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10 DE MARÇO DE 1993 1639

legiado no processo de socialização de crianças e jovens. E uma educação em que, naturalmente, os manuais escolares, como instrumentos de trabalho, assumem particular relevância e importância como veículos de conhecimento científico que naturalmente são, mas, sobretudo, como veículos portadores de valores na óptica social implícita.
Manuais que, pelo conteúdo e imagem, são responsáveis pela transmissão de valores e pela sua reprodução, através de normas sociais a que a autoridade a que a escola está associada confere ainda maior poder na assimilação de comportamentos e atitudes que tendem a ser interiorizados pelas crianças e adoptados como condutas suas.
Trata-se, assim, de agir nesta relação criança/livro, introduzindo a preocupação de alterar mentalidades atendendo, no caso presente, ao conteúdo sexista dos manuais, à veiculação de estereótipos, à reprodução de imagens tradicionalmente associadas a papéis sociais que discriminam e menorizam a mulher. Isto é, pretende-se, atendendo à qualidade dos manuais, que a igualdade, que a lei consagra, também neles se exprima através da sua imagem e conteúdo.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Aditando ao Decreto-Lei n.º 369/90, que estabelece o sistema de adopção, vigência e controlo de qualidade dos manuais escolares, novas preocupações e nova forma pretende-se não contrariar ou distorcer o seu espírito, mas antes acrescentá-lo e enriquecê-lo no que era omisso.
Trata-se, afinal, de dar conteúdo na definição, até agora genérica, da qualidade que lhe está associada introduzindo critérios e parâmetros que nos parecem ausentes.
Trata-se, pois, de agir numa perspectiva não exclusivamente técnica mas intervir claramente num sentido preciso que se propõe eliminar, como objectivo, todas as formas de discriminação sexista, através da despistagem do seu conteúdo.
Gostaria ainda de explicar as razões de se introduzir, neste projecto de lei e com este objectivo, a proposta de participação das organizações não governamentais que integrarão as comissões científico-pcdagógicas que avaliam a qualidade dos manuais escolares, dado que a intervenção destas organizações é, cada vez, com mais força e de modo mais alargado, entendida como uma condição indispensável e indissociável de qualquer alteração da sociedade.
A riqueza do património destas organizações, a sua intervenção cívica, que todos consensualmente subscrevem e hoje mesmo aqui foi sublinhada, é para nós importante e por isso julgamos imprescindível dar-lhe forma. No caso concreto é disso que se trata, fazendo, pois, com que as organizações não governamentais, como parceiros importantes da sociedade, possam eleger representantes seus que integrem os conselhos científico-pedagógicos, que avaliam o projecto e o diploma em discussão na generalidade.
Finalmente, gostaria de dizer que para nós este projecto, e já o referimos quando o apresentámos há um ano, não esgota, nem tem pretensões de o fazer, todo o manancial de formas que importa alterar nos manuais escolares e, se calhar, em muitos outros materiais e noutras formas de veiculação de ideias que se destinam em particular aos jovens.
Contudo, pensamos e esperamos, tendo em conta a opinião expressa pela maioria das bancadas, que, na discussão na especialidade, possam ser encontradas soluções consensuais que compatibilizem as diferentes perspectivas que sobre este projecto se colocam.

Aplausos do Deputado do PCP António Filipe e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Paula Barros.

A Sr.ª Ana Paula Barros (PSD): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Mais uma vez a Câmara é chamada a pronunciar-se sobre a imagem da mulher nos manuais escolares e por isso estamos, ainda que indirectamente, a debruçarmo-nos sobre o estereótipo que, subtil mas irresistivelmente, faz das mulheres o ser frágil, pronto para a submissão e ávido de simpatia que diariamente nos é transmitido como que naturalmente, como se essa fosse a ordem e estrutura normal da sociedade, como se isso correspondesse à própria e intrínseca natureza das coisas.
Múltiplos factores contribuem, sem dúvida, para que seja aceite a imagem de que a menina deve brincar com bonecas, ajudar a mãe a pôr a mesa e arrumar a casa, enquanto o rapaz brinca com carros, ajuda o pai a comprar jornais e quando muito, arruma o seu quarto. Imagens que nos são inculcadas desde cedo e que invariavelmente associam a mulher às lides domésticas como suas atribuições e deveres intrínsecos.
Estas situações afiguram-se-nos mais ou menos normais, porque, desde muito cedo, essa distribuição de tarefas e papéis nos é imposta quando ainda não possuímos uma consciência crítica suficientemente desperta, ou seja, quando ainda somos danças.
Os manuais escolares e a escola representam para uma grande parte das crianças portuguesas o primeiro contacto com uma realidade diferente da familiar. Por eles, e através deles, a criança apreende imagens e interioriza valores, reacções e crenças, aprendendo a colocar-se e a adaptar-se ao seu papel na vida social.
É, pois, de toda a importância que os manuais escolares se abstenham de optar e ou indiciar uma determinada divisão social de trabalho ou uma particular forma de entender o lugar de cada cidadão na sociedade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - É importante que os conteúdos sexistas e discriminatórios da imagem e papel da mulher na sociedade desapareçam dos ditos manuais, por forma a que a criança cresça livre de poder optar, sem ser constrangida ou coagida por uma divisão de tarefas rígida, tradicional e profundamente desadaptada dos dias de hoje.
A forma como deve e será feita essa despistagem carece ainda de discussão e aprofundamento. No essencial, porém, todos estamos de acordo.
Muitos manuais escolares violam o princípio da não discriminação que decorre directamente do artigo 13.º, n.º 2, da Constituição.
Urge, portanto, uma intervenção do legislador, intervenção que terá de ser ponderada e equilibrada, de modo a evitar que, a coberto de uma necessidade e vontade de promover a igualdade de tratamento efectiva entre homens e mulheres, se caia numa egualitarização monótona e monocórdica que esqueça que o direito de ser tratado igualmente implica o direito de ser diferente e o respeito por essas diferenças.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Não basta fazer leis; é necessário fazer boas leis nesta matéria tão melindrosa e particular, pois das opções que tomarmos hoje depende também a igualdade da sociedade de amanhã.
Aplausos gerais.

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