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Sexta-feira, 14 de Maio de 1993 I Série - Número 71

DIÁRIO da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 2.º SESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 13 DE MAIO DE 1993

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
José Ernesto Figueira dos Reis
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da atirada na Mesa dos projectos de lei n.º 311/VI a 313/VI, daí projectos de resolução n.ºs 63/IV e 64/VI, de requerimentos da resposta a alguns outros.
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Odete Santas (PCP) teceu criticai ao anteprojecto de revisão do Código Penal, tendo respondido a pedida de esclarecimento dos Srs. Deputados Luís Pau de Sousa e Margarida Silva Pereira (PSD).
O Sr Deputado José Calçada (PCP) referiu-se a situação da empresa CAMAC, a problemas dos pescadores da Afunda e a projectos espanhóis que irão afectar o no Douro.
A Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira (PSD) congratulou-se com o aumento de efectiva femininos no ensino superior e a multiplicidade das áreas educacionais frequentadas.
O Sr. Deputado Alberto Avelino (PS) surgiu-se contra a política do Governo no sector das pescas.
Foi rejeitado o voto n.º 81/VI - Recomenda ao Governo e ao Governo Regional dos Açores a tomada de medidas de defesa do prestígio das instituições democráticas e de salvaguarda da integridade moral dos detentores de cargas políticas, apresentado pelo Deputado independente Mano Tomé.

Ordem do dia: - Forum aprovados os n.º 59 a 63 do Diário.

A Câmara deu assentimento às viagens de caracter oficial do Sr. Presidente da República a Espanha a Paris.
Foi aprovada, na generalidade, a proposta de lei n.º 46/VI - Autónoma o Governo a rever o sistema de garantias de isenção e imparcialidade da Administração Pública. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Secretário dê Estado da Presidência do Conselho de Ministros (Paulo Teixeira Pinto), os Sr. Deputados José Magalhães e Alberto Martins (PS), Raul Castro (Indep.). António Filipe (PCP) e Luis Pais de Sousa (PSD).
Foram aprovados o projecto de resolução n.º 51/V7 - Criação de uma comissão para a reforma do ordenamento administrativo do País (PSD) e o inquérito parlamentar n.º 14/VI - Constituição de uma comissão eventual de inquérito com vista a dar continuidade à averiguação cabal das causai e circunstâncias em que ocorreu a tragédia que, em 4 de Dezembro de 1980, vitimou o Sr. Primeiro-Ministro, Dr. Francisco Sá Carneiro, o Sr. Ministro da Defesa, engenheiro Adelino Amaro da Casta, e seus acompanhantes (PSD).
A Câmara aprovou ainda pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias quatro Deputados a deporem em tribunal como testemunhas e denegando automação a outros três.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 10 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Abílio Sousa e Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Ana Paula Matos Barros.
Anabela Honório Matias.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Isilda Mana Renda Periquito Pires Martim.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Eduardo Dias Madeira Gouveia.
João José da Silva Maçãs.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Luis António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luis Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e SUva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Alves Marques Júnior.

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António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos da Costa.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Edite de Fátima Santos Maneiros Estrela.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira de Oliveira Martins.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
José Barbosa Mota.
José Eduardo Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Carneiro dos Santos.
José Paulo Martins Casaca.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rui António Ferreira da Cunha.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
Arménio Horário Alves Carlos.
João António Gonçalves do Amaral.
José Fernando Araújo Calcada.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
José Luís Nogueira de Brito.
Juvenal Alcides da Silva Costa.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes:

Diogo Pinto de Freitas do Amaral.
Mário António Baptista Tomé.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que foram apresentados à Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projectos de lei n.ºs 311/VI - Cria a comissão nacional para avaliação de impactes resultantes da transferência de caudais entre bacias hidrográficas (Os Verdes), que baixou à 5.ª Comissão; 3127 VI - Elevação da vila de Amora à categoria de cidade (Deputado do PS José Reis), que baixou à 5.ª Comissão; 313/VI - Elevação da povoação de Aljubarrota à categoria de vila (Deputado do PSD Silva Marques), que baixou à 5.ª Comissão; projectos de resolução n.ºs 63/VI - Agendamento de um debate em Plenário com a presença dos Ministérios da Educação e do Emprego e da Segurança Social sobre as necessidades educativas específicas devidas a deficiências físicas e mentais (PS) e 64/VI - Sobre medidas para fazer face à grave situação económica e social no sector das pescas em Portugal (PCP).
Na última reunião plenária, foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos: ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado José Manuel Maia; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pela Sr.ª Deputada Elisa Damião; ao Governo, formulados pelo Sr. Deputado Guilherme Oliveira Martins; ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Sérgio.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados petas seguintes Srs. Deputados: António Filipe, na sessão de 13 de Dezembro; Isabel Castro, na sessão de 12 de Março; José Silva Costa, na sessão de 17 de Março.
Entretanto, informam-se os Srs. Deputados que a Comissão Eventual para a História do Parlamento reúne às 16 horas e a Comissão de Assuntos Europeus às 16 bocas e 30 minutos.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, tomámos há pouco conhecimento de que o escudo acaba de abandonar, embora provisoriamente, o mecanismo de taxas de câmbio do Sistema Monetário Europeu. Dado que isto configura, por um lado, a falência da política económica

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do Governo e, por outro, que aquilo que poderia ter sido feito, em tempo útil, sem dramatismos, está hoje a ser feito num ambiente turbulento e sem qualquer garantia da autonomia nacional, o PS já solicitou junto do Sr. Presidente da Comissão de Economia, Finanças e Plano a realização, hoje, de uma reunião extraordinária e permanente dessa Comissão, onde vamos solicitar a presença urgente do Governo e do Banco de Portugal na Assembleia da República.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tratou-se mais de uma inflamação à Câmara do que uma interpelação à Mesa, Sr. Deputado, mas, de qualquer modo, ela tem toda a justificação.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, a minha interpelação à Mesa versa sobre a mesma matéria, mas tem o seguinte sentido: a declaração feita de que o escudo suspendeu hoje a sua participação no mecanismo de taxas de câmbio do Sistema Monetário Europeu, de repente - e julgo que este aspecto é muito importante, porque tem a ver com as razoes extraordinárias que, no prazo de um ou dois dias, terão levado o Governo a tomar esta posição (e recordo que, ainda no dia 11 de Maio, anteontem, o Governo fez publicar no Diário da República um decreto prevendo a liberalização completa e total dos movimentos de capitais não estando, portanto, a prever esta situação) -, sugere que terão ocorrido circunstâncias perfeitamente anormais de que a Assembleia da República deve ter conhecimento.
Precisamente porque é uma situação de urgência, o sentido útil da minha interpelação é o de solicitar a» Sr. Presidente da Assembleia da República que desenvolva os esforços necessários designadamente através do Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, para que, ainda esta tarde, o Sr. Ministro das Finanças, ou algum membro da sua equipa, venha à Assembleia da República, ao Plenário ou à Omissão de Economia, Finanças e Plano explicar as razoes que levaram a esta situação e, eventualmente, indiciar qual a posição que o Governo Português vai assumir esta noite na reunião do Comité Monetário.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, denoto nas palavras dos Srs. Deputados da oposição um clima de grande instabilidade, preocupação e alarmismo.
Em minha opinião, quanto mais não seja em nome do interesse nacional, não é recomendável, neste momento, criar-se um clima de falta de serenidade. Devemos fazer precisamente o contrário.
As razoes, que o Sr. Deputado Octávio Teixeira diz desconhecer, para que isto tenha acontecido prendem-se com um forte ataque à moeda espanhola. Ora, dada a ligação que o escudo tem com a peseta, automaticamente surgiu um ataque ao escudo.
Nessa medida, o Banco de Portugal requereu não a saída mas a suspensão do escudo do mecanismo de taxas de câmbio do Sistema Monetário Europeu. Contudo, tudo isto ficará resolvido dentro de horas, mais propriamente hoje à noite, quando se reunir o Comité Monetário.
Portanto, não é caso para chamarmos aqui o Governo em peso, o Ministro das Finanças ou quem os senhores entendam, porque, neste momento, o que é preciso é manter a serenidade e aguardar as decisões que se vão tomar.
Isto não obsta, no entanto, a que a Comissão de Economia, Finanças e Plano nossa reunir e trocar impressões e informações sobre esta matéria. Chamar o Ministro, neste momento, é afectar uma serenidade que o interesse nacional recomenda.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, VV. Ex.ªs estão a interpelar a Mesa sobre uma matéria que a esta desconhece.
Tem de novo a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, desejo concretizar a minha interpelação de há pouco, solicitando a intervenção de V. Ex.ª, no sentido de as autoridades monetárias responsáveis do Ministério das Finanças e do Banco de Portugal virem hoje à Comissão de Economia, Finanças e Plano, visto já haver disponibilidade por parte do PSD para a realização de uma reunião de emergência dessa Comissão.
É que está a verificar-se uma venda massiva de escudos e os Telexes da Lusa não mentem -, provocando uma agitação tal no mercado cambial que a cotação do marco é já de 98$ - e isto há poucas horas-quando, ontem, era de 92$.
É evidente que a situação em curso permite-nos pensar que o facto de não ter sido levada à prática, em tempo útil, uma determinada política pode conduzir, boje, a situação a um beco sem saída. Ora, nós queremos contribuir para evitar um desastre económico neste país.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, desejava intervir na qualidade de presidente da Comissão de Economia, Finanças e Plano.
É que da intervenção do Sr. Deputado Rui Rio concluí não haver objecções à realização de uma reunião da , Comissão de Economia, Finanças e Plano, pelo que preparava-me para anunciar à Câmara a convocação da mesma para as 16 horas, ficando prejudicada a reunião prevista de um determinado grupo de trabalho, que, face ao que está a ocorrer, tem menos importância.
Assim sendo, e se a minha interpretaçâo está correcta, peço ao Sr. Presidente que me permita anunciar, já que estou no uso da palavra, a convocação de uma reunião da Comissão de Economia, Finanças e Plano para as 16 horas, e aí, sim, veríamos se era, ou não, conveniente que V. Ex.ª interviesse no sentido de as autoridades monetárias e também o Sr. Ministro das Finanças se deslocarem à Assembleia da República ainda hoje.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, desejo subscrever inteiramente as palavras do Sr. Deputado Manuel dos

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Santos. De facto, damos o nosso acordo à realização dessa reunião. Mas gostaria de dizer ao Sr. Deputado Ferro Rodrigues que a nossa ideia, ao participarmos numa reunião extraordinária da Comissão de Economia, Finanças e Plano, é a de nos informarmos relativamente a esta matéria e não a de criar agitação, até porque não compete à Assembleia da República resolver este assunto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O debate sobre ò anteprojecto do Código Penal instalou-se por iniciativa da sociedade civil, não por iniciativa do Sr. Ministro da Justiça, ou mesmo pela sua disponibilidade para este debate. Líquido é o actual Código ter de ser revisto, mas seria mirífico acreditar que de uma revisão do Código Penal pudesse surgir a resolução do problema do aumento da criminalidade.
Com efeito, o combate à criminalidade passa por um programa integrado, cujos pontos essenciais são: primeiro, uma política que vai erradicando factores que conduzem à marginalidade e à criminalidade, que combata o desemprego, a pobreza, a toxicodependência, geradora da grande maioria de crimes contra o património; segundo, uma reforma do direito penitenciário, que considere que o recluso mantém a titularidade dos direitos fundamentais do homem; terceiro, uma lei penal que proteja os bens jurídicos fundamentais da comunidade, despida de excrescências moralistas, de valores normalmente muito discutíveis.
Relativamente ao primeiro ponto -o da política social -, pode afirmar-se que a comunidade tem perfeita consciência de que a criminalidade, que atinge entre nós proporções alarmantes, tem por base uma política que conduz ao desemprego, à impossibilidade de inserção na vida activa à pobreza. Foram estes, aliás, os factores indicados pelos inquiridos, num trabalho do CEJ, em 1991, como os mais importantes nas causas da violência que se verifica na sociedade portuguesa.
Quanto ao nosso sistema penitenciário, foi o Sr. Ministro da Justiça a referir nos jornais, sem apontar qualquer réstia de esperança para a reformulação do sistema, que as nossas cadeias eram escolas do crime.
Assim, não será de esperar, ainda que a revisão do Código Penal fosse totalmente de aplaudir, que da aplicação da mesma resulte um eficaz combate à criminalidade, nestas circunstancias.
Como diz Giuseppe Lattanzi, uma nova lei penal vale pouco se não lhe corresponder uma eficaz execução. E foi, aliás, o que aconteceu com algumas das disposições do actual Código Penal.
Assente a necessidade de se fazer a revisão do Código Penal de 1982, mas que tem de ser acompanhada de outras medidas que não se vislumbram, pese embora o pessimismo que daqui resulta, constata-se que o anteprojecto obedeceu, pelo menos em teoria, a um primeiro objectivo: o de punir mais gravemente os crimes contra as pessoas do que os crimes contra o património.

O Sr. João Amaral (PCP): - Um escândalo!

A Oradora: - Ora, este objectivo foi, em parte, conseguido, embora os valores estivessem, e ainda estejam, invertidos, mas não na totalidade, quer porque, inexplicavelmente, se baixam medidas abstractas da pena em crimes graves contra a vida e a uberdade, quer porque se chegam a descrímínalízar comportamentos contra a Uberdade e autodeterminação sexual, quer porque, 'em alguns crimes graves, se optou pela multa em alternativa à pena de prisão. Aliás, a revisão do Código teve esse mesmo objectivo: a de privilegiar, sempre que possível, a pena de multa sobre a pena privativa da liberdade. Não rejeitamos esta filosofia mas há que doseá-la bem!
Face à completa omissão da política do Governo quanto a medidas de combate à criminalidade, ou, melhor, face à política governativa que conduz à formação de uma nova pobreza, a opção do anteprojecto pelas penas de multa não surge sempre como uma opção de ressocialização do delinquente mas como uma medida, objectivamente economicista e não foi isto o que esteve, de facto, na mente da comissão revisora e do Prof. Figueiredo Dias, em especial.
Não somos dos que defendemos as longas penas de prisão, uma pena caracterizada pela expiação retributiva do condenado, nem nos parece que devam ser afastadas opções que assegurem a punição através de penas não privativas da liberdade. O que temos de prevenir é que se beneficiem certos estratos sociais, os de melhor fortuna, fregueses dos tribunais em certos crimes, como os de burla qualificada, que, segundo o anteprojecto, em certos casos, e casos graves, expiam apenas com o pagamento de multas. Há que impedir que as anunciadas boas intenções da lei revisora não a tornem num instrumento de poder da classe dominante contra os mais carenciados, aqueles que não podem pagar a multa e que acabam por cair nas chamadas escolas do crime.
De facto, a reforma anunciada no tratamento da pena de multa substitutiva da pena de prisão merece nota negativa pois acentua as desigualdades entre os que tem capacidade económica para pagar a pena e os cidadãos de fracos recursos.
Neste aspecto, a reforma é um retrocesso face à lei vigente, porque o Código actual trata a pena de multa que substitui a pena de prisão sempre como pena de multa, mesmo que esta não possa ser paga quando são frustradas todas as tentativas de a pagar e não se regressa nunca na óptica do actual Código, à pena de prisão originária. Deste modo, o cidadão de parcos recursos seria discriminado perante os favorecidos pela fortuna Dir-se-á, claro, que a pena de prisão originária pode ser suspensa e manter-se a liberdade, mas o legislador não deixou, mesmo assim, de acentuar as desigualdades.
Paga a pena de multa o cidadão que a pode pagar, ficando livre de ser julgado reincidente, mas o outro, o de bolsos vazios, que também é cidadão, fica com a pena de prisão suspensa, e se cometer um outro crime, mesmo que seja não doloso, como um simples atropelamento de um peão com uma bicicleta, vê quebrada a suspensão da execução da pena tendo de cumprir a pena de prisão. Ora, isto deve ser corrigido.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Somos ainda críticos em relação a outras opções, como a da extinção do regime de prova e em relação a outras soluções, que destacaremos, não sem antes afamarmos o nosso distanciamento face a críticas erradas, sem fundamento, retrógadas, e não sem antes destacarmos que é positivo que, nomeadamente em relação aos crimes sexuais, em grande parte, se pretenda despojar o Código vigente de concepções moralistas discutíveis. Estes crimes surgem, positivamente, como crimes contra a liberdade e autodeterminação das pessoas.

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É positivo que se tenha, em alguns casos, neutralizado o género - deixa de haver feminino e masculino -, apontando homens e mulheres como vítimas.
É positiva a reformulação feita do crime de exploração do trabalho infantil, já punido pelo actual Código, e do crime de maus tratos a cônjuges.
Mas é negativo que nos crimes de homicídio simples se tenha abrandado a medida abstracta da pena, nos crimes de homicídio qualificado se tenha baixado o mínimo da pena de 12 anos para 10 anos e que nos crimes de maus tratos a cônjuge passem a ser crimes semipúblicos. É negativo que crimes graves, como o de rapto e de rapto de menor, com intenções libidinosas ou para o exercício de prostituição, sofram diminuição nos mínimos da pena; que o sequestro, em certos casos, seja menos punido ou punido até só com multa. E quanto aos crimes sexuais, não sendo verdadeiro - e o Prof. Figueiredo Dias tinha razão para afirmar «é falso como Judas» - que o abuso sexual de crianças é menos punido que o abuso sexual sobre adultos, é, no entanto, negativo que se continue a considerar a mulher culpada do crime de violação quando se contínua a prever, como atenuante especial, o facto de a vítima, através do seu comportamento, ter contribuído de forma sensível para o facto.
Não chega ao legislador o que a este respeito já consta da parte geral do Código? É preciso impor ao juiz que colabore na forma mais extrema de opressão das mulheres, que é a da criação do sentimento de vergonha e de culpa a respeito da sua própria vida?

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - É ainda negativo que no conceito de violação não se incluam actos de cópula incompleta e outros actos sexuais de extrema violência, que acabam por ser punidos com menor intensidade. E nem se diga que há razão para tal, pois se considera a possibilidade de a mulher ficar grávida. A solução é simples: tipifique-se a gravidez como agravante.
De facto, notamos ainda resquícios nesta parte do Código do valor mercantil da fidelidade e da virgindade da mulher, como linearmente decorre da manutenção do crime de estupro e da manutenção da repressão da sexualidade da mulher, quando a fraude sexual de que é vítima pode ser punida apenas com pena de multa.
É ainda negativo, mesmo inconcebível, que o abuso sexual de pessoas incapazes de resistir seja substancialmente menos punido que o de pessoa normal, o mesmo acontecendo em relação ao abuso sexual de pessoa internada. A revisão reincide no erro do Código actual.
Então os reclusos não mantêm a titularidade dos direitos fundamentais do ser humano?
Reprovável é que se tenha descriminalizado a conduta do proxeneta em relação a adulto, quando não se prove a intenção lucrativa ou o exercício profissional; que os actos homossexuais graves com menores de 16 a 18 anos possam ser punidos apenas com multa até 240 dias; que a utilização de menores de 14 anos em fotografia, filmes ou gravações pornográficos também possa ser punida com uma pena de multa até 240 dias, em alternativa à pena de punição até dois anos.
E que espécie de protecção goza o menor (de qualquer idade, 10, 12, 14 anos, por exemplo), se o fomento e o favorecimento de prostituição por proxenetas tem no artigo 176.º o mínimo de seis meses de prisão, que - claro - pode ser substituída por multa?
É nesta área dos crimes sexuais que mais se evidenciam as contradições entre enunciados muito positivos e algumas concretizações taxistas e outras retrógradas e mesmo algumas omissões.
Não será, por exemplo, de punir como crime o assédio sexual, neutralizando o género? Não será também de neutralizar o género em relação à violação e de enquadrar nesta os actos sexuais de relevo? Enfim, perante estas interrogações, dúvidas e críticas, que o anteprojecto suscita, não cederá a impermeabilidade aos debates do Sr. Ministro da Justiça?
O debate está lançado e, manifestamente, a contragosto do responsável pela área da justiça.
Chegou a altura de a Assembleia da República intervir nesse debate, através de seminários para tratamento dos diversos temas. É necessária a divulgação urgente das actas da comissão revisora. Compreendemos a incomodidade do PSD perante a iminência desse debate.
Os lobbies que dentro dele exigem uma maior repressão, prometendo, falsamente, aos cidadãos, por esta via, uma maior segurança, pretendem desta forma escamotear as responsabilidades do Governo no aumento da criminalidade através da sua política anti-social. Os outros receitam que a concepção optimista da comissão revisora, e em especial do Prof. Figueiredo Dias, na ressocialização do delinquente venha a evidenciar ainda mais a omissão governativa quanto as medidas necessárias. Ao franquear as portas da prisão, o delinquente tem à sua espera o desemprego, o mundo da droga, a pobreza, a marginalidade, tudo inserido em novas formas de opressão sobre os mais desprotegidos. E contra isto não há concepção optimista que resista, a menos que... se mude de política e de Governo, naturalmente!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Luis Pais de Sousa e Margarida Silva Pereira.

Tem a palavra o Sr. Deputado Luis Pais de Sousa.

O Sr. Luís Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente. Sr.ª Deputada Odete Santos, naturalmente que um Código Penal é um diploma fundamental em qualquer país e em qualquer comunidade jurídica. Como sabe, o nosso Código Penal data de 1982, pelo que, passados 10 anos, impõe-se a sua revisão, que é reclamada não só pelos cidadãos como pelo mundo jurídico. Neste domínio, a prevenção geral constitui tarefa permanente.
A Sr.ª Deputada afirmou que a revisão do Código Penal de 1982 é necessária mas que «tem de ser acompanhada de outras medidas». Gostaria que explicasse à Câmara quais são essas «outras medidas».
Por outro lado, a Sr.ª Deputada, depois de zurzir, de qualquer maneira, na política governativa, falou na substituição das penas curtas de prisão por multa. Como sabe, na doutrina, e até na jurisprudência, esta linha de pensamento vem sendo reforçada, pelo que é natural que, relativamente ao Código Penal, desde logo no domínio dos chamados «crimes contra o património», o trabalho da comissão se lenha encaminhado para essa tese que é correcta -, a da substituição das penas curtas de prisão por penas pecuniárias ou por multas.
Finalmente, gostava de saber se está ou não de acordo, pelo menos na generalidade, com o anteprojecto de reforma do Código Penal e com a filosofia que lhe está subjacente.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira.

A Sr.ª Margarida Silva Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, começo por dizer-lhe que utilizo a figura regimental, que nesta altura me ocorre, do pedido de esclarecimento fundamentalmente para sublinhar, perante V. Ex.ª e esta Casa, duas coisas: em primeiro lugar, avalio a técnica da sua intervenção, que reconheço e felicito; em segundo lugar, entendo tratar-se de uma intervenção relativamente inoportuna. E passo a explicar porquê.
Inoportuna, porque V. Ex.ª produziu uma cuidadosa intervenção acerca do debate que, em nosso entender, terá a sede própria na especialidade. De facto, as questões criteriosas e importantes que levantou, relativamente a problemas suscitados pelo actual Código Penal, mais demandariam uma reflexão da Câmara quando o diploma aqui for discutido, numa outra ocasião, que não esta, até porque, Sr.ª Deputada, como muito bem sabe, como eminente jurista que é, algumas delas não são de solução pacífica. Não é absolutamente líquida a solução que encontrou para a punição de alguns dos crimes que referiu. Não está excluída a possibilidade de alguns crimes sexuais por si enunciados serem punidos em cúmulo jurídico com outras práticas igualmente criminosas. Pois bem, isso estará, porventura, nos propósitos e na filosofia do Código Penal, e essa será também a razão de ser última de a punição ter tido, por vezes, uma mão mais branda do que aquela que a um leigo, à primeira vista, possa suscitar.
Como ponto final desta minha breve troca de palavras consigo, gostava de deixar uma nota positiva, que tem a ver com o reconhecimento que a Sr.ª Deputada fez, com justiça, de o facto de os crimes sexuais - e neles pego - serem hoje considerados crimes contra a liberdade. Penso que é uma conquista inexorável do actual Código, norteada pela melhor doutrina que por esse mundo fora se tem pronunciado sobre a matéria, aliás na esteira da melhor doutrina portuguesa. Nesse sentido, temos de dizer que o anteprojecto que em breve a Câmara apreciará é um diploma moderno e tolerante. Tanto quanto sei, a obra monográfica mais recente sobre crimes sexuais que apareceu nas bancas tinha, justamente, essa dedicatória: pela tolerância.
Penso ser uma boa epígrafe para o debate que irá seguir-se quando a revisão do Código Penal chegar, finalmente, a esta Câmara.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos, que dispõe de dois minutos, um cedido pela Mesa e o outro pelo PSD. Vai, assim, tentar, em dois minutos, «meter o Rossio na Rua da Betesga».

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, começo por agradecer à Mesa e ao PSD o tempo cedido. Não se trata de «meter o Rossio na Rua da Betesga» porque em relação ao Sr. Deputado Luís Pais de Sousa penso que lhe poderia responder muito simplesmente que não esteve com atenção à intervenção.
Afirmei que estamos a favor da filosofia de substituição de certas penas privativas da liberdade (penas cúrias) por multas. Apenas destaquei um caso que não sei se será único, mas que me parecia duvidoso - o crime de burla qualificada, já de certa gravidade, punível com pena de prisão até cinco anos, poder ser pago através de uma multa. Relativamente às penas curtas privativas de liberdade estou de acordo. As medidas que referi como necessárias incidem na área social para erradicar a pobreza, a toxicodependência é os factores de marginalidade. Disse ainda que eram necessárias medidas no sistema penitenciário, porque aí é que reside, de facto, o coração da verdadeira reforma penal.
Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira, agradeço-lhe a sua intervenção. E, respondendo ainda ao Sr. Deputado Luís Pais de Sousa, direi que a comissão revisora do Código Penal e o Prof. Figueiredo Dias, aliás com a concepção optimista que tem da ressocialização do delinquente, fez um trabalho no geral positivo - reconheço isso. Mas é evidente que há críticas e questões que têm de ser levantadas. Levantei algumas questões na área dos crimes sexuais, onde penso que se exercem ainda muitas pressões de certos lobbies moralistas, de um moralismo muito discutível.
Enunciei questões de generalidade. É claro que a generalidade implica também analisar já alguma medida abstracta das penas. Não penso que a minha intervenção tenha sido inoportuna, visto tê-la produzido num momento em que a sociedade civil, as organizações de mulheres e outras e os juízes estão ávidos para discutir isto e para chegarmos a uma reforma penal que seja fruto de um grande consenso.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Ao abrigo do artigo 81.º, n º 2, do Regimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada para uma intervenção.

O Sr. José Calcada (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É do Norte, hoje, que vos vimos falar. Mas não o das águas do Douro, ou o dos ventos ásperos e das areias finas das praias de Âncora, ou o das ruelas do Aniki Bobó da nossa infância, sequer o das planícies altas e quase alentejanas de um outro norte que nordeste é; nem mesmo o verde do Minho conseguirá aqui impor-nos a paisagem. Porque o Norte de que vos queremos falar é o das mulheres e dos homens que nele habitam, que nele vivem, trabalham, sofrem e sonham. Um norte que, por isso mesmo, só por acaso é geográfico - e que não é mais do que aquele extremo de um país que, quando olhado a partir dos mares do Algarve, todo ele ao norte de nós mesmos se situa.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, em Santo Tirso, em pleno coração do vale do Ave, a Camac, grande empresa fabricante de pneus, ocupa 460 operários, quase todos homens. É uma empresa tecnologicamente evoluída, ocupando 2 % do mercado britânico e exportando mais de 70 % da produção, com o seu próprio nome e o da Vredstein. A introdução de tecnologia oriunda desta última empresa permitiria uma redução de 20 % a 30 % nos custos finais e, tendo em conta as possibilidades do mercado, a passagem do período de laboração de cinco para sete dias semanais. E tudo isto conservando ou mesmo aumentando o número dos postos de trabalho.
Perspectivar-se-ia ainda a hipótese de apontou ao projecto Ford/Volkswagen de Palmela. Só que, neste momento, descapitalizada por força de gestão criminosa de um dos seus sócios, a Camac não só não tem a liquidez que lhe permita dar o salto qualitativo a que atrás nos referimos, como até corre o risco de encerrar, enviando para o desemprego os seus 460 trabalhadores. A situação é tanto mais dramática quanto é verdade que um número significativo de mulheres desses mesmos trabalhadores se encontra já neste

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momento no desemprego, consequência da ruína do sector têxtil em que anteriormente se ocupavam. Como nos foi dito e foi amplamente demonstrado pela administração e pelos trabalhadores, em desacordo noutras análises, mas não nesta, a empresa é viável, «tem pés para andar», mas necessitaria de um aval ou de uma garantia do Estado no valor de 300000 contos, que pudesse funcionar como fundo de maneio para um novo arranque. A empresa não quer dinheiro a fundo perdido, quer sim um empréstimo, pois sabe que está em condições de honrar os compromissos que daí advenham. Pois bem: estabelecidos contactos com o Ministério da Industria e Energia no sentido da ultrapassagem do problema, o governo PSD/Cavaco Silva não só se mostra surdo às possibilidades de viabilização financeira da empresa mas também insensível ao drama social que tal atitude acarretará.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O liberalismo economicista deste governo desagua assim, naturalmente, em formas intoleráveis de darwinismo social. Que aqui e daqui denunciamos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A paisagem da Ribeira do Porto vista do outro lado do rio, da praia da Afurada, rente à água, é das mais belas que a Ribeira nos pode dar. Mas a contemplação estética constitui um luxo a que os pescadores da Afurada se não podem dar. Não porque não sejam capazes e dignos de tais emoções, mas antes porque, prosaicamente, a Polícia Marítima os transformou em alvos prioritários dos suas acções. São barcos apreendidos, motores selados, multas de 100 contos por embarcação! E que fizeram os pescadores da Afurada para merecerem tão eficaz tratamento?

O Sr. Silva Marques (PSD): - E o presidente da Câmara não intervém!?

O Orador: - Pois bem, limitaram-se a exercer ó legítimo e elementar direito de proverem o sustento e bem-estar das suas famílias, apanhando circunstancialmente berbigão dentro da foz do Douro e em período de «defeso» no que se refere a capturas fundamentais para a subsistência dos seus agregados familiares.
Depois de quatro meses no mar, o-«defeso» no rio e a sua sobrevivência durante este período vêem-se dramaticamente confrontados - mais do que com a Polícia Marítima - com os propósitos do Governo e da Comunidade Europeia em liquidarem a pesca artesanal! Que apoios sociais de emergência desenvolveu o Governo para os pescadores da Afurada na época do «defeso»? Nenhuns. Tudo vale para se destruir os pescadores da Afurada: razões ecológicas, «artes» de pesca, malhagem de redes, potência de motores. O Governo, a mando da Comunidade Europeia, de nada se esquece! Ou melhor, esquece-se apenas dos próprios pescadores e das suas famílias. E aqui está mais um sintoma da modernidade, e da sensibilidade, do governo PSD/Cavaco Silva.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: só é pena que este governo não revele a mesma eficácia quando se confronta com problemas de natureza estratégica que põem em causa o futuro, a segurança e a independência do País. Aí, hesita, encolhe-se, gagueja, faz que não é com ele, e quando finalmente é obrigado a falar bem melhor seria que tivesse continuado calado. Estamos a falar, é bom de ver, dos gravíssimos problemas que se colocam ao País com a eventual concretização de dois projectos espanhóis relativamente ao rio Douro: um, o do desvio de parte do seu caudal para rios mais a sul em Espanha; outro, o da instalação de um cemitério de resíduos nucleares próximos das suas margens. Que os espanhóis sobre tais assuntos guardem uma natural discrição, compreende-se, embora não se aceite; que membros do Governo Português emitam sobre eles opiniões as mais diversas, e mesmo contraditórias, eis o que em absoluto é intolerável. Argumentar que há coisas sobre as quais é conveniente manter o silêncio, pois este é a alma do negócio, seria naturalmente verdade se isto se tratasse de um negócio. Mas questões como as da água ou as dos resíduos nucleares, tendo a ver com o futuro, a segurança e a independência do País, não são questões de negócios. Ou se defendem, ou não se defendem. É um problema, também, de dignidade.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Muito bem!

O Orador: - Não se trata de, quixotescamente, insinuarmos à Espanha a reconquista de Olivença. Prezamos demasiado a nossa amizade com os povos de Espanha para nos embrenharmos em «guerras» com o Estado Espanhol. Mas, tendo em conta os convénios internacionais e os acordos bilaterais existentes sobre a matéria, é preciso que o Governo Português assuma uma posição clara, pública e inequívoca na defesa dos direitos de Portugal e do primado do direito internacional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não aceitaremos - e desde já daqui o denunciamos- que silêncios cúmplices ou declarações equívocas pretendam simular hábeis negociações que, em rigor, não contribuiriam senão para hipotecar o futuro dos nossos filhos e dos filhos dos nossos filhos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Falamo-vos do Norte. Do único norte que conhecemos. O das pessoas que nele vivem, e dos seus dramas, e das suas alegrias, e das suas lutas. Porque só luta quem acredita que o futuro vale a pena. Como os operários da Camac em Santo Tirso. Como os pescadores da Afurada. Como todos os que no seu Douro vêem reflectida a certeza determinada de atingirem a foz.

Aplausos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontram-se a assistir à sessão grupos de alunos da Escola Secundária do Bombarral, da Escola Secundária de Soure, da Escola Profissional Magestil de Lisboa, da Escola Secundária do Laranjeiro e da Escola Secundária de Barbosa du Bocage de Setúbal para os quais peço a vossa habitual saudação.

Aplausos gerais.

Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Silva Pereira.

A Sr.ª Margarida Silva Pereira (PSD): Sr. Presidente, Srs. Deputados: O ensino superior reflectiu até há bem pouco tempo o estatuto profissional das mulheres na sociedade portuguesa. Numericamente pouco presentes no conjunto das escolas e dos cursos universitários, concentravam-se sobretudo nos domínios vocacionados para a docência de grau médio e adequavam a sua preparação académica a ofertas de trabalho de menor prestígio social.

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A esta realidade não foi alheia a circunstância de as carreiras profissionais femininas serem em geral menos planeadas, e na maior parte dos casos prejudicadas por compromissos difíceis com uma esfera privada pouco apoiada por instituições de guarda de crianças e pessoas idosas.
Um quadro que ilustrava, afinal de contas, o peso de factores sócio-culturais profundos e de difícil erradicação. E que bem constituía a contraprova da escassez dos meios do sistema político para por si só, sem medidas políticas complementares, singrar pelos caminhos de uma democracia paritária. Um quadro sobretudo demonstrador de que a dimensão ecuménica deis direitos humanos não prescinde de uma história que os situa, transforma e apenas os fará evoluir em nome da justiça.
Esta situação alterou-se radicalmente nos últimos anos. Um estudo ainda não publicado sobre a presença das mulheres no ensino superior mostra-o claramente. O estudo mencionado enquadra-se no programa da UNESCO «Educação para O Século XXI, cujo principal objectivo é intensificar os esforços com vista a alargar a participação das mulheres no ensino superior em todos os domínios. Os resultados a que chegou são ímpares mesmo no plano internacional. Demonstram que a taxa de fenomização nas universidades já atingiu a paridade, e que se situa bastante acima da média dos outros países da Comunidade Europeia.
De 1960 a 1989, os efectivos femininos no ensino superior subiram de cerca de 25 % para mais de 50 %. Enquanto os universitários aumentaram em geral 421 %, a presença das mulheres cresceu 831 %. Enquanto Isto, também a multiplicidade das áreas educacionais frequentadas é já um dado adquirido.
No início da década de 60 existiam cursos superiores marcadamente femininos: Letras (com 47 %), Ciências Exactas e Naturais (com 35 %) e Medicina (com 30 %). As percentagens alteraram-se completamento. A taxa de feminização é hoje de 71 % em Letras, 70 % em Ciências Exactas e Naturais, 53 % em Ciências Médicas, Paramédicas e Farmacêuticas. E mesmo os cursos menos solicitados registam números como 37 % (Arquitectura e Urbanismo), 38 % (Teologia) e 24 % (Engenharia). Números que, em todo o caso, são elevadas quando comparados com os de países como a Holanda ou a Bélgica.
Será legítimo que nos congratulemos com estes valores. Um país pequeno, de recursos escassos, conseguiu em poucos anos obter qualquer coisa que a média europeia encara ainda como miragem. Apesar das linhas sinuosas por que se foi estruturando o ensino superior a partir da democracia, conseguiu-se neste particular escrever direito.
É certo que um factor objectivo, exógeno a motivações pessoais, contou aqui. Trata-se da escassez de alternativas de ensino intermédio e da pouca implantação que o ensino politécnico ainda marca. Ambos fizeram do ensino superior o único caminho para quem pretendia continuar a sua formação académica Mas será errado não ver no fenómeno em apreço o resultado de uma atitude muito definida das jovens portuguesas perante as carreiras profissionais. É que a universidade não é inevitável para ninguém. Opta por ela quem determinadamente ambiciona afirmar-se no mundo sócio-profissional. E è isso que a população feminina mostra inequivocamente pretender.
Este aspecto sublinha o fundo da questão e leva a concluir que os novos dados tem já foros de irreversibilidade. A atitude das mulheres durante a sua passagem pela universidade e face às estratégias de integração profissional mudou inexoravelmente.
Aliás, é sintomático que a maior parte das jovens entrevistadas no âmbito do estudo tenha reconhecido que um curso universitário é factor de concretização da igualdade de oportunidades no 'mercado de trabalho. Tinham, de igual modo, consciência das resistências que esse mercado continua a oferecer-lhes, mas não introduziam isso como factor inibitório no momento da opção por um ou outro curso. Ao contrário, afirmavam acreditar que as novas gerações serão capazes de transpor para a sociedade o padrão de igualdade que vivem nas escolas e na universidade em particular.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se é hoje assim mais risonho e promissor o quadro de partida para a inserção profissional das mulheres ao nível mais diferenciado, cumpre reconhecer contudo que nada garante ainda o êxito da sua concretização.
Em bom rigor, Portugal reflecte agora o relativo impasse ou indefinição que a Comunidade Europeia regista na edificação de políticas de igualdade de oportunidades.
Em 24 de Março de 1992, a Comissão Parlamentar Europeia dos Direitos da Mulher aprovou as conclusões de um parecer sobre os trabalhos da Comissão Intergovernamental sobre a União Política e a União Económica e Monetária.
Não foi um parecer optimista. Muito embora reconhecendo o esforço manifestado pelos Onze na aplicação da Carta Comunitária dos Direitos Sociais, o parecer punha* o «dedo» em duas «fendas» importantes. Por um lado, o facto de as acções positivas estarem a ser aplicadas tão-só às questões salariais, relegando-se para plano secundário as estratégias de acesso das mulheres ao mercado de trabalho.
Por outro lado, a incapacidade ou insensibilidade manifestada pelos Doze para converter a política de igualdade de tratamento em princípio inspirador da política social comunitária- na sua globalidade.
No entanto, noutras sedes, em que a reflexão se sobrepõe às imediatas preocupações executivas, o tema marca as agendas políticas com enorme incidência. Assim, a OCDE, no momento de avaliar os desafios da década de 90, considerou a questão da desigualdade de oportunidades um problema enormemente relevante.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Por esse motivo, encarregou um grupo de especialistas de estudar as relações entre o processo de ajustamento estrutural e a integração das mulheres na economia «Na alta de progressos neste domínio, comprometer-se-ão aqueles outros alcançados a outros níveis», dizia-se então.
O estudo da OCDE, intitulado «Conduzir a mudança estrutural», está já concluído. Trata-se de um estudo que vinca enormemente a ideia de que uma participação mais activa de todos os actores sociais reforçará a eficácia e a democraticidade dos processos de decisão e que depõe no sentido de um indispensável crescimento da participação das mulheres na tomada de decisões colectivas.
Sr. Presidente» Srs. Deputados: O registo da crescente participação feminina no ensino superior é curioso ainda a outro título. Temos uma taxa de analfabetização feminina de 15 % e um acervo de 62 % de mulheres entre os nossos licenciados com menos de 30 anos. Significa isto que o Estado está a investir somas avultadas na formação das mulheres.
Mesmo razões de natureza economicista - que seguramente não poderão, neste domínio, ter-se como determinantes - estimulam que se de o passo seguinte: o da sua rentabilização profissional.

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A esse nível, muito está por fazer. Há fortes suspeitas de que a maioria das licenciadas não logra uma intervenção satisfatória no mercado de trabalho. A ser assim, Isto significará a existência de uma melindrosa disfunção que abrange uma parcela altamente expressiva da nossa população activa.
Tudo leva a crer que, na sua grande maioria, as recém-licenciadas se distribuam pelo ensino médio e pela função pública, com contratos de trabalho precários e horizontes fechadíssimos de progressão profissional.
Temos todos consciência de que, com tal quadro, a situação ganhará foros de insustentabilidade num curto prazo. Um espectro generalizado de segregação ou mesmo de exclusão social feminina não é comportável por nenhum país com arreigada cultura democrática.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - E, seguramente, não será aceite pelas recém-licenciadas portuguesas, que terão uma palavra a dizer sobre esta matéria.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Ao poder político compete, portanto, desempenhar uma importante missão neste domínio.
Prioritário será o conhecimento e consequente avaliação dos fenómenos de ingresso das recém-licenciadas na vida activa.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem! Temos de fazer coisas concretas!

A Oradora: - É essencial detectar os obstáculos que se erguem entre uma oferta profissional de qualidade e a escassez de abertura por parte das empresas e do complexo, mas socialmente decisivo, mundo das profissões liberais. Obviamente, é essencial encontrar meios de as ultrapassar:

Sustentado nesta preocupação, será apresentado, muito em breve, pelo meu grupo parlamentar, na Mesa da Assembleia da República um projecto de resolução cuja finalidade é a encomenda pela Assembleia da República à Comissão para a Igualdade e Direitos das Mulheres de um primeiro observatório de entrada das jovens licenciadas na vida activa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um pouco por toda a Europa e nos Estados Unidos da América assiste-se a uma nova atenção aos temas da inserção profissional e política das mulheres. Referem os mais pessimistas que uma crise económica persistente poderá exacerbar o retrocesso com proporções dramáticas. Mas significará isto, realmente, um fatal retorno aos constrangimentos que marcaram o passado próximo?
Um primeiro-ministro da Comunidade, presentemente em campanha eleitora], vem apresentando o saldo da sua acção governativa, como lhe é politicamente oportuno. Em cada comício ou sessão de esclarecimento a que temos acesso por via das antenas parabólicas, repete, incansável, temos um número crescente de mulheres frequentando a universidade». Por que razão o faz? Diremos, porque corresponde, sem dúvida, a uma verdade já reconhecida como justa. Mas à justiça, enquanto tal ninguém conhece o rosto. Conhecemos, isso sim, os rostos dos que sofrem a sua privação - da justiça, entenda-se - como conhecemos igualmente os rostos dos que assumem a sua concretização como um desafio e têm a coragem e a alegria do combate desigual.
Assim, a sua linguagem, a linguagem do neófito candidato a primeiro-ministro, uma nova linguagem política na Europa latina, sublinhe-se, adequa-se, afinal, ao mercado eleitoral a que se dirige.
Ele sabe saberão todos os políticos, a muito breve trecho- que o mercado eleitoral feminino qualificado exige, por imperativo de dignidade, um universo social e político moldado no cadinho das suas aspirações. E saberão igualmente que não singrar por aí é acabar por desembocar em resultados eleitorais punitivos de extensão incontrolável.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Sobre esta matéria discorria Simone Veil, pouco antes de assumir funções governativas em França E dizia: «Há portas fechadas e portas entreabertas. Compete às mulheres abrirem-nas com os meios de que dispuserem. E, por essa via, conduzirem a sociedade para uma saudável mudança» Palavras sábias, reconhecedoras de que, neste domínio, a acção será a grande protagonista da mudança.
Por Isso, concluirei dizendo, com Robert Badinter, que aqui, tanto quanto de filósofos, de juristas ou de ministros, precisamos, afinal, de militantes.

Aplausos d PSD e da Deputada do PS Maria Julieta Sampaio.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, usando tempo cedido pelo CDS, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Avelino.

O Sr. Alberto Avelino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O sector de pescas está a afundar-se de uma maneira tragicamente acelerada. Duvidamos mesmo que o naufrágio não seja total por todo este ano, tendo presentes os dados estatísticos e o retrato real a que se tem vindo a assistir e a viver nos últimos seis meses.
Entre 1986 e 1992, as capturas caíram de 403 0001, para 296 000 t, isto é, uma queda de 107 000 t, o que equivale a 27 %. Em contrapartida, em 1986 importámos cerca de 38 milhões de contos de pescado e no ano findo esse montante elevou-se para mais de 100 milhões de contos.
Estes números deixam-nos perplexos, tanto mais que o ex-Secretário de Estado das Pescas, engenheiro Jorge Godinho, de forma vitoriosa, como é seu hábito, revelava em 1988 à agência Lusa, para que corresse em todos os meios de comunicação social, que, e cito. «daqui por quatro anos, Portugal poderá atingir a auto-suficiência no sector do pescado com equilíbrio da balança comercial neste bem alimentar, permitindo-se ainda concluir que «É no espaço europeu um dos sectores económicos onde Portugal dispõe de mais vantagens comparativas - recursos humanos, tecnologia e experiência- e que constituem um precioso capital a aproveitar».
Pasme-se o desassombro destas afirmações!
Para a auto-suficiência proclamada, perspectiva-se a quase dependência da importação de pescado, cerca de 65 % a 70 % de importação.
Quanto aos recursos humanos, reconhecemos a boa qualidade da formação dos pescadores. Mas que importa a boa formação dos pescadores se a grande maioria não encontra ocupação e limita-se a ser empregado de mesa ao fim-de-semana? Estranha formação profissional que este

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governo fomenta: criam-se cursos para formar especializados desempregados.
Quanto à tecnologia, também reconhecemos a melhoria efectuada na frota pesqueira quer quanto a restauros e equipamentos, quer quanto à construção de novas embarcações. Interrogamo-nos, todavia, quanto ao montante despendido - cerca de 69 milhões de contos, 34 dos quais em embarcações que nunca se fizeram ao mar por falta de quotas de pesca e que se encontram acostadas, à espera de subsídio de abate, uns míseros 20 % do valor real. É desastroso, é trágico, com alguns laivos de cómico.
O Sr. Primeiro-Ministro foi a figura principal na festa do lançamento à água do Cidade de Amarante», que custou 1,4 milhões de contos. Está acostado, à espera de quotas que nunca hão-de chegar e, consequentemente, condenado ao abate. O mesmo destino irão ter os bacalhoeiros da SNAB, S. A., empresa do Estado, que, não tendo quotas para a pesca do bacalhau, vai abater três unidades, no valor global de 2 milhões de contos, pelos tais menos de 20 % do valor real.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta 6 a política do Governo, esta é a política do Primeiro-Ministro, esta è a política do parece que existe Ministro do Mar, isto é, deitar dinheiro à água!

O Sr. Rui Vieira (PS): - É um submarino, não se vê!

O Orador: - A sistemática postura de fingida auto-suficiência do Governo, assente na mais descarada deturpação e adulteração das realidades do sector e na mais ignóbil hipocrisia política, têm constituído a roupagem utilizada para dar um ar mais sério e pretensamente credível a uma situação e a uma estratégia que se têm revelado tão inflexíveis e desajustadas como frágeis e vulneráveis.

Aplausos do Deputado do PS Rui Vieira.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para quê «esconder o sol com uma peneira?»
Como se explica que se tenha permitido a guerra existente entre os armadores e pescadores, por um lado, e os comerciantes, por outro, nas instalações da DOCAPESCA? Ao fim e ao cabo, tudo se resumia a que a primeira e a segunda venda se efectuassem à mesma nora ou, pelo menos, de acordo com as partes interessadas e não como a DOCAPESCA impunha - primeiro a segunda venda, ou seja, o pescado importado era vendido cerca de três a quatro horas mais cedo do que a primeira venda, isto é, o pescado apanhado pelos pescadores nacionais - , pois Isso levava a assistir-se à cena interessante de a sardinha de Vigo ser vendida primeiro, em Matosinhos, do que a sardinha pescada na zona desse mesmo porto de pesca.
É inadmissível, é intolerável que o Sr. Ministro do Mar se escuse ao diálogo sistematicamente. Limita-se a transmitir ordens à DOCAPESCA ou a deslocar um funcionário da Direcção-Geral das Pescas. Esta atitude costumada, seca e prepotente do Sr. Ministro fere os Principios mínimos da democracia.

O Sr. Rui Vieira (PS): - O Sr. Ministro anda submerso!

O Orador: - Os resultados estão à vista: armadores. pescadores, comerciantes, revendedores, intermediários, todos em pé de guerra. Que vergonha!
Afinal, quem está interessado na pesca portuguesa, nomeadamente na pesca da sardinha? O Governo? Não nos parece. Como se explica que atiremos borda fora cerca de 10 000 t de sardinha por ano e importemos precisamente 10 000 t desse pescado, para responder às nossas conservas?
A propósito de conservas, repete-se a mesma história das embarcações, Isto é, primeiro gastaram-se cerca de 30 milhões de contos na remodelação e modernização das estruturas industriais e comerciais, depois desactivam-se por inviabilidade económica.
Só na produção de conservas de sardinha houve um decréscimo de cerca de 50% entre 1985 e 1992, ou seja, de 40000 t baixou para 21 000 t. Isto é dramático. Sr. Presidente e Srs. Deputados, para o sector das pescas nacionais, onde a sardinha representa 40 % das capturas.
Imagine-se o que se está a viver em cidades e vilas piscatórias como Matosinhos, Aveiro, Nazaré, entre outras, cujas populações vivem, com grande dificuldade, da pesca.
Veja-se o que está a suceder em Peniche, cujas gentes vivem exclusivamente do sector primário, parte da agricultura e a grande maioria da pesca e para a pesca.
Que medidas estão a ser tomadas? Nenhumas, nomeadamente no que diz respeito à pesca em si mesma, porque o abate de mais de 200 embarcações de pesca portuguesas vai deixar no desemprego entre 2000 a 3000 pescadores, sem qualquer protecção de leis laborais.
O Governo não pode continuar a ficar insensível, a cruzar os braços e a deixar-se bater tão facilmente pelos parceiros comunitários, alienando de uma forma tão escandalosa o nosso património económico, social e cultural que representa o sector das pescas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo, ao afirmar, há dois anos, pela voz de Marçal Alves, então Secretário de Estado das Pescas, que «Portugal ganhou lugar cimeiro entre potências de pesca da CEE», sem quaisquer fundos estatísticos ou estimativos que o suportasse, mais não fez do que tentar pôr-se em bicos de pés, assumindo-se como um gigante, numa postura narcisista de autoconvencimento e numa política de avestruz.
Nessa altura era já bem claro o declínio das capturas pela falta de quotas piscatórias, que o Governo se mostrou impotente para negociar; as embarcações estavam acostadas, precisamente por falta de perspectivas económicas; o espectro do desemprego era uma realidade; a invasão do pescado de países terceiros cobria as bancas de venda; a exportação cifrava-se em 41 milhões, mais ou menos 5,4 % relativamente a 1989, e a importação já tinha o valor assustador de 86 milhões de contos, ou seja, 40,7 % em relação ao mesmo ano de 1989.
Infelizmente, este retrato tem sido o mesmo até hoje. Porém, tudo tem andado bem neste reino de Portugal, segundo os responsáveis do Ministério do Mar e os seus apêndices.
Sr. Comandante Azevedo Soares, tente ser, de facto, Ministro do Mar! Faça um esforço e procure munir-se de um instrumento querido à democracia - o diálogo! Se não o fizer, responsabilizamo-lo pelo afundamento a pique das nossas pescas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à apreciação do voto n.º 81/VI - Recomenda ao Governo e ao Governo Regional dos Açores a tomada de medidas de defesa do prestígio das instituições democráticas e de salvaguarda da integridade moral dos detentores de cargos políticos, subscrito peto Sr. Deputado independente Mário Tomé, que deu entrada na Mesa e foi distribuído pelas bancadas de todos os grupos parlamentares.
Não havendo inscrições, vamos votar.

O Sr. Alberto Costa (PS):- Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

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O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, não é possível reagir à rapidez com que V. Ex.ª movimentou este processo de votação e digo isto sem que tenha a intenção de fazer qualquer reparo a V. Ex.ª.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, identifiquei o voto, referi que estava em apreciação e, como não houve inscrições, anunciei a votação.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - O PS não está ao nível da rapidez do Sr. Presidente da Assembleia.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Mário Tomé(Indep.): - Sr. Presidente, uma vez que não disponho de tempo para intervir, solicito à Mesa que proceda à leitura do voto.

O Sr Presidente: - Sr. Deputado, o voto foi distribuído, atempadamente, pelas diversas bancadas dos grupos parlamentares e todos os Deputados tom perfeito conhecimento dele.
Srs. Deputados, como a Mesa não regista qualquer inscrição, vamos votar

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

Era o seguinte:

Voto n.º 81/VI

Recomenda ao Governo e ao Governo Regional das Açores tomada de medidas de defesa do prestígio das instituições democráticas e de salvaguarda da Integridade moral dos detentores de cargos políticos.
O governador civil de Beja, a propósito de fornecimentos, por uma empresa de que é proprietário, ao Hospital Distrital de Beja, declarou publicamente não saber que a lei das incompatibilidades dos titulares de cargos políticos lhe impedia tal actividade. Disse mesmo, em jeito de conclusão sumária, que não conhecia a lei.
O secretário do Governo Regional dos Açores, Natalino Viveiros, em liberdade caucionada em 3000 contos por decisão do tribunal, por alegado envolvimento em importação fraudulenta de carne estrangeira para o continente sob a capa de carne açoreana, declarou publicamente não ver razoes para se demitir do seu cargo nem, no mínimo, suspender funções até ao apuramento da verdade e trânsito em julgado do processo que o incrimina. Um governador civil que não conhece a lei e um Secretário do Governo Regional em liberdade caucionada provocam, naturalmente, alarme na opinião pública, confrontada com um número considerável de casos de corrupção e de irresponsabilização de titulares de cargos políticos e exigem uma tomada de posição de parte dos Deputados que têm responsabilidades institucionais de fiscalizar os actos do Governo e da Administração Pública.
A Assembleia da República, na sua reunião plenária de 13 de Maio de 1993, manifesta a sua preocupação pelo aparente atraso da resposta do Governo, que nomeia o governador civil, e do Presidente Regional dos Açores, a que pertence o secretário regional dos Açores Natalino Viveiros, a situações que enfraquecem o crédito público das instituições, configuram actos lesivos do respeito pela ordem democrática e da legislação em vigor por parte dos que mais empenhadamente devem defendê-las e cumpri-las e insinuam na consciência e na moral públicas uma permissividade inaceitável perante situações que corroem o regime democrático, desacreditam as suas instituições e estimulam a corrupção.
A Assembleia da República recomenda ao Governo e ao Governo Regional dos Açores que, a respeito dos casos enunciados, tomem de imediato medidas, ou anunciem as que tenham tomado, conducentes à defesa do prestígio das instituições democráticas e à salvaguarda da integridade moral dos detentores de cargos políticos.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, não quero pôr em causa a decisão de V. Ex.ª, mas não considero que essa forma de proceder seja a mais natural, tendo em atenção que estamos no Plenário da Assembleia da República. Na verdade, a Mesa distribuiu o voto, como distribui qualquer processo, mas, em minha opinião, para que todos ficassem esclarecidos, nomeadamente os órgãos de comunicação social, ele deveria ter sido lido antes de ter sido submetido à apreciação.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é evidente que todos os Deputados e todos os órgãos de comunicação social tiveram acesso ao texto do voto. Não votámos nada que seja secreto.
Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do

Eram 16 horas e 40 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.ºs 59 a 63 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias dos dias 15 a 23 de Abril.
Não havendo objecções, consideram-se aprovados.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura de um parecer e proposta de resolução da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperaçâo.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, é do seguinte teor.

A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação da Assembleia da República, tendo apreciado a mensagem de S. Ex.ª o Presidente da República em que solicita o assentimento para se deslocar, em viagem de caracter oficial, a Espanha entre os dias 14 e 15 do corrente mês.

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apresenta ao Plenário a seguinte proposta de resolução:

Nos termos do n.º 1 do artigo 132.º da Constituição, a Assembleia da República dá assentimento à viagem de carácter oficial de S. Ex.ª o Presidente da República a Espanha entre os dias 14 e 15 do corrente mês.

O Sr. Presidente: - Vamos votar o parecer e proposta de resolução.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do CDS, de Os Verdes, do PSN e dos Deputados independentes Freitas do Amaral, Mário Tomé e Raul Castro.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura de um outro parecer e proposta de resolução da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, é do seguinte teor

A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperaçâo da Assembleia da República, tendo apreciado a mensagem de S. Ex.ª o Presidente da República em que solicita o assentimento para se deslocar, em viagem de carácter oficial, a Pans entre os dias 17 e 19 do corrente mês, apresenta ao Plenário a seguinte proposta de resolução:

Nos termos do n.º 1 do artigo 132.º da Constituição, a Assembleia da República dá assentimento à viagem de carácter oficial de S. Ex.ª o Presidente da República a Paris entre os dia* 17 e 19 do corrente mês.

O Sr. Presidente: - Vamos votar o parecer e proposta de resolução.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do CDS, de Os Verdes, do PSN e dos Deputados independentes Freitas do Amaral, Mário Tomé e Raul Castro.

Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 46/VI - Autoriza o Governo a rever o sistema de garantias de Isenção e imparcialidade da Administração Pública.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros (Paulo Teixeira Pinto): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo apresenta a esta Assembleia uma proposta de lei de autorização legislativa referente ao aperfeiçoamento do regime de incompatibilidades dos trabalhadores da Administração Pública, visando a eliminação da possibilidade de constituição de situações geradoras de conflitos de interesses. Ao fazê-lo, está o Governo a dar cumprimento ao mandato constítucional fasto no n.º 5 do artigo 269.º da Constituição, ao mesmo tempo que prossegue a modernização da Administração Pública, uma administração que se pretende mais transparente e mais eficaz.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A matéria agora em causa - fixação das incompatibilidades inerentes à assunção do estatuto de trabalhador da Administração Pública e correspondente eliminação das hipóteses de surgimento de conflitos entre o interesse público a que o trabalhador deve fidelidade e escopos de natureza particular - prende-se com aspectos fundamentais da vida em comunidade. Se temos, por um lado, imperativos de transparência, de imparcialidade e de democraticidade do aparelho administrativo, deparam-se-nos, doutra parte, direitos essenciais, como sejam o da liberdade de trabalho e o de escolha e exercício de profissão.
Nesta medida, mais do que um simples problema de natureza técnico-jurídica, esta questão envolve a ponderação dos vectores axiológicos subjacentes à organização do aparelho administrativo do Estado e, sobretudo, tanto à relação interna Administração/trabalhador como à relação externa Administração/cidadãos.
No atinente à organização administrativa, a questão proeminente é hoje, como ensina a melhor doutrina, a de encontrar um fórmula que realize as intenções de garantia da liberdade das pessoas, tarefa que comunga de uma intenção última bem reconhecível, a saber, a defesa da pessoa contra o poder.
Com a quebra da velha dicotomia Administração/poder/administração de prestações e a implantação da administração constitutiva, a um tempo garantia da satisfação quotidiana das necessidades fundamentais da comunidade e potencial limite à livre prossecução dos fins individuais dos seus membros, problemas que são inerentes à própria existência de uma estrutura administrativa adquirem exacerbada acuidade. E desta feita, problemas de índole organizatória transmitam-se em verdadeiros assuntos de regime.
A eficiência e a racionalidade, princípios básicos de actuação da Administração Pública, não são, neste campo, apenas isso. São, sobretudo, garantias de uma actuação justa dos serviços da Administração, que assumem a sua condição de mero instrumento para a prossecução do bem comum da sociedade.
Por outro lado, tudo isto sucede em simultâneo com o aparecimento, neste mesmo quadrante, de um outro problema. Assim, é também dos nossos dias a concepção do titular de uma relação de emprego público como um trabalhador comum ou, dizendo-o de outro modo, como um cidadão trabalhador. Significa isto que a síntese agora oferecida para explicar a reunião, numa mesma pessoa, das qualidades de trabalhador e de participante nó exercício de poderes públicos deixa de fazer apelo às ideias de status ou de relações especiais de poder para enfatizar os princípios da participação no exercício da Administração e da cidadania laboral dos trabalhadores da Administração Pública.
A esta luz, o princípio da fidelidade ao interesse público por parte do titular de uma relação de emprego com o Estado assume conteúdo diverso do que tradicionalmente lhe é imputado, fenómeno que, naturalmente, se repercute na esfera jurídica de cada funcionário e agente da Administração.
Temos, então, sumariamente enunciados os tópicos envolvidos na discussão do problema objecto da presente iniciativa legislativa do Governo: racionalização dos meios da Administração, agora na veste Administração constitutiva; garantia da cidadania laboral dos titulares das relações de emprego público; garantia da liberdade e dos interesses dos administrados, reverso dos limites que num Estado de direito são conaturais à noção de actividade administrativa.

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A Constituição vigente propõe uma síntese consentânea com o seu núcleo axiológico fundamental: os trabalhadores da Administração Pública são destinatários dos direitos e deveres que se associam à condição de trabalhador subordinado; no exercício das suas funções, esses trabalhadores estão exclusivamente ao serviço do interesse público; o interesse público corresponde ao que como tal é definido, nos termos da lei, pelos órgãos competentes da Administração, no quadro de valores que decorre dos princípios de direito e do programa constitucional.
Resulta do exposto que a tensão possível entre estas premissas conduz à necessária admissibilidade da densificação de posições jurídicas constitucionalmente consagradas, entre as quais as de liberdades de trabalho e de profissão.
A concordância prática entre os valores constitucionais relacionados, por um lado, com os direitos dos trabalhadores e, por outro, com a garantia da imparcialidade e da nacionalidade da Administração terá, então, designadamente nos termos do n.º 5 do artigo 269.º da Constituição, de ser realizada através de acto legislativo, e nos estritos termos postulados por cada um dos valores em causa.
É essa, justamente, a ratio da proposta que o Governo submete a esta Assembleia.
A definição das incompatibilidades a que se encontram sujeitos os funcionários e agentes da Administração Pública, enquanto tais, ou seja, aquelas que promanam directamente deste estatuto, espraiai-se hoje por diversos diplomas, sem que essa dispersão signifique uma cobertura exaustiva do universo a considerar, pelo contrário, essa disseminação de preceitos traduz, apenas, a falta de um enquadramento sistemático e exaustivo da matéria o que comporta, desde logo e por si só, efeitos negativos.
Tais lacunas e dispersões em sede de incompatibilidades permitem a constituição de situações passíveis de prejudicar os valores em causa, criam desigualdades objectivas em termos de estatuto e originam incertezas e dificuldades na aplicação do próprio direito existente.
Por outro lado, encerram também uma contradição com o desígnio do legislador constituinte, pois, na verdade, e conforme reconhece a doutrina constitucionalista, o n.º 5 do artigo 269.º da lei fundamenta] parece apontar para o estabelecimento de um verdadeiro estatuto de incompatibilidades, no qual se sopesem exaustivamente as coordenadas constitucionais que antes enunciámos e se defina um tratamento completo e sistemático das limitações que decorrem da assunção da condição de funcionário ou agente da Administração Pública.
Por isto mesmo, o Governo, no programa apresentado e discutido nesta Assembleia, assumindo que «a Administração Pública pode e deve constituir-se como vector estratégico de desenvolvimento e progresso e de reforço dos direitos de cidadania e de realização da justiça», se propunha insistir no reforço dos «valores fundamentais da função pública», tendo em vista «assegurar rigor e profissionalismo». E, como também aí se afirmava, «o Governo aposta assim numa administração qualitativamente diferente, uma administração ao serviço da comunidade e do desenvolvimento, apoiada em valores de serviço público, na mobilização e dignificação da função pública». Disso é testemunho a proposta que agora discutimos.
Desenhando, a traças muito rápidos, as linhas caracterizadoras do regime que o Governo pretende aprovar ao abrigo da autorização a conceber por esta Assembleia, cabe referir quatro aspectos fundamentais.
Em primeiro lugar, a proibição do exercício, em regime de acumulação, de actividades concorrenciais com as que o serviço a que o trabalhador pertence desempenha. Trata-se, neste caso, de uma regra que diríamos conatural à integração do trabalhador numa organização dirigida à prossecução de fins específicos. Se no direito do trabalho a regra, decorrente do princípio da confiança, tem a ver com o cabal aproveitamento da prestação que o trabalhador realiza em favor do empregador, já no direito da função pública, considerando a finalidade própria da organização laboral, está em causa a cabal prossecução do interesse público, nas condições mais favoráveis para os administrados. Esta mesma ideia leva a que se estenda a proibição ao exercício de actividades instrumentais relativamente aquelas que o trabalhador exerce como funcionário ou agente.
Depois, como segundo intento, a proibição, também óbvia em si mesmo, de o funcionário ou agente beneficiar de actos ou contratos em que intervenha ou em que participem trabalhadores sob a sua dependência ou influência. Procura-se, como é notório, garantir, a todo o custo, a imparcialidade dos órgãos e agentes da Administração, afastando circunstâncias passíveis de comportar perigo acrescido de lesão a esse imperativo.
Em terceiro plano, regula-se o procedimento de concessão de autorizações para o exercício de actividades privadas em regime de acumulação, dispondo-se adequados mecanismos de fiscalização sucessiva do exercício desta autorização. O sentido dos procedimentos subjacentes à concessão da autorização é, evidentemente, o de propiciar uma maior clareza na actuação dos órgãos da Administração e, ao mesmo tempo, introduzir a correlativa responsabilização dos titulares de cargos dirigentes.
Por fim, pretende-se que o regime contemple garantias de funcionamento, através da imposição de deveres de comunicação, do estabelecimento da nulidade dos actos praticados em desconformidade com as regras enunciadas e da previsão de mecanismos disciplinares.
Trata-se, pois, e em síntese, de um regime que privilegia a transparência de procedimentos e a prevenção de situações potencialmente danosas, em detrimento de uma visão de cariz essencialmente repressivo.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: O sentido último do regime normativo que vamos agora discutir visa alcançar a consagração do melhor direito em ordem a garantir a absoluta isenção da Administração Pública, para que o rigor na isenção seja o rigor da isenção.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, estão inscritos os Srs. Deputados José Magalhães, Alberto Martins e Raul Castro.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, tínhamos grande curiosidade em saber quem é que, da parte do Governo, viria defender esta proposta de lei. V. Ex.ª deu-nos, implicitamente, a melhor das respostas.
Não se ofenda, mas V. Ex.ª veio defender esta proposta porque não estão cá nem a Sr.ª Secretária de Estado da Modernização Administrativa nem a Sr.ª Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento, que são as entidades que normalmente, quanto à função pública, x encarregam desta matéria. Portanto, V. Ex.ª cumpre aqui um dever, que é seu estatutariamente, de fazer a apologia de coisas que não têm defesa.
De facto, é essa a tarefa que politicamente lhe está adstrita e como V. Ex.ª não é capaz de recusar nada ao

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Sr. Primeiro-Ministro, também não lhe ia recusar a sua vinda aqui para defesa deste assunto. Só que V. Ex.ª não disse nada de concreto para fundamentar esta proposta.

Vozes do PS: -Nada!

O Orador: - Quanto aos objectivos gerais da Administração Pública, V. Ex.ª leu a Constituição -e bom era que a cumprisse, o que não acontece - e, nesta matéria, concretamente, o Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, o Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Setembro, o Código do Procedimento Administrativo, a Lei n.º 9/90, de 1 de Março, e a Lei n.º 56/90, de S de Setembro, já dispõem em várias coisas.
Ora, o que gostaríamos de saber e V. Ex.ª não se deu ao trabalho nem teve a elegância de nos trazer o decreto-lei que quer emanar, coisa que lhe ficaria bem, e ainda espero que venha a acontecer durante o debate - era exactamente o que é que nos traz de novo em relação a esta matéria, para além do que já dizem as leis vigentes. Que novas incompatibilidades? Que novos mecanismos de garantia? Que novos instrumentos para combater a parcialidade, eventualmente a corrupção, coisa que, evidentemente, é necessária?
Quanto ao Código do Procedimento Administrativo, que a Sr.ª Secretária de Estado da Modernização Administrativa impulsionou, o que é que nos traz de novo?

Vozes do PS: - Nada!

O Orador:- Eu não sei, ninguém sabe! Espero que V. Ex.ª saiba...
Em relação ao texto, também não nos disse nada sobre o alcance de certas normas. O que é que quer dizer «o Governo definirá o órgão a quem caberá exercer, no âmbito das autarquias locais, a competência para autorizar a acumulação de funções»? Que norma é esta? Que norma é aquela que diz que o Governo fica autorizado a determinar as sanções que, no quadro geral, caibam aos ilícitos que V. Ex.ª achar que devem ser «licitados». neste domínio? O que é que isto quer dizer?
Em relação ao artigo 1.º, diga-nos, para que não fiquemos, pura e simplesmente, excitados de tensão, o que é que se pretende de novo? Se V. Ex.ª fizer isso, terá vindo cá para alguma coisa. De contrário, compreendemos que só veio por obediência, o que lhe fica bem, mas não satisfaz a Câmara!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Estou informado de que o Sr. Secretário de Estado só pretende responder no final dos pedidos de esclarecimento.
Tem, agora, a palavra o Sr. Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª começou por fazer um discurso em que aludiu várias vezes ao termo «transparência)». O seu discurso foi, no entanto, da maior obscuridade e ousadia.
O Governo, para vir falar a esta Câmara sobre incompatibilidades, mais a mais sobre incompatibilidades no âmbito da Administração Pública, deveria ter-se munido previamente da autoridade moral e política para o fazer, regulamentando a lei das incompatibilidades dos titulares dos cargos políticos e altos cargos públicos, para o que, em Junho de 1990, tinha 90 dias e até hoje não o fez.

Aplausos do PS e do Deputado independente Mário Tomé.

Portanto, onde estamos?, Qual é a moralidade política? Qual é a regra para o cumprimento de uma questão essencial do regime? Recordo-lhe que o Governo e o PSD arrepiaram caminho depois da aprovação desta lei tendo recuado para nela não incluir os chefes de gabinete, mas comprometeram--se a regular a matéria em 90 dias, o que não fizeram.
Em que pé é que estamos? Qual é a imparcialidade? Qual é a isenção? Que transparência? Isto é, aqui a transparência é o nome do encobrimento e da não assunção de responsabilidades.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, depois de ouvir a sua exposição a propósito deste pedido de autorização legislativa, não se ficou mais esclarecido em relação ao texto do diploma, o que é mau porque ele é ambíguo e deixa fundadas dúvidas. Era, pois, de esperar que V. Ex.ª, na sua intervenção, pudesse contribuir para as esclarecer, o que não aconteceu.
Na realidade, há seis textos legais sobre a matéria alguns publicados em 1990, e o Governo descobriu agora que há «lacunas». Mas essas lacunas são referidas como «malhas não claramente suportadas pela legislação». O que é isto? Julgo que são expressões ambíguas que continuam a deixar dúvidas quanto aos objectivos do Governo, ao trazer aqui este diploma.
É evidente que a transparência e aquilo a que se chama um elevado padrão ético na Administração Pública são objectivos de que, naturalmente, todos comungamos. Mas o que está em causa é a maneira de os vir a alcançar.
Quando, por exemplo, no artigo 4.º se estabelece que cabe ao Governo, em relação aos altos dirigentes da função pública, averiguar da existência de incompatibilidades e outras matérias semelhantes, ocorre-me perguntar quem é que tem competência para se debruçar sobre estas ditas «lacunas» em relação aos membros do Governo. É que o Governo tem, pelo menos, sete dezenas de elementos, o que não é assim tão pouco que não mereça a nossa preocupação. Aliás, os casos verificados no passado recente versam também membros do Governo, como V. Ex.ª sabe.
Já que não foi capaz de o explicar na sua intervenção, espera-se que agora, em reposta a estas questões, possa lançar alguma luz sobre um texto legal que se apresenta como muito pouco transparente.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: - Começo por agradecer ao Sr. Deputado José Magalhães o elogio, que de resto não mereço, de me supor capaz de defender o indefensável.

O Sr. José Magalhães (PS): - É capaz, é!

O Orador: - Se a proposta de lei que o Governo submete à Assembleia da República fosse indefensável, certamente não seria apresentada e não seria eu capaz de a defender. De qualquer forma, embora o elogio seja injusto, a intenção foi meritória e eu agradeço.

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O Sr. José Magalhães (PS): - A intenção é angélica!

O Orador: - Quando o Sr. Deputado José Magalhães reconhece que o Governo tem razão, recompõe-se rapidamente e age como. se nada se tivesse passado.
Os textos que os Srs. Deputados referiram vêm cuidadosamente anunciados na exposição de motivos da proposta de lei d[o Governo Refere-se aí o enquadramento legal e as normas concretamente aplicáveis. Se assim não tosse, o Sr. Deputado poderia dizer qual era a matéria inovadora. O Governo explicou qual era todo o quadro normativo aplicável em concreto - e esse quadro normativo, repito, foi todo ele já aprovado pelo Governo anterior, vem já de 1988...

O Sr. José Magalhães (PS): - De 1984!

O Orador: - Não me refiro-me à matéria disciplinar, estou a falar nos princípios gerais da função pública.
A única matéria onde não há inovação - para que não se acuse o Governo de estar a criar um regime sancionatório ou persecutório de agravamento e esta é uma das suas observações que aproveito para esclarecer- é na definição dos indícios que seriam susceptíveis de procedimento disciplinar.
O que o Governo vai fazer é, dentro do quadro sancionatório aplicável, que é o estatuto disciplinar do funcionalismo público, estabelecer, para cada acto e para cada infracção, qual das sanções previamente tipificadas será aplicável a cada situação em concreto.
Portanto, para esta situação não se pede autorização legislativa mas explicita-se perfeitamente que não haverá matéria inovadora, nem sequer dentro dos limites para os quais o Governo teria autorização por estar dentro do regime geral. Assim, não haverá qualquer tipo de sanção nova para além das definidas no estatuto.
De resto, quanto às normas substantivamente novas, visto ter reconhecido que não havia inovação em matéria disciplinar, aproveito para explicar uma outra questão suscitada pelo Sr. Deputado, a de saber qual é o órgão competente, na administração local, para autorizar a acumulação.

O Sr. José Magalhães (PS): - Dá-me licença que o interrompa. Sr. Secretário de Estado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): -Creio, Sr. Secretário de Estado, que a sua resposta assenta num equívoco, que gostaria de ver esclarecido da sua parte.
A nossa observação em relação à autorização legislativa, ha sua parte sancionatória, não é a que está a expender. A observação é a de que, se V. Ex.ª pede uma autorização legislativa, tem, assim, de definir o seu objecto e sentido. Qual é o sentido de uma norma que diz que V. Ex.ª pode estabelecer ilícitos e sanções sem definir em que sentido vão esses ilícitos e sanções ser adoptados neste domínio? É, pois, uma autorização inteiramente em branco.
É esse o alcance da observação que fiz, Meando nós sem ter a mínima ideia de que comportamentos irão ser considerados ilícitos e de qual será a gravidade das respectivas sanções. V. Ex.ª não irá, evidentemente, inventar sanções novas, porque estas estão tipificadas, e o que necessitamos de saber é a correlação ilícito-sanção.

O Orador: - Pretendi referir, precisamente que o Governo poderia ter criado sanções novas. Não precisava de o ter feito, visto que não tinha conteúdo inovador, e explicitou que iria socorrer-se apenas do quadro predefinido. As sanções serão, consoante as situações, as que, estando previstas no regime disciplinar da função pública, vão da pena de inactividade à pena de suspensão ou de multa, conforme a gravidade das situações detectadas e em função da própria parametrização' já estabelecida no estatuto disciplinar da função pública.
O que há, então, de substantivamente novo? Já existia a possibilidade de ò membro do Governo poder autorizar a acumulação de funções, podendo essa competência ser delegada Ora, essa autorização passa a ficar exclusivamente na dependência do membro do Governo, sob proposta fundamentada dos dirigentes máximos dos serviços.
Não haverá, a este respeito, qualquer Desresponsabilização política Qualquer membro do Governo que autorizar um funcionário, num departamento sob a sua tutela ou superintendência, será ele próprio responsabilizado pela autorização que der, quando até agora tal autorização poderia ser delegada
Portanto, não há no diploma em apreço qualquer desresponsabilização do Governo. O que se exige concomitantemente e como reflexo deste pressuposto - creio que reconhecerá a bondade da proposta- é que o próprio dirigente tenha de submeter à apreciação do membro do Governo competente uma proposta devidamente fundamentada Coloca-se aqui a seguinte questão fundamental: se da parte da administração central parece congruente com a própria organização administrativa e o disposto na Constituição que seja o membro do Governo a defender a autorização, também em relação à administração locai deve ser o orgão executivo competente, ou seja, o presidente da câmara ou o vereador em que aquele delegar a competência, a fazê-lo. Estão aqui em causa, mais uma vez, responsabilidades de titulares de órgãos políticos.
Espero ter sido suficientemente explícito sobre quem é a entidade que deve autorizar no caso da administração central, o membro do Governo e no da administração local, o presidente da câmara ou o vereador em quem for delegada essa competência.
A administração regional é o único caso em que o Governo não explicita expressamente quem é a entidade competente, o que é óbvio, porque, face à Constituição, as Regiões Autónomas têm poder legislativo e regulamentar próprio relativamente às leis da Assembleia da República, visto que a jurisdição sobre a estrutura administrativa compete, nas Regiões Autónomas, aos próprios órgãos de governo próprio.
Por outro lado, sobre o que seria substantivamente novo, diria que há aqui um ponto de vista formal e sistémico (uma primeira preocupação por mim manifestada) que parece ser apontado pelo n.º 5 do artigo 269.º da Constituição, no sentido de que o estatuto não seja apenas um conjunto de normas dispersas, mas ele próprio algo de estruturado e que sistematicamente permita o entendimento de qual o complexo de poderes e deveres aplicáveis a cada funcionário público em cada momento, daquilo que é legítimo esperar dele e daquilo que é lícito exigir-lhe. Este enquadramento, conforme, aliás, tem sido doutrina do Tribunal Constitucional já vertida em diversa jurisprudência, significaria que a própria alteração sistemática do conteúdo de normas aplicáveis, desinseridas do quadro em que neste momento vigoram, necessitaria de autorização legislativa, ainda que o seu conteúdo não fosse absolutamente inovador.
O que fazemos, em coerência com a filosofia vertida nos Decretos-Leis n.ºs 323/89, para o pessoal dirigente, 184/89 e 427/89, para os demais funcionários públicos é

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estabelecer este quadro em termos de coerência e ordenamento, sem qualquer revogação ou derrogação tácita superveniente.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sem inovação?

O Orador: - Também com inovação - refiro agora o segundo aspecto substantivamente novo -, porque penso haver neste domínio um reflexo simétrico em relação ao que existia, nomeadamente face ao Código do Procedimento Administrativo. Toda a filosofia do Código do Procedimento Administrativo é a de que a isenção do procedimento do funcionário está no acto de julgar - não pode julgar havendo matéria, não pode decidir sendo interessado e não pode participar sendo parte concorrente. O que agora se diz é que ele não pode ser parte concorrente, nem parte interessada, nem ainda parte beneficiada
Há, nesta matéria, uma simetria perfeita, um círculo que fica perfeitamente fechado. Uma coisa é dizer que não pode decidir num concurso e outra dizer que não pode participar num concurso O que é substantivamente novo - o Sr. Deputado não poderá dizer que isso está nalgum outro sítio- é que os próprios funcionários públicos já não apenas não poderão decidir em situações em que sejam interessados, como também não poderão ser interessados noutras situações. Isto é, um arquitecto ou um engenheiro camarário não podia decidir sobre um processo em que ele próprio foi autor, mas se fosse o seu colega de escritório, de departamento ou de câmara o autor do processo, já estava correcto. Isto não estava correcto e continua não estar.
É por isso que se faz uma extensão analógica do quadro de limitação: o interesse próprio é aquele que substantivamente é prosseguido por si, com interesse pessoal, mas é também todo aquele que seja análogo, nomeadamente aquele que seja exercido por uma sociedade no qual o funcionário detenha uma participação social pelo menos superior a 10 %, que é o limite que constará do decreto-lei entre 10% e 50%...

O Sr. José Magalhães (PS):- Consta do decreto-lei.

O Orador: -Vai constar do decreto-lei, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - É que precisamos do decreto-lei!

O Orador: - Com todo o gosto será facultado aos Srs. Deputados.
Julgo ter sido suficientemente explícito no sentido de que, nesta matéria, há inovação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Agradeço ao Sr. Deputado Alberto Martins a referência que fez ao estatuto das incompatibilidade* dos membros de gabinetes dos titulares de cargos políticos.
Aproveito para referir que, decorrido o lapso de tempo constitucionalmente previsto para o efeito, o Sr. Presidente da República promulgou ontem o diploma, aprovado, em Fevereiro, pelo Governo, relativo às incompatibilidades...

O Sr. Alberto Martins (PS):- Três anos depois!

O Orador: - Não fui eu que decidi a data, Sr. Deputado. O facto ocorreu ontem.

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas foi uma feliz coincidência!...

O Orador: - O diploma esteve 40 dias ...

O Sr. José Magalhães (PS): - Não é uma força de bloqueio, mas uma força de promulgação!...

O Orador: - O agendamento deste diploma já foi adiado por mais de uma vez e o tempo de promulgação ficou resolvido.
Posso também dizer ao Sr Deputado que esse estatuto de incompatibilidades dos membros de gabinetes ministeriais e de titulares de cargos políticos equiparados não é menos exigente do que aquele que se aplica aos funcionários públicos.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Colocou o Sr. Deputado Raul Castro, uma questão sobre o artigo 4.º da proposta de autorização legislativa em apreço. Creio ter respondido, no âmbito da resposta dada ao Sr. Deputado José Magalhães, que no caso da administração central a responsabilidade para a autorização da acumulação de funções cabe ao membro do Governo competente, no da administração local ao presidente da câmara ou ao vereador e no da administração regional a quem os órgãos de governo próprio das regiões autónomas determinarem.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo não pára de nos surpreender.

Risos do PSD.

O Sr. Silva Marques (PSD): -Não me diga!...

O Orador: - Estávamos ainda a apreciar as últimas involuções do furor policial do Ministro da Justiça, em matéria de investigação criminal contra a corrupção, quando nos surge o pedido de autorização do Governo, que quer mais isenção e imparcialidade na actividade de todos os que servem a Administração Pública, tudo isto -já se vê - enquadrado por uma famigerada carta deontológica do serviço público, que é um insólito guia de conduta moral para os funcionários públicos, aprovada por resolução do Conselho de Ministros, de aplicação e legalidade mais do que duvidosa.
De qualquer modo, o Governo começou pela moral e parece querer terminar na polícia, sem que pelo caminho deixe de procurar vender uma insuspeitada retórica sobre as virtudes da isenção e da imparcialidade.
Mas passemos a esta autorização legislativa e ao seu quadro de referência, ou seja, à proposta de lei n.º 46/VI e à resolução da carta deontológica aprovada em Conselho de Ministros a 18 de Fevereiro último.
De qualquer modo, quero salientar à partida, antes do início substantivo da discussão, que tudo o que seja aprofundamento rigoroso, proporcional e seno das regras de transparência e imparcialidade da Administração Pública ou da actividade dos poderes públicos merece a nossa concordância e não pode deixar de a ter. Mas isso não per-

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turba qualquer cedência aos malabarismos em que a imagem da virtude não seja mais que um véu de fantasia, mesmo que andrajoso, como é o caso da proposta em debate.
O código de virtude;, morais -dita carta deontológica - para a Administração Pública é um exercício retórico que, apesar de roçar o caricato, constitui um traço perigoso de falso moralismo, o qual pretende identificar o serviço público com valores e cartilhas que fizeram felizmente a sua época e não queremos que se repitam.
Vale a pena, a este nível, reproduzir o texto lapidar deste volumezinho de conduta moral com que Cavaco Silva quer dirigir os funcionários públicos Passo a citar, ipsis verbis, um naco delicioso da exposição de motivos desta lápide da «ética» e da filosofia do serviço público

O Sr. Silva Marques (PSD): - Veremos se é delicioso se não for, terá de o corrigir.

O Orador: - Reza assim parte do referido texto:

A acentuação da importância da actividade dos funcionários públicos, porém, não pode esquecer que a tecnicidade e o racionalismo não chegam para dar resposta às exigências com que os funcionários se vêem confrontados; é também necessário que essas qualidades sejam permanentemente inspiradas pelos valores éticos do serviço público, uma vez que não basta «fazer», importa também «quem» faz e o «modo» como se faz.
Nesta perspectiva a carta deontológica do serviço público constitui a síntese dos comportamentos e pretende ser um modelo para a acção do quotidiano, sem esquecer as limitações humanas dos funcionários e o seu desejo constante de aperfeiçoamento e autodisciplina. Trata-se de um guia que, por ser moral, se coloca aos níveis mais elevados de exigência das consciências individuais, isto é, ao nível de auto-avaliação; por isso os deveres éticos ultrapassam os meros deveres jurídicos, deixando para estes as incidências disciplinares e reservando para os primeiros a censura da consciência colectiva.

O Sr. José Magalhães (PS): - Grande prosa!..

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para que serve este guia moral? Quem é o seu autor? A que se destina este ecrã de virtudes cívicas dos funcionários públicos, que se reporta ao exercício da legalidade, à neutralidade, à competência, à integridade, à qualidade, à isenção, à imparcialidade, à probidade, à cortesia, ao dever de informação, ao zelo, à dedicação, à lealdade, à parcimónia, à cooperação e ainda - sublinho - à informação aos superiores hierárquicos e à reserva e discrição que evite a «divulgação de factos e informações de que tenham conhecimento no exercício de funções».
Para que serve esta doutrina do bem, que pretende voar sobre os preceitos constitucionais da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade e sobre a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos?

O Sr. José Magalhães (PS): -É a «rolha»!

O Orador: - Isto terá alguma coisa a ver com a velha máxima de um preceito de um tal grupo de bons filiados que certamente usariam botões de punho com insígnias, que dizia, millo tempore, que o «bom filiado ama a disciplina e respeita seus pais, chefes e superiores»?

O Sr. José Magalhães (PS): - Grande máxima!..

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sou dos que entendem que o domínio da política é o do direito e que só este permite constrangimentos a que os cidadãos, funcionários públicos ou não, estão obrigados. O resto, isto é, tudo o que na moral não é direito, pertence, exclusivamente, ao foro interior e ao domínio da consciência individual.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Para a cultura republicana a moral é uma questão de educação e de consciência, e a regulação do exercício democrático está consagrado nas leis

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A tentativa moralista de qualquer poder se apropriar de um registo de valores ou elaborar um catálogo de virtudes cívicas é inaceitável e suspeito num Estado democrático de direito.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A pretensa vocação evangélica do poder político é sempre um embuste fácil de quem pretende iludir funções que não lhe cabem.
Mas deixemos, para já, esta nova versão da «moral, do Estado e da obediência» e passemos ao pedido de autorização legislativa n.º 46/VI. E, desde logo, anotemos como princípio doutrinário inquestionável que «a autorização legislativa deve tomar previsível e transparente para o cidadão as hipóteses em que o Governo fará uso da autorização», bem como o conteúdo - objecto, sentido, extensão e alcance - que, com fundamento na autorização, virão a ter as normas constitucionais.
Nada disto se passa! O Governo pede autorização para legislar: quer transparência, mas começa por ser obseuro.
Com efeito, a autorização legislativa, nos termos em que é formulada, não permite uma identificação precisa das soluções que se desenham, limitando-se a um enunciado genérico e pouco claro de princípios.
Ora, os princípios constitucionais, nesta matéria, têm uma matriz clara de prevalência e prossecução do interesse público, no entendimento de que os trabalhadores da Administração Pública estão exclusivamente ao serviço do interesse público e que não é permitida a acumulação de empregos ou cargos públicos, salvo excepcionalmente, assim como a incompatibilidade entre cargos públicos e outras actividades, só são superáveis nos termos da lei.
Quanto a nós, a ideia de reforço das situações de exclusividade no exercício da função pública é, em si, ajustada sempre que corresponda a uma zona de conflito insanável entre os interesses público e privado. Pois, em nosso ver, é na transparência dos actos públicos e na adopção de regras claras de subordinação do interesse privado ao interesse público, colectivamente assumido, que se acham os. meios essenciais que evitam as tentações, de farisaísmo e de um moralismo de ecrã.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A raíz do mal neste conflito entre interesses público e privado reside na existência nebulosa de circuitos entre o público e privado, o qual favorece o ía-

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xismo de um sistema que tem sempre uma porta entreaberta, nunca havendo coragem para a fechar.
Mas esta autorização legislativa é um cheque em branco, cujas' soluções não se descortinam Alias, este governo, em matéria de colisão entre os interesses privado e público, em matéria de incompatibilidades, não nos tem dado grandes provas, pelo contrário.
Lembro aos Srs. Deputados e ao Sr Secretario de Estado a triste limitação a que se sujeitou a primeira versão da lei de incompatibilidade», dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos.

O Sr José Magalhães (PS): - É verdade e é lamentável!

O Orador: - Recordo que, depois de ter sido aprovada uma lei de incompatibilidades o PSD veio a recuar, passados cinco meses, e a afastar a aplicação das leis aos elementos dos gabinetes dos membros do Governo

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - Ora, sabendo como se sabe - e dissemo-lo então- que, em graus diversos, o poder político efectivo de um membro de gabinete é uma porta aberta ao tráfego de influências e de circulação entre o interesse público e os interesses privados, facilmente se percebe o alcance da medida.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sem ofensa para ninguém!...

O Orador: - A promessa de publicação de um decreto-lei no prazo de 90 dias esgotou-se há muito! Todavia, chegou-nos agora a notícia de que o Sr. Presidente da República teria ontem, promulgado um diploma. Desconhecemos, de momento, se o âmbito desse diploma responde aos problemas- aqui equacionados.
Aguardamos para ver... Eventualmente, o Sr. Secretário de Estado também estará presente num pedido de ratificação, caso não responda cabalmente - como tememos, alias.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os interesses privados podem cumular-se com interesses públicos, a «osmose clientelar» e a parcialidade podem coexistir na mesma pessoa, que ora representa o interesse privado ora o interesse público, pelo que só através da adopção de medidas rigorosas e precisas se pode resolver esta situação.
Srs. Deputados, a democracia não pode ser objecto de suspeição aos níveis mais altos da sua representação institucional e de Governo, e isto verifica-se quando há, simultaneamente, sequências imediatas ou rotativismos no exercício de certos cargos públicos e privados.
Como propusemos na última legislatura - o PSD votou contra e, até hoje, ainda não manifestou disponibilidade para responder a esta questão -, é necessário que haja um prazo, por exemplo de três anos, ante e pós exercício da prestação governamental, prazo este de impedimento de despachar sobre assunto de empresa ou sociedade em cuja direcção se tenha participado directamente, ou cônjuge ou parente no 2.º grau em linha recta. E, ainda um prazo de impedimento, por exemplo de um ano, após, a cessação do exercício do cargo, em empresa ou sociedade, a que o titular pertencesse e cuja actividade não se conexa com a função pública anteriormente desempenhada.
A utilidade prática desta solução altere-se pelas acções judiciais que, neste momento, versam situações deste tipo.
As soluções que mantemos e agora delineadas constituem essencialmente um seguro contributo para reforçar o objectivo da imparcialidade e isenção visado pela lei das incompatibilidades. Tal tipo de solução não é sequer inovadora na tradição legislativa portuguesa ou no direito comparado e visa evitar o trânsito rápido de um ministro ou alto dirigente do Estado para as empresas- que este tutela ou que com ele negoceiam, abrindo assim um inaceitável circuito de negócios encadeados que seguramente, favorecem o negocismo, as clientelas e a existência de suspeições.
O PSD a tudo isto se tem oposto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há, ainda, um preceito claramente obseuro neste diploma, que pretende conferir ao Governo o poder de autorizar acumulações no âmbito das autarquias locais. Ora, se é adequado precludir um regime legal de incompatibilidades que salvaguarde o interesse público e a isenção e imparcialidade dos seus representantes, é de constitucionalidade duvidosa, e politicamente inaceitável, que o Governo pretenda assumir poderes de gestão e apreciação discricionária no desempenho de funções que cabem aos funcionários autárquicos.
A via da intromissão em nome da lei, e de uma tutela à margem da legalidade, é inaceitável! Não há moral que cresça com códigos de ética ou à margem do direito e de estreitas regras de competências e divisão de poderes.
Assim, tudo o que seja estorço sério para reforçar a isenção e a imparcialidade da Administração Pública tem o acordo do PS. Tudo o que seja retorço da transparência e participação dos cidadãos nos procedimentos administrativos tem a concordância do PS e tildo o que seja melhor qualificação e maior reconhecimento da dignidade e da situação dos trabalhadores da Administração Pública também tem o nosso acordo. Mas não podem ter o nosso acordo autorizações legislativas de conteúdo obseuro e duvidoso.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um Estado transparente não pode ser obseuro nos seus desígnios e procedimentos

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretario de Estado: Queria fazer apenas algumas observações acerca desta proposta de autorização legislativa para o Governo rever o sistema de garantias de Isenção e imparcialidade da Administração Pública.
A primeira observação prende-se com a constatação de que a criação de garantias de isenção e imparcialidade na Administração Pública é um objectivo com que todos facilmente concordamos. Importa no entanto, verificar o que se propõe de novo neste diploma para que se possa na ausência do decreto-lei que o Governo pretende aprovar ao abrigo desta autorização legislativa, saber o que é que o Governo se propõe legislar, com carácter inovatório, sobre a matéria objecto desta proposta de lei de autorização legislativa.
De facto, como o próprio Governo reconhece, esta matéria já está regulamentada em diversos diplomas. Desde logo, ao nível do Código do Procedimento Administrativo - as artigos 44.º e seguintes referem-se às garantias de imparcialidade dos titulares de órgãos ou agentes da Administração Pública -, encontramos os impedimentos a que esses titulares de órgãos ou agentes estão sujeitos. Também temos legislação relativa ao regime de exclusividade do pessoal dirigente, o Estatuto do Pessoal Dirigente -Decreto-Lei n.º 323/89, de 26 de Setembro-,

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bem como legislação relativa a incompatibilidades os cargos políticos e altos cargos públicos - Leis n.ºs 9/90 e 56/90.
Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, estabelece o princípio da exclusividade de funções no âmbito da Administração Pública e o Decreto-Lei n.º 421/89, de 7 de Setembro, que define o regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública, regula a acumulação de diversas funções públicas, bem como a acumulação destas actividades com actividades privadas.
Posto isto, o Governo apresenta aqui esta proposta de lei, segundo o que afirma com base numa realidade que aponta para áreas de actuação que constituem «malhas» não claramente suportadas pela legislação, permitindo, deste modo, interpretações laxistas e menos rigorosas, que deixam na dúvida situações em que poderão ser levantadas questões referentes ao dever de isenção e à existência de conflitos de interesses decorrentes, não só do exercício de uma actividade mas também da confluência de interesses financeiros e patrimoniais, directos ou indirectos.
Para colmatar estas situações, o Governo propõe a presente autorização legislativa mas, no entanto, não é minimamente claro quanto ao que pretende legislar com carácter inovatório. Aliás, os esclarecimentos aqui prestados pelo Sr. Secretário de Estado apontam para que muito pouco de inovatório possa surgir nesta autorização legislativa a menos que algo mais venha a ser autorizado sem que conste da proposta de autorização legislativa. Com efeito, o Governo propõe-se precisar a regulação de matéria que, em termos genéricos, já está regulada, mas sem clarificar, como seria exigível, quais os aspectos concretos que pretende ver inovaticamente introduzidos.
Uma segunda observação prende-se com o facto de o Governo se apresentar, neste debate, como se não tivesse quaisquer responsabilidade políticas na forma como funciona a Administração Pública e como se os aspectos negativos que aí se verificam fossem exclusivamente imputáveis aos seus funcionários.
Será que, com esta atitude, o Governo pretende ocultar que as clientelas do PSD utilizam cargos públicos em benefício privado, mesmo em violação da legislação existente, como aconteceu no caso, recentemente tomado público, do governador civil de Beja?
Em nosso entender, há que combater essas situações e reforçar, evidentemente, as garantias de imparcialidade da Administração Pública. Todavia, no que se refere a esta proposta de lei de autorização legislativa, importa saber, com clareza, quais as soluções propostas pelo Governo, o que não está manifestamente explicitado com suficiente clareza nesta proposta de lei.

O Sr João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Sr.. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pais de Sousa.

O Sr. Luís Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Afigura-se-nos altamente relevante a matéria em relação à qual a Câmara é hoje chamada a pronunciar-se.
Trata-se de uma proposta de lei de autorização legislativa, no sentido de habilitar o Governo a rever o sistema de garantias de Isenção e imparcialidade na Administração Púbica.
Em sentido material, podemos dizer que o Estado e outras entidades de natureza pública procuram, adentro das orientações políticas (democraticamente legitimadas), assegurar as respostas às necessidades colectivas de segurança e bem-estar dos cidadãos. Nisto se traduz, genérica e conceitualmente, a Administração Pública.
Não sendo uma actividade exclusiva do Estado moderno - face à sua complexidade -, o que é facto é que a Administração Pública tem de ser vista, entre nós, à luz do quadro constítucional e de um elementar princípio de legalidade.
Por outro lado, para assegurar o cumprimento e a boa aplicação das leis, bem como o respeito dos direitos subjectivos e legítimos interesses dos cidadãos, é fundamental um sistema de garantias dos administrados.
Trata-se, no fundo, de uma óbvia expressão e até imposição do próprio Estado de direito. Com efeito, como escreveu Marcelo Caetano, «A organização da garantia dos direitos e interesses legítimos dos particulares é, inquestionavelmente, o ponto essencial do direito administrativo: sem ela não existem relações jurídicas, porque não haverá possibilidade de obrigar a Administração a cumprir os deveres assumidos segundo a lei».
É, assim, possível assentar em que a nossa ordem jurídico-constitucional prevê, para além das garantias da legalidade (para prevenir violações do direito objectivo), as dos administrados, no sentido de obstar às ofensas dos seus direitos subjectivos ou interesses legítimos.
Posto isto, é altura de dizer que, com a iniciativa legislativa presente, o Executivo solicita à Assembleia da República que autorize a revisão do quadro de garantias de isenção e imparcialidade da Administração Pública, quer central, quer regional e local. E isto tendo como finalidade assegurar e prevenir situações de conflito de interesses que, eventualmente, não estejam cobertas pelo regime vigente de incompatibilidades, impedimentos e suspeições.
O Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Pública impõe aos trabalhadores da Administração Pública o dever de isenção, o qual consiste em «não retirar vantagens directas ou indirectas, pecuniárias ou outras, das funções» que exercem, já que todos os funcionários e agentes devem actuar «com independência em relação aos interesses e pressões particulares», numa óptica que é a do respeito peio princípio da igualdade.
Certo que, amo consta da exposição de motivos da proposta do Governo, os Decretos-Leis n.º 184/89, de 2 de Junho, e 427/89, de 7 de Dezembro, contêm normas que reforçam a deontologia do serviço público, as quais apontam para a exclusividade no exercício de funções públicas e ainda para o caracter excepcional das acumulações de funções.
Por outro lado, a nossa ordem jurídica conta, hoje, com o Código do Procedimento Administrativo, diploma que prevê um sistema de impedimentos e suspeições, ao mesmo tempo que consagra o princípio/garantia da imparcialidade no exercício de funções de natureza pública.
Só que têm sido detectadas algumas lacunas que importa suprir, ao mesmo tempo que a prevenção relativamente a conflitos de interesses constitui uma responsabilidade e tarefa permanentes.
Por seu lado, a regra da transparência e a própria dignidade da actividade administrativa impõem, de direito e de facto, que seja regulado com rigor o chamado «processo para acumulação de funções», o qual, no plano da administração central, deverá depender de autorização do membro do Governo competente, precedida de proposta do «dirigente máximo do serviço». Mais: esta responsabilização deverá, do nosso ponto de vista, ser igualmente operada na administração local, em termos análogos, o que, aliás, já foi explicitado, hoje e aqui, pelo Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.

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Dito isto, afigura-se-nos que a proposta de lei n.º 46/VI define cabalmente o objecto da autorização. Mas, dado que o Governo pretende legislar em matéria que é do âmbito da reserva relativa de competência da Assembleia da República, acrescentamos que a autorização em apreço define com o rigor necessário o seu sentido e extensão.
Por sua vez, quanto à orientação política das medidas legislativas a adoptar pelo Executivo, entendemos que o debate de hoje a predefine e consubstancia suficientemente. Ademais, o Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros já declarou aqui que o texto do decreto-lei autorizando será atempadamente ligado à Assembleia, naturalmente em sede da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Resulta, como tal, incontroversa a intenção do Governo - a qual, aliás, consta do seu programa -, já que se pretende caminhar (e muito bem!) para um patamar ético mais elevado.
Acompanhamos, pois, esta proposta com aplauso, porque, ao pretender dotar de qualidade os serviços e o funcionamento da Administração nos seus vários níveis, se tem em vista as expectativas dos administrados e a necessidade de ganhar a adesão dos seus agentes e funcionários. Temos a consciência de que, com esta proposta o País e a democracia ganharão em transparência e qualidade.
O nosso grupo parlamentar dará, assim, o seu voto positivo a esta proposta de lei.

Aplausos do PSD.

O Sr Presidente: - Srs. Deputados, não existem mais inscrições.
Para uma intervenção final, tem a palavra o Sr. Secretario de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.

O Sr. Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: - Sr Presidente, Srs. Deputados: Creio que as explicações que tive oportunidade de dar, na sequência da minha intervenção, tomaram despicientes quaisquer outros comentários relativamente às intervenções que se seguiram, nomeadamente as dos Srs. Deputados Alberto Martins e António Filipe, que, a meu ver, se limitaram a repetir algum equívoco e aquilo que também já estava mencionado na exposição de motivos da proposta de lei quanto ao quadro normativo aplicável.
Não sei se por defeito de compreensão se por mau estilo de alguma dessa exposição, pareceu-me que havia algumas coisas que não eram perfeitamente identificáveis com a matéria em causa e, como tal, também não desperdiçarei qualquer outro comentário, porque não é esse o meu estilo também.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para, a título de intervenção, tecer algumas breves considerações.

O Sr. Presidente; - Tem a palavra para uma intervenção, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Talvez fosse inevitável, mas este debate reflectiu apenas, em pequena proporção, a situação preocupante que se vive em matéria de direito da função pública.
O Sr. Secretario de Estado da Presidência do Conselho de Ministros teve ocasião de nos descrever, na sua exposição introdutória, os princípios de que o Governo se reclama para apresentar esta proposta, mas a verdade é que aquilo que vem preocupando os trabalhadores da função pública, neste momento, no nosso país, está bem longe do enunciado retórico é formal que o Governo hoje aqui nos trouxe.
Desde logo, grassa uma grande perturbação em relação ao próprio conceito que o Governo tem da função pública. Há um receio fundamentado de que a função pública seja entendida excessivas vezes não como um momento de afirmação do Estado de direito democrático e de subordinação à Constituição e à lei, mas como um momento de afirmação de cadeias hierárquico-partidárias, cuja servidão em relação à função pública é, por vezes, excessivas vezes, dúbia.
Essa situação é também agravada pelo facto de o Governo estar a adoptar medidas, do ponto de vista daquilo a que se chama «os excedentes da função pública», que trazem uma grande instabilidade a todo o corpo dos trabalhadores da função pública.
Estas medidas que hoje discutimos são relacionadas com um segmento, e apenas um segmento, relevante da garantia da transparência, da imparcialidade e da isenção dos trabalhadores da função pública. Isso não está em causa como objectivo do direito de cidadania que o direito da Junção pública também deve ser. Para nós isso não está em causa o que foi inteira e inequivocamente afirmado em nome desta bancada, mas gostaria de o sublinhar mais uma vez.
O que pode suscitar perturbação é o inquinamento do debate Não é por acaso que hoje se discute excessivamente, com razão - a existência de práticas viciosas e contrárias à Constituição de restrição das liberdades dos trabalhadores da função pública, designadamente no que diz respeito à sua expressão e ao relacionamento com os cidadãos. Eles não são funcionários do Governo, são servidores da função pública e são trabalhadores com uma vinculação a deveres que constam da própria Constituição!
A «lei da rolha» constante de instruções, directrizes e de toda uma caterva de instrumentos, alguns de legalidade dúbia, perturbam o cumprimento das funções, tal qual ele deve ser entendido face à Constituição e à lei.
Este debate não foi inútil, pois ajudou a clarificar duas coisas. Ajudou a clarificar, por um lado, que não há, da parte do Governo, capacidade de homogeneizar comportamentos e, por outro, que há uma actuação descoordenada entre o departamento que, a nível do Ministério das Finanças, decide certas funções da função pública, o departamento que, a nível da Secretaria de Estado da Modernização Administrativa, faz propaganda, agit prostre, em matéria de modernização ou pseudomodernização e o Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros que tem de assumir a defesa oficiosa de obras de paternidade indeterminada. Paternidade governamental, é óbvio, mas de autoria misteriosa!
Não se vê, em certas horas e em certos momentos, onde esteja o cruzamento e a articulação entre a obra constante do Código do Procedimento Administrativo, a legislação vinda de há bastantes anos em matéria de disciplina da função publica e a célebre e extraordinária carta deontológica do serviço público, que ainda por cima consta de uma mera resolução do Conselho de Ministros. Ou seja: os funcionários públicos passam a ter a sua ética definida pela bitola e pela cartilha de resoluções do Conselho de Ministros, que são instrumentos jurídico-normativos não se sabe com que eficácia, não se sabe com que alcance -, e no meio de tudo isto reina também, desenfreadamente, o poder das chefias de confiança política e a força de pres-

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são dos lobbies instalados junto de muitos e muitos ministérios. E isso é de uma grande gravidade, como provam certos inquéritos parlamentares que, em nome desta bancada, aqui tivemos ocasião de apresentar.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs Deputados: A síntese que fazemos deste debate é a de que estamos expectantes. O Sr. Secretario de Estado da Presidência do Conselho de Ministros prometeu que nos enviaria, em tempo, o articulado do decreto-lei autorizando Contamos com isso, não temos dúvidas em admitir que tal venha a ocorrer e o Sr. Secretário de Estado disponibilizou-se a fazê-lo em tempo, para que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias possa apreciar na especialidade todos estes problemas, lendo à sua frente o decreto-lei projectado.
Esperamos, pois, que isso aconteça e daí dependerá o voto final do meu grupo parlamentar sobre esta iniciativa Os seus objectivos são os mesmos pelos quais nos vimos batendo e lamentamos apenas que o Governo não tenha cumprido, em tempo e celeremente, os prazos que aqui lhe indicámos. Se o pretende lazer, que o taça com transparência, com participação e sem ocultação dos articulados e dos projectos. Nesse caso, contará com a nossa axiperação institucional na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, tendo presente o articulado que agora nos foi prometido. A bem do cumprimento da Constituição, da transparência e da imparcialidade dos funcionários públicos, que é também, seguramente, o seu maior objectivo, neste momento, no quadro que acabei de desenhar.
É esta a nossa posição. Sr Presidente. Estamos disponíveis para, no âmbito da Comissão de Assuntas Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, continuar este debate.

O Sr. Presidente: - Srs Deputados, não havendo mais pedidos de palavra, declaro encerrado o debate da proposta de lei n.º 46/VI.
Vamos passar agora às votações que estão agendadas para hoje, mas aguardaremos alguns minutos para que os Srs. Deputados que estão a trabalhar em comissões possam chegar ao Plenário.

Pausa.

Vamos votar o projecto de resolução n.º 53/VI - Criação de uma comissão para a reforma do ordenamento administrativo do País, apresentado pelo PSD. Este projecto de resolução, como sabem, no seu n.º 3, fixa o número dos Deputados que integrarão a comissão e a sua distribuição pelos diferentes partidos.
É, na verdade, uma competência da Assembleia, em Plenário, deliberar sobre esta matéria, mas tem de ser por proposta do Presidente, ouvida a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, o que já fiz, neste exacto momento, embora tenha ouvido cada um dos seus membros individualmente. Todos deram o seu assentimento à proposta que fiz e que substitui o actual n.º 3 deste projecto de resolução.
Essa proposta já foi distribuída e diz que a Comissão terá a composição seguinte: 10 Deputados do PSD, 4 do PS, 2 do PCP, l do CDS, l de Os Verdes e 1 independente. Esta minha proposta, formulada nos termos do n.º 4 do artigo 30.º do Regimento, passa a integrar a resolução que vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD. do PS. do CDS e do PSN e abstenções do PCP e do Deputado independente Raul Castro.

Srs. Deputados, vamos passar à votação do inquérito parlamentar n.º 14/VI - Constituição de uma comissão eventual de inquérito com vista a dar continuidade à averiguação cabal das causas e circunstâncias em que ocorreu a tragédia que, em 4 de Dezembro de 1980, vitimou o Sr. Primeiro-Ministro, Dr. Francisco Sá Carneiro, o Sr. Ministro da Defesa, engenheiro Adelino Amaro da Costa, e seus acompanhantes, apresentado pelo PSD.
A comissão será composta nos termos do n.º l do artigo 6.º da Lei do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, sendo a sua composição fixada pelo Presidente depois de ouvida a Conferência de Representantes dos Grupos Parlamentares
Esta parte sobre a composição da comissão não entra na votação mas, apenas, a pane relativa à sua constituição.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos Deputados independentes Freitas do Amaral, João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

Srs. Deputados, nos termos do Regimento, a proposta de lei n.º 46/VI acaba de ser discutida e, porque a discussão terminou antes da hora regimental, deve ser votada hoje.
Assim, passamos à votação da proposta de lei n.º 46/VI - Autoriza o Governo a rever o sistema de garantias de isenção e imparcialidade da Administração Pública.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do PSN e abstenções do PS, do PCP, do CDS e do Deputado independente Raul Castro

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço imensa desculpa por interromper mas a minha interpelação tem a ver, exactamente, com a votação. É que o Sr. Presidente, quando pôs à votação a proposta de lei, fê-lo sem referir que se tratava da votação, em simultâneo, na generalidade, na especialidade e em votação final global.
De facto, o Regimento determina que as votações sejam feitas em simultâneo mas tal só é possível quando há consenso para o efeito, o que não foi expresso antes da votação, e presumo que tanto as outras bancadas como a minha votaram favoravelmente' no pressuposto de que estavam a votar, apenas, na generalidade e isso tem a ver com um outro consenso, que está estabelecido, relativamente aos outros dois momentos.
Portanto, pedia a V. Ex.ª para anunciar os resultados da votação que foi feita apenas como votação na generalidade, no pressuposto de que foi nesse sentido que as bancadas votaram.

O Sr. Presidente: -Muito obrigado, Sr. Deputado, pela sua precisão e pela emenda que fez à posição que a Mesa unha tomado.
Portanto, no sentido que acaba de ser expresso pelo Sr. Deputado Carlos Coelho, a proposta de lei n.º 46/VI foi apenas votada na generalidade.,

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

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14 DE MAIO DE 1993 2257

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Coelho pede a palavra para que efeito? Se é para uma interpelação à Mesa relativamente à ordem de trabalhos, tem a palavra. Sr Deputado.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr Presidente, é só para informar V. Ex.ª que, relativamente às votações, há consenso na Câmara para que não se proceda, de seguida, à votação na especialidade e à votação final global da mesma proposta de lei

O Sr. Presidente: - Não se farão, portanto, essas votações, Sr Deputado. Mas, feita a votação mi generalidade da proposta de lei, a mesma baixara, por consequência, à Comissão?

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, digamos que vai haver uma análise em Comissão Somos de opinião que não se formalize uma baixa à Comissão para não violar o Regimento que diz que «não há análise em Comissão».
Naturalmente que os Srs Deputados, em Comissão, apreciarão a matéria e, oportunamente, a proposta de lei regressará ao Plenário para votação na especialidade e votação final global.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, acho razoável esse desvio - é um desvio e não uma violação - ao Regimento para que, no fundo, a proposta saia de acordo com o consenso real da Câmara.
Se não há oposição, assim se tara e, na 1.ª Comissão, far-se-á essa revisão para uma votação na especialidade e votação final global.
Creio, portanto, ter interpretado o sentido da Câmara.
Srs. Deputados, seguidamente, vamos passar à votação de diversos pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos de que o Sr. Secretário vai dar conta.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pela Polícia de Segurança Pública, a Comissão de Regimento e Mandatos decidiu emitir parecer no sentido de autorizar os Srs. Deputados António Filipe Gaião Rodrigues e José Manuel Santos de. Magalhães a serem inquiridos, na qualidade de testemunhas, no âmbito do processo retendo.

O Sr Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos Deputados independentes Freitas do Amaral, João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Figueiró dos Vinhos, a Comissão de Regimento e Mandatos decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Júlio da Piedade Nunes Henriques a depor, na qualidade de testemunha, no âmbito do processo referido.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos Deputados independentes Freitas do Amaral, João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial da Comarca do Barreiro, a Comissão de Regimento e Mandatos decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr Deputado Mário António Baptista Tomé a depor, na qualidade de testemunha, no âmbito do processo referido.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos Deputados independentes Freitas do Amaral, João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lagos a Comissão de Regimento e Mandatos decidiu emitir parecer no sentido de não autorizar a suspensão do mandato do Sr Deputado Adérito Manuel Soares de Campos, o que deve ser comunicado ao referido Tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos Deputados independentes Freitas do Amaral, João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal de Polícia de Lisboa, a Comissão de Regimento e Mandatos decidiu emitir parecer no sentido de não autorizar o Sr. Deputado Fernando Monteiro do Amaral a comparecer naquele Tribunal para ser julgado no referido processo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos Deputados independentes Freitas do Amaral, João Corregedor da Fonseca e Mano Tomé.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial da Comarca da Horta, a Comissão de Regimento e Mandatos decidiu emitir parecer a confirmar e manter o seu parecer de 28 de Abril de 1993 no sentido de não autorizar o Sr. Deputado Manuel da Silva Azevedo a prestar depoimento, na qualidade de testemunha, no processo referido.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos Deputados independentes Freitas do Amaral, João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como sabem, amanhã realizam-se jornadas parlamentares, pelo que não haverá Plenário. Na segunda-feira e na terça-feira realizam-se, igualmente, jornadas parlamentares.
Assim, só voltará a haver Plenário na próxima quarta-feira, às 15 horas, que terá apenas período da ordem do dia e por objecto a interpelação n.º 10/VI - Sobre poliu-

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2258 I SÉRIE - NÚMERO 71

ca do Governo e a situação dos resíduos em Portugal, apresentado por Os Verdes.
Srs Deputados, nada mais havendo a tratar, está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 10 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
António José Caeiro da Motta Veiga.
Arménio dos Santos.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos.
João Mana Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Cardoso Martins.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Macário Custódio Correia.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
João António Gomes Proença.
João Mana de Lemos de Menezes Ferreira.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Manuel Santos de Magalhães.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luis Manuel Capoulas Santos.
Raul d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

artido Social-Democrata (PSD):

Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Pereira Lopes
Manuel da Costa Andrade.
Pedro António de Bettencourt Gomes.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS):

Ana Maria Dias Bettencourt.
António de Almeida Santos.
António Poppe Lopes Cardoso.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
Maruia Teresa Dona Santa Clara Gomes.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

Apolónia Maria Alberto Pereira Teixeira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.

Deposito legal n.º 8818/85

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