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I Série - Número 86 - Quinta-feira, 24 de Junho de 1993

DIÁRIO da Assembleia da República

VI LEGISLATURA

2.ªSESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 23 DE JUNHO DE 1993

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos.. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário

SUMARIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.
Deu-se conta da entrada na Mesa das propostas de lei n.º 70/VI e 71/VI e da proposta de resolução n.º 31/V1
Foi aprovado o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o recurso, apresentado pelo PCP, da decisão de admissão da proposta de lei n º 66/VI. tendo usado da palavra os Srs. Deputados Lino de Carvalho (PCP), Correia de Jesus (PSD), Alberto Costa (PS) e António Lobo Xavier (CDS)
Na abertura do debate da interpelação n.º 11/VI - Debate sabre política geral, centrada na acentuada degradação da democracia, na falta de transparência da vida política e na crescente desprotecção dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores e dos cidadãos em geral (PCP), intervieram o Sr. Deputado João Amaral (PCP) e o Sr. Ministro Adjunto (Marques Mendes) e, em seguida, a diverso título, além desta oradores e do Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social (Silva Penada), os Srs. Deputados Silva Marques e Guilherme Silva (PSD), Manuel Alegre (PS), Cosia Andrade (PSD), Manuel Sérgio (PSN), Ferreira Ramos (CDS), António Filipe (PCP), Almeida Santos (PS), Carlos Oliveira (PSD), Odete Santos (PCP), Pacheco Pereira, Silva Marques, Duarte Lima e Fernando Amaral (PSD), Arménio Carlos (PCP), Nogueira de Brito (CDS) e Raul Castro (Indep.).
Encerraram o debate o Sr. Deputado Octávio Teixeira (PCP) e o Sr. Ministro Adjunto.
O Sr. Presidente deu por findada sessão eram 20 horas e 30 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quórum pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social Democrata (PSD)

Abílio Sousa e Silva.
Adão José Fonseca.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Anabela Honório Matias.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da silva Bacelar.
António de carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando dos Santos Antunes.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva.
Francisco Antunes da Silva
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião
Luís António Martins.
Carlos David Nobre.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro António de Bettencourt Gomes.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Simão José Ricon Peres.
Virgílio de Oliveira Carneiro.

Partido Socialista (PS)

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva
Ana Maria Dias Bettencourt
António Alves Marques Júnior
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.

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António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos da Costa.
António Poppe Lopes Cardoso.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Lufe
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira de Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Barbosa Mota.
José Eduardo Reis.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Paulo Martins Casaca.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl de Assunção Pimenta Rêgo.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP)

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
Apolónia Maria Alberto Pereira Teixeira.
Arménio Horácio Alves Carlos.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
José Fernando Araújo Calçada.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS)

Adriano José Alves Moreira.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV)

André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Partido dá Solidariedade Nacional (PSN)

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes:

Mário António Baptista Tome.
Raúl Fernandes de Morais è Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dós diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Deram entrada na Mesa, e, foram admitidas, as propostas de lei n.º IO/VI- Aprova as opções estratégicas para o desenvolvimento dó País no período de 1994-1999, que baixou às 3.º e II.1 Comissões, e 7Í/VI - Custos de livros, revistas e jornais de e para a Região Autónoma da Madeira -(ALRM), que baixou à 7ª Comissão, e a proposta de resolução n.º 31,/VI - Aprova, para ratificação, a Convenção de Revisão da Convenção Quê Cria Um Instituto Universitário Europeu, que baixou à 7.º Comissão.
Entretanto, informo os, Srs. Deputados de que estão reunidas as Comissões dê Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente, de Economia, Finanças e Plano, de Agricultura e Mar e a Subcomissão Permanente para a Toxicodependência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de iniciarmos o debate da interpelação n.º 11/VI.J(PCP), que preenche a ordem do dia de hoje, de acordo, com o n.º 5 do artigo 139º DO Regimento, vai ser lido e votado um parecer da Comissão .de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre o recurso, apresentado pelo PCP, dá decisão de admissão "da proposta de lei n.º 667 VI- Autoriza o Governo a legislar sobre o regime de bens do domínio hídrico.
Tem a palavra, para a leitura do referido parecer, o Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: O parecer, da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é do seguinte teor:

1 - O PCP, ao abrigo do artigo 139.º, n.º 2, do Regimento, recorreu da decisão do Presidente da Assembleia da República que admitiu a proposta de lei n.º 66/VI - Autoriza o Governo a legislar sobre o regime de bens do domínio hídrico, com fundamento na inconstitucionalidade da mesma, por, em seu entender, esta não respeitar os requisitos que o n.º 2 do artigo 168.º da Constituição estabelece ara as leis de autorização legislativa.
2 - Interessa, antes1 de mais, salientar, que o juízo sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de um diploma feito pela Assembleia da República - pelo seu Presidente, pela comissão parlamentar competente ou pelo Plenário - é, sobretudo, de natureza processual: A apreciação jurisdicional- da constitucionalidade das leis cabe, como é sabido, ao Tribunal Constitucional: A actuação da

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Assembleia neste domínio é ditada pois por princípios de economia processual e, obviamente, de respeito pela Constituição. Por isso, sempre se tem entendido que só em casos de manifesta, inequívoca e irremediável violação da Constituição é que se pode rejeitar, por inconstitucionalidade, uma proposta ou um projecto de lei.
3 - Ora a proposta em apreço é suficientemente explícita quanto ao seu objecto, sentido, extensão e duração. Ó Governo pede autorização para legislar sobre o regime de bens do domínio hídrico, com vista a diferenciar as várias utilizações do domínio hídrico, sujeitando-as a um regime jurídico; a estabelecer o processo de planeamento e da elaboração, aprovação e ratificação dos planos de recursos hídricos, a introduzir princípios do utilizador/pagador e do poluidor/pagador na utilização do domínio público hídrico. Pretende ainda o governo estabelecer coimas, para o que fixa os respectivos montantes máximo e mínimo.
É evidente o que o Governo poderia concretizado ainda mais o sentido e extensão da autorização ora solicitada. Poderia, mesmo, juntar o projecto do diploma que tenciona fazer aprovar no âmbito da presente autorização legislativa, mas a isso não era obrigado.
4 - Mas mesmo admitindo que a proposta de lei em apreço - hipótese que se formula apenas por motivos de ordem lógica - padeceria de algumas das imperfeições que nela vislumbrava o PCP a consequência nunca seria a sua Rejeição pelo o Presidente da Assembleia da República, pois, estando em causa
poderes originários do Parlamento, este sempre poderá conformar a autorização á sua vontade, introduzindo na proposta os aperfeiçoamentos ou adiamentos que entender. Se a Assembleia pode interpretar, modificar, suspender ou revogar a lei de autorização, obviamente enquanto está ainda estiver em vigor(ef. Jorge Miranda, in Funções, Órgãos e Actos do Estado, p. 478), por maioria de razão poderá modificar o texto do pedido de autorização apresentado pelo governo, antes de o transformar em lei.
5 - verifica-se, assim, que, ao admitir a proposta de lei em apreço, o Presidente da Assembleia da República fez o que, nos termos da Constituição e do Regimento, deveria ter sido feita.
Nestes termos deve o presente recurso ser rejeitado.
Palácio de São Bento, em 21 de Junho de 1993.

O Deputado Relator, Correia de Jesus.
O Presidente da Comissão, Guilherme Silva.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, nos termos do nº5 do artigo 139.º do regimento, vou dar, sucessivamente, a palavra para uma intervenção de duração não superior a três minutos, a representantes de cada um dos grupos parlamentares.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados. O parecer da comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre recurso, apresentado pelo meu partido que impugnava a admissão da proposta de autorização legislativa para habilitar o Governo a legislar sobre o regime de bens do domínio hídrico, em minha opinião, e sem ofensa para o Sr. Deputado Relator, ilude e escamoteia completamente a realidade e, diria mesmo é absurdo o ponto de vista da interpretação constitucional do preceito previsto na Constituição da República Portuguesa.
E ilude porque? Porque o Sr. Deputado Relator se vela que não está muito convencido do que afirma, na medida em que o «Governo poderia» - nos diríamos deveria - Ter, concretizado ainda mais o sentido e extensão da autorização ora solicitada» acaba por dizer que a proposta é suficientemente explicita quanto ao seu objecto sentido, extensão e duração.
Sendo assim, Sr. Deputado Relator, é capaz de explicitar, face á leitura proposta, o que pretende o Governo fazer quando diz que quer estabelecer o novo regime jurídico de utilização do domínio hídrico? Qual o sentido de utilização que se pretende aprovar? Qual a sua Compatibilização com o regime de utilização previsto no Código Civil?
O Governo Pretende legislar - refere a proposta de autorização legislativa - para diferenciar as várias utilizações do domínio hídrico e sujeita-las a um regime jurídico próprio. Tendo em cinta essa afirmação, Sr. Deputado Relator, é capaz de dizer a que regime jurídico próprio é que o governo pretende sujeitar a utilização do domínio hídrico a entidades privadas, que sentido, em que condições e em que termos é que o fará?
É que , Sr. Relato, estas questões não estão, nem de perto nem de longe inscritas na proposta de autorização legislativa. Esta é claramente uma proposta de autorização legislativa em branco, e muito gostaria que V, Ex.ª nos explicasse aquilo que isto é que a proposta, nos pontos referidos, revela claramente o sentido com que quer legislar.
Sr. Deputado Relator, esta proposta é exemplo de uma proposta de autorização legislativa em branco.

Vozes do PCP: - Aliás, também me parece absurdo que o Sr. Deputado Relator e a comissão que absurdo que o rio digam que não há qualquer problema porque, a qualquer momento, a Assembleia da República, caso uma proposta se apresente indefinida, pode definir o sentido dessa autorização ou da legislação quando o Governo não faz.
Acresce que, por esse caminho, esvaziava-se completamente o nº2 do artigo 168 da constituição, pois de hoje para o futuro, a fazer fé nessa doutrina, nenhuma proposta de autorização legislativa seria inconstitucional. È que em todas elas, por mais brancas que fossem, a Assembleia da República teria sempre oportunidade de alterar, definir o sentido da autorização que compete ao governo definir já que é ele que pede para legislar.
Esta Interpretação é completamente absurda e por isso Sr. Presidente e Sr. Deputados, entendemos que este parecer não deveria Ter seguimento e deveria ser rejeitado.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Correia de Jesus.

O Sr. Correia de Jesus (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A posição do PSD relativamente a recur-

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só interposto pelo Partido Comunista Português é a que consta do relatório aprovado na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Trata-se de uma posição que se desenvolve em dois planos lógicos distintos: num primeiro momento, defende-se que a proposta de lei do Governo contém um grau de concretização suficiente para que a Assembleia da República possa ter uma ideia sobre o que o Governo tenciona legislar relativamente a esta matéria. No entanto, o próprio parecer avança que, no caso de não ser esse o entendimento da Câmara, a solução não seria a rejeição da proposta apresentada pelo Governo' mas, sim, o seu aperfeiçoamento por esta Assembleia da República. E não reconhecemos que possa ser invocado algum argumento contra esta solução, já que a possibilidade de aperfeiçoamento não só decorre do facto de a matéria em causa caber nos poderes originários da Assembleia da Republicanas ainda da circunstância de a Constituição prever, e no caso concreto ser perfeitamente aceitável, uma situação de cooperação entre a Assembleia da República e o Governo.
Portanto, Sr. Presidente, a Conclusão que se retira é a de que V. Ex.ª, ao admitir a proposta de lei, procedeu correctamente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nesta conformidade, o recurso apresentado pelo PCP deve ser recusado, sem prejuízo de a Assembleia da República, por si ou em entendimento com o Governo, introduzir na proposta de lei os aperfeiçoamentos que considerar adequados.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A posição do Partido Socialista em relação a este recurso foi definida no nosso voto desfavorável ao parecer aprovado na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e garantias.
Na realidade, esta parece-nos uma proposta de autorização legislativa concebida exactamente nos termos que a Constituição pretende que não sejam observados, isto é; uma proposta que não informa acerca do sentido das intenções do futuro legislador. Na realidade, a utilização de fórmulas como «estabelecer o novo regime jurídico da utilização do domínio hídrico», «diferenciar as várias utilizações do domínio hídrico e sujeitá-las a regime próprio», «estabelecer o processo de> planeamento e da elaboração, aprovação e ratificação dos planos de recursos hídricos» são exactamente fórmulas brancas que hão dão a entender em que sentido vai ser utilizada a autorização pedida-a esta Assembleia da República.
Não tivemos, portanto, dúvidas no sentido de considerar que não estavam preenchidos os requisitos constitucionais, tal como não tivemos dúvidas em recusar o argumento de que sempre a Assembleia da República poderia, em' relação a uma proposta desta natureza, introduzir-lhe as concretizações indispensáveis para que ficasse cumprida a exigência constitucional. Na realidade, isso significaria, por um lado, esvaziar por inteiro o controlo de constitucionalidade e, por outro, salvar todas e quaisquer propostas por mais ineptas que elas se apresentassem a esta Assembleia dá República.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - Significaria, portanto, reduzir a zero a possibilidade de controlo destes requisitos introduzidos pela própria Constituição.
Reparamos, aliás, que o próprio relator não tem dúvidas sobre as insuficiências e as imperfeições da proposta governamental e trata apenas de introduzir um remédio excessivo, que o leva a salvar esta proposta proveniente do Governo, e que vai claramente para lá do pensamento constitucional.
Nestes termos, a nossa votação, em relação a este recurso, vai no sentido favorável, entendendo que não se encontram 'preenchidos os requisitos constitucionais de admissão da proposta de lei.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS entende também que o pedido de autorização legislativa não preenche os requisitos exigidos pela Constituição. Mas é de salientar que, tendo nós uma opinião negativa quanto ao parecer aqui apresentado, temos uma posição não crítica relativamente à atitude do Sr. Presidente, e que vou explicar.
Entendo que os poderes do Presidente da Assembleia da República em matéria de admissão de iniciativas legislativas não são uma mera questão processual mas mais do que isso. Porém, também entendo, e louvo, um Presidente da Assembleia da República que é cuidadoso na forma como introduz os seus próprios juízos sobre as iniciativas legislativas.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Se há iniciativas legislativas que o Sr. Presidente não deve admitir porque são frontalmente contrárias à Constituição - e lembro-me de uma, sobre a qual já escrevi, que seria a de apresentar, a meio do ano económico, uma iniciativa que implicasse aumento das despesas do Orçamento do Estado, essa V. Ex.ª, Sr. Presidente, não devia admitir por ostensiva violação de um preceito expresso da Constituição, também entendo que, entre essa violação clara e explícita e outras não tão claras, não tão explícitas, e que dão margem de discussão, o Sr. Presidente deve usar de cautela, sob pena de introduzir os seus valores, os seus conhecimentos e o seu próprio juízo, de especialista' neste caso, no debate e matar, porventura à nascença, iniciativas que são discutíveis e que merecem alguma atenção e algum debate.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador:- Entendo votar a favor do recurso do Partido Comunista, sem que isso envolva qualquer censura à decisão do Sr. Presidente da Assembleia da República.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... pelo contrário, entendo que ele é prudente no uso do seu poder, mas não concordo com os termos do relatório, designadamente a forma como classifica

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os poderes do Presidente da Assembleia da República nesta matéria e como trata a possibilidade de a Assembleia intervir supletivamente a corrigir o que falta nas iniciativas legislativas feridas á partida de inconstitucionalidade.

Vozes do CDS e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais pedidos de palavra.
Quero lembrar aqui o nº 2 do artigo 168 da constituição, que diz o seguinte: As leis de autorização, que diz o seguinte: As Leis de autorização legislativa» - as leis e não os pedidos - devem definir o objecto, o sentido, a duração[...]

O Sr. Guilherme Silva: (PSD): - Nós é que fazemos as leis!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, nos termos do nº 5 do artigo 139º do Regimento, vamos votar o parecer que acaba de ser discutido.

Submetido á votação , foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PCP, do CDS, de Os Verdes, do PSN e do Deputado independente Mário Tomé.

Srs. Deputados, vamos entrar na apreciação da interpelação nº 11/VI - Debate sobre política geral, centrada na acentuada degradação da democracia, na falta de transparência da vida política, e na crescente desprotecção dos direitos liberdades e garantias dos trabalhadores e dos cidadãos em geral (PCP)
Para a abertura do debate em a palavra a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: esta interpelação ao governo tem por objecto o estado de democracia em Portugal.
Trata-se de uma questão que ganhou crescente atenção no debate político e Social, como mostram, por exemplo, o debate sobre o segredo de estado ou o debate sobre a situação da vida democrática na empresa, profundamente afectada pela nova legislação, sobre o direito á greve.
Estas questões têm aparecido no debate político de forma casuística e não integrada. No entanto o resultado objectivo não se traduz numa simples soma aritmética de factores negativos, perigos e ameaças.
A Verdade é que o estado da democracia em Portugal tem paulatinamente, mudado; há em curso um processo de erosão da democracia em muitos sectores da sociedade portuguesa instalo-se o medo e a desconfiança; o exercício de direitos fundamentais é já visto como um acto de coragem quixotesca; a acomodação e o oportunismo aparecem despidos de qualquer reprovação moral, pelo contrário, aparecem como meios toleráveis, e socialmente típicos de ter êxito de trepar na escala e atingir os lugares de topo.
Esta democracia de medo é o resultado directo da acção política do governo em diferentes domínios. É o resultado de crescente policialização da vida nacional; da ofensiva contra a liberdade de imprensa; da criação e actuação dos serviços de informações como um polícia política; da crescente precarização da relação laboral e das limitações aos direitos fundamentais dos trabalhadores; da instigação de sentimentos racistas e xenófobos de uma prática política que privilegia o diktat em prejuízo do dialogo que prefere a autoritarismo e esvazia os mecanismos de participação popular e cívica; das práticas censórias que o governo quis legitimar e da proliferação da e fichagens e ficheiros sobre os cidadãos e o secretismo que os rodeia.
A esta democracia do medo junta-se uma outra pecha uma espécie de democracia de alcova que corresponde a esta situação de Ter uma qualquer promiscuidade com o partido no poder com o PSD, para poder obter um lugar na Administração Pública ou um deferimento rápido a uma qualquer pretenção. O PSD funciona já como uma espécie de União Nacional, com um poder de atracção que nada tem de ideológico ou pragmático. São o carreirismo, o oportunismo e o favorecimento ilícito que hoje constituem o denominador comum dos que, agora se encostam ao PSD erigido em partido de favores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Império da cidadania, tal como está configurado no projecto político subjacente á nossa Constituição, cede lugar ao autoritarismo e ao uniformismo impostos pelos critérios e interesses do partido no poder.
No centro da vida política deixa de estar o cidadão na pluralidade das suas aspirações para passar a estar o PSD e o seu projecto de poder tendencialmente exclusivo e absoluto; deixa de estar a sociedade e a expressão plural dos interesses das diferentes camadas que a integram, para passar a estar o Governo e a sua vontade política, entendida como gestão dos interesses públicos e colectivos para passar a estar o aproveitamento, a corrupção e a opacidade de processos e de fins.
A Responsabilidade por esta situação de degradação da democracia cabe, assim, ao Governo e ao PSD.

Aplausos do PCP.

Mas esta erosão da democracia não é um fenómeno lateral ou de conjuntura.
O autoritarismo, a governamentabilização, a policialização, a limitação da liberdade de imprensa, o cerceamento de direitos fundamentais, a ocupação abusiva e tentacular do aparelho de estado e todas as outras pressões desta degradação da democracia, servem a ausência do projecto político do PSD de absolutização do poder.
Com esta acção sistemática de degradação da democracia; o PSD visa espartilhar a oposição da política e social reduzir os sistemas constitucionais de fiscalização e controlo da sua actividade, tendo em vista a perpetuação no poder, como aprovam numerosos factos e processos da autoria do PSD e da sua responsabilidade que no seu conjunto constituem um irrespondível libelo acústico.
Analisaremos alguns dos mais significativos desses factos e processos. Analisaremos 12 factos que constituem 12 acusações que formulamos ao governo.
Primeira acusação acusamos o Governo e o PSD de governamentalização e centralização da vida política nacional e de condução de uma violenta campanha contra os órgãos superiores do Estado que não domina e, particularmente, contra aqueles que fiscalizaram ou controlam os seus actos e os da Administração Pública. A teoria das foças de bloqueio, lançada contra o Presidente da República contra a Procuradoria-Geral da República e conta o Tribunal de Contas é a escandalosa confissão pública

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da assumida conspiração do PSD contra os outros órgãos de Estado, tendo em vista deixar o Governo de mãos livres para prosseguir os interesses político partidários do PSD.

Aplausos do PCP.

O caso mais recente- dos ataques ao Presidente da República a propósito das notícias da imprensa sobre o que, eventualmente, se terá passado em determinado jantar privado - mostra que o PSD não escolhe meios para atingir os seus fins, mesmo quando esses meios violam a privacidade, se eregem sobre notícias especulativas e mesmo, que quebrem solidariedades.
Quanto à governamentalização, verifica-se em todos os sectores e domínios, desde a Assembleia dá República até às autarquias locais.
Os sucessivos vetos ao processo de regionalização, revelam um PSD que, na prática, se opõe à descentralização como forma democrática de organização do Estado.
Segunda acusação: acusamos o Governo e o PSD de pretenderem subverter o sistema eleitoral, criando, artificialmente, situações de maioria do PSD, mesmo com quebra de Votos, quer através do retalho oportunista dos círculos eleitorais, nas eleições da Assembleia da República, quer por indevidas majorações do voto para as câmaras municipais. Quanto à campanha para o voto dos emigrantes nas eleições presidenciais, o que o PSD pretende é fazer beneficiar um seu candidato das possibilidades que tem de manipulação do aparelho consular, procurando; assim, obter, fora do estrito respeito das regras democráticas, p controlo, que hoje, lhe escapa, do órgão Presidência da República...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Terceira acusação: acusamos o Governo e o PSD da ocupação sistemática do aparelho de Estado por pessoal do PSD e com base em exclusivos critérios partidários, criando o caldo de cultura onde medra o favoritismo e a corrupção.
E se há excepções, é sempre e ainda o interesse partidário do PSD a justificá-las. O bodo de lugares e sinecuras serve tanto para afilhados como para premiar defecções, esquecendo o velho exemplo de dignidade, segundo o qual Roma não paga a traidores.
Neste caldo, de, cultura desenvolve-se uma rede de compromissos, dependências e interesses que tornam inevitável a proliferação de fenómenos de corrupção. A corrupção aparece, como na Itália, não como um fenómeno conjuntural e exterior mas como um fenómeno sistémico e estrutural, resultado da crescente confusão entre o aparelho partidário do PSD e o aparelho de Estado, cada vez mais ocupado partidariamente.

Vozes dó PCP e do Deputado independente Mário Tome: - Muito bem!

O Orador: - Quarta acusação: acusamos, o Governo de transformar o Serviço de Informações de Segurança (SIS) numa verdadeira polícia política, ao serviço dos objectivos político partidários do Governo e do PSD, actuando numa escalada de ilegalidades, abusos e atropelas, que vão desde as acções de vigilância sobre actividades lícitas dos cidadãos, como sejam, manifestações de estudantes, trabalhadores ou agricultores, até às infiltrações, sob as mais variadas capas, incluindo a capa de jornalistas, o que, além do mais, se pode tipificar como um crime de usurpação de funções.

Vozes do PCP e do Deputado independente Mário Tomé: - Muito bem!

O Orador: - Com descarada cobertura governamental, o SIS ultrapassa o quadro legal que lhe está traçado e que é o de produzir informações para «prevenir a sabotagem, o terrorismo, a espionagem e a prática de actos que, pela sua natureza, possam alterar ou destruir o Estado de direito democrático».
O meu camarada António Filipe desenvolverá este tema, mas eu interpelo o Governo a dizer aqui como compatibiliza esta restritiva formulação jurídica com os abusos que vem praticando contra jovens estudantes, contra agricultores e contra sindicalistas 'e sé isto é ou hão pôr o SIS a funcionar como uma polícia política, a actuar contra os que se opõem legitimamente à política do Governo e que legitimamente se manifestam contra ela, no uso dos meios constitucionais e legais de que são inquestionáveis titulares

Aplauso do PCP e do Deputado independente Mano Tomé.

Quinta acusação: acusamos o Governo de criar na prática uma Administração fechada e secretista, hostil aos cidadãos e vedada aos jornalistas. Quero aqui citar o excelente trabalho realizado pelo Expresso, chamado «O Estado dos segredos», onde perguntas sem nenhuma carga opinativa e sobre matéria pública, como, por exemplo, qual é o orçamento dessa Direcção Geral não foram respondidas, como se se tratasse de informação estratégica e dela dependesse o bom nome do Prof. Cavaco Silva e de todos os ministros e directores-gerais' deste país de segredos. A falta de transparência atinge b inqualificável no projecto do PSD sobre ó segredo de Estado. Tal como está configurado, o segredo de Estado passa a ser a arma do segredo nas mãos do Governo, nomeadamente contra os jornalistas para calar escândalos e tudo o que possa macular o marketing governamental de boas acções. É a imposição da opacidade, sacrificando a transparência, regra essencial da democracia.

Aplausos do PCP e do Deputado independente Mano Tomé.

Sexta acusação: acusamos o Governo do propósito de cerceamento dá liberdade de imprensa e de limitação da independência e das garantias dos jornalistas.
Desde os anunciados projectos de revisão da lei de imprensa, passando pelos novos crimes e novas obrigações processuais constantes do Código Penal e Código de Processo Penal, passando por torpes processos de quase achincalhamento da profissão, como foi o caso do famigerado Regulamento da Assembleia, até à composição govenamentalizadora da Alta Autoridade para Comunicação Social e à extinção do Conselho de Imprensa, o jornalista e a sua liberdade tornaram-se alvos privilegiados do Governo e do PSD, alvos a atingir para limitar a sua capacidade de intervenção, de acesso às fontes e de denúncia.
O PSD não perdoa aos jornalistas terem investigado e trazido a público casos como o do Ministério da Saúde

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ou do Fundo Social Europeu não perdoa crítica e a denúncia não suporta o embate com uma informação séria e plural.
O desejo do PSD é o de uma comunicação social submissa ao poder, monocolor laranja, acrítica e temerosa.
O combate pela liberdade de imprensa é um dos mais duros combates que hoje se travam em Portugal em defesa da democracia!

Aplausos do PCP e Deputado independente Mário Tomé.

Sétima acusação: acusamos o Governo de permitir e até incentivar a concentração de empresas de comunicação social, ficando, assim, em risco crescente a liberdade e independência dos órgãos de comunicação social, no seu conjunto face ao poder económico.
O caso da Rádio Comercial é paradigmático. Com o encerramento, de um dia para o outro da Radio Comercial Norte e a intenção de despir a totalidade dos seus trabalhadores, o que aparece é o típico clima de permissividade e ilegalidade que faz o estatuto dos que acumulam poder económico sobre a comunicação social.
As principais vitimas são os jornalistas, o direito dos cidadãos á informação e á liberdade de imprensa. Aqueles cada vez mais com vínculos precários e sem alternativas num mercado quase em oligopólio, está cada vez mais vítima das chantagens, discriminações e prepotências desse senhores dos impérios dos média.
A minha camarada Odete santos desenvolverá também essa matéria.
Oitava acusação: acusamos o Governo da crescente policialização de ficheiros informáticos policiais.
È o que mostra por exemplo o recente caso da chamada lei anticorrupção, e a tentativa de subtrair do controlo da Procuradoria-Geral da República e entregar uma polícia funções de processo criminal que não lhe cabem.
Mas o mais grave é a proliferação sem qualquer controlo de paisanos e infiltrados, de ficheiros e indébitas interconexões informáticas, criando um submundo policial que tal com o Governo o desenvolve e ele se aproveita, tem os contornos de um big brother, que ameaça tanto a transparência da vida democrática como os direitos fundamentais do cidadão.

Aplausos do PCP.

Nona acusação: acusamos o Governo e o PSD de responsabilidades no crescimento se sentimentos de racismo e xenofobia na sociedade portuguesa.
É perfeitamente lamentável e indigno o que se tem vindo a passar neste campo Pressionando pela sua pressa de aparecer como um fiel amigo dos países da Europa que resolveram fechar as portas á imigração, particularmente da Alemanha e agora da França, o governo promoveu legislação que o restringe o direito de asilo e dificulta a entrada de estrangeiros e facilita a sua expulsão, ao mesmo tempo que toma medidas administrativas que fazem das comunidades de imigrantes, particularmente dos africanos de língua portuguesa, alvos de sentimentos africanos de língua portuguesa, alvos de sentimentos de desconfiança e de «ghetização».
O caso dos ciganos de Ponte de Lima e o chocante exemplo dos extremos de racismo a que está a conduzir esta política. A ausência de uma palavra clara de condenação por parte do Governo ou do PSD consubstancia uma espécie de cumplicidade que é ao mesmo tempo um triste sinal dos tempos!

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O Orador: - Nesse sentido, o PCP apresentou já um projecto de, lei e, agora, vai propor que a Comissão de Defesa Nacional, com a participação da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, promova a realização de um colóquio parlamentar sobre os direitos dos militares e a revisão do artigo 31.º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estes 12 factos acusatórios não esgotam, como é evidente, os casos de autoritarismo, de ilegalidades e de práticas antidemocráticas do Governo. Não abarcam, por exemplo, as práticas censórias, como as de que foi vítima José Saramago, ou a morosidade dos tribunais, que, na prática, nega aos cidadãos o direito à justiça, e muitos outros casos.
Mas os 12 factos acusatórios, no seu conjunto, mostram como, efectivamente, a democracia se degrada e como, sobre o regime democrático, se desenham mais ameaças. A par da degradação dos serviços públicos de saúde, segurança social, educação e habitação, ou da ausência de uma política de ambiente, ou do agravamento da crise económica, da progressiva destruição da agricultura e do processo de desindustrialização, a própria democracia política e o regime de liberdades e direitos dos cidadãos estão em situação de erosão continuada, num processo em que o cariz autoritário do Governo e do PSD emerge, cada vez mais, com maior clareza. A democracia política e as liberdades, Srs. Deputados, não se tomam por metade, nem se partilham com outros fins do Estado, têm um valor intrínseco, que a política governamental nega quotidianamente.

Aplausos do PCP.

Correu por aí que o Governo invocaria épocas passadas em que, na óptica do Governo, as liberdades não teriam sido respeitadas. Que quer o Governo com este argumento? Quer justificar com o passado, como o vê, os seus actuais propósitos e práticas antidemocráticas? É isto ou não uma forma de enfiar a carapuça?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Da nossa parte, com esta interpelação; questionamos, criticamos e combatemos esta política do Governo. Apresentamos propostas concretas com esse objectivo, algumas foram já anunciadas ao longo da intervenção, e agora anuncio uma outra.
Face ao que se tem vindo a passar com os serviços de informações de segurança(SIS) e à ausência de resposta dos responsáveis, anunciamos que o Partido Comunista Português propõe a realização de um inquérito parlamentar à actuação dos serviços de informações de segurança, designadamente contra estudantes, agricultores e sindicalistas, é sua conformidade ou desconformidade com a Constituição e a lei.

Aplausos do PCP.

O Orador: - As acusações estão feitas. Vejamos se o Governo é capaz de responder-lhes com a mesma seriedade e sentido democrático com que, da nossa parte, fizémos esta interpelação.

Ficamos à espera.

Aplausos do PCP, de pé, e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto.

O Sr. Ministro Adjunto (Marques Mendes): Sr. Presidente, Srs. Deputados: A presente interpelação é, a nosso ver, por paradoxal que possa parecer, uma iniciativa estranha e surpreendente, mas que pode significar, ao mesmo tempo, uma oportunidade útil e adequada.
Em primeiro lugar, uma iniciativa estranha e surpreendente, porque, partindo de quem parte e provindo de onde provém, não convence.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Conhecida a história e a prática do partido interpelante, em relação aos princípios da vivência democrática, os seus tradicionais enfadamentos estratégicos e internacionais e a sua pública incapacidade para a renovação face aos novos ventos da história, é legítimo desconfiar das reais e sinceras intenções da iniciativa e questionar, em relação aos seus autores, a credibilidade e a autoridade política para a abordagem do tema proposto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Estranha e surpreendente, sobretudo, porque, ao contrário de outros países, Portugal não vive uma crise política ou do sistema do Governo, as suas instituições democráticas e constitucionais funcionam normalmente, a estabilidade governativa adquiriu, aos olhos dos cidadãos, o estatuto de um valor instrumental, mas absolutamente decisivo e importante, e o País funciona, hoje, nos seus vários segmentos e estratos sociais, nas suas naturais tendências e conflitualidades, dentro da normalidade de uma sociedade moderna, aberta e plural.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Portugal é hoje um país em que o Governo governa, o Parlamento legisla e exerce a sua acção política fiscalizadora, os tribunais julgam de acordo com as suas competências próprias, os órgãos de investigação actuam normalmente e os restantes órgãos fiscalizadores do Estado agem e decidem sem limitações nem constrangimentos.

Aplausos do PSD.

As Regiões Autónomas e os seus órgãos 'de governo próprio funcionam normalmente, no desenvolvimento e aprofundamento de um conceito autonómico, de que muito 'nos orgulhamos, e que tem tido tradução pratica na crescente e constante valorização do bem-estar das populações insulares. As autarquias locais, por seu lado, cumprem a missão que lhes cabe, dentro de uma total normalidade, prestigiando o poder local, enriquecendo o regime democrático e contribuindo, de forma singular, para o inegável progresso colectivo que o País tem vindo a atravessar.
Neste contexto, falar de degradação da democracia, de crise política ou do normal funcionamento das instituições é miragem só perceptível por quem confunde desejos com realidades ou quem tem da acção política a noção teórica da criação de cenários, que, se são facilmente mediatizáveis, nem por isso deixam de exibir uma flagrante desadequação da realidade social concreta em que vivemos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Decididamente, mais parece que alguns partidos têm, ou inventam para o país as suas próprias crises, esquecendo que, quantas vezes, estão antes a projectar para o exterior as próprias debilidades as suas próprias nostalgias o próprio sentimento psicológico das crises, degradações, ou conflitos internos de que padecem.
Há também aqui os tradicionais inadaptados da estabilidade política que ateimam em não reconhecer que a moderação, a tolerância, o equilíbrio e a ilegalidade democrática são hoje, numa democracia estável e consolidada valores caros e importantes do povo português. Há pessoas e partidos para quem a lei só é boa se for feita por eles. Esquecem-se, no entanto de que a lei é legítima e democrática quando é democraticamente aprovada pelos órgãos legitimados para o efeito, como é o caso da Assembleia da República.

Aplausos do PSD.

Os direitos, liberdades e garantias cívicas e políticas dos cidadãos são respeitados, cumpre-se e cultivam-se, como designadamente, têm reconhecido várias instâncias nacionais e internacionais, suspeitas, na decorrência de exigências, que antes mesmo de serem postulados constitucionais, se assumem como imperativos de cidadania requisitos elementares da dignidade humana e pressupostos básicos de uma convivência ética, que não sofre, nem admite contestação. A este respeito só porque alguns insistem em não ver a realidade e relativamente á defesa dos direitos cívicos dos cidadãos face aos serviços de informação e segurança, gostaria de introduzir apenas um ponto. A legislação aprovada em 1984 é clara relativamente á fiscalização externa feita por magistrados designados pelo Procurador-geral da República. Comissão esta que integra três pessoas de idoneidade e competência comprovadas das quais duas são, hoje, da área do maios partido da oposição. Depois disto permito-me apenas sublinhar duas passagens do ultimo relatório dessa Comissão, apresentando e aprovando na Assembleia da República; que a dado passo, diz: O Serviço de Informações de Segurança e o Serviço de Informações Militares funcionam no respeito pela constituição e pelas leis que o regem, não tendo sido possível detectar qualquer violação dos direitos dos cidadãos. Não acrescento, por ora, nada mais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A sociedade civil afirma-se hoje como uma pujança que não encontra paralelo na nossa história recente, o estado tentacular e omnipresente do passado diminuiu drasticamente para dar lugar á livre iniciativa dos indivíduos, a capacidade de intervenção dos grupos sociais aumentou o modo significativo e a comunicação social sem pelas nem limitações a sua função.
Também no plano económico e social, os direitos e prerrogativas dos cidadãos têm vindo, nos últimos anos de forma gradual, mas crescente e continuada, a ganhar tradução prática e efectiva realização concreta.
Aí estão os múltiplos exemplos, a comprova-lo a generalização do acesso á educação, um maior espaço para a iniciativa privada, o aumento da protecção social dos mais carenciados, sejam os desempregados, os deficientes ou os reformados, a crescente afirmação das instituições particulares de solidariedade social.
Tudo exemplos, entre muitos outros que comprovam que, para nós, a democracia não é formal ou retórica, ela tem um conteúdo real, material, crescentemente vivido e sentido pelas populações.
Também a este respeito importa falar-se ao país com clareza sem hipocrisias. A democracia degradou-se e a descrença popular acentuou-se quando muitos do partido interpelante e não apenas dele discursos ocos e sem sentidos, pela política de terra queimada ou por uma absoluta incapacidade de acção, frustam expectativas, semearam desilusões e deixaram degradar - aí sim, há anos atrás e de que maneira! As condições de vida dos portugueses.

Aplausos do PSD.

È evidente que é clara a legítima, porem, a nossa ainda natural e permanente insatisfação. A insatisfação de quem se não conforma com os atrasos acumulados; o tempo perdido, os adiamentos consumados e as oportunidades desperdiçadas. A insatisfação de quem não se revendo no liberalismo puro e clássico, tem a noção que só o progresso colectivo, consistente e duradouro, dará cada vez mais, forma, sentido e conteúdos ás legítimas expectativas e exigências dos cidadãos. A Insatisfação de quem sente e acredita que o vasto caminho percorrido até ao momento, por obra, esforço e mérito que há ainda a fazer e a percorrer. A insatisfação que se alicerça, por isto mesmo, na ideia precisa de que a questão nuclear, hoje para os Portugueses não é - felizmente já - a questão da liberdade e da democracia. Estas - a liberdade e a democracia - estão, infelizmente, adquiridas e enraizadas. Fazem parte do nosso património natural de valores de princípios e de regras consensualmente assumidas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O orador: - A questão chave é assim, a do desenvolvimento, indissociavelmente ligada ao projecto do Portugal europeu , que o País assumi e abraçou por vontade própria e por opção livre dos Portugueses.
A insatisfação não é, porem, para nos sinónimos de resignação perante a recessão perante as dificuldades, de frustração perante as circunstâncias, de fomento do miserabilíssimos do fatalismo, ou da autocomiseração.
Em momentos como o que vivemos, de profunda crise internacional, que em larga medida, importamos, não basta reagir, é preciso também saber agir. Não basta denunciar ou alertar, é preciso também saber cultivar e alimentar a confiança, a auto-estima, e a esperança. Não basta lançar o dedo acusador, é, sobretudo preciso propor soluções, estreitar a solidariedade, a entreajuda e a cooperação. Valores este - os da cooperação e da solidariedade- que para serem genuínos, autênticos, verdadeiros, não funcionam apenas num único sentido e uma única direcção.
A depressão ou o cepticismo podem ser sentimentos aceitáveis e compreensíveis em certos momentos no cidadão norma, mas já não são toleráveis em responsáveis políticos, a quem incube, mais do que a qualquer outros, incutir confiança e sentido de futuro.
Quanto maior, ou mais elevada, for a responsabilidade, política que se tem, maior grau de exigência de uma conduta que contribua para mobilizar, estimular, desenhar horizontes e perspectivas de futuro.
Ao falar de degradação da democracia está-se, pois como é bom de ver no domínio do equívoco ou, talvez

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melhor, no campo dos que adoram e persistem na tentativa de criação de factos políticos artificiais. E manda a verdade que se reconheça que, hoje, já são vários, neste Parlamento, mas também fora dele, os exímios executantes desta nova forma de protagonismo, como agora se diz.
Pela nossa parte, não lhes queremos limitar a acção, a imaginação fértil, o jeito e a habilidade que exibem para confundirem a realidade com a aparência de realidade.
Também a estes o País julgará com o bom senso, o equilíbrio e o sentido das realidades, que é timbre dos Portugueses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A queda do muro de Berlim significou a falência definitiva e indisfarçável dos sistemas políticos que, a leste e durante décadas, privaram milhões de cidadãos de horizontes de progresso' e de' bem-estar,- agrediram por vezes, de forma' irreversível, o' património ambiental, governaram longe do povo e contra ele, mergulhados, quantas vezes, no lodo da corrupção.
A queda do muro de Berlim tomou, pois, ainda mais' clara a legitimação da democracia representativa, como o melhor dos sistema políticos; mas trouxe a este também novas exigências e responsabilidades.
Com o desaparecimento do referencial fictício, que era protagonizado pelos sistemas do socialismo real, forçado pela definitiva demonstração dos seus erros e ineficácia, a opinião pública ocidental pressiona agora as instituições e os poderes estabelecidos no sentido de serem encontradas reformas que aperfeiçoem os seus sistemas políticos e respondam a novas exigências e novos desafias.
Impõe-se, por isso, que também em Portugal, numa perspectiva séria, profunda e responsável e, sobretudo, com' algum sentido premonitório, se desenvolva o diálogo político e se mobilize a vontade interpartidária, para chegarmos a esse aperfeiçoamento do sistema democrático.
Por nós, já assumimos esse encontro com a história e o futuro sem condicionamentos nem inibições, porque as grandes questões do País e do regime não dispensam a frontalidade e a coragem de agir.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No contexto da reforma do Estado e do sistema político, assumimos, em primeiro lugar, como decisivo e importante, o objectivo de aperfeiçoar- os mecanismos de alcance, da estabilidade política.
Temos um sistema político-constitucional, que, objectivamente, não favorece a estabilidade. Por razões históricas e políticas bem conhecidas e, à época, eventualmente compreensíveis, o sistema político construído a seguir ao 25 de. Abril contém, dentro de si, o gérmen da instabilidade. Importa, por isso, aperfeiçoá-lo, com equilíbrio mas com determinação, fazendo da estabilidade' a regra e da eventual instabilidade a excepção, assumindo a maioria' política como elo caracterizador do sistema, com a mesma firmeza de convicções com que justificamos o respeito pelas minorias e pela proporcionalidade do sistema.
Propomo-lo com o à-vontade e a absoluta autoridade moral de quem, não obstante as exigências do sistema, já logrou obter duas maiorias absolutas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Propomo-lo, sobretudo, com a convicção firme e segura de que os superiores interesses do País assim o exigem e reclamam.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não pode existir obsessão partidária que, alguma vez, se sobreponha aos superiores valores do Estado e às maiores exigências da Nação.

Aplausos do PSD.

Não receamos, uma vez mais, as deturpações e as críticas, as acusações de falta de democraticidade ou as insinuações da tentação do poder absoluto. Essas são, normalmente, as respostas e as acusações de quem, não tendo real confiança na obtenção do poder, esquece igualmente o princípio sagrado de que ninguém tem o monopólio da verdade, nem ninguém é dono ou notário da democracia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No mesmo plano de resposta ao futuro e à modernização do sistema político ,se coloca a questão da governabilidade do sistema. É uma questão chave, em Portugal e lá fora, que não podemos, nem devemos, escamotear.
Sabemos bem que o poder político democrático é efémero, transitório e partilhado. Sabemos bem que assim é e não precisamos, por isso mesmo, que, seja quem for, tenha a pretensão de nos recordar, ou relembrar, esta regra elementar da democracia.
Fomos os responsáveis pelo sistema criado, pela definição de um modelo em que, a par dos órgãos, de base democrática e legitimidade política, coexistem um conjunto alargado de órgãos e instituições que controlam e fiscalizam,' nos planos constitucional, jurisdicional ou financeiro. Sempre respeitamos esse modelo, mas julgamos que o debate se deve travar e a discussão se deve fazer sem complexos nem preconceitos, sem inibições, nem falsas questões.
O que está em causa, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não é acabar com o modelo mas, sim, fazer com que o equilíbrio pensado e gerado não redunde em paralisia não desejada nem pretendida.
Nem sempre, a este respeito, á discussão se tem pautado 'por bases sérias e fundamentadas. Importa que a suspeição fácil é leviana dê lugar à discussão honesta e aprofundada.
Dizemo-lo com a convicção de quem pretende o equilíbrio do sistema e a partilha de poderes, mas não pode abdicar da governabilidade do sistema e do País e da clara destrinça entre o que é a legitimidade política e democrática daquela outra, fundada noutros valores e em fundamentos bem diversos.
Queremos legitimamente prestigiar o Estado e as suas instituições, combatendo todas as margens de imperfeição, confusão ou incerteza e sem nunca deixar de denunciar todos quantos, à míngua de outros argumentos ou razões, para inibir, condicionar ou desprestigiar, usam a legítima acção de outros órgãos ou entidades como arma de arremesso, político ou como instrumento de luta partidária contra, o poder democraticamente constituído e legitimado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Q Orador: - Mas o debate, Sr. Presidente e. Srs. Deputados, e o aperfeiçoamento, do sistema político não se devem esgotar aqui. É preciso curar da consagração do princípio e da exigência moderna de uma maior participação política dos cidadãos na vida política e da maior responsabilização dos políticos perante os cidadãos. A vida

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política e a sua intervenção cada vez esgotam menos aos partidos. Não que eles não sejam traves mestras da democracia mas, sobretudo, as exigências modernas de participação dos cidadãos e alguma, vulnerabilidade dos padrões originais da democracia representativa exigem e reclamam o aperfeiçoamento e, a reforma dos modelos clássicos e tradicionais.
O cidadão - importa reconhecê-lo - está algo distanciado do político. O eleito carece de estar mais próximo do eleitor. Responsabilização política tem de ser maior, mais real e efectiva. O espartilho partidário gera hoje em dia o efeito perverso da indiferença, do distanciamento e da apatia por parte do cidadão. Também aqui não nos atrasamos em relação ao futuro, o que se comprova com as iniciativas a que demos corpo para a revisão do sistema eleitoral.
Elas - as leis eleitorais - não são o único instrumento para fomentar a participação, para terminar com o espartilho partidário, tanto no plano local como nacional para fazer reganhar a crescente confiança dos cidadãos nas suas instituições, mas são, sem margem para dúvida um instrumento importante e determinante.
Também aqui, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é nossa profunda convicção de que nada fazer é retroceder. Também aqui o conformismo é sinónimo de paralisia. Também aqui não ver os defeitos será agravar os defeitos.
Também aqui concordar com o diagnóstico, mas recusar a terapêutica, será negar a dimensão do futuro.
Era tácito quem dizia «Sociedade decadente é aquela que não suportando os seu males, também recusa os respectivos remédios».
Julgo que nem o País nem os Portugueses querem nem uma coisa nem outra, porque ambicionam legitimamente a modernidade e querem ousar o futuro.

Vozes do PSD: - Muito Bem!

O orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados. Ao terminar, só mais duas palavras: estas outras
Questões, como a do reforço da transparência no exercício da vida política, que cultivamos e temos dado mostras disso mesmo, a da redefinição futura do papel do estado na regulamentação da sociedade e da acentuação dos novos direitos atinentes á maior protecção dos cidadãos face ao estado, são hoje, sê-lo-ão cada vez mais amanhã, questões de fundo do nosso debate político e exigências a Ter em conta num futuro não muito distante.
Seria grave, a nosso ver e a este respeito, que não aprendêssemos com as lições do passado, sobretudo com a lição dos sete anos perdidos - desde a revisão constitucional de 1982 até á data de 1989 -, quanto á revisão do sistema económico construído no pós 25 de Abril, consabidamente caduco, obsoleto, ineficaz e desajustado da realidade.
Ao contrário do que alguns possam pensar, não são questões que apenas, ou sobretudo, interessam aos partidos político. Elas dizem respeito, acima de tudo, ao país, aos cidadãos, ao prestígio das instituições, á designação do estado e á modernização em Portugal.
Temos direito, mas sobretudo o dever, de pensar, perspectivar e preparar o futuro; temos o dever e a obrigação de não comprometer nem defraudar as expectativas dos cidadãos.
Um estado democrático forte não é um estado grande e muito menos um estado autoritário; é antes, um Estado prestigiado e dignificado aos olhos dos cidadãos. É esse também, é cada vez mais, o nosso objectivo - um Estado do moderno e uma sociedade desenvolvida.
Portugal merece-o! OS portugueses exigem e merecem que assim seja!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente inscreveram-se a pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Silva marques, Guilherme Silva, Manuel Alegre Costa Andrade e Manuel Sérgio.
Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados João Amaral, parece-me bem claro que apesar dos seus esforços em compor um ar muito avisado, não participou no jantar do Avis e que nem sequer foi convidado para o café. Os seus esforços não conseguiram ocultar a triste condição de quem, quando muito foi mandado para a cozinha comer um «prato requentado»; a tese da dissolução da Assembleia da República a partir da argumentação da degradação acentuada da democracia. Convenhamos, porem, que o facto de ser admitido na cozinha para comer um prato requentado já é apesar de tudo um privilégio.

Risos do PSD.

O Sr. Raúl Rêgo(PS): - Você pega nele?

O Orador: - A sua intervenção, em bom rigor constitui uma acusação a quem pela sua natureza, é o garante do bom funcionamento das instituições e dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Ou seja, trata-se mais de um ataque ao Sr. Presidente da República, aos magistrados e os tribunais do que propriamente a nós.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O orador: - O Sr. Deputado sabe muito bem que não confundimos questões políticas com garantias dos cidadãos nem com divergências com o Sr. Presidente da República as quais temos o direito e a obrigação de exprimir com respeito. Compare a nossa postura com outras atitudes: já mais nos passaria pela cabeça troçar do mais alto magistrado da nação em Portugal ou no estrangeiro. Jamais!
Porque o nosso sentido de Estado impedir-nos-ia instintivamente de tal dislate.
Sr. Deputado, repare na triste figura que acabou de fazer, o líder do Partido Socialista e no entanto pertence ao campo político de que se reclama o Sr. Presidente da República; contraste, veja quem é capaz de manter pública; compare, contraste, veja quem é capaz de manter o rigor do debate político com frontalidade, sem transigências, como é nossa, mas dentro o do quadro do respeito pelas instituições que todos devemos ter e sustentar.
O Sr. deputado João Amaral, diz que estamos a transformar a Administração Pública, e não só, num estado «Laranja»

O Sr. Presidente: - Queria terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino imediatamente, Sr. Presidente. Não faça essa afirmação, Sr. Deputado, porque ainda está fresco, na nossa memória, o vosso domínio político que levou milhares de portugueses, colaboradores da ditadura e do fascismo, a colaborarem diligentemente com o Partido Comunista Português sob pena de perderem os seu empregos.

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Repito: esse passado ainda está demasiado fresco, na memória de todos nós e o Sr. Deputado sabe muito bem que os mais diligentes colaboradores da ditadura se transformaram repentinamente nos mais diligentes colaboradores do Partido Comunista Português numa altura em que não havia independência dos tribunais nem liberdade.

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado, sabe por razão o Partido Comunista Português já não pode despedir sem justa causa como fazia ainda há alguns anos? Porque essa possibilidade «despediu-se» a si própria, abriu falência, 'de que lhe recordo o exemplo do jornal O Diário.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Marques, o Partido Comunista Português ,e eu, na intervenção que produzi, procurámos apresentar com seriedade questões que são preocupantes no seu conjunto para a democracia portuguesa.

O Sr. António Filipe (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Silva Marques não se referiu minimamente às acusações que formulei nem ao conjunto de questões que levantei e para as quais o Partido Comunista Português, através desta interpelação, suscitou um debate na Assembleia da República.
Como o Sr. Deputado não o fez e porque entendo que este debate deve ter' a seriedade que estas questões merecem, não vou optar pelo tipo de considerações e dê comentários que provavelmente desejaria provocar.
Responderei com seriedade, individualmente, a todos os Srs. Deputados sobre questões relativas ao tema em apreciação e desafio V. Ex.ª a terem a mesma seriedade que demonstrei na minha intervenção de abertura - na convicção de que estamos a tratar de uma questão importante para a democracia portuguesa.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, já aqui foi dito, mas é bom repeti-lo, que o PCP é o último partido que pode invocar a menor legitimidade política e moral para promover um debate desta natureza.
A história ainda recente, que todos temos presente, do Partido Comunista Português, a sua forma radical afecta a linhas totalitárias que só a queda do muro de Berlim fez finalmente cair, o seu posicionamento, mesmo no quadro ideológico em que se situava, perante aberturas que iam surgindo por aqui e por ali, como as do euro comunismo a posição de ataque à pèrestroika a posição de apoio aos ultras que tentaram travar a pèrestroika e fazer cair Gorbatchev retiram ao Partido Comunista Português a menor legitimidade para um debate desta natureza. Foi maculado aquilo que V. Ex.ª referiu há pouco, que gostava que este debate fosse sério...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - O Sr. Deputado não é capaz de ser sério?

O Orador: - ... mas, infelizmente, a sua origem impede-o.

É muito simples a razão por que V. Ex.ª promovem um debate destes. Na verdade, não têm alternativas às políticas do Governo nem motivos para as atacar. Assim, com esta derivação, tentaram criar um determinado espectáculo político.
Todos temos presente a autenticidade demonstrada, nesta matéria, pelo Partido Comunista Português quando tentou desviar a genuinidade do 25 de, Abril para a aventura totalitária do gonçalvismo. Temos bem presente essa situação concreta com que o PCP continua a identificar-se.
Sr. Deputado João Amaral, de acordo com o direito constitucional comparado, a nossa Constituição é aquela que mais amplamente consagra os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e a nossa estrutura constitucional a que melhor garante os sistemas de fiscalização do respeito desses direitos, liberdades e garantias, e V. Ex.ª sabe muito bem que é assim.
O Sr. Deputado referiu-se à actuação dos Serviços de Informações .da República com finalidades políticas e, portanto, fora do quadro para que legalmente estão constituídos. Já no passado o Partido Comunista Português fez dela eco e, por também ter sido referenciada por outros sectores, foi levada à Comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais,. Direitos, Liberdades e Garantias. Nela ouvimos o conselho de fiscalização dos Serviços de Informações, como há pouco dizia o Sr. Ministro Adjunto, cuja composição envolve.

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente duas figuras da oposição e uma do partido maioritário.
Nessa altura, de acordo com a indagação feita, esclareceu a referida Comissão que não havia o que também foi repetido no relatório, qualquer restrição aos elementos solicitados, pois os vários membros do Governo da área respectiva assim como os serviços forneceram todos os elementos solicitados. Assim, foi possível concluir cabalmente não haver qualquer desvio ou ofensa aos direitos fundamentais, o que V. Ex.ª veio aqui repetir.
A questão que desejo colocar-lhe, concretamente, é a seguinte: estão V. Ex.ª e o seu partido disponíveis para voltarmos a receber, a este respeito, a referida comissão de fiscalização na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e, consoante o resultado dessa audição, informar; na minha companhia, os órgãos de comunicação social dos factos apurados por esse serviço de fiscalização? É este o desafio que lhe deixo!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva a questão que colocou no sentido de a Constituição da República Portuguesa consagrar amplamente direitos, liberdades e garantias é rigorosamente verdadeira, mas a verdade é que a política que o PSD e o Governo põem em, execução viola o espírito da Constitui

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de questão portuguesa não é como o Sr. Ministro, a dos inadaptados da estabilidade.
A nossa questão, que já é velha, tem a ver com aqueles que com demasiada facilidade se adaptam ao uso e abuso do poder. Essa é que é a grande questão!

Vozes do PS: - Muito Bem!

O Orador - Em meu entender, para o PSD só há uma legitimidade a que funda a sua própria maioria. E é desse conceito pervertido que nascem a teoria perversa das forças de bloqueio e outras perversões.
Nós partilhamos muitas das preocupações aqui manifestadas e pensamos que realmente, há sinais preocupantes de perversão e de desvirtuamento no funcionamento da nossa democracia. Há pressões, há chantagens sobre outros órgãos de soberania no exercício das suas funções, nomeadamente na de fiscalização e de separação de poderes, um princípio básico da nossa democracia.

O Sr. Duarte Lima (PSD) : - A chantagem é a dissolução da Assembleia.

O Orador: - Estamos á vontade neste debate porque sempre defendemos os princípios básicos da democracia, antes e depois do 25 de Abril, todas as situações. Não nos consideramos donos da democracia, não pretendemos ter o monopólio da verdade, mas contestamos isso sim, aqueles que pretendem Ter sempre a certeza aqueles que nunca têm dúvidas e que nunca se enganam.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - para responder, tem a palavra o Sr. deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. deputado Manuel Alegre, evidentemente que um debate sobre o estado da democracia em Portugal é oportuno pela conjuntura e pelas circunstâncias em que a política do Governo se tem repercutido negativamente sobre a democracia política. Mas estou inteiramente de acordo que este não é o debate sobre a legitimidade, para intervir numa matéria como esta, dos parceiros que aqui estão dos sujeitos políticos presentes na Assembleia.
Mas também lhe posso dizer Sr. Deputado Manuel, que, se fizéssemos, esse debate, seria com inteira legitimidade que o PCP nele intervinha, com a legitimidade de quem lutou pela liberdade em todas as condições e circunstâncias.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A questão, que aqui está colocada é a forma como o problema tem sido levantado pelo PSD e pelo o Governo são «desculpas de mau pagador» pois não são mais do que tentativas para desviar o centro do debate, procurando nas formulações críticas, que possam fazer sobre o passado e que não estão em discussão, uma desculpa para o seu próprio presente de negação das liberdades da democracia.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

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O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral confesso que ouvi com relativa indiferença a intervenção inicial deste debate, indiferença justamente motivada pelas contradições, imprecisões e deturpações grosseiras de alguns actos normativos, mas acabei por ser chamado ao debate mais activo pelo último apelo que o Sr. Deputado fez na sua intervenção, em que acabou por apelar para a seriedade e para o sentido democrático do Governo e da maioria.
Naturalmente que este apelo não pode ficar sem uma resposta e, tomando a sério este apelo à seriedade penso que a primeira coisa que devemos fazer, é questionarmo-nos sobre o que é que estamos aqui a discutir. Daqui, a alguns anos, quando for relativamente curta a distância que separa 1993 de 1995, quando as distâncias se tornarem relativas, de certa maneira o futuro nos questionará sobre a gramática comum aqui em causa.
Quando se discute democracia, o que é a democracia? Quando o Partido Comunista Português inicia aqui um debate sobre a democracia e sobre a' liberdade, há uma gramática comum entre o PCP, democracia e os democratas? Nós bem sabemos que há democracia em Portugal contra um passado do PCP, que há democracia e liberdades em Portugal e que há liberdade parlamentar porque o PCP não teve possibilidade nem força para perpetuar o cerco a esta Casa, numa altura em que se discutia e fundamentava a democracia.

Aplausos do PSD.

Nós sabemos isto! Mas talvez não valha a pena insistir sobre o passado e talvez devêssemos lançar ao PCP uma pergunta séria e com sentido democrático o que é a democracia para o Partido Comunista Português? É o seu partido, Sr. Deputado João Amaral, ainda comunista? Chamar-lhe comunista leninista, com todas as suas implicações, é hoje ofensivo? Se não é ofensivo, quais as implicações disto para a vivência democrática? Será, que, Partido Comunista Português já se converteu às liberdades do Estado de direito democrático? Muito gostaríamos de ouvir dizer que sim, mas a verdade é que a sua intervenção, Sr. Deputado, foi negação de tudo isto. O modo como o Sr. Deputado, por exemplo, colocou a questão da liberdade de imprensa e a hipocrisia com que tentou adular os jornalistas elucidam bem o que acabei de referir.
Com efeito, do mesmo passo que fala da liberdade de imprensa, do mesmo passo ergue o garrote para' dizer que houve notícias especulativas, que, de certeza, não convinha à sua intervenção que fossem consideradas. .Se o PCP tivesse o poder, essas notícias especulativas e os jornalistas seus autores seriam seguramente castigados, nós termos em que um partido comunista leninista, se ainda o é, castiga a liberdade de imprensa.
Uma outra questão que importa referir, com desassombro e corri toda a coragem, tem a ver com a chamada conflitualidade da sociedade democrática. O' Estado de direito e a sociedade aberta são, no fundo, uma sociedade de conflitualidade. As posições conflituais são muitas vezes assumidas por órgãos de soberania diferentes. Importa aceitar isto com toda a clareza. E do, mesmo passo que, há que legitimar a competência dos diferentes órgãos de soberania, em nome da conflitualidade e da pluralidade, há que reservar aos órgãos de soberania designadamente a esta Assembleia e ao partido maioritário,' a possibilidade; de intervir na conflitualidade, de discordar, respeitando
abertamente o exercício dos, outros órgãos de soberania, porque estamos numa- vivência democrática, em conflitualidade, e nunca calarão, por mais que usem palavras como chantagem, por exemplo, as ideias que temos, as posições que assumimos, as linhas que levamos à conflitualidade. Levá-las-emos sempre, mesmo que pelo caminho encontrem posições, ideias e interesses, divergentes, encabeçados e protagonizados por outros órgãos de soberania.
Termino com uma pergunta, Sr. Deputado: o que faria e, o que é que b Sr. Deputado se proporia fazer em homenagem ao seu nome e à essência do seu partido, que parece que ainda é leninista, em relação aos jornalistas que especularam è quebraram a solidariedade e puseram no ar notícias que, tudo leva a crer, foram verdadeiras mas inconvenientes?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral(PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Costa, Andrade, começou por dizer que ouviu com relativa indiferença a minha intervenção. Tem todo o direito de ser mal-educado, reconheço-lhe inteiramente esse direito, até porque é típico de si, embora não honre muito a Escola ou melhor, a Universidade de onde vem. O senhor é mal-educado! Isso é um facto!
Quanto à questão que colocou, sobre o que é a democracia para o Partido Comunista Português, a resposta é de uma simplicidade enorme. Para nós, o projecto de democracia política e o catálogo de direitos, liberdades e garantias inscritos na Constituição é, na prática o nosso projecto. É aquilo que pensamos estar correcto e, por isso, o incorporamos no nosso programa relativamente à democracia avançada para o século XXI.
Consideramos que a democracia é simultaneamente política, social, económica e cultural, mas entendemos e afirmamo-lo com clareza - que a democracia política e as liberdades tem valor intrínseco, insubstituível, pois são um bem essencial que o povo português conquistou com muitas dificuldades e que urge preservar.
O Sr. Deputado perguntou, com a sua má educação típica, se ainda poderia falar do partido comunista leninista. Devolvendo-lhe essa sua má educação, respondo-lhe com outra pergunta: pode falar-se de partido social democrata? Pode falar-se de um partido que escreve a palavra «social» e, ao mesmo tempo, na sua prática política, nega os direitos dos trabalhadores? Pode falar-se de um partido que tem na sua designação a palavra «social» e que na pratica quer acabar com as reformas?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Pode falar-se de um partido «social» que acaba ou «diminui as prestações de saúde? E pode falar-se de um partido democrata - já que colocou as questões nesses termos, com a sua especial má educação - que pratica e põe em execução a prática política que eu já há pouco denunciei? Que, por exemplo, em relação aos Serviços, de Informações os transforma numa polícia política? Que, por exemplo, em relação ao funcionamento do regime, considera que o exercício da actividade de fiscalização por parte dos outros órgãos do Estado corresponde ao bloqueio da actividade do Governo? Que quer perpetuar, através da manipulação do sistema eleitoral, o PSD no poder? É este um partido social democrata?

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Ó Sr. Deputado, estamos entendidos em matéria má educação. O Sr. deputado é mal educado e merece as considerações que lhe fiz.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. deputado Costa
Andrade.

O Sr. costa Andrade(PSD): - Sr. Presidente, gostaria de tornar público que não usarei o direito de defesa de honra porque nunca pensei que chamar comunista ao partido daqueles senhores fosse considerado má educação. Não ofendem quem quer. Portanto, não me sinto ofendido!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral(PCP): - Sr. Presidente, gostaria de dizer que não vou usar a figura regimental de defesa da honra em relação a esta interpelação porque não me senti ofendido pelas considerações que o Sr. Deputado fez acerca da designação do meu partido.
Quando me referi á má educação situa-se naquilo que é relacionado normal entre Deputados e porque o Sr. Deputado afirmou que ouviu a minha intervenção com indiferença. E volto a repetir, o Sr. Deputado é mal educado!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.

O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, a legitimidade deste debate não se discute. O debate é próprio cerne da democracia. Mas Sr. Deputado João Amaral falou de uma crise é sectorial porque é global, e dialecticamente toda a crise é global porque é sectorial.
Ora pergunto-lhe qual o projecto de sociedade que subjaz ás suas críticas
? Sabemos que o PSD e o PS mais ou menos se confundem.

Risos do PSD e do PS.

Eu já sabia que os senhores não gostavam, mas esta é a minha convicção.
Sei, pois, que se confundem, uns são da Social-Democracia, outros do socialismo democrático, e, em francês macarrónico, poderia dizer-se: c'est la meme chose!
O CDS representa a neoliberalismo, sabemos onde quer chegar.
Pergunto ao Sr. Deputado João Amaral qual o radical fundante, ideológico ou doutrinário que enforma a prática política do PCP. Faço esta pergunta para que o PCP não se transforme aos meus olhos em oposição pela oposição. Ser-se oposição é uma forma de participação no governo do País. Mas quando não subjaz á crítica uma visão global do homem da sociedade e da história, a oposição deixa de ser feita ao governo para passar a ser feita ao País. Isto porque a oposição perde a transparência de uma alternativa válida, pensada e pensante.
Requestiono portanto o Sr. Deputado João Amaral. Qual o projecto de sociedade que subjaz ás críticas até muitíssimo bem elencadas - feitas pelo Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio, não nos limitamos a fazer uma crítica á actuação política do Governo do PSD.
Afirmamos um projecto, que se consubstancia no programa que temos e aprovámos em congresso. Esse programa consubstancia um projecto concreto de democracia política social, económica e cultural com contornos definidos.
Aliás, terei muito gosto em lhe dar esse programa para que possa analisa-lo. Não obstante, quero referir-lhes alguns traços relacionados com a discussão que aqui estamos a travar.
O nosso projecto é de clara afirmação dos direitos liberdades e garantias dos cidadãos e dos trabalhadores, um projecto onde no que toca ao funcionamento das instituições democráticas, a regra da representatividade é de ouro; onde a expansão plural na comunicação social, nos órgãos de estado, nas diferente instituições deve ser assegurada á outrance um projecto de tolerância de uma sociedade aberta, transparente. Isto em relação ás questões que foram colocadas no decurso desta interpelação. Mas como já disse, terei muito gosto em lhe dar o programa para que possa Ter uma ideia mais completa daquilo que propomos e defendemos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminados os pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado João Amaral, concluímos esta parte do debate.
Uma vez houve pedidos de defesa da hora pessoal e da bancada, poderão ser agora formulados. Sr. Deputado Almeida Santos desistiu da inscrição que tinha feito para esse efeito.
Sr. Deputado Guilherme Silva, tem a palavra para defesa da sua hora pessoal!

O Sr. Guilherme Silva: (PSD). - Sr. Presidente também desisto da sua inscrição que fiz.

O Sr. Presidente - Então, vamos passar aos pedidos de esclarecimento á intervenção do Sr. Ministro Adjunto para o que se encontram inscritos os Srs. Deputados Ferreira Ramos, António Filipe, Almeida Santos, João Amaral, Carlos Oliveira, Odete Santos e Manuel alegre. Para esse fim, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. ferreira Ramos (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, quero fazer-lhe uma curta pergunta, acreditamos até na sua intenção sincera de dilucidar algumas confusões e incertezas relativas á falta de transparência na vida democrática, que a meu ver, é preocupante. Gostaria de saber a sua opinião acerca do entendimento que existe por parte de algumas pessoas de que pessoas do seu partido entendem, por vezes, que o PSD, Governo e estado se resumem á mesma realidade.
Solicito-lhe ainda a sua opinião acerca das seguintes afirmações feitas por um seu colega do Governo. [...] aos Governos compete ajudar as populações independentes das suas escolhas [...] Até aqui obviamente, creio que teríamos a aprovação unânime desta afirmação. A segun-

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da parte é um pouco mais estranha e levanta alguma névoa sobre a transparência: «[...] mas, naturalmente, se a câmara for PSD, o Governo poderá ajudar muito mais.» Deixe-me ler-lhe outro excerto de uma notícia não desmentida e que reza da seguinte forma: «[...] foi oferecido ao autarca um cargo importante e bem remunerado numa empresa ligada ao gás natural. A troco de quê? A troco da sua não recandidatura à câmara.»

O Sr. Duarte Lima (PSD): - São boatos!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto.

O Sr. Ministro Adjunto: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferreira Ramos, um dos aspectos que considerei importante relevar, do ponto de vista do debate político, presente e futuro, é a questão da transparência no exercício da vida política e no Estado. Considero-a uma questão actual, presente e com uma grande acuidade para o futuro. E a esse respeito, se me permite, quero apenas acrescentar ao meu pensamento o seguinte: julgo que as iniciativas apresentadas oportunamente, entre elas as que foram apresentadas pelo partido da maioria, mas não só, podem ser contributos úteis para um debate político sério - que deve ser feito -, para um consenso tanto quanto possível alargado, que possa estabelecer-se, desde que tenhamos em atenção que assegurar e reforçar a transparência da vida política e do Estado é, do meu ponto de vista, um imperativo ético, cívico e de cidadania.
Se estamos totalmente de acordo no plano dos princípios, gostaria que, com a mesma elevação e seriedade que quis dar às palavras que proferi, este tema - que vai ser oportunamente discutido por esta Câmara e pelo País - fosse abordado com a seriedade e o sentido de responsabilidade que ele exige. Sobretudo porque considero que qualquer acção visando denegrir a vida política, a acção dos políticos e a acção política pode fundamentar a política da terra queimada, mas é um caminho muito perigoso e que pode conduzir a um caminho sem regresso.
Nada disto, evidentemente, pode assacar-se - nem o estou a assacar - seja a quem for. Estou a fazer afirmações de princípio, que considero fundamentais. Mas, sobretudo, penso que também aqui, ainda no plano geral e dos princípios, é importante sublinhar e distinguir entre as leis que são feitas para o País, para as instituições, o reforço da transparência e da dignidade das instituições e as intenções que alguns às vezes têm de fazer leis contra qualquer coisa. Espero que, também nesta matéria, o debate político decorra com franqueza, serenidade e elevação porque é algo importante para todos.
Posta esta questão no plano dos princípios, não vou deixar de lhe responder às questões que coloca. Para nós, como temos dito, reafirmado e demonstrado, o partido não se confunde com o Governo, e se quiser discutimos essas questões.

Protestos do Deputado António Campos, do PS.

O Orador: - A respeito do tratamento com as câmaras municipais, temos dito, reafirmado e provado que, no plano partidário, lemos os objectivos que todos conhecem.

Risos do PS.

Mas, no plano governamental, lemos claramente a convicção, a experiência e a acção de ratar as várias autarquias no mesmo clima de isenção, de imparcialidade, separando com clareza a dimensão partidária da nacional.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, peco-lhe que conclua.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

Existe sempre esta tentação. Quantas vezes os partidos da oposição dizem que privilegiamos as câmaras de maioria social-democrata. Se for às sedes partidárias dir-lhe-ão exactamente o oposto.
Sr. Deputado, respondo-lhe de uma forma muito directa Não conheço as notícias de jornal de que me fala. Não vou fazer, de resto, como às vezes se faz: dizer que os jornais inventaram. Não sei se elas são ou não verdadeiras. Quanto aos desmentidos, quantas vezes as afirmações não são desmentidas. Não obstante, quero dizer-lhe, aqui, com toda a clareza e veemência, o seguinte: se a afirmação, por hipótese, fosse verdadeira, no sentido de que o Governo privilegia a ajuda ou o apoio às câmaras sociais-democratas - o que, sinceramente, não acredito-, teria de lhe dizer que discordo, clara e frontalmente, dela.
Passo agora à última questão, sobre o assédio de autarcas, seja para que eles se não recandidatem ou dirigido a autarcas de outros partidos. Já exprimimos, várias vezes e publicamente, a nossa posição a esse respeito. Não estamos a fazer assédio a autarcas de outros partidos, a oferecer benesses ou privilégios para obter este ou aquele resultado. Temos, naturalmente, a nossa acção política no domínio partidário, que respeitamos. Mas hoje assiste-se, e tenho de o reconhecer publicamente, ao facto de muitos autarcas quererem passar para o nosso campo e a muitos outros, dos partidos da oposição, que gostam de usar a ideia de que estão a ser assediados pelo partido do Governo, provavelmente para ganharem maior espaço de manobra dentro das próprias organizações partidárias.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro Adjunto, a questão que lhe vou colocar relaciona-se com a incompatibilidade que vejo nas palavras que acabou de proferir daquela tribuna e o sucedido nesta Assembleia, a altas horas da noite passada: a aprovação, na especialidade, pelo PSD, de uma iniciativa legislativa sobre segredo de Estado. O que foi aprovado esta noite e que aí virá, se chegar a entrar em vigor, é uma verdadeira nódoa no regime democrático, que visa, justamente, instaurar um Estado de segredo, com o claro objectivo de o Governo poder impedir o conhecimento público dos escândalos em que, diariamente, se envolve.
Como é concebível, Sr. Ministro Adjunto, que todos os ministros e até os presidentes dos Governos Regionais possam classificar um vastíssimo conjunto de matérias, enumeradas através de exemplos padrão, como segredo de Estado? Como é concebível a existência de uma disposição, como a que ontem foi aprovada pelo PSD, segundo a qual os detentores máximos do segredo de Estado, que possuam elementos de prova da prática de crimes contra o Estado, podem não os comunicar às entidades competentes para a investigação criminal? Isto, segundo se diz, para salvaguardar a segurança do Estado!
Pergunto-lhe, Sr. Ministro Adjunto, quem, melhor do que as entidades competentes para a investigação criminal, pode salvaguardar a segurança do Estado contra a

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prática de crimes: Quais são os meios que os detentores do segredo dispõem para salvaguardar a segurança do; Estado contra a prática desses crimes, para além das entidades competentes para à investigação criminai?
Sr. Ministro, essa posição é muito grave, na medida em que atribui aos detentores máximos do poder político o poder para ocultar provasse 'que; disponha quanto à prática de crimes contra o Estado!
'Sr. Ministro, quero abordar ainda _a questão da fiscalização do segredo de Estado. O que aqui foi proposto e aprovado exclusivamente pêlo PSD é que exista uma comissão de fiscalização do segredo de Estado, para a qual o PSD se reserva o direito de, para além de Indicar o seu. representante, ser ele também a indicar/o representante da, oposição, o que é absolutamente absurdo e corresponde a uma inviabilização muito grave dos direitos da oposição facto totalmente incompatível com qualquer fiscalização eficaz do regime de segredo de Estado.
Sr. Ministro, se esta iniciativa legislativa vier a ser em definitivo, aprovada e vier a entrar em vigor, pudemos considerar que é uma «lei da vergonha» para o regime democrático é ,um exemplo dos mais elucidativos da forma autoritária' como o PSD pretende exercer o poder, e de como efectivamente o exerce" apesar das bonitas palavras que o Sr. Ministro proferiu dá tribuna.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr: Ministro Adjunto.

O Sr. Ministro Adjunto: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, vou ser muito breve. A lei do segredo de Estado não foi ainda aprovada pela Assembleia da República. Terá sido, eventualmente aprovada ria Comissão, no dia de ontem. O Sr. Deputado usa, aqui, a habilidade, que caracteriza o seu partido: discorda desta lei, mas discordaria também, provavelmente, de qualquer outra lei independentemente do seu sentido. Portanto, ainda que ela não esteja aprovada - como não está -, V. Ex.ª está sempre, de uma forma recorrente e requentada, a levantar as mesmas questões que já foram levantadas várias vezes. Pela minha parte, julgo que não devo pronunciar-me, em primeiro lugar sobre uma lei que é da iniciativa do Parlamento; em segundo lugar, sobre um diploma que ainda está em sede de projecto e, portanto; que ainda não tem a aprovação da .Gamara. Mas, Sr. Deputado, tendo a aprovação da Câmara,' passa a ser uma legítima, democrática que tem consagração, constitucional.
Como o Partido Comunista gosta muito de saciedade, exibir, de facto, a nota constitucional, esta é uma lei que tem carácter excepcional porque a regra é outra da administração e do arquivo aberto mas é também uma lei que tem previsão e. dignidade constitucional.
Relativamente a esta lei como muitas outras - e esta é uma das questões que nos separa politicamente, como é evidente o Partido Comunista vê sempre fantasmas! De facto, vê sempre nuvens escuras no horizonte E agora a respeito do segredo de Estado, foi no passado a respeito da Lei da Greve e, ainda antes a, respeito da legislação laboral: primeiro, porque ia aumentar o desemprego, mas o desemprego diminuiu depois, que ia aumentar a precaridade do emprego, mas a precaridade diminuiu e inclusivamente que o direito à greve estava ofendido corri! a anterior Lei da Greve legitimamente aprovada na Assembleia da República, etc., etc.
Srs: Deputados, ainda sobre essa questão, sejamos francos - não a posso deixar passar em claro, independentemente de mais perguntas sobre a Lei da Greve - foi aprovada por esta Câmara e submetida à apreciação do Tribunal Constitucional. Finalmente, este último considerou que não havia nenhuma violação - de qualquer direito previsto na Constituição da República Portuguesa e, portanto, tratou-se da conciliação do direito à greve, legítimo, inquestionável, com o direito dos cidadãos a um conjunto de serviços mínimos.
As normas constitucionais funcionaram e, segundo o Tribunal Constitucional que todos muito invocamos, não houve qualquer norma restritiva dos direitos dos trabalhadores.
Penso que, relativamente a estas várias questões em que os senhores são recorrentes invocam sempre os fantasmas porque de facto, existe uma grande distância entre nós. Ou seja a distância que vai entre àqueles que acreditam nos princípios da democracia representativa embora justifiquem o seu aperfeiçoamento, e aqueles que, ao longo dos tempos, têm vindo, muito a contragosto, a conseguir tentar adaptar-se a esta nova vivência. Digo isto sem qualquer processo de intenção que não seja á constatação dê uma realidade que todo o País faz e que todos os portugueses fazem:

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro Adjunto, gostava de homenagear V. Ex.ª com algumas considerações sobre a sua intervenção. E pareceu-me desde logo por aquilo que disse e a aparente convicção com que o disse, que o Sr. Ministro Adjunto, em matéria de exigências democráticas - perdoará quê lhe diga se contenta com pouco!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Fui quase um pioneiro das premonições sobre esta matéria. Na altura, achou-se excessivo o meu pessimismo, mas previ que a experiência da maioria v absoluta vinha a dar algo de muito parecido com o exercício absoluto do poder conferido por essa maioria.
Depois, outros Oradores intervieram . O próprio Prof. Dr. Adriano Moreira chegou a classificar o regime como presidencialismo do Primeiro-Ministro; um ilustre comentador político chegou a falar em ditadura de cobertura democrática, mas eu chamei â isto cesarismo democrático, e fomos somando resistência- somando preocupações, sornando constatações, ao ponto de hoje não haver dúvida de que as perversões democráticas são mais que muitas.
Por isso, parece-me estranho que o Sr. Ministro Adjunto se tenha atido apenas aos aspectos formais da democracia. Esses são impecáveis, como é óbvio: há uma maioria que funciona, uma Assembleia da República eleita, um Governo escolhido por essa Assembleia, e há um, Presidente da República que exerce o veto. Só que isso não contenta os verdadeiros democratas - e quero incluir V. Exª entre eles- porque não, pode, de forma alguma, contentar uma democracia que hão seja unia fornia de pensar, de agir, de ser, de estar na política, e nada disso tem existido da vossa parte.
As minhas premonições, que na altura pareciam excessivas foram no sentido de que iria desaparecer á fiscalização do Governo pelo Parlamento - desapareceu! Que

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iria desaparecer o instituto da ratificação dos decretos-leis do Governo anulou-se! Sobretudo, que iria, aparecer uma inflação de pedidos de autorização legislativa esvaziando a competência reservada da Assembleia da República- foi o que se verificou!

O Sr. Silva Marques (PSD): Estamos perante um acto de fiscalização!

O Orador: - Sr. Deputado, não sabote, se faz favor. Também o ouvi com muita atenção!

O Sr. Silva Marques (PSD): Estamos perante um acto de fiscalização!

O Orador: - Desculpe, o Sr. Deputado está a provocar, o que é habitual em si. Gostaria que um dia pusesse um ponto final nessa sua maneira de ser parlamentar.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Estou a fazer a defesa da verdade!

O Orador: - Por outro lado, a figura dos inquéritos parlamentares conduziu-se a algo como isto: o inquérito parlamentar proposto pelas oposições é chumbado e é substituído por um inquérito de via reduzida da própria maioria que é aprovado. Inquérito de via reduzida, como é óbvio...!
Relativamente à vontade, sabe-se que, através de um certo culto da personalidade do Sr. Primeiro-Ministro, a vontade do Governo se reconduz à vontade daquele e que a vontade da maioria parlamentar se reconduz à vontade do Governo, ou seja, à vontade do Primeiro-Ministro.
Sr. Ministro Adjunto, isto não é democracia. É democracia formal, e nisso tem toda a razão porque o seu discurso, formalmente, está impecável e até foi brilhante. Substancialmente, desculpe que lhe diga, não está neste país, mas noutro qualquer porque não está alento àquilo que se passa. É que o descontentamento popular é mais do que muito - como sabe -, não pode falar em pujança da sociedade civil quando a crise, sobretudo na parte económica, é tão chocante e grave, não pode, por exemplo, falar na normalidade da vida das autarquias porque, sendo formalmente normal, não o é substancialmente, sobretudo quando não se dá às autarquias o dinheiro suficiente para exercerem com normalidade as suas competências.
Os direitos dos cidadãos embatem em muitas perversões: o clientelismo, que ainda há dias pudemos realçar; a generalização do acesso à educação é a generalização do acesso ao caos; o combate as ideologias; o combate às ideias; o combate à classe política; o combate aos partidos; o combate ao Parlamento nas mais variadas formas, primeiro em críticas directas, quando eram minoritários, mas, depois, num certo amolecimento, num certo abrandamento e entristecimento da actividade parlamentar.
Disse agora que sentiu necessidade de dizer que o partido não se confunde com o Governo. Mas sentiu necessidade de dizê-lo, Sr. Ministro Adjunto! Essa é a melhor confirmação de que também é perversão a confusão do partido com o Governo.
Sr. Ministro Adjunto, concluo dizendo-lhe que convosco não há esperança nem há remédio. Com efeito, não temos outra maneira que não seja a de tentarmos - se pudermos - substituir, esta maioria absoluta por uma maioria relativa ainda que vossa, ou por uma maioria absoluta ou relativa nossa, 'se possível, para que a democracia entre na velocidade de cruzeiro, na normalidade, e regresse a formas de aperfeiçoamento que são cada dia mais necessárias.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro. Adjunto.

O Sr. Ministro Adjunto: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos, agradeço-lhe a questão que colocou e as considerações que fez.
As considerações dariam, provavelmente, para um debate mais alargado, mas vou apenas concentrar-me em dois ou três pontos essenciais.
Com toda a franqueza, penso que a minha intervenção não se confinou àquilo a que chamou os aspectos formais da democracia, mas também julgo importante que sejam abordados no contexto em que vivemos. No entanto, penso que abordou aspectos de substância, materiais, aspectos que julgo que são importantes no quadro actual, na conjuntura actual e, sobretudo, na perspectiva futura.
E evidente que tive - e fi-lo na segunda parte da minha intervenção - a preocupação de chamar a atenção para a necessidade do debate e, posteriormente, para a decisão sobre algumas questões - não todas, evidentemente, muito longe disso - que se colocarão com uma grande premência no futuro.
Sr. Deputado, enquanto há alguns anos atrás, e culminando na revisão constitucional de 1989, as questões económicas e de revisão da parte económica da Constituição foram determinantes, agora é minha convicção profunda que o problema do aperfeiçoamento do sistema político isso não tem só de formal, mas muito mais do que isso - é uma questão chave relativamente à qual se deve provocar um amplo debate e uma ampla discussão. É a minha convicção segura.
Relativamente à experiência deste sistema, é evidente - para além do respeito e da consideração, que não estão em causa - que muito nos separa em vários planos.
O Sr. Deputado é um dos grandes arquitectos deste sistema constitucional. Não é o único, mas é um dos grandes arquitectos, e teve aí o seu mérito. E penso, sinceramente, que o exercício da nossa acção política ao longo destes anos, no, relacionamento entre órgãos de soberania, no equilíbrio de poderes e no exercício da acção política partilhada; tem sido, no essencial, correcto, adequado e exemplar.
Os órgãos fiscalizadores do Estado funcionam sem constrangimentos e, mesmo quando introduzimos um debate político sério sobre a questão, não há dúvida de que todos reconhecem que eles funcionam sem limitações, sem coacções, sem constrangimentos.
Sr. Deputado, quantas vezes no passado não se concluíam inquéritos nas autarquias locais ou fora delas, se dizia que os processos ficavam a meio do caminho, se faziam acusações e insinuações de interferências e não apenas na comunicação social?
Sr. Deputado, é minha convicção profunda, e por isso digo com sinceridade que podemos discordar - naturalmente discordaremos, é uma das virtualidades da alternância -, que o sistema funciona, que o Governo tem dado atenção ao Parlamento e que tem estabelecido, de facto, uma cooperação com todos os órgãos de soberania. Reconhecemos - às vezes, poucos reconhecem - é que a co-

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operação, a solidariedade política, e institucional, são recíprocas e não funcionam apenas num sentido e numa única direcção. Por vezes, vale a pena, de facto, chamar a atenção para isso.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas, comparado com períodos anteriores, penso que é um exagero, uma tentativa de criar um facto político absolutamente artificial, é apenas a intenção de protagonizar a notícia fácil, eventualmente, dizer-se que há uma degradação da democracia quando ò sistema funciona nos seus aspectos formais e materiais.
Por isso, acentuei que o grande instrumento para dar conteúdo material, de facto, a democracia - quê não é apenas política, mas que é económica, social e cultural - é a noção chave do desenvolvimento. Esta é a ideia nuclear para o futuro. É' nesse plano que penso podermos discutir as liberdades e a questão das democracias Sr. Deputado. Nunca são questões tabus fechadas. Nunca aí, provavelmente, há pontos de chegada, e ainda bem.
Sr. Deputado, a questão nuclear - e para nós é sempre importante definir entre o essencial e o menos importante ou acessório - é o desenvolvimento integrado, harmonioso, regional, sectorial, ou seja, com todas estas vertentes. Isso foi referido na minha intervenção.
Uma última nota, Sr. Deputado: a única coisa que mais me preocupou na sua intervenção foi a tentação de o Sr. Deputado, ao falar na substituição desta maioria por outra, ter acentuado várias vezes uma' maioria relativa, ou nossa ou do vosso partido. O que me preocupou, de facto, do ponto de vista do sistema político - o que não quer dizer que não seja democrático evidentemente -, foi essa ideia de que á. Maioria relativa pode ser a solução, em qualquer momento, para o futuro do País. É uma solução legítima, é uma f solução democrática, mas no contexto do actual e do futuro do País é o gérmen, o fermento da instabilidade. E nós não conseguimos, como os anos passados evidenciaram, acentuar a noção de desenvolvimento, valorizá-la, toma-la palpável; credível .e concreta sem a estabilidade política, seja de quem for.
Do que gostaria, sinceramente - ficaria, de facto, muito menos preocupado se tal se verificasse -, era que o Partido Socialista, no mesmo plano das convicções e dos princípios, tivesse ao menos a coragem, a capacidade; no discurso e na acção, de se mover e de se mobilizar também, por um objectivo de estabilidade e de uma maioria.
Srs. Deputados, não tenho receio de acentuar que a maioria é a regra, não é a excepção. A maioria não é o poder absoluto, porque, o poder, em democracia é partilhado, transitório, efémero. Agora, a tentação de voltar aos períodos das maiorias relativas, sejam de que for, é trazer uma vez mais, para, o País o gérmen da instabilidade. E julgo, Sr. Deputado, sem ofensa, que ao, fazer essa afirmação o Sr. Deputado está, em nome do. seu partido, a reconhecer publicamente alguma incapacidade, para, não dizer muita incapacidade, do Partido Socialista para se bater pelo grande objectivo da alternância, em estabilidade e em desenvolvimento para o País.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro Adjunto, devo dizer que não achei estranho nem surpreendente que a sua intervenção deixasse sem resposta as acusações que formulei ao Governo. Aliás ela levantou, uma, questão a de saber o que é que o Governo pensa e qual o figurino quê, afinal, põe em prática para estas interpelações que, no fundo, deixam sem resposta as "questões colocadas.
Com efeito, aquelas questões que constitue o objecto da interpelação e que são colocadas na intervenção Judicial ficam sem resposta.
Toda a intervenção do Sr. Ministro, assentou aliás na ideia - já aqui desenvolvida - de que o Governo governa, logo tudo vai bem; de que o Governo é legítimo, isto é, baseia-se numa maioria parlamentar è por isso está tudo bem! Acontece que a questão não está em saber se o Governo governa ou se é legítimo, mas em saber se a política que o, Governo põe em, execução é legitimasse serve ou não os interesses nacionais. Esse, sim, é o centro do debate. E, em relação a ele, o Sr. Ministro não diz absolutamente nada!
Ou melhor, o Sr. Ministro diz, que há um problema de desenvolvimento e não de liberdades». Ora, ainda bem que reconhece que há um problema de desenvolvimento, também fruto da vossa política. Er tendo em atenção os objectivos globais da vossa política nos campos social, económico e das estruturas produtivas, o ataque, às liberdades e ao regime democrático e uma questão essencial dos vossos projecto político. Foi precisamente, sobre essas questões concretas que questionei o Governo.
Mesmo assim, houve um ponto ai que o Sr. Ministro se referiu, não para me responder. porque o que disse nada tem a ver com o que perguntei mas talvez por ter suspeitado que eu iria falar dos Serviços de informações.
Com efeito, o Sr. Ministra, leu uma parte do relatório do Conselho de Fiscalização.
A este propósito, quero lembrar ao Sr. Ministro o seguinte: o Conselho de Fiscalização não esgota a capacidade de fiscalização da Assembleia da República aliás o referido conselho não é um órgão parlamentar nem dispõe dos meios para poder exercer com eficácia essa missão fiscalizadora.
O conselho fiscaliza os relatórios que os Serviços de Informações lhe fornecem ou seja, sabe aquilo que o Sr. Ministro autoriza que seja sabido! Aliás, o Sr. Ministro; foi à comissão «ameaçar» os Deputados, dizendo que eles não podiam fazer mais perguntas do que as colocadas pelo Conselho de Fiscalização mas, ao mesmo tempo, afirmou que só fornece ao Conselho a informação que ele próprio dispõe.
Posto isto, Sr. Ministro, não há perguntas a fazer uma intervenção com este contexto.
Em todo o caso, desde, já, queria rebater este seu posicionamento em relação ao Conselho der Fiscalização 'dos Serviços de Informações.
O Sr. Presidente: - Para responder se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro; Adjunto.

O Sr. Ministro Adjunto: - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, relativamente à questão dos Serviços de Informações, julgo que este caso é bem a demonstração daquilo que disse há pouco e agora reafirmo não é com suspeições que se tiram conclusões e se fazem debates sobretudo debates sérios e aprofundados sobre as questões, por mais diversas e complexas que elas sejam.
A questão dos Serviços de Informações é tão simples e tão clara quanto isto: existe legislação aprovada em 1984 por uma maioria de dois terços.

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O Sr. João Amaral (PCP): - O que digo é que essa legislação é violada!

O Orador: - Se o Sr. Deputado o permitir, vou esclarecer esta questão até ao final. É evidente que já parto do princípio de que o Sr. Deputado pensa assim! Com certeza, vai ficar com a mesma opinião, mas é a sua, e, eventualmente, a do seu partido. Aliás, desde logo, a legislação não teve a sua aprovação!...
A comissão de fiscalização não constitui a única forma de fiscalização do sistema de informações - como sabe, e bem -, nem é um orgão parlamentar; mas é uma comissão com três elementos eleitos democraticamente pelo Parlamento. Na actual composição, dois dos elementos, cuja idoneidade é indiscutível...

O Sr. João Amaral (PCP): - O que está em discussão não são os nomes, são os poderes!

O Orador: - Já lá vou. Sr. Deputado!
Como dizia, compõem-na dois elementos que nem sequer são da área política do Governo.
É a própria comissão de fiscalização que, permanentemente, tem reconhecido, nos seus relatórios, que lhe têm sido facultados todos os dados que pretende - a todos é permitido apresentar queixas e a comissão pode, de facto, requerer elementos.
Há pouco citei parte do relatório, mas não hesito em acrescentar ou perguntar o seguinte, Sr. Deputado: há algum documento ou elemento que tenha sido requerido à ou pela comissão que não tenha sido entregue? O Sr. Deputado não encontra resposta positiva a esta pergunta.
No último relatório da comissão está escrito que o Governo facultou todos, mas todos, os elementos requeridos. Nele, refere-se também que não há qualquer violação dos direitos dos cidadãos,, que não surgiram elementos que apontassem para a utilização de escutas telefónicas por parte dos Serviços de Informações.
Acrescenta-se, ainda, que o conselho leve acesso a dezenas de relatórios pedidos, aleatoriamente, aos Serviços de Informações. De entre esses relatórios, alguns houve que trataram problemas semelhantes aos que têm feito eco na comunicação social...

O Sr. João Amaral (PCP): - Já leu um livro de Voltaire chamado Candide?!

O Orador: - Estou a referir-me aos relatórios sobre a PGA e sobre a acção dos sindicatos.
Como dizia, no relatório concluiu-se que não houve violação de quaisquer direitos ou liberdades constitucional ou legalmente consagrados.
Sr. Deputado, sejamos sérios, francos e directos: o que os preocupa, aquilo por que têm movido as vossas pretensões e os vossos propósitos prende-se com a vontade de ter um elemento, um representante da vossa área política neste Conselho de Fiscalização. Sejamos francos e sejamos directos!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas, quanto a essa preocupação, respondo-vos que esse é um problema do Parlamento e, provavelmente, é também o problema de o Partido Comunista passar a ter mais votos. Se conseguir isso, talvez um dia tenha esse direito.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Oliveira.

O Sr. Carlos Oliveira (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, tenho ouvido com muita atenção V. Ex.ª, Sr. Ministro - bem como todos os colegas entretanto intervenientes - e não gostaria de perder a oportunidade de, no contexto deste debate, vir aqui dizer algo sobre o processo que teve origem na autorização legislativa que visa o realojamento dos que vivem em barracas, designadamente nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto.
A referida autorização legislativa foi largamente debatida nesta Assembleia, tendo sido aprovada há cerca de três meses. O seu objecto decorre do programa eleitoral e de governo do PSD e visa, efectiva e finalmente, o combate a uma situação que - penso - ninguém de boa-fé poderá contrariar.
Sem embargo dos direitos que decorrem do exercício da função e do mandato de S. Ex.ª, o Presidente da República - que respeitamos -, permita-me V. Ex.ª que, e em nome do meu estatuto de Deputado, lhe devolva uma interrogação que me vai no espírito, neste momento do debate, e lhe peça, com o respeito devido, o seu comentário.
Será que podemos questionar, com verdade e boa-fé, o actual sistema, as condições do exercício democrático quando, perante uma situação como a que abordei - o realojamento dos que vivem em barracas -, se vê, eventualmente, atrasada, por razões que se prendem com o regular funcionamento das instituições e com a fiscalização normal do sistema, como, hoje e aqui, a oposição pretensamente pretende iludir?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto.

O Sr. Ministro Adjunto: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Oliveira, é também com muito gosto que respondo à pergunta que formulou.
Quanto à questão relativa ao realojamento dos que vivem em barracas, devo dizer que está em causa uma legislação que o próprio Primeiro-Ministro apresentou, pública e oportunamente, como sendo uma medida importante do ponto de vista social - através da criação de habitação social para acabar com a indignidade dás barracas no nosso país -, bem como um instrumento importante para fomentar a criação de emprego, de mais postos de trabalho, diminuindo a nossa taxa de desemprego.
Trata-se, por isso, de uma medida relativamente à qual trabalhámos com grande empenhamento, grande força e grande convicção. Aliás, ela foi elogiada e aplaudida por muitos e muitos municípios do País.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao anúncio - de ontem - da decisão do envio do diploma para apreciação preventiva da constitucionalidade no Tribunal Constitucional, gostaria apenas de dizer o seguinte: naturalmente, continuamos a considerar que todo o processo relativo a esta legislação é importante. Além do mais, ela foi amplamente discutida na Assembleia da República.
Mas, pelo respeito que também me merece o Tribunal Constitucional, não me peça que faça qualquer comenta-

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rio sobre o assunto para nenhuma palavra seja interpretada como qualquer forma de coação, de limitação de constrangimento do Tribunal Constitucional no exercício das suas funções e competências próprias.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos tem a palavra a Sr.ª deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro pegando na expressão, «sejamos francos e directos», usada por V. EX.ª, resposta ao meu camarada João Amaral, queria perguntar o seguinte:« sejamos francos e directos», quando disse que a comunicação social desempenha a função que era própria dela, de facto a referir-se a quê? Confessava que a comunicação social nomeadamente quanto aos meios de propriedade, se encaminhava no sentido desejado pelo PSD , ou seja, da concentração desses meios para que o poder económico os amordace de forma sub-reptícia?
Efectivamente não á uma comissão de censura para jornais, mas há destruição de jornais, encerramento de rádios locais! Ou seja, há, de facto, domínio da comunicação social pelo poder económico; por forma, domínio da comunicação social pelo poder económico, por forma a manipular a opinião pública e a dar-lhe de bandeja aquilo que os senhores desejam. Embora, candidamente , o neguem...

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - V. Ex.ª, Sr. Ministro Adjunto, não sente um arrepio e um tremor na consciência quando lê o artigo 38.º da Constituição - Aliás, foi aqui dito, pelo PSD que era das mais avançadas - , onde se refere que o Estado tem o dever de assegurar a independência dos órgãos de comunicação social em relação aos poderes económicos e políticos, tal como de impedir a concentração, designadamente através de participações, múltiplas ou cruzadas?
O Sr. Ministro não sente um arrepio quando faz um catálogo dos grupos económicos que detêm hoje o poder sobre a comunicação social? É de facto, difícil faze-lo tal é o número de participações cruzadas, empresas que participam noutras - distribuidoras, impressoras, que dominam os jornais, rádios locais e regionais!
O Sr. Ministro não sente um arrepio ao ler a resolução do Parlamento Europeu sobre esta questão na parte em que se refere, precisamente , o caracter dramático da situação em termos de concentração dos meios de prioridade, recomendando que se tomem medidas específicas para por cobro a tal, como forma de garantir o pluralismo de expressão?
O sr. Ministro: - ou terá - a coragem de confessar que conduziram um processo de privatizações dos órgãos da comunicação social na mão de meia dúzia de
Potentados económicos, tal com vista - em aliança com esse poder económico - a manipularam a opinião pública e a se perpetuaram no poder? Confesse que o vosso objectivo é e sempre foi um afrontamento á liberdade de imprensa. Aliás reparo no seu enfastiado.
Com efeito, o PSD pode caracterizar, se como o partido do «senhor, indiferente» mas de facto isso é próprio da democracia parlamentar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto.

O Sr. Ministro Adjunto: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, muito obrigado pela questão que colocou. Com toda a fraqueza, não senti, com toda a franqueza, qualquer arrepio, anão ser agora, na parte final da sua intervenção, arrepio decorre do facto de não saber se Sr.ª Deputada terá a sensação de que aquilo que disse tem alguma correspondência com a verdade e com a realidade...!

Risos do PCP.

Permita-me que conclua, Srs. Deputados!
É que de facto, julgo que podemos Ter todo o tipo de divergências políticas, e ideologias, mas há factos e realidades que são inquestionáveis.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Pois há!

O Orador: - Sr.ª Deputada, não preciso de recortar que foram privatizados todos os órgãos de comunicação social ao nível da imprensa, que foi liberalizada a rádio e que a televisão foi aberta á iniciativa privada. E é evidente que até aí estamos em desacordo, por uma razão fundamental: é porque os senhores sempre foram contra a privatização dos jornais e a abertura da televisão á iniciativa privada.

Vozes do PSD: É Verdade!

O Orador: - Assim, Sr.ª Deputada, o arrepio que existe é o da distância que vais ente aquilo que nós ao longo dos tempos, disseram e - tenho de reconhece-lo - coerentemente fizeram e continuaram a fazer.

È evidente que a vossa coerência, de facto, aos olhos do povo, aos olhos do País, aos olhos dos tempos modernos, significa incapacidade absoluta para ver os novos tempos da história, para ver a renovação que é insdespensável.
È essa a razão do meu arrepio, ou seja, é sentir que o seu discurso nada tem, mas nada de nada a ver com a com a realidade.
Por esse caminho - mas esse problema já não é meu - o Partido Comunista Português pode de facto, vir a Ter dificuldades.
No que se refere ás privatizações, ainda ao nível da comunicação social, permita-me que lhe diga que não tenho respostas a dar. Faço isso sim, com toda a veemência e convicção, um protesto: a privatização em todos os órgãos de comunicação social foi com a maior transparência e com a maior isenção.

A Sr.ª Odete Santos(PCP): - Ah, pois foi...!

O Orador: - Sinceramente não conheço, a não ser a que a Sr.ª Deputada, e é fácil levantar suspeições sem factos.

A Sr.ª Odete Santos(PCP): - Mas há factos! Então e o caso da Rádio Comercial?!...

O Orador - Não sei se me consegue indicar modelo mais transparente de fazer um processo de

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privatizações que não seja o modelo do concurso público ou o. da transacção em bolsa de valores. Provavelmente, só se os senhores encontrarem nos vossos ex-aliados dos países de Leste uma forma melhor.
Sr.ª Deputada, o processo de privatizações foi um processo absolutamente transparente, acima de qualquer suspeita.

O Sr. João Amaral (PCP): - O Sr. Ministro Adjunto nunca ouviu falar no cambalacho da compra da Rádio Comercial!...

O Orador: - No entanto, nessa, como noutras matérias, naturalmente, o Partido Comunista Português é recorrente, é requentado e continua com os seus fantasmas e as suas suspeições.
Vocês ficam com a vossa verdade e nós ficamos com a nossa, sendo certo que o juiz é o povo, são os Portugueses, que já fizeram dois julgamentos no sentido em que os fizeram. Vamos ver como será o próximo, pois o povo português é que t o real arbitro para dirimir este e outros conflitos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem á palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: A cultura da democracia tem vindo a ceder terreno à cultura da maioria. Tudo se passa como se a democracia começasse e acabasse na eleição legislativa. A maioria de Governo não só despreza as minorias como ignora outras maiorias. A legitimidade de governar procura sobrepor-se a outras legitimidades. A maioria absoluta tende a ser confundida com poder absoluto.
É desta confusão de conceitos que nasce a teoria perversa das forças de bloqueio. Um só poder parece legítimo: o do Governo. Todos os outros são encarados como forças de obstrução ou de bloqueio. É uma lógica que subverte o princípio essencial da separação de poderes, uma lógica de hegemonia que conduz inexoravelmente à degradação da democracia.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - É por isso que o PSD sofre de «conspirativite aguda».

Risos do Deputado do PSD Duarte Lima.

A simples existência de outros órgãos autónomos do Estado incomoda e suscita desconfiança. O exercício das diferentes funções de fiscalização inerentes aos mecanismos essenciais da democracia é diabolizado e olhado como fazendo parte de uma permanente conspiração. O PSD desconfia de tudo e de todos e, frequentemente, desconfia de si próprio.
A democracia é também responsabilidade, mas o Governo do PSD instaurou o princípio da autodesresponsabilização dos seus ministros.
Em França, um Primeiro-Ministro foi levado ao banco dos réus por causa do problema do sangue contaminado; em Portugal, o Ministro da Saúde manda fazer inquéritos para branquear os seus correligionários da administração do Hospital de Évora e para se autodesresponsabilizar pela incúria que já vitimou 18 cidadãos portugueses, isto com a agravante de ser directamente coberto pelo Primeiro-Ministro, que, frente às câmaras de televisão, proclamou um novo princípio: o da responsabilidade dos funcionários e o da irresponsabilidade política do Governo, a começar pela sua.
Na Dinamarca, um Primeiro-Ministro apresenta a demissão por ter cometido o pecado da omissão; em Portugal, o Ministro da Agricultura manda silenciar e mantém silêncio sobre o caso das «vacas loucas», ao mesmo tempo que o PSD vota contra o pedido de inquérito sobre as responsabilidades do Ministério da Agricultura pelas irregularidades cometidas na aplicação dos fundos comunitários. O Chefe do Governo absolve o seu Ministro e culpabiliza os agricultores.
Como escreveu um conhecido jornalista, Carlos Borrego foi castigado por ter falado de mais; os Ministros da Saúde e da Agricultura são premiados por guardarem silêncio.
Qual o conceito de responsabilidade política?
Estamos no reino da impunidade, da mentira e do segredo. Chegou-se ao ponto de legislar sobre corrupção por forma a que, na prática, seja o Governo a fiscalizar o Governo, desjuriscionalizando o combate à corrupção e colocando a sua prevenção num orgão dele dependente.
Só o clamor e a indignação que tal projecto provocou forcaram o Governo a recuar, mas ficou, como disse Almeida Santos, «a intenção de um golpe feio na essência do Estado dê direito» - o mesmo se diga do segredo de Estado.
É para fazer esquecer estes e outros casos que o PSD subverte 'com frequência a lógica da realidade, sobrepondo-lhe ficções e factos políticos artificiais, manobras de diversão com um triplo objectivo: desviar a atenção dos escândalos, das anedotas e das dificuldades resultantes da falência de política do Governo; condicionar o comportamento de outros órgãos do Estado, nomeadamente do Presidente da República, a quem acusa de ser o chefe da conspiração universal contra o Governo; desvalorizar a acção da oposição, para, desse modo, procurar convencer os portugueses de que, apesar dos falhanços e das dificuldades do Governo, não há alternativa ao homem que «nunca tem dúvidas e raramente se engana».

Aplausos do PS.

Este comportamento é tanto mais grave quanto é certo que surgem, hoje, um pouco por toda a parte, na Europa, sinais preocupantes de crise no funcionamento do sistema político. Crise dos partidos tradicionais, crise do parlamento, crise de confiança e de credibilidade, divórcio crescente entre as instituições e os cidadãos, entre estes e a política - poder-se-á talvez falar de crise moral, fruto de uma crise de valores ou até mesmo, de civilização.
Como escreveu um ensaísta francês, «a democracia está melancólica», dir-se-ia que «doente da sua própria vitória», doente sobretudo de indiferença, de abdicação, de falta de entusiasmo e entrega a grandes causas e ideais. Tempo propício à ressurgência de velhos fantasmas como o racismo, a xenofobia e o neonazismo, tempo que exige de novo uma forte convicção moral na defesa dos valores democráticos, da participação e da solidariedade, que é precisamente o que não se verifica na atitude e na prática do Governo de Cavaco Silva.
A crise do sistema de representação- de que falou, há tempos, num interessante artigo, o Deputado Pacheco

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Pereira - não poderá ser vencida com estratégias de poder pessoal, nem com políticas hegemónicas, nem com o fomento e a exploração do incivismo e da indiferença. A democracia é também pedagogia. De todos os pecados cometidos por Cavaco Silva, o que menos se pode perdoar-lhe é o pecado do populismo, do, clientelismo e da demagogia; é a tentação de fazer! renascer entre nós o mito do homem providencial, o que diz que a sua política é o trabalho e aponta o dedo acusador a todos os outros e «os outros» somos nós, os políticos, os que, segundo a propaganda oficial, não sabemos senão perder o nosso tempo nessa coisa mesquinha chamada política, acima da qual, ele, o Primeiro-Ministro, está, sempre.

Aplausos do PS.

É uma antipedagogia, uma deseducação cívica, uma forma de perverter e degradar a democracia. Num país como o nosso, este' pecado não tem perdão.
Desconfiemos de quem faz política contra a política e os políticos; desconfiemos de quem adjectiva à democracia. Sofremos na pele a chamada «democracia orgânica»; sabemos o que eram e como acabaram as «democracias populares»
começamos a ver, agora que lhe caiu o mandato da fantasia, a nudez crua da «democracia de sucesso», o adjectivo retira substância ao substantivo. É o que está a acontecer à nossa democracia: é cada vez menos>ubs-tantiva, está cada vez mais uma «democracia adjectiva» e não apenas no plano, político mas, também nos. planos económico e social.
No plano , económico, assiste-se à falência dos mitos ideológicos e tecnocráticos do Governo, falência de um modelo que por toda a parle trouxe consigo a predação, do desemprego e a exclusão social. Em nome 'dos .mitos do «Estado-mínimo» e do neoliberalismo, reforça-se cada vez mais o peso do Estado onde o Estado ,não faz falta, e retira-se cada vez mais o Estado de onde o Estado e mais preciso: da educação, da saúde, da habitação, do. combate aos desequilíbrios regionais e às desigualdades sociais!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Verifica-se um neofontismo de obras de, fachada, estradas e infras estruturas por vezes mais subordinadas aos calendários eleitorais e à satisfação de clientelas do que às necessidades profundas de reestruturação do País.
O de «desenvolvimento» tem vindo a transformar-se em de «destruição» do sistema produtivo nacional: agricultura, pescas, indústrias tradicionais ligadas à. exportação, como os têxteis, o vestuário e o calcado, metalomecânica pesada, indústrias agro-alimentares e químicas, construção naval, minas. E também os serviços, de que a1 TAP é o exemplo mais trágico e flagrante, e também o turismo, fortemente atingido, sobretudo no Algarve e na Madeira.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sectores estratégicos da economia nacional passaram para as mãos de estrangeiros, apesaradas leis que garantiam uma maioria nacional nas empresas a privatizar. A CENTRALCER é colombiana, o Banco «Totta & Açores e o Crédito Predial Português já são espanhóis. Como no tempo dos relatos desportivos da minha infância, «Portugal ataca e a Espanha marca».
O Partido Socialista fez, na altura própria, um diagnóstico da crise e propôs uma política responsável de combate à recessão, mas o Primeiro-Ministro só é capaz de ouvir o seu próprio eco.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - O secretário-geral do Partido Socialista criticou o fundamentalismo da pretensa política de moeda forte, que não era senão uma política de escudo caro, com taxas de juro elevadas que trouxeram a asfixia da agricultura, das empresas industriais e do turismo, os encerramentos e as falências, os despedimentos e salários em atraso, a insegurança e a instabilidade.
Sacrificaram-se milhões no combate perdido da «paridade do escudo» e, afinal, o Governo foi obrigado a desvalorizar, mais uma vez a reboque da Espanha! O escudo não ficou mais forte e Portugal ficou mais pobre! Alguns ministros comportam-se mais como directores-gerais da Comunidade do que como ministros de Portugal. Não há políticas nacionais, há, sim, a ocupação da máquina do Estado por clientelas.
Como escreveu recentemente o Presidente, da República, «o abandono abrupto da agricultura não é apenas um problema económico, avaliável, em taxas de crescimento, maiores ou menores; diz respeito ao cerne da; própria Nação, com a sua estrutura básica e identidade, constituindo ,um problema humano, uma frustração 'de consequências psicológicas imensas para a mentalidade ,da nossa, gente, frustração, que não se pode medir, em termos, meramente economicistas» Mas os tecnocratas de serviço, pensam em números, não nas consequências humanas do arrefecimento da economia, que é como seraficamente designam, a asfixia, do aparelho produtivo nacional.
Para que serve a modernização de algumas infra-estruturas se se deixa morrer a indústria era agricultura?
Não é só o aumento do desemprego e da instabilidade mesmo na função pública, que era, tradicionalmente um, sector de emprego estável não é só a insegurança, o medo, o esvaziamento dos direitos dos trabalhadores é também: o agravamento das dependências tradicionais, o que pode vir a colocar um gravíssimo problema de autonomia de decisão e, portanto, de soberania e de identidade nacional, como acontece, por exemplo, com a política energética, que é uma política de abdicação nacional!
A tecnocracia dominante cultiva o número, mas esquece o homem, o homem concreto do Portugal concreto...

Aplausos do PS.

Quantos novos pobres por cada novo rico? Quanta perda de autonomia, em nome de alguns mitos menores da macroeconomia?
Este é o outro lado da degradação da democracia, como o é, por exemplo, a crise da saúde, com a gratuitidade da assistência a ser progressivamente destruída, com os hospitais civis crescentemente endividados e os médicos a1 serem condicionados na sua liberdade de decisão em consequência de restrições impostas por via administrativa, nomeadamente no que respeita, à escolha e utilização de' medicamentos, o que é inadmissível!
As concepções burocráticas e tecnocráticas do Governo, o economicismo e a ideologia do número voltam-se contra os doentes, contra os médicos, contra a saúde pública, contra a ciência e contra a cultura, com a confusão

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reinante no sistema educativo, tomado de assalto pelo aparelho partidário do PSD, com a degradação do ensino público e a sua gratuitidade posta em causa,...

A Sr.ª Maria Julieta Sampaio (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... com a falta de apoio à investigação científica, com a atitude novo-riquista em relação à cultura, olhada apenas como luxo, como ornamento ou como simples instrumento de propaganda.
Centenas de milhões de contos destinados à formação profissional foram desperdiçados sem controlo, sem estratégia e sem política. Pior do que isso, fomenta-se de novo em Portugal uma cultura do «Vossa Excelência» e do «Sim, senhor!», uma cultura de obediência e submissão. É a ideologia do egoísmo e do sucesso contra a generosidade e o idealismo,...

A Sr.ª Maria Julieta Sampaio (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... o renascimento do monolitismo contra o pluralismo, o culto do chefe contra a autonomia do indivíduo e do pensamento, a manipulação e compra das consciências contra o espírito crítico e cívico.

Aplausos do PS e do Deputado independente Mário Tomé.

António Sérgio foi um dos primeiros a defender a necessidade de operar a reestruturação profunda do sistema produtivo, tendo em vista a criação das condições concretas da liberdade. Essa oportunidade histórica está uma vez mais a ser perdida:
Temos auto-estradas e itinerários principais que não conduzem, infelizmente, a um desenvolvimento baseado na solidariedade e na promoção do homem português.
Faltam projectos e políticas; faltam indústrias e transportes; falta, sobretudo, outra sensibilidade para olhar com olhos novos e solidários os problemas humanos criados pelo desemprego, cuja taxa entre nós irá este ano duplicar!
Fica-se arrepiado quando o Primeiro-Ministro considera estes dados como um sucesso do Governo. E as mais de 100 000 famílias portuguesas já atingidas pelo flagelo do desemprego?
Em que benefícios sociais concretos têm vindo a converter-se os dinheiros públicos resultantes do aumento dos impostos, das privatizações e dos fundos comunitários?
É revoltante saber que o Governo Português alinhou em Copenhaga pelas posições mais retrógradas, na defesa da redução da protecção social na Europa.
Os bancos erguem por todo o lado os novos templos do dinheiro, mas o Alentejo, Trás-os-Montes, as regiões do interior continuam esquecidos e abandonados.
Não é verdadeiramente livre quem não tem casa nem trabalho, quem estuda numa escola degradada, quem não tem acesso à assistência médica ou quem recebe uma reforma mínima que é outra forma de ser um desempregado da vida.
Como disse alguém, o regime actual assenta num tripé «televisão, betão e alcatrão». Os problemas estruturais do País continuam por resolver. É a falência de uma concepção tecnocrática da vida e da política, é a falência de uma ideologia assente no culto do dinheiro, do egoísmo e do sucesso fácil!
Portugal precisa de cultura democrática, de humanismo na economia, de sensibilidade social, porque nunca como hoje entrou tanto dinheiro em Portugal, nunca como hoje se desperdiçou tanto e já há muito que não se via tanto cinismo no poder e tanta falta de solidariedade por parte do Estado. Alguns talvez estejam a ganhar, Portugal está, com certeza, a perder.

Aplausos do PS. do Deputado independente Mário Tomé e de alguns Deputados do PCP.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Pacheco Pereira e Silva Marques.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Alegre, vamos discutir algumas das questões que referiu na sua intervenção sem qualquer dramatismo especial, pois elas não o justificam!
A primeira questão diz respeito a um factor político, que posso enunciar da seguinte forma: o problema do Partido Socialista e de muitas pessoas da oposição é o de acreditarem que o Sr. Presidente da República detém a chave do ciclo político, que pode controlá-lo, que pode decidir quanto tempo ele dura e quais as vicissitudes por que tem de atravessar.
Por outro lado, há um factor subjectivo, que, aliás, é o que explica o primeiro: nenhum dos, Srs. Deputados do Partido Socialista, repito, nenhum - e olhando-os de frente tenho quase a certeza disso - acredita seriamente, hoje, no mês de Junho de 1993, que o Partido Socialista vá ganhar qualquer eleição até ao século XXI.

Risos do PS.

Esse é que é o problema de fundo, problema de fundo que tem a ver com a acção do Sr. Presidente da República e com a interpretação que os senhores fazem da situação da nossa democracia e que é a tradução, em termos políticos, de uma profunda impotência subjectiva e objectiva.
A impotência objectiva, ou seja, o falhanço concreto da tentativa de reganhar a iniciava política, até a dou de barato, mas a impotência subjectiva é que é a pior das impotências. É que os senhores não acreditam na vossa própria capacidade política para ganhar as eleições e isso é mau para vocês e é mau para o País, dado que é bom ter uma oposição aguerrida e, nessa medida, têm de encontrar, fora da vossa esfera de acção, os mecanismos para obter esse resultado.
O problema do jantar ou do almoço do Sr. Presidente da República não precisa de ser interpretado em termos conspirativos. Admito perfeitamente que tenha sido um jantar ocasional, de amigos, com um objectivo definido, onde, obviamente, entre várias coisas, se discutiu a dissolução da Assembleia da República...
Ora o Sr. Presidente da República tem toda a legitimidade para discutir a dissolução da Assembleia como também pode discutir a declaração de guerra a um país estrangeiro e o estado de sítio. Trata-se de poderes para os quais ele tem legitimidade. No entanto, o problema não está em que ele o discuta mas, sim, em permitir-lhe o uso de determinados poderes, que têm uma excepcionalidade garantida, como é, por exemplo, o caso da «bomba atómica», que ele próprio lhes referiu, para controlar o ciclo político, ou seja, para decidir se em 1994, no primeiro, no segundo, no terceiro, no quarto ou no quin-

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to mês, provoca a, dissolução da Assembleia da República, não porque estejam em crise as instituições mas, sim, porque, de um ponto de vista político, é mais conveniente dissolver nessa altura. E conveniente porquê? Conveniente te porque favorece a oposição, inconveniente, porque desfavorece a maioria.
Isso é que é, do ponto de vista político, ilegítimo por todas as razoes! Primeiro, porque não corresponde ao entendimento do espírito e da letra da Constituição quanto ao exercício desse poder, e segundo porque não corresponde ao entendimento quê o próprio Presidente da República faz das suas funções presidenciais, do mandato e das promessas eleitorais que fez. Esse é que é ò problema!
Não é preciso qualquer conspiração para se poder, dizer que, se o Sr. Presidente da República, os seus amigos, ou o Partido Socialista querem utilizar poderes que tem outros objectivos outras intenções - è de facto constitucionalmente, ele tem poder para decidir quando é que convoca eleições para prejudicar o partido da maioria -, aqui há uma ilegitimidade profundarem relação ao, próprio entendimento dá nossa democracia. Esse é que o problema do «jantar»!

Sr. Presidente: - Sr Deputado queira terminar.

O Orador: - Termino já Sr Presidente.
Por outro lado, os senhores, dizem que a democracia está em risco, que há uma democracia, sem sentido, sem substância. Com franqueza os, senhores sabem que todas democracias se caracterizam pôr não serem assépticas. As ditaduras é que são assépticas!...
As democracias têm conflitos, têm abusos de poder, tem conflitualidade social, têm dificuldades, tem conflitos com a imprensa, todas têm: os Estados Unidos, a Alemanha; a França a Inglaterra...Isso faz parte da natureza do próprio processo democrático.
Não chega vir aqui fazer um catálogo dessas dificuldades e dizer: está em risco a democracia. Não é verdade! Agora, os senhores precisam de dizer que está em risco a democracia também para encontrarem, fora de vocês próprios, a responsabilidade do porquê de não terem esperança de ir para o poder.
Mas, Sr. Deputado Manuel Alegre, isso é um problema vosso!
Acreditem na possibilidade de chegar ao poder por meios democráticos e não pensem, nem um segundo, na dissolução assim perceberão perfeitamente que a democracia dá à oposição todos os métodos, características, possibilidades e direitos para poder lá chegar. Os senhores sentem-se coibidos da vossa liberdade para poderem ganhar as eleições em 1995? Sentem-se coibidos ha vossa acção política? Sentem alguma espécie de limitação dós t vossos direitos e dos vossos poderes? Com certeza que há diferenças de interpretação quanto a esses direitos e poderes - há-os em todas as democracias.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra, o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente, Mas há alguma limitação objectiva à vossa liberdade política, à liberdade de crítica, ao exercício pleno dos vossos direitos? Nenhuma! Agora se os senhores não acreditam em vocês, ninguém resolve esse problema.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Deputado Pacheco Pereira, O exercício da crítica e o debate político não têm, de facto, qualquer dramatismo. Só vê o drama quem tem medo do debate quem não gosta de debater ou quem, tem uma concepção perversa, da democracia.
Agora, o que é dramático é a falta de imaginação que o PSD revela mesmo através de algumas das suas figuras mais ilustres e mais imaginativas, como é - reconheço o seu caso. Sistematicamente, o PSD incorre no vício ou na habilidade de, desviar o que está em discussão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... de cair na manobra de diversão e de vir com a desculpa do Sr. Presidente dá República.
Sr. Deputado, não estamos com p problema de saber se o Presidente da República tem ou não a chave do círculo. Isso é um problema da Constituição. Os senhores é que parece que estão com medo que o Presidente da República postre as, chaves que r tem na mão para determinar o círculo eleitoral, senão, não caiam em figuras ridículas as ilustres figuras do PSD, como foi aquela semana presidida pelo, ilustre Sr. Deputado Duarte Lima, há algumas semanas passadas.
Os senhores é que, sistematicamente, procuram convencer o País de que o Presidente da República é o chefe da oposição. Fazem-no com duplo objectivo:
por um lado, para desvirtuar a própria função do Presidente, para tentar condicionar o exercício dás suas funções constitucionais' e, por outro lado, para desvalorizar o papel da oposição, nomeadamente o papel do Partido Socialista.
Sr. Deputado, já alguns de nós travaram muitos com debates, mas temos uma máxima: só é vencido quem desiste de lutar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O combate contra a ditadura é muito mais difícil.
Depois do 25 de Abril, passámos dificuldades muito maiores, mas não desistimos e acabámos por ,vencer.
Cavaco Silva não é um génio superior a outras forças que, tivemos que combater e vencer. Aliás, se os senhores não, são totalmente insensíveis aos dados do exterior, se não são totalmente insensíveis aos factos da vida pública e aos números das próprias sondagens, com todos os descontos que lhes possam dar, quem tem, realmente, razão para estar preocupado são, os senhores, porque todas as últimas sondagens dão a indicação de que a alternância pode funcionar no País. O que preocupa os senhores não é o facto de haver ou não alternativa; o que parece preocupá-los é que a alternância, funcione, e que os senhores sejam derrubados pela arma democrática, que é o exercício do voto secreto e do voto popular. É isso que parece preocupá-los.

Aplausos do PS

Por isso mesmo, os senhores tentam desvalorizará acção do Partido Socialista, porque há sondagens, neste momento, que dão ao PS uma eventual votação que nunca foi obtida em nenhuma outra eleição.

Protestos, do PSD.

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Há, portanto, uma indicação nos factos, na vida pública, nos números das sondagens, de que a alternância pode funcionar em Portugal. E isso é um problema que vos preocupa.
Quanto ao resto, Sr. Deputado, ninguém disse aqui, nem o partido interpelante nem eu, na minha intervenção, que a democracia está em risco. Falou-se em democracia degradada ou de riscos de a democracia se degradar, o que é uma coisa totalmente diferente. A democracia, formalmente, não está em risco, mas há aspectos essenciais da própria substância da democracia que estão a ser, de facto, esvaziados. A democracia é também uma vivência, é algo que se tem no pensamento e se tem ou não no coração.
E o que eu digo é que no vosso Governo e à frente do vosso Governo está quem não tem a democracia no coração e na sua vivência.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Manuel Alegre, lastimo que o Partido Socialista não tenha deixado o socialismo na sua concepção mais retrógrada, nomeadamente na sua última afirmação, que decorre daquela ideia de que quem não é do Partido Socialista ou de uma determinada concepção da esquerda é, ,por definição, inimigo da democracia e suspeito de querer abatê-la. Essa ideia branqueia, inclusivamente, um dos principais inimigos da democracia ao longo da história que foi o Partido Comunista. Levava, em tempos, o seu colega Sottomayor Cardia a dizer aqui que o partido tinha duas partes: a branca e a preta. A branca eram as virtudes da tradição republicana socialista e a preta eram os outros, por definição, reaccionários, retrógrados e inimigos da Nação.
Deixemo-nos disso, Sr. Deputado! Discutamos com base em argumentos e em factos e, sobretudo, deixem-nos de uma coisa que eu julgava que já estava arquivada, que é invocar os direitos históricos da luta antifascista. Quem costumava fazer isso era o Partido Comunista, ele mesmo já pouco invoca esse ponto, porque sabe que isso se reverte contra ele próprio. É que na base dos direitos históricos que o Sr. Deputado acabou de invocar, convenhamos, quem deveria governar o País era o Partido Comunista, porque de facto era quem lutava. Não me venha dizer que fora do Partido Comunista se lutava a sério, porque essa foi uma das razoes pelas quais eu pertenci ao Partido Comunista - e até voltava a pertencer se a situação histórica se repelisse!

Risos.

Não tenham a menor dúvida! Podem pôr-me na televisão.

Risos. Protestos do PS.

Srs. Deputados, podem pôr-me na televisão e em grande plano! Eu, Silva Marques, Deputado do PSD, pertenci ao Partido Comunista quando se tratava de lutar, com risco de vida, contra a ditadura; abandonei o Partido Comunista muito antes de ter qualquer hipótese de benefício político-material e cá estou para qualquer luta que seja necessário travar!
Ponham-me na televisão em grande plano, se pensam que isto tem algum inconveniente. Os senhores não acreditam no povo português, na sua sensatez, na sua lucidez e até na sua generosidade, por isso é que estão a ficar cada vez mais em minoria.

Aplausos do PSD. .

Sr. Deputado, eu estive preso, fui espancado pelos pides, mas nunca os considerei umas coisas horríveis, alguns eram indivíduos a ganhar a sua vida, outros estavam convencidos de que estavam a defender o País...

Protestos do PS.

Choca-me muito mais que os senhores se atirem aos pequenos servidores da ditadura e encham de elogios e de encomiasmos os principais responsáveis políticos da ditadura... Aliás, devo dizer que, quando tenho de criticar, prefiro criticar o patrão do que o empregado.
Sr. Deputado Manuel Alegre, vamos agora à sua intervenção.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Então, até agora não falou da minha intervenção?!...

O Orador: - Exacto! Só vou falar agora porque os Srs. Deputados estavam com' comentários e devo dizer-lhes que não me agasta o espectáculo...

O Sr. Presidente:- Peco-lhe que seja breve, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou caminhar para o fim, Sr. Presidente. Peço-lhe, apenas, a benevolência que concedeu aos outros oradores.
Repare, Sr: Deputado Manuel Alegre: quem é que está a desviar a conversa? O porta-voz do Partido Socialista, em matéria de economia, Prof. Daniel Bessa, disse que está de acordo com a política de convergência seguida pelo Governo e encurto razões. Os técnicos e a Comissão Europeia consideram que Portugal não está verdadeiramente em recessão, pois continua a crescer, embora com valores modestos.
Conclusão, Srs. Deputados: os senhores vão para a democracia e para a salvaguarda da democracia.
O Sr. Deputado Manuel Alegre invocou o caso francês de um ministro que foi julgado. Sr. Deputado, o director do serviço de distribuição do sangue contaminado declarou - aliás, em defesa própria e em legitimação da sua actuação, pela qual foi condenado que o ministro de quem dependia directamente não só tinha conhecimento do que se estava a passar como determinou que continuasse a ser distribuído o sangue.
Srs. Deputados, é completamente diferente! É corripletamente diferente da actuação que os Srs. Deputados têm tido na base de suposições, de acusações infundadas. Trata-se de uma acusação precisa da parte 'do director dependente do ministro.
Sr. Deputado Manuel Alegre, não quero abusar da generosidade do Sr. Presidente, embora ela tenha sido concedida a outros...

O Sr. Presidente: - Já está igualizada essa livre bondade, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, se me dá licença e talvez ainda dentro do limite, vou fazer um apelo directo,

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para encurtar razões ao lado ético «prometeico» do Sr. Deputado Manuel Alegre.

Risos.

Sr. Deputado, aqui á frente de todos nós, sem gaguejar e sem desviar a conversa, diga-nos o que pensa da declaração do secretário-geral do seu partido quando, publicamente, na televisão ameaçou de medidas sancionatórias os seu camaradas que têm expresso opiniões divergentes.
Diga-nos isso sem gaguejar, Sr. Deputado!

Risos.

Segundo e sempre pensando, o que é o Sr. Deputado Manuel alegre pensa da galhofa, do gracejo grosseiro e inconveniente que o seu secretário-geral, o secretário-geral do Partido Socialista, se permitiu, em reunião intima de camaradas, no estrangeiro, acerca do Sr. Presidente da República?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre(PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu não invoquei aqui qualquer histórico de luta antifascista. O Sr. Deputado é que o fez. Eu podia faze-lo - não é desonra nenhuma! -, mas não invoquei quaisquer direitos históricos, nem falei de luta antifascista, embora alguns factos como por exemplo a atribuição de uma pensão a ex-PIDES e a sua recusa a Salgueiro Maia tentem, de facto branquear o passado, premiar o crime e castigar a virtude. Eu tenho muita honra em te-lo sido e V. Ex.ª também tem, mas quem invocou esse direitos históricos foi o Senhor e não eu.

O Sr. Silva Marques (PSD): - O Sr. Deputado, referiu-se ao «coração» do Sr. Primeiro Ministro.

O Orador: - Mas registo, aqui a sua afirmação de que se fosse necessário, o Sr. Deputado voltaria a militar no partido Comunista Português. Com todo o respeito que tenho pela luta antifascista dos comunistas portugueses,
Considero que para lutar contra uma ditadura; seja ela qual for ou contra o fascismo não é necessário, ser militante do Partido Comunista Português.

O Sr. Marques (PSD): - Naquela altura era!

O Orador: - V. Ex.ª fez essa afirmação, que fica aqui registada.

Aplausos do PS.

De qualquer modo, penso que é uma maldade causar essa preocupação ao Dr. Álvaro Cunha!

Risos do PS.

Mas fica registada essa afirmação!
Sr. Deputado, vim aqui discutir questões políticas sérias, que têm a ver com a vida política, económica, social e cultural do País, mas V. Ex.ª, mais uma vez revelou falta de imaginação. O Sr. Mais uma vez tentou apoucar o debate.
Bom mas eu começo a Ter barbas brancas e só respondo ao que quero, porque eu também fui daqueles que só respondi nos interrogatórios a perguntas que me faziam...!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, só respondo aquilo que quero e só falo aqui aquilo que quero. Falei aqui de questões políticas sérias e tenho pena que o democrata que discutivelmente o Sr. Deputado é não mais as tenha querido debater.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer a defesa de honra e consideração.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra Sr. Deputado.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputado: Faço a defesa da honra pessoal e da minha bancada porque o Sr. Deputado Manuel Alegre qualificou de ridícula, procurando apouca-la, uma acção que o meu grupo parlamentar levou a cabo na semana passada - presumo que se referia a uma conferência de imprensa que nós no exercício de um direito de crítica que nos assiste como grupo parlamentar, demos na Assembleia da República.
Eu já uma vez disse ao Sr. Deputado Manuel Alegre - e repito aqui - que antes do 25 de Abril, quando eu tinha 16 anos, foi com os seus escritos e com os seu poemas que comecei a aprender o significado da liberdade e do direito da crítica quando o senhor não se calava quando o senhor era inconformista e diz que ainda é.
Sr. Deputado, então, não negue agora o inconformismo e a irreverência aos outros! Não há orgão algum eleito por sufrágio na democracia portuguesa que esteja isento de críticas. Mas nós criticamos com correcção, com elevação o Sr. Presidente da República perante um determinado acto e os senhores também já fazem isso no passado em relação a outros Presidentes da República.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - lembro-lhe que muitos camaradas seus criticam aqui, nessa bancada, o Presidente da República anterior, naturalmente com toda a legitimidade e até com o todo o fundamento político. Um alto responsável da sua bancada chegou ao ponto (a que um responsável da minha bancada nunca foi) de formular, ainda o desejo de se fazer um inquérito ao Presidente da República de então isso aconteceu por volta de 1981-1982. Nós não fomos a esse ponto!
E, Sr. Deputado, se eu quisesse cometer consigo a deselegância que cometeu comigo ao qualificar um gesto político da minha bancada como ridículo eu teria de dizer que ridícula era sua atitude porque presumo que o Sr. Deputado sendo um dos amigos do Sr. Presidente da República, era um dos comensais. Ora V. Ex.ª não deixa de ser um deputado de República por causa disso e Sr. Deputado quando, perante o mais alto magistrado da Nação um conjunto de personalidades políticas marcantes,

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ligadas ao ex-MASP e ao seu partido, discutem o problema da dissolução da Assembleia da República, que se reflecte em si em primeiro lugar e em mim e não no Governo... Foi isto que os jornais disseram e que depois a Casa Civil do Sr. Presidente da República desmentiu. Mas o Sr. Presidente da República confirmou-o, porque disse: «Os jornalistas têm sempre razão. Pode haver uma especulação ou outra, mas têm sempre razão.»
Assim sendo, eles tinham razão na história que contaram. E como, quando se fala na dissolução, se fala na interrupção do mandato de Deputado, relativamente ao meu mandato, que é um mandato livre e igual ao seu, não concebo que seja quem for fale na sua interrupção sem que tenha um fundamento político forte para isso.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quando, isso acontece, tenho o direito de levantar a minha voz, com aquilo que aprendi consigo nos seus poemas, com a irreverência, com a crítica, e dizer que alguma coisa vai mal na democracia portuguesa.

Aplausos do PSD.

Portanto, ficava-lhe bem, Sr. Deputado Manuel Alegre, se, de facto - e tal como disse o Sr. Presidente da República -, os jornalistas não exageraram nesse ponto e «falam sempre verdade», o senhor se indignasse porque falaram na interrupção do seu e do meu mandatos sem que haja uma razão substancial para isso. Isso, Sr. Deputado, é que poderia parecer ridículo ou, como aqui disse o meu colega Silva Marques, poderia parecer ridículo porque nós fizémos uma crítica ao Sr. Presidente da República, mas com elevação, sem o diminuir. Nós não fomos para fóruns internacionais, em inglês e francês, com belgas, luxemburgueses e ingleses, esfregar as mãos, com ar traquina, e 'dizer: «O Sr. Presidente da República agora é 'relações públicas'...» e acabar com aquela frase: «C'est pas mal, c'est pas mal...»

Aplausos e risos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Deputado Duarte Lima, tenho por si estima pessoal, mas eu não coloquei em dúvida o direito de qualquer partido a criticar qualquer orgão de soberania. Creio que os senhores o fizeram de uma forma precipitada. Eu estive naquele jantar, mas não revelo o que se passa em jantares privados nem ninguém pode pôr em causa o direito de o Sr. Presidente da República jantar com quem quiser para discutir o que bem entender, nomeadamente a própria dissolução da Assembleia da República! Ninguém pode pôr isso em causa!
O Sr. Deputado não pode criticá-lo nos termos em que o fez porque V. Ex.ª não se baseou numa atitude publicamente assumida pelo Presidente da República ou por quem quer que fosse mas, sim, em notícias que foram divulgadas pelos jornais. .
Dou-lhe a minha palavra de honra de que, se aquilo que veio a público foi o que se passou, eu não estive nesse jantar. V. Ex.ª e as pessoas que o acompanharam praticaram um acto de precipitação, porque alguns deles estavam inclusivamente em condições - até porque têm relações pessoais com o Sr. Presidente da República - de obter uma confirmação.
Não ponho em causa, de maneira nenhuma, o direito de criticar o Presidente da República. Penso, no entanto - e isso é política -, que os senhores pretenderam agarrar uma notícia para criar um facto político artificial e mais uma vez uma manobra de diversão, desviando do essencial a atenção dos Portugueses. E, Sr. Deputado, o essencial nesse momento era o caso tristíssimo que provocou a demissão do Ministro Carlos Borrego. Era isso que estava na ordem do dia e os senhores tentaram fazer esquecer a desgraçada anedota do Ministro criando um facto político artificial. Essa é que é a verdade!

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - O Sr. Deputado foi o primeiro a desmentir, mas, como sabe, há outras pessoas que estiveram presentes nesse jantar que o confirmaram, designadamente o Dr. José Manuel Homem de Mello, que, a certa altura, na televisão, disse: «Não, não! Eu só falei da Europa. Da dissolução falaram os outros.» Lembra-se disso, Sr. Deputado?

Risos do PSD.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Portanto, Sr. Deputado, eu acredito, na sua boa-fé. Tenho por si todo o respeito e acredito no que diz, mas, em benefício da acusação que me faz de ser precipitado, gostaria de lembrar-lhe as afirmações de outras pessoas como é o caso do seu colega de bancada Deputado Jaime Gama e do Dr. José Manuel Homem de Mello.

O Orador: - Repito-lhe, Sr. Deputado, que o Presidente da República tem o direito de convocar quem quiser para discutir todos os cenários, inclusivamente esse.
Mas, repito, dou-lhe a minha palavra de honra de que, se aquilo que veio a lume foi o que se passou, eu não estive nesse jantar.

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Adriano Moreira.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Amaral.

O Sr. Fernando Amaral (PSD): - Sr. Presidente, a quem tenho a honra de cumprimentar porque esta é a primeira vez que vou fazer uma intervenção sob a sua presidência, Srs. Ministros, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados: Devo confessar-vos que não é sem alguma dificuldade que, me atrevo a subir de novo a esta tribuna para intervir neste debate. Essa dificuldade resulta do temor que sempre me inspira esta tribuna pelo enorme respeito que lhe consagro.
E, porque aquele atrevimento superou a dificuldade, devo afirmar que o faço com enorme prazer em função da sedução do tema que nos foi proposto.
O grupo parlamentar interpelante expressara-o na asserção seguinte: «na acentuada degradação da democracia na falta de transparência da vida política e na crescente desprotecção dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores e dos cidadãos em geral».

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Para justificar o seu enunciado adiantou como pressupostos «que o País vê com crescente preocupação o processo de gradação da democracia a que a política do Governo tem conduzido quer no plano social e cultural e, muito particularmente a degradação da democracia política».
Pensamos porém que a denúncia não corresponde á realidade, já que os pressupostos adiantados são destituídos de fundamento que a autorizem.
Apesar disso, entendemos que a interpelação tem particular utilidade porque nos obriga a reflectir, na sede própria, sobre a vivência política que tem marcado o nosso percurso em democracia e a prospectar o se u futuro.
É pois, um excelente pretexto para o debate político.
Nesse quadro, desejamos afirmar que temos a firme convicção de que a nossa democracia tal como fora pensada e desenhada na sua arquitectura constitucional, está profundamente consolidada; ela é a expressão; da vontade colectiva do povo; que somos, e está garantido o regular funcionamento, das instituições democráticas que formulou.
«A democracia, abriu-nos caminhos, insuspeitados de progresso; criando as condições; propícias a ultrapassar, dificuldades que pareciam insuperáveis. Conseguimos; avançar, responsavelmente, em liberdade e com invejável; estabilidade política, como lapidarmente escreveu o Sr. Presidente da República e que aqui cito com á admiração e o respeito que gostosamente lhe tributo.
É ainda S. Ex.ª que) com a isenção independência que caracteriza a sua magistratura anota: «Os progressos alcançados no domínio das infra-estruturas para referir depois que «temos dado passos importantes no caminho da
modernização».

Aplausos do PSD.

E se ao povo devemos endossar os êxitos alcançados naqueles domínios, eles se devem, na maior medida; à actuação do Governo. Negar-lhe este reconhecimento seria escamotearia justiça a que tem direito no excelente esforço que, tem realizado para dotar o País dos meios necessários ao seu desenvolvimento. É uma opção política que segue o seu curso, com a rapidez possível, na conturbada conjuntura internacional que vivemos.
Concretizá-la, tanto quanto possível, é um imperativo ditado pelas exigências do progresso a que, o povo português tem direito e empenhadamente reclama.
Sabemos e sentimos, com agravada angústia que vivemos uma das crises, económicas, mais profundas dos últimos 50 anos. As democracias ocidentais sofrem as incidências dessa recessão com preocupante ansiedade. Os países de Leste a braços com graves complexos problemas, vêem baixar de 15)% a sua produção no ano passado e a Comunidade Europeia experimentou um crescimento económico de apenas 0,6%. O investimento das empresas europeias estagnou e o desemprego atinge níveis, elevados e mesmo dramáticos, em, alguns países.

O Sr. Carlos Coelho(PSD):- Muito bem!

O Orador: - Portugal, sendo uma pequena economia abertas, não podia deixar de ser afectado pela situação económica internacional que está a provocar medidas urgentes de austeridade.
É nesta grave conjuntura que temos de enfrentar, ainda a eliminação das barreiras á circulação das mercadorias e de capitais, a partir de 1 de janeiro, na seguência da nossa integração do mercado único. Tal situação se traduz na existência de uma concorrência mais forte e agressiva face á produção nacional.
Mas, apesar de tudo é justo reconhecer que nesse clima de crise internacional agravada pela seca que nos vitimou, somos o país que até ao momento melhor se tem aguentado, os malefícios da recessão económica que travou e ensombra o desenvolvimento de todos os países.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: - Na verdade, no ano passado, apesar das adversidades anotadas, Portugal conseguiu um crescimento da produção que foi o dobro da média da Europa Comunitária; o investimento cresceu cerca de 5,5 % contra 0% na Europa; a nossa taxa de desemprego passou a ser mais baixa de toda a Europa comunitária e conseguiu-se uma baixa substancial da taxa de inflação que ronda presentemente os 6%.
Referi estes índices por me parecerem significativos para demonstrar que a política seguida pelo Governo, nos últimos sete anos, permitiu suportar, com custos menores o choque inevitável da recessão económica em curso e nos dão a convicção e a esperança de que o nosso crescimento económico continuará em 1993, que a taxa mais moderada.
Fiz esta apressada incursão pelos espaços da economia por estar convencido de que eles condicionam outros aspectos fundamentais da nossa cidadania.
De entre eles, destacamos a justiça social que constitui pedra de toque para se julgar das condições de melhoria de vida dos Portugueses. Sabemos que ela depende, em primeiro lugar, dos níveis do emprego e do desemprego.
Mercê dessa governação, sempre posta em causa pelo grupo interpelante, temos de reconhecer que foi conseguida uma baixa significativa do desemprego que se situava pelos 4,5% e que agora, pelas razões conhecidas, subiu para níveis superiores, preocupantes mas mesmo assim como já referi, sem o gravame assustador a que outros países estão sujeitos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, as pensões mínimas de reforma aumentaram 11,5% em termos de poder de compra e foi atribuído o 14.º mês aos reformados. O abono de família e outras prestações sociais aumentaram 80% em termos reais e promoveu-se um programa de habitação que permitiu a conclusão de uma taxa de construção de fogos que represente um esforço notável nos limitados recursos de que dispomos.

Aplausos do PSD.

De igual modo, verificou-se durante o período da governação do nosso Executivo, um apreciável aumento das infra-estruturas da educação, o que permitiu um melhor acesso á cultura.
Estas realidades cujo reconhecimento se nos impõe com a teimosia da verdade dos factos. O País ganhou em progresso em desenvolvimento em modernidade.
É certo que tais factos estão ainda muito longe do que desejamos. Estamos necessariamente insatisfeitos! Mas esta insatisfação é motor seguro para os novos avanços nesses e noutros domínios que se situam na exigência de melhor qualidade de vida e justiça social para os Portugueses. Ela

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será permanente e não terá termo, porque não conseguiremos nunca, pela fatalidade das coisas, que os recursos aumentem mais do que os nossos desejos.
Mas é inegável que nos apertados limites da riqueza do País temos avançado na sua modernização, não tanto quanto desejável mas, certamente, tanto quanto foi possível.
Sucede, porém, que a linha progressiva do seu desenvolvimento sofreu uma forte e dura travagem nos tempos que decorrem sob o vendaval económico que assoberbou o mundo e provocou desequilíbrios inquietantes, muito especialmente na Europa.
Muitas são as interrogações que o futuro nos coloca, tantas e tão graves que reconhecemos que a sua conquista não pode depender, tão-só, dos técnicos e dos governantes; ela tem de ser compromisso e obra partilhada por todos os cidadãos responsáveis.
O diálogo, a procura dos consensos, a informação, a perseverança e a prudência, conjugadas com a determinação, a ousadia de soluções novas e a firmeza dos rumos a prosseguir só serão possíveis quando dominados por uma solidariedade activa que tenha o ímpeto determinado da vontade com que se vencem os grandes desafios.
Porque confiamos no projecto de construção da Europa, nas virtualidades das democracias e na força aliciante da solidariedade, estamos firmemente convictos de que a Europa e o nosso país vencerão os tremendos desafios com que nos deparamos neste conturbado momento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É um momento complexo porque vivemos num quadro internacional de profunda e insuspeitada crise, que impõe a mobilização de todas as nossas energias, a busca da racionalidade e a procura de consensos e onde se exige uma grande capacidade de resistência, de determinação e muita serenidade. Por isso, estamos com os que reconhecem a necessidade urgente de um debate nacional, que concorra para a assunção de um compromisso solidário, para que na unidade do esforço de todos possamos vencer os dolorosos efeitos da crise que nos atormenta, e nos permita então fazer as opções mais ajustadas.
Não emparceiro com os pessimistas. O reconhecimento da crise económica e dos desequilíbrios que provocam o desnorte do pensamento europeu é apenas o aguilhão necessário à luta infatigável para novos cometimentos em ordem à segurança, à tranquilidade, à melhor qualidade de vida e à paz.

Aplausos do PSD.

Os políticos têm nessa grandiosa e delicada empresa uma especial tarefa de acrescida responsabilidade. E necessário que ela se faça com total transparência para que a classe política reganhe, em Portugal e na Europa, muito especialmente, a dignidade e a nobreza que lhe dêem a credibilidade de primeiros e principais agentes do trabalho colectivo que importa realizar.
«A transparência da vida pública é para nós um imperativo moral e um imperativo de cidadania», afirmava, ainda há poucos dias, o Sr. Primeiro-Ministro, com a competência e seriedade que lhe reconhecemos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Seguindo a linha do seu pensamento, haveremos de entender que a transparência da vida pública tem de ser tratada com um grande sentido de responsabilidade e não como um instrumento de luta partidária.
É a credibilidade do regime e o prestígio do Estado que estão em causa. Estou certo de que os grupos parlamentares irão corresponder aos interesses e preocupações manifestados, porque possuem o alto sentido das suas responsabilidades como protagonistas relevantes do exercício político.
Os projectos de lei de financiamento dos partidos políticos, das incompatibilidades de cargos políticos e do controlo das suas declarações de rendimentos irão concorrer para uma maior transparência do sistema, como atributo inquestionável do processo democrático.
Pensamos que o contributo de todos os grupos parlamentares em matéria tão delicada é da maior importância para que o consenso a realizar seja a expressão da coragem moral e da competência de que têm dado excelente testemunho quando está em causa o interesse de todos os portugueses, a face do regime e a imagem de Portugal.
É com essa desejada transparência que melhor se garantirão os direitos de cidadania e, fundamentalmente, os direitos do homem.
Aqui, como alguém que muito admiro escreveu, quase que tocamos o sagrado, mas também profanamos o divino com os nossos élans sublimes e as nossas fraquezas, com a nossa generosidade e as nossas recusas, com as nossas grandezas e os nossos pequenos cálculos, com as nossas consciências exigentes e as nossas complacências, com as nossas declarações solenes e os nossos lugares comuns, com os nossos discursos elevados e, tantas vezes, com a nossa retórica oca. Só com muita humildade, honestidade e vontade séria de serviço, vencendo e ultrapassando aquelas fraquezas humanas, será possível continuar com coragem a nobilitante tarefa, de levar Portugal ao responsável compromisso de preparar e construir o futuro por entre os desconfortos, riscos, desassossegos e dramas que estão castigando a Europa.

Aplausos do PSD.

O nosso destino está aí «matriciado», onde as democracias ocidentais são chamadas à prova das suas capacidades para ultrapassarem as dificuldades patenteadas. Vai ser uma prova dura, é certo, mas estou confiante nas suas. virtualidades e, sobretudo, no esforço solidário em que todas se lerão de enredar para a solução comum dos problemas de todas.
Pensamos que a nossa democracia está em condições de corresponder aos apelos que se levantam e estou tão certo disso que não aceito nem reconheço que a mesma esteja sofrendo um processo de acentuada degradação, como pretende o grupo parlamentar interpelante. Bem pelo contrário, ela saberá responder, e responderá, às exigências suscitadas, com o fulgor da sua juventude e com a experiência intensa e profunda dos seus 19 anos de consolidação e afirmação incontestada.

Aplausos do PSD.

Entendemos, por isso, que não é exacto nem participa da verdade, ainda que de forma ténue, a afirmação de que estamos em «acentuada degradação da democracia». Tal asserção é tão insólita como estranha, quando todos sabemos que as instituições democráticas desenvolvem a sua acção na esfera das competências próprias e no respeito da legalidade democrática que lhes é reconhecida.

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De resto, bem sabemos, com particular consciência da minha parte, que tal degradação nunca seria possível sem a reacção institucional e pronta de quem tem o supremo magistério de velar pelo salutar exercício da democracia.

Aplausos do PSD.

Pensamos que a falada «degradação»fé apenas produto de uma imaginação apostada no confronto político da dinâmica parlamentar. E se apreciamos a imaginação, não aceitamos, porém; o conceito que pretende substantivar.
Para fundamentá-lo; o grupo parlamentar interpelante invocou a «falta de transparência da vida política». Se ela existe, ela será da responsabilidade dos políticos, já que são eles que dão rosto e imagem à expressão do seu desenvolvimento.
Temos como certo que a; transparência é um atributo da democracia. Sem ela, a classe política não temia credibilidade imprescindível à confiança que deve despertar nos cidadãos. E esta é uma exigência tão ponderosa, que não deveria ser necessário invocá-la, já que ela faz parte intrínseca do exercício da democracia, como seu atributo moral imprescindível. Quando ela falta, por acção ou omissão, a democracia tem instrumentos que a condenam: ou pela denúncia política dirigida à censura pública, que pela participação aos tribunais para julgamento dos infractores, conforme a natureza dos actos ou atitudes que a ofendam. Vários são os instrumentos que permitem o exercício democrático daquela denúncia ou o recurso aos tribunais na, teia de segurança que a nossa democracia previne.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador:- Mas, apesar disso, pretendemos levar mais longe a prevenção contra a falta de transparência e os projectos dos diplomas, que referi já estão em curso, felizmente, na Assembleia da República. Estou certo de que, consensualizando os respectivos articulados, encontraremos meios mais eficazes para desmotivar e vencer as tentações que possam subverter a pureza dá democracia. Será um louvável esforço que nos colocará, mais uma vez, na vanguarda da criação dos instrumentos que garantem e defendem a transparência democrática.
Por dever de função no Conselho da Europa, tenho visitado a maior parte dos parlamentos europeus e analisado, tanto quanto me é possível, os mecanismos e instrumentos que permitem e garantem o exercício dos direitos e dão vida à expressão democrática. Tenho concluído, com orgulho- devo confessá-lo-, quero nosso sistema bem pouco ou nada tem de aprender com os respectivos sistemas quanto à democraticidade do exercício dos direitos políticos...

Aplausos do PSD.

... à garantia dos direitos que afirmam à cidadania e à defesa dos direitos do homem.
Essa rica e larga experiência que tenho vivido por essa encantadora Europa, a vivência profundamente sentida do nosso trato e afirmação democráticos autorizam-me a concluir que não é exacto que a democracia no nosso país esteja em «acentuada degradação».

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Pensamos,- por isso, que a denúncia avançada pelo grupo parlamentar interpelante não merece provimento. E seria caso, outras instâncias, para, fundadamente, se pedir que se arquivem os autos sem mais diligências.

Aplausos de pé.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Agradeço, ao Sr. Deputado Fernando Amaral as palavras que me dirigiu.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Amaral, ouvi com atenção a sua intervenção e registo o empenho e o cuidado com que analisou as questões por nós suscitadas.
O Sr. Deputado é um pouco vítima - e isso talvez lhe tenha escapado - do facto de a bancada do PSD, na intervenção que antecedeu a do Sr. Deputado Pacheco Pereira, ter achado mais interessante a questão gastronómica que a do regime político. Daí quê, agora, o Sr. Deputado não disponha, por exemplo, de tempo para responderias minhas questões. No entanto, vou conceder-lhe um minuto para esse efeito.
Sr. Deputado Fernando Amaral; creio que imaginação, e muita, revelou o Sr. Deputado, ao traçar aqui um quadro, que, esse sim quase diria de um oásis...

ozes do PSD: - Ah!

O Orador:- ... em torno da situação do País e do estado da democracia. O que lhe pergunto, Sr. Deputado, é como compatibiliza essa visão idílica do mundo, da sociedade portuguesa e da política em Portugal com quatro questões que vou colocar-lhe, tendo a primeira a ver com a actuação dos Serviços de Informações, que se envolvem e actuam contra actividades legítimas, como, por exemplo, o exercício do direito de manifestação por parte de sectores sociais que protestam contra a política do Governo. O que é isto, Sr.Deputado Fernando Amaral se não uma actuação do tipo da que caracteriza uma polícia política?
A segunda questão é a seguinte: como é que o Sr. Deputado não é da opinião de que há uma" degradação dá democracia quando o exercício do direito à greve, tal como está a ser interpretado pelas empresas públicas tuteladas pelo Governo; conduz na prática ao esvaziamento desse direito, levando à fixação administrativa d e serviços mínimos que incluem a totalidade dos serviços prestados pela empresa onde os trabalhadores declararam greve?
Terceira questão é esta: como é que compatibiliza essa visão idílica com a sistemática ocupação, que tem sido- sucessivamente denunciada por diferentes entidades do aparelho de Estado pelo PSD e com a promiscuidade que, cada vez, mais, existe entre o partido e o Estado, entre o PSD e o aparelho de Estado.

Vozes do PSD: - Não é verdade!

O Orador: - A minha quarta questão tem a ver com o facto, de o Sr. Deputado ter citado, por várias, vezes, o Sr. Presidente da República. O que lhe pergunto é se entende ou não que há sinais de degradação da democracia, quando o partido em nome do qual falou aqui, o PSD, através da sua direcção, provoca, hostiliza e combate o exercício normal das competências de órgãos superiores do Estado,...

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Vozes do PSD: - Isso é falso!

O Orador: - ... que tem por missão a fiscalização da acção do Governo, concretamente a Procuradoria-Geral da República, o Tribunal de Contas e o próprio Presidente da República, que o Sr. Deputado Fernando Amaral tanto louvou na sua intervenção.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Sr. Deputado Fernando Amaral, para responder, V. Ex.ª tem um minuto cedido pelo PCP.

O Sr. Fernando Amaral (PSD): - O PCP poderia ser mais generoso ...! Uma vez na vida, pelo menos! É que um minuto não chegará sequer para fazer um primeiro comentário à amabilidade que teve ao dizer ter ouvido com atenção aquilo que referi. Mesmo assim, vou tentar responder às suas questões num minuto, para ser tão exacto quanto possível.

O Sr. João Amaral (PCP): - O resto dá-lhe a Mesa...

O Orador: - Está-se em ambiente de generosidade, diz o Sr. Deputado João Amaral. Portanto, V. Ex.ª parece sentir-se à vontade, porque o PCP deixa de exercer, agora e neste momento, o policiamento também aqui da Assembleia. Fico-lhe grato, por isso.

Risos do PSD.

Sr. Deputado João Amaral, começo pela sua última questão. V. Ex.ª afirmou que citei várias vezes o Sr. Presidente da República. Sr. Deputado, citei por duas vezes - aliás, penso que com toda a oportunidade - o pensamento do Sr. Presidente da República. Porém, pelo facto de o ter citado não quer dizer que esteja sempre de acordo com o Sr. Presidente da República e é legítimo, correcto, sério e necessariamente democrático que todos estejamos atentos aos comportamentos de todos. Ninguém é incólume, como já aqui foi dito, ainda que eleito por sufrágio universal, às críticas e aos comentários de quem pretenda exercitar verdadeiramente a democracia. Tem, pois, aí a resposta à quarta questão.
Quanto à terceira questão, relativamente à promiscuidade existente entre o partido e o Estado, penso que o Sr. Deputado João Amaral aí imaginou, fantasiou, porque não parte desta realidade: é que o PSD é o maior partido político do País...

O Sr. João Amara! (PCP): - Isso não lhe dá legitimidade para ocupar o aparelho de Estado!

O Orador: - Mas ele não está, de modo algum, a ocupar o aparelho de Estado! Essa é, uma acusação e uma denúncia destituída de fundamento, que, como todas as demais, se insere tão-só naquela preocupação dominante e permanente que o PCP tem de fazer acusações pelas suas próprias previsões, alheado da realidade circundante que é totalmente diversa daquela que imagina.
Quanto ao direito à greve, estranho que o Sr. Deputado João Amaral tenha colocado o problema, porque, segundo penso, está a cumprir-se a lei,... ,

O Sr. João Amaral (PCP): - Está a abusar-se da lei!

O Orador: - ... lei essa que não mereceu qualquer objecção por parte do Tribunal Constitucional. E se a lei não está a ser cumprida, há instrumentos adequados que obrigam a cumpri-la. Isso é próprio da democracia, em cujos processos de actuação temos de confiar.
Quanto àquilo que referiu a propósito da imaginação, relacionado ainda com os serviços de informação - ao que, penso, já foi dada a correspondente resposta -, quero apenas dizer-lhe que admiro a imaginação. E se ela, por vezes, nos surpreende, porque nos leva ao campo da fantasia, o certo é que, sem ela, também não iremos a lugar algum.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: As actividades que estão a ser desenvolvidas pelo Serviço de Informações de Segurança são de todo intoleráveis num Estado democrático. Para os Portugueses, que justamente se sen: tem lesados pela política do governo PSD e que legitimamente lutam contra ela, exercendo os seus direitos de reunião, de manifestação ou de greve, a sigla SIS é, hoje, sinónimo de «bufaria» política, de intimidação «pidesca» e de comportamentos de vigilância policial, que se julgariam banidos num país democrático.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Onde os pescadores se manifestam contra a miséria que lhes bate à porta, os agentes do SIS fotografam; onde os agricultores protestam, os agentes do SIS marcam presença ostensiva; onde os imigrantes se reúnem, os SIS aparecem; onde os estudantes se organizam e protestam, os SIS vigiam, elaboram ficheiros e infiltram bufos.
As acções que os SIS têm vindo a desenvolver e que os seus responsáveis assumem publicamente não consistem na recolha de informações necessárias a prevenir a sabotagem, o terrorismo, a espionagem ou a prática de actos que, pela sua natureza, possam alterar ou destruir o Estado de direito constitucionalmente estabelecido.
Não é de nada disso que se trata. O que fazem os SIS é vigilância policial, política, sobre os cidadãos que se opõem activamente à política do Governo. Os agricultores não são sabotadores, os pescadores não são terroristas, os estudantes não são espiões.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Se há acções que possam alterar ou destruir o Estado de direito, não são as que consistem no exercício das liberdades democráticas, mas as actividades dos SIS, que actuam como polícia política do cavaquismo.

Aplausos do PCP.

O Governo e, particularmente, o Sr. Ministro da Administração Interna, que é responsável por este serviço, fogem a dar explicações sobre as actividades dos SIS.
Em Outubro de 1992, o PCP, pela voz do meu camarada João Amaral, exigiu a presença do Sr. Ministro num debate específico sobre os SIS, por considerar que o seu funcionamento atenta, de forma gravíssima, contra direi-

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tos, liberdades e garantias e contra à ordem democrática. Respondeu o Sr. Ministro - passo a citar textualmente o Diário da Assembleia da República. «O Sr. Deputado João Amaral quer um debate sobre o Serviço de Informações de Segurança? É fácil: interpela o Governo! Venho aqui quando o senhor quiser. Uma pergunta, uma interpelação, o que or senhor quiser, aqui, na Comissão, o tempo que o senhor quiser. Vamos debater como e quando o senhor quiser.» O Ministro comprometeu-se, mas não honrou compromisso.
Por várias vezes nesta sessão legislativa o PCP inscreveu perguntas ao Governo sobre a actividade dos SIS. O Governo nunca respondeu e tal silêncio é elucidativo quer da gravidade das acções desenvolvidas quer da responsabilidade e do interesse directo que o Governo assume em relação às actividades de vigilância ilegal dos cidadãos por parte desses Serviços.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Policializar a sociedade portuguesa equina verdadeira obsessão do Governo do, PSD. À medida que sobe de tom a contestação à sua política autoritária é impopular, o Governo procura instalar o medo e a desconfiança entre os cidadãos, fazer de cada cidadão um delator e criar mecanismos próprios de um Estado policial.
A propósito do segredo de Estado uma verdadeira lei da vergonha que o PSD acaba de aprovar na especialidade, impõe-se a todas os cidadãos um dever de salvaguarda de matérias secretas de que tenham conhecimento, destinado sobretudo a servir de arma de arremesso contra a liberdade de imprensa.
A pretexto do combate à corrupção, permite-se ã realização de acções de Investigação criminal por iniciativa própria da polícia, sem a direcção funcional do Ministério Público.
A pretexto do combate ao branqueamento de capitais impõem-se deveres de denúncia, aos trabalhadores banca-nos e instala-se a devassa sobre às operações bancárias de qualquer cidadão que alguém considere suspeito de alguma coisa.
As bases de dados proliferam. Os ficheiros policiais, cruzam-se sem controlo. A fiscalização bipartidária dos Serviços de Informações limita-se a confirmar que estes, de facto, recolhem informações sobre, cidadãos que se manifestam. Mas «tranquilizam-nos» recolhem informações, mas não vigiam.
É muito grave o que se está a passar.
O Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações, com a competência e a composição actuais, reduz a sua função fiscalizadora à primeira apreciação de relatórios feitos pelos próprios Serviços de Informações. Urge alterar esta situação e torná-lo verdadeiramente num órgão fiscalizador da actividade dos SIS. O Grupo Parlamentar do PCP apresenta hoje um projecto de lei com este objectivo. Propomos que esse conselho seja integrado por um, magistrado a indicar pelo Conselho Superior da Magistratura e por quatro cidadãos de integridade e mérito reconhecidos, sendo cada um deles proposto por cada um dos partidos representados na Mesa da Assembleia da República.
Propormos também que sejam atribuídas ao mesmo conselho as seguintes competências, entre outras solicitar, e obter directamente dos Serviços de Informações todas as informações e elementos que considerem necessárias. Ou convenientes para, o exercício cabal do seus poderes; efectuar, com ou sem aviso, visitas de inspecção a qualquer departamento dos Serviços: de Informações; conhecer de quaisquer irregularidades ou violações de direitos, liberdades e garantias que se verifiquem em centros de dados dos Serviços de Informações. O Estado democrático, se quer continuar a sê-lo, tem de pôr cobro às actuações dos Serviços de Informações que violemos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. É urgente dotar de poderes efectivos a comissão de fiscalização dos Serviços de Informações e Segurança e, tal como o PCP hoje propõe, é necessário averiguar de imediato e em toda a sua extensão as actividades dos SIS que violem a Constituição e a lei e pôr termo a essas acções, que são indignas de um Estado democrático.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social.

O Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social(Silva Peneda): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O exercício da democracia não se confina ao funcionamento regular das instituições. O exercício da democracia é, acima de tudo, uma atitude cívica. Quanto mais elevado for o nível de educação de um povo, quanto maior for a sua prosperidade económica, quanto menos visíveis forem as desigualdades sociais e regionais, mais condições existem para o exercício pleno das liberdades e da afirmação do indivíduo, de acordo com as suas convicções. Mas esta caminhada passa por coisas muito concretas, desde logo pela valorização dos recursos humanos,, nas suas múltiplas vertentes. É o recurso mais valioso que possuímos.
Esta caminhada passa também por coisas muito mais imediatas, como, por exemplo, o emprego.
O desemprego ou - se quiserem - a ameaça de desemprego é a questão social do momento, à qual não irei fugir. Começo esta intervenção precisamente por aí.
Depois de anos consecutivos em que se criaram no nosso país centenas de milhar de postos de trabalho e todos os anos o poder de compra dos trabalhadores aumentou, a partir de meados de 1992 o número de desempregados vêm aumentando no nosso país. Esta é uma realidade. A evolução da economia nos últimos tempos não tem permitido a criação de novos postos de trabalho em ritmo idêntico ao verificados anteriormente.
As razões e as causas desta evolução são conhecidas de todos. Portugal não foge a um tipo de comportamento que é comum a todos os países da Europa comunitária.
Mas há diferenças - diferenças substanciais - que não podem deixar de ser apontadas nesta evolução recente.
Apenas aponto uma: no espaço europeu comunitário, em dois anos perderam-se todos os ganhos de uma década em termos de emprego. Em Portugal isso não aconteceu. Isto é: enquanto em 1991 e 1992 a perda de postos de trabalho em toda a Europa fez com que, de forma rápida e brutal, se tivessem perdido todos os ganhos de uma década, atingindo-se hoje valores de desemprego que são recorde e eram impensáveis há escassos anos atrás, em Portugal o desemprego agravou-se- é certo- mas à um ritmo incomparavelmente menor. Portugal tem hoje uma taxa de desemprego idêntica à que se verificava em finais de 1989.
A análise dos números é importante porque nos dá a dimensão do problema. Mas - estamos de acordo - não chega.

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A verdade é esta: não aconteceu em Portugal em termos de emprego o mesmo que se verificou em todo o espaço comunitário. É importante que isto fique registado.
Mas a questão essencial é outra: saber se, apesar desta evolução, temos razões para ficar descansados e minimizar o problema. Sr. Presidente e Srs. Deputados, a minha resposta é clara: não temos quaisquer razoes que nos aconselhem uma atitude passiva. Pelo contrário, temos todas as razões para concretizar, com toda a convicção, um conjunto de medidas activas de promoção do emprego.
Não são os números que justificam esta nossa opção. Não temos, como alguém aqui quis fazer crer, a ideologia dós números. Num debate político, como este, é salutar que nos posicionemos claramente quando abordamos fenómenos com repercussões sociais tão vastas como é o caso do desemprego.
A perda de rendimentos de um agregado familiar que vê um dos seus ficar desempregado, mesmo que esse rendimento possa ser total ou parcialmente coberto por esquemas de protecção social, é já de si uma situação grave. Mas sei que é o desemprego que desencoraja, é o desemprego que pode levar à perda de confiança em si próprio e nos outros, é, em muitas circunstâncias, o desemprego a causa mais decisiva que pode conduzir à marginalidade e à exclusão social.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador:- O nosso ideário de social-democratas convictos não nos permite descansar, mesmo - o que não é o caso- que a protecção social no desemprego fosse muito elevada. Essa é a componente material. Preocupa-nos muito mais a outra: á componente afectiva. É que por detrás de um desempregado há um estado de espírito. E uma sociedade que se quer vencedora, que se quer apta a enfrentar enormes desafios, que se quer competitiva face ao exterior, não pode ver grassar no seu seio gerações de frustrados, que vão perdendo a alegria de viver e de se sentir participantes, activos e ambiciosos na construção da sua própria felicidade.

Aplausos do PSD.

São estas - e não outras, como os números - as razões que nos movem e que justificam aqui a nossa presença e esta intervenção.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os empregos produtivos não se criam por decreto nem por via administrativa. Noutras épocas e noutras paragens pensou-se que seria assim e os resultados catastróficos são hoje conhecidos de todos: nem a prosperidade material, nem a felicidade pessoal, nem- muito pior- a prática dos mais elementares direitos de cidadania, nem, em suma, a liberdade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os empregos produtivos criam-se nas empresas e estas criam-se se surgirem agentes empreendedores em grande número e qualidade. O surgimento de agentes empreendedores dispostos a investir depende de todo um conjunto de factores e de políticas de natureza macroeconómica. Sabemos bem que o espaço de manobra é hoje curto - trata-se de matéria já amplamente discutida e analisada nesta Câmara.
Mas nunca, como hoje, o factor mais decisivo foi a confiança. É por isso que tenho de afirmar aqui claramente que há afirmações e análises, que se fazem muitas vezes sem fundamento, que não têm outro objectivo que não seja o de instalar o pessimismo generalizado no tecido social, abalar a confiança e assim contribuir, clara e objectivamente; para o agravamento do desemprego.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma coisa é não escamotear a realidade e enfrentar com determinação os graves problemas que decorrem de uma recessão internacional sem precedentes. É a nossa posição.
Outra coisa, bem diferente, é querer desbaratar energias em discussões muitas vezes sem sentido, traçando cenários de um negro carregado e inculcando a ideia de que vivemos num país sem futuro. Em suma: querem provocar a instabilidade pela instabilidade.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sem rodeios, chamando as coisas pelos nomes, quem se posiciona aí, quer queira quer não, está a provocar o desemprego, está a provocar a exclusão social.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sinceramente, não quero pensar que ainda haja no nosso país, neste final do século XX, forças políticas que entendem que só conseguem sobreviver à custa da proliferação da miséria e do desemprego; que só conseguem sobreviver alimentando as frustrações próprias de quem desesperadamente vê as suas certezas, ditas científicas, arrumadas nos arquivos de documentação bibliográfica. Mas, pelos vistos, ainda há.
Repito a nossa posição: não escamotear a realidade e enfrentar com determinação os graves problemas que decorrem de uma recessão internacional sem precedentes.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - E nacional também, já agora!

O Orador: - Aí não há certezas absolutas. Sem complexos de qualquer espécie, tem hoje em dia toda a razão de ser falar-se da gestão da incerteza. É para isso que há que saber muito bem distinguir o que é essencial do que é acessório.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, passemos, por isso, aos factos.
Desde logo, nestas circunstâncias, pensamos ser essencial que as forças sociais e o Governo dialoguem num clima de concertação social.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Entendemos que os problemas do desemprego e dá criação de emprego serão muito mais facilmente resolvidos num clima de diálogo e concertação. No respeito pelos interesses próprios de cada um, há no nosso país, nas actuais circunstâncias, condições para o aprofundamento do exercício da concertação social.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O Governo já deu disso provas inequívocas. Por isso, aqui reafirmo mais uma vez de forma solene, que a nossa disponibilidade para esse processo é total.

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Para além dos mecanismos normais, designadamente em sede do Conselho Económico Social, criámos o Observatório do Emprego, onde têm assento todos os parceiros sociais. Nessa sede, vêm sendo debatidas formas de actuação que, num quadro realista, permitem mobilizar de forma convergente todo um conjunto de instrumentos no capítulo da promoção de emprego.
Passo a dar aos Srs. Deputados alguns exemplos da medidas recentes.
Começo pela criação dos clubes de emprego. É uma medida inovadora. Pretendemos que a nível de bairro ou de freguesia, aproveitando instalações existentes de colectividades, possam surgir estes clubes. Disponibilizaremos meios e apoios financeiros e técnicos. O objectivo tem a ver nesta matéria, com o acompanhamento personalizado dos desempregados, canalizando-os de acordo com as sua aptidões e características para esquemas de valorização, seja pessoal ou profissional.

O Sr. Carlos Coelho.- Muito bem!

O Orador: - Desenvolvemos programas ocupacionais, por entendermos que a melhor forma de apoiar um desempregado é dar-lhe uma ocupação. Criámos estes programas, que podem ser utilizados, pelas autarquias locais, e ou por qualquer outra instituição sem fins lucrativos, na ocupação em tarefas úteis para a colectividade, suportando o Ministério do Emprego e da Segurança Social, os custos inerentes aos transportes e seguros dos desempregados que vierem a ser ocupados.
A título de exemplo, refiro o Programa de emergência que foi concebido como causa da seca prolongada nas regiões do Vale do Tejo e do Alentejo. Graças a estas iniciativas foram mais de 3000 trabalhadores abrangidas. Não fora a existência do referido programa de emergência e estariam hoje numa situação social insustentável.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: - Este é um bom exemplo de três coisas: primeira, que não somos insensíveis ás consequências sociais do desemprego, segunda que não nos ficamos pela constatação pura e simples antes actuarmos e com eficácia, terceira que este é o exemplo a prova provada de há espaço para adopção de medidas idênticas para outras regiões ou sectores.

Aplausos do PSD.

As bolsas de formação constituem outras das recentes medidas que foram tomadas. Trata-se igualmente de um mecanismo inovador e original que permite que os trabalhadores subocupados possam durante um certo período de tempo elevar os seus níveis de qualificação profissional ou académica, suportando o Ministério do Emprego e da Segurança Social os respectivos encargos na condição de as empresas manterem o vínculo laboral desses trabalhadores.
As unidades de inserção de jovens na vida activa são pequenas unidades que têm por objectivo os jovens candidatos ao primeiro emprego. A filosofia é idêntica á dos clubes de emprego, muito embora, estes se destinem especialmente, aos desempregados de longa duração.
Outra medida recente e inovadora, a das redes de consultores. A criação de empregos em Portugal tem muito a ver com o sucesso das pequenas e médias empresas.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: - Por isso decidimos criar programas de apoio técnico a essas empresas desde a fase de diagnóstico de necessidade até á formulação e execução de planos concretos de formação do seu pessoal numa lógica de a componente, formativa fazer integrante da evolução da própria empresa.

Aplausos do PSD.

Assim, posso anunciar que já arrancaram e estão em funcionamento as primeiras iniciativas da rede de consultores, em Setúbal, em Águeda e no Algarve. Estes agentes serão integrados institucionalmente quer em organizações de consultores quer em associações profissionais e empresariais.
Recentemente avançámos com um programa de novo: o de apoio aos desempregados de longa duração. Decidimos, criar este programa específico com vista a integração no mercado de trabalho deste tipo de desempregados. Pretendemos com tal medida, analisar a situação individual de cada desempregado e perspectivar o seu encaminhamento para opções realistas e viáveis. Estas podem ser a sua inserção no mercado de trabalho como trabalhador por conta de outrém, como trabalhador independente ou mesmo como promotor de iniciativas empresariais. Porque não?

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador:- Foi o lançamento deste programa das razões que me levou a decidir por uma operação de melhoria da dados registados nos centros de emprego.
A minha grande preocupação, Sr. Presidente, Srs. Deputados não é trabalhar para as estatísticas mas apoiar os verdadeiros desempregados.

Aplausos do PSD.

Aí preciso de saber exactamente quantos são, quem são e onde estão.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: - Cada caso de desempregado é muitas vezes um caso diferente. Aos serviços de emprego exijo um acompanhamento que quero que seja tão personalizado quanto possível. Só assim se poderá elaborar diagnósticos correctos, agrupar esses desempregados consoante as necessidades, sejam de natureza escolar ou profissional, sejam de capacidade de iniciativa e de definição de um projecto profissional.
Os serviços estão mesmo em condições de poder celebrar convenções de acompanhamento de formação de emprego ou de programas conjuntos, tendo em conta a idade e a capacidade pessoal e profissional do desempregado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador:- Com a reformulação operada nos ficheiros, por certo os serviços ficarão em melhores condições de forma mais eficaz o lado da oferta de emprego, suscitando-a e caracterizando-a, o que vai seguramente contribuir para a dinamização da oferta de emprego junto do tecido empresarial.

O Sr. José Puig (PSD): - É verdade!

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O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estas são apenas algumas, das medidas mais recentes tomadas no âmbito do Ministério e que têm a ver com algo que me parece essencial: «amortecer» o impacte social negativo do aumento do desemprego.
Como facilmente os Srs. Deputados compreenderão, a preparação destas medidas não se faz de um dia para o outro. Significa isto que tivemos uma preocupação de prevenção, a tempo. Essa visão antecipativa dos problemas que hoje são visíveis já resultou bem clara quando defendemos a moderação salarial, a par da moderação financeira.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É que tínhamos a perfeita consciência de que o mais importante neste ano era defender o emprego, sendo certo que aumentos salariais excessivos significam mais desemprego. Sem mais!
Hoje, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a solidariedade não pode ser um conceito utilizado em relação àqueles que já têm um emprego. Para nós, a solidariedade hoje, no mundo do trabalho, tem um destinatário e tem de ser dirigida prioritariamente àqueles que não têm um emprego ou àqueles que estão em risco de o perder.
Espero bem ser acompanhado por toda a Câmara nesta postura e nesta linha de orientação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Também não foi por acaso que, por nassa iniciativa, lançámos um programa nacional de luta contra a pobreza no nosso país. São hoje cerca de 100 os projectos em curso, espalhados por todo o território nacional.
Para além dos resultados concretos já conseguidos, não quero deixar de sublinhar e congratular-me com o papel desenvolvido por muitas autarquias e pelo voluntariado social na execução de muitos desses projectos. Nesses homens e nessas mulheres, que trabalham de forma anónima e em contacto, esses sim, com os problemas sociais no terreno, sempre encontrei o melhor dos ingredientes de que um governante pode beneficiar doses de confiança, optimismo e determinação, que são um exemplo de que vale a pena lutar contra todas as formas de injustiça social. A eles aqui presto a minha homenagem.

Aplausos do PSD.

Mais do que o trabalho feito, e já foi muito, aqui fica registada, também para eles, uma certeza: não mais virá o tempo daqueles que tentaram silenciar e ofuscar o voluntariado social do nosso país. Coisas do destino ou talvez não! São os mesmos que tanto falam hoje de solidariedade, de liberdade e de justiça social.
Para nós, esses conceitos e valores são preciosos de mais para ser banalizados em discursos de fácil simpatia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Preferimos claramente que tenham uma tradução não apenas na denúncia, que é o mais fácil de fazer, mas sobretudo na acção concreta e na resolução dos problemas com que sofrem os mais desfavorecidos. Este é e será o nosso caminho.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente Barbosa de Melo.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Arménio Carlos, Nogueira de Brito e Raul Castro.
Tem a palavra, para esse efeito, o Sr. Deputado Arménio Carlos.

O Sr. Arménio Carlos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, reconheceu o Sr. Ministro, na sua intervenção, uma questão que desde há muito nós, Partido Comunista Português, denunciamos. Já em meados de 1992 - não por pessimismo, mas porque tínhamos conhecimento das realidades - denunciávamos que o desemprego estava a aumentar significativamente.
É interessante, aliás, recordar que foi no decorrer do período compreendido entre meados d 1992 e o 1.º trimestre de 1993 que mais se ouviram, por parte dos membros do Governo, as célebres frases da «democracia de sucesso» e do «oásis». Quer isto dizer que o Governo mentiu, porque nessa altura já sabia que o desemprego estava a aumentar, mas andava a enganar os trabalhadores e os Portugueses dizendo-lhes que estava tudo bem, que estávamos num oásis, que todos estávamos a viver muitíssimo bem.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Isto, Sr. Ministro, é lamentável.
Passo a uma outra questão que lhe quero colocar. Enquanto o desemprego esteve em baixa, o Sr. Ministro e o Governo, quando intervinham, tinham sempre o cuidado de elogiar essa baixa do desemprego como obra vossa. Neste momento, como o desemprego está a aumentar, dizem que a culpa já não é vossa, mas da crise, dos outros, da Comunidade, o que é de lamentar e, naturalmente, de contestar.
O Sr. Ministro falou na criação de emprego e fez algumas sugestões que, na maior parte dos casos, não dão resposta aos problemas concretos que os trabalhadores hoje sentem.
V. Ex.ª falou nos programas ocupacionais, conhecidos por cívicos, mas quero lembrar-lhe que eles devem ser um belo negócio para alguém que não para os trabalhadores e para os desempregados.
Vou dar-lhe um exemplo. No Hospital Distrital do Barreiro estão a deixar de renovar os contratos a prazo e, de imediato, recorrem ao Centro de Desemprego para admitirem desempregados, que irão fazer o mesmo serviço dos que despedem. Só que o Governo e a direcção do Hospital gastam muito menos dinheiro. Isto, Sr. Ministro, é de lamentar!

O Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social: - E os trabalhadores recebem menos?

O Orador: - Recebem sim, Sr. Ministro, pois recebem do Fundo de Desemprego, como V. Ex.ª bem sabe.
O Sr. Ministro falou também em pessimistas; só que os pessimistas são os trabalhadores. Então os trabalhadores não hão-de estar pessimistas quando se anuncia o seu despedimento?! Os 1500 trabalhadores da TAP não hão-de estar pessimistas quando se anuncia o seu despedimento?! Os 400 trabalhadores das Minas de Aljustrel não hão-de estar pessimistas quando se perspectiva o seu despedimento?! Como é, Sr. Ministro?! É a estes trabalhadores que os senhores têm que responder, mas não têm feito. As-

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um, não vale a pena chegarem aqui com algumas medidas de fachada, tentando iludir a realidade concreta das situações.
Quero ainda dizer-lhe e para terminar, que era bom que Sr. Ministro se referisse ao significativo aumento do número de empresas que deixaram de pagar regularmente ; salários aos trabalhadores e seria também interessante que o Sr. Ministro referisse o facto de haver cada vez um maior número de trabalhadores com os salários em atrai. Aliás, os números são da IGT mas temos consciência í que não são só esses, pois há-de haver muitos mais do que esses na situação desgraçada de trabalharem e não receberem salários, que é um dos direitos fundamentais que Constituição consagra no que respeita aos trabalhadores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, havendo mais oradores inscritos para pedidos de esclarecimento, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social: - O fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Ministro do Emprego e da Segurança Social: Há dias, sta Câmara, V. Ex.ª referiu o candente problema da publicação das estatísticas a cargo do seu Ministério em ateria de desemprego, tendo apresentado, para a suspendo dessa publicação, uma razão curiosa, ou seja, o grande afluxo de inscrições resultantes da possibilidade de benefício de certas medidas em matéria de protecção na doença. Pergunto: para quando prevê a retoma da publicação e que obras de restauro ou de beneficiação é que eram feitas nos serviços de apoio à estatística? A segunda pergunta tem a ver com o facto de, no discurso que fez aqui hoje, V. Ex.ª ter referido, para elogiar, instituições que colaboram nos programas de combate nobreza, ao que nos associamos. Mas depois fez a afirmação - curiosa- de que as manchas de pobreza no sso país seriam resultado de uma injustiça social ou de justiças sociais. Nesse sentido, pergunto: que fazem o Ministério e o Governo para combaterem essa injustiça ciai geradora de pobreza? E pergunto mais: é com o voluntariado e com o optimismo que V. Ex.ª conta embater eficazmente essa injustiça social geradora de pobreza?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a lavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, V. Ex.ª referiu-se, com insistência, a programas de luta contra o desemprego, o que me parece tratar-se de uma questão paradoxal, porque o aumento do desemprego no nosso país é consequência da política do Governo, da chamada convergência nominal e V. Ex.ª sabe isso muito bem. É a identificação com Bruxelas e com a sua política que conduz ao emprego. Portanto, por um lado, o Sr. Ministro imagina medidas de combate ao desemprego e, por outro, integra no Governo uma política que gera desemprego.
Quero ainda perguntar-lhe o seguinte, Sr. Ministro: é ou não verdade que as estatísticas do desemprego, que, aliás, revelam números muito superiores àqueles que o Governo apresenta, contam como empregados não só os que têm trabalho regular mas também aqueles que têm um trabalho parcial, como, por exemplo, aqueles que trabalham apenas um dia ou dois por semana e, por esse facto, são logo considerados como empregados? É ou não verdade que a maior parte dos postos de trabalho criados nos últimos anos são precários, nomeadamente trabalho a prazo, que agora se chama a termo, que, aliás, não é apanágio das entidades privadas, porque o próprio Governo tem, em diversos ministérios, uma série de contratados a termo?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social.

O Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, vou começar a responder pela ordem das perguntas que me foram colocadas.
Sr. Deputado Arménio Carlos, V. Ex.ª, com certeza, não deve ter ouvido o meu discurso - não reparei se estava aqui -, porque eu disse claramente que todo o conjunto de medidas tomadas o foram com base numa previsão em que sabíamos que, em toda a Europa, o aumento do desemprego ia ser maciço.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas disse também uma coisa que é muito importante, em termas proporcionais, e que distingue Portugal de todos os países da Europa comunitária: é que, no espaço comunitário, em dois anos, perdeu-se tudo o que, em termos de emprego, se ganhou numa década, quando, em Portugal, neste momento, estamos com uma taxa de desemprego que é igual à de 1989. Ora, não perdemos uma década, nem pouco mais ou menos! Isto em termos quantitativos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, eu, o Sr. Primeiro-Ministro e praticamente todos os maiores responsáveis do Governo, os dirigentes do Grupo Parlamentar e todos os Deputados do PSD, dissemos aqui claramente que a criação de postos de trabalho foi obra de todos os portugueses. Fartámo-nos de dizer isso e nunca reclamámos para nós, pessoalmente, o sucesso da sua criação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas, Sr. Deputado, queria discutir consigo coisas muito mais concretas. Perante a situação actual, desafio-o a dar-me mais uma medida, uma só, para além daquelas que enunciei, para combater o desemprego. Diga-me uma só que seja credível e factível.

Vozes do PSD: - Não consegue!

O Sr. Arménio Carlos (PCP): - Acabem com a destruição do aparelho produtivo, que são vocês que a estão a fazer!

O Orador: - Diga-me apenas uma, Sr. Deputado, e, então, valerá a pena este debate!

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Sr. Deputado, também disse claramente que mais importante do que os números é o que significa a situação de um desempregado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - É verdade!

O Orador: - Não admito nem posso aceitar que o Sr. Deputado tenha o monopólio daqueles que estão a sofrer com situações de desemprego. O senhor não tem esse monopólio.
Sr. Deputado, perante todas as medidas que elenquei - e apenas referi algumas mas tenho mais, várias já preparadas, vai ver uma série delas nos os próximos meses, porque a situação o justifica-,...

O Sr. Arménio Carlos (PCP): - Os disponíveis da função pública?! Se calhar é essa!

O Orador: - ... desafiei-o a que me diga mais uma, uma só.
O Sr. Deputado também falou de salários em atraso. Nunca escondi a existência dessa situação, mas muitos desses trabalhadores que hoje estão classificados com salários em atraso pertencem a empresas que já deixaram de laborar e o Sr. Deputado também conhece essa situação. Muitas vezes, há quem fale não de salários em atraso mas, sim, de falências em atraso!
Sr. Deputado Nogueira de Brito, tenho aqui dois gráficos - não sei se a sua capacidade oftalmológica permite vê-los - e um representa a evolução do desemprego registado nos centros de emprego de 1987 a 1992. Como pode ver, a curva não tem oscilações.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Daqui não se vê!

O Orador: - Se o Sr. Deputado não vê, posso dar-lhe uma fotocópia.
Este outro representa a evolução do desemprego registado no Instituto Nacional de Estatística e significa que,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Não se vê nada!

O Orador: - Eu traduzo o gráfico por palavras minhas, dada a dificuldade do Sr. Deputado José Magalhães em o ver.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PS): - O desemprego vejo bem!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - O Sr. Deputado José Magalhães é um invisual selectivo!

O Orador: - Nos dados dos centros de emprego o registo manteve-se praticamente constante, apesar de todos verificarmos que houve uma variação muito significativa, para melhor, durante muitos anos, em termos de taxa de desemprego. Portanto, alguma coisa estava mal nesse tipo de registos.
O que me preocupa, Sr. Deputado, é expurgar aquilo que são os elementos perniciosos para uma informação correcta e, tal como disse, quando se lançam programas ocupacionais, onde a preocupação é um acompanhamento tão personalizado quanto possível dos desempregados, não posso fazer esse controlo por via postal, tem de ser através de um atendimento personalizado. Tenho de saber rigorosamente quem são, onde estão e quais são as condições que conduzem a que eles estejam excluídos do mercado de emprego. Foi esta a razão substancial que me levou a fazer este tipo de alterações no que se refere ao problema das estatísticas.
Quanto à questão que levantou sobre os programas de luta contra a nobreza e sobre o elogio do voluntariado, congratulo-me - e não seria de esperar outra coisa - com a associação do Sr. Deputado a esta evocação. Mas a nossa filosofia na luta contra a pobreza não é o voluntariado e o optimismo apenas. Só que distinguimo-nos de outros porque, enquanto eles denunciam o fenómeno, fazem uma constatação e, se calhar, depois, até vão para um restaurante de luxo fazer uma lauta refeição, a nós o que se exige é a resolução daquele problema e para isso necessitamos, para já, de ter, não uma fotocópia, mas programas de luta contra a pobreza com o mesmo tipo de aplicação. Isto é, temos de identificar as razões, as causas profundas, que muitas vezes têm a ver com o nível de educação, com a criminalidade, e outras vezes com as duas coisas conjuntamente, com um conjunto de fenómenos que leva à exclusão social.
Vou dar-lhe apenas um exemplo apenas. Desde que, no bairro de S. João, no Porto - que conheço bem-, começou o programa de luta contra a pobreza, o índice de criminalidade baixou em cerca de 25 %. Aqui tem um dado objectivo que lhe dá a indicação de todo um conjunto de acções que vão sendo desenvolvidas, as mais diversas, com o empenhamento, como é natural, das instituições particulares da sociedade social.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não há injustiça social!

O Orador: - O Sr. Deputado Raul Castro invoca razões ligadas à adesão à Comunidade, o que não me admira, visto o senhor ser um adversário da adesão, pelo que o Sr. Deputado Raul Castro estará, como é natural e em coerência, sempre em oposição a tudo o que seja referente à Comunidade, seja a convergência nominal seja o for.
Quanto às estatísticas, gostaria de dizer que - e já disse isto várias vezes, Sr. Deputado - o sistema estatístico nacional tem exactamente os mesmos critérios que qualquer outro sistema estatístico da Comunidade Europeia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Se os critérios adoptados em Portugal são discutíveis, então também serão os utilizados em Espanha, em França e na Alemanha porque os dados têm de ser comparáveis. Por outro lado, há uma autoridade internacional, que se chama EUROSTAT,... -

O Sr. Rui Carp (PSD): - Exacto!

O Orador: - ... que fiscaliza a forma como esses dados são recolhidos, por forma a poderem ser comparáveis.
Portanto, se quiser fazer essa crítica, que até pode ter sentido, ela tem de ser feita, automaticamente, aos 12 países da Comunidade, já que os critérios são os mesmos, para que os dados possam ser comparáveis. Não discuto a bondade da sua observação, mas estamos a usar, rigorosamente, a mesma base, a mesma metodologia que é utilizada em todos os países da Europa comunitária.

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Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - Em referência final, a respeito da precariedade do emprego, devo dizer quê temos de desenvolver ainda mais acções de informação por parte do Ministério, porque todos os dados estatísticos, Sr. Deputado, apontam, nos últimos anos, para uma baixa no índice de precariedade de emprego no nosso país, relativamente àquilo que aconteceu há uns anos atrás. Não há um indicador que aponte no sentido contrário.
É esta a resposta final que gostaria de dar ao Sr. Deputado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem, a, palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Sobre, o processo de concentração dos meios de propriedade de: em; presas da comunicação social -já hoje aqui se tratou, nomeadamente na intervenção; ao meu camarada João Amaral, e restará acrescentar, àquilo que foi dito e que eu mesma coloquei numa pergunta ao Sr. Ministro que esta concentração põe em, causa o direito ao trabalho dos jornalistas e o direito que eles têm à sua liberdade de expressão. Quanto ao, direito ao trabalho, veja-se, nomeadamente; o que aconteceu com a Rádio Comercial/Norte; que, de um dia para o outro, foi encerrada por acção, daquele que, sendo administrador de outras empresas, veio a comprá-la através da Rádio Surpresa.
Irei, portanto, a outras questões que se prendem com a liberdade de imprensa.
À medida que o jornalismo de investigação foi invadindo a esfera de pessoas públicas, nomeadamente através de denúncia de casos de corrupção, foi-se tomando evidente que a actual Lei de Imprensa já não servia os objectivos do partido maioritário e que não estava excluída a concretização do propósito anunciado no seu programa eleitoral de rever aquela lei.
Mas mesmo que o PSD o não faça de imediato a verdade é que, por ínvios caminhos, a liberdade de imprensa tem vindo a ser coarctada.
Nesta matéria, isto é, no: aparente abandono da intenção de rever a Lei de Imprensai a actuação do Governo faz mesmo lembrar a posição assumida na Câmara dos Comuns por Timothy Renton, representante do Ministro do Interior inglês, em Abril de 1989, quando se discutia uma proposta de um Deputado conservador sobre á violação pela imprensa da vida privada.
Benevolamente, tal representante deixou, verter as seguintes simpáticas palavras: «A proposta conferiria ao Governo um certo direito de vigiar a imprensa quem pode dizer o que poderia vir a acontecer quando o aparelho judiciário se pusesse em marcha?
Esta beatitude do representante governamental coincidia estranhamente com a reforma da lei sobre os segredos oficiais, aumentando os poderes do governo contra a divulgação de informações protegidas. E ó que é, que a este respeito - importa perguntar se tem passado entre nós? Depois de um período em que com repercussão na opinião pública, foram ensaiados ataques ao direito, que é de reserva absoluta reserva que resulta da Constituição e da lei dos jornalistas sobre as suas fontes de informação, o PSD aparentou engraçar-se com a imprensa.
A verdade no entanto é que temos aí diplomas uns já vigentes, outros prestes a serem aprovados, para imediata publicação, e outros em fermentação, que consagram-no ás limitações aos jornalistas, nomeadamente quanto à proibição de acesso a fontes de informação, diplomas estes que limitam o jornalismo de investigação.
Uma dessas limitações, um novo segredo a uma nova proibição de verter para a opinião pública dados importantes sobre figuras da vida pública; surge da lei impropriamente denominada lei anticorrupção.
Um novo dever de sigilo, criado à margem do segredo de justiça e sem controlo por parte das autoridades judiciais, pode vir a impor, através do medo a mordaça sobre um jornalista, que se verá confrontado com a ameaça de vir a cometer o crime de violação de segredo de outrem - já que este dever, de sigilo impende sobre os funcionários da Polícia Judiciária -, pois uma vez chamado à PJ; para ser por exemplo, inquirido sobre factos de que tenha conhecimento em matéria de corrupção, ele vê-se então obrigado a guardar o segredo de outrem, a não ser que prefira cometer. O crime de violação desse segredo, que o anteprojecto do Código Penal «aperfeiçoa», visando um destinatário: o profissional da comunicação social. O jornalista cumpre um dever constitucional, que é simultaneamente um direito, o de informar, formando a opinião pública. Em tarefa de tal responsabilidade, não pode ser calado com o dever de guardar o segredo de outrem! o segredo da Polícia Judiciária na lei sobre a corrupção! E quando acusado da violação desse ou de outro segredo; tem o direito a invocar uma cláusula especial de exclusão de ilicitude da sua conduta, resultante da função pública da imprensa.
Essa cláusula, existindo ainda no actual Código Penal, desaparece na sua projectada reforma, colocando o jornalista, neste aspecto, na posição igual à de qualquer outro cidadão, sujeito a ser condenado por não se ter transformado em colaborador de qualquer investigação policial, e ter preferido cumprir o dever de interferir a opinião publica, contribuindo para a realização da democracia.
Ora o desaparecimento dessa cláusula especial de exclusão da ilicitude vai fazer também desaparecer a obrigação para o juíz de ponderar nos interesses em conflito, o do jornalista e o da justiça, os deveres de informação que cabem a cada um. Vai, portanto, fazer desaparecer do cômputo dos interesses em presença o dever que a imprensa tem de informar e de formar a opinião pública. Muito se tem escrito sobre esta questão da quebra do sigilo profissional dos jornalistas, sem que se tenha reparado, pelo menos aparentemente, que num sistema penal tão do agrado do legislador português - o sistema alemão, que sistematicamente se copia ou se adapta, se consagra para os jornalistas um muito amplo direito de denegação do depoimento, precisamente porquê se* reconhece que os jornalistas não são informadores da polícia? Aqui, neste caso, preferiu não se copiar nem se adaptar este dispositivo.
Mas é ainda da lei processual penal, concatenada com o diploma sobre segredo de Estado, que decorrem para os jornalistas que investiguem factos relativos à segurança interna ou externa do Estado Português, ameaças de restrições ao seu estatuto, quiçá na forja.
Ao prever a possibilidade de o Ministro da Justiça impedir aos tribunais a produção de prova sobre factos que possam causar dano à segurança interna ou externa do Estado, ainda que - diz o Código de Processo Penal - essa revelação não constitui o Código, ao mesmo

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tempo que atenta contra a independência dos tribunais e a realização da justiça, define alguns contornos de um especial dever de reserva relativo àqueles factos, onerando os cidadãos em geral e os jornalistas em particular com esse especial dever de reserva.
Da formulação daquele Código pode partir-se para construções jurídicas que determinaram, por exemplo, em França, que o magistrado e escritor francês Casamayor fosse acusado de violação de obrigação de reserva por ter usado o jornal Lê Monde para denunciar o envolvimento dos serviços secretos franceses no rapto e morte de Ben Barka, que em boa hora a SIC recordou no filme O Atentado, projectado no domingo passado.
E no momento em que se prepara a revisão do Código de Processo Penal e em que fermenta, parece que azedando, a reforma do Código Penal, é importante afirmar que, relativamente a segredos, incluindo o de justiça, se tem de entender, como o fazem, aliás, magistrados relativamente ao segredo de justiça, que não poderá ser cometido qualquer crime se o jornalista os descobriu numa investigação sagaz, sem contacto com qualquer processo ou documento.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O quadro jurídico em vigor e aquele que se antevê, nomeadamente do projecto de reforma penal, não tem em conta o interesse público da informação, de modo que os tribunais são chamados a agir como censores, agora que figuras públicas se vêem confrontadas com a divulgação de factos que os jornalistas consideram notícia, isto é, de interesse público.
A projectada reforma penal, neste aspecto, chega a agravar o quadro, na medida em que, incrivelmente, proíbe a prova da verdade dos factos, quando se trate da esfera de vida privada e familiar.
Nesta matéria é de relembrar que o exercício da liberdade de imprensa não deve nem pode ceder, sistematicamente, sempre que estejam em causa outros bens jurídicos tutelados pela Constituição.
De facto, quando esteja em causa o interesse público, e na proporção em que este o exija, a imprensa pode e deve divulgar aspectos relativos à vida privada e familiar dos cidadãos, o que mais facilmente ocorre com as pessoas públicas.
Assim, a proibição constante da reforma penal restringe, injustificadamente, a liberdade de imprensa. É claro que há imprensa irresponsável. Mas em nome da irresponsabilidade de alguns não pode coarctar-se o direito a informar e a ser informado por parte de quem é responsável.
A quem quer limitar a liberdade de imprensa, recordaremos a sentença de um célebre juíz dos EUA, o juiz Jackson - creio que conhecido por Justice Jackson - que, referindo-se à liberdade de imprensa, proferiu à seguinte decisão em 1945: «Esta liberdade não foi protegida porque os constituintes esperassem que o seu uso fosse sempre agradável às autoridades ou que o seu exercício fosse sempre sábio, moderado ou útil para a sociedade. Esta liberdade foi protegida porque eles não conheciam outro meio através do qual homens livres pudessem realizar a democracia representativa.»
E a isto, basta-nos acrescentar, passados tantos anos, o seguinte: esta liberdade é protegida para que também possa ser realizada a democracia participativa.

Aplausos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira' Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS):- Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Reconhece a bancada do CDS, Partido Popular, pertinência a este agendamento promovido pelo PCP, não porque os aspectos referidos na apresentação desta interpelação possam ser considerados de extrema gravidade ou atentatórios em alto grau de um Estado de direito democrático, de um Estado ocidental. Não! O CDS reconhece pertinência a este debate como reconheceria a qualquer outro em que o objecto fosse a transparência da vida política e o acautelar dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Porquê? Porque a nossa democracia é extremamente jovem, necessita de cuidados especiais, de atenção redobrada, de aprofundamento constante e discussão permanente.
Na verdade, são menos de 20 anos a viver democraticamente, sendo, pois, salutar que, permanentemente, com seriedade, se faça um ponto de situação acerca destas matérias.
E, de qualquer forma, não se pode nem se deve retirar importância a algumas das situações hoje aqui trazidas pelo PCP.
Interessa, no entanto, dizer que passámos grande parte da legislatura, e já no passado, e ir-se-á certamente continuar no futuro a construir uma estrutura legal que permita uma maior transparência na nossa vida política e um salvaguardar real das garantias e dos direitos dos cidadãos. São disso meros exemplos a acção popular, o estatuto da função política, o segredo de Estado, o arquivo aberto, só para referir r as mais recentes iniciativas.
É necessário, na verdade, ter a consciência de que, muitas vezes, pode até ser a própria classe política a criar descuidadamente algumas névoas nessa transparência. Bastará o exemplo de serem recusados alguns inquéritos parlamentares. O efeito dessa recusa é sempre a dúvida, mesmo que injustificada, da transparência da nossa vida política.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: Este debate permite à bancada do CDS - o que chegaria para justificar a pertinência que lhe reconhecemos :- acalentar uma esperança, mesmo que ténue, formular um desejo, ainda que tarde a ser concretizado, e colocar uma questão cuja resposta se espera imediata.
A esperança é o reconhecimento do PCP de que a democracia portuguesa de hoje - mesmo com as imperfeições que todos somos capazes de aceitar, com os terríveis excessos da maioria, com indícios de clientelismo e alguns atropelos às regras democráticas, com algumas situações que, na verdade, podem roçar ofensas às garantias e direitos dos cidadãos - é, sem dúvida alguma, mais real do que a democracia de pacotilha da ex-URSS e mais verdadeira do que a democracia de 1975.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Embora estando criada uma verdadeira nomenclatura no País, o PCP não trouxe ao Plenário a descrição de situações de saneamentos populares, de ocupações selvagens, da prisão de Caxias com a lotação esgotada de presos políticos. É, como até o PCP reconhecerá, uma evolução de realce!
O desejo é o de que tenhamos a humildade de aprender, neste esforço de construção e de aperfeiçoamento do sistema democrático, com os erros cometidos mesmo aqui

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ao lado pelos nossos vizinhos europeus no sentido de sermos capazes de evitar situações como as que se vivem em Espanha, na França, na Alemanha e na Itália.
Poderíamos começar por nos deter sobre um conceito que é de extrema relevância, e, actualidade, a responsabilização política dos governantes. Por exemplo, creio que, há uns anos, em Inglaterra, um ministro, demitiu-se por se ter dito que a sua opinião, relativamente, à União) Europeia, não era integralmente coincidente com a do seu primeiro-ministro. Só! Ninguém, em serviços que a sua pasta abrangia, tinha morrido. Não tinha escondido, ocultado ou cerceado informações que estava obrigado a fornecer por tratados internacionais; não tinha nomeado ninguém para gerir fundos públicos; cuja gestão privada levantava, no mínimo, sérias, dúvidas; não tinha feito um discurso lesivo dos cofres públicos nem intervenções cujo conteúdo só pudesse ser Justificável; com alguma irresponsabilidade... Não!
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: A esse ministro, para assumir a sua responsabilidade política de governante, bastou terem dito e escrito que os seus pensamentos, em relação à Europa, não eram coincidentes com os do primeiro-ministro!
Por último, a pergunta: a que se devem as tentativas - muitas - de transferências - poucas - de autarcas para listas do partido do Governo? As respostas possíveis a esta pergunta são mais que muitas. Adivinho uma a conversão ao abrangente programa partidário do partido do Governo.
Se é essa a razão, está a transparência da democracia pelo menos em relação a esta matéria, integralmente assegurada. Todos os partidos estarão assim, em igualdade de circunstâncias.
Mas se, hipoteticamente, na ânsia de apresentar, listas para ganhar, no receio da hecatombe que, se avizinhava, tentando prevenir uma derrota marcante de uma viragem, um ministro, ou vários membros de um Governo prometessem algo que pertencesse aos Portugueses, a todo o Estado, e que colocasse os partidos concorrentes em situação desigual, então, poderíamos dizer que a transparência da vida democrática estaria em causa? A resposta é sim! No entanto, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, e Srs. Deputados, o CDS/Partido Popular,- porque conhece os autarcas deste país, faz a profissão deve de que, também aqui, a transparência da vida democrática estará assegurada não, obstante algumas afirmações que tem vindo a ser proferidas por ministros. Porém, hoje, nesta casa, já vimos um ministro desse mesmo Governo dizer que, se realmente correspondessem à realidade ele não estaria de acordo com elas.
O orador reviu.

Aplausos do CDS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr.Deputado Arménio Carlos.

O Sr. Arménio Carlos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros, do Governo, Srs. Deputados: A degradação, da democracia em Portugal assume particular relevância no plano social, especialmente ao nível dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
A liberdade sindical, particularmente no que respeita ao exercício da actividade sindical na empresa, ao direito à contratação colectiva, à greve e de intervenção democrática na vida das empresas através das comissões de trabalhadores, é objecto de uma ofensiva sem paralelo desde o 25 de Abril de 1974.
Ignorando: a obrigação constítucional de ser o garante destes princípios fundamentais num Estado, democrático, o Governo apadrinha e até dá o mote à violação dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, diariamente levadas a cabo pelo patronato.
É neste contexto que a revisão à Lei da Greve constitui um verdadeiro escândalo. Tal como afirmámos nesta Câmara aquando da discussão das alterações à Lei da Greve, é hoje inegável que estas não visavam assegurar a satisfação de necessidades impreteríveis mas, sim, tentavam limitaria acção e a luta reivindicativa dos trabalhadores.
A necessidade impreterível que estava em causa era a de responder às dezenas de condenações sofridas em tribunal pelas empresasse pelo Governo, por violação do direito à greve, através do recurso ilegal aos «serviços mínimos» é à «requisição civil», em situações em que estas medidas não tinham qualquer fundamento.
O tempo encarregou-se de demonstrar que o Grupo Parlamentar do PCP tinha razão.
O que se tem passado em diversas empresas do sector empresarial do Estado, nomeadamente na CP, na TAP, na Carris, na Rodoviária, na EDP, etc., não deixa margem para dúvidas. O Governo quer impedir que os trabalhadores exerçam o direito à greve.
E aqui é bom lembrar ao Sr. Deputado Fernando Amaral, tendo em conta que afirmou desconhecer estes atentados, que fale com o seu Governo, porque ele sabe perfeitamente o que se passa, pois, neste caso concreto o Governo não é apenas o principal accionista destas empresas como também é ele próprio que emite, permanentemente, os despachos para cometer estas ilegalidades.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Enquanto o Comité de Peritos da OIT concluiu que o sector dos transportes de passageiros é um daqueles em que, não se justifica a prestação dos «serviços mínimos»; o Governo Português determina, sistematicamente, neste sector a prestação obrigatória, durante a greve de serviços mínimos, que, como na CP, chegam a atingir os 15 %.
Mas não ficam por aqui os atentados contra a Lei da Greve. Na central da EDP de Sines as escalas dos trabalhadores requisitados incluíam, inclusive, a prestação de serviço extraordinário.
Na CP, houve, trabalhadores contactados, em suas casas, a altas horas da noite e ameaçados com processos disciplinares, visando o despedimento, caso não cumprissem os serviços mínimos.
Na TAP, chegou-se ao cúmulo de convocar trabalhadores da lista dos disponíveis para prestarem os chamados «serviços mínimos».
Os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade são, pura e, simplesmente, ignorados nos despachos do Ministério do Emprego e da Segurança Social e, nos da tutela. É notório que a introdução da referência a estes princípios, na Lei da Greve, aquando da sua alteração,- visou apenas facilitaria passagem dessa alteração no Tribunal Constitucional, sem qualquer propósito sério de cumprir tais princípios.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

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O Orador: - Num Estado de direito, a forma adequada de evitar o recurso à greve é proporcionar o diálogo e a negociação com os trabalhadores e respeitar os seus direitos, liberdades e garantias.
Mas, que faz este Governo? Recusa a negociação, nada faz para contrariar os flagelos do desemprego e dos salários em atraso, e agora até envia a polícia de intervenção, dando-lhes directrizes para intimidar os trabalhadores em luta, pactua com a permanente violação dos direitos mais elementares dos trabalhadores e é o primeiro a dar o exemplo ao recusar a negociação na Administração Pública e utilizar a chamada lei dos disponíveis, para pôr em causa o direito ao trabalho e a estabilidade no emprego.
O patronato, sentindo o apoio do Governo, envereda por vias cada vez mais autoritárias e repressivas.
Um número cada vez maior de activistas sindicais e de comissões de trabalhadores são vítimas de processos disciplinares, em alguns casos, com vista ao despedimento, só por exercerem as suas funções.
Há activistas a quem são aplicadas pesadas sanções disciplinares, por transitarem no interior da empresa a que pertencem, contactando os trabalhadores.

O Sr. João Amaral (PCP): - Um escândalo!

O Orador: - Tenta-se impedir ou dificultar a realização de plenários convocados ao abrigo da lei. Discriminam-se no salário e no acesso profissional os activistas. Impedem-se trabalhadoras de irem às instalações sanitárias durante o período de trabalho.

O Sr. João Amaral (PCP): - Uma vergonha!

O Orador: - Prendem-se dirigentes sindicais. Repito, prendem-se dirigentes sindicais! Despedem-se trabalhadoras grávidas. E tudo isto se passa perante a passividade de Inspecção-Geral do Trabalho e a insensibilidade do Governo.
Pensará o Governo que pode continuar indefinidamente a fazer o papel de lobo e a vestir a pele de cordeiro?
Se é assim, engana-se!

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Esta política e este Governo são um permanente atentado contra os direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores e, por isso, estão condenados ao fracasso.
O regime democrático e os seus princípios e instituições estão suficientemente enraizados na consciência do povo português para impedir que esta política prossiga por muito mais tempo.
Os trabalhadores não se deixarão intimidar e continuarão a exercer diariamente os seus direitos, a lutar pelos seus interesses e, sobretudo, a exigir uma nova política.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições para. o debate, vamos passar ao encerramento.
Para uma intervenção final, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados:

No final deste debate temos razões reforçadas para assinalar a oportunidade e a importância substantiva desta interpelação ao Governo, promovida pelo Grupo Parlamentar do PCP e centrada na degradação da democracia, na cada vez maior opacidade da vida política e na crescente desprotecção dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores e dos cidadãos, em geral.

O debate hoje realizado deixou bem a claro que, da acção e vontade políticas do Governo, resulta e está em curso um preocupante e grave processo de «erosão da democracia», de instalação de uma «democracia do medo» e de asfixiante e perversa promiscuidade entre o PSD e o aparelho de Estado, tal como na intervenção de abertura o Grupo Parlamentar do PCP o caracterizou e denunciou.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Aliás, a gravidade do conteúdo da lei do segredo de Estado, que o PSD ontem impôs pela força numérica dos votos, deve, só por si, funcionar como um alerta sério para os perigos que o prosseguimento da sua política projecta sobre o regime democrático-constitucional e para as consequências profundamente negativas que a continuação do PSD no Governo por muito mais tempo traria para a evolução da sociedade portuguesa, que queremos seja livre e aberta.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O debate provou e deu vencimento, se necessário fosse, às 12 acusações ao Governo formuladas pelo PCP no início da interpelação.

Vozes do PSD: - Não provou nada!

O Orador: - Acusações que, porque assentes em factos reais e indesmentíveis, não foram postas em causa pelas frustes tentativas do Governo e do Grupo Parlamentar do PSD de as refutar, para o efeito recorrendo despudoradamente ao sofisma, à manobra de diversão e à fuga às responsabilidades.
É, de facto, insofismável que a persistente acção política do Governo e do PSD está a conduzir à perversão da democracia política, à governamentalização das instituições, à institucionalização do autoritarismo e do clientelismo no aparelho do Estado, ao cerceamento de liberdades, à limitação dos direitos dos trabalhadores e à crescente desresponsabilização do Estado em relação às suas obrigações sociais e culturais.
Como já aqui foi referido, esta acção política do Governo não tem características marginais ou conjunturais.
Trata-se de uma acção programada e articulada, que consubstancia o fulcro do projecto político do PSD para Portugal: por um lado, esvaziar de conteúdo prático e afrontar as grandes orientações do projecto democrático consagrado na Constituição; por outro, criar as condições para a eternização do PSD no poder; por outro ainda, moldar o regime às conveniências da influência crescente e determinante do poder económico sobre o poder político.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É no quadro deste conjunto indissociável de objectivos estratégicos prosseguidos pelo PSD que devem ser encarados todos os atentados e atropelos perpetrados pelo Governo contra os direitos, liberdades e

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garantias dos cidadãos, que o Grupo Parlamentar do PCP profusamente ilustrou e demonstrou na interpelação que hoje teve lugar.
Mas, se os direitos e liberdades dos cidadãos e a democracia política são portadores de um inquestionável e inestimável valor intrínseco, é igualmente verdade que eles são indissociáveis de outros valores da democracia, nas suas vertentes económica, social e cultural.
Não espanta, por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a política do Governo, de degradação da democracia em aspectos essenciais, avance integrada e paralelamente com as suas políticas de desarticulação da economia e de degradação social.
A ofensiva contra a democracia política vai de par com a ofensiva do Governo contra o sector público da economia, num processo fundamentalista de privatizações, à margem de qualquer racionalidade económica e de um mínimo de transparência, que promove a desnacionalização efectiva de empresas e sectores da actividade, entregando-os ao controlo de grupos estrangeiros e tendendo a inviabilizar qualquer hipótese de autonomia nacional na orientação da economia portuguesa.
A ofensiva contra a democracia política é indissociável da política económica do PSD, de destruição sistemática de milhares de empresas e explorações agrícolas nacionais e de apelo e incentivo ao investimento estrangeiro.
A ofensiva contra a democracia política interpenetra-se com uma política económica de resultados comprovadamente nefastos para a economia nacional, de submissão completa às orientações e critérios de Maastricht, num processo dito de reestruturação, em que se acentua a concentração e centralização da riqueza e do poder nos grandes grupos económicos, se privilegia a especulação e se sacrificam duramente os direitos e rendimentos dos trabalhadores, dos agricultores e de outras camadas laboriosas da população.
Simultaneamente, a ofensiva contra a democracia política vai de par com a política anti-social do Governo, deliberadamente orientada para provocar o acentuado agravamento e desestabilização das condições de vida da população, o reforço da exploração dos trabalhadores, da insegurança no emprego e do alastramento do desemprego-
Porque, Srs. Deputados, quando o Primeiro-Ministro reafirma que vai prosseguir aquilo a que chama as reformas estruturais contra os «interesses instalados» e os «privilegiados», está afinal a dizer, como a realidade o comprova, que para o PSD os «privilegiados» são os trabalhadores da função pública da TAP, dos CTT, da LISNAVE e de tantas outras empresas que têm a «ousadia» de reivindicar o direito ao emprego estável e os «interesses instalados» são os dos agricultores e pescadores que «ousam» pensar terem direito a que o Governo defenda a viabilização dos seus sectores de actividade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Porque um elemento característico da grave ofensiva governamental que actualmente se regista contra os direitos dos trabalhadores, é que ela combina os propósitos de descarregar os custos da crise sobre a população laboriosa com a tentativa de explorar a conjuntura de recessão para justificar a eliminação de conquistas históricas dos trabalhadores.
Para o testemunhar, aí estão a crescente desresponsabilização do Estado em relação as suas obrigações sociais, a extensão e o aprofundamento das injustiças e desigualdades sociais, a degradação e a rotura nas áreas do ensino, da saúde e da segurança social.
Aí está, mais recente e ostensivamente, uma campanha ainda difusa, mas que vai orientadamente alastrando, pondo em causa a legitimidade do chamado Estado-Providência, sob o pretexto da problemática dos seus custos financeiros, mas cujo objectivo fundamental se inscreve na ofensiva mais global contra o mundo laboral.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: A ofensiva do Governo do PSD é global: contra as liberdades e garantias dos cidadãos; contra a economia, contra os direitos sociais, contra o regime democrático-constitucional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, global terá de ser também a resposta dos trabalhadores e das forças democráticas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E não pensem o Governo e o PSD que conseguirão limitar ou eliminar a resposta e luta dos trabalhadores contra as ofensivas governamentais, com as vigilâncias dos Serviços de Informações, a ameaça das polícias de intervenção, as limitações do direito à greve ou quaisquer outras medidas repressivas.
Do mesmo modo que o Governo e o PSD não conseguirão suster e calar a luta e oposição do PCP contra a política de degradação da democracia e de subversão do regime constitucional.

Aplausos do PCP.

Nem com eventuais medidas, acções e práticas inamidatórias, nem com as tentativas de institucionalização de uma concepção bipolarizadora da vida política nacional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Concepção bipolarizadora que é ela própria degradadora da democracia, porque visa reduzir a cinzas a possibilidade efectiva de alternativa política no nosso País e reforça o objectivo de perpetuação do PSD no poder.
Por parte do PCP, podem estar certos de que continuaremos a trabalhar orientados pela perspectiva do crescendo da luta popular e da convergência das forças democráticas contra a gravosa e perigosa política do Governo, que permitam tão cedo quanto possível afastar o PSD do Governo e concretizar uma alternativa democrática que assegure ao País e aos Portugueses um caminho de liberdade, de democracia de justiça social, de desenvolvimento e independência nacional.

Aplausos do PCP de pé.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto.

O Sr. Ministro Adjunto: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Deste debate uma coisa resultou, a nosso ver clara e inequívoca: nenhum sintoma existe de degradação da democracia em Portugal.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

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O Orador: - O partido interpelante não adiantou nenhuma ideia nova, nenhum argumento novo, nada que não tivesse já referido até à exaustão, num discurso estafado, recorrente e requentado, que só demonstra segundo a nossa perspectiva duas coisas.
Primeira, que o PCP continua igual a si próprio, coerente no imobilismo e na estagnação, incapaz de perceber a dinâmica da sociedade, o sentido das novas realidades, o que está a acontecer no mundo civilizado e o muito de positivo que os Portugueses tem vindo a realizar, combatendo o miserabilismo e apostando decididamente no futuro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Segunda, que, o PCP continua a fazer política com base em fantasmas, em suspeições, em factos que inventa para consumo interno, estando cada vez mais isolado e desfasado da sociedade portuguesa.

Aplausos do PSD.

A vida política económica e social é dinâmica, não é estática, muda e evolui em vez de parar ou estagnar. A diferença que este debate evidenciou, é a de, que o País avança e muda, cresce e desenvolve-se, enquanto o PCP parou no tempo, fechado que está sobre si próprio, sobre as suas amarras tradicionais, sobre os seus preconceitos, incapacidades e frustrações tradicionais.
Dissemos na abertura e agora o reafirmamos, em política é preciso ter autoridade,...,

O Sr. João Amaral (PCP): - É isso o que o Cavaco quer: autoridade!...

O Orador: - autoridade moral e credibilidade política para agir, falar ou reagir!

Aplausos do PSD.

Iniciativas como esta podem lograr algum protagonismo fácil - como o agitar da dinâmica parlamentar -, mas não conseguem evitar o inevitável: o PCP não consegue fazer o seu próprio branqueamento político, não consegue fazer esquecer a acção que teve no período do desmantelamento da máquina produtiva e do sistema económico - em que era flagrante o contraste entre o que se dizia e o que se fazia, entre os discursos e a realidade -, afrontando o bom senso, a inteligência, a confiança e a esperança dos Portugueses!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas, a nosso ver, o mais grave não é isso. O mais grave é que o PCP vive a nostalgia do passado, continuando amarrado e com saudades dos tempos e das ideias que fizeram as páginas menos nobres, menos dignas e menos brilhantes da nossa história recente.

O Sr. António Filipe (PCP): - Os senhores foram os únicos a falar do passado!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Portugal vive, hoje em dia, um período que é, a um tempo, difícil e mobilizador, complexo mas estimulante; um período que encerra uma enorme oportunidade, mas que nos confronta ao mesmo tempo, com especiais responsabilidades.
Não temos do País- nem nunca tivemos- a visão idílica, utópica ou irreal de que tudo está bem e todos os problemas . estão resolvidos.

O Sr. António Filipe (PCP): - Mas quase!...

O Orador: - Porém, o que não podemos aceitar é que se afronte o' sentimento dos Portugueses, cultivando o miserabilismo doentio, o fatalismo obsessivo, a descrença desmoralizadora, a política da indiferença, da desmotivação e da terra queimada!

Aplausos do PSD.

O grande problema de alguns políticos, dentro e fora do Parlamento, dentro e fora do partido interpelante, é simples e linear: sempre pensaram, sempre alimentaram e sempre acalentaram a ideia de que um eventual abrandamento do crescimento económico, uma eventual crise ou recessão económica internacional constituiria o momento, o instrumento, a forma ë a oportunidade de derrotar o PSD e de mudar o Governo.. Essa é a maior das incapacidades de alguns, dos nossos políticos!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Tal atitude demonstra a incapacidade de se afirmarem, por si próprios, com base em projectos alternativos, ideias novas e mobilizadoras do País ou dos Portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No fundo, é incapacidade que resulta da confissão pública da própria incapacidade política!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Decididamente, a nossa oposição, como tivemos oportunidade de verificar também neste debate, sente-se resignada, frustrada, desiludida!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O que, temos de convir, é mau para o País e para a democracia!
Mas, acima de tudo, tal atitude aumenta a nossa própria responsabilidade: assumimos, por isso, essa responsabilidade, renovada e reforçada, porque a nossa confiança, a nossa crença e a nossa aposta nos Portugueses é total, completa e absoluta! E serão os Portugueses, uma vez mais, a dar a resposta definitiva.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aproveitámos a circunstância deste debate para tirar dele o único factor que de positivo poderia ter, para lançar algumas novas ideias acerca do aperfeiçoamento do sistema político.
Não nos arrependeremos! Esperamos até, sinceramente, que tais ideias possam não cair em saco roto no debate político futuro. Cabe-nos fomentar o debate, lançar a discussão, liderar a reflexão em torno de temas e matérias que fazem já a actualidade política e marcarão, certamente, a agenda política futura.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Pela nossa mão, não nos demitiremos nunca das nossas próprias responsabilidades...

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador:... no processo de desenvolvimento, como no aperfeiçoamento do sistema político no aprofundamento do ideal europeu, na afirmação de Portugal perante si próprio e perante os desafios do futuro!

Aplausos do PSD

Desenganem-se, por, isso, os que, pensam que nos vergamos ou que nos vergaremos alguma vez às dificuldades da conjuntura, à complexidade dos problemas ou a exigências dos cidadãos. Desenganem-se os que pensam, que, Portugal e os Portugueses alguma vez falharão perante os desafios da modernidade e do desenvolvimento.

O Sr. Castro Almeida(PSD):- Muito bem!

O Orador:- Desenganem-se: os que pensam que o miserabilismo, o derrotismo, e o fatalismo da nova moda que campeia em Portugal nos diminuirá, e bem assim aos Portugueses, a força, a energia e a vontade mobilizadora.
Portugal e os Portugueses, exigem, merecem e reclamam que não falhemos, para que o ideal democrático, como aqui foi dito e reafirmado, permanentemente sei reforce, se desenvolva e se aprofunde.

Aplausos do PSD, de pé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a próxima reunião, plenária realiza-se amanhã, quinta-feira, dia 24, e terá dois períodos, às 10 horas e às 15 horas.
No primeiro período, iremos proceder à discussão conjunta do projecto de lei n. º 208/VI - Alargamento do acesso da prática da caça a todos os caçadores (PCP) e do projecto de lei n.º 326/VII - Para a protecção, gestão e fruição justa e racional dos recursos, cinegéticos (PS), bem como da proposta de resolução n.º 23/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo Europeu Que cria Uma Associação entre as Comunidades Europeias e a República da Polónia, os respectivos Protocolos Anexos e Acta Final e a proposta de resolução n.º 24/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo Europeu Que Cria Uma Associação entre as Comunidades Europeias e, a República da Hungria, os respectivos Protocolos, Anexos e Acta Final.
No segundo período da ordem do dia, iremos proceder à discussão conjunta do projecto de lei n.º 322/VI- Estatuto da função política (CDS) e de uma série de outros projectos de lei que foram distribuídos e que se relacionam com o mesmo tema geral.
Finalmente, terá lugar, a realização de votações.

Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 30 minutos.

Rectificações

Ao n.º 75 de 27 de Maio

Na p. 2410, 1.ª col. 1.28, onde se lê « isso pode ter em consequência de assegurar uma concorrência leal» deve ler-se « isso pode ter como consequência no assegurar uma concorrência leal.»

Ao n.º 77 de 29 de Maio

No sumário, 2.ª col. 1.4 e na p. 2462 2.ª col. 1.10 onde se lê « Sr. Subsecretário de Estado da Cultural ( Barata Frexes) » deve ler-se « Sr. Subsecretário de Estado da Cultura (Manuel Frexes)».

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD)

Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António Maria Pereira.
João José Pereira de Matos.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Macário Custódio Correia.
José Pereira Lopes.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Rui Alfredo Limpo Salvada.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Socialista(PS):

Alberto Bernardes Costa.
Armando António Marins Vara.
Edite de Fátima Santos Marreiros Estrela.
Eduardo Ribeiro Pereira.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.

Centro Democrático Social (CDS)

José Luís Nogueira de Brito.

Faltaram á sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Ana Paula Matos Barros.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
João Álvaro Poças Santos.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Luís António Carrilho da Cunha.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.

Partido Socialista (PS):

António Manuel de Oliveira Guterres.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Helena de Melo Torres Marques.
João António Gomes Proença.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

Deputado independente:

Diogo Pinto de Freitas do Amaral.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.

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DIÁRIO
Da Assembleia da República

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