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2564 SÉRIE - NÚMERO 79

esperançados numa posição de imprescindibilidade em conjuntura de maioria apenas relativa. Assumirão, estou certo disso, as responsabilidades inerentes às atitudes que assumirem.
Se vier a ser esse o caso, pela nossa parte, não enjeitaremos as nossas mas não vemos razão alguma para que, em obediência à regra da alternância, o eleitorado nos não venha a dar a mesma maioria que por duas vezes deu ao PSD. Se assim não for, nem por isso copiaremos o actual Primeiro-Ministro na sua antidemocrática recusa em governar! Os resultados das últimas eleições confirmaram o dualismo direita-esquerda, separado por um equador pouco menos do que equidistante.
A democracia portuguesa confirma-se a si mesma como "motor a dois pistons". Relembro Alain: "Quando me pergunto se a divisão entre os partidos de direita e de esquerda, homens de direita e de esquerda, tem ainda sentido, a primeira ideia que me surge é a de que o homem que põe esta questão não é certamente um homem de esquerda".
Está aí, aberta à sagacidade dos analistas, a indagação do significado da abstenção verificada. Não entrarei no jogo de disputar quem por ela foi mais prejudicado, embora tenha a minha convicção. Parece-me óbvio que, na medida em que por igual tivessem sido todos, nenhum o teria sido; na medida em que essa igualdade só por absurdo poderia ter ocorrido, uns terão sido mais prejudicados do que outros, naturalmente, mais aqueles que normalmente têm uma votação superior nos concelhos em que a abstenção foi maior. A partir daí, não é difícil tirar conclusões.
Também me não preocupam excessivamente as causas conjunturais da pouca afluência às umas. 0 facto de o maior partido ter sido a praia só pode espantar quem tiver do dever cívico uma ideia distanciada do hedonismo grassante. De igual modo, a circunstância - comum aos eleitores dos demais Estados membros da União Europeia - de as eleições para o Parlamento Europeu ainda não serem normalmente mobilizadoras, é um dado que tem mais de circunstancial do que de preocupante. Acabarão por sê-lo, quando se tomar ainda mais evidente que não temos futuro que não passe pela União Europeia e que ou nos empenhamos e construí-lo dentro e a partir dela ou ficamos confinados, mais do que já estamos, ao futuro que outros construam para nós.
0 que verdadeiramente me preocupa é a dimensão qualquer que seja - da apatia cívica face à democracia representativa e ao processo político de base partidária contida na abstenção verificada.
Sobre esta específica motivação, temos o dever de reflectir. Por que é que, em progressão lenta, mas constante, descrê o eleitor do voto? Não estou certo da resposta, mas o mais provável é que o eleitor reaja negativamente à impressão de que o seu voto vale pouco ou, em qualquer caso, menos do que ele gostaria.
Escolher, de tempos a tempos, quem deve decidir por ele não é, provavelmente, uma tarefa exaltante, mas continua a ser a essência da democracia representativa, inviabilizada que foi, com o alargamento do espaço político, a democracia directa. Esta não poderá ser reposta qua tale mas, ao invés de nos acolhermos, ao resignado ensinamento de Kant, ou seja, o de "fazermos como se o que não será, talvez não devesse ser", melhor é que tentemos recuperar da democracia directa a sua porção recuperável através do reforço possível da dimensão directamente participativa dos cidadãos. Esta pode ser ampliada, logo, deve.
A verdade é esta: deixámos expandir até limites que começam a ser discutidos a convicção da insubstituibilidade dos legitimados pelo voto, quantas vezes, até ao esquecimento de quem neles votou! A ligação entre o Estado e a sociedade é hoje tão débil que enfrenta a cada passo o risco da ruptura: os poderes de facto avançam, o Estado recua; os poderes ditos de direito enfeudam-se demais ao culto do progresso quantitativo, esquecendo as pessoas e as suas preocupações dominantes. 0 bloqueio aos acessos ao emprego, à educação, à saúde, à justiça, à segurança, a um rendimento mínimo garantido, à dignidade sem qualificativo - torna o eleitor descrente em quem periodicamente elege e a chamada classe política, em si não melhor nem pior do que a matéria-prima de que se destaca, é um bode expiatório à mão de quem precisa de mitos confortáveis para as suas próprias decepções, sobretudo, quando ajudado por responsáveis políticos que criticam a corporação a que pertencem como se situassem fora dela!
A Constituição da República quer que a nossa democracia seja em alto grau participativa e cumpre reconhecer que têm sido bloqueados, nesse domínio, quase todos os avanços. Não será isso que está fundamentalmente em causa?
Quando se recusam formas de descentralização directamente previstas na Constituição, concorde-se ou não com elas (caso das regiões administrativas); quando se adiam sine die formas de participação dos cidadãos que a Constituição contempla (caso da acção popular); quando se inviabilizam candidaturas aos órgãos políticos propostas por grupos de cidadãos implicitamente reafirmando o monopólio da iniciativa partidária; quando se torce o nariz à proposta da iniciativa legislativa popular; quando se recusa entusiasmo à fiscalização constitucional das leis por iniciativa de grupos de cidadãos; quando, enfim, se encaram reticentemente tantas outras iniciativas no sentido de reforçar o empenhamento directo dos cidadãos, individualmente ou em grupo, na gestão da coisa pública, encomenda-se a apatia cívica que a justo título se receia.
Estamos perante uma dificuldade real. A atitude - tão oficial entre nós - de negar dificuldades não ilude por mais tempo aqueles que lhes sofrem as consequências.

Aplausos do PS.

Daí a "melancolia democrática" de que agora se fala; daí o desiderato de "reinventar o sistema económico", de "reinventar o sistema político", de "inventar uma nova ordem mundial". Reinventar! Inventar! Mudar! As novas palavras de ordem.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Mundo mudou tanto e tão depressa neste fim de século, sobretudo depois do marco mítico da queda dos muros, que só por milagre o sistema económico, o sistema político, e a componente social de um e outro poderiam permanecer incólumes. 0 todo político esteve tempo demais contido em Aristóteles; o todo económico tempo demais contido em Adam Smith; o todo social tempo demais confinado às encíclicas. Por mim - quero que saibam- recuso-me a aceitar que seja impossível definir uma nova política económica de esquerda e uma nova política social de direita. Estará possivelmente no sucesso dessas tentativas a melhor esperança de uma nova ordem internacional, que é hoje uma ansiedade de todos, mas que tem esbarrado em jogos de interesses, em tabus de espírito e em rotinas de escola.
Vamos averbando evidências: a esquerda nem sempre tem logrado produzir com eficácia; a direita tem-se mostrado incapaz de distribuir com justiça. Uma e outra defendem o crescimento sustentável mas ainda não atinaram no modo de sustentá-lo; a ecologia tem-se revelado inconciliável com o modelo de desenvolvimento económico pre-

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