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Quinta-feira, 16 de Junho de 1994 I SÉRIE - NÚMERO 79

DIÁRIO
da Assembleia da República

VI LEGISLATURA

3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 15 DE JUNHO DE 1994

Presidente: Ex.mº Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Ex.mºs Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário
José Ernesto Figueira dos Reis

S U M A R I 0

0 Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.

Antes da ordem do dia - Deu-se conta da entrada na Mesa de vários diplomas, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, os Srs. Deputados Pacheco Pereira (PSD), Almeida Santos (PS), Octávio Teixeira (PCP), António Lobo Xavier (CDS-PP), 15abel Castro (Os Verdes) e Mário Tomé (Indep.) analisaram os resultados das eleições para o Parlamento Europeu, tendo formulado pedido de esclarecimento, além dos oradores iniciais Octávio Teixeira e Almeida Santos os Srs. Deputados Narana Coissoró (CDS-PP), Manuel Alegre e José Vera Jardim (PS), Duarte Lima e Guilherme Silva (PSD).
Procedeu-se à leitura do voto n.º 107/V1 - De protesto por o Governo da República das Filipinas ter dificultado a entrada e permanência de cidadãos portugueses participantes na APCET, de elogio à hierarquia judicial filipina por ter possibilitado a realização da mesma e de solidariedade para com o povo de Timor Leste (Presidente da Assembleia da República, PSD, PS, PCP, CDS-PP, Os Verdes, PSN e Deputados independentes Mário Tomé e Raúl Castro)

Ordem do dia.- A proposta de lei n.º 99/VI - Altera o Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro (Lei de Imprensa) foi debatida, na generalidade. Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro Adjunto (Amândio de Oliveira), os Srs. Deputados Narana Coissoró (CDS-PP). Odete Santos (PCP), Arons de Carvalho (PS), Mário Tomé (Indep.) e Miguel Macedo (PSD).
Entretanto, a Câmara deu assentimento às viagens de caracter oficial do Sr. Presidente da República a Espanha, efectuada a 6 e 7 de Junho, e à Colômbia de 12 a 21.
Foi ainda apreciada na generalidade, a proposta de Lei n.º 102/VI - Define
o regime de acolhimento de estrangeiros ou apátridas em centros de instalação temporária, tendo usado da palavra, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna (Carlos Encarnação os Srs. Deputados Narana Coissoró (CDS-PP), António Filipe (PCP). Mário Tomé (Indep.), José Magalhães (PS), José Puig (PSD) e 15abel Castro (Os Verdes).

0 Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 15 minutos.

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0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António do Carmo Branco Malveiro.
António Esteves Morgado.
António Fernando Couto dos Santos.
António Germano Fernandes de Sã e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo Marques da Cunha.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cecilia Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paufista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Carlos Marta Soares.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.

João Granja Rodrigues da Fonseca. João José da Silva Maçãs. João Maria Leitão de Oliveira Martins. Joaquim Cardoso Martins. Joaquim Eduardo Gomes. Joaquim Maria Fernandes Marques. Joaquim Vilela de Araújo. Jorge Avelino Braga de Macedo. Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha. José Agostinho Ribau Esteves. José Alberto Puig dos Santos Costa. José Albino da Silva Peneda. José Álvaro Machado Pacheco Pereira. José Augusto Santos da Silva Marques. José de Almeida Cesário. José Fortunato Freitas Costa Leite. José Guilherme Pereira Coelho dos Reis. José Júlio Carvalho Ribeiro. José Leite Machado. José Luís Campos Vieira de Castro. José Manuel Alvares da Costa e Oliveira. José Manuel Borregana Meireles. José Manuel da Silva Costa. José Manuel Nunes Liberato. José Mário de Lemos Damião. José Pereira Lopes. Luís António Carrilho da Cunha. Luís António Martins. Luís Carlos David Nobre. Luís Filipe Garrido Pais de Sousa. Luís Manuel Costa Geraldes. Manuel Aibino Casimiro de Almeida. Manuel Antero da Cunha Pinto. Manuel da Costa Andrade. Manuel da Silva Azevedo. Manuel de Lima Amorim. Manuel Filipe Correia de Jesus. Manuel Joaquim Baptista Cardoso. Manuel Maria Moreira.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues. Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira. Maria Luísa Lourenço Ferreira. Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa. Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo. Mário Jorge Belo Maciel. Melchior Ribeiro Pereira Moreira. Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva. Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas. Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos. Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva. Olinto Henrique da Cruz Ravara. Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho. Pedro Manuel Mamede Passos Coelho. Rui Alberto Limpo Salvada. Rui Carlos Alvarez Carp. Rui Fernando da Silva Rio. Rui Manuel Lobo Gomes da Silva. Simão José Ricon Peres. Virgílio de Oliveira Carneiro. Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros. Alberto Bernardes Costa.

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Alberto da Silva Cardoso.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Helena de Melo Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Rodrigues Pereira dos Penedos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Manuel dos Santos Murteira.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Narana Sinai Coissoró.
Rui Manuel Pereira Marques.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
15abel Maria de Almeida e Castro.

Partido da Solidariedade Nacional (PSN):

Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

Deputados independentes:

Mário António Baptista Tomé.
Raúl Fernandes de Morais e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

0 Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: propostas de resolução n.º 64/VI-Aprova, para ratificação, o Protocolo de Adesão da República Helénica à União da Europa Ocidental, 65/VI - Aprova o Acordo de Cooperação em Matéria de Defesa entre o Governo da República Portuguesa e o Governo do Reino de Marrocos, tendo ambas baixado às 3.ª e 4.ª Comissões, 66/VI - Aprova, para ratificação, o Estatuto do Fundo de Desenvolvimento Social do Conselho da Europa, que baixou às 3.ª e 9.ª Comissões, 67/VI - Aprova, para ratificação, a Convenção relativa à Eliminação da Dupla Tributação em caso de Correcção de Lucros entre Empresas Associadas, que baixou às 3.ª e 6.ª Comissões e 68/VI Aprova, para ratificação, o Acordo entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha relativo à Readmissão de Pessoal em Situação Irregular, que baixou às 1.ª e 3.ª Comissões, e projectos de lei n.º 419/VI - Elevação da povoação de Silvares a vila (PS) e 420/VI - Regime da prática do naturismo e da criação do espaço do naturismo (Os Verdes), tendo ambos baixado à 5.ª Comissão.
Foram ainda apresentados na Mesa, nas últimas reuniões plenárias, os seguintes requerimentos: ao Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico, às Direcções-Gerais dos Edifícios e Monumentos Nacionais e dos Espectáculos e das Artes e às Câmaras Municipais de Silves, Faro e Olhão, formulados pelo Sr. Deputado Álvaro Viegas; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado António Alves; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados António Martinho, António Filipe e Leonor Coutinho; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Fernando Pereira Marques, Caio Roque, António Martinho e Ana Maria Bettencourt; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Fernando de Sousa, Jaime Gama, Alberto Cardoso, Fernandes Marques, Raúl Castro, António Martinho e Octávio Teixeira; ao Ministério da Agricultura, formulados pelos Srs. Deputados Lino de Carvalho, José Cesário e Melchior Moreira; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado Raúl Castro; aos Ministérios

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da Administração Interna e do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado José Lello; à Câmara Municipal de Almada, formulado pela Sr.ª Deputada Leonor Coutinho; à Secretaria de Estado da Cultura, formulado pela Sr.ª Deputada 15abel Castro; ao Ministério do Mar, formulados pelos Srs. Deputados António Filipe, Fialho Anastácio e Crisóstomo Teixeira; aos Ministérios da Indústria e Energia, Ambiente e Recursos Naturais e da Agricultura, formulados pela Sr.ª Deputada Helena Torres Marques; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Miranda Calha; ao Ministério do Planeamento e da Administração do Território, formulados pelos Srs. Deputados João Carlos Duarte e Helena Torres Marques; ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulados pelos Srs. Deputados Elisa Damião e Crisóstomo Teixeira; a diversos Ministérios e à Câmara Municipal de Lisboa, formulados pelo Sr. Deputado Paulo Trindade e ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Miguel Relvas.
Entretanto, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Miguel Macedo, na sessão de 11 de Fevereiro; Fernando Santos Pereira, nas sessões de 17 e 20 de Novembro; Joel Hasse Ferreira, na sessão de 21 de Janeiro; Lírio de Carvalho e António Murteira, na sessão de 16 de Fevereiro; Carlos Marta Gonçalves, na sessão de 3 de Março; Luís Pais de Sousa, na sessão de 11 de Novembro; António Filipe, na Comissão Permanente de 9 de Setembro e na sessão de 9 de Março; Luís Peixoto, na sessão de 30 de Novembro; António Guterres, nas sessões de 6 de Janeiro, 2 de Fevereiro, 3 de Março e 6 de Abril; Marques da Costa, na sessão de 13 de Janeiro; Maria Julieta Sampaio, na sessão de 19 de Janeiro; Paulo Trindade, nas sessões de 9 de Fevereiro, 9 de Março e 11 de Maio; Jorge Paulo Cunha, no dia 16 de Fevereiro e na sessão de 30 de Março; André Martins, no dia 18 de Fevereiro e nas sessões de 17 e 25 de Março; Marques Júnior, na sessão de 9 de Março; Marília Raimundo, na sessão de 11 de Março; Rosa Albernaz, na sessão de 17 de Março; Luís Sã e Virgílio Carneiro, na sessão de 24 de Março; Paulo Rodrigues, nas sessões de 25 de Fevereiro, 16 e 24 de Março; Caio Roque, na sessão de 14 de Abril; Guilherme d'Oliveira Martins, na sessão de 22 de Abril e António Alves e Raúl Castro, na sessão de 6 de Maio.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início ao período reservado às declarações políticas, dando para esse efeito a palavra ao Sr. Deputado Pacheco Pereira.

0 Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados: Realizaram-se no dia 12 as eleições para o Parlamento Europeu, um acto essencial do exercício da cidadania dos portugueses e das suas responsabilidades enquanto europeus. São eleições peculiares, com uma lógica própria o características diferentes dos outros processos eleitorais e que justificam, por isso, um debate político específico.
Mas, antes de mais, o Grupo Parlamentar do PSD saúda todos os Deputados eleitos no passado domingo, qualquer que seja a sua filiação partidária.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Pensamos que eles são, acima de tudo, os Deputados de Portugal no Parlamento Europeu, capazes de se unirem para além das suas diferenças para defender os interesses portugueses. A todos desejamos sucesso e bom trabalho!

Aplausos do PSD.

Na análise dos resultados das eleições ao Parlamento Europeu há cinco conclusões principais a ter em conta no plano político.
Em primeiro lugar, a taxa de abstenção foi muito elevada e isso representa um factor de preocupação para todos nós. A abstenção como atitude é sempre passível de todas as interpretações e, na medida em que ela não é unívoca, cada qual tende a interpretá-la em função dos seus próprios interesses. Por isso é impossível, com seriedade, tirar da abstenção interpretações políticas definidas: se os abstencionistas quiseram ou não penalizar o Governo e o PSD não votando (com certeza que alguns quiseram); se os abstencionistas viraram as costas aos apelos dramáticos da oposição ao "cartão vermelho" ao Governo e ao PSD (com certeza que muitos viraram); se os abstencionistas recusaram partidos e políticos que deles se afastaram e nos quais não se reconhecem (com certeza que esse é um efeito da crise dos mecanismos em representação e de perversões do sistema eleitoral português); se os abstencionistas revelam a pouca informação e interesse dos portugueses com as questões europeias (com certeza que há essa pouca informação e que ela desmotiva à participação); ou se, pura e simplesmente, todas estas explicações são também auto-justificações psicológicas para o comodismo de muitos para quem um dia de sol é mais importante que o exercício de uma obrigação cívica.

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Para a abstenção podemos encontrar todas as explicações, desculpas ou pretextos, mas uma coisa não oferece dúvidas: em nenhuma circunstância haveria tal taxa de abstenção se as eleições tivessem mobilizado o eleitorado. A responsabilidade dessa mobilização é, em primeiro lugar, dos partidos e dos homens políticos! Por isso, uma elevada taxa de abstenção é sempre preocupante para todos os partidos, para todos os políticos, para o sistema político em geral, que depende, na sua legitimidade, da participação dos cidadãos na vida pública. Quando dois em três portugueses não votaram há que, para além de todas as explicações de circunstância, aceitar uma responsabilidade própria dos agentes políticos nesse resultado, mesmo que essa responsabilidade não iliba a dos cidadãos face ao dever de votar.
Em segundo lugar, os portugueses disseram "sim" à Europa comunitária, tal como decorre do Tratado de Maastricht, ao votarem esmagadoramente nos partidos políticos portugueses que assumiram a tarefa da construção europeia - o PS e o PSD. 0 partido político que se apresentou às umas como principal protagonista do combate à Europa comunitária - o CDS-PP - e que fez uma campanha radicalmente anti-europeia, acusando o PS e o PSD de "venderem a pátria aos alemães", deveria hoje reflectir sobre a resposta que os portugueses deram a estas acusações. Este foi, mais do que qualquer outra comparação de resultados - todas, aliás, bem desfavoráveis ao CDS-PP, que teve o pior resultado de sempre em eleições ao Parlamento Europeu, bem pior do que quando se apresentava com uma lista "federalista" -, o principal fracasso do partido: o seu discurso anti-europeu recebeu um não rotundo do eleitorado!

Aplausos do PSD.

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Risos do CDS-PP.

Se, como disse o CDS-PP durante a campanha, estas eleições foram o referendo que não houve os resultados estão à vista: os portugueses sentem-se parte da Europa e recusam o nacionalismo isolacionista sem sentido económico, social, cultural e político.
Em terceiro lugar, embora as conclusões políticas sejam sempre prejudicadas pelo elevado número de abstenções, e decorrendo ainda a contagem dos votos, as eleições para o Parlamento Europeu deram até agora uma escassa vantagem ao PS. Essa escassa vantagem ainda pode ser alterada e diminuída, mas não pense o PS que vamos entrar com ele numa querela interpretativa sobre quem ganhou as eleições para o Parlamento Europeu. Números são números e o PS, nesta altura da contagem, tem uma vantagem de 0,4 % em relação ao PSD.

Protestos do PS.

Escassa, muita escassa, mas há quem se contente com pouco!...

Aplausos do PSD.

Há quem se contente com aquilo que um feliz título de um jornal chamava "uma vitorinha"...

Risos do PSD.

Na realidade este resultado configura, em termos efectivos, um verdadeiro empate entre os dois partidos e é assim que tem sido interpretado por toda a gente, inclusive no PS.

Risos do PS.

Mas já que o PS tem agora um gosto tardio pela aritmética pura - que nem sempre cultivou, visto que um seu Primeiro-Ministro trocava os milhares por milhões nas contas do Orçamento do Estado -, convém dizer-lhe que, mesmo em termos aritméticos, ainda não se sabe bem qual será o resultado final e os 0,4 % ainda podem vir a encolher... Sendo assim, só dificilmente o PS convencerá a opinião pública e nós próprios de que teve uma "vitória" eleitoral nestas eleições, que deu ao PSD aquilo que dizia ser "um grande susto", uma "estrondosa derrota" ou outras caracterizações de adjectivação barroca com que o PS abrilhanta o seu discurso político, quase sempre excessivo campanha, raiando afrontoso e insultuoso.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS.

0 Orador: - Que a "vitorinha" é insatisfatória não sou eu que o digo mas, sim, os próprios socialistas. Não é César Oliveira que escreve no Público de hoje que o resultado do PS é "menos bom", propondo em seguida mudanças de fundo na estratégia partidária? Não foi o presidente socialista da Câmara de Fafe que acusou o Secretário-Geral do PS de falhar nos seus objectivos eleitorais, propondo a sua substituição?

Risos do PSD.

Protestos do PS.

Compreendo a vossa pressa em desautorizar os militantes do partido, mas digo-lhes mais: não é César Oliveira que escreve que "liderar um partido para obter grandes resultados nas sondagens não serve rigorosamente para nada"? Não foi o Deputado Vera Jardim que afirmou num debate da TVI que o PS ficou aquém do desejado? Não é aquilo que confidenciam os membros dessa nova categoria política que os jornais intitulam eufemisticamente de "amigos do Dr. Mário Soares", doublé dos "conselheiros do Presidente" e que dizem que o Engenheiro Guterres "não descolou", que "é legítimo exigir algumas inflexões ao líder do PS", "que mude rostos", "que apresente uma equipa credível", que obtenha em aliança com o PCP o que não é capaz de obter sozinho, ou seja, que mude o PS já que se mostra incapaz de mudar a vontade do País?
0 moinho de palavras, recriminações e queixas dos socialistas mostra pelo menos alguma lucidez face à enorme distância que vai do resultado obtido nas eleições para o Parlamento Europeu e o que o partido necessitava para "arrancar" para as legislativas.
Nas três eleições realizadas desde 1991 - três e não duas, porque o PS esquece-se sempre das eleições regionais de 1992 na Madeira e nos Açores,...

Aplausos do PSD.

... onde o PS - como, aliás, outros partidos da oposição investiu muito politicamente. 0 PS perdeu as eleições regionais, ganhou as eleições autárquicas e empatou as eleições europeias.

Protestos do PS.

Mais: entre as eleições autárquicas e as eleições para o Parlamento Europeu, o PS retrocedeu na sua vantagem percentual em relação ao PSD, obtendo agora um pior resultado. Em vez de andar para a frente, andou para trás!

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador: - Obcecada pelas suas necessidades de afirmação no interior do partido, a direcção do PS menosprezou o carácter da campanha para o Parlamento Europeu, descaracterizou-a e acabou por ter um resultado que, não comprometendo a eleição dos seus Deputados ao Parlamento Europeu, é um fracasso completo dos objectivos explícitos que tinha definido para a campanha.
No documento de apresentação dos candidatos ao Parlamento Europeu os socialistas definiram com clareza esses objectivos: "As próximas eleições para o Parlamento Europeu constituem, por isso, um momento essencial para que as portuguesas e os portugueses, reafirmando o seu compromisso com o futuro da Europa, dêem um sinal claro de reprovação da política do PSD e do Governo de Cavaco Silva." Os socialistas quererão hoje esquecer isto tudo, o modo triunfalista como se referiam às sondagens, o tom arrogante como se assumiram vitoriosos à partida, as descrições comicieiras da "bicicleta do PSD", "sem travões", "com as rodas furadas", com o "homem do guiador que não sabe para onde há-de guiar", das "provas globais" que o PSD teria de fazer nestas eleições, dos insultos directos e por aí adiante. Não lhes bastava um "sinal", era um "sinal claro" que queriam, em uma "censura eficaz e penalizadora das políticas do PSD". Pois é, queriam um sinal tiveram um "final", só que não foi o que queriam e pediam. "Pela boca morre sempre o peixe"...

Aplausos do PSD.

Nada revela melhor o carácter político das conclusões evidentes destas eleições do que a encenação de "vitória"

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na televisão, numa tentativa tosca de evitar os erros que o PS pensa que cometeu em Dezembro de 1993 e que acabou por resultar num novo fiasco. Convencidos de que nas autárquicas não "exploraram" a vitória na televisão, agora resolveram montar um espectáculo de sucesso que nenhum número ou resultado eleitoral justificava e que os expôs ao ridículo. A declaração do Engenheiro Guterres, emendando a mão do Dr. Vitorino, que já emendara a mão do seu Secretário Jorge Coelho, que agitara urbi et orbi a "estrondosa vitória" do PS, com um friso de dirigentes socialistas atrás com ar patibular que diz mais que mil palavras, ao ver os 0,x % a diminuir minuto a minuto foi patética.

Risos do PSD.

Ainda pior foi a revelação pelo cenário preparado com antecedência da diferença entre as expectativas e as realidades. Atrás do Engenheiro Guterres uma frase em letras pequenas dizia "Uma nova maioria", coincidindo o tamanho das letras com a credibilidade do slogan.

Aplausos do PSD.

0 PS que gosta muito de marketing e de estudos de "imagem" prepara sempre estas cenas, mas, de um modo geral, falha-as sempre... Fê-lo, lembram-se, quando o Dr. Mário Soares foi eleito e o PS encheu Lisboa de cartazes a dizer "Agora nós". Depois viu-se...

Risos do PSD.

Se o PS raciocinasse por absurdo, se tentasse compreender como 0,4 % ou 0,3 %, ou 0,2 % ou 0,1 % ou 0,05 % é uma diferença tão pequena que o mero acaso a pode explicar em termos estatísticos e se tentasse compreender que com estes números tudo podia ser ao contrário, ou seja, o PSD podia ter 0,4 % a mais sem que para isso houvesse qualquer alteração da realidade política subjacente às eleições, repito, se tivesse em conta este facto pouco mais contava do que o mero acaso e perceberia o cataclismo que lhe caiu em cima. Foi isso que acabou por dizer outro "amigo do Dr. Mário Soares", que afirmou com evidente pena: "Este meio ponto não dá para nada, se fosse meio ponto abaixo do PSD já dava para tudo".

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

Os 0,4 % podem dar ao PS algumas vantagens psicológicas de curtíssimo prazo, mas dificilmente correspondem ao que ele pretendia, que afirmou arrogantemente que ia ter, tomou por adquirido, dormiu sobre, e, na célebre noite das eleições, proclamou, vitoriou, e depois engoliu aos olhos de toda a gente sem qualquer desculpa pública ou misericórdia alheia.
0 problema é que o PS contenta-se com uma pírrica vitória aritmética quando precisava de uma vitória política. E esta é que é a questão iniludível!

Aplausos do PS.

Em quarto lugar, os resultados destas eleições desautorizam todos aqueles que retratam Portugal como um país sem destino, mal governado, afundado numa crise para a qual não tem perspectivas nem esperança e que perguntam pelo "futuro" do seu país, pensando essencialmente no seu próprio. Desautorizam todos os que, como fez o Presidente da República no Congresso "Portugal, que futuro?" acabam por descrer da capacidade dos portugueses de assumir a sua maioridade política.
Estranho e "acomodado" país este que partilha os seus votos entre o maior partido da oposição, mostrando que os portugueses não se coíbem nem se sentem intimidados em manifestar as suas críticas ao Governo, e que votam em idêntico número no partido que desde há cerca de 10 anos tem a responsabilidade da governação e que, a julgar pelo discurso do desespero sobre o "futuro", deveria ser por eles fortemente penalizado.
Se são verdade as acusações feitas ao Sr. Presidente da República, inclusive por dirigentes socialistas, de ter uma estratégia de confrontação corri o Governo, de ter tentado criar um clima propício para a dissolução da Assembleia da República, estas eleições constituem uma resposta suplementar quanto à completa ilegitimidade democrática de tais propósitos.

Aplausos do PSD.

Em quinto lugar, para o PSD estas eram as mais difíceis das eleições. Pelas suas características de eleições de meio-termo, por permitirem ao eleitorado penalizar o Governo sem que essa penalização significasse a decisão de o mudar, por se realizarem num período difícil da nossa vida económica e social, em vésperas de uma retoma económica cujos frutos ainda não são perceptíveis, tudo favorecia um resultado negativo.
Em toda a legislatura de 1991 a 1995, este era o momento mais difícil para o PSD e o mais fácil para a oposição e qualquer estudante do 1.º ano de Ciência Política sabe que não só este momento nunca mais se vai repetir como, a partir de agora, tudo vai ser diferente. 0 PS precisava de chegar aqui com uma vantagem significativa que lhe permitisse resistir ao período de fim de mandato, tradicionalmente favorável aos governos, e não chegou.
Ora, o PS conseguiu nestas eleições perder percentualmente em relação ao PSD desde as autárquicas e dificilmente pode considerar os 0,4 % actuais um resultado que lhe permita sequer sonhar com a maioria simples, quanto mais a absoluta.
A partir de agora, para o PS o melhor passou e não o deixou mais perto da "nova maioria" que diz querer alcançar. A partir de agora, para o PSD o pior passou e obteve resultados eleitorais no momento mais difícil, que deixam intactos os seus objectivos eleitorais de obter uma maioria absoluta em 1995.

Aplausos do PSD.

Não proclamamos uma vitória, nem muito menos uma "vitorinha" ou uma "derrotinha", mas dizemos que os resultados que obtivemos são satisfatórios neste momento e contexto.
Mas não pensem que nos contentamos apenas com resultados satisfatórios, queremos trabalhar para resultados excepcionais, como obtivemos em todas as eleições legislativas desde 1987, porque entendemos que o país os precisa. 0 nosso objectivo de obter a maioria absoluta em 1995 tem a ambição que decorre daquilo que entendemos serem as necessidades de estabilidade política e de governabilidade de Portugal num período decisivo do seu desenvolvimento e de integração europeia, num período de dificuldades e de oportunidades sem paralelo.
Estamos conscientes da dificuldade e do esforço em obter o nosso objectivo, mas ninguém de boa fé pode dizer que estes resultados eleitorais manifestam uma impossibilidade de lá chegar. Bem pelo contrário.

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Aplausos do PSD, de pé.

0 Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Narana Coissoró, Manuel Alegre, Octávio Teixeira e José Vera Jardim.
Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pacheco Pereira, sobre o significado dos resultados do CDS-PP vai falar o presidente da minha bancada, pelo que não vou adiantar os argumentos sobre esta matéria.
Assim, quero apenas cingir-me ao seu discurso, que, pelo menos no que toca ao CDS-PP, tem três ou quatro proposições que gostaria de ver esclarecidas por parte do PSD.
Em primeiro lugar, o seu secretário-geral, com aquele azedume e aquela raiva incontida pelos nossos 12 %, logo no "Canal 1" e nas declarações que fez na sede partidária, antes mesmo de saber quais eram os resultados finais do PSD, do CDS--PP e dos outros partidos, disse que era o pior resultado de sempre do CDS-PP. Pergunto: mas o pior resultado em relação a quê?
0 PSD foi quem acarinhou, quem trouxe ao colo, quem amamentou o Lucas Pires quando este dizia que levava para o PSD os 15 % que dizia serem dele e não do CDS-PP e que eram a mais-valia do Lucas Pires em relação ao CDS-PP e que este tinha 4 % e que, portanto, os 15 % se transfeririam para o PSD. Vistos os resultados, se o Dr. Lucas Pires levou consigo os seus 15 %, pergunto: em quantos é que fica o PSD, no fim dos resultados?

Risos do PSD.

Não seria melhor os senhores dizerem abertamente que mais valia não terem incluído o Lucas Pires na lista, porque redundou num desastre?

Risos do CDS-PP e do PS.

Em segundo lugar, os tais "piores resultados de sempre" situam-se entre os 12,5 % e os 14,5 % de 1989 e, dada a abstenção, verificamos que o PSD baixou cerca de 1 200 000 votos. Aliás, todos os partidos baixaram significativamente e se verificarmos que esta abstenção foi mais na zona litoral, nas camadas jovens e onde o voto do CDS devia ser forte - como, por exemplo, sucedeu na Madeira, em Viseu, em Leiria quanto ao PSD -, pergunto: quem é que, efectivamente, teve o "pior resultado de sempre"?
Em terceiro lugar, veio V. Ex.ª dizer que o isolacionismo foi derrotado, que as ideias do Manuel Monteiro e do CDS-PP foram derrotadas. Só que os senhores atribuem ao Manuel Monteiro coisas que ele nunca disse como, por exemplo, "que queria sair da União Europeia", "que era contra a Europa", "que era contra isto e contra aquilo". Os senhores colam uma etiqueta ao CDS-PP e ao Manuel Monteiro e depois dizem que ele foi derrotado!
Pergunto: quem é que ganhou todos os debates televisivos? Foi o Eurico de Melo que se colou a essas ideias que Manuel Monteiro defendeu no debate entre ambos?!
Foi o Eurico de Melo que disse: "Você tem toda a razão e concordo consigo". Afinal, foram essas ideias, que o Eurico de Melo aceitou e aplaudiu no debate, que foram derrotadas?! Ou era o transfer freudiano que vimos quando o Eurico de Melo dizia ao Manuel Monteiro que lhe faltava coragem?! E depois colou-se ao discurso de Manuel Monteiro dizendo que concordava com tudo e que não havia
grandes diferenças entre o PS e o PSD!

0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado, atenção ao tempo.

0 Orador: - Nós defendemos ideias e eu pergunto: qual é a ideia da Europa que o PSD defendeu durante a campanha eleitoral? Apenas referiu que trouxe os fundos estruturais para o desenvolvimento. Não houve uma única ideia que o PSD tivesse defendido sobre a Europa, sobre o futuro da Europa, sobre o futuro de Maastricht! Qual foi essa ideia?! Faça favor de dizer, pelo menos hoje, qual foi ela.

Protestos do PSD.

Em quarto lugar, o Sr. Primeiro-Ministro, na última semana de campanha, andou a dizer que faltava ao CDS-PP aquilo a que chamou "intervalo de credibilidade", só que ninguém sabe o que é isso. A não ser que fosse uma frase tipo Thomas Moore, perdida em qualquer lado e que ninguém sabe o que significa. Mas eu digo-lhes que esses 12 % são o intervalo de governabilidade que vai faltar ao PSD nas legislativas.

Risos do CDS-PP e do PS.

Tomem boa nota disso, porque é o intervalo de governabilidade que vai faltar ao PSD quando chegar às legislativas.

0 Sr. Presidente: - Atenção ao tempo, Sr. Deputado.
Faça favor de concluir.

0 Orador: - Daqui para a frente, nada será igual porque este resultado é do CDS-PP, não é de um personagem, não é de um trânsfuga, não é de quem promete vender votos para se manter no lugar. É o voto do CDS-PP depois dos 4 % nas legislativas, dos 8 % nas autárquicas e é o voto que se vai manter como núcleo duro nas próximas legislativas. E com estes 12 %, Sr. Deputado Pacheco Pereira, não haverá nem maioria absoluta, nem condições para qualquer partido. É melhor o PSD convencer-se de que o CDS não vai fazer chantagem com este resultado para garantir a estabilidade.
Já ontem, o Dr. Duarte Lima, em 0 Diabo, punha a sombra sobre o CDS-PP dizendo que é um partido responsável, que é um partido que sempre fez oposição construtiva e que é um partido com que contam.
Sr. Deputado Pacheco Pereira, é melhor ir por esse caminho de covilidade do que pelo dos insultos que o Sr. Primeiro-Ministro, junto da Torre de Belém, no início da campanha, começou a prodigalizar a todos, quando chamou radical ou extremista a toda a gente e depois negou-lhe o tal intervalo de credibilidade.

Protestos do PSD.

É melhor substituírem o intervalo de credibilidade no intervalo de governabilidade e estabilidade. É esta lição que os senhores têm que tirar dos resultados das eleições europeias.

(0 Orador reviu.)

Aplausos do CDS-PP.

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

0 Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, primeiro, é para mim inequívoco que, se o CDS-PP transformou estas eleições num referendo - que diz não ter havido - sobre a Europa comunitária, o CDS-PP perdeu politicamente razão quando

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deixou de dizer que o povo português não tinha sido consultado sobre essa matéria.
Segundo, é um facto indesmentível que este é o pior resultado do CDS-PP nas eleições para o Parlamento Europeu. E não há volta a dar-lhe. Pior do que quando o CDS-PP se apresentava com posições de tipo federalista!
Terceiro, é também verdade que a única estratégia política do CDS-PP a longo curso é querer ter alguns lugares numa eventual, futura e hipotética aliança com o PSD.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Falso! Falso!

0 Orador: - E não tem outra política; simplesmente, não tem coragem de a enunciar.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Falso! Falso!

0 Orador: - Quarto, quanto à teoria do transporte dos votos, o Sr. Deputado Narana Coissoró nunca devia falar sobre ela, e vou dizer porquê. Porque está num partido cujo actual presidente diz que passou de zero a 12 % e o senhor faz parte do período do zero. Portanto, é legítimo dizer que, no transporte entre o antigo CDS-PP e o novo, transportou 0 % dos votos.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Nunca disse isso!

0 Orador: - Sr. Deputado, as teorias de transporte dos votos têm muitos riscos e, como vê, são objectivamente um atestado de incompetência para todos os que existiam anteriormente no seu partido.

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

0 Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pacheco Pereira, V. Ex.ª disse que há quem se contente com pouco. É verdade! Mas há quem se contente com ainda menos. É que, em democracia, não há "vitorinhas", há vitórias e há derrotas. Ganha quem tem mais votos e perde quem tem menos - e basta um voto de diferença! Por enquanto, temos mais votos e os senhores têm menos. Portanto, por
enquanto, a vitória política é nossa, a vitória aritmética é nossa e a derrota política é vossa, a derrota aritmética é vossa.

Aplausos do PS.

Nós contentamo-nos, com humildade democrática, com aquilo que temos e os senhores contentam-se em ser segundos. E assistimos a um espectáculo extraordinário, que foi uma verdadeira revolução cultural na noite das eleições
e que foi o facto de o Sr. Primeiro-Ministro se comportar como um treinador de 2.ª Divisão a quem já basta perder por poucos!

Vozes do PS:- Muito bem!

0 Orador: - 0 Sr. Deputado fez aqui um discurso de baixa política,...

Protestos do PSD.

...um discurso de grande arrogância e que revela mau perder. Mas fez também um discurso que indicia uma grande preocupação por parte do PSD.

Protestos do PSD.

0 PSD sofreu duas derrotas consecutivas. 0 PSD sabe que não há duas sem três...

Risos do PS.

Repito, o PSD sabe que não há duas sem três, o PSD sabe que está em risco de poder perder as próximas eleições e o seu discurso indicia o tipo de política que vamos ter nos próximos meses.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - 0 seu discurso indicia que o PSD vai transformar a máquina do Estado numa máquina de guerra contra o Partido Socialista,...

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do PSD: - É falso!

0 Orador: -... mas nós não nos deixaremos perturbar, não mudaremos de linha política, não perderemos a serenidade.
Só lhe digo uma coisa, Sr. Deputado: as eleições mais difíceis para o PSD não foram estas; as eleições mais difíceis para o PSD vão ser as próximas.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Registo que o Sr. Deputado, com total ausência de humildade democrática, saudou em geral todos os Deputados que foram eleitos, mas não foi capaz de dirigir uma felicitação que fosse ao partido que, por enquanto, tem mais votos e que, portanto, por enquanto, é o partido politicamente vencedor das eleições.

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

0 Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Alegre, as palavras, às vezes, traem-nos, como o senhor, que é poeta, sabe. "Não há duas sem três". Nós pensamos o mesmo das maiorias absolutas, ou seja, pensamos que não vai haver duas maiorias absolutas sem uma terceira.

Aplausos do PSD.

Mas também nos traem de outra maneira: o Sr. Deputado disse que estavam contentes com os resultados que tiveram. Pois bem, nós não estamos. Consideramos que os nossos resultados são satisfatórios no contexto em que tivemos que travar as eleições, mas não estamos contentes com os resultados que temos. Tenha a certeza absoluta disso! Do Minho à Madeira, achamos que os nossos resultados são satisfatórios, mas contentes com eles não estamos.
No entanto, Sr. Deputado Manuel Alegre, pior do que os resultados das eleições - e compreendo a preocupação do Partido Socialista - é uma série de despachos, de hoje, da agência Reuter respeitantes à situação económica de Portugal, que cita o Instituto Nacional de Estatística, e que faz uma análise de expectativas, que é o mais importante, porque as expectativas, no plano político...

Protestos do PS.

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Eu não sabia que os senhores tinham descoberto tão tarde a vossa vocação tecnocrática!
Na política, interessa-nos o que é simbólico, o que são as expectativas, o que são os desejos e as vontades das pessoas. Se os senhores querem ser tecnocráticos na vossa análise da realidade, sejam-no! Mas aconselho-vos a ler, por exemplo, as perspectivas de evolução da actividade do comércio, que, segundo o Instituto Nacional de Estatística, se apresentam positivas. Em Maio, o indicador sobre a evolução da actividade passada apresenta uma evolução menos desfavorável, designadamente no subsector do comércio por grosso;...

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Parabéns!

0 Orador: - ... a indústria transformadora revela uma tendência crescente...

Protestos do PS e do CDS-PP.

Não fica bem a ninguém, ou seja, nunca é muito saudável, do ponto de vista político, andar a voar por cima da realidade!...

Vozes do PSD: - Exactamente!

0 Orador: - A verdade é que os senhores sabem tão bem como nós - provavelmente, nalguns aspectos melhores do que nós - os significados dos resultados que tiveram nas eleições para o Parlamento Europeu e que o melhor do vosso tempo já passou. Basta olhar para a vossa cara. Não é preciso mudar as faces.

Protestos do PS.

Risos do PSD.

As faces, como diz o anónimo amigo do Dr. Mário Soares, citado pelo Público, são muito reveladoras e, como os senhores ainda não as mudaram, as que estão aí são bem pouco alegres!

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pacheco Pereira, temos para nós que um dos factos mais relevantes destas eleições foi o aumento exponencial da abstenção.
0 Sr. Deputado referiu-se a essa questão, mas julgo que não fez a análise profunda que ela exige e, mais do que isso, tirou ilações, do nosso ponto de vista, erradas.
Julgo que os níveis que a abstenção atingiu implicam e exigem de todos os partidos que façam uma análise séria e profunda das razões que estiveram na base desse facto e que dela possam tirar conclusões que não invertam o sentido da realidade.
Desde logo, o Sr. Deputado Pacheco Pereira proeurou fazer uma distribuição equitativa das responsabilidades que devem caber a todos os partidos ao nível da abstenção que se atingiu. Julgo que é injusto fazer essa distribuição equitativa. Primeiro, porque parece indisfarçável e indesmentível que uma das principais razões deste aumento enorme da abstenção, que, aliás, se verificou também noutros países comunitários, tem a ver com a natureza e com o processo de construção da União Europeia, desta União Europeia que temos.

Vozes do PCP e do Deputado independente Mário Tomé: - Muito bem!

0 Orador: - Um processo e uma União Europeia que têm sido prosseguidos pelos defensores da União Europeia de Maastricht, completamente afastados dos povos, uma União Europeia que está de costas viradas para os povos. Essa é a razão básica e fundamental desta elevada abstenção.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Mas há também razões e causas internas. Desde logo, o Sr. Deputado Pacheco Pereira referiu, a determinada altura, que estes resultados desautorizam qualquer análise que aponte para a crise económica e social do País. Antes pelo contrário, Sr. Deputado, julgo que uma das principais razões internas - e é importante referir, em parêntesis, que, tendo sido elevadíssima a taxa de abstenção em todos os países comunitários, Portugal foi aquele onde se registou a maior taxa de abstenção - tem a ver precisamente com a desmobilização, com o desencanto, com a desesperança que os portugueses sentem neste momento, face à crise económica, ao desemprego e à degradação da situação social.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Ora, é para isso que também é preciso olhar e tomar medidas e é evidente que essas medidas serão em termos de política, cujo principal responsável é o Governo.
Se, em relação à questão da natureza e do processo da União Europeia, as principais responsabilidades são do PSD e do PS, no caso concreto, no campo das causas internas, pertencem, fundamental e quase exclusivamente, ao Governo. Aliás, o Sr. Primeiro-Ministro, no Domingo passado, reconheceu que o aumento da abstenção se deveu à crise económica e social no nosso país.
Um segundo aspecto tem a ver com a problemática dos resultados do PSD. Não vou aqui discutir se é mais 0,4 % ou menos 0,4 %, mais 1,7 % em relação a 1989 ou apenas mais 0,7 % em relação às autárquicas, mas dizer o seguinte: o Sr. Deputado referiu que estas foram as eleições mais difíceis para o PSD. No entanto, há seis meses disse exactamente a mesma coisa e, nas próximas, vai continuar a dizer que foram as eleições mais difíceis para o PSD e que, por isso, o PSD perdeu!...
Para além disso, uma certa satisfação do PSD em relação aos resultados eleitorais confirma a seguinte análise: os resultados obtidos em Dezembro passado e os obtidos nestas eleições, que deixam o PSD satisfeito, mostram claramente que o PSD sabe que a sua base essencial político-eleitoral são aqueles trinta e pouco por cento...

0 Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

0 Orador: - Sr. Deputado Pacheco Pereira, não se vêem perspectivas para que o PSD possa, nas futuras eleições legislativas, ultrapassar a sua base.
De facto - e, mais uma vez, tirou uma ilação errada estarmos convictos de que, com base nestes resultados mais recentes, nas próximas eleições legislativas, vai desaparecer qualquer maioria absoluta neste país.
Aplausos do PCP.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

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0 Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, se abstrairmos o carácter generalizado de algumas das suas afirmações quanto à abstenção e se abstrairmos da imputação de culpabilidade, não estou em desacordo com nenhuma das razões, cumulativas umas com as outras, que atribui à abstenção.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

0 Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pacheco Pereira, eu não sei se V. Ex.ª cita de cor; se de "espírito santo de orelha", se de ciência certa. Uma coisa eu sei: é que cita truncado, porque, ao fazer várias citações, tive a honra de ser citado por V. Ex.ª.
Se o Sr. Deputado viu o programa, reparou que comecei por afirmar claramente aquilo que pareceria não ter de ser afirmado e que era a vitória do PS, a vitória clara do PS,...

Protestos do PSD.

... que subiu mais de seis pontos percentuais até agora, que ganhou em números, que subiu em todos os distritos, menos num. Comecei por afirmá-lo, mas é evidente que não estou satisfeito. 0 que eu esperava é que V. Ex.ª fosse à tribuna dizer que também estava preocupado, não só com a abstenção em geral, como todos temos de estar, mas com a abstenção do PSD, porque houve 1 800 000 eleitores que ficaram em casa e que votaram no PSD e no Professor Cavaco Silva nas últimas eleições. Era essa preocupação que julguei que V. Ex.ª ia demonstrar. Mas não! V. Ex.ª vem com a figura típica da retórica política dos perdedores, que é o empate técnico.

Risos do PS.

Repito, vem com o empate técnico, a figura típica da retórica política dos perdedores.
Deixe-me, agora, citá-lo a si. V. Ex.ª disse, há uns tempos atrás, voltando-se para a nossa bancada. "Nunca mais aprendem"!

0 Sr. Pacheco Pereira (PSD): - E não é verdade?

0 Orador: - Agora, Sr. Deputado, digo-lhe eu a si: os senhores também nunca mais aprendem a deixar a arrogância lá fora!

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Arrogância?...

0 Orador: - E mais: ainda bem que assim é!
Ainda ontem, no programa que V. Ex.ª terá visto, o Sr. Deputado europeu António Capucho começou por me dar os parabéns, e à nossa bancada, pela vitória. Eu estava convencido de que V. Ex.ª, da tribuna, ia fazer um exercício de humildade política. Mas não, VV. Ex.ªs não aprendem, continuam na mesma! Continuem com essa arrogância e, para as próximas eleições, não há fim-de-semana longo que vos valha!...

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

0 Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Vera Jardim, qualquer pessoa que conheça a retórica - e distintos advogados usam-na bem nas discussões - sabe que, quando se fala ou se discute, há duas partes no discurso que são completamente distintas: uma, é a enunciação ou a proclamação e, outra, é a argumentação.
Ontem, e muito bem, o Sr. Deputado - tenho de fazer justiça à sua inteligência - enunciou e proclamou a vitória, mas argumentou na base dos maus resultados do PS, porque obviamente só assim é que se pode argumentar!

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

0 Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com poucos votos por contar - se é que todos eles poderão vir a sê-lo - está aí, adquirida, uma vitória do Partido Socialista.
Por duas vezes consecutivas, o PS foi o primeiro partido. Vir a sê-lo, desta vez, por maioria tangencial, não retira significado à sua vitória, dado que, nas últimas eleições homólogas, tinha ficado claramente distanciado do PSD, então partido primeiro.
Dissemos claramente, durante a campanha eleitoral, que uma vitória, para nós, era ter mais um voto do que o PSD. Vamos ter alguns mais. Se assim for, como tudo indica, elegeremos mais dois Deputados do que em 1989 e mais um do que o então primeiro partido.
Como quer que as sondagens - embora não todas - indiciassem uma vitória mais expressiva do PS, não falta agora quem entenda que a vitória foi menor do que a por nós esperada. Daí um talvez não postiço sorriso de alívio do PSD, acompanhado das habituais análises redutoras e desviantes do resultado objectivo do sufrágio, à revelia da aritmética eleitoral ou parlamentar.
Melhor dizendo, os resultados eleitorais tiveram uma vez mais o sortilégio de deixar satisfeitos todos os principais partidos: o PSD porque, receando uma derrota humilhante, averbou uma derrota escassa; o CDS-PP porque, sendo em seu entender um "partido novo", reteve o essencial de uma votação velha; o PCP porque resistiu, não de todo bem, aos vaticínios de deperecimento; o PS porque, com licença de todos os demais, nomeadamente do CDSPP, que a si mesmo se rotulou de "grande vencedor" destas eleições, terá sido de facto o partido mais votado, condição com a qual, em democracia, costuma identificar-se o vencedor.

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Se esta regra cartesiana não foi recentemente mudada - facto que me teria escapado - "vencedor há só um, o PS e mais nenhum"!

Aplausos do PS.

Não me eximo, apesar disso, a felicitar o clube dos sub-satisfeitos - aproveito, aliás, a oportunidade para agradecer a vossas felicitações. Todos fizeram pela vida e, segundo parece, lograram obter o que esperavam dela. Se o PSD, nomeadamente, gosta de ser segundo, por que não hei-de eu felicitá-lo?

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador: - Quero também felicitar os candidatos eleitos, sem distinção de cor. Mas não se me levará a mal que

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felicite em especial os cabeças de lista, desta vez institucionalizados enquanto tais, o que constituiu uma das originalidades destas eleições. De entre eles, o meu camarada e particular amigo António Vitorino, um jovem que ainda não atingiu a "ternura dos quarenta" e que, já portador de um curriculum invejável e de uma maturidade que só usa atingir-se mais tarde, se converteu, num ápice, de "líder de segunda escolha" em "líder de primeira água".

Aplausos do PS.

Noutras oportunidades, e a outros títulos, ouviremos falar dele.
Quero também realçar a correcção por que, como regra, se pautou a campanha eleitoral. As excepções, felizmente, raras que, apesar disso, se lamentam, não foram exclusivo de nenhum partido e só em casos contados não se contiveram na vivacidade inerente ao debate político. Uma campanha eleitoral não é propriamente uma procissão do Senhor dos Passos!
Mas que a indisfarçável alegria do PSD não passe em julgado! Ela representa, com efeito, o melhor elogio que, na noite da contagem dos votos, poderia ter sido feito ao meu partido. Esse elogio traz implícito, da parte de quem o fez, o reconhecimento de que o PS, no entender do PSD, valia mais do que o resultado concreto obtido. 0 grau de surpresa exprime a dimensão da mais-valia e o eleitorado pôde corrigir assim, no caso, para menos, o elevado apreço eleitoral em que o PSD tem o PS.
Significativo é também que, em duas eleições sucessivas, uma delas, de nível nacional, o PSD que, nas últimas eleições legislativas, averbou o resultado quase hegemonizador de 51 %, baixou para a linha de água de uns inexpressivos 30 "e poucos" %. Em dois momentos sucessivos, o eleitorado cortou na confiança depositada no PSD uma suculenta fatia de 17 %, cerca de 1,8 milhões de eleitores, como foi dito.
Não sendo assim fácil de compreender o também repetido contentamento do PSD, só posso concluir que entrou em crise de desambição. Passou - como disse o Deputado Manuel Alegre -, lá sabe porquê, a contentar-se com pouco ou talvez com um pouco menos!
Contra o anúncio em sentido contrário, o líder do PSD empenhou-se o mais que pôde na campanha eleitoral das primárias locais e europeias, jogando nelas todo o seu peso e o do seu Governo, por vezes, sem clara distinção sobre a qualidade em que intervinham. Empenhou o seu nome, a sua qualidade de Primeiro-Ministro, a sua experiência europeia, as suas políticas e até as suas promessas de última hora; só não empenhou as barbas porque as não tem! De igual modo, o estatuto da oposição, que exige tratamento igual para o partido do Governo e os partidos nele não representados, nomeadamente nos órgãos de comunicação social do sector público, foi mais uma vez sacrificado a critérios de conveniência hegemónica. Mas chegou a ser agradável ver o jovem Ministro dos Negócios Estrangeiros, de seu hábito tão discreto em atitudes e decibéis, anunciar em voz encorpada que o eleitorado ia mostrar ao PS um cartão vermelho! Tomou-se manifesto que havia por momentos regressado ao tempo em que via tudo dessa cor!...

Risos do PS.

Ou ouvir o venerável cabeça de lista do PSD, que, tal como eu, já só tem passado, chamar "Velho do Restelo" ao jovem António Vitorino, este, sim, portador de futuro! Ou ouvir o Primeiro-Ministro (ou líder do PSD, vá-se lá saber) chamar-nos miserabilistas por denunciarmos a miséria que se recusa a reconhecer e que, por isso, não cuidou de prevenir nem de combater; ou profetas da desgraça, já depois de ocorrida a desgraça profetizada; ou pessimistas, como se, dado o seu Governo como facto, as suas políticas como dado, e os respectivos resultados como purgatório, fosse possível ser optimista sem ser de todo burro. Tudo isso em relação de contemporaneidade com a redução do preço da gasolina em 10 tostões (é viajar, vilanagem!) ou com o aumento do abono de família em l20$(com um litro de leite a mais por mês, os condenados a morrer de fome já não morrem à segunda-feira; só no sábado seguinte).
Voltou o Primeiro-Ministro a fazer o número, de que tanto gosta, e de que aparentemente tanto fia, consistente em perguntar o que seria do nosso País se viesse a ser governado pelo PS! A insinuação implícita era a de que, com tal Governo, os eleitores encomendavam uma verdadeira desgraça! Uma hecatombe! Um apocalipse! E, para não deixar à imaginação de cada um a figuração desse inferno de Dante, o Primeiro-Ministro não se eximiu a exemplificar: baixariam as pensões sociais, se é que não acabariam de todo! É de vidente!
Como se isso não bastasse, para ilustrar o apocalipse, vá de inculpar o PS e o seu líder António Guterres por uma próxima e eventual desvalorização do escudo! Tal como as outras, essa manobra parou perto. Mas não faltaram maledicentes a lembrar que, se Guterres fosse por isso responsável, estaria, nessa qualidade, na boa companhia do ex-Ministro das Finanças e do próprio Primeiro-Ministro!...
E não é que o eleitorado, ao invés de se tomar de susto, votou no apocalipse, no inferno, nos miserabilistas, nos pessimistas e nos profetas da desgraça? Vá lá o Primeiro-Ministro entender este eleitorado! Ele a julgá-lo assustadiço e o eleitorado a julgá-lo a ele fora dos hábitos, dos valores e da normalidade democrática, que, como se sabe, não pactua com Governos insubstituíveis nem com chefes providenciais. Que, se pactuasse, teríamos então de queixar-nos da Providência, que nos teria enviado um "salvador" que, em vez de nos salvar, nos afunda.
Esperava eu que tivesse acabado de vez a cantata de que o PS e o seu líder António Guterres não são alternativa ao PSD e a Cavaco Silva! A sua retoma, tão fora de contexto, colocaria - assim pensava - sob suspeita irreprimível o democratismo de quem a retomasse. Mas eis que ontem à noite, ao assistir ao telejornal, ouvi o Secretário-Geral do PSD afirmar, alto e bom som, que o PS, com o resultado que teve, perdeu a última oportunidade de se afirmar como alternativa! Mau perder, Nossa Senhora! Pois o PS perdeu como? Ganhando?!...
Confesso, Srs. Deputados, que por pouco não duvidei da minha própria sanidade mental. Mas, passada a hesitação, concluí que o PSD vê a realidade de pernas para o ar - a Caverna de Platão é na Rua de S. Caetano à Lapa.

Aplausos do PS.

Quind inde para que o PS seja alternativa? Uma terceira vitória, agora nas legislativas? Lembro aos que perfilhassem semelhante disparate que, neste caso, quem passará a ser alternativa, será o próprio PSD. 0 actual Primeiro-Ministro talvez nem isso!...
Eis-nos, pois, confirmados, em toda a tipicidade do modelo, num sistema quadripartido, com dois partidos de vocação maioritária - o PSD e o PS - ambos na primeira linha da grelha de partida para as eleições legislativas, e dois "meios partidos", na conhecida qualificação de Duverger,

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esperançados numa posição de imprescindibilidade em conjuntura de maioria apenas relativa. Assumirão, estou certo disso, as responsabilidades inerentes às atitudes que assumirem.
Se vier a ser esse o caso, pela nossa parte, não enjeitaremos as nossas mas não vemos razão alguma para que, em obediência à regra da alternância, o eleitorado nos não venha a dar a mesma maioria que por duas vezes deu ao PSD. Se assim não for, nem por isso copiaremos o actual Primeiro-Ministro na sua antidemocrática recusa em governar! Os resultados das últimas eleições confirmaram o dualismo direita-esquerda, separado por um equador pouco menos do que equidistante.
A democracia portuguesa confirma-se a si mesma como "motor a dois pistons". Relembro Alain: "Quando me pergunto se a divisão entre os partidos de direita e de esquerda, homens de direita e de esquerda, tem ainda sentido, a primeira ideia que me surge é a de que o homem que põe esta questão não é certamente um homem de esquerda".
Está aí, aberta à sagacidade dos analistas, a indagação do significado da abstenção verificada. Não entrarei no jogo de disputar quem por ela foi mais prejudicado, embora tenha a minha convicção. Parece-me óbvio que, na medida em que por igual tivessem sido todos, nenhum o teria sido; na medida em que essa igualdade só por absurdo poderia ter ocorrido, uns terão sido mais prejudicados do que outros, naturalmente, mais aqueles que normalmente têm uma votação superior nos concelhos em que a abstenção foi maior. A partir daí, não é difícil tirar conclusões.
Também me não preocupam excessivamente as causas conjunturais da pouca afluência às umas. 0 facto de o maior partido ter sido a praia só pode espantar quem tiver do dever cívico uma ideia distanciada do hedonismo grassante. De igual modo, a circunstância - comum aos eleitores dos demais Estados membros da União Europeia - de as eleições para o Parlamento Europeu ainda não serem normalmente mobilizadoras, é um dado que tem mais de circunstancial do que de preocupante. Acabarão por sê-lo, quando se tomar ainda mais evidente que não temos futuro que não passe pela União Europeia e que ou nos empenhamos e construí-lo dentro e a partir dela ou ficamos confinados, mais do que já estamos, ao futuro que outros construam para nós.
0 que verdadeiramente me preocupa é a dimensão qualquer que seja - da apatia cívica face à democracia representativa e ao processo político de base partidária contida na abstenção verificada.
Sobre esta específica motivação, temos o dever de reflectir. Por que é que, em progressão lenta, mas constante, descrê o eleitor do voto? Não estou certo da resposta, mas o mais provável é que o eleitor reaja negativamente à impressão de que o seu voto vale pouco ou, em qualquer caso, menos do que ele gostaria.
Escolher, de tempos a tempos, quem deve decidir por ele não é, provavelmente, uma tarefa exaltante, mas continua a ser a essência da democracia representativa, inviabilizada que foi, com o alargamento do espaço político, a democracia directa. Esta não poderá ser reposta qua tale mas, ao invés de nos acolhermos, ao resignado ensinamento de Kant, ou seja, o de "fazermos como se o que não será, talvez não devesse ser", melhor é que tentemos recuperar da democracia directa a sua porção recuperável através do reforço possível da dimensão directamente participativa dos cidadãos. Esta pode ser ampliada, logo, deve.
A verdade é esta: deixámos expandir até limites que começam a ser discutidos a convicção da insubstituibilidade dos legitimados pelo voto, quantas vezes, até ao esquecimento de quem neles votou! A ligação entre o Estado e a sociedade é hoje tão débil que enfrenta a cada passo o risco da ruptura: os poderes de facto avançam, o Estado recua; os poderes ditos de direito enfeudam-se demais ao culto do progresso quantitativo, esquecendo as pessoas e as suas preocupações dominantes. 0 bloqueio aos acessos ao emprego, à educação, à saúde, à justiça, à segurança, a um rendimento mínimo garantido, à dignidade sem qualificativo - torna o eleitor descrente em quem periodicamente elege e a chamada classe política, em si não melhor nem pior do que a matéria-prima de que se destaca, é um bode expiatório à mão de quem precisa de mitos confortáveis para as suas próprias decepções, sobretudo, quando ajudado por responsáveis políticos que criticam a corporação a que pertencem como se situassem fora dela!
A Constituição da República quer que a nossa democracia seja em alto grau participativa e cumpre reconhecer que têm sido bloqueados, nesse domínio, quase todos os avanços. Não será isso que está fundamentalmente em causa?
Quando se recusam formas de descentralização directamente previstas na Constituição, concorde-se ou não com elas (caso das regiões administrativas); quando se adiam sine die formas de participação dos cidadãos que a Constituição contempla (caso da acção popular); quando se inviabilizam candidaturas aos órgãos políticos propostas por grupos de cidadãos implicitamente reafirmando o monopólio da iniciativa partidária; quando se torce o nariz à proposta da iniciativa legislativa popular; quando se recusa entusiasmo à fiscalização constitucional das leis por iniciativa de grupos de cidadãos; quando, enfim, se encaram reticentemente tantas outras iniciativas no sentido de reforçar o empenhamento directo dos cidadãos, individualmente ou em grupo, na gestão da coisa pública, encomenda-se a apatia cívica que a justo título se receia.
Estamos perante uma dificuldade real. A atitude - tão oficial entre nós - de negar dificuldades não ilude por mais tempo aqueles que lhes sofrem as consequências.

Aplausos do PS.

Daí a "melancolia democrática" de que agora se fala; daí o desiderato de "reinventar o sistema económico", de "reinventar o sistema político", de "inventar uma nova ordem mundial". Reinventar! Inventar! Mudar! As novas palavras de ordem.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Mundo mudou tanto e tão depressa neste fim de século, sobretudo depois do marco mítico da queda dos muros, que só por milagre o sistema económico, o sistema político, e a componente social de um e outro poderiam permanecer incólumes. 0 todo político esteve tempo demais contido em Aristóteles; o todo económico tempo demais contido em Adam Smith; o todo social tempo demais confinado às encíclicas. Por mim - quero que saibam- recuso-me a aceitar que seja impossível definir uma nova política económica de esquerda e uma nova política social de direita. Estará possivelmente no sucesso dessas tentativas a melhor esperança de uma nova ordem internacional, que é hoje uma ansiedade de todos, mas que tem esbarrado em jogos de interesses, em tabus de espírito e em rotinas de escola.
Vamos averbando evidências: a esquerda nem sempre tem logrado produzir com eficácia; a direita tem-se mostrado incapaz de distribuir com justiça. Uma e outra defendem o crescimento sustentável mas ainda não atinaram no modo de sustentá-lo; a ecologia tem-se revelado inconciliável com o modelo de desenvolvimento económico pre-

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valecente; não há concepções únicas de serviço público, de educação e de saúde; todos falam de prioridade ao emprego mas cada um tem sobre isso uma ideia diferente, quando não ideia nenhuma.
A soberania do Estado-nação clássico enfrenta penosamente a ciclópica interdependência e internacionalização de tudo: as identidades nacionais fundem-se no cadinho de uma vertiginosa mudialização de comportamentos e valores e tem-se a clara percepção de que buscarão refúgio a nível regional e local. Os mercados nacionais devêm um anacronismo e os mercados regionais uma ponte para a crescente mundialização de um só mercado, pelo que sobreviver é cada vez mais competir, sendo que a competição econ6mica se assume agora como um sucedâneo da guerra.
Tudo isto e muito mais impõe a mudança como condição de sobrevivência e já ninguém resiste a esse imperativo categórico. Mesmo os mais resistentes conservadores incluem a mudança nos seus avatares. É assim que falam em "mudança na continuidade", em "mudança sem risco", em "mudança segura" e até em "mudança na mudança". Querem mudar não querendo e é isso que hoje, uma vez mais, identifica a direita e, por contraposição, a esquerda.
É óbvio que o eleitorado não tem, todo ele, a clara percepção de tudo isto. Mas tem, disto, uma intuição bastante, a caminho de uma compreensão total. Ou nos antecipamos ou corremos o risco de ser ultrapassados.
Assim, a margem de abstenção do último domingo que exprime convicções pode não ter motivações simplistas nem únicas. Pode reflectir o descontentamento dos excluídos da participação política e do minimum justum; pode reflectir decepção perante o envelhecimento do processo político tradicional; pode reflectir a desvalorização das ideologias e, em geral, a monetarização dos valores; pode reflectir a medida em que o espectador tomou o lugar do agente; pode reflectir o facto de o economicismo e o mercantilismo dominantes desestimularem a participação não utilitarista; pode reflectir o triunfo do egoísmo sobre a solidariedade. Pode reflectir tudo isso e algo mais. Pior do que não aproveitar as lições, só mesmo desprezá-las.
0 PS já revelou disponibilidade para mudar, já traduziu - e vai traduzir - esse estado de espírito em propostas concretas e mobilizadoras, fiel à estratégia definida pelos seus órgãos dirigentes.
Srs. Deputados não socialistas: na preparação do século XXI, gostaríamos de ser ultrapassados por vós!

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Duarte Lima e Octávio Teixeira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

0 Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos, ouvi com toda a atenção o seu discurso e a interpretação aqui trazida sobre os resultados das eleições europeias, matéria que gostaria de discutir com V. Ex.ª mas não antes de deixar duas notas prévias.
Em primeiro lugar - permita-me que faça esta qualificação -, contrariamente aos discursos importantes, bem escritos e quase sempre muito enérgicos de V. Ex.ª, notei hoje na sua intervenção um tom baço, cinzento, quase triste, refugiando-se, na ponta final, em questões que, embora importantes e relevantes, se constituírem o discurso do PS para a nova maioria, estamos conversados.
Em segundo lugar, anoto um facto que é apenas político e sem qualquer sentido de desprimor para a elevada qualidade e peso institucional de V. Ex.ª, quer no âmbito parlamentar quer a nível do seu partido. É que, desta vez, contrariamente ao que aconteceu a seguir às eleições autárquicas, não foi o Engenheiro António Guterres - que nesta campanha eleitoral apareceu quase ungido, pelo braço do Dr. António Vitorino, como futuro Primeiro-Ministro - a vir aqui fazer uma declaração política. Repito, faço esta afirmação sem qualquer desprimor para a figura emblemática do Dr. Almeida Santos, em termos institucionais, para a Assembleia da República e para o seu partido.
Começando agora por fazer a análise das suas palavras, direi que mais importante do que aquilo que disse foi o que não disse porque, ao fazer uma leitura das eleições, era natural que o seu discurso - e o do seu partido -, durante a campanha eleitoral, tivesse continuidade.
Lembro-lhe algumas frases que constituíram o mote essencial do vosso discurso eleitoral: "É preciso pregar um susto ao Primeiro-Ministro e ao PSD".

0 Sr. José Vera Jardim (PS): - Está pregado!

0 Sr. Nuno Delerue (PSD): - Não está!

0 Orador: - "É preciso ter uma vitória esmagadora e provocar uma derrota humilhante no PSD". "É preciso criar as condições para que o Engenheiro António Guterres seja o Primeiro-Ministro".
0 Sr. Deputado Almeida Santos não veio aqui falar destas questões e, aliás, já reparou que não estamos nada assustados, mas tranquilíssimos. Ocorreu-me o pensamento de Claude Roy: ou o Sr. Deputado não pensou tudo o que disse ou não disse tudo o que pensou ou não pensou tudo o que pensou. Alguma das situações se verificou porque era expectável que hoje aqui estivesse, essencialmente, a fazer a leitura dessa matéria.
Sr. Deputado Almeida Santos, tem de reconhecer, em primeiro lugar, que o povo português não vos deu o que lhe pediram. Muito foi pedido e pouco foi dado e a derrota do PSD, que queriam significativa e humilhante, não aconteceu. Aliás, como sabe, o resultado eleitoral do PSD subiu relativamente a 1989 e não faça comparações com as eleições legislativas porque, caso contrário, dou-lhe o exemplo do que sucedeu no distrito de Bragança: os senhores tiveram aí uma vitória retumbante nas eleições de Dezembro, mas agora, num total de 12, tivemos maioria absoluta em 11 câmaras, e não me atrevo a dizer que os presidentes de câmara socialistas perderam a legitimidade ou foram derrotados. Porém, devemos presumir a inteligência do eleitor e saber que ele distingue a essência de cada uma das votações.
Portanto, aquilo que os senhores pediram não vos foi dado e acho que o Sr. Deputado tem razão para se lastimar porque o mais duro na vida é ter de pedir e, depois de pedir, receber um "não" como resposta.
Por outro lado, Sr. Deputado Almeida Santos, como os senhores não nos pregaram um susto, deveria ter um pouco mais de moderação e fazer mea culpa do discurso triunfalista e arrogante que o seu partido fez em relação a nós e a outras forças políticas - durante a campanha eleitoral. Os senhores confundiram combatividade com bravata e pensaram que a prudência com que o PSD se apresentou nestas eleições era medo, mas não era.
Lembro-lhe uma história passada com El Rei D. Sebastião quando, com uma intenção tão ufana como a de V. Ex.ª nesta campanha, quis conquistar África e se dirigiu ao Duque de Alba pedindo conselhos. 0 Duque de Alba

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proeurou moderar os seus ímpetos e a sua euforia. A certa altura, o rei D. Sebastião, não compreendendo as suas cautelas, perguntou-lhe: "Duque, de que cor é o medo?" E ele respondeu-lhe: "0 medo é da cor da prudência". Pois prudência foi aquilo que os senhores não tiveram nesta eleição ao pedirem o que pediram e ao receberem o que receberam.
Também gostava de dizer-lhe que o Sr. Deputado não falou hoje do Engenheiro António Guterres como ungido Primeiro-Ministro do País, o que é estranho, porque o Dr. António Vitorino, que tanto admira, repetiu-o todos os dias da campanha eleitoral: "Está, aqui (agarrando-lhe no braço) o futuro Primeiro-Ministro de Portugal". Esperava que o senhor, contente como está com o resultado das eleições, viesse dize-lo, a menos que também não acredite nessa ideia. Criticou-nos por dizermos que António Guterres não é alternativa, mas não somos os únicos a dize-lo, pois, de acordo com uma noticia do Público de hoje, os amigos do Dr. Mário Soares têm a mesma opinião e presumo que sejam também os seus amigos, já que se diz que "os amigos dos meus amigos meus amigos são", a referirem que o Engenheiro António Guterres não é alternativa. Portanto, posso concluir que V. Ex.ª, tal como eu, vê escrito nas estrelas que o Engenheiro António Guterres não é o futuro Primeiro-Ministro.
Concluindo, direi que não estamos aqui para discutir apenas a aritmética - se é mais 1 ou 2 % -, o PS está à frente e, naturalmente, ficará à frente, não sei se 0,4 %, 0,3 % ou 0,2 % ...
Seja como for, estamos aqui numa câmara política - e o senhor far-me-á justiça, como grande político que é - a discutir a interpretação política dos resultados. Os senhores pretenderam um objectivo político com os resultados que pediram nestas eleições, que foram os que levaram ao empenhamento do Engenheiro António Guterres nos cartazes e fora deles - o que é legítimo e natural -, mas o que
interessava saber era se este resultado dá ao PS a tranquilidade suficiente para começar esse percurso político a caminho da tal maioria de que falaram na campanha e de que quase não falaram na noite das eleições e, desse ponto de vista, Sr. Deputado Almeida Santos, é claro que este resultado não foi, politicamente, o que o PS pediu aos eleitores e que almejava. Não é a tal vitória política.
Tenho, pois, de dizer que, deste ponto de vista, o senhor evitou referir-se àquilo que era a essência do vosso discurso; foi, de certa maneira, insincero ou, pelo menos, não concordante com o vosso discurso durante a campanha eleitoral.
De facto, deste ponto de vista, o vosso resultado é a negação da vitória, como o vosso discurso é a negação da sinceridade...

Vozes do PSD: - Muito bem!

0 Orador. - ... e ambos são o espelho do PS, neste momento, ou seja, a negação de tudo, Sr. Deputado Almeida Santos!
Bom, mas, afinal, acabou por acontecer aquilo que, hoje, vemos espelhado nos rostos tristes dos vossos Deputados, na passagem mágica do Sr. Deputado Jorge Coelho da primeira para a última fila..

Risos do PSD.

Ele foi o primeiro a falar: os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos! Ele foi o primeiro a falar na noite das eleições e, hoje, sentou-se na última fila, ou seja, lá atrás ... !

Aplausos do PSD.

Presumo que ouviu os conselhos sábios do Deputado Jaime Gama, que já não está presente.

Risos do PSD.

De facto, creio que se exige e se impõe dizer que o resultado que os senhores pediram, que a euforia que os senhores esperariam ter hoje, que a alegria que os senhores esperariam ter hoje politicamente e que o sonho que os senhores queriam ter hoje não tiveram. Assim, e parafraseando um poeta de que o senhor decerto gosta, Manuel Gusmão, diria que a rosa é o sonho de uma cebola .. ! É que, de facto, o vosso pedido de triunfo acabou em tristeza e eu não sei se não vai acabar em lágrimas para alguns!...

(0 Orador reviu.)

Aplausos do PSD.

0 Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

0 Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Duarte Lima, não sei porquê mas estou aqui a debater-me com uma dificuldade psicológica: é que, desde que ouvi o Sr. Deputado Pacheco Pereira no discurso que proferiu e nas respostas que deu e agora o ouvi a si, não sei que diabo de ligação é que encontro entre o vosso discurso e o de Sousa Cintra, logo a seguir ao desfecho da Taça de Portugal...

Risos do PS.

É que há uma similitude a que não resisto!

0 Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Não percebo de futebol: explique-se lá!

0 Sr. Manuel dos Santos (PS): - É a arbitragem!

0 Sr. José Vera Jardim (PS): - É o árbitro!

0 Sr. Pacheco Pereira (PSD): - E o árbitro não é o Presidente da República?!

0 Orador: - Sr. Presidente, parece que me deu a palavra, mas a maioria não concorda com V. Ex.ª, temos que ver se reconduzimos a maioria à vontade da Mesa. Não sei bem como...

0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado Almeida Santos, a maioria já se ajustou.
Faça favor de continuar.

0 Orador: - 0 Sr. Deputado Duarte Lima disse que eu fiz um discurso em tom cinzento, mas o meu discurso foi tão bem disposto que, Meu Deus, chamar-lhe triste?!...

0 Sr. José Vera Jardim (PS): - Ele não o ouviu!

0 Orador: - É verdade que eu não preciso de fingir uma alegria postiça, como os senhores, mas também estar para a tribuna com a arreganha toda...

Risos do PS.

Também não há razão para isso! Os vencedores são, normalmente, generosos, porque quem ganha celebra;

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quem perde é que justifica! Os senhores é que têm de justificar a derrota, não sou eu quem tem de justificar a vitória, uma vez que está justificar por si própria!

Vozes do PS: - Muito bem!

0 Orador - Depois, o senhor teve um momento menos belo da sua oratória ao negar a minha sinceridade. Sr. Deputado, nenhum de nós deve entrar na qualificação dos sentimentos dos outros, mas a verdade é que me parece mais sincero aquele que diz que ganhar é ganhar do que aquele que diz que perder é ganhar!... Parece-me que aí é que deve haver alguma quebra de sinceridade!

Risos do PS.

0 Sr. Manuel Alegre (PS): - É o "ganha/perde"!

0 Orador: - Já agora, o senhor acha mesmo que o indivíduo que escreveu que a rosa é o sonho de uma cebola é mesmo um poeta?!...

Risos e aplausos do PS.

Depois, o senhor disse, que eu não falei do susto. Ó Sr. Deputado, falasse ou não falasse, grande susto os senhores apanharam!...

Vozes do PS: - Apanharam, pois!

0 Orador: - Disse, ainda, que falámos de uma vitória esmagadora. Sr. Deputado, fomos tão modestos, pela voz do Sr. Secretário-Geral, ao dizer que para nós um voto a mais já é uma vitória. Se poder ser mais do que um, claro, é melhor. Tivemos esse voto e até um bónus de alguns mais, mas não nos retire essa vitória e não a transfira para o seu partido, porque isso não tem senso.
0 Sr. Deputado referiu também que eu não teria pensado tudo o que disse. Bom, não sei em que é que baseia essa sua afirmação, pois é evidente que eu penso sempre o que digo e até costumo pensar maduramente naquilo que digo, embora, por vezes, tenha alguns repentes, o que não foi o caso!
0 senhor disse ainda que aquilo que pedimos ao povo ele não nos deu. Então, o senhor acha que aquilo que vocês pediram ao povo ele deu-vos?

Risos do PS e do CDS-PP.

0 Sr. José Vera Jardim (PS): - Mas eles estão contentes!

0 Orador: - Em Bragança, subimos 7,7 %, o que não é nada mau, Sr. Deputado! Que belo princípio para as legislativas que aí vêm.
Por outro lado, disse que nós confundimos combatividade com bravata. Mas não foi o Sr. Primeiro-Ministro quem deu o tom da campanha relativamente desbocada quando, perante a sombra tutelar da Torre de Belém, insultou toda a gente e mais alguém?

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Exactamente!

0 Orador: - Não é a nós que ele chama miserabilistas, profetas da desgraça e sei lá mais o quê? Não é a nós que ele acusa de irresponsáveis?

0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - De especuladores!

0 Orador: - Não é ele que diz que desestabilizamos a moeda? Não é ele que diz todos estes horrores? Acha que isto são maneiras?... Por isso é que eu disse que todos nos excedemos e lamento-o; aliás, não sei se eu próprio também não o fiz, não tenho ideia disso.
De qualquer forma, penaliza-me que assim tenha sido, mas não me parece que a campanha tenha sido inferior em correcção a qualquer outra campanha democrática no nosso país ou fora dele.
Falar em Guterres como ungido do Senhor ... ! Mas, então, o único homem Missus a Deo não é o nosso Primeiro-Ministro?!

Risos do PS.

Não é ele que é infalível como o Papa? Não é ele que é tão insubstituível como o Sol? Onde é que há outro político com estas características?

Risos do PS.

Não há nenhum! Ungido é ele e só ele, não vejo outro...

Risos do PS.

Não se pode utilizar a palavra ungido em relação a outra pessoa senão aquela que é infalível, que é insubstituível, que é perfeita, que é enviada pelo próprio Deus ... !

Risos e aplausos do PS.

Que alguns amigos do Dr. Mário Soares digam que o Engenheiro Guterres e o PS não são alternativa, isso só quer significar que a liberdade de opinião é tal neste país que até inclui o próprio disparate!...

Eu também sou amigo do Dr. Mário Soares e repudio totalmente que, em democracia - normal -, um partido como o PS, que acaba de averbar uma segunda vitória sucessiva, que teve nas últimas eleições o maior resultado eleitoral de sempre, que nas próprias legislativas teve, em termos de oposição europeia, uma votação que é quase de luxo, perto de 30 %, que tem o passado que tem...

0 Sr. Nuno Delerue (PSD): - 15to é para o Presidente!

0 Orador: - ... em termos de responsabilidades governativas, não seja alternativa. Em que democracia, ou em que não democracia, estamos nós?

Aplausos do PS.

0 Sr. Deputado Duarte Lima perguntou-me, ainda, se a interpretação dos resultados nos dá tranquilidade suficiente. Dá-nos, Sr. Deputado Duarte Lima, a esperança suficiente para que os senhores não possam. ter mais esperança do que nós num bom resultado nas próximas eleições legislativas.

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, a sua intervenção suscita-me quatro breves anotações, que não poderia deixar passar em claro.
A primeira tem a ver com uma referência que o senhor fez ao resultado da CDU, dizendo que os vaticínios do desaparecimento da CDU e do PCP tinham falhado.

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De facto, gostaria de dizer que, mais uma vez, esses vaticínios falharam e, embora isso seja normal, julgo que é importante politicamente que o Sr. Deputado o tenha reconhecido em nome da sua bancada.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Esta é, pois, a primeira anotação que faço, dizendo que é importante o reconhecimento por parte da bancada do PS da falência desses vaticínios.

Por outro lado, o Sr. Deputado, a determinada altura da sua intervenção, disse: "eis-nos num sistema quadripartido". Já agora, diria que teria sido preferível que o Sr. Deputado Almeida Santos tivesse ficado por aí e não tivesse acrescentado a essa afirmação algumas referências correlacionadas com Maurice Duverger, porque julgo que elas foram infelizes, pois nós assumir-nos-emos sempre como partido de corpo inteiro. De facto, essas referências foram infelizes, pois poderiam implicar, da minha parte, resposta ao mesmo nível e falar, por exemplo, em dez vitórias, mas julgo que não é isso que deve ser discutido neste momento.
De qualquer forma, é bom que o Sr. Deputado tenha referido esse aspecto, porque, do nosso ponto de vista, uma das ilações que é necessário retirar dos resultados destas eleições, como das anteriores, é a de que o povo português quer o sistema quadripartido e isso implica e exige que não haja tentativas de quem quer que seja para, através de formas artificiais e administrativas, tentar impor a bipolarização.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - É, pois, importante, repito, que o Sr. Deputado Almeida Santos tenha reconhecido, em nome da sua bancada, a questão do sistema quadripartido que temos e que vai continuar.
A última nota, e digo última porque não percebi a parte final da sua intervenção, nomeadamente a questão das novas políticas económicas e sociais, pelo que não quero fazer qualquer referência pois posso estar enganado por ter percebido mal, é sobre a revisão constitucional.
0 Sr. Deputado Almeida Santos falou das queixas dos cidadãos quanto à saúde, educação, emprego, etc., e correlacionou tudo isto com a revisão constitucional. Assim, pergunto-lhe: face a estas queixas, que o senhor reconhece que existem e que o PS e o senhor fazem à política do Governo, por que razão é que o PS quer fazer a revisão constitucional que, necessariamente, para ser feita e aprovada em termos de articulado, tem de ter o apoio e a sustentação voluntária e directa do PSD?

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

0 Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, não falei em desaparecimento; falei em deperecimento. Deperecer é diminuir e desaparecer é apagar do mapa.
Bom, feita esta correcção direi que fez bem ao interpretar a minha afirmação de que os senhores tinham direito de ficar felizes porque o deperecimento não foi consumado. Houve uma ligeira quebra, que tem o significado que tem, mas eu falei em deperecimento e não desaparecimento.
Na verdade, devo dizer-lhe que não vejo com alegria desaparecer nenhum dos quatro partidos do actual sistema quadripartido - fique isto bem entendido!

Por outro lado, disse que eu falei em meio partido. Bem, a expressão não é minha é de Maurice Duverger, tem a paternidade que tem, mas acho que ela tem plena aplicação, pois se eu quisesse ser mau não falava em meio partido: falava em terço de partido, porque é a um terço que corresponde a vossa votação.

0 Sr. Luís Sá (PCP): - Completamente inadequado! 0 senhor lê mal!

0 Orador: - Não! Não li mal! Desculpe, mas ainda leio razoavelmente! Melhor fora que eu não soubesse ler!...

0 Sr. Luís Sá (PCP): - Então, veja o absentismo!

0 Orador: - Por outro lado, disse que o PCP era um partido de corpo inteiro. Bom, mas não neguei isso, nem nunca o farei, como é óbvio. 0 PCP tem o seu papel na democracia portuguesa e longe de mim dizer que não é um partido inteiro. Contudo, na terminologia de Maurice Duverger é o qualificado meio partido, mesmo que não atinja a votação correspondente a metade dos outros.
Quanto ao facto de o povo português querer um sistema quadripartido, disso não tenho dúvida nem sou contra, porque se isto é pecado, é um pecado original. Sempre foi assim, pois o sistema político português nasceu quadripartido e se assim permanece é porque o povo português quer que assim seja.
No entanto, quero dizer-lhe que é falsa a acusação de que o PS tenha feito ou pense fazer alguma coisa para alterar esse estado de coisas. 15to, pela simples razão de que já esteve na nossa mão, se o quiséssemos, substituir o sistema proporcional, que faria desaparecer os médios e pequenos partidos e, como sabe, nunca aceitámos a substituição do sistema proporcional por outros. Pelo menos façam-nos esta justiça e não nos acusem de termos feito o contrário.
Perguntou ainda o Sr. Deputado Octávio Teixeira porque razão é que vamos fazer a revisão constitucional, se isso tem de ter o apoio do PSD. Bom, temos um projecto e julgamos que o que consta dele é bom para o país: não é bom para nós, nem para o PSD, nem para vocês! É bom para o país! Ou o PSD vota e nós ficaremos felizes ou o PSD não vota e assume a responsabilidade da sua recusa. Aliás, isto vai acontecer, muito provavelmente, em relação às propostas dos outros partidos: ou concordamos com elas e votamo-las ou não concordamos e não votamos. Mas uma coisa lhe asseguro é que não haverá negociações...

0 Sr. João Amaral (PCP): - Está-se mesmo a ver!

0 Orador: - Pode ter a certeza, Sr. Deputado João Amaral: não haverá negociações fora da comissão eventual de revisão da constitucional. Se vocês duvidam disso é porque estão a fazer um juízo sobre vocês próprios e não sobre mim.

0 Sr. Luís Sá (PCP): - Que ingénuo!...

0 Orador: - Bom, na minha idade não é fácil ser ingénuo, mas também não é fácil o senhor dar-me lições de experiência... Desista disso!
No entanto, acredite na sinceridade da minha garantia de que o que se vai passar é o seguinte: se houver possibilidade de aproximação entre votações, num sentido ou no outro, isso sucederá na comissão e não fora dela.

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0 Sr. João Amaral (PCP): - É sempre na comissão!

0 Orador: - Esta garantia dá-lha o presidente do Grupo Parlamentar do PS, com a abertura e a concordância do secretário-geral e dos órgãos do seu partido. Pode anotar o que acabo de dizer e responsabilizar-me amanhã se assim não acontecer.

Aplausos do PS.

0 Sr. Presidente: - Para fazer uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um dos factos talvez mais relevante das eleições do passado fim-de-semana, como assinalou o Comité Central do PCP na reunião que ontem realizou foi "o fortíssimo e preocupante aumento da abstenção para níveis nunca anteriormente registados no Portugal democrático".
Esse facto exige de todas as forças políticas responsáveis uma análise séria das suas causas essenciais com o sentido de as combater e procurar evitar a sua repetição em futuros actos eleitorais.
Pela parte do PCP, de entre as múltiplas e complexas causas da elevadíssima abstenção registada, consideramos que a primeira razão reside na natureza da União Europeia que está a ser construída e no seu processo de construção: uma União Europeia em crise e com agudas contradições, arquitectada à margem da auscultação da vontade dos povos, divorciada das principais preocupações dos cidadãos e das realidades por eles vividas, sem dimensão social e de "costas" voltadas para os trabalhadores e para as legítimas aspirações populares, designadamente as de natureza económica e social.
Essa União Europeia, porque isolada dos povos, é a grande desmotivadora do voto dos cidadãos e a grande. impulsionadora da abstenção eleitoral, como se comprovou nas eleições para o Parlamento Europeu, em todos os países da Comunidade Europeia.
Esta causa essencial da abstenção exige dos partidos políticos, defensores da União Europeia de Maastricht, um repensar das suas posições e uma travagem das suas atitudes de vanguardismo elitista isolado e afastado dos povos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Mas, Srs. Deputados, o forte aumento da abstenção tem ainda razões intrinsecamente nacionais, como o aponta o facto de em Portugal se ter registado a maior taxa de abstenção, no contexto dos países comunitários.
Essas razões internas têm a ver, desde logo, com a marcação das eleições para um fim-de-semana prolongado e, em Lisboa e nos concelhos limítrofes, onde se concentram mais de 1/4 dos eleitores portugueses, a meio de uma "ponte".
0 Governo deve culpar-se publicamente por não ter feito tudo o que podia para que, a nível comunitário, as eleições fossem marcadas para outra semana, e o PSD e o PS devem fazer um acto de contrição por terem proposto o dia 12 de Junho, manifestamente o pior dia possível para a realização de um acto eleitoral.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Sr. Mário Tomé (Indep.): - Foi de propósito!

0 Orador: - Como assinalou o Comité Central do PCP, igualmente a acentuação de aspectos da "política-espectáculo" na campanha eleitoral, em prejuízo do debate de ideias e propostas, provocou o desinteresse e o desencanto em muitos eleitores e potenciou a abstenção.
Por último, mas não a menos importante das razoes internas, os efeitos da crise económica, do aumento do desemprego e da degradação da situação social, decorrentes da política do Governo, actuaram no sentido do afastamento dos cidadãos das mesas de voto. 0 forte aumento da abstenção foi, em grande parte, a expressão do protesto e da condenação da política do Governo, como, aliás, o próprio Primeiro-Ministro admitiu no passado domingo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 resultado eleitoral da CDU cifrou-se em 11,2 % dos votos expressos e na eleição de 3 Deputados ao Parlamento Europeu. Resultado idêntico ao que obtivemos em idênticas eleições em 1987 e algo inferior ao registado em 1989. Embora aquém das potencialidades de influência do PCP, não temos dúvidas em qualificá-lo como um resultado positivo no quadro e condições concretas em que foi obtido, designadamente no contexto de, nos distritos de Lisboa e Setúbal, se terem registado os maiores acréscimos de abstenção a nível nacional.
A verdade é que o resultado por nós obtido confirma o PCP como uma importante força política nacional, com um projecto próprio e com um peso social, político e eleitoral indiscutível e indispensável para retirar a maioria absoluta ao PSD nas próximas eleições legislativas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Srs. Deputados: Pela nossa parte, não entrarei na questiúncula PS-PSD sobre se um ganhou muito ou pouco e outro perdeu pouco ou muito. Factos são factos.
A verdade é que, pela segunda vez, num espaço de seis meses, o PSD obteve resultados eleitorais acentuadamente inferiores aos que lhe deram a maioria absoluta nas eleições legislativas.

0 Sr. Mário Tomé (Indep.): - Muito bem!

0 Orador: - Tal como é verdade indesmentível que, embora obtendo uma percentagem inferior à que teve em Dezembro passado, o Partido Socialista obteve mais votos que o PSD. Mas é igualmente verdade inquestionável que os resultados eleitorais não são comparáveis aos resultados de um jogo de futebol, em que basta ganhar ou perder por um golo para se ter a vitória ou a derrota num jogo que ali termina. Os resultados eleitorais têm um significado político e valem fundamentalmente pelas perspectivas que projectam na evolução da situação política.
Ora, estes resultados eleitorais, reconfirmando, aliás, os das eleições autárquicas, mostram fundamentalmente três coisas.
Por um lado, os portugueses rejeitam nas umas os intentos daqueles que, por via artificial e administrativa, pretendem impor a bipolarização do sistema político e mostram que os cidadãos portugueses se revêem num quadro político-partidário multipolar, como melhor garante da democracia e da existência de alternativas políticas e de Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Por outro lado, as sucessivas eleições dão ao Partido Socialista resultados que retiram credibilidade às suas declaradas ambições de obtenção, no futuro, de uma qualquer maioria absoluta.
Em terceiro lugar, os dois últimos actos eleitorais são suficientemente claros para mostrar que a base social, polí-

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tica e eleitoral do PSD é marcadamente inferior aos votos que lhe deram a maioria absoluta. É por isso que essa maioria absoluta lhe pode ser retirada nas próximas eleições legislativas.

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

0 Orador: - Mas para esse efeito é necessário que as forças políticas que se opõem ao PSD e ao Governo trabalhem esforçadamente, e sem desvios, para alcançar esse objectivo possível e desejável. E esses esforços nada têm a ver com intenções e projectos de revisões constitucionais desnecessárias e inoportunas, que visem alterações do regime político, repetidamente recusadas pelo voto expresso dos cidadãos e que, por acréscimo, só podem ser aprovadas com o
voto do PSD e, por isso, se e só se satisfizerem os interesses políticos e eleitorais do PSD.
Trilhar por esse caminho não ajuda a luta política para derrotar a maioria absoluta do PSD. Pelo contrário, pode contribuir para, por via artificial, o PSD consolidar essa maioria. Por esse caminho não irá o PCP.

Vozes do PCP: - Muito bem!

0 Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 PCP mantém-se firmemente apostado em derrotar o PSD e em pôr termo à sua política. Por isso, e como ontem salientou o Comité Central do PCP, estamos empenhados numa acrescida intervenção política dos comunistas em todas as esferas da vida política e social, na dinamização do combate à política do PSD e na defesa dos direitos e interesses mais imediatos dos trabalhadores e das populações, com particular atenção à luta contra o desemprego.
Não aceitamos e combateremos esforçadamente as políticas do Governo, que promovem o aumento permanente do desemprego, e continuaremos a denunciar sofismas e manobras políticas do Governo como a das "sugestões" do Primeiro-Ministro para "combate ao desemprego", propagandeadas em plena campanha eleitoral, com o intuito de influenciar a tendência de voto e que, após o acto eleitoral, se transformam em mais despedimentos colectivos, como o que ontem lançou para o desemprego mais 3000 trabalhadores da Lisnave e Solisnor.
Promoveremos um grande debate com o país, privilegiando o contacto directo com os trabalhadores, com os cidadãos, as suas organizações e as suas lutas, na procura de soluções e respostas que devam integrar uma nova política.
0 reforço da luta política e social e o enriquecimento e afirmação do nosso projecto próprio continuam a ser, para nós, o eixo central do combate à política do Governo e o caminho mais seguro para abrir espaço à construção de uma alternativa ao PSD.
Por esse caminho prosseguirá o PCP.

Aplausos do PCP, de pé, e do Deputado independente Mário Tomé.

0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

0 Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, permita-me que lhe diga que algumas das suas palavras, na declaração política que acabou de fazer, foram perfeitas desculpas de mau perdedor.
Antes de mais, Sr. Deputado, quero dizer-lhe que comungo das suas preocupações relativamente ao problema da abstenção, mas não me parece minimamente lícita a interpretação que V. EX.ª faz dessa abstenção: por um lado, diz que ela é uma demonstração de reprovação da política do Governo e uma forma de punição, por parte do eleitorado, do partido no poder e, por outro, de modo, aliás, mesclado e um pouco contraditório, pretende também justificar a redução dos resultados do PCP com base nessa abstenção.
No entanto, parece-me que o Sr. Deputado esquece duas coisas elementares: é que quem está contra o partido no poder não se fica por uma abstenção ....

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - E quem está a favor também não!

0 Orador: - ... indo às umas expressar essa vontade e essa recriminação, e a militância dos simpatizantes do Partido Comunista, como é sabido, também não se compadece com a, abstenção. É, pois, muito pouco provável que nesta abstenção possa haver uma faixa minimamente significativa de quem estivesse disposto a votar no PCP. Não é essa a tradição conhecida da força política que V. Ex.ª integra.
0 Sr. Deputado Octávio Teixeira referiu também que o seu partido tudo fará para derrotar o PSD. Parece-me que os resultados que obtiveram são bem significativos de que não vão longe nesse empenho e nessa luta.
Finalmente, V. Ex.ª criticou o Governo e o PSD relativamente às medidas quanto ao desemprego, designadamente o projecto que foi apresentado recentemente em Bruxelas.

0 Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Uma hipocrisia!

0 Orador: - Quero dizer-lhe, e V. Ex.ª também já o deve ter ouvido, que esse projecto mereceu elogios rasgados por parte do presidente da Comissão, Sr. Jacques Delors, cujo posicionamento político é insuspeito no ajuizar de um projecto que surja com a marca do partido que governa em Portugal.

0 Sr. Ferro Rodrigues (PS): - 15so foi por uma questão de boa educação!

0 Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

0 Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, V. Ex.ª teve a amabilidade de me colocar algumas questões e quero retribuir essa amabilidade.
0 Sr. Deputado fez a afirmação de que o Partido Socialista não tem credibilidade para aspirar à maioria absoluta. Quero dizer-lhe que, na minha opinião, a palavra "credibilidade" está ligada a aspectos qualitativos e não quantitativos e, por isso, não me parece que fosse a palavra mais adequada.
Em todo o caso, faço-lhe uma pergunta muito simples, à qual certamente me responderá de imediato: qual era a votação anterior do PSD, quando conquistou, pela primeira vez, a maioria absoluta? Se não souber, estou na disposição de lho recordar.

0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, não há aqui nenhuma intenção de qualquer desculpa de mau perdedor, desde já, até

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porque, como afirmei na minha declaração política, considerámos o nosso resultado positivo, e já expliquei o porquê. Por conseguinte, não há aqui perdedor para se desculpar.
Relativamente à questão que o Sr. Deputado colocou sobre o problema de a abstenção poder ser qualificada como uma forma de protesto do eleitorado, devo dizer-lhe que isso é inequívoco. O Sr. Deputado pode eventualmente acusar-nos, a nós e a outros partidos da oposição, de não termos ainda conseguido levar os eleitores que anteriormente votaram no PSD a dar o tal passo qualitativo, mas já deram o primeiro, ou seja, já deixaram de votar no PSD, e o segundo será dado no futuro. Aliás, os senhores verificarão isso nas próximas eleições legislativas.
A segunda questão que o Sr. Deputado suscitou corresponde à tese de que a militância dos comunistas impede que haja abstenção no eleitorado da CDU.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Já foi tempo!

O Orador: - Sr. Deputado, essas são as tais construções que os senhores fazem quando lhes interessa tirar ilações completamente erradas.
Mas, não havendo dúvidas de que os comunistas são militantes e, normalmente, mais militantes do que os militantes dos outros partidos políticos, os votos da CDU não resultam apenas de pessoas filiadas no Partido Comunista Português mas de muitas mais pessoas normais que, como qualquer português, têm as suas esperanças em relação à União Europeia e à política do Governo, sofrem com a crise e com o desemprego e também aproveitam os fins-de-semana prolongados.
De facto, fiz algumas referências concretas a Lisboa e Setúbal, por razões que são conhecidas, na medida em que foi aí que se verificou o maior acréscimo de abstenção e, como sabe, há uma grande concentração de votos da CDU nestes dois distritos.
No que diz respeito ao problema das sugestões do combate ao desemprego, não critico quaisquer sugestões, desde que sejam positivas. O que critico, critiquei e torno a criticar é que o Sr. Primeiro-Ministro tenha feito o anúncio da entrega de sugestões à Comissão da Comunidade, para serem analisadas não sei quando - aliás, parece que será em Dezembro -, em plena campanha eleitoral, sabendo a incidência que o desemprego tem sobre os portugueses, para tentar influenciar os resultados eleitorais, procedendo-se imediatamente após as eleições, concretamente no dia 14, porque no dia 13 foi feriado municipal, a um despedimento em larga escala de 3037 trabalhadores na Solisnor e na Lisnave.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Por isso é que são precisas as tais medidas!

O Orador: - É isto que critico e continuarei a criticar!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Almeida Santos, o problema da credibilidade é, de facto, uma questão qualitativa.
No entanto, os resultados eleitorais têm mostrado que os senhores, Partido Socialista, não conseguem transmitir ao povo as vossas ambições de maioria absoluta. Pelo menos, ele não vos corresponde em termos de voto, porque as expressões de voto que os senhores têm conseguido nos últimos tempos não chegam, manifestamente, para ambicionar uma maioria absoluta. Aliás, o Sr. Deputado, certamente, recorda-se da altura em que o PS pedia 43 %... Mas não vou falar disso agora.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Mas pode falar!

O Orador: - Sr. Deputado Almeida Santos, o senhor conhece perfeitamente as condições muito específicas e especiais, do ponto de vista político, em que se realizaram as eleições de 1987, em que o PSD obteve a maioria absoluta. Houve uma alteração radical da situação, que se traduziu na dissolução do Parlamento, e só isso pode ter permitido os valores que o PSD obteve.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Mas tinha 29,5 %!

O Sr. Presidente: - Para fazer uma declaração política, em nome do Grupo Parlamentar do CDS-PP, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é admissível esconder os números! É possível comentá-los e ter diferentes graus de satisfação e, por isso, a primeira saudação do CDS vai para o partido que obteve mais votos nesta eleições europeias. A segunda palavra para todos os que dignificaram e emprestaram civismo à campanha que terminou há poucos dias.
Apesar das vozes dispersas e desesperadas que já hoje aqui se ouviram, e são tão poucas que insistem em diminuir ou reduzir a importância dos resultados do meu partido, o CDS deve mostrar toda a sua satisfação e se não fala de vitória, afirma que atingiu um alto nível de sucesso nestas eleições e que pode assim falar sem receio dos votos que falta contar.
Não precisamos de grandes explicações para mostrar esse sucesso. A comunicação social e os analistas podem mais do que quatro ou cinco políticos apostados em desmistificar a verdade.
E valha a verdade que bem merecemos este sucesso eleitoral. Nos últimos dois anos da sua vida, ou pouco mais do que isso, o CDS sofreu uma derrota pesada nas eleições legislativas de 1991; viu-se abandonado por dois dos seus antigos presidentes; viu abandonarem o partido os seus três eurodeputados; e lutou contra o desânimo de alguns dos seus militantes.
Por muito que custe a alguns, o CDS recuperou o ânimo; por muito que custe a alguns, o CDS tem um discurso claro, seguro e compreensível pelo povo; por muito que custe a alguns, o CDS tem uma estratégia aberta e simples; por muito que custe a alguns, o CDS é hoje entendido como um partido interclassista, recheado de jovens e de alegria; por muito que custe a alguns, o CDS passou já por duas eleições neste processo de recuperação e foi subindo em adesão e aceitação.
Valha a verdade, também, que fomos os únicos que fizemos esta campanha para as eleições europeias sem apoio material do Parlamento Europeu, cumprindo o que se esperava de um partido responsável. O que se pedia a um partido responsável era que falasse do que estava em discussão. Nós não falámos do Governo, não falámos das políticas do Governo, não pedimos cartões amarelos para ninguém, não falámos de nenhum projecto partidário futuro para as próximas eleições. Falámos da Europa e de Portugal e de como Portugal deve estar nessa Europa. Numa palavra, não confundimos o povo e terminámos a

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campanha e chegámos às eleições convencidos de que já tínhamos conseguimos muito.
Hoje, todos falam na participação popular da construção europeia, em referendo, todos querem mais esclarecimento e menos secretismo. Mas, há uns anos atrás, era impossível ver o que vemos agora: um ministro anunciar na televisão o modo como vai defender os interesses de Portugal no momento em que estão ameaçados! Até aqui nada se explicava, até aqui nada se discutia.

O Sr. José Magalhães (PS): - Milagre do CDS!

O Orador: - Recuperámos a força do partido e a alegria dos militantes. Por entre adversidades da campanha (porque as adversidades não foram só do passado), jogámos com a nossa equipa, mas havia também uma equipa a jogar com os nossos dispensados, a ponto de se ter criado uma névoa favorável a um dos partidos, que foi a de ficar sem saber se teria perdido por mais do que parece e a ponto de se ficar também sem se saber se ainda teremos os nossos votos repartidos por outros lados. Sofremos a agressividade e a difamação, mas disso já se falou muito. E valeria a pena, talvez, que os que se queixam dos insultos e da agressão fizessem um balanço sério e veríamos então quem foi o mais atingido e o mais prejudicado.
Disseram-nos que não tínhamos família europeia, mas quem nos dizia isso eram justamente aqueles que durante 20 anos afirmaram desprezar as famílias europeias e não precisar de nenhum apoio internacional; disseram, lembrando outros, que o que interessava era o que se passava em Portugal. E, hoje, têm uma porta aberta, única e exclusivamente, pela sua força que é o mais efémero dos cimentes políticos, é o mais ligeiro dos laços políticos na Europa.
Choraram outros, também, por um velho CDS - os nossos adversários. Não eram saudades das ideias passadas, nem dos nossos líderes antigos, nem de princípios porventura esquecidos. Tinham saudade de um «CDS de bolso» - assim considerado por eles - absorvível e retráctil, a usar em caso de emergência. Mas esse tempo chegou ao fim.
Esta é a primeira conclusão que tiramos: é que o tempo em que o CDS representava apenas algum eleitorado de direita, disposto a integrar-se nas votações maciças do PSD ao mínimo sinal de protecção de estabilidade, ou ao mínimo sinal de autoridade ou de discurso carismático, esse tempo chegou ao fim. E isso vê-se, curiosamente, no desespero daqueles dirigentes que, ao comentarem as eleições, começaram por elogiar o Partido Socialista por ser um partido europeísta. Os dirigentes do PSD, que passaram a campanha a dizer que o PS era um partido irresponsável, que o secretário-geral do PS era um político irresponsável e porventura conluiado com os especuladores, por desespero para com o resultado do CDS, têm o desplante de comentar os resultados elogiando o PS como um pilar da democracia e da construção europeia!
Esse tempo mudou, esse tempo acabou. Curiosamente os resultados das eleições mostram que a alternativa é à direita. Os votos da direita são mais do que os votos da esquerda, o que significa que é possível dizer que o eleitorado quer algumas mudanças, mas não quer que essas mudanças signifiquem substituir o que está por uma qualquer governação sozinha ou acompanhada do lado esquerdo desta bancada. Ver-se-á, então, como é que aqueles que passaram já as duas últimas eleições a dizer que sem eles não haveria estabilidade vão entender a estabilidade para o futuro. Ver-se-á como é que vão olhar quais são as verdadeiras alternativas ao Governo, ou quais são as verdadeiras possibilidades de Governo.
O segundo aspecto que quero referir está relacionado com a abstenção. Esta foi imputada a tudo e a todos, mas foi por muitos imputada à classe política, e entendo que esta se defendeu mal dessa imputação. O que é que se pode apontar à classe política como responsabilidade da abstenção? Foram os candidatos? Seria bom que os partidos reconhecessem que os candidatos que se defrontaram nestas eleições eram dignos, preparados, sérios e que se sujeitaram a testes e avaliações como quase nenhum outro político em Portugal já se sujeitou algum dia.
Mas porque é que a campanha ou os políticos provocaram a abstenção? Foi a agressividade? Concordo com o Dr. Almeida Santos, mas o debate político pode alguma vez ser um debate morno?!
Foi o discurso hermético? Mas é alguma vez possível discutir questões de construção europeia sem alguma preocupação técnica, sem algum rigor nos termos, sem algum cuidado nas expressões?!
Então, porquê assumir a classe política que a abstenção exige uma reacção dos políticos, como quer o Partido Socialista? Porquê falar imediatamente da reforma do sistema político com as propostas que o PS reeditou?
Não respondemos às propostas de reforma do Partido Socialista, pois já tínhamos feito o essencial dessas propostas perante o silêncio desta Câmara, perante o silêncio que significava dispensabilidade do Partido Socialista.
Querem o referendo? Querem a proximidade dos políticos aos eleitores? Pois também queremos há muito tempo. Sejam bem-vindos ao grupo dos que querem o referendo, dos que querem o aproximar dos políticos aos eleitores. Só não queremos o que é, por razões de inedetismo, absolutamente inaceitável. Não, Sr. Deputado Almeida Santos, não queremos discutir aqui projectos legislativos formulados pelo povo, não queremos também que os Deputados passem para as galerias e que os cidadãos se sentem no Hemiciclo...

Vozes do PS: - Porquê?!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, só há uma coisa pior do que os políticos culpados: são os políticos contritos sem razão para isso. O que é se resolveria com a reforma do sistema político que propõe o PS, que de algum modo tenha a ver com a abstenção que estas eleições provocaram.
Porquê esconder as responsabilidades pessoais que nenhuma reforma transformará? Porquê ignorar o efeito perverso dos insultos (e valha a verdade que foram muitos)? Porquê esconder a importância da incoerência e as mudanças de discurso? Porquê esconder as intrigas partidárias e esconder a dramatização repetida com a ameaça de estabilidade? Porquê esconder uma invocação pacóvia das experiências das alcatifas europeias, que confirmam que alguns pensam que a Europa é só para iniciados? Porquê esconder as acusações sobre a especulação do escudo e esquecer que um Primeiro-Ministro disse que não é possível falar em Estado em Portugal por ser possível que algum jornalista traduza essa expressão por golpe de Estado? Porquê não aceitar que nada disto se resolve, nada destes aspectos da vida dos políticos se resolve com qualquer reforma, com qualquer proximidade dos eleitores, a não ser para que eles oiçam as coisas melhor?
Porquê não aceitar, enfim, que a reforma do sistema político é apenas mais uma coisa que já se pede há muito tempo, que não é imposta à força, nem sequer pela abstenção? Porquê não perceber, também, que é preciso falar de igual modo da reforma da Europa e das suas institui-

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coes, do modo do seu funcionamento, do modo como as suas questões são transmitidas e explicadas ao povo? Porquê não explicar também estas questões, em vez de nos mostrarmos encantados com esta votação, como se, para o PS e para o PSD, ela fosse apenas o sinal de que está tudo bem e que se pode ir em frente e caminhar, tal como dantes, em direcção aos objectivos traçados?
Aceitamos a reforma do sistema político e queremo-la. Propusemo-la há muito. Vamos lutar por ela. Porventura não já eu, que não estarei aqui na revisão constitucional, mas vamos lutar por ela. Agora, em termos de políticos e classe política, seguramente, e depois destes resultados, é o CDS que tem menos a mudar.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No domingo, a Europa foi a votos. A conclusão primeira a que, naturalmente, qualquer observador não pode deixar de chegar é a de que a grande maioria dos portugueses não foi.
As razões serão, seguramente, muitas, a começar, como é óbvio, pela desastrosa escolha daquele que representava o melhor fim-de-semana do ano, em particular na Área Metropolitana de Lisboa, para escapar ao stress da cidade e aproveitar para marcar encontro com o sol e o mar, sem considerar hipóteses alternativas a essa data.
Mas há outras razões mais profundas que não a desejável ânsia de ar livre. Afinal - perguntar-se-á -, o que diz hoje esta Europa aos portugueses, para que se justificasse ficarem e votarem?
Por acaso, seria a glória exaltante das promessas passadas?
Certamente, não foi essa glória, nesta Europa de ilusões perdidas, prometida como espaço de bem-estar, de liberdade, de segurança, de equilíbrio ecológico e de diversidade, que, afinal, não resiste ao confronto com a realidade, com o acentuar da degradação ecológica, o aumento dos sem abrigo, o desemprego, os excluídos, as superpolícias, a violação constante dos direitos, a monótona padronização e a insegurança quanto ao futuro.
Seria, por acaso, razão para votar, a apaixonante participação num processo de construção solidária de uma casa comum europeia, pautada pelo respeito da identidade cultural de cada povo, uma Europa de informação, de participação e de direitos?
Não seria essa a razão, com certeza, perante o manifesto divórcio em todo o processo de construção europeia, feito à margem dos cidadãos, contra a sua vontade, sem o seu envolvimento na tomada de decisões, erguendo muros entre povos e regiões. Não é demais lembrar, também em Portugal PSD e PS se negaram a dar voz aos portugueses e a garantir-lhes o direito de livre escolha, numa Europa tabu, como dogma imposto.
Perguntar-se-á: por acaso a própria credibilidade nas instituições favorecia a participação?
Não era também essa a razão, pois sabemos como se encontram abaladas e em crise, mergulhadas na corrupção, invadidas pelo clientelismo de toda a ordem, face a um poder que se serve antes de servir e que, cada vez mais, sobre si próprio se fecha, desperdiçando horas e energias na politiquice chata e inútil, esquecido dos problemas reais dos portugueses em função dos quais era suposto existir.
Então, votar porquê, se a própria comunicação social se encarregou de se apropriar do tempo que era suposto ser de debate, para dele fazer decadente espaço de poluição sonora e visual, com pseudodebates entre candidatos, os quais, não raro, foram remetidos à mera condição de boxeurs em circuito fechado?
Como é óbvio, também não foram estes tempos e este espaço de debate que vieram sensibilizar os portugueses para as questões da construção europeia, que a todos respeitam e deveriam ter sido o objecto da discussão. Ao invés, tais tempos e espaço foram razão de desistência e desinteresse, perante o espectáculo medíocre em que a vida política se tomou e que, manifestamente, depois de um dia de trabalho, não só são desinteressantes como não constituem um aliciante para alguém ou um convite à participação cívica.
Afinal, perguntar-se-á: votaram ou não os portugueses? Decerto que sim. Votaram aqueles para quem as eleições ainda têm significado e que, obviamente, na sua vontade expressa, não podem deixar de ser respeitados. É a vontade expressa que permite compreender os sinais indiciados de gradual perda de credibilidade do PSD, que, apesar da utilização abusiva que fez do aparelho de Estado, se viu penalizados e permite compreender o desejo de mudança daqueles que, ao cinzentismo do quotidiano, quiseram contrapor outro sentido no seu voto. É também a vontade implícita de mudança que o não voto de muitos traduz claramente, de cepticismo perante uma realidade tristonha, que parece sem saída. Um cepticismo que também nós, Partido Ecologista Os Verdes, não conseguimos transformar em voto de protesto e acção por um futuro diferente, fazendo eleger uma voz ecologista de Portugal no Parlamento Europeu.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se este resultado não permitiu atingir os propósitos políticos de Os Verdes nestas eleições, garantindo a presença de uma voz do Sul da Europa no futuro Grupo Verde, no Parlamento Europeu, esta situação não diminui a nossa convicção nem a nossa vontade de intervenção, que não se confina nos ciclos eleitorais mas que cada dia se pauta pela vontade e esperança de agir por uma Europa pautada por novos valores e novas valias. Por uma Europa que, ao inquietante recrudescimento das forças da intolerância, do racismo e da xenofobia, que na insegurança e na crise ganham raízes, contraponha o equilíbrio ecológico, a não violência, a tolerância, a paz e a cooperação; que, ao primado do lucro, contraponha o primado dos indivíduos e do seu bem-estar; que, ao agravamento e globalização da crise ecológica, contraponha novos modos de viver, de produzir, de consumir; por uma Europa e um País que, nestas eleições, estiveram em causa, mas que, seguramente, no nosso futuro comum e próximo serão construídos.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé. Dispõe, para o efeito, de um minuto, pelo que lhe solicito que seja breve.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não quero deixar, também, de abordar esta temática, para dizer que 64 % dos portugueses viraram as costas ao grande projecto salvador de Portugal, o grande projecto europeu, aliás, sufragado apenas por cerca de 20 % do eleitorado.
Esta grande abstenção é da responsabilidade dos governos dos países que não permitiram o debate e afastaram os cidadãos da participação política.

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O Governo não tem base para aplicar uma política que ele considera aplicável em nome da Europa e, lamentavelmente, também a Assembleia da República se absteve de legislar no sentido de garantir aos partidos, conforme a Constituição prevê, a igualdade de condições nestas eleições.
A UDP, o meu partido, fez uma campanha digna e séria, propondo uma outra Europa. Os resultados não foram satisfatórios. No entanto, a UDP mantém intactas as suas condições para participar na formação de uma maioria democrática nesta Assembleia da República, porque, para o ano, os eleitores, podendo eleger um novo Governo, não vão abster-se.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa os votos n.ºs 107/VI e 108/VI.
Vai ser lido o voto n.º 107/VI - De protesto por o Governo da República das Filipinas ter dificultado a entrada e permanência de cidadãos portugueses participantes na APCET, de elogio à hierarquia judicial filipina por ter possibilitado a realização da mesma e de solidariedade para com o povo de Timor Leste (Presidente da Assembleia da República, PSD, PS, PCP, CDS-PP, Os Verdes, PSN e Deputados independentes Mário Tomé e Raul Castro).

A Sr.ª Secretária (Maria da Conceição Rodrigues): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor:

Na sua primeira reunião plenária posterior aos factos, a Assembleia da República lamenta vivamente que o Governo da República das Filipinas tenha impedido ou dificultado a entrada ou embargado a permanência no seu pais de diversos cidadãos portugueses, que pretendiam participar na reunião internacional que a Asian Pacific Conference on East Timor levou a cabo em Manila, de 31 de Maio a 4 de Junho, a favor do povo de Timor Leste, considerando particularmente gravosa a anulação do «visto de entrada» que havia concedido ao Deputado que representaria nesse encontro o Parlamento português.
Em contrapartida, a Assembleia da República elogia a hierarquia judicial filipina, que possibilitou a efectivação da mesma reunião internacional, embora já com prejuízo de algumas importantes participações.
A Assembleia da República aproveita o ensejo para, mais uma vez, reafirmar o empenhamento dos portugueses - que legitimamente representa - na autodeterminação e independência do povo heróico e mártir de Timor Leste, vítima da tirania da ditadura indonésia.
O Presidente da Assembleia da República, pelas vias adequadas, dará conhecimento do teor deste voto aos órgãos de soberania da República das Filipinas.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Para esse efeito, tem a palavra.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, o Grupo Parlamentar do PSD solicita o adiamento da votação destes dois votos, visto não haver quorum, na Sala, para efectuarmos a votação.

O Sr. Presidente: - Efectivamente, Sr. Deputado, não há quorum de votação mas apenas de funcionamento. Por isso, devemos observar o Regimento.
No entanto, qualquer discussão que possamos fazer aqui de nada vai adiantar, porque quem a deveria ouvir não está presente.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, perante esta insólita intervenção, sugiro que pelo menos o voto n.º 107/VI, dada a sua importância, possa ser votado ainda hoje, à hora regimental destinada a votações, no caso de estarem agendadas.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, infelizmente, não há votações, se não, seria bem aproveitada a sua sugestão. Como é óbvio, este voto vai ser aprovado na altura própria, não temos dúvidas a esse respeito, mas normas são normas. Por isso, estes votos serão votados na sessão de amanhã.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 55 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão da proposta de lei n.º 99/VI - Altera o Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro (Lei de Imprensa).
Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro Adjunto.
O Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro Adjunto (Amândio Oliveira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No programa eleitoral apresentado aos portugueses nas últimas eleições legislativas, e maioritariamente por estes sufragado, assumimos de modo inequívoco o compromisso de aperfeiçoar a Lei de Imprensa.
Correspondemos agora, como nos compete, a esse compromisso, através da proposta de alterações à referida Lei, submetendo-a à decisão da Assembleia da República.
Num Estado de direito democrático como o nosso, o rigor, a transparência e o bom critério das actuações dos cidadãos, das instituições e dos agentes políticos, não podem nem devem eximir-se, a qualquer título, ao mais amplo e permanente controle público.
Cabe à imprensa, nessa esfera, exercer uma acção decisiva na tarefa de assegurar à sociedade em geral o conhecimento de actos e comportamentos que não se adequem ao estrito respeito pelas leis e normas jurídicas ou morais a que todos devemos obediência.
Por isso, a Constituição portuguesa consagra, em sede de direitos, liberdades e garantias, o direito à liberdade de expressão, e, como extensão deste, o direito dos jornalistas ao acesso às fontes de informação e à protecção da independência e do sigilo profissionais.
A Lei de Imprensa assegura já, de modo comprovadamente eficiente e sem constrangimentos, esses direitos. Nada, pois, a opor ou a alterar nesse domínio. Assumimo-lo com naturalidade e convicção.
Mas a nossa Constituição estabelece também, em termos claros e em condições de igualdade e eficácia, a todas as pessoas singulares ou colectivas, o direito de defesa, pela resposta e rectificação, que, quando necessário, assegure a garantia do bom nome do cidadão ou das instituições, sempre que este possa ser colocado em causa sem fundamentos de inquestionável verdade.
Nem de outro modo se poderia entender, de facto, o princípio dos direitos, liberdades e garantias, que, confi-

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gurando para todos a obrigação de aceitarmos a fiscalização democrática dos nossos actos, assegura igualmente o direito de rectificar, corrigir ou anular interpretações ou notícias que, por inverdadeiras ou inexactas, afectam a honorabilidade de cada um.
Este direito, para ser conseguido sem danos que podem ser irreparáveis, carece de ser sustentado em meios que o garantam com eficácia e segurança.
É neste estrito âmbito que assenta esta iniciativa legislativa.
A ideia e o propósito desta proposta de lei são, tão-somente, o de defender o cidadão, seja, ele ou não agente político, que em qualquer circunstância relevante possa ver afectada a sua honra e o seu bom nome, os quais são direitos inalienáveis de cidadania.
Esta ideia e propósito consubstanciam-se, a nosso ver, no aperfeiçoamento de normas exclusivamente direccionadas para dois sentidos: em primeiro lugar, para a clarificação e efectivação sem constrangimento do direito de resposta, tal como a Constituição o prevê; em segundo lugar, para a concretização de uma maior celeridade processual em todos os processos judiciais que a lei qualifica como processos de abusos da liberdade de imprensa.
Está demonstrado, pela experiência da aplicação da Lei de Imprensa na sua formulação actual, que estes dois objectivos nem sempre são conseguidos com a justa harmonização de interesses distintos mas dignos de igual respeito e salvaguarda.
O direito de resposta, que tem de beneficiar de prontidão e não pode ser cerceado na necessária igualdade de meios e divulgação pública em relação a notícias ou comentários que afectem o cidadão, carece de ser melhor salvaguardado por normas tão latas mas equilibradas e eficazes quanto as da liberdade de imprensa.
A agilidade e a maior celeridade do processo são, por sua vez, fundamentais para que os valores de património moral postos em causa, sem razão nem fundamento sério, não sofram dano agravado por decisão tardia, muitas vezes demasiado tardia.
Decisões que, nesse âmbito, se arrastam tantas vezes por dois, três ou até mais anos e permitem que as suspeições sobre os cidadãos ou as instituições constituam, durante todo esse tempo, um ónus permanente sobre o seu bom nome, que assim corre o risco de ser afectado sem remissão. Creio, sinceramente, que nenhum de nós, imbuído de boa fé e sentido de responsabilidade, poderá aceitar como boa, concreta e adequada, esta situação.
Estes dois objectivos são inteiramente compatíveis com a total garantia da liberdade de imprensa, já consagrada. Por isso, não podem sofrer a menor suspeita de se inspirarem em qualquer intenção de limitar, coarctar ou por qualquer modo cercear os direitos que assistem aos profissionais da informação ou diminuir as garantias de que são titulares.
O propósito destas alterações à Lei de Imprensa é, por isso e em síntese, a efectiva concretização de um princípio jurídico para nós incontestável: o de que a justiça não pode excluir a real existência de equilíbrio de meios entre os que nela procuram garantir direitos legítimos e inalienáveis, como os do foro moral, da honra e da dignidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos certos de que o conjunto de normas que constituem esta proposta de lei respeitam, em absoluto, na sua letra e espírito, o objectivo único desta iniciativa, que se confina, como já ficou afirmado, à defesa dos direitos do cidadão.
Não é, pois, uma lei contra ninguém mas, sim, uma lei pela positiva, a favor do cidadão, assumida com transparência, sem segundas intenções, na defesa de princípios e valores que a postura ética recomenda e que a tutela jurídica deve observar.
Valemo-nos, aqui, do merecimento dos textos para fazer prova definitiva do alcance e limites da proposta. Mas, a esse merecimento, acrescentamos um outro: o da mais absoluta boa fé na procura de soluções, que na lei concretizem a utilidade última de expurgar, das questões que têm a ver com as relações entre a imprensa e os cidadãos, factores de dúvida, demora, ou imperfeição, os quais, em derradeira instância, não atingem apenas quem é notícia mas também os que a produzem. Assim sendo, todos têm, em última instância, a ganhar e a beneficiar com a clarificação que agora nos propomos fazer.
Dar espaço de afirmação à verdade interessa a todos que por ela tenham respeito. Sejam, ou não, directamente interessados e visados. Sejam, ou não, objecto de notícia ou seus produtores.
Não temos dúvidas de que esses entenderão as nossas preocupações e objectivos, sem subterfúgios ou reservas mentais, em obediência à verdade e à transparência que nos cumpre sempre defender, por imperativo de cidadania que a todos, sem excepção, importa defender, salvaguardar e valorizar.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a Presidência o Sr. Vice-Presidente Adriano Moreira.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Narana Coissoró, Odete Santos, Arons de Carvalho e Mário Tomé.
Para esse efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, uma vez que o CDS-PP dispõe apenas de sete minutos, o que, naturalmente, são escassos para fazer uma pergunta e uma intervenção, solicito a V. Ex.ª a bondade de me deixar utilizar alguns minutos a mais na formulação da pergunta, porque a intervenção mais não é do que as dúvidas que tenho sobre alguns pontos desta proposta de lei.
Sr. Subsecretário de Estado, em primeiro lugar, quero dizer-lhe que acho «magra» a proposta de lei sobre as alterações à Lei de Imprensa, quando V. Ex.ª justifica que com ela pretende dar cumprimento ao programa eleitoral, que previa a revisão desta Lei.
Efectivamente, se a promessa do PSD de rever a Lei da Imprensa durante esta Legislatura se esgota em dois ou três artigos sobre o direito de resposta e o encurtamento dos prazos judiciais previstos no processo penal, não faz sentido que o Governo tenha feito tão grande alarde!
Começando pelas alterações dos prazos, na prática - não sei se V. Ex.ª advogou -os advogados aqui presentes sabem que nada resolve a favor de se dar uma justiça expedita aos processos sobre abuso da liberdade de imprensa. Desde 1975 que os prazos nunca são cumpridos pelos magistrados judiciais e do Ministério Público, aplicando-se apenas aos advogados. Por isso, apesar do encurtamento dos prazos e do processo expedito consagrado na lei, nunca se verificou, até hoje, que alguma acção por abuso de liberdade de imprensa tenha sido julgada em menos de três anos. Porquê, Sr. Subsecretário de Estado? É muito simples: porque há normas do Código de Processo Penal que não podem ser afastadas apesar deste imperativo de encurtamento dos prazos. Basta pensarmos que se o arguido não se apresenta perante o tribunal no dia da audiência

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não pode fazer-se o julgamento que, então, é adiado conforme a agenda do juiz. Ora, nesta proposta de lei, nada consta acerca da agenda do juiz.
Para além disto, qualquer advogado minimamente consciente da defesa do seu constituinte nunca quer deixar o seu cliente unicamente ao critério de um juiz singular, antes, para efeitos de recurso, quer que a prova seja escrita, isto é, pretende aquilo a que, hoje, se chama o registo da prova e que, antigamente, se chamava depoimento escrito. Ora, V. Ex.ª sabe que um depoimento oral de uma testemunha que poderia ter a duração de cinco minutos demora cerca de meia hora ou uma hora se passar a ser escrito. Assim, se o juiz tiver marcado uma audiência para uma manhã inteira não será possível registar os depoimentos de mais do que duas testemunhas. Portanto, basta haver sete testemunhas para que o tribunal tenha de gastar cerca de três, quatro ou cinco meses, dependendo da agenda do juiz, e para que um processo destes se transforme num inesgotável manancial de demoras. Depois, há ainda o processo na Relação e depois, porventura, no Supremo.
Portanto, a questão dos prazos é um problema teórico, pois o Ministério Público não os segue e não há processos disciplinares contra o Ministério Público por causa disso. Igualmente não serve o que vem disposto quanto aos prazos que respeitam à realização do inquérito, pois ninguém irá obedecer, aliás, como até hoje ninguém obedeceu. Os juizes não podem tratar estes processos como os de réu preso porque não o são, pelo que a sua natureza urgente é apenas teórica.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Sr. Deputado, peço-lhe que abrevie...

O Orador: - Sr. Presidente, como o CDS-PP apenas dispõe de 7 minutos, eu tinha apelado à tolerância da Mesa para que me concedesse 5,5 minutos para eu usar da palavra, aliás, como já vem sendo hábito.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Sr. Deputado, poderá ser um hábito mas não é regimental! Assim, peco-lhe que abrevie a sua intervenção.

O Orador: - A segunda questão é a do direito de resposta. Apenas vou referir o problema principal a este respeito que, aliás, já foi mais que debatido. Assim, não sei porque é que a proposta não foi revista e as críticas consideradas antes de dar início a este debate.
Na verdade, tal como afirmaram os jornalistas e os sindicatos, o problema principal não é o do direito de resposta mas o da obrigatoriedade que se estabelece para que seja dado igual tratamento à resposta, inserindo-a na mesma página e utilizando caracteres idênticos aos que foram utilizados na notícia inicial. Se algum dos presentes tiver lido as edições de hoje do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias que contém vários artigos de opinião sobre este problema do direito de resposta, verificará que esta questão existe desde há muito. Por exemplo, se o Expresso publicar na sua primeira página a notícia de que «O Secretário de Estado da Comunicação Social deu mal os subsídios», ou a de que «Eurico de Melo fez isto e aquilo», ou a de que «O Deputado Narana Coissoró fez isto ou aquilo» e se eu responder, não passa pela cabeça de ninguém que, no sábado seguinte, com a mesma manchete e com o mesmo encaixe, a primeira página do Expresso traga a notícia de que «Narana Coissoró responde que...» Isto não é possível e não acontece em pane nenhuma do mundo! Quando muito, pode exigir-se - e os jornalistas já o propuseram - que na primeira página apareça um registo dizendo que, relativamente à notícia tal, publicada em manchete no dia tal, foi recebida uma resposta que vem publicada na página tal. Para além disto, há que ter em atenção que a Lei de Imprensa aplica-se também à televisão. Ora, V. Ex.ª já pensou no que será o exercício do direito de resposta com a mesma relevância que foi dada à notícia que o originou?
Portanto, estamos aqui a fazer «orelhas moucas» àquilo que, durante anos e anos se vem dizendo e que é exactamente a razão por que o direito de resposta não é cumprido, não por má-vontade dos directores dos jornais mas porque, de acordo com os critérios jornalísticos, não é possível dar-lhe o tratamento estipulado pela lei. Na verdade, a lei volta costas aos critérios da imprensa, da televisão e da rádio e teima em algo que nenhum órgão de comunicação pode cumprir nem cumprirá.
Em terceiro lugar, há o problema da extensão da resposta. Também nesta proposta de diploma tira-se o poder ao conselho de redacção e afasta-se o julgamento do director do órgão de comunicação social, sobre se deve ou não publicar a resposta. Neste aspecto dou-vos razão pois, muitas vezes, não pode deixar-se ao juízo de valor de um director de jornal a decisão de publicar ou não a resposta, mas o abuso do direito de resposta não está regulamentado. Ou seja, segundo esta proposta de lei, por causa de uma notícia de cinco linhas uma pessoa pode escrever 300 linhas de resposta, portanto, pode escrever um autêntico artigo de opinião a título de resposta e o director não pode obviar a isto. E devo dizer que, ontem mesmo, em sede de comissão, estivemos a ver este artigo à lupa! Sr. Ministro, este texto apenas considera os termos formais e não os critérios substantivos, materiais, do conteúdo da resposta. Assim, isto dá lugar a uma nova polémica: no dia seguinte, o director do jornal vem dizer que aquela resposta é um abuso, depois, o ofendido tem novamente direito de resposta e, a pretexto desta, acabamos por ter uma nova polémica instalada no jornal. Ou seja, o afastamento do conselho de redacção, a obrigatoriedade de publicação da resposta de acordo com os critérios formais e não com os critérios substantivos, no fundo, pode prejudicar o próprio direito de resposta e lançar uma subversão intolerável no direito de resposta...

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Sr. Deputado, já esgotou o seu tempo e todas as possíveis figuras regimentais. Assim, tenha a bondade de terminar.

O Orador: - Finalmente, Sr. Subsecretário de Estado, não quero deixar de dizer que esta proposta de lei tem aspectos positivos, um dos quais é a desresponsabilização do director do jornal sempre que o artigo em causa é assinado por um jornalista. Também é positivo que o jornal não publique anotações que defraudam o direito de resposta. Digamos que há uma boa vontade em regulamentar o direito de resposta, mas, da forma como foi redigida, esta proposta de lei tem de ir para «a oficina» da comissão para lhe serem feitas «grandes obras».
Termino, perguntando ao Sr. Subsecretário de Estado se o Governo está na disposição de aceitar que se faça uma obra quase nova para extrair todos estes «aleijões» a que me referi.
(O Orador reviu.)

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - O Sr. Subsecretário de Estado decidiu responder somente no fim de todos os pedidos dê esclarecimentos.

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Assim, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Subsecretário de Estado, apenas lhe farei duas perguntas brevíssimas.
Em primeiro lugar, Vital Moreira, que os senhores citam abundantemente no preâmbulo deste diploma, por exemplo, relativamente à questão das expressões desprimorosas, diz que essa referência tem sido um constrangimento ao exercício do direito de resposta. Assim, uma vez que dizem que tanto querem aperfeiçoar a lei - já veremos que não é assim-, por que motivo não é suprimida esta expressão?
Em segundo lugar, Sr. Subsecretário de Estado, é ou não verdade que, por exemplo, para além de outros casos, nos termos do n.º 8 que os senhores propõem para o artigo 16.º, uma resposta contendo injúrias, o que constitui uma infracção penal, não pode ser recusada pelo director do periódico? Ou seja, é ou não verdade que os senhores apenas admitem a recusa com base na questão da violação de pressupostos formais, da legitimidade, do prazo? Assim, parece-lhe bem que se dê acesso à informação para o cometimento de um crime?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Tem a palavra o Sr. Deputado Arons de Carvalho.

O Sr. Arons de Carvalho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Subsecretário de Estado, creio que todos somos unânimes em reconhecer que a preocupação proclamada de rever a Lei de Imprensa é uma preocupação justa. A questão está em saber se a presente formulação é feliz e, a meu ver, ela tem vários aspectos em que é extremamente infeliz.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em primeiro lugar, é porque, como muito bem disse o Sr. Deputado Narana Coissoró, o problema do direito de resposta não reside nas notas da redacção nem na dimensão das respostas, está sim na localização da publicação das respostas. É porque existe um tremendo desfasamento entre a Lei de Imprensa de 1975 e a prática seguida ao longo dos anos com a complacência dos tribunais, do Conselho de Imprensa, da Alta Autoridade para a Comunicação Social e dos próprios cidadãos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, a proposta de lei em apreço passa completamente ao lado desta questão. Assim, cabe aqui perguntar como é que o Governo vai resolver essa situação.
Em segundo lugar, reconheço que, tal como está, o direito de resposta na imprensa não é satisfatoriamente consagrado. Mas pergunto se o Governo está satisfeito com a forma como está regulamentado o direito de resposta na rádio e, sobretudo, na televisão. É que se fizermos a comparação entre o estatuído na Lei de Imprensa e na Lei da Televisão em matéria de direito de resposta e se atentarmos à prática do direito de resposta na televisão, verificaremos que este, pura e simplesmente, não existe. Assim, pergunto se o Governo é sensível à necessidade de rever o direito de resposta em matéria de televisão.
A terceira questão é a da celeridade processual, que também já aqui foi suscitada pelo Sr. Deputado Narana Coissoró. Ninguém contesta a necessidade de acelerar estes processos e, igualmente, ninguém contesta a necessidade de defender da melhor forma o direito ao bom nome e à reputação das pessoas. Mas pergunto como é que o Governo justifica que, em relação a vítimas de tentativas de homicídio, a vítimas de ladrões, a justiça seja uma «estrada secundária totalmente engarrafada» e que quando se trata de jornalistas a justiça «segue em auto-estrada a toda a velocidade». Como é que isto é justificável?

O Sr. José Magalhães (PS): - Exactamente!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Subsecretário de Estado, é evidente que todos estamos de acordo em que é necessário garantir o direito de resposta nas melhores condições para quem considera que deve responder, na imprensa, na rádio ou na televisão. No entanto, o que mais me preocupa neste momento é a posição dos jornalistas, a partir do momento em que o director do jornal passa a ter uma menor co-responsabilização em termos de responsabilidade criminal quanto aos textos que são escritos e assinados pelos jornalistas.
A minha preocupação é a de que se o jornalista, até por pundonor e por ética profissional, vê a sua profissão como uma actividade de solidão tal não pode desprotegê-lo. É que constatamos que, hoje, há uma espada sobre os jornalistas que não atinge apenas estes últimos, mas também a própria liberdade de informação. Isto é, quando o jornalista está numa situação em que pode ser despedido, em que pode formar-se em seu torno uma situação que permita o despedimento mais facilitado, em que o seu contrato de trabalho não é efectivo, em que vive sob uma pressão que conduz à auto-censura, pergunto ao Sr. Subsecretário de Estado se não considera que esta desresponsabilização dos directores é um passo que faz perigar a situação dos próprios jornalistas nos meios de informação.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para responder, tem a palavra o Sr. Subsecretário de Estado Ajunto do Ministro Adjunto.

O Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro Adjunto: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, gostava de recordar-lhe que aquilo que prometemos, não em Programa de Governo mas em programa eleitoral, foi apresentar propostas de alteração à Lei de Imprensa, rigorosamente no sentido das que apresentámos. Portanto, quando me coloca a questão de saber se não considero que é magra a proposta apresentada, naturalmente que a minha resposta é tão simples quanto isto: estamos a limitar-nos a fazer aquilo que, em altura oportuna, prometemos aos portugueses que faríamos se nos concedessem o seu voto para governarmos e para, em consequência, apresentarmos a presente proposta de lei.
Quando o Sr. Deputado Narana Coissoró me coloca a questão de saber se, nesta matéria, o Governo está fechado relativamente à discussão de outro tipo de alterações, remeto-o para a prática que o Governo tem tido com esta Casa, no sentido de um amplo diálogo e de uma ampla abertura. Aliás, sempre que nesta Casa surgem propostas que enriquecem, melhoram e tornam mais adequadas as nossas propostas, temos feito delas o devido acolhimento.
Naturalmente, perante esta matéria, e desde que não estejam em causa os princípios fundamentais que nos leva-

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ram a fazer a apresentação desta proposta, teremos toda a disponibilidade para, em sede de comissão, fazermos esse diálogo e essas melhorias.
É óbvio que há algo de que não prescindimos, em termos de proposta, como seja a introdução de alterações que visam, por um lado, que o direito de resposta possa ser efectivamente assegurado e, por outro lado, em caso de recurso judicial, que ele possa processar-se em termos de celeridade.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Nós também queremos isso, mas queremos mais!

O Orador: - É evidente, Sr. Deputado, que haverá Srs. Advogados que não estão interessados em que estes processos corram de forma célere...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Enquanto advogado e Deputado estou interessado!

O Orador: - Não estava, naturalmente, a referir-me à pessoa do Sr. Deputado enquanto advogado mas, sim, ao facto de, eventualmente...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Os advogados querem celeridade dos processos!

O Orador:- Sr.ª Deputada Odete Santos, admito que os Srs. Advogados que têm muitos processos em carteira, por vezes, não tenham esse interesse de celeridade que outros têm.

O Sr. José Magalhães (PS): - Isso é uma insinuação grave!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - É gravíssimo!

O Orador: - Não, não é uma insinuação grave. São homens que têm muito que fazer!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Sr. Subsecretário de Estado Adjunto do Ministro Adjunto, pedia-lhe o favor de prestar esclarecimentos, mas sem encetar um diálogo.

O Orador: - Sim, Sr. Presidente, vou continuar a dar os esclarecimentos que me foram pedidos.
Ainda relativamente à forma como a resposta é dada, designadamente o local e as características da sua publicação, recordo-lhe, Sr. Deputado Narana Coissoró que, sobre esta matéria, não introduzimos qualquer tipo de alteração.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Por isso é que ela não funcionou!

O Orador: - Sr. Deputado, remeto para aquilo que há pouco dizia: o diploma está nesta Câmara e se o Sr. Deputado considerar que deve fazer uma proposta de alteração nesse sentido, estamos perfeitamente disponíveis para a estudar e dialogar com o Sr. Deputado, bem como com os demais Srs. Deputados.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Já fiz!

O Orador: - A Sr.ª Deputada Odete Santos colocou-me a questão da obrigatoriedade de publicação de respostas que sejam injuriosas. Naturalmente, não terão de ser...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Então explique o n.º 8 do artigo 16.º!

O Orador: - Sr.ª Deputada Odete Santos, teremos oportunidade, aquando da discussão na especialidade em sede de comissão, de deixar perfeitamente claro que respostas injuriosas não serão obrigatoriamente...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não é o que está no n.º 8!

O Orador: - Se tem dúvidas sobre essa matéria,...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não tenho!

O Orador: - ... encontraremos, naturalmente...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - O texto tem de ser aperfeiçoado!

O Orador: - Sr. Presidente, se me dá licença, gostaria de continuar.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Sr. Subsecretário de Estado, dou toda a licença, mas apenas pedia que não transformasse a intervenção no Parlamento numa mesa redonda.

O Orador: - Sr. Presidente, desde que os Srs. Deputados não me interrompam..., muito embora os apartes nesta Casa sejam uma praxe a que todos nos habituámos!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Queira terminar, Sr. Subsecretário de Estado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Respondendo agora ao Sr. Deputado Arons de Carvalho, devo dizer que não estou de acordo quando diz que a formulação que encontrámos é infeliz. Penso que, bem pelo contrário, ela respeita aquilo que são as nossas preocupações e as dos cidadãos portugueses no tocante ao direito de resposta e à rapidez com que, no caso de recurso a tribunal, ele deve ser julgado.
Quanto à questão que o Sr. Deputado Mário Tomé me colocou, é evidente que a desresponsabilização dos Srs. Directores dos jornais será feita se quem se sente ofendido considerar que não os deve chamar a prestar contas e, naturalmente, serão encontrados, em todos os órgãos de comunicação, os mecanismos internos que levem os Srs. Jornalistas, em diálogo com as suas respectivas direcções, a encontrar em cada caso quem deve ser o responsável.
Penso que não haverá aqui qualquer razão para preocupações da parte dos jornalistas, uma vez que a capacidade de intervenção mantida até ao momento vai ser respeitada. Precisamos e desejamos que assim seja, e sempre o incentivaremos.
Não há, pois, a mínima razão para que haja alguma dúvida, Sr. Deputado Mário Tomé, relativamente a esta matéria.
Agora, não há qualquer razão que justifique a manutenção da situação actual, isto é, de chamar sempre à responsabilidade muitos Srs. Directores que, frequentemente, não tiveram a mínima responsabilidade nas notícias que foram publicadas.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - O Sr. Deputado Guilherme Silva pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

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O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, está de certo modo ultrapassada a razão da interpelação, uma vez que V. Ex.ª, e muito bem, mais do que uma vez pediu ao Sr. Subsecretário de Estado para responder aos pedidos de esclarecimento e não entrar em diálogo. A minha interpelação era, precisamente, no sentido de a Mesa providenciar no sentido de que os Srs. Deputados que fazem pedidos de esclarecimento não impeçam as respostas com interferências constantes.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Arons de Carvalho.

O Sr. Arons de Carvalho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Esta proposta de lei, alterando alguns aspectos da Lei de Imprensa, suscita-me duas ou três notas introdutórias.
A primeira nota é que o Governo gosta muito de garantir que não quer rever a Lei de Imprensa, nem retirar ou diminuir qualquer direito dos jornalistas. Por mera curiosidade, há dias dei-me ao trabalho de verificar quantos artigos da Lei de Imprensa já tinham sido revogados ou substancialmente alterados. Constatei que esse número era de mais de um terço.
Mais: este Governo já limitou o direito ao sigilo;...

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - ... limitou o direito de acesso às fontes de informação; esvaziou de conteúdo o direito de participação e anulou, na prática, a garantia de independência dos jornalistas.
O Governo não pode pois admirar-se por, cada vez que anuncia mexer na Lei de Imprensa, os jornalistas e os cidadãos mais atentos porem ás mãos na cabeça, inquietos em relação a mais limitações à liberdade de imprensa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A segunda nota é que o Governo fez coincidir a apresentação desta proposta de lei com a publicação de um estudo - aliás excelente - do Professor Vital Moreira sobre direito de resposta Citou-o abundantemente e fez bem. Lamento apenas que o Governo só tenha aproveitado uma parte das opiniões do Professor Vital Moreira.
No seu estudo, o Professor Vital Moreira refere que um dos direitos constitucionalmente garantidos - o direito de réplica política - foi completamente esvaziado de conteúdo prático quer na Lei da Televisão de 1990, quer pela actuação absolutamente lamentável da Alta Autoridade para a Comunicação Social nesta matéria.

O Sr. José Magalhães (PS): - É verdade!

O Orador: - Esta seria, pois, uma boa ocasião para garantir de forma efectiva esse direito.
O PS apresentou há algumas semanas um projecto de lei neste sentido. Espero que o Governo esteja sensível a esta questão, tanto mais que este é um direito que o PSD estará em condições de invocar a partir de Outubro de 1995.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A terceira nota é que o Governo está preocupado com o exercício do direito de resposta na imprensa. Estou de acordo com essa preocupação, mas permito-me estranhar que o PSD não se tenha incomodado também com o direito de resposta na televisão: ele está limitado na duração, no conteúdo, na forma e nos prazos.
Com efeito, duvido que haja um só dos Srs. Deputados que se recorde de um caso de direito de resposta na televisão. A explicação é simples: na prática, não há direito de resposta na televisão. Ora, se pensarem no impacto e no poder da televisão estarão em condições de apreciar a gravidade desta situação.
Espero que o PSD venha a votar favoravelmente o projecto sobre este tema que o PS apresentou há algumas semanas, já que se esqueceu deste tema na proposta que hoje apreciamos.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta de lei que hoje discutimos tem três aspectos essenciais.
Um deles tem a ver com a obtenção de maior celeridade processual. De facto, o esforço feito na proposta do Governo parece importante se considerarmos que estão muitas vezes em causa o bom nome e a honra dos cidadãos, que a passagem do tempo torna cada vez mais dificilmente reparável.
Importa, no entanto, referir que é dificilmente compreensível que os esforços do Governo em matéria de celeridade processual se fiquem pelos crimes de imprensa, esquecendo-se todos os outros, ou seja, para tentativas de homicídio, violadores ou qualquer ladrão vulgar a justiça esbarra nos engarrafamentos de uma pobre estrada secundária; para jornalistas, aí estão as «auto-estradas punitivas».
O segundo aspecto - sobre o direito de resposta - é bem mais complexo. O problema essencial do exercício do direito de resposta através da imprensa não consiste nem nas notas do director ou nas notas da redacção e muito menos na extensão da resposta. O principal problema é o da localização, nomeadamente porque a lei não é cumprida desde há muitos anos.
Com a complacência ou o silêncio cúmplice dos tribunais, do Conselho de Imprensa, da Alta Autoridade para a Comunicação Social e dos próprios cidadãos, os jornais foram sedimentando uma norma que se tornou um hábito: as respostas são publicadas na secção de cartas ao director ou em outras páginas secundárias do jornal, frustrando-se assim em muitos casos um dos propósitos essenciais do direito de resposta: atribuir aos cidadãos a possibilidade de atingir sensivelmente o mesmo público do texto que lhe deu origem.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É evidente que esta situação é inaceitável, porque representa a anulação do direito de resposta. Todavia, a verdade é que esta situação foi também criada pelo irrealismo do disposto na Lei de Imprensa de 1975.
Importa, pois- e esta é a falha essencial da proposta do Governo -, encontrar formas realistas e imaginativas de assegurar de forma substantiva o «princípio da equivalência», de que fala alguma doutrina estrangeira, nomeadamente a italiana.
No debate na especialidade, importa criar soluções que visem impedir a situação actual, que claramente nega a plena efectivação do direito de resposta.
A intervenção célere de uma entidade arbitrai especializada e a criação de regras que, de forma exequível e equilibrada, garantam o «princípio da equivalência» parecem-nos soluções possíveis e sobretudo viáveis, o que manifestamente não acontece com a actual legislação, nomeadamente depois de largos anos em que ela foi tão desrespeitada.

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O terceiro aspecto relevante na proposta governamental tem a ver com a desresponsabilização do director em certas situações.
Não nos parece estar em causa a solução proposta. Sublinhamos apenas que a maior solidão do jornalista na responsabilidade criminal pelos delitos cometidos, que corresponderá inevitavelmente a uma menor co-responsabilização do director, deveria conduzir ao reforço da liberdade interna dos jornalistas, ou seja, do seu direito de participação na definição do conteúdo do órgão de comunicação social onde trabalham.
Lamentavelmente, a proposta governamental nada prevê sobre esta matéria. O Governo continua a demonstrar não ter a mínima sensibilidade para a consagração clara dos direitos dos jornalistas. Más, este diploma volta a reflectir a filosofia do Governo em matéria de liberdade de imprensa.
Nos últimos anos, o Governo limitou vários direitos dos jornalistas. Como disse há pouco, limitou o direito ao sigilo profissional, colocou novos entraves ao direito de acesso às fontes de informação, retirou importantes poderes aos conselhos de redacção, esvaziou de sentido a garantia de independência dos jornalistas.
Por outro lado, o Governo agravou sanções por crimes cometidos pelos jornalistas e prepara-se, com a proposta de alteração ao Código Penal, para limitar a sua liberdade de expressão em matérias relacionadas com o direito à intimidade da vida privada.
Há uma coincidência em todas estas iniciativas: todas elas limitam a liberdade de imprensa, nenhuma delas garante novos direitos aos jornalistas ou à imprensa ou se preocupa em punir quem limita a sua liberdade.
Aqui está uma imagem de marca deste Governo que é reveladora e preocupante.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Miguel Macedo, vou proceder à leitura de duas cartas de S. Ex.ª o Sr. Presidente da República, uma datada de 28 de Maio e outra de 3 de Junho.
A primeira é do seguinte teor: «Estando prevista a minha deslocação a Espanha, nos próximos dias 6 e 7 de Junho, para participar, a convite de Sua Majestade o Rei D. Juan Carlos I, nas cerimónias comemorativas dos 500 anos da assinatura do Tratado de Tordesilhas, venho requerer, nos termos dos artigos 132.º, n.º 1, e 166.º, alínea b), da Constituição, o necessário assentimento da Assembleia da República».
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do parecer e proposta de resolução da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, é do seguinte teor:

A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação da Assembleia da República, tendo apreciado a mensagem de S. Ex.ª o Presidente da República, em que solicita o assentimento para se deslocar, em viagem de carácter oficial, a Espanha, entre os dias 6 e 7 de Junho, apresenta ao Plenário a seguinte proposta de resolução:

Nos termos do n.º 1 do artigo 132.º da Constituição, a Assembleia da República dá o assentimento à viagem de carácter oficial de S. Ex.ª o Presidente da República, a Espanha, entre os dias 6 e 7 de Junho.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Vamos votar o parecer e proposta de resolução.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PSN e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raul Castro.
Srs. Deputados, a segunda carta de S. Ex.ª o Sr. Presidente da República, é do seguinte teor: «Estando prevista a minha deslocação à Colômbia, nos próximos dias 12 a 21 de Junho, para participar na 4.a. Cimeira Ibero-Americana, que se realiza em Cartagena, venho requerer, nos termos dos artigos 132.º, n.º 1, e 166.º, alínea b), da Constituição, o necessário assentimento da Assembleia da República.»
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do parecer e proposta de resolução da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, é do seguinte teor:

A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação dá Assembleia da República, tendo apreciado a mensagem de S. Ex.ª o Presidente da República, em que solicita o assentimento para se deslocar, em viagem de carácter oficial, à Colômbia, entre os dias 12 a 21 de Junho, apresenta ao Plenário a seguinte proposta de resolução:

Nos termos do n.º l do artigo 132.º da Constituição, a Assembleia da República dá o assentimento à viagem de carácter oficial de S. Ex.ª o Presidente da República à Colômbia, entre os dias 12 a 21 de Junho.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Vamos votar o parecer e proposta de resolução.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do PSN e dos Deputados independentes Mário Tomé e Raul Castro.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, antes de dar início à minha intervenção, permita-me que, tendo prescindido do direito regimental para fazer a apresentação do relatório aprovado em comissão, proceda aqui à rectificação de um lapso dactilográfico, referente à última folha do relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias: quando se menciona a Carta de Lei de 10 de Novembro «de 1937» deve, obviamente, ler-se «de 1837».
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Por iniciativa do Governo, esta Câmara discute, hoje, um conjunto de alterações à Lei de Imprensa São alterações que relevam, no fundamental, para um mais adequado e eficaz exercício do direito de resposta, que tem, entre nós, a especial dignidade e garantia constitucional reservada aos direitos fundamentais.
Com efeito, a par da especial protecção constitucional conferida à liberdade de imprensa e à liberdade de expressão e informação, o direito de resposta e de rectificação é considerado por alguns autores, como Vital Moreira e Gomes Canotilho, como «instrumento de defesa das pessoas contra qualquer opinião ou imputação de carácter pessoal ofensiva ou prejudicial, ou contra qualquer notícia ou referência pessoal inverídica ou inexacta e é independente quer do direito à indemnização dos danos sofridos quer à responsabilidade criminal envolvida».
Nunca, por isso, o exercício deste direito fundamental pode ser confundido com um ataque à liberdade de ex-

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pressão e de informação e as alterações, ora propostas, visam, exclusivamente, colocar num novo patamar de equilíbrio estes dois direitos, que, por natureza, tendem a conflituar entre si. De resto, estas questões constituem, hoje, preocupações de primeira linha em grande número de países, muito por força da apontada fragilidade de meios disponibilizados aos cidadãos para reagir, em tempo oportuno e com eficácia, ao crescente poder dos meios de informação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Estas legítimas preocupações são tanto mais fundadas quanto se têm acentuado nos países desenvolvidos os sinais de crescente concentração dos meios de comunicação, avolumando os receios de compressão do pluralismo informativo e da protecção de direitos dos cidadãos face ao gigantismo e poder de algumas empresas de comunicação social.
Recorde-se que o Parlamento Europeu, atento a esta nova realidade, pronunciou-se já, por mais de uma vez, sobre estas matérias. O mesmo se diga do Conselho da Europa, que emitiu diversas recomendações aos Estados membros sobre as garantias a adoptar para a efectivação do direito de resposta.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 997/VI assume, expressamente, os objectivos de assegurar, sem constrangimentos, o direito de resposta garantido na Constituição, por um lado, e, por outro, o propósito de garantir maior celeridade processual em benefício das partes interessadas.
Trata-se, por isso, de aperfeiçoamentos legais, que não beliscam nem questionam qualquer outro complexo de direitos com estes relacionados, designadamente os direitos e garantias reconhecidos aos profissionais de informação.
É um propósito político claro, que queremos assumir por inteiro, tanto mais que corresponde a um compromisso eleitoral, e que expressamos na convicção de que, assim, estamos não só a salvaguardar melhor direitos impostergáveis dos cidadãos, como o direito à honra, ao bom nome e à reserva da sua vida privada, como estamos também a contribuir para que os profissionais da informação não sejam injustificadamente atingidos na sua dignidade e reputação profissionais.
Daí a ênfase que emprestamos à necessidade de garantir maior celeridade processual através de um generalizado encurtamento dos prazos e fixando-se em um mês e 15 dias, respectivamente, os prazos para conclusão do inquérito e da instrucção do processo. Daí, também, que se preveja que a audiência de julgamento terá lugar no prazo de um mês após a elaboração do despacho de pronúncia ou do despacho que recebe a acusação.
Mantém-se a natureza urgente do processo e continua a considerar-se inaplicável ao julgamento dos crimes de imprensa o processo sumário, o que releva especialmente para efeito das garantias processuais das partes.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Está muito bem!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas isso já era assim!

O Orador: - São alterações essenciais para quem, como nós, considera que dilações excessivas nestes processos podem irremediavelmente condenar quem carece, em domínios tão sensíveis, de uma justiça capaz de responder em tempo útil a este tipo de questões.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É por isso justificado o apoio que o Grupo Parlamentar do PSD vai dar a esta proposta de lei.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O preâmbulo da proposta de lei disfarça mal, no seu arrazoado, os objectivos do articulado da mesma.
De facto, o diploma não procura o justo equilíbrio entre a liberdade de imprensa, a liberdade editorial e o direito de ocupação do espaço das publicações periódicas através do exercício do direito de resposta e de rectificação.
Sem dúvida que este direito é componente integrante do direito geral de expressão e informação. É garantia de outros direitos fundamentais, nomeadamente do direito de personalidade e do direito do público à informação, e é, em nome daquele direito e desta garantia, um limite à liberdade de imprensa.
E porque estão em causa direitos e liberdades que se contrapõem, há que buscar o justo equilíbrio e encontrar os contornos dos mesmos, ajustando a lei em vigor ao texto constitucional resultante da última revisão.
Não foi esse o fio condutor na feitura do presente diploma.
Do cômputo global do mesmo resulta que se trata de uma proposta ad terrorem, destinada a pôr em sentido a imprensa, a afeiçoá-la à política governativa, causticada por essa mesma imprensa.
Aliás, neste aspecto, a proposta está muito bem acompanhada pelas alterações ao Código Penal no capítulo dos crimes contra a honra.
A aplicação da actual lei e a divergência de soluções perante as mesmas questões de direito, reveladas pela prática, poderiam e deveriam ter determinado um debate profundo e exaustivo sobre as alterações necessárias, tendo em vista, nomeadamente, o afeiçoamento da lei ao texto constitucional.
Porém, o Governo parece ter preferido recolher, de forma casuística, os casos destacadamente mais incómodos, acautelando-se para o futuro. Mexeu num ou noutro preceito e, por vezes, encontrou soluções aberrantes. Deixou outros, geradores de grandes polémicas, intocados, bem sabendo que o cidadão comum, aquele que não dispõe de meios culturais e económicos, continuará constrangido no exercício do direito de resposta e de rectificação.
Um bom exemplo dos interesses que este diploma visará acautelar poderá encontrar-se na falta, propositada, de uma reflexão sobre a questão das notas oficiosas.
Concretamente, a doutrina Vital Moreira, citado no preâmbulo da proposta, vem defendendo que a obrigatoriedade de inclusão das notas oficiosas na imprensa privada não tem assento constitucional.
Na verdade, tal como refere Vital Moreira, as notas oficiosas traduzem-se numa restrição muito mais severa de liberdade editorial do que o direito de resposta. E não haverá, segundo o mesmo autor, qualquer fundamento constitucional para estabelecer a obrigatoriedade universal da publicação de uma nota oficiosa. Esta obrigatoriedade, sem limites e sem restrições a casos excepcionais, cria um dever aos cidadãos, que viola o princípio constitucional da necessidade e da proporcionalidade, sendo certo que os emitentes das notas têm ao seu dispor o serviço público da rádio e da televisão. Ora, a presente proposta mantém a obrigatoriedade universal e sem limites de publicação de notas oficiosas, agravando, como adiante veremos, desmedidamente, as sanções contra a imprensa, no caso de não publicação.

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O diploma também não se preocupa em afeiçoar o artigo 16.º, n.º 1, ao texto constitucional, deixando, sem necessidade, uma larga margem de incerteza a resolver pela jurisprudência, quiçá pela jurisprudência constitucional, no sentido de que o direito de resposta e de rectificação compreende: o direito de responder a juízos de valor ofensivos; o direito de rectificar factos verídicos que atentem contra o bom nome e reputação e o direito de rectificar factos inverídicos, em nome do direito à identidade pessoal.
A proposta preferiu manter peias injustificáveis ao exercício do direito de resposta e de rectificação, como a obrigatoriedade de reconhecimento notarial e de envio de carta registada com aviso de recepção, e, sobretudo, preferiu ignorar a discrepância de interpretação dos tribunais judiciais e da Alta Autoridade para a Comunicação Social, pouco se incomodando com o facto de o cidadão menos esclarecido se ver colhido no exercício do seu direito por formalidades, que, em bom rigor, não podem considerar-se como essenciais para o exercício desse direito.
Os autores da proposta nem sequer cuidaram de equacionar e resolver as questões suscitadas pelo sistema misto que a lei ordinária estabelece para sindicalização da recusa de publicar a resposta.
Não se aproveita também para suprimir, como sugere Vital Moreira - e já o referi -, a proibição de «expressões desprimorosas». Esta expressão, que deve ser retirada, tem dado origem a constrangimentos no exercício do direito de resposta. Por que motivo a mantém o Governo?
Mas é da coordenação do n.º 8 do artigo 16.º com o conteúdo de todo o artigo que podem assinalar-se as soluções mais aberrantes.
Registei que o Governo recuou agora. Mas o que efectivamente se refere aqui no n.º 8 do artigo 16.º - e os senhores, como seguem Vital Moreira, devem ter reparado -, quando se fala na extensão da resposta, respeita às linhas, às palavras que a pessoa usa, sendo o resto o conteúdo da resposta e não a extensão. Aliás, este entendimento assenta e tem ampla justificação na parte final do n.º 8, onde se diz «sem prejuízo da eventual responsabilização por abuso do direito de resposta». Ora, isto está aqui referido, porque os senhores quiseram reconhecer o acesso à imprensa, mesmo que fosse para cometimento de um crime, quiseram limitar a liberdade editorial com o cometimento de um crime, prevendo, depois, no fim, como salvaguarda, que pudesse ser accionado um processo para responsabilização por abuso do direito de resposta. Foi isto o que os senhores pretenderam. Registamos que, agora, querem recuar.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - É bom que recuem!

A Oradora: - E é bom que recuem!
Continuando, gostaria ainda de referir - mas não disponho de muito tempo - que a recusa do direito de resposta, aqui configurada, nem sequer abrange a possibilidade de recusa daquela resposta que não respeita os pressupostos da mesma. Assim, uma crítica feita, por exemplo, a determinado Deputado, dizendo-se que usa de um mau estilo literário, nos termos que os senhores aí empregam, poderá dar origem, uma vez que não pode ser recusada por falta de pressupostos, a que essa pessoa preencha as linhas do jornal indevidamente com o exercício de um direito de resposta que não o é.
Gostaria ainda de chamar a atenção para um artigo que contém uma agravação espantosa das multas. Enquanto que a generalidade das multas, nos termos das propostas de alteração, é actualizada com o uso do coeficiente 12, a multa pela recusa do direito de resposta chega a atingir uma actualização com o coeficiente 100 e com a agravante de nem sequer se respeitar o critério, considerado na doutrina e na jurisprudência, de a uma unidade de resolução corresponder apenas uma infracção e não várias, como os senhores aqui propõem, ao dizer-se que cada vez que a resposta não seja publicada se aplica uma multa, que pode ir até 5 000 000$. Na verdade, isto é insuportável e constitui um abuso!
Em relação à questão dos prazos, mais uma vez se vem reincidir na redução dos prazos judiciais. Já aqui foi demonstrado que os tribunais não podem dar resposta nos prazos indicados. E quem se vê coarctado com esta redução dos prazos é a defesa. Sabem VV. Ex.ªs o que é contestar uma acusação, requerer a prova da verdade dos factos, em três dias, quando a defesa só tem acesso ao processo a partir de certa altura?! Isto vai acelerar os processos?! É evidente que não! Aliás, pergunto: não terá mais direito à celeridade processual uma pessoa que, sendo vítima de um boato insidioso espalhado pelo bairro capaz de destruir-lhe a família, nem sequer podendo usar do direito de resposta? Esta pessoa tem, ou não, igual direito à celeridade processual, para além dos casos já aqui citados?
Por último, quero ainda focar a questão da prova da verdade dos factos, que agora, segundo pretendem, é necessário requerer com a contestação, ao arrepio do Código do Processo Penal. Espero bem que com isto não queiram dizer que no inquérito o Ministério Público não é obrigado a averiguar a verdade dos factos!

O Sr. José Magalhães (PS): - Segundo esta lei, não!

A Oradora: - É que o Ministério Público, segundo ensina, por exemplo, o Prof. Figueiredo Dias, tem de averiguar no inquérito se há factos que excluam a ilicitude.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

A Oradora: - Portanto, este inciso aqui inserido surge ao arrepio do Código do Processo Penal e do Direito Penal, devendo desaparecer, porque não faz cá falta.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Sr.ª Deputada, faça o favor de terminar, porque já ultrapassou o tempo de que dispunha.

A Oradora: - Termino, de imediato, Sr. Presidente.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, no âmbito da liberdade de imprensa, há problemas muito graves, que afligem os jornalistas, resultantes da concentração da propriedade dos meios de comunicação social. De entre estes problemas, destacam-se o do acesso às fontes, o do direito ao trabalho e o de imposição de tarefas que dão origem, muitas vezes, a reportagens arrepiantes, com instintos de verdadeira crueldade, que, de facto, são de censurar. Ora, estas questões não são resolvidas.
Estamos perante uma proposta que redunda numa verdadeira medida coactiva contra a imprensa. E a responsabilidade, a paz social que do seu exercício resulta, não se consegue através do mesquinho exercício de prepotências.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Srs. Deputados, dou por encerrado o debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 99/VI, cuja votação terá lugar, amanhã, à hora regimental.

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Vamos passar à apreciação, também na generalidade, da proposta de lei n.º 102/VI, que define o regime de acolhimento de estrangeiros ou apátridas em centros de instalação temporária.
Não se encontrando presente o relator, o Sr. Deputado José Puig, vou dar a palavra ao Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, como autor da proposta.
Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna (Carlos Encarnação): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O crescimento muito acentuado da procura de Portugal como país de destino, considerando os candidatos à imigração ilegal e os demandantes do pedido de asilo, tornou obrigatória a alteração da legislação portuguesa sobre estas matérias.
Não foi isto um caso isolado, não desempenhou o nosso país um papel de excepção e não decorreu de uma súbita inspiração contra a corrente, sublinhe-se.
Trata-se de uma consequência do fenómeno geral de aumento do fluxo migratório e das múltiplas facetas em que se desdobra, designadamente nos países que integram a União Europeia.
O conjunto da União Europeia, apesar dos momentos de abrandamento do crescimento ou de crise económica, é um espaço privilegiado que continua a oferecer padrões de vida, de estabilidade e de segurança de nível incomparavelmente superior à maioria dos países do mundo.
Mas, além da actual capacidade chamativa, é historicamente um centro de relações de influência cultural e económica. E é ainda composto por um conjunto de países reconhecidos como particularmente atentos e interessados na defesa dos direitos humanos e como autores e executores de grande número de acções humanitárias.
Natural será, pois, que alguma atracção seja exercida em relação a comunidades nas quais a dificuldade das condições de vida, a violência constante ou a falta de estabilidade política promovam a desistência do acto de viver na sua própria terra.
Como, teremos de convir, natural será que os países europeus tentem realizar o equilíbrio entre os seus sistemas jurídicos, as responsabilidades adquiridas a nível das convenções internacionais por eles subscritas e a situação emergente.
O afluxo descontrolado de comunidades migrantes gera inevitavelmente motivos de perturbação.
Há fenómenos de concentração de procura em zonas de tradicional maior oferta de oportunidades de trabalho.
Há compreensíveis carências nos meios de apoio social e pode surgir alguma crise grave nos equipamentos inexistentes em quantidade insuficiente ou indisponíveis.
Há quase sempre iniciativas de aproveitamento e exploração das pessoas colocadas episodicamente em situação de grande debilidade de exercício de direitos ou de grave carência económica.
Há conhecidos conflitos entre os transportadores, as autoridades de fronteira e os cidadãos que se envolvem, ou se vêem envolvidos, em situações de confusão.
Há, muitas vezes, complicações acrescidas no domínio da segurança, que se traduzem em aumento do nível de conflitualidade ou propensão à actividade marginal.
Há, por último, a natural cautela dos Estados em tentar ordenar e disciplinar a entrada e estadia de estrangeiros no seu território, em termos tais que não venham a provocar situações de tensão ou desequilíbrio social, cuja exploração suscite a xenofobia e o racismo.
Os centros de instalação temporária constituem uma medida prática de resposta a situações como as que vimos referindo. Não são uma invenção portuguesa, porque existem praticamente em todos os países da União Europeia que se confrontam com os problemas da imigração. São um recurso necessário que visa responder essencialmente a dois tipos de situações: as que derivam da falta de meios de subsistência dos interessados e as que derivam de razões de segurança.
No primeiro caso, estamos perante uma medida de apoio social, a requerimento do interessado e dependente de parecer da segurança social; no segundo, estamos perante uma medida detentiva da responsabilidade do juiz competente.
Na essência, são as normas de definição e enquadramento destas situações que constituem o conteúdo útil desta proposta de lei.
Valerá a pena recordar, como se não ignora certamente, que a primeira alusão à figura dos centros de instalação temporária foi formulada no Decreto-Lei n.º 59/93, de 3 de Março, publicado ao abrigo da devida autorização legislativa aprovada por esta Assembleia.
Mas o Sr. Procurador-Geral da República entendeu dever requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação da constitucionalidade, entre outras, das normas referentes aos centros mencionados.
Neste particular foram três as questões colocadas no requerimento então formulado: a da inconstitucionalidade orgânica, por ter sido excedida a lei de autorização; a da inconstitucionalidade formal, por preterição do artigo 115.º, n.º S, da Constituição; e a da inconstitucionalidade material, por se estabelecer uma medida de restrição ou privação de liberdade não prevista na Constituição.
Do nosso ponto de vista, não existirá, manifestamente, qualquer razão para a arguição da primeira dúvida. Recorrendo e acompanhando o argumento histórico invocado, verifica-se que a conclusão seria precisamente a inversa.
A supressão da referência à possibilidade de determinação da instalação do expulsando em centro próprio deveu-se, pura e simplesmente, ao entendimento de que a expressão «... ou outras (medidas de coacção) que. se revelem adequadas» a abrangeria.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro que nunca teve esse sentido!

O Orador: - Foi uma alteração subscrita pela maioria, com o voto contra do PCP e a abstenção do Partido Socialista.
A ser verdadeira a conclusão de que se parte para fundamentar a desconformidade constitucional, resultaria, certamente, incongruente a votação verificada em relação às posições assumidas no debate pelos vários partidos. Mas, mesmo que assim se não entendesse, a aprovação da presente proposta de lei ultrapassaria em termos práticos a questão suscitada.

O Sr. José Magalhães (PS): - Ah!... Há confissão!

O Orador: - Esta iniciativa legislativa responde igualmente à segunda dúvida levantada.
O Governo sempre afirmou que estaria fora de qualquer cogitação ou intenção sua ser outro tipo normativo, que não uma Lei, a poder limitar, a título primário ou inovatório, direitos, liberdades ou garantias, titulados por cidadãos estrangeiros ou apátridas que se encontrem em território português.
O regime material destes direitos, liberdades e garantias é hoje proposto e deverá constar de diploma aprovado pela Assembleia da República.

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No fundo, o que parecia questionar-se era a real intenção do Governo, agora - como sempre o foi do ponto de vista declarativo - definitivamente mais clara, sendo certo que, mesmo do ponto de vista da redacção do Decreto-Lei apreciado, dificilmente se poderia concluir por qualquer intenção perversa.
Por último, reconduzindo-se a instalação por razões de segurança à configuração da detenção, sujeitando-a à intervenção do juiz e à declaração do tempo e do modo da privação de liberdade, parecem igualmente esfumar-se as sombras das interrogações.
O tempo entretanto decorrido desde o primeiro momento de controvérsia sobre a necessidade dos centros de instalação permitiu que se instalasse uma serenidade maior na discussão.
A entrada em crise, em função do extraordinário aumento do número de demandantes de asilo, do regime aplicável de apoio social, o subsequente e degradante espectáculo das tendas montadas sob os viadutos de Alcântara e as cenas de alteração da ordem a que todos assistimos penso terem sido importantes para salientar a recomendabilidade das instalações propostas, em termos tais - acrescentaríamos - que vários departamentos governamentais foram obrigados a lançar mão de uma solução de recurso que, pelo menos, oferecesse um tecto a mais de uma centena de pessoas necessitadas, e com um grau de aceitação que levou alguns dos opositores iniciais à ideia à sua expressa concordância.

O Sr. José Magalhães (PS): - Quem são?!

O Orador: - Não se argumente, por fim, com a desnecessidade da medida. Se é certo que a inadequação da nossa legislação nos tornava particularmente permeáveis aos falsos requerentes de asilo e se assistimos a uma progressão da procura da ordem dos 240 pedidos/ano, em 1992, para 167 pedidos/mês, em 1993, os números actuais (1994) mantêm, embora reduzidos a um terço, factores de preocupação.

O Sr. José Magalhães (PS): - Reduzidos a quanto?

O Orador: - A um terço.

O Sr. José Magalhães (PS): - Eis, portanto, a avalanche que o Governo anunciava!

O Orador: - E a medida que recomendamos corresponde a um princípio de organização que contrarie a aleatoriedade das soluções e conte com o apoio da própria sociedade civil.
Este problema não diz apenas respeito ao Estado e não se esgota, como marcadamente pretendemos realçar, em medidas ditadas por imperativos de segurança, faz apelo à disponibilidade humanitária da sociedade portuguesa e à invenção de formas de colaboração e partilha de responsabilidades, sendo, todavia, certo que nenhum Estado nem nenhum cidadão pode fazer de conta que a questão não existe ou se resolve por si.
Daí que, embora naturalmente sujeito à má interpretação ou a qualquer dos comuns processos de intenção, que a controvérsia política alimenta e aos quais, por vezes, é difícil resistir, caiba ao Governo avançar com respostas e apresentar tentativas de solução.
A sua conformidade com os princípios constitucionais parece-nos, hoje, irrecusável, como irrecusável nos parece ser a correcção da formulação jurídica.
A bondade da solução será obrigatoriamente aferida em termos comparados e de acordo com os resultados que o futuro da sua prática permitirá alcançar.

O Sr. José Puig (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Narana Coissoró, António Filipe e Mário Tomé.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, não é propriamente para dar a nossa opinião sobre esta proposta de lei, que em termos gerais é favorável, mas, depois, teremos de ver em que termos poderemos melhorar um ou outro artigo.
Em relação à proposta de lei em discussão, tenho uma dúvida, até agora ainda não esclarecida, que já deu azo a muita especulação e controvérsia aquando do caso de Vuvu Grace. Sr. Secretário de Estado o que é a «zona internacional do porto ou aeroporto» e esta coisa de «penetrar em território nacional»? Talvez seja ignorância minha, mas não encontrei qualquer dicionário ou texto que me explicasse, além da redacção da proposta.
Um indivíduo que desce do avião, entra no autocarro da TAP, que o traz até aos pontos de controlo documental de pessoas, onde são apresentados os documentos de identificação, o passaporte, e, depois, segundo esta proposta de lei, entra no território nacional. Mas a pista do aeroporto não é já território nacional? O autocarro que nos transporta até aos serviços de controlo não está em território internacional?

O Sr. José Magalhães (PS): - Extraterritorial!

O Orador: - Extraterritorial?
Se aí for cometido um crime, houver tráfico de droga ou a prática de factos ilícitos, as autoridades portuguesas não podem intervir directa e imediatamente para pôr cobro a essas situações?
Não percebo isso de «penetrar em território nacional» e «a sua permanência na zona internacional do porto ou aeroporto perfaça quarenta e oito horas...». Depois, surge o problema de habeas corpus logo que se passe a fronteira, mas, enquanto está no território internacional só tem direito a velas e flores?
Como não sei o que é isso, gostava que me explicasse o que é isso do «território internacional», qual é a jurisdição das autoridades portuguesas sobre esse território e onde começa o território nacional.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Sr. Secretário de Estado, deseja responder já ou no final?

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna: - No final, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, vou fazer uma pergunta muito breve e prática, porque, relativamente a vários aspectos do regime que é proposto, e sobre os quais o Sr. Secretário de Estado

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falou, terei oportunidade de me referir numa intervenção que farei oportunamente.
O Sr. Secretário de Estado referiu aqui o pedido de declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de algumas normas que foi feito pelo Sr. Procurador Geral da República. Referiu-se aos fundamentos para os refutar e para dizer que, no entender do Governo, eles não tinham qualquer fundamento.
Ficamos sem perceber por que é que o Governo apresenta esta proposta de lei, que substitui, em larga medida e quase exclusivamente, o regime que foi estabelecido no tal decreto-lei que o Sr. Secretário de Estado referiu e que, em sua opinião, foi autorizado pela Assembleia da República. O decreto-lei, efectivamente, foi autorizado, mas a criação dos centros de instalação temporária não!
Se esse regime era adequado e prevê o desenvolvimento e a regulamentação dos centros de instalação temporária, através de portaria, segundo creio, e se o Sr. Secretário de Estado entende que esse regime não está ferido de inconstitucionalidade, não se percebe por que razão é que o Governo vem aqui, agora, apresentar uma proposta de lei sobre esta matéria. É esta a questão que gostaria de lhe colocar.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, trata-se também de uma pergunta rápida. Dá-me a sensação de que, apesar das suas palavras tranquilizadoras, estes centros de instalação temporária transformam-se, ou são logo à partida, centros de detenção, pura e simplesmente.
Como é que estão preservados e garantidos os direitos fundamentais de um cidadão estrangeiro - apesar de não ser português, é um cidadão com direitos fundamentais que têm de ser respeitados - quando ele é colocado numa situação real de detenção, sem que tenha cometido qualquer ilícito, crime ou violação da lei, em que pode ficar à espera da «concessão de visto de permanência ou da autorização de residência, ou à execução da decisão de expulsão ou ao reembarque», embora nestes dois últimos casos já entre um outro considerando.
Admite-se, assim, que qualquer cidadão estrangeiro, quando chega a Portugal e enquanto está à espera da concessão de visto de permanência ou da autorização da residência, seja detido - porque é disso que se trata - nesses centros chamados de instalação temporária e a que já se chamou campos de concentração.
Gostava que o Sr. Secretário de Estado me explicasse como é que, numa situação destas, estão garantidos os direitos fundamentais dos cidadãos. Por que é que o Governo não tenta encontrar formas, nomeadamente em colaboração com as associações de imigrantes, transformadas em organizações não governamentais e com um relacionamento privilegiado com o Governo, de ajudar a tratar estes casos que, evidentemente, temos de ter em conta e nos preocupam, mas que nunca devem limitar ou ferir os direitos fundamentais dos cidadãos, ainda que estrangeiros.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, pensava que o Sr. Deputado José Magalhães também me iria pedir esclarecimentos mas enganei-me!... Responderei, portanto, aos três Srs. Deputados que me puseram questões.
Em relação ao Sr. Deputado Narana Coissoró, gostaria de lhe dizer o seguinte: é evidente que a pergunta que me coloca atravessa, de vez em quando, os espíritos quando nos ocupamos dessas matérias, mas é uma pergunta que é comum, digamos assim, aos vários legisladores e a todas as disposições que, nos vários países, se ocupam desta mesma questão.
Para que fique esclarecido que, na verdade, o que se trata aqui é, para efeitos de aplicação desta lei, de uma ficção jurídica, que tem alguma correspondência em termos materiais na lei, colocámos no n.º 3 do artigo 4.º da proposta de lei uma definição do que é exactamente «zona internacional do porto ou aeroporto».
Em todos os aeroportos ou portos assim acontece, isto é, há uma zona que vai desde o ponto de embarque ou desembarque até ao ponto de verificação dos documentos, do controlo documental de pessoas, que, na verdade, é considerada sempre como zona internacional do porto ou aeroporto. É assim em Portugal como em todos os outros países em que há controlo documental de pessoas, o que acontece, como sabe, em praticamente todos.
Não pode ser nem faz sentido que seja de outra maneira, nem nunca se terá encontrado uma solução diferente desta.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Essa designação é que me parece má!

O Orador: - Não é também uma originalidade nossa, mas, sim, alguma coisa que é perfeitamente aceite e praticada por todos os países.
Em relação à intervenção da autoridade portuguesa nesses locais, é evidente que ela pode intervir sempre em todo o território nacional, mas do que estamos a tratar aqui é de uma ficção jurídica para um determinado efeito. É isso que aqui definimos neste articulado e neste diploma, e tem de ser entendido, efectivamente, dentro dessa ordem de ideias e não, como é evidente, com outro qualquer alcance.
O Sr. Deputado António Filipe pergunta-me fundamentalmente o seguinte: «mas, afinal, se o senhor acha que não havia inconstitucionalidade alguma e se, em princípio, todos os problemas que agora aqui vêm salientados ou tinham sido salientados nas interrogações e nas dúvidas do Sr. Procurador Geral da República em relação ao Decreto-Lei n.º 59/93, de 3 de Março, porque é que o senhor faz isto?».
Certamente que o Sr. Deputado António Filipe não ouviu bem o que eu disse, mas, se tal aconteceu, vou repetir. Embora entenda que não havia qualquer vício do ponto de vista da constitucionalidade em relação às várias normas arguidas pelo Sr. Procurador Geral da República, havia uma questão fundamental que era esta: o regime material dos centros de instalação temporária não estava definido.
De facto, o que se pretende definir nesta lei é o regime material dos centros de instalação temporária. E o Governo sempre disse que teria de haver uma providência legislativa, com o valor de lei e não com qualquer outro, que viesse colmatar esta lacuna, porque os centros não existem. Foi feita uma referência ao que viria a existir, mas é evidente que isso pré-ordenava uma intervenção legislativa ao nível da Assembleia da República e uma necessária proposta de ei.

Portanto, também não havia qualquer receio de que, nessa altura, houvesse inconstitucionalidade, porque não tinha qualquer sentido. Era, digamos assim, uma coisa curi-

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osa, ou seja, uma inconstitucionalidade de receio, por medo ou por antecipação, que, realmente, nunca poderia ter ocorrido nem nós permitiríamos que ocorresse.
De qualquer das maneiras, julgo que fiz bem em salientar estes aspectos, porque, por um lado, penso que esclareci as dúvidas que, entretanto, tinham surgido e que não tinha tido à oportunidade de, em nome do Governo, esclarecer aqui nesta Assembleia e, por outro, se algumas dúvidas existissem relativamente às intenções do Governo e ao regime material destes centros, hoje tive aqui a oportunidade de o fazer, penso que de forma suficiente.
Sr. Deputado Mário Tomé, anotei uma questão da sua intervenção que considero importante: na verdade, o Sr. Deputado disse - e bem - que já se apelidaram estes centros de «campos de concentração». Hoje isso não acontece, nem o Sr. Deputado Mário Tomé lhes chamou assim e se o fizesse, depois de ter lido o regime jurídico destes centros de instalação por nós aqui apresentado, na verdade, seria estranhíssimo. Depois de ter compreendido, como pessoa inteligente que é, a necessidade destes centros, dado o que aconteceu nos últimos tempos, designadamente no nosso país, seria perfeita estultícia denominá-los de «campos de concentração» - ainda bem que o não fez.

O Sr. Mário de Tomé (Indep.): - São campos de detenção!

O Orador: - Relativamente às questões das quais solicitou esclarecimento, devo dizer-lhe o seguinte: nós tentámos - e penso que o conseguimos o mais possível - fazer a densificação do regime jurídico destes centros de instalação em termos que, em primeiro lugar, não contrariassem a Constituição.
E chamo-lhe a atenção para a alínea b) do n.º 3 do artigo 27.º da Constituição, que diz, explicitamente, o seguinte: «Exceptua-se deste princípio a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos seguintes:» (...) «b) - Prisão ou detenção de pessoa que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão». Nós, aqui, fizemos sempre intervir a decisão judicial - como aliás teria de ser -, não havendo nenhum caso considerado neste diploma em que não intervenha uma decisão judicial; em que, como o Sr. Deputado, muito bem e cautelarmente referiu, os direitos, liberdades e garantias não estejam assegurados nos termos e nos limites da Constituição. Por isso, certamente que V. Ex.ª ficará descansado com esta minha resposta, se é que não o fica com a leitura mais atenta do texto a que está a proceder agora.
Por último, quero dizer-lhe que, na verdade, a colaboração com as associações de imigrantes é uma nossa prática constante. É evidente que há interesses divergentes - temos de o compreender -, mas as associações de imigrantes têm colaborado sempre connosco, tendo sempre a porta aberta, e continuarão porventura a fazê-lo.

O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Colaboram ao longe!

O Orador: - Há motivos e momentos em que os interesses divergentes se tornam mais claros, mas tal não significa nem implica que nós próprios não continuemos a dialogar com eles e não façamos alguma pedagogia quanto àquele que, do nosso ponto de vista, é o interesse nacional e o interesse de todos em encontrar soluções harmónicas e não conflituais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Governo, ao fundamentar esta proposta que agora apresenta, acaba de confessar - e de confessar expressamente - quão longe foi há meses, quando, perante esta Câmara, mistificou os pressupostos em que fez assentar as mudanças legislativas, cujas consequências agora estamos a discutir. Traçou, na altura, um quadro apocalíptico da situação que a Europa e o País enfrentavam quanto à ameaça iminente duma invasão por hordas desorganizadas de imigrantes, considerou que a legislação em vigor era fraca defesa contra essa invasão iminente, «tocou o clarim», acusou de irresponsabilidade, de falta de sentido de Estado e de não patriótico quem não estava de acordo com as medidas propostas e levou daqui a autorização para fazer a legislação, que alterou e endureceu nesse sentido o nosso direito dos estrangeiros.
Em nossa opinião, fez mal. E o Sr. Secretário de Estado acaba de confirmar quão mal o Governo fez, porque deu, agora e finalmente, algumas indicações, embora de forma nebulosa, sobre um dos indicadores que o Governo considerou essenciais para exigir a legislação de excepção que fez aprovar. Como o Sr. Secretário de Estado, docemente, aqui disse - como se não fosse coisa relevante! -, o número de pedidos, por exemplo de asilo, foi reduzido a um terço. Mas, curiosamente, analisando a desagregação das estatísticas mensais, que não teve a gentileza de citar, repara-se, por exemplo agarrando nas estatísticas referentes a Janeiro de 1994, que, no top ten das estatísticas referentes a esta matéria, quem está em número um é a Roménia, com 22 pedidos, que em número dois está Angola, e os números seguintes encontram-se a grande distância dos dois primeiros - nos meses seguintes, verifica-se que se manteve a mesma tendência.
Curiosamente, uma resposta que não foi dada pelo Governo nesta matéria é por onde é que estas pessoas, que não têm nada a ver com a enxurrada que o Governo anunciava e com o quadro apocalíptico que traçou, penetraram em território nacional. Terá sido por avião? Terão sido os aeroportos - a tal zona que era necessário defender a todo o custo e sobre a qual era necessário criar barreiras - que motivaram esta penetração terrivelmente ameaçadora de todas as nossas instituições possíveis e imaginárias? A resposta é: não! E gostava que o Sr. Secretário de Estado viesse a confirmar este meu «não», porque, segundo as informações que tenho, a resposta é essa. Essas pessoas penetraram por terra.
E fizeram-no por terra, porquê? Porque nesta matéria estatística reina da parte do Governo a mistificação e a falta de verdade mais completa! Nunca o Sr. Secretário de Estado atinou num número quanto à quantidade de imigrantes ilegais residentes em Portugal! Nunca o Sr. Secretário de Estado atinou num número certo sobre a quantificação da ameaça potencial quanto à invasão demográfica que aqui descreveu mais uma vez, embora em termos mais moderados, mais controlados e menos apocalípticos do que costuma fazer todos os dias.
E o Sr. Secretário de Estado e o Governo não atinam quanto aos números, por uma razão muito simples: porque não têm razão quanto aos números. Ou seja, os números não confirmam, por um lado, a tese catastrofista do Governo e, por outro lado, não confirmam também a bondade

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das medidas adoptadas pelo Governo nesta matéria, porque essa bondade é nula - é maldade na nossa leitura - e insistimos que teria sido melhor aprovar as medidas que, na altura própria, propusemos.
Este é o primeiro aspecto que me apraz sublinhar.
O segundo aspecto tem a ver com a própria legislação que o Governo aprovou - a tal que era necessária e fundamental. Essa legislação, no seu processo de aplicação pelo Governo, revelou-se eivada dos vícios que lhe tínhamos apontado. E tão eivada de vícios que, deixando de lado o facto de o Governo não cumprir várias das disposições que aqui aprovou - refiro-me, sobretudo, a algumas das disposições referentes, por exemplo, ao cumprimento da lei do asilo político, matéria em que o Governo não cumpre sistematicamente as próprias formalidades que a lei prevê quanto à fixação dos pareceres do comissário nacional, quanto às notificações de recusa, que são continuamente desacompanhadas do despacho ministerial - procedimento que é aberrante e contrário à lei -, quanto aos prazos de abandono do país, sob pena de expulsão, como muito pertinentemente têm vindo a alertar, por exemplo, entidades como o Conselho Português para os Refugiados, sublinhando este aspecto, o Governo vem confessar, hoje também, que o artigo 89.º da Constituição, que tanta crítica motivou na Assembleia da República e contra o qual dirigimos as mais severas observações negativas, ao contrário do que o Ministro Dias Loureiro aqui disse, redisse e tre-disse, longe de ser uma obra de joalheria de carácter jurídico, era um aleijão que é preciso remendar agora. Foi isso que, de maneira não tão directa, o Sr. Secretário de Estado confessou - tudo espremido, foi exactamente isso o que ele disse e não outra coisa.
Em primeiro lugar, quanto à inconstitucionalidade orgânica, esta matéria, tal como as outras, está a ser apreciada no Tribunal Constitucional. Sr. Secretário de Estado, quanto a isto, independentemente da discussão que aqui fez sobre a habilitação legal concedida pela cláusula «outras medidas de coacção», que não tem o mínimo fundamento - essa expressão não significa em nada a autorização de medidas deste tipo e, tal como foi aprovada na Comissão, significa o contrário -expressamente foi suprimida a alusão aos centros de instalação temporária. Ora, nós nunca habilitámos o Governo a legislar nesta matéria.
Mas, deixando de lado a inconstitucionalidade orgânica, a proposta do Governo é a confissão tardia, envergonhada e disfarçada, de que tínhamos razão também em relação aos outros aspectos. Só que o Governo não nos dá a razão toda! Ficou aquém, primeiro, em relação à natureza dos centros que estamos a discutir. O Governo neste diploma misturou, de propósito - é uma habilidade não excessivamente hábil -, duas coisas, que, de facto, não têm qualquer conexão, excepto quando tudo corre mal. Misturou no mesmo diploma o tratamento da questão dos centros humanitários e a questão das instalações, que, por razões de segurança, seja necessário utilizar para dar cumprimento a certas disposições legais.
E a mistura, obviamente, visa diluir, num conceito geral, centros que têm bastante pouco a ver uns com os outros. É a mesma coisa que confundir um centro social com uma prisão e fazer centros mistos, que, na parte da frente, têm um centro de dia para reformados e, na parte de trás, têm uma «pildra» para cadastrados! Esta mistura entre uma coisa e a outra, esta criação de uma situação biface em que, se se entrar pela parte de trás, se vai dar a uma prisão e em que, entrando-se pela parte oposta, se vai dar a uma instalação social recatada e agradável, com televisão, boas instalações, chá e torradas, é alguma coisa que leva «água no bico», porque visa criar um conceito geral de centros. Há centros com (abramos chaveta) de um lado, centros prisionais e, do outro lado, centros de lazer; de um lado, centros penitenciários e, do outro lado, centros de «estar bem»! Isto é uma mistificação, porque entre estes dois centros não há semelhança nenhuma, a não ser a semelhança que há entre o centro do mundo e o centro do inferno, entre o centro do céu e o centro «Brazabu»! E, por consequência, pela nossa parte, isso não passa como coisa inocente, nem a aceitamos - à semelhança do que outras legislações fazem, teria sido melhor fazer uma separação clara entre os dois aspectos.
Em segundo lugar, tratando agora dos centros para «refugiados», para «asilandos», o Governo não entrou de garantir adequadamente os direitos daqueles a quem eles se destinam e, desde logo, o Sr. Secretário de Estado não esclareceu o que é que entende por «pessoas a aguardarem decisão final». São as pessoas que aguardam decisão na sequência de eventual recurso administrativo para o Supremo Tribunal Administrativo? Ou são aqueles que aguardam decisão de carácter puramente administrativo? Tenho esperança de que ainda se possa esclarecer este ponto, e seguramente teremos de o fazer antes da discussão final. Por consequência, nem quanto a este aspecto deixam de subsistir dúvidas e há algumas, expressas formalmente pelo Conselho Português para os Refugiados, que gostaria de ver esclarecidas pelo Governo antes de passarmos à votação final do diploma.
Em relação à questão dos centros de segurança, ou seja, às prisões propriamente ditas, há vários problemas pelos quais o Governo passa ligeiramente: em primeiro lugar, quanto às razões que podem fundamentar o «internamento» - leia-se detenção, porque os eufemismos nesta matéria também não são inocentes. A instalação por razões de segurança - leia-se «detenção» - pode ser feita com vários fundamentos, um dos quais é inteiramente diáfano e etéreo. A saber: o perigo de lesão de interesses fundamentais diversos dos que determinam a expulsão, conceito cujo recorte é obviamente caracterizado por uma definição igual à das nuvens e permite uma enorme arbitrariedade administrativa - não se trata de discricionariedade, mas de arbitrariedade em sentido técnico-administrativo, o que é obviamente perigoso e filia-se na mesma filosofia que marca alguns dos piores preceitos da chamada Lei do Asilo Político.
Mas, por outro lado, e pior, ou mais relevantemente ainda, o artigo 3.º desta proposta não esgota as razões pelas quais alguém, uma pessoa humana, pode ser «instalada» num «centro de instalação temporária» - num CTT -, porque há uma outra razão, que é, porventura, a razão das razões, que é a configurada no artigo 4.º. E essa razão é a penetração em zona internacional do porto ou aeroporto quando razões de segurança o justifiquem ou mesmo quando não haja razões de segurança mas tenham sido ultrapassadas as 48 horas.
É um regime, Sr. Secretário de Estado, que, se bem o percebemos, se traduz no seguinte: chegue quem chegar a um aeroporto sito em território nacional e permanecendo naquilo que se considera zona internacional, que, como diz o n.º 3 do artigo 4.º, seja, entenda-se, «(...) a zona compreendida entre os pontos de embarque ë desembarque e o local onde foram instalados os pontos de controlo documental de pessoas», nas condições sabidas, péssimas, da responsabilidade da ANA - a tal ANA - é, findas as 48 horas, encaminhado para o CIT. Esse encaminhamento para o CIT é feito, supõe-se, em condições detentivas,...

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O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna: - Pode não ser encaminhado! Esse é o grande problema!

O Orador: - ... e o SEF, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, deve comunicar ao tribunal competente, com envio de cópia do respectivo processo, a presença do estrangeiro na zona internacional, sempre que não seja previsível o relembrar que nesse prazo, a fim de ser proferida decisão sobre a manutenção daquela situação ou a instalação em centro próprio.
Quais são as garantias conferidas ao cidadão? Esta questão era o terceiro ponto ao qual tínhamos dedicado a nossa atenção no debate parlamentar. O Governo responde a essa questão através de uma norma de redacção estranha. Esta é uma norma remissiva e, sob a epígrafe «Direito subsidiário», reza: «Aos estrangeiros instalados nos termos dos artigos 3.º e 4.º (...)» - portanto, os que já estejam bem instalados - «(...) aplica-se subsidiariamente e com as devidas adaptações (...)» - expressão mágica! - «(...) o regime previsto nos artigo 209.º e 216.º-A (...)» - não é 209.º a 216.º-A, a não ser que isto seja um lapso da secretária que tenha passado indemne nos vários conselhos de ministros - «(...) do Decreto-Lei n.º 265/79, de 1 de Agosto, (...)» - a Lei do Sistema Penitenciário. O que é que rezam estas normas - e esta é uma cadeia interessante legislativa porque é uma cadeia de remissões para remissões? Estas normas rezam que aos elementos que estejam em situação de prisão preventiva são aplicadas as normas relativas ao regime das penas privativas de liberdade na medida em que a lei não dispuser o contrário.
Resumindo, o sistema é assim: às pessoas sujeitas a uma medida de internamento em CIT são aplicadas as regras da prisão preventiva. As regras aplicadas à prisão preventiva são, por sua vez, as aplicáveis às penas privativas da liberdade, com as devidas adaptações, sendo certo que já é preciso fazer uma adaptação do regime adaptativo para os CIT. Portanto, precisamos de três adaptações para chegar à quarta adaptação, que é feita pelo burocrata. E é essa parte, Sr. Secretário de Estado, que nos incomoda e preocupa particularmente, porque o que a Lei do Sistema Penitenciário diz em relação à prisão preventiva nós sabemos - também sabemos que não é cumprido em sítio algum do território nacional - e que essas regras implicam, inclusivamente, certas medidas especiais, algumas das quais devemo-las ao Professor Dr. Eduardo Correia, que são extremamente positivas, ou seriam se o Dr. Laborinho Lúcio as cumprisse, porque prevêem medidas de carácter humanitário, por exemplo, em relação às mães grávidas, aos doentes, às pessoas de nacionalidade estrangeira, para que não tenham um tratamento desigual em relação às pessoas nacionais, para que não tenham um isolamento social, para que tenham manutenção dos laços familiares, para que tenham contactos com os consulados, para que haja participação dos voluntários ou das pessoas da nacionalidade dos reclusos na organização das actividades que contribuam para os manter ligados à sua cultura de origem, até para que leiam e tenham visitas de ministros do seu culto, regime alimentar adequado e a recepção de, pelo menos, uma publicação que contribua para os manter ligados às suas estruturas de origem. É o que reza o artigo 207.º do Decreto-lei n.º 265/79, de 1 de Agosto. Mas este artigo só seria aplicável às pessoas dos CIT com as devidas adaptações da prisão preventiva, por sua vez devidamente adaptada à situação dos CIT por força do artigo 7.º deste diploma.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna: - Isso não é assim!

O Orador: - Srs. Deputados, esta técnica de redacção é francamente má, mas também é espertalhona, ou seja, visa ser hábil. É má porque, por um lado, visa fugir à acusação que temos feito, com razão, de que o Governo, como acontecia no artigo 89.º celeberrimamente citado, não previa qualquer garantia, qualquer direito de defesa, qualquer requisito de tratamento humanitário das pessoas sujeitas à permanência coactiva nos CIT.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna: - Mas não previa onde?!

O Orador: - Não previa em parte alguma do articulado da lei dos estrangeiros.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna: - Nem tinha de prever!

O Orador: - E remetia para um regulamento do director do SEF a resolução dessas questões. Isto é indesmentível. Dizia o artigo 89.º - e o Sr. Deputado não tem qualquer razão - que os centros de instalação devem proporcionar condições de alojamento e que o seu funcionamento obedecerá a regulamentos aprovados pelo director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.
Sr. Secretário de Estado, reconheça, tenha a hombridade de o fazer, que o Governo recuou, que teve de recuar.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna: - Não, não!

O Orador: - Sabe que esta medida seria inconstitucional na sua redacção, tal qual foi no artigo 89.º, e apresenta-se perante a Assembleia da República a propor a consagração por lei desse regime para fugir à acusação de violação do artigo 115.º da Constituição. Isto é claro! Isto é evidente! O Sr. Secretário de Estado, por mais que tente, enfim, dizer sibilinamente que nada mudou, mudou tudo pelo caminho, só que não o suficiente. Mais se dizia que a criação e localização dos centros de instalação depende de portaria conjunta dos Ministros das Finanças, da Administração Interna, Justiça, do Emprego e da Segurança Social sob proposta do director do SEF. Era isto o que o Governo propunha. O que o Governo agora propõe é a criação por decreto-lei, mediante habilitação prévia da Assembleia da República, através deste instrumento e com remissão, quanto às garantias materiais, para a Lei do Sistema Penitenciário, ainda que daquela forma atabalhoada. Ou seja, o Governo está a tentar responder, ponto por ponto, às alegações do Sr. Procurador-Geral da República junto do Tribunal Constitucional e às nossas observações feitas aqui, na Assembleia da República, mas, como sempre, fá-lo com muitos meses de atraso, fá-lo ao preço de termos perdido muito tempo e arriscamo-nos a que o faça sem ter cumprido todas as prevenções que era adequado cumprir.
Termino, Sr. Presidente, sublinhando que, pela nossa parte, gostaríamos que não se confundissem centros com centros e humanitarismo com reclusão e que se separassem não só as duas coisas como se garantissem adequadamente, na senda proposta por várias entidades, que sublinham a importância da participação do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados e de outras entidades de carácter cívico no controlo destes processos, além do Ministério Público. Gostaríamos também que ficasse claramente consagrado na legislação a aprovar, mas não atabalhoadamente, uma panóplia de garantias das pessoas que pene-

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tram em território nacional, mesmo que irregularmente, e que o nosso direito dos estrangeiros não seja de excepção a tal ponto que seja inconstitucional, porque a Constituição é suficientemente generosa para garantir, por um lado, imperativos de segurança e, por outro, a liberdade e a dignidade da pessoa humana. É nesses valores que nos reconhecemos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Puig.

O Sr. José Puig (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Depois desta resenha histórica agora apresentada pelo Sr. Deputado José Magalhães e correndo o risco não de repetir, porque a versão seria muito diferente, mas de não ser ouvido, vou dar uni panorama muito mais resumido de toda a situação.
Em primeiro lugar, penso que é muito mais importante falarmos, nesta altura, sobre os factos, quer legislativos...

O Sr. José Magalhães (PS): - As asneiras legislativas!

O Orador: - ... quer os que se encontram na mesa.
Podemos, eventualmente, interpretar, dessa forma, qualquer alteração de recuo e, se não houvesse essa alteração, poderíamos interpretar pela forma da arrogância, mas não vamos agora entrar por aí, é uma perspectiva subjectiva.
O certo é que as dúvidas que se levantaram da inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei n.º 59/93 em relação a este ponto, pela eventual violação da extensão e sentido da respectiva autorização legislativa, estão completamente ultrapassadas e resolvidas, pois já não se justificam hoje, e que as reservas quanto à inconstitucionalidade material também já não se justificavam na altura. Mas, agora, este decreto-lei vem comprovar que não há a mínima razão para que elas se justifiquem.
Primeiro, lançou-se a suspeita - já não sei se foi algum Sr. Deputado ou se foi só na comunicação social -, até em termos de associações de imigrantes, de esta medida ser determinada pela autoridade administrativa, o que também nunca foi dito pelo Governo ou por nós, se não estou enganado, que assim fosse. Fica, assim, bem demonstrado que só pode ser determinada pelo poder judicial, o que é uma cautela, aliás, um rigor até, tomado ao ponto de impor a reapreciação, também por forma judicial, de oito em oito dias, dessa situação. A insistência, mesmo do Sr. Deputado José Magalhães, nunca iria, a propósito da reapreciação, tão longe e tão repetidas vezes.
Os fundamentos, aliás, constantes da proposta de lei, para a concretização da medida detentiva, previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 3.º - deixo para o fim a alínea d) deste articulado, que há pouco foi abordada pelo Sr. Deputado José Magalhães, para fazer outro comentário - ...

O Sr. José Magalhães (PS): - Quanto à alínea d), até o PSD concorda que é má!

O Orador: - ... são quase a reprodução textual das alíneas b) e e) do n.º 3 do artigo 27.º da Constituição. Não há, portanto, qualquer razão substantiva e material para que se ponham em causa, visto serem quase a reprodução das duas, só que, em vez de duas, são três alíneas.
Quanto à alínea d), quero fazer outra consideração ao Sr. Deputado José Magalhães. Esta alínea da proposta de lei agora em apreço é a reprodução de parte da alínea d) do artigo 75.º do Decreto-Lei n.º 59/93 e, como sabe, o Sr. Procurador Geral da República, que analisou este diploma com grande pormenor e exaustão, apresentou, aliás, no seu requerimento ao Tribunal Constitucional três questões fundamentais, já abordadas pelo Sr. Secretário de Estado, e sobre isto disse zero. Sobre esta questão disse exactamente zero! A grande questão que se poderia levantar e que o Sr. Deputado José Magalhães aflorou, até de inconstitucionalidade, por ser um «bicho» daquele tamanho e não ter limites e outras coisas mais, não se colocou nessa altura e está na alínea d) do artigo 75.º...

O Sr. José Magalhães (PS): - Isso nada tem a ver com o que está a dizer!

O Orador: - Está na alínea d) do artigo 75.º - tenho-o aqui, posso emprestar-lho -, na parte final, sem qualquer alteração. De qualquer modo, pode ser, em sede de especialidade, trabalhada e melhorada mas sempre com esse quadro de fundo.
Em termos de constitucionalidade, apenas poderia colocar-se a questão, depois desta abordagem, do respeito pelos princípios da adequação e da necessidade, mas penso que não há qualquer razão para isso. Ninguém a colocou até agora, pelo que não vale a pena perdermos sequer muito tempo. É certo que estamos a instalar, por razões de segurança, uma restrição ao direito à liberdade, como é o caso, e, portanto, como vêm dizendo Gomes Canotilho e Vital Moreira, trata-se de uma restrição a um direito fundamental integrante das categorias dos direitos, liberdades e garantias, estando dessa forma sujeitos às competentes regras do artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição, o que, entre outras coisas, quer dizer que só podem ser estabelecidas para proteger os direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, devendo limitar-se ao necessário para os proteger. Nada nos custa aceitar, com este enquadramento, que as regras respeitem os princípios da necessidade e adequação até porque...

O Sr. José Magalhães (PS): - Aceitam um aditamento a esta nota?

O Orador: - Não aceitamos um aditamento, não estou a abordar nada... Mas o Sr. Deputado ainda se já a referir à alínea d) do artigo 3.º?

O Sr. José Magalhães (PS): - Sim!

O Orador: - Mas já ultrapassei a alínea d), já estava no artigo 18.º.
Sobre a alínea d) do artigo 3.º disse-lhe que é a reprodução de parte da alínea d) do artigo 75.º do Decreto-Lei n.º 59/93, sobre o qual ninguém levantou dúvidas, nem mesmo o Sr. Procurador Geral da República.

O Sr. José Magalhães (PS): - Nós não levantámos dúvidas!

O Orador: - O Sr. Procurador Geral da República, como lhe disse há pouco, fez uma análise exaustiva e, no seu requerimento para o Tribunal Constitucional, sobre isso disse zero, o que significa que em termos de dúvidas disse zero.

O Sr. José Magalhães (PS): - Avance com isso assim e logo se verá!

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O Orador: - Mas, na minha opinião, Sr. Deputado - e foi o que também há pouco disse - é possível, tendo em conta esta alínea d) do artigo 75.º e até o texto do artigo 77.º desta mesma norma, aperfeiçoar a alínea d) da proposta de lei em apreço. Foi o que já há pouco lhe disse, está registado em acta, mas não é o «bicho mau» e o «bicho feio» que o Sr. Deputado quis aqui trazer, porque está ali da mesma forma, e, se fosse, o Sr. Procurador-Geral da República já tinha visto, porque ele disse...

O Sr. José Magalhães (PS): - Lá bonito não é!

O Orador: - Mas se fosse assim tão feio o Sr. Procurador Geral da República também já tinha dado por ele. E foi sobre isto que me pronunciei agora.
Sobre as questões da necessidade e da adequação, não penso que haja quaisquer dúvidas, desde logo porque as próprias decisões de expulsão ou de comparência, perante a autoridade judicial, não nos parecem poder ser garantidas, como a prática dos últimos anos tem demonstrado - os números e a realidade falam por si -, sem a possibilidade de adopção de medidas como as previstas na proposta de lei em apreciação. Neste caso concreto, os números, ao contrário da abordagem feita há pouco pelo Sr. Deputado José Magalhães a propósito de uma outra situação, são bem claros e demonstram-no bem.
Quanto à instalação dos centros por razões humanitárias, devo dizer que a garantia dos meios mínimos de subsistência e do direito ao alojamento condigno se deve considerar, neste âmbito, fortemente prioritário. Sendo assim, estamos certos de que todos aqueles - e este caso também já foi abordado - que se mostraram muito sensibilizados, nomeadamente alguns Deputados desta Casa, com a situação em que estiveram cinco ou seis dias, mais ou menos, os protagonistas do caso Vuvu e Benedicte no aeroporto, não poderão agora deixar de aplaudir a possibilidade de instalação, para casos semelhantes, dos estrangeiros em centros, enquanto medida de apoio e por razões humanitárias.

O Sr. José Magalhães (PS): - É para casos semelhantes?!

O Orador: - Não é para um caso ou outro, mas pode ser para casos deste género...

O Sr. José Magalhães (PS): - Poder-se-ia aplicar ao caso Vuvu?!

O Orador: - Poder-se-ia aplicar se fossem cumpridos os restantes requisitos, como é óbvio.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não! Como não é óbvio!

O Orador: - Não, não! Como é óbvio! Aliás, tinha requisitos das duas formas: por razões humanitárias, se calhar, e por razões de medida detentiva também! Tinha, se calhar, pelas duas!

O Sr. José Magalhães (PS): - Não! Isto não é um pedido de asilo político!

O Orador: - De qualquer forma, nem para os casos de detenção, nem para as razões humanitárias, não é nenhuma invenção estas instituições na legislação portuguesa- isto existe já em toda a Europa, em alguns países com recortes muito parecidos com o nosso, como é o caso, nomeadamente, da vizinha Espanha.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: O Governo apresenta esta proposta de lei como visando definir o regime de «acolhimento de estrangeiros ou apátridas em centros de instalação temporária». Esta designação tem por intenção esconder perante a opinião pública a real natureza destes centros e das medidas que a sua existência pressupõe. Estes centros não se destinam a acolher ou a instalar estrangeiros ou apátridas; não são pousadas de juventude nem unidades hoteleiras: são centros de detenção. Destinam-se à aplicação de medidas de coacção. É da detenção de estrangeiros que, efectivamente, se trata.
Com esta proposta de lei o Governo pretende regular os famigerados centros já previstos no decreto-lei sobre a entrada, permanência, saída e expulsão de estrangeiros do território nacional e que constituem uma das instituições mais chocantemente ilustrativas da forma como o Governo concebe o relacionamento do Estado português com os cidadãos estrangeiros. Não satisfeito com a aplicação das medidas de coacção já previstas na Constituição e no Código de Processo Penal que, sob controlo judicial, podem ser aplicadas a cidadãos que entrem ou permaneçam ilegalmente em território nacional, o Governo decidiu estabelecer uma nova medida de coacção, que não tem cabimento constitucional, exclusivamente aplicável a estrangeiros: a medida de instalação em centro próprio.
É do conhecimento geral que o Procurador Geral da República requereu ao Tribunal Constitucional a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade das normas da legislação sobre estrangeiros que prevêem e regulam os centros de instalação temporária. A apresentação desta proposta de lei por parte do Governo representa, com toda a clareza, o reconhecimento dessa inconstitucionalidade. Pretende assim o Governo emendar a mão, mas emenda mal. Poderá, quando muito, tornear problemas de inconstitucionalidade orgânica mas não resolve a questão essencial, que é a inconstitucionalidade material. A criação dos centros de instalação temporária corresponde à criação de uma medida de privação de liberdade que a Constituição, inequivocamente, não admite.
A consagração legal destes centros tem sido um processo atribulado. A sua previsão, no decreto-lei relativo ao regime de entrada, permanência, saída e expulsão de estrangeiros, foi feita sem que o Governo tivesse a autorização legislativa necessária para isso. A previsão desses centros constava, efectivamente, da proposta de lei de autorização legislativa, mas foi retirada do texto antes da sua aprovação final. A Assembleia da República negou a autorização ao Governo para consagrar qualquer norma que conduzisse à instalação de expulsados em centros próprios. A inconstitucionalidade orgânica daí decorrente poderia, assim, ser suprida na prática com a aprovação desta proposta de lei. Mas nem por isso a criação destes centros deixaria de ser inconstitucional. Estes chamados centros de instalação não deixam de consistir em medidas detentivas inconstitucionais e particularmente chocantes.
O Governo, aliás, tem plena consciência disso. O Governo sabe que a existência desses centros, exclusivamente destinados a estrangeiros, choca a opinião pública democrática e surge como uma provocação para as comunidades de imigrantes residentes em Portugal. O Governo tem tanto a consciência disso que se preocupa em ocultar a real natureza destes centros por detrás de designações eufe-

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místicas e através de uma nova invenção mistificatória que consiste em apresentar locais de detenção como instituições de solidariedade. Para evitar equívocos, importa recordar os termos em que os centros de instalação foram legalmente concebidos pelo Governo: a instalação do expulsando em centro próprio foi prevista como medida de coacção, a determinar pelo juiz, para além das medidas de coacção enumeradas no Código de Processo Penal. Esta medida de coacção seria aplicável, até à execução da decisão de expulsão, aos estrangeiros condenados em pena acessória de expulsão; aos estrangeiros que violassem a obrigação de apresentação periódica; aos estrangeiros carecidos de recursos que lhes permitissem prover à sua subsistência durante a permanência no país; e aos estrangeiros em relação aos quais existisse o risco de se furtarem ao cumprimento da decisão de expulsão ou poderem lesar outros interesses fundamentais para além dos determinantes da expulsão.
A proposta de lei hoje em discussão é um verdadeiro exercício de hipocrisia, quando procura apresentar como uma medida de apoio social e como baseada em razões humanitárias uma medida que antes fez aprovar como medida detentiva e baseada em razões de segurança. Ainda com a agravante de a pretender aplicar aos cidadãos que requeiram asilo político até que abandonem o País por decisão negativa ou por desistência do pedido. Um cidadão que requeira asilo político a Portugal e careça de recursos para a sua subsistência não terá outra alternativa senão requerer a sua instalação em centro de acolhimento e aguardar que o Director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a determine. Tratar-se-á de uma bizarra medida de apoio social, determinada por uma autoridade policial e prestada num local destinado à execução de medidas de detenção, embora em áreas e com acessos diversos. De resto, a proposta de lei nada esclarece quando à diferença de regime a que estarão sujeitos os detidos por humanidade e os detidos por segurança.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, é legítimo que nos interroguemos sobre se não estaremos perante a criação de uma nova instituição que é a prisão por razões humanitárias: o requerente de asilo que escolha entre a fome ou a detenção. De resto, a natureza de medida coactiva, para além das que a Constituição admite, não oferece dúvidas. O Decreto-Lei em vigor, relativo aos estrangeiros, institui, não uma mera modificação do local de execução das medidas de detenção e prisão constitucionalmente previstas, mas antes uma nova medida restritiva da liberdade. Não existe na presente proposta de lei qualquer indício de que o Governo pretenda atribuir aos centros de instalação nela previstos natureza diversa da que pretendeu atribuir aos que já se encontram legalmente consagrados, para além da afirmação da sua natureza supostamente humanitária.
Mas o Governo mantém mais uma inconstitucionalidade: é que a proposta de lei não define minimamente o conteúdo do regime de instalação que prevê, e teria obrigatoriamente de o fazer. A proposta de lei manda aplicar, com as devidas adaptações, à instalação por razões de segurança, o regime da prisão preventiva o que, aliás, é perfeitamente esclarecedor, vindo de quem atribuiu a interpretações malévolas da oposição a natureza prisional dos centros de instalação. Mas não se clarificam as devidas adaptações de regime: qual é a diferença de regime aplicável aos instalados por razões de segurança e aos instalados por razões humanitárias? Se a lei não o definir, não é o director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que o pode fazer.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado, esta proposta de lei é mais uma peça, repito, particularmente chocante, de um edifício legislativo assente no espírito de Schengen e Maastricht, de construção de uma Europa fortaleza fechada ao mundo, racista e xenófoba, que culpabiliza os estrangeiros pelas suas próprias crises, que desconfia dos imigrantes e concebe a política de imigração exclusivamente como uma questão de polícia. A presente proposta de lei é apresentada pelo Governo que determinou a possibilidade de expulsão administrativa de estrangeiros do território nacional; o Governo que determinou a não concessão de asilo por razões humanitárias por parte do Estado Português e que determinou a possibilidade de negação de asilo político pelo SEF através de um processo acelerado e sem garantias sérias de recurso; o Governo que encoraja e premeia comportamentos do SEF que envergonham o nosso país; o Governo que actuou por forma a inviabilizar a regularização da situação de muitos milhares de imigrantes que, de há muitos anos, vivem e trabalham em Portugal e que, se a presente proposta de lei for aprovada, passarão a viver sob a ameaça de detenção em centros de instalação até à consumação da sua expulsão do território nacional.
Esta proposta de lei é inaceitável e contará com a veemente oposição do Grupo Parlamentar do PCP.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, muito brevemente, gostaria de fazer um comentário a esta proposta de lei que aqui aparece, mascarada de uma designação doce, de centros de instalação, quando no fundo mais não são do que centros de recambiamento! E centros de recambiamento com privação de liberdade!
Todo este processo - que, se se recordam, foi o mesmo que conduziu, no ano passado, em pleno Agosto, quando o Parlamento estava fechado, a que tivéssemos que vir aceleradamente discutir a Lei de Asilo porque o veto presidencial a isso obrigava, como se eventualmente estivesse em causa qualquer coisa de preocupante para a vida dos portugueses - e todo o dramatismo e mistificação que têm estado em torno desta discussão são feitos por quem tem utilizado os estrangeiros como «bode expiatório» para os problemas sociais que existem e que não conseguem resolver, apontando os estrangeiros como os estigmatizados, os inimigos da segurança e os potencialmente perigosos. Esta continua a ser a lógica e são estes os valores que estão inerentes a toda esta discussão.
Hoje, cada vez mais, o cerco policial se cimenta em torno de restrições graduais de liberdade. Os limites da liberdade dos cidadãos são cada vez mais visíveis: é a apresentação de um documento de identificação; é o novo regulamento policial do Governo Civil de Lisboa, que entende a pobreza como um caso de polícia e desse modo o reprime; e também são agora os estrangeiros ou os requerentes de asilo entendidos dessa forma. Como se já não bastasse a própria Lei de Asilo, que recusava, por razões humanitárias, a concessão de asilo e que, a pretexto de facilidades processuais, negava a possibilidade de recurso, agora, uma vez mais, com a mesma lógica, pretende-se evocar razões humanitárias para estes centros. Se assim é, nós dizemos: se isto são as razões humanitárias, não, obrigado! Não é esta a nossa filosofia!

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Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado, nós entendemos que esta lei, dado que é uma lei excepcional, contra a regra de liberdade e de segurança do cidadão, previstas na Constituição, tem de ser interpretada literal e restritivamente o mais que puder ser. E para que fique a constar da acta quais são os termos em que interpretamos essa lei e damos a nossa aprovação na generalidade, devemos dizer o seguinte: não é o Governo que deve julgar quem é que tem ou não tem meios de subsistência; isto é, deve ser o próprio estrangeiro que entra em Portugal a dizer que não tem meios de subsistência e a requerer o seu internamento nestes centros.

O Sr. José Puig (PSD): - Mas eles só vão para lá, se quiserem! Só se o requererem!

O Orador: - E eu chamo a isto centros «de, detenção» porque, desde o momento em haja apenas um edifício para onde são levadas pessoas que não estão sujeitas ao regime preventivo e outras que estão, é muito difícil, sob o ponto de vista de normalidade de situações, distinguir, dentro da mesma casa, quem é que está detido e quem não está. Ou será que haverá casas com quatro divisões em que duas sejam para os detidos e outras duas para os casos de subsistência e de razões humanitárias? Seria bom que o Governo tivesse casas diferentes e instalações diferentes para estas duas ordens de situações, mas na proposta diz-se que podem estar na mesma- era bom que não estivessem!
Em segundo lugar, queremos também dizer que, desde o momento em que não haja tal requerimento, o Governo não deve substituir-se à vontade da pessoa e fazer o seu próprio juízo para definir que a pessoa não tem meios de subsistência. Portanto, só no caso de haver requerimento e só no caso de o próprio dizer que não tem meios de subsistência - insisto nisto para que fique em acta, para que, amanhã, não haja outras interpretações! Porque pode ser forçada a falta de meios de subsistência de uma pessoa e o seu internamento neste tipo de centros.

O Sr. José Puig (PSD): - Mas isso está aí: só por requerimento dele!

O Orador: - Quanto às razões de segurança, desde o momento em que haja uma decisão judicial, não temos nada a opor, porque, naturalmente, não vamos discutir aqui o critério do magistrado judicial que vai interpretar mal ou bem a lei. Portanto, se a decisão judicial serve de garantia, naturalmente que também deve descansar-nos na medida em que o próprio juiz saberá dosear, aplicar e adaptar o regime de prisão preventiva para estes casos. Por isso mesmo, não me parece que devamos aqui fazer juízos de intenção sobre o que um magistrado judicial dirá ou não dirá porque isso era desconfiar da independência do poder judicial para julgar estes casos.
Depois, queria dizer que estes centros de instalação temporária serão criados por decreto-lei e que o Governo não poderá deixar de tomar em consideração os ditames que o Procurador-Geral da República já enumerou a este respeito. Portanto, não vamos fazer juízos de intenção e dizer que os centros de instalação é uma forma encapotada de «detenção por razões humanitárias», porque não é; era melhor que houvesse casas separadas para não haver esta confusão. Temos plena confiança na decisão judicial e também temos plena confiança em que os casos dos estrangeiros não serão tratados com má vontade ou com xenofobia de forma a que eles, nessas casas, vejam defraudados os seus direitos à liberdade e à segurança. É com este intuito que nós damos a nossa aprovação, na generalidade a esta proposta de lei.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Agradeço ao Sr. Deputado José Puig ter-me cedido tempo para fazer esta pergunta. Começo por sublinhar que registamos as clarificações que o CDS-PP lavrou em acta, mas gostava que o Sr. Deputado Narana Coissoró pudesse ainda precisar melhor o seu ponto de vista em relação a uma das situações levantadas por este articulado, que é esta: quando alguém penetra irregularmente em território nacional, o que, aliás, na circunstância que vou desenhar, é frequente, não tendo sequer documentação e havendo dúvidas quando à sua própria identidade, e pede asilo, que regime é que é aplicável e para onde é que esta pessoa deve ir? Para a parte prisional ou para a parte humanitária? Qual é a opinião do CDS-PP sobre esta matéria? Este é um dos problemas cruciais e é por isto que esta mistura suscita problemas melindrosíssimos!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Tanto quanto leio aqui, Sr. Deputado José Magalhães, é preciso que, primeiro, a própria pessoa que entrou indocumentada diga que não tem meios de subsistência e que quer pedir asilo político.

O Sr. José Magalhães (PS): - E vai para onde? Para a parte de detenção?

O Orador: - Se ele disser que não tem meios de subsistência e que pede asilo político, e se pedir, por razões humanitárias, que lhe dêem internamento num centro, obviamente que tem de ir para o centro de internamento que não é de detenção. Para os casos de detenção, existe o n.º 3 - estas alíneas têm de ser interpretadas taxativamente, numerus clausus. Não se pode fazer uma interpretação analógica ou a integração duma lacuna, que aqui não há. Os casos de detenção são aqueles que constam do n.º 3, portanto, fora disso, têm de ir para o centro de internamento normal.

O Sr. José Magalhães (PS):- E o artigo 4.º, n.º 1? Repare no artigo 4.º, n.º 1!

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Permitam-me que sugira que essas são óptimas perguntas para fazer ao legislador.

O Orador: - Isto refere-se a quem permaneça 48 horas. Efectivamente, se permanecer lá durante 48 horas, é porque não tem para onde ir, não tem meios de subsistência, não tem garantias, pelo que é preciso evacuar daquela zona internacional para o deixar no centro, mas não é detenção no centro de internamento normal. Por que é que há-de ser prisão preventiva?

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O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto, não queria estar a fazer demorar mais esta sessão, mas de qualquer maneira houve algumas intervenções, designadamente a do Sr. Deputado José Magalhães que eu esperava ardentemente desde o início mas que acabou por fazer como intervenção separada colocando as suas dúvidas. Aliás, curiosa e sabiamente fez das suas dúvidas a sua intervenção, mais do que colocar as suas dúvidas na sua intervenção fez uma coisa muito importante que foi dizer ao Sr. Deputado António Filipe que ele não tinha razão nenhuma na intervenção que fez a seguir.
Assim, se o Sr. Deputado José Magalhães conversar mais algumas vezes com o Sr. Deputado António Filipe este compreenderá que não há nenhum vício do ponto de vista constitucional nesta proposta, que todos os vícios eventuais que haveria estão sanados, que não há nenhuma razão para desconfiança e que não há nenhuma razão para fazer processo de intenção em relação a esta medida legislativa, o que o próprio Sr. Deputado José Magalhães íntima e explicitamente depois reconheceu abundantemente.
Aliás, o Sr. Deputado José Magalhães teve uma atitude muito inteligente já na altura da apresentação da lei do asilo, porque quando muita gente questionava a bondade desta lei o Sr. Deputado compreendeu que era substancialmente melhor do que qualquer outra que tivesse existido no País e substancialmente mais perfeita do ponto de vista jurídico, mesmo do ponto de vista jurídico-constitucional. O Sr. Deputado José Magalhães não deixou os seus créditos por mãos alheias e fez intervenções a latere desta Assembleia da República noutros locais, noutros fora, dizendo exactamente isto.
É certo que o Sr. Deputado José Magalhães, agora, quando referiu a questão de haver ou não preocupação em relação aos números - e vou agora tratar dos números para o Sr. Deputado ouvir claramente - e falou da minha dificuldade em apresentar os números ou da minha eventual intenção de os esconder, quero dizer-lhe que, de facto, a nossa lei do asilo foi aprovada em tempo útil, feita com a densificação e o conteúdo necessário para resolver um problema que surgia ao País e tanto assim foi que a sua aplicação fez com que o problema que estava a surgir - e atente nestes números: em 1990 havia 74 pedidos de asilo; em 1992 havia 663; em 1993 havia 2014 (repare bem!)- quase desaparecesse e que agora, até 15 de Junho deste ano, os números referentes a pedidos de asilo sejam 330.

O Sr. José Magalhães (PS): - Graças à lei.

O Orador: - Exactamente.

Isto significa que mesmo que o Sr. Deputado José Magalhães tenha dito «mas é o problema de aviões, é o problema de terra», não interessa, o problema todo é em relação à questão do regime de direito de asilo, seja de que forma for, seja por que meio de transporte eles cheguem cá.
A questão fundamental do regime do pedido de asilo e do processo de asilo é na verdade o responsável pela alteração deste problema que era um problema nacional e que gravemente poderia afectar o País, em variadíssimas condicionantes, quer do ponto de vista da segurança - tema que o PCP não quer tratar porque acha que se deve esconder este problema de segurança, que ele não existe - quer do ponto de vista da segurança social - coisa para com que a Sr.ª Deputada de Os Verdes é mais bondosa e, portanto, mais amplamente preocupada.
Queria dizer também aos Srs. Deputados José Magalhães e Narana Coissoró uma coisa que me parece evidente. Creio que esta proposta, tal como aqui está, pode eventualmente merecer melhorias. Posso concordar rapidamente com o Sr. Deputado José Magalhães em dois pontos que ele há pouco citou. Na verdade, há aqui redacções que podem ser amplamente melhoradas.
Porém, há outras questões que o Sr. Deputado aqui citou que não têm de aqui estar, por uma razão simples: porque este diploma não é uma ilha dentro do nosso universo legislativo, jurídico-constitucional. Portanto, não pode tentar dar-se a este diploma um conteúdo ofensivo que ele não contém, designadamente em relação ao universo jurídico português, mas admito que haja aqui alterações, que haja enriquecimentos, melhorias que a Assembleia da República, em sede de especialidade, com certeza, não deixará de fazer.
Agora, o que penso é que o diploma tem de ser lido mais atentamente.
Das intervenções dos Srs. Deputados José Magalhães e Narana Coissoró eu respiguei duas ou três pequenas dúvidas que, depois de ler mais atentamente o diploma, os Srs. Deputados verão que não têm nenhuma razão de ser.

O Sr. José Magalhães (PS): - Há uma subtileza oculta!

O Orador: - Não há uma subtileza oculta, há uma falta de atenção da sua parte. Se ler atentamente o n.º 1 do artigo 4.º, por exemplo, e relativamente àquela dúvida que colocou em relação ao regime de direito de asilo ou não regime de direito de asilo, é evidente que desde que haja um pedido de asilo a questão fica substancialmente mais clara e não há agora nenhuma dúvida, porque é evidente que é o regime de asilo que se aplica.
Aquilo que dizemos no artigo 5º é uma coisa que penso ser de elementar cautela e que é isto: os centros de instalação temporária podem funcionar em edificações distintas afectas a cada um dos regimes previstos no presente diploma ou numa única edificação...

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - O «ou» é que mata!

O Orador: - ..., devendo neste caso verificar-se a separação dos acessos e das áreas respectivas. E isto porquê, Srs. Deputados?
É perfeitamente possível e configurável que as disponibilidades materiais não sejam suficientes para construir um edifício para cada uma destas destinações. E pode perfeitamente acontecer que haja um só edifício, com um ou dois andares, que seja dedicado a uma coisa, e pode haver um edifício com outros dois andares destinado a outra. Portanto, é uma razão de elementar cautela. Se não ficasse esta explicação no diploma, então, poderia haver alguma confusão, mas julgo que está suficientemente claro.
É evidente que daqui decorre que o regime aplicável em cada um deles é o que vem descrito no articulado, não pode ser outro e nem pode haver confusões. Não pode haver uma pessoa que esteja num regime de internamento forçado misturada com outra que esteja sujeita a um regime que é intensamente livre. Isto é, o regime de internamento no centro de instalação temporária, como medida de apoio social, depende do requerimento apresentado pela pessoa. O Estado não se pode substituir a essa pessoa, o

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que pode fazer é o mesmo que faz relativamente aos cidadãos portugueses, é verificar se as declarações que ele faz são ou não correctas em termos dos seus rendimentos disponíveis, para saber se ele tem ou não capacidade (ou incapacidade) que o habilite a estar naquele centro.
Portanto, não há qualquer confusionismo nesta matéria e neste regime.
Quanto às alusões que o Sr. José Magalhães fez a outras instituições - instituições que gostaria, como aliás deixei expresso na minha intervenção inicial nesta Assembleia, que colaborassem connosco e que tenho tido oportunidade de ouvir em variadíssimas ocasiões, designadamente o Conselho Português para os Refugiados e o Alto Comissariado Nacional das Nações Unidas para os Refugiados -, devo dizer que, da parte de algumas delas, há uma perfeita noção de que a nossa lei do asilo é, de facto, uma lei equilibrada e justa, inclusivamente mais equilibrada e mais justa do que muitas outras leis europeias. Aliás, as soluções que demos são soluções que não só se contêm nos limites da constitucionalidade, que é evidente, mas que se contêm também dentro dos limites das obrigações humanitárias e internacionais que Portugal subscreveu e subscreve.

O Sr. José Magalhães (PS): - Por que é que as notificações não são acompanhadas de fundamentação?

O Orador: - O Sr. Deputado José Magalhães está a falar de uma coisa de que já falei pessoalmente com o Sr. Alto Comissário Nacional das Nações Unidas para os Refugiados, tendo combinado com ele o modo de superar algumas eventuais lacunas da aplicação do regime.

O Sr. José Magalhães (PS): - Ah!

O Orador: - Certamente que V. Ex.ª se faz eco de dúvidas que surgiram em tempo oportuno, mas já as esclareci pessoalmente com o Sr. Alto Comissário e com as entidades que comigo têm contactado.
Admito que V. Ex.ª não soubesse disto.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não tenho serviço de informação!

O Orador: - No entanto, gostaria de lhe dar conhecimento desta matéria e, mais uma vez, de o descansar e de o tornar menos preocupado com todas estas coisas, particularmente com estas questões que estamos aqui a tratar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Srs. Deputados, está encerrado o debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 102/VI.
A próxima reunião terá lugar amanhã, quinta-feira, às 15 horas, com período de antes da ordem do dia e com período da ordem do dia, em que procederemos à apreciação do projecto de lei n.º 420/VI - Regime da prática do naturismo e da criação do espaço do naturismo (Os Verdes).
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 15 minutos.

Rectificação ao n.º 75, de 21 de Maio.
Na pág. 2450, 1.º cl., 1. 45, onde se lê «...aos funcionários públicos uma situação de estabilidade com o sistema da segurança social.», deve ler-se «...aos funcionários públicos um sistema de segurança social mais favorável.»; na 1. 58, onde se lê «...30 396 contos...», deve ler-se «...30,396 contos...»; na 1. 59, ondeise lê «...107 994...», deve ler-se «...107,994...».
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António José Caeiro da Motta Veiga.
António Maria Pereira.
Jaime Gomes Milhomens.
João José Pedreira de Matos.
José Angelo Ferreira Correia.
José Macário Custódio Correia.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Elisa Maria Ramos Damião.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
João António Gomes Proença.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
João António Gonçalves do Amaral.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

José Luís Nogueira de Brito.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Américo de Sequeira.
Carlos Alberto Pinto.
Fernando Monteiro do Amaral.
João Álvaro Poças Santos.
José Guilherme Reis Leite.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS):

Alberto de Sousa Martins.
António Domingues de Azevedo.
António Luís Santos da Costa.
Carlos Cardoso Lage.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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DIÁRIO da Assembleia da república

Depósito legal n.º 8818/85

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