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Quarta-feira, 13 de Outubro de 1993 I Série - Número 103
DIÁRIO Da Assembleia da República
VI LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA-(1992-1993)
COMISSÃO PERMANENTE
REUNIÃO DE 12 DE OUTUBRO DE 1993
Presidente: Exmo. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
António Fernandes da Silva Braga
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a reunião as 15 horas e 35 minutos.
Antes da Ordem do dia - Deu-se conta da entrada, na Mesa de diversos diplomas e de requerimentos.
O Sr. Deputado Macário Correia (PSD) chamou a atenção para a alegada utilização de dinheiro público em propaganda eleitoral pelos candidatos da oposição à Câmara Municipal de Lisboa, tendo, no final, respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs Deputados Alberto Costa (PS), João Amaral (PCP) e Antónia Lobo Xavier (CDS-PP). O Sr. Deputado Alberto Costa (PS) condenou a política económica e social do Governo. No fim, respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Rui Carp (PSD).
O Sr. Deputado Octávio Teixeira (PCP) verberou a política do Governo.
O Sr. Deputado André Martins (Os Verdes) denunciou o desastre ecológico ocorrido nos rios Zêzere e Nabão.
O Sr. Deputado Manuel Sérgio (PSN) teceu considerações sobre o papel do PSN como partido da oposição.
Procedeu-se à discussão dos votos n.º 91/VI -De congratulação pela vitória das forças democráticas na Rússia, (PSD) - que foi aprovado-, 92/VI - De satisfação pela derrota das forças que pretendiam fazer regressar a Rússia ao passado e de pesar pelas vítimas dos confrontos de Moscovo (PS) e 93/VI. - De pesar pelos vítimas dos confrontos de Moscovo e exprimindo preocupação perante a evolução da situação política na Federação , Russa (PCP) - que foram rejeitados. Intervieram os Srs. Deputados Guilherme Silva (PSD), José Lamego (PS), João Amaral (PCP), Antónia Lobo , Xavier (CDS-PP), André Martins (Os Verdes) e Manuel Sérgio (PSN).
Ordem do dia.- Foi aprovado um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre substituição de dois deputados, um Independente e outro do PCP.
Foi discutido o projecto de deliberação n.º 82/VI - Realização de uma audição parlamentar sobre os factos relativos ao abate clandestino de golfinhos na zona económica exclusiva dos Açores (Os Verdes), que a Comissão rejeitou. Intervieram, a diverso título, os Srs Deputados André Martins (Os Verdes), João Paulo Casaca (PS), Guilherme Martins (PSD) e José Manuel Maia (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 17 horas e 45 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram ]5 horas e 35 minutos. Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
António Moreira Barbosa de Melo (PSD), Presidente.
Maria Leonor C. P. Beleza de M. Tavares (PSD), Vice-Presidente.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu (PS), Vice-Presidente.
José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP), Vice-Presidente.
Adriano José Alves Moreira (CDS-PP), Vice-Presidente.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira (PSD).
António de Carvalho Martins (PSD).
Arménio dos Santos (PSD).
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho (PSD)
Domingos Duarte Lima (PSD).
Fernando José Antunes ,Gomes Pereira., (PSD).
Guilherme Henrique Rodrigues da Silva (PSD).
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado (PSD).
Joaquim Mana Fernandes Marques (PSD).
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco (PSD)
José Álvaro Machado Pacheco Pereira (PSD).
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas (PSD).
José Manuel Nunes Liberato (PSD)
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD).
Manuel Castro de Almeida (PSD).
José Macário Custódio (PSD)
António da Silva Bacelar (PSD)
Rui Carlos Alvarez Carp (PSD).
Rui Fernando da Silva Rio(PSD).
Alberto Bernardes Costa .(PS)
António de Almeida Santos (PS)
António Fernandes da Silva Braga (PS).
Armando António Martins Vara (PS).
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues (PS).
José Paulo Martins Casaca (PS)
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego (PS).
José Manuel Santos de Magalhães (PS).
Manuel Alegre de Melo Duarte (PS)
Manuel António dos Santos (PS).
João António Gonçalves do Amaral (PCP).
Octávio Augusto Teixeira (PCP).
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier (CDS-PP).
André Valente Martins (PEV)
Manuel Sérgio Vieira e Cunha (PSN)
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr Presidente - Srs. Deputados, Sr. Secretário, vai dar, conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário(João Salgado) - Sr. Presidente e Srs. Deputados, foram apresentados, durante os Meses de Setembro
da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Luís Sá; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulados pelos Srs. Deputados Ana Bettencourt e André Martins, à Secretaria de Estado da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Pereira Marques; à Câmara Municipal de Lisboa, formulado pelo Sr. Deputado Paulo Casaca e ao Ministério da Educação, formulados pelo Sr Deputado António Martinho.
Deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: propostas de lei n.º 76/VI - Autoriza o Governo a legislar em matéria de estatuto disciplinar dos médicos e TINI- Autoriza o Governo a aprovar o Regulamento Disciplinar da Polícia Judiciária; proposta de resolução n.º 38/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo por Troca de Notas entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federal da Alemanha sobre a Cessação da Cooperaçâo Bilateral no Domínio da Utilização da Base. Aérea n.º- 1l, em Beja, que baixou à 4.º Comissão; e ratificação n º 92/VI - Decreto-lei nº 260/93, de 23 de Julho, que reorganiza os centros regionais de segurança social (PCP)
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados; os tempos atribuídos a cada um dos grupos parlamentares são os que constam do quadro electrónico, em conformidade com o artigo 4 º, n º l, do regulamento da Comissão Permanente.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Macário Correia.
O Sr. Macário Correia(PSD) - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os factos que me levam a usar da palavra, aqui e agora são suficientemente graves para a atenção desta Comissão para os mesmos.
Há dias, com grande alando, o PCP e o PS vieram a público manifestar a sua angústia e o seu destemperamento pelo facto de o Primeiro Ministro de Portugal dirigir uma folha aos portugueses, dando conta dos principais programas especiais para a recuperação da economia, à cabeça dos quais vinha o referente à erradicação das barracas nas áreas de Lisboa e do Porto, e ainda alguns outros, igualmente importantes para a recuperação económica do País.
Venho aqui desafiar a coerência dos dirigentes desses partidos para igualmente denunciarem uma operação grave em que o dinheiro público tem sido utilizado em campanha eleitoral pela Câmara Municipal de Lisboa, nas últimas semanas, de uma forma grave, atentatória do artigo 116 º da Constituição dos princípios éticos que todos nós devemos ter presentes em política e de alguns outros princípios que, em democracia, têm de ser salutar e pedagogicamente respeitados perante os eleitores.
Alguns vereadores «dão-se ao luxo» de publicarem semanas sucessivas suplementos de difusão nacional, quando apenas são vereadores de uma câmara municipal De facto publicam boletins com fotografias em jornais diários editam cadernos, que, oferecem às criancinhas com beijinhos
Sr. João Amaral (PCP) - Isso é dor de cotovelo!
O Orador: - distribuem folhetos semanalmente nas caixas do correio havendo eleitores que recebem em casa o mesmo documento nove vezes, com encargos de 270$ de portes de envio.
O Sr. Carlos Coelho (PSD) - É um escândalo!
O Orador: - Há vereadores que distribuem a sua fotografia ao pessoal que tem de receber o seu salário e outros que
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se dirigem simultaneamente com três e quatro boletins porque alguns saem atrasados com a sua fotografia aos eleitores.
Depois, não contentes com isso, difundem a mentira organizada, publicando e fazendo distribuir folhetos, pagos pelo orçamento público, anunciando parques e jardins em sítios onde tão-só existem lixeiras e entulho, conforme alguma comunicação social tem demonstrado. Ainda não contentes com isso, pagam 16 páginas em suplemento encartável numa edição com a publicação de seis pseudo-entrevistas de três vereadores do PS e de três do PCP, entrevistas estas de tal modo fictícias e artificiais que nem sequer são assinadas por qualquer jornalista e têm a gravidade de mentir descaradamente, enumerando um rol de obras, que, embora longe de estar feito, é dado como concluído.
Tenho, pois, aqui todo este volume de papelada, distribuída nas últimas semanas, à custa do orçamento público dos cidadãos, para mentir e para ofender aqueles que são os princípios mais sagrados em política, os da verdade, da frontalidade e da honestidade.
Por isso, pergunto àqueles que se insurgiram contra esta folha, há algumas semanas, se, em nome da coerência e da dignidade dos cargos que ocupam, são ou não capazes de denunciar esta fraude e esta violação dos princípios eleitorais e democráticos do relacionamento com os eleitores.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Esta é a pergunta que lhes faço aqui, diante da comunicação social e também dos responsáveis de dois partidos desta Câmara, que têm procurado disputar entre, si a liderança da oposição (não sei qual deles a lidera de facto!...). Na realidade, se se insurgiram contra esta folha, estão perante este conjunto de papelada, referente a um município e distribuído pela comunicação social nacional, pergunto-vos: onde está a vossa coerência e verticalidade? Ponham aqui a vossa honestidade à prova e façam a classificação, destes factos, que são para todos nós óbvios, claros e objectivos.
Fica aqui, pois, o desafio perante aquilo que é, repito o mais uma vez, um grave atentado à ética e à verdade em política
Quero agradecer ao Sr. Presidente e aos Srs. Deputados a atenção que dispensaram a este assunto. Espero bem que exemplo destes não se repitam para bem da democracia, da dignidade das instituições e dos contribuintes, cujo dinheiro não deve ser gasto em propaganda partidária mas, sim, na feitura das obras, fundamentais para Lisboa e para Portugal.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra ó Sr. Deputado Alberto Costa.
O Sr. Alberto Costa (PS):- Sr. Presidente, Sr Deputado Macário Correia, V Ex.ª veio aqui «fazer um pequeno número» de que a sua campanha eleitoral para a autarquia de Lisboa estava bem precisada. A questão que fica é esta: qual é a autoridade do seu partido e do Governo apoiado pelo seu partido para trazer a esta Câmara números assentes na falta de isenção da utilização de dinheiros públicos depois do monumental embuste que foi a carta dirigida a todos os portugueses, que é a utilização desbragada da televisão pública para fazer passar gratuitamente as suas mensagens, que é, enfim, a utilização sistemática dos cargos públicos em todos os fins-de-semana para fazer a vossa própria campanha eleitoral?
Assistimos, da parte do PSD, a uma monumental utilização dos cargos, dos recursos ë das possibilidades do Estado para fazer campanha para as próximas eleições autárquicas e V. Ex.ª vem aqui apelar para factos - aliás, não correspondentes àquilo que V. Ex.ª aqui pretendeu demonstrar - que, ao lado de tudo isso, não têm qualquer significado em termos de campanha eleitoral!
Eu diria: «Bem prega Frei Tomás...»! Na realidade, da vossa parte não' há qualquer autoridade para apelar aqui para a isenção no uso dos dinheiros públicos!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Duarte Lima (PSD): - O Sr. Deputado aceita ou não o beijo amigo do Rui Godinho?
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Macário Correia, em matéria de utilizações abusivas de certas figuras, V. Ex.ª é que utilizou abusivamente esta tribuna para fazer uma intervenção como candidato no que é a sua campanha eleitoral. Portanto, o que fez aqui não foi utilizar a tribuna para os fins a que ela se destina mas, sim, para o candidato que é.
V. Ex.ª é candidato com toda a legitimidade, mas assuma que está aqui a fazer propaganda eleitoral! Talvez porque não lhe tem corrido muito bem a campanha eleitoral por outros lados, julgue mais fácil fazê-la desta tribuna, pois aqui somos ouvintes obrigatórios de V. Ex.ª Já a população ,de Lisboa, não sendo tão paciente, tem a possibilidade de sair. Assim, aqui, seremos ouvintes obrigatórios todas as vezes que, até às eleições, V. Ex.ª entenda vir perorar para a tribuna da Assembleia.
Quanto à questão de fundo, V. Ex.ª fez uma comparação que é sua e da sua responsabilidade Dê facto, comparou aquilo a que chamou de propaganda abusiva, fraudulenta, etc., dos vereadores da Câmara Municipal de Lisboa com a carta do Sr. Primeiro-Ministro, à qual se aplicam, portanto, por razões óbvias, os mesmos epítetos, isto é, fraudulenta, abusiva, violadora dos princípios da isenção, utilização abusiva de dinheiros públicos, etc. A responsabilidade é sua! O Sr. Deputado não consegue distinguir, mas eu vou dar-lhe a' explicação: é que, como já referi aqui, enquanto os vereadores e os presidentes de câmaras, em todo o País e de todos os partidos políticos, apresentam a obra que fizeram, o Sr. Primeiro-Ministro, que disse não ir intervir ha campanha eleitoral - e todos percebemos porquê intervém na mesma não apresentando a obra que fez mas prometendo amanhãs radiosos, futuros de esplendor e muitos milhões, que, aliás, não são dele! Esta é a diferença Sr: Deputado! Espero que a registe, porque os dinheiros com que o Sr. Primeiro-Ministro intervém na campanha são públicos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem à palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.
O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.- Deputado Macário Correia, ficámos sem saber - aliás, no sentido do que o Sr. Deputado João Amaral disse - se, de facto, para si as questões, em termos de natureza, são as mesmas. Isto é,' se as acções avulsas de propaganda, pagas com o dinheiro dos contribuintes e exibidas pelo Sr. Deputado; são essencialmente da mesma natureza da acção que todos nós pagámos sob a forma de uma carta endereçada pelo Sr. Pri-
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meiro, Ministro. Isto porque a ideia com que se fica é a de que o Sr. deputado critica e se preocupa com essas acções, financiadas desse modo, de espectro pequeno e local, não se preocupando com a chamada acção de largo espectro, aquela que atinge mais facilmente os seus objectivos, aquela que utiliza meios maiores e mais eficazes para chegar a todo o lado. É a mesma coisa? Não é? Tudo deve ser criticado? Em que pé é que ficamos?
O Sr. Presidente: - para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Macário Correia.
O Sr. Macário Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs Deputados, fiquei decepcionado com os pedidos de esclarecimento formulados, em particular com o que foi dito pelos Deputados responsáveis pelas bancadas do Partido Socialista e do Partido Comunista Português. Foi fraco, muito fraco, fraquíssimo mesmo.
O Sr. João Amaral (PCP): - Foi à altura da sua intervenção!
O Orador: - Não responderam rigorosamente a nenhuma das questões de fundo que aqui coloquei. Assim, ficámos a saber que, quando o Primeiro Ministro de Portugal legitimamente - porque de todos é Primeiro Ministro -, se dirige aos portugueses explica quais são os problemas em curso para a recuperação do País, gastando umas escassas centenas de contos.
Risos do PS.
Os Srs. Ficam perturbados, quando uma simples câmara municipal gasta 4 milhões de contos em publicidade durante um mandato - repito 4 milhões de contos em publicidade durante um mandato - que davam para alojar 5000 famílias a viver na miséria.
Vozes do PS: - Eh!
O Orador: - ... os Srs. Deputados, entre alojar 5000 famílias e fazer propaganda através de caixas de correio com as vossa fotografias, decidiram fazer propaganda, deixando 5000 famílias a viver na miséria. Foi esta a vossa opção! Nunca será a minha nem a do PSD!
Quero ainda esclarecer VV. Ex.ªs de que não estou aqui em acção de campanha eleitoral, a qual se faz no lugar próprio junto dos eleitores. Porém, enquanto deputado tenho igual legitimidade que o Sr. Deputado João Amaral ou de qualquer dos outros Deputados, aqui presentes, pelo que nunca deixarei de denunciar, nesta Casa, qualquer irregularidade grave, que ponha em causa aquilo que é o uso do dinheiro público, que deve ser consumido na resolução dos problemas das pessoas, nomeadamente para acabar com a miséria e com as injustiças.
A minha voz levantar-se-á sempre desse lado para dizer que o dinheiro serve para resolver injustiças e situações de miséria e não se destina à propaganda pessoal de quem quer que seja, ainda que estejamos a falar de vereadores do Partido Comunista Português Comigo, será diferente!
Saibam VV Ex.ªs que, nesta Casa, tenho a mesma legitimidade que qualquer um de vós para fazer com dignidade e honestidade, estas afirmações. E que fique claro de uma vez por todas que a minha opção é diferente da vossa e que os pedidos de esclarecimento porque esta questão estava clarificada previamente. A diferença é simples de um lado temos uma folha que foi distribuída com legitimidade e verdade a todos os portugueses e do outro, um conjunto de papelada contendo falsidades e mentiras, distribuída por uma câmara municipal que gastou milhões de contos. Esta é a diferença e é isso que separa o PSD do PS e do PCP!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra O Sr. Deputado Alberto Costa.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados:
Está aí o Outono político deste Governo e deste Primeiro-Ministro, o mito do acaso está no acaso. O marketing laranja do apregoado «Governo mais estável da Europa» amareleceu e já não vende. Não o compram os trabalhadores a quem se exige que paguem em perda de poder de compra e despedimentos as custas do processo do crescimento prometido e se vêem agora submetidos, no caso da função pública, a uma inqualificável chantagem.
Não o compram empresários, agricultores, pescadores, a quem se pede que liquidem, a pronto, em encerramentos, falências, despedimentos, abandonos, abates, frustração e crise o saldo da conta corrente do sucesso anunciado. Depois dos mil tempo que os fundos comunitários facultaram à valsa governativa, a asfixia da economia real deita contas á vida e não se deixa embalar pelo anúncio de um novo convite á valsa.
Não o compram os contribuintes, de quem pretende cobrar-se mais para punir o terem levado a sério as leis fiscais.
Não o compram os portugueses que conhecem os serviços em que estão á frente Arlindo de Carvalho, Couto dos Santos, Silva Peneda e que, agora, passaram a pedir contas directamente a quem os escolheu.
O Primeiro-Ministro pode continuar a lançar mão do livro oficial dos exorcismos e bradar contra o pessimismo, o catastrofismo e o miseralismo, transformando-os numa espécie de demónios modernos apostados em perder o bem do optimismo oficial. O Ministro da Defesa nacional pode levar a técnica do esconjuro ao rubro de proclamar que o PSD e o bem e o PS o mal, preterindo a ocidental arte da guerra em favor da doutrina persa do maniqueísmo. O facto é que a realidade se afirma mais forte que o livro laranja dos exorcismos Parafraseando Alexandre O´Neil, afinal o sucesso não era sucesso e Portugal encontrou-se com a crise nos braços.
Ouvindo as vozes da sociedade civil que, de vários quadrantes, sentem chegada a hora de se erguerem para falar, vê-se que um tempo e um crédito político estão no fim. O rumo reafirmado no momento do encalhe não inspira mais confiança!
Propuseram-nos um modelo de gestão pública que era suposto dar à economia o posto de comando e que fazia da capacidade de dominar as variáveis económicas e financeiras a virtude primeira da autoridade e a chave do sucesso político. Eis que o modelo se vira sem piedade contra os autores.
Utilizando o paradigma popularizado pelo Ministro das Finanças, dir-se-ia que o que pela economia foi acima pela economia está a vir abaixo. Mas o que se declina à nossa frente e anuncia o termo de um ciclo governativo não é apenas um estilo de gestão da economia. É um modelo de autoridade política, uma cultura oficial de arrogância e tensão de novo riquismo e de insensibilidade social que: depois do ciclo da pós-adesão à Comunidade paradoxalmente deixa a vida social e a vida democrática mais vulneráveis e mais ameaçada em Portugal a coesão social.
A autoridade do chefe está segura no sacrário em que a guardavam os seguidores. Desafiada na Madeira, no Norte ou em Lisboa, vemo-la embaraçar-se num silêncio comprometedor, mas esgota-se, sobretudo num modelo em que a
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fixação nos números que não o domínio dos números aí estão os 450 milhões de buraco orçamental para lembrar a diferença -, significou insensibilidade e indiferença para com as pessoas, desespero e desatenção pelos recursos e pelas políticas de solidariedade, pelos próprios recursos morais da comunidade.
É que, sob o reinado do discurso da modernização e do sucesso, afinal, cerca de dois milhões de portugueses não saíram da faixa de pobreza, não acederam aos recursos necessários para satisfazer as suas necessidades elementares e, desses, um décimo conhece a fome. A velhice empobrecida e a pobreza infantil - os pobres tradicionais e os novos pobres - são chagas abertas da sociedade portuguesa que a «democracia de sucesso» não sarou e de que não se ocupou.
Num país que tem recebido mais de 1,5 milhões de contos por dia da Comunidade regressou a angústia do desemprego e do seu espectro. E ofendem-se os 335 000 desempregados dos números oficiais a todos os trabalhadores que enfrentam hoje o espectro do desemprego quando se anuncia como uma meta de sucesso até ao final do ano, no âmbito do PDR, criar um número de empregos, afinal, equivalente ao número de desempregados que, em quatro meses, se inscrevem nos centros de desemprego.
Em balanço de fim de estação, saltam à vista os resultados de uma gestão que conduziu, através da ruína e do desmantelamento da actividade agrícola e da ausência de um política de desenvolvimento rural e de regionalização, ao abandono e desertificação dos campos, concentrando as pessoas e os problemas na periferia de Lisboa e do Porto.
O desenraizamento, a desinserção, a desordem urbanística, a habitação degradada, o subinvestimento nas áreas suburbanas são o caldo de cultura em que se desenvolveu um profundo mal de viver nas grandes cidades e, sobretudo, à sua volta. É nessas áreas de chegada dos que fogem a um mundo a que foram expropriadas as perspectivas que se concentra hoje 60% da criminalidade mais expressiva dos tempos da crise.
A exclusão arrasta marginalidade, traz novas condições para a progressão da droga e do crime, a crise desenvolve-as. Nas zonas onde se concentram encerramentos de fábricas e se formam bolsas de desemprego não admira que cresçam hoje os índices de criminalidade.
Para as comunidades imigrantes e as minorias étnicas nacionais, afectadas pela discriminação e pela degradação, a insensibilidade conduziu à omissão de uma política de integração que prevenisse fantasmas e salvaguardasse a dignidade das pessoas, a começar pelas próprias crianças. Neste caso, o saldo resumiu-se a um tardio exercício político em que se procurou um bode expiatório em sede de ordem pública como substitutivo para a política de integração em falta.
De costas para os pobres, para os excluídos, para os marginalizados, para os esquecidos do sucesso, o governo procurou fazer inculcar localmente uma espécie oficiosa de chamada «cultura do contentamento». Mas o que se desenvolve hoje na sociedade portuguesa é um sentimento de insegurança, alimentado pela crise, pela persistência de graves carências e desigualdades, pela ausência de políticas económicas à altura dos problemas, por sistemas sociais degradados e sem respostas e, sobretudo, pela desconfiança e perda de horizontes associada a uma fórmula governativa que se esgotou.
Cresce também um sentimento de perda e de corrosão dos valores morais, próprio de todos os fins de ciclo, sentimento que a percepção generalizada dos sinais das práticas de corrupção e de clientelismo incute, afectando e diminuindo os próprios recursos morais da comunidade, afinal, essenciais para a coesão social.
Há duas maneiras de dar resposta a estes sentimento: uma, cinge-se ao tratamento dos sintomas, a uma terapêutica de superfície quando não se fica por uma diversão rumo a providenciais temáticas de fuga e de desresponsabilização, outra, consiste em cuidar não apenas dos sintomas mas também, e em primeiro lugar, das causas.
Foi por ser esta a nossa preocupação e a nossa postura, por estarmos preocupados a sério também com as causas, que o PS levou hoje a efeito um colóquio parlamentar sobre a crise económica, o desemprego, a pobreza, a exclusão, a insegurança e a criminalidade. No Outono, há que pensar nas estações seguintes!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputados Rui Carp.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Costa, começo por dizer-lhe que o seu partido tem pouco de santo, muito menos de St.º Agostinho, para decidir acerca do bem e do mal. Quem decide...
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - É o Dr. Fernando Nogueira!
O Orador: - ... é o cidadão nas eleições legislativas.
Começo por abordar este último ponto: como V. Ex.ª falou em corrupção, perguntava-lhe de novo se já está a vossa bancada em condições de responder a uma pergunta a que, na altura em que a formulei, não obtive qualquer resposta qual é a vossa atitude face ao comportamento do presidente da Câmara Municipal da Nazaré? Era interessante sabê-lo porque, até agora, registo um descarado encobrimento das vossas posições.
Quanto àquilo que o Governo tem estado a fazer, coloco-lhe outra questão: confirma V.Ex.ª notícias que têm vindo a lume segundo as quais o vosso secretário-geral tem aconselhado aos socialistas que compõem a direcção de uma das centrais sindicais que tem reunido com o Governo para, em condições algumas, chegar a acordo em sede de concertação social?
É que VV. Ex.ªs , que se reclamam de valores como o da solidariedade, o da generosidade e o do voluntarismo, consideram que é correcto resolver um problema magno em toda a Europa - o do desemprego - através da violência social, do confronto social e não através da solidariedade e da concertação social. Conhecem VV. Ex.ªs algum economista idóneo que tenha a coragem ou a insensatez de defender aumentos salariais elevados garantindo, ao mesmo tempo, postos de trabalhos?
Respondam os Srs. Deputados do PS a estas questões porque, sem respostas claras e objectivas, VV. Ex.ªs não abandonam o discurso que habitualmente fazem o da demagogia, o da crítica fácil sem soluções, o da insensatez. No fundo, quando os portugueses decidem - e já o fizeram sobre o bem e o mal! -, punem-vos, o que sucedeu em três eleições legislativas, duas das quais o meu partido ganhou por maioria absoluta, situação que, aliás, vai repetir-se nas próximas.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, num minuto cedido pelo PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.
O Sr. Alberto Costa (PS) - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Carp, não foi o meu partido que trouxe a problemática do bem e do mal para a vida política!
O Sr. Rui Carp (PSD): - Já o sabíamos!
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O Orador: - Foi o Sr. Ministro da Defesa Nacional quem a trouxe e fico satisfeito por saber que também V. Ex.ª não considera o seu Ministro da Defesa Nacional o melhor exemplo de um S.to Agostinho.
Relativamente à temática da corrupção, apenas tenho a dizer-lhe que o Partido Socialista confia plenamente nos tribunais e que não tenho conhecimento de que algum tribunal tenha condenado por algum crime de corrupção o presidente da Câmara Municipal da Nazaré. Aliás, já que o Sr. Deputado insiste em comentar esta matéria, desafio-o a dizer que tribunal, que sentença, condenou esse autarca pelo crime de corrupção. É que, quando usamos as palavras, devemos fazê-lo com rigor, pelo que, quando V. Ex.ª utiliza uma palavra e um conceito que correspondem a um tipo penal contra uma pessoa, deve sustentar com rigor essa acusação!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Portanto, sobre esta matéria, Sr. Deputado, seja rigoroso e indique que tribunal proferiu essa sentença.
O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado!
O Orador: - Finalmente, V. Ex.ª traz à colação uma verdadeira indignidade deste Governo propor, a trabalhadores que aceitem um aumento salarial de 3% - e, caso recusem, não terão qualquer aumento -, o que consiste num acto de pura chantagem em qualquer parte do mundo. E perante um chantagista, Sr. Deputado, só há duas atitudes: ser cúmplices ou denunciar a chantagem.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado Rui Carp, a atitude política que denuncia a chantagem é também, em política, a atitude justa.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nau entrou na fase do afundamento irreversível.
Risos do PSD.
O Homem já não domina o leme, os rombos são visíveis um pouco por todo o lado, os tripulantes estão amedrontados, os aguadeiros em terra assobiam para o ar.
Esta é uma imagem actual do Governo e do PSD.
O Primeiro-Ministro, que durante anos dominou ferreamente os ministros e os «ajudantes de ministro», dizendo-lhes o que haviam de dizer, calando-os quando o entendia, perdeu já o respeito dos seus mais próximos.
O seu «2.º imediato» já fez saber, alto e bom som, sem dar cavaco prévio ao Primeiro-Ministro, que não está disposto a afundar-se com o Governo, procurando, desde já, criar espaço e condições para se atirar aos destroços e alcandorar-se à chefia do PSD.
O «1.º imediato», que até agora se apresentava como a ovelha mansa do Governo e do PSD, veste rapidamente a pele do lobo mau, invectiva tudo e todos em comícios sucessivos, procurando mobilizar apoios e reforçar a sua candidatura a sucessor natural do chefe.
Os ministros, vendo-se de repente sem controlo e liderança, mostram-se agora como na realidade sempre foram; uns mais ambiciosos, outros mais ineptos, todos incapazes de proporem soluções para o país, todos acusando os governados pelas incompetências e incapacidades dos governantes.
O Ministro da Indústria e Energia afirma a um semanário, «sem papas na língua», que está na corrida para substituir o completamente desacreditado Ministro das Finanças.
O Ministro da Educação desmente o seu Secretário de Estado sobre a inequívoca insuficiência de vagas do ensino superior e descobre o novo «ovo de Colombo» para resolver o problema: aumentando o n.º de chumbos nos futuros exames do 12.º ano e, excluindo esses estudantes da candidatura à Universidade, as vagas do ensino superior público serão suficientes.
É brilhante este Ministro. E não se lembrou ele, por exemplo, que se os chumbos forem ainda em maior número, então a capacidade será excedentária e ainda poderá vender alguns edifícios universitários públicos a universidades privadas, ou a quaisquer especuladores imobiliários.
O Ministro do Planeamento e da Administração do Território não fica atrás do seu colega da Educação, divulga o congelamento das transferências do Fundo de Equilíbrio Financeiro, ao seu valor nominal, pré-decretando o acréscimo de dificuldades para os investimentos das autarquias locais. Confrotado com os primeiros protestos e com a razão dos autarcas, descobre a solução fácil e despudorada: se querem mais dinheiro disponível, procedam ao despedimento dos trabalhadores!
É uma afirmação da mais completa irresponsabilidade moral e política. Para tal Ministro, aliás para este Governo, todos os problemas do país se resolveriam com «disponíveis» e despedimentos. Esquecem sempre, porém, o único despedimento que seria útil ao País, o despedimento, colectivo e com justa causa, de todo o Governo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Finalmente, e sem a preocupação de ser exaustivo, aí temos o Governo pela voz da Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento, a apresentar aos sindicatos da função pública uma proposta de congelamento de salários para 1994. A menos que, acrescentou a Sr.ª «ajudante» do Ministro das Finanças, as centrais sindicais se submetam a um acordo na concertação social, pois nessa hipótese haverá um descongelamento de 3%., bastante inferior à taxa de inflação.
É um paradigma da noção de diálogo e concertação que o Governo tem.
É a política da chantagem pura e simples.
É mais uma despudorada manifestação de desprezo a que o Governo e o PSD votam os trabalhadores portugueses.
É, afinal, mais uma demonstração de que os problemas deste país não têm solução com remodelações governamentais, com a substituição deste ou daquele ministro, mas só com a substituição de todo o Governo. Começando pelo Primeiro-Ministro.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.
O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, srs. Deputados: O Grupo Parlamentar de Os Verdes tem, ao longo dos anos, durante as sessões legislativas, denunciado a situação de crescentes atentados ao ambiente e ao equilíbrio ecológico em todo o território nacional. Ao trazermos os acontecimentos que ocorrem diariamente e que temos oportunidade de tomar conhecimento através da comunicação social, o
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Partido Ecologista Os Verdes têm denunciado e avançado com propostas sobre a forma de procurar resolver estas situações.
Temos afirmado que o Governo tem feito uma política dê ambiente nó sentido de servir de propaganda à sua própria política, aos seus próprios interesses e não aos interesses do País, do bem-estar e da qualidade de vida dos portugueses. ' Em 15 de Março de 1992- repito, em 5 de Março de 1992 precisamente aqui, na Assembleia da República, e depois de termos visitado mais uma situação de evidente atentado ecológico, ocorrido nos rios Zêzere e Nabão, acusámos o Governo de «deixar andar» para ver o que depois acontece, dado que é incapaz de ter uma política coerente para resolver os problemas do ambiente e evitar a degradação da situação ecológica em Portugal.
Se em 5 de Março acusámos o Governo desta política, infelizmente, hoje, 12 de Outubro de 1993, vimos aqui, mais uma vez, dizer que o. Governo continua a preferir a propaganda em vez de actuar em defesa, do ambiente, e dos recursos naturais do nosso país. No fim-de-semana passado, mais uma vez, os nos Zêzere e Nabão foram, atingidos por grandes quantidades de poluição lançados por empresas ribeirinhas, que provocaram a morte de centenas de peixes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: De acordo com a observação feita, foi precisamente a mesma empresa que, em 1992, lançou os seus efluentes no rio Nabão que agora provocou o mesmo acidente ecológico. E isto aconteceu porque o Governo limitou-sé, na altura e em frente às câmaras de televisão, a
dizer que quem poluiu vai pagar» e não cuidou de prevenir futuras situações. - Portanto, os cerca de 200 000 litros de depósitos de efluentes perigosos, depois de o Governo ter aplicado a coima, ficaram no mesmo local e hoje, passado cerca de ano e meio, os mesmos resíduos foram lançados directamente no rio. Os membros do Governo e os técnicos do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais sabiam,' certamente, que aqueles resíduos não podiam ficar 'ali eternamente, um dia tinham de ter um fim. Mas como não existe em Portugal, por parte do Governo, a capacidade de fazer aplicar a legislação que ele mesmo emitiu, o que se verifica é que os detentores desses resíduos, mesmo depois de a fábrica ter encerrado, fizeram, o, lançamento directo para, o Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais um atentado ecológico ocorreu' no nosso país e o Governo veio à televisão dizer, através do director regional do ambiente, que há pouco tempo tomou posse, no seguimento da reestruturação do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais- mais uma! -, muito atrapalhado, que tinha ocorrido imediatamente ao local, que tinha procurado encontrar o poluidor e que ele iria pagar.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, continuamos com a mesma política Até quando? É está a pergunta que aqui deixamos. Aliás, desafiamos o Governo e o PSD para um debate sobre esta questão, aqui, na Assembleia da República, para que desmintam as acusações que, ao longo destes anos, temos feito à política do PSD e do Governo do Professor Cavaco Silva.
Ficamos, pois, à espera que o PSD e o Governo venham defender a sua dignidade como governantes deste país.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra
o Sr. Deputado Manuel Sérgio.
O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não quero ser confundido com o ruído encantatório com que uma oposição, que encontra exclusivamente nesse estatuto toda a razão do seu discurso, se esmera por entorpecer a vigilância cívica dos portugueses.
As críticas que o PSN apresenta não são nem motivadas pela aversão ao adversário político nem, muito menos, pela obsessão patológica pelo poder
De facto, verifica-se, no cenário da nossa prática política, que a motivação das críticas parece não ser, por norma, o bem comum frustrado mas antes a frustração de não se estar no poder e a obsessão pela sua captura.
Esta visão libidinosa do poder- se tudo se passa como parece antecipa orgias de vitória, estimula rituais de manipulação e promove guerras feudais no seio dos próprios partidos. Aliás, sou testemunha disso dado que foram tantas as pessoas dos outros partidos que se me ofereceram para ser candidatos do PSN! E nesse oferecimento vinha uma ladainha de frustrações e de lutas contra os partidos. Portanto, sou testemunha destas guerras feudais que se passam no interior dos partidos. Não era até há pouco tempo, passei á ser!
Risos.
O ambiente de acusações permanente, recurso, quantas vezes, ao ostensivo insulto dão bem o tom a um discurso que assenta na força definitiva do poder e não na irradiação fecunda da solidariedade.
Pretendem agora, estes partidos, dando mostras de algum arrivismo, apelar a uma «internacional do coração», agitando em delírio a bandeira irresistível da solidariedade, enquanto no coração de cada um parece fomentar-se e instilar-se a emulação e a suspeita.
O PSN não entra nesta dança de máscaras, tão grande é. o disfarce. a que recorrem os seus figurantes, no intuito, quem sabe, de quererem esconder algo de fundamental. O quê? Sobretudo os erros, as falhas, as falências, em que efectivamente todos são, exemplarmente solidários e indisfarçavelmente cúmplices.
O PSN critica com veemência mas com. compreensão, sobretudo um sistema em que os principais partidos se movimentam como peixe na água
O Sr. José Magalhães (PS): - Enigmática intervenção!.,.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra
o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados reúne esta Comissão Permanente pela, primeira, vez, após os incidentes, que recentemente ocorreram ria Rússia.
Lamentavelmente, o percurso de democratização daquele pais foi maculado por este incidente, tendente a travar as reformas democráticas e, lamentavelmente, mais ainda quanto é certo que as forças, conservadoras, que visam travar esse processo, provocaram, com a sua intervenção aventureira, várias dezenas de mortos, que podiam ter sido evitados se a consciência democrática tivesse podido, em tempo curto, ser alargada também àqueles que continuam a negar os valores da democracia.
Mas esta situação ocorrida na Rússia permitiu aclarar algumas posições nas forças políticas no âmbito interno, em Portugal. Ô Partido Comunista Português, sem que isso surpreendesse, veio defender essas forças conservadoras, veio tomar publicamente atitude contrária ao prosseguimento da democratização que se está a processar naquele país.
Vozes do PCP: - É mentira!
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O Orador: - VV. Ex.ªs afirmam que o que acabei de dizer não corresponde à verdade, mas o certo é que ela está retratada no próprio texto do voto que hoje apresentam a esta Câmara.
Mas se a posição do Partido Comunista não surpreendeu, já mais surpreendente se torna a do Partido Socialista, que assumiu uma posição de reprovação daqueles acontecimentos, mas a verdade é que internamente se coliga e associa ao PCP em combates políticos que são inconciliáveis com os valores que diz defender.
Quero deixar claro que esta intervenção e denúncia nada tem a ver com os propósitos político-partidários e menos ainda eleitoralistas.
Risos do PCP.
Mas estando em causa questões de princípio e valores fundamentais, como são a liberdade, a democracia e os direitos fundamentais, não é compaginável defender esses valores para efeitos externos e passar por cima deles em termos internos, bem como, de uma forma perfeitamente incompatível e inadmissível, aceitar coligações com partidos que continuam a preterir esses valores, que pensamos serem hoje uma conquista universal. Partidos democráticos não podem Ter essa dicotomia, essa duplicidade.
É certo que, nas jornadas parlamentares do Partido Socialista, o Sr. Deputado Almeida Santos, referindo-se a alguns ataques do PCP - será um princípio de zanga de comadres!?? -, disse que não o obrigassem a falar sobre alguns «telhados de vidro» do PCP, porque, se o fizessem, teria muita coisa a dizer. Desafiaria o Sr. Deputado Almeida Santos, a bem da democracia e da transparência da vida política, a revelar e denunciar essas situações, porque talvez elas possam permitir alguma compreensão desta duplicidade do Partido Socialista, que lamentamos e não poderíamos deixar de assinalar, não por razões político-partidárias ou eleitoralistas - repito - mas por razões de princípio de que não abdicamos, para que o povo português saiba que um partido que se diz democrático como o Partido Socialista - e temos razões históricas da vida deste partido para assim o considerarmos - vem a Ter, nesta circunstância, uma incongruência e vem revelar duas faces, não olhando a meios com vista à obtenção de votos e a pugnas eleitorais que se aproximam.
O povo português, como tem demonstrado nas suas posições expressas no voto, admira a coerência, preza valores fundamentais que hoje o regem na estrutura constitucional e democrática que em boa hora instalámos, irá com certeza Ter presente essa duplicidade e irá aproveitar esta oportunidade que um acontecimento externo relevante trouxe à vida pública nacional para distinguir «o trigo do joio» e saber quem efectivamente, de forma coerente, mantém as posições para efeitos internos e externos, numa só linha e numa só voz.
Nesse sentido, propomos à Comissão Permanente a aprovação de um voto de congratulação pela vitória das forças democráticas na Rússia, a qual irá determinar a realização, a curto prazo, de eleições, que esperamos poderem permitir ao povo russo a expressão livre da sua vontade, sem pressões sejam de que ordem forem, de forma a que o processo democrático na Rússia se consolide e o povo russo se previna para estas tentações aventureiras que forças saudosistas do comunismo totalitário pretendem de novo implantar, fazendo a Rússia voltar atrás.
Aplausos do PSD.
O Sr. João Amaral (PCP): - Aplausos do PSD, com a ausência do Sr. Deputado Pacheco Pereira!...
O Sr. Presidente: - Como os Srs. Deputados já terão reparado, iniciámos já com a intervenção do Sr. Deputado Guilherme Silva, de apresentação do voto n.º 91/VI, subscrito pelo PSD, a discussão dos três votos que entretanto deram entrada na Mesa sobre os recentes acontecimentos ocorridos na Rússia.
Os votos n.ºs 92 e 93/VI, são subscritos respectivamente, pelo PS e pelo PCP.
Todos os grupos parlamentares concordaram no sentido de cada um deles usar da palavra sobre estes votos pelo tempo máximo de cinco minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Lamego.
O Sr. José Lamego (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PS apresentou um voto onde demonstra o seu apoio ao processo de reformas democráticas e à realização de eleições no calendário previsto de 12 de Dezembro.
O PS não pode é permitir que um acontecimento que considera o mais relevante em termos de estabilidade política internacional seja nesta discussão degradado a um mero argumento de campanha eleitoral autárquica. Penso que o PSD, ao enveredar por essa via, está a Ter uma grandeza política equivalente à expressão numérica dos votos que irá obter nas eleições para a autarquia de Lisboa.
A meu ver o voto apresentado pelo PSD é também, na sua linha de argumentação, um voto saudosista, que retome e recupera a situação geo-estratégica anterior a 1989. De facto, numa linha apenas de anticomunismo, provocação e pugilato verbal com os comunistas portugueses, pretende outra vez criar uma visão maniqueísta da situação na Rússia, nomeadamente procurando dar às forças conservadoras russas aquilo que hoje lhes falta, ou seja, um novo inimigo e, ao mesmo tempo, defendendo agora, na sua linha política tradicional, políticas de cariz económico e social que conduziram à implosão do sistema social russo e também contribuíram para o agravamento da situação presente.
Inequivocamente, o PS, tal como a sua família política e os seus amigos políticos na Rússia (o partido social democrata russo), condenou e volta hoje a condenar aqui, através do voto que apresenta, as tentativas de bloqueamento do processo democrático na Rússia e expressa a sua satisfação pela derrota das forças que pretendiam fazer regressar a Rússia ao passado e a uma posição de isolamento internacional. Quer, todavia, o PS expressar também que a luta que se trava hoje na Rússia já não é entre comunismo e democracia, mas entre um melting pot de forças conservadoras, nacionalistas e isolacionistas e uma linha de abertura da Rússia ao exterior e à sua inserção plena numa comunidade internacional democrática.
Por esse facto, mantemos o nosso voto e não poderemos corroborar o voto apresentado pelo Partido Social Democrata, como também não votaremos favoravelmente o voto subscrito pelo Partido Comunista. Este último voto demonstra, efectivamente, uma abertura e uma nova posição na análise dos factos que estão a ocorrer na Rússia, mas a biografia política do Partido Comunista nesta matéria suscita-nos as maiores dúvidas para que possamos aprovar o seu voto.
Vozes do PS: - Muito bem!
Risos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao apresentar o voto do Partido Comunista Português quero, em primeiro lugar, responder aos que falsamente nos imputam simpatias e apoios a qualquer das partes em conflito,
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simpatias e apoios que não exprimimos nem antes, nem durante, nem depois dos, acontecimentos de 3 e 4 de Outubro de 1993
O Sr. Octávio Teixeira (PCP). - Muito bem!
O Orador: - Respondemos que, com essas imputações falsas, os seus autores o que fazem, como se viu, é baixa política, tentando desonestamente explorar aqueles acontecimentos para fins internos e eleitoralistas. ;
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Os acontecimentos de 3 e 4 de Outubro, com o chocante derramamento de sangue que provocaram com um número de mortos que, certamente, ultrapassa muito os números manipulados que nos>últimos dias foram fornecidos por autoridades russas -, são acontecimentos trágicos, que relevam de, uma situação profunda de instabilidade, conflitualidade e exasperação política.
O completo conhecimento, dos factos está longe de estar concluído. Mas >a compreensão do seu significado não pode ser desligada das características das principais personagens, da situação social e económica da Rússia e da apreciação da conformidade constítucional dos actos sucessivamente praticados por Ieltsin Quanto aos personagens e sua legitimidade, não é possível ignorar que Ieltsin, Rutskoi e Khasbulatov tiveram um longo percurso, comum.: Com a mesma legitimidade, Parlamento e Presidente foram eleitos na mesma base constítucional, antes de Agosto de 1991: Ieltsin foi Presidente do Parlamento e, foi ele que escolheu Khasbulatov como seu substituto; Rutskoi foi vice-presidente escolhido por Ieltsin e eleito como, ele. Foram estas as figuras principais da resistência ao golpe de Agosto de 1991, foram eles que tomaram as iniciativas da extinção da URSS, do PCUS e da entrega a1 Ieltsin de poderes excepcionais para governar, bem como em domínio de polícia
Só a partir de finais de 1992 se separaram dividiram-se não quanto aos objectivos finais, mas quanto ao ritmo das tais «reformas»
A liberalização dos preços e outras medidas de Ieltsin conduziram a Federação a uma dramática situação de crise pobreza,, desemprego, queda abrupta da produção de 40% em dois anos, corrupção, criminalidade organizada, inflação de 2000% só no ano de 1992, degradação abrupta do poder de compra, ruptura nos serviços de saúde, educação, miséria dos reformados, etc. Esta crise que conduzia a Federação Russa para o abismo- crise de que se fala muito pouco, talvez se pretenda escondê-la tinha de ter, obviamente, repercussões ao ,nível do poder político.
Em 21 de Setembro passado, Ieltsin decidiu resolver a contenda política com meios inconstitucionais, contra a Constituição, dissolveu o Parlamento - e tomou outras medidas também inconstitucionais. Já tinha tentado algo semelhante em 20 de Março, também em violação da Constituição.
Para os que agora querem desvalorizar o papel regulador da Constituição, recordo o que disseram na sequência do golpe de Agosto de 1991: todos os partidos afirmaram que o essencial era defender a Constituição; disse-o o Sn Deputado Jaime Gama aqui, no Parlamento; disse-o também Cavaco Silva, em termos que transcrevo: «a restauração da ordem constítucional é também uma vitória do Mundo Livre»
Os conflitos armados de 3 e 4 de Outubro e a sua compreensão completa não podem separar-se não só dos comportamentos desesperados de Rutskoi e 'Khasbulatov, mas essencialmente dos comportamentos de Ieltsin, anticonstitucionais e antidemocráticos. E não, estamos isolados nesta apreciação! Leia-se a imprensa internacional de todos os quadrantes e mesmo nalguma imprensa nacional, em artigos que têm sido publicados não faltaram alertas, até provenientes de altos dirigentes do PSD.
A este propósito, quero citar um caso que me parece exemplar Alfonso Guerra, vice-secretário geral do PSOE, numa conferência pública, a propósito do golpe de 21 de Setembro, quando foi dissolvido Parlamento, chamou «novo czar» a Ieltsin afirmou que os que o apoiam têm medo da liberdade
O Sr. Rui Carp (PSD)- Mas que exemplo!
O Orador: - Ieltsin,, neste percurso, já demitiu o vice-presidente, dissolveu o Parlamento, extinguiu o Tribunal Constítucional, dissolveu o Conselho da Federação, os governos locais, suspendeu partidos, políticos, instituiu a censura. Penso que esta é uma longa lista de ilegalidades e inconstitucionalidades antidemocráticas.
Além do mais, marcou, eleições para o Parlamento daqui a 60 dias. Ou seja, marca eleições numa altura em que mantém o estado de emergência, a proibição dos partidos, a censura e num quadro legal de grande instabilidade. Como vão ser estas eleições? Livres e justas nestas circunstâncias?
Entretanto, continua a recusar eleições presidenciais, agarrado ao poder como uma lapa, concentrando cada vez mais poderes, eliminando todos os obstáculos,' todas as forças de bloqueio, cada vez mais 'configurando na prática uma' ditadura pessoal.
Este é o enquadramento do voto que apresentamos, do voto • de pesar, das preocupações que manifestamos, também dos votos que exprimimos para que o povo russo encontre uma solução democrática para a crise política de forma a que, finalmente e em democracia, possa dar os passos necessários para. vencer a brutal crise económica e social em que se encontra submergido.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Para terminar, uma saliência particular para as próximas eleições e para a necessidade absoluta de serem garantidos os princípios da igualdade, a neutralidade do poder, político e administrativo, a legalidade e anormalidade constitucional,' a isenção da comunicação social
Sem eleições livres e justas nestas condições, parlamentares e presidenciais, a crise agravar-se-á.
Este é o nosso posicionamento político, consubstanciado no voto que apresentámos por isso, votamos exclusivamente o nosso próprio voto.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier
O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP). - Sr Presidente, Srs. Deputados: O CDS-PP considera que o nosso pequeno drama ou o drama de alguns partidos a propósito das eleições autárquicas é de tal modo insignificante que se torna completamento descabido lembrar problemas de coligações ou de alianças a propósito, porventura, do maior drama do fim do século, para quem tem uma visão atenta e preocupada.
Por isso, em relação a todos os textos que deram entrada na Mesa, o que gostaria de dizer, em primeiro lugar, é que damos a nossa adesão, sem qualquer reserva, ao texto - em matéria de considerandos - proposto pelo Partido Socialista
Contudo, não- se deve deixar passar em claro o tipo de intervenções que aqui se fizeram e há que fazer uma reflexão adequada sobre elas.
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A primeira que faria refere-se ao tipo de intervenção que o Partido Comunista tem sobre esta matéria, sem com isto me referir a pessoas pelas quais tenho a maior consideração.
De facto, o discurso que o Partido Comunista aqui trouxe sobre a crise na Rússia, as palavras com que se referiu à perturbação da ordem estabelecida e à defesa de uma ordem estabelecida que quer preservar ou que, pelo menos menos, entende que deve ser preservada, era rigorosamente o mesmo discurso que poderia fazer, em 1975, um partidário do antigo regime; o mesmo enumerado de crises económicas, de inflação, de instabilidade social, de violação dos normativos constitucionais estabelecidos,
O Sr. João Amaral (PCP): - 2000% de inflação?!
O Orador: - Ou seja, a diferença perante os processos de transformação histórica que o Sr. João Amaral aqui manifestou seria exactamente a mesma que teria um partidário do regime anterior ao 25 de Abril, em 1975.
Esta é a razão por que não aceitamos o texto. Aliás, não se trata de uma acusação ao Sr. Deputado João Amaral nem à falta do seu sentido democrático, é o que é!
Como dizia, rejeitamos, de modo absoluto, o texto do voto apresentado pelo Partido Comunista, uma vez que pressupõe uma adesão à ordem e à Constituição existente, às regras que vigoravam e, portanto, ao totalitarismo, aos privilégios, à desigualdade, a um bem-estar falso, a igualitarismo dos não protegidos na miséria, à falta de liberdade e dos mais elementares direitos a que estamos habituados.
Não tenho em conta as pessoas que reproduzem aqui esse tipo de entendimento - repito porque isto é sempre fundamental par mim - tenho em conta o discurso do ponto de vista teórico e objectivo, o que está aqui vale o que vale! Vale pela defesa de uma ordem estabelecida e prolongada também pelas formas mais execráveis, que todos condenam e conhecem os vícios e que cada vez menos pessoas - ou quase nenhumas, julgava eu - têm coragem de defender.
Por outro lado, também não somos daqueles que têm oportunismo. Ou seja, não entregava a minha liberdade nem a minha democracia a nenhum dos defensores da ordem estabelecida, da antiga ordem em Moscovo, mas também teria cautelas se entregasse a minha liberdade e a minha democracia para o Sr. Ieltsin gerir.
Com efeito, não somos daqueles - nem o são os observadores mais atentos e preocupados do Ocidente - que entendem que o problema está resolvido, que se deve tratar o tema com um triunfalismo total, que a democracia já está implantada, que agora é que os problemas vão ser todos resolvidos e que foi uma vitória dos campeões da democracia. Não temos essa leitura!
Portanto, a nossa reserva em relação ao texto do voto do PSD é de pormenor e deve-se ao facto de o seu final ser de um triunfalismo absolutamente irrealista perante o sentimento, a preocupação e a angústia que a opinião pública avisada tem sobre o desenvolvimento da crise na Rússia, as suas incertezas e dúvidas.
Do meu ponto de vista, não se justifica o triunfalismo mas, sim, uma preocupação. É evidente que o Ocidente entende que as pessoas que lá estão são as que se encontram melhor colocadas para fazerem as transformações e para chegarem à democracia, mas o triunfalismo e o maniqueísmo revelam um optimismo que ninguém de bom senso pode partilhar. Portanto, é essa a única reserva que fazemos ao texto do voto do PSD.
Aliás, segundo as informações que temos - e quem faz viagens pelos antigos países do Leste e é observador mínimo das coisas que se passam sobre isso - até os próprios cidadãos desses países, cada vez mais, têm dúvidas sobre onde é que está o bem e onde é que está o mal, sobre quais são os caminhos do bem e sobre quais são os caminhos do mal. E nós somos fracos juízes nessa matéria, sobretudo a propósito das nossas fraquíssimas eleições autárquicas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.
O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, tinha pedido a palavra no seguimento da intervenção do Sr. Deputado Guilherme Silva precisamente para o questionar sobre as razões que levaram o PSD a apresentar este voto dito de congratulação pela vitória das forças democráticas na Rússia.
A questão que queria colocar ao Sr. Deputado Guilherme Silva está relacionada com o facto de ter referido que esta e iniciativa do PSD nada tem a ver com questões partidárias ou ideológicas, mas sim com questões de princípio. Certamente é uma pergunta que muitos milhares de portugueses gostariam de ver respondida, nesta altura em que o PSD e muitos dos seus dirigentes no Governo (já todos sabemos) andam baralhados com a situação. Em nosso entender parece que a situação também já chegou ao nosso Parlamento. É que nós interrogamos se, de facto, é por questões de princípio que o PSD apresenta este voto. Não sabemos se na direcção da bancada parlamentar do PSD há dirigentes que não se regem pelas mesmas questões de princípio de todos os outros.
Na verdade, coloca-se esta questão, Sr. Deputado, porque um vice-presidente da bancada do PSD afirma que o que se vive hoje na Rússia é uma ditadura presidencial! E põe mesmo em causa que estas sejam as forças democráticas, porque quando Ieltsin decidiu assumir-se com todos os poderes como um presidente ditatorial (utilizando a expressão desse vice-presidente), fê-lo impedindo que outros movimentos na Rússia se pudessem pronunciar sobre a situação. Inclusivamente colocou os órgãos de comunicação social ao seu serviço.
Daí que pergunte, Sr. Deputado, que questões de princípio são estas?
Penso que aos Deputados hoje aqui na Comissão Permanente, e aos portugueses em geral, importa saber que questões de princípio orientam o PSD e, designadamente, a bancada do PSD. É que um dos dirigentes dessa bancada faz afirmações que são contrárias às razões aqui explanadas na apresentação do voto pela sua bancada. Era isto que gostaríamos de ver esclarecido.
Já que me foi dada a palavra para uma intervenção, aproveitava para dizer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que naturalmente ao Grupo Parlamentar de Os Verdes preocupa a situação e os acontecimentos que se vivem na Federação Russa. Sempre o expressámos e continuaremos a expressar e a defender a comunhão de interesses entre todos os povos, o bem-estar, o aprofundamento da democracia e a participação das populações na vida política dos países. Só assim será possível, em nosso entender, promover um verdadeiro desenvolvimento dos povos e não através da rejeição da participação ou do seu impedimento. Estas são as razões que nos orientam, que me pareceu não transpareceram da intervenção do Sr. Deputado e que não fazem parte das razões de princípio do PSD.
Por isso estamos preocupados e lamentamos o que aconteceu. Esperemos que quem intervém por pressão, ou por outros meios, na Federação Russa possa Ter em conta a necessidade de que o povo russo, os movimentos sociais e os
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movimentos políticos se possam pronunciar aberta e democraticamente sobre o seu futuro.
Também por isto, Sr: Presidente, votaremos contra o voto apresentado pelo Partido Socialista, que. considera ser possível realizar eleições democráticas na Federação Russa, em J 2 de, Dezembro, como o Presidente Ieltsin propôs. Pela informação de que dispomos, entendemos que não existem essas condições. Aliás, há outras figuras importantes da Rússia eda ex-União Soviética que, se têm pronunciado neste mesmo sentido.
Falta-nos informação e estamos atentos. Esperamos que a comunidade internacional possa fazer com que mão haja mais derrame de sangue na Federação Russa e que efectivamente o caminho da democracia seja o caminho do futuro daquele povo.
Relativamente ao voto do Partido Comunista
O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Entendemos que o voto do Partido Comunista revela uma postura que tem em conta as razões que nos levam a fazer esta intervenção. Contudo, os votos' aqui apresentados são,' quanto a nós, formas de expressão individual de cada partido' Por isso, abster-nos-emos quanto a este voto.
O Sr. Presidente:- Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.
O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente, Srs: Deputados: A questão dos valores não pode deixar de se enfrentar como uma questão fundamental Qualquer fenómeno' postula sempre uma 'certa causalidade, uma certa relação àquilo que a transcende, uma exigência de unidade mais vasta, de clarificação mais nítida, de explicação mais profunda.
Isto quer dizer, por outras palavras, que o que se passa na Federação Russa se origina francamente, frontalmente, na falência estrondosa do comunismo soviético e no ascenso irresistível da democracia.
Aliás, uma aliança comais estreita possível entre o empírico e o reflexivo, o factual e ò teórico, o contingente e o necessário, não pode deixar de concluir que o mundo de amanhã é muito mais realidade a construir do que esquema a prever. O racionalismo soviético previa no seu comunismo o fim da história, mas a visão trágica da história faliu rotundamente. Depois, quando esta visão triádica faliu, valeram-se de juízos fragmentários e dispersos mas, como todos nós sabemos, mesmo os que não estudamos matemática, cúmulos não são conjuntos. E daí um «baralhanço» tal que já ninguém se entendia, nem mesmo, sobre o ponto de vista doutrinário.
Ora, a história continua para além de todos os racionalismos e é neste sentido - e só neste - que aprovo o voto de congratulação do Partido Socialista mas sem deixar um aceno de simpatia ao PSD, que me parece demasiado reducionista,, demasiado, triunfalista e talvez até um pouco com o espírito de, geometria de que nos fala Pascal, só que o espírito de, finura, aqui até nem ficava mal.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva
O Sr. Guilherme Silvia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados. A intervenção do Sr. Deputado André, Martins, que, aliás, em grande parte, foi no sentido de, pedir uma explicação, e acusar a. direcção do Grupo Parlamentar do PSD de, estar«baralhada» nesta matéria, só tem uma resposta Salvo o devido respeito, o «baralhanço» é seu, Sr. Deputado André Martins V Ex.ª terá lido com atenção o voto do PSD e certamente não, encontra expresso em nenhum lado qualquer apoio à pessoa do, Presidente Ieltsin:
Aliás, a posição do Grupo Parlamentar do PSD é clara. No confronto, que ocorreu na Rússia foi nítido, que dum lado estavam forças conservadoras e reaccionárias e do outro forças democráticas e progressistas. Consequentemente, a nossa posição é, de solidariedade com as forças democráticas, mas na certeza, .Sr. Deputado André Martins, de que do triunfo destas forças .resultaram', .em princípio, medidas profundamente democráticas, designadamente a marcação de eleições, livres e universais.
Todavia, se o Presidente, Ieltsin se revelar - e essa é uma questão interna da Rússia -,um falso democrata, um desviador da democracia, naturalmente que o povo russo irá tomar as posições adequadas para resolver esse desvio e esse problema interno.
No entanto, esclareço(que não há qualquer contradição na direcção do Grupo Parlamentar do PSD porque não há a menor contradição entre a posição tomada pelo Sr Deputado Pacheco Pereira e o voto aqui proposto Ò «baralhanço» é de V Ex.ª. Contudo, é de registar e é interessante a posição de V Ex.ª -abstenção- relativamente ao voto do PCP V Ex.ª, apesar da proximidade, está menos vermelho, está a ficar cor-de-rosa.
O Sr. Presidente: - Para defesa da honra ou consideração tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado António Lobo Xavier: O quê quero dizer é que o posicionamento do PCP em relação aos acontecimentos na ex-URSS foi marcado pelo apoio as reformas iniciadas pela perèstroika, só que não apoiámos as reformas' que conduziram à situação de degradação económica e social que a Federação Russa hoje vive - os tais 2000 % de inflação, 40 % de" quebra da produção', aumento da criminalidade, a corrupção, etc., etc.
Aliás, estivemos' totalmente de acordo com o processo de reformas políticas conducente ao estabelecimento de um regime forni normalidade constítucional. Mas, Sr. Deputado, o que se passa hoje - e é isso que estamos a discutir - é que Ieltsin concentra inconstitucionalmente poderes, dissolve todas as forças da oposição, anula todas as forças de bloqueio e tem um comportamento-e não fomos só nós que o dissemos - que é preocupante porque visualisa uma ditadura pessoal.
Assim, Sr. Deputado, a Ordem constítucional existente em 1991 era a que todos os partidos aqui defenderam considerando-a basilar e ponto de referência essencial. E todos aqui afirmaram que a sua defesa era uma vitória nomeadamente das forças democráticas. Disseram isso e disseram-no face a uma situação em que havia um processo de ruptura.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado António Lobo Xavier, neste momento, e trazendo a questão para. o momento actual, nós constatamos que o Presidente Iletsin tem tanta legitimidade face a esta construção e ao processo como foi eleito- foi eleito antes de Agosto de 9,1 com este quadro constitucional - como o Parlamento e como todas as outras instituições que ele está a dissolver.
Se um processo destes se faz desta maneira, então é um processo que nos causa profundas preocupações. Manifestámo-las aqui com clareza, mas, fizemo-lo em nome de um futuro, dê. garantias democráticas e de bem-estar para o povo russo e, não em nome de nenhum passado.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.
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O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado João Amaral: Na minha intervenção referi-me ao problema de necessidade de articular intervenções diferentes feitas em momentos diferentes por um partido que tem coerência - o de V. Ex.ª. E, nessa medida, lembrei-lhe a linguagem e o discurso normal do Partido Comunista quando referia como - e vou usar também a vossa linguagem - hostis à revolução e ao processo democrático forças que não compreendiam as necessidades de algumas dificuldades, de alguns atropelamentos que o próprio processo democrático implicava e que afirmavam que havia crise económica, que havia prisões sem culpa formada, que havia atropelos às liberdades, que havia uma série de violações de direitos essenciais. Nessa altura o Partido Comunista lembrava - volto a tentar reproduzir as palavras históricas - que era preciso compreender, que a revolução prosseguia, que tinha obstáculos, que tinha dificuldades, que produzia excessos, que metia pessoas na cadeia, que suprimia liberdades a alguns, mas que era preciso ter paciência porque o povo tinha sofrido durante muitos anos uma repressão e uma ditadura e que, por isso, era compreensível que, ao querer mudar a situação social e política do país, se manifestassem alguns excessos, sendo, por vezes, os próprios poderes incapazes de conter esses excessos.
Essas eram as conversas que eu ouvia - não do Sr. Deputado - quando perguntava, queixando-me desse tipo de coisas, se era liberdade haver bombas nos comícios do meu partido, assaltos aos congressos ou violações nos comícios. Era sempre isto que eu ouvia e chamei um pouco a coerência a esta situação para dizer que, de facto, eu não diria que o Presidente Ieltsin é, de facto, o maior democrata do mundo e que estou intimamente convicto de que o é, bem como que me dá uma tranquilidade total os passos que ele vier a dar no futuro em direcção ao processo democrático, mas que alguns excessos, algumas complicações e alguns obstáculos são compreensíveis, tendo em conta os projectos dos que ficaram vencidos e as mudanças que têm de ser empreendidas.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado, em matéria de bombas é melhor não falarmos!
O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Eu falo tranquilamente! O que é que o Sr. Deputado quer dizer?
O Sr. João Amaral (PCP): - Não quero dizer nada!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados...
O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, os apartes fazem também parte das sessões plenárias e não há qualquer regra que nos diga que devemos fazer «orelhas moucas» àqueles que são aqui proferidos. A discussão era séria, mas o Sr. Deputado João Amaral insinuou quem haveria qualquer ligação da minha parte ou da parte da força política a que estou ligado com qualquer «história» de bombas e eu exijo explicações imediatas para que não fique no Diário da Assembleia da República uma alusão que ninguém percebe ou que todos podem confundir.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado, dou-lhe explicações imediatamente. O Sr. Deputado António Lobo Xavier falou aqui das bombas que atingiram o CDS, pelas quais, como V. Ex.ª sabe perfeitamente, o PCP não tem nenhuma responsabilidade, nem histórica nem concreta. ;as o Sr. Deputado esqueceu-se das bombas nas sedes do PCP e dos incêndios que estas sofreram, que varreram particularmente o centro e o norte do país durante os tais meses de 1975. O que eu aqui quis registar foi que, em matéria de bombas, teremos então, que falar de todas as bombas.
O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Já agora, se o Sr. Presidente quiser abrir o debate, iremos até aos tempos de Adão e Eva!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não vamos abrir esse debate1 VV. Ex.ªs podem requerer numa Conferência de Representantes de Grupos Parlamentares que se debata esse tema aqui e, se ele for considerado por todos útil, assim faremos, mas hoje não vamos tratar desse caso.
Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação do voto n.º 91/VI, apresentado pelo PSD, do voto n.º 92/VI, apresentado pelo PS, e do voto n.º 93/VI, apresentado pelo PCP, que deram entrada na Mesa. Todos eles se referem aos últimos acontecimentos ocorridos na Rússia, concretamente em Moscovo. Não procederei à respectiva leitura, uma vez que foram já distribuídos.
Passamos de imediato à votação do voto n.º 91/VI, apresentado pelo PSD, de congratulação pela vitória das forças democráticas na Rússia.
Submetido à votação, foi aprovado com votos a favor do PSD e do CDS-PP, com votos contra do PS, do PCP e de Os Verdes e a abstenção do PSN.
É o seguinte
Voto n.º 91/VI
De congratulação pela vitória das forças democráticas na Rússia
A Europa e o mundo viveram nas últimas dezenas de anos uma divisão caracterizada pela existência de dois blocos - o Ocidental e o de Leste - que, inspirando-se em filosofias antagónicas, determinaram a opção dominante a Ocidente por modelos de organização política assentes na liberdade e no pluralismo cuja liderança cabia aos E.U.A e à Europa Ocidental e a opção dominante a Leste, por sistemas de partido único, liderados pela União Soviética.
Ficou célebre a feliz observação de Winston Churchill no discurso europeísta que proferiu em 19 de Dezembro de 1946, na Universidade de Zurich, quando, face à Europa de Leste se fechara hermeticamente, referiu: «Uma cortina de ferro acaba de tombar sobre a Europa».
Mal adivinharia o antigo Primeiro-Ministro britânico que a imagem por si então utilizada viria ater mais tarde expressão material nessa «barreira de morte» que foi o «muro de Berlim», marco de uma tensão permanente entre o Ocidente e o Leste e símbolo de uma efectiva separação física entre a liberdade e a repressão.
Prolongara-se demasiado os anos da «guerra fria» e do receio constante de um conflito generalizado entre os dois blocos, porventura afastado por guerras localizadas, como as do Vietname, coreia e outras, que nem por isso deixaram de causar muitos milhares de mortos, acentuando em todos nós a ânsia de mudar o mundo.
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Não admira, pois, que as mudanças a Leste, desde o movimento do «Solidariedade», na, Polónia, à «Perestroika», na então. União Soviética, passando pelas alterações nos países da sua. órbita até à queda do Muro de Berlim, nos tenham enchido a todos de regozijo e de esperança. Naturalmente que a passagem de um sistema totalitário para uma democracia pluralista, e a mudança de uma economia estatizada para uma economia de mercado não se podem fazer sem alguma convulsão social e até, em alguns casos, com alguma acentuação transitória de privações e sacrifícios.
A liberdade, o pluralismo, os direitos fundamentais não tem preço e é ignóbil que forças reaccionárias tentem 'aproveitar dificuldades ocasionais de transição para pôr em causa a implementação e à consolidação da democracia pluralista, como aconteceu agora, nos recentes acontecimentos ocorridos na Rússia; ; Considera-se absurda a tese, publicamente defendida por alguns saudosistas, da liberdade da dissolução de instituições que adivinham do deposto sistema totalitário e que continuavam dominadas pelo anterior partido único, obstacularizando sistematicamente as reformas democráticas.
Importa também ter presente que a consolidação da democracia na Rússia cabe antes de mais ao povo russo não dependendo de ajudas externas, mais ou menos interferentes, sendo certo que o Ocidente, incluindo a Comunidade, Europeia, atravessam também uma conjuntura económica difícil, tendo a sua política de auxilio externo condicionada pelas suas próprias dificuldades. Porém, não se afiguram menos importantes as manifestações de solidariedade que por todos, os meios possam ser expressas às forças democráticas, da Rússia.
Daí que, em plena coerência de princípios, - como não pode deixar de ,ser, quer interna quer externamente, quando estão em causa valores como os da liberdade, do pluralismo da democracia e dos direitos fundamentais, a Assembleia da República, na reunião da sua Comissão Permanente de -12/10/93, expresse um voto de congratulação pela vitória que as forças democráticas obtiveram nos recentes incidentes ocorridos na Rússia, com o apoio das Forças Armadas, no entendimento de tal vitória assegura o prosseguimento das necessárias referias e a realização de eleições livres, permitindo ao povo decidir soberanamente o seu futuro e impedindo o regresso ao comunismo totalitário e ao sistema de partido único, atingindo assim triunfo da democracia e da liberdade.
Srs Deputados, passamos agora à votação do voto n.º 92/apresentado pelo PS, de satisfação pela derrota das forças pretendiam fazer regressar a Rússia ao passado e de pesar as vítimas dos confrontos de Moscovo.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PCP e de OS Verdes e votos a favor do PS, PP e do PSN.
È o seguinte:
Voto nº 92/VI
A satisfação pela derrota das forças que pretendiam, vir a regressar á Rússia ao passado e de pesar pelas vítimas dos confrontos de Moscovo.
Comissão Permanente da Assembleia da República, reuniu-se a 12 de Outubro de 1993, tendo em vista a situação na Federação Russa e os confrontos em Moscovo de Setembro e l de Outubro, delibera expressar sua satisfação pela derrota das forças que pretendiam regressar á Rússia ao passado e ao isolamento internacional.
b), o seu apoio ao processo de reformas democráticas e, à realização, de eleições no calendário ,previsto de 12 de Dezembro;
c) o seu desejo de estabelecimento de novas, estruturas representativas, e de, uma nova Constituição, plenamente democráticas;
d) o seu apelo à comunidade internacional para ,que reforce o apoio ao processo de reforma política, social, e económica da sociedade Russa;
e)o seu pesar pelas vitimas confrontos em Moscovo e o desejo de que o recurso às armas e à violência não voltem a ser utilizados como instrumento para diminuir conflitos políticos.
Srs. Deputados, finalmente vamos proceder à votação do voto nº 93/VI, apresentado pelo PCP, de pesar pelas vítimas dos confrontos de Moscovo, exprimido preocupação perante a evolução política na Federação Russa.
Submetido à votação, foi rejeitado, com- votos contra do PSD, do PS, do CDS-PP e do PSN, votos a favor do PCP e a abstenção de Os Verdes.
Era o seguinte:
Voto n.º 93/VI
De pesar pelas vítimas dos confrontos, de Moscovo exprimindo preocupação, perante a evolução, política na Federação Russa.
Considerando os trágicos acontecimentos de 3 e 4 de Outubro, cujo inúmero de Vítimas ainda hoje ,é, desconhecido, e considerando que, ,na, análise objectiva e desapaixonada desses acontecimentos, se, impõe ter presente a gravíssima e dramática situação económica e social da Federação Russa que, desde Janeiro do ano corrente, o Parlamento vinha propondo eleições Legislativas presidenciais simultâneas, proposta que registou o apoio do próprio, Conselho Federal criado por Boris Ieltsin.
O que Boris Ieltsin recusou, sistematicamente a realização, de eleições presidenciais ( em 21 de Setembro, decretou, à margem da legalidade constítucional da Federação Russa, a dissolução do Parlamento,
que, com essa decisão arbitrária e as subsequentes decisões de ,corte de comunicações, de, água e luz e de cerco militar ao Parlamento, se coou uma situação de ruptura explosiva, que se vive hoje na Rússia é uma situação de prática ditadura presidencial;
que o apoio, Boris Ieltsin por parte de vários Governos e forças, políticas, (pelas suas decisões de ruptura com a normalidade constitucional pelo bombardeamento do Parlamento, Russo releva dê profunda hipocrisia política quando confrontado com atitudes e declarações .assumidas em situações anteriores e considerando, ainda, que a actual situação na Federação Russa é, de molde a legitimar as mais sérias preocupações que para 6 seu povo quer para toda á Europa os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP; abaixo assinados, apresentam - à Comissão Permanente da Assembleia da República o seguinte voto:
A Assembleia da República manifesta o seu pesar por todas, as vítimas dos violentos confrontos armados ocorridos em Moscovo a 3 e 4 de Outubro exprime a sua preocupação perante a evolução da situação política na Federação, Russa, designadamente face ao processo de ruptura com a normalidade constítucional traduzido,
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na dissolução do Parlamento, na extinção do tribunal Constitucional, na interdição da actividade de partidos políticos e da oposição, na suspensão de jornais e censura de outros, afirma que os actos eleitorais, para serem legítimos e democráticos, exigem que sejam garantidos os princípios de da liberdade de organização, de manifestação e de expressão de todas as correntes de opinião, bem como os da igualdade de oportunidades, designadamente no acesso à comunicação social, e os da isenção de procedimentos dos órgãos de poder, deseja que a Federação Russa e o seu povo possam encontrar a solução da crise política no pleno respeito da democracia política e com o afastamento de quaisquer projectos de poder pessoal, arbitrário ou ditatorial;
manifesta a esperança de que a Federação Russa e o seu povo possam superar a profunda crise social, económica e moral em que estão mergulhados e encontrar os caminhos do desenvolvimento, do bem-estar e da justiça social.
O Sr. Presidente: - srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.
Eram 17 horas e 10 minutos.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Entrando agora na ordem do dia, informo a Câmara de que deu entrada na Mesa uma carta do Chefe da Casa Civil do Sr. Presidente da República, cujo conteúdo essencial vai ser referido pelo Sr. Secretário.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a carta refere que a deslocação do Sr. Presidente da República a Espanha, à cidade de Zamora, que estava prevista para os próximos dias 9 e 10 de Outubro, foi adiada para data posterior ainda não determinada, razão pela qual S. Ex.ª o Presidente da República solicita a S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República que disso dê conhecimento à Comissão Permanente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta de um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre mandatos dos Srs. Deputados.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório e parecer refere-se à substituição, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do Estatuto dos Deputados, dos Srs. Deputados Raul castro, Independente, por um período não inferior a 40 dias, com início em 1 de Outubro e Apolónia Teixeira, do PCP, por um período não inferior a 45 dias, também com início em 1 de Outubro, respectivamente, pelos Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca e Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do CDS.
Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão do projecto de deliberação n.º 82/VI - Realização de uma audição parlamentar sobre os factos relativos ao abate clandestino de golfinhos na zona económica exclusiva dos Açores (Os Verdes).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.
O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Com o projecto de deliberação n.º 82/VI apresentado pelo Grupo Parlamentar de Os Verdes e que está em discussão, pretende-se que, através da comissão de Administração do Território, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente tenha lugar aqui na assembleia da República, uma audição parlamentar sobre os factos relativos ao abate clandestino de golfinhos na ZEE da Região Autónoma dos Açores.
Como é do conhecimento público, a RTP apresentou uma reportagem em que se demonstra a existência de pesca clandestina de golfinhos nos mares dos Açores, espécie que, segundo a mesma reportagem, servirá para alimentar o isco utilizado na pesca do atum.
Já em Junho de 1992 a revista alemã Quick publicou uma reportagem em que se demostrava haver carnificina de golfinhos nos mares dos Açores. Na altura, enquanto o Governo Regional dos Açores desmentia categoricamente essa actividade, o Governo nacional garantia proceder a averiguações sobre os factos divulgados e punir os eventuais prevaricadores.
Passado um ano, é a própria RTP que, através de reportagem, reafirma a existência de pesca de golfinhos, trazendo à opinião pública as imagens horrorizantes da sua morte.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados. Dado que Portugal ratificou a Convenção de Berna e regulamentou a sua aplicação em Portugal, o Governo português assumiu perante a comunidade internacional o compromisso de proteger a vida destas espécies consideradas em vias de extinção e fundamentais para garantir o equilíbrio dos ecossistemas marinhos.
Além de estar em causa a imagem do nosso país junto da comunidade internacional, quanto ao cumprimento dos compromissos que assumimos para a defesa da diversidade da vida na terra, está também em causa o interesse económico de Portugal e, em particular, da Região Autónoma dos Açores e do povo açoriano, já que se estão a criar obstáculos à exportação das conservas de atum português.
Face a tudo isto, o Grupo Parlamentar de Os Verdes considera necessário esclarecer a situação criada, através do apuramento dos factos que definitivamente ponha termo a qualquer tipo de especulações que, por um lado, estão a comprometer negativamente a imagem de Portugal, junto da comunidade internacional e, por outro, põem em causa interesses próprios dos portugueses.
Assim, além dos objectivos que a Comissão de administração do Território Nacional, Equipamento Social, Poder Local e Ambiente possa vir a considerar, a audição parlamentar que pomos tem os seguintes objectivos: apurar os factos e responsabilidades, de forma a pôr termo a quaisquer especulações e/ou eventuais acções ilegais, avaliar o cumprimento da legislação sobre protecção das espécies designadas por golfinhos, em Portugal; salvaguardar o nome e a imagem do nosso país junto da comunidade internacional e defender os interesses nas relações comerciais com outros países.
São estes os propósitos desta iniciativa parlamentar de Os Verdes. Compete agora a VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, pronunciarem-se sobre a viabilização da mesma, sendo certo que, em minha opinião, o pior serviço que se pode prestar ao interesse nacional e, em particular, à Região Autónoma dos Açores é negar este problema, recusando a audição parlamentar que propomos.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Paulo Casaca.
O Sr. José Paulo Casaca (PS): - Sr. Presidente, antes de realizar a minha intervenção, gostaria de pedir alguns esclarecimentos ao Sr. Deputado André Martins.
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O Sr. Presidente: - Então, Sr. Deputado, tem a palavra para esse efeito.
O Sr. José Paulo Casaca (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado André Martins, o senhor referiu expressamente; na sua intervenção, a Convenção de Berna e disse que a reportagem da RTP demonstra a caça ao golfinho nos Açores.
Sendo assim, começo por perguntar ao Sr. Deputado se, de facto, tem consciência de que, mesmo antes da ratificação ou, pelo menos, da transposição para a lei portuguesa da Convenção de Berna, já se encontrava proibida a caça ao golfinho na Região Autónoma dos Açores, na sequência de uma iniciativa legislativa do Partido Socialista.
Por outro lado gostava de saber se o Sr. Deputado tem também em consideraçâo que, nos Açores, contrariamente àquilo que se passa, por exemplo, nos Estados Unidos da América - embora limitado pelo facto de o golfinho ter morrido acidentalmente, em resultado de artes de pesca, como, por exemplo, a de cerco -não é permitida a comercialização da carne de golfinho nem que ela seja servida em qualquer restaurante.
Gostava ainda de saber se o Sr. Deputado André Martins tem consciência de que a generalidade da população que se dedica à pesca, não à artesanal mas à pesca dita industrial, nos Açores, não é, sequer, originária dos Açores e sim do Continente, da Região Autónoma da Madeira e até mesmo de Cabo Verde,' e que, em larga medida, traz para os Açores 'as suas práticas habituais de pesca
Quero ainda perguntar ao Sr. Deputado se tem consciência de que a caça ao golfinho não se pratica de uma, forma generalizada nos Açores e de que os Açores não tem', de forma alguma, o monopólio desse tipo de actividade. Registaram-se acontecimentos em que, por várias ocasiões, a Marinha detectou, e multou mesmo, embarcações de pesca, ao largo da costa do, Continente, que, de facto, caçaram golfinhos. Não se trata, portanto, de uma prática que seja restrita aos Açores. Em último lugar, gostaria de saber se o Sr. Deputado tem consciência de que quem, de acordo com a própria legislação regional aprovada já há 10 anos, é responsável pela fiscalização e, portanto,, por que se impeça a, captura de qualquer golfinho, são as autoridades marítimas, isto é, a Marinha portuguesa, tanto nos Açores como no Continente.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.
O Sr. André Martins (Os Verdes) - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Paulo Casaca, em primeiro lugar, quero dizer-lhe que, embora tendo consciência de todas as questões que colocou, não se trata aqui de uma questão de consciência no sentido em que a referiu. Do que se trata, sim, em nosso entender, é de tomarmos conhecimento de determinados factos, também do conhecimento da opinião pública portuguesa, que põem em causa o bom nome de Portugal relativamente ao cumprimento dos compromissos assumidos perante a comunidade internacional. Estão também em causa os interesses de Portugal nas relações comerciais com o exterior e, designadamente, os interesses do povo açoreano. É que uma grande parte das conservas exportadas, nomeadamente para os Estados Unidos, têm origem nos Açores.
Do nosso ponto de vista, são estas as questões que aqui se colocam Por isso, afirmações como, por exemplo, as do Sr. Deputado Mano Maciel - hoje, aliás, ausente, talvez por ter outras tarefas mais importantes do que esta de continuar o debate que iniciámos aqui na última Comissão Permanente.
A Sr.ª Conceição Castro Pereira (PSD): - Está no estrangeiro!
O Orador: - ... dizendo que os grandes responsáveis por esta situação foram os repórteres da RTP, são juízos de valor, que apenas registamos mas que, no decorrer da audição parlamentar por nós proposta, o Sr Deputado certamente poderá demonstrar. Caso contrário, lamentamos que o Sr Deputado tenha tomado essa posição aqui, na Assembleia da República.
De facto; para nós, o que importa é acabar com as especulações. Todos sabemos, Sr. Deputado, que há notícia de que, com alguma regularidade, os pescadores são acusados de capturar nas suas redes golfinhos ou outras espécies protegidas. Essa é, portanto, uma situação, digamos, normal na actividade da pesca, se considerarmos como normal o facto de estas espécies serem apanhadas nas malhas que, por lei, são autorizados a utilizar
Por outro lado, trata-se aqui também de cumprir a legislação internacional, designadamente a Convenção de Berna, relativa à conservação da vida selvagem e dos habitat naturais, que Portugal transpôs para a legislação nacional através do Decreto-Lei n.º 316789, regulamentando a aplicação dessa Convenção à legislação nacional sobre a protecção dos habitat naturais e das espécies em vias de extinção, e também o Decreto-Lei n.º 114/90, que promove a aplicação da Convenção sobre o comércio internacional das espécies da fauna e flora selvagens ameaçadas de extinção, como é o caso dos golfinhos-toninhas nos Açores.
É isto o que está em causa. Sr. Deputado, e entendemos te avançado com uma proposta que satisfaz os interesses nacionais, porque é isto o que nos preocupa.
Naturalmente, nesta audição parlamentar, tem de haver alguém responsável por aquilo que aconteceu: ou quem divulgou imagens que não devia, ou quem «mete a cabeça na areia», como a avestruz,- recusando-se a encarar os problemas de frente.
O Sr. Presidente: - Faça o favor de concluir, Sr. Deputado.
O Orador - Concluo já, Sr. Presidente.
É isto, Srs. Deputados, o que está em causa e o que nós queremos aprovar, para ser restabelecido o bom nome de Portugal. Por outro lado, também pretendemos que os pescadores açoreanos não sejam o bode expiatório em todo este processo, porque não é o povo açoreano que está aqui em causa, mas, sim, os governantes deste País, designadamente o Governo português.
Pôr isso, Sr. Deputado, não me referi à legislação regional, porque essa compete à Assembleia Regional dos Açores desenvolver, encontrando os processos que julgar mais convenientes para avaliar essa situação.
Do que se trata aqui é de respeitar o interesse e a posição nacionais na comunidade internacional. Por isso, propõe-se na Assembleia da República 'que se faça essa avaliação dos factos
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado - José Paulo Casaca.
O Sr. José Paulo Casaca (PS):- Sr Presidente, Srs. Deputados. Independentemente dos critérios objectivos que possam corroborar carácter específico dos golfinhos no reino animal, qualquer pessoa que. lide com eles reconhece-os como seres vivos, capazes de brincar, exprimir alegria ou tristeza, solidariedade familiar e de grupo, de forma absolutamente ímpar.
No mar dos Açores, mercê da ausência de produção industrial de poluentes, os golfinhos são extremamente abundantes, contrariamente ao que se passa em outras zonas do País,
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como o estuário do Tejo, onde a poluição aniquilou as suas possibilidades de vida.
A presença e companhia dos golfinhos é vista com muito agrado e simpatia pela generalidade da população açoriana, que lhes dedica um carinho e uma atenção muito grande, especialmente tentando colaborar na sua salvação sempre que, acidentalmente, eles perdem o sentido de orientação e se enfiam na costa.
Para além das condições ambientais favoráveis, vários outros factores contribuem para que os mares dos Açores sejam conhecidos em todo o mundo pela abundância dos seus golfinhos.
Em primeiro lugar, a arte da pesca do salto e vara, contrariamente à vulgarizada arte do cerco praticada por todo o lado, é selectiva, permitindo a pesca do atum sem provocar a morte de golfinhos.
Em segundo lugar, não há nos Açores, prática de venda em restaurantes de carne de golfinho, contrariamente ao que se passa, par exemplo, nos Estados Unidos, onde essas práticas são permitidas, quando praticadas com golfinhos mortos acidentalmente por artes de pesca como o cerco.
Em 1982, culminando um vasto movimento de opinião que se fez sentir também em todo o mundo ocidental; o Partido Socialista propôs à Assembleia regional dos Açores a proibição da captura de golfinhos, proposta que viria a ser aprovada por unanimidade.
É certo que, apesar de ser considerada com alguma relutância natural, entre algumas comunidades piscatórias dos Açores, como de resto em vários outros pontos do país, se procedia à captura ocasional de golfinho, situação que no entanto, nunca correspondeu a uma prática generalizada e sistemática.
Quando se fala de pesca nos açores é necessário Ter em conta também que a pesca não artesanal é dominada por tripulações de pescadores não açoreanas, nomeadamente, oriundas da Madeira, do Continente ou de Cabo Verde, muitas vezes presentes nos Açores apenas numa base sazonal, e que essas tripulações trazem consigo hábitos e formas de pesca dos seus locais de origem.
Protestos do Deputado do PSD Guilherme Silva.
O Orador: - Sr. Deputado, estou apenas a constatar que a maior parte da população piscatória nos Açores, que pesca fora da pesca artesanal é, de facto, madeirense. Essa é uma constatação, mas não afirmei qualquer outra coisa.
A fiscalização da pesca no mar, nos Açores, tal como no resto do país, está a cargo da Marinha. Ao largo da costa continental do nosso país a Marinha portuguesa tem aplicado multas às embarcações quando as detecta a capturar golfinhos, ou com golfinhos capturados a bordo, não se compreendendo por que razão poderia ter um procedimento diferente quando em serviço nos Açores.
O choque que foi sentido por todos os telespectadores quando confrontados com o sinistro espectáculo da morte e cozinhado de golfinhos, foi acompanhado nos Açores com uma imensa mágoa e indignação pela forma como a televisão governamental substituiu a preocupação pela verdade, isenção e rigor, pela preocupação com a sensação e o negócio da imagem.
Depois de um programa televisivo em que se afirma ser a captura do golfinho uma prática generalizada nos Açores, sobre a qual reina a complacência e a imunidade e onde os açorianos, são apresentados como uma espécie de selvagens da Nova Guiné que, desde crianças se preparam para a caça ao golfinho e com os quais só é possível comunicar através de legendas, é de elementar justiça que seja dada por esta Assembleia uma oportunidade para estes se defenderem, já que foi negada pela televisão governamental.
Os Açores são uma região geográfica, cultural e civilizacional profundamente europeia e participam, com todo o país e todo o mundo ocidental, das preocupações e dos sentimentos humanistas, que o levaram à proibição da captura dos golfinhos.
Quem quer que visite os Açores para observar a realidade e não para fabricar sensacionalismo não irá, decerto, deparar com bife de golfinho mas poderá, em contrapartida, presenciar as suas alegres brincadeiras a bordo de embarcações de recreio que se dedicam à sua observação.
Se acaso a Marinha portuguesa está menos vigilante nos Açores do que no continente na prevenção e repressão da caça ao golfinho, se, porventura, lhe faltam condições para exercer a sua missão fiscalizadora ou, ainda, se esta se encontra prejudicada por razões de qualquer espécie, pois então é de todo o interesse, desde logo para os Açores, que esta Assembleia averigue a verdade na audição da proposta e recomende às autoridades marítimas dos Açores, as medidas julgadas convenientes.
Por esta razão, o Partido Socialista votará favoravelmente a proposta aqui apresentada pelo Sr. Deputado André Martins.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na ausência do meu companheiro de bancada, Deputado Mário Maciel que, como é sabido, além de açoreano, é também uma pessoa que se identifica particularmente com as questões da ecologia, da defesa do ambiente e dos valores ecológicos, assumi substituí-lo nesta circunstância.
E é interessante que tenha de defender, neste momento, sem qualquer dificuldade, a posição do PSD sobre esta matéria. Em primeiro lugar e por uma questão colocada pelo Sr. Deputado José Paulo Casaca relativamente ao facto de, na região dos Açores, haver uma grande quantidade de pescadores madeirenses, quero dizer que, na Madeira, nunca se pescaram nem cozinharam golfinhos. Portanto, é de todo impensável que as tripulações madeirenses na região dos Açores possam ter uma actividade desse tipo em virtude dos seus próprios hábitos na Região Autónoma da Madeira.
Ainda me recordo, enquanto estudante, de fazer a viagem de ligação para Funchal/Madeira de barco e do prazer e gosto que tinha ao ver os golfinhos acompanharem-nos, durante milhas, exibindo-se e dando saltos que a todos agradavam.
Relativamente a esta questão em concreto, estamos, em primeiro lugar e mais uma vez, perante o problema da actualização da comunicação social e desse poderoso meio que é a televisão - que pode prestar relevantes serviços mas também pode deturpar e deformar situações -, ainda para mais numa altura em que se verificaram ataques às regiões autónomas, não tendo os Açores escapado a essa onda por via deste incidente dos golfinhos.
Não é difícil ao espectador do programa que a televisão transmitiu sobre a morte dos golfinhos, verificar algo que parece que se confirma. Aliás, as autoridades dos Açores colocaram, tanto quanto sei, o problema à Alta Autoridade para a Comunicação social no sentido de ser averiguado se teriam sido feitas montagens de casos pontuais e isolados como se de uma prática generalizada se tratasse. Ora, é lamentável que, do ponto de vista da informação, se actue desta forma e que por essa via se deforme a imagem e comportamento de uma população de uma região que, como o Sr. Deputado Paulo
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3315 - 13 DE OUTUBRO DE 1993
Casaca aqui referiu, é cumpridora e até vanguardista nesta matéria.
Ainda Portugal não tinha ratificado a Convenção de Berna e já, há 10 anos/a Assembleia Regional dos Açores tinha feito aprovar por unanimidade- mereceu, portanto, a adesão de todos os partidos - um diploma, da iniciativa do Partido Socialista, no sentido de proibir a pesca de golfinhos. Logo, não foram as obrigações internacionais de Portugal nem as iniciativas do Governo da República que conduziram a que esta proibição se efectivasse na Região Autónoma dos Açores.
Não é, portanto, pensável que os órgãos de governo próprios da região tenham tomado esta iniciativa e que da sua articulação entre os serviços de fiscalização, que não são. regionalizados, como aqui também já foi dito- refiro-me, por exemplo, às capitanias e à Marinha -, não tenha resultado, a par de acções de consciencialização, uma prática generalizada de não pescar golfinhos, pelo que as situações isoladas que subsistem não podem ser deformadas
Quanto à realização de uma audição parlamentar, proposta pelos Os Verdes, o PSD é contra, por uma razão muito simples é que se já foi um erro a forma como a televisão tratou esta questão, dar-lhe seguimento, ampliando a sua discussão a este nível, é estar também a prestar um mau serviço à região, como a televisão prestou neste caso particular.
Portanto, entendo que mais importante do que a realização desta audição parlamentar é aguardarmos a decisão da Alta Autoridade para a Comunicação Social sobre esta matéria, continuando a empreender uma acção de fiscalização e de consciencialização no terreno, na região, na zona onde estes factos isolados ocorreram Tudo isso é mais importante do que colaborar com aqueles que empolaram o assunto, efectivando uma audição parlamentar que ma, eventualmente, também em sede de comunicação social, ganhar de novo foros de deformação, porque, então, dir-se-ia que «o assunto é tão grave, é tão importante, que até a Assembleia da República realiza uma audição parlamentar sobre a matéria» Esta é a razão por que não concordamos nem votaremos favoravelmente a realização desta audição parlamentar.
Quero ainda lembrar que, como também dizia há pouco o Sr Deputado Paulo Casaca, a Região Autónoma dos Açores é uma das regiões do mundo em que há mais golfinhos Ora, esta circunstância é totalmente incompatível com a ideia que foi transmitida pelo programa televisivo em causa de que há uma prática generalizada de abate do golfinho, porque se essa prática fosse perfeitamente generalizada e reiterada ao longo de vários anos, com certeza que os Açores não continuaram a ser, como são, uma das zonas em que há mais golfinhos ou, segundo alguns pontos de vista, excesso de golfinhos A verdade é que não pode falar-se no seu extermínio, porque, se o houvesse, não se verificava esta situação
Neste quadro, deixando claro que o PSD e, sem dúvida alguma, a população da Região Autónoma dos Açores, na sua grande maioria, respeita o referido diploma que a Assembleia Regional dos Açores aprovou antes mesmo, repito, de Portugal ter ratificado a Convenção de Berna, entendo que apenas se deve continuar a acentuar a fiscalização por via das entidades competentes, e apenas isso, não empolando uma questão que foi deturpada e deformada. Nada se ganha com estas atitudes.
Aliás, a Região Autónoma dos Açores, como as regiões autónomas em geral, tem sido vanguardista em matéria de defesa do ambiente e das reservas ecológicas Lembro que há uma reserva de lobos marinhos na Madeira, um dos poucos portos no mundo onde ainda há lobos marinhos, que tem sido extremamente acanhada pelo governo regional e ainda há pouco tempo, numa publicação da UNESCO, foi referido o trabalho que se tem feito nesse domínio Portanto, penso que, no domínio nacional, as regiões autónomas são exemplos a seguir, até por serem vanguardistas na defesa destes valores.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr Deputado José Manuel Maia
O Sr. José Manuel Maia (PCP)- - Sr. Presidente, Srs. Deputados- Na verdade, os factos relativos ao abate clandestino de golfinhos na Ilha dos Açores coloca Portugal em situação desfavorável perante a comunidade internacional.
Acreditamos que não existe uma prática generalizada e sistemática, como já aqui foi referido, mas, por isso mesmo, importa não deixar que continuem as especulações relativamente a esta situação.
Parece-me, portanto, que o Parlamento se prestigia se realizar uma iniciativa que clarifique o cumprimento, por parte de Portugal, da legislação sobre a protecção das espécies, defendendo o bom nome e a boa imagem do nosso país, designadamente das regiões autónomas, junto da comunidade internacional e apurando, ao fim e ao cabo, aquilo que houver a apurar e trazendo a verdade ao de cima.
O Sr. Deputado Guilherme Silva, em nome do PSD, põe a questão de que o avançar-se para a audição parlamentar sen uma forma de contribuir para o aumento da especulação. Pois eu penso precisamente o contrário, julgo que seria uma forma de estancar a especulação e de trazer à tona da água, de uma forma credível, a realidade da situação.
Assim, em nome do PCP, faço um apelo ao PSD para que reveja a sua posição, na medida em que uma audição parlamentar não longa a uma demora de um ano. Os grupos parlamentares podem muito bem assumir aqui o compromisso de, no espaço de 15 dias, três semanas ou um mês, dar por concluída a audição e trazer ao Plenário da Assembleia da República um relatório capaz de apontar o que se passou, resolvendo, ao fim e ao cabo, o problema da especulação.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr Deputado André Martins
O Sr André Martins (Os Verdes) - Sr Presidente, Srs Deputados- Gostava de dizer, no pouco tempo que me resta, algumas palavras sobre este debate, relativo ao projecto de deliberação que aqui apresentámos e em que solicitamos uma audição parlamentar no sentido de ouvir as verdades, as organizações e os especialistas que estão envolvidos nesta questão e informados cientificamente sobre o problema dos golfinhos, de forma a poder esclarecer, inclusivamente, algumas intervenções que foram aqui feitas, designadamente pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, do PSD É que embora haja golfinhos em quantidade nos mares do Açores, eles estão em vias de extinção a nível mundial.
Sr Deputado, temos de ter uma visão global É necessário que os pescadores açorianos sejam sensibilizados para a importância da defesa dos golfinhos, porque, de facto, há situações pontuais como as que foram transmitidas no programa de televisão e na revista alemã.
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Era este o contributo que pretendíamos que a audição parlamentar trouxesse aos portugueses e ao bom nome de Portugal.
Finalmente, quero lamentar a posição do PSD relativamente a este projecto. Meter a cabeça na areia para fugir aos problemas é uma atitude que caracteriza os que têm medo. É assim que, hoje, aqui, temos razões mais que suficientes para caracterizar o PSD.
O Sr. Presidente: - Não havendo inscrições, declaro o debate encerrado.
Vamos, então, proceder à votação do projecto de deliberação n.º 82/VI - realização de audição parlamentar sobre os factos relativos ao abate clandestino de golfinhos na zona económica exclusiva dos Açores.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do CDS e de Os Verdes.
Srs. Deputados, nada mais havendo a tratar, está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 45 minutos.
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