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Quarta-feira, 17 de Novembro de 1993 I Série - Número 13

DIÁRIO
da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 16 DE NOVEMBRO DE 1993

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo.

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
Vítor Manuel Caio Roque.
José Mário Lemos Damião.
Belarmino Henriques Correia

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão ás 10 horas e 30 minutos.
Deu-se coma da entrada na Mesa dos projectos de lei n.º 357 a 359/VI, do projecto de resolução n.º 71/VI e da audição parlamentar n.º 18/VI.
Iniciou-se a discussão, na generalidade, das propostas de lei n.º 79/VI - Grandes Opções do Plano para 1994 e 80/VI - Orçamento do Estado para 1994, tendo intervindo, a diverso título, além dos Srs. Ministros das Finanças (Braga de Macedo), do Planeamento e da Administração, do Território (Valente de Oliveira) e da Indústria e Energia (Mira Amaral), os Srs. Deputados Ferro Rodrigues (PS), Octávio Teixeira (PCP), Nogueira de Brito (CDS-PP), Lino de Carvalho (PCP), Luís Amado (PS), João Corregedor da Fonseca e Mário Tomé (Indep.), Helena Torres Marques (PS), André Martins (Os Verdes), António Guterres (PS), Rui Carp (PSD), Nogueira de Brito (CDS-PP), Octávio Teixeira (PCP), Rui Rio (PSD), António Lobo Xavier (CDS-PP), Paulo Trindade (PCP) e Manuel Sérgio (PSN).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 15 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Abílio Sousa e Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Ana Paula Matos Barros.
Anabela Honório Matias.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Vallére Pinheiro de Oliveira.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Santos Pereira.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Isilda Maria Renda Periquito Pires Martins.
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Eduardo Dias Madeira Gouveia.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Leitão de Oliveira Martins.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes!
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido País de Sousa.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria de Lurdes Borges Póvoa Pombo Costa.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Simão José Ricon Peres.
Virgílio de Oliveira Carneiro.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António José Borram Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Edite de Fátima Santos Matreiros Estrela.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Fernando Alberto Pereira Marques.

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Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa. Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins. Gustavo Rodrigues Pimenta. Helena de Melo Torres Marques. Jaime José Matos da Gama. João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu. João Maria de Lemos de Menezes Ferreira. Joaquim Américo Fialho Anastácio. Jorge Lacão Costa. Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho. José Barbosa Mota. José Eduardo dos Reis. José Eduardo Vera Cruz Jardim. José Ernesto Figueira dos Reis. José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos. José Maximiano de Albuquerque Almeida Leitão. José Paulo Martins Casaca. José Rodrigues Pereira dos Penedos. José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa. Júlio da Piedade Nunes Henriques. Júlio Francisco Miranda Calha. Laurentino José Monteiro Castro Dias. Leonor Coutinho Pereira dos Santos. Luís Filipe Marques Amado. Luís Manuel Capoulas Santos. Manuel António dos Santos. Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio. Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes. Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo. Raúl Fernando Sousela da Costa Brito. Rui António Ferreira da Cunha. Rui do Nascimento Rabaça Vieira. Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues. António Manuel dos Santos Murteira. Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas. João António Gonçalves do Amaral. José Fernando Araújo Calçada. José Manuel Maia Nunes de Almeida. Lino António Marques de Carvalho. Luís Carlos Martins Peixoto. Miguel Urbano Tavares Rodrigues. Octávio Augusto Teixeira. Paulo Jorge de Agostinho Trindade. Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático: Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira. António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier. José Luís Nogueira de Brito. Manuel José Flores Ferreira dos Ramos. Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins. 15abel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes:

João Cerveira Corregedor da Fonseca. Mário António Baptista Tomé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projectos de lei n.ºs 357/VI - Elimina o imposto de selo sobre os rendimentos do trabalho (PSN), 358/VI - Estabelece o direito e a execução do imposto sobre os proveitos de exploração extraordinários, que baixaram à 6.ª Comissão, e 359/VI - Criação da freguesia de Águas Vivas no concelho de Miranda do Douro (PSD), que baixou à 5.ª Comissão; audição parlamentar n.º l8/VI - Aplicação da legislação que institui o sistema de informações da República Portuguesa e as orientações a estabelecer para a respectiva reestruturação (PS), que baixou à 1.ª Comissão, e projecto de resolução n.º 71/VI - Avaliação parlamentar do Quadro Comunitário de Apoio e discussão atempada do próximo Quadro Comunitário de Apoio (PS).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar no período da ordem do dia de hoje, que respeita à discussão conjunta, na generalidade, das propostas de lei n.ºs 79/VI Grandes Opções do Plano para 1994 - e 80/VI - Orçamento do Estado para 1994.
0 debate realiza-se de acordo com as regras especiais estabelecidas no artigo 217.º e seguintes do Regimento, tendo a sessão de hoje duas partes, uma de manhã e outra às 15 horas.
Srs. Deputados, vamos, pois, dar início ao debate na generalidade destas duas propostas de lei.
Para fazer a intervenção de abertura, nos termos do n.º 2 do artigo 221.º, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel dos Santos (P S): - Sr. Presidente, creio que deveríamos iniciar o debate com a leitura do relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano, dando V. Ex.ª a palavra ao Sr. Deputado relator.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, este debate tem regras especiais, não estando prevista essa situação no artigo 221.º.
Em todo o caso, se não houver objecções, não vejo inconveniente algum em dar a palavra ao Sr. Deputado relator para, nos termos da lei geral - que não sei se é aqui aplicável -, fazer essa apresentação.

O Sr. João Amaral (PCP): - Mas por que é que não é aplicável? É o princípio da subsidariedade, Sr. Presidente!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, a nossa interpretação coincide com a que V. Ex.ª acabou de referir.
A discussão do Orçamento do Estado tem regras próprias, tendo, aliás, no Regimento uma secção própria, pelo que deveríamos segui-las, dando a palavra ao Sr. Ministro das Finanças para fazer a abertura do debate.
No entanto, parece-me que podemos interpretar o Regimento à letra, isto é, admitir que, uma vez que a lógica

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da última revisão do Regimento foi a de valorizar o trabalho das Comissões & os seus relatórios, a seguir à introdução do debate o Sr. Deputado relator possa fazer uma breve apresentação daquilo que é o relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano. Dessa forma respeitaríamos o Regimento, não só naquilo que tem a ver com o quadro adaptável à discussão do Orçamento do Estado mas também com a ordenação das intervenções na discussão dos processos legislativos

Protestos do PS e do PCP.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, não vejo razão alguma para alterar aquilo que está consagrado no Regimento para todos os debates, que é o de eles se iniciarem com a apresentação do relatório da respectiva comissão.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Veja o Regimento, Sr. Deputado!

O Orador: - Mais: gostaria de lembrar que, mesmo antes da última alteração do Regimento, o relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano foi sempre lido, excepto quando, por consenso, foi dispensada a sua leitura.

Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Coelho «PSD): - Sr. Presidente, lamento que se esteja a prolongar um incidente regimental no início da discussão das propostas de lei do Orçamento do Estado e das Grandes Opções do Plano para 1994. Essas, sim, deveriam merecer muito mais a nossa atenção do que estes pequenos problemas processuais.

Protestos do PS e do PCP.

O Regimento diz que os debates são introduzidos pelo autor da iniciativa, e não Srs. Deputados que leiam que aí está escrito!
Se querem levar isto até às últimas consequências tenho de recordar que as propostas de lei das Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado não têm apenas um relatório mas, sim, 12, na medida em que todas as comissões produzem os seus próprios relatórios.
Os Srs. Deputados querem que os 12 relatores usem da palavra antes do Sr. Ministro das Finanças?

O Sr. João Amaral(PCP): - - O sistema não é esse, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou ler a disposição cuja aplicação estamos a discutir. O n.º 2 do artigo 221.º diz o seguinte: «O debate inicia-se e encerra-se com uma intervenção do, Governo.»

Vozes do PS e do PCP: - O debate, Sr. Presidente!

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, o debate inicia-se com a intervenção do Governo, que, neste caso, é quem apresenta as propostas de lei.
Louvando-me nas palavras do Sr. Deputado Carlos Coelho, e lembrando aqui as afirmações feitas por V. Ex.ª, quer em Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares quer em reuniões dos presidentes das comissões, no sentido de valorizar o trabalho das comissões e os respectivos relatórios, gostaria de lembrar que os trabalhos sempre se iniciaram com a leitura do relatório. O Sr. Presidente tem uma interpretação diferente, que, de resto, não merece a concordância do Grupo Parlamentar do PS, que se traduz num entorse grave à interpretação autêntica do Regimento. V. Ex.ª fá-lo-á obviamente com a competência de que dispõe, escorado na maioria dos votos que tem nesta Câmara, mas não com a aquiescência do PS.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dispensam ou não a leitura do relatório?

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, só para dizer que dispensamos a leitura do relatório.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, faço minhas as palavras do Sr. Deputado António Lobo Xavier...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Já vai sendo costume, Sr. Deputado!

Risos do CDS-PP.

O Orador: - Quero crer que isto não é um processo de sabotagem ao início da discussão do Orçamento do Estado!...

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS e do PCP.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, dispensamos a leitura do relatório, mas não a sua apresentação, o que são coisas completamente diferentes!

Aplausos do PS.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, entendemos que o relator deve fazer o resumo-síntese da apresentação do relatório, mas não a sua leitura integral.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, pensamos que não é necessário ler o relatório. Tal como tem sido feito em outros debates, creio que deve fazer-se a sua apresentação, o que é diferente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, nos termos do n.º 2 do artigo 221.º, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças para fazer a abertura do debate.

O Sr. Ministro das Finanças (Braga de Macedo): Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entrou em vigor, no dia 1 de Novembro, o Tratado da União Europeia, cuja ratificação já merecera destacado consenso nesta Câmara.
Estamos com quase um ano de Mercado único e vai começar o nosso novo Quadro Comunitário de Apoio e a segunda fase da União Económica e Monetária.
É durante a segunda fase que, de acordo com o Tratado, a maioria dos Estados membros vai satisfazer critérios de convergência quanto à taxa de inflação, à taxa de juro a longo prazo, ao défice orçamental e dívida pública, preparando, assim, a introdução da moeda única europeia.
Mau grado o aumento do défice e da dívida em 1993, a economia portuguesa consumou a sua abertura completa com uma moeda plenamente convertível e estável dentro do Sistema Monetário Europeu, o que é também um critério de convergência.
A nossa abertura económica e financeira coincidiu, porém, com a mais grave recessão europeia desde os anos 30. Esta coincidência obriga o Estado a procurar factores de coesão nacional compatíveis com o fim do proteccionismo.
Ora, um factor de coesão será, sem dúvida, a transformação do consenso que aqui se verificou quanto ao Tratado da União num consenso quanto à linha de rumo da política económica de convergência em estabilidade cambial.
É nesse contexto que dizemos que a convergência é um desafio nacional, cuja resposta positiva dá confiança e esperança aos portugueses.
A convergência exige poupança e paciência! Exige o sector público administrativo e empresarial a perder peso e um sistema fiscal que funcione.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador:- Quando há excesso de despesas públicas, este implica mais impostos ou défice orçamental, isto é, mais impostos no futuro. A ameaça de impostos futuros, por seu turno, afasta da economia nacional a base fiscal mais móvel, agravando o défice e a inflação.
Só uma política económica de convergência em estabilidade cambial pode amortecer os efeitos da recessão.
A resposta positiva perante a mobilidade das pessoas, dos bens e activos financeiros na União Europeia não é o proteccionismo. É, sim, a competitividade em coesão nacional.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Manter o proteccionismo financeiro impediria o prosseguimento da estratégia de convergência a médio prazo, retirando a esperança às pequenas e médias empresas portuguesas que se querem internacionalizar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A economia portuguesa foi sempre mais castigada do que a média europeia pelas recessões internacionais.
Se tal acontecia quando o mercado nacional era protegido, por maioria de razão deveríamos esperar que acontecesse agora que a economia está completamente aberta ao exterior.
Por isso, houve economistas que previram divergência real e nominal, em 1992, mas que se enganaram, porque se verificou convergência real e nominal. Como desconfiam que se não enganar outra vez, em 1993, sustentam que, se houver convergência, é porque os fundos estruturais garantem à cabeça um crescimento positivo à economia portuguesa. Ora, isto não é um argumento, porque os fundos estruturais afectam a taxa de crescimento a média prazo, não a taxa de crescimento registada durante uma grave recessão europeia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - 0 diferencial de Crescimento positivo, em Portugal, depende, isso sim, da política económica global, a qual deve assentar em três pilares: o rigor orçamental, as políticas estruturais e a concertação social.
Lamentamos o malogro de acordo de concertação social por continuar a revelar a luta de classes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não queremos que a luta de classes ameace a nossa sociedade, pois ela não dá esperança nem aos patrões nem aos operários, criando antes uma atmosfera de insegurança, que compromete o investimento e o trabalho de todos.

Aplausos do PSD.

Mesmo assim, tudo faremos para que este Orçamento de investimento e recuperação consiga sustentar a estratégia de convergência a médio prazo. Mantemos, pois, a previsão de um diferencial de crescimento positivo de meio ponto relativamente à média comunitária em 1994, à semelhança do que julgamos ter acontecido já em 1993.

Aplausos do PSD.

*europeia, a convergência real não foi interrompida.
Mantemos a previsão de continuar a reduzir o diferencial de inflação com a média comunitária, através da moderação salarial e financeira, que temos vindo a introduzir gradualmente desde o início da Legislatura. Também não vamos interromper a convergência nominal: a inflação nos primeiros 10 meses está em 6,8 % em média anual, abaixo, portanto, do intervalo de 5 % a 7 % previsto para 1993.
Perante a politização dos parceiros sociais, é mais difícil a moderação quer nos aumentos salariais quer nos juros. Mesmo assim, acreditamos que se conseguirá atingir a taxa de crescimento prevista como cenário base no relatório do

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Orçamento, ou seja, 1,5 %, sem que a inflação se situe fora do intervalo previsto de, de 4 % a 5,5 %.
Apesar do decréscimo do défice orçamental do sector público administrativo de mais de 8 % do produto interno bruto para menos de 7 %, este último valor ainda é superior em cerca de meio ponto percentual ao que se verificou no início da Legislatura.
O défice orçamental tem de baixar o suficiente para voltarmos ao excedente primário, o que deve acontecer, em média, de 1995/1996, tanto mais que a dívida pública ainda vai atingir 71 % do produto interno bruto antes de recomeçar a baixar para os 60 % previstos no programa de convergência, apresentado em Bruxelas há dois anos; tanto mais que o tecto indicativo das despesas sem juros do sector público administrativo também foi ultrapassado, devido ao aumento dos subsídios de desemprego e à integração da Caixa Geral de Aposentações.
Justifica-se, pois, a preocupação pelo controle da despesa pública expressa no artigo 2.º da proposta de lei orçamental, à semelhança do que já acontece no Orçamento em vigor.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O despesismo aumenta o défice, impede a recuperação e atrasa a convergência.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste Orçamento de investimento e recuperação, os investimentos do Plano, acrescidos dos financiamentos comunitários às empresas não canalizados através do Orçamento, aumentam a uma taxa superior a
20 % relativamente a 1993.
Um investimento público desta magnitude não deve agravar o peso do Estado, antes deve abrir espaço à recuperação do investimento privado; deve permitir às empresas portuguesas defender competitividade e fomentar o crescimento não inflacionista e criador de emprego.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Orador: - Para tal é necessário continuar com políticas estruturais que aliviem o peso do Estado, como é o caso das privatizações e da Restruturação do sector público administrativo e empresarial.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Iniciado em 1989, depois de um longo bloqueio constitucional, o programa de privatizações vai incluir, além das empresas racionalizadas, uma série de empresas em que o serviço público e o interesse estratégico nacional se combinam com a necessidade de competir no mercado global.
O peso do Estado também é visível numa burocracia persistente, a qual combina a opacidade do regime anterior com o vício superveniente da instabilidade governativa.
Está por isso em curso uma reestruturação de administração pública que permite
aproximar o serviço público do cidadão, oferecendo contrapartidas visíveis aos impostos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É a continuação desta reforma que permite manter as despesas de
funcionamento num crescimento zero relativamente ao Orçamento para 1993. A reestruturação põe a tónica na mobilidade entre os vários departamentos e os vários níveis de administração, nomeadamente o municipal.
Também se tornou claro para todos que preservar a competitividade das empresas exige aumentos salariais próximos dos valores verificados nos nossos parceiros comerciais - Alemanha, França ou Espanha -, competitividade que também exige políticas activas de emprego, como as previstas no acordo de concertação, por forma a minorar os custos sociais do desemprego, manter entre nós a recuperação de postos de trabalho e evitar a conflitualidade social que os adversários do acordo parecem desejar.

Aplausos do PSD.

Vão manter-se as orientações sobre moderação salarial na função pública e no universo empresarial do Estado, dando o exemplo às empresas privadas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quanto às taxas de juro, também o Estado deu o exemplo da moderação financeira, promovendo o recurso do Tesouro a instrumentos de longo prazo no mercado interno e internacional, abrindo, assim, caminho às empresas privadas que se querem internacionalizar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: o Plano de Desenvolvimento Regional para 1994/99 e o Programa de Convergência Revisto até 1996 assentam num sistema fiscal de base ampla e taxas moderadas, compatível com a elevada mobilidade da matéria colectável nacional que caracteriza uma União Económica e Monetária.
O Orçamento do Estado para 1994 contém um desagravamento ímpar nos escalões do IRS, os quais são actualizados ao dobro da taxa de actualização dos outros parâmetros do sistema fiscal.

Aplausos do PSD.

Além dessa, de que beneficiam cerca de 2,5 milhões de ! contribuintes, as principais medidas de política fiscal prosseguem o objectivo de justiça e equidade já presente no Orçamento Suplementar para 1993.
Em política fiscal, não há nada mais difícil do que impedir que a base do imposto sofra erosão. É tão difícil resistir à pressão de conceder benefícios fiscais especiais quanto a convencer os beneficiários de que não gozam de um direito permanente e normal mas, sim, de um privilégio temporário e excepcional.
Cinco anos depois de uma reforma que alargou a base fiscal, esta já está a sofrer uma erosão tanto mais perigosa quanto é certo que a recessão dramatizou o seu efeito na receita e o Mercado único vai acelerar essa erosão da base. ! Se já é difícil retirar um benefício um ano depois dele ter sido concedido, mesmo que tenha esgotado o seu efeito social útil, mais difícil é retirá-lo dois anos depois e mais difícil ainda cinco anos depois.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Seria irresponsável adiar medidas de alargamento da base, já que muitas delas só vão ter efeito pleno em 1995. Por isso, as propomos neste Orçamento.

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Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - 0 alargamento da base não ignora o quadro de uma economia totalmente aberta, caracterizado por uma mobilidade elevada e necessidade de conceder benefícios à internacionalização das nossas empresas e nossos mercados.
Temos, pois, as seguintes medidas principais: alarga-se o âmbito do artigo 49.º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais para incluir projectos de investimento a partir do valor de 5 milhões de contos; abre-se a possibilidade de dedução de impostos pagos no exterior, mesmo sem existirem acordos de dupla tributação; prevê-se isentar de impostos os juros referentes à dívida pública transaccionável detida por não residentes, desde que os fundos não provenham de paraísos fiscais; facilita-se aos emigrantes efectuarem investimentos de maior vulto, reduzindo-se o montante da prestação inicial (de 50 % para 25 %) e alongando-se o período de pagamento (de 12 para 20 anos); alargada a base do IVA, em 1992, simplifica-se agora o sistema ao beneficiar mais de 400 000 pequenos contribuintes com o aumento de cerca de 20 % dos limites de isenção; moraliza-se o regime das fusões e cisões, evitando reduções drásticas da matéria colectável das respectivas empresas; harmoniza-se o regime dos Fundos de Investimento Mobiliário, de Capital de Risco e Imobiliário - acaba assim a situação de privilégio destes últimos, passando a tributar o resultado apurado a uma taxa de 20 %, independentemente de ser ou não distribuído; inverte-se o ónus da prova de dívidas ou pagamentos a entidades domiciliadas em paraísos fiscais; tributam-se os lucros de entidades não residentes, desde que sejam detidos em pelo menos 25 % por residentes; nas Contas Poupança Habitação, introduzem-se medidas de controlo da aplicação, através da apresentação de facturas comprovativas de todas as utilizações efectuadas; passam a tributar-se em IRC os rendimentos obtidos por profissionais de espectáculos ou desportistas não residentes, independentemente da existência de estabelecimento estável em território português; inicia-se uma aproximação dos rendimentos dos agentes desportivos ao regime geral da tributação; harmoniza-se o regime de pensionistas e deficientes, no caso de beneficiários com rendimentos superiores a 150 e 400 contos mensais respectivamente, não aumentando a carga fiscal para cerca de 226 000 pensionistas (86 % do total) nem para os pensionistas deficientes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se é difícil alargar a base, reduzindo benefícios, mais difícil é, sem dúvida, fazê-lo quando se trata de encorajar a poupança. Ora, o Orçamento contém medidas que reduzem os benefícios atribuídos à poupança dos emigrantes, à poupança para habitação e à poupança para complementos de reforma, ou seja, aplicações com um grande impacto social e na opinião pública.
Há, pois, que explicar estas medidas em maior detalhe.
No caso dos emigrantes, símbolo tradicional de abertura da nossa economia, já se referiram medidas de fidelização que permitem atrair as segundas gerações de emigrantes. Em contrapartida, a taxa liberatória de IRS é aumentada de 7,5 % para 12,5 %, ficando pois a cerca de dois terços da taxa normal. Repare-se que a taxa de juro líquida, que passará para 9 %, continua acima do dobro da dos países de origem, por exemplo, da francesa, que é cerca de 4 ou da Suiça que é ainda menor.
No caso das Contas de Poupança Habitação, extingue-se a isenção de IRS de que gozam os juros vencidos ou a vencer até 31 de Dezembro de 1994. Note-se que, em 1992, os cerca de 100 agregados que tinham este tipo de contas deduziram em média 250 contos, menos, portanto, do que a dedução no IRS, que se mantém em 320 contos.
Aqui também, o efeito da tributação dos juros recebidos tem como contrapartida a baixa da inflação, que aumenta a remuneração real líquida da poupança e todas as medidas estruturais de apoio à habitação, anunciadas em 1993.
No caso dos Planos Poupança-Reforma (PPR), reduz-se para metade, ou seja 250 contos por contribuinte e 500 contos por casal, o valor máximo a deduzir em IRS dos Planos constituídos a partir de 1 de Janeiro de 1994.
Vale a pena lembrar que os PPR são, por definição produto de prémio único, cuja renovação é facultativa, pelo que o participante não é obrigado a ajustar as suas contribuições ao benefício fiscal. Mais: se o não fizer, o participante continua a aumentar o seu complemento para a reforma, tanto maior quanto menor for o seu rendimento e por conseguinte a sua taxa marginal de IRS, tanto maior quanto menor for a expectativa de inflação futura.
Por outro lado, apesar de o número de agregados familiares que constituíram PPR ter triplicado entre 1990 e 1992, estamos a falar de cerca de 70 000 pessoas, em 2,5 milhões, com uma dedução média inferior a 300 contos. É certo que metade dessas pessoas têm deduções com um valor médio próximo dos 450 contos, mas representa apenas 1 % do total.
Sejamos realistas, Srs. Deputados: que interesses defendemos aqui senão os de 99 % dos contribuintes portugueses?

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nas aplicações de emigrantes, para habitação e para complementos de reforma, tal como no mercado de capitais, "dopar" a poupança com benefícios permanentes, longe de a promover, enfraquece-a e acelera a erosão da base fiscal.
Que cidadão, contribuinte ou seu representante, rejeitaria em consciência esta proposta de harmonizar as aplicações de poupança à convertibilidade cambial e à baixa inflação, de recuperar a base fiscal, de desagravar os escalões, de lutar contra o abuso e de apoiar a internacionalização dos nossos mercados?
Só quem se julgasse com direito a privilégios fiscais permanentes!

Vozes do PSD: - Muito bem!
Risos do PS e do PCP.

O Orador: - Porque todos nós percebemos que esta proposta assenta num factor decisivo à coesão nacional: os impostos não são só para a arraia-miúda!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Repito: os impostos não são só para a arraia-miúda!
De há oito anos a esta parte, o objectivo da estratégia reformista do Governo tem sido a convergência do rendimento real líquido das famílias portuguesas com os padrões prevalecentes na União Europeia. Como o rendimento disponível português anda pelos dois terços da média comunitária, o objectivo da convergência exige, ano após ano, um aumento superior à média, o que tem sido conseguido, porque é correcta a linha de rumo traçada.
Os portugueses querem aprender a fazer mais e melhor, mas podem já ensinar ao mundo que, mantendo a linha de rumo com coragem, determinação e muito trabalho, se consegue o desenvolvimento em democracia e em coesão nacional.

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Havemos de dar resposta positiva a mais este desafio ambicioso!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - A Mesa informa a Câmara de que para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Ferro Octávio Nogueira de Brito Lino de Carvalho, Luís Amado, João Corregedor, Mário Tomé, Helena Torres Marques e André Martins;
cada um de 3 minutos. Deputado Ferro Rodrigues dispondo cada um de 3 minutos.
Tem a palavra o Sr. Ferro Rodrigues

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças V. Ex.ª veio, mais uma vez, discursar à Assembleia da República e, mais uma vez, o seu discurso tem, pelo menos, duas importantes omissões. A primeira omissão tem a ver com a gravidade da situação económica e social que o País atravessa e que continua a ser desprezada nas suas palavras. A crise, Sr. Ministro, não é apenas conjuntural; a crise, em Portugal, tem contornos estruturais bastante graves que o Sr. Ministro continua a não querer ver.
Por outro lado, o discurso do Sr. Ministro tem uma segunda lacuna, que é sistemática: a de esquecer a responsabilidade que o Governa tem na crise. Desde 1991 que há quedas no produto industrial e no produto agrícola; desde 1989/90 que foi e induzida uma política cambial e irresponsável, que levou a taxas de juro altíssimas e o País para a recessão. Esta crise não é apenas internacional, tem uma responsabilidade fundamental do Governo. Esta é a vossa crise! Esta é a crise do Governo! Esta é a crise do Primeiro-Ministro!

Aplausos do PS.

Esta é a crise de vários ministros das Finanças ! Esta é também a sua crise, Sr. Ministro das Finanças !

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Perante esta desresponsabilização em relação ao passado e ao
presente, o Governo prepara já a desresponsabilização no que toca ao futuro. Falhado o acordo de rendimentos e preços, o Governo prepara-se para dizer que para o ano, se as coisas correrem mal no emprego, na inflação, nos salários, para os pensionistas, a responsabilidade não é certamente do Primeiro-Ministro, do Ministro das Finanças, mas, sim, dos sindicatos. Ora isto é uma manobra política de baixíssimo nível que os portugueses já compreenderam e que, portanto, não deixaram passar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, dos dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística que mostram uma tendência para um aumento da inflação e de verificar-mos que a evolução dos preços, se compararmos o que se tem passado com o aumento dos preços desde Junho até agora, tem sido pior em 1993 do que em 1992 concluímos que prever, para 1994, a estabilização da taxa de inflação já não seria mau, mas prever uma redução drástica seria, como é, a um pouco imprudente. E penso que, se houve falta de vontade política na realização do acordo social, ela foi do Governo, porque o Governo não quis o acordo social mas, sim, um seguro de vida relação à crise.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Ministro das Finanças, dizem os jornais - e a notícia é, certamente, verdadeira, pois vem do Grupo Parlamentar do PSD - que o Sr. Ministro terá dito numa reunião do Grupo Parlamentar: «convém não falar de tempos das vacas magras, porque magras dá uma ideia de miserabilismo. Já a ideia das vacas que fazem dieta, para evitarem as calorias em excesso, me parece simpática. É bom que passe a ideia de que as vacas estão em dieta para ficarem mais esbeltas».

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Ministro das Finanças, independentemente do seu sentido de humor, que normalmente aprecio, mas que nessa quarta-feira europeia não estava nos seus dias, a questão de fundo é a da dieta.

Vozes do PS e do Deputado independente Mário Tomé: - Muito bem!

O Orador: - O problema é que este Orçamento do Estado traz dieta para os trabalhadores por conta de outrem, para os funcionários públicos, para os pensionista, para os actuais e futuros reformados, para os deficientes, para os emigrantes, para quem precisa de habitação, enfim, traz dieta para as classes mais desfavorecidas e para a classe média.

Vozes do PS e do Deputado independente Mário Tomé: - Muito bem!

O Orador: - Este é que é o problema, e quando falo em desagravamento fiscal, em sede de IRS, o Sr. Ministro das Finanças não pode estar a acreditar naquilo que disse certamente.
O Sr. Ministro já ficou célebre, no passado, como «o ministro do oásis» e vai ficar certamente célebre, no futuro, como «o ministro das vacas esbeltas e da dieta para os magros».

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças, dispondo, para o efeito, de 3 minutos.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente; Sr. Deputado Ferro Rodrigues, não comentarei o que foi dito numa reunião entre o Governo e o maior grupo parlamentar. Apenas direi que, de facto, não tenho crédito por essa expressão.
Mas, passo ao ponto substantivo, se é que há algum, do pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Ferro Rodrigues, em particular a esta afirmação leviana: não haveria aumento do rendimento real líquido das famílias portuguesas.
Há um anexo técnico no relatório orçamental que explica, com base numa amostra - e isto foi longamente referido em Comissão -, como esse aumento se verifica e, se virmos l no próprio texto do relatório, desde 1986 que o poder de compra dos trabalhadores portugueses aumenta sempre mais do que a média comunitária. Inclusivamente, houve até, como foi o caso de 1992, quem nesta Câmara, tendo intervindo nesta matéria, jurasse que iria haver uma quebra do 'poder de compra em 1992, por causa da harmonização do IVA. Mas o que houve, isso sim, foi um aumento quatro

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vezes maior do que o da média comunitária. Então, quem é que se engana das previsões?
De facto, é de uma irresponsabilidade completa dizer que o aumento do poder de compra dos trabalhadores não se verificou durante estes anos todos - e isto vem aqui documentado - e cremos que vai continuar a verificar-se em 1994. Estamos a 2/3 da média comunitária, como disse, queremos continuar, ano após ano, sustentadamente e não de forma irresponsável, a aumentar o rendimento real líquido das famílias portuguesas e cremos que é o que vai acontecer à esmagadora maioria dos portugueses em 1994, com todas as medidas que elenquei detalhadamente.
Os outros pontos que o Sr. Deputado referiu não têm novidade absolutamente alguma, pelo que o remeto para as actas da discussão do Orçamento Suplementar para 1993.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, o Orçamento do Estado para 1994 é, manifestamente, um orçamento pro-ciclíco, isto é, acompanha o ciclo de crise e não faz qualquer, esforço para inverter o ciclo de crise que a economia e a sociedade portuguesa atravessam: esse é o seu principal defeito e aquele que me merece a maior crítica.
Na sua intervenção o Sr. Ministro das Finanças proeurou fugir um pouco a esta questão, levantando o fantasma do «despesismo», falando daqueles que apostam no «despesismo».
Bom, Sr. Ministro, esta concepção será sua quando considera que, por exemplo, as despesas de investimento essenciais são mero «despesismo». O problema é que a contracção ou contenção das despesas públicas se verifica no investimento material e também no investimento em recursos humanos. Aliás, como saberá, a educação é o sector que tem o maior corte orçamental, em termos de despesas, e, a meu ver, as despesas com a educação terão de ser necessariamente consideradas como uma questão de investimento.
Quando o Sr. Ministro levanta a questão de «despesismo» para sustentar um orçamento pro-ciclíco está a querer contrariar as opções do Sr. Primeiro-Ministro quando ele há pouco tempo, numa entrevista televisiva, referiu que ele próprio era defensor das despesas públicas em situações de crise. Bom, e isto é um problema que o Sr. Ministro terá de resolver com o Sr. Primeiro-Ministro para ver qual deles, dentro do Governo, terá razão, porque em relação à política certa nós sabemos qual é a política que tem razão!...
Por outro lado, o Sr. Ministro, mais uma vez, regressa ao problema da convergência como objectivo nacional, mas omite o tipo de convergência, ou seja, a nominal ou a real...? Bom, já sei que a sua tese é a de que convergência são as duas, mas...!
Como é que o Sr. Ministro defende o prosseguimento da convergência real de Portugal no âmbito do PIB, que é a medida que normalmente é usada, quando se verifica que de 1986 a 1990 o PIB cresceu, em média, 1,4 acima da média comunitária, em 1991 cresceu apenas 0,5 acima da média comunitária e em 1992, exactamente igual à média comunitária, por isso diferencial zero, em 1993, segundo os últimos dados que saíram há três ou quatro dias das Comunidades Europeias, o PIB será inferior ao da média comunitária. É esta a sua convergência real?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Ministro, a questão dos impostos e da fiscalidade do IRS. Esta questão, como o Governo a coloca, do aumento do rendimento real disponível de l % é totalmente falsa! Isso é demonstrável, e vou oferecer-lhe um exemplar da demonstração para confirmar que assim é!
Não vamos é cair na ratoeira do Governo, que é dizer que se não houvesse qualquer alteração do IRS em 1994... Mas o Sr. Ministro sabe que a própria lógica interna do IRS é a de que as acutalizações anuais se fazem de acordo com a taxa de inflação esperada, por isso o diferencial das contas que tem de fazer é entre os 5 %, que o Sr. Ministro prevê que será a inflação, e os 8 % que propõe para o aumento dos escalões.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

O Orador: - Isto para além de o Sr. Ministro omitir que os outros parâmetros são actualizados abaixo da taxa de inflação.
Terminarei com a seguinte questão: o Sr. Ministro referiu há pouco que os impostos não são só para a «arraia-miúda», e eu tomo isso como uma autocrítica, na medida em que nos últimos cinco anos, de acordo com os próprios elementos do Governo, os benefícios fiscais concedidos às empresas, a cerca de 500 empresas para sermos mais claros e concretos, somaram 380 milhões de contos. Fica-lhe bem essa autocrítica, desde que não se fique pela autocrítica formal e passe à prática.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Ministro, antes de colocar-lhe uma última questão vou ler-lhe a seguinte sua declaração aquando da discussão do Orçamento do ano passado: «Desde a nossa saída do padrão ouro em 1991 as desvalorizações cambiais têm coincidido com crises da economia da sociedade. Basta lembrar as desvalorizações de 1977 e 1983 para ver que elas representam provas de impotência de governos incapazes de conceber, apresentar e executar um programa credível».
Então, como este ano o seu Governo permitiu uma desvalorização do escudo de 10 %? Isso é a confirmação da impotência deste Governo?

Aplausos do PCP e do Deputado independente Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, o Sistema Monetário Europeu (SME) é uma realidade insofismável dos nossos dias, mas o senhor ainda não percebeu isso! Nós aderimos ao SME já há dois anos! Ora, este sistema torna a paridade de uma moeda, que pertence ao mecanismo cambial, o resultado de um processo de decisão colectiva e durante um ano houve seis realinhamentos, dos quais dois envolveram o escudo.
Isto é uma decisão comunitária e não há qualquer paralelo com o que aconteceu no quadro dos programas de ajustamentos com o Fundo Monetário Internacional a que fiz referência na peça que o senhor citou. Por isso mesmo fiz o paralelo com o padrão ouro, que era também um sistema de soberania partilhada, porque, como se lembra, o ouro viajava de banco central para banco central... Portanto, aí valia a pena fazer uma autocrítica e aceitar a existência do SME, porque ele vai transformar-se, como eu disse aqui, na União Económica e Monetária (UEM).

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Quanto à questão autocrítica relativamente, à base ampla dos impostos aceitamo-la sempre. Temos sempre de fazer mais e melhor, como eu também disse.

O Sr. Carlos Coelho(PSD): - Muito bem!

O Orador: - Aliás, ainda ontem na Comissão Europeia se disse que todos os
Estados europeus têm de procurar um sistema com base ampla. Isso é indiscutível por causa da mobilidade! Nós falámos muito nisto aqui nas últimas semanas e compreender isto é muito importante.
Fico muito satisfeito pelo facto de o Sr. Deputado Octávio Teixeira me oferecer esse texto mas gostaria de referir que na Comissão, quando citou os números, não o fez e eu dei-lhe os números concretos que estavam no relatório , pelo que teria gostado que o Sr. Deputado - e é bom que troquemos apontamentos na altura em que se pode fazer um trabalho conjunto - me tivesse feito a oferta que hoje referiu.
Quanto ao crescimento há aqui um equívoco grave que gostava de esclarecer: louve efectivamente convergência real (disse-o e repito-o) face aos dados que temos. Porém a Comissão Europeia terá uma metodologia diferente - e isto também foi dito na Comissão no ano passado e também este ano - e utiliza preços de 1990.
Portanto, há uma diferença, puramente estatística, no crescimento de cerca do 3 pontos percentuais. Por conseguinte, quando se diz que Portugal cresceu a mesma coisa em 1992 e menos em 1993 isso é falso, porque estão a comparar dados que não são os dados oficiais portugueses! Mas dizer que esses dados são os correctos, isso é totalmente arbitrário, pois de acordo com os nossos dados e com o nosso melhor juízo verificou-se convergência em 1992, com um crescimento superior a meio ponto percentual ao da média comunitária, e em 1993 também.
Mas, então, qual é a surpresa de não crescermos mais de 1,4 pontos percentuais acima da média comunitária, no meio da pior recessão desde os anos 30? Não é surpresa alguma! É extraordinário que tenhamos conseguido crescer meio ponto, pois, como disse, é a primeira vez na nossa História que conseguimos - não ser castigados pela recessão internacional.
Finalmente, a questão do investimento. Neste ponto há outro grande equívoco, pois o investimento público cresce 20 %, como eu disse. E uma taxa gigantesca que obriga, por isso chamamos um orçamento de investimento, a que as despesas de funcionamento sejam rigorosamente controladas, por isso mesmo elas aumentam zero relativamente ao Orçamento para este ano.
Essa é que é a aposta é que é o discurso: é o discurso, como sempre, investimento e recuperação! Esse da confiança no futuro, de confiança nos portugueses, nas empresas e nos trabalhadores portugueses! Pelo investimento e pela recuperação! É esse o Orçamento que estamos a apreciar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem palavra o Sr. Deputado
a Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, ouvimos cuidadosamente o seu discurso como sempre, e V. Ex.ª insiste numa ideia que é esta: as razões principais que aponta para a redução da cobrança fiscal, que foi a grande novidade da execução orçamental de 1993 e que vai prolongar-se de certo modo a 1994, são fundamentalmente a abolição dos controlos alfandegários na importação de bens, com reflexos directos no IVA, e os efeitos perversos de certos benefícios fiscais e isenções em sede de IRC e IRS.
Hoje o Sr. Ministro nem falou nisso, mas no relatório, que precede o Orçamento é feita uma alusão breve à necessidade de prevenção e de combate à fraude fiscal. Daí que as medidas que o Sr. Ministro toma para, em parte fazer, face a esta redução e recuperar a receita em 1994, e que pomposamente titula de medidas de moralização fiscal, incidam, fundamentalmente, na eliminação ou forte redução dos tais benefícios fiscais, que até aqui gozavam e ainda gozam, até sob a forma de Estatuto, muito embora o Sr. Ministro tenha apostado, no seu discurso, em diminuir a expressão quantitativa que esses mesmos benefícios têm efectivamente.
Porém, o que se sabe hoje, Sr. Ministro, sobre a fraude, designadamente no célebre caso das facturas falsas, permite retirar a tónica da redução dos impostos a este efeito perverso dos benefícios e das isenções. Então, Sr. Ministro, qual é o efeito quantificado que, neste momento, já pode atribuir à fraude fiscal e que lhe permite distrair o seu espírito mais para ela do que para o efeito perverso dos benefícios?
Por outro lado, entende o Sr. Ministro das Finanças, e já hoje falou sobre isso, que as razões que justificaram até agora os benefícios, ou seja, o apoio à criação de grupos económicos consistentes e capazes de actuar coerentemente na economia portuguesa, a da dinamização dos mercados financeiros, o incentivo à poupança, a captação das remessas de emigrantes - razões estas que levaram a conferir aos benefícios a estabilidade própria de serem dotados de um estatuto, o Estatuto dos Benefícios Fiscais - já desapareceram ou, então, têm hoje uma expressão que não justifica a manutenção das respectivas medidas.
Sr. Ministro, há notícias desagradáveis, ao que consta e que vem publicado, sobre a evolução da inflação no mês de Outubro. A inflação homologa aponta para 6,3 % e há mesmo quem, com base nesta notícia sobre a inflação no mês de Outubro, preveja uma inflação para o ano de 1994 que ultrapassará os 7 pontos percentuais, ou seja, um crescimento muito longe do previsto pelo Governo, situado entre os quatro e os cinco pontos percentuais, para 1994.
Para tais valores, Sr. Ministro, apontam várias razões: efeitos da desvalorização, apesar da integração no Sistema Monetário Europeu, que corroiem o efeito benéfico dos preços dos bens transaccionáveis; a despesa e o défice orçamental, que, apesar de tudo, não é contido e continua a afastar-se, perigosamente, das metas da convergência nominal.
Se assim for, Sr. Ministro, se realmente a inflação se encaminhar para estes números, o Governo está disposto - se tal se vier a confirmar durante a nossa discussão - a alterar em parte a política fiscal que preconizou para o Orçamento do Estado? Isto é: o equilíbrio que o Governo pretende que exista, por exemplo no IRS, entre actualização de escalões e redução e actualização dos abatimentos e deduções, poderá vir a ser alterado perante estas notícias graves de uma inflação que, praticamente, torna sem significado a tão proclamada actualização dos 8 %?
Finalmente, Sr. Ministro, qual é o regime do empréstimo de 118 milhões de contos que o Estado vai fazer à segurança social em 1994: é um verdadeiro empréstimo? Quais os seus prazos de amortização? A que taxas de juro? Ou será, Sr. Ministro, uma despesa disfarçada como aquelas que o Governo Cavaco Silva proeurou pôr termo em 1985, quando chegou ao Governo?

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Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, fiquei satisfeitíssimo em ouvir o Sr. Deputado Nogueira de Brito elogiar a convergência, o Tratado da União Europeia e preocupar-se com a inflação. Que bem!...

Risos.

É importante que se compreenda isso porque, enfim, é agradável!
De facto, a convergência nominal e a real "andam juntas"; é qualquer coisa que começa a ser percebida um pouco por todo o lado, o que já não é sem tempo! E é bom que alguém o verbalize daí, desse lado. Fico, pois, satisfeito em ouvir essas afirmações, que, aliás, parecem citadas da própria intervenção que acabei de proferir.
Agora, Sr. Deputado Nogueira de Brito, não se preocupe quanto à inflação homóloga: ela baixou extremamente depressa por causa do efeito da harmonização fiscal do IVA e agora está a subir, um bocadinho, outra vez! É evidente que a linha de rumo se vai manter.
Os objectivos que referi, Sr. Deputado, dizem respeito à inflação média, e essa continua a descer, como aliás foi notado, esta manhã, nalguma comunicação social. E é importante que assim seja porque o intervalo é definido em termos da inflação média. Com certeza, temos de analisar em cadeia a inflação homóloga: é o que fazemos com grande cuidado.
Por isso, fiz questão em reafirmar aqui que estava convencido - depois de fazermos os nossos cálculos e, aliás, o modelo está à disposição e foi até oferecido, em sede de Comissão, fazer uma sessão sobre isso, se assim o entendessem - de que vamos cumprir, de facto, o intervalo de 4 a 5,5 %.
Consideramos que o défice actual não é um obstáculo porque é temporário e porque há ainda uma recessão na Europa.
Portanto, Sr. Deputado Nogueira de Brito, ficam-lhe bem essas preocupações quanto à convergência nominal e quanto ao Tratado da União Europeia. Fico satisfeito mas, de facto, essa não é uma preocupação que nos abandone por um segundo.
Quanto à questão do tratamento orçamental do empréstimo à segurança social, aqui está um caso onde estamos a tomar medidas estruturais profundas. Assim, no que se refere à segurança social, não temos qualquer certeza de o montante ter de ser aquele - é o montante máximo. Ou seja, definimos, nos termos que nos pareceram possíveis neste momento, o seu regime. E, Sr. Deputado, não há nada disfarçado: está ali, em todas as letras, no texto do Orçamento do Estado!
Querer comparar isto com a confusão ou centrifugação orçamental que se verificava antes do Orçamento Suplementar para 1995... ó Sr. Deputado, isso nem parece seu!

Risos do CDS-PP.

Passemos agora à questão dos benefícios e do seu efeito perverso. De facto, há aqui um ponto que é extremamente importante...

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Ministro.

O Orador: - Sr. Presidente, vou também usar de alguma latitude para responder a esta questão importante.

Como dizia, de facto, desde o momento em que foi aprovado o Estatuto dos Benefícios Fiscais, o que aconteceu, aliás, no quadro de uma reforma que visava alargar a base, foi que, durante a minha intervenção, por seis vezes se alterou um aspecto decisivo: a mobilidade total de bens, serviços, activos financeiros e, até, de pessoas.
Ora, tal afecta completamente a natureza da administração fiscal e obriga a esforços de alargamento da base que, como já referi - aliás, ainda ontem a Comissão Europeia, na preparação da cimeira de Bruxelas, disse-o -, terão de ser feitos por todos os países, o que é dificílimo, Sr. Deputado!
Senão vejamos: um desagravamento para todos, não toca a nenhum directamente! Se houvesse um "benefíciozinho" para si, salvo seja, agora, nesta direcção, diria: "Ora bem, é meu este benefício e agora vão tirar-mo?! Que coisa!" Cá está o tal 1 % a fazer muito barulho.
15to aplica-se aos grupos, aos mercados financeiros e também, evidentemente, aos emigrantes e, como referi, a taxa líquida continua ser o dobro daquilo que se obtém na França.
Por último, a questão das facturas falsas. Sr. Deputado, é evidente que a administração fiscal - como já tive oportunidade de dizer - anda permanentemente num esforço, quer preventivo quer repressivo, em relação a todas as práticas fraudulentas. E não me prece que a expressão "moralização" seja pomposa! E uma expressão simples que todo o contribuinte português compreende: a ideia de que há uma evasão legal, uma evasão ilegal, uma fraude e que temos, de facto, de ser capazes de acompanhar essa fraude.
Estamos a fazê-lo - o que é difícil por causa da mobilidade - e, a esse propósito, deixo aqui, não promessas mas o último ponto da situação, datado de 5 de Novembro, que é uma informação pública sobre a questão das facturas fictícias: o montante é de 14 177 032 contos. Se o Sr. Deputado entender, pode proceder à sua consulta.
Quanto ao aspecto da abolição dos controlos e dos benefícios fiscais, o grande ponto a discutir teve lugar na altura de justificar a execução orçamental de 1993. E, por isso mesmo, o debatemos longamente aqui, não valendo a pena voltar a esse aspecto.
Sabemos que uma larga parte do que não se cobrou em 1993 será recuperado em 1994. Foi isso o anunciado e é nesse sentido que estamos a trabalhar: estamos a fazê-lo há muitos meses, Sr. Deputado. Não foi agora que acordámos para o problema.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, no seu discurso voltou a recordar a tese dos três pilares, em que assenta a política económica do Governo.
Face aos rombos que esses pilares tiveram em 1993, importaria conhecer melhor o pensamento do Governo sobre esta matéria, mais do que aquilo que está na sua intervenção, bem como o estado desses pilares que, é óbvio, se estão a revelar como pilares de "pés de barro".
Para tanto, Sr. Ministro, socorremo-nos da intervenção que V. Ex.ª fez em Março deste ano, na Associação Portuguesa dos Economistas, em que desenvolveu a tese dos três pilares. Afirmava então aquilo que reafirmou hoje no seu discurso: que a política económica assenta em três pilares-

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rés. Como primeiro pilar, aponta o rigor orçamental, «expresso através do tecto
das despesas sem juros e através dos valores para o défice orçamental».
Ora, quanto ao défice estamos conversados: dos 3,9 previstos para 1993, chegámos aos 6,9 %; da média dos 4 % para 1994, chegámos ou estão previstos, pelo
menos, 6 %!
Quanto ao tecto das despesas sem juros, V. Ex.ª tenta mantê-lo através de unia operação de manipulação contabilística do Orçamento -- aspecto que já foi aqui recordado pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito -, não contabilizando como despesa do Estado aquilo que é um verdadeiro empréstimo fictício à segurança social: 118 milhões de contos. Aliás, o Sr. Ministro do Emprego e Segurança Social teve ocasião de, com o seu sorriso, confirmar implicitamente essa tese do empréstimo fictício na Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família.
Em relação à inflação, ela está a resvalar.
Como segundo pilar apresenta-nos a concertação social, concertação social que, como é evidente, não existe! E não existe porque V. Ex.ª quer fazê-la à custa dos trabalhadores, com a desregulamentação do trabalho e com a moderação salarial. Ora, nessas condições, não há nem nunca haverá, seguramente, concertação social. Portanto, parece que também não existe ou deixou de existir o segundo pilar.
O terceiro pilar é o das políticas estruturais e financeiras, que estão em
perfeita derrapagem, como já tem sido salientado - também pelo meu camarada Octávio Teixeira.
A questão que quero colocar prende-se com o seguinte: os vários pilares em que assenta o «edifício» do Governo estão a sofrer rombos atras de rombos - diria mesmo que sofreram uma implosão - devido à tecnicamente errada e irresponsável política orçamental e económica do Governo.
Por isso, no sentido do Sr. Ministro e do Governo, pergunto: o que resta da
política económica do Governo? O que resta da tese dos três pilares ou, resumi ido, o que resta de V. Ex.ª como Ministro?

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa foi informada da de que, a partir de responde de três em três pedidos de esclarecimentos.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Amado.

O Sr. Luís Amado (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, além de uma pergunta de carácter geral, vou também colocar-lhe una questão muito específica, já que não tive oportunidade de o fazer durante o debate, em sede de comissão.
Em primeiro lugar, gostaria de saber como é que o Sr. Ministro diz pretender
fazer deste Orçamento do Estado um instrumento estímulo e de confiança dos agentes económicos - atendendo a que esse é o problema político essencial deste Orçamento - quando o apresenta em simultâneo com o Orçamenta Suplementar para 1993, destinado a corrigir erros grosseiros de previsão macroeconómica que minam, justamente, a ideia de confiança e de estabilidade que está, em boa medida, na origem desta maioria e deste Governo.
Em segundo lugar, ao longo deste Orçamento do Estado há uma preocupação de rigor orçamental e de contenção das despesas públicas. Todavia - e esta é a questão
Muito especifica - , o seu articulado readopta e reescreve as normas, que têm vindo a ser passadas de ano para ano, relativas ao programa de Reequilíbrio Financeiro para a Região Autónoma da Madeira.
Acontece que este Programa de Reequilíbrio Financeiro tinha um horizonte temporal que se esgotou em 1993 e, actualmente, continuamos sem saber em que ponto se encontram as negociações relativas ao novo Programa de Reequilíbrio Financeiro, atendendo a que há desajustamentos muito graves nas finanças públicas regionais e que o próprio Programa de Reequilíbrio Financeiro, em alguns dos seus normativos, nunca foi cumprido por ser irrealista desde o início.
O Ministério teve responsabilidades nisso porque, desde o princípio, previa o acompanhamento da sua execução por um grupo que só funcionou no primeiro semestre e que não voltou a ser activado.
Em relação à situação financeira da Região, há um certo pacote nubloso de intenções, já que o Secretário Regional das Finanças admite publicamente, em entrevista, que o perdão da dívida poderá ser considerado pelo Governo central. Por outro lado, os representantes da maioria PSD da Região Autónoma da Madeira admitem, também publicamente, a possibilidade de não votarem o Orçamento, caso não se introduzam correcções significativas em algumas das medidas propostas.
Posto isto, Sr. Ministro das Finanças, em que ficamos: o Programa está ou não a ser renegociado? Em que medida é que as metas orçamentais previstas de afluxos financeiros para a Região Autónoma da Madeira vão ser respeitadas ou alteradas no debate orçamental?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, que dispõe de 2 minutos e 30 segundos para o efeito.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, ouvi-o com atenção e verifico que não denota uma grande preocupação, mas um optimismo surpreendente e contraditório com a realidade, o que é, ainda, pior de acordo com as previsões de que dispomos.
A «garantia de prosperidade» prometida pelo Governo aos portugueses não se verifica, como é patente. Vivem-se momentos de grande preocupação e até de perplexidade, porque não há notícia, por parte do Governo, da intenção de apresentar programas credíveis, não isolados, que possam suscitar um mínimo de confiança no futuro dos portugueses, dos trabalhadores, dos empresários, das famílias.
Não há uma estratégia global positiva que determine uma melhoria substancial das condições de vida e que não se repita, como o Sr. Ministro, insistentemente, faz - o que hoje aconteceu - que a causa de todos os problemas se deve apenas à recessão internacional. Não basta descarregar para a crise do sistema a razão de todos os males; 'na nossa opinião, há que encontrar respostas.
Aquando da apresentação do Programa do vosso Governo e dos debates subsequentes do Orçamento do Estado, muitas vozes se levantaram, com dúvidas acrescidas, sobre as intenções governamentais e a política que finalmente acabaria por ser adoptada. Creio que tínhamos razão, Sr. Ministro! Temos motivos para estarmos apreensivos: na verdade, não se justificam grandes optimismos, notando-se, isso sim, um grande clima de insegurança: as tensões sociais crescem e a tendência é para o seu agravamento.
Não obstante os fluxos financeiros .comunitários, os sectores produtivos paralisam um pouco por todo o lado, cri-

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ando-se, ainda, mais e mais desemprego e tornando-nos cada vez mais dependentes do estrangeiro. Há que fazer no que deve estar de acordo comigo - um grande esforço no sentido de se alterar o clima de insegurança que se sente. Daí, e devido ao parco tempo que me foi distribuído, apenas lhe coloco uma questão: como vai ser relançada a economia portuguesa? Através deste Orçamento do Estado? Que tipo de política global de recuperação económica vai ser adoptada para o nosso país? Creio que não será com este Orçamento, apesar do seu optimismo, que ficamos tranquilos.

(O Orador reviu.)

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, começo por saudar o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, que considerou o meu optimismo surpreendente.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Mas contraditório com a realidade!

O Orador: - Fico satisfeito com esse facto, porque as surpresas são normalmente boas e fazem parte da vida. Aliás, só é pena quando não se surpreende ninguém, pois quer significar que não há quem aprenda.
Aproveito para responder à pergunta que me colocou, dirigindo-me também ao Deputado Lino de Carvalho: este Orçamento é, de facto, de investimento e de recuperação porque se articula com uma política económica global.
0 termo política económica global, já antigo, consta do anterior programa do Governo e é qualquer coisa que, neste momento, faz parte da herança comunitária: o rigor orçamental, aquelas preocupações pelo tecto das despesas públicas, pelo défice e pela dívida em proporção do produto; a concertação social, a, capacidade de os parceiros sociais chegarem a um acordo sobre a forma de desenvolver a actividade produtiva para manter a competitividade e, evidentemente, as medidas estruturais destinadas a melhorar o funcionamento dos mercados, a atenuar o peso do Estado e, desde logo, a aproximar o serviço público do cidadão.
Trata-se de heranças dos países membros da Comunidade Europeia; nós próprios temos pensadores que o propuseram há cerca de 20 anos, mas tal objectivo era impossível por causa da instabilidade governativa.
Lembro uma das perguntas do Sr. Deputado Octávio Teixeira - neste momento, ausente - colocada nestes termos: "Como é que o senhor pode comparar o desagravamento do IRS a uma situação em que não há alteração nenhuma dos escalões"? De facto, esse ajustamento tem acontecido desde 1986; anteriormente a essa data, nunca tinha sucedido, a não ser no ano de 1980. Mas registo que já se lhe habituaram!
Porém, este ajustamento não é, evidentemente, automático! Até existe uma expressão na literatura especializada precisamente para mostrar de que forma a inflação acaba por ir "comendo" o imposto; é por essa razão que se fala em imposto escondido. Todos estes aspectos constituem um património de conhecimento que convém, mais do que conhecer, aprender porque nunca se conhece nada na totalidade e é necessário ir sempre melhorando, fazer mais e melhor, como disse na minha intervenção inicial.
"0 que resta do Ministro das Finanças", depois daquilo a que chamou a implosão da política económica e global?

Não há qualquer implosão, Sr. Deputado! Trata-se de uma política que já vinha de antes e que vai continuar. Resta, evidentemente, aquele optimismo surpreendente de que falava o Deputado João Corregedor da Fonseca.
0 Deputado Luís Amado fala em erros grosseiros de previsão. Gostava de lembrar que - e um economista do Porto, recentemente, publicou um artigo em que discorre sobre este aspecto - a previsão económica só não é difícil para o passado. Só agora, passado um ano, é que vêm dizer: "Houve erros grosseiros", mas gostava de ter ouvido esta frase no ano passado. Quem criticou o FMI? Quem disse que o FMI, a OCDE e a Comissão Europeia iam ser incapazes de fazer essa previsão?
0 mundo está mais incerto, realidade que, infelizmente, as bancadas da oposição ainda não entenderam. Estamos num mundo diferente, Srs. Deputados, e se não aprendermos a fazer mais e melhor não conseguimos atingir os nossos objectivos. Temos de manter a linha de rumo das políticas neste mundo incerto em que vivemos, o que é absolutamente decisivo para conseguirmos o nosso propósito, ou seja, aproximar o nível de vida das famílias portuguesas do da União Europeia. E estamos a consegui-lo, já que, ano após ano, está a aumentar o poder de compra dos portugueses, muitas vezes, mais do que a média comunitária.
Foi colocada de novo uma questão sobre o empréstimo à segurança social. Volto a dizer que está perfeitamente claro no Orçamento o que se pretende fazer e que o tecto da despesa sem juros do Estado tem sido cumprido - é de 3,1 mil milhões de contos para 1994 -, embora o do sector público administrativo não o tenha sido. Tal situação foi reconhecida no programa de convergência apresentado em Bruxelas e que, posso dizer aqui, a Comissão Europeia considerou realista mas ambicioso.
Portanto, aguardo as opiniões desta Câmara sobre esse ponto; foram feitas sugestões no sentido de o discutirmos mais em profundidade porque, de facto, é ele que, em conjunto com o PDR, vai nortear o futuro da nossa economia.
Volto a dizer que a política económica global vem detrás e que é essa, justamente, a sua força. Tratar-se de uma estratégia reformista de convergência que está, neste momento, a adaptar-se a uma conjuntura internacional muito mais incerta, muito mais gravosa para todos os países industriais, não só para a Europa e, Srs. Deputados, estamos a conseguir manter a convergência real e nominal!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, a principal característica destas Grandes Opções do Plano e do Orçamento é que ninguém acredita neles, nem o próprio Governo, e esta é talvez a sua única demonstração de razoabilidade.
A quebra das receitas do IVA, do IRC e do IRS, em 1993, foi quase equivalente ao saldo das transferências comunitárias, ou seja, perto dos 370 milhões de contos; a recessão que o Governo se recusou sempre a reconhecer, apesar da quebra de produção na indústria e na agricultura durante três anos consecutivos só pode justificar 10 a 15 % da quebra das receitas, o que quer dizer que, em 1993, teve lugar no nosso país um autêntico arraial de fraudes fiscais e de corrupção.
As quebras detectadas nas cobranças do IVA foram à volta de 200 milhões de contos. A quanto não terá ascendi-

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do o valor das facturas na redução das receitas falsas com repercussões em cadeia do IRC e do próprio IRS?
A gravidade do impacto económico é maior se levarmos em conta que a evasão
Fiscal é acompanhada pela descapitalização das empresas e mesmo por falências fraudulentas . O défice provocado pelas fraudes vai recair inteiro sobre os trabalhadores na redução dos salários na precaridade do emprego, nos despedimentos, na redução dos serviços sociais. Foi este o grande negócio do ano!
Sr. Primeiro-Ministro das Fianças, apesar do alarde e do alarme nos jornais nas rádios, nas televisões, não teve uma palavra sobre esta questão, mas a culpa é talvez do e afirmou a pés juntos, solene e há corrupção em Portugal. Quem nega, não age; quem cala, consente!
Desde Abril que se sabia que a evasão fiscal tinha disparado e o Governo não tomou medidas. O Executivo só impõe rigor e contenção nas despesas com a saúde, com a educação, com a segurar ca social. Com os empresários de sucesso criados pelo cavaquismo, primeiro, com uma piscadela de olho, depois, fechando os dois olhos, o Estado só faz negócios para perder.
Quem escreve o Orçamento do Estado - e perdoe-se-me a insistência - são os até as menos-valias e os há baixa real de salários desemprego.
O Fundo de Equilíbrio Financeiro reduz os fundos para as autarquias, em termos
reais, quando o Governo prevê o aumento de 15 % no investimento central. O Governo estrangula as autarquias manter clientelas e intimidar os autarcas.
A irresponsabilidade, a demonstração de falta de ética política e de sentido de Estado lêem-se nas palavras do Ministro Fernando Nogueira. Disse ele: «A oposição quer ganhar as eleições para usar os fundos conseguidos pelo Governo». À chantagem da concertação social, acrescenta-se a chantagem eleitoral!
O que é o Estado, afinal? A apregoada pessoa de bem responsável pelo país no
seu conjunto ou um grupo de interesses particulares? Ninguém acredita nestes números, taxas, índices e, muito menos, nas previsões.
A apresentação do Orçamento do Estado transforma-se num ritual sem crédito! Há um mundo virtual das GOP e do Orçamento do Estado e, depois, o mundo real, onde
campeiam os privilegiados pelo piscar de olho e pelo fechar dos olhos, os empresários de sucesso e sem risco que investem na grande corrupção; há benevolência para todos menos para os trabalhadores condenados aos baixos salários, às pensões irrisórias, ao alto risco no emprego onde os espera o acidente ou o despedimento. A falha na execução do Orçamento do Estado para 1993
não foi um erro.

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino mediatamente, Sr. Presidente!
Trata-se de uma grave emissão na responsabilidade do Governo em fazer executar o Orçamento como manda a alínea b) do artigo 202.º Az Constituição da República Portuguesa; trata-se de uma ausência inaceitável de intervenção perante uma fraude fiscal gigantesca!
O Governo não dá quaisquer garantias a esta Assembleia da República perante concluir que há cumplicidade generalizada ao nível das grandes empresas.
De qualquer modo, pergunto ao Sr. Ministro o que vai o Governo fazer para garantir que não se repetirá o que aconteceu em 1993 e que as receitas fiscais serão garantidas no próximo ano?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, o senhor é o Ministro que bateu o recorde dos enganos neste país ao apresentar um Orçamento em que o défice, simplesmente, dobrou o previsto. Isso não nos dá grande confiança no Orçamento que agora nos apresenta. Aliás, a confiança é cada vez menor, dado ser um sentimento generalizado que este Governo não vai ser o mesmo que o vai executar, em especial, o Ministro das Finanças, pois quem tanto se engana não pode ser, Com certeza, o executor de um novo Orçamento! Daí esta sensação de insatisfação por estarmos a discutir um Orçamento feito por uma equipa que não o vai, com certeza, aplicar.
Sr. Ministro, um Orçamento tem de ser um documento sério que o Governo siga e que o país acompanhe, que corresponda àquilo que se espera quer do Governo quer do país. Acontece que o Governo transformou este Orçamento, como, aliás, o anterior, num instrumento de propaganda, prevendo taxas de crescimento que em nada correspondem ao que é previsível. O tal analista do Porto, de que o senhor falou, também dizia que a Comunidade Europeia estava a avançar com taxas de crescimento do produto para Portugal que não podem ser as que vão ser praticadas na realidade. Nada o leva a crer!
Quando o Sr. Ministro aponta que a receita do IRC, em 1994, vai ser inferior em 100 milhões de contos à de 1992, não acredita, com certeza, na previsão do crescimento da economia e o Orçamento testemunha que não há, realmente, qualquer previsão de crescimento.
Também referiu que as despesas vão manter o seu plafond. Mas insisto na questão que o Deputado Nogueira de Brito lhe colocou, pois entendo que a verba de 118 milhões que vai ser concedida de empréstimo à segurança social também é uma medida para escamotear o plafond das despesas. Como é que a segurança social vai gerar receitas para pagar estas despesas?
Por outro lado, na sequência do que o Sr. Ministro hoje disse sobre a arraia-miúda, faço-lhe a seguinte pergunta: quem vai pagar os impostos este ano senão a arraia-miúda, quando se verifica que as isenções fiscais são concedidas aos investimentos superiores a 5 milhões de contos, não esquecendo que, no ano passado, os senhores previam que a receita do IRC fosse de cerca de metade da do IRS e, este ano, não chega a um terço? São os trabalhadores que vão pagar duas vezes e meia o que os lucros das empresas vão gerar para o Estado! Como vê, é a arraia-miúda que vai pagar os impostos e desafio-o a provar o contrário!
Finalmente, durante a vigência do vosso Governo o país recebeu 1 500 milhões de contos, ou seja, 1,5 milhões de contos por dia. Porém, apesar desta verba, verificou-se uma quebra permanente na produção industrial e agrícola.
Pergunto-lhe, Sr. Ministro, com este Orçamento e os actuais 2 milhões de contos que Portugal recebe por dia, de que forma vão os senhores conseguir inflectir os resultados da economia nacional e passar de uma fase de crise acentuada, com tanto dinheiro, para uma fase de crescimento sustentado, como o país merece?

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro das Finanças: Afirmou o Sr. Ministro que a convergência exige poupança e paciência. Ora, penso que os portugueses têm poupado dentro do possível e têm tido paciência em demasia.
Aliás, apesar de termos passado estes últimos anos a ouvir o Sr. Ministro das Finanças a falar do oásis - embora, ultimamente, venha fazendo variações sobre a matéria, recusando-se a apontar esse oásis como uma situação real para Portugal -, veio hoje aqui apresentar-nos o Orçamento do Estado para 1994 e falar-nos de uma miragem. Como o senhor disse, é uma miragem que ninguém vê, porque enquanto se mantiver a recessão internacional os portugueses não podem vê-la.
Mas o Sr. Ministro referiu-se a miragem porque, efectivamente, aquilo de que aqui nos falou não tem nada a ver com a realidade portuguesa, com o todo nacional, com a vida dos portugueses, com as suas condições de vida ou com a sua qualidade de vida, porque do que se trata é do agravamento das assimetrias regionais. Isso teria mais a ver, naturalmente, com o desenvolvimento económico sustentável, como o seu Governo se comprometeu a implementar em Portugal, tanto em várias reuniões internacionais como em documentos apresentados aos portugueses e à Assembleia da República.
Sr. Ministro, tenho comigo - acabei de recebê-lo -, e cito-o a título de exemplo, o relatório do estado do ambiente e ordenamento do território, que nos fala da realidade que é o país onde vivemos e que contrasta, significativa e frontalmente, com o que o Sr. Ministro nos apresentou. Daí a ideia da miragem que nos apresentou.
Sr. Ministro, com este Orçamento do Estado o que é que vai mudar em Portugal para que a especificidade da nossa agricultura seja tida em conta, para que as falências em série, das pequenas e médias indústrias em Portugal, deixem de acontecer ao ritmo actual, para que o desemprego acabe por se situar num nível correspondente a uma situação de estabilidade económica, para que a taxa de mortalidade infantil, que baixou nos últimos dez anos no litoral, baixe também, ao mesmo ritmo, nas regiões do interior do país?
Os senhores dizem que - e o Sr. Primeiro-Ministro disso tem feito muito eco -, nos últimos dez anos, se reduziu a taxa de mortalidade infantil para metade, mas esquecem-se de dizer, Sr. Ministro - e o documento que mencionei refere-o - que nas regiões do interior a taxa de mortalidade infantil se mantém ao nível de há dez anos atrás.
O que falta dizer, Sr. Ministro, é que as assimetrias regionais se mantém ou, pior, se agravaram nas regiões mais afastadas do litoral.
Com este Orçamento do Estado, o que é que vai alterar-se, Sr. Ministro?

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Mário Tomé voltou a falar em termos que já tinha usado há poucas semanas, ou seja, nos interesses particulares, nos empresários, nos Mello, etc., tendo depois falado de uma realidade virtual.
Sr. Deputado, essa realidade virtual não será esse Parque Jurássico que tem vindo a descrever-nos e que não tem nada a ver com o país em que vivemos?
Sr. Deputado, à sua afirmação de que ninguém acredita nestes números respondo que neles acreditam os mercados internacionais.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A abertura da nossa economia é a demonstração clara que vamos manter a linha de rumo neste ambiente de grande competitividade e de grande incerteza. Por isso mesmo, os mercados têm entendido que este aumento do défice, em 1993 - e também em 1994, embora menor - é temporário, porque apresentámos a tempo o programa de convergência e as nossas taxas de juro a longo prazo, como disse, estão, de facto, a convergir. Milhares de pessoas em todo o mundo, com o seu dinheiro, Sr. Deputado Mário Tomé, não com o dinheiro dos contribuintes, apostam em Portugal. E isso vê-se nos mercados! Há, portanto, um teste muito claro de que se acredita nestes números. Não são as intenções, são apenas as realidades! E isto só é possível porque a economia é aberta! Se ela estivesse fechada, então estes valores e estas informações dos mercados internacionais não surgiriam. Basta ver, mais uma vez, qual é a visão que se tem da economia portuguesa. Como há pouco disse, a Comissão Europeia encarou o nosso programa de convergência como um esforço sério para estarmos no pelotão da frente da União Económica e Monetária.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Posso interrompê-lo, Sr. Ministro?

O Orador: - Faça o favor, Sr. Deputado, desde que desconte no seu tempo. Só que não sei se isso é possível em termos regimentais.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, se permite a interrupção, o tempo usado pelo seu interpelando decorre por sua conta.

O Sr. Ministro das Finanças: - É por minha conta?

Risos.

Bem, então dou um subsídio muito curto ao Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Ministro, muito obrigado.

Sr. Ministro, que confiança pode merecer um programa, um Orçamento do Estado e umas Grandes Opções do Plano cuja leitura nos levou à seguinte conclusão: a economia pode não recuperar, se não recuperar; a confiança pode aumentar, se houver factores de confiança; o investimento pode não crescer se não houver confiança... Assim, isto é um horóscopo, é uma previsão que dá para tudo, Sr. Ministro!...

Risos do PS.

O Orador: - Bem, é muito simples. Eu apelei aqui várias vezes - e voltou a fazê-lo - à coesão nacional. É que, se continuarmos com as ideias ou os fantasmas da luta de classes, de facto não saberemos competir.
Passo agora, muito rapidamente, aos pedidos de esclarecimento da Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, segundo a qual eu bati um recorde.
Sr.ª Deputada, eu não estou sozinho!... Há um socialista catedrático que, apesar da constância do seu carácter, tem

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exactamente o mesmo desvio nas receitas fiscais de 1993!...
Disse isso na altura e posso dar-lhe os elementos.
Quanto ao economista do Porto que. quis referir, o que ele disse foi que a Comunidade Europeia previa um crescimento de 2,5 %, a OCDE de 2,7 % e o Ministério das Finanças de 3 %. Mas não foi rigoroso o académico do Porto, porque havia um anexo ao Orçamento do Estado para 1993 em que se dizia, com as novas informações e à cautela, que prevíamos um crescimento de 2,25 %. Tínhamos,
pois, a mais prudente das três previsões para o mesmo período, porque comparar isso com previsões feitas três meses depois qualquer grande econometrista faria, socialista catedrático ou não. Portanto, nesta parte estamos sem dúvidas.
Quanto à questão do plafond do sector público administrativo, já aqui disse esta manhã três vezes e repito uma quarta: está lá, está na lei, não está nas «Despesas do Estado», está em «Despesas do Sector Publico Administrativo», onde devia estar.
Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, surpreendeu-me que tivesse achado cinco milhões uma verba elevada. E é, para muitas pequenas e médias empresas, como várias vezes referi na minha intervenção! Mas, o ano passado, essa verba era de 10 milhões, Sr.ª Deputada Helena Torres Marques!... Agora é metade! Não há dúvida que estamos a alargar o benefício. Foi isso, exactamente, o que eu disse.
Depois a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques (perdõe-me, mas com demagogia) veio dizer: «então se o IRC, neste momento, está a ter um peso menor que o IRS, isso quer dizer que a «arraia miúda» está a pagar mais.»
Não é exacto, Sr.ª Deputada, porque, mais uma vez, temos de ver a justiça fiscal no quadro de uma economia aberta! Se lesse o quadro que tem as percentagens das tributações sobre as empresas, em Portugal e nos outros países da Comunidade Ei Europeia - penso, aliás, que contém também alguns da OCDE -, veria que a nossa taxa é perfeitamente igual à média

O Sr. António Lobo Xavier (CDS): - Não é a média ponderada!

O Orador:- E é-o porque, em virtude da mobilidade, ser tributadas tão fortemente. Isso é a realidade ! Tínhamos alargar a base e foi o que fizemos para todos, da medida beneficiam 2,5 milhões de contribuintes e tivemos de apertar certos benefícios excepcionais e temporários, que afectam apenas 1% dos contribuintes, como aqui disse. Mais vez é a mobilidade.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, a sua resposta já vai nos cinco minutos.

O Orador: - Srs. Deputados, a mobilidade é uma realidade do futuro, pelo que é necessária a coesão nacional, pelo que volto a apelar a ela nesta última resposta, afirmando que sem coesão nacional vai ser mais difícil competir
na Europa comunitária e no mundo.
Por isso, lamentámos aqui que o acordo de concertação social não tivesse sido
assinado e que a luta de classes tivesse imperado sobre o dos trabalhadores e dos empresários portugueses.

Aplausos do PSD.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, no quadro da cooperação em matéria de mapas, como o Governo acabou de falar numa comparação entre o peso dos impostos directos sobre as empresas e o produto na Comunidade Europeia, referindo-se a um quadro da proposta de lei n.º 80/VI, do Orçamento do Estado para 1994 em que a média não é ponderada, o que dá uma distorção completa e transforma o quadro numa quase mistificação, salvo o devido respeito, o CDS-PP tem um quadro com a media ponderada, que coloca Portugal no verdadeiro local desse ranking, infelizmente num lugar pior, que vou dar à Mesa, para que o forneça ao Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. António Guterres (PS): - Isso é muito simpático.

O Sr. Ministro das Finanças: - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, nem a interpelação à Mesa feita pelo Sr. Deputado António Lobo Xavier foi feita em termos de interpelação, nem o Sr. Ministro vai responder nesses termos.
No entanto, tem a palavra para esse efeito e é a última vez que isto acontece neste debate.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, sobre o relatório do Orçamento, temos agora um grupo parlamentar a corrigir a OCDE! Estamos, portanto, já num terreno em que se considera que a média encontrada por uma organização internacional, conhecida pelos seus estudos sobre social idade, há muitos e muitos anos, não é significativa
Mas foi essa a que eu usei e está aqui! Há outras médias, não há dúvida que há muitas outras médias, Sr. Deputado. Aquela que referi é a que está no relatório.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - É a não poderada, Sr. Ministro.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, só o deixo fazê-lo se for mesmo para uma interpelação e não para abrir um debate suplementar.
Diz o n.º 2 do artigo 88.º do Regimento que as interpelações à Mesa são feitas pelos Deputados que tenham dúvidas sobre as decisões da Mesa ou sobre a orientação dos trabalhos.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, trata-se de uma interpelação à Mesa, para dizer que fiz uma pergunta ao Sr. Ministro das Finanças e ele, certamente porque o Sr. Presidente lhe disse que tinha terminado o , seu tempo, não respondeu à minha pergunta.
Gostava de saber se o Sr. Ministro, de facto, não me respondeu por falta de tempo ou se a pergunta que lhe coloquei não faz muito sentido ter resposta.

O Sr. Presidente: - Tem razão, é uma verdadeira interpelação à Mesa.
Sr. Ministro, quer responder à pergunta que lhe foi colocada pelo Sr. Deputado André Martins?
Se foi em virtude da minha intervenção que não deu resposta e o quiser fazer, tem a palavra, Sr. Ministro.

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O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, foi de facto um lapso e por ele peço desculpa ao Sr. Deputado André Martins. Mas a razão do lapso, como acontece nestes lapsos freudianos, está no pormenor de se tratar de uma matéria que
o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, muito melhor do que eu, poderá esclarecer.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não faz qualquer sentido discutir o Orçamento do Estado para 1994
numa lógica puramente tecnocrática. A questão central do presente debate é uma questão política. Este orçamento é o resultado do fracasso de uma política e a consequência de uma ausência continuada de estratégia em relação ao País e ao futuro. É, acima de tudo, a confissão de impotência de um Governo que esgotou a sua capacidade para dar um contributo útil ao País.

Aplausos do PS.

Portugal não tem, hoje, um suporte estatístico válido. Não há números recentes sobre o comércio externo. Há indícios de desemprego para todos os gostos. 0 verdadeiro défice orçamental de 1993 virá a ser o que for, ninguém sabe! Temos uma administração fiscal profundamente degradada, o que transforma as previsões de receitas para 1994 num mero exercício de adivinhação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Este debate pode cumprir um ritual, mas, no meio de tantas incertezas, este orçamento, como instrumento de política económica, tem um valor reduzido.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Orador: - É o orçamento de quem conduz às cegas o barco do Governo, pedindo a Deus, ou seja, à conjuntura internacional e aos fundos comunitários que o não deixem soçobrar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Nenhum país sai de uma crise económica profunda sem uma estratégia clara para o futuro. Estratégia assumida pelo Estado e pela sociedade, baseada numa relação de confiança entre governados e governantes. É essa estratégia que falta. E essa relação de confiança que foi quebrada em Portugal.
Mais do que o montante do défice, o cumprimento ou o incumprimento de um qualquer tecto para as despesas, é isto que importa discutir neste momento. Um Governo que não tenha confiança do País e dos agentes económicos não permite a recuperação da economia. Não é apenas inútil, torna-se prejudicial.

Aplausos do PS e do Deputado independente Mário Tomé.

A confiança num Governo depende de dois factores essenciais: em primeiro lugar, da credibilidade que vem do rigor de análise, da competência técnica e da capacidade de previsão; em segundo lugar, da percepção que os cidadãos tenham da sinceridade, da seriedade intelectual e da coerência da acção política.

Sujeitemos o Governo e o Primeiro-Ministro a um exame sobre estes dois critérios fundamentais. Comecemos pela credibilidade.
0 Governo enganou-se, rotundamente, na previsão de todos os indicadores do desenvolvimento para este ano. Do crescimento do produto às exportações, do investimento ao emprego, o desacerto é completo.
Confrontado, em entrevista televisiva recente, com estes erros de previsão, o Primeiro-Ministro lá teve de reconhecer que o Governo não acerta uma. Mas, como habitualmente, desculpou-se com os outros. Segundo ele, os erros de previsão do Governo português, nomeadamente quanto ao crescimento do produto, seriam idênticos aos que ocorrem lá fora.
Usando, exclusivamente, os documentos oficiais do Governo vou provar-vos que não é verdade. No Orçamento do Estado para 1993, apresentado em Outubro e votado em Dezembro, ou seja, no Outono do ano passado, o Governo previa um crescimento de 3 %. Num cenário pessimista, chegou depois a admitir, quanto muito, cerca de 2 %. Hoje, todas as pessoas séries que tratam destas coisas prevêem que a economia portuguesa em vez de crescer, diminuirá. 0 erro de avaliação está entre 2,5 e 3,5 pontos percentuais.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - Peço agora aos Srs. Deputados que consultem a página 43 das Grandes Opções do Plano para 1994. Aí se afirma que, no mesmo Outono de 1992, a Comissão das Comunidades previa um crescimento de 0,7 % para a Europa, esperando-se agora uma diminuição de 0,5 %. Por seu lado, a OCDE previa, para a sua área, um crescimento de 1,9 %, agora reduzido para 1,2 %. Ou seja, a margem de erro na previsão dessas organizações foi, na mesma altura, de cerca de 113 da do Governo português. Mas, curiosamente, da mesma ordem de grandeza da das previsões então feitas pelo PS, com as quais o Primeiro-Ministro foi confrontado nessa mesma entrevista televisiva, sem ter sido capaz de responder.

Aplausos do PS.

Na altura, nesta mesma sala, chamaram-nos miserabilistas e profetas da desgraça. Hoje, está provado que fomos moderadamente optimistas. Tão moderadamente optimistas quanto aquelas organizações internacionais. 0 optimismo alardeado pelo Governo, esse, era, afinal, pura irresponsabilidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A mesma falta de competência, de rigor, de capacidade de previsão está bem patente no Orçamento Suplementar para 1993, que esta Assembleia já se viu obrigada a aprovar. Um orçamento suplementar cuja necessidade foi negada até ao último minuto, altura em que o Governo veio confessar que se tinha enganado no défice. Um pequeno engano, apenas 100 %!!!

Risos do PS.

0 Primeiro-Ministro, esse, ficou impávido. De monetarista ferrenho passou a keynesiano assumido; de heróico lutador contra o défice público a entusiástico defensor das respectivas virtudes.

Risos do PS.

Esse défice, era, afinal, bom para combater a recessão e decorria de mecanismos puramente automáticos. Com a

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crise, com a recessão, explicava o Governo, cobram-se, menos impostos, pagam-se mais subsídios de desemprego, logo aumenta o défice. Foi uma pílula amarga ter de reconhecer que, afinal, há crise, recessão e desemprego. Mas era preciso para justificai o défice orçamental.
Só que as pessoas sérias que tratam destas coisas puseram-se a fazer contas e descobriram que os tais mecanismos automáticos não explicam nem metade do agravamento do défice. Afinal, uma parte substancial veio da degradação da máquina fiscal, da incapacidade crescente para cobrar os impostos previstos na lei, nomeadamente o IVA. Abriram-se, por toda a parte,, portas à fraude e à fuga ao fisco.
O problema do défice público, em 1993, não é a sua dimensão, mas a sua natureza.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não é a mesma coisa aumentar o défice investindo na educação, na ciência, na cultura ou na saúde ou deixá-lo aumentar pé impostos.
Afinal, Sr. Primeiro-Ministro, uma grande parte do défice não é défice, é mesmo um buraco que deixa para o futuro uma terrível herança. Um buraco que, se não for rapidamente tapado, (despartidarizando as chefias intermédias nos serviços das contribuições e impostos, dando a estes os necessários meios e motivando os trabalhadores), limitará de forma dramática a política orçamental para os próximos anos. Um buraco que ameaça o futuro dos aumentos das pensões para os idosos', da qualidade do ensino, já tão afectada, para os nossos filhos, da eficácia, já tão precária, dos serviços de saúde.
Neste contexto, qual será o verdadeiro défice do Orçamento do Estado para 1994? Ninguém sabe! Até porque, desde logo, faltam lá os 118 milhões de contos que o Governo, para disfarçar, contabilizou como empréstimo à segurança social, numa lógica cuja perversidade só a prazo descobriremos completamente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao quadro das previsões macroeconómicas, até ao final do século, é um verdadeiro exercício de sol na eira e chuva no nabal. As pessoas sérias que tratam destas coisas já provaram que não há qualquer coerência entre crescimento e défice externo, contas públicas e inflação. Basta olhar para o que se prevê quanto às importações para se perceber o ridículo do conjunto.
Incapaz de admitir que o PS tinha e tem razão quanto à necessidade de repensar, em momento próprio, alguns dos critérios de convergência definidos para a União Económica Monetária, o Governo prefere aldrabar as contas.
Finge que consegue a quadratura do circulo, mas já não engana ninguém.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, por isso já ninguém liga às previsões governamentais. Em
Sondagem publicada, no último fim-de-semana, 73% dos empresários e quadros afirmavam que os indicadores macroeconómicos publicados pelo governo não têm credibilidade. Um Governo que navegava às põe o País a navegar às cegas.
Deixa as empresas e os cidadãos sem condições para definirem estratégias coerentes e comportamentos racionais. Promove a anarquia onde deveria haver convergência de esforços para vencer as dificuldades.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

Srs. Deputados do PSD acalmem-se, porque o pior está para vir!

Risos do PS.

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, vejamos agora a segunda condição da confiança. Tem a ver, como disse, com a sinceridade, a seriedade intelectual e a coerência política. Esta é uma questão geral. É um critério global de avaliação dos homens e dos governos. Não diz respeito apenas à política económica. Testemo-la, por isso, em relação ao tema sensação do momento: o significado das eleições autárquicas para a vida política nacional.

O Sr. António Vairinhos (PSD): - O que é que isso tem a ver com o Orçamento?

O Orador: - Tudo! A questão da confiança tem a ver com a política económica de uma forma essencial e o que vai ouvir a seguir tem, dramaticamente, a ver com a questão da confiança!

Aplausos do PS.

Em 1982, o actual Primeiro-Ministro, então militante critico do PSD face ao Governo do Dr. Pinto Balsemão, afirmava peremptório: «Quando ocorrem umas eleições autárquicas a meio de um período legislativo é praticamente impossível impedir ilações para o nível nacional.»
E para que não houvesse dúvidas esmerou-se na explicação: «E aí eu distingo dois casos. Distingo o caso do pequeno município e o do grande município. No pequeno município, o trabalho do autarca da AD ou do PSD...» - estávamos em 1982 - «... é crucial para o resultado destas eleições, mas o mesmo já não se passa no grande município: Lisboa, Porto, Coimbra, Braga ou Setúbal.»
Tomem nota dos exemplos escolhidos!

Risos do PS.

E continuava: «Estou convencido que, aí, o que vai ser determinante é a dinâmica do Governo Central. É a dinâmica nacional que vai determinar o resultado das eleições autárquicas nos grandes centros urbanos. A população urbana não é pela sua preocupação em relação ao Presidente da Câmara de Lisboa ou talvez do Porto. Ela está influenciada, sim, pela dinâmica nacional que o Governo, a AD, forem ou não forem capazes de imprimir.»
Mas disse mais: «Como sabem, o peso do eleitorado urbano é muito grande e é esse eleitorado que vai determinar a percentagem nacional. Talvez em número de municípios isso não seja assim, mas em termos de percentagem nacional o que conta são, de facto, esses grandes municípios.»

Aplausos do PS.

A conclusão é óbvia: o que media, para o actual Primeiro-Ministro, o mérito da acção do Governo era a percentagem nacional do seu partido nas eleições autárquicas.

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A comparação com o que diz hoje é espantosa. Em política é legítimo ter o sentido da oportunidade, mas o que não pode é fazer-se do oportunismo uma política.

Aplausos do PS.

Em matéria de sinceridade, remeto-os ainda para a teorização que fazia o actual Primeiro-Ministro, em 1982, sobre a verdade em política económica (e aproximamo-nos do orçamento): «Eu, como ministro, nunca iria à televisão dizer que os preços iriam subir e, por isso, disse que era um erro tremendo o que o penúltimo Ministro do Comércio tinha feito. Eu, como ministro e como economista, só posso ir à televisão dizer que os preços vão subir menos, porque não gosto de cometer suicídio nem político, nem económico. E óbvio que um ministro não pode dizer que os preços vão subir. Tem de dizer que vão baixar.»

Risos do PS.

Se olharmos, hoje, as afirmações e as promessas feitas pelo Primeiro-Ministro e pelo Governo, à luz da teoria da verdade em política explicada pelo seu autor, teremos de concluir que elas não têm relação com a realidade do País. Tem, sim, a ver com os objectivos e os interesses do Governo. Tudo o que é bom para o Governo, tudo o que é bom, afinal, para o PSD, passa a ser verdadeiro. Tudo o que é mau para o Governo e para o PSD passa a ser falso. Por isso, este Governo nunca aceita as verdades incómodas. Para ele, fazê-lo seria um «erro», «um suicídio político e económico.»

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É uma doutrina excelente para conservar o poder a todo o custo, mas é uma doutrina fatal, quando aplicada por quem governa o País em período de dificuldade.
Ela explica, aliás, cabalmente, a forma como o Governo tem tratado o problema do desemprego. No quadro da teoria do oásis, começou por negá-lo até princípios deste ano. Isto apesar de as próprias estatísticas do INE revelarem então que, no período de um ano, se tinham perdido cerca de 170 mil postos de trabalho. Só que não foi para desempregados, foi para inactivos!
Logo depois, ouvimos o Primeiro-Ministro afirmar, com um sorriso, que fazer subir a taxa de desemprego para 6 % era um enorme sucesso deste Governo. Não comento agora o que isto significa em termos de. insensibilidade social. Em 23 de Abril, uma entrevista do Ministro do Emprego e da Segurança Social dava origem ao título: «Desemprego não é um problema do Governo». O mesmo Ministro viria a suspender, durante dois meses, a publicação das estatísticas do seu Ministério, para que elas não desmentissem os números anunciados pelo Primeiro-Ministro.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É que para este não conta o registo dos desempregados inscritos nos centros de emprego, só lhe interessa as estatísticas do INE, feitas por amostragem, e em que basta que um trabalhador inquirido tenha tido uma hora de actividade na semana anterior, mesmo em propriedade agrícola sua ou arrendada, para não ser considerado oficialmente desempregado. Também os que não tenham feito nenhuma diligência, no mês anterior, passam de desempregados a inactivos e deixam de figurar nas estatísticas. Basta conhecer o tecido sociológico, sobretudo no norte e centro do País, para compreender quantos dramas humanos ficam à margem das estatísticas do INE. Paciência! O que era preciso, então, era manter as aparências.
Um dia, porém, de repente, esta indiferença, esta insensibilidade social ao desemprego terminou. Como Saulo, na estrada de Damasco, também o Primeiro-Ministro viu a luz. Mas, por coincidência, só descobriu o desemprego no momento em que a sua invocação se tornava necessária para exigir aos trabalhadores, em nome do emprego, a redução dos salários reais.

Aplausos do PS e dos Deputados independentes Mário Tomé e João. Corregedor da Fonseca.

Mais um exemplo admirável da aplicação da teoria PSD da verdade em política.
Só que nem o Primeiro-Ministro consegue explicar o que ninguém consegue explicar: que o mesmo País que recebe, em média, mais de um milhão e meio de contos, em cada dia útil, a fundo perdido, das Comunidades Europeias, veja, no mesmo dia útil, inscreveram-se mais de um milhar e meio de desempregados nos respectivos centros de emprego. De facto, só em Outubro, inscreveram-se 31 114 novos desempregados. É o número mensal mais elevado desde que há registos, e eles existem desde os anos setenta. É o pior de todas as crises a que assistimos nas duas últimas décadas.
O Ministro das Finanças tinha prometido para este Outono uma recuperação que antecederia a recuperação europeia, começa a falar-se da recuperação europeia, mas o desemprego, em Portugal, aumenta a um ritmo sem paralelo nas duas últimas décadas.

O Sr. António Vairinhos (PS): - E nó resto da Europa?!

O Orador: - Por tudo isto, o PS tem defendido, desde há muito tempo, que o emprego constitua a principal prioridade da política económica; que esta, e em particular a política monetária, tem de visar, sobretudo, o combate à recessão e o relançamento da economia; que é preciso promover a formação de um mercado social de emprego, destinado a satisfazer as necessidades sociais e ambientais, mobilizando o Estado e a sociedade civil, para além das medidas de formação e de mera gestão do desemprego, utilizando os fundos comunitários; que é preciso estabelecer um Rendimento Mínimo Garantido, para evitar as formas mais dramáticas de pobreza e de exclusão social.
Face a tudo isto, o que nos choca é a desorientação evidente na condução da política económica. O conjunto de hesitações, de mudanças de rumo, o conflito permanente entre o Ministério das Finanças e o Banco de Portugal, perante a manifesta falta de autoridade política do Primeiro-Ministro.
O Governo chumba, assim, nos dois exames a que o sujeitámos sobre os critérios que asseguram a confiança dos cidadãos. Este Governo não faz parte do activo do País, é um encargo do nosso passivo. Usando a linguagem anglosaxónica, tão cara ao Ministro das Finanças, não é um asset é uma liability.

Aplausos do PS.

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, neste contexto, o debate em concreto das verbas do orçamento assume uma importância muito relativa. Ainda assim, vamos fazê-lo.

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O descalabro ocorrido na cobrança dos impostos e o consequente agravamento do défice limitam, necessariamente, a margem de mar obra da política orçamental. Também por isso, e como temos dito, o principal instrumento para o relançamento da economia, a curto prazo, terá de estar na política monetária. O custo real do crédito suportado, em particular, pelas pequenas e médias empresas, na agricultura, na indústria, continua a ser o principal no comércio e outros serviços inimigo do emprego e do crescimento da economia.
A concretizar-se uma redução significativa das taxas de juro reais, ela daria, aliás, a curto prazo, um contributo positivo para a redução do défice orçamental. É bom não esquecer que, por cada ponto percentual a menos no custo médio da dívida pública, o Estado poupa cerca de 70 milhões de contos, embora depois levemente reduzido pelos efeitos secundários.
A política económica global, que o PS defende, teria assim criado condições para abordar, de forma menos dramática, a própria questão do défice. Não somos responsáveis pela situação herdada. Mesmo assim, não vamos sucumbir perante a sedução da demagogia em período eleitoral. Não embarcaremos, portanto, na proposta de um aumento indiscriminado d is despesas que alterasse significativamente a dimensão do défice orçamental.
Mas não aceitámos que se prolonguem, no futuro, as consequências da irresponsabilidade passada. É indispensável, é imprescindível, em primeiro lugar, fazer uma grande aposta na eficácia da máquina fiscal em todos os seus aspectos, seja qual for o respectivo custo. Somos contrários ao aumento da carga fiscal que, neste quadro, não tem sentido. Entendemos, porém, que o Estado tem de dotar-se dos meios que lhe permitam cobrar, efectivamente, os impostos que a lei define.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Se o não fizermos, cairemos fatalmente na armadilha orçamental que deixou quase ingovernável um país como a Itália. A fraude e a fuga aos impostos tornam ainda moralmente insuportável um sistema fiscal já de si profundamente injusto. Aí está o caso das facturas falsas a prová-lo. Todos os cidadãos são iguais perante a lei, o Governo e a Administração têm de tratar todos os
cidadãos da mesma maneira.

Aplausos do PS.

A nossa segunda proposta refere-se à natureza do sistema fiscal. Não existe em Portugal um verdadeiro imposto único sobre o rendimento. Existe, sim, com o IRS que temos, um imposto único sobre os rendimentos do trabalho.
Esta situação tem de ser e corrigida na linha dos projectos de alteração aos códigos do IRS e do IRC, que o PS já apresentou, há dois anos, e cuja orientação
Genérica continua actual.
Como actuais se mantêm as nossas anteriores propostas em relação aos códigos da sisa e do imposto sucessório este último gerador de uma situação inconcebível. As grandes fortunas transmitem-se sem pagar nada, alguns pequenos nos patrimónios, sobretudo, sobretudo no imobiliário, e em certas regiões do País, sofrem taxas de verdadeira exportação.

Vozes do PS: - Muito

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Olhemos agora para as despesas.
Aí a nossa divergência de fundo tem a ver com a educação.
A crise económica e social, que atravessamos, teve origem nas dificuldades da economia europeia e nos erros da política do Governo, mas começa a traduzir também uma nova realidade: no quadro de uma economia internacional cada vez mais aberta, Portugal tem hoje problemas estruturais para competir. Não é mais possível fazê-lo com base na mão-de-obra barata. Por muito barata que o Governo queira, agora - não era assim quando havia eleições legislativas -, que venha a ser a nossa mão-de-obra, ela será sempre muito mais cara do que a da Polónia ou a da China.
O modelo de desenvolvimento, que se concretizou desde 1985, financiado pelas Comunidades Europeias, está esgotado. O fracasso da modernização estrutural da nossa economia nos últimos anos é, porventura, a mais grave das heranças que a maioria PSD nos irá deixar.
Só será possível competir, no futuro, se o essencial do nosso esforço de investimento for canalizado para as pessoas: para a melhoria das suas qualificações, a todos os níveis, para a prioridade absoluta na educação ou, se quiserem, numa visão moderna e integrada que, infelizmente, continua ausente em Portugal, ao conjunto interligado educação/formação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Conjunto entendido como suporte de uma estratégia de desenvolvimento claramente assumida pelo Estado e pela sociedade e influenciada, nas suas orientações, por essa mesma estratégia de desenvolvimento.
Neste contexto, é absolutamente intolerável que, num orçamento dito de investimento - e não vou entrar na polémica se é ou não -, diminuam as verbas atribuídas, em termos reais, para a educação.
Não venha o respectivo Ministro falar do combate ao desperdício. Quem visita as nossas escolas sabe que o problema delas não é esse! É um problema de degradação física dos edifícios, de falta de equipamentos pedagógicos modernos, de desmotivação de professores e de alunos, de perda progressiva da qualidade no ensino.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - As nossas divergências de fundo com o Governo, na afirmação desta prioridade, ultrapassam o contexto do orçamento, porque ela não pode ser corrigida apenas com o orçamento, dadas as imposições que sobre O orçamento vêm do próprio Plano de Desenvolvimento Regional. Elas envolvem a própria natureza e conteúdo do Plano de Desenvolvimento Regional, já apresentado, em Bruxelas.
No entanto, dentro das limitações e disponibilidades do possível, criadas por este Governo, num quadro global que, reafirmo-o, não é o da nossa política, submeteremos alterações na especialidade para consagrar o princípio da prioridade à educação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não temos ilusões! Não são essas alterações que o resolverão, é toda a reavaliação das prioridades nacionais que está em causa e não apenas as do orçamento.

Aplausos do PS.

Da mesma forma que introduziremos propostas que corrijam o congelamento do FEF, agressão intolerável ao pó-

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der local, e que permitam a aplicação gradual, em 1994, de um mecanismo de Rendimento Mínimo Garantido, em coerência com o que temos vindo a propor.
Para tudo isto, estamos também dispostos a reduzir outras despesas que consideramos supérfluas ou menos urgentes: nos diversos sacos azuis que proliferam, em sectores menos prioritários ou no reescalonamento no tempo de alguns investimentos físicos, sem prejuízo da sua concretização.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, vejamos assim, em síntese, as diferenças entre o que foi e é a política económica do Governo e o que teria sido e seria a alternativa socialista, limitando-a, hoje, às políticas de curto prazo.
Se, em vez do fundamentalismo do escudo caro e das taxas de juro incomportáveis mas necessárias para o suportar, tivesse sido seguida a estratégia cambial e monetária proposta pelo PS, em tempo útil, o Governo assistiria hoje a mais crescimento, a menos desemprego e, portanto, a menos défice público, embora ainda com as consequências da crise europeia.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Orador: - Mas o País não viveria o clima tão depressivo que hoje sentem os cidadãos e as empresas.
Se, em vez da partidarização das chefias da máquina fiscal e da sua subordinação a clientelas, se tivesse aposta do na eficácia e isenção, como sempre defendemos, não teríamos assistido ao descalabro das cobranças e ao aumento da
fuga nos impostos com todas as injustiças daí decorrentes.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em suma, teriam sido amortecidos os efeitos inevitáveis das dificuldades da economia internacional e seriam maiores os graus de liberdade da política orçamental para 1994.
Mas o Governo e a política foram PSD, com os resultados conhecidos. A margem de manobra para alternativas, em matéria orçamental, ficou consideravelmente reduzida, por exclusiva responsabilidade deste Governo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mesmo assim, e sem referir, hoje, de novo a questão mais geral das estratégias de desenvolvimento e de modernização, cujas alternativas já tive ocasião, por várias vezes, de aqui, nesta Câmara, clarificar.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Nunca ouvimos!

O Orador: - ... temos prioridades diferentes a propor na política orçamental.
A primeira tem a ver com a justiça fiscal. Connosco, como afirmei, seria diferente a estrutura do IRS, da sisa e do imposto sucessório. Queremos mais eficácia na cobrança dos impostos e mais equidade na sua repartição. É já hoje muito pesada a carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho e as famílias da classe média. Ao mesmo tempo, vemos com frequência que os que mais evidenciam sinais exteriores de riqueza são os que mais se gabam de menos impostos declarar e de menos pagar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador. - Até ao final do debate, o PS vai propor, apresentando um projecto de resolução, nesta Câmara, que a Assembleia da República adjudique, por concurso público, a uma entidade independente, a elaboração de um Livro Branco sobre os níveis de incidência de fraude e de evasão fiscais, em Portugal, e sobre os efeitos do nosso sistema fiscal, nomeadamente o IRS, na alteração da repartição dos rendimentos das famílias e na concretização do objectivo de justiça social.

Aplausos do PS.

A segunda diferença, reafirmo, está na prioridade absoluta à educação, à qualificação das pessoas, ao fim do desperdício e da desorientação na formação profissional. Gostaria de recordar aqui uma frase, que só por lapso ou acto falhado se pode justificar, uma vez proferida pelo Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, quando falava das verbas do Fundo Social Europeu desviadas para a educação. Esta frase traduz uma maneira de conceber a situação actual da educação e da formação profissional, em Portugal, que é completamente intolerável e (o que é mais grave) é trágica para o nosso futuro.
A terceira diferença provém das relações entre poder central e poder local. Não pode haver dois pesos e duas medidas. Expansão na despesa tutelada pelo Governo e redução nos recursos das autarquias. Estão em causa duas concepções opostas: o centralismo e a descentralização.
A quarta tem a ver com a sensibilidade aos problemas sociais. Sensibilidade que nos leva a exigir a transparência nas relações entre o Estado e a Segurança Social e a criação progressiva, em 1994, de um Rendimento Mínimo Garantido às famílias portuguesas.-

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Tudo isto é importante, mas não é, porventura, o essencial. 0 problema essencial é, reafirmo, de natureza política. Mais do que o orçamento que este Governo apresenta, o problema é o próprio Governo que o apresenta.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Um Governo que, em vez de governar, se agita; em vez de tomar medidas, se multiplica em actos de propaganda; em vez de dialogar com abertura com os trabalhadores, tenta coagir pela chantagem; em vez de enfrentar a crise económica e social, abre confrontos institucionais de carácter artificial.
0 Governo vê a face do mal em todos os que escapam ao seu controlo. Nos jornalistas, como nos juizes, no Presidente da República, como na oposição.
Neste momento, tem-se caracterizado em vez de se afirmar pela positiva, concentra a sua iniciativa no ataque ao PS.

Vozes do PSD: - Ah, ah, ah!...

O Orador: - Recusa sempre as nossas propostas, mas é incapaz de lhe contrapor alternativas.

Protestos do PSD.

Querem dois exemplos? 0 rendimento mínimo garantido e as polícias municipais!

Aplausos do PS.

Ou então - e lembrem-se da conferência de imprensa dada, ontem, pelo Sr. Ministro do Emprego e da Seguran-

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ça Social -, acaba por assumi-las mais tarde, quase sempre, infelizmente, tarde demais.

Aplausos do PS.

Em pânico com as eleições autárquicas, o Primeiro-Ministro entra e sai da
campanha mês sim, mês não na mais completa desorientação estratégica

Risos do PS.

Viola hoje compromissos públicos assumidos ainda ontem.
Como todos os pretextos servem para desviar as atenções, o Governo utiliza agora o fantasma da dissolução do Parlamento. Primeiro, para a combater, assumindo o ar da vítima inocente. Agora, surgem sinais de que se poderá agarrar a ela como tábua de salvação, não venham por aí catástrofes ainda piores.
No meio do deserto, que criou, o Primeiro-Ministro hesita perante a miragem da corrida a Belém. Os barões do PSD agitam-se e contam as espingardas para uma guerra anunciada. Ao mesmo tempo que, aqui e ali, iniciam os primeiros focos de guerrilha.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, tudo na vida tem os seus períodos de ascensão e de decadência. A actual fórmula política está, definitivamente, na decadência. São precisas novas ideias. É precisa uma nova relação de confiança entre governantes e governados.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É para isso que o PS trabalha, serenamente, sem pressas, sem triunfalismos nem demagogias.

Aplausos do PS.

Sem propor, hoje, nada que, em consciência, saibamos não poder fazer amanhã.

Risos do PSD.

O País costuma lembrar-se do PS em momentos de dificuldade.

Risos do PSD e do CDS-PP.

No futuro, como no passado, e ao contrário de outros o PS não fugirá. Cá estamos para assumir as plenamente as nossas responsabilidades.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Rui Carp e Nogueira de Brito. Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Guterres, V. Ex.ª concluiu o seu discurso dizendo que o País costuma lembrar-se do PS nos momentos de dificuldades. É verdade!

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador: - O País lembra-se do PS, em 1977, quando a inflação era superior a 27 % e os salários caíram 7,3 %.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O País lembra-se do PS, em 1978, quando a inflação foi de 22,5 % e os salários caíram 5 %. Ò País lembra-se do PS quando, em 1984, a inflação foi de 29,3 % e os salários caíram perto de 9 %.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O País lembra-se também do PS quando, em 1978, o investimento caiu em menos de 18 % e quando, em 1983, caiu menos de 7,5 % e, em 1984, caiu menos de 18 %!

Protestos do PS.

São recordações, fez bem em lembrar-nos!

Aplausos do PSD.

Vai desculpar-me ser tão seco, mas o seu discurso foi profundamente decepcionante.

Risos do PS.

Mais uma vez, V. Ex.ª não apresentou qualquer alternativa credível e coerente às propostas do Governo.

Risos do PS.

Tal como no ano passado remeteu-nos para a discussão na especialidade e nós sabemos o que resultava das propostas apresentadas nessa altura: era um défice que, se tivesse sido aceite, seria superior ao que se verificou este ano em mais 100 milhões de contos!

Vozes do PS: - Não é verdade!

Vozes do PSD:- É verdade! É verdade!

O Orador: - Eram essas as vossas propostas!
Para este ano depreendemos daquilo que disse, para além do rendimento mínimo garantido - uma forma defendida por Milton Friedman dentro da perspectiva mais liberal e nunca, digamos assim, executada em qualquer país, pois equivaleria a uma queda brutal do Estado enquanto Estado providência e de segurança social dos rendimentos mais desfavorecidos - e para além de um aumento dos impostos, suponho que era do IRS, nada nos adiantou e propôs mais despesas para a educação. , Mas, mais grave, Sr. Deputado António Guterres, é que V. Ex.ª falou várias vezes em seriedade, teoria da verdade, rigor e credibilidade.

Vozes do PS: - E falou bem!

O Orador: - Só posso justificar, como vou provar imediatamente, tantas alusões à seriedade, à verdade, ao rigor e à credibilidade...

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
... com problemas freudianos.

Risos.

A verdade é que V. Ex.ª, e não é preciso ir muito longe, tem demonstrado, do ponto de vista político, muita falta de rigor.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Não apoiado!

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O Orador: - V. Ex.ª desmerece as estatísticas do INE - ainda ontem elogiadas por uma instituição comunitária - e vem dizer que tem outras estatísticas...

Vozes do PS: - 15so é falso!

O Orador: - Imagine-se o que seria calcular a taxa de desemprego, por exemplo, em Espanha, com base nos inscritos nos centros de desemprego espanhóis.

Vozes do PS: - 0 que tem Freud a ver com isso?

O Orador: - Temos de ser sérios e o INE é uma instituição séria. Se não for, prove o contrário!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à seriedade o caso é mais grave. V. Ex.ª diz que o Governo não tem seriedade. Então, vou apontar - e concluiria, Sr. Presidente - factos bem evidentes que ocorreram neste fim-de-semana. O Sr. Deputado tem criticado o Plano de Desenvolvimento Regional do Governo. Voltou a fazê-lo aqui. Mas vejamos as suas declarações deste fim-de-semana. Na sexta-feira, numa visita ao interior alentejano, fez um discurso na Quinta da Lili.

Risos do PSD.

Ficará conhecido como "0 discurso da Quinta da Lili".
E o que disse nesse discurso? Disse, a propósito do PDR, que "não se compreende a prioridade dada à faixa litoral que vai de Braga a Setúbal. Só pode resultar de uma política cega."
15to foi o que disse na Quinta da Lili.
No dia seguinte, na convenção do Partido Socialista, no Porto,...

Protestos do PS.

Vozes do PSD: - Oiçam! Oiçam!

O Orador: - ... entre outras conclusões - e estou a referir-me aos jornais, ao Diário de Notícias, ao Público -, como, por exemplo, "Socialistas apoiam descargas de autoclismo", V. Ex.ª disse...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.
Como dizia, V. Ex.ª, nessa altura, afirmou que, face ao quadro do PDR, o PS defende que a Área Metropolitana do Porto deve afirmar uma liderança não só no quadro da região norte mas também do noroeste peninsular. Ou seja, no Alentejo diz uma coisa, no Porto diz outra! .

Protestos do PS.

Estamos a aguardar uma intervenção sua em Lisboa, para dizer o contrário!

Aplausos do PSD.

Finalmente, Sr. Deputado, quem tem razão dentro do seu partido? V. Ex.ª, quando critica aquilo a que se chama a teoria do escudo forte - o Governo nunca falou nisso mas, sim, em estabilidade cambial -, quando diz que é contra o escudo forte? Ou o porta-voz - até ver - do Partido Socialista, Prof. Dr. Daniel Bessa,...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Até que enfim!

Protestos do PS.

O Orador: - Eu sei que isto vos provoca muitos nervos. VV. Ex.ªs ficam muito nervosos, mas nada posso fazer.
Será, então, o Prof. Dr. Daniel Bessa que disse, nessa mesma convenção do PS, no Porto, entre outras coisas, que o escudo forte só é remédio de curto prazo? Em que ficamos? É isto seriedade? É isto rigor? É isto verdade? É isto a alternativa que o PS quer ser ao Governo? Não é!
Tenho muita pena, mas o seu discurso fica para as calendas gregas - gregas, porque talvez seja esse o vosso modelo de governação.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, havendo mais oradores inscritos para pedidos de esclarecimento, deseja responder já ou no fim?

O Sr. António Guterres (PS): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Carp, depois do comportamento fúnebre do seu grupo parlamentar...

Risos do PS.

... durante o discurso do Sr. Ministro das Finanças,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... o qual, associado ao silêncio do Sr. Primeiro-Ministro, é a Crónica de uma morte anunciada deste Ministro das Finanças,...,

Risos e aplausos do PS.

...é espantoso V. Ex.ª vir dizer que a minha intervenção é que é decepcionante. Espantoso!

Vozes do PSD: - E é!

O Orador: - Depois, o Sr. Deputado Rui Carp disse uma série de coisas que não fazem qualquer sentido!

O Sr. Rui Carp (PSD): - Tem toda a razão!

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Citou-o!

O Orador: - Vou responder-lhe uma a uma. Em primeiro lugar, disse que o rendimento mínimo garantido é uma invenção de Milton Friedman e não existe em país algum. Sr. Deputado, existe em 10 dos 12 países comunitários!

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Não sabem!

O Orador: - Milton Friedman inventou o conceito de imposto negativo, o que não é, necessariamente, a mesma coisa.

Aplausos do PS.

Sr. Deputado, remeto-o para a legislação de todos os países da Europa Comunitária, com excepção da Grécia,

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pais que, porventura PSD, neste momento, pretende imitar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Depois, o Sr. Deputado Rui Carp voltou a falar da nossa intervenção na discussão do Orçamento do ano passado e de termos o défice.

O Sr. Silva Marques (PSD): - E é verdade!

O Orador: - Tínhamos razão, porque o défice previsto no Orçamento do ano passado não era compatível com uma política de relançamento.

O Sr. Rui Carp (PSD): - E disse mais coisas ainda!

O Orador: - Como quando diz hoje que, atendendo um défice maior.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Mas não nas vossas despesas!

O Orador: - Mas, Sr. Deputado, as propostas que fizemos tinham como fim lançar a economia e melhorar as condições sociais dos portugueses e não o aumento do défice pelo descalabro da máquina fiscal a que este Governo nos conduziu. Essa é a diferença entre nós.

Aplausos do PSD.

Disse o Sr. Deputado que ponho em causa a credibilidade das estatísticas do INE. Não é verdade!

O Sr. Rui Carp (PSD): - Então, quem é que não as cita?

O Orador: - Digo, sim, que quando se cita deve-se ter a honestidade intelectual de dizer quais são os seus pressupostos.

O Sr. Rui Carp (PSD): Exactamente!

O Orador: - Foi o que aqui fiz. Há aqui uma questão essencial: se não se souber quais são os pressupostos dessa estatística, uma família que não tem qualquer rendimento a não ser o que possa provir do trabalho de uma pequena courela arrendada,...

O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr. Deputado!

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

... para si, não é um é um desempregado. Mas, para mim, é um desempregado. O facto de não constar nas estatísticas do INE não impede que essa família não sofra dramaticamente as consequências e o desemprego.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Para si, o que conta são as estatísticas do INE; para nós, o que conta são as pessoas desempregadas!

Aplausos do PS.

Aliás, quanto à manipulação de estatísticas, vou dar-lhe outro exemplo habitual do Sr. Primeiro-Ministro a mortalidade infantil. Para este Primeiro-Ministro e para este Governo, a grande prova do seu êxito está no combate à mortalidade infantil. E cita permanentemente o facto de a mortalidade infantil ser, em 1985, de 17,8/1000 e, em 1992, de 9,6/1000.

O Sr. António Vairinhos (PSD): - O Sr. Deputado André Martins já disse isso!

O Orador: - Esquece-se de dizer que, em 1973, era de 44,8/1000. Se eu quisesse fazer a mesma demagogia, diria que o processo se ficou a dever à revolução de Abril. Mas não é verdade. Vem de trás, da política de saúde pública dos últimos governos do Prof. Marcelo Caetano.

Vozes do PS: - Muito bem! Vozes do PSD: - Ah!...

O Orador: - Quando se citam estatísticas é preciso ter a honestidade...

Protestos do PSD.

...intelectual de analisar qual o seu verdadeiro significado e os seus pressupostos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à sua citação do Prof. Daniel Bessa, deixe-me dizer-lhe que teve um azar terrível, pois citou um título do Jornal de Notícias, do Porto, quê manifestamente distorceu a intervenção.

Vozes do PSD: - Ah!

O Orador: - Para azar seu, o Daniel Bessa teve ocasião de dar uma entrevista ao Expresso, onde explicitou exactamente o seu ponto de vista...

Vozes do PSD: - Ao contrário!

O Orador: - ... e em que se mantém inteiramente conforme com o que ele disse. Sr. Deputado, posso repetir-lhe o que o Daniel Bessa acrescentou, no Porto. Mas também aí é necessário que os senhores tenham alguma honestidade intelectual e não se percam nos títulos dos jornais. Sr. Deputado Rui Carp, oiça o que lhe vou dizer, pois vai aprender alguma coisa!

Aplausos do PS.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Oiço e leio, Sr. Deputado!

O Orador: - Nunca defendemos uma política de desvalorização competitiva. Nunca defendemos, aqui, que a solução para os problemas da nossa economia estaria, a prazo, na desvalorização da moeda.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - A longo não, mas a curto sim!

O Orador: - O que sempre dissemos é que a política cambial seguida, nos últimos três anos, por este Governo, foi irresponsável e a valorização do escudo, nesses três anos, foi excessiva e teve consequências dramáticas para o nosso país.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - Uma coisa é corrigir os erros de uma política, outra é erigir isso em doutrina para o futuro.
Finalmente, vou responder-lhe ao que V. Ex.ª disse sobre o PDR. Um dos dramas do PDR, Sr. Deputado Rui Carp, é que a sua aplicação não permitiu um desenvolvimento regional equilibrado.
0 seu sorriso é capaz de ser relativamente freudiano. É capaz de ser, até, muito freudiano.

Risos do PS.

É um sorriso amarelo e freudiano - repito, amarelo e freudiano.

O Sr. Rui Carp (PSD): - É porque estou a ler as suas entrevistas!

O Orador: - Agradecia que ouvisse em vez de se agitar com as folhinhas na mão!

O Sr. Rui Carp (PSD): - São as suas entrevistas!

O Orador: - 0 que eu disse, no Alentejo, sobre o PDR, e mantenho, foi que ele deveria ter permitido um desenvolvimento mais equilibrado entre o litoral e o interior, porque a sua aplicação coincidiu com a desertificação do interior, o que é dramático tanto para uma zona como para a outra, como o mostra um cartaz da campanha eleitoral do candidato do seu partido por Lisboa.
Por outro lado, no norte, eu disse, e repito, que o País tem de ter uma estratégia para a Área Metropolitana do Porto,...

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - E outra para Lisboa!

O Orador: - ... que passa por conceber-se essa Área como um centro liderante do noroeste da Península, o que implica que o País tenha uma política para a sua relação com a Espanha, em vez de aplicar, em Portugal, a política da Espanha, como tem acontecido recentemente.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado; peço-lhe que conclua.

O Orador:- Concluo já, Sr. Presidente.
Nós, Partido Socialista, não nos resignamos a que, contra a lei, bancos essenciais do nosso sistema financeiro passem para mãos espanholas e a que Portugal não tenha, hoje, qualquer estratégia de afirmação dos interesses nacionais no quadro ibérico

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Guterres, começo, sem dúvida, por o cumprimentar pela dignidade que o seu discurso deu ao debate do Orçamento.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas lamento que V. Ex.ª não tenha resistido à tentação de aproveitar um discurso, que pretendeu pautar como um discurso de Estado, para alimentar essa fogueira insensata da política portuguesa, que é o tema da dissolução da Assembleia da República, e que tenha emprestado o seu prestígio e a sua dignidade de líder político de um grande partido para alimentar, porventura, essa polémica.
É bom que diga mais qualquer coisa sobre o assunto e que o deixe esclarecido!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao mais, Sr. Deputado António Guterres, gostei do seu discurso, mas digo em relação a ele aquilo que disse, há algum tempo, em relação a um discurso da sua bancada: V. Ex.ª arrisca-se a substituir a teoria do oásis de que ainda não falámos hoje - e peço-lhe desculpa, Sr. Ministro -, ...

Risos

... pela teoria da miragem.

Risos.

A esse respeito diria que o deserto é um pouco o mesmo, porque diferenças há poucas!
Algum dinheiro mais para a educação e para pagar a uma auditoria externa para nos vir resolver o problema da fraude fiscal e das facturas falsas?! A sua imaginação tem de ser mais estimulada para nos dar soluções mais interessantes.

Risos do PSD.

A miragem é esta: o Governo, no ano passado, não adoptou os seus conselhos, tirou daí todos os inconvenientes que reconhecemos, e, apesar de tudo, o Sr. Deputado consegue esta coisa fantástica: elogia a política cambial que se pratica, finalmente, nos últimos meses, vai descer também as taxas de juro, não vai fazer subir tanto o défice, vai ter mais despesa e vai conseguir diminuir a receita.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Tudo ao mesmo tempo!

O Orador. - É a tal miragem! Miragem que, num aspecto, Sr. Deputado António Guterres, tem os seus perigos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É que V. Ex.ª referiu o problema do desemprego de uma forma que me parece perigosa.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - 0 que o Sr. Deputado disse relativamente ao desemprego faz-me lembrar a resposta dada pelo Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, aqui há uns anos, na Assembleia, quando o Governo se gabava desse índice como sendo uma das suas coroas de glória.
À pergunta "Então e a reestruturação da nossa economia?", o Sr. Ministro respondeu-me: "Seja como for, a cultura do nosso povo não se compadece com o desemprego", ao que retorqui que seria bom preparamo-nos para índices e taxas altas de desemprego, porque a reestruturação ainda não tinha começado, o que só agora começava a acontecer, dramaticamente, sob a luz intensa dos focos da crise.
Falar do desemprego de uma forma - e, Sr. Deputado, desculpe - que tem algum toque de leviandade, que dá a

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entender que há soluções ou receitas mágicas para esse problema, é perigoso!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, vamos ter de habituar-nos a conviver com uma taxa de desemprego cada vez mais alta, porque ainda não reestruturámos a nossa economia, quando já o devíamos ter feito. É bom que o Sr. Deputado António Guterres não deixe de se pronunciar sobre isto.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António
Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nogueira de Brito, devo dizer-lhe que tenho pena de não o ver sentado na bancada do Governo, porque é a única pessoa que, nesta Câmara, tem podido teorizar o que seria uma política coerente a assumir por um governo com esta natureza política. Ora, como, infelizmente, não tem estado no Governo, ele tem ziguezagueado, não tem tida uma orientação.
Devo, no entanto, dizer-lhe que tenho por si o apreço de um adversário político, que respeito, mesmo sabendo que as suas ideias são diferentes das minhas, porque têm uma coerência e uma lógica internas extremamente apreciáveis.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E digo-lhe isto com total sinceridade! Quanto à dissolução da Assembleia da República, devo dizer-lhe, sinceramente, que, a meu ver, o PS é, neste momento, o maior factor de serenidade existente em Portugal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Toda a gente fala da dissolução da Assembleia, mas o PS tem mantido um discurso coerente e permanente. E se hoje me referi a este ponto foi apenas pela agitação que o Governo faz desse fantasma.
A dissolução da Assembleia da República destina-se a resolver uma crise política e social grave; é da competência do Sr. Presidente da República e, portanto, não compete ao PS estar a exigi-la.
Ao Sr. Presidente da República competirá exercer esse poder, se entender que ele se justifica e o PS, pelo seu lado, confia nele, seja qual for a posição tomada.
Todavia, há uma coisa e que dizemos: não é o facto de o PS ganhar as eleições autárquicas que o levará a exigir a dissolução.

Vozes do PSD: - Se ganharem!...

O Orador:- Com certeza, não tenham dúvidas! Não temos triunfalismos!

Vozes do PSD: - Ah!

O Orador: - Não temos!

Vozes do PSD: - Não! Não!...

O Orador: - O que eu disse agora, e direi a seguir às eleições, é que não é o facto de ganharmos as eleições autárquicas que nos levará a pedir a dissolução da Assembleia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Nesta matéria, ao contrário do actual Primeiro-Ministro, terei uma posição coerente do princípio ao fim.

Aplausos do PS.

Vamos analisar as diferenças.
O quadro orçamental apresentado tem fortes limitações, como o Sr. Deputado sabe, porque o descalabro na cobrança das receitas criou um problema de margem de manobra neste Orçamento.
As diferenças não se explicitam no quadro da discussão restrita do Orçamento mas, sim, no quadro de uma discussão mais ampla não apenas da política económica a curto prazo como também da própria estratégia do desenvolvimento.
Apesar de tudo, houve diferenças que o Sr. Deputado omitiu e percebo que tenha feito, nomeadamente na que toca à natureza do sistema fiscal, porque essa não lhe convém.
A nossa grande diferença, não só com o Governo mas também consigo, é o facto de entendermos que o mal do IRS é ser um imposto único sobre os rendimentos do trabalho. Aliás, o mal do nosso sistema fiscal é penalizar só os rendimentos do trabalho.
Portanto, compreendo que não lhe convenha referir essa diferença, porque, para si, é assim que está bem. Para nós, não está bem, pois importa que todos os rendimentos sejam tratados da mesma maneira.

Aplausos do PS.

Por outro lado, tive o cuidado de dizer que não faríamos miragens, pelo que não apresentaremos propostas que conduzam à alteração significativa deste défice. Não o faremos, porque não só entendemos que a margem de manobra é, neste momento, muito limitada como também, face à total ausência de previsões credíveis, é preciso ser prudente. Logo, não entraremos pela linha da miragem, fazemo-lo conscientemente.
Relativamente ao desemprego, há uma frase sua que é fatal: temos de nos habituar a conviver com uma taxa de desemprego elevada.
Poderemos vir a ter uma taxa de desemprego elevada, mas nunca a resignar-nos a conviver com ela!

Aplausos do PS.

Esta é uma diferença decisiva.
O problema do emprego tem de ser visto numa perspectiva complexa e ampla, porque é preciso que o País possa resolver um triângulo: o vértice da competitividade externa da sua economia, o do emprego e o da reforma do Estado providência e das políticas de protecção social.
Temos de encontrar uma solução global para estes três problemas, que não é fácil, que está a ser discutida em toda á Europa, e posso até adiantar que, neste momento, no Partido Social Europeu, estamos precisamente a debater, de forma aprofundada, este tema. A solução não é fácil, mas é essencial, do nosso ponto de vista.
Poderá haver crescimento sem aumento do emprego e este é o drama maior enfrentado pelas sociedades europeias, por isso temos de encontrar imaginação para medidas de outro tipo. Foi por isto que falei da criação de um mercado social de emprego, que considero indispensável para amortecer os nossos níveis de desemprego nos próximos anos.
O Governo, ontem, aproximou-se desse conceito, embora tenha ficado muito aquém, pois ficou, sobretudo, na

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gestão do desemprego. É preciso ir mais longe nesse domínio e mobilizar o Estado e a sociedade civil para a satisfação das necessidades sociais e ambientais.
Pela mesma razão, tenho dito também que é necessário ter outros instrumentos de protecção social, como o rendimento mínimo garantido. 15to é a prova de que sei que vai haver problemas de desemprego em Portugal.
Uma outra questão fundamental, que hoje se discute em toda a Europa, mas que é muito difícil em Portugal, é a da redução do tempo de trabalho.

O Sr. Presidente: - Peço-lhe que conclua, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Este é um tema extremamente sério, porque uma redução drástica do tempo de trabalho, como, porventura, será necessária em certos países para resolver mais facilmente o problema do desemprego, não seria compatível, em termos de competitividade das economias, sem uma redução dos rendimentos.
Agora, o que, do ponto de vista humano, é praticamente impossível é chegar a um operário têxtil que ganha cerca de cinquenta contos por mês e dizer-lhe: "Você quer reduzir um quarto do seu vencimento para reduzir o seu tempo de trabalho?" Portugal tem aqui uma dificuldade que, porventura, outros países da Europa não terão.
0 problema é complexo, exige uma conjugação de medidas e uma estratégia de modernização e o drama é que ela não foi feita quando havia recursos e condições para isso.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas nós, Sr. Deputado, não nos resignaremos a conviver com o desemprego!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, vamos suspender os nossos trabalhos para o almoço e retomá-los-emos às 15 horas e 20 minutos.
Está suspensa a sessão.

Eram 13 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 16 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em sede de debate na generalidade, criticamos o Orçamento do Estado para 1994 basicamente pelas seguintes razões: na essência, porque o Orçamento que nos é proposto é de uma forma inadequada restritivo face à situação recessiva em que se encontra mergulhada a economia portuguesa e às suas nefastas consequências sociais fio âmbito do desemprego, dos níveis salariais e da pobreza; porque a propaganda orçamental do Governo assenta na mentira sobre os efeitos das alterações do IRS no rendimento real disponível das famílias; porque o Orçamento reincide no sacrifício do sector estratégico da educação e da capacidade de investimento das autarquias locais e porque o Orçamento e as
Grandes Opções do Plano não têm credibilidade, quer no que respeita ao cenário macro-económico que apresentam, quer no que concerne a múltiplas projecções orçamentais.
Srs. Deputados, o descrédito das projecções macro-económicas do Governo não é de hoje, mas atingiu um patamar dificilmente ultrapassável no ano de 1993. Exigir-se-ia, pois, que o Governo apresentasse para o próximo ano projecções económicas mais próximas da realidade e procurasse evitar a repetição dos erros crassos de 1993. Mas a estulta arrogância do Governo e a teimosia do Primeiro-Ministro empurra-os numa autêntica fuga para a frente na espiral do desvario e do irrealismo.
0 desvario governamental é particularmente evidente na projecção da evolução do consumo privado. 0 Governo promove activamente e projecta, na hipótese mais optimista, uma evolução real nula dos rendimentos salariais e das pensões e reformas, a diminuição do emprego e o aumento do desemprego. Promove a quebra dos rendimentos dos agricultores. Admite a redução dos juros dos depósitos bancários. Em simultâneo, e sem sequer se preocupar em o justificar minimamente, o Governo projecta uma aceleração do consumo privado no próximo ano.
É, Srs. Deputados, a "lógica da batata" a substituir-se à lógica da razão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - No âmbito do investimento, o engano voluntariamente assumido assenta na mentira que o Governo tenta esconder com a falta de transparência e com a manipulação. Mas o Governo confronta-se com um grande "berbicacho": é que- não consegue demonstrar o alegado crescimento real de 15 % no investimento público!
A afirmação do Governo tem por única base de sustentação a alteração da forma de inscrição orçamental do investimento público. Esta alteração da inscrição orçamental, na forma como é apresentada, visa criar um pântano de confusão. De tal modo que os mapas do relatório do Ministério das Finanças e os valores apresentados por diversos ministérios sectoriais divergem substancialmente dos mapas e das justificações do Ministério do Planeamento.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Falso!

O Orador: - De tal forma que a previsão da execução do PIDDAC em 1993, na parcela concernente ao Capítulo 50, apresenta uma verba superior à orçamentada no mesmo capítulo para 1994. Mas existem elementos oficiais que permitem ultrapassar o lodaçal da confusão da inscrição orçamental e comparar o investimento total do designado "PIDDAC alargado".
E aí não parece restarem dúvidas: o investimento público total previsto para 1993 era de 839 milhões de contos e o projectado para 1994 atinge os 873 milhões de contos. Exactamente mais 4 % em termos nominais, tão só e apenas!
E porque as projecções do consumo privado e do investimento não têm qualquer crédito, também o descrédito é total em relação ao crescimento de 2 % do Produto Interno Bruto. Como igualmente não se apresenta com credibilidade a anunciada taxa de inflação para 1994.
Aliás, esta previsão da inflação contraria a argumentação e acção política do Governo nos últimos três anos. 0 Governo apostou na revalorização real do escudo com o objectivo expresso de baixar a taxa de inflação. E agora, que pela força das realidades foi obrigado a aceitar que o escudo se, desvalorizasse cerca de 10 % nos últimos me

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ses, escamoteia que essa desvalorização terá necessariamente efeitos na taxa de inflação durante 1994!
De igual modo carece de credibilidade a projecção da evolução económica a médio prazo prevista no «Programa de Convergência Recauchuta Io»! A ausência de credibilidade a que me reporto nesta sede não se coloca tanto no âmbito do modelo económico - que como qualquer outro modelo teórico, será sempre muito discutível. A questão que agora importa é que, como os próprios autores fazem questão de salientar expressamente, e cito, «o modelo toma exogenamente, em cada ano, a taxa de juro, a taxa de câmbio e a taxa de crescimento dos salários, o que o torne particularmente sensível à aderência e razoabilidade das hipóteses feitas», fim de citação.
E é nessa aderência que se coloca fundamentalmente a falta de credibilidade de novo Programa de Convergência, pois aquelas variáveis exógenas foram fixadas pelo Ministério das Finanças de forma irrazoável.
Srs. Deputados, a comprovada e reiterada falta de credibilidade das projecções económica apresentadas básicas e essenciais da evolução pelo Governo, minam de forma irreversível a credibilidade do Orçamento do Estado para 1994 - como se confirmará com um futuro e inevitável Orçamento Suplementar - e espelham uma vez mais o completo descrédito do Governo e da sua política económica.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No âmbito da fiscalidade, o Governo foi obrigado a fazer uma travagem na usual torrente de acréscimo dos benefícios fiscais concedidos às grandes empresas e grupos económicos e a algumas operações financeiras e especulativas.
Durante anos o Governo foi falseando nos Orçamentos as previsões da receita perdida por efeito desses benefícios, recusando mesmo a evidência dos valores efectivos apresentados pelo Grupo Parlamentar do PCP.
E a realidade aí está a desmentir categoricamente aquilo que o Governo durante anos escreveu nos Orçamentos apresentados a esta Assembleia. Um exemplo por todos: nos Orçamentos de 1991 a 1993 o Governo afirmava que os benefícios fiscais em IRC não iriam além de um valor acumulado de 56 milhões de contos. Hoje, esse mesmo Governo vem dizer-nos que afinal o valor global desses benefícios, repito, só em IRC, atingiu os 190 milhões de contos! Quase quatro vezes mais! Trata-se do uso reiterado da mentira como instrumento de política orçamental.

Aplausos do PCP.

Neste quadro, temos para nós como injustificável que o próprio Governo se apresente nesta Assembleia a propor que os benefícios fiscais em 1994 atinjam ainda os 103 milhões de contos!
Do mesmo modo que consideramos inaceitável que no âmbito da apresentação e debate orçamental o Governo não apresente medidas efectivas de combate sério às crescentes evasão e fraude fiscais.
O caso recente e actual das «facturas falsas» - cuja dimensão efectiva está longe de ser conhecida e cujo processo de investigação exigimos, sem margem para qualquer dúvida ou hesitação, seja celeremente aprofundado, alargado e levado até às suas últimas consequências é apenas um exemplo da quase ausência de fiscalização por parte da Administração Fiscal.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É inaceitável que o Governo não tenha preparado, de acordo com as necessidades, a Direcção-Geral das Alfândegas para o controlo adequado das trocas comerciais na sua vertente fiscal.
Igualmente irresponsável é o facto de o Governo ter permitido o agravamento profundo da «desorganização e do caos que se regista na Direcção-Geral das Contribuições e Impostos».
Sejamos claros: a brutal quebra das receitas fiscais não tem a ver, apenas, com a recessão económica. Ela é, igualmente, da responsabilidade do Governo que até hoje não mostrou efectiva vontade política para promover as necessárias acções tendentes a dotar o País com uma Administração Fiscal actuante e eficaz.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas, Srs. Deputados, este ano o mote propagandístico do Governo em torno da fiscalidade é o de que a actualização dos escalões do IRS em 8 %, acima da taxa de inflação esperada, «permite um aumento do rendimento real disponível das famílias em 1994 em cerca de l %».
A verdade, por nós demonstrada, é que mesmo admitindo as hipóteses do Governo para a evolução das remunerações, a inflação e os parâmetros que propõe para o IRS, e tomando como exemplo um casal com um filho para rendimentos mensais entre os 96 e os 1000 contos, em nenhum caso (em nenhum caso!) se verifica um aumento real de l % . Nem nada que se pareça!

Vozes do PCP: - Ora aí está!

O Orador: - Mais do que isso! Para as famílias com rendimentos mensais até aos 200 contos, isto é, para mais de metade das famílias, portuguesas, o efeito induzido pela actualização dos escalões em 8 % é, exactamente, igual a zero!
Chame-se a coisa pelo nome: a afirmação do Governo do aumento do rendimento real familiar de l % é uma fraude!

Aplausos do PCP.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, no âmbito da despesa, o Orçamento de Estado para 1994 é manifestamente inadequado face ao ciclo recessivo que a economia portuguesa atravessa e às. necessidades de investimento material e humano de que o País carece.
Nas actuais circunstâncias, o Orçamento para 1994 é um orçamento restritivo que não se propõe combater a recessão mas antes prolongá-la.
É errado que no contexto de uma recessão o Governo orçamente despesas de investimento da Administração Central, incluindo os fundos comunitários, que, como já anteriormente demonstrei, não aumentam em termos reais.
É inaceitável que o Governo reduza em termos reais as transferências orçamentais a que as autarquias locais têm legalmente direito, impedindo-as de aumentarem os seus próprios investimentos que contribuiriam para combater a recessão e pondo mesmo em risco a sua capacidade de acesso aos novos fundos comunitários.
Releva de profunda cegueira política, e é contrário aos interesses a longo prazo, que o Orçamento para 1994 promova um cone real nas despesas com a educação que são, inegavelmente, despesas de investimento, também do ponto de vista económico, porque essenciais para acrescer a capacidade quantitativa e qualitativa de produção no futuro.
Só que a orientação restritiva das despesas orçamentais coloca-se a um nível mais global. É evidente que a política

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orçamental não pode pretender compensar todas a quebras da procura privada. Mas, num contexto de crise económica, exige-se que as despesas orçamentais evitem que a recessão se agrave e permitam sustentar a actividade económica e um crescimento positivo do Produto.
Aliás, e como já hoje o recordei, não há muito, o Primeiro-Ministro declarava numa entrevista televisiva que era defensor do aumento das despesas orçamentais numa situação de crise, e que ele próprio teria exortado os seus homólogos comunitários a fazerem o mesmo.
A questão que directamente coloco ao Sr. Primeiro-Ministro é esta: porque não faz aquilo que disse defender?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Económica, social e politicamente, é indefensável que o Governo tenha projectado um plafond de despesas orçamentais para 1994 de 3100 milhões de contos quando previa que nesse ano a actividade económica se expandisse a uma taxa superior a 3 %, e que, teimosa e erradamente, mantenha esse mesmo nível global de despesas quando o optimista quadro previsto deu lugar a uma profunda crise económica.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - E, Srs. Deputados do PSD, não argumentem com a dimensão do défice orçamental. No quadro da seriedade que um debate orçamental exige, e mesmo no contexto da política económica que VV. Ex.ªs defendem, espero que pelo menos alguns de entre vós sejam capazes de distinguir entre os aspectos estruturais - e o papel conjuntural da política orçamental.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Orçamento de Estado para 1994 é o reflexo da imagem actual do Governo e do PSD.
A inadequação do Orçamento à situação económica e social é directamente proporcional à demonstrada incapacidade do Governo para fazer frente aos mais graves e profundos problemas que se colocam à sociedade portuguesa, à sua impotência para vencer as dificuldades de hoje e preparar um futuro melhor.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador:- As contradições que este Orçamento apresenta relativamente aos anteriores orçamentos do mesmo Primeiro-Ministro são uma imagem da desorientação e insegurança que atingem o Governo, o Primeiro-Ministro e o PSD.
A frieza com que os Deputados do PSD receberam esta manhã a baça defesa que o próprio Ministro das Finanças fez do Orçamento, é um sinal evidente da descrença e dos receios que hoje atravessam e afligem o PSD e o Governo.
Tal como o País merece um outro Governo a situação económica e social exigia um orçamento substancialmente diferente e de cariz expansionista que potenciasse a saída da crise.
E por isso, e com a mesma convicção com que combatemos o Governo, rejeitaremos este orçamento economicamente restritivo e socialmente injusto!

Aplausos do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, V. Ex.ª na apreciação que faz do Orçamento de Estado para 1994 comete, quanto a mim, dois pecados. Um primeiro pecado é um pecado rigorosamente igual àquele que já cometeu no ano passado. Ou seja, vem aqui pedir mais défice público - e hoje pede-o realmente dizendo que o Orçamento é restritivo, dizendo que tínhamos de reforçar as verbas para a educação,...

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ... dizendo que tínhamos de reforçar as verbas para o Fundo de Equilíbrio Financeiro,...

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ... dizendo que devíamos aumentar o rendimento disponível dos portugueses, por via de redução dos impostos.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Portanto, desta vez o Partido Comunista assume: "0 défice é pouco, tinha de haver mais défice!" É bom que isto fique claro, que é para mais tarde não vir dizer rigorosamente o contrário.
Mas o que também é curioso, Sr. Deputado, neste raciocínio e neste primeiro pecado, é que V. Ex.ª também ataca o objectivo inflação. Quer dizer, diz que a inflação, que era a primeira prioridade do Governo, neste momento, está a disparar. Mas a inflação não está a disparar, a inflação, quando muito, poderá decrescer menos ou a uma velocidade mais reduzida do que aquela com que tem sido reduzida até à data. Quando muito acontecerá isso, agora, disparar não dispara!
Só que V. Ex.ª ataca o défice. Pensa que devia haver mais défice. Inclusive, o Partido Comunista durante muito tempo veio sempre dizendo que o escudo devia desvalorizar e agora vem dizer que a inflação dispara por precisamente ter acontecido aquilo que o Partido Comunista diz há muito que devia acontecer!
Quanto ao segundo pecado, esse, parece-me o maior. 0 que V. Ex.ª faz, Sr. Deputado, tem a ver com o pecado do esquecimento. Ou seja, o Partido Comunista lê uma parte do Orçamento, e lê mal, e esquece-se de referenciar outros aspectos importantes deste Orçamento do Estado. V. Ex.ª não referencia, por exemplo, que há um claro aumento das prestações sociais, das pensões da reforma acima de 6 %, bem acima da inflação.

Vozes do PCP: - Essa é boa!

O Orador: - Esquece-se de referenciar este aspecto e que também está relacionado com o défice, nomeadamente na conta da segurança social.
Vem aqui criticar a actualização dos escalões do IRS em 8 %, que acha pouco, quando não tem credibilidade nenhuma para isso. Ainda em 1992 veio dizer que a carga fiscal ia aumentar e enganou-se redondamente. Pergunto: que credibilidade tem o Partido Comunista para nesta matéria vir dizer que a redução dos escalões do IRS é curta!?
Quando critica a política de rendimentos do Governo, V. Ex.ª esquece-se de dizer que os salários reais dos por-

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tugueses têm subido sistematicamente todos os anos, esquece-se disso!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quando critica a política da despesa também se esquece de dizer, por exemplo, que o tecto da despesa está fixado, que um compromisso que temos com
a Comunidade, que tem cumprir. V. Ex.ª esquece V. Ex.ª esquece-se de referir, por exemplo, que os juros da dívida pública vão ter uma queda de 13,5 % nominais
portanto, 18,5 % (pelo menos) em termos reais.

O Sr. Lino de Carvalho(PCP): - Por alguma razão foi para vogal da Caixa Geral
de Depósitos!

O Orador: - Esquece-se também de referenciar esse aspecto.
E quando fala da inflação esquece-se que esta ainda há pouco tempo estava em 30 %, que hoje estamos a discutir a inflação na casa dos 6 % e para o ano vamos discutir a inflação na casa dos 5 %.

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Coloco-lhe uma pergunta muito concreta, Sr. Deputado. O Partido Comunista critica este Orçamento do Estado porque diz que não resolve a situação económica do País, antes acompanha a crise, na versão do Partido Comunista. A minha pergunta é simplesmente esta: qual a solução miraculosa que VV. Ex.ªs têêm? O que é que este Orçamento não tem e devia ter para, pura e simplesmente resolvermos o problema económico de Portugal neste momento?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Ferro Rodrigues(PS): - Outro Governo!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio
Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Rui Rio, há um grave problema quando se trazem as perguntas feitas: é que não se consegue ouvir aquilo que se diz!

Risos do PCP.

Vamos aos pecados. Eu assumi, Sr. Deputado Rui Rio, assumi e assumo: nas
circunstâncias actuais do País não é o problema do défice orçamental a questão principal. A questão principal é a crise! E é preciso que o Orçamento corresponda, não para resolver a situação económica, mas para potenciar a saída da crise. Referi-o mais do que uma vez e mantenho-o, é absolutamente necessário. Aliás, estava convencido que o Sr. Primeiro-Ministro também já tinha apelado para isso, mas afinal, como há pouco disse, ele afirma uma coisa e depois faz outra!
Quanto à questão da redução dos impostos, Sr. Deputado, devo dizer-lhe que não a coloquei, está enganado. Trazia a pergunta feita! O que critiquei e critico é a propaganda feita pelo Governo e pelo Sr. Primeiro-Ministro de que a alteração dos escalo 55 em 8 % no IRS promovem um aumento do rendimento real disponível das famílias de l %. Isso é totalmente falso

Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!

O Orador: - Repito-o mais uma vez.
E nesta sede foi a única questão que referi sobre esse problema. Teremos outras coisas a ver na discussão em especialidade, mas essa é uma questão central da propaganda deste Orçamento que convém ser desmentida. E é desmentida.
Aliás, vou mandar também distribuir uma fotocópia do estudo feito, tal como ao Sr. Ministro!
Sobre as pensões sociais e os rendimentos salariais, o Sr. Deputado Rui Rio diz que os salários reais têm aumentado nos últimos anos. Em termos médios têm aumentado, Sr. Deputado, não tenho dúvidas. Por uma razão: porque os plafonds, as metas estabelecidas pelo Governo, não têm sido cumpridas, tendo sido «furadas» pela luta dos trabalhadores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Porque quando o Sr. Deputado chama à colação as pensões sociais que foram agora decretadas, quando a pensão que mais aumentos sofreu, sofreu um aumento de 6 %, eu, então, pergunto: este é algum aumento em relação à inflação esperada?!
E aqui vamos entrar na questão da inflação: nós não falámos do problema da inflação; é preciso perceber - e esta é uma questão que será preciso ter consciente - que, se o Governo utilizou a revalorização do escudo para fazer baixar a taxa de inflação, como o disse expressamente durante vários anos, é lógico e natural, e o Governo sabe-o perfeitamente, que, havendo desvalorização como houve este ano, esta terá necessariamente de se reflectir na inflação! Por conseguinte, não pode haver um abaixamento da inflação como aquele que o Governo propõe. Isso é totalmente irrealista!.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Rui Rio, quanto à sua última questão, quero dizer-lhe, como o referi há pouco, que nós não pretendemos resolver os problemas do País com este Orçamento. Queremos, sim, resolvê-los com outro governo. Isso é um facto.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - E, Sr. Deputado, com as questões que V. Ex.ª coloca e a forma como as coloca, sem conhecer aquilo de que está a tratar, não há dúvida de que foi bem escolhido pelo Ministro das Finanças para vogal do Conselho de Fiscalização da Caixa Geral de Depósitos! Ganhou o lugar!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Quando há poucas semanas tivemos ocasião de discutir e votar uma alteração orçamental, que ficou conhecida por Orçamento Suplementar para 1993, concluiu-se pela ausência de uma alternativa credível à política económica do Governo, em geral, e à política financeira, em especial. A

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oposição, como vem sendo habitual, apenas se limitou à "chicana" e à mera retórica do "bota abaixo".

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - É verdade!

O Orador: - Nessa ocasião, o Governo e o Grupo Parlamentar do PSD lançaram reptos à oposição - e falo no singular, dado o conúbio mais ou menos espúrio e nervoso a que se vai assistindo nos vários partidos da oposição quanto às questões económicas, renegando amiúde as suas bases de apoio e suas ideologias - para que esta apresentasse, se fosse caso disso, alternativas coerentes que pudessem ser contrapostas às contidas no Orçamento do Estado de 1993. Mas nada apareceu do lado da oposição.
Recordo que 1993 foi o terceiro ano da mais profunda crise económica internacional desde a II Guerra Mundial, com quebras enormes nas receitas fiscais em quase todos os países europeus. Ao contrário do que sucedeu noutros Estados, onde ou se agravavam as taxas ou se lançaram impostos extraordinários ou se reduziram prestações sociais, o Governo português deixou aumentar pontualmente o défice do Produto Interno Bruto - situação, aliás, excepcional nos últimos 8 anos -, deixando assim funcionar os estabilizadores automáticos anti-recessão contidos nos encargos com a Previdência (caso típico, do subsídio de desemprego), mas sem deixar ultrapassar o limite das despesas do Estado, conforme se comprometeu no Programa de Convergência com a Comunidade, aprovado em Bruxelas, com grandes elogios das instâncias comunitárias.
Foi a resposta correcta e indispensável para amortecer, ao máximo, os tremendos efeitos da crise internacional sobre o nosso país. E essa indispensabilidade até foi reconhecida por instituições estrangeiras e por personalidades da oposição, como o Dr. Vitor Constâncio, a fazer fé no que veio transcrito na imprensa.
Entretanto, o Governo preparou o Orçamento do Estado para 1994 e as Grandes Opções do Plano, agora em debate, num quadro de médio prazo, sem demagogia, sem temer medidas menos populares, nem esconder dificuldades na "gaveta", moralizando as relações entre alguns contribuintes e o Estado, enfim, lançando acções inspectivas - sublinho este aspecto - muito fortes contra a evasão e a fraude fiscal: Disse isto vai para três semanas aqui e reafirmo-o com toda a convicção.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É evidente que se mantém ainda uma certa imprevisibilidade quanto à recuperação da economia internacional, quer a nível mundial quer a nível europeu, embora as dúvidas sejam hoje menores do que as verificadas em 199211993. E isto porquê? Porque surgem sinais de retoma, mais ou menos firmes, nas "economias-locomotiva", como a americana e a japonesa, ou em economias europeias nossas grandes clientes, como a britânica e a alemã, esta a grande força motriz da economia comunitária, e mesmo a italiana.
Mas, atenção: os sinais de retoma ainda não afastam vários riscos para a confiança dos agentes económicos e parceiros sociais por esta Europa fora, que têm a ver com o atraso das negociações com o GATT, com a derrapagem dos défices; orçamentais, com a instabilidade do mecanismo cambial do SME, com o alastrar do desemprego, que já ultrapassou na CEE os 11 %, e com a perda de competitividade de muitas empresas europeias motivada pela concorrência desleal aatravés dos chamados fenómeno de "dumping social" mais ou menos encobertos que lhes movem os chamados "dragões asiáticos" e a instabilidade social e de segurança interna no Leste europeu.
São riscos que a Europa não eliminou e merece, pelo menos, um sorriso de ironia aquela afirmação do Secretário-Geral do PS, ainda este fim-de-semana em Évora, em que este diz - e cito: "0 governo deixa de ter desculpas porque a crise na Europa já passou o pior momento e esta era a única desculpa que o Governo Português tinha". Pelo menos, o Secretário-Geral do PS acabou por declarar que, afinal, a crise internacional estava a afectar os resultados da nossa economia! Mas, com franqueza, avançar com essa proposta como se houvesse uma "varinha mágica" que, de um momento para o outro, tudo resolvesse é, de facto, exagerado - vá dizer isso nas reuniões da Internacional Socialista e logo vê a resposta dos seus camaradas.
Mas voltemos ao que mais nos interessa: olhar o futuro da economia portuguesa e as opções que se tomam como as mais correctas, nesta transição histórica de Portugal para a Comunidade das nações mais desenvolvidas. E essas opções encontram-se implícita ou expressamente incluídas nas GOP e no Orçamento do Estado para 1994, como já o estavam no Plano de Desenvolvimento Regional e no Programa de Convergência revisto. Este PDR, que a oposição gosta de desmerecer mas que sempre se recusou a avaliar, quantitativa e objectivamente, como bem se sabe ainda na semana passada assistimos aqui a mais um episódio desses quando o presidente do Grupo Parlamentar do PSD fez uma proposta nesse sentido!
Sr. Presidente, Srs. Deputados, não é demais repetir quanto nós congratulamos com esta preocupação do Governo em não se limitar à gestão "do ano seguinte" e, antes, marcar o novo ciclo de desenvolvimento económico e social do país com a definição bem clara dos principais objectivos, instrumentos e medidas com que se pretende enquadrar e executar a estratégia de crescimento sustentado até ao final do século XX, tanto na vertente macro como nas vertentes social e regional. Que diferença "para a exclusiva navegação à vista" de outros tempos e de outras terras)! E até na chamada "iniciativa comunitária para o emprego e a competitividade", o Governo português foi dos primeiros a enviar o seu contributo depois de o ter debatido amplamente com os parceiros sociais, o que foi elogiado nas instâncias e organismos europeus e internacionais.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - "Preparar Portugal para o novo contexto europeu", "preparar Portugal para a competição numa economia global" e "preparar Portugal para uma vida de mais qualidade" são três opções que o Governo aposta em cumprir, para isso propondo variados programas e projectos, que vão da cultura às relações externas, das ciências e tecnologia à formação, dos transportes e comunicações à agricultura e floresta, do comércio à juventude e desporto, da saúde à protecção social e do combate à exclusão social à renovação urbana e promoção habitacional, entre tantos e tantos sectores e actividades.
Mantêm-se os três pilares da política económica: o controlo orçamental, as políticas estruturais e financeiras e a concertação social. E, quanto a este último, a concertação social, pilar fundamental, não foi possível atingir acordo neste final do ano de 1993, não obstante os denotados esforços do Governo e de alguns parceiros sociais para o obter.
Foi pena, porque, numa conjuntura de crescimento de desemprego, em especial quanto a desemprego de longa

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duração, e de recessão social económica internacional, o acordo social logicamente, fácil entre criar mais postos facilitaria um equilíbrio menos oneroso entre criar postos de trabalho, mais poder de compra
e mais competitividade - isso vem nos manuais de política de rendimentos e preços solidariedade e a co-responsabilização fariam com que empresas e os sectores mais variáveis pudessem ajudar as empresas e os sectores recuperáveis a fazê-lo mais rapidamente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Esperemos agora que empregadores e trabalhadores tenham em cada sector e em cada unidade produtiva a lembrança disso mesmo, para que ainda não se agravem mais as «chagas do desemprego, dos salários em atraso e da exclusão social, a que o PS - e recordo este facto -, quando foi governo, só respondeu com paliativos que geraram mais desemprego mais salários em atraso e mais inflação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas, se isso acontecer - esperamos sinceramente o contrário -, haverá gente nas bancadas da oposição que ficará com muitos remorsos, se tiverem consciência do que não fizeram quanto a haver acordo social para 1994.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Isto, repito, se tiver consciência mínima da importância dos acordos sociais no combate ao desemprego.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: As metas do- Programa de Convergência, para o qual o Orçamento do Estado para 1994 é contributo essencial são exequíveis, como o demonstrou esta manhã o Sr. Ministro das Finanças, porque a política orçamental, quer do lado das receitas, em que se destaca a actualização dos escalões do IRS a um nível muito superior ao da inflação - e o Sr. Deputado Octávio Teixeira voltou a enganar-se nas contas -, como do lado das despesas, onde se destacam ai verbas afectas aos investimentos em infra-estruturas, na educação, na justiça e - na melhoria ambiental, são, de facto, volumosas.
Porque o que está em jogo, Srs. Deputados, é a oportunidade única e talvez não repetida na próxima década de utilizarmos essa grande vitória dos negociadores portugueses nas instâncias com anilarias que dá pelo nome de «duplicação de fundos».
Também é bom sublinhar, face «à poeira para os olhos» que ainda hoje de manhã o PS lançou, que a educação, interligada com a formação, é uma grande prioridade do Governo, agora, não na variação do volume de verbas, mas, antes e muito bem, na qualidade do ensino. Aliás, foi o Governo português quem primeiro conseguiu convencer Bruxelas de que o Fundo Social Europeu seria muito melhor aproveitado se pudesse abranger o sector do ensino, como ficou claro no PRODEP. O apoio desses fundos ao sector produtivo, em especial à indústria e ao comércio, também movimenta verbas avultadíssimas, como reflexo da seriedade e da capacidade 1º Quadro Comunitário de Apoio, entre outros, e o PEDIP.
A sociedade civil, em geral e as empresas portuguesas mais dinâmicas têm mais uma oportunidade para mostrar que não desmerecem no confronto europeu e que estão em condições de recuperar atrasos de décadas.
Porque os empresários com iniciativa dispõem de um quadro de orientações políticas e sectoriais bem claro e, se alguns se zangam momentaneamente com a redução de alguns benefícios fiscais já desajustados, acabam por compreender- como o fizeram em 1989, quando se revogou a «selva» de décadas de benefícios e de incentivos fiscais então substituída pelo primeiro quadro coerente de estatuto de benefícios fiscais - que, só assim, o Governo e o Parlamento poderão reduzir, gradual e significativamente, as taxas do IRC e demais tributações sobre as empresas. A isto o PS só apresenta criticas e enuncia objectivos gerais ou criticas sem qualquer sustentação técnica do género «é preciso acabar com o desemprego», confundindo-os com as políticas para as obter.
Não há nada pior, Sr. Presidente, Srs. Deputados, para quem tenha que decidir investir, poupar, contratar ou empregar, do que ver os responsáveis políticos, sem consciência de Estado, ou hesitar ou prometer tudo o que julgam ser agradável para os interlocutores da ocasião.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Dei, hoje de manhã, exemplos do que é essa falta de consciência e de seriedade política do PS, que, afinal de contas, só mostra irresponsabilidade ou insensatez para gerir os destinos do país. Outra demonstração foi a de o Secretário-Geral do PS ter atribuído ao Governo ou ao Banco de Portugal - não tenho a certeza - uma política de «escudo forte». Repito: o Governo nunca defendeu uma política de escudo forte mas, antes e muito bem, a estabilidade cambial no Sistema Monetário Europeu.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas, como dizia, o Secretário-Geral do PS e outros responsáveis do PS, defenderam mesmo, com uma arrepiante ligeireza para quem se auto-proclama como alternativa de governo, a desvalorização forte da divisa portuguesa, o que, em termos de anúncio prévio, é demonstrativa de não perceberem que já entrámos na CEE há oito anos e que, mesmo que não tivéssemos aderido, nunca se anuncia uma medida dessas - para exemplos infelizes, já bastou o que se passou no tempo do Dr. Salgueiro como Ministro das Finanças. Pois este fim-de-semana o ilustre porta-voz do PS para as Finanças vem afirmar expressamente que, caso fosse necessário, não se importaria de permitir a existência de instabilidade cambial. É fantástico! Ao mesmo tempo, o porta-voz do PS critica outro porta-voz do PS, o Engenheiro Cravinho, dizendo que a sua proposta para o mecanismo cambial no SME é inaplicável. Em que ficamos, Srs. Deputados do PS? Digam, concretamente, o que querem e como querem.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Isto para já não falar nos ataques que a oposição faz às estradas e auto-estradas e às redes de comunicações que ligam o litoral ao interior e este às redes europeias è portos de Lisboa e Porto, desconhecendo a importância que estas têm para diminuir as assimetrias regionais.

Aplausos do PSD.

Para o PS e seus dirigentes tudo se resumiria, em matéria de desenvolvimento regional, em criar estruturas ad-

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ministrativas, com todo o seu cortejo de burocracia e financiamentos adicionais para a manter. Felizmente que a globalização da economia ao nível mundial e a interdependência e coordenação das políticas económicas no âmbito do Tratado da União Europeia dificultam estes "despautérios" de política monetária, não sendo já possível voltar ao tempo em que Portugal era considerado um grande laboratório de experiências socialista-marxista-terceiro mundistas - estou a referir-me ao período de 1975 a 1979.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Felizmente que, nos momentos de decisão eleitoral, como em 1985, em 1987 e em 1991, os eleitores portugueses souberam distinguir os adeptos da "política de campanário" dos que sabem governar com coerência e coragem em democracia, no respeito pelos cidadãos e no conhecimento dos mecanismos económicos internacionais e internos.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não nos deixemos iludir pela demagogia fácil da oposição: porque o que está em causa e nos atormenta é dar emprego a quem o procura pela primeira vez ou a quem o perdeu e ainda é válido para trabalhar; porque o que nos preocupa e aflige é garantir protecção social e cuidados de saúde dignos a quem deles precisa e cujos proventos não são suficientes para
tal; porque é preciso fazer tudo o que for possível para garantir o poder de compra dos reformados, como ainda recentemente foi anunciado pelo Governo e não tem comparação em nenhum país da Comunidade Europeia na presente conjuntura; porque o que está em causa é não perder este valiosíssimo activo que é o de Portugal ser considerado um caso de sucesso de adesão à Comunidade Europeia e logo conseguir sair da crise tão logo ela comece a ceder nos Estados mais desenvolvidos e a recuperação singre.
0 Governo, com este Orçamento, demonstrou claramente que não está só preocupado com a convergência nominal. Nesse caso, teria apresentado um défice menor, cortando significativamente nas despesas de investimento, agradando, porventura, a responsáveis ou ex-responsáveis de bancos centrais, que têm perspectivas legítimas para a política financeira, mas que, logicamente, não serão sempre coincidentes com as do Governo, porque este tem mandato diferente. E acrescento apenas que, logo no primeiro ano de aplicação do novo Quadro Comunitário de Apoio, a verificar-se esse corte no investimento, seria, no mínimo, uma irresponsabilidade histórica que o PSD nunca assumiria.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E nunca assumiria, porque o que, afinal, está em causa é evitarmos atitudes como aquelas que Eça de Queirós descreve no "Crime do Padre Amaro", o que me veio à lembrança quando o Sr. Deputado Manuel Alegre falou aqui vai para uma semana: quando, encostados à Estátua de Bronze do Poeta, o estadista Ribamar, o Cónego Dias e o próprio Padre Amaro "gozavam de cabeça alta esta certeza gloriosa da grandeza do seu país, pátria para sempre passada, memória quase perdida".

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Leia a outra parte, Sr. Deputado!

O Orador: - Não renegamos a nossa História, que é gloriosa, mas temos outra que pode ser tanto ou mais digna, destruindo aquela sociologia do nosso país como um "Estado Europeu Periférico".
Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 PDR, o Orçamento do Estado e as GOP não são meros documentos tecnocráticos; eles encerram uma forte opção política de conjugar o crescimento económico com mais justiça social e maior solidariedade entre os centros mais desenvolvidos e as zonas mais pobres e carenciadas, em estabilidade social e com moderação no gradualismo das reformas, com ambição de querer sempre fazer melhor, o que é cada vez mais difícil. Mas vamos ser ambiciosos. 0 País merece continuar a progredir.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao próximo orador, peço ao Sr. Secretário o favor de ler o nome das escolas cujos alunos se encontram nas galerias a assistir aos trabalhos.

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Srs. Deputados, estão a assistir à reunião plenária um grupo de 70 alunos da Escola Secundária Henriques Nogueira, de Torres Vedras; um grupo de 20 alunos da Escola Secundária da Damaia; um grupo de 16 alunos do Curso Técnico de Contabilidade e Gestão do Centro de Emprego de Loures; um grupo de 50 alunos da Escola Secundária de Camões de Lisboa; um grupo de 50 alunos da Escola C+S de Aveiras de Cima; um grupo de 46 alunos da Escola Secundária de Josefa de Óbidos e um grupo de 40 alunos da Escola Profissional do ISEFOC de Lisboa.

O Sr. Presidente: - A todos os nossos cumprimentos.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Alguma comunicação social advertia hoje o País, de manhã cedo, que se iria passar aqui, a propósito do Orçamento do Estado para 1994, a costumada rixa entre Governo e oposição. 0 Governo diria que está tudo bem e que o Orçamento é bom; a oposição diria que está tudo mal e que o Orçamento é mau.
Cabe, justamente, à oposição - coisa que, valha a verdade e a justiça, tem sido feita ao longo deste dia - mostrar que não fala por falar, que, no seu entender, tem soluções melhores e quer bater-se pela exequibilidade dessas alternativas. Se há um tempo em que as alternativas da oposição são especialmente importantes, esse é seguramente este em que nos encontramos. 0 País tem de perceber que a oposição fala de uma crise que é séria, que propõe soluções alternativas também sérias e que está verdadeiramente empenhada em que a recuperação se faça de outra maneira, à sua maneira. Só assim os eleitores poderão comparar o que faz o Governo com o que fariam outros governos de outros partidos.
Chegou, mais uma vez, a altura de debatermos o Orçamento do Estado, este para 1994, que representa, em termos financeiros, uma opção de políticas sectoriais. Para nós, sem boas políticas não pode existir um bom Orçamento do Estado e a crise das finanças públicas portuguesas reflecte

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já bem o desajustamento as escolhas entre as necessidades do País e as escolhas do Governo. As opções tomadas pelo Governo encontram-se desajustadas e não respondem às necessidades do País.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Chegamos a este momento com a sensação de que o Governo não tem condições para, com credibilidade, mobilizar o País para a recuperação. Esta parece ser a primeira nota política deste debate, testemunhada e traduzida pela moderação e pela contenção com que as palavras têm sido empregues, sobretudo por parte do Governo.
Pela nossa parte, chegamos aqui com a sensação de que nem uma só reforma estrutural foi definitivamente adquirida para o País, nem uma só mudança qualitativa nos traz alguma esperança que se não reconduza à hoje muito falada e controversa gestão dos fundos comunitários.
O tecido produtivo, as várias áreas produtivas do País encontram-se em crise e o remédio do Governo parece ser, confessadamente, ode criar novos impostos, aumentar o défice, reduzir incentivos fiscais. De facto, se tivéssemos de sintetizar a proposta e o Governo, diríamos que ela assenta fundamentalmente em dois dados: na mudança brusca de política económica e na confissão do falhanço dos objectivos.
Na mudança brusca de política económica, porque mudaram claramente as prioridades. Mudou a forma como, no plano internacional ou no plano externo, o Governo encara a questão da convergência e mudou a forma como, internamente, encara a importância da luta contra a inflação e a função do sistema fiscal na promoção do crescimento.
E as medidas que propõe reconduzem-se também, simplesmente, a duas: por um lado, elevar a pressão fiscal até aos limites do sustentável e, por outro, gerir os fundos comunitários com a maio- dose de esperança que a ingenuidade puder trazer.
Poderá - pergunta o CDS - o que resta da economia portuguesa aguentar estes ajustamentos ou estes procedimentos e estas fórmulas propostas pelo Governo, a que se chama, pomposamente, reestruturação? Ou, afinal, a reestruturação para que. este Orçamento do Estado serve não é uma reestruturação da economia portuguesa nem das finanças públicas mas, sim, uma reestruturação anunciada do próximo Governo?
Conforme já se encontra demonstrado, o conjunto de políticas escolhidas pelo Governo e traduzidas no Orçamento do Estado não responde às necessidades do País. O Governo decidiu que a tónica fundamental, que a fórmula ideal para promover a recuperação económica era acreditar no investimento público, ainda que esse investimento tivesse de ser feito à custa de uma agressão da poupança privada, nomeadamente através da destruição dos incentivos clássicos que, de há muito tempo, o Governo tem introduzido no nosso sistema.
O Governo, que, no plano interno, permanentemente invoca a confiança, permanentemente apela à solidariedade, à concertação e à coesão nacional, foi e tem sido maior agente de desconfia, o maior promotor da instabilidade na economia, o maior factor de instabilidade dos agentes económicos privados, esses, que, em nosso entender, devem efectivamente promover a recuperação.
Esta política seguida pelo Governo, ligada falsamente aos objectivos da convergência e que teve estes resultados trágicos, faz dele, afinal, o pior defensor de Maastricht. Os piores defensores Maastricht são aqueles que põem em
Causa os próprios objectivos e critérios de convergência, são aqueles que, no discurso, são fundamentalistas e intolerantes e, na prática, não aceitam as regras do jogo, nomeadamente em matéria económica e financeira.

m segundo lugar, o CDS-PP quer dizer que este Orçamento tem uma característica insuportável, do ponto de vista das nossas próprias propostas e da nossa própria coerência, que é a medida do défice.
Em nove meses, Portugal andou para trás nove anos. Portugal registou, em 1993, uma experiência de crescimento económico negativo, o que não acontecia desde há muito tempo. O défice público aumentou de forma desmesurada, situando-se, actualmente, segundo os dados, em, pelo menos, 8 % do Produto. Chamamos a atenção, e já aqui foi dito, que este défice encontra-se subestimado, quer pela habilidade contabilística do falso empréstimo para a segurança social, que se acontecesse no domínio das relações privadas e no domínio fiscal seria tratado pela administração fiscal como uma doação, quer ainda pela mistificação introduzida através da venda de créditos da segurança social, que também significa fatalmente, porque não há instituições financeiras ingénuas, um aumento do défice do sector público administrativo.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - O custo da política monetária, o laxismo da política orçamental, a falta de reestruturação da economia portuguesa têm agora a força de duas testemunhas: o crescimento negativo com um alto desemprego e um défice público inimaginável. É aqui que o CDS-PP é diferente, é aqui que o CDS-PP quer dizer que, em lugar do desregramento orçamental, preferíamos a disciplina das finanças públicas; em alternativa a uma política monetária que acomoda os desvios orçamentais, optaríamos por uma que servisse os interesses da iniciativa privada. E se as diferenças em matéria de princípios são grandes, ainda serão maiores em matéria de resultados palpáveis, praticados ou produzidos de acordo com uma opção diferente.
O Governo esconde, pois, um défice cuja medida todos conhecemos. O Governo confessa que ,a despesa vai atingir 53 % do Produto. O Governo mostra claramente que será difícil, a partir dos seus pressupostos, conseguir que o défice global real do sector público administrativo se contenha, mais uma vez, nas suas promessas. E que o défice, ao contrário do que fez crer o Sr. Deputado António Guterres, não vem só do colapso da administração fiscal, ele existe. O défice criticável, segundo o ponto de vista do CDS-PP, vem ainda das opções erradas tomadas em matéria de política económica.
Em matéria de bens e serviços, o Governo gasta mais, em vez de poupar.
Em matéria de empresas públicas, o Governo confessa à sua incapacidade para mudar de estratégia e mantém a insistência na subsidiação de empresas falidas, sem soluções credíveis, geridas pelos mesmos responsáveis por resultados catastróficos durante anos e anos.
Em matéria fiscal, assiste-se ao maior ataque, de que há memória, aos contribuintes, apesar do milagre - do falso milagre, porque também queirosiano - da actualização dos escalões do IRS. E nós, nesta matéria, em matéria de política fiscal, queremos dizer que a questão, mesmo no âmbito do Plenário, tem sido escamoteada e utilizada com critérios que não são adicionáveis. O Sr. Deputado António Guterres e o Partido Socialista queixam-se de que o sistema não é justo, o Governo diz que quer promover a justiça. Quem tem razão?

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É verdade que o sistema fiscal de tributação do rendimento está assente sobre o trabalho. É verdade que o Governo nos dá tudo, menos os dados sobre as classes de rendimento, menos a produtividade das categorias de rendimento do IRS. A esses dados não teremos acesso, pois estão guardados cautelosamente.
Mas, num país em desenvolvimento, ainda que integra do na Comunidade Europeia, é possível tolerar alguma injustiça fiscal, com níveis de tributação moderados, se, de facto, o que o Governo e o Estado fazem é a promoção do crescimento, a adaptação e a reestruturação da economia.

O Sr. Presidente: - Atenção ao tempo, Sr. Deputado.

O Orador: - 0 que não é possível, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é aceitar um evidente grau de injustiça do sistema fiscal, sem que daí se recolham as vantagens e os benefícios que poderiam levar a população portuguesa a aceitar transitoriamente essa injustiça. E, ao mesmo tempo, o Governo retira os benefícios da poupança, que não são questões de justiça mas de política económica difundida e anunciada aos agentes económicos durante anos e anos,
que não são benefícios de alguns mas, sim, benefícios do crescimento económico do País e que é evidente que se destinam a um escasso número de pessoas que são capazes de fomentar a poupança e de promover, por essa via, o crescimento económico, porque, de facto, a "arraia miúda" de que fala o Sr. Ministro das Finanças, infelizmente, não pode poupar.
Este discurso sobre a diferença entre os grandes números e os pequenos números, entre a grande massa dos contribuintes e a pequena massa dos que poupam é um
novo discurso demagógico que, há uns anos, nunca pensaríamos poder sair das palavras oficiais do Governo. Por causa disso, estamos hoje à espera de mais perguntas do Sr. Deputado Rui Rio.
Nós, o CDS-PP, temos uma forte esperança de que nem tudo isto vá ser aprovado, de que, no âmbito da discussão na especialidade, três ou quatro perguntas resolvam o problema da poupança dos contribuintes portugueses e, assim,
também por essa via, o problema do crescimento económico em Portugal.
A livre circulação de factores não é um motivo para eliminar os benefícios fiscais, é justamente o motivo que leva os países sérios, em desenvolvimento, a manter esses benefícios enquanto puderem.
Portugal, na Comunidade, deve manter os incentivos à poupança, enquanto não houver exigências de harmonização de tributação directa.
A minha intervenção e a tolerância do Sr. Presidente da Assembleia da República já vão longas, pelo que vou apenas resumir a posição do CDS-PP neste debate orçamental.
Perante um Orçamento com um défice desta dimensão,

O Sr. Presidente: - Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - ... com a completa ruptura com a compreensível tradição fiscal em matéria de protecção da poupança, com a persistência nos investimentos empresariais ruinosos, com a ausência de antídotos nacionais bem estruturados para responder à recessão, com a incapacidade do Estado para recuar, com o conflito permanente entre as reformas estruturais e o clientelismo, com o abandono do combate à inflação, com o ataque, sem precedentes, à poupança, o CDS-PP, por mais que haja apelos à coesão nacional, não pode estar com este Orçamento. As suas ideias são diferentes, a sua opção é diferente e as suas propostas alternativas serão anunciadas na altura própria, com a sua coerência e com o sentido de responsabilidade de oposição, que, julgo eu, sempre ternos demonstrado.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Deputado, dê-nos um tempinho.

O Orador: - A Mesa é que tem de o dar!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - E V. Ex.ª concede?

O Orador: - Com certeza!
Sr. Deputado António Lobo Xavier, V. Ex.ª anunciou propostas alternativas. Sim, anunciou, porque não apresentou nenhuma!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Elas cá virão.

O Orador: - Diz o Sr. Deputado Nogueira de Brito que cá virão. Espero que venham com mais rigor do que as do ano passado,...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Eram bem boas!

O Orador: - ... as quais, como se recorda, foram apresentadas numa conferência de imprensa e, ao fim e ao cabo, davam origem a um agravamento instantâneo do défice, salvo erro na ordem dos 200 milhões de contos.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Nada disso!

O Orador: - 15to, para além de uns projectos que eram uma espécie de vauchers, tipo privatizações à checa. Recorda-se? Um grande rigor, um grande rigor!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Mas o Sr. Deputado julga que vai passar vauchers?

O Orador: - Era exactamente essa pergunta que queria fazer.

O Sr. Deputado António Lobo Xavier anunciou uma série de medidas mas não trouxe aqui nenhuma à colação, fica tudo para a discussão na especialidade, ou seja, não há nenhuma visão de conjunto alternativa à política do Governo, porque, na discussão na generalidade, os senhores não disseram nada.

1 De qualquer modo, permito-me corrigir algumas coisas que o Sr. Deputado disse e que, no mínimo, revelam alguma desatenção do CDS-PP. Falo do CDS-PP e não do Deputado António Lobo Xavier, porque estou consciente de que ele, no seu íntimo, não concorda com aquilo que disse.
O Sr. Deputado disse que não se fez qualquer reforma. Então, e a reforma fiscal? Será que VV. Ex.ªs advogam o regresso aos impostos cedulares, que foram aqueles que o Governo do Professor Cavaco Silva herdou? Então, e as privatizações? Será que VV. Ex.ªs advogam o regresso ao sector público que herdámos? Então, e as reformas no

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domínio da contabilidade pública, do Tribunal de Contas, de que VV. Ex.ªs tanto se vangloriam, mas nunca conseguiram fazer, pois foi o Governo do Professor Cavaco Silva que as fez? E o sistema remuneratório da função pública, um assunto controverso, cujo presidente, como se recordam, da comissão que p estudou era o próprio Professor Sousa Franco? Também não houve reforma?
A abertura da rádio e da televisão à iniciativa privada não é também uma reforma?
A nova rede de estradas e auto-estradas e as alterações no regime laboral dos portos também não são reformas?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - E os juros à cabeça!...

O Orador: - Exactamente, Sr. Deputado. O acabar com os juros à cabeça não é
reforma?
E a abertura e dinamização dos mercados financeiro e de capitais também não é
reforma?
Poderíamos estar aqui toda a tarde a enumerar reformas levadas a cabo. De
facto, VV. Ex.ªs são muito rigorosos. Esperemos que esse rigor seja espelhado nas vossas propostas, se houver rigor e se houver propostas.

O Sr. António Lobo Xavier.(CDS-PP):- Quer falar disso?

O Orador: - No domínio da segurança social, VV. Ex.ªs, que são tão campeões da disciplina e da diminuição da despesa pública, criticaram a medida do Governo de para 1994 ser o Tesouro a fazer uma transferência, a título de empréstimo, para a segurança social e não uma mera transferência unilateral.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - É uma transferência?!

O Orador: - Sim, diria que é uma transferência reembolsável.

O Sr. Ferro Rodrigues(PS): - O que é isso de transferência reembolsável»?!...
É uma figura nova?

O Orador: - V. Ex.ª discorda disso ... É o vosso rigor!
Apenas gostaria de saber qual é a sua opinião sobre uma afirmação do Professor Diogo Lucena - que, suponho, merece a vossa consideração - quando diz que este mecanismo de empréstimo à segurança social ou transferência reembolsável (podemos utilizar essa expressão) para 1994...

O Sr. Lino de Carvalho(PCP): - É a transferência do Futre!...

O Orador: - ... será unia forma de - e passo a citar o Professor Diogo Lucena -
«limitar a gestão menos cuidadosa da segurança social», assim garantindo que os aposentados e reformados terão, no futuro, a pensão e as prestações sociais para as quais andaram a descontar durante uma vida activa inteira.
Será que o Professor Diogo Lucena não tem razão? Ou será que VV. Ex.ªs terão razão?

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - O Secretário de Estado da Segurança Social tem de se demitir já! Depois disto, o Secretário de Estado da Segurança Social não se demite?!

O Orador: - Sr. Deputado, em que ficamos sobre a segurança social?

O Sr. Presidente: - A Mesa partiu do princípio de que era possível antecipar tempos disponíveis, mas, afinal, tinha sido estabelecido que assim não poderia ser. Assume, pois, a Mesa perante a Câmara o erro que cometeu ao ter permitido que o Sr. Deputado António Lobo Xavier gastasse mais quatro minutos do que aqueles que lhe tinham sido atribuídos.
Por isso, a Mesa concede ao Sr. Deputado um minuto para responder à pergunta colocada pelo Sr. Deputado Rui Carp.
Tem então a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Tanto tempo, Sr. Presidente, para perguntas tão pouco importantes!

Risos do CDS-PP e do PS.

O Sr. Deputado Rui Carp tem agora esta moda nova: se tem recortes (deve ter um assessor para tratar das fotocópias e sublinhar a amarelo),...

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sou eu próprio!

Vozes do CDS-PP:- É o Deputado Pacheco Pereira!

O Orador: - ... vem para aqui confrontar as pessoas com recortes de jornais. É uma técnica de oposição em matéria de debate orçamental, vinda do maior partido e das intervenções principais do partido da maioria, absolutamente de salientar.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Responda, Sr. Deputado!

O Orador: - Respondo sim, Sr. Deputado.

A segunda questão refere-se à circunstância de o Sr. Deputado criticar o facto de eu ter dito que nem umas das reformas estruturais foi concretizada. Eu estava a falar, obviamente, das reformas estruturais que têm a ver directamente com a economia portuguesa.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Estas não têm a ver?!

O Orador: - Não, Sr. Deputado. O Sr. Deputado, quando quer falar das glórias do Governo, vai até 1988 pela banda da reforma fiscal. Cumprimento-o pela reforma fiscal, embora o Sr. Ministro das Finanças esteja permanentemente a dizer que aquilo foi tudo um logro e que é preciso tapar, alargar a base e reduzir os benefícios.
Por outro lado, as reformas de que o Sr. Deputado se lembra são as do Tribunal de Contas, do mercado de valores, etc.. São, enfim, coisas tão antigas...

O Sr. Rui Carp (PSD): - Antigas?!

O Orador: - São glórias passadas.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Glórias passadas?!

Orador: - Falar sequer da política de privatizações, durante o momento em que elas estão a falhar redondamente, é a maior prova de insensatez política que o Sr. Deputado poderia dar em prejuízo da sua bancada.

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O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - Quando refiro que as reformas estruturais não estão prontas, quero dizer que não pedimos os fundos à Comunidade para mascarar e compor os números e para sairmos da crise. Pedimos e devemos usar esses fundos para fazer a nossa própria reestruturação e não para compor e melhorar os números e a performance política do Governo. É para outra razão, mas, infelizmente, temos dúvidas de que as coisas tenham servido para essa razão.
Não critiquei o modo de resolver os problemas da Segurança Social. Critiquei, sim, a técnica orçamental usada para tratar esse problema, o que é coisa diferente. É evidente que o Estado tem de resolver o problema da Segurança Social. Não há é o direito de arranjar uma técnica orçamental que baralha os números, complica as comparações e dá uma visão distorcida do Orçamento. Essa é que é a crítica, Sr. Deputado Rui Carp.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território (Valente de Oliveira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tendo vindo à Assembleia da República recentemente - para discutir as Opções Estratégicas que estão na base do Plano de Desenvolvimento Regional que apresentámos às instâncias comunitárias como proposta para obter financiamento para as acções que julgamos como mais adequadas a promover o nosso desenvolvimento ao longo do período de 1994 a 1999 -, não faria sentido que agora fizesse um exercício diferente, somente para não repetir o que já foi discutido.
Elaborámos, para preparação das Opções Estratégicas, um estudo exaustivo caracterizando o estado da evolução económica e social do País e reflectimos longamente acerca dos caminhos que mais rapidamente nos hão-de fazer atingir patamares mais elevados de prosperidade económica, de bem-estar social e de qualidade de vida. A situação não se alterou radicalmente, em matéria de diagnóstico, nos seis meses que mediaram entre os dois estudos e muito menos as razões que levaram a enunciar os grandes vectores da acção que nos propomos articular para fazer acelerar o futuro.
Integrados que estamos na União Europeia e tendo dado provas abundantes de sermos parceiros cumpridores, capazes de assumir responsabilidades gerais e de nos aplicarmos com determinação nas acções que aos portugueses particularmente respeitam, importa agora responder adequadamente aos novos desafios internos, circunvizinhos e mundiais, que se põem à própria Europa. Ela atravessa uma turbulência complexa que reclama ideias claras acerca do caminho a seguir e uma boa dose de coesão, para evitar a afirmação de egoísmos que nas horas difíceis sempre ocorre com maior facilidade.
A nossa ideia acerca do que nos convém para "preparar Portugal para o novo contexto europeu" (1.ª opção) implica: afirmar a identidade nacional na diversidade europeia, valorizando o património histórico-cultural do País; garantir a segurança externa, contribuindo para a defesa europeia; realçar o papel de Portugal como nó de relacionamento da Europa com o Mundo, passando a ocupar uma posição mais central, participativa e influente no quadro da formulação e da execução da política externa europeia; e promover um crescimento sustentado, no âmbito da União Económica e Monetária, curando das convergências que asseguram a prosperidade de cada um e o equilíbrio do conjunto.
Mas essa prosperidade e esse equilíbrio têm de verificar-se num ambiente caracterizado por uma competitividade muito aguerrida, interna e externamente. Temos, por isso, de atender, com grande empenhamento, à criação das condições que nos permitam enfrentar com confiança "a competição numa economia global" (2.ª Opção) que vai ser exigida a todos os europeus.
Para isso, será preciso dar prioridade à qualificação dos recursos humanos, de modo a assegurar um novo estilo da presença de Portugal nos mercados internacionais, modernizando as nossas produções tradicionais, diversificando a nossa base produtiva e apostando nos sectores em que formos capazes de afirmar os atributos de "excelência" que hoje se exigem para permanecer longamente no mercado e obter compensações expressivas. Para tudo isso é necessário dinamizar o mercado do trabalho e potenciar as capacidades dos nossos jovens, permitindo-lhes aceder às actividades mais elaboradas e reconverter-se, em permanência, por possuírem uma base de conhecimentos robusta e por terem aprendido a aprender, condição essencial para enfrentar com sucesso as mutações de toda a ordem que o futuro próximo nos vai impor. 0 segredo de um sucesso, que se quer prolongado e autosustentado nos seus factores, está na preparação adequada dos jovens portugueses, permitindo que cada um vá até onde as suas capacidades autorizarem e fazendo com que, no conjunto dos valores em que acreditam, ocupe lugar de relevo a ambição de se realizarem plenamente.
A posição periférica de Portugal em relação ao núcleo onde na União Europeia se concentra a sua população e o seu maior mercado e, por outro lado, a "dieta" de infra- a que estivemos sujeitos entre 1960 e 1985 - enquanto os países que agora são nossos parceiros construíram intensivamente - reclamam que dêmos uma atenção muito especial às redes de transportes, de telecomunicações e de energia que façam inserir economicamente todo o território nacional no espaço europeu, autorizando a localização de actividades produtivas viáveis em condições de concorrência bem sucedidas, Temos potencialidades especiais em alguns sectores; é preciso reforçar as suas vantagens competitivas, nomeadamente por um domínio competente dos conhecimentos tecnológicos em que elas assentam e pela descoberta de novos conhecimentos que uma actividade de investigação científica bem estruturada alimente em permanência.
Há outros sectores nos quais se nos impõe definir uma vocação mais consonante com as nossas aspirações, agindo em conformidade. Tais são os casos, muito diversos entre si, da floresta e do turismo. Na primeira dispomos de terrenos difíceis, mas de condições de temperatura e humidade que nos autorizam acalentar muitas ambições. No segundo já nos decidimos pelas actividades de alta gama, não predadoras da Natureza, nem do ambiente, nem da paisagem, nem do património, mas que, em contrapartida, são exigentes em organização e nos recursos humanos que as guarnecem.
0 ambiente representa um sector que atravessa todos os sectores e que merece uma atenção constante. Adquiriu uma importância que há 10 anos mal se adivinhava. Explodiu em consequências e, por conseguinte, em preocupações. Temos, por isso, de fazer o máximo, com atenção aos custos, o que reclama arranjos institucionais adequados e muito trabalho de análise e investigação.

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Felizmente para nós, a mão-de-obra portuguesa é versátil e muito aplicada. Por isso, a modernização da indústria e a introdução de novas actividades secundárias e terciárias não apresentam dificuldades inultrapassáveis. Temos, contudo, de andar depressa. É, afinal, esse o propósito da concessão de incentivos: obter mais cedo os frutos da capacidade de iniciativa de alguns e usufruir das sinergias que uma vontade empreender generalizada faz despertar em muitos.
Apesar dos progressos feitos em matéria de redução de assimetrias regionais, persistem desequilíbrios injustos. Estamos a assistir a uma urbanização progressiva da nossa população, que, felizmente para todos, está a demonstrar uma preferência acentuada por viver em cidades de tamanho médio. Mas o que a faz migrar não é a procura de bom equipamento; é, como em toda a parte, a busca de um emprego.
A insuficiência dos serviços actua somente numa fase posterior quando, garantida a subsistência, se quer usufruir de uma vida com qualidade. Por isso, damos tanta atenção às «externalidades» e, especialmente, à concretização de uma rede de estradas que não penalize nenhuma localização que exiba outros atractivos para a instalação de actividades económicas ao longo de todo o território continental e mesmo de aeroportos e portos que, nas ilhas, permitam garantir uma grande acessibilidade que ajude a viabilizar muitas actividades novas. Está, naturalmente, a tratar-se de assegurar uma cobertura, com malha apertada, em matéria de equipamentos d& saúde, de educação, de cultura, de segurança, de ocupação de tempos livres, de apoio à terceira idade e em muitos outros domínios. A insistência que fazemos em relação à prioridade de constituição de uma base económica robusta, para a qual solicito continuamente a atenção de muitos, particularmente dos autarcas, decorre da certeza que temos de ser o emprego o factor-motor das migrações e da fixação das pessoas. O entendimento acerca dessa importância é, aliás, generalizado e eloquentemente traduzido pela construção de 64 loteamentos industriais municipais ao longo dos ú timos oito anos; como se sabe, este número tem de se adicionar a, pelo menos, mais 10, construídos anteriormente por iniciativa central, e a mais um número difícil de apurar de loteamentos industriais levados a efeito por promotores privados.
O ordenamento do território reclama a convergência de acção de muitos responsáveis nacionais, regionais e locais. Em relação aos primeiros, as decisões que talham as grandes linhas respeitam às redes de transportes e aos equipamentos pesados que guarnecem os principais centros urbanos. Mas muito do que toca a vida quotidiana das populações é definido a nível local. Por isso, temos vindo a ser tão obstinados em relação à elaboração dos planos directores municipais - que esclarecem que se tem ideias claras quanto às grandes linhas da evolução da ocupação do território de cada concelho - e dos planos de pormenor que traduzem os primeiros, em termos de execução imediata. Todas estas exigências têm um sentido integrado, impondo uma coordenação permanente para se ser eficaz.
A concretização do propósito de ordenamento do território é da responsabilidade de muitos agentes. Ele faz parte das nossas opções, mas tem de constituir teimosia de muitos. Por isso tentamos convencê-los e incitá-los a não desarmar a este respeito.
A preparação do País «para uma vida de maior qualidade» representa a nossa terceira opção. Já dissemos da importância do robustecimento da base produtiva e do que entendemos fazer nesse sentido. Mas, se não cuidarmos do ambiente, do apoio à saúde e dó combate contra as muitas formas de exclusão social do nosso tempo, seremos conduzidos a situações que comprometem o próprio progresso material, porque as pessoas não toleram viver de forma dissonante, com meios, mas sem qualidade. Em lugar de relevo, neste domínio, figura a renovação urbana; a população portuguesa, aliás como todas as outras da União Europeia, está à urbanizar-se progressivamente, o que reclama uma atenção muito especial para a reabilitação dos centros antigos degradados e um cuidado exigente em relação aos novos.
De forma semelhante, a justiça e o modo como ela se exerce, a segurança e a forma como os cidadãos se sentem protegidos e a modernização administrativa e o funcionamento do aparelho burocrático do Estado representam prioridades na consecução das condições de vida da sociedade civilizada que pretendemos ser. Por isso as colocámos debaixo do título da 3.ª Opção.
A proposta de Plano de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central (PIDDAC) que apresentamos corresponde, em larga extensão, ao primeiro ano de concretização do Quadro Comunitário de Apoio, em vias de negociação, após termos entregue, em princípios de Julho, o nosso Plano de Desenvolvimento Regional. Há algumas áreas não elegíveis para apoio - como as da justiça e da segurança interna - que têm de ser suportadas, na integralidade, por dinheiros nossos. Mas, em relação aos domínios susceptíveis de apoio, tentámos dispor as coisas no sentido de andar depressa, aproveitando os recursos internos para realizar as contrapartidas nacionais indispensáveis, orientando os empréstimos potenciais junto do Banco Europeu de Investimentos para os sectores ou infra-estruturas que produzam as receitas necessárias para pagar os juros e amortizar o capital emprestado e conduzindo as negociações de modo a beneficiar dos mais altos valores das taxas de comparticipação.
O propósito é andar depressa numa recuperação que todos queremos. Por isso, pedimos aos agentes que intervêm um grande escrúpulo na selecção de projectos que, realmente, reforcem a base económica e proporcionem melhorias sustentadas da qualidade de vida.
Para tornar mais visível o esforço nacional e as contribuições comunitárias, a proposta do PIDDAC tem, este ano, um novo arranjo, distinguindo as duas fontes de recursos. Há uns anos, separávamos as linhas correspondentes ao PIDDAC tradicional das dos apoios comunitários; desta vez, separamos, também, as colunas que traduzem as duas origens de recursos. Ficar-se-á, desse modo, com uma ideia mais clara e rigorosa acerca dos montantes correspondentes ao esforço interno e às ajudas comunitárias. O volume total do investimento previsto no PIDDAC é de 712 milhões de contos, dos quais 345 milhões provêm do Orçamento do Estado, 303 milhões dos fundos estruturais e 64 milhões da contribuição de Fundos e Serviços Autónomos. O crescimento real do PIDDAC será, assim, de cerca de 15 %, permitindo lançar as bases de um novo ciclo de desenvolvimento e, simultaneamente, maximizar a absorção dos fundos comunitários e aumentar de modo expressivo o investimento em sectores em que o co-financiamento comunitário é nulo ou pouco significativo. Estima-se que a contribuição, para o produto interno bruto, dos investimentos feitos no âmbito do PIDDAC seja da ordem de "três quartos de ponto percentuais e que eles assegurem 20 % a 25 % do investimento total.
Depois do que referi em relação à importância da modernização acelerada do tecido produtivo, não surpreen-

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derá que os apoios correspondentes representem cerca de 30 % do total do PIDDAC. Por isso, mais do que da colaboração, precisamos da cumplicidade dos agentes de desenvolvimento, à frente dos quais estão os empresários que, assumindo o seu papel, procuram adaptar as suas empresas aos tempos que correm e aos mercados que existem, e diversificar a gama dos produtos que apresentam e dos sectores em que se aplicam, de modo a dispormos de uma estrutura produtiva sólida e duradoura. As infra-estruturas relacionadas com a melhoria das acessibilidades absorvem, na nossa proposta, cerca de 30 % dos investimentos. Apesar do muito que já foi feito, são o "desencravamento" e a fluidez dos movimentos a prioridade maior apontada pelos habitantes e pelos agentes económicos tanto do interior como das áreas metropolitanas e do litoral, quer dizer, por todos.
Avançamos com confiança para este programa exigente, porque temos as estruturas montadas para realizar os investimentos correspondentes e porque soubemos negociar os meios financeiros necessários à sua concretização. Os últimos anos foram, aliás, de demonstração perfeita das nossas capacidades porque preparámos e concretizámos um excelente programa de desenvolvimento, absorvendo bem volumes importantes de comparticipações comunitárias. Partimos agora para uma nova fase, de maior volume de recursos e de maior exigência na sua aplicação, mas estamos robustecidos através de uma prática que os observadores independentes consideram exemplar. Por isso, reafirmo a confiança com que avançamos para o novo exercício. Mas este, para ser bem sucedido, tem de tocar todos os que dispõem de energia, de meios e de vontade para mudar o estado das coisas. Já mencionei os empresários, mas a lista inclui os autarcas, os estudantes, os investigadores, os trabalhadores por conta de outrém e os que exercem uma profissão liberal, os funcionários públicos e os artistas, enfim, todos os que possam contribuir para a mudança, feita com determinação e rigor e realizada todos os dias, olhando o futuro.
Nesta referência, que tem de ser breve, insisto em explicitar dois grupos de agentes cujas acções são de natureza diversa mas muito determinantes no sucesso: os autarcas e os "inovadores", nos quais se incluem, em lugar de relevo, os investigadores científicos. 0 País não seria o que é hoje sem a acção devotada da maior parte deis seus autarcas! Na imensa maioria das situações, a contribuição dos autarcas para o desenvolvimento das suas terras foi inestimável, estando todos nós devedores a essas poucas centenas de responsáveis, do impulso que eles deram ao progresso do País. Compreende-se, por isso, que eles queiram dispor de meios crescentes para concretizar programas cada vez mais ambiciosos.
A orientação para projectos autárquicos de elevados montantes de auxílios comunitários corresponde à nossa convicção de que os autarcas são parceiros cumpridores, cuja companhia é por nós apetecida. A questão das receitas de que dispõem para fazer face às suas competências, para realizar investimentos e para compor as contrapartidas nacionais complementares das ajudas comunitárias, merece-nos sempre o maior dos cuidados. A situação ideal corresponderia a disporem as autarquias de receitas próprias suficientes para fazer face aos encargos que têm, fazendo naturalmente escolhas exigentes e seleccionando somente os mais decantados projectos para realização. Mas, na prática, o que se passa é haver disparidade nessas receitas, impondo-se a existência de um fundo de perequação, distribuído de acordo com critérios objectivos que visem promover justiça no acesso aos meios que saem de um bolo comum. 0 mecanismo de definição deste último, aprovado nesta Casa por unanimidade, faz associar a folga financeira das autarquias à prosperidade económica do País, avaliada através da projecção das receitas do imposto sobre o valor acrescentado.
Sucede que a situação económica mundial, europeia e nacional fizeram "arrefecer" a evolução dessa prosperidade, tendo mesmo havido quebra na estimativa daquelas receitas relativamente ao corrente ano. Se, em vez de se fazer a associação da evolução do Fundo de Equilíbrio Financeiro à previsão da receita do IVA, se tivesse ligado aquele às receitas efectivamente arrecadadas, estaríamos agora na desconfortável situação de ter de proceder a cortes que muito penalizariam os cofres municipais no próximo ano. Na situação difícil que atravessamos, representa um esforço expressivo manter-se o montante do FEF igual ao do ano passado. 15so decorre da nossa vontade de não causar perturbações de maior nos orçamentos municipais e deve ser entendido como a expressão do reconhecimento do papel muito relevante que as instâncias municipais têm desempenhado no desenvolvimento do País. Mesmo o facto de não se proceder à distribuição do montante global com recurso aos novos valores dos indicadores que compõem a grelha de atribuição das verbas a cada município, corresponde à nossa preocupação de causar a menor perturbação possível na elaboração dos planos e dos orçamentos municipais.
Quando todos os nossos parceiros comunitários procedem a cortes radicais nos orçamentos das suas autarquias locais e quando os ministérios portugueses são obrigados a apertar o cinto, por diversas formas, nós decidimos manter, para os municípios, as mesmas verbas do ano passado. 15so deve ser interpretado como um sinal positivo e não, como certos ecos fazem transparecer, um indicativo de pouco apreço pelo trabalho que os municípios vêm desenvolvendo. Para disponibilizar um máximo de meios para investimento, cuidámos de obter a garantia de uma taxa de comparticipação de fundos comunitários elevada - 75 % -, ao mesmo tempo que tratámos de assegurar que haja linhas de crédito atraentes, para poder compor a contrapartida nacional em bons termos.
Um outro sector que tem de assumir um papel progressivamente mais mobilizador das energias criativas nacionais e da nossa capacidade de inovação é o da Ciência e Tecnologia. Fez-se muito, ao abrigo do Programa CIENCIA, no que respeita à formação avançada e à dotação com equipamentos e alojamentos novos em muitas unidades de investigação. 0 novo programa, que está em negociação, vai continuar e ampliar o esforço já realizado. Tem, todavia, de se associar ao mesmo um número progressivamente maior de empresários e de generalizar a todos os portugueses um nível mais elevado da sua cultura científica e um grau de convicção mais profunda no papel dos novos conhecimentos e da inovação na consecução do progresso.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei das Grandes Opções do Plano para 1994, que apresentámos à Assembleia e que tive, até agora, oportunidade de discutir, na generalidade, com quatro comissões parlamentares, parece-nos coerente e muito ajustada às exigências da fase que atravessamos, durante a qual temos de dar um impulso determinante ao conteúdo e ao estilo da via que adoptámos para o nosso desenvolvimento: apostar predominantemente nas pessoas e na sua promoção; promover a nossa inserção económica na União Europeia para beneficiar plenamente do grande mercado que ela representa; melhorar a nossa qualidade de vida de forma generalizada;

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atenuar progressiva mas estruturalmente as assimetrias regionais; assumir um papel que conte no conjunto da União, o que, para os pequenos países, só pode ser feito pela via da inteligência e da qual nosso tecido produtivo, pela via da inteligência e da qualidade; insistir na modernização do por via da inovação permanente, baseada em conhecimentos por nós descobertos e valorizados, e de uma exigência obstinada na qualidade.
É por isso que estou confiante de que o vosso julgamento será positivo, permitindo-nos prosseguir com a tarefa estimulante de preparar Portugal para o século XXI.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Helena Torres Marques e André Martins.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, todos os anos V. Ex.ª nos embala aqui com um
discurso extremamente cor-de-rosa sobre o que se vai passar no nosso país. Para quem o ouvir, nunca há problema ou os problemas do País vão ter todos solução este ano.
Queria perguntar-lhe o seguinte: com tanto dinheiro que o nosso país tem - e estale uma pergunta que toda a gente faz -, vindo das Comunidades, e que V. Ex.ª se gaba de ter conseguido arranjar, como é que, tendo o País tanto dinheiro, repito (que não se gasta todo em estradas, embora tenhamos as estradas mais caras do mundo!), consegue gastá-lo e ver a produção industrial diminuir, porque hão é só o produto interno que diminui mas também a produção industrial - Portugal é o país da OCDE que teve a maior quebra, de produção industrial - e ter um produto agrícola que está, sucessivamente, a decrescer?
Sr. Ministro, as verbas da Comunidade tinham por objectivo reestruturar a produção, modernizar, como dizia o Sr. Ministro, os sectores e, no fim de contas, o que verificamos é que o País produz cada vez menos.
A pergunta que lhe faço é esta: o que é que vai mudar em 1994 - e não é só passar de 1,5 milhões de contos para 2 milhões de contos por dia - para que, no nosso país, o sector produtivo, em especial a agricultura e a indústria,
cresça, em vez de decrescer?

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, relativamente à intervenção que o Sr. Ministro das Finanças fez, perguntei-lhe como é que se repercutia aquilo que ele disse, a tal miragem de que eu falei, e o País real. O Sr. Ministro das Finanças intendeu por bem não falar do que se passa no País real, prefere, antes, trazer-nos os números que a sua equipa governamental fabrica e a que a maioria dos portugueses não tem acesso. Por isso, vivemos neste confronto de números extremamente falíveis, como é fácil de ver. Cada partido da oposição, cada Deputado, cada membro do Governo, o Ministro das Finanças, cada um tem os seus números e a forma como cada um os trata é da responsabilidade de cada um e serve os interesses que cada um, em cada momento, defende. Agora, o país real é aquele que existe, e aí não há números que cheguem para o alterar!
Assim, queria confrontá-lo Sr. Ministro, com um excerto de um documento que acabou de ser distribuído aos grupos parlamentos e que foi elaborado pelo seu Ministério, que refere que, da evolução dos anos 80, houve uma convergência, mas essa convergência «verificou-se num grau extremamente limitado e o desnível das capitações do PIB continua a ser superior a l para 3 quando o quadro espacial de referência é o nível III das NUTS. Algumas unidades territoriais menos desenvolvidas viram-se mais afastadas da média nacional enquanto para outras, a manterem-se as relações de crescimento da década passada, a convergência é apenas uma perspectiva a muito longo prazo, podendo nalguns casos ultrapassar os 30 anos».
Sr. Ministro, os técnicos do seu Ministério - e V. Ex.ª subscreve o documento - falam do País real (e isto tem a ver com outros estudos que o Governo fez, designadamente para a preparação do Plano de Desenvolvimento Regional) é o Sr. Ministro das Finanças, recusando-se a falar do País real, refere uns números e apresenta-nos uma proposta de Orçamento do Estado.
A questão que quero colocar é a seguinte: o que é que há de diferente neste Orçamento do Estado para que, efectivamente, se possa operar uma transformação no País real, a fim de que se cumpram os compromissos que o Governo assumiu perante os portugueses, e Portugal perante a comunidade internacional, de promover em Portugal um desenvolvimento sustentável? Gostaria que o Sr. Ministro nos desse alguma informação para verificarmos se, neste Orçamento, há coisas diferentes.
Concordamos que não se fez aquilo que pensávamos que era possível fazer-se, como se refere no documento, mas agora, com as alterações que propomos no Orçamento, vamos conseguir dar saltos significativos para que se atinjam esses objectivos, que, aliás, aparecem como objectivos em todos os documentos do Governo e que nós subscrevemos, naturalmente. A prática é que é diferente, e é desta prática que queremos falar, porque, tal como aqui foi dito, uma coisa é o discurso dos ministros, o discurso do Governo, as promessas que são, feitas, todos os dias, na comunicação social e outra coisa é a realidade com que os portugueses todos os dias se confrontam e que faz com que já todos comecem a reconhecer que as condições de vida, a qualidade de vida e o futuro estão a ser cada vez mais preocupantes para a generalidade dos portugueses.
Era sobre isto que gostaríamos de o ouvir falar, Sr. Ministro.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra p Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.
O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: - Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, a minha intenção não é a de embalar ninguém mas, tão-só, a de dizer a verdade. Devo acrescentar que venho cá com documentos bem apoiados em estudos bem feitos, que merecem o aplauso daquelas pessoas que tentamos convencer para a bondade das nossas teses. Temo-lo vindo a fazer e temos conseguido os meios para levar por diante um ambicioso programa - que é o nosso, sim senhor! - mas que tem vindo a ser realizado com grande rigor e com grande aplicação. Não me gabo de ter - conseguido nada; trata-se da realidade daquilo que foi atingido. Portanto, se tive algum mérito numa contribuição para uma negociação, folgo em nome de todos e estou ansiosamente à espera de que tudo seja bem feito para mudarmos, como estamos a mudar, o nosso padrão de desenvolvimento.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

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O Orador: - Aquilo que temos feito está à vista de todos, em matéria de preparação das condições externas às empresas para que elas beneficiem de um ambiente como nunca beneficiaram até agora. Verifica-se que houve e que está a haver mudança. Ainda ontem, tivemos ocasião de inaugurar uma fábrica em termos moderníssimos, que vai ajudar, numa zona de tradição industrial arcaica, muito obsoleta, a modificar esse padrão, a base económica dessa região. Certamente que a Sr.ª Deputada não viaja pelo País e não vê, todos os dias, o que é que está a acontecer. E digo-lhe isto porque, se assim não fosse, via que as distância são divididas por três ou quatro, o tempo de viagem é dividido por quatro ou cinco, os custos de viagem são divididos por oito ou nove, para não falar na segurança com que se viaja, progressivamente, no País. Aquilo que vamos fazer no futuro é tratar das externalidades, tratando da energia, das telecomunicações, de tudo aquilo que tem a ver com as condições de laboração fora das empresas, mas
também tratando das pessoas que lá estão dentro, que é preciso educar e formar em termos adequados.
Pergunta-me o que vai acontecer para o ano e eu digo-lhe que vamos insistir na melhoria das condições externas e, com maior determinação, na formação dos recursos humanos. Para isso, temos 30 % do nosso orçamento destinados a incentivar iniciativas e, quem sabe, a aprender a fazê-lo de forma mais determinada.
O Sr. Deputado André Martins constatou que, afinal, sempre houve uma modificação das condições de afastamento e de assimetria e reconheceu que houve, efectivamente, uma atenuação real e não uma coisa que poderia muito bem acontecer, que era um cavar do fosso. Aliás, é isso que se verifica em todos os países da Europa, neste momento. Ainda na sexta-feira, tive uma reunião com todos os meus colegas encarregados do desenvolvimento regional e todos constataram que o desenvolvimento regional é um processo a longo prazo, dificílimo de fazer reverter no bom sentido e aqueles que conseguem não só atenuar mas mudar o sentido dessa aproximação estão a fazer uma grande coisa, e é esse o nosso caso.
Verifico que o Sr. Deputado André Martins está a seguir atentamente todos os trabalhos que o Ministério tem feito e que não hesita em trazer cá a verdade, aquilo que se passa realmente na prática.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Está escrito!

O Orador: - Assim, relativamente às questões de mortalidade infantil que abordou hoje de manhã, devo dizer-lhe que, em 10 anos, no distrito em que a situação era mais grave, passámos de 42/1000 para 14/1000. De maneira que está a acontecer...

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Fale nas NUTS!

O Orador: - Sr. Deputado André Martins, se não estivesse tão agitado e se estivesse com atenção ao que estou a dizer, verificava que referi isso mesmo.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Ministro, fale nas NUTS e não na média nacional!

O Orador: - Sr. Deputado, tenha calma!
Na NUT 3, que corresponde ao Douro e que é a região que mais grave está neste aspecto, tínhamos, em 1981, 42,11/1000 e passámos, em 1990, para 14,92/1000, o que é quase a terça parte. Numa ocasião em que, como hoje de manhã foi dito, o que era factível por vacinas já foi feito, começa a ser possível apenas por montagem de coisas muito sofisticadas que reclamam uma grande atenção.
Aconselho ao Sr. Deputado o mesmo que aconselhei à Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, ou seja, viaje pelo País, veja como está diferente, fale com as pessoas e elas dir-lhe-ão como as disparidades estão a ser atenuadas e como estão a melhorar de vida.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Trindade.

O Sr. Paulo Trindade (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A análise das propostas de lei das Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado para 1994, no que respeita à política de emprego e à de segurança social levam-nos a concluir que as mesmas assentam numa pseudocientificidade económica visando desresponsabilizar o Governo pela crise com que o País se. defronta, justificar a intensificação da política de redução de salários reais e o ataque aos direitos dos trabalhadores, dos reformados e pensionistas. Ao contrário de propostas credíveis para o País sair da crise, estamos novamente confrontados com cenários construídos ao nível científico de um mero borda d'água.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - 0 Governo vem apresentar à Assembleia da República uma proposta orçamental enquadrada na linha de actuação já desenvolvida em torno das negociações para o designado "Acordo de Política de Emprego" e que mereceu a recusa das organizações sindicais. Efectivamente, o Governo assenta toda a sua estratégia no pressuposto de que o desenvolvimento e a competitividade dependem da redução dos salários reais, ou seja, na penalização daqueles que hoje de manhã o Sr. Ministro das Finanças pejorativamente qualificou como arraia miúda.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E não venha o Governo com o argumento chantagista de que a redução salarial é a alternativa ao aumento do desemprego.
A primeira medida contra o desemprego consiste na defesa dos postos de trabalho existentes, sendo inaceitável que seja o próprio Governo a precarizar o emprego e a despedir trabalhadores na função pública, nas principais empresas do sector empresarial do Estado, para além de apoiar com dinheiros públicos medidas ditas de reestruturação de empresas privadas, visando essencialmente a redução dos postos de trabalho. A hipocrisia deve ter limites.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros de Governo: Está comprovado que sem uma política de relançamento económico, as medidas propostas pelo Governo para incentivar a criação de postos de trabalho são de eficácia nula. Não é com o exclusivo recurso a "clubes de emprego", a acções de formação profissional e isentando as entidades patronais de pagamentos à segurança social que se pode inverter a tendência para o aumento do desemprego.

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Aliás, os 50 milhões de contos previstos para tal programa e recentemente anunciados não podem deixar de ser comparados com o montante concedido aos Mellos no Orçamento Suplementar para 1993 para despedir 4000 trabalhadores da LISNAVE. Este exemplo é elucidativo das opções sociais do Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, basta também comparar-se o número de desempregados que o Governo afirma ir abranger com as medidas em causa - 100 000 durante todo o ano de 1994 - com o número de trabalhadores atirados mensalmente para o desemprego - 30 000 no último mês - para se concluir que o principal efeito das acções previstas é essencialmente propagandístico.
Sr. Presidente, Srs Deputados, Srs. Membros de Governo: Prosseguir o ataque ao poder de compra dos trabalhadores e aprofundar a chamada flexibilização do mercado de trabalho, num país como Portugal em que o factor trabalho é o mais baixo entre os parceiros comunitários, é não contribuir para a modernização da própria economia.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, é inaceitável que se pretenda reduzir o défice orçamental à custa dos trabalhadores da função pública, diminuindo-lhes os salários reais. A consumarem-se os intuitos governamentais neste sector o Governo estará na prática a impor um imposto excepcional a estes trabalhadores depois de já os ter tentado usar como «carne para canhão» nas suas tentativas de chantagem sobre as organizações sindicais, aquando das negociações da concertação social.
Aliás, é curioso que o Governo, em sede de Orçamento do Estado para 1994, se venha vangloriar dos êxitos da sua política de reestruturação da Administração Pública erigindo como instrumento fundamental «o prosseguimento de medidas de flexibilidade gestionária, de racionalização e de desintervenção da Administração, centrando-as nas suas missões essenciais e d indo sequência às recomendações da Comissão de Qualidade e Racionalização da Administração Pública».
Em primeiro lugar, as medidas de flexibilidade consistem na aplicação do diploma dos disponíveis. E, neste aspecto, é curioso que o relatório do Orçamento do Estado para 1994 se limita a referir que «o número de funcionários integrados no quadro de excedentes interdepartamentais é de 563». Mas, afinal, quantos são os disponíveis e que destino têm tido?
No entanto, o Governo nada diz. Mas só na segurança social foram 1668 e, ao contrário do que se afirma nas propostas agora em apreciação, o seu destino não foi nem o sector da saúde nem o da educação. O destino desses trabalhadores foi o Ministério da Defesa, como reconheceu o Sr. Secretário de Estado da Segurança Social na Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família e, noutros
casos, foi a reforma. Este é riais um exemplo de rigor dos relatórios que o Governo submete à Câmara.
E, já que estamos nesta área, que dizer da contenção orçamental de despesas correntes no Gabinete do Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social com um aumento na módica percentagem de 50 %? Não é este um exemplo evidente do reforço político dos gabinetes ministeriais, em detrimento dos serviços efectivamente operativos? E que dizer dos brilhantes resultados decorrentes dos 110 diplomas orgânicos aprovados? Só um exemplo: na Direcção-Geral de Alfândegas reduziram-se 900 lugares de carreira, mas, em contrapartida, aumentaram-se 23 lugares de chefia! Mas que racionalização!
Em segundo lugar, como pode o Governo vir dizer que vai dar sequência às recomendações da Comissão de Qualidade e Racionalização da Administração Pública se tais recomendações ou ainda não estão elaboradas ou, se estão, mantêm-se secretas? E que dizer, quando se fala tanto em investigação científica, do facto de os disponíveis do INETI serem atirados para o Hospital de S. Francisco Xavier, cuja maioria de trabalhadores estão a contrato a termo ou a recibo verde e a própria administração do hospital questiona as razões de tal afectação, pois diz nada ter a ver medidas de mobilidade daquele tipo e não tem disponibilidade orçamental para pagar o salário daqueles trabalhadores?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estes são alguns exemplos - e muitos outros poderíamos dar - da reforça estrutural da Administração Pública, que o Governo se propõe prosseguir nas propostas em discussão nesta Assembleia.
Se o rigor do enquadramento macroeconómico do Orçamento do Estado para 1994 for idêntico ao rigor com que o Governo analisa e perspectiva a reestruturação da Administração Pública, a rainha das ciências, ou seja, a economia, para usar a adjectivação do Sr. Ministro das Finanças, bem pode exigir uma indemnização por ofensas à honra e dignidade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, atenção ao tempo.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros de Governo: Para completar o quadro orçamental de ataque aos direitos dos trabalhadores, não podemos deixar de referir as propostas sobre segurança social. Mais uma vez o Governo, quer reincidir em não cumprir a sua obrigação de proceder a uma adequada transferência para cobrir os regimes não contributivos ou reduzidamente contributivos. Neste contexto vir admitir, como faz o Governo, um empréstimo do Estado à segurança social representa uma atitude totalmente imoral, já que a segurança social tem vindo a ser sistematicamente descapitalizada pelo Governo quer de forma activa, pela insuficiência das transferências, quer de forma passiva, face à contemporização com a dívida de 300 milhões de contos do patronato. Curiosamente, o Governo prevê uma redução da despesa quer com o abono de, família quer com o subsídio de doença, o que significa mais um exemplo da política restritiva de acesso a estas prestações sociais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros de Governo: Da mesma forma que é falsa a afirmação de que o IRS vai baixar, é falsa e destituída de escrúpulos a afirmação de que o Governo vai aumentar as pensões para melhorar o seu poder de compra. Na verdade, os aumentos de pensões, aprovados sem audição dos parceiros sociais, variam entre 5 % e 6,1 %. Expressas em valor diário, representam 50$00 para o regime geral, 33$00 para os agrícolas e 30$00 para a pensão social. Mesmo fazendo as contas à maneira do Governo, ou seja, com a taxa de inflação de 5,5 % prevista para 1994, teríamos apenas um ganho de menos de

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5$00/dia para as pensões de regime geral, perdendo as restantes pensões 0,5 % mês, ou seja, diminuem em valor real.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Nas palavras do Sr. Ministro das Finanças, o Orçamento do Estado constitui um contrato de colaboração com os contribuintes. Assim sendo, da parte do Partido Comunista Português teremos que deixar bem clara, pelas razões atrás expostas, a nossa indisponibilidade para assumirmos o papel da parte colaborante com o primeiro outorgante - o Governo - porque aos segundos - os trabalhadores portugueses, os contribuintes em geral - assiste o direito de rescisão com justa causa.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Sérgio.

O Sr. Manuel Sérgio (PSN): - Sr. Presidente, vou romper com o curso habitual deste Plenário, olhando olhos nos olhos a bancada ministerial, porque se não for desta forma vou para a tribuna e ninguém me liga.

Risos.

Sr. Presidente, Srs. Ministros, Sr.ªs e Srs. Deputados: Se este Orçamento do Estado para 1994 fosse encarado como uma tese académica, talvez merecesse uma aprovação tangencial de um júri relativamente benévolo. Se um orçamento de um Estado se pudesse reger tão-só por critérios de compêndio, este, concretamente, poderia exibir algumas virtudes escolares próprias de um aluno aplicado e dócil.
Com efeito, é possível encontrar nas linhas-mestras do documento norteador da actividade do nosso país alguns elementos, no meu entender se não laboro em erro grave, curiosos. Em primeiro lugar, este Orçamento é perpassado por uma indisfarçável confissão de culpa e pelo respectivo sentimento de contrição - foi isto que me pareceu, pois não sou economista.
Este Orçamento representa uma viragem radical, não hesitando em mandar a famigerada convergência às urtigas, deixando cair a obsessiva política de contracção orçamental e de controlo da inflação.
A galopada cada vez mais incontrolável do novo fantasma da sociedade ocidental, chamado desemprego, e que já motivou sugestões tão peregrinas com uma redução do horário de trabalho e aumento para três meses do habitual mês de férias, como se pôde ouvir recentemente do Ministro das Finanças alemão, o desemprego, dizia, impôs esta viragem na política orçamental do Governo. E imagine-se quão grave não deve ser a ameaça que obrigou a tão importantes cedências nos objectivos da política económica.
Esta situação vem provar como é artificial e violentador o voluntarismo árido ditado pela lógica aritmética do desenvolvimento. Uma vez mais foi esquecida a famosa frase de Alexandre Dubcek: "a realidade não nos obedece". Esqueceu-se, enfim, e uma vez mais, que no centro do progresso não podem estar os números ou os cifrões, mas o próprio Homem, isto é, a economia deve estar ao serviço do social e não o inverso.
Como todos concordam significa que arranjei mais adeptos.

Risos.

E se atrás disse que este Orçamento poderia garantir a aprovação tangencial por um qualquer júri académico é porque, nas gritantes circunstâncias actuais, só por total cegueira se poderia persistir na linha contrativa de anteriores orçamentos obedientes aos inefáveis desígnios da convergência comunitária. Pressionado pelas circunstâncias, este Governo apresenta o Orçamento possível para quem não teve outro remédio senão emendar a mão.
A questão não está, porém, na bondade intrínseca deste documento mas sim no seu timing. As medidas nele preconizadas há já pelo menos dois anos que vinham sendo reclamadas pelo PSN como forma de evitar as previsíveis consequencias e que agora estão precisamente na origem desta mudança de rumo tardia e desajeitada. Por se ter perdido tanto tempo vê-se agora o Governo no embaraço de ter que escolher entre vários males e optar pelo ataque ao que, no seu juízo, se considera o pior - o desemprego.
Mas com as rédeas mais aliviadas alargar-se-á o défice orçamental, baixarão as taxas de juro e aumentará a inflação que, no juízo do PSN, se irá situar entre os 7 % e os 8 % no próximo ano. É, pois, pura demagogia acenar à população com aumentos de reformas, logo engolidas pelos correspondentes aumentos das rendas de casa, como o é tentar iludir o contribuinte com a miragem de brindes fiscais. A crise social alastrará e a classe média irá ser, uma vez mais, a vítima privilegiada deste Orçamento, do qual bem se poderia dizer, à boa maneira portuguesa: "tarde piaste!".
A assincronia deste Orçamento já não vem resolver o que poderia ter resolvido há um ou dois anos atrás e vem, pelo contrário, agravar a crise social. Mas está bem de ver que foi sobretudo a já referida obsessão pelos critérios da convergência que fez adiar o tratamento. E nesse adiamento cabem iguais culpas aos dois principais partidos - o PSD e o PS - já que ambos se uniram entusiasticamente à volta dos desígnios comunitários. Não é, pois, justo nem sério mergulhar abraçado ao companheiro e deixar depois que este se afogue sozinho. A solidariedade tem que ser coerente. E se ela se manifesta nas causas ter-se-à que manter nos efeitos.
É por isso que é cada vez mais nítida a falência das propostas dos partidos que só na crítica sistemática encontram razão para viver.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, queira concluir.

O Orador: - Sr. Presidente, vou acabar referindo Frederico Nietzshe, que, em 1871, publicou a Origem da Tragédia, onde falava da cultura dos filisteus, a tal cultura que tapa a visão de conjunto com o pormenor. E a visão de conjunto é francamente de crise. E este Orçamento é tão só final e sintoma dessa mesma crise.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Indústria e Energia.

O Sr. Ministro da Indústria e Energia: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A modernização da indústria portuguesa é uma prioridade do Governo no âmbito da estratégia de desenvolvimento económico e social.
As afirmações de que se assiste a um processo de desindustrialização em Portugal pecam por simplistas, apesar de haver alguns sectores com problemas profundos de adaptação ao aumento significativo da oferta e da concorrência mundiais e apesar do aumento do peso que o sector terciário vem apresentando no nosso País, à semelhança, aliás, do que acontece nos países mais industrializados.

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A tudo isto soma-se, naturalmente, uma situação conjuntural adversa, alimentada pela situação económica internacional, em especial europeia, e com particular reflexo na quebra da procura em muitos segmentos (industriais no nosso país.
O esforço de adaptação e da indústria portuguesa às novas condições, criadas com o Mercado Único Europeu, sendo essas alterações significativas nas trocas internacionais, que se estão a verificar, sobretudo, a partir do início de década de 90 e que são consequência de um clima de recessão e de mutação estrutural que afecta os países industrializados, revela-se uma tarefa de grande fôlego.
O novo paradigma da competitividade internacional põe em causa as teorias clássicas do comércio internacional, assentes na dotação de recursos de um país.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Com a globalização das economias e com a mobilidade dos factores
o que conta não é só ter os recursos, mas o que determina a competitividade é a maneira como são utilizados, através da valorização e da inovação.
Com efeito, numa economia global, as matérias-primas, as tecnologias e os capitais existem disponíveis no mercado internacional e praticamente acessíveis a todos.
Mesmo a mão-de-obra barata não é, hoje em dia, uma vantagem competitiva duradoura para um país, pois as empresas nesta economia global podem deslocalizar a sua produção para outros países de mão-de-obra mais barata. Por aqui se vê e percebe o claro desafio aos sectores portugueses que competiam através desse modelo. A continuação deste modelo nesta economia global condená-los-ia face a outros países menos desenvolvidos, quer em termos de preço de produto final nos mercados consumidores quer em termos de localização dessa base produtiva em Portugal.
Por isso, de acordo com esforços de política industrial portuguesa, esses sectores estão a evoluir para uma competitividade assente no binómio preço/qualidade, utilizando os factores dinâmicos da competitividade, como introduzimos na política industrial portuguesa, e um modelo de eficiência empresarial, centrado no talento empresarial e na qualidade e motivação dos recursos humanos, e não mais competindo apenas através do preço, o que significaria competir através da mão-de-obra barata.
Assim, a política industrial portuguesa está a estimular, cada vez mais, a criação de plataformas de competência em sectores industriais, através da conjugação de esforços entre a administração industrial, a indústria e as suas associações, as infra-estruturas tecnológicas e a comunidade científica e tecnológica, dinamizando assim a aplicação dos factores dinâmicos da competitividade (a inovação e desenvolvimento tecnológico; a qualidade e design industrial; a criação de marcas portuguesas; os recursos humanos altamente qualificados; as eco-tecnologias), e estimulando ainda a cooperação, com vista! ao redimensionamento empresarial e à internacionalização da indústria portuguesa,, a qual passa por investimentos estratégicos de produção e comercialização em mercados externos e ainda pela joint-ventures e alianças estratégicas com empresas estrangeiras.
O PEDIP foi um programa integrado de apoio à indústria, pela primeira vez na história da política industrial portuguesa. De acordo com avaliação feita por uma equipa independente, o País ficou dotado de um rede de infra-estruturas metrológicas, tecnológicas e associativas, com um nível semelhante ao de outros países comunitários.
Iniciou-se um processo de diversificação das fontes de financiamento das empresas através do capital de risco e das obrigações participantes. Começou-se um processo de alteração da especialização industrial portuguesa, através da substituição gradual das actividades mais tradicionais por sectores, como a metalomecânica, com maiores perspectivas de crescimento sustentado. Assistiu-se a uma progressiva orientação das estratégias empresariais para os factores dinâmicos da competitividade, em particular a inovação, a qualidade, a produtividade e o ambiente. Apoiou-se, em articulação com o Ministério da Educação, os ensinos secundário e superior em cursos de relevante interesse industrial, de que são exemplo os mestrados de gestão, com a componente design.
Para continuar a ajudar a indústria portuguesa, preparámos agora um novo conjunto de instrumentos de política industrial, dos quais destacaria: o programa intercalar de apoio às empresas industriais, designadamente às PME, com um orçamento global de 63 milhões de contos.
Este programa tem o objectivo de antecipar, desde já, um conjunto de medidas incluídas no PEDIP II. Integrados no Plano de Desenvolvimento Regional e com expressão já no Orçamento do Estado para 1994 temos o RETEX e o PEDIP II.
O RETEX, com um orçamento de ajudas públicas de 56,7 milhões de contos, destina-se a apoiar as empresas em regiões fortemente dependentes do sector têxtil, estimulando a competitividade das empresas deste sector e apoiando a diversificação dessas regiões através da criação de outras empresas fora do sector têxtil, de vestuário e calçado.
Quanto ao novo programa de apoio à indústria, o novo PEDIP n está previsto ter um orçamento indicativo de ajudas públicas de cerca de 480 milhões de contos.
Tem ele como objectivo: consolidar e reforçar os resultados do PEDIP; rentabilizar e pôr ao serviço, da indústria as infra-estruturas tecnológicas construídas com os programas de ciência e PEDIP; apoiar a competitividade sustentada das empresas e, através dos mecanismos de engenharia financeira, aproximar as condições de financiamento das empresas portuguesas às das europeias; substituição gradual dos subsídios a fundo perdido pelos subsídios reembolsáveis à taxa nula, incorporados no financiamento bancário, por forma a pôr o sistema financeiro a apoiar mais a indústria em projectos relevantes para a nossa política industrial; continuar o reforço dos esforços estratégicos nos domínios da produtividade, qualidade e internacionalização; o lançamento de novos programas mobilizadores, como foi o caso do satélite português, com vista à introdução de novos pólos de especialização na estrutura industrial portuguesa.
Pensa-se que o novo programa terá uma estrutura assente em quatro eixos: primeiro, a dinamização do ambiente de eficiência empresarial; segundo, a dinamização do potencial estratégico e do desenvolvimento empresarial integrado; terceiro, a promoção de estratégias de produtividade, qualidade internacionalização e dos recursos humanos; quarto, a gestão do programa. Quanto ao sector energético, como todos sabemos, constitui um dos suportes indispensáveis para o desenvolvimento económico, pelo que se assume como um aspecto estratégico de maior relevância no nosso país.
A energia é, e será sempre, uma desvantagem competitiva para a economia portuguesa que tem vindo a ser atenuada pela nossa política energética.
Portugal, desprovido de recursos fósseis, depende do abastecimento exterior em cerca de 90 % das suas necessidades em energia, acrescendo ainda a isto a significativa dependência em relação ao petróleo.

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Daí que um dos nossos objectivos seja o de diversificar as fontes de energia, não só através de um novo vector energético - o gás natural - como também através da valorização dos recursos energéticos endógenos.
Outro objectivo estratégico que decorre da nossa situação energética consiste na diminuição da intensidade energética do PIB, o que passa pelo reforço das medidas que visam a utilização racional e a conservação da energia.
Neste contexto, destacam-se pela sua importância, na nossa política energética, os seguintes cinco eixos fundamentais: introdução do gás natural; desenvolvimento das energias novas e renováveis; estímulo à conservação e utilização racional da energia em toda a economia, desde o sector primário ao terciário; reestruturação do sector eléctrico e, finalmente, a continuação da liberalização do sector dos produtos petrolíferos.
Os três primeiros eixos (gás natural, energias novas e renováveis e conservação e utilização racional de energia) têm uma expressão significativa no PDR - 322 milhões de Ecus, com a correspondente inscrição no Orçamento do Estado para 1994.
No que toca ao sector eléctrico é de registar o assinalável esforço de redução em termos reais dos preços de energia eléctrica para as empresas portuguesas, que temos vindo a fazer, com vista ao reforço da competitividade da nossa estrutura empresarial e industrial.
Com efeito, em 1993, os preços de energia eléctrica mantiveram-se aos níveis nominais de 1992 para as empresas portuguesas e, em 1994, como o Governo já disse, contamos novamente manter esses preços em valores nominais, o que significa que as empresas portuguesas manterão em 1994 os mesmos preços nominais de 1992.
Contudo, para um conjunto significativo de grandes consumidores cerca de 15 % do consumo eléctrico industrial português fizemos, no passado mês de Outubro, uma significativa redução tarifária que poderá ir de 10 a 28 %. Portanto, para os membros deste conjunto, cerca de 15 % do consumo industrial português, os preços da energia eléctrica serão mesmo, em valores nominais, inferiores aos praticados em 1992.
É esta a nossa contribuição, graças aos sérios esforços de reestruturação e aumentos drásticos de produtividade no sistema eléctrico e, em particular, na electricidade de Portugal, para o aumento da competitividade empresarial portuguesa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Estão inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Ferro Rodrigues e André Martins.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Indústria e Energia, independentemente da postura da oposição, que o PS assume convictamente em relação à política do Governo, é da mais elementar justiça salientar que, em relação ao PEDIP, houve um esforço muito grande por parte do Sr. Ministro para que houvesse auditorias, estudos independentes, que permitiram o desenrolar, na Comissão de Economia, Finanças e Plano, por várias vezes, de debates extremamente interessantes sobre os resultados desse programa. 15to é algo da mais elementar justiça salientar.
É óbvio que esses estudos também salientaram algumas deficiências, fracassos e falhanços, mas o simples facto de eles terem existido, sobretudo por contraposição ao que foi o resto da prática nessa matéria no que respeita à aplicação dos fundos estruturais, importa ser salientado.
0 que é facto é que, nestes últimos anos, a indústria não evoluiu bem. O Sr. Ministro da Indústria sabe que os indicadores que temos pela frente, indicadores de queda do produto industrial, indicadores de desindustrialização, não são meramente conjunturais, têm em si um elemento estrutural onde há uma componente fundamental que é preocupante, visto que a transformação não se está a dar com contrapartidas suficientemente fortes do lado do dinamismo em áreas que seriam as de maior futuro.
Do meu ponto de vista, o Sr. Ministro corre o risco de ficar na História como o ministro da indústria no momento em que o produto industrial baixou e em que houve desindustrialização, apesar dos fundos estruturais, sem que tal seja da sua principal responsabilidade, na medida em que, por um lado, houve uma desadequação da articulação entre o PEDIP e o SIBR em vários momentos - só mais tarde ela foi corrigida, já quando muito dinheiro tinha sido gasto -, por outro lado, as políticas monetária e cambial foram desenvolvidas durante largo tempo, comprometeram seriamente a rentabilidade e a competitividade das empresas industriais, tendo os apoios comunitários servido, fundamentalmente, para minorar os efeitos negativos das políticas macro-económicas que foram conduzidas.
Pergunto-lhe, pois, se, daqui para a frente, perante alguma pressão que se faz sentir para que haja ainda menos selectividade do que aquela que houve, e que, a meu ver, deveria ter sido maior, no acesso a determinados fundos estruturais com impacto na indústria, o Sr. Ministro pensa ceder e abrir as portas a interpretações menos correctas de relatórios (tal como o relatório Porter) que, do meu ponto de vista, são fundamentalmente correctos, mas podem ter um aproveitamento oportunista no sentido conservador, ou, se pelo contrário, terá, enquanto estiver no Governo - julgo que não vai estar muito tempo! - uma atitude no sentido de evitar que haja uma situação ainda pior para a indústria portuguesa do que aquela que seria conduzida com maior rigor e maior selectividade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Ministro da Indústria e Energia: - Já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem, então, a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Indústria e Energia: - Sr. Deputado Ferro Rodrigues, agradeço-lhe algumas referências positivas que nos fez. São justas, mas vindas da oposição não posso deixar de reconhecer algum fair play nesta matéria, o que me deixa sensibilizado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Dá para desconfiar!

O Orador: - Naturalmente, um relatório feito por uma equipa independente tem destes inconvenientes para a oposição, porque refere não só os pontos fracos mas também os pontos fortes, e, portanto, os senhores têm de aceitá-

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los. O Sr. Deputado leu-os e verificou que eram um contributo positivo.

Neste caso, gostaria de dizer que o exercício que devia ser feito nesta matéria, mas não é possível, era o de ver como é que estaria a indústria portuguesa se não houvesse PEDIP. O. Sr. Deputado sabe que, no domínio das ciências sociais, essa análise diferencial não é possível ser feita. Em ciências exactas é possível, neste caso não, pelo que não vale a pena estarmos a perder tempo.
O que posso dizer-lhe - é minha convicção profunda -, não como ministro, mas como cidadão que sempre esteve interessado nos problemas industriais, é que se não houvesse PEDIP naturalmente a indústria portuguesa estava em maiores dificuldades.
E essas dificuldades são devidas a quê, Sr. Deputado? Passo a elencar três conjuntos de razões.
A primeira, deve-se ao ajustamento que tinha de dar-se a nível micro-económico e com a nossa entrada na Comunidade, e que está a dar-se graças a uma maior abertura dos mercados. É uma situação que se está a verificar em todos os países europeus, e também em Portugal. Quando uma economia se abre, se expõe mais à concorrência externa, naturalmente tem de haver um ajustamento. A indústria portuguesa está a sofrer todo o impacto desse ajustamento.
Como segunda razão, todos conhecemos as condições financeiras adversas do passado. Aliás, o Sr. Deputado sabe o esforço que o Governo tem feito para, na sequência da liberalização dos movimentos de capitais, abrir à concorrência o nosso sector financeiro, para, daí, dar condições mais equitativas as empresas portuguesas em relação à Europa. É um esforço que não está ganho, o Governo, designadamente o Ministério das Finanças - e o Ministério da Indústria e Energia também tem colaborado -, está extremamente interessado nesta matéria.
A terceira razão, que o Sr. Deputado conhece, deve-se à crise económica internacional, que é muito uma crise económica europeia. Como sabe, na Ásia há crescimentos espectaculares, na América latina há também países com resultados animadores em crise económica europeia termos económicos, mas é uma crise económica europeia que, como tenho dito várias vezes, quando a economia europeia está com gripe, a economia portuguesa não pode deixar de se constipar ou de ter uns espirros porque estamos inseridos na economia europeia.
Por outro lado, o Sr. Deputado utiliza um termo que importa desmistificar. É incorrecto falar, em Portugal, de desindustrialização. E isto por uma razão muito simples: é que nós, infelizmente, nunca tivemos uma indústria forte. Se falarem em desindustrialização no Reino Unido, um país que foi líder do desenvolvimento industrial à escala mundial, eu aceito, mas falar de desindustrialização em Portugal quando sempre tivemos uma indústria fraca, com extremas fragilidades e vulnerabilidades, acho que o termo não é correcto. Há todo um processo, que já somariei e assumo totalmente, não o ignoro, pelo que penso que o termo desindustrialização é incorrecto.
Posso dizer, com todo o gosto, que a selectividade no PEDIP, como o Sr. Deputado teve o fair play de reconhecer, existiu, e cerca de 50% das empresas que se submeteram ao sistema de incentivos - e, aliás, aconteceu o mesmo no SIBR - foram reprovadas.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, queira concluir.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Lembro-lhe, Sr. Deputado Ferro Rodrigues, que há dois anos Deputados da sua bancada vieram criticar dizendo que o PEDIP não apoiava o sector têxtil - o que eles queriam é que eu fosse menos selectivo -, que era a selectividade do PEDIP que fazia com que muitas empresas não fossem apoiadas.
Por último, quero dizer-lhe que, eu próprio, fui talvez o primeiro a escrever em Portugal chamando a atenção para as omissões e para os perigos de uma leitura superficial do tal famoso pré-relatório Porter. Não subscrevo minimamente a ideia de ficarmos restringidos a sectores tradicionais. O exemplo do automóvel, que foi possível montar em Portugal na década de 80 mostra que podemos fazer um exercício semelhante para o ano 2000: prespectivar novos sectores industriais.
Portanto, Sr. Deputado, nesse aspecto, pode ficar descansado com o pensamento do responsável governamental pelo desenvolvimento industrial.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz Abreu): - Utilizando apenas um minuto, cedido pela Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins para formular o seu pedido de esclarecimento.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, gostaria de colocar-lhe uma questão em relação à qual sempre tive curiosidade em saber a sua resposta, mas nunca tendo tido oportunidade de a fazer, e confrontá-lo com uma afirmação que fez há cerca de dois anos.
O Sr. Ministro introduziu, em Portugal, uma frase, uma expressão extremamente importante quando há cerca de três ou quatro anos se vivia aquilo a que se pode chamar a «fobia da eucaliptalização indiscriminada do território». Os resultados são conhecidos: a substituição indiscriminada de culturas tradicionais portuguesas, da floresta tradicional de uso múltiplo, sem ter em atenção as características do nosso território, a vivência, a qualidade e as condições de vida da nossa população do mundo rural. Essa situação levou a que, em 1991, as indústrias de celulose tivessem prejuízos na ordem dos 18 milhões de contos - e o Sr. Ministro conhece melhor do que eu esta situação, pois estes dados foram publicados pelo Governo - e, em 1992, dos 22 milhões de contos.
Em regiões importantes do nosso território, onde houve essa substituição do eucalipto pela floresta de uso múltiplo, verificamos que os eucaliptais foram abandonados, isto é, as empresas que investem na eucaliptalização deixaram de ter qualquer interesse.
A questão que coloco é esta, Sr. Ministro: aquilo a que, na altura, V. Ex.ª chamou «petróleo verde para Portugal», resultado da estratégia política do Governo, não se poderá designar hoje por «laranjas pobres» do actual Governo do PSD?

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro da Indústria e Energia.

O Sr. Ministro da Indústria e Energia: - Sr. Presidente, Sr. Deputado André Martins, vou tentar fazer um esforço de síntese para responder à sua pergunta.
Gostava de dizer-lhe o seguinte: quando disse isso estava a visitar uma empresa portuguesa de papel em Setúbal e tinha acabado de fazer um importante investimento no domínio ambiental. Foi-me perguntado o que é que eu pensava do sector, tendo eu, então, dito que a floresta era

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o nosso «petróleo verde». Disse e volto a repeti-lo, Sr. Deputado! Como estava numa empresa de celulose, aquilo que deduziram da minha afirmação - e até agradeço, nesse aspecto, a sua pergunta - foi que a celulose era o nosso «petróleo verde».
Volto a sublinhar que, tal como é visível no PDR, a nossa preocupação com a gestão florestal é a de que a floresta seja um recurso económico, de que não nos podemos esquecer. Pelo contrário, importa valorizá-lo, mesmo em termos económicos, e essa é uma orientação clara do Governo!
Devo dizer, talvez para citar as minhas preocupações ambientais, que tenho todo o gosto em enviar-lhe um texto meu que já foi publicado relativo aos aspectos ambientais do desenvolvimento económico e ao desafio empresarial dos anos 90, que explica toda a minha filosofia nesta matéria, bem como a compatibilização entre competitividade industrial e protecção ambiental. É isso, felizmente, que as indústrias de celulose estão a fazer em Portugal, num contexto financeiro extremamente adverso, fazendo investimentos no domínio ambiental de milhões de contos com extremas dificuldades financeiras. Importa sublinhar este facto, que não é dispiciendo!
Em terceiro lugar, gostaria de dizer-lhe que a indústria de celulose é uma indústria cíclica, que passa, à escala mundial e por uma situação conjuntural adversa. Portugal, como não produz para o mercado interno, porque as grandes empresas de celulose trabalham no mercado mundial, não pode deixar de sofrer as consequências dessa conjuntura, desse ciclo negativo. O problema português deste sector, como aliás de outros sectores industriais, é o de que as nossas empresas não têm uma estrutura financeira sólida que lhes permita aguentar este «temporal», esta situação de ciclo negativo. Repito: é este o grande problema que temos na indústria da celulose, que, aliás, é comum a outros sectores industriais.
Um guru da gestão, Peter Drucker, ensina claramente que, em situações de turbulência, mais importante do que os resultados é a estrutura financeira das empresas. E é essa uma das dificuldades empresariais que temos em Portugal, à qual o sector das celuloses não é imune.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, como não há mais inscrições, dou por encerrado o debate de hoje, que continuará amanhã, às 10 horas.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 15 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
José Angelo Ferreira Correia.
José Macário Custódio Correia.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Maria Leonor Couceiro Pizarro Beleza de Mendonça Tavares.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Socialista (PS):

Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
Armando António Martins Vara.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Santos de Magalhães.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

Partido Comunista Português (PCP):

Maria Odete dos Santos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Fernando Monteiro do Amaral.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
Joaquim Manuel Pereira de Almeida e Silva.
José Manuel Borregana Meireles.
Luís António Carrilho da Cunha.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel Maria Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Telmo José Moreno.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

António Fernandes da Silva Braga.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
João António Gomes Proença.
Joaquim Dias da Silva Pinto.

Rectificação ao n.º 9, de 6 de Novembro

Por empastelamento, deve dar-se como não reproduzido o seguinte texto:

Da pág. 252, 2.ª cl., a partir da 1. ª, à pág. 263, 1.ª cl., até à 1. ª.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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