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16 DE JUNHO DE 1994 2591

místicas e através de uma nova invenção mistificatória que consiste em apresentar locais de detenção como instituições de solidariedade. Para evitar equívocos, importa recordar os termos em que os centros de instalação foram legalmente concebidos pelo Governo: a instalação do expulsando em centro próprio foi prevista como medida de coacção, a determinar pelo juiz, para além das medidas de coacção enumeradas no Código de Processo Penal. Esta medida de coacção seria aplicável, até à execução da decisão de expulsão, aos estrangeiros condenados em pena acessória de expulsão; aos estrangeiros que violassem a obrigação de apresentação periódica; aos estrangeiros carecidos de recursos que lhes permitissem prover à sua subsistência durante a permanência no país; e aos estrangeiros em relação aos quais existisse o risco de se furtarem ao cumprimento da decisão de expulsão ou poderem lesar outros interesses fundamentais para além dos determinantes da expulsão.
A proposta de lei hoje em discussão é um verdadeiro exercício de hipocrisia, quando procura apresentar como uma medida de apoio social e como baseada em razões humanitárias uma medida que antes fez aprovar como medida detentiva e baseada em razões de segurança. Ainda com a agravante de a pretender aplicar aos cidadãos que requeiram asilo político até que abandonem o País por decisão negativa ou por desistência do pedido. Um cidadão que requeira asilo político a Portugal e careça de recursos para a sua subsistência não terá outra alternativa senão requerer a sua instalação em centro de acolhimento e aguardar que o Director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a determine. Tratar-se-á de uma bizarra medida de apoio social, determinada por uma autoridade policial e prestada num local destinado à execução de medidas de detenção, embora em áreas e com acessos diversos. De resto, a proposta de lei nada esclarece quando à diferença de regime a que estarão sujeitos os detidos por humanidade e os detidos por segurança.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, é legítimo que nos interroguemos sobre se não estaremos perante a criação de uma nova instituição que é a prisão por razões humanitárias: o requerente de asilo que escolha entre a fome ou a detenção. De resto, a natureza de medida coactiva, para além das que a Constituição admite, não oferece dúvidas. O Decreto-Lei em vigor, relativo aos estrangeiros, institui, não uma mera modificação do local de execução das medidas de detenção e prisão constitucionalmente previstas, mas antes uma nova medida restritiva da liberdade. Não existe na presente proposta de lei qualquer indício de que o Governo pretenda atribuir aos centros de instalação nela previstos natureza diversa da que pretendeu atribuir aos que já se encontram legalmente consagrados, para além da afirmação da sua natureza supostamente humanitária.
Mas o Governo mantém mais uma inconstitucionalidade: é que a proposta de lei não define minimamente o conteúdo do regime de instalação que prevê, e teria obrigatoriamente de o fazer. A proposta de lei manda aplicar, com as devidas adaptações, à instalação por razões de segurança, o regime da prisão preventiva o que, aliás, é perfeitamente esclarecedor, vindo de quem atribuiu a interpretações malévolas da oposição a natureza prisional dos centros de instalação. Mas não se clarificam as devidas adaptações de regime: qual é a diferença de regime aplicável aos instalados por razões de segurança e aos instalados por razões humanitárias? Se a lei não o definir, não é o director do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que o pode fazer.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado, esta proposta de lei é mais uma peça, repito, particularmente chocante, de um edifício legislativo assente no espírito de Schengen e Maastricht, de construção de uma Europa fortaleza fechada ao mundo, racista e xenófoba, que culpabiliza os estrangeiros pelas suas próprias crises, que desconfia dos imigrantes e concebe a política de imigração exclusivamente como uma questão de polícia. A presente proposta de lei é apresentada pelo Governo que determinou a possibilidade de expulsão administrativa de estrangeiros do território nacional; o Governo que determinou a não concessão de asilo por razões humanitárias por parte do Estado Português e que determinou a possibilidade de negação de asilo político pelo SEF através de um processo acelerado e sem garantias sérias de recurso; o Governo que encoraja e premeia comportamentos do SEF que envergonham o nosso país; o Governo que actuou por forma a inviabilizar a regularização da situação de muitos milhares de imigrantes que, de há muitos anos, vivem e trabalham em Portugal e que, se a presente proposta de lei for aprovada, passarão a viver sob a ameaça de detenção em centros de instalação até à consumação da sua expulsão do território nacional.
Esta proposta de lei é inaceitável e contará com a veemente oposição do Grupo Parlamentar do PCP.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Adriano Moreira): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, muito brevemente, gostaria de fazer um comentário a esta proposta de lei que aqui aparece, mascarada de uma designação doce, de centros de instalação, quando no fundo mais não são do que centros de recambiamento! E centros de recambiamento com privação de liberdade!
Todo este processo - que, se se recordam, foi o mesmo que conduziu, no ano passado, em pleno Agosto, quando o Parlamento estava fechado, a que tivéssemos que vir aceleradamente discutir a Lei de Asilo porque o veto presidencial a isso obrigava, como se eventualmente estivesse em causa qualquer coisa de preocupante para a vida dos portugueses - e todo o dramatismo e mistificação que têm estado em torno desta discussão são feitos por quem tem utilizado os estrangeiros como «bode expiatório» para os problemas sociais que existem e que não conseguem resolver, apontando os estrangeiros como os estigmatizados, os inimigos da segurança e os potencialmente perigosos. Esta continua a ser a lógica e são estes os valores que estão inerentes a toda esta discussão.
Hoje, cada vez mais, o cerco policial se cimenta em torno de restrições graduais de liberdade. Os limites da liberdade dos cidadãos são cada vez mais visíveis: é a apresentação de um documento de identificação; é o novo regulamento policial do Governo Civil de Lisboa, que entende a pobreza como um caso de polícia e desse modo o reprime; e também são agora os estrangeiros ou os requerentes de asilo entendidos dessa forma. Como se já não bastasse a própria Lei de Asilo, que recusava, por razões humanitárias, a concessão de asilo e que, a pretexto de facilidades processuais, negava a possibilidade de recurso, agora, uma vez mais, com a mesma lógica, pretende-se evocar razões humanitárias para estes centros. Se assim é, nós dizemos: se isto são as razões humanitárias, não, obrigado! Não é esta a nossa filosofia!

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