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Sábado, 24 de Abril da 1993 I Série - Número 63
Diário da Assembleia da República
VI LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 23 DE ABRIL DE 1993
Presidente: Exmo. Sr. Adriano José Alves Moreira
Secretários: Exmos. Srs.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário
José Ernesto Figueira dos Reis
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 45 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.º 302/VI a 304/VI e do projecto de deliberação n.º 63/VL
Procedeu-se à apreciação do Decreto-Lei n.º 249/92, de 9 de Novembro [ratificação n.º 54/VI (PS)]. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado dos Recursos Educativos (Bracinha Vieira), os Srs. Deputados Virgílio Carneiro (PSD) e José Calçada (PCP), após o que foi aprovado um requerimento, apresentado pelo PS, de baixa do diploma à Comissão.
Foi também apreciado o Decreto-Lei n. º 257/92, de 12 de Novembro [ratificação n.º 55/VI (PCP)], tendo intervindo, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Agricultura (Álvaro Amaro), os Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP), António Lobo Xavier (CDS) e Vasco Miguel (PSD).
A Câmara apreciou ainda o Decreto-Lei n.º 193/92, de 30 de Dezembro [ratificação n.º 56/VI (PCP)]. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado da Administração Interna (Carlos Loureiro), os Srs. Deputados João Amaral (PCP), Nogueira de Brito (CDS) e José Puig (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 12 horas e 40 minutos.
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O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 45 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Abílio Sousa e Silva.
Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Ana Paula Matos Barros.
Anabela Honório Matias.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Isilda Maria Renda Periquito Pires Martins.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Eduardo Dias Madeira Gouveia.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Manuel Pereira de Almeida e Silva.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José António Peixoto Lima.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Maria Luísa Lourenço Ferreira. Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro António de Bettencourt Gomes.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.
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Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardas Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borram Crisóstomo Teixeira.
António Luís Santos da Costa.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luis.
Edite de Fátima Santos Marreiros Estrela.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Casta.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Barbosa Mota.
José Eduardo Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dona Santa Clara Gomes.
Raúl de Assunção Pimenta Rêgo.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
Apolónia Maria Alberto Pereira Teixeira.
Arménio Horácio Alves Carlos.
João António Gonçalves do Amaral.
José Fernando Araújo Calçada.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
José Luis Nogueira de Brito.
Juvenal Alcides da Silva Costa.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.
Partido da Solidariedade Nacional (PSN):
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.
Deputados independentes:
Diogo Pinto de Freitas do Amaral.
O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa e foram admitidos os seguintes projectos de lei: n.ºs 302/VI - Elevação da vila de Esposende à categoria de cidade (PSD); 303/VI - Alteração da designação da freguesia de N.º Sr.ª do Ó de Aguim (PSD) e 304/VI - Criação da freguesia de Altura, no concelho de Castro Marim (PS) - que baixaram à 5.ª Comissão.
Deu ainda entrada o projecto de deliberação n.º 63/VI - Comissão eventual para a cooperação parlamentar entre Portugal e o Brasil (PS, PSD, PCP e CDS).
O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Srs. Deputados, vamos dar início à apreciação do Decreto-Lei n.º 249/92, de 9 de Novembro, que estabelece o regime jurídico da formação contínua de professores da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário [ratificação n.º 54/VI (PS)].
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Virgílio Carneiro.
O Sr. Virgílio Carneiro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: Se tivesse sido eu o autor do presente decreto-lei, que estabelece o regime jurídico da formação continua de professores da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, com certeza que o diploma seria algo diferente. Apesar disso,
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não tenho motivos, pelo menos fortes, para não o apoiar. Pelo contrário, este facto de, pessoalmente, não ver a formação contínua de professores por um prisma totalmente coincidente com o modelo em vigor toma-me mais insuspeito para que, nas presentes circunstâncias, o defenda.
Para quem tem da pedagogia um conceito não burocrático; para quem vê a formação de professores centrada numa filosofia da educação assente em valores universais, éticos e morais; para quem teve, durante toda uma vida profissional de cerca de 30 anos, de recorrer ao seu próprio bolso para se actualizar e enriquecer humanamente em acções e bibliografias portuguesas e estrangeiras; para quem tem da prática docente um entendimento não simplista nem superficial, qualquer diploma visando os objectivos que o presente visa o levaria, à primeira vista, a ficar de «pé atrás», como é costume dizer-se.
Esta é uma atitude humana e legítima, mas que não deve ser céptica e, muito menos, detractora, como, por vezes, algumas que por aí campeiam. Pelo contrário, obriga a reflectir, a descobrir e a aceitar que outras perspectivas e diferentes formulações são tão válidas como as nossas próprias e cumprem tão bem como as nossas cumpririam os objectivos pretendidos: formar, actualizar e reconverter os professores.
É que, com efeito, o diploma hoje em questão tem muitas virtualidades e atingirá, pelo menos na maior parte, o seu desiderato. O facto de ser pioneiro nesta matéria no nosso país constituirá desde já um dado histórico na educação portuguesa, com a possibilidade de, passado o primeiro teste, vir a sofrer sucessivas e acrescidas melhorias, se a prática as aconselhar.
Para além disso, Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados, este diploma permitirá, e já está a permitir, um verdadeiro diagnóstico da capacidade que os professores portugueses têm de se organizarem com vista ao seu enriquecimento pessoal, científico-pedagógico, técnico e tecnológico; de manifestarem o seu interesse, o seu entusiasmo e a sua dedicação à causa do sucesso educativo e escolar, de se inquietarem com a sua constante actualização e formação humana e deontológica e de, enfim, demonstrarem que estavam sedentos de colmatarem as suas carências profissionais e de serem promovidos pelo mérito.
Mas este decreto-lei satisfaz também as recomendações e disposições da Lei de Bases do Sistema Educativo, assim como os princípios fixadas no Estatuto da Carreira Docente, no que concerne à actualização, aperfeiçoamento e reconversão da actividade docente. Mas vai mais longe, ainda. O esquema encontrado permite, num primeiro impacte, facultar formação a um larguíssimo universo de docentes (mais de 60 000), sem os obrigar a longas deslocações e prolongadas ausências dos seus compromissos lectivos. Isto, num país onde os profissionais da educação nunca tinham usufruído de semelhante e tão necessária oferta do Estado, é uma medida de profundo alcance.
Por outro lado, tudo isto foi negociado com as organizações sindicais e profissionais representativas dos professores, que são quem melhor sabe das necessidades e carências de formação que os seus associados têm, diminuindo, por isso, o peso de qualquer argumento meramente político.
É, finalmente, de considerar que, embora nem todos se revejam totalmente no sistema proposto, a verdade é que a maioria dos interessados lhe reconhece exequibilidade e positivas virtualidades, que a sua concretização, já em marcha acelerada, começa a comprovar. Por isso não seria lógico nem conveniente que nesta altura, por capricho apenas político, se viesse interromper a sua execução, com todos os prejuízos pedagógicos e materiais inerentes.
Sr. Presidente, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: este sistema de formação contínua representa um notável exercício de boa fé na inovação, na liberdade e na autonomia dos professores e educadores no seu caminho para a qualidade educativa.
Estas são as nossas convicções e, porventura, as do próprio partido proponente deste agendamento, pois que entendemos, neste caso, que o bizarro emudecimento a que se remeteu, mais do que qualquer solidariedade, significará que vai votar connosco a ratificação de» diploma hoje chamado à colação.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.
O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Decreto-Lei n.º 249/92, que estabelece o regime jurídico da formação contínua de professores da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, é mais um exemplo, razoavelmente acabado, de uma certa forma de hipocrisia deste Governo, que se tem revelado particularmente fértil no domínio da educação.
Todavia, não é que o diploma em abstracto não contenha virtudes, tal como aconteceu e acontece com o normativo que enforma o novo modelo de avaliação dos alunos do ensino básico, mas desconhece, ele também, o País real. Na verdade, este Governo, confrontado com os milhões de contos que desaguam da Comunidade, mais do que preocupado em criar condições concretas que levem a um real aproveitamento desses milhões, o que faz, antes de tudo, é criar normativos para eles.
Assim, é razoável pensar que o sistema creditário de natureza bancário, que está intimamente ligado a este novo sistema de formação, em última análise, conduz à sua perversão, pois que mais facilmente poderá «descambar» para uma busca de créditos do que para uma busca de formação real.
Pode conter em si, potencialmente, um «ideal» de competitivismo desenfreado e encarar as escolas - antes de tudo os professores e cada um deles - como uma entidade que, mais do que trabalhar com os outros, trabalha contra os outros.
É um normativo feito para subsídios, mais do que para ter em atenção o seu real aproveitamento. Antes de tudo, atende ao processo e pouco ao produto. Basta passarmos pelas escolas para confirmarmos a enorme perplexidade que as tem invadido, tendo em conta a dificuldade concreta para implementar e passar à prática o regime jurídico aqui protagonizado para a formação contínua dos docentes.
Além do mais, enferma de uma falha grave: não prevê o que é fundamental neste sistema, ou seja, a formação de formadores e que, em última análise, desresponsabiliza o Ministério da Educação de uma actuação fundamental nesse sector em nome de uma autonomia mal entendida.
O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Srs. Deputados, antes de mais queria informar que a reunião da Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor Leste, que estava convocada para as 11 horas, foi adiada para as 12 horas.
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Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Recursos Educativos.
O Sr. Secretário de Estado dos Recursos Educativos (Bracinha Vieira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ouvi com atenção as intervenções dos Srs. Deputados Virgílio Carneiro e José Calçada, sobre as quais gostaria de fazer algumas considerações.
O novo regime jurídico da formação contínua de professores baseia-se num modelo descentralizado e pluralista. Ou seja, num modelo não estatizante de formação de professores que respeita, por um lado, a diversidade de modelos pedagógicos na formação dos professores e, por outro, estimula o princípio da igualdade de oportunidades no acesso à formação.
A formação contínua de professores, tal como se encontra no dispositivo do decreto-lei ora em ratificação, visa fundamentalmente três objectivos: primeiro, apoiar a execução no terreno da reforma educativa; segundo, investir na qualificação do recurso humano e na qualidade do ensino, respondendo a expectativas que há muito os professores vinham manifestando; terceiro, o regime da formação contínua é entrosado com um requisito de exigência na progressão da carreira docente e, por isso, estas acções de formação contínua são creditadas.
Assim, ao longo dos vários módulos de tempo que correspondem aos escalões da carreira, os professores deverão provar que, efectivamente, tiveram um número mínimo de acções de formação correspondentes às unidades de crédito necessárias para progredir na carreira.
Mas não se diga, como o Sr. Deputado José Calçada referiu, que há uma busca de créditos para a progressão na carreira, porque o que há - graças a Deus - é uma genuína procura por parte dos professores de formação de qualidade.
Srs. Deputados, essa procura é possível constatá-la se consultarmos os dois grandes programas de formação de professores lançados pelo Governo, em finais de 1992, ou seja, o Programa FOC e o Programa FORGEST.
Se consultarmos o Programa FOC verificaremos que a taxa de execução financeira é neste momento extremamente elevada, havendo já 689 novas acções de formação em curso, que abrangem peno de 25 000 formandos.
Quanto ao Programa FORGEST, que é o mais ligado ao aprofundamento da informática para a gestão das escolas, estão em curso neste momento 30 acções, abrangendo 1730 formandos, pois trata-se de um programa mais exigente, de maior duração, o que justifica um arranque mais lento deste programa.
Todavia, os dados que temos indicam que a resposta das escolas, através de um movimento de associativismo para a constituição de centros de formação, que queria aqui sublinhar, a resposta das instituições de ensino superior e das associações profissionais de professores tem sido algo que comprova o mérito intrínseco do diploma ora sob ratificação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: quero ainda sublinhar que neste diploma, que dá ao País real e à sociedade civil a iniciativa na formação contínua, o Estado limita-se a um papel incentivador, através, nomeadamente, da celebração de contratos-programa com as entidades formadoras, dando às escolas, às associações profissionais e às instituições de ensino superior a iniciativa para estabelecerem, como o têm feito, uma rede de formação que abarque todos os nossos professores. De facto, o Estado tem um papel incentivador e meramente supletivo na formação dos nossos docentes.
O Sr. Deputado Virgílio Carneiro referiu a possibilidade da introdução de melhorias pontuais no diploma. Quero dizer-lhe que o Ministério da Educação não vê inconvenientes nessas alterações pontuais; pelo contrário, julgamos que elas têm virtualidades muito positivas e que o Conselho Consultivo da Formação Contínua poderá ser enriquecido com a presença de um representante dos sindicatos não federados.
Por outro lado - e esta é a sua outra sugestão -, o ensino particular e cooperativo poderá associar-se em centros de formação, sem necessariamente obedecer àquela regra algo rígida da contiguidade geográfica das escolas, porque tem especificidades que nos compete respeitar.
Era apenas isto que, pela minha parte, gostaria de dizer em resposta às objecções e sugestões formuladas pelos Srs. Deputados.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Não havendo mais inscrições, dou por encerrado o debate relativo à apreciação do Decreto-Lei n.º 249/92, de 9 de Novembro, que estabelece o regime jurídico da formação contínua de professores da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário [ratificação n.º 54/VI (PS)]
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai enunciar os nomes das escolas cujos alunos se encontram a assistir à sessão.
O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Srs. Deputados, encontram-se a assistir à sessão alunos das Escolas Secundária de Alves Martins, de Viseu, Secundária n.º 2, do Lumiar, Secundária de Oliveira de Azeméis e Viriato, de Viseu.
O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Srs. Deputados, para eles, peço a nossa habitual saudação.
Aplausos gerais.
O Sr. Secretário vai dar conta de um requerimento que deu entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Srs. Deputados, trata-se de um requerimento subscrito por Deputados do PS, do seguinte teor: «Os Deputados abaixo assinados solicitam a baixa à Comissão de Educação, Ciência e Cultura do decreto-lei relativo à ratificação n.º 54/VI por um prazo de 30 dias.»
O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do requerimento que acabou de ser lido.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências do PSN e dos Deputados independentes Freitas do Amaral, Mário Tomé e Raul Castro.
Srs. Deputados, vamos passar à apreciação do Decreto-Lei n.º 251/92, de 12 de Novembro, que estabelece o regime jurídico do fomento, exploração e conservação dos recursos cinegéticos [ratificação n.º 55/VI (PCP)].
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O regime jurídico da caça tem ocasiona-
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do um vasto movimento de protesto que percorre o País, envolvendo milhares de caçadores, autarquias e associações de defesa do ambiente.
Ninguém está satisfeito, nem os interesses que a nova legislação se propunha garantir - protecção, conservação e fomento da fauna cinegética e a valorização da caça como factor de desenvolvimento regional - têm sido salvaguardados. Ninguém, ninguém, ... não é verdade! O Sr. Ministro da Agricultura e o Sr. Secretário de Estado da Agricultura, aqui presente, os muitos Barreiras que se multiplicaram à sombra da actual legislação, muitos dos que têm vindo a beneficiar das situações de privilégio que as zonas de caça especiais lhes proporcionam, esses estão seguramente contentes.
Os recursos cinegéticos não podem deixar de ser analisados por três ângulos: o da preservação, ordenamento e reprodução das espécies, no respeito pelos ecossistemas; o de uma actividade popular, lúdica e desportiva; o de fonte de receitas e factor de desenvolvimento.
Mas, tal como afirmámos no momento do debate da Lei da Caça, a vida demonstrou que estes três valores não têm sido nem equilibradamente protegidos nem sequer conseguidos.
Não se resolveram os desequilíbrios anteriores e criaram-se novos problemas. A questão da delapidação dos recursos cinegéticos não foi resolvida. A caça passou a ser uma actividade vista quase exclusivamente pelo ângulo da especulação, do lucro fácil e a que só os caçadores de maiores recursos podem aceder. Ou não foi, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado, o próprio Ministro da Agricultura quem afirmou «quem não pode não caça», lembrando aquela antiga frase do Sr. Ministro da Saúde de que «quem quer saúde paga-a». Não se lembra, Sr. Secretário de Estado!? Tenho aqui uma entrevista dada pelo Sr. Ministro há cerca de um ano e meio.
Segundo os últimos dados (que se alteram sempre que é publicado mais um número do Diário da República) existem hoje 1268 zonas de regime cinegético especial, abrangendo uma área de 1,8 milhões de hectares. Mais de metade situam-se numa única região cinegética, a quarta, que abrange o Alentejo.
O crescimento das zonas de caça especiais tem sido feito em contínuo, estas encontram-se ligadas durante quilómetros, sem qualquer ordenamento e de forma descontrolada. Há municípios quase inteiramente cobertos por reservas de caça. Não existe, em muitas regiões, possibilidade de ser praticada caça no regime cinegético geral, o que leva à marginalização dos caçadores de mais fracos recursos. Milhares de portugueses que faziam da caça uma actividade de evasão, que a exerciam mesmo junto à sua aldeia, calcorreando quilómetros em contacto com a natureza, deixaram de o poder fazer. Se o quiserem fazer, têm de percorrer dezenas e até centenas de quilómetros para encontrarem uma vaga nesga de terreno livre, as mais das vezes sem caça.
As zonas de caça sociais, que poderiam, no quadro do regime cinegético especial, ser um contributo para atenuar a discriminação a que a maioria dos caçadores estão sujeitos, não têm qualquer expressão. Os condicionamentos à sua criação e a falta de vontade dos serviços oficiais são tais que, no total das quase 1300 reservas existentes, somente 7 são sociais.
A diferenciação dos dias em que é possível caçar-se dentro e fora das reservas de caça não só tem acentuado as discriminações existentes como, na prática, quase que inviabiliza a caça nas zonas livres.
Acresce que poucas são as zonas de caça associativa com sede na área da respectiva reserva, assim como poucas são aquelas ligadas aos próprios caçadores locais.
As lacunas e distorções do regime jurídico da caça tem assim criado, por um lado, uma situação de crescente tensão e conflito e, por outro, de discriminação para centenas de mimares de caçadores.
É ponto de consenso que os recursos cinegéticos não são inesgotáveis, devendo ser preservados, ordenados e geridos. É igualmente consensual que estes recursos não devem, por isso, ser delapidados e podem constituir uma significativa fonte de receitas e de atracção do turismo interno e externo como actividade económica.
Mas há que garantir um compromisso, um equilíbrio entre a caça como actividade económica e o direito de todos os caçadores à sua fruição. Sem exclusão de ninguém por razões de natureza económica. Nunca deixando de ter sempre obrigatoriamente presente a necessidade de os recursos cinegéticos e da caça serem preservados e lhe serem criadas condições de reprodução.
Havia alguma expectativa, Sr. Secretário de Estado, de que o diploma que estamos agora a apreciar, e que procura desenvolver e introduzir algumas benfeitorias à Lei da Caça, resolvesse as lacunas e distorções actualmente existentes.
Lembramos que o Sr. Primeiro-Ministro, em ano eleitoral, numa deslocação ao Alentejo, tinha prometido abrir corredores para a caça livre e rever, entre outros aspectos, a diferenciação dos dias de caça. Mas passaram as eleições e, como é costume, o Primeiro-Ministro e o PSD depressa esqueceram as promessas com que procuraram enganar mimares de caçadores. Mas os caçadores não o esqueceram e por isso mesmo têm, em significativas manifestações, exigido o cumprimento das promessas feitas.
No projecto de decreto-lei que o Governo elaborou e enviou à Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP) algumas das soluções necessárias, embora não definitivas, como a dos corredores, vinham contempladas. Mas na versão final aprovada em Conselho de Ministros venceu a força dos interesses, que, ligados particularmente ao Sr. Secretário de Estado aqui presente, procuram impedir que milhares de portugueses caçadores possam caçar. Voltaram, no texto final, a desaparecer os corredores.
Ora, é para equilibrar os diversos interesses em presença, de que atrás falámos; é para terminar com a discriminação dos caçadores não integrados em reservas de caça; é para criar memores condições para a preservação e reprodução dos recursos cinegéticos; é para, em suma, procurar preencher algumas lacunas da lei e dar corpo às próprias promessas do Primeiro-Ministro que trazemos à ratificação o Decreto-Lei n.º 251/92.
Impõe-se fazer uma reflexão global sobre todo o regime jurídico actualmente existente. O PCP está a fazê-la. Mas o que pretendemos agora, neste quadro e nesta circunstância, é tão-somente contribuir desde já para a resolução de algumas das falhas mais gritantes, sem prejuízo de uma futura alteração global da lei.
Com este objectivo, limitado, mas seguramente de acordo com o sentimento de centenas de milhares de caçadores, propomos em sede de ratificação que as zonas de caça submetidas ao regime cinegético especial, ou conjunto de zonas contíguas, não possam ter áreas superiores a 5000 ha e que entre elas sejam estabelecidos corredores com pelo menos 1000 m para a caça em regime geral.
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Que a área total inserida em reservas de caça não possam exceder, em nenhum caso, 50 % da área cinegética total em cada município.
Que nos terrenos do regime geral e nas zonas de caça associativas e sociais só seja permitido caçar nos mesmos dias, isto é, às quintas-feiras, domingos e feriados nacionais obrigatórios.
Que as associações de caçadores concessionárias de zonas de caça associativas tenham a sede social obrigatoriamente instalada no município onde se situa a respectiva zona da caça e sejam constituídas, no mínimo, por um terço de associados residentes no concelho ou concelhos limítrofes da reserva.
A obrigatoriedade da criação de zonas de caça sociais em cada região cinegética numa proporção não inferior a 1/10 do total das áreas ocupadas por organizações associativas e turísticas.
São propostas que permitem, seguramente, dar um primeiro contributo para uma justa alteração do actual regime jurídico da caça, não pondo em causa, por um lado, a existência do sistema de reservas, mas encontrando um equilíbrio justo e adequado com aqueles que não podem ou não querem integrar-se nestas zonas de caça.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: estamos conscientes de que o que propomos não esgota o problema. Uma outra questão - mas essa tem a ver com a aplicação da própria lei - é a fiscalização e transparência na execução da lei.
É que a própria lei não está a ser cumprida e a forma como estão a ser concessionadas as zonas de caça, com negócios altamente suspeitos envolvendo responsáveis da Administração Pública (de que a comunicação social tem feito eco) deve merecer igualmente a nossa atenção e severa crítica. Tal como o não cumprimento dos planos de ordenamento e exploração cinegética, designadamente quanto ao controlo das espécies abatidas e à reprodução das espécies; caça em dias fora do que a lei determina e os planos contemplam; abate de espécies protegidas; enclaves cada vez mais numerosos em que os proprietários são os últimos a saber; ausência de fiscalização, que se preocupa sobretudo em penalizar os caçadores do regime geral; reservas turísticas que não criam nenhuma infra-estrutura e que de turismo só têm o nome; reservas associativas fictícias; ausência de qualquer preocupação de ordenamento na concessão de reservas de caça; reservas instaladas em áreas protegidas; utilização dos serviços da Direcção-Geral das Florestas e de bens públicos para a criação de reservas particulares; envolvimento de responsáveis do sector na elaboração e aprovação de projectos em que têm interesses directos; promiscuidade entre os membros do Governo da tutela, responsáveis pela concessão das reservas de caça e o seu usufruto pessoal dessas mesmas reservas. A tudo isto se tem assistido um pouco no quadro da execução da actual lei.
O Governo, pelos interesses que protege ou promove, pelo laxismo na aplicação da própria lei, pelas lacunas deliberadas que não quer preencher, é o exclusivo responsável pela situação de degradação a que se chegou.
O processo de ratificação a que submetemos este diploma e as propostas de alteração que propomos são um contributo para resolver parte desses problemas.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Srs. Deputados, a conferência de líderes pede para comunicar a VV. Ex.ªs o seguinte: no domingo, 25 de Abril, solicita-se aos Srs. Deputados que estejam presentes às 9 horas e 45 minutos. Existe a possibilidade de a sessão solene não se realizar. A Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares pede que estejam atentos à comunicação social.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.
O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, ouço sempre com cuidado as suas intervenções, e devo dizer-lhe que, concordando com alguns aspectos das suas propostas, não concordo fundamentalmente com as suas motivações e explicações.
Felizmente as propostas do Partido Comunista Português nesta matéria são muito mais moderadas que a introdução que o Sr. Deputado fez dessas propostas.
Assim, a primeira coisa que lhe quero dizer sobre a sua teorização acerca das propostas é que nós, o CDS, não estamos de acordo com a sua visão sobre um direito à caça de que ninguém pode ser excluído por razões económicas.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É natural!
O Orador: - Confesso que não sei de onde surgiu esse direito, qual a sua matriz; aliás, não se percebe mesmo por que é que esse direito não existe em relação a outras actividades desportivas ou a outras actividades semelhantes.
Em segundo lugar, quero dizer-lhe que, de facto, embora não seja um adepto de que as pessoas, de que os Deputados, devam estar constantemente a ser chamados pela sua responsabilidade com o passado, no problema da destruição dos recursos cinegéticos o seu partido tem muita responsabilidade. Tudo quanto se passou no Alentejo - é sobretudo do Alentejo que estamos a falar- e que será, com certeza, desnecessário lembrar, é, em grande parte, se não na totalidade, da responsabilidade do seu partido. Portanto, a destruição da caça é uma questão em que o seu partido tem uma responsabilidade inegável.
Aceito, compreendo e louvo que agora se queira fazer «marcha atrás» e recompor os habitat das espécies cinegéticas, mas isso não pode ser feito da forma como o Sr. Deputado pretende. De acordo com as suas palavras, e não com as suas propostas, repito, parece que, afinal, o Sr. Deputado quer um regresso ao passado, pelo qual os senhores foram responsáveis, e a nova destruição do pouco que entretanto foi recuperado.
Sr. Deputado, sabemos e temos a ideia de que não é possível reconstruir as espécies cinegéticas, os viveiros, os habitat das espécies cinegéticas sem reservas, e pode chamar-lhe reservas, coutos ou coutadas. Isto é uma verdade indesmentível e é algo que pesa permanentemente sobre o passado da reforma agrária. Não pode ser de outra forma.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O Sr. Deputado não sabe o que está a dizer!
O Orador: - Não pode ser de outra forma!
O Sr. António Murteira (PCP): - É a voz dos latifundiários que está a falar!
O Orador: - Por outro lado, sabemos que existem problemas de fiscalização muito graves à aplicação da lei e sabemos...
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O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Sr. Deputado, tenha atenção ao tempo.
O Orador: - Vou já terminar, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, sabemos que há reservas turísticas que não prestam quaisquer serviços turísticos, mas devo dizer-lhe que neste momento estamos numa época de reestruturação e de recuperação. Algumas dessas reservas turísticas não prestam serviços turísticos porque, por culpa do passado que referi, estão constituídas em autênticos matagais e ainda não sofreram as benfeitorias necessárias para produzir resultados económicos em termos de serviços turísticos prestados.
Assim, entendo que se justifica cada vez mais que o direito de propriedade, sobretudo no Alentejo, volte a ter uma importância muito significativa na definição das áreas de caça, designadamente por causa da crise agrícola e da seca. Estou convencido de que se justifica, cada vez mais, ao contrário do que o Sr. Deputado pretende, que os proprietários tenham um direito ou uma reserva em relação à sua propriedade em matéria de caça.
O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - O Partido Comunista Português dispõe de tempo cedido pelo Partido Ecologista Os Verdes.
Assim, para responder, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, vou ser rápido, porque gostava ainda de ouvir e de dizer alguma coisa, se fosse possível e oportuno, a propósito da intervenção do Sr. Secretário de Estado da Agricultura.
Em todo o caso, quero dizer três coisas ao Sr. Deputado António Lobo Xavier.
Em primeiro lugar, quero dizer-lhe que, tal como o Sr. Deputado fez recentemente uma viagem de barco para conhecer os problemas da pesca, talvez seja o momento de viajar pelo País fora para conhecer os problemas de que estamos aqui a tratar hoje.
O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Mas eu já fui.
O Orador: - Não me admiro que o Sr. Deputado não esteja de acordo connosco quando defendemos a necessidade de se criarem condições para que os caçadores de menores recursos tenham acesso à caça e defenda o retorno à feudalização da caça, aos coutos privados a que tenham apenas acesso aqueles que sejam, de facto, detentores de grandes recursos económicos.
Mas, Sr. Deputado, mesmo no quadro da sua posição ideológica, gostaria de dizer-lhe duas coisas: em primeiro lugar, o Sr. Deputado desconhece que os problemas da caça não se passam só no Alentejo, que são problemas de todo o País, desde o Norte até ao Sul!
De facto, os problemas da criação desordenada de zonas de caça e da não reprodução das espécies cinegéticas, do abate de espécies protegidas, etc., colocam-se de Norte a Sul do País.
Em segundo lugar, o Sr. Deputado esquece-se também de que aquilo a que chama a delapidação dos recursos cinegéticos - processo em que diz que o meu partido teria responsabilidades, se é que a houve...! -, em matéria de recursos cinegéticos essa delapidação até foi feita, como sabe, por milhares de caçadores que iam ao Alentejo caçar sem serem alentejanos!... Mas não é isso que está em causa! Antes pelo contrário, se o senhor quiser voltar ao que se passou nessa época, então poderei provar-lhe que nessa matéria muito se fez no Alentejo para procurar encontrar uma situação de equilíbrio entre a preservação das espécies e os direitos da caça como actividade lúdico-desportiva e até como actividade de ordem cultural.
Na verdade, quando o Sr. Deputado defende o direito de propriedade, suscita-me a seguinte questão: então o senhor, que defende à outrance o direito de propriedade, está de acordo com os enclaves - se é que sabe o que são os enclaves... - na Lei da Caça? Isto é, o Sr. Deputado acha bem que os proprietários sejam obrigados a disponibilizar os seus terrenos para zonas de caça, mesmo contra a sua vontade? É esse o seu conceito de propriedade?...
A verdade é que, no fundo, o seu conceito de propriedade é o que pressupõe o direito de propriedade dos grandes proprietários e nem sequer é o do dos pequenos proprietários.
O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vasco Miguel.
O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pensamos que nenhum elemento do grupo de trabalho que tomou a enorme tarefa de em 19857 1986 levar a cabo a elaboração e aprovação da Lei da Caça tinha em mente que seria uma obra perfeita e corripletamente adaptada à vontade de todos os que entendem a caça como uma actividade económico-desportiva ou tão-só desportiva.
O necessário e urgente, na altura, era acabar com a onda devastadora dos recursos cinegéticos após a abertura de coutos e reservas. Muito foi conseguido a partir da Lei n.º 30/86, e os seus decretos regulamentares têm sido melhorados, porque, como é evidente, só quem não faz não erra, para além de o tempo e a experiência serem bons conselheiros. Muito fácil é destruir, construir é bem mais difícil!
Este pedido de ratificação tem a ver, uma vez mais, com as colagens fáceis à demagogia e ao populismo daqueles que pretendem usufruir sem investir, daqueles que, porventura arautos do associativismo - forma mais sublime da congregação de esforços e vontades dos cidadãos na defesa dos seus interesses -, se deixam enredar pela política radical da caça elitista e a do terreno livre.
Então, e a caça associativa? Não tenham medo de perder a clientela, pois os caçadores não passam a burgueses por serem sócios de uma zona de caça especial.
As regras são claras no Decreto-Lei n.º 251/92, certamente não ainda uma obra acabada, mas, contudo, muito sintonizada com a vontade dos verdadeiros amantes da causa, que vêem a caça como uma actividade desportiva ou de recreio, mas também da defesa intransigente do fomento e protecção das espécies cinegéticas.
O Decreto-Lei n.º 251/92 introduz substanciais alterações que nos parecem contemplar algumas das aspirações dos caçadores, numa tentativa saudável de concórdia e estabilidade para se alcançar os genuínos objectivos que estavam total ou parcialmente inscritos no Decreto-Lei n.º 274-A/88.
Assim, no n.º 2 do artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 251/92 definem-se claramente os dias de caça, ao passo que no n.º 4 do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 274-A/88 remetia-se para as associações a quase total liberdade de marcação desses dias. Também no artigo 61.º do decreto-lei agora sujeito a ratificação também se introduz uma nova norma que vem ao encontro das expectativas de muitos caçadores e que estabelece regras muito concretas para a
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ultrapassagem dos 50 % da área do município por zonas de regime cinegético especial.
Também a necessidade de um acordo escrito dos titulares de direitos sobre os terrenos a submeter ao regime cinegético especial está contemplado na alínea b) do n.º 2 do artigo 69.º
Em suma, a sistematização deste diploma é claramente melhor do que a do anterior.
Mais uma vez, e muito bem, não se fala em corredores, porque só um desconhecimento total das zonas de aptidão cinegética em todo o País poderá fazer com que se continue a falar de algo que é perfeitamente impossível e que tecnicamente acarreta enormes inconvenientes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: a flecha que aqui hoje é lançada pelo PCP tem um alvo claro e leva veneno político na ponta, mas julgo que o PCP desconhece esta espécie que quer abater.
Srs. Deputados, são cerca de 800 as zonas de caça associativas ligadas por fortes laços de união e de convicção na promoção do associativismo, na gestão e fomento da fauna cinegética com intervenção directa dos próprios caçadores, onde reina um perfeito entendimento entre estes e os agricultores.
Hoje temos caça e predadores, ontem não tínhamos nada; amanhã queremos ter melhores caçadores e agricultores a usufruir os proveitos que lhe são devidos como donos da caça, o que infelizmente não está consagrado por falta de coragem política ou por complexo de qualquer ordem daqueles que tantas bandeiras levantam hoje em prol dos agricultores. Depois de tudo isto, não pode o PSD ser arqueiro desta flecha!
Srs. Deputados do PCP, o tempo é bom conselheiro e, se for necessário, voltaremos, mas sempre para memorar. Velhos tempos nunca mais!
Finalmente, Srs. Deputados, gostaria de dizer que estamos dispostos a analisar, com o devido cuidado, as propostas que foram entregues na comissão especializada.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.
O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha intervenção é sobretudo dirigida a completar o diálogo que travei com o Sr. Deputado Lino de Carvalho, porque, de facto - e referi-o há pouco no meu pedido de esclarecimento -, há uma desconformidade entre o discurso que aqui fez e a moderação das propostas que apresentou.
Na verdade, em relação a alguns aspectos das propostas que apresentou, entendo que era positivo travar uma discussão. Referi-me à exposição de motivos que o senhor fez e sublinhei que o Sr. Deputado utilizou uma linguagem a que já não estamos habituados. Desculpará que lhe diga isto, mas é que, de facto, só com esse tipo de linguagem - de que já não me lembrava - é que é possível querer defender o direito à caça de centenas de milhares de pessoas.
A nossa posição é, contudo, diferente. Cremos que não será assim que se consegue proteger o direito à caça de centenas de milhares de pessoas. Esse direito, porventura, só poderá ser protegido através do estabelecimento de regras, que não poderão ser levadas à prática e que não terão eficácia porque no seu modelo de caça, na prática, não haverá caça ou, melhor, dessa forma em breve não haveria caça em Portugal - isto segundo as suas palavras e não segundo as suas propostas!
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não ouviu a minha intervenção!
O Orador: - O que quero dizer-lhe é que, do meu ponto de vista, é melhor a situação em que gradualmente poucos vão caçando mais do que a outra em que de repente se abrem as podas a todos, demagogicamente, através daquilo que o senhor traz ainda no seu subconsciente!...
O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Agricultura.
O Sr. Secretário de Estado da Agricultura (Álvaro Amaro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, e antes de responder a algumas das observações feitas pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho, não posso deixar de solicitar a este Sr. Deputado que retire - e penso que terá de o fazer - a afirmação que fez relativamente à ausência de corredores nas zonas de regime especial. Só assim poderemos discutir algumas opções que, naturalmente, são respeitáveis e que exprimem as ideias de cada um sobre a forma de resolver este problema. Aliás, penso que, a manter tal afirmação, não está a optar por uma discussão estratégica, a não ser que pretenda fazer alguma acusação directa de que o facto de não haver corredores nas zonas de regime especial se deve aos interesses que os membros do Governo que tutelam o sector, ou seja, eu e o Sr. Ministro da Agricultura, têm sobre essas zonas, os quais, em seu entender, ainda por cima derivam do uso que delas fazemos.
Sr. Deputado Lino de Carvalho, garanto-lhe que sou um apaixonado da caça, sou caçador, e tanto caço no regime livre como no especial. Pode ter a certeza de que o faço. Agora que o senhor possa concluir daí que aprovo 1200 zonas de caça para depois ir usufruir delas, penso que é uma conclusão demasiado forte para poder ser aqui discutida.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Sr. Deputado Lino de Carvalho começou por falar no justo equilíbrio e depois na fiscalização. Todos estamos de acordo em que deve haver um justo equilíbrio, e foi exactamente isso que o legislador da Assembleia da República definiu quando se aprovou a Lei n.º 30/86, e foi também esse equilíbrio que prosseguimos ao longo das alterações que introduzimos nos dois diplomas sobre esta matéria, o último dos quais aprovado em Conselho de Ministros no ano passado, na sequência do compromisso eleitoral do Sr. Primeiro-Ministro...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Ah, ah!
O Orador: - Sr. Deputado, por favor, não o interrompi!
Como estava a dizer, foi esse equilíbrio que prosseguimos, na sequência do compromisso assumido pelo Sr. Primeiro-Ministro quando disse que era preciso analisar a experiência acumulada, a boa, e porventura a que tivesse erro - só não erra quem nada faz - e beneficiar dela para introduzir alterações. E foi exactamente isso que fizemos, Sr. Deputado. O senhor sabe bem que introduzi-
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mos um esquema novo em termos de exames para obtenção de carta de caçador e uma licença de caça para o regime especial e para o geral, justamente para que aqueles caçadores que queiram caçar num ou noutro lado o possam fazer, porque ninguém pode proibir ninguém de ter acesso aos dois regimes. Ou seja, sempre tentámos e continuamos a tentar conseguir um equilíbrio, que não é obra fácil, uma vez que se trata de um equilíbrio entre os caçadores, os agricultores e a caça.
Como o Sr. Deputado António Lobo Xavier disse, e muito bem, não podemos deixar de colocar uma questão muito importante, que é a seguinte: o Sr. Deputado sabe que, no âmbito da reconversão agrícola e do direito de propriedade, podemos interrogar-nos - e mais tarde, certamente, iremos fazê-lo - se um agricultor que produz milho ou trigo na sua terra, o recolhe e o vende, pois é a sua fonte de rendimento, ao revelar-se a caça, no futuro, como uma alternativa válida, vier a substituir esse trigo ou esse milho por caça, deverá essa caça ser de todos? Esta é uma grande questão, Sr. Deputado!
Aplausos do PSD.
Mas o Partido Comunista Português continuará a considerar que, se um proprietário agrícola, mesmo que seja do PCP, extrair um rendimento da exploração da terra e gerar riqueza, pode utilizá-lo para tudo menos para caça. Isso não é correcto, Sr. Deputado! Mas o legislador ainda não disse isso, pelo que não vamos discutir a reflexão que vamos ter de fazer. Estou de acordo em que temos de a fazer, mas o que o legislador disse foi só isto: por ora, temos de fazer tudo para conseguir a coexistência pacífica entre os dois regimes de caça, o geral e o especial. E eu repito: temos de fazer tudo para conseguir essa coexistência pacífica ou, pelo menos, devemos tentar que ela seja pacífica. Aliás, é o que temos feito!
Mas digo-lhe, Sr. Deputado, que quem quiser ganhar dinheiro deverá vir a ter em conta este novo recurso, cada vez mais alternativo, e criar empresas turísticas de caça. Mas, como é óbvio - e também felicito o Sr. Deputado António Lobo Xavier porque referiu este aspecto -, não podemos chegar a uma empresa turística de caça, que estava no deserto cinegético, que os senhores ajudaram a criar, pôr lá perdizes ou lebres e querer que elas se reproduzam no ano seguinte de modo a dar muito dinheiro a essa empresa. O Sr. Deputado sabe que isso não é possível, pois as empresas demoram tempo a viabilizar.
No entanto, porque acreditámos neste novo recurso, o senhor agora começa a ver empresas de caça com unidades turísticas a criar empregos na região. Sabe que no concelho de Mértola as zonas turística de caça são já o segundo maior empregador? Ora, no que respeita à actividade económica, tudo isto demora o seu tempo!
Mas uma outra actividade, que o legislador previu, e bem, é o regime associativo de caça. A este propósito, pergunto ao Sr. Deputado Lino de Carvalho se é a favor ou contra o regime associativo da caça. Diga-o aqui, para mim e para todos: é a favor ou contra a associação dos caçadores? Nós somos particularmente a favor, pois, como em tudo, também na caça entendemos que o associativismo dos caçadores e dos agricultores é uma peça importante, já não para gerar rendimentos ou riqueza, mas para ganhar economias maiores de fomento e de gestão desses espaços ordenados, porque o regime livre, o deserto, ficou abandonado e ninguém pode fazer nada por esse terreno livre.
Não posso deixar também de salientar um outro aspecto da sua intervenção com o qual estou totalmente de acordo, pois, em meu entender, estamos no momento próprio de acelerar a fiscalização das zonas de caça criadas e que estão sujeitas à verificação de determinados pressupostos até aqui não cumpridos. Aproveito ainda para afirmar que, se não os cumpriram, não podemos hesitar um segundo em suspender essas zonas imediatamente. Ou seja, a melhor maneira de separar o trigo do joio - e o senhor sabe, pois já o afirmei publicamente mais do que uma vez, e até já agi em conformidade - é que, se somos apologistas do associativismo - e somos! -, não podemos permitir que as boas associações estejam no mesmo domínio daquelas que, através de um associativismo camuflado, quiseram fazer clubes privados de caça. A lei. não os prevê. Não os podemos manter!
Por isso, peço-lhe que nos ajude, que ajude o Estado a detectar essas situações.
Aliás, devemos suspender as empresas de caça que, escondidas naquilo que a legislação previu, não cumpriram os pressupostos ou viram que não tinham viabilidade.
Garanto-lhe, Sr. Deputado, que até finais de Junho - e, diria, infelizmente - o senhor vai ter oportunidade de ler no Diário da República algumas portarias, que eu próprio assinarei, a suspender zonas de caça do regime cinegético especial, devido ao aumento de fiscalização, para separarmos o tal trigo do joio. E digo «infelizmente» porque era preferível que isso não acontecesse, o que significava que se fazia sentir a virtualidade desse regime especial.
Mas dir-me-á: então e o regime geral? Então o que faremos aquelas dezenas e dezenas de milhares de caçadores que ou não quiseram ou ainda não puderam ter acesso ao regime especial? Vamos dizer-lhes para não caçarem?...
Não, Sr. Deputado! A lei prevê que os municípios devem ter 50 % de área livre, a não ser em determinadas condições, e o senhor sabe das medidas que já tomámos. Não conheço outra medida. Se o Sr. Deputado tiver alguma sugestão, peco-lhe que nos ajude, pois teremos isso em consideração, embora alguém que eu não revele tenha dito um dia: «de facto, é verdade, em termos de caça dificilmente há duas cabeças a pensar da mesma maneira».
Ajude-nos, pois, a propor medidas. Proponha medidas, porque eu não vejo nenhuma no seu projecto de lei.
Como é que se faz caça, como é que se fomenta a caça no tal regime cinegético geral, quando, sendo a propriedade só de um ou de vários, a caça é de todos? Como é que isso se fomenta? A não ser, Sr. Deputado, através da medida que criámos recentemente, que foi a de criar os sete planos regionais dos refúgios da caça, os chamados «santuários da caça». Essa medida está tomada, e o Sr. Deputado conhece-a. Ou seja, isolamos zonas em cada região, que gerimos técnica e financeiramente, investindo aí na caça, mas gerindo-a de modo a que aquela que se reproduzir possa alimentar o regime cinegético geral.
Mas não tenhamos ilusões, Sr. Deputado: aquela que alimentar o regime geral, à primeira hora do primeiro dia de caça está desbaratada! E o senhor sabe-o bem! Mas a lei previu-o, e entendemos que, nesta altura, deve haver essa coexistência pacífica. Por isso também queremos ajudar esses caçadores que ainda não tiveram acesso, porque não puderam ou não quiseram aderir ao regime cinegético especial.
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Portanto, aumentemos a fiscalização e vamos discutir esse regime de acesso à caça!
Aliás, Sr. Deputado, não acredito que o Sr. Ministro da Agricultura tenha alguma vez afirmado - conheço-o, quer como homem, quer como político e quer como caçador - que «quem não pode não caça».
É evidente que quem não pode, pode não ter tempo, mas não é por não ter dinheiro ou recursos. E tanto o Sr. Ministro como eu também pensamos que entre os caçadores que podem, entre os caçadores e os agricultores que se associam, aqueles que não querem ou não podem também têm o direito a essa actividade lúdica e desportiva Por isso, também devemos ajudá-los.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, eu admitia que o Sr. Deputado António Lobo Xavier, há pouco, não tivesse compreendido completamento a minha intervenção, porque ele também leu a carta do Sr. João Maria Bravo e fez suas as palavras dele. Mas já admito pouco que o Sr. Secretário de Estado não tenha percebido e tenha procurado distorcer o sentido da minha intervenção para fugir ao essencial da verdade.
Sr. Deputado António Lobo Xavier e Sr. Secretário de Estado, como sabem perfeitamente, o Grupo Parlamentar do PCP não está contra a criação do regime cinegético especial, não está contra a criação de zonas de caça associativa, sociais e turísticas. Tanto no projecto de lei que apresentámos como nas propostas de ratificação que aqui trazemos não propomos a extinção dessas zonas de regime especial de caça. O que defendemos é outra coisa. Defendemos que se crie um equilíbrio entre a expansão das zonas de caça, que deve ser ordenada e de forma transparente, e a existência de zonas livres para a caça, que hoje, como o Sr. Secretário de Estado sabe, estão cada vez mais a rarear.
Quanto ao problema de zonas de caça de reprodução para alimentar as zonas de caça livre, o próprio Secretário de Estado trouxe já a solução, ou seja, apontou a criação de zonas de regime especial para reprodução. Isto é, podem ser criadas zonas de reprodução para depois lançar nas zonas de caça de regime livre, podendo-se até fazer isso em articulação, por exemplo, com os municípios ou com outras entidades.
Portanto, o problema é que não existem essas zonas de caça de regime livre, porque a forma desordenada como tem sido feita a criação das zonas de caça de regime especial tem diminuído os espaços para as zonas de caça de regime livre e tem liquidado a caça nessas zonas. É esta a questão de fundo, em relação à qual o Sr. Secretário de Estado não deve fugir.
E de tal modo isso é verdade que o Governo reconhece-o. Se não o tivesse reconhecido, por que razão é que, no anteprojecto de decreto-lei, no artigo 70.º, o Governo propõe os corredores entre as zonas de caça contíguas para a prática do regime cinegético geral? Por que é que isto desapareceu depois no texto final?
Afinal, Sr. Secretário de Estado, as suas provas caem pela base, porque é o próprio Governo que reconhece essa necessidade. E tanto o reconhece que ela vem expressa no anteprojecto de decreto-lei e só é retirada na versão final,
exactamente por causa dos lobbies das reservas de caça, que não têm em conta esses interesses.
Entretanto, aquilo que o Sr. Deputado Vasco Miguel disse hoje não tem nada a ver com o que disse na última vez que interveio sobre esta matéria, em que defendia as zonas de caça livre, em que defendia os corredores, em que defendia a alteração dos dias de caça, etc...
O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Os corredores, não! Isso é falso!
O Orador: - Para terminar, Sr. Secretário de Estado, quero colocar-lhe duas questões. Em primeiro lugar, o senhor disse que não acreditava que o Sr. Ministro alguma vez, tivesse afirmado que «quem não pode não caça». O Sr. Ministro disse, em Setembro de 1991, que, quanto ao elevado preço que custa a frequência das coutadas, «quem não pode não caça». Aliás, o Sr. Ministro nunca o desmentiu.
Protestos do PSD.
O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Sr. Deputado, tenha a bondade de terminar as suas considerações.
O Orador: - Sr. Presidente, termino já.
Sr. Secretário de Estado, cerca de 70 % do concelho de Mértola está hoje coberto por zonas de caça, mas não está criado um único posto de trabalho.
Não defendemos a alteração do milho pela caça, pois pensamos que o milho e a caça têm o seu lugar próprio; como o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, defende a substituição da agricultura por campos de golfe. Defendemos, sim, que é necessário encontrar o justo equilíbrio entre a caça como actividade económica e a caça como actividade lúdica e desportiva a que possam ter acesso todos os caçadores.
O Sr. Secretário de Estado recebeu ontem uma delegação de uma comissão de caçadores. Segundo um fax que recebi hoje, o Sr. Secretário de Estado terá dito que estava de acordo com a alteração da lei e em que seria necessário suspender desde já a concessão de novas reservas de caça, para reflectir sobre o regime geral, mas também que essa era uma competência da Assembleia da República. Porque isso não é verdade - o Sr. Secretário de Estado sabe-o -, a pergunta que lhe coloco é esta: o que está aqui escrito é ou não verdadeiro?
Vozes do PSD: - É só golpadas!...
O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Agricultura.
O Sr. Secretário de Estado da Agricultura: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, já sei, de há muito, que os senhores trabalham com uma rapidez muito grande em matéria de informação de fax e «não fax».
De facto recebi ontem a comissão instaladora de uma federação de caçadores e proprietários ainda antes de o ser formalmente. Sou adepto do diálogo em todas as matérias, em particular na caça, sobre a qual devemos fazer estas reflexões. Recebi exactamente três cidadãos, com os quais discuti e analisei várias situações.
Só que - pelo santo amor de Deus! - nunca lhes poderia ter dito que estava disposto a suspender as zonas de
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caça ou a não criar mais nenhuma. O que disse a essas três pessoas, quando elas me perguntaram se eu estaria disposto a não criar mais nenhuma...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Olhe que eles estão a ouvi-lo nas galerias!...
O Orador: - Ó Sr. Deputado, aquilo que afirmei ontem não é diferente do que digo hoje.
O que disse a essas três pessoas foi que não estava disposto a parar a aprovação de zonas do regime especial que tecnicamente estejam correctas, bem elaboradas e ao abrigo da lei. Se os projectos estiverem ao abrigo da lei e bem elaborados, quem sou eu - referi a esses senhores - para dizer, mesmo como Secretário de Estado, que estão bem feitos e legalmente correctos, mas não irei aprovados? Não posso dizê-lo, Sr. Deputado, porque eles são aprovados ao abrigo da lei.
Disseram-me eles, então, o seguinte: «Mas se a Assembleia da República suspender a eficácia da lei, onde é que o Sr. Secretário de Estado baseia a sua decisão? Acha que então será possível?» Respondi-lhes: «É claro que sim! Se a Assembleia da República revogar a Lei n.º 30/86, terei, evidentemente, de me sujeitar às determinações de quem manda mais do que eu.» E, que eu saiba, só a Assembleia da República pode revogar uma lei. Foi isto o que disse aos três senhores com quem estive, além de outras coisas.
Ainda bem que o Sr. Deputado leu a notícia relativa ao Sr. Ministro, que diz que «quem não pode não caça». Trata-se, porém, de não poder caçar nos coutos, nas zonas de caça turísticas. É evidente que quem não tiver dinheiro para pagar não pode ir lá caçar. Só que o Sr. Deputado ainda agora disse que era adepto delas, pelo que não o entendo. Se se é adepto, é evidente que, se servem para ganhar dinheiro, só lá pode ir caçar quem pagar.
O Sr. Deputado, que tem demonstrado estar preocupado com as reconversões agrícolas e com a fixação das pessoas à terra, conhece Mértola? Se conhece, há-de dizer-me aqui, um dia, qual é a alternativa para Mértola.
Quanto aos corredores, referiu-se, e bem, ao anteprojecto. Penso que o Sr. Deputado sabe o que é um anteprojecto. É que no Governo também se debatem os assuntos, sendo certo que um anteprojecto serve para debatermos hipóteses e depois optarmos pela melhor. Eu próprio, em sede de anteprojecto, coloquei n questões para o debate, mas depois há lugar a uma opção. Não é por decisão, mas por opção, que se resolve esta matéria.
No que respeita ao apoio ao regime livre, ainda bem que o Sr. Deputado não acrescentou nada sobre o assunto, porque o que acabou de dizer foi que eu próprio já tinha tomado as medidas adequadas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Terminamos, assim, o debate do Decreto-Lei n.º 251/92, de 12 de Novembro (ratificação n.º 55/VI), que, nos termos do artigo 208.º do Regimento, baixa à Comissão de Agricultura e Mar.
Passamos à apreciação do Decreto-Lei n.º 293/92, de 30 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico dos corpos de bombeiros profissionais [ratificação n.º 56/VI (PCP)].
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Nesta ocasião de apreciar na Assembleia da República o diploma que tem por objecto o regime jurídico dos corpos de bombeiros profissionais da administração local, importa que, antes de tudo, seja feita uma referência explícita a estes profissionais, ao seu trabalho e à sua situação.
O bombeiro profissional merece da parte de todos, instituições e população, uma justa homenagem pela dedicação, empenhamento e sacrifício pessoal (que vai até ao sacrifício da vida) com que exerce a sua nobre missão. É a essa homenagem que aqui, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, me associo.
Mas o bombeiro profissional tem direito a mais que homenagens. Tem direito ao reconhecimento da sua dignidade como cidadão e tem direito às garantias e direitos do trabalhador que também é.
O Grupo Parlamentar do PCP entende que é tempo de fazer cessar todas as ambiguidades que muitas vezes são associadas à situação dos bombeiros profissionais. Estes correm os riscos inerentes à sua profissão, com o empenhamento e a dedicação de quem a escolheu e a exerce com alegria. Mas os bombeiros profissionais não têm de ser «penalizados» por o serem. Não têm de ter um estatuto que só vê deveres e submissão e não reconhece direitos e dignidade. Não têm de ter um estatuto em que se fala, a todo o tempo, de obediência e disciplina e se esquece o valor próprio da cidadania e da assunção consciente de responsabilidades. Não têm de ter um estatuto que pareça querer reduzi-los a peças de uma máquina e esqueça que são trabalhadores, com a sua vida pessoal, a sua família e os seus interesses.
Tendo chamado à ratificação da Assembleia da República o decreto-lei em apreço, o Grupo Parlamentar do PCP visa contribuir para melhorar esse estatuto do bombeiro profissional e reforçar as suas garantias, bem como contribuir para uma maior dignidade estatutária, que desejamos seja efectivada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: este diploma representa um progresso em relação à situação anterior, mas um progresso que fica aquém do que seria possível e desejável. Esse progresso, que está consubstanciado neste diploma, não caiu do céu nem foi oferecido por algum súbito assomo de generosidade por parte do Governo. Deve-se este progresso a uma luta persistente desenvolvida pelos próprios bombeiros profissionais e pelos sindicatos que os representam. Refiro aqui, em particular, o Sindicato dos Trabalhadores do Município de Lisboa (STML) e o Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local (STAL).
Essa luta fez-se contra muitas incompreensões, muito passadismo e muita resistência. Por mais absurdo que pareça, ainda há escassos anos as autoridades pretendiam negar aos bombeiros profissionais o direito à sindicalização. Os corpos de bombeiros sapadores eram qualificados como corpos militarizados, na linha de uma verdadeira obsessão pela militarização de toda a vida nacional. Pretendia-se negar tudo a estes trabalhadores, nomeadamente o direito a horário de trabalho, o direito às folgas, o direito de expressão e o direito de associação. Falo de coisas que se passaram não há muitos anos, mas há muito pouco tempo.
Foi com luta e com muita coragem e determinação, enfrentando processos disciplinares, discriminações e perseguições e enfrentando o divisionismo promovido pelos próprios comandos, que as coisas começaram a mudar,
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sendo este diploma sinal disso. Mas - é preciso dizê-lo aqui - as perseguições e os processos disciplinares não terminaram ainda. Longe disso, continua a haver prepotências, castigos ilegais para punir o exercício de direitos fundamentais, discriminações e outras perseguições, incluindo a representantes sindicais. Em nome do Grupo Parlamentar do PCP, reafirmo aqui o nosso mais vivo protesto e repúdio destas situações, bem como a nossa solidariedade e a nossa exigência de que cessem todas essas situações lesivas dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores consagradas na Constituição da República.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: o Grupo Parlamentar do PCP apresenta um conjunto de 17 propostas de alteração ao decreto-lei em ratificação e submetido à apreciação da Câmara. Propomos que onde há sapadores não possa haver municipais, para evitar violações do princípio da igualdade; que a constituição de sapadores seja obrigatória quando as respectivas condições estejam preenchidas; que seja clarificado o artigo 8.º, substituindo-se o «princípio de comando», que ninguém sabe o que é, pelo princípio hierárquico, que é aquilo que se sabe em direito administrativo; que o previsto na categoria de bombeiro sapador para a promoção a cabo desça para cinco anos; que as carreiras de sapador e municipal coincidam tanto quanto possível; que não seja coarctada a carreira por virtude de desistência ou exclusão da admissão a concurso ou frequência do curso de promoção por duas vezes; que a formação profissional seja assegurada por uma Academia Nacional do Fogo, tal como propõe o STML; que a acumulação de funções seja feita nos termos gerais.
Das propostas apresentadas sublinho, entretanto, as que passo a expor.
Propomos que os cargos de direcção superior ou de comando - como diz o diploma - sejam assegurados preferencialmente por elementos de carreira, a quem deve ser fornecida a adequada formação para o efeito. Queremos com esta proposta combater a ideia de que os profissionais não têm capacidade para gerar elementos à altura da direcção superior (ou do comando) dos corpos de bombeiros profissionais. Entendemos, pelo contrário, que isso deve ser estimulado e apoiado e faz parte integrante da dignificação da profissão.
Por outro lado, o n.º 2 do artigo 15.º diz que os bombeiros «devem assegurar os serviços mínimos indispensáveis para satisfazer as necessidades sociais impreteríveis». Ora, pergunto ao Governo se esta formulação não é exactamente a prevista na Lei da Greve! Assim sendo, o que é que se pretende? Repetir neste decreto-lei o conteúdo da Lei da Greve? E, sendo redundante, concorda o Governo que deve ser eliminado, para evitar qualquer equívoco?
Por sua vez, o artigo 18.º e o dever de residência é inconstitucional. Hoje já nem sequer para os militares existe tal dever! Aliás, nunca seria aceitável uma tal regra sem o respeito das situações constituídas.
Quanto à disponibilidade permanente, prevista no artigo 20.º, pergunto qual é o significado da expressão «permanente e obrigatório». Muito concretamente, o que significa este «obrigatório»? É trabalho escravo? É trabalho prisional? Como não deve ser nada disso, creio que, pura e simplesmente, deve ser eliminado.
Mas a noção de disponibilidade permanente também deve ser circunscrita. Ela, aliás, deve ser coerente, por exemplo, com a garantia do horário de trabalho, constante do próprio diploma! Por isso, propomos outra redacção que condicione essa disponibilidade às situações de acidente grave, catástrofe ou calamidade, em que as necessidades imperiosamente o imponham.
O regime de férias, faltas e licenças não está previsto no decreto-lei. Dir-se-ia que é redundante. Mas o mesmo se pode dizer para o horário de trabalho e, no entanto, o decreto-lei refere-o. Por isso, propomos que também seja aditado um artigo, explicitando que se aplica aos bombeiros profissionais o regime geral de férias, faltas e licenças.
Quanto ao regime disciplinar, o decreto-lei remete para o regime geral da função pública - o Decreto-Lei n.º 247 84 - e a «demais legislação aplicável aos corpos de bombeiros».
Mas qual legislação? O Governo que indique, muito concretamente, um a um, quais são os outros diplomas legais que se aplicam ao regime disciplinar dos bombeiros profissionais. Creio que não deve ser o Regulamento de Disciplina Militar, nem os regulamentos que não são legislação, como é o caso do Regulamento de Disciplina do Batalhão de Sapadores Bombeiros de Lisboa, que, aliás, está posto no Tribunal Constitucional pelo próprio Procurador-Geral da República, tal é a soma de inconstitucionalidades de que padece!
Não havendo outra legislação, então essa referência é excrescente e perigosa, pelo que deve ser eliminada e o objecto desse artigo circunscrito à matéria do regime geral da função pública.
Finalmente, relativamente à legislação revogada, pergunto ao Governo qual a razão por que não revoga expressamente o Decreto-Lei n.º 312/80, de 19 de Agosto. O que é que permanece em vigor nesse decreto-lei que impeça a sua revogação expressa? De facto, estamos convictos de que ele deve ser revogado para evitar qualquer equívoco.
Por exemplo, de acordo com o Decreto-Lei n.º 312/80, os sapadores eram militarizados e regiam-se segundo as normas da disciplina militar. Agora o Decreto-Lei n.º 2937 92, hoje submetido a ratificação, diz que os sapadores são funcionários das autarquias, portanto funcionários civis, e regem-se pela disciplina geral dos funcionários da administração central, regional e local.
Há um verdadeiro abismo entre estes dois regimes. Assim sendo, o que sobra do Decreto-Lei n.º 312/80? Nada! Por isso ele deve ser expressamente revogado.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: apelamos aos grupos parlamentares aqui representados, desde o PSD ao PS, CDS e Verdes, bem como ao Governo, para que analisem estas propostas, e outras que possam surgir, com atenção e sem sectarismo.
Creio que poderemos melhorar o estatuto dos bombeiros profissionais. É o que vos propomos e o que de mais justo poderemos fazer em favor destes homens e mulheres a quem tanto devemos.
Aplausos do PCP.
Entretanto assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
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O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, muito embora com um sentido algo diferente, aqui e ali, o CDS acompanha as preocupações reveladas pelo PCP em relação ao pedido de ratificação, no que se refere a vários dos pontos abordados, por entendermos serem merecedores de uma reflexão porventura mais atenta, tendo em conta lições do passado e de casos paralelos.
No entanto, há uma dúvida que o Sr. Deputado João Amaral nos levantou e que tem a ver com uma preocupação muito grande do CDS, expressa, designadamente, no projecto legislativo que aqui apresentámos na última sessão legislativa.
O Sr. Deputado João Amaral estranha que se insira neste diploma uma norma sobre serviços mínimos e eu acompanho-o, até certo ponto, na sua estranheza, dada a forma como essa norma é apresentada. Ela é aqui apresentada de uma forma inútil, porque se limita, efectivamente, a referir o princípio dos serviços mínimos.
O Sr. Deputado João Amaral considera que seria impossível, inútil ou inconveniente - porventura, inconveniente para V. Ex.ª - que se retomasse o princípio dos serviços mínimos para o desenvolver em termos que se enquadrem, efectivamente, dentro dos limites constitucionais respeitantes a esta matéria, concretizando-o de forma mais precisa, a fim de se evitar o mais possível, em relação aos bombeiros voluntários, posições chocantes que, porventura, só serão evitadas com o seu espírito de abnegação e de sacrifício, deixando, no entanto, sempre na lei o sabor amargo de ela não ter contribuído para evitar casos lamentáveis como este?
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nogueira de Brito, responderei à sua pergunta de uma forma directa, dizendo o seguinte: creio que esta matéria deve ser objecto de análise na sede própria, onde, há bem pouco tempo, tivemos oportunidade de a discutir e apreciar no contexto de uma revisão da Lei da Greve.
Creio que, estando numa zona de fronteira, com todos os riscos que isso envolve, se pede às direcções sindicais e aos responsáveis dos serviços de bombeiros uma alta maturidade na compreensão do que, na prática, são esses serviços mínimos. Mas, em meu entender, seria delicado e tenderíamos, seguramente, a cometer excessos entrando aqui na regulamentação desse princípio, porque não temos preparação para tal.
A minha proposta é que um enunciado como este, que se limita a referir a Lei da Greve, seja retirado do diploma, por ser redundante e inútil, e que uma situação como esta seja ponderada no quadro adequado, com o bom-senso que, naturalmente, tem de imperar nesta matéria.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.
O Sr. José Puig (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: A publicação de um diploma legal que clarificasse o estatuto de cada corpo de bombeiros, o seu regime organizativo, as relações laborais dos profissionais deste sector, o conteúdo e o sentido dos procedimentos disciplinares aplicáveis, unificando o regime jurídico das corporações existentes sob a tutela das diversas autarquias, constituía uma velha e, aliás, justa reivindicação dos bombeiros e dos seus representantes.
Assim, entre muitas outras, na edição de 5 de Maio de 1992 um diário lisboeta informava, citando um dirigente da Associação Nacional de Bombeiros Profissionais, uma paralisação prevista para breve, reivindicando, nomeadamente, que o «Governo elabore legislação que unifique, em direitos e deveres, todas as unidades do País, para pôr cobro às grandes diferenças existentes na classe».
Neste contexto, foi aprovado e publicado o Decreto-Lei n.º 293/92, de 30 de Dezembro, diploma que viabilizou, de igual forma, a aplicação aos profissionais do sector do novo sistema retributivo.
Algumas das dúvidas e reservas colocadas pelos representantes dos trabalhadores deste sector, a propósito do normativo em causa, encontram-se, em boa verdade, esclarecidas por um bom enquadramento jurídico e por uma correcta interpretação dos seus dispositivos.
É o caso da ausência de referência expressa ao regime relativo às férias, faltas e licenças dos funcionários da Administração Pública, mas que, por força daqueles princípios, se aplica inquestionavelmente aos bombeiros profissionais.
É o caso da revogação do Decreto-Lei n.º 312/80, que, em boa verdade, se pode e deve considerar efectuada de uma forma implícita, já que a matéria aí versada se encontra especialmente regulada no diploma em debate.
É ainda o caso da disposição do n.º 2 do seu artigo 18.º, nos termos da qual se impede a residência dos bombeiros profissionais a mais de 30 km da localidade onde exercem funções.
A propósito dos eventuais direitos adquiridos neste âmbito, desejamos marcar, de um modo bem claro, o nosso entendimento segundo o qual nenhuma lei pode ter efeitos retroactivos e nem sequer violar as legítimas expectativas geradas por anterior legislação ou decisão administrativa.
Confiamos, por isso, na interpretação mais correcta, na aplicação da lei à luz desses princípios por parte das autarquias, que serão as entidades competentes nessa área.
Tendo em conta o que já ficou dito, está o Grupo Parlamentar do PSD convicto, seriamente convicto, de que estamos perante um diploma globalmente muito positivo, para além de inovador e socialmente justo.
Deve ser, aliás, especialmente sublinhado o espírito de diálogo e abertura demonstrado pelo Governo na elaboração do mesmo. As respectivas normas de natureza laboral correspondem, de facto e na essência, ao reflexo de um amplo consenso entre as autarquias envolvidas, como é do domínio público, para além de que foram atendidas as principais reivindicações dos bombeiros profissionais.
Como se pode ler na edição acima referida daquele diário, uma das reivindicações do Batalhão de Sapadores Bombeiros do Porto era a «redução do horário semanal de trabalho de 57 para 42 horas, numa primeira fase».
Nos termos do n.º 1 do artigo 19.º do diploma em apreço, a duração semanal de trabalho destes funcionários é fixada em 40 horas, sendo assim equivalente à das carreiras congéneres da Administração Pública.
Sendo a nossa disponibilidade semelhante à do Governo, que, nomeadamente pela voz do Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, vem manifestando a total abertura a eventuais benfeitorias legislativas nesta sede, apresentamos, nos termos legais, propostas de substituição ao Decreto-Lei n.º 293/92.
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Entendemos que, não sendo uma norma inédita na própria função pública, o disposto no n.º 4 do artigo 13.º poderá conduzir, num ou noutro caso extremo, a alguma arbitrariedade.
Assim, propomos que o impedimento à admissão a novo curso de promoção vigore apenas nos três anos subsequentes à segunda desistência ou exclusão.
Por outro lado, parece-nos que a remuneração do bombeiro recruta durante o estágio nunca deveria ser inferior ao salário mínimo nacional, em face dos critérios previstos no n.º 3 do artigo 14.º e o índice aplicável à carreira.
No entanto, e porque a propósito foram levantadas questões, e para que não surjam dúvidas nem possam ser defraudadas expectativas, entendemos que se deve prever expressamente que tal remuneração não poderá, em caso algum, ser inferior ao salário mínimo nacional.
Então teremos, estamos certos, um diploma coerente, que proporcionará justiça aos profissionais do sector e eficácia no exercício das suas funções, salvaguardando-se o interesse público, que, convirá não esquecer, nesta matéria é o mais relevante.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna.
O Sr. Secretário de Estado da Administração Interna (Carlos Loureiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos sabemos que a legislação incidente na vida dos bombeiros, em geral, é uma manta de retalhos, por vezes desconexa entre si, dado que se trata de um conjunto de diplomas que vêm dos anos 40 e que foram evoluindo sem uma coerência entre si.
O reconhecimento deste facto e a atenção e prioridade que dedicamos ao sector dos bombeiros -está no Programa do Governo e tem sido bem definido ao nível da interpretação de política que o Ministério da Administração Interna tem vindo a fazer - levou-nos a pensar em promover a elaboração e a aprovação de legislação que, de uma forma global, viesse colmatar esta faceta.
Começámos precisamente pelo estatuto do bombeiro profissional, de uma forma um pouco enviesada, porque reconhecemos que a situação actual, neste campo, é extremamente gravosa.
Elaborámos já um documento que define globalmente a política acerca desta matéria e o qual o Sr. Ministro da Administração Interna já se disponibilizou a discutir nesta Câmara. Esse documento foi ratificado no último fim de semana, por unanimidade, na Assembleia de Delegados da Liga dos Bombeiros Portugueses, pelo que estamos em condições de avançar. Entregámos também esse mesmo documento às associações de carácter profissional a fim de conhecermos as suas posições.
Começámos por aqui, como disse, porque a situação era, neste campo, particularmente gravosa, pois nem a transição para o âmbito municipal dos regimentos de sapadores nem a legislação interior à actividade autárquica nos fornecem documentos suficientes para resolver e tornar inequívoco o regime aplicável aos bombeiros profissionais. Acresce a isto que, no âmbito do novo sistema retributivo, os bombeiros profissionais foram reconhecidos como sendo um corpo especial, o que já aconteceu há alguns anos, mas não foi possível materializá-lo em termos da sua retribuição, pelo que mais urgente se tomava elaborarmos este diploma.
A elaboração deste diploma foi, por esse motivo, extremamente participada, dado o melindre de que se revestia a resolução de várias questões. Desde logo porque as câmaras municipais resolviam a ambiguidade existente através de um diploma de 1975, o Decreto-Lei n.º 405/75, que estabelecia alguma ambiguidade - o Sr. Deputado João Amaral referiu-o - em relação ao próprio estatuto, não sendo claro se era um estatuto de funcionário de autarquias ou militarizado.
Por outro lado, as câmaras aplicavam este decreto-lei de forma variável, chegando-se ao ponto de uma câmara municipal que tinha bombeiros sapadores pagar vencimentos quase a nível dos 50, 60 % daquilo que era pago por outras câmaras e ao absurdo de haver casos em que as câmaras que pagavam melhor serem acusadas de estar a cometer ilegalidades.
Tínhamos de resolver este problema e tínhamos de o fazer de uma forma participada. Assim, começámos por dialogar com as seis câmaras municipais que, neste país, têm regimentos de bombeiros sapadores, tendo-nos apercebido dos seus problemas e de quais eram as posições dos bombeiros através da imprensa e de diálogos que mantivemos. Depois procurámos elaborar um primeiro texto que merecesse um consenso por parte das autarquias, o qual foi estabelecido no início de Julho do ano passado. A seguir passámos a uma fase de diálogo e de consulta a todos os organismos representativos dos trabalhadores e à Associação Nacional de Municípios Portugueses.
Eu próprio, não me cabendo o contacto com os sindicatos, tive com eles uma reunião, por cortesia - paralelamente à consulta formal que lhes foi feita -, uma vez que a maioria me tinha pedido audiência, para lhes explicar porque não tinha mantido com eles um contacto mais aprofundado, tendo obtido, depois, as respostas formais de todas estas associações através do Ministério do Planeamento e da Administração do Território.
Portanto, este é um diploma necessário, que se enquadra numa política e cuja elaboração foi participada. Qual é esta política? No que diz respeito a esta matéria, a política do Governo tem sido reafirmada várias vezes e privilegia o associativismo e o voluntariado nos bombeiros. Têmo-lo dito e o Sr. Ministro da Administração Interna também já o afirmou aqui.
Mas esta política não impede, de maneira nenhuma, que não reconheçamos que é necessário e imprescindível, em muitos centros, a existência de bombeiros profissionais. Não é imaginável que em terras com centros históricos, cuja protecção é delicada, e noutras onde há riscos industriais graves, não haja profissionais também neste sector. Por isso, associo-me, com muito gosto, à homenagem que o Sr. Deputado João Amaral aqui fez a todos os bombeiros profissionais.
A nossa política em relação a esta questão é a seguinte: vamos ter bombeiros voluntários e profissionais, divididos em sapadores, nas zonas de maiores exigências, e municipais, nas zonas em que eles surgem, não por as exigências serem grandes mas por não haver disponibilidade em bombeiros voluntários. É por essa razão que optamos pela existência de duas carreiras: uma em que iremos ter maiores exigências de formação e melhor remuneração e outra em que iremos ser menos exigentes, visto as circunstâncias levarem a isso, em termos de conhecimentos e de formação a esses bombeiros.
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Porem, não se pode é dizer que há uma divisão estanque, uma vez que já existe na legislação autárquica uma disposição que permite ao executivo de uma câmara municipal propor ao Serviço Nacional de Bombeiros que o corpo de bombeiros não sapadores tenha remuneração e exigências de formação equiparadas às dos outros, não havendo, obviamente, razão para tal ser recusado, nos casos em que se justifique e se forem os próprios órgãos das autarquias a proporem.
Ora, sendo esta a nossa política, chegámos a este diploma, que tem artigos definidores não só desse enquadramento político mas também do estatuto remuneratório dos bombeiros, e procurámos alterar o menos possível aquilo que foi o consenso das seis câmaras municipais.
Sabemos que o momento que se vai seguir é extremamente delicado, pois há câmaras municipais a pagarem mais que outras. Porém, para que o diploma seja útil de imediato, vamos ter de elaborar um outro mais específico, que já está a ser preparado pelo Ministério das Finanças e que irá ser, com certeza, objecto de consulta imediata pelos sindicatos, onde se define concretamente o estatuto remuneratório. Mas para isso teremos de fazer o exercício de conjugação entre o que é hoje o pagamento efectivo e o estatuto remuneratório em cada uma das câmaras e, para o efeito, procurámos partir de uma solução que fosse consensual entre as câmaras, alterando-a o menos possível.
Sendo assim, o texto aqui presente, no que respeita ao estatuto laboral dos bombeiros profissionais é fruto do consenso entre as câmaras municipais que têm bombeiros sapadores, filtrado pelos nossos juristas em termos daquilo que era ou não legítimo ou que feria determinado tipo de princípios, por forma a haver o mínimo de conflitualidade e de dificuldade em se ultrapassar este impasse de existirem para bombeiros profissionais que fazem a mesma coisa e que têm o mesmo estatuto e as mesmas exigências remunerações diversas um pouco por todo o País. A nossa atitude é essa, como já ficou provado quando, a pedido de responsáveis da Câmara Municipal de Lisboa, consagrámos no diploma um ano de transição, por nos ter sido dito que algumas destas definições obrigavam a um período transitório.
Portanto, a abertura que tivemos em relação a estas questões teremos agora, com certeza, no que respeita a tudo o que seja no sentido de não criar impasses e dê haver um avanço efectivo quanto à estrutura de bombeiros.
Peço desculpa ao Sr. Deputado João Amaral por não focar, caso a caso, os aspectos pontuais, embora os conheça e possa referi-los muito ao de leve. No entanto, posso dizer-lhe que em relação a todos eles a nossa atitude é de abertura. Não temos preconceitos quanto à sua resolução, mas não queremos criar novamente dificuldades que possam vir a diminuir a segurança no avanço deste processo, que terá de ser rápido, no sentido de normalizarmos não só a vida dos bombeiros profissionais como também a vida de todo o sistema de bombeiros, que vamos modificar profundamente nos próximos tempos.
Em relação a duas ou três questões colocadas pelo Sr. Deputado José Puig, e que focavam aspectos fundamentais, devo dizer que, da nossa parte, há em relação a isso abertura e que nada do que aqui foi dito nos choca de forma irreversível.
Srs. Deputados, dizemos que os bombeiros profissionais são um corpo especial porque têm exigências de prontidão e de disponibilidade extremamente diversas das de um funcionário normal de uma autarquia, estando sujeitos não só ao regime disciplinar do pessoal da administração local mas também à demais legislação especial. Portanto, o regime disciplinar aplicável aos bombeiros é mais completo porque há o tal princípio do comando, ou de hierarquia, que aparece como necessário. E o princípio do comando aparece referido porque um bombeiro que tenha de cumprir uma ordem e que, por exemplo, em plena operação, não a cumpra, tem de ser imediatamente admoestado de uma forma diferente da de um funcionário público normal, que teria de ser objecto de processos normalmente previstos, visto não estar numa situação tão grave como a de um bombeiro quando está em operação, que pode, inclusivamente, pôr em risco de vida um companheiro de equipa de combate.
Essencialmente, é a isto que procuramos responder quando estabelecemos essa especificidade. Isto é, propomo-nos fazer, em termos de quadro e de filosofia, um regime disciplinar para todos os bombeiros, sejam eles profissionais ou voluntários, que defina regras a que terão de obedecer, o que não é fácil porque as câmaras municipais podem invocar - apesar de ainda o não terem feito, podem vir a fazê-lo - a sua independência do poder central. Sendo assim, não sei se, ao nível do Governo, poderemos impor a uma câmara municipal e a um corpo de bombeiros, que se enquadra na actividade municipal, um regime disciplinar no actual quadro legislativo.
Procurei responder às principais questões, mas devo dizer ainda que o corpo do Decreto-Lei n.º 312/80 já está quase todo revogado com este diploma. Há uma ou duas disposições que, apesar de não terem a ver com os bombeiros profissionais, têm reflexos, nomeadamente ao nível da existência de outros corpos de bombeiros, que serão, clara e inequivocamente, reformuladas nos próximos diplomas, que estão praticamente, elaborados e em fase de conclusão. Nessa altura não teremos qualquer problema em revogar não só este diploma mas também muitos outros, que constituem a tal manta de retalhos de que vos falei.
Direi, portanto, que este é um diploma necessário, que se enquadra numa política e foi ^elaborado de forma participada, pelo que, segundo pensamos, deve fazer o seu curso para o bem de todo o sistema de bombeiros, nomeadamente dos profissionais, que, legitimamente, estão preocupados com algumas destas disposições. A esses bombeiros e a esta Câmara gostaria de dizer, convictamente, que estamos abertos a sugestões para que este diploma não cause problemas aos bombeiros, antes corresponda àquilo que é o seu papel, que muito respeitamos, na nossa sociedade.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, V. Ex.ª facilitou a tarefa da Câmara porque já reconheceu que, nas propostas de alteração apresentadas juntamente com o pedido de ratificação, nada o choca em especial, pelo que está disposto a melhorar o diploma, atitude que me parece inteligente e correcta nas relações estabelecidas com a Assembleia da República.
De qualquer maneira, gostava de ver esclarecidas duas questões. Em primeiro lugar, o Sr. Secretário de Estado deu a entender que a publicação deste decreto-lei em 30 de Dezembro do ano passado se justificava fundamental-
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mente pelas dúvidas existentes - o que, aliás, é natural - face ao caos legislativo e às dificuldades de interpretaçâo de disposições de vários diplomas, designadamente do Código Administrativo, às consequências dessas dúvidas e às dificuldades de aplicação em matéria remuneratória. Na verdade, a matéria remuneratória foi a grande causa da publicação deste diploma e o Sr. Secretário de Estado, a certa altura, tendo provavelmente um lapso natural e revelador dessa verdadeira intenção, referiu mesmo que ele constituía um estatuto remuneratório.
No entanto, suponho que não é assim, Sr. Secretário de Estado. Poucas ou quase nenhumas das suas normas têm natureza remuneratória, tendo sido deixado o desenvolvimento da matéria remuneratória para um decreto regulamentar, normativo, que tem uma natureza diferente do ponto de vista formal e no que diz respeito à sua aprovação e fiscalização. Mas a verdade é que, até ao mês de Abril do presente ano, esse decreto regulamentar ainda não foi publicado.
Gostava de saber por que razão o legislador não foi mais longe em matéria remuneratória - embora V. Ex.ª já tenha adiantado algumas explicações para este facto, referindo, nomeadamente, que, neste momento, ainda está a dialogar com as câmaras municipais - e por que optou por um diploma de diferente natureza, o decreto regulamentar? Compreendo que, no que diz respeito à matéria remuneratória, por serem fixados quantitativos ou montantes, é necessária uma maior maleabilidade, mas era possível atingir esse objectivo se apenas a parte relativa ao estatuto remuneratório fosse tratada num diploma de natureza mais maleável.
Por outro lado, em favor da dualidade de carreiras dos sapadores e dos bombeiros municipais, o Sr. Secretário de Estado invoca um maior rigor no recrutamento, selecção e promoção; porém, não encontro expressão adequada ao que disse nas disposições do Decreto-Lei n.º 293/92. Para além de uma separação clara de carreiras que nele se estabelece - o Sr. Secretário de Estado também referiu que as coisas não se passariam dessa forma-, não compreendemos onde se verifica uma eventual comunicação. Apenas há a assinalar uma graduação mais longa nos sapadores bombeiros, em detrimento da dos bombeiros municipais, o que, por si só, contribui para que a comunicação das carreiras seja mais difícil.
Por outro lado, não encontro qualquer referência a diferentes graus de exigência, porque, para além do problema da escolaridade na classe mínima de admissão, as condições de promoção são, pelo menos formalmente, semelhantes, podendo dizer-se que há uma intenção nítida em relação à existência de duas carreiras diferentes.
Sr. Secretário de Estado, porquê duas carreiras diferentes? Por que é que estas carreiras não hão-de interpenetrar-se de facto e não há-de estabelecer-se, no diploma, uma regulamentação que facilite essa interpenetração? Eram estas as questões que desejava colocar a V. Ex.a
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna.
O Sr. Secretário de Estado da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nogueira de Brito, talvez não tenha sido explícito na forma como enquadrei este diploma. Não é lógico que ele tenha surgido em primeiro lugar, pois essa posição devia ter sido ocupada por um diploma de cúpula que desse resposta às questões que
o Sr. Deputado referiu, ou seja, que explicitasse a diferença entre os pressupostos de cada carreira e que estabelecesse o que vamos fazer em relação a cada uma. Mas a verdade é que tentámos responder a uma situação aguda, o problema do sistema retributivo.
Referi ser esse o grande objectivo que levou este de-creto-lei a isolar-se de um conjunto de diplomas, ultrapassando-os e até invertendo a ordem lógica de publicação. O diploma geral que enquadrará a reforma do corpo de bombeiros diz muito claramente o que é um corpo de bombeiros sapadores, um corpo de bombeiros municipais e define, inclusivamente, que a formação será diferente para cada um deles.
Reparem, em Lisboa - cidade que constitui o melhor exemplo deste tipo de situações- há determinados riscos e exigências a que os bombeiros vão ter de corresponder e que justificam que lhes seja ministrada uma formação especial. Mas talvez não se verifique o mesmo tipo de situações numa pequena vila do interior, pois se a câmara municipal se vê confrontada com a inexistência de voluntários, tem de reconverter rapidamente profissionais não formados em bombeiros municipais.
Um bombeiro profissional do escalão mais alto tem de ser bem remunerado e não podemos impor a uma câmara do interior que, se quiser formar rapidamente um corpo de bombeiros profissionais para responder a necessidades efectivas da sua população, tenha de optar por aquela remuneração, quando não vai conseguir, sequer, dar a contrapartida em termos de formação que permita ao profissional dessa zona ter a mesma prestação profissional.
Em relação à matéria remuneratória apressámos a publicação deste diploma e podemos dizer que o estatuto remuneratório está concluído. Na altura dissemos que as carreiras não poderiam ser definidas sem o presente diploma; a partir desta ideia procurámos ser minimalistas porque foi trabalhoso estabelecer um consenso em torno destas disposições e, neste caso, o consenso é mais necessário que no resto da legislação, pois trata-se de situações de facto em relação às quais será necessário encontrar uma solução que, em concreto, possa ser aplicada de imediato.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que foi útil a intervenção do Sr. Secretário de Estado, porque nos esclareceu sobre as verdadeiras intenções que o Governo tinha ao publicar este diploma. Realmente, ele constitui a parte intermédia de uma «Sandwich legislativa», avançada por facilitar a publicação do estatuto remuneratório.
Mas devo dizer, Sr. Secretário de Estado, que, não estando inteiramente por dentro da questão, não compreendo bem como e em que medida é que este diploma facilita a publicação desse estatuto remuneratório. V. Ex.ª tem, com certeza, razão para dizê-lo, mas eu apenas vejo que facilita na medida em que avança princípios fundamentais na separação das duas carreiras.
No fundo, este diploma tem essa intenção fundamental de avançar princípios de separação das carreiras de bombeiros municipais e de sapadores bombeiros. É claro, Sr. Secretário de Estado, que, sem se conhecer toda a evolução desta questão e o diploma superior que irá esclarecer sobre a existência separada ou a co-existência de bombeiros sapadores e municipais, ele se torna bastante incompreensível.
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2030 I SÉRIE - NÚMERO 63
É que, Sr. Secretário de Estado, sendo defensor - e tenho-o feito várias vezes e em várias oportunidades - do princípio da supletividade ou da subsidiariedade que VV. Ex.ªs aplicaram neste diploma para definir a existência de bombeiros profissionais sempre e só nos casos em que não haja bombeiros voluntários, devo dizer que não compreendo que não haja já uma clarificação, um estado mais adiantado de concretização, neste diploma ou no tal diploma superior que está em elaboração.
Admito que o princípio que discipline a existência de bombeiros voluntários ou profissionais seja o da subsidiariedade, mas creio que quando se parte para a fixação de um estatuto deste tipo já se deve saber onde, necessariamente, terá de haver bombeiros profissionais e onde poderá haver bombeiros voluntários. Aliás, também não admito, Sr. Secretário de Estado, que fique inteiramente ao critério das entidades municipais ter sapadores bombeiros ou apenas bombeiros municipais, ou seja, que a criação de um corpo de bombeiros sapadores ou de bombeiros municipais seja inteiramente facultativa.
Por isso é que entendi que têm de se fixar princípios, de acordo com esse princípio da subsidiariedade, que tenham em conta a população de cada concelho e que o seu desenvolvimento económico aponte para a existência de corpos de bombeiros profissionais, pois tem de se articular a existência de corpos de bombeiros profissionais de maior amplitude e de organização mais acabada e perfeita atendendo esses critérios. Isto é, não admito que, neste campo, seja puramente discricionária a existência de um ou outro tipo de bombeiros, voluntários ou profissionais, e mesmo dentro dos profissionais, não admito que seja inteiramente discricionário poder ou não existir um corpo de sapadores e não apenas bombeiros municipais.
Para mim, um outro diploma - e este já é prejudicial nesse sentido - tem de estabelecer regras porventura mais claras neste particular.
Por outro lado, não há dúvida nenhuma de que iremos contribuir para melhorar este texto, quanto mais não seja no problema da revogação do Decreto-Lei n.º 312/80. Na realidade, V. Ex.ª refere, e bem - e já o Sr. Deputado José Puig o fez anteriormente -, que há uma derrogação tácita, pois praticamente todas as matérias são cobertas por este diploma; mas como há aqui uma revogação expressa de um outro texto, que é um texto do Código Administrativo, entendo que essa norma transitória incluída neste diploma e não abrangendo o Decreto-Lei n.º 312/80 pode ser geradora de confusões. E sendo-o, é bom que aproveitemos a ratificação para lhe introduzir esse melhoramento.
Finalmente, em comissão, quando estudarmos as propostas do PCP, vamos tentar introduzir uma norma mais perfeita e acabada no que respeita aos serviços mínimos. Essa é a nossa tradição relativamente ao exercício do direito à greve, que teve um ponto alto na nossa proposta de lei apresentada na passada sessão legislativa, e, consequentemente, não vamos deixar de intervir neste domínio. Isto é, a pura afirmação da existência de serviços mínimos, que é uma repetição do que se passa com a própria Lei da Greve, não nos satisfaz e iremos concretizar e pormenorizar, na sequência de conversas com os interessados, o princípio dos serviços mínimos em relação aos bombeiros voluntários.
Sr. Secretário de Estado, dado o pouco tempo que temos neste momento, é o que me resta dizer em relação a este diploma, sendo certo que, de um ponto de vista global, consideramos positivo que se tomem iniciativas legislativas neste domínio, o que, neste caso, é ainda mais positivo, dado o atraso, por exemplo, com que se regulamentou o Estatuto Social do Bombeiro, que foi uma iniciativa legislativa do CDS e que colheu a unanimidade dos votos desta Assembleia.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado da Administração Interna: No encerramento deste debate não podia deixar de congratular-me com o facto de termos chamado o decreto-lei à ratificação, termos propiciado algumas precisões em relação à sua situação e possibilitado a abertura a algumas melhorias.
Referindo as precisões que foram obtidas durante o debate, saliento a inaplicabilidade do Decreto-Lei n.º 312/80, a afirmação explícita de que o regime de férias, faltas e licenças é o regime da lei geral, para além do caracter civil ou de funcionários civis que têm os sapadores bombeiros. São afirmações interpretativas que ficam registadas e que são muito importantes.
No entanto, creio que, em matéria de interpretações, devemos ter cautelas, porque quem interpreta estas normas é o aplicador e, muitas vezes, o aplicador são comandos que, por uma lógica de tradição que existe, vêm de sectores da administração e estão habituados a interpretar as normas de uma forma bastante restrita. Assim, creio que deveríamos evitar essa inconveniente margem de manobra clarificando todas essas conclusões interpretativas em normativos que as assegurassem.
No entanto, permanecem algumas questões em relação às quais convinha fazer alguma análise em sede de debate na especialidade. Por exemplo, o regime disciplinar que ultrapasse o quadro da função pública terá de derivar de lei; mas onde é que está essa lei? Não havendo, neste momento, é a da função pública que terá de ser aplicada porque não há outra.
Com efeito, as câmaras municipais não têm competência para restringir direitos fundamentais dos cidadãos e não podem ser elas sozinhas a dizer que o regime disciplinar deve ser este ou aquele. O regime geral de trabalho é regulado por uma lei, tal como o regime de trabalho da função pública, porque esse é um poder que deriva da Assembleia da República, que, como se sabe, tem nesta matéria uma competência reservada que poderá posteriormente delegar no Governo através dos mecanismos próprios. Mas esta é uma questão que está em aberto e em relação à qual convinha termos muito cuidado, sob pena de se criarem situações muito complexas pelas razões que referi.
Relativamente à aplicação da Lei da Greve e do regime de serviços mínimos, vimos agora na intervenção do Sr. Deputado Nogueira de Brito até que ponto se podem estabelecer confusões. Portanto, a minha opinião é a de que esta matéria seja remetida para os termos gerais da Lei da Greve, num quadro que na minha opinião até é já excessivamente apertado, mas é o que está vigor.
Finalmente, concluo agradecendo e salientando o espírito de abertura que foi aqui revelado e que, estou convencido, permitirá, em sede de comissão, melhorar o diploma, com o empenhamento que da nossa parte não regatearemos, em diálogo entre os grupos parlamentares,
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o Governo e, provavelmente, associando também os representantes dos sapadores bombeiros.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, foram apresentadas propostas de alteração, pelo que a ratificação baixa, nos termos regimentais, à comissão parlamentar competente, à Comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente.
Os Srs. Deputados, com certeza, vão continuar a acompanhar a evolução do processo, bastante conhecido, de marcação da próxima sessão plenária comemorativa do 25 de Abril, pelo que dou por concluídos os nossos trabalhos de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 12 horas e 40 minutos.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Delmar Ramiro Palas.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
João Álvaro Poças Santos.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Angelo Ferreira Correia.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Mário Jorge Belo Maciel.
Partido Socialista (PS):
António José Martins Seguro.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Paulo Martins Casaca.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Deputados independentes:
Mário António Baptista Tomé.
Raúl Fernandes de Morais e Castro.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.
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DIÁRIO da Assembleia da República
Depósito legal n.º 8818/85
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