer- e por tudo aquilo que se passar dentro dos recintos desportivos são esses organizadores de espectáculos e os clubes, pura e simplesmente, os responsáveis, demitindo-se o Estado dessas funções.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado: já nem vate a pena falar, porque o tempo é escasso, da imparcialidade e da força que tem, para. garantir a segurança, a presença da força pública, que é, obviamente, aos olhos dos cidadãos, aos olhos dos adeptos do clubes A ou B, uma força imparcial que está ali para zelar pela segurança de todos.
Seria, pois, inconcebível - e estou a ver-me e, se calhar, V. Ex.ª também a fazê-lo- entrar num recinto desportivo com 100000 pessoas e verificar que a segurança é garantida por uma empresa de segurança contratada pelo clube da casa, que, provavelmente, perante dois presidentes de clubes engalfinhados, terá de optar não sei por qual, mas, porventura, por aquele que contratou os seus serviços.
Isto significa, Sr. Secretário de Estado, que este decreto-Lei, mais do que aquilo que devia fazer, que era garantir, de facto, a segurança dos cidadãos nos recintos desportivos, aumenta seriamente o risco pelo qual todos passamos quando nos dirigimos a um recinto desportivo para, tranquila e calmamente, assistir ao espectáculo.
Sr. Secretário de Estado, em conclusão, o que o PS pretende saber é o seguinte: o Governo tem consciência desta omissão grave das suas responsabilidades e está disposto a omitir esta lacuna regulamentando, decidindo, impondo a si próprio as suas obrigações, ou, pelo contrário, entende que este regime é para valer? É que, se este regime é para valer e se essa for a decisão final do Governo, saibam que, no meu entender, no entender do PS e, porventura, no de todos os cidadãos desportistas ou não desportistas, mas atentos a este fenómeno, VV. Ex.as assumirão, pessoal e politicamente, a responsabilidade por todos os factos, mais ou menos graves, que venham a acontecer nos espectáculos desportivos.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Gostaria de começar por refutar uma das afirmações do Sr. Deputado Laurentino Dias, quando disse que a segurança dos cidadãos não tem preço. A segurança dos cidadãos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, tem, como todos sabemos, preço! E é um preço elevado, no sentido de que, não sendo qualquer entidade a pagá-lo, o Estado tem, aliás por obrigação constitucional, de fazê-lo.
O que estamos aqui, hoje, a discutir, neste processo de ratificação do Decreto-Lei n.º 238/92, é tão-somente uma parte daquilo que é da responsabilidade do Estado em termos da segurança dos cidadãos, designadamente no respeitante aos acontecimentos desportivos realizados em recintos desportivos.
Relativamente a esta matéria, não quero deixar de sublinhar o enorme esforço de concertação que, durante longo tempo, cerca de oito meses, tanto quanto sei, o Governo desenvolveu com todas as entidades habitualmente organizadoras de espectáculos desportivos, no sentido de encontrar uma solução que obviasse as dificuldades financeiras, que são reais, que estão visíveis e que requerem de todos nós a responsabilidade para poder ultrapassá-las.
Como é sabido, neste aspecto, há uma disposição legal, constante de um diploma, que atribuiu que, através das receitas geradas pelo Totoloto, 1,5 % dessa exploração fosse afecta ao pagamento destas despesas de policiamento.
O que se verificou foi que, em poucos anos, o enorme aumento de acontecimentos desportivos no País -que, aliás, se saúda! - e a dimensão que alguns desses espectáculos desportivos têm assumido geraram custos enormes, que ultrapassam, ern muito, as receitas que, por lei, estão afectas ao pagamento do policiamento em recintos desportivos.
Ora, perante esta responsabilidade, tínhamos de encontrar uma solução, e foi o que fizémos em concertação, sublinho-o uma vez mais, com os agentes que normal e habitualmente promovem espectáculos desportivos, com duas salvaguardas: primeira, a de que o Estado assegurava, obviamente, o pagamento do policiamento em relação às manifestações desportivas que compreendessem as classes etárias mais jovens, ou seja, todos aqueles que estão abaixo da classe dos seniores, como sejam os juniores e os juvenis; segunda, a de que o Estado assegurava também, natural e compreensivelmente, o policiamento dos acontecimentos desportivos que tivessem como participantes as selecções nacionais de quaisquer modalidades.
Finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, do nosso ponto de vista, a solução que foi encontrada tem razão de ser na concreta dificuldade com que estávamos confrontados e que obteve - é bom referi-lo! - a compreensão dos agentes envolvidos nesta matéria.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Em relação a este ponto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, só para dar alguns números elucidativos, queria dizer que, por exemplo, em 1991, se fizéssemos o cálculo das verbas necessárias para o policiamento de todas as actividades desportivas que regularmente se realizam no nosso país, veríamos que um milhão de contos não chegaria para isso.
De facto, o que estamos aqui a discutir - e o Sr. Deputado Laurentino Dias esqueceu-se de referir este ponto - não é o policiamento das zonas exteriores dos estádios ou dos recintos desportivos onde se realizam estes acontecimentos mas, sim, o policiamento nas zonas interiores dos recintos desportivos.
Ora, quanto a este ponto, parece razoável que haja uma participação dos promotores dos espectáculos desportivos, assegurando o Estado - e isto está perfeitamente claro no texto do decreto-Lei - o pagamento do policiamento e da segurança no exterior dos recintos desportivos.
Relativamente a este ponto, gostaria ainda de dizer que no ano passado, das receitas que por lei estavam afectas a estas despesas, faltaram cerca de 400 OOO contos e que o Estado gasta mais de 200000 contos por ano só com o policiamento exterior dos recintos desportivos.
O Sr. José Puig (PSD): - É verdade!
O Orador: - Sr. Deputado Laurentino Dias, este decreto-Lei não se fica só, como V. Ex.ª expressamente referiu, pela questão dos pagamentos que as entidades que organizam os espectáculos desportivos têm de fazer para o policiamento desses mesmos espectáculos, porque há neste decreto-lei outras inovações, que são relevantes e que
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clarificam, de forma importante, alguns aspectos significativos, designadamente ao acolher as recomendações internacionais no que se refere à classificação ae eventos desportivos como sendo de risco, de alto risco ou normais.
Portanto, estão aqui salvaguardados, com critérios muito precisos, quais os contingentes de forças policiais que devem estar afectos a este tipo de acontecimentos desportivos, pelo que não se deve criar a falsa ideia de que estamos num regime "sem rei nem roque" e que está completamente em perigo a segurança de todos quando nos deslocamos para um recinto desportivo.
É que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quando falamos de segurança em acontecimentos desportivos não importa só - diria até que não importa exclusivamente - falar das questões de segurança. Aliás, quanto a este ponto, creio que o Sr. Deputado Laurentino Dias fez uma intervenção que me parece perfeitamente ajustada, porque referiu aqui algumas das preocupações que são hoje actuais em relação à forma como se deve expressar esta segurança. No entanto, esqueceu-se de dizer, por exemplo, que temos muito que fazer - e é cada vez isso é mais inadiável - em relação às próprias condições físicas dos recintos desportivos e às condições de evacuação das pessoas. Na verdade, em muitos dos recintos desportivos - e tem havido alguns exemplos disso - temo que essas condições não estejam totalmente criadas.
De qualquer forma, este decreto-lei, para além das questões que o Sr. Deputado Laurentino Dias aqui expressou, refere também outras que são importantes, nomeadamente a fixação de um regime simplificado de transferências de verbas entre o Ministério da Administração Interna e as entidades organizadoras dos acontecimentos desportivos, coisa que não se verificava na anterior legislação e que o Sr. Deputado Laurentino Dias se esqueceu de falar.
Por outro lado, o Sr. Deputado esqueceu-se também de dizer que, no caso de um recinto desportivo ser interdito, é automaticamente obrigatória, até ao fim da respectiva época desportiva, a presença das forças policiais para fiscalização e prevenção de eventuais situações que aí se verifiquem.
Um outro aspecto que o senhor se esqueceu de referir - e que, aliás, tem sido muito querido nos vossos discursos políticos, mas que desta vez não convinha abordar - tem a ver com a questão da composição do conselho técnico, que é diferente da que estava prevista na legislação anterior e que dá mais voz às organizações que representam as entidades que organizam os eventos desportivos. Finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, gostaria de dizer que este diploma não tem por único objectivo passar para as entidades que organizam os acontecimentos desportivos as despesas do policiamento, mas tem também outras regras extraordinariamente importantes para a clarificação da relação entre o Estado e da repartição de responsabilidades ao nível do pagamento do policiamento destes acontecimentos desportivos.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, durante um minuto, tempo cedido pela Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Laurentino Dias.
O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Deputado Miguel Macedo, de uma forma muito telegráfica e simples, gostaria de colocar-lhe uma questão: por exemplo, no Campeonato Nacional da 1.º Divisão, dos 18 clubes que fazem parte desta divisão só dois, neste momento, é que são obrigados, por força desta lei, a requerer à Polícia de Segurança Pública ou à GNR o policiamento no interior dos seus estádios, porque tiveram o campo interdito durante esta época, enquanto que os outros 16, onde se incluem os grandes estádios (Porto, Benfica, Sporting...), não são obrigados a requerer a presença das forças policiais.
V. Ex.ª acha que, podendo, no próximo domingo, os clubes dizer "não queremos PSP, não queremos GNR, nós cá nos organizamos para fazer a segurança...", isso garante aos cidadãos, de facto, a segurança? Não garante!
Ora, é esta a preocupação que o Governo esqueceu, por isso a sua intervenção falou apenas de números, mas para nós - como dizemos numa campanha pública, que é verdadeira- as pessoas não são números, as pessoas são pessoas e é nessa qualidade que nos interessam. É, pois, dada a preocupação que temos com a segurança das pessoas...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ... e não apenas pela verdade dos seus números, que apresentámos a ratificação agora em análise.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo, dispondo de um minuto.
O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Laurentino Dias, a campanha do Partido Socialista não fala em números mas, sim, em negócios, o que é uma coisa completamente diferente! E eu não vim aqui falar de negócios!...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: é óbvio que aquilo que o Sr. Deputado Laurentino Dias disse agora é uma caricatura daquilo que, evidentemente, se passa no dia a dia nos acontecimentos desportivos, porque neste relacionamento - que julgo saudável - que tem existido entre o Governo e as entidades que organizam os acontecimentos desportivos de relevância, como são indiscutivelmente os jogos do Campeonato Nacional da 1.º Divisão, não passa pela cabeça de ninguém que um dirigente desportivo responsável possa não querer segurança no interior de um recinto desportivo.
Portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a pergunta do Sr. Deputado Laurentino Dias é, evidentemente, uma caricatura,...
O Sr. Laurentino Dias (PS): - Não é, não!
O Orador: - ... que, do meu ponto de vista, não tem de ter uma resposta a não ser num sentido também caricatural. Portanto, aquilo que está expresso neste decreto-lei não tem nada a ver com aquilo que o Sr. Deputado Laurentino Dias veio agora perguntar. O que está relacionado com o decreto-lei é só a questão da repartição do pagamento do policiamento no interior dos recintos desportivos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: não se esqueçam de que os acontecimentos desportivos que aqui estão em causa geram receitas que vêm, por exemplo, do pagamento de direitos para tudo e para nada.
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A questão que se coloca - e podemos fazer essa discussão de uma forma mais alargada noutra ocasião, uma vez que não é propriamente esta, julgo eu, a ocasião própria para esse efeito - é a de saber se entendemos ou não que, num espectáculo que é pago e que tem despesas, se deve ou não englobar nessas despesas o policiamento a esse mesmo espectáculo.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Desde a 2.º revisão constitucional que foi estabelecida a incumbência do Estado (artigo 79.º da Constituição) de "prevenir a violência no desporto".
Se é verdade que nunca houve entre nós, felizmente, acontecimentos tão graves como já vimos acontecer noutros países, designadamente em estádios de futebol, a verdade é que já tem havido problemas, nalguns casos sérios, a nível de violência nos estádios, pelo que a questão fundamental é, acima de tudo, a de prevenir de modo a que esses acontecimentos não aconteçam. É que não é só depois de acontecerem fenómenos de violência extremamente graves, como já vimos, infelizmente, noutros países, designadamente europeus, que teremos de tomar medidas. Temos de tomar medidas para prevenir que esses acontecimentos de violência possam acontecer nos nossos estádios.
O que nos parece é que este decreto-lei sobre o policiamento nos recintos desportivos enferma de um grande demissionismo e de alguma irresponsabilidade a esse nível, na medida em que dispõe que a requisição da força policial é facultativa e da responsabilidade dos organizadores, a menos que os recintos tenham sido declarados interditos nessa época. Esta é a velha máxima do "depois de casa roubada, trancas na porta",...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!
O Orador: - ... nada se fazendo para que, antes de os acontecimentos terem lugar, estes possam ser prevenidos.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Creio, aliás, que o que aqui foi dito a propósito da situação que este decreto-lei gera no exemplo dos campeonatos de futebol da 1.º Divisão é extremamente significativo. É impensável para qualquer um de nós a realização dos jogos de futebol, inclusivamente de alto risco, sem a presença de forças de segurança, mas isso só não acontece porque os clubes não são irresponsáveis, uma vez que, à face deste decreto-lei, isso podia perfeitamente acontecer.
Por outro lado, é também bastante grave que se refira, no artigo 3.º, que "a responsabilidade pelos encargos com o policiamento de espectáculos desportivos realizados em recintos desportivos é suportada pelos respectivos organizadores". Sendo obviamente de considerar que, no caso do desporto profissional, os clubes possam assumir, pelo menos, uma parte da responsabilidade com esses encargos, parece-nos que o Estado não deve demitir-se dessa responsabilidade, porque a segurança dos cidadãos é, sobretudo, responsabilidade sua. Escusado será dizer que, no caso das modalidades amadoras ou das modalidades profissionais naqueles segmentos que são praticados sob forma amadora, que é o caso dos escalões inferiores e, também, das distritais, entendemos que o Estado não deve fugir às suas responsabilidades com o policiamento desses recintos e que esses jogos também têm, obviamente, problemas a nível da segurança dos cidadãos, ou podem vir a tê-lo.
É do conhecimento geral que a solução que o Governo encontrou na primeira versão deste decreto-lei (porque este diploma tem, de facto, duas versões) não agradou a ninguém, na medida em que se pediram aos clubes que adiantassem dinheiro, que eles, obviamente, não tinham. Ora, isto criou as situações que todos conhecemos, ou seja, de protesto por parte de vários clubes, designadamente de escalões de futebol amador, e acabou por haver uma segunda versão deste decreto-lei, que foi feita da pior maneira - creio que é importante que tenhamos aqui consciência disso.
O que o Governo fez, um mês depois da publicação deste decreto-lei, foi uma declaração de rectificação no Diário da República que não é nenhuma rectificação, são alterações substantivas ao decreto-lei. Ora, o Governo não pode fazer isto, porque senão qualquer dia, numa revisão constitucional, teremos de prever a figura da chamada "rectificação das declarações de rectificação" que são publicadas no Diário da Republicai
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!
O Orador: - A declaração de rectificação serve para corrigir gralhas, inexactidões do texto do decreto-lei, e não foi isso que se passou. E é evidente que o Governo não levaria um mês a descobrir esses erros. Quando se diz: "onde está ano económico deve ler-se mês", obviamente que isto não é a alteração de uma gralha, mas a correcção daquilo que o Governo viu que tinha feito mal. Quando, a propósito do artigo 9.º, se prevê "dois representantes das federações" e o Governo verifica que se esqueceu de dizer "sendo um deles representante da Federação Portuguesa de Futebol (FPF)", é evidente que isto não é correcção de nenhuma gralha, mas a verificação por parte do Governo do esquecimento da FPF, que tinha de contemplar. Quando se diz, no artigo 10.º: "onde se lê campeonatos deve ler-se competições", obviamente que se estão a ler coisas completamente diferentes. Há, pois, aqui um abuso do instituto de declaração de rectificação que não pode passar em claro, sob pena de o Governo fazer as versões que entender e alterar como entender diplomas legislativos sob a forma de uma simples declaração de rectificação que consta do Diário da República e para a qual muito poucos reparam. Portanto, aquilo que estamos a discutir aqui já não é o decreto-lei cuja ratificação foi pedida pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
Creio, pois, que temos de ter em atenção estas situações para que não se repitam, uma vez que são extremamente graves do ponto de vista institucional e, mesmo, do ponto de vista do Estado de direito; por isso o reparo.
Uma última questão, Sr. Secretário de Estado: têm sido tornadas públicas, através da comunicação social, afirmações de responsáveis, designadamente do seu Ministério, de que as verbas disponibilizadas nos termos deste decreto-lei e que advêm do Totoloto não vão chegar até ao fim da época, o que poderá colocar uma situação grave. Essas notícias referem também que em final de Fevereiro, princípios de Março, já seria possível ter uma avaliação sobre
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se o dinheiro iria chegar ou não, dado que estariam já decorridos os primeiros meses de aplicação deste decreto-lei.
A questão concreta que coloco é a de saber se confirma a versão atribuída ao secretário-geral do Ministério da Administração Interna de que, de facto, o dinheiro para o policiamento não vai chegar até ao fim da época ou se essas previsões não se confirmam.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna (Carlos Encarnação): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Deputados Laurentino Dias e António Filipe, particularmente: Devo dizer que comecei a ficar preocupado com a intervenção do Sr. Deputado Laurentino Dias porque, dos 10 minutos de que dispunha para fazer a intervenção, aos sete minutos e meio ainda não tinha falado no diploma e depois passou um minuto a citar os números dos artigos. Esquecia-me eu que ele tinha um bónus da Mesa e que, portanto, tinha mais três minutos! E durante esses três minutos conseguiu fazer aquilo que não conseguiu fazer em 10! Isto é, conseguiu colocar alguma questão, talvez relevante, em relação a esta matéria, questão essa que me faz agora intervir de modo a sossegar o seu espírito, assim como o do Sr. Deputado António Filipe, e a tentar recolocar a questão nos seus verdadeiros termos.
O Sr. Deputado Laurentino Dias não pode partir da conclusão de que o Governo quer alhear-se do que quer que seja, de que quer alienar responsabilidades, de que quer alijar responsabilidades, de que quer, de forma absoluta, transferir responsabilidades. O que o Governo quer é dar soluções responsáveis, dialogadas, concertadas, estabilizadas em relação a problemas tão importantes como o que estamos a discutir. Se o Sr. Deputado Laurentino Dias fizesse uma pequena excursão pelo tempo anterior à nossa decisão e ao diploma que aqui está presente para apreciação de não ratificação, veria as organizações desportivas e os clubes de futebol a dizer uma coisa e as organizações policiais a dizer outra completamente diferente. A grande questão que se estabelecia naquela altura e que era assumida publicamente por vários responsáveis era esta: havia polícia a mais nos espectáculos desportivos e que, assim sendo, eles não deviam ser pagos pelos clubes desportivos.
Da parte da polícia havia a afirmação de que existiam os agentes necessários e suficientes para fazer o policiamento dos espectáculos desportivos. Eram afirmações contraditórias, que introduziam um clima de suspeição e de conflito numa área onde não devia existir, porque, como V. Ex.ª disse, e bem, trata-se da segurança de todas as pessoas que ali se deslocam.
Mas também, incompreensivelmente, havia uma distracção fundamental: um regime que vem desde 1979, que se aplica a todos os espectáculos em geral, nomeadamente aos espectáculos de grande lotação, e que refere, como princípio geral, exactamente aquilo que este diploma refere, ou seja, que a responsabilidade cabe, em primeira linha, aos organizadores e se estes entenderem que não têm capacidade, como não têm, na maior parte dos casos, para fazer, em termos de policiamento, em termos de condições de segurança, a manutenção da ordem dos recintos, têm de recorrer à força pública especialmente preparada.
Isto é, quisemos lembrar aos organizadores de espectáculos realizados em recintos fechados a sua particular responsabilidade, que ninguém pode alienar e que eles próprios têm de assumir.
Entendo que neste domínio dos espectáculos desportivos realizados em recintos fechados existem variadíssimos graus de segurança e de risco. E, como assim é, tentámos, de uma forma perfeita e cabal, reduzir isso a escrito. Como é que fizemos isso, Sr. Deputado Laurentino Dias? Trouxemos para o diploma normas internacionais da UEFA sobre a classificação dos espectáculos desportivos, para que nem uns nem outros pudessem dizer que havia gente a mais ou a menos e para tentar fixar que, quando a força pública intervém, deve fazê-lo com toda a responsabilidade e na medida exacta daquilo que é necessário dentro de cada acontecimento desportivo.
Portanto, é natural que V. Ex.ª tenha ficado um pouco sugestionado pelas primeiras palavras do diploma. No entanto, é conveniente ler todos os diplomas, pois, quando um pessoa faz uma exigência ern relação a uma peça qualquer, designadamente a uma peça normativa, é conveniente ler do princípio até ao fim e tentar verificar qual é o seu espírito e como é aplicado na prática.
V. Ex.ª, com a sua solução, que era magnânima, como todas as soluções do Partido Socialista necessariamente são, diz, e bem, que o Partido Socialista recusa-se a falar em números. Mas é natural, porque, como se engana sempre nos números, é normalmente necessário e útil falar noutras coisas porque vai-lhes melhor com a vossa própria idiossincrasia. Portanto, a sua solução era muito mais magnânima: era simplesmente dizer que o Estado paga tudo, não há responsabilidade de ninguém. Como o Estado já gasta ern relação a esta matéria quase 500 OOO contos, pode muito bem gastar o resto! Era uma solução simples, eficaz e prática. Só que, na verdade, não acrescentava responsabilidade a ninguém, não definia os vários níveis de responsabilidade, não definia um regime aplicável que fosse sério e seguro. Aliás, devo dizer-lhe que não se trata de qualquer "negócio" porque nestas matérias não há negócios. Trata-se da afirmação e da comparticipação da responsabilidade, que é uma coisa completamente diferente.
Depois de Dezembro de 1991, em que encontrámos uma situação onde havia atrasos de dinheiros, não cumprimento da legislação aplicável, por exemplo, a dos 7 %, que foi o adicional entretanto combinado e transposto para a lei em 1991, que era da responsabilidade da Federação cobrar, iniciámos um trabalho de diálogo com as pessoas, diálogo esse que durou muito tempo, durou praticamente oito meses, até chegarmos, diz o Sr. Deputado António Filipe, à "formulação final" do diploma. Mas, Sr. Deputado, um diploma não tem de ter só uma formulação final. Se, na verdade, é pensado, como todos o são, negociado, meditado, aquilatado nos seus efeitos práticos, tem de ter um percurso normal, tem de ter várias redacções, porventura várias fases no seu percurso.
Sr. Deputado António Filipe, é assim que eu trabalho e é assim que na maioria dos casos trabalhamos; não pode ser de outra maneira. Se V. Ex.º tivesse esta responsabilidade, com certeza faria a mesma coisa, porque não duvido da sua seriedade!
Agora, acontece é que esta formulação final, quando foi enviada para a Presidência da República, teve falhas, porque a redacção que foi enviada não correspondia à redac-
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cão acabada. Foi isso que se pretendeu corrigir com a declaração de rectificação.
Portanto, não se quis modificar ou fazer nada de essencial que os clubes, as federações, as associações que connosco estiveram sentadas à mesma mesa - as organizações policiais também lá estiveram ao mesmo tempo, lembro isto ao Sr. Deputado Laurentino Dias- não tivessem sabido. Ou seja, não foi nenhuma surpresa, as pessoas e as organizações já sabiam disto.
O Sr. Deputado Laurentino Dias dizia que este regime causa perplexidade, dificuldades e ansiedade ern relação às pessoas. Sr. Deputado, este regime já levou a alguma diminuição da segurança nos estádios?
V. Ex.ª, consultando a sua consciência, virando-se para si próprio, já que não o quer dizer em público, tem de reconhecer intimamente que não há qualquer condição que tenha alterado de forma negativa as condições de segurança dentro dos estádios portugueses, muito pelo contrário.
Ainda recentemente, aconteceu um problema emergente, o célebre problema das claques, que foi imediatamente respondido e atacado com a maior urgência, quer por alguns clubes desportivos, a quem faço jus de reconhecer a extraordinária acção que tiveram, quer pelo próprio Ministério da Administração Interna, quer pelas forças de segurança. Portanto, Sr. Deputado Laurentino Dias, pode estar descansado.
Agora, não há dúvida alguma de que o policiamento desportivo não é uma forma de repressão mas de contenção e de prevenção. V. Ex.ª não consegue fazer-me acreditar que, por exemplo, os espectáculos com escolas ou com juvenis devem ser policiados. Penso que é uma ofensa ao próprio desporto que isso aconteça. Penso que não devem ser policiados, pois é tentar iniciar as pessoas numa forma e numa prática desportiva exactamente com a mentalidade ao contrário da que devem ter. O espectáculo tem de ser uma festa, tem de ser entendido como tal. É evidente que as condições de segurança têm de ser exercidas e asseguradas dentro de condicionantes e de limites que toda a gente conheça à partida para que ninguém os possa ignorar no momento da sua aplicação.
No fundo, é isso que este diploma faz. Para além de fazer outra coisa, que o Sr. Deputado Laurentino Dias minimiza, mas que penso ser importante, que é traçar um regime novo de responsabilidade dividida entre os clubes e o Estado, em relação as receitas a aplicar nesta matéria.
Todavia, lembro ao Sr. Deputado António Filipe que a ideia que transparece da lei não é a da assunção completa da responsabilidade financeira mas a de uma participação destinada justamente aos mais débeis, ou seja, aos campeonatos distritais e nacionais de juniores para baixo, isto é, as classes inferiores às de juniores. Só nesta medida é que é natural que o Estado comparticipe, porque noutra medida seria, na verdade, fazer uma violência contra o próprio Estado. Portanto, pensamos que não seria legítimo exigir-lhe esta contrapartida.
Por isso mesmo, todos os clubes de futebol entenderam que o regime era justo e praticável.
Aplausos do PSD.
Entretanto, assumiu a presidência a Sr.º Vice-Presidente Leonor Beleza.
A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Laurentino Dias.
O Sr. Laurentino Dias (PS): - Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª disse que o Estado não alienou responsabilidades, que este diploma pretendeu definir níveis de responsabilidade. De facto, define: define que até à porta do estádio a responsabilidade é do Estado e da porta para dentro é dos clubes, excepto quando requeiram a presença da força pública. É óbvio que define esses níveis de responsabilidade.
Quanto àquilo que V. Ex.ª disse relativamente ao resto do diploma que, aliás, tive a oportunidade de identificar artigo a artigo, é óbvio que a qualificação dos espectáculos só tem a ver - e só tem a ver, de facto - com o artigo seguinte, que é aquele que fala do número de efectivos. Portanto, só para esse efeito é que V. Ex.ª introduziu aquilo que chamou de normas UHF A sobre esta matéria.
Quanto à questão de agente a mais ou a menos, de polícia a mais ou a menos, tanto eu como V. Ex.ª, todos nós sabemos que isso é uma questão de preço, de custo. Ninguém discutiu essa questão com base na real segurança ou insegurança dos espectáculos desportivos mas, sim, pensando no seu maior ou menor custo. De facto, sabe-se que é esse custo do policiamento e da segurança que está na base deste diploma e da discussão pública feita entre VV. Ex.as e os agentes desportivos.
Sr. Secretário de Estado, a segurança, repito, não tem preço. E como V. Ex.º se preocupa muito com os custos do policiamento dos espectáculos desportivos para o Orçamento do Estado, relembro as palavras proferidas há pouco por um Sr. Deputado, ao dizer que das receitas do Totoloto e do Totobola é reservada uma verba até ao limite de 1,5 % - essas receitas vêm, de facto, dos espectáculos desportivos.
O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!
O Orador: - Os espectáculos desportivos financiam o Estado, mas o Estado tem grande relutância, relativamente a uma matéria desta natureza e sensibilidade, em voltar a atribuir à organização desportiva e ao fenómeno desportivo as receitas que ele próprio arrecada.
Sr. Secretário de Estado, a nossa preocupação relativamente a esta matéria deriva do facto de pensarmos - e digo-o aqui publicamente- que o Estado e o Governo, através deste diploma, demitem-se das suas funções. Por isso, gostava de repetir a pergunta que fiz: este diploma é para valer ou o Governo entende que deve revê-lo para assegurar as suas obrigações, mesmo dentro dos estádios desportivos, onde esta questão assume relevâncias por vezes bem perigosas para os cidadãos?
Vozes do PS: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, V. Ex.ª procurou furtar-se a uma questão que coloquei, fazendo um elogio à minha seriedade, o que retribuirei dizendo o seguinte: o Sr. Secretário de Estado, tal como eu, é uma pessoa séria e, por isso, sabe que não pode alterar um decreto-lei através de uma declaração de rectificação.
V. Ex.ª disse que um decreto-lei tem de passar por várias versões, sendo discutido com várias entidades.
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É claro que, antes de ser publicado no Diário da República, passa pelas versões que tem de passar, mas, uma vez publicado no Diário da República, tem a versão que tem, a menos que seja alterado por outro decreto-Lei que lhe dê uma versão diferente, alterando alguns dos seus artigos. Aquilo que o Governo fez foi manter o decreto-lei, alterando-o substancialmente - e repito, substancialmente - em vários pontos através de uma simples declaração de rectificação feita pela Presidência do Conselho de Ministros. Ora este procedimento não é legalmente correcto. Em minha opinião, isto deve ser aqui salientado, porque o Sr. Secretário de Estado deveria ter ponderado as consequências do dispositivo que ia aprovar antes de o ter feito e de o ter enviado para publicação no Diário da República. Se entendeu que ele estava mal elaborado e devia ser alterado, alterava-o, como é evidente, através de um novo decreto-lei.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna: - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados Laurentino Dias e António Filipe, quase não valia a pena responder-lhes, mas, de qualquer forma, vou fazê-lo para que não existam dúvidas sobre as vossas interrogações.
Sr. Deputado Laurentino Dias, este diploma é para valer e para cumprir. Penso que, na prática, não causou - como V. Ex.ª também o disse - qualquer problema ou qualquer diminuição de segurança. E um regime devidamente pensado e equilibrado e, portanto, não temos de alterá-lo. O grande problema do Sr. Deputado - e relembro mais explicitamente o que, há pouco, já referi - foi o de ter lido o número dos artigos e não o seu conteúdo.
Sr. Deputado António Filipe, como sabe, quando se faz uma rectificação dessas, pede-se autorização à Presidência da República Foi exactamente isso que foi feito, tendo sido explicado à Presidência da República o que tinha acontecido. Não queira V. Ex.ª ser melhor juiz do que a Presidência da República!
A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, terminámos, por hoje, os nossos trabalhos.
A próxima sessão plenária realizar-se-á na próxima terça-feira, dia 9, pelas 15 horas, com um período de antes da ordem do dia, durante o qual cada grupo parlamentar disporá de seis minutos, e com um período da ordem do dia, de que constará a apreciação de um recurso interposto pelo Deputado independente Mário Tomé relativamente à ordem do dia e a discussão dos projectos de lei n.º 99/VI - Garante o direito à igualdade de tratamento no trabalho e no emprego (PCP) e 103/VI- Alteração da imagem feminina nos manuais escolares (Os Verdes). Finalmente, terão lugar votações de vários projectos de resolução.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 13 horas e 10 minutos.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
António José Caeiro da Motta Veiga.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
João Álvaro Poças Santos.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José António Peixoto Lima.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Partido Socialista (PS):
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António José Borram Crisóstomo Teixeira.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Lage.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Jaime José Matos da Gama.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Maria Odete dos Santos.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
José Luís Nogueira de Brito.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.
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