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Sexta-feira, 18 de Junho de 1993 I Série - Número 84

DIÁRIO da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 17 DE JUNHO DE 1993

Presidente: Exma. Sr.ª Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares

Secretários: Exmos. Srs.

João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário
José Ernesto Figueira dos Reis.

SUMÁRIO

A Sr.ª Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos
Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de lei n.º 332/VI e da ratificação n.º 85/VI.
Procedeu-se à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 251/VI - Lei de bases da política agrária (PCP), que foi rejeitada, tendo intervindo, a diverso título, os Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP), José Paulo Casaca (PS), Carlos Duarte (PSD), António Lobo Xavier (CDS), Raul Castro (Indep.), João Maçãs (PSD), António Campos (PS), António Martinho e Luís Capoulas Santos (PS) e António Murteira (PCP).
A Assembleia não autorizou a suspensão do mandato de um Deputado para ser presente em tribunal, tendo autorizado que cinco outros sejam ouvidos como testemunhas.
A Sr.ª Presidente encerrou a sessão eram 17 horas e 35 minutos.

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A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Abílio Sousa Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Aberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Anabela Honório Matias.
António da Silva Bacelar.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.

rlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando dos Santos Antunes.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Isilda Maria Renda Periquito Pires Martins.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João José da Silva Maçãs.
João José Pereira de Matos.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marquês.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho. ´
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Fernando da Silva Rio.
Simão José Ricon Peres.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.

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Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Edite de Fátima Santos Maneiros Estrela.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Barbosa Mota.
José Eduardo Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Paulo Martins Casaca.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
Arménio Horácio Alves Carlos.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
José Fernando Araújo Calçada.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):

António Bernardo Aranha dá Gama Lobo Xavier.
José Luís Nogueira de Brito.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.

Deputado independente:

Raul Fernandes de Morais e Castro.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa e das comissões que se encontram reunidas.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, o projecto de lei n.º 332/VI - Financiamento da actividade dos partidos políticos e das campanhas eleitorais (substitui o projecto de lei n.º 318/VI), da iniciativa do PCP, e a ratificação n.º 85/VI - Decreto-Lei n.º 207/93, de 16 de Junho, que «desafecta do domínio, público do Estado bens imóveis sob jurisdição da Administração do Porto de Lisboa», da iniciativa do PS.
Informo ainda que estão reunidas as Comissões de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas, Cooperação, de Trabalho, Segurança Social e Família e a Subcomissão Permanente da Indústria e Energia.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, está agendada para hoje, por iniciativa do Partido, Comunista Português, a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 251/VI - Lei de Bases da Política, Agrária.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A agricultura tem estado, cada vez mais, na primeira linha dos noticiários, mas, infelizmente, nem sempre por boas razões.
Multiplicam-se periodicamente os protestos da generalidade das organizações da lavoura e de milhares e milhares de agricultores contra uma política agrícola que os arruina e as notícias sobre corrupção, tráfico de influências e comportamentos irresponsáveis do Ministério da Agricultura, como no caso das «vacas loucas».
No entanto, as estatísticas desmentem o «sucesso» que o Ministro da Agricultura apregoa permanentemente: quebra de 25 % no valor do produto agrícola, só nos últimos três anos; diminuição, desde 1986, do rendimento agrícola a uma taxa média anual de mais de 10 %, enquanto na Comunidade aumentou 7 %; uma taxa de evolução média anual da produtividade da terra de 1,6 %, sendo inferior em 40 % à evolução verificada na Comunidade; agravamento da dependência agro-alimentar para níveis preocupantes.
A situação é tão grave que até personalidades, algumas delas até há pouco companheiros de estrada das orientações do Governo para o sector e responsáveis por muitas das políticas traçadas, sentiram necessidade de vir a público confessar o seu desencanto e reconhecer que a desorientação e o desânimo se abateram sobre a agricultura.
É, Srs. Deputados, o balanço do fracasso anunciado de uma política agrícola que se encontra, há mais de uma dezena de anos, sob a responsabilidade do PSD e que está, agora, a ser agravada com uma reforma da PAC (política agrícola comum), que o Governo promoveu e apresentou como bandeira da presidência portuguesa das Comunidades, mas sobre a qual todos, hoje, excepto o Governo, estão de acordo que desprezou os interesses nacionais e a própria coesão económica e social dentro da Comunidade, servindo somente os países grandes produtores do Centro e Norte da Europa.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

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O Orador: - A reforma da PAC que não é dissociável dos acordos do GATT (acordo geral sobre tarifas e comércio) e que significa uma nova partilha mundial dos mercados em função dos interesses económicos transnacionais das agro-alimentares e dos grandes países produtores.
A Países menos desenvolvidos como Portugal e ilhas é-lhes reservado o papel de produtor de alguns produtos regionais, típicos a par com uma certa florestação e com e com actividades complementares só indirectamente ligadas à agricultura: as coutadas, o turismo rural, o artesanato.
Com esta orientação, Portugal acentuará a tendência para se transformar num espaço não produtivo e os agricultores-produtores socialmente assistidos.
O caminho que está em curso de abandono dos campos e da agricultura irá, evidentemente, acelerar-se. Está aí, seguramente a razão porque, agora, o discurso oficial fala tanto no «mundo rural». Não é porque o Governo, repentinamente, se tornasse de amores pelos espaços e pelas populações rurais.
Faz-se o discurso do «mundo rural» para nele dissolver e não fazer o discurso da «agricultura». Fala-se na defesa e na sobrevivência do mundo rural, como se de um arquipélago arqueológico se tratasse, para fazer esquecer a defesa e a sobrevivência dos agricultores e da agricultura e a ausência de qualquer noção de ordenamento do território.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - só que sem agricultura não há agricultores. E sem agricultores não há mundo rural.
Despovoando-se os espaços rurais, porque a agricultura é abandonada, ganha corpo a ideia, de acordo com o discurso economicista e desprovido de sentido humano, de por exemplo, fechar as escolas com menos de 10 alunos e de lugar único, encerram-se ou diminuem os horários de funcionamento dos centros de saúde porque os racios de população já não os justificam, fecham-se os ramais de caminho de ferro e os transportes rodoviários alternativos porque não há passageiros, põe-se termo aos postos de correios porque não é rentável mantê-los abertos.
Feche-se 90 % do território nacional. Retomemos os tempos e os cartazes do socorro social que parece ser hoje o lema do PSD.
Como se liquida a agricultura, o Governo, entretanto lança mão daquilo a que chama a multifuncionalidade da agricultura, só que o turismo rural, a caça, o artesanato, as pequenas iniciativas locais de emprego que o Governo privilegia, sendo importantes, não são nem serão nas condições concretas do nosso país, uma alternativa à agricultura para fixar as populações e preservar e desenvolver o mundo rural, quanto muito serão um complemento, sobretudo, para os grandes proprietários de vastos terrenos, montes e casas senhoriais!
O PSD com esta política continua a querer semear ilusões e construir uma ficção, e mais do que isso, ao promover o desaparecimento do mundo rural liquida uma parte integrante do nosso património e da nossa própria identidade cultural.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Estamos perante uma política completamento irresponsável do ponto de vista do interesse nacional, como irresponsáveis são as recentes declarações do Ministro Arlindo Cunha que, para esconder a falência da sua política, menospreza a função primeira da agricultura, a produção de bens alimentares.
Ninguém defende a auto-suficiência alimentar como Arlindo Cunha pretendeu insinuar nas últimas entrevistas que deu aos jornais, porque à Assembleia ele não vem.
Agora, o que o senso e a responsabilidade manda assumir é que não se pode aceitar a tendência para que Portugal se transforme num espaço não produtivo o que o bom senso exige e que não se deixe se assegurar um nível razoável de segurança alimentar para o País.
È uma questão estratégica para Portugal, como o é a água ou a defesa nacional, de que não se pode abdicar e que o futuro, mais que incerto da Europa e das relações enter os respectivos estados, vem cada vez mais sublinhar fortemente.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O PSD, desprezando a função produtiva, contenta-se hoje em distribuir - ainda por cima desequilibradamente - subsídios, não para reestruturar e reconverter as explorações e os sistemas produtivos mas unicamente, como confessa o próprio Ministro da Agricultura, para garantir um rendimento mínimo de subsistência - cada vez é mais mínimo! - às actuais gerações, criando uma «almofada» que limite os estragos e trave os descontentamentos.
Não se semeia para garantir mais produção e mais qualidade; semeia-se para garantir o subsídio de tal modo que o girassol já é conhecido entre os nossos agricultores como um «giracido»!...
É uma cultura sem futuro. É uma política perigosamente desiducativa!
Os próprios apoios ao rendimento têm um limite no tempo (até 1996 ou o mais tardar até ao final do século), desvalorizando-se cada vez mais as actuais gerações rurais já envelhecidas vão desaparecendo e as novas gerações não encontram qualquer prespectiva nem motivações para se aguentarem na terra.
O governo PSD semeia, assim, a descrença; o deserto e anuncia o declínio do próprio mundo rural.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A realidade não joga pois, com a propaganda oficial. E como a realidade não pode ser escondida, o Governo procura escamoteá-la, acenando com os muitos milhões que foram investidos na Agricultura desde 1986.
Tal argumento só agrava a responsabilidade da política do PSD: é porque não é só um problema de quantidade, é também, e sobretudo, um problema de qualidade!
A análise do impacte da aplicação dos fundos estruturais na agricultura portuguesa demonstra, à evidência, que não só não se modernizou o sector como se agravaram as assimetrias regionais e as desigualdades sociais.
Isto mesmo, Srs. Deputados, apesarada linguagem rebuscada, está escrito na «Análise Económica e Social» que Governo faz do balanço de seis anos de integração.
Os apoios à agricultura foram concentrados num número pequeno de grandes explorações e proprietários, de regiões e aplicados em objectivos não directamente produtivos.
As explorações agrícolas com menos de 20 há, que representam 96 % do total das explorações do continente, tiveram um número de projectos aprovados que corresponde somente a 6 % da área total beneficiada no País, os

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fundos consumidos em maquinas, equipamentos e construções agrícolas representam quase 70 % da totalidade dos investimentos; 40 % da totalidade das ajudas concentraram-se nos grandes proprietários do Alentejo e do Ribatejo.
Consumiram-se, assim, cerca de 520 milhões de contos de fundos sócio-estruturais para investimento como se consumiu o ouro dos Brasis, sem preparar o futuro.
Consumiu-se o período de transição sem se promoverem as alterações estruturais, tanto no plano dos sistemas produtivos como da comercialização, que preparassem, a agricultura para uma fase que, desde a integração e, em particular, desde a aprovação do Acto Único, se sabia que ia acontecer.
Por isso, acusamos aqui hoje Cavaco Silva e Arlindo, Cunha de fazerem agora exercício de hipocrisia descarada com um discurso da qualidade e da comercialização, invocando o mercado único quando há seis anos, pelo menos, que já se sabia o que aí vinha.
Partimos tarde, muito tarde, para esta nova etapa. Ao longo dos últimos seis ou sete anos, os governos do PSD:

Não promoveram à necessária reestruturação fundiária, num país dominado simultaneamente pela dispersão minifundiária e nela concentração latifundiária;
Não apostaram ha alteração dos sistemas produtivos;
Não investiram numa política da água;
Não se empenharam e estão a liquidar a investigação e a experimentação;
Discriminaram as pequenas explorações, que representam 57 % do valor acrescentado bruto do País;
Desprezaram e deixaram degradar o sector cooperativo, cujas tradições e raízes no mundo rural as elegiam como estruturas cheias de potencialidades para a reestruturação dos circuitos de comercialização e, por isso, também não foi estimulada a criação de uma rede de concentração da produção que desse resposta às novas exigências do mercado, designadamente das grandes superfícies;
Promoveram uma política macroeconómica assente no dinheiro caro e na manutenção de elevados custos nos factores de produção que matou quaisquer veleidades de competitividade no sector.
Abriram mão de defesa da especificidade da agricultura portuguesa.

As afirmações recentes de Cavaco Silva, acusando os agricultores de responsáveis por não se ter concretizado um negócio de exportação de maçãs para Angola, ou as acusações de Arlindo Cunha, de que os agricultores são culpados pelas dificuldades de competitividade que enfrentam hoje, são, por isso, grotescas e desonestas e ofendem a dignidade e o sentido dedicado de trabalho dos agricultores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr.ª Presidente, Srs. Deputadas: O Governo não tem tido uma estratégia nacional para-a agricultura: tem navegado ao sabor das circunstâncias; tem legislado de acordo com as pressões dos grupos económicos ligados à importação, à comercialização e à transformação, navegando à bolina de acordo com os ventos que sopram do Centro e do Norte da Europa!
Apostou preferencialmente numa política de subsídios à cerealicultura, mantendo preços artificialmente altos, para dar satisfação à clientela da CAP (Confederação dos Agricultores Portugueses), não contribuindo para o reordenamento e reconversão das produções que se impunha, quando sabia que era aí que se iria sentir mais fortemente o impacte da integração.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Foi criado, há dois anos, um tímido programa para uma nova agricultura, o NOVAGRI, que nem sequer foram gastas metade das verbas atribuídas.
Liberalizaram-se completamento as fronteiras - mesmo antes de finalizar o período de transição - de acordo com os interesses dos agro-importadores, e aí temos hoje, o nosso vinho, as batatas, a fruta, os hortícolas nacionais sem escoamento em troca de produções estrangeiras muitas vezes sem qualidade e sem gosto.
Optou-se pela florestação, mas sem um Plano Nacional de Recuperação e Ordenamento da Floresta, o que deu como consequência um crescimento desordenado dos nossos espaços florestais, subordinado aos interesses imediatos das celuloses, cuja crise actual e a degradação da própria balança florestal estão, aliás, a ser a melhor prova de falência das orientações em matéria florestal. Inflectiu-se o discurso oficial de acordo com a oportunidade e as circunstâncias, passando-se do apelo ao investimento, à modernização e ao incremento da produção para a defesa da extensificação e da diminuição da produção, num país que importa 63 % das suas necessidades agro-alimentares, com as consequências que estão à vista - de desorientação e ruína -, para um sector cuja transformação exige tempo e confiança.
São quatro exemplos de uma política e de um discurso sem horizonte, e sem estratégia, que se vai agravar com a reforma da PAC, o, GATT e o mercado único.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tal como ontem, o PSD - e antes o PS, que destruiu a reforma agrária sem apresentar qualquer alternativa - está hoje a liquidar a agricultura sem assegurar nenhuma perspectiva de futuro para o mundo rural.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Os, socialistas é que destruíram a reforma agrária.

O Orador: - Estamos perante uma política e um governo desorientado, sem rumo, fechada ao mundo real, a governar para clientelas e para o imediato, que hipoteca o futuro.
É por isso que o Governo prefere o confronto e recusa o diálogo com as estruturas representativas dos agricultores, como a CNA (Confederação Nacional de Agricultura), preferindo aquelas que, a troco de apoios políticos e financeiros privilegiados, guardam silêncio cúmplice sobre a política do Governo.
É por isso que o Governo não foi capaz até ao momento - e faltando a todas as suas promessas - de apresentar à Assembleia da República uma lei de bases para o desenvolvimento agrícola.
Só quando foi anunciado que o PCP tinha agenciada a discussão do seu projecto ide lei de bases é que o Ministro Arlindo Cunha se desdobrou em entrevistas, anunciando que também o Governo tinha uma em preparação. Esperámos por ela até ao final desta sessão, porque o Governo a tinha prometido, e gostaríamos de tê-las debatido em conjunto, só que o Governo, incapaz de traçar uma orientação estratégica para o País, não cumpriu!

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Nós cumprimos apresentámo-la. Está aqui e vamos discuti-la.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Dissemos, no início, que não há desenvolvimento rural sem agricultura nem agricultores e é por isso que o projecto que propomos hoje é uma proposta de bases da política agrária, parte indispensável e central de uma mais vasta política de desenvolvimento:
A nossa lei de bases propõe-se definir um quadro orientador, um quadro de referência para a agricultura e os agricultores que termine com a desorientação e O desânimo que percorre o sector.
É uma proposta estruturante que vem na sequência de outras iniciativas legislativas que já aqui; apresentámos para a resolução dos problemas mais imediatos dos agricultores e de que destacamos o Programa de Emergência para
a agricultura portuguesa.
É uma proposta com uma filosofia obviamente alternativa às orientações do PSD, mas que nem por isso deixa de ser compatível com o quadro de compromissos decorrentes da integração comunitária.
O sentido geral que atravessa o projecto de lei é o da definição de objectivos para cada uma das produções em que o País pode Ter vantagens comparativas ou em que é deficitário, no quadro de Programas sectoriais de Orientação e Fomento da Produção.
O reordenamento é a racionalização da produção cerealífera ( com os trigos rijos, a cevada para malte ou o triticale), o incremento de culturas alternativas, como as oleaginosas e as proteaginosas, beterraba sacarina, as forragens, o aumento das culturas regadas, o fomento da produção de hortícolas e frutícolas, sectores onde temos vantagens comparativas e onde temos estado a perder aceleradamente quotas de mercado; valorização do sector Vitivinícola; o incremento da quantidade e da qualidade da produção pecuária; O estímulo aos produtos regionais de qualidade e tipicidade reconhecidas, criando-se um registo nacional de produções com denominação de origem ou indicação geográfica de proveniência; o ordenamento florestal, tendo em conta as vertentes ecológicas, económicas e sociais, e a recuperação e valorização da floresta mediterrânica. Para a consecução dos objectivos globais definidos no artigo 1.º e dos objectivos sectoriais para cada uma das produções propomos, como princípios orientadores e como instrumentos para a concretização da proposta.

O ordenamento cultural do País, através da definição de zonagens culturais e da adopção de novos sistemas produtivos, com a selecção de variedades melhor adaptadas às condições de cada região, permitindo uma orientação regional da produção;
A correcção da estrutura produtiva do País;
A organização da comercialização com a construção de postos de concentração e centrais de acondicionamento;
O incremento e a modernização das agro-indústrias;
O incremento e a modernização das agro-indústrias;
Uma política de investigação agrária, apoio técnico, informação e formação profissional, que o Governo tem vindo a abandonar designadamente com a reestruturação do Ministério da Agricultura;
A valorização e fomento do associativismo e das organizações dos produtores sem discriminações como elementos estratégicos essenciais para dar corpo à capacidade de intervenção dos agricultores;
Defendemos a criação de um sistema de incentivos aos agricultores e cooperativas com particular atenção de acordo com a nossa Constituição, para os pequenos, e médios agricultores, - que adiram às orientações propostas e que beneficiarão de melhores condições no apoio técnico, na formação profissional, no acesso aos apoios financeiros comunitários, e nacionais; visando assim dar eficácia à estratégia que propomos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto que apresentamos ambicioso - reconhecemos! - mas sério não é um projecto fechado mas sim, seguramente um importante contributo aberto à crítica e às melhorias, que lhes queiram aportar, com o qual pretendemos que os agricultores e a actividade agrícola tenham uma linha, orientadora, deixando de ser obrigados a navegar às escuras como têm sido obrigados a fazer.
É um projecto que assegura o desenvolvimento e a modernização da agricultura, a melhoria dos rendimentos e de remuneração do trabalho, a preservação do meio ambiente e a manutenção do mundo rural!
Reconhecemos, contudo, que este ou qualquer outro programa, não poderá ter- êxito, se o Governo, se qualquer governo, não souber ou não quiser - como o estão a fazer os Irlandeses, os Franceses, os Espanhóis e tantos outros, - defender, junto das Comunidades, uma política que tenha em conta a especificidade, da nossa agricultura, que defenda uma nova PAC alargada às produções mediterrânicas, não para as substituir por ilusórios apoios, ao rendimento mas para as incentivar e garantir o seu futuro, um governo que não hesite, em recorrer à defesa da agricultura como sector vital para o País.
A agricultura e os agricultores não estão condenados a desaparecer.
O PCP critica mas apresenta alternativas que garantem o seu futuro.
Condenável é que o Governo, para quem tudo são êxitos, para quem tudo é oásis, não faça o mesmo e feche os olhos à realidade.
Um governo autista e com uma política insensível às necessidades dos Portugueses e do País é um governo que não serve uma política que deve ser repudiada e substituída; um ministro da Agricultura que conduz a agricultura e os agricultores portugueses, para um beco sem saída, é um ministro que não tem condições para governar! Há outros caminhos, há alternativas! Estão aqui. Desafiamo-los a debatê-las.

Aplausos do PDP e do deputado independente Raul Casto.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): Inscreveram-se, para formular pedidos de esclarecimento, os Srs. Deputados José Paulo Casaca, Carlos Duarte ,António Lobo Xavier e Raul Castro.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Paulo Casaca.

O Sr. José Paulo Casaca (PS): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, o PSD está no Ministério da Agricultura desde 1980, com uma breve interrupção em que foi ocupada pelo seu parceiro de coligação, portanto já lá vão 13 anos!
Além disso, estamos na Comunidade Europeia desde 1986 e o Governo já prometeu, vezes sem conta, que iria apresentar uma proposta de lei de bases de política agrícola.
Nestas circunstâncias, não posso, deixar de perguntar ao Sr. Deputado senão considera que seria da responsabili-

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dade do Governo, em primeiro lugar, a apresentação de uma proposta de lei de bases de política agrícola e, em segundo lugar, se a crise que vivemos na agricultura, que já não é negada por ninguém hoje em dia, se deve, mais do que qualquer factor conjuntural, ao efeito estrutural da total ausência de estratégia política para a agricultura portuguesa por parte do Governo.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte.

O Sr. Carlos Duarte (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, queria fazer-lhe algumas perguntas sobre a iniciativa que hoje aqui apresentou.
Antes disso, porém, eu gostaria de dizer-lhe que na sua intervenção V. Ex.ª não discorreu sobre a vossa iniciativa legislativa, que é demasiado fraca para que o Sr. Deputado pudesse, eventualmente, aí concentrar o cerne da sua intervenção. Fez algumas considerações, quê, pelos seus valores errados, permitem tirar conclusões também erradas. Afirma que há uma redução da produção em Portugal, mas é igualmente importante referir que, pelos dados estatísticos existentes, comparando o quinquénio de 1985-1990 com o de 1980-1985 houve um aumento de 23 % da produção agrícola. Como é que afirma o contrário?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas, Sr. Deputado, mais do que a produção o que importa é a produtividade. Ora, para aumentar a competitividade dos agricultores portugueses e das explorações agrícolas portuguesas essa produtividade do sector agrícola é importante e, ao contrário daquilo que se verificou na década de 70, em que a produtividade do sector agrícola aumentou cerca de 2 %, entre 1987 e 1992 esse valor foi de 7,4 %, sendo este número um reflexo do investimento e da modernização feitos no sector agrícola. Este, Sr. Deputado, é um dado que não pode, de forma alguma, omitir!
Relativamente a outras considerações que fez, nem vale a pena fazer aqui qualquer comentário, pois elas não são correctas!...
Esta iniciativa vem do partido que, há 18 anos, provocou inúmeras convulsões numa determinada região do País, com o chamado processo de reforma agrária, que, neste momento, ainda mantém algum traumatismo no tecido agrícola do País.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Risos do PCP.

O Orador: - Este partido, que, nessa altura, provocou o roubo de terras, a destruição de produções agrícolas viáveis, traumatismos que ainda não estão cicatrizados, apresenta, hoje, para Portugal, país da Comunidade Económica Europeia, que pretende, acima de tudo, aumentar a competitividade do seu sector, um projecto de lei intervencionista. É o Estado a dizer o que o agricultor deve produzir, como deve fazer. O PCP entende que o agricultor é um instrumento da sua máquina; enquanto que para o PSD ele deve ser um co-responsável na execução da política agrícola, um co-executor dessa política.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Temos de incentivar o associativismo, apoiar o corporativismo, promover que os agricultores sejam, cada vez mais, responsáveis nessa política, ao contrário desta filosofia, deste espírito subjacente a este projecto .de lei, que é intervencionista.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Como se pode pensar num desenvolvimento rural, que é importante para Portugal, com base neste projecto de lei eminentemente agrícola? O agricultor tem de ser enquadrado no seu meio rural, tendo a multifuncionalidade e a pluriactividade do agricultor de ser equacionadas. Não é isso, infelizmente, que acontece neste projecto de lei do PCP.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para nós o objectivo estratégico da agricultura não pode ser a produção, pois não podemos obrigar os agricultores a produzir sem lhes garantir escoamentos. E, Sr. Deputado, não é o Estado que pode garantir esse escoamento: têm de' ser os próprios agricultores a organizar os seus circuitos de comercialização e a ter acesso ao mercado. A produção tem de ser compatível com as exigências do consumo, mas só o agricultor pode saber que tipo de produções são rentáveis no mercado. Como é que o Estado pode dizer que produzam batata, milho ou trigo? Tem de ser o próprio agricultor, momento a momento, a fazê-lo

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O PCP, com estes projectos de lei de intervenção contínua, mantém o espírito que, em 1974 e 1975, destruiu a agricultura do País! Agora, pretende destruir, novamente, a agricultura nacional.
Para nós o fundamental é o aumento da competitividade, o fomento da reconversão e da modernização da agricultura portuguesa, o apoio ao tecido empresarial agrícola.
Em relação a esta matéria, Sr. Deputado, estamos frontalmente contra o PCP e contra a filosofia subjacente a este projecto de lei

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, vou fazer-lhe algumas críticas, pelo que queria começar por dizer que. não partilho da opinião do Sr. Deputado Carlos Duarte em relação ao mérito global da sua iniciativa que considero ser séria e que merece ser tratada seriamente.
Mas, Sr. Deputado Lino de Carvalho, não há dúvida de que o documento que nos trouxe aqui hoje para discutir e debater é a ratio scripta da perestroika da reforma agrária. E é perestroika da reforma agrária porque, para o leitor cuidadoso que procure os traços políticos marcantes do pensamento do PCP sobre agricultura ao longo da sua história, as reminiscências, as recordações que encontra neste documento são poucas. Não o critico, pois penso que isso é um sinal positivo, mas, apesar de tudo, ainda podemos encontrar alguns sinais do pensamento do PCP em matéria de agricultura.

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O que queria dizer-lhe é que, quanto ao diagnóstico, parece que está quase toda a gente de acordo; menos umas tentativas que se compreendem e sobre as quais cada um faz o juízo devido do partido do Governo de dourar a realidade e umas mais preocupantes de criticar, e de ralhar às próprias vítimas desta política. Mas, no fundo, em matéria de culpas ainda vamos ouvir muita discussão aqui hoje ente o PCP e o PSD, pelo que eu irei tomar notas parar a (intervenção que o CDS vai fazer) dentro de pouco tempo sobre esta matéria.
De facto, o que está em causa não é uma divergência de diagnósticos, apesar da aparência e do discurso oficial, mas sim, um problema de apuramento, de responsabilidades, embora isso seja uma triste consolação. Vivemos no drama de aceitar os princípios da reforma da PAG e ao mesmo tempo, sofremos as suas consequências, sem termos culpa (em grande parte, por falta de acção ou por inactividade do Governo).
O meu partido, que muitas vezes é acusado de uma afectio europeia, por vezes um pouco duvidosa, pergunta-se quem é que faz mais mal ao ideal europeu, se são aqueles que o proclamam e fazem dele um fundamentalismo ou se são os que disfarçam a sua própria incapacidade interna, atirando as culpas para as grandes reformas comunitárias. Como é que é possível ser a favor das reformas da PAC e, depois, não actuar até ao limite das possibilidades, as chamadas medidas de acompanhamento? Como é que é possível ser a favor da reforma da PAC, aceitar, as medidas de acompanhamento e depois, clamar pela convergência, pela impossibilidade ou incapacidade orçamental para levar a cabo essas medidas?
Termino perguntando-lhe o seguinte: V. Ex.ª revela uma preferência especial pelos pequenos e médios agricultores, pelas unidades de exploração familiar e cooperativas.
O Sr. Deputado, nesta matéria deve ter-se preferência por aquilo que funcione, que dê resultado, tenha a dimensão e a estrutura que tiver!... Não é esta mas, sim aquela que for eficaz, mais rentável e que poder cumprir melhor os objectivos.
E quanto às cooperativas, Sr. Deputado, devo dizer-lhe que pelo modo como funcionaram pela sua dívida, pela gestão que tiveram, elas são para mim um modelo esgotado.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro

O Sr. Raúl Castro (Indep.): - Sr. Presidente queria aqui relembrar que a Constituição tem disposições relativas aos objectivos da política agrícola à eliminação do latifúndio, ao redimensionamento minifúndio, ao auxílio do Estado, preferencialmente aos pequenos e médios agricultores, e à participação dos trabalhadores e agricultores na definição da política agrícola.
Ora, tudo isto tem sido completamente esquecido pelo Governo! O simples enunciado das linhas de orientação desta política agrícola definida na Constituição corresponde à inacção do Governo em cada uma destas matérias, criando, esta situação grave desde 1983 a 1992 os agricultores perderam 50 % do seu poder de compra, isto é: em l992, com os resultados da produção agrícola os agricultores puderam comprar apenas metade daquilo que compraram em 1983.
O Sr. Deputado referiu também que não havia uma estratégia nacional do Governo para a agricultura. Efectivamente, assim é! A agricultura portuguesa tem caminhado ao sabor daquilo que é ditado por Bruxelas, nomeadamente da reforma da PAC, não substituindo isso a existência de uma política limitando-se a adoptar aquilo que vem de Bruxelas.
O projecto de lei n.º 251/VI do PCP, foi elaborado de harmonia com aquilo que são as linhas de uma política agrícola definidas na Constituição. Não é possível, nomeadamente no que se refere ao auxílio do Estado aos pequenos e médios agricultores apresentar, aqui um projecto sobre uma lei de bases da política agrícola sem Ter em conta estas linhas de orientação da própria Constituição.
A nosso ver o projecto do PCP, além do mérito de enfrentar um problema em aberto na nossa sociedade, tem de respeitar as linhas constitucionais estabelecidas para um a lei de bases da política agrícola.
Assim, Sr. Deputado, esteve este pensamento na origem, na orientação do projecto agora apresentado? E, embora sabendo que a nossa Constituição tem disposições que são letra morta para o Governo, o seu partido decidiu respeitá-las a apresentar este projecto?

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, se assim o desejar tem a palavra o Sr. Deputado Lino De Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: O que estamos, aqui a discutir é um projecto de lei de bases, uma proposta estruturante e é normal, num texto deste género, que nele convirjam os diferentes modelos de sociedade, os diferentes projectos relativos ao modo como vemos o desenvolvimento dos vários sectores da vida económica e social portuguesa.
Portanto, não é de admirara que o PSD e o CDS tenham divergências profundas e até estruturais em relação a um projecto de lei apresentado pelo PCP. Se assim não fosse, alguma coisa estaria errada. No entanto, o que os senhores não podem fazer é ler o que não está cá e interpretar de acordo com as vossas cassetes!

Risos do PSD.

Sr. Deputado José Paulo Casaca, estou completamente de acordo consigo! É evidente que, nesta matéria, competia ao Governo Ter cumprido aquilo que prometeu várias vezes e que, era apresentar uma lei de bases para desenvolvimento agrícola do país. Essa é eminentemente o tipo, de iniciativa, legislativa que compete a um Governo deste país. Nós reivindicámo-lo muitas vezes e o Governo prometeu-o outras tantas. Em 1990, num discurso nesta Casa, dizia o Ministro da Agricultura, que até ao final desse ano se faria a aprovação da nova lei de bases do fomento agrário e das estruturas fundiárias. Se lermos as entrevistas dadas pelo Sr. Ministro, de 1990 para cá, verificamos todos os anos anuncia que é para esse ano. E este ano anunciou que é para o final desta sessão legislativa, mas até agora ainda não o fez!
E como o Governo não apresentou qualquer projecto nós, com o sentido da responsabilidade que temos sobre os problemas nacionais e com o conhecimento concreto - e esse ninguém o nega - dos problemas da agricultura, decidimos lançar este projecto de lei de bases e com ele lançamos um repto aos outros partidos e ao Governo para que cumpra o prometido e para que finalmente dê um sentido estratégico à política agrícola nacional.
É evidente que esta resposta se aplica à sua segunda questão, pois é a ausência duma estratégia e duma política

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ca agrícola nacionais com horizonte e rumo que tem a ver com a crise que hoje atravessa o. nosso mundo agrícola e rural.
Sr. Deputado Carlos Duarte, V. Ex.ª disse que o nosso projecto é demasiado fraco e concedo que seja, mas é muito melhor do que o vosso, porque esse nem sequer existe!... O Sr. Deputado e o Sr. Ministro têm brandido com a questão da produtividade, mas já outro dia tive ocasião de explicar, e volto a fazê-lo agora, que esse elemento - a produtividade do trabalho - que os Srs. Deputados apresentam não tem qualquer sentido do ponto de vista do desenvolvimento e da modernização da agricultura.
Aliás, o que se passa - e basta olhar para as estatísticas - é que a população activa agrícola, que constitui o denominador desse ratio, tem diminuído e, consequentemente, mesmo que o valor da produção não suba - até tem diminuído -, é evidente que o quociente tem que aumentar!... Todavia, isso não significa uma modernização mas, sim, um resultado matemático pelo facto de o denominador (população activa agrícola) ter diminuído de uma forma artificial e sem corresponder a qualquer processo de desenvolvimento da agricultura.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - E isso não aumenta a produtividade?

O Orador: - Sr. Deputado Pacheco Pereira, que V. Ex.ª não percebia de caça já sabia, mas agora verifico que de agricultura também não!

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Nem pretendo saber, mas é um facto que a produtividade aumentou.

O Orador: - Mas, Sr. Deputado Carlos Duarte, V. Ex.ª devia recorrer a outro ratio, que é usado na Comunidade - e já agora explico ao Sr. Deputado Pacheco Pereira - a chamada produtividade da terra, isto é, o valor acrescentado bruto da terra, a riqueza criada por unidade de superfície cultivada. E aí - como eu disse e o senhor não o negou - a nossa produtividade tem decrescido ou, se quiser doutra maneira, tem aumentado a uma taxa média anual de 1,6 %, inferior em 40 % à taxa média da Comunidade. Os senhores têm sempre estatísticas diferentes, mas as que citei são as da Comunidade!
O Sr. Deputado acusa o nosso projecto de ser estatizante, intervencionista, mas nós não negamos e afirmamos que o Estado tem que assumir, particularmente no sector agrícola - e isto também responde à questão do Sr. Deputado António Lobo Xavier -, um papel importante e estratégico. E isso é tanto mais necessário quanto sabemos da dispersão, da atomização das nossas explorações agrícolas!
Há aqui um problema de distorção fundiária que é preciso corrigir; há um problema de distorção dos sistemas produtivos que é preciso reorientar e não são as nossas explorações agrícolas com a sua fragilidade e até porque nunca foram reorientadas ao longo destes anos, que; só por si, têm capacidade para fazê-lo! Por isso, deixar a resolução desse problema às livres forças do mercado, às opções neo-liberais que os senhores defendem tem como resultado a completa ruína, a desertificação do sector, o abandono dos campos e uma agricultura sem futuro.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - Mas, se chama ao nosso projecto estatizante, o que dirá dos regulamentos comunitários que estão em preparação para enquadrar o próximo quadro comunitário de apoio. Esses, sim, são estatizantes, já que obrigam ao ordenamento cultural e apresentam propostas concretas e específicas, muito mais específicas que as nossas, quanto às produções e orientações culturais de cada país.
Se quiser posso ceder-lhe fotocópias dos regulamentos que ainda ontem e anteontem foram discutidos na Comunidade. E pode mesmo estudar as leis de desenvolvimento agrícola da Bélgica, Franca ou Itália e perceberá que a intervenção do Estado, num quadro de um tecido agrícola muito mais forte, é 100 vezes maior que a que propomos no nosso projecto de lei.
No entanto, Srs. Deputados, é evidente que a nossa intervenção se faz sob duas vertentes. Uma, orientadora, com a participação do Estado e a outra com uma participação efectiva e real das organizações dos agricultores, o que até agora não tem acontecido. Os senhores não têm promovido verdadeiras organizações de agricultores.
Ora, vejamos. Quantas associações de produtores horto-frutícolas se formaram ao longo de mais de seis anos? Os senhores têm promovido uma política clientelar em relação a organizações ditas representativas da agricultura. E têm privilegiado o diálogo com essas organizações para terem uma clientela de apoio e um suporte que pudesse conter o descontentamento dos agricultores em relação à vossa política.
Todavia, isto não significa promover o associativismo da produção e sim promover clientelas para dar apoio artificial a uma política ruinosa para o País e não para estimular e promover a organização e o próprio espírito reivindicativo dos agricultores, que tem que haver neste processo de luta e de apoio à agricultura.
Os Srs. Deputados falaram muito nas questões da reforma agrária e poderemos fazer de novo esse debate, mas recordo-lhes que a reforma agrária em Portugal foi um importante contributo dos trabalhadores agrícolas deste país para abrir uma janela a uma agricultura e a um sector que estava completamento fechado e atrasado.

Protestos do PSD.

Foi com a reforma agrária que se inverteram indicadores económicos, indicadores de povoamento, indicadores sociais daquela região e em que pela primeira vez se aumentaram as produções, as produtividades e o próprio povoamento do território. Se a situação hoje, no Alentejo, está com está é porque os senhores destruíram a reforma agrária sem terem apresentado uma proposta alternativa.
Porém, o nosso projecto é muito mais amplo, pois não é um projecto para uma região mas para todo o País que precisa, obviamente, de uma reestruturação agrícola que está muito longe de ser feita como se impunha tendo em conta o período de integração e os desafios da Comunidade.
Efectivamente no nosso projecto de lei procuramos privilegiar os apoios aos pequenos e médios agricultores. E isso por duas razões - e com isto respondo ao Sr. Deputado Raul Castro... primeiro, porque acho que devemos todos respeito à Constituição da República Portuguesa e, como sabe, a Constituição, no seu artigo 100.º, diz que «Na prossecução dos objectivos da política agrícola o Estado apoiará preferencialmente os pequenos e médios agricultores, nomeadamente quando integrados [...]» e aqui limitámo-nos a reproduzir esse artigo. E verdade que es-

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tamos integrados na Comunidade, mas a política comunitária não se opõe ao texto constitucional muito pelo contrário!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputado queira terminar, pois há muito excedeu o seu tempo.

O Orador: - Termino já, Sr.ª Presidente.
Se vir os regulamentos que estão em preparação verificará que apesar de tudo, há alguns apoios preferenciais para a pequena agricultura.
A segunda razão, Sr. Deputado é a de que a pequena agricultura, no nosso país, corresponde a 96 % das explorações e contribui com quase 60% da riqueza agrícola criada. Esta é uma realidade que não pode ser destruída, porque, a sê-lo como - tem acontecido, está a destruir-se o tecido agrícola, o mundo rural!.
Srs. Deputados, esta é a nossa proposta. Assumimos naturalmente, as divergências estruturantes de filosofia com todos os partidos, mas, obviamente, todos, concordarão que esta é uma proposto nova. De facto, pela primeira vez um partido tem a coragem, de propor uma iniciativa global e estruturante, para o País, coisa que o Governo não tem feito, mas que lhe competia, fazer.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Então, não respondeu ao Sr. Deputado Raúl Castro, que lhe fez uma pergunta tão interessante?!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Maçãs.

O Sr. João Maçãs (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Discutimos hoje, em Plenário e na generalidade, após a elaboração do relatório e, parecer em sede de Comissão especializada, o projecto de lei, n.º 251/VI,da autoria do Partido Comunista Português e, que, visa a criação de uma lei de bases da política agrária.
Segundo a Constituição, compete ao Estado promover um conjunto de acções que, visem desenvolver à agricultura e garantir, quer no campo social, quer no campo, económico, uma vida digna à população rural! Assim sendo, ao apresentar este projecto, respeita um preceito constitucional e revela sintonia com apreensões legítimas decorrentes da carência - evidente no País de uma linha orientadora de política agrícola.
Cabe-nos, em conformidade; analisar, discutir é criticar este trabalho da forma séria que ele merece.
Trata-se, segundo vós próprios, Srs. Deputado de um contributo aberto à crítica e à introdução de melhorias, reflectindo no preâmbulo um conjunto de preocupações, que radicam na integração da nossa agricultura na política agrícola comum, na própria reforma da PAC, nas negociações do GATT; nas debilidades estruturais do sector, no deficiente grau de segurança alimentar do País; na falta de fomento de culturas em que Portugal pudesse ser susceptível de usufruir de vantagens comparativas, no baixo rendimento dos agricultores e no de povoamento dos nossos campos; consiste, portanto, num contributo que tem como objectivo a definição de uma política nacional de fomento da produção agrícola que, para além do mais segundo vós, pretende motivar O aparecimento de outras iniciativas legislativas.
É, por conseguinte; bem-vinda a vossa iniciativa, Srs. Deputados, e deixem-me dizer-vos que em nossa opinião, com a estabilização atingida pela política agrícola, europeia, encontramo-nos em condições de avançar de forma segura para um a lei de bases.
Tal como é mencionado no relatório, verificou-se uma evolução histórica da agricultura portuguesa nas últimas décadas, a qual teve como ponto de partida a necessidade de produzir a qualquer preço, cedendo posteriormente lugar à modernização do sector através dos planos de fomento e chegando, à fase da instabilidade ainda tão presente nos nossos espíritos. Apesar de tudo isso pertencer, ao passado a verdade é que constituiu importantes marcos na vida do sector, tão importantes, porventura, como a última etapa que percorremos, a adesão à Comunidade Económica Europeia está caracterizada, pela possibilidade do recurso aos fundos comunitários; os quais sem dúvida, permitiram repor parte das estruturas produtivas, introduzir no vossos temas culturais, reconverter sectores modernizar estruturas de transformação e armazenagem ou criar infra-estruturas de apoio, fossem elas caminhos rurais, pequenos regadios ou electrificações.
Hoje, todos o sentimos, tempos são outros encontramo-nos à liberdade uma maior internacionalização das trocas comerciais e viver e a época da saudável mas extremamente difícil concorrência.
Situamo-nos, por conseguinte no limiar de uma era porventura a que encerra maiores riscos e que por isso, impõe empresários mais preparados e um quadro legislativo que abarque as exigências do mercado, a multifuncionalidade ela sustentação dos rendimentos como grandes premissas a ter em conta numa agricultura do futuro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Passarei de imediato, se me permitirem, a tecer algumas considerações a propósito do conteúdo do projecto de lei em apreço.
Quanto aos objectivos, matéria constante do artigo 1.º de deter-me-ei um pouco, sobretudo no que respeita ao aumento da produção e à redução do défice agro-alimentar.
Na realidade, propõe-se algo que não é passível de ser enquadrada do espírito que preside à reforma da PAC. Não parece, plausível propor, medidas vocacionadas para o aumento da produção, quando se, faz parte de uma comunidade de luta desesperadamente para combater os excedentes. É óbvio que não se contribui para o equilíbrio da economia de um sector quando se persiste em tomar, medidas de política que tendem a agravar o desequilíbrio, como também não é sério desrespeitar, princípios assumidos.
Compreende-se, Srs. Deputados, que por razões de independência nacional e observando, objectivos de estratégia de segurança alimentar, se mantenha um sector, produtivo agrário, que se revista de operacionalidade e de competitividade, já não se compreende, atendendo à conjuntura em que vivemos, produzir a qualquer preço, é muito menos, perseguindo objectivos de auto-suficiência.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É bom que se diga que continuar a produzir é anseio legítimo dos agricultores, que lhes confere dignidade. Porém é preciso que essa produção seja, orientada para culturas alternativas.
A atitude correcta passa, pois, pela aposta determinada no desenvolvimento integrado do espaço rural, onde a produção agro-alimentar deverá ceder lugar a actividades complementares geradoras de rendimentos e que contribuam para a fixação do homem à terra. Não está em causa que a actividade agrícola possa permanecer em muitas regiões como o mais importante factor de animação eco-

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nómica mas é vital o incentivo à pluriactividade, a prática da agricultura a tempo parcial e a ajuda ao rendimento,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: -... porque, assim, contribuem, de facto, para a preservação das comunidades rurais e para a garantia de segurança alimentar.
Sem pretender ser demasiado, exaustivo na crítica aos objectivos propostos por VV. Ex.ªs, direi ainda que estranhamos muito que neles não esteja contemplada, de forma mais explícita, a necessidade de desenvolver uma gestão racional dos solos e dos recursos naturais com vista à sua preservação ou ainda medidas de protecção do espaço e da paisagem rural, através da adopção de práticas culturais adequadas.
Quanto ao artigo 3.º, relativo às medidas de apoio, os senhores propõem comportamentos diferenciados para os produtores que adiram aos programas de orientação e fomento da produção, retomando a distinção entre agricultores Pretendem que o Estado privilegie aqueles que designam por pequenos e médios, integrados em explorações familiares, individualmente ou associados em Cooperativas, bem como as cooperativas de trabalhadores agrícolas e outras formas de exploração por trabalhadores.
É claro, Sr Deputado Lino de Carvalho, que sabemos que este procedimento se encontra consagrado no artigo 100.º da Constituição. Porém, permita-me dizer-lhe que esta mesma disposição, de acordo com o constitucionalista Gomes Canotilho, não impede que o Estado conceda apoio aos empresários agrícolas em geral!...
Apenas o refiro porquanto de uma leitura restritiva poderia resultar um quadro incompleto quanto à abrangência do normativo.
Na realidade, o princípio a seguir deve consistir em apoiar todos aqueles que se enquadram dentro do espírito definido pela política agrícola. Verdadeiramente importante, isso sim - e aqui estou de acordo com o Sr. Deputado do CDS António Lobo Xavier -, é favorecer a inovação, estimular as formas e modelos de produzir e criar condições para que se instale uma nova atitude no exercício da profissão, de maneira a que todos possam lazer face às exigências do mercado interno e externo, independentemente da dimensão das explorações ou empresas agrícolas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O proteccionismo, venha de onde vier e destine-se seja a quem for, jamais gerou resultados positivos, contribuindo de forma geral para a desmobilização, para o comprometimento do progresso e da inovação, para o travar do desenvolvimento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não procuremos, Srs. Deputados, dar aos agricultores, como se de uma benesse se tratasse, aquilo que eles não pretendem.
Eles não pedem nem estão interessados em medidas proteccionistas, reclamam, isso sim, atitudes que estabeleçam directrizes definidoras do quadro em que se movem, tendo em atenção as implicações de modernidade e os desafios com que se defrontam.
No n.º 3 do artigo 3 º são acometidas ao Estado funções e tarefas que, a nosso ver, cada vez menos devem pertencer-lhe.
Quanto à assistência técnica, sem dúvida imprescindível como apoio e base de qualquer política agrícola, ela deverá encontrar-se, cada vez mais, junto dos destinatários e, cada vez menos, dependente de canais hierárquicos da função pública e das burocracias paralisante que acarretam. Não propomos nem pretendemos com isto o desaparecimento dos serviços públicos de apoio à agricultura, mas defendemos que devem ser reduzidos e racionalizados, de forma eventualmente lenta e progressiva, permitindo que a transição dos técnicos se verifique sem atropelos ou danos para as associações e cooperativas, onde mais directamente e melhor podem desenvolver a sua acção.
É evidente que esta passagem de testemunho só se revestirá de êxito quando entre as organizações da lavoura, que se pretendem cada vez mais fortes e organizadas, e o ministério da tutela se verifique uma ligação estreita e uma perfeita sintonia de objectivos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No que concerne aos programas de orientação e fomento da produção, previstos no projecto de lei n.º 251 AVI, não me debruçarei demoradamente, porque parece-me tratar-se de matéria que deveria caber em legislação complementar ou regulamentadora de uma lei de bases.
A nosso ver, uma lei de bases da política agrária deve ser a linha orientadora da política do sector onde se encontram vertidas as bases gerais do seu regime jurídico e naturalmente se estabelecem os princípios directores de natureza económica, social e de compatibilidade ambiental.
No texto em apreço são, a nosso ver, demasiadas as referências a situações de pormenor, tarefas, acções e responsabilidades.
A propósito do artigo 21.º, que refere o acondicionamento e comercialização, parece-nos que terá ficado aquém do desejável, atendendo ao facto de se tratar de matéria de tão grande relevância. Não se diz a quem compete a iniciativa e a responsabilidade da criação da rede de infra-estruturas, o que não permite avaliar com clareza qual o grau de participação dos agricultores e suas organizações e qual o apoio que competirá ao Estado.
Finalmente, e também de forma muito sucinta, comentaria os artigos 22.º e 23.º Dispensar-me-ei de abordar a questão do apoio técnico, já que tive oportunidade de o fazer anteriormente, e, quanto à formação profissional, diria que, quando mencionam que a organização, os meios e as acções de formação podem ser atribuídas a organizações de agricultores, entre outras, somos do entendimento que não só podem como devem cada vez mais sê-lo, assim como pensamos que a celebração de protocolos de cooperação e contratos-programa entre o Ministério da Agricultura, a universidade e os departamentos de investigação e experimentação têm de constituir prática corrente e devem incluir representantes da lavoura. Só assim se verificará a aproximação e comunhão de esforços entre as várias entidades que têm a obrigação de pugnar pela defesa intransigente dos mesmos valores e interesses.
Obviamente, reconhecemos o papel fundamental que cabe à investigação no processo de desenvolvimento agrário. No entanto, não é, a nosso ver, aceitável pensar num centro de investigação em cada esquina. Julgamos que é preciso dotar o País, sem devaneios ou utopias, de estruturas que, no âmbito da investigação, garantam o apoio ao sector, sendo certo que verdadeiramente importante é orientá-la para os problemas reais e concretos da produção, compatibilizando-a cada vez mais com a utilização

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racional recursos naturais a defesa do ambiente, tornando-a cada vez mais inovadora e competitiva de maneira a que se verifique uma maior aproximação aos

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entrando na fase final da minha intervenção, parece-me razoável e correcto referir que temos perante nós um projecto de lei que peca por resistir à libertação de determinados preceitos que julgamos ultrapassados, peca por abordar explicitamente matéria que deveria constar de legislação complementar e peca igualmente, pela pouca confiança que
deposita nas potencialidades da sociedade civil, colocando os destinos do sector debaixo de uma forte dependência e participação do Estado.
Acerca deste assunto não quero deixar de tornar clara a nossa posição. É que apesar de vivermos numa economia de mercado onde a livre circulação já é um facto, estamos, sem dúvida, integrados numa sociedade onde o papel do Estado assume ainda grande importância quer na dinamização e fixação do quadro de referências, através do qual surgirá a nova agricultura, quer como agente de ligação entre agricultores, as organizações e o mercado. O que devemos é pugnar para que o papel do Estado seja cada vez menos determinante. As funções do Estado devem ajustar-se às mudanças do sector e os serviços adequar-se àquilo
Que melhor serve os interesse dos agentes económicos.
O Estado deve definir uma política agrária com a participação dos agricultores, não deve impô-la!
Assim acontecendo, acreditamos que seja possível produzir respeitando regras, que o agricultor e as suas organizações saiam reforçados, e dignificados, que sejam respeitados os espaços rurais e se obtenham resultados justos quer para os produtores quer, para os consumidores.
Concluindo, referirei que não ficaria de bem com a minha consciência se não
dissesse que, apesar das críticas apontadas, considero o projecto de lei do PCP, como um trabalho que reflecte preocupações ao desenvolvimentos rural e agrícola do País, atendendo à nossa integração na Comunidade.
De qualquer modo, Sr. Deputados, entendemos que todos os contributos são poucos se entendermos a que estamos a decidir sobre matéria, com a qual se confunde o futuro de Portugal.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Presidente ( Leonor Beleza): - Para formularem pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados António Campos, António Lobo Xavier, António Martinho e Lino de Carvalho.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.

O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Maçãs, ouvi atentamente a sua intervenção e desejo felicitá-lo pela forma como a fez, que não é habitual no sector da agricultura. As divergências podem aparecer mas a forma como colocou a discussão deixou-a totalmente em aberto.
Assim, quer, desde já, manifestar-lhe algumas preocupações relativamente a certas afirmações suas uma das quais foi a de que só agora há estabilidade e, por isso, só agora pode pensar-se seriamente numa lei de bases para a agricultura. Sr. Deputado, competia, ou não, ao Governo - e só a ele -, logo após a integração, em 1986, e dado que todos sabíamos que a política ia mudar, ter como grande prioridade o delinear de uma perspectiva estratégica através da criação de uma lei de bases para o sector agrícola?
A minha primeira pergunta é se o senhor é da opinião que isso só pode ser feito agora ou se devia tê-lo sido em 1986. É que, entretanto, acabou o período de transição e, consequentemente, perderam-se mais de 900 milhões de contos de fundos, que podiam Ter sido investidos na agricultura portuguesa.

Protestos do PSD.

Posso dar-lhes os papéis do próprio Ministério da Agricultura comprovativos do que acabei de dizer.
Devo dizer-lhe, em segundo lugar, que há uma grande diferença, sob o ponto de vista da filosofia, em matéria de produção agrícola. Ultimamente o Ministério da Agricultura e o seu partido têm falado da multifuncionalidade como se fosse esta a actividade importante do mundo rural. A pergunta que lhe coloco, a este respeito é no sentido de saber como é que o sr. Deputado consegue «aguentar» o mundo rural à base da multifuncionalidade sem ter como grande prioridade o sector agrícola português. Essa é uma parte complementar do sector uma pequena parte, do motor que pode ajudar o mundo rural, mas precisamos definir uma estratégia para a agricultura portuguesa. Não podem arranjar uma terminologia para desviarem a tenção do problema. Temos uma profunda divergência nesta matéria.
Diz ainda o Sr. Deputado que produzir é hoje uma actividade que não está sob orientação da Comunidade.
Não está sob a orientação da comunidade a produção dos países largamente exportadores, mas tem de ser essa aprioridade num país que já está dependente do exterior de 75 % daquilo que consome. Os senhores não podem adoptar a linguagem da Comunidade para Portugal porque hoje vivem num país com um sector agrícola em profunda crise a qual nada tem a ver com a da Comunidade, pois a da Comunidade é de manter exportações e a nossa a de sobrevivência.
Assim, pergunto ao sr. Deputado como é que consegue dizer nesta Câmara, face a um país que já importa 75% da matéria alimentar que consome que neste momento a grande prioridade não é produzir mas sim a multifuncionalidade.
Outro reparo que faço ao sr. Deputado é o de que não definiu na sua intervenção, uma questão essencial para nós: as vantagens comparativas em termos climatéricos e de localização. Os senhores estão a «apagar» a agricultura, de tal forma que não querem assumir responsabilidades no próprio País. Os senhores limitam-se à política da Comunidade e não desenvolvem políticas nacionais! Afirmam que o Ministério da agricultura é director geral da Comunidade e não do ministério de Portugal, sendo, pois, o problema da Alemanha o problema de Portugal. Foi esta a ideia que retirei da sua intervenção.
Não acredito - por o conhecer pela sua actividade ligada ao sector - que hoje o sr. Deputado possa Ter uma visão idêntica à que têm os Alemães ou os países do Norte da Europa, porque esses sim, estão altamente protegidos. O Sr. Deputado diz que é contra a protecção, mas o que

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se passa em Portugal é que, se todas as produções do passado estiveram sob protecção, já as produções do futuro não beneficiam de qualquer protecção. Ora, sendo o Sr. Deputado contra a protecção, explique-me como é que protege os cereais - uma cultura que irá diminuir largamente em Portugal - da forma como o faz, não tendo uma estratégia para, por exemplo, a horticultura, a fruticultura e a floricultura, que são as culturas do futuro.
Não há apenas um problema de política agrícola mas também um outro problema, muito mais complicado e no qual o Sr. Deputado nos deve acompanhar o de que efectivamente, por interesse do Governo, há políticas para «aguentar» clientelas e não para definir políticas prioritárias para o futuro.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Maçãs.

O Sr. João Maçãs (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Campos, procurarei responder às questões que colocou.
Diz V. Ex.ª, em primeiro lugar, que terei referido que só agora existem as melhores condições para se definir uma lei de bases de política de desenvolvimento agrário. Referi-o, de facto, na minha intervenção e estou consciente de que assim é.
Não quero, todavia, dizer com isso que nos anos de 1986, 1987 e seguintes não houvesse eventualmente algumas condições, não para definir uma lei de bases, porquê efectivamente não havia condições para esse efeito; porém, hoje há muitas mais condições.
Em todo o caso, teria havido certamente condições, se esse tivesse sido o entendimento prevalecente, para se estabelecer um conjunto de normas que definisse, com algum pormenor, o que se poderia fazer em relação a determinadas culturas e em determinadas regiões, muito demarcadas e específicas, do nosso país. Penso que isso teria sido possível e eu próprio exprimi esse entendimento em 1986 e 1987, ou seja, que seria passível, saudável, salutar e bom para a agricultura, sobretudo para a do interior do País, elaborar esse conjunto de normas. Eu próprio defendi isso, más não foi esse o entendimento acolhido.
Penso, no entanto, que não havia as mesmas condições que hoje existem para elaborar uma lei, de bases, devidamente, alicerçada, no nosso país. Hoje, sim, existem condições, eventualmente com alguns defeitos.
Como é óbvio, não acompanho o Sr. Deputado na afirmação de que se deitaram fora 900 milhões de contos de fundos comunitários, mas sou capaz de reconhecer, que alguns dos investimentos feitos, na altura da pré-adesão podem, porventura, ter hoje uma fraca resposta, depois da reforma da política agrícola comum. Aceito pacificamente isso e acho que talvez o Sr. Deputado tenha razão.
É bom sublinhar, no entanto, que se não tivéssemos feito os investimentos perderíamos a eventualidade de uma reforma da PAC. Mas não sabíamos quando e em. que termos ela viria a verificar-se. Soubemos que a reforma da PAC se verificou, nos termos em que se verificou, praticamente na altura semanas ou dias antes, em que foi aprovada.
Penso, por conseguinte, que desde há umas semanas ou meses atrás dispomos de um conjunto de condições substancialmente diferentes para fazermos, com pés e cabeça, uma lei de bases que tenha em vista os objectivos da Comunidade e os reais interesses dos agricultores e da agricultura portuguesa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A segunda afirmação do Sr. Deputado é a de que o PSD e o Ministério da Agricultura vêm colocando a multifuncionalidade como uma bandeira, que vão por aí agitando, sem se saber muito bem para quê nem como escondendo eventualmente outras situações, essas sim mais importantes.
Dir-lhe-ei, Sr. Deputado, que não se trata apenas de uma questão de terminologia Não utilizamos esta ideia apenas como uma questão de terminologia. Para nós, a multifuncionalidade é qualquer coisa que não está desligada dos verdadeiros interesses é da produção. Não colocamos a multifuncionalidade como aquilo que substitui o produzido. Não é isso que pretendemos.

O Sr. António Campos(PS): - Mas foi isso que depreendi da intervenção do Sr. Deputado!

O Orador: - Significa, sim, produzir quando se pode e de acordo com uma política consentânea com a reforma da PAC. A multifuncionalidade funciona como complemento - serve isto para responder também ao Sr. Deputado Lino de Carvalho - e só nesses termos se fala da caça do turismo Rural e de toda uma série de situações alternativas.
Referia-se, finalmente, o Sr. Deputado aos 75 % de matéria alimentar que importamos. Dir-lhe-ei que temos de encarar esta situação de uma forma muito séria mesmo que nos doa alguma coisa. É óbvio que também podemos produzir para fazer face à nossa segurança alimentar, mas nunca seremos auto-suficientes e não temos de caminhar nesse sentido!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mas quem é que defende isso?!

O Orador: - Que se produza mas tendo em atenção o que verdadeiramente tem a ver com a Comunidade. Estamos inseridos na Comunidade Europeia para todos os efeitos e não apenas para alguns.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier!

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado João Maçãs, também considero que este debate, tirando a parte que me toca está a correr de uma forma útil e elevada. Colocarei ao Sr. Deputado, a respeito do assunto em apreço, duas questões.
O Sr. Deputado, de uma forma mais séria do que outras intervenções do seu partido, a que temos assistido fora daqui, questiona se vamos, agora tratar de estimular a produção quando justamente a reforma da PAC implica uma redução da produção.
Só que já algumas outras vozes da sua bancada disseram o seguinte: vamos agora dizer aos agricultores o que produzir quando o mercado é que deve tratar disso e o tempo das orientações e dos planos já passou?

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Devo dizer-lhe que estes dois tipos de ideias lógicas são profundamente inaceitáveis do próprio ponto de vista de quem não é suspeito na matéria e de quem manifesta gosto pelo mercado e abomina a intervenção do Estado. São inaceitáveis pela razão muito simples, de existir uma política agrícola comum, aliada a uma reforma da política agrícola comum, e a convicção de que as modificações da agricultura portuguesa só serão conseguidas através de uma utilização maciça de fundos, transferidos do orçamento geral comunitário. Se são esses os instrumentos existentes, é evidente que tem de haver uma profundíssima orientação do Estado, do Governo Português.
Não é possível dizer aos agricultores: «organizem-se porque não podemos fazer mais», (como agora algumas vozes, até responsáveis, do PSD dizem) quando se trata de uma área onde pelo menos a informação é fundamental, e ela tem sido tão pouco cuidada e tão mal curada. Hoje, a informação disponível para os agricultores, que têm, como se sabe, deficiências de formação cultural e problemas de analfabetismo, é deficiente e é prestada, na maior parte dos casos, por funcionários, também ineficientes. Assim, a segunda questão que queria referir é a seguinte: aceita ou não, o Sr. Deputado, que o seu governo, por razões comunitárias ou por outras, mudou de orientação ao longo do tempo que teve a pasta, da agricultura? Se assumir isso, pode ser que o Sr. Deputado João Maçãs me diga que são imposições de Bruxelas,- mas a verdade é que, num domínio onde a informação, o estímulo, a orientação, são tão importantes, do meu ponto de vista, já se mudou de orientação, de apelo e de estímulo, várias vezes. E, como já se fez isso, é preciso ter especial cuidado com as vítimas das transformações agrícolas e com as críticas que lhes são feitas.
Não se pode esperar, que o mercado funcione quando não há informação, quando há informações contraditórias ou deturpadas. Nesta situação, o mercado nunca pode funcionar completamente. Eu próprio sou obrigado a aceitar, e a admitir isso.
A segunda questão é a seguinte: do que nos queixamos também, Sr. Deputado, é dos atrasos com que o Governo toma as medidas, porque no seu Programa de há três anos alguns dos problemas de que falamos hoje já estavam antevistos. O Governo, quando aqui esteve e apresentou, o seu Programa, percebeu que havia problemas que era preciso tratar deles - por exemplo, o da organização das estruturas de comercialização.
O Governo falou disso, mas o que é que foi feito? Onde estão os mercados de origem e os mercados abastecedores?. Que me lembre, a última, vez em que se falou, com acuidade, na questão da organização da comercialização, foi há pouco tempo, quando os agricultores se levantaram aos gritos e aos protestos. Desde a aprovação do Programa do Governo até agora o que é que se fez em matéria de organização da comercialização e dos circuitos? É visto que os agricultores se queixam, Sr. Deputado.

A Sr.ª Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Maçãs.

O Sr. João Maçãs (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, em relação à primeira questão que me colocou? ou seja, se vamos ou não dizer aos agricultores o que é que devem produzir, se os vamos «entregar aos bichos» ou deixar entregues a si mesmos e qual o papel do Estado, devo dizer-lhe que, naturalmente, não é essa a intenção do PSD e penso que também não é essa a intenção do Governo.
Nós, PSD, pensamos que a sociedade civil, os agricultores e as organizações da lavoura têm, cada vez mais, de substituir-se ao Estado e, este tem de ser cada vez menos o Estado providência também em relação à agricultura. No entanto, também pensamos - e referi isso na minha intervenção - que o Estado tem de continuar, ainda hoje, a desempenhar, um papel extremamente importante, repito, extremamente importante mas deve apouco e pouco, lenta e progressivamente; reduzir, esse papel, sendo as suas responsabilidades transferidas para a sociedade civil.
Ao Estado compete, naturalmente, ainda hoje,- apoiar, incentivar e orientar; e uma lei de bases é isso mesmo e é para isso mesmo, ou seja; estabelecer as grandes linhas orientadoras da política a implementar e a desenvolver e não para dizer se vamos produzir oleaginosas, como os Srs. Deputados falam no vosso, projecto de lei. E o Estado deve fazê-lo.
Não sei se é uma orientação profundíssima, - eventualmente, essa orientação ainda pode ser relativamente profunda hoje - , mas queremos que ela seja cada vez menos profunda e que a lei reflita a possibilidade de cada vez mais e à medida que seja possível esse tipo de responsabilidades ir passando para a sociedade civil.
O Sr. Deputado diz que a informação é fundamental e de facto, assim é. Foi por isso, que na minha intervenção, referi também, que a tal transferência de responsabilidades deve ser lenta e, progressiva, e que não se deve pensar em fechar as portas de imensos serviços públicos, do Ministério da Agricultura, pura e simplesmente e de um momento para o outro sem que, na realidade, se observe o seguinte que é fundamental: no sítio onde se vai fechar uma estrutura do Ministério da Agricultura, deve existir uma instituição, uma organização da lavoura, que hoje, já se revele com capacidade para assumir os técnicos, e dar-lhes a utilização adequada, não os tendo lá para servir dois ou três agricultores mas sim, para responder às tarefas de uma comunidade de agricultores que antes era servida pelos serviços do Estado.
Em relação à pergunta se aceito ou, não que o Governo mudou de orientação várias vezes ao longo dos anos, devo dizer-lhe que sou obrigado a aceitar que na verdade isso acobnteceu.

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - É obrigado a aceitar muita coisa.

O Orador: - Sou obrigado a aceitar.
Eu próprio participei num governo de 1981 a 1983, e sei que a filosofia com que encarávamos uma política agrícola não era a mesma com que a encaramos hoje, porque, de facto, nessa altura, apenas se admitia as possilbilidade de fazermos parte da Comunidade e de haver uma reforma da política agrícola comum. Ora, hoje, isto são evidências, são factos que ocorreram não há 10 anos mas sim, alguns há sete e a reforma da PAC há um. Portanto, admito perfeitamente que tenha havido a necessidade de adequar as várias políticas do mesmo governo, do ensino.
Só para terminar, Sr. Presidente, em relação aos atrasos respeitantes às medidas de organização das estruturas de comercialização, devo dizer-lhe que de facto, o Governo tem isso no seu Programa e essa tem sido uma preocupação do Governo e do Ministério da Agricultura. No entanto o que acontece - e todos os Srs. Deputados da Comissão de Agricultura e Mar o sabem, pois já foi referido em sede de Comissão é que infelizmente, as

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organizações da lavoura não se revelaram suficientemente dinâmicas para serem capazes de assumir este processo. Essa foi a realidade. Foram, inclusivamente, abertos concursos que ficaram, pura e simplesmente, desertas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Martinho.

O Sr. António Martinho (PS): - Sr.ª, Presidente, Sr. Deputado João Maçãs, naturalmente que as questões de política comunitária teriam de surgir, num debate deste género. Quero lembrar-lhe que, em 1986, quando aderimos à Comunidade Europeia, existia uma política agrícola comum, mas, em 1992, durante a presidência .portuguesa e sob a égide do Ministro da Agricultura, houve uma reforma dessa política. ...
Fez-se muito alarido desse facto, mas agora compete-me perguntar-lhe: que melhorias para a agricultura, mediterrânica, e, concretamente, para á agricultura portuguesa, foram introduzidas nesta reforma, porque, aí sim, o Governo poderia ter preservado e defendido os interesses do mundo agrícola português.
A certa altura da sua intervenção, disse que a agricultura exige, hoje, empresários mais preparados. Concordo que ela exige maior preparação dos empresários, mas pergunto: que tem feito o Governo a este nível?
Exige-se que tenhamos uma perspectiva de que a agricultura, em Portugal, não se faz apenas com a empresa agrícola, faz-se também com pequenos e médios agricultores, porque é ainda grande o peso desta componente na produção agrícola portuguesa exige-se melhor preparação, mas que fez ou está a fazer este governo? Está a extinguir os serviços que podiam apoiar os pequenos e médios agricultores, isto é, fá-los desaparecer.
Por último, falou em melhorar o mundo rural. Sr. Deputado, pode um país, desprovido da maior parte do seu espaço rural e do rendimento gerado pela agricultura, abrir as portas de um futuro de melhor desenvolvimento e maior progresso social?

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Maçãs.

O Sr. João Maçãs (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado António Martinho, vou ter dificuldade em responder à sua última pergunta porque não tive. tempo de a anotar. Por isso, pedia-lhe o favor de a repetir, se a Sr.ª Presidente autorizar.

O Sr. António Martinho (PS): - Se a Sr.ª Presidente me der licença, repeti-la-ei.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Martinho (PS): - A pergunta é esta: se, um país, que, entretanto, está a ser espoliado da maior parte do seu espaço rural e dos rendimentos gerados pela agricultura, pode abrir as portas a um futuro de melhor desenvolvimento e de maior progresso social. Trata-se de uma citação e por isso estou a lê-la.

O Orador: - Referiu V. Ex.ª que, em 1992, se verificou a reforma da PAC e perguntou quais as memórias que foram incluídas para a agricultura mediterrânica e portuguesa.
Sr. Deputado; quero dizer-lhe, em primeiro lugar, que a reforma da PAC, resultou de negociações extremamente complexas entre os 12 países da Comunidade, em que se procuraram encontrar alguns consensos e ultrapassar divergências complicadas, que tinham a ver com a economia dos vários países membros e, por conseguinte, das várias regiões, e onde, como é natural, não era pensável nem possível contemplar todas as regiões ou os 12 países da Comunidade. É óbvio que havia situações de conflito.
Mas isto não quer dizer, Sr. Deputado, que os países do Mediterrâneo e em particular Portugal, tenham negociado como perdedores e ficado como tal. E isto pela simples razão de que a reforma da política agrícola comum abrange 70 % da produção nacional. Portanto, não é uma derrocada para os países do Mediterrâneo nem para o nosso.

O Sr. António Murteira (PCP): - Está a ver-se!

O Orador: - É óbvio que não está contemplado tudo o que gostaríamos. É óbvio que, inseridos numa Comunidade, não podemos ter a pretensão de produzir aquilo para que não temos, de facto, vocação e onde não podemos ser concorrenciais, porque seria um suicídio económico. Não vamos produzir só para dizer que estamos a produzir, para sacrificar os agricultores. Temos de orientar os agricultores no sentido de, com o mesmo esforço, produzirem aquilo em que não há concorrência que abafe o nosso esforço, o nosso trabalho e as nossas expectativas de produção.

O Sr. António Murteira (PCP): - Vivem na lua, com certeza!

O Orador: - Quanto aos pequenos e médios agricultores do nosso país, não digo que tenho mais apreço por eles do que V. Ex.ª, porque não quero ser deselegante,...

Risos do PS, do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

... mas tenho de certeza o mesmo apreço. Posso até dizer que, durante anos, tive e mantive algumas lutas, algumas delas pouco proveitosas, precisamente em prol da defesa dos interesses dos pequenos e médios agricultores. Estou e continuo absolutamente disponível para procurar facilitar, ao máximo, a vida desses agricultores.

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - O Governo é que não!

O Orador: - Porém, não posso confundir o interesse dos pequenos e médios agricultores com a política nacional, a política de desenvolvimento agrícola ou a lei de bases de uma política agrícola. Isso não posso fazer, porque, Sr. Deputado, na realidade, tenho de englobar todos os agentes económicos, sejam eles pequenos, médios ou grandes agricultores. Tenho de fazer com que eles tenham a possibilidade de produzir aquilo para que estão vocacionados, que são capazes de produzir e que o mercado absorve, na' realidade. Tenho de dar a todos eles essas condições, apoiando-os nesse sentido.
Quanto a saber se um país espoliado da maior parte do espaço rural e dos rendimentos gerados pela agricultura pode abrir as, portas...,

O Sr. António Martinho (PS): - É o que ele é!

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O Orador: - Sr. Deputado, o nosso país não se encontra espoliado de qualquer espaço rural!

O Sr. António Martinho (PS): - O que é a desertificação, se não isso?

O Orador: - Desculpe, Sr. Deputado, a desertificação não é qualquer coisa que ocorreu. E isto não é a Bósnia. O Sr. Deputado dá a esta questão um ar tétrico de pavor.

O Sr. António Murteira (PCP): - Veja o que está a passar-se em Portalegre que é o seu distrito!

O Orador: - Neste momento, temos uma situação complicada, que tem a ver com a desertificação do meio rural, mas estamos, de facto, atentos: com as medidas que propomos e com as atitudes que o Ministério da Agricultura tem assumido temos revelado maior intenção de procurar fixar o homem à terra. Têmo-lo feito e o Governo tem assumindo essa prática não só através do Ministério da Agricultura mas também dos meios de comunicação e das indústrias. Ainda recentemente o Governo tomou a atitude de criar no meu distrito que é uma região de facto despovoada e desfavorecida.

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Sempre há despovoamento!

O Orador: - ...condições para que aí se instalasse uma empresa que irá, com certeza, resolver problemas relacionados com o desemprego.
Portanto, isto tem de ser visto num todo e não apenas, sobre o aspecto agrícola - tenha paciência, sr. Deputado!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho(PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Maçãs, vou ser muito rápido, visto dispor já de pouco tempo, pelo que vou colocar apenas duas
ou três questõès.
O Sr. Deputado - que na sua intervenção aliás, contraditória, critica o papel interventor do Estado, para logo depois estar de acordo - não pensa que o maior papel da intervenção do Estado começa logo a fazer-se sentir na própria política agrícola comum que intervém nas orientações da produção de cada país, definindo, inclusivamente, o diâmetro das maçãs que cada agricultura tem de produzir para o mercado? O Sr. Deputado critica a intervenção do Estado quando
se trata de orientar os agricultores e não a critica quando quer por exemplo, legislar no sentido de retirar os baldios aos povos?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Critica a intervenção do estado quando se trata de orientar os agricultores e não critica a intervenção do Estado quando é para privatizar o sector público da economia?! Então, o Estado, serve para umas coisas e já não serve para outras, Srs. Deputados?

Vozes do PCP: - muito bem!

O Orador: - É evidente que no quadro actual da cultura, como o Sr. Deputado reconheceu, o Estado tem de ter um papel orientador e enquadrador, um papel de
Estímulo. Não pode ser de outra maneira até porque a área média das nossas explorações é de 7 ha, enquanto que a das explorações da comunidade é de 20 ha. Logo a fragilidade é evidente. Ou seja: se deixarmos actuar a lei do mercado, é o mesmo que deixarmos a nossa agricultura entregue aos interesses, sobretudo dos produtores o centro e norte da Europa, que estão a invadir-nos, sem capacidade de resposta dos nossos agricultores, porque não lhes foram dadas as condições para a tal reestruturação!
Penso que importa fazer esta reflexão e é contra este quadro que propomos, naturalmente, o nosso projecto de lei.
O Sr. Deputado critica-nos por propormos o aumento da produção. Pergunto, onde está a expressão da auto-suficiência da nossa parte? Não defendemos a auto-suficiência, já lhe disser, defendemos isso sim a obtenção de um nível, de um limiar de segurança alimentar, incentivando as produções com vantagens comparativas e as que, apesar se sermos deficitários, são estratégicas para o País, Sr. Deputado. A segurança alimentar de um país é tão estratégica como a defesa nacional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ora como a política do Governo é tão, tão, contraditória, gostaria que o Sr. Deputado João Maçãs comentasse o que vou dizer.
O que o Governo propõe no PRD - destinando para a política a seguir até ao fim do século 13 magras linhas! - é o seguinte: consolidação de uma base competitiva da produção nacional; criar sectores mais intensivos para a produção; desenvolver a produção; incentivar a produção...

Risos do PCP, do PS e do Deputado independente Mário Tomé.

Sr. Deputado, não somos nós que o dizemos, é o governo! Claro que isto é contraditório, tanto, em relação à PAC como por estarem a apoiar a extensificação, mas isto faz mais parte de um discurso que tem vindo ele próprios a não Ter rumo. Primeiro, foi o discurso de investimento, depois o da extensificação, e agora, no PDR, é outra vez o discurso da poluição. Perguntamos com que é que contam os nossos agricultores? É exactamente Para isso que apresentamos as lei de bases, para definir um quadro orientador por forma que os nossos agricultores saibam com o que se nos coloca.
Por último, os Srs. Deputados falam muito na multifuncionalidade da agricultura. Com certeza que o artesanato, as iniciativas locais de emprego, a caça, têm importância, mas, reconheçamo-lo seriamente têm a importância que têm no nosso tecido agrícola.
Vá dizer ao nosso agricultor de Trás-os-Montes, que tem 2 há ou 3 há, que quase não tem uma casa para viver para, se dedicar ao turismo rural, Sr. Deputado!... Nem o próprio deputado João Maçãs, que já é um médio agricultor, se pode dedicar ao turismo rural, porque não tem casa para isso, quanto mais os nossos agricultores do País em geral, que têm explorações minifundiárias!

O Sr. João Maças(PSD): - Como é que sabe que não tenho casa?!

O Orador: - Sr. Deputado, tenhamos consciência da realidade onde nos encontramos inseridos, porque o que

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de facto, acontece é que essa multifuncionalidade esconde uma política que tem destruído a agricultura e desertificado o mundo rural.
O Sr. Deputado João Maçãs disse, quando respondeu ao Sr. Deputado António Martinho, • que não tem havido desertificação.

Vozes do PSD: - Não foi isso. O Sr. Deputado ouviu mal!

O Orador: - Sr. Deputado, na última década, a população reduziu-se 9 % no Douro e na Beira Interior, 10 % no Alentejo, 14 % em Trás-os-Montes, 16 % no interior sul... E isto porquê? Porque se destruíram as perspectivas das populações rurais!

Vozes do PCP: - É evidente!

O Orador: - Destruíram-se as perspectivas das populações rurais e destruiu-se uma questão central para a sua fixação, que é a agricultura, sem a qual não há mundo rural no nosso país.
Era esta a reflexão que gostaria que o Sr. Deputado fizesse.

Vozes do PCP e do Deputado independente Mário Tomé: - Muito bem!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado João Maçãs.

O Sr. João Maçãs (PSD): - Sr.ª Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, era escusado tanto calor, pois eu tive uma grande dificuldade em acompanhar as perguntas que V. Ex.ª me colocou ...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É o calor que coloco naquilo que gosto, naquilo que amo. Não sou hipócrita!

O Orador: - Bom, o Sr. Deputado pergunta se a maior intervenção do Estado não reside, ao fim e ao cabo, ou não deriva da própria legislação da PAC. Sr. Deputado, a questão tem de ser colocada noutros termos, pois não pretendemos, embora os senhores pretendam, uma planificação da agricultura, onde o Estado impõe e exige.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mas onde é que isso está?!

O Orador: - Sr. Deputado, isso resulta da leitura.
O que pretendemos é uma intervenção do Estado, mas relativa, que se cinja efectivamente ao apoio, ao incentivo, à informação, à criação de condições, para que na realidade a produção, os produtores, os agentes económicos possam, por si mesmos, ter condições para depois prosseguirem no seu caminho. Essa é a nossa filosofia. Sr. Deputado.
O Sr. Deputado pode dizer que isto é um bocado caricato, um bocado ridículo, pois até se vai ao ponto de se dizer que a maçã deve ter isto ou aquilo, deve ter tantos centímetros. Mas em qualquer país civilizado a fruta deve ser normalizada e os produtos têm de ser de qualidade...

O. Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Nesse caso, há intervenção do Estado!

O Orador: -... e o Sr. Deputado, que tanto defende a qualidade - tem-no feito e tenho o maior apreço por essa atitude -, não pode, num dia, defender a qualidade e, no outro, encontrar, no mercado da Ribeira, uma caixa com maçãs (de 3 cm, 5 em é 10 em misturadas.

O Sr. Lino dê Carvalho (PCP): - Estamos de acordo quanto a isso!

O Orador: - Diz o Sr. Deputado que àquilo que se pretende é um limiar de produção. Mas onde é que se situa esse limiar?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado, desde que seja muito breve.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - O Sr. Deputado esteve presente num seminário internacional realizado em Innsbruck, em que também participei, no qual foram abordadas estas questões e sabe que todos os países aí representados convergiram no sentido de estabelecer esse limiar,, o nível de segurança alimentar de cada país, em cerca de 60 %.
Neste momento, importamos cerca de 63 % daquilo que consumimos, o que significa que o auto-abastecimento ronda os 38 % e que ainda estamos muito longe desse nível • de segurança com o qual o Sr. Deputado concordou.
Mas o Sr. Deputado também falou em competitividade. Na sua perspectiva, em que sector da economia nacional, agrícola ou outro, somos competitivos? Se vamos por esse caminho, temos de «fechar» o País!

O Orador: - O Sr. Deputado Lino de Carvalho falou num seminário realizado em Innsbruck, esquecendo-se de que, na realidade, grande parte das intervenções aí proferidas não tiveram muito a ver com a Comunidade Económica Europeia e o Sr. Deputado sabe-o tão bem quanto eu.
Disse ainda que, no nosso discurso, também, apoiamos e incentivamos a produção. A verdade é que não queremos que se deixe de produzir mas, sim, que se produza com qualidade e em maior quantidade, nas zonas onde há uma aptidão maior e de acordo com aquilo que são as exigências do mercado interno e do mercado externo, enfim, queremos que se produza em consonância com aquilo que é a política agrícola comum.
Abordando o tema da multifuncionalidade, referiu-se ao turismo rural em áreas pequenas, mas é óbvio que ninguém com bom senso pretende que o turismo rural seja uma prática a desenvolver nas 700 000 explorações do País. Isso não só seria absolutamente utópico como nunca me passaria pela cabeça. De facto, o Sr. Deputado não faz de mim o melhor juízo quando me coloca esta questão.
Finalmente, referiu que eu teria afirmado ao Sr. Deputado António Martinho, que não havia desertificação. Isto não é verdade! Já fiz intervenções nesta Casa chamando a atenção do Governo para a situação dramática da desertificação no interior do País, particularmente no Alentejo, região em que ambos temos particulares responsabilidades..
Porém, já que com tanto calor V. Ex.ª falou deste assunto como se eu procurasse ignorar a desertificação, quero dizer-lhe que um dos factores que mais contribuiu para a desertificação do interior do País foi a reforma agrária.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PCP.

O Orador: - A maior parte das pessoas que estavam nas unidades colectivas de produção foram «importadas» do distrito de Setúbal e de Lisboa e, na altura, em que aquilo começou a «dar para o torto», começou o êxodo e as explorações foram abandonadas ... «cavaram» pura e simplesmente do Alentejo. Assim começou a desertificação.

Aplausos do PSD.

O Sr. Lino de Carvalho(PCP): - Isso não é verdade! Mentira!

O Sr. António Murteira (PCP): - Não acredita no que diz!

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.

O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - Sr.ª Presidente Srs. Deputados: As profundas e complexas mutações que tem vindo a atingir o mundo rural no quadro mais lato da mudança da sociedade global deste final de século são, por toda a Europa, motivo de preocupações e reflexões de estudiosos e de decisores político de diferentes tendências e formações e não podem naturalmente, deixar-nos indiferentes.
Em Portugal, os efeitos negativos de tais mutações foram altamente potenciados nos último anos em consequência do modelo de desenvolvimento que caracterizou o período terminal do anterior regime, dos reflexos no sector agrícola do processo político desencadeado na sequência do 25 de Abril, da integração europeia no momento em que a política agrícola comum entrava no seu ocaso das negociações do GATT, por ironia do destino, da reforma da política agrícola comum assumida pelo actual governo de Portugal como o maior sucesso da presidência da Comunidade Europeia por si protagonizada no 1.º semestre de 1992.
Neste contexto, é mais do que pertinente iniciar a discussão de uma matéria tão vasta quão aliciante para o nosso futuro colectivo. Ele é assim porque, além de abranger directamente cerca de 2 milhões de portugueses diz indirectamente respeito a muitos outros pois sendo a urbanização um fenómeno recente na sociedade portuguesa as raízes culturais que ligam grande parte dos nossos concidadãos ao mundo rural são ainda muito profundas tal como o é a carga afectiva daí decorrente, haja ou não consciência desse facto.
A crescente sensibilidade, ambiental dos cidadãos, e a acentuação da desertificação, de vastas zonas do País são outras razões que atestam a pertinência do início da abordagem deste tema.
O quadro legal do desenvolvimento agrícola em Portugal, é ainda, neste momento, o que decorre da Lei n.º 77/77, de 29 de Setembro (Bases Gerais da Reforma Agrária) da iniciativa do Partido Socialista e que contrariamente ao que é comummente admitido, não visou exclusivamente enquadrar a então tormentosa questão da definição do uso e posse das terras.
É facto que sem ajuizar nesta circunstância sobre o que foi a sua aplicação desde então, à excepção de pequenas alterações pontuais introduzidas em 1988 e 1990 exclusivamente no sentido de pôr cobro aos últimos resquícios do processo de reforma agrária e de eliminar o leque de beneficiários prioritários das medidas incentivadoras que ela própria previa não mais foi produzido qualquer acto legislativo que definisse minimamente as linhas orientadoras da estratégia de desenvolvimento da agricultura e do mundo rural. Isto, não obstante ter entretanto ocorrido sob a liderança de um governo socialista a maior reforma estrutural jamais verificada em Portugal - a integração na Comunidade Económica Europeia em 1986.
Deliberadamente desde então até ao momento presente, o apoio ao investimento nas explorações agrícolas centrou-se nas unidades de grande dimensão; sendo conveniente referir que contrariamente ao que muitas vezes se faz crer, teria sido possível orientar para as explorações de mais reduzida dimensão, que estão hoje arruinadas ou no limiar da ruína, os apoios ao investimento e à reconversão tecnológica que poderiam ter contribuído para a sua sobrevivência.
A avaliação que não poderá deixar de ser efectuada a este período e às opções dos governos do PSD nesta matéria será o juiz mais implacável do seu principal protagonista. E atesto esta minha afirmação recorrendo ao único estudo conhecido relativamente à aplicação do Regulamento nº 797/85/CEE a uma parcela do território nacional. Refiro-me concretamente à Zona Agrária do Barroso, em Trás-os-Montes, onde, nos primeiros cinco anos da aplicação deste regulamento, apenas beneficiaram 1,5 % das 6942 explorações agrícolas ali existentes.
Admitindo que este caso, por ser o único conhecido, possa ser generalizado ao País, urge mais do que nunca, que o Sr. Ministro da Agricultura tenha a coragem de tornar pública a listagem de beneficiários dos fundos públicos nacionais ou comunitários atribuídos neste período a exemplo do compromisso que o PS assumiu no seu programa de Governo de 1991.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - É hoje claro para os Portugueses que a extraordinária conjuntura de que o País beneficiou de 1986 ao momento presente e que continua aliás a beneficiar de fluxos comunitários de volume antes inimaginável não foi aproveitada para modernizar o sector agrícolas preparar o País para o enfrentamento do desafio do mercado único e da reforma da PAC.
Os governos do PSD desbarataram milhares e milhares de contos sem qualquer estratégia, executaram políticas contraditórias - como já foi hoje aqui reconhecido pela bancada do PSD - e colocaram o País numa situação de angústia; de apreensão e insegurança quanto ao futuro cujas consequências, estão, neste momento longe de ser avaliadas.
Não posso deixar de manifestar estranheza pelo facto de estarmos hoje aqui a discutir um projecto de lei da iniciativa do PCP, quando seria lógico que fosse o Governo ou a maioria do PSD a fazê-lo. Não só porque detêm, aliás, num secretismo injustificável, elementos informativos essenciais à formulação de propostas adequadas às circunstâncias actuais mas também porque se trata de um compromisso inscrito no Programa do Governo que, até ao momento não foi cumprido nem dada justificação para tal, sobre tudo quando decorreu um ano sobre o evento considerado determinante para a sua concretização.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: O projecto em causa tem o mérito de suscitar a discussão acerca do futuro da

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agricultura e do mundo rural em Portugal e não nos coibiremos, por isso, de o apreciar, de emitir a nossa opinião e de não inviabilizar a sua aprovação na generalidade. Atribuir-lhe-emos, enquanto contributo1 para a discussão de uma matéria importante, o mesmo valor que concederemos a todos os demais que forem apresentados com idênticos objectivos.
Apesar de nos parecer traduzir uma perspectiva de curto prazo e visar a produção de efeitos imediatistas que as circunstâncias actuais ajudam a compreender, enferma de uma lógica exclusiva ou determinantemente produtivista pouco consentânea com os conceitos mais actuais de agricultura em contexto de desenvolvimento rural, portanto, vista não isoladamente.
A própria definição de objectivos reduz o homem rural à condição de mero recurso humano e a sua valorização resume-se aos aspectos técnico-profissionais. Enferma, aliás, de um quadro conceptual de onde ressalta um acentuado dirigismo estatal, um pormenorizado tecnocracismo que nos parece exagerado para um documento que apenas deveria definir orientações do ponto de vista estratégico. Consideramos igualmente existirem omissões importantes ou a falta de explicitação mais clara no que concerne à multifuncionalidade - que consideramos ser complementar em processo de desenvolvimento rural e não a sua espinha dorsal, como há pouco um Deputado do PSD aqui referiu -, à diversidade, as modalidades de apoio ao associativismo e à participação das associações no processo de desenvolvimento.
É ainda patente a ausência de referências à indissociabilidade do desenvolvimento rural com a regionalização e consideramos ainda pouco explicitada a priorização a conceder à política de aproveitamento dos recursos hídricos.
Outras e mais detalhadas críticas poderiam ser efectuadas e espero que haja oportunidade para tal em sede de comissão se a maioria não inviabilizar tal desiderato.
Sr.ª Presidente e Srs. Deputados: Posso afirmar, em nome da minha bancada, a nossa inteira disponibilidade para tratar esta matéria com o sentido de Estado que lhe é devido. Fá-lo-emos através da crítica construtiva a este e a outros projectos que vierem a ser propostos e da apresentação de um projecto de lei próprio no momento que considerarmos oportuno.
Toma-se essencial, porém, que o Governo explicite clara e urgentemente o seguinte:, se assume a reforma da PAC por si proposta e negociada como um dado definitivo e imutável ou se, por outro lado, tenciona apoiar iniciativas de outrem tendentes a repor, em sede comunitária, a questão da renegociação, por forma a contemplar, a especificidade da agricultura mediterrânica excluída no acordo final de 1992.
Tendo em conta os calendários previsíveis de apresentação do novo plano de desenvolvimento regional, em Bruxelas, e da hipotética aprovação, na Assembleia da República, da lei de bases do desenvolvimento rural, cuja iminente apresentação tem vindo a ser, desde há semanas, veiculada por alguns órgãos de comunicação social, qual o grau de prioridade que o Governo tenciona atribuir ao sector agrícola como eixo estratégico e que dotações, no novo quadro comunitário de apoio, está disposto a atribuir-lhe.
O PS considera inaceitável a prevalência do silêncio governamental sobre estas matérias e não deixará de atribuir responsabilidades por qualquer opção que, neste domínio, subalternize o sector agrícola e o mundo rural.
Por isso, no projecto de lei a apresentar pelo PS, não deixaremos de enfatizar, além da resposta afirmativa a estas questões, as seguintes linhas orientadoras.
Primeira a garantia de uma reserva estratégica alimentar e o reconhecimento do direito a produzir com as inerentes implicações no que se refere à harmonização dos sistemas produtivos a definir com os respectivos sistemas agro-industriais. Srs. Deputados, não toleraremos que uma greve de duas semanas, nas auto-estradas espanholas, coloque o País à beira da penúria alimentar.
Segunda, a definição de um quadro orientador, no qual estejam contempladas políticas, medidas de apoio e incentivadoras, em função da tipificação dos problemas centrais do mundo rural, adoptada pela OCDE, e da classificação das correspondentes zonas-tipo.
Terceira, o reconhecimento da multifuncionalidade e da diversidade, na perspectiva de complementaridade ao desenvolvimento rural e não na perspectiva de eixo dorsal, como VV. Ex.ªs aqui defenderam.
Quarta, a priorização do aproveitamento dos recursos hídricos, o fomento da floresta de qualidade e a preservação ambiental.
Quinta, a consagração de um quadro institucional coerente com o princípio da subsidiariedade e a participação do movimento associativo dos destinatários do processo de desenvolvimento, não fazendo como o PSD que, recentemente, erigiu uma nova estrutura orgânica do Ministério da Agricultura, que é absolutamente contraditória a estes princípios, porque inverte a pirâmide e retira do mundo rural alguns dos seus mais importantes meios de apoio.
Por fim, a promoção e o apoio do associativismo em termos que não possam deixar dúvidas quanto à sua concretização.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Sr. Deputados, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira.

O Sr. António Murteira (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: No âmbito da discussão do projecto de lei que o meu partido hoje apresentou, gostaria de deixar algumas notas de reflexão sobre uma questão que nos parece central, o impacte da PAC e das negociações do GATT, na nossa agricultura, no presente e no futuro, e também algumas reflexões sobre a legitimidade e a seriedade do Governo em matéria de política agrícola.
Lamento que o meu conterrâneo Sr. Deputado João Maçãs tenha saído, porque gostava de lhe dizer algo sobre a matéria que ele abordou. Como não está presente no Plenário, ficará para outra oportunidade.
A questão de fundo, falada também pela bancada do PSD, não está na adequação da política agrícola, como os senhores referiram, porque o problema não está no facto de ter havido uma adequação da política agrícola com a alteração do vosso discurso, mas no facto de terem dado uma «cambalhota» de 180º em relação à política agrícola.
Há seis anos atrás, o PSD falava em aumentar a produção, falava em haver uma agricultura em Portugal e hoje o PSD fala em extensificação e aceita que Portugal veja a sua agricultura reduzida a uma expressão mínima. Isto não é uma adequação mas uma questão de fundo que importa ser completamente discutida.
Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, no País real que temos, a agricultura, o espaço e a sociedade rural continuam a ter uma grande importância económica, social, patrimonial e cultural.

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A população agrícola familiar é ainda de 800 000 pessoas: e vem cada 6 activos com profissão, 1 trabalha na agricultura. Na sua diversidade e complexidade, é de assinalar a norte e no centro o peso da agricultura familiar, e a sul o peso da grande propriedade fundiária e do capitalismo agrário.
É este imenso diversificado e complexo mundo rural que vive ou caminha para uma crise de grandes proporções como resultado de uma política agrícola de desenvolvimento rural cada dia mais contestada.
A evolução dos acontecimentos dá razão aqueles ( e são cada vez mais) que consideram que a nova PAC, conjugada com o GATT, vai consolidar, na Europa, a divisão entre dois grandes tipos de espaços rurais, os que mantêm a sua função de produção agrícola e os que vão Ter, fundamentalmente, uma função de espaço de lazer e de reserva natural.
Começa a ser evidente que o Governo Português, submetendo-se e, o que é mais grave, apoiando a nova divisão internacional do trabalho e a partilha mundial dos mercados agro-alimentares, que os países ricos do centro e do norte da Europa e os EUA querem impor, através da PAC e do GATT, aceita para Portugal a função de mercado de consumo de produtos alimentares importados.
No plano agrícola, Portugal corre o risco de se transformar num espaço onde algumas pequenas ilhas de agricultura intensa se encontram rodeadas por um mar de áreas florestadas, abandonadas ou aproveitadas de modo muito extensivo.
O défice em produtos alimentares tenderá ainda a aumentar e hoje já se importa 63% do que se consome, como já aqui foi referido.
No plano do desenvolvimento rural, a nossa experiência, na última década do governo PSD, como a experiência de outros países, mostra que o abandono da produção e a restrição da actividade produtiva, não vão contribuir para a preservação do mundo rural, mas sim acelerar o seu declínio, quer pela desertificação que irão agravar, quer pela expansão da floresta extrema de crescimento rápido que irão incentivar.
Por outro lado, e desacreditando discursos oficiais e documentos que publica o Governo acelera a exclusão social de centenas de milhar de pessoas, designadamente no Alentejo e na terra do Sr. Deputado João Maçãs - como há pouco lhe queria dizer, mas o Sr. Deputado não se encontrava no Plenário - e o abandono e desertificação do mundo rural, também através de processos em curso de liquidação de instituições sociais ou infra-estruturas de serviço público. Poderíamos citar muitas, mas o meu camarada Lino de Carvalho já citou algumas.
Alguns poderão dizer-nos: bom, mas vêm aí as opções estratégicas e o novo PDR e no século XXI, dá-se um salto de 10 anos em frente; tudo vai ser diferente e melhor, conforme prometem em discursos o Primeiro-Ministro, Ministros, Secretários de Estado e, pelos vistos também os Deputados do PSD:
Sim - responderemos nós - isso é possível e necessário, mas não com as opções estratégicas e a proposta de linhas orientadoras do novo PDR, que o Governo tornou públicas. E certamente se os senhores já as leram com atenção, não poderão deixar de nos dar razão.
As opções estratégicas do próximo PDR, dedicam 13 magras linhas ao sector agrícola, confirmando que não só agricultura não é um sector prioritário para o Governo com as linhas propostas vão acentuar selectividade no acesso de agricultores aos apoios comunitários e nacionais e agravar a degradação da agricultura. É pois urgente inverter a situação!
Como afirmam os agricultores, o nosso país não pode ser um deserto interior e uma faixa litoral de 40 Km de largura, superpovoada. É certo que o mundo rural não pode ser revitalizado só com a agricultura, mas também não o será sem uma agricultura dinâmica.
Sr.ª Presidente e Srs. Deputados a questão da política agrícola e do desenvolvimento do mundo rural português coloca-nos uma outra questão de fundo, a de o Governo ter ou não legitimidade para impor uma política que conduz a resultados contrários àquilo que estipula a Constituição e está escrito no Programa do governo.
Vejamos, então, alguns exemplos; de facto, a Constituição, estipula, como objectivos de política agrícola, «aumentar a produção, e a produtividade da agricultura [...] assegurar o melhor abastecimento do País, bem como o incremento da exploração».
Ora, o que está a acontecer em diversos aspectos, é exactamente o contrário: a taxa de actividade do sector diminuiu 4 % ao ano; a taxa de cobertura da balança alimentar passa de 50 % em 1986 para apenas 38% em 1992; a política de comercialização agro-alimentar constitui um fracasso enorme que está à vista de toda a gente.
Por outro lado, a Constituição estipula a promoção da «melhoria da situação económica, social e cultural dos trabalhadores rurais e dos agricultores [...]».
Ora, o que está a acontecer é exactamente, o contrário: o rendimento os agricultores baixou para metade; os salários e as pensões dos trabalhadores agrícolas são, em média, dos mais baixos do País e os mais baixos da Comunidade; o desemprego, a migração e a emigração atingem, em cheio, de novo, os trabalhadores agrícolas, os agricultores e as populações do mundo rural português; a exclusão social e a pobreza acentuam-se no mundo rural devido à vossa política.
De facto - e isto até é indecente -, o Programa do Governo afirma que o período de transição da adesão à CEE «concluir-se-á em 1955». Ora, como é sabido, o Governo, desrespeitando o seu próprio Programa e enganando o eleitorado e o povo português, vendeu dois anos do período de transição por apenas 100 milhões de contos, quando só as importações do ano são 400 milhões de contos, criando aos agricultores portugueses a grave situação de verem o mercado nacional invadido por todo o tipo de produtos de outros países e dando origem às manifestações de descontentamento que os senhores conhecem.
De facto, o Programa do Governo afirma a «especialidade da agricultura portuguesa» e o «acautelar os interesses da agricultura portuguesa no processo de reforma da PAC [...]» e compromete-se a promover o desenvolvimento rural e a redução das assimetrias regionais».
Ora, como é sabido, o Governo «mandou às malvas» a especialidade da agricultura portuguesa, vendeu a fase final do período de transição, cedeu em toda a linha às imposições dos países ricos do centro e do norte da Europa e os EUA, no respeitante à nova PAC e às negociações do GATT, provocou o acentuar das assimetrias regionais, como é o caso do Alentejo, em relação a outras regiões e outros países da CE.
Ora, como já vimos, está a acontecer exactamente o contrário. Os agricultores vêem diminuir brutalmente os seus rendimentos e vivem porventura a maior instabilidade de sempre.

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Os factos mostram que a política do Governo não respeita nem a Constituição, nem sequer o Programa que o Governo apresentou ao País e tez aprovar, nesta Assembleia da República, com os votos dos Srs. Deputados do PSD.
Como órgão de soberania, a Assembleia da República, tal como outros órgãos de soberania, não pode 'ficar indiferente à actuação de um governo que está a agir, em matéria de política agrícola e desenvolvimento rural, à revelia de quase tudo e de quase todos. Talvez escape a CAP e outras organizações do género, mas na generalidade a panorâmica é esta!
Uma tal política tem de ser claramente contestada e combatida!
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Estamos convictos, sem qualquer tipo de nostalgia, antes olhando de frente e com realismo o presente e o futuro, que é justo e necessário agir em defesa do mundo rural, a nível nacional e a nível mundial.
Basta recordar que 3000 milhões de pessoas - mais de metade da população mundial -, em cerca de 1 milhão de aldeias, vivem no mundo rural e trabalham a maior parte da terra do mundo. E os senhores() nem por regulamentos comunitários nem por decretos do governo «cavaquista» podem dizer a essas pessoas que elas são já inviáveis, não existem ou não podem existir no futuro. Elas existem, são uma realidade forte do mundo contemporâneo. E não se podem apagar as realidades com decretos, venham eles de onde vierem.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E agir em defesa do mundo rural português significa lutar por uma nova política agrícola e por um PDR que assuma a importância e as necessidades do espaço rural e da nossa agricultura.
O projecto de lei de bases da política agrária que o PCP apresentou à Assembleia da República pretende ser um contributo seno para a «definição de uma política, nacional e de fomento da produção agrícola», decisiva para a revitalização dos espaços rurais.
Termino, dizendo que, pela parte do PCP, entendemos que a luta dos agricultores' e das gentes do mundo rural português, sem discriminação, merece ser apoiada, para que Portugal, no presente e no futuro, conheça um desenvolvimento integrado harmonioso e sólido, e para que possa ocupar, com dignidade e alguma capacidade de poder, o seu lugar no seio da Comunidade e nas relações com os povos e países do mundo.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, terminou a apreciação do projecto de lei n.º 251/VI, que preencheu a ordem do dia de hoje. Como vamos passar ao período de votações, solicito aos nossos colegas que se venham para a sala do Plenário.
Entretanto, o Sr. Secretário vai dar conta de vários pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 1.º Juízo do Tribunal de Polícia de Lisboa, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de não autorizar a suspensão do mandato da Sr.ª Deputada Edite Estrela (PS), a fim de responder num processo que se encontra pendente naquele tribunal.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente Freitas do Amaral.

O Sr. Secretário(João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 4.º Juízo do Tribunal Criminal de Lisboa, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Rui Gomes Silva (PSD) a depor, por escrito, como testemunha, num processo que se encontra pendente naquele tribunal.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente Freitas do Amaral.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo l.º Juízo do Tribunal Cível de Lisboa, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de, autorizar as Srs. Deputados Almeida Santos (PS) e Menezes Ferreira (PS) a depor, como testemunha, num processo que se encontra pendente naquele tribunal.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente Freitas do Amaral.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, a solicitação do 4.º Juízo do Tribunal Judicial de Coimbra, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado António Lobo Xavier (CDS) a prestar declarações, como testemunha, num processo que se encontra pendente naquele tribunal.

A Sr.ª Presidente (Leonor Beleza): - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente Freitas do Amaral.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo 5.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr: Deputado Correia Afonso (PSD) a depor, como testemunha, num processo que se encontra pendente naquele tribunal.

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A Sr.ª Presidente(Leonor Beleza): - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente Freiras do Amaral.

Srs. Deputados, vamos agora passar ao período de votações. Estavam previstas, para hoje, as votações do projecto de lei n.º 99/VI (PCP) - Garante o direito à igualdade de tratamento no trabalho e no emprego, e da proposta de lei n.º 46/VI - Autoriza o Governo a rever o sistema de garantias de isenção e imparcialidade da Administração Pública. Porém os textos destes diplomas não podem ainda ser votados, dado que, em relação ao primeiro, foi determinado que voltasse a baixar à comissão para votação na especialidade ao abrigo do artigo 158.º do Regimento, e o segundo não foi ainda completamente apreciado em comissão. Por estas razões, estes dois diplomas não vão ser votados hoje.
Sr. Deputado Octávio Teixeira, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Para interpelar a Mesa.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr.ª Presidente, quando referiu o primeiro diploma, o projecto de lei n.º 99/VI, tinha ficado com a ideia, errada, de que se estava a reportar ao segundo diploma. Mas gostaria que a Sr.ª Presidente me confirmasse, em relação ao primeiro diploma, se ele foi ou não objecto de votação na especialidade. Não foi aprovado por unanimidade?

A Sr.ª Presidente(Leonor Beleza): - O Texto que nos chegou da comissão diz que foi votado por unanimidade um relatório de um grupo de trabalho, não faz essa referência quanto ao próprio texto do projecto de lei.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na generalidade, apenas do projecto de lei que foi hoje objecto de discussão. Nos termos regimentais, tendo terminado a discussão antes da hora regimental de votações, vamos proceder à respectiva votação. É o projecto de lei n.º 251/VI (PCP) - Lei de bases da política agrária.
Vamos votar.

Submetido á votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS, votos a favor do PS, do PCP e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro.

Srs. Deputados, terminou o período de votações e, assim, os trabalhos agendados para hoje. A próxima reunião plenária terá lugar amanhã, Sexta-feira, pelas 10 horas, dela constando a discussão conjunta, na generalidade propostas de lei n.ºs 57/VI - Segunda lei de programação militar e 58/VI - Altera a Lei n.º 1/85, de 23 de Janeiro (lei quadro das leis de programação militar).
Srs. Deputados está encerrada a sessão.

Eram17 horas e 35 minutos.

Entraram durante a sessão, os seguintes Srs. Deputados:

Ana Paula Matos Barros.
António de Carvalho Martins.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Domingos Duarte Lima.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
Joaquim Eduardo Gomes
José Manuel Nunes Liberato.
Maria José Paulo caixeiro Barbosa Correia.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Pedro António de Bettencourt Gomes.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.

Partido socialista (PS):

António Luís Santos da Costa.
Armando António Martins Vara.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.

Deputado independente:

Mário António Baptista Tomé.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António Moreira Barbosa de Melo.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João Maria Leitão Oliveira Martins.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.

Partido Socialista (PS):

António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Poppe Lopes Cardoso.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Francisco Miranda Calha.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português

Apolónia Maria Alberto Pereira Teixeira.
João António Gonçalves do Amaral.
Luis Carlos Martins Peixoto.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.

Centro Democrático Social(CDS):

Adriano José Alves Moreira.

Partido Ecologista Os Verdes(PEV):

André Valente Martins
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Social:

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputado independente:

Diogo Pinto de Freitas do Amaral.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.

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