O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

23 de Abril de 1994 2043

direito para que o secretário judicial, com a fórmula "execute-se", substitua a sentença do juiz no processo sumaríssimo de declaração.
O secretário judicial, nos termos do diploma, terá de tornar inteligível o pedido do credor - até parece que o credor poderá apresentar um pedido ininteligível! - notificando o eventual devedor do pedido apresentado e por ele, secretário, burilado em termos inteligíveis. E nessa notificação, feita por carta registada com aviso de recepção, deverá indicar o dia em que termina o prazo para a dedução de oposição por parte do requerido. Depois, se no prazo assinalado não houver oposição, o secretário judicial decide se torna executivo - isto é, coercivo - o pedido do requerente, ou se lhe recusa a fórmula "execute-se".
Que actuação tem de ter, então, o secretário judicial? Tem de analisar a legalidade substancial do pedido; tem de verificar se se trata de uma contrato válido ou inválido; tem de aplicar o direito aos factos resultantes de documentos- pode tratar-se de dívida que não esteja vencida sequer, que não seja ainda exigível; tem de decidir sobre a regularidade da notificação e, no final, sentenciar que há um título executivo.
Assim, é óbvio que, por mais disfarces que se queiram colar ao diploma, com o mesmo se confere ao secretário judicial o poder de assegurar a defesa de direitos e interesses legalmente protegidos, o poder de dirimir conflitos de interesses privados. É inequívoco que o secretário judicial terá de resolver de acordo com o direito, como diz Rodrigues Queiró, "uma questão jurídica, um conflito de pretensões entre duas ou mais pessoas, ou uma controvérsia sobre a verificação em concreto de uma ofensa ou violação da ordem jurídica"; ou, como diz ainda o mesmo Professor, "pratica um acto resolvendo uma questão de direito". O secretário judicial pratica, assim, por força do diploma, verdadeiros actos jurisdicionais. Não se trata, na verdade, de actos através dos quais o secretário se limite a confirmar que perante ele se constituíram entre as partes, por acordo de ambas, determinadas obrigações - com o que assumiria o papel de notário - e, por outro lado, a fórmula "execute-se" não garante que o devedor de facto se obrigou a pagar uma quantia determinada porque pode tratar-se de um contrato meramente verbal, até nulo por falta de forma.
Assim, nenhuma equiparação pode ser feita entre o título executivo saído da injunção do secretário judicial e os títulos executivos resultantes de documentos exarados ou autenticados pelo notário, ou os títulos executivos constituídos por cheques, letras, livranças e outros escritos particulares.
É que a fórmula "execute-se" representa já uma decisão de uma questão de direito porque o secretário tem de apreciar a adequação do pedido àquilo que vem no artigo l.º. E pode mesmo acontecer que uma escritura celebrada notarialmente, contendo obrigação de prestações futuras, que não seja, nos termos do Código de Processo Civil, título executivo por falta de documento comprovativo de pagamento de uma dessas prestações, seja submetida ao secretário judicial, que terá de decidir, na falta de documento comprovativo do pagamento dessa prestação futura, se dá forma executiva ou não ao pedido do requerente.
Estamos, portanto, perante um diploma que atribui ao secretário judicial a prática de actos jurisdicionais e, por isso mesmo, é inconstitucional por violar o artigo 205.º da Constituição da República, dado que a função jurisdicional compete apenas ao juiz. Mas é também organicamente inconstitucional porque, através de um decreto-lei não autorizado por esta Assembleia, o Governo usurpou a esta a competência para legislar - isto nos termos do artigo 168.º, n.º 1, alínea q) da Constituição. Assim, o diploma encontra-se ferido de morte e propomos que seja recusada a ratificação.
Entretanto, há outras questões que se suscitam: no preâmbulo, diz-se que, através dele, não se mostram diminuídas as garantias das partes. Mas isto não é verdade, pelo menos no que toca ao pretenso devedor, que pode até nada dever - alguém que nada deve pode ver-se de súbito a braços com uma penhora! 15to porque o secretário judicial manda expedir notificação por carta registada com aviso de recepção para uma morada, que pode até nem ser a verdadeira, indicada pelo credor; pode acontecer que o aviso seja assinado por outrem; pode mesmo estar assinado pelo próprio, que, na altura, podia estar em condições de saúde nas quais a lei, não permite fazer citações mas, mesmo assim, a notificação considera-se feita; e até, nos termos do diploma, pode ser feita já depois de passado o prazo para deduzir oposição - não percebemos como é que o secretário judicial, que tem obrigação de indicar o dia em que termina o prazo, pode adivinhar em que dia é que vai ser assinado o aviso de recepção!
Ora, a pessoa nestas circunstâncias (que pode até ter o aviso assinado por um vizinho, ou pode não ter ido levantar a carta aos correios) não está notificada a tempo mas, perante o artigo 255.º do Código do Processo Civil, aplicável às notificações, considera-se notificada. Colocada na impossibilidade de se opor, dir-se-á: mas contra o "execute-se" do secretário judicial o devedor pode opor-se sem embargos à execução que entretanto se venha a efectuar - como se diz no preâmbulo. Sim, poderá opor-se, mas, entretanto, os embargos não suspendem a execução: a penhora é feita e, se for feita através de descontos nos salários, o devedor ver-se-á privado de uma parte da sua subsistência.
Mas a injunção também não serve, de facto, aos credores porque com uma sentença num processo sumaríssimo de declaração imediatamente o credor pode nomear bens à penhora ou até, em certos casos, o Ministério Público, enquanto que através deste diploma não, a nomeação de bens à penhora é feita, primeiro, pelo executado e só depois se devolve ao exequente.
Assim, onde parecia que se aceleravam processos, que haveria maior celeridade, coloca-se, ao fim e ao cabo, mais entraves na máquina da justiça. E levantam-se outras questões: o que é a oposição ao requerimento? A mera negação serve de oposição? Quando deve ser indicada a prova? Perante o secretário judicial ou perante o juiz? A distribuição do processo terá de ser notificada às pessoas, para pagamento de preparos.
Esta justiça que aqui se transfigura é uma justiça que se impõe aos pobres, uma justiça pobre. Para aqueles que forem cumulando um rol na mercearia por falta de meios, que vão pagando a prestações, e depois dizem que já pagaram mas o credor diz que não! Em época de agravamento das exclusões sociais, o Ministério da Justiça responde acentuando a exclusão com uma justiça de segundo plano. Uma justiça que o Sr. Ministro quer enroupar de vestes diferentes para os "humilhados e ofendidos".

Vozes do PCP: - Muito bem!

Páginas Relacionadas
Página 2038:
2038 I SÉRIE - NÚMERO 62 les que vão ser utilizados pelo concessionário. Portanto, não há a
Pág.Página 2038
Página 2039:
23 DE ABRIL DE 1994 2039 No entanto, há uma coisa que eu gostaria de saber: não seria possí
Pág.Página 2039