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Quinta-feira, 10 de Novembro de 1994 1 Série - Número 10 301

VI LEGISLATURA

4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1994-1995)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 9 DE NOVEMBRO DE 1994

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião José de Almeida Cesário

SUMÁRIO

O Sr Presidente declarou aberra a reunião às 15 horas e 45 minutos

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa de diversos diplomas e de requerimentos
Em declaração política, o Sr Deputado Luís Sá (PCP) criticou o orçamento do Estado para 1995 no concernente às transferências financeiras para as autarquias No fim, respondeu a um pedido de esclarecimento do Sr Deputado Rui Carp (PSD)
Também em declaração política, o Sr Deputado Eurico Figueiredo (PS) condenou a política de saúde do Governo, tendo, depois, respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs Deputados António Bacelar e Fernando Andrade (PSD), Lua Peixoto (PCP) e Manuel Queira (CDS-PP)

Ordem do dia. - O Sr Deputado Vítor Crespo (PSD) procede? à apresentação do relatório da visita que uma Delegação da Assembleia da República fez a Moçambique como observadora do processo eleitoral Sobre o assunto, intervieram também os Srs Deputados João Corregedor da Fonseca (Indep), Mana da Conceição Seixos (CDS-PP), Luís Peixoto (PCP), Artur Penedos (PS) e Luís Martins (PSD)
A Câmara apreciou o Relatório e a Conta da Assembleia da República respeitantes ao exercício de 1993 e o 1º Orçamento Suplementar para 1994, lendo intervindo no debate os Srs Deputados Fernandes Morgues (PSD), José Lello (PS), José Manuel Mata (PCP) e Narana Coissoró (CDS-PP)
Após o Sr Deputado Guido Rodrigues (PSD) ter feito a síntese do relatório da Comissão de Economia. Finanças e Plano sobre a proposta de lei n º 109/VI-Alteração à Lei n.º 75/93, de 20 de Dezembro (Orçamento do Estado para 1994), usaram da palavra, a diverso título, além daquele orador e do Sr Ministro das Finanças (Eduardo Catroga), os Srs. Deputados Ferro Rodrigues (PS), Nogueira de Brito (CDS-PP), Octávio Teixeira (PCP), João Corregedor da Fonseca (Indep). Manuel dos Santos e Guilherme d'Oliveira Martins (PS), Rui Rio, Rui Carp e Sousa Lara (PSD), Lino de Carvalho (PCP) e Luís Amado (PS)
O Sr Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 10 minutos

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 45 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.

dérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
Álvaro José Martins Viegas.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Moita Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abrem.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João José da Silva Maçãs.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José de Oliveira Costa.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregaria Meireles.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
José Pereira Lopes.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Albino Casimira de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Maria Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Simão José Ricon Peres.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Aníbal Coelho da Costa.
António Alves Marques Júnior.

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António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borram Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Paulo de Abreu Correia Alves.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte,
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Nuno Augusto Dias Filipe.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

José Luís Nogueira de Brito.
Manuel Tomas Cortez Rodrigues Queiró.
Maria da Conceição Seixas de Almeida.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputados independentes:

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projectos de lei n.ºs 454/VI- Reformula o subsídio de inserção dos jovens na vida activa (PCP), que baixou à 9.ª Comissão, 455/VI- Elevação da povoação de Mões à categoria de vila (PS), que baixou à 5.ª Comissão e 456/VI - Elevação à categoria de vila da povoação de Alvalade no concelho de Santiago do Cacem (PCP), que baixou à 5.ª Comissão; ratificações n.º 125/VI- Decreto-Lei n.º 225/94, de 5 de Setembro, que cria incentivos à regularização da cobrança de tributos e outras receitas administradas pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos (PS) e 126/VI- Decreto-Lei n.º 249/94, de 12 de Outubro, que altera o Decreto-Lei n.º 176-A/88, de 18 de Maio (revê a disciplina jurídica dos planos regionais de ordenamento do território) (PCP) e interpelação n.º 20/VI- Debate de política geral sobre criminalidade violenta e tráfico de droga em Portugal (PS).
Nas últimas reuniões plenárias, foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos: ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Carlos Luís e Paulo Rodrigues; a diversos Ministérios, formulados pela Sr.ª Deputada Rosa Albernaz; aos Ministérios da Saúde, do Planeamento e da Administração do Território e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelo Sr. Deputado Miranda Calha; a diversos Ministérios, formulados pela Sr.ª Deputada Isabel Castro; ao Ministério da Administração Interna, formulados pelos Srs. Deputados Lino de Carvalho e Fialho Anastácio; aos Ministérios da Indústria e Energia e do Ambiente e Recursos Naturais, formulados pelo Sr. Deputado Américo de Sequeira e ao Ministério do Emprego e da Segurança Social, formulado pelo Sr. Deputado Paulo Trindade.

Entretanto, informa-se os Srs. Deputados de que a Subcomissão da SIDA reúne às 16 horas.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, ontem, o Sr. Ministro da Defesa Nacional veio à Comissão

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de Defesa Nacional fazer uma exposição sobre o processo que levou ao depósito no mar de um navio, já desactivado, da Armada Portuguesa e de uma carga de 2200 toneladas de munições.
O Sr. Ministro explicou-nos, durante uma hora e meia, o processo que o Governo desencadeou, durante mais de um ano e meio, para chegar à situação de afundamento do navio e desta carga. Disse-nos que o fez dentro da legalidade, ou seja, dentro dos normativos e requisitos que determinam as Convenções internacionais de Oslo e de Londres.
O que acontece, Sr. Presidente, é que fizemos três requerimentos ao Ministério da Defesa Nacional, o primeiro dos quais data de Setembro de 1993, para saber, designadamente, da composição da carga, das condições de acondicionamento e das razões que justificaram esta tomada de decisão e não o estudo de outras opções.
Ora, o Ministério da Defesa Nacional não respondeu a qualquer dos nossos requerimentos e ontem o Sr. Ministro disse que tudo foi feito dentro das normas legais. Não havia, portanto, qualquer razão- e a questão é esta- para que o Sr. Ministro da Defesa Nacional não tivesse dado resposta, alguma resposta, aos três requerimentos que o Grupo Parlamentar de Os Verdes lhe dirigiu sobre esta matéria.
A minha questão, Sr. Presidente, é esta: por um lado, de que forma é que os direitos constitucionalmente consagrados aos Deputados podem ser devidamente cumpridos quando o Governo não dá resposta àquilo que a Constituição determina e, por outro, como é que a Assembleia da República pode cumprir a sua competência de fiscalização da actividade do Governo se ele se recusa a responder aos requerimentos que os grupos parlamentares e os Deputados lhe fazem.
Assim sendo, Sr. Presidente, solicito-lhe que intervenha junto do Governo no sentido de estas situações não voltarem a repetir-se e que deixe esta questão à consideração do Plenário da Assembleia para sabermos das posições dos Deputados e dos grupos parlamentares relativamente a este comportamento do Ministério da Defesa Nacional.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado André Martins, agradeço-lhe a sua interpelação. Naturalmente, naquilo em que ela se mantiver útil, não deixará de ser tida em conta pelo titular da pasta respectiva.
Contudo, há uma consideração feita pelo Sr. Deputado que tem de merecer por parte da Mesa a seguinte reafirmação: o Governo está obrigado a responder a requerimentos, quer os actos a que eles respeitam sejam legais ou ilegais.
Em todo o caso, a sua observação é pertinente.

O Sr. Correia de Jesus (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Correia de Jesus (PSD): - Sr. Presidente, sob a forma de interpelação à Mesa, gostaria de prestar alguns esclarecimentos acerca da interpelação feita pelo Sr. Deputado André Martins.
Em primeiro lugar, gostaria de dizer que, quando solicitado, o Sr. Ministro da Defesa Nacional veio à Assembleia da República prestar, na Comissão de Defesa Nacional, todos os esclarecimentos disponíveis sobre esta matéria.
Em segundo lugar, devo informar que, também a solicitação dos Srs. Deputados mas com a anuência do Sr. Ministro da Defesa Nacional, os Srs. Deputados da Comissão de Defesa Nacional e os demais que nisso mostraram interesse tiveram a oportunidade de visionar, hoje, no Ministério da Defesa Nacional, um filme sobre a operação em causa. Em terceiro lugar, gostaria de dar conhecimento à Câmara de que, no desenvolvimento do processo e antes de se ter desencadeado a finalização da operação, as três organizações não governamentais mais representativas ligadas ao ambiente foram convocadas pelo Governo para receberem todos os esclarecimentos referentes a esta matéria. Regista-se, porém, que apenas uma dessas organizações respondeu ao apelo do Governo e, portanto, só uma delas esteve presente.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado, pelos esclarecimentos dados.
Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há 48 horas, o secretário-geral do PSD acusou a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) de ser instrumentalizada pelos partidos da oposição contra o Governo. Com este facto, juntou à propensão centralizadora do Orçamento uma manobra barata e desajeitada. Segundo o PSD, através do seu secretário-geral, as autarquias estariam muito contentes com a generosidade governamental e só a malvada oposição as teria obrigado a lutar e a simular um descontentamento e uma inquietação que efectivamente não sentem.
Em abono desta tese, o PSD invoca que o Presidente da ANMP teria ficado satisfeito, num primeiro momento, com as transferências financeiras para as autarquias, em 1995, na altura em que o Governo as anunciou.
Mas o que o PSD não diz, no meio dos insultos que dirige às autarquias, é que, no primeiro encontro que o Governo teve com a Associação Nacional de Municípios Portugueses a propósito do Orçamento do Estado para 1995, escamoteou dados fundamentais e recusou-se mesmo a fornecer qualquer documento escrito à delegação dos municípios portugueses.
O que o PSD não diz é que escondeu o montante global da previsão de cobrança do IVA, em 1995, de modo a escamotear que as autarquias não participarão em 45 milhões de contos a que têm legalmente direito. Esta verba foi inscrita directamente no orçamento da segurança social, contrariando o princípio elementar de finanças públicas e do direito financeiro, inscrito na Lei de Enquadramento do Orçamento de Estado, que é a não consignação de receitas. O aumento do IVA é o aumento do IVA; não há, nem técnica nem jurídica nem politicamente, "IVA social". De resto, a verba inscrita directamente no orçamento da segurança social destina-se apenas a aliviar o patronato e não a ocorrer a prestações sociais, como afirmou demagogicamente o secretário-geral do PSD.
É um puro expediente de baixo eleitoralismo julgar que o aumento da fiscalidade indirecta é mais bem acolhido pelas populações ou que se torna mais aceitável o esbulho das verbas municipais através deste expediente. A verdade é que aos municípios vão ser retirados 8,8 milhões de contos do Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF), que se vão somar às dezenas de milhões que foram retirados nos anos anteriores, a isenções fiscais ilegalmente não compensadas e à diminuição da contribuição autárquica.
E é inquestionável que a verba a que têm direito de participar os municípios portugueses a título de FEF é de 1169 milhões de contos e não de 1124 milhões de contos, como pretende o Governo.

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Aliás, entre as falsidades a que o secretário-geral do PSD recorreu, está a de voltar a falar num aumento de .13% das receitas municipais, quando, ainda há dias, o Governo, na Comissão de Economia, Finanças e Plano, reconheceu que o aumento do FEF é de 10 % e que há uma redução na contribuição autárquica.
O PSD também não esclarece que não informou a ANMP, no primeiro encontro sobre esta matéria, da redução da contribuição autárquica e da não compensação das isenções fiscais em matéria de impostos que revertem para os municípios. E é conhecido o princípio, inscrito na Lei das Finanças Locais, de que as autarquias devem ser indemnizadas das isenções fiscais, da mesma forma que deveriam ser indemnizadas das reduções de impostos que revertem para elas.
O PSD não diz ainda que incluiu na lei do Orçamento do Estado um pedido de autorização legislativa para transferir competências para os municípios, o que é um expediente no mínimo altamente discutível do ponto de vista técnico, e que esta transferência não foi aceite pelas autarquias em alguns aspectos. Estes novos encargos podem transformar-se em mais um factor de dificuldades e, em alguns casos, podem levar ao aumento de despesas correntes, que o Governo obriga arbitrariamente a diminuir uma vez mais, de modo a pressionar despedimentos e a privatização de serviços das autarquias e a criar mais dificuldades à realização das obras por administração directa por parte dos municípios que o queiram fazer.
O PSD diz que as autarquias ficaram favorecidas Peguemos no exemplo da evolução financeira que o município de Lisboa afirma enfrentar com esta política e este Governo: tendo em conta a derrama, a contribuição autárquica, o FEF e o IVA turístico, Lisboa dispôs, a preços correntes, de 30 839 milhões de contos em 1993, 26 660 milhões de contos em 1994, e disporá de 23 176 milhões de contos em 1995. Estes números correspondem a uma quebra de receitas de 32 %. Quem paga, como é evidente, são as populações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É passar um atestado de menoridade aos eleitos autárquicos afirmar que precisam de indicações das sedes partidárias para se indignarem com o comportamento e as propostas do Governo depois de as conhecerem completamente.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Quem precisou de tais indicações foram os autarcas do PSD, que foram obrigados a abandonar o Conselho Directivo da Associação Nacional de Municípios Portugueses contra a sua vontade. Recorde-se que o PSD definiu como objectivo para as eleições autárquicas ter a maioria na ANMP. Ora, perdeu as eleições e, como tem mau perder, obrigou os seus eleitos a tomar esta atitude, embora ficando no Conselho Geral.
Agora, em coerência, vai ter de "puxar as orelhas" aos oito eleitos presidentes de câmara (como os casos dos Presidentes da Câmaras Municipais de Oeiras e da Maia) que integram o Conselho Geral da ANMP e que ainda na passada sexta-feira aprovaram, por unanimidade, um veemente protesto contra a orientação do Governo nesta matéria.
O PSD terá também de "puxar as orelhas" a todos os outros eleitos que, de norte a sul do País, em maioria ou minoria, aprovam moções contra este Orçamento de esbulho. Ao que parece, estão todos a ser instrumentalizados pelos partidos da oposição!
O PSD tem pena de não poder calar a ANMP e, por isso, chama-lhe força de oposição. Chama o mesmo à Associação Nacional de Freguesias. Transforma tudo o que não é "laranja" em Portugal numa das terríveis "forças de bloqueio" que vê, cada vez mais, por toda a parte.
Os eleitos das freguesias trouxeram abóboras para a maioria parlamentar que tem impedido a aprovação de muitas das reivindicações fundamentais. Depois desta actuação do PSD, é caso para dizer que merece que lhe tragam pimenta para pôr na língua, que é o que se costuma fazer a quem diz asneiras, calunia e se porta mal.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No quadro que está criado, lutaremos para aumentar a verba a transferir a título de FEF, de modo a cumprir a Lei das Finanças Locais.
Reclamámos, e voltamos a reclamar, que o Governo entregue à Assembleia da República os dados que permitam esclarecer os critérios de distribuição de verbas pelos municípios. Há muitos que recebem apenas 3,5 % de aumento, como são os casos de Lisboa, Porto, Almada, Faro, Alcochete e outros, enquanto municípios vizinhos, aparentemente em condições similares, recebem percentagens substancialmente diferentes.
Proporemos igualmente o aumento da ridícula verba de 20 e 15 000 contos que o Governo adianta para as Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto.
Lutaremos para que a lei seja cumprida e os municípios sejam compensados das isenções fiscais que os afectam.
Teremos em conta, nas nossas propostas, que a descentralização de novas competências para as autarquias tem de ser feita em diálogo, em vez de se transformar na imposição de encargos sem contrapartidas.
Ainda há pouco o PSD queria eliminar as regiões da Constituição, em nome do municipalismo. Agora, demonstra que é tão avesso às regiões como o é aos municípios, porque, para o PSD, só está bem aquilo que manipula e controla.
Neste debate, estaremos, como sempre, com o poder local; e estar com o poder local é combater o PSD e a política do Governo.

Aplausos do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Sá, parece-me que quem está a começar por infringir as regras de enquadramento orçamental é V Ex.ª, pois traz para o período de antes da ordem do dia um debate que deve ser feito em sede de discussão do Orçamento. Mas deixemos isso!

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Essa agora!

O Orador: - Quanto ao mais e ao resto, o Sr. Deputado sabe muito bem que o que disse relativamente ao FEF para 1995 não é verdade. O Governo cumpre integralmente a Lei das Finanças Locais, porque o que aí consta, em matéria de cálculo do Fundo de Equilíbrio Financeiro, é muito claro e não deixa qualquer margem para dúvidas: o aumento do FEF é igual à previsão da receita orçamental do IVA no ano a que se refere relativamente à previsão da receita orçamental do IVA do ano anterior. Isto está

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escrito com todas as letras e tive oportunidade de o recordar ao Sr. Presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses e à restante delegação da direcção dessa Associação, numa reunião que tivemos para apresentação das propostas dos autarcas aos partidos, e, de facto, posso dizê-lo, não fui minimamente rebatido.
A receita do IVA prevista no Orçamento do Estado para 1995 é de 1124 milhões de contos. É essa receita que temos de considerar e que a lei impõe que seja considerada. Se estivéssemos a infringir a lei, então, sim, o Governo estaria a ter uma interpretação diferente, como já aconteceu no passado, da Lei das Finanças Locais.
Este ano, Sr. Deputado, não tem sorte, pois o cálculo do FEF foi feito seguindo escrupulosamente o consta da Lei das Finanças Locais.

Vozes do PS: - Não é verdade!

O Orador: - Os tais 45 milhões de contos, que são, nos termos da Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado, afectos directamente ao orçamento da segurança social - como sabe, o princípio da não consignação permite, mediante a lei ordinária ou a lei orçamental, ser afecto a outros fins, e isso está perfeitamente identificado, a não ser que V. Ex.ª queira extinguir imediatamente o orçamento da segurança social, pois, na sua óptica, ele não deveria existir -, é uma receita que poderíamos chamar "de solidariedade social", porque é injusto os senhores dizerem que a diminuição da contribuição das empresas para a segurança social aproveita ao patronato.
Apesar de eu saber que os senhores não gostam da União Europeia, e o Sr. Deputado muito menos, porque esteve até muito pouco tempo no Parlamento Europeu, creio que V. Ex.ª sabe muito bem que essa medida foi aprovada no chamado Livro Branco sobre crescimento, competitividade e emprego, apresentado no seio da União Europeia.
Volto a recordar que essa é uma medida considerada essencial para a criação de postos de trabalho. Se não estão de acordo com isso, fazem-me lembrar a figura do bombeiro pirómano. VV. Ex.ªs gritam e reclamam que é preciso tomar medidas para criar mais postos de trabalho e, depois, quando se toma uma medida, que foi unanimemente considerada na Europa como sendo positiva para a criação de postos de trabalho, VV. Ex.ªs vêm tecer criticas.
Portanto, das duas, uma: ou os senhores estão a favor da lei e, então, têm de se retractar quanto ao que V. Ex.ª acabou de dizer sobre o Fundo de Equilíbrio Financeiro, ou, então, não compreendemos essa vossa atitude dúbia.
Quanto ao emprego, têm de dizer definitivamente se são ou não a favor da criação de postos de trabalho, porque, se são a favor da criação de postos de trabalho, a vossa única atitude razoável, justa e politicamente honesta é a de se congratularem e apoiarem esta medida de reforço do orçamento da segurança social através do aumento da receita que será gerada pela passagem da taxa normal do IVA, de 16%, para 17 %. Mas se defendem uma coisa e criticam outra, quando ambas têm a ver com a solidariedade social, então, já nem os vossos princípios teóricos de defesa dos trabalhadores conseguem sustentar aqui.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A sua atitude, não obstante toda a sua inteligência quanto ao modo como conseguiu apresentar isto, não tem qualquer razão de ser. Por isso, desafio-o a mostrar em números e por escrito onde é que a Lei das Finanças Locais está contrariada e desafio-o a contestar que esta medida do "IVA social" não é destinada à criação de postos de trabalho.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Leis Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Carp, agradeço a questão colocada, que, espero, permite alguns esclarecimentos adicionais.
Para nós, é evidente que o Orçamento do Estado está em discussão. O secretário-geral do seu partido pronunciou-se em termos altamente infelizes sobre esta matéria e mal estaria o meu partido, com as posições que tem, se não trouxesse à sede própria, a Assembleia da República, uma matéria que tanto preocupa os municípios e as populações de Portugal.
Sr. Deputado, creio que afirmar o cumprimento da lei por parte de um partido que apoia o Governo, o qual no ano passado não previu qualquer aumento do Fundo de Equilíbrio Financeiro, congelou inteiramente o crescimento das verbas das autarquias nesta matéria, impôs o crescimento zero e toma como base de cálculo um ano em que, pura e simplesmente, não houve qualquer aumento, é de uma extrema infelicidade.

O Sr. Rui Carp (PSD): - É a lei!

O Orador: - De maior infelicidade ainda é o facto de o Governo e o PSD resolverem "esconder no bolso" uma parte do produto do IVA, dizendo: esta parte do produto da cobrança do IVA, afinal, não é cobrança do IVA porque não me convém que o seja, é antes para as pensões dos velhinhos de Portugal e, por isso, não há outra forma de lhes pagar as pensões que não seja pôr todos os portugueses a pagar mais um ponto percentual de IVA.
Sr. Deputado, creio que é de uma extrema infelicidade dizer que a única forma de criar emprego,...

O Sr. Rui Carp (PSD): - É uma forma!

O Orador: - ... a única forma de garantir as pensões de reforma, em Portugal, é sobrecarregar a fiscalidade indirecta sobre todos os portugueses. Sr. Deputado, a política do Governo é muito infeliz; com defensores como V. Ex.ª fica mais infeliz ainda!

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas permita-me que refira ainda outro aspecto do seu pedido de esclarecimento e da questão que colocou. O Sr. Deputado parte de um princípio que creio ser extremamente deplorável: o de que a lei do Orçamento do Estado é uma lei ordinária, uma lei como as outras. Isso ficou claríssimo no que disse, mas, na verdade, não o é! É uma lei que tem de obedecer à Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado,...

O Sr. Rui Carp (PSD): - E obedece!

O Orador: - ... tem de obedecer, ao contrário do que entende o Governo, à Lei das Finanças Locais e não é o lugar próprio para dar autorizações legislativas em matéria de transferência de competências para as autarquias.

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Há, nesta matéria, uma técnica e uma prática, por parte do Governo e do PSD, que seria bom que fosse rectificada. Há leis que são o pressuposto lógico de outras íeis e, por isso mesmo, seria boa prática, em termos políticos, técnicos e jurídicos, que houvesse outra orientação mesta matéria. Mesmo sendo as políticas do Governo aquelas que são, seria bom que se desse ao trabalho de assumir a responsabilidade política de alterar previamente as leis que viola ao apresentar uma proposta de lei de Orçamento do Estado deste tipo.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Não é verdade!

O Orador: - O que não ficou claro, entretanto, Sr. Deputado, é a razão pela qual as verbas para os municípios, independentemente de se cumprir ou não a Lei das Finanças Locais, foram substancialmente menores no ano passado, e sê-lo-ão ainda mais, globalmente, este ano, quer devido à contribuição autárquica, quer devido às isenções fiscais não compensadas, quer devido ao Fundo de Equilíbrio Financeiro. Independentemente do problema de cumprir ou não a lei, há um problema de asfixia financeira, de centralização, de a sua bancada ser contra as regiões em nome dos municípios e, agora, ser contra os municípios em nome não se sabe bem de quê, de uma orientação centralista, que não apoiamos de todo em todo e que vamos continuar a combater.

Aplausos do PCP.

O ST. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Eurico Figueiredo.

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No corredor, gentilmente, alguns Deputados amigos perguntaram-me se ia falar da água. De facto, vou falar da água, mas da "água" que o Ministro da Saúde tem "metido", ao nível do seu ministério.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Algumas das mais recentes e importantes decisões políticas do PSD, ou de Cavaco Silva, por ele, permitem compreender melhor os limites do actual Governo e a duplicidade que o tem regido, em relação ao Serviço Nacional de Saúde. A mais significativa foi a decisão de retirar do recente projecto de revisão constitucional a noção de serviços de saúde tendencialmente gratuitos, onde se manifesta finalmente o que sempre se suspeitou: a duplicidade na relação com este serviço público.
O Serviço Nacional de Saúde, apesar de mal-amado durante 11 dos seus 18 anos de existência em que foi governado pelo PSD e de ser objecto do mais baixo financiamento dos países da União Europeia, contribuiu para que Portugal apresentasse indicadores de saúde de primeiro mundo. Não é para nós nada evidente que outro sistema de saúde conseguisse fazer melhor, bem pelo contrário.
Também Cavaco Silva, ao afirmar-se, finalmente, como opositor do processo de regionalização do país, veio revelar ainda mais limitações à possibilidade de melhorar o sistema de saúde, enquanto estiver à frente do Governo. Nunca, pelos vistos, com o PSD, a burocrática, centraliza* da e pesada máquina do Ministério da Saúde poderá ser aligeirada e humanizada, aproximando as decisões das populações, desenvolvendo uma democracia participada na planificação dos serviços de saúde, favorecendo a articulação regional dos serviços, o controlo democrático da gestão dos mesmos e o financiamento a nível regional. Como pode um ministério funcionar, quando estou certo que, na semana passada, como em todas as outras, o Ministro da Saúde gastou mais de metade do seu tempo a resolver problemas de administração hospitalar, como substituir um director de hospital aqui e um administrador ali, ainda por cima sob pressão dos lobbies "pêpêdistas"?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nomeação do actual Ministro foi saudada com simpatia por amplos sectores da opinião pública. Paulo Mendo tinha no seu activo experiência, com sucesso, de governação, longa prática de gestão de serviços de saúde e universitários, prestígio profissional e o respeito da classe médica, e sucedia a um ministro, verdadeiro perigo público. No entanto, um ano de governação foi suficiente para que este capital político se esvanecesse: o nosso balanço, e parece que também o da opinião pública, é-lhe negativo.
O Ministro da Saúde assumiu-se como homem de diálogo. Tem, de facto, falado muito e em todos os contextos, o que não é a mesma coisa que dialogar. Dialogar, pela parte de um ministro, implica apresentar propostas devidamente fundamentadas, criar uma instituição de diálogo e, modestamente, comprometer-se a ter em linha de conta eventuais consensos. Acontece que a Lei de Bases de Saúde contém expressamente uma estrutura apropriada ao diálogo. O Conselho Nacional de Saúde, que nunca foi instituído, segundo a Lei de Bases da Saúde já de 1990, é definido, na Base VII, do seguinte modo: "representa os interessados no funcionamento das entidades prestadoras de cuidados de saúde e é um órgão de consulta do governo (...) os representantes dos utentes são eleitos pela Assembleia da República (...) a composição, a competência e o funcionamento do Conselho Nacional de Saúde constam da lei", que nunca foi feita. Quem está de facto interessado em dialogar não protela, indefinidamente, o legislar e o pôr em funcionamento um órgão exigido por lei e para tal adequado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dizíamos que o nosso balanço do primeiro ano de funções do Ministro da Saúde é negativo. As duas grandes iniciativas que assumiu traduziram-se, uma, numa clamorosa derrota política e, a outra, num assunto adiado, senão foi também uma segunda derrota política! A sua proposta, de alterar as carreiras médicas, teve a oposição frontal da Ordem dos Médicos e dos sindicatos médicos, e por boas razões, algumas meramente sindicais e outras de natureza política, e estas são preocupantes.
O Governo já nomeia os directores dos hospitais, que nomeiam os administradores-delegados, que nomeiam o director clínico, que propõe os directores de departamento, que propõem os directores de serviço. Pretendia-se agora, como aspecto politicamente mais chocante do referido projecto, manter sob quarentena por quatro anos, sujeitando à apreciação favorável do director de serviço para a ocupação do lugar, médicos previamente escolhidos por concurso público. A lógica clientelar é de tal ordem que um dia destes até os nascituros, para o serem, têm de se fazer acompanhar por "cartão laranja"!
A oposição da classe médica foi de tal ordem que o projecto do Ministro transformou-se num nado morto!
Pretende também o actual Ministro da Saúde fazer com que os ricos contribuam mais directamente para os custos dos tratamentos médicos, quando em Portugal, o país mais pobre da Comunidade, já é onde os utentes mais directamente para tal contribuem. E avançou com o que pretende ser um debate sobre o financiamento dos serviços de saúde. Entretanto, nada se ficou a saber de conclusivo sobre

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o projecto do anterior ministro, que tinha apostado num processo de auto-exclusão dos portugueses do Serviço Nacional de Saúde.
Era ou não a proposta do anterior ministro válida? Havia ou não empresas seguradoras capazes de suportarem uma opção tão radical como a de abandonar os serviços públicos? Existiam ou não serviços privados capazes de garantirem um tão largo espectro de cuidados, para poderem suprir o SNS?
Num mesmo Governo, mudam ministros, mudam projectos, sem se conhecerem as razões, sem nada aprendermos. Tudo fica no segredo, provavelmente para esconder uma obesa incompetência. O Estado gerido pelo PSD age com tal leviandade que qualquer português, com bom senso, se deve perguntar para que nos serviram duas maiorias absolutas. Nem ao menos serviu para que se pudesse governar sem pressas e com coerência.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Há sempre, no PSD, um génio a substituir outro, entretanto caído em desgraça. Com o actual, provavelmente, irá acontecer o mesmo. Corre-se o risco de nunca virmos a saber o que é que o Ministro da Saúde pretendia com o projecto de, para financiar o SNS, ir buscar mais dinheiro aos mesmos bolsos, obviamente portugueses. Será o facto de cobrar directamente dos utentes mais justo? Quais as vantagens de utilizar este meio camuflado para aumentar os impostos? Como garantir justiça fiscal na hierarquização das riquezas, quando tal ainda não foi conseguido pelo actual Governo?
Eis algumas questões que nunca foram esclarecidas pelo Ministro da Saúde, e que, eventualmente, nunca o serão. Ficará, só para efeitos eleitorais, a parábola do Zé do Telhado: o PSD quer tirar aos ricos para dar aos pobres, mas o PS não deixa!

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Enquanto o Ministro se ocupa com miudezas ficam por resolver os problemas mais importantes e que se vão repercutir no mal-estar dos utentes dos serviços de saúde, particulares e públicos.
Continuam mal definidas as regras de funcionamento do sistema de saúde português. O parasitismo do privado em relação ao público é a regra. As lucubrações da portaria n.º 704/94 mais não representam do que a entrega ao privado da utilização de serviços pagos por todos nós. O Governo mais não faz do que confessar o desastre que foi para o país a gestão partidarizada dos serviços de saúde.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Andou-se, francamente, para trás na introdução de regras de profissionalismo no SNS. Longe vão os tempos em que Leonor Beleza clamava que não se podia jogar em dois clubes ao mesmo tempo. A marcha atrás tem tomado foros carnavalescos. Desde o ter-se fomentado a dedicação exclusiva até, na prática, a proibir, não se passaram meia dúzia de anos, com o mesmo Governo. Todas as prerrogativas, exigindo-a, foram sendo progressivamente suprimidas.
No internato, nas novas especialidades, nas funções administrativas, entramos no reino da farsa: obrigou-se, primeiro os médicos, à total exclusividade; depois, permitiu-se o exercício da medicina privada no hospital, no primeiro mandato, descontando os médicos 25 % do ordenado, depois, alargou-se a excepção para todos os outros mandatos; recentemente, e ainda se não sabe se esta é a última solução, suprimiu-se o desconto de 25%! É isto a que se pode chamar um Estado credível!?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Nem ao menos se proibiu ainda a acumulação entre o público e o convencionado, no mesmo tipo de prestação de serviços" o escândalo dos hemodializados de Évora é também o dos técnicos de saúde, que desleixam os serviços públicos em que trabalham mas que cuidam dos serviços privados, em que têm as mesmas funções para os mesmos utentes Só no céu é que se poderia passar de outra maneira, e os portugueses de anjo têm pouco!
O subfinanciamento do SNS é um facto. A nossa despesa per capita é menos de metade da dos países da OCDE, cerca de um quinto da dos EUA. As nossas propostas, para que, entre o PS e os outros partidos, a passar pelo PSD, exista um mínimo de financiamento ao nível do Orçamento do Estado, não teve qualquer eco ao nível do Governo. Não se tem também reforçado a importância dos cuidados primários, cujo financiamento tem, ultimamente, diminuído. Transformou-se o clínico geral num quadro mais administrativo do que médico, tendo compreensivelmente decrescido, em 1993, em cerca de 20 %, o número de clínicos gerais. Não se conseguiu ainda transformar o clínico geral no pivot do SNS, porta de entrada, de triagem, de supervisão de todos os tratamentos, de centralização da informação, que nos serviços médicos e pura e simplesmente miserável. Não se personalizou nele a relação médico/doente, facilitando a continuidade dos cuidados sempre referenciados ao mesmo médico, nem se criaram formas eficientes de motivação dos clínicos gerais.
Não se conseguiu vencer as desigualdades de distribuição regional dos médicos. No Alentejo, há, para a mesma população, menos de um terço dos médicos que em Lisboa e Vale do Tejo.
Não se elaborou uma carta hospitalar clara e fundamentada. Deixou-se, assim, a decisão de implementar serviços de saúde à pressão das clientelas e de outros interesses duvidosos.
Não se tomou obstinadamente a peito a luta contra as listas de espera, sendo escandalosa a sua manutenção em serviços, em que esperar significa tantas vezes morrer.
Não se definiram regras de funcionamento dos serviços de urgência, nem se aumentou a sua funcionalidade e dignificação da relação médico/doente. O Ministro da Saúde mantém em funções trogloditas directores-gerais que, quando Paulo Mendo era Director do Hospital de Santo António, para lá transferiram, sem, praticamente, aviso prévio, parte importante das urgências psiquiátricas de todo o Norte do país, que agora são feitas sem o mínimo dos mínimos de dignidade. Estas e outras monstruosidades feitas na área da psiquiatria, em relação às quais, ainda há poucos meses, o Ministro da Saúde era sensível, continuam exactamente como dantes.
Não se melhorou o funcionamento das administrações dos serviços de saúde. Ainda há poucos anos nem se ouvia falar, e ainda bem, das administrações hospitalares e de outros serviços de saúde. Então, os directores eram eleitos e respondiam perante o Conselho-Geral. O PSD preferiu a nomeação. Os resultados estão à vista de todos os portugueses. Não há semana que não surja um escândalo, pondo sob suspeita de corrupção, desleixo, incompetência, compadrio, directores e administradores, em Aveiro, Faro, Évora, Barreiro, Beja, Castelo Branco, Vale do Ave, etc. Mas o PSD não quer abrir mão de um critério de escolha

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de gestores, que lhe permite controlar e satisfazer clientelas. Que lhe dê muito proveito!
Escandaliza saber que a reparação aos doentes e familiares vítimas de sangue contaminado pelo vírus da SIDA, fornecido em serviços públicos, continua por fazer. A história é longa e desprestigiante, e todos nós a conhecemos. E o mais grave em tudo isto é que a "gestão cavaquista" não põe somente em causa o actual Governo, está a minar a já pouca credibilidade do Estado português e aquilo que ainda há dois anos era bastante: a credibilidade da democracia portuguesa.
Não podemos deixar de lembrar que na recente sondagem realizada pelo Fórum Justiça e Liberdade em colaboração com o jornal Público o resultado, que revelou o maior índice de adesão, é o que traduz a resposta positiva, 93,4 %, ao legitimar a responsabilidade objectiva do Estado, em resposta à questão, que, neste caso, tinha a ver com serviços de saúde
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando Paulo Mendo foi nomeado Ministro da Saúde, contrariamente às previsões e hábitos da vida política portuguesa, dei-lhe, pessoalmente, o meu apoio. Muito se esperou dele na procura de consensos entre os principais partidos portugueses de molde a diminuir a instabilidade numa área tão sensível da governação. Sena bom que, no domínio da saúde, a mudança fosse extremamente ponderada e o mais consensual possível. Nesta área, todos, compreensivelmente, esperam tranquilidade e não conflito político. Abstive-me de fazer-lhe uma oposição sistemática, só lhe tendo feito uma advertência no terceiro mês da sua governação, pelo é altura de denunciar vivamente a política de um ministro que se mostrou incapaz de melhorar o funcionamento do SNS,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... que fala muito e faz pouco, que .não fundamenta as propostas atabalhoadas que tem feito e que, finalmente, se compraz na gestão rotineira e medíocre do Ministério.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Informo a Câmara que se encontram inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados António Bacelar, Fernando Andrade, Luís Peixoto e Manuel Queiró.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Bacelar.

O Sr António Bacelar (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Eurico Figueiredo, conheço V. Ex.ª há muitos anos e reconheço-lhe a competência profissional o a honestidade que tem na sua vida, quer como profissional quer como político Mas permita-me que, de tudo aquilo que disse, destaque um ponto muito controverso, que é o facto de o artigo 64.º da Constituição referir um serviço nacional de saúde universal e geral tendencialmente gratuito. Como V. Ex.ª sabe, um dos grandes problemas, que é de todos os países e Portugal não é excepção, é o financiamento do sistema de saúde.
O Ministro Paulo Mendo, assim que tomou posse, foi à Comissão Parlamentar de Saúde e explicou, o que, aliás, consta de um trabalho que já tinha publicado na SEDES, ç que conhecíamos, qual era o seu entendimento sobre o financiamento do sistema de saúde. Nessa altura, disse que precisaria de tempo; recordo-me de ter mencionado que precisaria de mais de um ano para fazer entender aos que teriam, provavelmente, de dispender mais alguma coisa para pagamento dos serviços prestados a necessidade de que eles, que podem contribuir um pouco mais, o façam em benefício dos que têm necessidade de tratamento. Pergunto se V. Ex.ª tem uma proposta alternativa à que o Ministro Paulo Mendo fez. Se tem, qual é?
O Ministro Paulo Mendo é, e todos nós o reconhecemos, uma das pessoas que. em Portugal, mais conhece o sector da saúde, mas não tem, obviamente, a verdade absoluta. Nenhum de nós a tem! E é muito fácil criticar o ministro por aquilo que não faz! Assim, gostaria, porque V. Ex.ª é uma pessoa séria e honesta, que não criticasse só e focasse também os pontos positivos que o actual Ministro da Saúde Paulo Mendo tem por aquilo que fez a favor da saúde dos portugueses.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Eurico Figueiredo, visto não dispor de tempo, só lhe irei dar a palavra, para responder, no fim de todos os pedidos de esclarecimentos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Andrade.

O Sr. Fernando Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Eurico Figueiredo, a sua intervenção e as suas críticas ao Ministério da Saúde, dada a maneira deslocada da realidade nacional como as fez, só se podem compreender porque não nos acompanhou na visita aos 18 distritos do País que ainda ontem a Comissão Parlamentar de Saúde terminou. Logo, por isso e outras razões, desconhece a realidade nacional e, assim, vem fazer uma intervenção deste tipo, deslocada da realidade.
O Sr. Deputado não pôde ver nem constatar que a regionalização da saúde, a desconcentração do serviço de saúde é já hoje uma realidade que funciona em todo o País Fez críticas vazias, ocas, que me levam a concluir que vem, finalmente, fazer críticas ao Sr. Ministro da Saúde cedendo às pressões do seu secretário-geral para falar sobre esta matéria.
V. Ex.ª referiu-se às carreiras. Ora, os sindicatos e a Ordem dos Médicos criticaram as carreiras antes de terem lido o documento; porém, depois de o terem lido e de terem dialogado com o Sr. Ministro, as críticas pararam, não se ouvindo falar mais nas carreiras, pelo que parece estarmos todos de acordo, ou seja, parece haver acordo entre os sindicatos, a Ordem dos Médicos e o Ministério.

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Parece!...

O Orador: - Logo, as suas críticas foram vãs e precipitadas.
O Sr. Deputado, ao fim de mais algumas considerações, vem trazer, como um dos problemas mais importante, o caso de Évora, que poderia ter acontecido em qualquer sistema de saúde, já que o que aconteceu foi uma catástrofe e não um desleixo ou uma má prestação de serviço dos profissionais.
No local, existem profissionais e uma unidade de hemodiálise e o que houve em Évora foi uma catástrofe, que não estava nas mãos de ninguém prevenir. O Sr. Deputado sabe isso muito bem, pelo que veio fazer demagogia e abanar a bandeira da desgraça para gáudio do "partido da rosa".
O Sr. Deputado falou, ainda, no problema do sangue no Hospital Maria Pia - e sabe que terminou ainda há pouco tempo o inquérito -, onde o sangue utilizado nas transfusões feitas estava contaminado pelo vírus HIV II que, na altura, em 1984, era desconhecido em todo o mundo, e em Portugal também, como é óbvio. Logo, não é admissível que um partido que se diz querer ser responsável venha

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aqui abanar um espantalho da desgraça e da miséria a que ninguém pode obstaculizar, nem em Portugal, nem em outra parte do mundo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado falou dos problemas da clínica geral mas não os conhece, não conhece o trabalho que se está aí a fazer porque, se não, não viria aqui dizer que a clínica geral não se tem desenvolvido e progredido.
É uma carreira nova, que corresponde, hoje, ao pivot da saúde em Portugal, contribuindo, e muito, para termos, hoje, valores, como disse e bem, de índice europeu nesta área, como, por exemplo, o da mortalidade infantil, que está em 8.6, sendo perfeitamente aceitável em qualquer país do mundo. O Sr. Deputado sabe tão bem como eu que, em 1987, este índice não era de 8.6 mas de 23/1000, sendo esta é a maior descida em termos europeus quanto à mortalidade infantil, a qual se deve, em grande parte, ao grande trabalho de clínica geral.
Em seguida, falou das listas de espera, que existem em todos os países para as cirurgias programadas e Portugal não é excepção. Veio aqui dizer que as listas de espera, no nosso país, contemplam situações em que o paciente esteja em risco de vida, o que não é verdade. Não há qualquer lista de espera em situações de urgência ou quando haja perigo de vida para os doentes, e o Sr. Deputado sabe-o perfeitamente!
As nossas intervenções têm de ser pedagógicas e motivadoras quer para a bancada quer para a população. Não concordo com as afirmações que fez e gostava que se referisse a estas questões, até porque considero que foram mal colocadas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr Presidente: - Para pedir esclarecimentos, em tempo não superior a um minuto, cedido pela Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Peixoto.

O Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr. Presidente, antes de mais, o tempo de que disponho permite-me saudar o Partido Socialista por, finalmente, ter assumido uma posição de crítica ao Ministério da Saúde e ao Ministro Paulo Mendo.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Eurico Figueiredo, gostava de lembrar-lhe que, ao longo deste ano, essa tem sido a luta de amplos sectores ligados à saúde bem como de alguns partidos desta Assembleia, nomeadamente do Partido Comunista Português, no sentido de impedirem que este Ministro pusesse em prática uma série de medidas que mais não visam do que destruir o Serviço Nacional de Saúde.
Esta luta que se vem travando tem conseguido restringir, em certa medida, a publicação de algumas leis, apesar de não lograr esconder o problema principal, que consiste na forma com o Ministro está a aplicar - por detrás de todos e sem legislação própria- a lei do Serviço Nacional de Saúde, esse sim, criticado por todos os sectores ligados à saúde em Portugal. Nem um único partido, excepto o PSD, concordou com o Serviço Nacional de Saúde que está a ser aplicado.
Mas, Sr. Deputado Eurico Figueiredo, o perigo não reside no facto de o PSD querer retirar da Constituição a expressão "tendencialmente gratuito".

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr Deputado.

O Orador: - Vou terminar de seguida, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, o grande perigo reside no facto de a referida expressão ter sido introduzida na Constituição porque a qualidade do que é "tendencialmente gratuito" tem permitido que, em termos de saúde, se faça em Portugal tudo o que se quer
Não se referiu V. Ex.ª ao problema principal da política deste Governo, ou seja, às privatizações dos serviços de saúde, e essa medida que o Governo visa pôr em prática pode, eventualmente, liquidar a totalidade do Serviço Nacional de Saúde.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Que futuro para a saúde em Portugal? Que futuro para os utentes? Que futuro para os funcionários, para os enfermeiros, para os médicos? Sobre essas matérias, ainda não ouvi o PS tomar uma posição crítica frontal.
Para terminar, gostava de colocar-lhe a seguinte questão: está ou não o Partido Socialista total e frontalmente contra as privatizações na saúde ou também pretende abrir mão desta questão, como, aliás, fez em relação a outros sectores da vida nacional?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Eurico Figueiredo, a certa altura, na sua intervenção, o Sr. Deputado protestou contra aquilo que a propaganda oficial diria a respeito da política de saúde e que seria mais ou menos o seguinte' "o Ministro quer pôr os ricos a pagarem a saúde dos pobres e o PS não deixa".
Não proteste nem se preocupe muito porque não é isso que consta! Consta, sim, que o Sr. Ministro da Saúde, ainda antes de desempenhar este cargo governativo, já tinha preparada e delineada uma reforma do financiamento do sistema de saúde, o que constitui uma questão central do problema da saúde em Portugal - certamente que, nisso, está de acordo comigo -, tendo sido justamente a direcção política do Governo, o Sr. Primeiro-Ministro, que não permitiu que essa reforma fosse avante.
Pergunto-lhe: no que diz respeito a este assunto, que crítica faz o Partido Socialista ao Governo? Critica o Governo por, a respeito deste problema central da saúde em Portugal, diagnosticar as questões e levantar os problemas sem, contudo, avançar qualquer solução, não tendo uma política, ou critica-o por estar a preparar uma reforma num determinado sentido, da qual guarda segredo e que "mete no bolso" para, eventualmente, depois das eleições, tomar uma atitude que agora considera arriscada do ponto de vista eleitoral?
A posição do CDS-PP é conhecida: não nos parece justo que o sistema de saúde tendencialmente gratuito seja universal e atacamos o problema por essa via para que o Estado possa cumprir a sua missão e cuidar eficazmente de quem necessita e não tem meios para o fazer.
Gostava, pois, de ouvir a sua opinião sobre esta questão.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Eurico Figueiredo.

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O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Queiró, começo por dizer-lhe que o Partido Socialista parte do pressuposto de que Portugal é o país mais pobre da União Europeia e em que mais se paga por cada acto médico privado. Ora, como não procuramos agravar esta injustiça profunda mas diminui-la, defendemos a existência do Serviço Nacional de Saúde e que o seu financiamento deve ser feito pelo Orçamento do Estado - esse é o nosso ponto de vista.
Porém, o que criticamos, fundamentalmente, a este Governo- e com isto respondo a várias perguntas que me fizeram - não é o facto de o Sr. Ministro da Saúde ter ideias, pois ideias têm todos os portugueses! O problema é que o Sr. Ministro da Saúde não fundamenta as suas ideias; não as torna claras e um Ministro não é apenas um animador da opinião pública mas um homem que faz propostas fundamentadas e, perante propostas fundamentadas, o PS dá respostas fundamentadas. Não respondemos a desafios completamente atabalhoados e, até este momento, tanto do anterior como do actual Ministro, as propostas de modificação do financiamento do Serviço Nacional de Saúde eram atabalhoadas. Que tenham ideias claras, que façam propostas claras que, depois, também daremos respostas claras!
Diz o Sr. Deputado Fernando Andrade que existe regionalização no País ao nível do Serviço Nacional de Saúde mas ainda ninguém encontrou provas dessa regionalização! Ouvi falar de desconcentração, que parece existir, e não é por andar a passear pelo país fora, quando outras responsabilidades, como a defesa, me obrigaram ontem a deslocar-me a Lisboa, que vou dizer que existe regionalização no país. Existe alguma desconcentração e em poucas regiões! Em meu entender, excluindo Vila Real e Bragança, deve haver uma possibilidade de contacto muito mais directo entre as populações e as administrações regionais de saúde.
O Sr. Deputado acusou-me de estar mal informado mas é o Sr. Deputado que o está porque, sobre as carreiras médicas, tenho a dizer-lhe que li as cartas enviadas pelos sindicatos e pela Ordem dos Médicos ao Sr. Ministro e que conheço a resposta que obtiveram - o cesto dos papeis! Quando o Sr. Ministro pega num projecto de carreiras médicas e, perante as respostas que lhe foram dadas pelos sindicatos e pela Ordem dos Médicos, diz que finalizou esse projecto e o manda para o cesto dos papéis, é óbvio que se entendem!
Esta proposta é profundamente gravosa para as próprias carreiras médicas, porque os médicos escolhidos por concurso público ficavam, durante quatro anos, de "quarentena" e só se a opinião do director de serviços, nomeado pelos gestores existentes neste país, que conhecemos, fosse favorável, ficavam no serviço. Sete anos de curso, cinco de especialidade, dois de...

O Sr. Fernando Andrade (PSD): - Não era assim!

O Orador: - Sr. Deputado, está escrito e eu sei ler, não sou analfabeto!
Por outro lado, é espantoso que venha dizer que o que se passou em Évora podia passar-se em qualquer sítio quando o tal responsável pelos serviços públicos e privados foi punido! O que significa um médico ser responsabilizado neste país? Nada! São palavras de um Deputado desta Assembleia da República...
Diz o Sr. Deputado que as listas de espera não põem em causa a vida das pessoas mas não é isso que os directores dos serviços de cancerologia deste país vêm dizer para os jornais. Por exemplo, por falta de funcionalidade e de possibilidades, as salas de operações funcionam a 30 % e não é preciso visitar todo o país para sabermos que, de tarde, os serviços operatórios estão praticamente parados.

Protestos do PSD.

Penso que já respondi às questões colocadas pelo Sr. Deputado Luís Peixoto mas quero dizer-lhe que fui muito claro ao afirmar que introduzir a privatização da gestão dos serviços hospitalares em Portugal significa, pura e simplesmente, constatar que os comissários políticos nomeados por este Governo para os serviços hospitalares entraram em colapso e em descrédito. É evidente que, perante o colapso e o descrédito, encontram-se outras soluções e essas não são as preconizadas pelo Partido Socialista!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs, Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 16 horas e 50 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 76.º do Regimento da Assembleia da República, ouvida a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, o primeiro ponto fixado na agenda será preenchido pelas declarações do presidente da deputação parlamentar que se deslocou a Moçambique e dos representantes dos grupos parlamentares respectivos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Crespo.

O Sr. Vítor Crespo (PSD): - Sr Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República enviou uma delegação para observar o processo eleitoral em Moçambique, que tive a honra de chefiar em representação de V. Ex.ª, Sr. Presidente, composta pelos Deputados Luís Martins, Artur Penedos, Luís Peixoto, Maria Conceição Seixas e João Corregedor da Fonseca. Devo, desde já, pôr em destaque o facto de sermos a única delegação parlamentar de um só país presente naquele acto eleitoral.
O convite emanou da Assembleia da República de Moçambique e, como era próprio, fomos credenciados pela Comissão Nacional de Eleições, pelo que dispúnhamos de todas as prerrogativas dos demais observadores internacionais.
A delegação observou, em variadíssimas mesas de voto da cidade e província de Maputo, todas as fases do acto eleitoral. Fomos oficialmente recebidos pelo Embaixador de Portugal em Maputo, Manuel Lopes da Costa, pelo Presidente da Assembleia da República de Moçambique, Marcelino dos Santos, e pelos Presidentes da República, Joaquim Chissano, e da RENAMO, Afonso Dlhakama, acompanhados pelo Embaixador de Portugal.
A delegação teve ainda encontros oficiais com o representante especial do Secretário-Geral das Nações Unidas em Moçambique, com o Ministro dos Negócios Estrangeiros, com o Presidente da Comissão Nacional de Eleições, com o representante da União Europeia em Maputo, com o Presidente do Conselho Executivo da Câmara Municipal de Maputo, com Mário Rafaeli, da Comunidade de Santo Egídio e uma audiência com o Cardeal de Maputo, D. Alexandre dos Santos.
Só nos foi possível um encontro com dirigentes dos pequenos partidos, designadamente com o Presidente da

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MONAMO e, de acordo com a formação profissional dos membros da delegação do Parlamento português, fizeram-se contactos informais com sectores da vida moçambicana nos campos da justiça, da saúde, da educação e das actividades económicas e culturais.
Para a concretização deste programa, contámos com o auxílio da Embaixada de Portugal e do Deputado da Assembleia da República de Moçambique, Engenheiro João dos Santos Ferreira. Todos os contactos oficiais foram canalizados através da Embaixada portuguesa.
Sinto o dever de assinalar a preciosa ajuda que recebemos e agradecer, perante os Srs. Deputados, o cuidado evidenciado pela Embaixada de Portugal e pela Assembleia da República de Moçambique para que pudéssemos cumprir, da melhor forma, a nossa missão de observadores e nos inteirássemos, na medida do possível e no escasso tempo de que dispúnhamos, das realidades do Moçambique de hoje.
O que acaba de ser dito deixa antever o empenho e o elevado sentido de responsabilidade e isenção da delegação nesta sua missão a Moçambique.
No que toca ao acto eleitoral, a nossa posição unânime é de que não detectámos irregularidades. Tendo em conta o que apreciámos e as trocas de impressões que tivemos com as mais variadas pessoas nas assembleias de voto, não encontrámos razão para crer que tivesse sido desrespeitada a vontade dos moçambicanos.
Isto foi o que observámos, durante a nossa estadia, e transmitimos à Comissão Nacional de Eleições no relatório que apresentámos, no dia do nosso regresso.
Foi claro e amplamente reconhecido o civismo da população e a sua vontade de participar num acto que considera vital para um futuro melhor, e uma preocupação de rigor dos responsáveis pelas mesas de voto, que é tanto mais de assinalar por se tratar de um processo intrinsecamente moroso onde era perceptível uma natural inexperiência e, pelo que julgamos saber, se tem prolongado na contagem e divulgação dos resultados oficiais.
Encontrámos em todos os locais de voto delegados de várias forças políticas e observadores internacionais. No primeiro dia de votação estavam mesmo presentes, nalgumas mesas, representantes da RENAMO.
Não ignoramos, e a comunicação social internacional reflectiu-o, ao ser exigente na verificação de anomalias, que existiram algumas vicissitudes não correntes em democracias consolidadas. Importa, porém, racionalizá-las no contexto moçambicano da disputa política e de acesso aos poderes e não esquecer que, nas declarações que ouvimos dos principais responsáveis, havia uma clara consciência do que estava em jogo e que, acima de tudo, importava o reconhecimento internacional e nacional de um processo correcto conducente a soluções desejáveis para o desenvolvimento, em paz, de Moçambique.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Moçambique, devastado por longos anos de guerra, com uma enorme percentagem da sua população deslocada e com a maioria das infra-estruturas destruídas, é hoje um dos países mais pobres do mundo.
As tarefas de reconstrução e desenvolvimento que o esperam nos anos mais próximos são de uma dimensão monumental. Isso mesmo nos foi dito em todas as audiências.
Moçambique não pode curar as suas debilidades sem a cooperação da comunidade internacional. E, nesse aspecto, Portugal tem uma responsabilidade e potencialidades ímpares: pela História comum, por falarmos a mesma língua - aspecto sublinhado por todos os nossos interlocutores -, por melhor conhecermos as gentes e o terreno.
No respeito dos interesses e obrigações de dois Estados soberanos temos o dever de responder a solicitações ao nosso alcance e para as quais tenhamos uma particular vocação. Citarei, entre muitos, apenas dois exemplos
O primeiro é o de disponibilizarmos a nossa experiência de passagem de uma Câmara de partido único para um Parlamento multipartidário, expondo o nosso caminho, nas suas virtudes, nos seus erros e nas suas hesitações, por vezes até de coisas comezinhas, de simples logística, que não deixam de se revelar importantes.
Dispomos já de um acervo documental significativo na língua comum que, completada por contactos pessoais- e já estão abertas muitas vias-, podem facilitar a organização e práticas parlamentares que os moçambicanos desejarem.
O segundo exemplo é o de cooperar na formação de recursos humanos.
Vêm à cabeça o ensino e a difusão da língua portuguesa, elemento vital da unidade nacional e da afirmação da identidade da Nação moçambicana no contexto regional. Mas não só: no ensino e na formação profissional, nos sistemas de saúde e judicial, não esquecendo outros aspectos de semelhante teor.
O tempo disponível impede-me, porém, de tecer considerações mais exaustivas sobre estas questões. Resta acrescentar que aqueles exemplos vieram a lume em muitos dos nossos encontros, com interesse e relevância.
Sr Presidente, Srs. Deputados- Não abusarei mais do tempo que nos foi concedido para apresentar este relatório sucinto.
Quis a delegação transmitir à Assembleia da República, em primeira mão, o seu testemunho do que observou na sua deslocação a Moçambique. Procurei ainda trazer, mesmo que em simples pincelada, para a linha das nossas preocupações a disponibilidade de cada um para participar, por actos ou movendo influências, sem barreiras nem preconceitos, numa cooperação, mutuamente desejada, com os países ou comunidades que se exprimem em língua portuguesa e, em particular, com Moçambique.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr Deputado Vítor Crespo, Presidente da Delegação Parlamentar que se deslocou a Moçambique.
Seguidamente, vou dar a palavra aos Deputados que integraram essa delegação parlamentar para o que dispõem de três minutos no máximo
Assim, em primeiro lugar, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao integrar a delegação parlamentar da Assembleia da República que acompanhou as eleições em Moçambique, tive oportunidade de assistir a uma emotiva expressão de vontade popular onde o sacrificado povo moçambicano deu ao mundo uma verdadeira lição de civismo, de patriotismo e de educação, participando em massa, com disciplina e com fervor naquele acto eleitoral.
Sem querer agora discutir circunstâncias diversas impostas a Moçambique, ao seu paciente povo, tenho de salientar que as eleições decorreram, na minha opinião, de forma pacífica e participada, e que foram justas, livres e democráticas. Não há motivo para considerar o contrário. Não assisti, em nenhum momento, a qualquer incidente se não aos motivados pela pressa dos votantes em chegarem rapidamente às mesas eleitorais.

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Foi emocionante, Srs. Deputados, poder observar como a população aderiu ao processo eleitoral apesar de, em tantos e tantos casos, a deslocação dos eleitores se efectuar em condições bem difíceis, se não dramáticas.
Indiferentes a especulações de jornalistas de salão, indiferentes a pressões insuportáveis e injustificadas, às ameaças que chegaram a pairar sobre aquela importante manifestação cívica, os moçambicanos demonstraram que pretendem a paz, que desejam um futuro mais promissor, a que têm todo o direito; que não querem mais tiros, mais assassinatos, que não querem a continuada violação dos mais elementares Direitos do Homem, enfim, que não querem mais destruições.
A paz é uma exigência legítima em Moçambique e nada justifica o retorno a um passado recente aterrorizador.
É um povo sofredor que soube, com esforço próprio e sob a direcção da Frelimo, assumir a sua independência. É um povo soberano; não quer mais sobressaltos; aspira à construção de uma sociedade de justiça social; exige"- e tem esse direito! - o respeito da comunidade internacional e não se podem tolerar mais interferências estrangeiras, injustas, incorrectas e desnecessárias.
À delegação parlamentar portuguesa nada foi imposto e não foram colocados quaisquer entraves à sua livre Circulação Tudo se pôde livremente observar. Os encontros de alto nível político que tivemos, nomeadamente com o Presidente da República, possibilitaram uma apreciação, embora rápida, dos grandes e graves problemas sociais que urge solucionar, como os relacionados com a alimentação, com a saúde, com a habitação e transportes e com a educação e ensino, sector onde se registam cerca de 90 % de analfabetos. É um país para reconstruir, devastado por uma guerra sem sentido.
A partir das eleições, a comunidade internacional tem de desempenhar um papel mais positivo e desinteressado; deve apoiar o desenvolvimento de Moçambique, mas sabendo respeitar a sua independência e soberania, a sua Constituição, as suas leis.
Por isso, vemos com preocupação que organismos internacionais que visam o controlo de nações em dificuldade pretendam impor receitas financeiras, económicas e sociais que, se em países muito mais desenvolvidos têm dado maus resultados, não facilitarão, por certo, a vida 'a Moçambique e ao seu povo.
Neste contexto é de esperar que Portugal saiba também encarar de forma mais adequada e positiva a sua cooperação com a República de Moçambique, que é desejada, como pudemos constatar.
Só nos resta, neste momento, Sr. Presidente e Srs. Der pulados, desejar a Moçambique, ao seu povo, um futuro que decorra finalmente em paz, que possibilite o seu livre exercício de cidadania, o aprofundamento da sua democracia na defesa do "ideal de liberdade, de unidade, de justiça e de progresso", como se afirma na sua própria Constituição.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria da Conceição Seixas.

A Sr.ª Maria da Conceição Seixas (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, uma palavra de apreço à pessoa dos Srs. Deputados Vítor Crespo, Luís Martins, Artur Penedos, Luís Peixoto e João Corregedor da Fonseca pelo elevado sentido de equipa que tão bem, e desde as primeiras horas, souberam imprimir na delegação, desprezando as costumeiras questiúnculas partidárias em atenção e no esforço de alcançarmos juntos os objectivos da importante missão que nos unia e uniu, entre os dias 25 de Outubro e 2 de Novembro, por terras de África.
Esta delegação parlamentar levava consigo na bagagem mais do que a soma de seis observadores credenciados e reconhecidos pela CNE (Comissão Nacional de Eleições). Verdadeiramente, a delegação parlamentar continha em si o papel privilegiado de, garantindo maior objectividade ao processo eleitoral, poder ser ela própria fazedora de paz. E, com alguma imodéstia, atrevo-me a dizer que tal aconteceu, isto é, que esta delegação, com a sua actividade, carreou, com outras entidades e organizações, uma pedra significativa para a edificação do processo de paz em Moçambique.
Norteada, suportada e no estrito cumprimento do estatuto de observadores internacionais, aprovado pela CNE em 15 de Abril de 1994, esta delegação levou a cabo várias actividades que já aqui foram pormenorizadamente divulgadas. Assim é que, para além da observação do processo de votação stricto sensu, reportada aos dias 27, 28 e 29 de Outubro, esta delegação beneficiou dos contactos que manteve, designadamente, com o Sr. Embaixador de Portugal, com o representante especial do Secretário-Geral das Nações Unidas, com o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, com o Sr. Presidente da República, com o Sr. Presidente da Renamo, com o Sr. Presidente da Renamo, com o Sr. Presidente da CNE e com o representante da União Europeia em Maputo, para além do Cardeal de Maputo.
No que concerne ao processo de votação e nas deslocações que tive oportunidade de fazer na área de Maputo, assisti a algo verdadeiramente espantoso: assisti à participação maciça dos moçambicanos, determinada, ordenada e firme; assisti a um comportamento cívico revelador do anseio de paz, comum a ambas as partes, revelador de uma opção clara pelo confronto político em desfavor da violência, revelador, finalmente, da derrota da guerra. A este propósito subscrevo, assim, as afirmações que já têm sido feitas por outros observadores que apelidam este processo eleitoral de "processo de sucesso" e chamam agora a Moçambique um "laboratório de paz".
Esta delegação verificou - e eu própria confirmo - que não foram detectadas irregularidades, conclusão que, aliás, a delegação manifestou em relatório oficial.
Esperemos que neste "laboratório de paz" que parece ser Moçambique vão colher experiências pacificadoras os países que delas mais carecem, designadamente os países africanos. Faço votos para que Moçambique prossiga agora actuando conforme as regras da democracia e vencendo os desafios imensos que tem pela frente. Mas também faço votos para que o façamos todos nós, de forma actuante e não meramente expectante, que o façamos cooperando com aquele país, não só no seu interesse mas também no nosso próprio interesse.

Aplausos do CDS-PP, do PSD, do PS e do Deputado do PCP Luís Peixoto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Peixoto.

O Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Não vou relatar aqui exaustivamente todos os contactos que fizemos, uma vez que isso já foi feito. De qualquer forma, gostaria de deixar uma palavra para transmitir o que se sentia no dia das eleições.

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Apesar de algumas tentativas de evitá-lo, nomeadamente por parte de alguma comunicação social mais irresponsável, sentia-se um clima de festa. O povo moçambicano, sem divisões de qualquer espécie, unido apenas na vontade e na esperança da paz, foi em festa que foi às umas. Só isso justifica os atropelos que se sentiram no primeiro dia- a inexperiência a isso conduziu-, mas que depois, com o andar do tempo, foram acalmando. E, realmente, todos nós, que compúnhamos a delegação, constatámos que a eleição decorria com alegria.
A esperança na paz surge neste povo porque luta há muitos anos. Trata-se de um povo que necessita de paz para encontrar o seu caminho. Foram muitos anos de resistência contra o colonialismo; foram muitos anos de luta pela independência e, depois de a conseguirem, foram muitos anos na organização de um país, em muitos casos "despejado" de possibilidade produtivar foram anos de luta contra forças, muitas delas estrangeiras e reaccionárias.
Moçambique tem um povo que sofreu; é um povo que tem tanta vontade de paz e tanta esperança na paz que dá o exemplo ao mundo ao negar e pôr em segundo plano alguns dos seus princípios, inclusivamente culturais. Foram estes os sinais que nos foram dados e foi-nos garantido - e à delegação que se deslocou a Moçambique parece verídico - que não tornará a haver guerra em Moçambique. A atestar esta minha afirmação está a própria forma como se processou o acto eleitoral, o qual, sem dúvida nenhuma, foi livre, justo e democrático. Tal facto só deve conduzir-nos a concluir que os resultados, que ainda irão ser publicados, são os resultados que, com justiça, revelam a vontade do povo de Moçambique. Esta justiça dos resultados cria as condições para que Moçambique seja um país de África que dê o exemplo a tantos outros em situações infelizmente conhecidas.
O exemplo que nos dá Moçambique é exactamente o de que, desde que o povo queira e a comunidade internacional se empenhe, sem hipocrisia e de verdade, é possível a paz em África e é possível o progresso.

Aplausos do PCP e da Deputada do CDS-PP Maria da Conceição Seixas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Artur Penedos.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Da observação às primeiras eleições gerais multipartidárias da República de Moçambique, a delegação que representou esta Assembleia produziu um relatório para a Comissão Nacional de Eleições, afirmando tratar-se de um processo que prefigurava eleições justas e livres.
Sabemos da importância e responsabilidade que uma tal afirmação encerra; sabemos as dificuldades a que uma observação localizada e circunscrita a uma parcela do território pode conduzir; sabemos ainda que eleições do tipo da que observamos são passíveis de erros processuais não detectáveis numa observação necessariamente limitada, mas compreendemos e temos bem presentes as dificuldades e limitações que se colocam a um país que tem vivido permanentemente em guerra e que - como dizia o Presidente da Renamo, na conversa que estabeleceu connosco - se trata do nascimento de uma "criança".
Importa, pois, dar relevo ao comportamento cívico e empenhado do povo moçambicano, que, estamos certos, terá dado passos determinantes para a reconstrução do seu país, para a manutenção da paz e para a indispensável e urgente reconciliação nacional.
As dramáticas carências que enfrenta o povo moçambicano, só minimizadas pelo significativo apoio da comunidade internacional, carecem de soluções urgentes.
Portugal, em função da sua História passada e recente e da forma de ser e estar do seu povo, encontra-se em situação privilegiada para estabelecer os melhores laços de cooperação com Moçambique e de, por essa via, contribuir, de forma decisiva, para a resolução dos anseios e necessidades do povo mais pobre do mundo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os moçambicanos, pelo que nos foi dado observar, depositam grandes esperanças na paz e esperam ansiosamente a resolução dos dramas sociais que vivem.
A comunidade internacional alimenta também grande esperança nos intérpretes políticos do Moçambique livre e democrático e confia numa resposta clara e objectiva às exigências que se colocam a um país devastado pela guerra.
O Partido Socialista deposita, também, grande esperança no povo moçambicano e acredita no futuro daquele país.
Construir a paz e eliminar as injustiças e a miséria social são tarefas que desejamos ardentemente que os intérpretes da política moçambicana saibam abraçar no futuro.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Martins.

O Sr. Luís Martins (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tive a honra de integrar a delegação parlamentar que, presidida pelo Sr. Deputado Vítor Crespo, se deslocou a Moçambique.
Os Srs. Deputados que integraram a delegação, sem excepções, tiveram um comportamento que muito honra a Assembleia da República. Além do mais, foi a única delegação parlamentar que, nessa qualidade, para lá dos milhares de observadores internacionais presentes, tinha liberdade completa para se deslocar às assembleias de voto, bem como para desenvolver os contactos que entendesse necessários.
Em nossa opinião, a delegação parlamentar portuguesa honrou o Parlamento português e Portugal pela sua isenção; isenção essa que deve ser seguida por todos e em todas as circunstâncias.
Daquilo que nos foi dado observar, discordamos da menorização que se faz de um acto eleitoral como aquele, pelo facto de ele ocorrer em África. Aliás, o que encontrámos assemelha-se, um pouco, ao que aconteceu em 25 de Abril de 1975, aquando das eleições em Portugal: um povo sedento e com vontade de votar, que o fazia pela primeira vez e em que a generalidade das pessoas nunca tinha ouvido falar em partidos políticos.
Verificou-se, repito, uma situação parecida com a que se viveu, em Portugal, nas eleições de 25 de Abril de 1975, mas com um valor acrescido: a certeza que se via no rosto dos moçambicanos da necessidade de conquistar a paz e de a assegurar.
O civismo e a participação estiveram sempre patentes nos contactos que estabelecemos. As visitas às assembleias de voto permitiram-nos constatar a não existência de irregularidades nesses locais e a recepção das populações, quer nas assembleias de voto quer em todos os mercados de Maputo que tivemos oportunidade de vistar, fez-nos tirar a conclusão de que os moçambicanos desejam um contacto cada vez maior com Portugal e com os portugueses.
No contacto que mantivemos com as entidades oficiais, congratulámo-nos com a referência que foi feita a Portugal,

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em virtude do apoio dado ao acto eleitoral e à paz, bem como em matéria de reconstrução. Todos afirmaram, também, a defesa da língua portuguesa em Moçambique,
Sr. Presidente e Srs. Deputados, permitam-me fazer aqui uma referência pessoal, de um português que, há 24 anos, abandonou Moçambique, depois de lá ter vivido um período de guerra.
Revisitar Moçambique, passados 24 anos, e ter contactos com antigos combatentes da Frelimo que lutaram no mesmo momento e em determinados locais, em lado Oposto ao meu, conversar com eles sobre a experiência e a forma como esses contactos foram feitos - que não é mais do que, em síntese, a condenação do regime derrubado em 25 de Abril -, também me permitiu constatar a sugestão, feita por alguns, no sentido de se fazer o reencontro entre os antigos combatentes portugueses e os da Frelimo, aproximando as sociedade civis portuguesa e moçambicana.
É para nós gratificante constatar, ao fim de 24 anos, que os laços de amizade entre estes dois povos, que durante 500 anos tiveram uma cultura e uma História comuns, não se quebraram devido a um período de guerra que nos foi imposta por um regime iníquo, derrubado em 25 de Abril de 1974.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como dizia o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, a comunidade internacional não pode ficar só pelo apoio ao acto eleitoral e, depois de este terminado, virar as costas. E necessário que da comunidade internacional e de Portugal venha um apoio concreto à reconstrução de Moçambique e ao povo moçambicano.
O Partido Social-Democrata faz aqui um apelo à comunidade internacional para que seja dado apoio à reconstrução de Moçambique, visando a consolidação da paz, da democracia e da liberdade.

Aplausos do PSD e do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, resta-me, em nome da Assembleia da República, agradecer ao Sr. Presidente desta representação parlamentar e aos seus membros o facto de se terem deslocado a Moçambique para participar, de algum modo, no acto supremo de civismo do povo de Moçambique que foi o de dizer, por forma democrática, o que queria para seu destino.
Por fim, formulo o voto, a par do agradecimento que dirijo a todos vós e às importantes palavras aqui proferidas, de que a paz reine em Moçambique e que os portugueses saibam responder, empenhadamente, a todas as solicitações que o povo de Moçambique lhes dirija, em proveito desse povo e dos seus interesses nacionais. Muito obrigado.

Aplausos gerais.

Terminado este assunto, Srs. Deputados, vamos passar ao ponto seguinte: apreciação do Relatório e Conta da Assembleia da República respeitantes à gerência de 1993 e o 1.º Orçamento Suplementar da Assembleia da República respeitante a 1994.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernandes Marques, Presidente do Conselho de Administração.

O Sr. Fernandes Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta sessão plenária da Assembleia da República estão em análise os seguintes documentos: o Relatório e a Conta da Assembleia da República respeitantes ao exercício de 1993 e o 1.º Orçamento Suplementar para 1994. Estes são, objectivamente, dois documentos complementares e, por isso, se justifica a sua apreciação conjunta.
De acordo com a legislação em vigor, a conta respeitante a 1993 foi submetida a parecer do Tribunal de Contas nos prazos legais e, sobre a mesma, o referido tribunal formulou, genericamente, um juízo positivo. Algumas pequenas anomalias - passo a expressão - que poderão ter sido detectadas têm vindo, anualmente, a ser corrigidas; isto mesmo é reconhecido pelo próprio Tribunal de Contas.
Mas, em termos globais, como disse, o Tribunal de Contas emitiu um juízo positivo sobre a Conta da Assembleia da República relativamente a 1993.
E, no que respeita a esta conta, as receitas totais previstas no orçamento ordinário foram de 9,170 milhões de contos, sendo certo que esta verba global envolve a totalidade das rubricas que permitem o funcionamento de todos aqueles órgãos exteriores à Assembleia da República ,que têm os seus respectivos orçamentos integrados no orçamento da Assembleia da República, bem como uma rubrica, de cerca de 1,2 milhões, que se destina, de acordo com a lei, ao financiamento dos partidos políticos segundo os resultados eleitorais.
Mas, dizia, nesta verba global de 9,160 milhões, respeitante a 1993, houve um aumento de cerca de 4,9 % relativamente a 1992, ou seja, sendo que a inflação prevista para o ano passado se cifrava entre 5 a 7 %, significa este valor global que o orçamento da Assembleia da República leve, em 1993, um crescimento negativo: cresceu menos do que a inflação previsível e menos do que a inflação que, efectivamente, se verificou.
Deve referir-se ainda que esta variação total de 4,9 % resultou da previsão de aumentos de 1,4%,- somente - para as despesas correntes e de 39,4 % para as despesas de capital, o que se consubstancia, claramente, numa redução objectiva das despesas correntes.
Posto isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, podemos concluir que, na elaboração do orçamento da Assembleia da República para 1993 e, também, na respectiva execução orçamental, presidiram ao documento orçamento e à execução orçamental critérios de rigor consubstanciados, essencialmente, na contenção das despesas correntes.
Este facto permitiu uma efectiva redução de gastos, garantindo ao mesmo tempo uma aposta no investimento efectuado em infra-estruturas indispensáveis não só no Palácio de S. Bento como no novo edifício da Av. D. Carlos. Aliás, creio que começa a ser patente que, já na sequência de iniciativas tomadas na anterior legislatura, pelo anterior Conselho de Administrador e, também, pelo anterior Presidente da Assembleia da República- iniciativas essas que têm vindo a ter continuidade -, as condições de trabalho, não só dos Srs. Deputados como, também, dos funcionários parlamentares e dos colaboradores dos grupos parlamentares, têm vindo, gradualmente, a melhorar.
Pensamos que, no final desta legislatura, uma série de outras necessidades, em termos de condições de trabalho, estarão concretizadas e, portanto, que a situação estará bastante melhor do que estava no início desta legislatura.
Relativamente ao orçamento suplementar para 1994, queria, desde já, alertar para o seguinte: este orçamento não envolve qualquer aumento de encargos a suportar pelo Orçamento do Estado. Destina-se, fundamentalmente, a proceder à integração, no Orçamento da Assembleia da República para 1994, do saldo de gerência da própria Assembleia e respeitante a 1993, bem como do saldo de gerência da Provedoria de Justiça, cujo orçamento, como se sabe, está integrado no orçamento global da Assembleia da República.
A afectação da receita resultante do saldo de gerência de 1993 vai permitir, fundamentalmente, reforçar algumas ru-

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bricas que, no início, estavam insuficientemente dotadas, nomeadamente as respeitantes a publicações da Assembleia da República - é patente o aumento do número de edições que a Assembleia da República tem feito; material de informática e outros investimentos (investimentos físicos no Palácio de S. Bento que estão já em curso e que, naturalmente, têm de ter a respectiva dotação financeira).
Por outro lado, também comporta dotações para suporte de encargos com, nomeadamente, as comemorações do 20.º Aniversário do 25 de Abril - a Assembleia da República contribuiu com cerca de 20000 contos para as realizações que comemoraram este aniversário; o projecto de reconstrução dos edifícios da Praça de S. Bento, que vai, provavelmente, começar no decurso do próximo ano, mas é natural e necessário que, previamente, exista um contrato para a elaboração do respectivo projecto; a construção do parque de estacionamento subterrâneo, na Praça de S. Bento, que resultou de um protocolo celebrado entre a Assembleia da República e a própria Câmara Municipal de Lisboa, obra esta que, certamente, também terá início no decurso do próximo ano.
Este orçamento suplementar contempla ainda uma amortização voluntária, no montante de 660 000 contos, relativamente ao empréstimo concedido pela Caixa Geral de Depósitos para a aquisição do edifício da Av. D. Carlos.
Esta amortização voluntária significa que o encargo com esta rubrica no orçamento do próximo ano será diminuído em cerca de 200 000 contos.
Por fim, houve que criar uma rubrica nova para garantir o início de funcionamento de mais um órgão exterior à Assembleia da República- a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos -, cujo orçamento, de acordo com a lei, se integrará no orçamento global da Assembleia da República.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O relatório e a conta de gerência respeitantes ao exercício de 1993 assim como o orçamento suplementar de 1994 foram elaborados nos prazos adequados, mercê da dedicação de todos os funcionários parlamentares que colaboraram na sua execução.
Permita-me assim, Sr. Presidente, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da Assembleia da República, que a todos dirija uma saudação de reconhecimento e de reconhecimento também pela qualidade do trabalho que têm vindo a desenvolver.
Por último, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não posso deixar de, neste momento e publicamente, agradecer a todos os membros do Conselho de Administração o contributo que, ao longo de todo este tempo, têm propiciado à Assembleia da República.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr Deputado José Lello.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Da análise da Conta da Assembleia da República relativa ao exercício económico de 1993, poderá constatar-se terem-se atingido níveis de execução orçamental substancialmente satisfatórios, da ordem dos 94,14%, entre o executado e o inicialmente orçamentado. Tal permitiu, ao mesmo tempo, adequada compatibilização entre uma redução substantiva nos gastos e o prosseguimento de uma política gradual de investimento em termos de infra-estruturas e equipamento.
Por outro lado, conclui-se também como o orçamento para 1993 foi estabelecido dentro dos padrões de rigor e de contenção que têm vindo a balizar a política orçamental da Assembleia da República.
Assim, no orçamento inicial já se previa uma variação na despesa de apenas 4,9 % em relação à de 1992, para uma previsão de valores de inflação substancialmente superiores.
Ora, pela análise comparativa dos orçamentos rectificados de 1992 e 1993, chega-se, igualmente, à conclusão de que, como expressão de tal espírito de concisão, exigência e austeridade, se registou uma redução global nos gastos orçamentados da ordem de 1,282 milhão de contos.
Do mesmo modo, os "Encargos parlamentares" sofreram um decréscimo acentuado, com a rubrica "Deputados" a diminuir em 10,8 %, ou seja, em 310 400 contos, ao mesmo tempo que a relativa a "Serviços da Assembleia da República" se estreitaria em cerca de 300 000 contos.
Por outro lado, na decorrência da modernização e alargamento das instalações parlamentares em curso, a dotação para "Edifícios" seria significativamente reforçada.
Enfim, a conta em apreciação consubstancia exemplarmente, do nosso ponto de vista, a aplicação prática dos critérios de rigor, eficácia e contenção estabelecidos pelo Conselho de Administração da Assembleia da República, em ordem ao estabelecimento de uma melhor e mais disciplinada utilização dos fundos públicos.
Quanto ao orçamento suplementar, igualmente em apreciação, ele justifica-se pela necessidade de integração no orçamento da Assembleia da República para 1994 do saldo proveniente quer do saldo de gerência transitado, quer de receitas extraordinárias ou, ainda, de verbas resultantes da aplicação de capitais disponíveis, uma estratégia que se insere na atenta política de gestão financeira entretanto empreendida.
A despesa prevista focaliza-se, maioritariamente, em dotações para investimentos na modernização e melhoria das condições de trabalho no Parlamento.
Previstas estão, igualmente, a antecipação da amortização do empréstimo para a aquisição do edifício da Av. D. Carlos I ou o reforço de dotações para a construção do novo parque de estacionamento, entre outras rubricas abrangidas, como a de "Material informático", aumentada em 133000 contos, a do projecto de construção do bloco de gabinetes para Deputados, aditada em mais 70 000 contos, e a da conservação e reparação de instalações, ampliada até 236 908 contos.
Entretanto, damos o nosso acolhimento favorável a uma proposta de alteração, subscrita globalmente em sede de Comissão de Economia, Finanças e Plano, visando a atribuição da dotação prevista na Lei n.º 72/93, de 30 de Novembro, relativa às eleições autárquicas de 12 de Dezembro de 1993. O teor desta proposta consagra, aliás, as teses que já defendêramos, oportunamente, no seio do Conselho de Administração.
Tendo em conta o acerto de tais disposições, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista dará a sua aprovação aos diplomas em apreço.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Maia.

O Sr. José Manuel Maia (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Conta da Assembleia da República respeitante à gerência do ano de 1993 e aprovada pelo Conselho de Administração, juntamente com o parecer do Tribunal de Contas, foi publicada, nos termos legais, no Diário

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da Assembleia da República, dando-se, assim, público conhecimento do sistema financeiro do Parlamento e do resultado das suas operações, bem como da apreciação feita pelo tribunal competente.
Saliente-se o juízo positivo formulado pelo Tribunal de Contas nas verificações realizadas, sem deixar de observar algumas deficiências e explicitar recomendações na perspectiva da melhoria do sistema, as quais, certamente, serão consideradas.
De notar que tem vindo a ser feito um esforço colectivo, com o objectivo de uma gestão cada vez mais rigorosa no cumprimento e no respeito da legalidade.
Pela nossa parte, Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, continuaremos empenhados em contribuir para o cumprimento das leis, por forma a que os gastos sejam os estritamente necessários ao claro funcionamento e modernização do Parlamento, no pressuposto, sempre possível, de que o orçamento e a Conta reflictam, ainda melhor, o sistema financeiro da Assembleia da República, nomeadamente pelo reforço do controlo das despesas.
Neste contexto, o Grupo Parlamentar do PCP votará favoravelmente a Conta da Assembleia da República relativa ao ano de 1993.
Quanto ao orçamento suplementar, importa salientar que o projecto, hoje, aqui presente, para apreciação pelo Plenário, assim como a proposta de alteração subscrita 'por todos os grupos parlamentares não perspectivam qualquer aumento global da despesa inicialmente orçamentada.
Quanto às motivações para a elaboração do presente orçamento suplementar e da proposta já referida, elas decorrem, no fundamental, do seguinte: no que se refere à receita, da necessidade de integração no orçamento do saldo das gerências de 1993 da Assembleia da República e da Provedoria de Justiça; no que se refere às despesas, da integração, nos termos legais, de encargos transitados de anos anteriores, nomeadamente nas rubricas "Publicações", "Material de Informática" e "Outros investimentos", contemplando também a amortização voluntária do empréstimo contraído junto da Caixa Geral de Depósitos para aquisição do edifício da Av. D. Carlos I e dotações para suporte de encargos, designadamente para construção de um parque de estacionamento na Praça de S. Bento assim como para órgãos que funcionam junto da Assembleia da República, como a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, a Provedoria de Justiça e a Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados. No âmbito da proposta, é prevista ainda a dotação necessária para o cumprimento da Lei n.º 72/93, de 30 de Novembro.
Ainda quanto à despesa, queremos deixar claro o nosso entendimento relativamente à verba inscrita para O projecto de construção de gabinetes no edifício da Praça de S. Bento: a dotação perspectivada só terá concretização após decisão do processo pendente no Conselho de Administração e necessitando, quanto a nós, de uma apreciação cuidada, como é obrigação e tem sido norma deste órgão de administração da Assembleia da República.
Neste preciso quadro, o Grupo Parlamentar do PCP conclui que o orçamento suplementar actualiza, de forma equilibrada, o orçamento da Assembleia da República para 1994 e, assim, manifesta-se favorável ao projecto e à proposta em apreço.

Aplausos do PCP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, quero agradecer as palavras do Presidente do Conselho de Administração, Sr. Deputado Fernandes Marques, que se dirigiu a nós como seus colegas e pares, no trabalho que desenvolvemos durante estes anos.
Também lhe é devida uma palavra de louvor, porque foi com grande independência, isenção e rigor e com verdadeiro sentido de que a Assembleia da República deve ser o primeiro órgão de soberania a dar o exemplo a outros órgãos de soberania no cumprimento dos seus deveres financeiros, que desenvolveu a sua missão pedagógica e zeladora dos interesses desta Casa. E tem posto tanto cuidado nessa missão que, muitas vezes, quando vemos os outros a fazerem despesas e a pedirem-nos autorizações para dispenderem o que não damos a nós próprios, ficamos a pensar se não estará a prejudicar-nos.
Também a V. Ex.ª, Sr. Presidente, devo uma palavra de agradecimento, como vogal do Conselho de Administração, pela independência que nos concede, pela forma como trata este órgão, com total independência, diria eu, porque jamais sobrepôs os seus juízos - o que, muitas vezes, lhe é consentido, por lei - para ultrapassar o que quer que seja que o Conselho de Administração pretenda fazer. Isso também cria em nós maior responsabilidade e maior sentido de zelo pelos interesses financeiros da Assembleia da República.
A conta que apresentámos, como já foi aqui dito, repetidas vezes, teve um parecer positivo do Tribunal de Contas, o que mostra que somos bons gestores e bons administradores dos dinheiros que nos são confiados. Continuaremos a fazer o possível para que esse juízo positivo do Tribunal de Contas se verifique em todos os nossos mandatos.
Efectivamente, uma das preocupações que temos é a do equilíbrio, não fazendo algumas despesas que nos são pedidas, embora isso acarrete, muitas vezes, má vontade ou incompreensão. Muitas vezes temos recusado pedidos de despesas, sabendo que isso nos traz má vontade e talvez até alguma censura, no sentido de que temos zelo a mais, mas temos sabido proceder assim. Muitas vezes recusámos despesas que julgámos desnecessárias, embora todas as pessoas à nossa volta e até a própria comunicação social entendessem que aquelas despesas deveriam ser, por nós, autorizadas.
Porém, não estamos arrependidos de não as termos autorizado e hoje, ao apresentarmos o balanço das contas, estamos satisfeitos, uma vez que, realmente, salvámos aquilo que pudemos salvar e apresentámos um saldo que nos honra e pode ser exemplar para todos os que têm funções idênticas ou semelhantes em outros órgãos de soberania.
Quanto ao orçamento suplementar da Assembleia da República, também tivemos a mesma preocupação de rigor, isto é, ao fazer a proposta de que sejam pagas determinadas despesas, cortámos naquelas que nos pareceram poder equilibrar as que sugerimos.
Por isso mesmo, estamos em boa consciência e em boa consciência apresentamos a conta e o orçamento suplementar da Assembleia da República.
Posso prometer, em nome do meu partido e em nome do Conselho de Administração, onde como se referiu, tomamos as decisões solidariamente e quase sempre por consenso, que continuaremos a cumprir a missão de exemplaridade com que temos sabido gerir os dinheiros da Assembleia da República.

Aplausos do CDS-PP, do PSD e do PS.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que declaro encerrado o debate sobre o Relatório e a Conta da Assembleia da República respeitantes ao exercício de 1993 e o 1.º Orçamento Suplementar da Assembleia da República para 1994.
Antes, porém, congratulo-me com os membros do Conselho de Administração, Sr. Presidente e Srs. Vogais, e saúdo a qualidade, o rigor, a atenção e a competência que têm sabido imprimir no seu trabalho.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A Mesa da Assembleia da República e, em particular, o seu Presidente sentem-se honrados por terem, na Assembleia, um órgão com colaboradores desta natureza nas tarefas administrativas da Casa.
Por outro lado, no seguimento das palavras do Presidente do Conselho de Administração, também gostaria de juntar a minha voz à sua e à de todos os outros Srs. Deputados - e vários foram os que a isso se referiram - para cumprimentar os funcionários que tão zelosamente colaboram nos trabalhos do Conselho de Administração e nesta área da administração financeira da Casa.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A todos, o nosso aplauso e agradecimento.

Aplausos gerais.

Passamos à apreciação da proposta de lei n.º 109/VI - Alteração à Lei n.º 75/93, de 20 de Dezembro (Orçamento do Estado para 1994).
Para uma primeira intervenção, na qualidade de relator do parecer da Comissão de Economia, Finanças e Plano relativo a esta proposta de lei, tem a palavra, por cinco ou 10 minutos, os quais não são descontados na distribuição geral de tempos, o Sr. Deputado Guido Rodrigues.

O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Fui incumbido de elaborar o relatório sobre a proposta de lei n.º 109/VI - Alteração à Lei n.º 75/93, de 20 de Dezembro (Orçamento do Estado para 1994).
A Comissão de Economia, Finanças e Plano reuniu, em 2 de Novembro, com o Sr. Ministro das Finanças e com os Srs. Secretários de Estado do Orçamento e dos Assuntos Fiscais, que prestaram à Comissão os esclarecimentos considerados necessários.
Evidentemente, no decurso dessa discussão, que ainda teve algum seguimento hoje de manhã, pois houve matérias que só foram tratadas hoje, os diversos partidos políticos exprimiram as suas posições, havendo um contraditório significativo. Aliás, quero saudar a equipa das Finanças, na medida em que esta discussão na Comissão de Economia, Finanças e Plano foi uma discussão extraordinariamente aberta, pragmática e gratificante para todos nós.
O relatório aprovado na Comissão de Economia, Finanças e Plano teve os votos favoráveis do PSD e os votos contra do Partido Socialista e do Partido Comunista Português, não se encontrando presente, o que muito lamento, o CDS-PP, por intermédio do meu amigo Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Mas estive na primeira parte!

O Orador: - Esteve na primeira parte, na reunião do dia 2 de Novembro, mas, na verdade, hoje não esteve presente.
O entendimento do relator sobre esta matéria é o seguinte: o défice do Orçamento do Estado para 1994 é reduzido de 25 milhões de contos, devido, fundamentalmente, a um acréscimo da eficiência da administração fiscal e a uma significativa contenção de despesas.
Alguns dos números que refiro aqui, no relatório, são suportados por quadros que lhe estão anexos e que, embora não estejam explicitados na alteração orçamental, constam do relatório geral relativo ao Orçamento do Estado. E a conjugação destes dois textos permite ir um pouco mais longe nesta área - julgo que os quadros são o suporte de alguns números indicados.
A receita fiscal será superior ao valor orçamentado em cerca de 85 milhões de contos, aos quais acrescem 30 milhões de contos, resultantes de mais-valias obtidas numa operação swap de transformação de dívida pública a taxa fixa em taxa variável. Esta operação foi objecto de muita discussão na Comissão de Economia, Finanças e Plano e certamente será objecto das intervenções que se seguirão.
A cobrança das receitas fiscais ultrapassará a orçamentada em cerca de 85 milhões de contos, devidos fundamentalmente à cobrança do IVA - mais 76 milhões de contos do que a previsão efectuada - e do IA (Imposto Automóvel) - mais 9 milhões de contos do que o previsto. A melhoria significativa destas receitas é atribuível à maior eficiência dos serviços de administração fiscal, bem como ao nível mais positivo de funcionamento da actividade económica. E quero registar - registo-o, aliás, no relatório - que a informação prestada pelo Sr. Ministério das Finanças relativa à colaboração dos serviços de administração fiscal com a Polícia Judiciária, no âmbito de um combate acrescido à evasão e à fraude fiscais, permitiu já instruir e remeter a tribunal grande número de processos de fraude e de acções fiscais. Quanto a mim, este é um ponto importante a salientar não só no relatório como, posteriormente, noutras intervenções sobre esta matéria.
No que se refere às despesas, verifica-se um reforço do orçamento do Ministério da Educação no montante de 23,6 milhões de contos, destinado principalmente ao pagamento do descongelamento dos escalões do pessoal docente e, ainda, um reforço das transferências do Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF) para as autarquias locais no montante de 5,1 milhões de contos, devido à revisão da previsão orçamental da cobrança do IVA de 945 para 1021 milhões de contos.
Esta matéria do FEF foi, também, objecto de larga discussão na Comissão de Economia, não tanto no que refere ao Orçamento rectificativo para 1994 mas mais no que toca à discussão do Orçamento do Estado para 1995 - e certamente que esta matéria será também abordada nas intervenções que se seguem.
Este reforço de 28,7 milhões de contos é compensado por várias poupanças, uma das quais de 22,6 milhões de contos nas verbas congeladas na cláusula de reserva de convergência, e pela anulação outras verbas, nomeadamente uma de 6,1 milhões de contos.
Não há ultrapassagem no tecto das despesas sem juros do Estado, tal como é definido no Programa de Convergência- e este é também um ponto que o relator considera significativo -, evidentemente não considerando esforços excepcionais do Estado para a segurança social, porque, na realidade, o Programa de Convergência não os inclui expressamente.

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As despesas excepcionais referem-se à contribuição de Portuga] para a União Europeia, que foi acrescida de 42 milhões de contos, por virtude da revisão das contas nacionais e da reavaliação do produto interno bruto (PIB) em mais de 15 %. O aumento da despesa orçamental será, no entanto, de apenas 20 milhões de contos, pois foi possível, através da dotação provisional, reforçar as referidas transferências em 22 milhões de contos.
Verifica-se, ainda, um reforço excepcional de 70 milhões de contos para a segurança social, resultante da não concretização da receita prevista pela cessão de créditos - os tais 40 milhões de contos que também foram objecto de várias discussões na Comissão - e pelos programas ocupacionais - 28 milhões de contos.
No artigo 2.º da proposta de lei estabelece-se uma norma destinada a permitir a regularização contabilística da um empréstimo contraído nos Estados Unidos e destinado à aquisição de equipamento militar, nos termos da Lei da Programação Militar. É duvidoso que houvesse necessidade de incluir este artigo na alteração orçamental, mas,, de qualquer forma, foi considerado pelo Governo que se tratava de uma medida prudencial.
No artigo 3.º da proposta de lei é proposta a regularização das contas dos cofres consulares, as quais foram extintas no ano em curso. Face a esta extinção, todas as despesas e receitas passam a estar orçamentadas e integradas no Orçamento do Estado.
E, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, em termos gerais, é esta a apresentação que o relator faz do relatório da alteração orçamental, referindo ainda que o PS juntou a este relatório uma declaração de voto, que, certamente, traduzirá a posição deste partido relativamente ao mesmo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, a declaração de voto do PS referida pelo Sr. Deputado Guido Rodrigues é uma declaração sobre o relatório, pelo que julgo dever ser expressa nesta fase, visto que, depois, entraremos num debate que não é propriamente sobre o relatório. Gostaria, pois, de saber a opinião da Mesa sobre esta questão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, costumo dar a palavra apenas ao relator. É isso que está no Regimento e a nossa prática habitual tem sido não abrir controvérsia sobre o relatório.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, admito que essa tem sido a prática corrente, no entanto lamento que o relator apenas tenha referido que houve uma declaração de voto, sem sequer a ter sintetizado

O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Ferro Rodrigues, suponho que o Sr. Deputado Guido Rodrigues pediu a palavra para poder completar a sua referência à declaração de voto do PS.

O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Exactamente, Sr. Presidente.
Em primeiro lugar, quero dizer que a declaração de voto do PS foi efectivamente lida, muito rapidamente, por volta das 13 horas e 40 minutos, na Comissão de Economia, Finanças e Plano e, posteriormente, foi entregue o respectivo manuscrito, que não tive ocasião de ler, pelo que não poderia ter-lhe feito menção.
Por outro lado, verifico que, mesmo que tentasse ler o manuscrito, teria bastante dificuldade em compreender o que aí é referido, dada a forma como a declaração está escrita

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Ferro Rodrigues, peco-lhe o obséquio de ler a declaração de voto.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, a declaração de voto do PS diz o seguinte: "O PS votou contra o relatório referente à proposta de lei n.º 109/VI porque rejeita algumas das suas conclusões e não aceita omissões fundamentais. Na verdade, não é suficientemente sublinhado o motivo básico da própria proposta de lei: a ultrapassagem pelo Governo dos limites à despesa definidos pelo Orçamento do Estado para 1994; não se salientam no relatório as justificadas dúvidas sobre a operação swap de transformação de dívida pública a taxa fixa em taxa variável; não se salienta o facto objectivo de o défice corrente do Estado ser superior ao previsto no Orçamento do Estado; consideram-se como esforços excepcionais do Estado para a segurança social reforços que deveriam ser previsíveis, como os que resultaram da não concretização da receita prevista pela cessão de créditos.
É um relatório apologético e politicamente desequilibrado que só pode contar com a nossa oposição.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente, neste momento, apenas posso pedir-lhe autorização para, de uma forma muito breve, afirmar que não estive presente na fase de votação da reunião realizada pelo Sr. Ministro das Finanças com a Comissão de Economia, Finanças e Plano, mas apenas na fase inicial. De qualquer forma, ouvindo atentamente o relatório do meu colega, Sr. Deputado Guido Rodrigues, devo dizer que votaria contra, porque o Sr. Deputado descreve os factos, mas interpreta-os de uma forma que não considero correcta.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - E não percebeu!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr Presidente, já que não fiz uma declaração de voto por escrito relativamente a

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este relatório, pois não sabia que havia possibilidade de lê-la neste Plenário, fá-la-ia agora oralmente. Serei muito sucinto e direi apenas que votámos contra este relatório porque entendemos que é impensável que ele possa ter sido aprovado. Para além de serem aí feitas afirmações, estas nem sequer são sustentadas pelo próprio relatório do Governo relativo à alteração orçamental.
Este relatório apresenta afirmações que são, em grande parte, contraditórias com o Orçamento apresentado pelo Governo, designadamente sobre a chamada dimensão do défice e sobre a amnistia de infracções fiscais. É um relatório que não devia sequer ter sido apresentado ao Plenário da Assembleia da República se houvesse um mínimo de credibilidade, de rigor e de seriedade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, uma vez que o meu nome vem referido no relatório que acompanha a votação desta manhã, devo dizer que participei em parte nos trabalhos parlamentares da Comissão de Economia, Finanças e Plano, mas que tive de me ausentar para outra Comissão, não tendo tido oportunidade de votar. No entanto, como é evidente, votaria contra o relatório.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças (Eduardo Catroga): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No âmbito das competências em matéria orçamental da Assembleia da República, o Governo vem solicitar alteração à Lei do Orçamento do Estado para 1994.
A execução orçamental para o corrente ano revela, por um lado, o esforço permanente de melhoria da eficiência da Administração Fiscal e, por outro, o rigor na contenção das despesas, traduzido no cumprimento do limite global fixado para a despesa no âmbito do programa de convergência.
Em resultado desta política, o défice reduziu-se em 25 milhões de contos, relativamente ao Orçamento do Estado para 1994.
Na parte relativa às receitas fiscais, face aos resultados das cobranças efectuadas até Setembro, a receita do Imposto sobre o Valor Acrescentado deve atingir 1 021 milhões de contos - mais 76 milhões de contos do que a previsão efectuada- e a receita do imposto automóvel deve ser excedida em 9 milhões de contos.

O Sr. Rei Carp (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A variação total nos outros impostos deverá ser praticamente nula, já que os aumentos de receitas serão compensados pela previsível quebra no imposto de selo.
O acréscimo das receitas de capital resultou do encaixe de cerca de 30 milhões de contos provenientes da realização de uma operação, de um swap de taxas de juro relativamente a duas emissões de empréstimos externos da República Portuguesa. Tivemos oportunidade de explicar detalhadamente, em termos técnicos, à Comissão de Economia, Finanças e Plano esta operação de swap e tivemos oportunidade de entregar uma nota técnica feita pela Direcção-Geral da Contabilidade Pública quanto à contabilização deste encaixe.
Na parte respeitante às despesas, reforçam-se as transferências do Fundo de Equilíbrio Financeiro para as autarquias locais em 5,1 milhões de contos, devido à revisão da previsão orçamental da receita do IVA.
Devo salientar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que esta medida é inédita no financiamento das autarquias locais desde a aprovação da actual Lei das Finanças Locais. O Governo justifica-a por imperativos de transparência e de reforço da capacidade de intervenção dos municípios.
Recorde-se, a propósito, que, no ano de 1993, houve uma idêntica variação, mais significativa ainda, embora de sentido contrário - uma variação negativa -, sem que daí tenham resultado quaisquer correcções do Fundo de Equilíbrio Financeiro para as autarquias locais, tendo-se registado, então, na prática, uma absorção financeira desse desvio no défice global, que não se repercutiu desfavoravelmente no orçamento e nas finanças das autarquias.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Rei Carp (PSD): - Fez bem em recordar!

O Orador: - O orçamento do Ministério da Educação é reforçado em 23,6 milhões de contos, verba que se destina ao pagamento do descongelamento dos escalões do pessoal docente.
Globalmente, o facto de tudo isto se conseguir sem aumento da despesa resulta da poupança conseguida pela anulação de 22,6 milhões de contos nas verbas congeladas ao abrigo do artigo 4.º da Lei do Orçamento do Estado para 1994 e pela anulação de 6,1 milhões de contos em outras despesas.
Ainda em matéria de despesas, a contribuição de Portugal para a União Europeia foi acrescida de 42 milhões de contos, na sequência da revisão das contas nacionais, que se traduzem na reavaliação do PIB em mais cerca de 15 %.
Finalmente, o reforço excepcional de 70 milhões de contos para a segurança social provém, fundamentalmente, da não concretização da receita prevista na cessão de créditos, no montante de 40 milhões de contos, e da não concretização de programas ocupacionais, na importância de 28 milhões de contos.
Propõem-se, ainda, nos artigos 2.º e 3.º, duas medidas complementares: no artigo 2.º trata-se de uma norma destinada a permitir a regularização contabilística de um empréstimo contraído em 1993, junto do Defence Security Assistance Agency, destinado à aquisição de equipamento militar, nos termos da Lei da Programação Militar (Lei n.º 66/93, de 31 de Agosto). Este empréstimo foi contratado, no âmbito da preparação dessa lei, em Abril daquele ano, dadas a sua importância e a urgência de que se revestia para o País. A Lei da Programação Militar veio a conceder a respectiva autorização no seu artigo 4.º. Porém, como só veio a ser publicada em 31 de Agosto, podem suscitar-se algumas dúvidas sobre a interpretação literal daquele artigo e a sua aplicação ao empréstimo em causa. Daí a conveniência em que a Assembleia da República proceda à sua interpretação autêntica, no sentido de que há ratificação do empréstimo contraído, ordenando a sua regularização contabilística.
No artigo 3.º propõe-se a regularização das contas consulares - já tinha sido prevista uma norma semelhante nas leis do Orçamento do Estado para os anos de 1992 e de 1993- e a sua pertinência é justificada pelo facto de te-

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rem entrado em vigor as novas leis orgânicas do Ministério dos Negócios Estrangeiros, não tendo sido possível dos serviços externos desse ministério a oportuna remessa das suas contas às entidades competentes para a sua certificação e julgamento.
Por outro lado, a partir da data da entrada em vigor daquelas leis orgânicas (28 de Fevereiro de 1994), todas as receitas e despesas dos serviços externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros passaram a ser integradas no próprio Orçamento do Estado, pelo que, de futuro, não voltará, a suscitar-se qualquer problema relativamente a estas contas.

O Sr. Rui Carp (PSD):- Muito bem!

O Orador: - Deve anotar-se que, não obstante a norma deste artigo 3.º, a Direcção-Geral da Contabilidade Publica poderá realizar a respectiva auditoria.
Quanto à regularização contabilística, ela é considerada fundamental para resolver, em definitivo, um problema das "Despesas a liquidar", cujo processo de regularização se arrastava há décadas. Srs. Deputados, sabem que ainda estava por liquidar uma verba dispendida pelo Almirante Gago Coutinho?...
O Governo dá, assim, mais um passo no sentido da transparência das contas públicas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é de mais salientar que, com esta alteração, o Governo se propõe diminuir o défice orçamental, o que exprime a sua permanente preocupação em ter uma gestão orçamental rigorosa. Portanto, esta política de redução do défice tem expressão nestas alterações ao Orçamento do Estado para 1994, como vão ter expressão na proposta do Orçamento do Estado para 1995.
Queria salientar, perante a Assembleia da República, que esta maior eficiência na cobrança dos impostas tem duas causas fundamentais, a primeira das quais é a recuperação da actividade económica no ano de 1994, relativamente ao ano de 1993.
Sempre dissemos, desde o início das nossas intervenções sobre política económica, em Janeiro último, que a recuperação da economia ia ser lenta e difícil; que ela ia acontecer progressivamente, sobretudo no segundo semestre de 1994, e que iria intensificar-se em 1995, em linha com a recuperação da economia internacional e da economia europeia.
Pois bem, é isso que está a acontecer progressivamente.
Portanto, temos aqui um primeiro facto, que explica este desvio positivo na cobrança das receitas: uma melhoria da actividade económica em 1994, comparativamente com a situação de 1993.
Mas não podia deixar também de chamar a atenção dos Srs. Deputados para o esforço realizado com vista à melhoria da eficiência da administração fiscal, com o reforço das acções na luta contra a evasão e a fraude fiscais. Esta sempre foi uma preocupação do Governo.
Recordo que, quando chegámos ao Ministério das Finanças, os analistas e muitos responsáveis políticos referiram que um dos factores de análise do sucesso ou do insucesso da equipa do Ministério das Finanças seria a inversão da tendência negativa que se verificou na receita fiscal em 1993.
Nós sempre salientámos que em 1993 a situação foi excepcional e que ela foi fruto, por um lado, da queda da actividade económica e, por outro, de uma evasão fiscal acrescida, ligada não só à abolição das fronteiras fiscais, a partir de Janeiro de 1993, mas também a determinados problemas surgidos na máquina da administração fiscal. Portanto, no ano de 1994 reforçaram-se as acções, tendo em vista um sucesso cada vez maior na luta contra a evasão e a fraude fiscais.
Na área da justiça fiscal, devo salientar a importância do decreto-lei de Novembro de 1993, que reforça o quadro sancionatório no que respeita às retenções abusivas por parte dos contribuintes, dos sujeitos passivos, do F/A e do IRS.
Como se recordam, até Dezembro de 1993, estas retenções abusivas do IVA e do IRS era qualificadas como abuso de confiança fiscal. Simplesmente, em tribunal, os sujeitos passivos poderiam invocar motivos inadiáveis e outras situações susceptíveis de levarem os juizes a considerarem esses argumentos justificativos da não entrega do dinheiro destes impostos nos cofres do Estado.
Pois bem, o decreto-lei de Novembro de 1993 representou uma grande alteração qualitativa e levou os tribunais, a partir de Janeiro de 1994, a considerarem essas situações como um crime, independentemente das suas causas. Isto é aquilo a que os juristas chamam o "crime-resultado", independentemente dos motivos que levaram ao crime.
Portanto, esta alteração, qualitativamente importante na luta contra a evasão e a fraude fiscais, aconteceu no final de 1993 e entrou em vigor em Janeiro de 1994.
Foi tendo presente este novo quadro punitivo e sancionatório que o Governo aprovou um decreto-lei no sentido da flexibilização das situações de dívidas acumuladas ao fisco e à segurança social, a título excepcional e transitório, até 31 de Dezembro de 199
3. Isto foi feito no sentido de, com o novo quadro punitivo, que criou uma situação fiscal completamente nova, permitir a regularização das situações do passado em relação às entidades ainda economicamente viáveis.
No domínio da fiscalização tributária, importa salientar a intensificação dos nossos esforços em 1994. Para além de um acompanhamento permanente de 25 000 contribuintes considerados estratégicos, foi possível intensificar os esforços de fiscalização e melhorar a metodologia da fiscalização no sentido do acompanhamento permanente dos sectores de risco, a par do desenvolvimento de acções para a melhoria da eficácia no âmbito da organização, da gestão e do domínio do sistema informático.
Temos a consciência de que esta é uma tarefa permanente, que não há milagres de curto prazo. No entanto, as melhorias já alcançadas permitiram a intensificação de acções na luta contra o evasão e a fraude fiscais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Neste âmbito, devo também salientar que o Ministério das Finanças - e o Governo, em particular - começou a ver, nos tribunais, os seus esforços terem repercussão a nível da análise dos indícios de crimes ligados com o caso das facturas falsas. O Ministério das Finanças, em articulação com a Polícia Judiciária, já mandou para tribunal centenas de casos, que aguardam julgamento, no âmbito do chamado "processo das facturas falsas". Alguns desses casos já foram julgados e, portanto, importa ao Ministério das Finanças, em articulação com a Polícia Judiciária, continuar os seus esforços no sentido da ultimação dos processos que ainda estão em curso. Mas as centenas de casos já enviados para tribunal permitem antever uma aceleração dos esforços dos tribunais no sentido da condenação dos crimes de facturas falsas. Portanto, importa salientar que o ano de 1994 representou o ano do julgamento dos primeiros casos das facturas falsas.
Assim, em consequência destas variáveis - recuperação da actividade económica, por um lado, maior eficiência contra a evasão e a fraude fiscais, por outro lado-, foi possível, sem prejuízo das alterações à despesa e, nome-

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adamente, para fazer face às transferências para a segurança social, garantindo, assim, o pagamento das pensões e das prestações sociais, que são uma prioridade da política económica e social do Governo, retomar, em 1994, o processo de consolidação orçamental.
Como sabem, de 1986 a 1992 o Governo fez importantes progressos na área da gestão das finanças públicas. Em 1986, o défice público, para além de alguns défices ocultos, era superior a 10% do PIB. Chegámos a 1992 com 3,3 %, o ano de 1993 representou uma interrupção neste processo de saneamento das finanças públicas e o de 1994 o reinicio de um processo de consolidação orçamental de uma forma gradual, progressiva, em linha com os compromissos de Portugal no âmbito da convergência.
Portanto, penso que se as alterações propostas pelo Governo ao Orçamento do Estado para 1994 são determinadas, essencialmente, pelo facto de haver ajustamentos à despesa, sem prejuízo do respeito pelo tecto nominal para a despesa pública, no âmbito da definição que o Governo a si próprio impôs e que consta do programa de convergência, é de saudar que estas alterações vão no bom sentido, que é o da retoma de uma trajectória saudável para as finanças públicas, que constitui um elemento permanente da política económica do Governo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Ferro Rodrigues, Nogueira de Brito, Manuel dos Santos, Octávio Teixeira e João Corregedor da Fonseca.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, em primeiro lugar, quero saudá-lo nesta sua primeira apresentação na Assembleia da República a propósito de um orçamento do Estado que, embora não seja seu, tem de ser tratado como tal. Espero que não seja o último mas, sim, o penúltimo!...
Sr. Ministro, a primeira questão que convém esclarecer é a de saber por que razão o Governo, na pessoa do Sr. Ministro, está aqui hoje. É porque precisa de uma autorização da Assembleia da República para exceder os limites das despesas- há uma ultrapassagem de cerca de 90 milhões de contos, como se pode verificar pelo Mapa II da proposta de alteração que nos é apresentada - que foram autorizadas pelo Orçamento do Estado para 1994.
Perante tudo o que foi dito há um ano atrás, é inegável que se trata de uma derrota política do Governo, visto que, há um ano, a auto-suficiência do então ministro e de todo o Governo foi radical. Foi-nos dito que, por exemplo, a dotação provisional iria chegar e sobrar.
Queria também manifestar-lhe a minha surpresa, e alguma decepção, perante o comportamento do Ministério das Finanças em geral, visto que há, de certa maneira, uma continuidade de métodos e de processos do passado, nomeadamente o não reconhecimento de factos objectivos e a utilização de mecanismos de engenharia contabilística, mais do que de engenharia financeira, para reduzir artificialmente os défices. Isto acontece, tal como iremos .ver daqui a 15 dias, com a proposta de lei do Orçamento do Estado para 1995 e acontece já nesta proposta de lei de alteração ao Orçamento do Estado para 1994.
Na verdade, há factos objectivos que não são reconhecidos: em primeiro lugar, a despesa corrente excedeu o previsto em cerca de 95,7 milhões de contos, segundo o próprio relatório- que nunca é citado, a não ser para as coisas menos negativas! - que acompanha o Orçamento do Estado de 1995; a poupança em despesas de investimento não me parece ser um bom sinal num ano em que o investimento "patinou", como se costuma dizer, na economia portuguesa, como aconteceu no ano em curso; o défice corrente do Orçamento de Estado vai ser superior ao previsto em cerca de 15 milhões de contos.
Por outro lado, há a utilização de mecanismos de engenharia financeira para reduzir artificialmente o défice: a operação de 30 milhões de contos, que, certamente, vai ser aqui muito falada hoje, configura uma receita de capital, talvez, mas que terá, muito possivelmente, contrapartidas futuras negativas em termos de encargos correntes.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Não seja pessimista!

O Orador: - Esta forma de evitar que o défice corrente tenha uma contrapartida no défice global é uma forma sui generis, que pode ser interessante do ponto de vista contabilístico mas que, em termos económicos e políticos, não significa rigorosamente nada.
Por outro lado ainda, a diminuição de 20 milhões de contos na regularização de dívidas previstas para 1994 foi a forma encontrada para evitar um aumento nas necessidades líquidas de financiamento.
Sr. Ministro das Finanças, julgo que era bom que assumisse o aumento da despesa, o aumento do défice corrente, a visível derrapagem, pequena mas significativa, do Orçamento do Estado para 1994. Aceito que a realidade não se compadece com o Orçamento do Estado para 1994 que o PSD aprovou aqui, sozinho. Verá que mais vale um superavit de humildade do que um défice de coerência!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro das Finanças, pretende responder já ou no final dos pedidos de esclarecimento?

O Sr. Ministro das Finanças: - Respondo no final, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, já tivemos ocasião de elaborar um bocado sobre esse equívoco... V. Ex.ª não está cá para dar cumprimento ao artigo 17.º da Lei de Enquadramento Orçamental, isto é, não está cá para nos falar, fundamentalmente, da receita! É que para cobrar mais receita do que a que está prevista, V. Ex.ª não precisava de vir à Assembleia, como sabe. Porém, só nos falou de receita! Falou-nos de cobrança, da melhoria da máquina da administração fiscal, da eficiência dos diplomas que aprovou, mas da despesa esqueceu-se de nos falar! Será realmente despiciendo falar de despesa no contexto deste Orçamento rectificativo? Sr. Ministro, não é despiciendo porque, desde logo, ele não é rectificativo! Ele é um orçamento confirmativo.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - Confirmativo de todas as críticas que, no ano passado, lhe fizemos quando aqui o discutimos e votámos. Nós, felizmente, votámos contra. E estou convencido de que o Sr. Ministro também acabaria por votar contra...

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Risos do PCP.

Já nos disse que teve de melhorar a máquina da administração fiscal, etc., etc... Também votaria contra!...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - No ano passado, ele faria isso, mas agora já não!

O Orador: - O que era importante, Sr. Ministro, era que nos falasse dos problemas importantes que estão subjacentes à derrapagem na receita... Aliás, não direi derrapagem mas excesso!
Quanto ao problema da segurança social, o Sr. Ministro só nos disse: "tivemos de incrementar as transferências para pagar as pensões aos pensionistas". É claro que iodos queremos que sejam pagas as pensões aos pensionistas! Mas seria bom que o Sr. Ministro nos dissesse por que é que a despesa foi excedida, isto é, que nos falasse do método péssimo, horrível que, no ano passado, foi utilizado para escamotear a deficiência do orçamento da segurança social, o défice do orçamento da segurança social! Ou seja, a velha questão da venda dos créditos, porque é essa questão, essa tentativa de escamotear um orçamento, que está aqui, hoje, em causa!
E também está hoje em causa uma outra realidade, Sr. Ministro: a da tentativa de transferir despesas do orçamento dos ministérios para essa gigantesca "Dotação provisional" que está a servir para tudo. É o tapete para baixo do qual se varrem os desastres e o lixo orçamental...

O Sr. Rui Carp (PSD): - Mas é para isso que serve!

O Orador: - Era bom que o Sr. Ministro nos explicasse por que é que isso acontece, assim como era bom que nos explicasse ainda outra coisa: mesmo no domínio das receitas de capital, por que é que as receitas das privatizações diminuíram em relação ao que estava previsto? Estes é que são os verdadeiros problemas, Sr. Ministro! O Sr. Ministro preferiu falar da maior eficiência da máquina de cobrança. Congratulamo-nos com isso e vamos fazer algumas observações sobre esse aspecto.
O Sr. Ministro não quis deixar de falar no problema da flexibilização, em especial na que foi adoptada em relação às cobranças das dívidas anteriores a 1994, e eu pergunto: que resultados é que tem dessa flexibilização? Tem bons resultados? Ou só tem as lamúrias com um toque de ingratidão dos principais destinatários, que são os clubes de futebol? Quais são os resultados? Isto é que nós gostaríamos de saber.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Rui Carp (PSD): - Não sabem porque não querem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, começaria por saudar V. Ex.ª porque tem revelado, em relação às questões políticas de alteração orçamental, uma postura realista e digna que, aliás, tem contrastado com aquilo que era o comportamento dos seus antecessores e também com o comportamento dos Deputados da bancada da maioria.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito obrigado!

O Orador: - Aliás, ficámos agora a saber algo que nenhum de nós sabia e foi o Sr. Prof. Costa Pinto quem nos disse: que a ciência das previsões não é uma ciência certa! Vejam lá que descoberta ele fez há pouco tempo!... Realmente, as alterações orçamentais são intervenções políticas e técnicas perfeitamente normais e normalizadas e não devem ser vistas com dramatismo nem, sobretudo, devem ser negadas mesmo perante as evidências. Portanto, a sua postura, nesse aspecto, corresponde, a meu ver, a uma alteração qualitativa que não quero deixar de saudar.
Contudo, temo que V. Ex.ª incorra nalguns dos erros que os seus antecessores aqui cometeram. Em primeiro lugar e como já foi dito, louvando-me, aliás, nas intervenções dos Srs. Deputados Ferro Rodrigues e Nogueira de Brito, V. Ex.ª falou-nos das receitas e muito pouco das despesas, quando, sobre as receitas, não precisava de falar rigorosamente nada. Tinha, sim, de falar sobre as despesas porque são estas que estão sob o controlo da Assembleia da República e são elas que nos interessam neste momento. E, sobretudo, V. Ex.ª esqueceu-se de tecer aqui considerações acerca da razão desta alteração, porque, se é verdade - como diz a pessoa que citei há pouco - que a ciência das previsões é uma ciência não certa, também é verdade que há alguns que têm vocação para falhar sistematicamente essas previsões.
A bancada socialista está, nesta matéria, relativamente à-vontade porque anunciou aqui, aquando da discussão da proposta de lei do Orçamento do Estado para 1994, que as despesas com a educação teriam de ser reforçadas; que os cálculos feitos para a segurança social estavam errados e que não era realista pensar que haveria um acréscimo de receitas pela assumpção de passivos da segurança social; que era preciso corrigir o Fundo de Equilíbrio Financeiro; que era preciso (e V. Ex.ª não trata isso em termos da alteração orçamental) dotar as verbas para o Ministério da Saúde com quantitativos suplementares para obviar àquela situação dramática- que se vira contra o próprio Estado, na medida em que encarece o preço dos bens e dos serviços- dos atrasos sistemáticos de pagamento das instituições do Serviço Nacional de Saúde aos fornecedores dos hospitais, etc.
Portanto, era um pouco nessa linha que eu procurava interrogar V. Ex.ª, dizendo-lhe também que, naturalmente, o Governo, em particular o actual Ministro das Finanças, não é responsável por ter uma factura suplementar a pagar. Segundo V. Ex.ª já disse uma vez, numa linguagem brejeira mas correcta e justa, a primeira factura que encontrou em cima da sua mesa de trabalho era de 42 milhões de contos para pagar de contribuições à União Europeia. Isso resultou da reavaliação do PIB, que foi feita- e bem! -, só que nem sempre essa reavaliação é separada quando o Sr. Ministro e o Governo fazem cálculos de relações com o PIB, deixando na opinião pública alguma confusão quanto a essa matéria.
A última questão que queria focar tem a ver com a famosa gíria financeira, como a qualificou, e bem, o meu colega Ferro Rodrigues, relativa ao empréstimo de swap. V. Ex.ª explicou, a meu ver, bem, do ponto de vista técnico, essa operação, mas eu gostaria de o estimular a dizer-nos aqui, em Plenário, aquilo que confessou na Comissão de Economia, Finanças e Plano. Isto é, que esta mais-valia, sendo, do ponto de vista técnico, aceitável a sua contabilização, na prática, não é mais do que uma contrapartida de um risco elevado que o Estado assume em relação ao futuro. Portanto, esta mais-valia de 30 milhões de contos, sendo uma verdadeira engenharia financeira para ocultar

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um agravamento do défice que existiria no caso de esta não ter sido feita, até pode aceitar-se, numa lógica de contabilização de caixa, que é a lógica predominante das finanças públicas, mas tem atrás de si um risco enorme, que é o de se transformar, no futuro, em acréscimos de despesas, portanto, em menos-valias efectivas.
Gostaria que V. Ex.ª confirmasse aqui o que disse na Comissão de Economia, Finanças e Plano e que, de algum modo, se insere nesta linha.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, a apresentação de uma alteração orçamental, já o referimos várias vezes, deve assumir-se como um acto parlamentar absolutamente normal. Não deve haver nenhum drama na apresentação de uma proposta de alteração orçamental porque não é possível fazer previsões a um ano de distância que, ao fim desse ano, dêem exactamente certas, pelo que depois há que discutir a natureza, a qualidade e a quantidade dessas alterações.
Não irei reportar-me agora às alterações que aparecem nesta proposta de lei, na medida em que faremos uma intervenção sobre o assunto neste debate, mas direi, desde já, que esta proposta de alteração ao Orçamento do Estado para 1994 apresenta uma novidade e era a essa novidade que gostaria de me referir e em relação à qual pretendo colocar-lhe uma questão. E a novidade é esta: é a primeira vez que o Governo ou um governo se apresenta nesta Assembleia trazendo como uma receita o resultado de uma operação, como já aqui foi apelidada, de engenharia financeira mas, mais do que isso, de engenharia financeira especulativa. Isto porque a operação que é feita é de natureza especulativa!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - De gestão racional!

O Orador: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, não se irrite tanto com a palavra especulativa! "Especulativa" pode até não ser ofensivo! Tenha calma, não se preocupe tanto com essa palavra! Porque é, de facto, uma operação de especulação financeira!
Mas, retomando o que estava a dizer, mal vai o Estado se começa a tentar tapar necessidades financeiras do seu orçamento entrando neste jogo que, como se tem visto pelo destino que têm levado os yuppies, quer em Portugal quer a nível internacional, conduz a um destino triste!...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Coitadinhos dos americanos!

O Orador:- A questão concreta que gostaria de lhe colocar é a seguinte: já, hoje, na reunião da Comissão de Economia, Finanças e Plano, e na sequência da que fizemos há uns dias atrás, embora me reporte à que fizemos hoje de manhã, o Sr. Ministro não nos conseguiu explicar quais foram as operações de swap que renderam esses tais 30 milhões de contos. Não conseguiu explicar quais foram essas operações, em que condições foram feitas, quais as taxas de juro, fixas e variáveis, qual o prazo, etc., etc.
Depois de já ter passado várias horas sobre a reunião que tivemos, gostaria de perguntar ao Sr. Ministro se, neste momento, já lhe foi dado conhecimento das operações concretas e se, passado tantas horas, pode dar essa informação ao Parlamento.

O Sr. Rei Carp (PSD): - Está aqui! Está aqui!

O Orador: - Sr. Deputado Rui Carp, o que eu gostaria de saber era quais foram as operações, qual o seu montante, quais foram as taxas, etc., etc., porque isso não foi dito.
Sr. Ministro, ponho-lhe esta questão porque o Governo tem a obrigação de, de acordo com o estipulado no Orçamento do Estado, informar a Assembleia da República destas operações. Até hoje, ainda não o fez, mas espero que, pelo menos, esta tarde já tenha tido conhecimento e já esteja esclarecido sobre essas operações para nos poder informar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, V. Ex.ª falou na retoma da economia e referiu-o com um certo optimismo, mas a verdade é que é um optimismo exagerado. Cada vez se nota mais desemprego, mais problemas de carácter social, há falências em número crescente- a situação não é brilhante!
Vou abordar agora uma questão, sobre a qual se tem falado muito e porque V. Ex.ª também a mencionou. Quando se referiu à luta contra a invasão da fraude fiscal tem o meu apoio - venha essa luta -, o mesmo acontecendo quanto à cobrança de dívidas acumuladas, em anos anteriores, ao fisco e à segurança social. A propósito, pretendo saber se são realmente cerca de 7000 as empresas que estão com problemas de dívidas acumuladas que atingem verbas que, segundo a imprensa tem publicado, atingem qualquer coisa como 1000 milhões de contos, portanto, verbas muitíssimo avultadas.
Há esse decreto, que V. Ex.ª fez publicar, que facilita o pagamento, há uma certa flexibilização, mas pergunto-lhe: dessas 7000 empresas quantas é que requereram essa forma de pagamento? Parece que foram apenas cerca de duas centenas, ou pouco mais, de pequenas e médias empresas e talvez algumas de outra dimensão.
Essa situação revela, talvez, uma certa permissividade de algumas empresas, mas revela também, com certeza, a situação grave que se vive em muitos sectores da nossa actividade económica.
Não vou falar no futebol, Sr. Ministro, porque realmente só se fala em futebol, a Imprensa dá um grande relevo ao futebol. É evidente que os "futeboleiros" também são obrigados a pagar e têm de pagar as suas dívidas, mas o problema é muitíssimo mais vasto e atinge milhares, como se vê, de pequenas e médias empresas no País.
Entretanto, têm saído anúncios na Imprensa, da autoria do Ministério das Finanças, a informar que o prazo limite é o que está fixado e não haverá prorrogação.
Pergunto-lhe se não deveria haver, talvez, uma maior flexibilização por parte do Governo no sentido de possibilitar o pagamento, mesmo com juros, por um prazo mais alargado, com um outro tipo de facilidades, de forma a que se possam salvar também muitas dessas empresas. Porque, caso contrário, Sr. Ministro, creio que vão criar-se novos problemas em muitos sectores.

(O Orador reviu).

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

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O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, vou começar por responder aos Srs. Deputados Ferro Rodrigues e Nogueira de Brito, dizendo que há pouco falei nas alterações propostas à despesa pública...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - En passant!..

O Orador: - ... porque é em consequência dessas alterações que o Governo vem, hoje, à Assembleia da República.
Mas é também importante salientar, para além dos ajustamentos à despesa, os ajustamentos do lado da receita e, sobretudo, a boa performance de cobrança e as acções em curso, visando o reforço da luta contra a evasão e a fraude fiscais. Penso que falei dos dois lados da moeda.
Ainda em relação à despesa, recordo ao Sr. Deputado Ferro Rodrigues que, a propósito das despesas correntes, não houve aumento das despesas da segurança social mas, isso sim, um desvio nas receitas, que determinou um aumento das transferências de 70 milhões de contos para a segurança social.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E se não fora o aumento excepcional das transferências para a Comunidade de 42 milhões de contos... E ainda bem que há uma aproximação mais real ao cálculo do PIB no período de 1989/92, o que significa que as estatísticas passam a espelhar, de uma forma mais, adequada, a realidade, e é natural que ainda haja outras correcções. Houve, então, essa correcção, não só em Portugal mas também noutros países, que determinou um aumento do PIB e, portanto, em consequência das regras das transferências dos fundos para a Comunidade houve um aumento da nossa contribuição para a União Europeia de 42, milhões de contos.
Aproveito para salientar que, muitas vezes, os partidos políticos da oposição esquecem que os fluxos financeiros com a Comunidade têm dois sentidos: Portugal recebeu fluxos positivos da Comunidade, portanto, contribuições no âmbito dos vários fundos estruturais, mas também tem contribuições para a Comunidade no âmbito das regras definidas em função do IVA, do PIB... Penso que, no relatório do Orçamento do Estado para 1995, o capítulo sobre os fluxos financeiros com a Comunidade é bastante elucidativo.
Mas, voltando à despesa corrente, se não fora esse aumento excepcional de 42 milhões de contos de transferências para a Comunidade e dos 70 milhões de contos de transferências para a segurança social, as despesas correntes ter-se-iam situado em menos 16 milhões de contos do que o valor orçamentado. Estes são os factos! É que, quando se analisa a despesa, há que analisar também os motivos dos desvios em relação à despesa. Portanto, isolando estas duas situações excepcionais, a despesa corrente teria evoluído menos 16 milhões de contos do que o valor orçamentado.
Mas mais importante do que isto são as despesas de funcionamento. As despesas com o pessoal, que representam 85 % das despesas com bens e serviços, aumentam apenas cerca de 2 %. Esta evolução é compatível com uma redução de efectivos da função pública, de acordo com o objectivo de racionalização da Administração Pública, e com o aumento médio de remunerações de 4,5 %. Isto é, o aumento médio das remunerações da função pública em 1994 foi da ordem, em termos de massa salarial, de 4,5 %.
Portanto, isto está de acordo com a filosofia da política orçamental do Governo. Sempre temos dito que o objectivo é um controlo estreito das despesas correntes, por forma a libertar recursos para as áreas estratégicas do investimento público, da educação, da saúde, etc.
Não participei, nem podia tê-lo feito, na discussão do Orçamento do Estado para 1994 mas recordo que, a propósito das despesas com a educação, o reforço que agora é concedido corresponde, no essencial, ao descongelamento de carreiras, aos encargos com a progressão automática dos professores. São esses encargos que justificam o desvio no orçamento da despesa do Ministério da Educação.
O Governo, no Orçamento do Estado para 1994, podia ter tomado uma de duas opções: considerar esses 20 milhões de contos logo no orçamento do Ministério da Educação - primeira opção -...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP)- - Era o que devia fazer!

O Orador: - ... ou - segunda opção e foi essa que considerou - incluir essa verba no âmbito da dotação provisional que está inscrita no Ministério das Finanças.
Esta segunda opção aparece justificada na medida em que, à época, era difícil ter uma previsão segura, portanto, era uma estimativa, apresentava ainda algo que era difícil estimar com segurança, o que é um pressuposto da inscrição na rubrica orçamental respectiva de cada um dos ministérios. No fundo, a verba estava prevista no âmbito da dotação provisional do Ministério das Finanças.
Agora, como, em função do aumento excepcional da contribuição para a União Europeia, que não estava prevista no Orçamento do Estado, houve uma utilização da dotação provisional nesse montante, em vez de aumentarmos a dotação provisional para reforçarmos o orçamento do Ministério da Educação, reforçamos directamente o orçamento do Ministério da Educação. Penso que, a propósito do comentário sobre as despesas com a educação, a situação está clara.
Vamos à famosa operação dos swaps, das emissões em dólares e em ECU's.
Já tive oportunidade de explicar tecnicamente esta operação, em que as receitas orçamentais, no âmbito das receitas de capital, aumentam 30 milhões de contos.
Para os Srs. Deputados menos familiarizados com o que é uma operação de swaps, recordo que, no artigo 68.º da Lei do Orçamento do Estado para 1994, os senhores autorizaram o seguinte: "O Governo tomará as medidas adequadas à eficiente gestão da dívida pública, ficando autorizado, através do Ministro das Finanças, que terá a faculdade de delegar, a adoptar as seguintes medidas. (...)". Entre essas medidas, a Assembleia da República autorizou o Ministro das Finanças "À renegociação das condições de empréstimos anteriores, incluindo a celebração de contratos de troca (swaps), do regime de taxa de juro, de divisa e de outras condições contratuais".
Portanto, no âmbito desta competência, delegada pela Assembleia da República ao Governo, através do Ministro das Finanças, o Ministro das Finanças delega no Secretário de Estado do Tesouro e no Director-Geral do Tesouro a gestão eficiente da dívida pública.
Não se trata, pois, de qualquer operação de especulação, embora o termo especulação possa ter um sentido nobre, trata-se apenas de o tesoureiro dos dinheiros do Estado, o responsável pela gestão da dívida pública, lançar todas as medidas que, na sua perspectiva, são eficientes.
Portanto, um swap é uma troca de fluxo de pagamento e, como sabem, pode haver swap de taxas de juro, de câmbios... Por isso, num swap de taxa de juro, o emitente

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transfere um fluxo de pagamentos a taxa fixa para taxa variável ou vice-versa.
Desta forma, duas emissões da República, uma de 1000 milhões de dólares e outra de 750 milhões de ECU's foram objecto de um swap de taxas de juro, de taxa fixa para taxa variável. A República estava obrigada a pagar os cupões a taxa fixa de 5.75 e de 6 %, respectivamente, e passou a pagar libor flat, mas já tive oportunidade de explicar isto aos Srs. Deputados na Comissão de Economia, Finanças e Plano.
Os swaps representaram um encaixe de 30 milhões de contos e daí esta minha pergunta: onde é que queriam que este encaixe fosse contabilizado? Esse encaixe deriva do timing das duas emissões acima referidas e da evolução subsequente dos mercados internacionais. Ambas as emissões tiveram lugar numa altura em que as taxas de longo prazo atingiram o ponto mais baixo e, a terem lugar actualmente, devido à subida generalizada das taxas de longo prazo, o seu custo seria muito superior. Portanto, 8,1 %, no caso da emissão em dólares, e 8,86 % no caso da emissão em ECU's. Os swaps de taxas de juro permitem internalizar os ganhos resultantes do facto de as duas emissões terem tido lugar no momento em que as taxas de longo prazo se encontram a um nível muito mais baixo do que actualmente. Trata-se, assim, de uma gestão eficiente da dívida pública.
A receita de 30 milhões de contos foi, efectivamente, uma entrada de caixa e não corresponde a qualquer alteração no valor global da dívida já que esta manteve o seu valor nominal, pelo que havia que registar a receita como um ganho, como uma mais-valia que, de acordo com os critérios da Contabilidade Pública, tanto quanto me dizem os técnicos, deve ser classificada como receita de capital.
Assim, trata-se de uma operação perfeitamente normal,...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Não é normal!

O Orador: - ... tão normal que até a Assembleia da República não teve dúvidas em autorizar a celebração de contratos de troca (swaps)- aliás, tal vem referido no artigo 68.º da Lei do Orçamento do Estado para 1994, que tem como epígrafe "Gestão da dívida pública". Evidentemente que qualquer gestor financeiro ficaria admirado se o Tesouro português não tivesse feito esta operação!... Devo dizer que o Director-Geral do Tesouro, cessante, foi elogiado na imprensa financeira internacional por esta operação, e outras, tendo até recebido o prémio Euromoney. Logo, não está em causa a grande eficiência da gestão dos financiamentos externos por parte do Tesouro português, pois ela é reconhecida a nível internacional.
Assim, Srs. Deputados, não vale confundir uma gestão eficiente da dívida pública com uma mera operação de especulação. Aliás, devo agradecer ao Sr. Deputado Nogueira de Brito o seu assentimento em relação a esta nossa perspectiva.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Espere pelas minhas observações!

O Orador: - Em relação à despesa corrente, importa analisar as razões do desvio, mas essas razões estão devidamente explicadas e não põem em causa, pelos montantes envolvidos, aquilo que o Governo sempre disse que era uma sua preocupação fundamental no domínio da política orçamental, ou seja, o controlo estreito das despesas correntes.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferrai de Abreu.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, chamo a sua atenção, uma vez que já ultrapassou o tempo de que dispõe.

O Orador: - Devo dizer que se, no Orçamento do Estado para 1994, o Governo tivesse aplicado a Lei das Finanças Locais, o FEF para 1994 tinha sido inferior ao FEF para 1993. O Governo, na altura, decidiu manter o valor do FEF para 1994 igual ao valor do FEF para 1993. Importa salientar politicamente isto porque, às vezes, procura transmitir-se a mensagem exactamente contrária.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E nos 5 anos anteriores?!

O Orador: - Assim, em função da maior eficiência da máquina fiscal, por um lado, e, também é justo dizê-lo, por outro, em função da eliminação daqueles factores anormalmente negativos que afectaram a receita do IVA em 1993, que não foi apenas um problema de eficiência, não foi apenas um problema de evasão fiscal mas pelo facto de ter havido uma alteração da base de liquidação e uma abolição das fronteiras fiscais que determinou problemas acrescidos em 1993 em todos os países, importa salientar, em termos de FEF, como, aliás referi na intervenção, que é inédito, no âmbito do período de vigência das finanças locais, o Governo vir a rever, no sentido da alta, a verba atribuída ao FEF em consequência de uma melhor performance na cobrança do IVA.
Deste modo, os Srs Deputados, que não querem que fale em performance do lado das receitas fiscais, esquecem-se que essa boa performance do lado das receitas fiscais permitiu justificar um aumento da despesa das contribuições para as autarquias locais. Importa salientar este facto.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Queira concluir, Sr. Ministro.

O Orador: - Concluí, Sr. Presidente. Aplausos do PSD.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra. Sr. Deputado.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, coloquei ao Sr. Ministro uma pergunta da máxima importância, mas ele não me respondeu. Refiro-me à questão de saber se ele reconhece ou não que este ganho de mais-valia se traduz, na prática, por um desconto sobre o futuro. O Sr. Ministro apenas indirectamente respondeu a isto, quando falou em 300 milhões de contos - e, pela primeira vez, anunciou aqui os valores de financiamentos que, fazendo contas rápidas, dão esse valor- que produziram um ganho de mais-valia de 30 milhões de contos, ou seja, 10 % manifestamente...

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado Manuel dos Santos, V. Ex.ª não está a fazer uma interpelação à Mesa.

O Orador: - Sr. Presidente, quero apenas situar a pergunta a que o Sr. Ministro não respondeu e pedir a V. Ex.ª a sua intervenção no sentido de que seja respondida.
Mas, concluindo o que estava a dizer, é manifesto que 10 pontos percentuais não se devem apenas ao exercício de 1994.

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Portanto, os 30 milhões de contos são, efectivamente, um desconto sobre o futuro e não estou a questionar a contabilização, a regra ou o formalismo mas, isso sim, a dizer que, do ponto de vista económico e político, esta receita não podia estar classificada como está, pois tinha que estar abaixo da linha e tinha, seguramente, que não contar para a diminuição do défice.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - A Mesa chama a atenção dos Srs. Deputados para não fazerem interpelações que, na realidade, não o são, até porque a Mesa não está em situação de responder ao Sr. Deputado Manuel dos Santos.
O Sr. Ministro ouviu esta pseudo-interpelação à Mesa e, como ainda tem tempo, certamente responderá a estas perguntas que ficaram no ar.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro das Finanças, Srs. Deputados: Não vou entrar, naturalmente, na discussão sobre se estamos perante um orçamento rectificativo ou um orçamento suplementar. Na nossa ordem jurídica a distinção não existe. Más na ordem jurídica comunitária, onde a distinção tem lugar, só há orçamento rectificativo quando não há aumento de despesas. E no caso desta alteração há, efectivamente, aumento de despesas. Para bom entendedor meia palavra basta!....
Vamos por partes.
Por um lado, há um aumento dos encargos no que toca ao Ministério da Educação, confirmando, aliás, aquilo que sempre dissemos quando discutimos o Orçamento do Estado para 1994 que foi estar a educação subavaliada relativamente aos seus encargos; há um reforço das transferências do Fundo de Equilíbrio Financeiro, só que a questão do FEF não pode deixar de ser analisada não num ano apenas mas no conjunto dos últimos anos para se ver, de facto, quais foram os prejuízos que as autarquias locais tiveram.
Por outro lado, há o acréscimo dos 42 milhões de Contos a que o Sr. Ministro já nos fez referência relativamente à contribuição de Portugal para a União Europeia e há o reforço excepcional dos 70 milhões de contos para a segurança social, que confirmam as nossas dúvidas, reparos e objecções levantadas há um ano quanto à gestão da segurança social.
Temos, portanto, um aumento de despesa pública, só em parte compensado com receitas adicionais obtidas durante o ano em curso, referentes a melhorias na cobrança dós impostos - 76 milhões no caso do IVA, 9 milhões no caso do imposto automóvel.
E aqui começam os mistérios - como já foi várias vezes dito e eu regresso ao tema- quando o Governo nos vem dizer que o défice aparece reduzido em 25 milhões de contos. A que correspondem estes 25 milhões de contos? Em parte significativa aos efeitos da operação de swap, justamente a operação dos 30 milhões, operação que não está e continua, Sr. Ministro, por esclarecer. Não se sabe exactamente se se trata de uma operação de capital ou do uma operação de juros.
Aliás, também não se sabe com quem foi negociada. O Sr. Ministro, hoje, já nos disse os montantes, mas não disse ainda as características das operações envolvidas. Apenas se sabe que a República estava obrigada a pagar cupões de 5.75 e 6 % e passou a pagar à taxa média igual à que é utilizada para fundos de curto prazo do mercado londrino (LIBOR). No entanto, ao contrário do que está estipulado no artigo 69.º da Lei do Orçamento para 1994, o Governo não informou, nos prazos estabelecidos, quais as operações e entidades realmente envolvidas.
Estamos pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados, perante uma operação de cosmética. Trata-se de uma estranha operação que o Ministério não esclarece, mesmo que nos diga que houve entrada de fundos. É que há entrada de fundos correspondentes a receitas não efectivas e não são receitas efectivas todas aquelas que tenham uma contrapartida anterior numa operação de crédito de sinal contrário - amortiza-se o que se pediu emprestado A amortização de capital corresponde, de facto, a receita não efectiva, segundo os princípios mais elementares que constam dos manuais de finanças públicas.
E aqui, o que temos? Mais-valias? Juros? Um risco futuro que agora surge acrescido? Qualquer que seja a resposta o que acontece é que se trata de uma operação puramente contabilística que tem como única finalidade evitar que apareça à luz do dia o que é realidade, ou seja, um aumento da despesa pública com aumento do défice orçamental.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS)- - É défice escondido com swap de fora!

O Sr. Rui Carp (PSD): - Não diga isso!

O Orador: - E se dúvidas houvesse, Sr. Ministro, o próprio Ministério das Finanças vem dizer, através dos seus serviços técnicos, o seguinte: "a receita foi classificada como receita de capital por analogia com a classificação das receitas provenientes das emissões de obrigações do tesouro acima do par". Ora, esse tipo de receitas integra-se exactamente na noção de réditos não efectivos que não podem servir para reduzir o défice orçamental, uma vez que se situam abaixo da linha. Esta é uma operação que está realmente abaixo da linha e que não pode servir para reduzir o défice orçamental, já que o critério utilizado neste caso não pode deixar de ser o critério do "activo de tesouraria". Esta é que é a questão fundamental e o problema está em assumir que, ao aumento de despesas, corresponde um aumento de défice.
Por fim, gostaria de deixar uma última nota relativa às contas consulares. Já não é a primeira vez que esta questão nos aparece aqui. O Parlamento, por diversas vezes - recordo-me, pelo menos, de duas -, autorizou o Governo a proceder à regularização das operações consulares e, no entanto, o Governo não o fez até agora, vindo a utilizar a alteração do Orçamento do Estado para 1994 para introduzir esta norma. O Tribunal de Contas tem vindo a chamar a atenção para as ilegalidades cometidas reiteradamente neste domínio e o certo é que a dúvida se põe. Onde está a regularização concreta da situação? Onde está a indicação de medidas concretas para sanear a ilegalidade? Não basta amnistiar, não basta isentar da certificação e julgamento, não basta arquivar. É necessário prestar contas, é necessário que use de transparência para ultrapassar uma situação difícil que se tem arrastado demais

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É isto fundamentalmente que está aqui presente em algo que corresponde, no fundo, ao reconhecimento que o Governo vem aqui exprimir de que se enganou a fazer as contas,

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se enganou a fazer a previsão e, naturalmente, tem agora que dar, de algum modo, o braço a torcer.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Rui Rio, Rui Carp e Sousa Lara.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Rio.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, gostaria de colocar-lhe duas questões, sendo uma de ordem política e outra de ordem técnica.
A de ordem política é esta: em 1993 as principais críticas que o Partido Socialista dirigiu ao orçamento suplementar, que aqui aprovámos, prendiam-se com o facto de a receita ter baixado e de o défice ter aumentado. Hoje, estamos numa situação perfeitamente contrária e eu pergunto, muito claramente: por que é que o Partido Socialista não diz, prelo no branco, que está de acordo com os princípios políticos fundamentais deste orçamento rectificativo? Ou seja, aumento da receita e baixa do défice, isto em consonância, única e exclusivamente, com o discurso que VV. Ex.ªs utilizaram no ano passado.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Essa agora?!

O Orador: - A questão de ordem técnica que gostaria de colocar ao Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, dirigida também ao Sr. Deputado Manuel dos Santos que há pouco falou, é a seguinte: então, a receita motivada pelo swap não deve contar para a diminuição do défice. Muito bem! E, então, se os juros da dívida pública para o ano, eventualmente, subirem pelo facto de a taxa de juro ser maior, também não contam para a despesa?
Esta é a questão técnica que...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Que é dramática!

O Orador: - ... gostaria de colocar ao Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.
Sr. Deputado, à laia de conclusão, permita-me que lhe diga que abaixo da linha está é, parece-me, o PS! Cuidado que se podem afundar!

Aplausos do PSD.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Já estão, já estão!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, julgo que todas as pessoas que ouviram a sua intervenção poderão ter uma única interpretação da mesma: é que o Partido Socialista não tem qualquer alternativa à proposta do Governo....

Risos do PS.

... e que este orçamento rectificativo- e aproveito para corrigir a sua afirmação sobre a valoração económica do mesmo, dizendo que ele é rectificativo, porque diminui o défice orçamental - conclui uma história positiva sobre o Orçamento e a política orçamental deste ano.
E essa história positiva é muito clara: o Governo conseguiu interpretar bem a evolução económica do País e o Orçamento é uma boa expressão dessa evolução,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... uma vez que este ano as receitas e a cobrança das receitas fiscais retomaram uma via positiva no sentido de se reduzirem a evasão e a fraude fiscais e aumentarem as receitas fiscais. Sabemos muito bem que o aumento das receitas do IVA é um indicador importante sobre a recuperação e a retoma económica.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Retoma recessiva!...

O Orador: - Ora, isto significa que este Orçamento consegue cumprir a tendência de reduzir o défice orçamental e demonstrar que o Governo, sem agravamento das taxas dos impostos, conseguiu aumentar as suas receitas, para tanto melhorando gradualmente a administração fiscal.
De facto, este ano o Governo deve ser bastante louvado, pois conseguiu, com muita coragem...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP)- - Só este ano? Isso é uma crítica ao Braga de Macedo!

O Orador: - ... e perseverança, conduzir, a seguir a um ano dificílimo em todos os países da Comunidade europeia- e registo que os défices orçamentais em 1993, em todos os países da Comunidade europeia, foram superiores ao previsto...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS) - Um pontito! Aqui foi o dobro!

O Orador: - ..., porque, temos de reconhecê-lo, a recessão internacional em 1993 e no início de 1994 foi muito mais profunda do que se estava a pensar... Aliás, Portugal até se conseguiu aguentar muito melhor do que aquilo que as "aves de mau agoiro" da oposição gostariam,...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Nota-se!

O Orador: - ... infelizmente para o povo português, não sei se felizmente para essas "aves de mau agoiro"...
Mas o que é importante é que V. Ex.ª não é capaz de, sincera e francamente, dizer que este Orçamento rectificativo não é um orçamento rectificativo que espelha bem que as finanças públicas estão no bom caminho, no caminho da disciplina, da convergência orçamental, do crescimento sustentado e não inflacionista, factores estes que estão, enfim, dentro da linha que nos permitirá manter e reforçar a nossa boa imagem. Não a imagem de marroquinos na Europa, como dizia um Deputado do Partido Socialista hoje na Comissão de Economia, Finanças e Plano, mas uma imagem de...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS). - Portugueses em Marrocos!...

O Orador: - ... europeus com tanta dignidade, com tanta capacidade como os outros que, embora mais ricos do que nós, talvez não tivessem conseguido aquilo que nós conseguimos nos últimos anos. Basta ler, e sei que os senhores não gostam de ouvir isto, as recomendações e os elogios da OCDE em matéria de política orçamental para ver que o

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Governo, também nesta matéria, vai no bom caminho e este Orçamento rectificativo... .

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - E o Clinton não disse nada?!

O Orador: - E o Presidente Bill Clinton também! Risos do PS.

Srs. Deputados, não tenhamos complexos... Por que é que os senhores têm tantos complexos cada vez quê de lá de fora vem um elogio a Portugal? Porquê esse sentimento de "Velho do Restelo" que os senhores têm?

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Não! Nós gostamos!

O Orador: - Srs. Deputados, neste domínio devemos ter uma perspectiva de Estado e não de luta política...

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - E o Jacques Delors também disse alguma coisa?!

O Orador: - O Jacques Delors também!...

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, atenção ao tempo.

O Orador: - Sr. Presidente, estão a interromper-me e eu tenho de, num debate natural e saudável, responder a estes apartes da oposição.
Portanto, estou muito satisfeito, francamente satisfeito, pela maneira como o Governo resolveu o Orçamento rectificativo para 1994.
De facto, só temos de dar os parabéns ao Governo e dizer que os portugueses podem confiar claramente nas orientações da política económica do Executivo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Lara.

O Sr. Sousa Lara (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, creio que o Partido Socialista deve organizar-se um pouco melhor,...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Com generais, sargentos e praças!...

O Orador: - ... porque entra em contradições insuperáveis.
Hoje mesmo, na Comissão de Negócios Estrangeiras, Comunidades Portuguesas e Cooperação e na presença dos Srs. Ministro e Subsecretário, dois camaradas seus elogiaram o Governo,...

O Sr. Rui Carp (PSD): - Está a ver!

O Orador: - ... dizendo que, pela primeira vez, tinha havido por parte do Governo a coragem política de, em nome da transparência, acabar com os "sacos azuis", que duram há décadas, com os cofres consulares e orçamentar estas receitas criando o FRI (Fundo de Relações Internacionais) e que - e isto são palavras textuais de camaradas, seus -, quando o Governo fazia coisas bem feitas, o próprio Partido Socialista se sentia na obrigação de dizê-lo e de aplaudir o Governo.
No entanto, V. Ex.ª veio aqui dizer o contrário: então, quantos Partidos Socialistas há? Tenha paciência, mas há aqui qualquer coisa que não está bem!

Aplausos do PSD.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - O problema é a amnistia implícita!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu)- - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): -Sr. Presidente, começando pelo Sr. Deputado Sousa Lara, porque é a resposta mais...

O Sr. Rui Carp (PSD):- Mais difícil!

O Orador: - ... imediata e clara, direi que não é a primeira vez que o Governo nos vem pedir para resolver esta questão: é a terceira! E nós tivemos sempre de acordo. Aliás, quando o Governo, no ano passado, se esqueceu de solicitar esta autorização, que agora vem fazer, perguntámos por que razão não o fazia.
Portanto, Sr. Deputado, não só há perfeita consonância como damos o nosso inteiro apoio para a resolução desta questão de uma vez por todas! Mas não venham cá quarta, quinta ou uma sexta vez...
Quanto às outras questões, quero dizer que, de facto, não há crime quando o Governo vem aqui apresentar um orçamento e vem dar o braço a torcer relativamente àquilo que era a previsão de despesas para 1994 - aliás, como já aqui ficou claramente demonstrado, não é por causa das receitas que o Governo aqui vem mas, sim, por causa das despesas.
Mas a questão fundamental que coloquei tem a ver com esta dissimulação do défice, porque, quando o Sr. Deputado Rui Rio me pergunta qual o tratamento do juro, eu digo-lhe que o juro...

O Sr. Rui Rio (PSD). - O juro é despesa!

O Orador: - ... está acima da linha, quer na despesa quer na receita. Então, por que razão é que não se considera o juro como receita efectiva? Porque não é! Aliás, como tive ocasião de dizer, os próprios serviços do Ministério das Finanças são os primeiros a dizer que esta é uma operação equiparável à operação de empréstimo...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Exactamente!

O Orador: - ... e, se assim é, está abaixo da linha e não pode ser incluída na redução do défice. Esta é a questão técnica fundamental.

O Sr. Rui Rio (PSD): - Então, onde devem estar os juros?!

O Orador: - Não saímos daqui! A nossa crítica foi à dissimulação e não ao facto de estar aqui um exercício de uma competência constitucional, que é a de alterar o Orçamento porque a previsão das despesas estava errada.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

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O Sr. Limo de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Debater as alterações orçamentais de 1994 que o Governo nos apresenta não pode deixar de nos obrigar a um exercício que, seguramente, não agrada ao PSD: é o regresso ao debate orçamental realizado há cerca de um ano, conferindo o que foi então dito pelo Governo e pelo PSD, designadamente no que se refere às projecções macroeconómicas.
O PCP formulou, então, quatro acusações: Orçamento inadequadamente restritivo face à situação recessiva com nefastas consequências sociais, designadamente no aumento do desemprego; Orçamento que, ao contrário da propaganda do Governo sobre os efeitos das alterações do IRS, se iria traduzir na diminuição do rendimento real disponível das famílias; Orçamento que reincidia no sacrifício da educação; Orçamento sem credibilidade no que respeitava ao cenário macroeconomia) que apresentava.
O então Ministro das Finanças e o PSD barafustaram, disseram que não era verdade, acusaram-nos de repetir críticas sem fundamento. Afinal, o PCP "fez bingo", Srs. Deputados, como iremos demonstrar.
Orçamento de crescimento do produto a uma taxa acima da média comunitária, de desagravamento fiscal, de diminuição da evasão fiscal, gritava o agora Deputado Braga de Macedo; Orçamento de crescimento do investimento em 15 % a valores reais, afirmava dolentemente o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território; Orçamento que defende o emprego e que combate o desemprego, prometia solenemente o Dr. Silva Peneda.
Afinal, pelo segundo ano consecutivo, o crescimento do produto, em Portugal, na melhor das hipóteses, será inferior, em cerca de metade, ao da média comunitária; aumentou o peso das receitas fiscais no PIB e diminuiu o rendimento real disponível das famílias; o valor das dívidas ao fisco e à segurança social terá crescido para qualquer coisa como 1000 milhões de contos, o que contradiz a propalada eficiência da máquina fiscal, de que há pouco o Sr. Ministro aqui falava; o crescimento real do investimento, também ele não cresceu os 15 % reais mas, sim e tão-somente, 5 %, isto é, 1/3 do que o Governo insistia, até à exaustão, no debate de Novembro de 1993.
Quanto ao emprego, Srs. Deputados, o panorama aí está a desmentir as promessas e as projecções do Governo: de Janeiro a Setembro deste ano, o número de desempregados inscritos oficialmente aumentou em mais de 25 000. E, mesmo considerando exclusivamente os dados do INE (que tem os condicionamentos que todos conhecemos), comparemos a taxa de desemprego de 5,6 % anunciada no debate do Orçamento do Estado para 1994, pelo Ministro Silva Peneda, com os 6,7 % no final do 1.º semestre deste ano ou com os 6.8 %, salvo erro, no final do terceiro trimestre.

O Sr. Rei Carp (PSD): - Ou com os 10 % do Engenheiro António Guterres!..

O Orador: - Bem podemos dizer, Srs. Deputados, que, tal como afirmámos há um ano, o Orçamento do Estado para 1994 foi um orçamento de propaganda e de ilusão, sem qualquer correspondência com o que já nessa altura era mais do que previsível e que a realidade tem vindo a confirmar.
Aliás, o País e esta Assembleia estão a viver confrontados, cada vez mais, com um problema grave que se vai repercutir no Orçamento do Estado para 1995: os orçamentos que são apresentados pelo Governo têm pouco a ver com a realidade; são cada vez menos transparentes; servem cada vez menos como orientadores das decisões e posições de empresas e sindicatos; e são cada vez mais orçamentos de propaganda para iludir os cidadãos, em particular os trabalhadores, para iludir e satisfazer Bruxelas.

O Sr. Octávio Terceira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - As alterações ao Orçamento que nos são apresentadas têm, pois, este pano de fundo a caracterizá-las e, seguramente, não haveria lugar à sua apresentação ou, então, a haver, seria num quadro completamente diferente, se tivessem sido tomadas em conta as críticas e propostas que o PCP avançou há cerca de um ano.
Tal como então dissemos, estamos perante, de novo, um documento recheado de inverdades.
Redução do défice em 25 milhões de contos, clama o Governo. Não, Sr. Ministro!
Se cotejarmos as alterações propostas, rubrica a rubrica, a conclusão a que chegamos é a de um aumento efectivo do défice em 8,048 milhões de contos, cujo financiamento- e esta é que é a questão-, é assegurado pelo diferencial entre os ganhos - que, a haver, são meramente circunstanciais e incertos e que podem, de um momento para o outro, transformar-se em resultados de sinal contrário -, resultantes da colocação de títulos de dívida pública, e as perdas registadas nos passivos financeiros. É uma operação de engenharia financeira, como já foi aqui verificado, sobre o futuro, que não pode, obviamente, ser contada para efeitos da definição da dimensão do défice.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, como facto novo, temos agora também o Estado a envolver-se em operações de mera especulação financeira, a contribuir para o crescimento da economia de casino.
Não que para nós seja grave algum aumento do défice, se ele resultar de um maior esforço do Estado no relançamento da actividade económica e na melhoria das condições de vida dos portugueses. O que é criticável é que isto não sucedeu e, mais do que isso, vem, nestas alterações, tentar maquilhar, o insucesso da sua política orçamental.
Para além de o reforço agora proposto do orçamento do Ministério da Educação em 23,6 milhões de contos, destinados "ao pagamento do descongelamento dos escalões do pessoal docente" vir confirmar o que dissemos, no ano passado, sobre a insuficiência de verbas no orçamento da educação, vale a pena recordarmos o que o então Ministro da Educação, Couto dos Santos, dizia: "Quando faço essa afirmação (...)" - de que as verbas são suficientes - ,"(...) é porque sei que tenho essas verbas, mas também sei que, necessariamente, na dotação provisional estão incluídos os escalões". Afinal, vê-se agora que não estavam necessariamente incluídos na dotação provisional. Aliás, é curioso verificar que o mesmo membro do Governo, a Sr.ª, então Secretária de Estado do Orçamento, Dr.ª Manuela Ferreira Leite, que, na altura, dizia, enquanto Secretária de Estado do Orçamento, que as verbas eram suficientes, agora, como Ministra da Educação, chegou, afinal, a uma conclusão contrária.
Mas talvez seja curioso referir por que é que o Governo optou por não ir buscar à dotação provisional o dinheiro que teoricamente lá estaria para o Ministério da Educação e preferiu ir aí buscar o dinheiro para a União Europeia. E porque é muito mais fácil, em termos da opinião pública, justificar um pedido de aumento de despesa para pagar a educação do que explicar o aumento das verbas para a União

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Europeia e a razão por que preferiram ir por este caminho.
Esta é que é a questão!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto às alterações no orçamento da segurança social, verifica-se que a «cessão de créditos», no valor de 40 milhões de contos, com que o Governo, procurou também mascarar o orçamento e o défice da segurança social não se concretizou e o resultado é zero. Isto é, não se realizou qualquer leilão de dívidas à segurança social com que o então secretário de Estado do sector, Dr. Vieira de Castro, nos tinha brindado, com a sua habitual veemência na Comissão de Economia, Finanças e Plano. É caso para dizer, Srs. Deputados, que o único leilão que se realizou foi, afinal, o dele próprio enquanto secretário de Estado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas o que é mais preocupante o estranho - e o Governo até agora não nos deu qualquer explicação convincente -, é o facto de não se ter concretizado a transferência para o Instituto do Emprego e Formação Profissional de 28 milhões de contos previstos para os «programas ocupacionais». O que é que falhou aqui, Sr. Ministro?
Mas também não compreendemos que o Governo esteja a fazer poupanças no dinheiro destinado ao subsídio de desemprego. Cresceu o desemprego, o Governo afirma que já há hoje unia maior cobertura dos desempregados com o subsídio e, depois, apresenta alterações orçamentais, onde se verifica uma poupança de 3 milhões de contos nas verbas destinadas a esse efeito!
Talvez aqui esteja uma das explicações para o inaceitável atraso que, em todo o País, se regista no pagamento dos subsídios de desemprego, enquanto se confirma aqui que, afinal, o Governo também mente, porque, ao contrário do que diz, é cada vez menor o universo de trabalhadores desempregados abrangidos pelo subsídio. Se calhar, é por aí que vão poupar 3 milhões de contos no subsídio de desemprego, quando por todo o País os trabalhadores nessas condições têm atrasos sucessivos, de meses, no pagamento desse subsídio. É intolerável e escandaloso, Srs. Deputados!
0 Governo não poupa nas despesas públicas, nos benefícios fiscais ou no apoio às actividades especulativas tuas, sim, nas despesas de apoio aos desempregados. É intolerável e demonstra bem o desprezo e a insensibilidade com que o Governo trata das questões sociais.
Aliás, sobre o FEF, também é curioso verificar alguma omissão na memória do Sr. Ministro. Fez aqui uma referência à evolução do IVA, de 1993 para 1994, e, portanto à sua correspondência também nas previsões do FEF, e era bom que o Sr. Ministro se tivesse lembrado das variações de sinal contrário, nos cinco anos anteriores, em que não foi aplicado o mesmo critério, para aumentar o correspondente FEF para as autarquias. É que se temos memória num sentido, temos de a ter para todos os sentidos e, portanto, para todo o quadro verificado nestes últimos anos.
Sr Presidente, Srs. Deputados: As alterações hoje em debate e a evolução da política orçamental não só vêm confirmar tudo o que dissemos há um ano como, na linha do Orçamento do Estado para 1994, mascaram de novo a realidade. Melhor seria que o Governo cumprisse plenamente o Orçamento, designadamente no que se refere à transferência para a Universidade dos Açores das verbas que lhe são devidas e que foram aqui aprovadas no Orçamento do Estado para 1994.
Ainda continuamos à espera de um orçamento rigoroso, credível e transparente.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Carp.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o Sr. Deputado Lino de Carvalho, hoje, neste debate, deu-nos a novidade de que afinal é um adepto das teses de São Tomás de Aquino em matéria de operações- de juros.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP). - Sou muito místico!

O Orador: - Como sabe, São Tomás de Aquino considerava um pecado mortal quaisquer operações que envolvessem juros. V. Ex.ª, disse que tais operações constituíam especulação financeira Ora, essa expressão é de São Tomás de Aquino. Portanto, tal é uma revelação, uma novidade.
Para além dessa conversão, V. Ex.ª, não considera positivo, não digo de um modo expresso, mas intimamente, que afinal o Governo tenha conseguido arranjar verbas para que os professores possam ter as repercussões salariais decorrentes do descongelamento das carreiras? Ou preferiria que as carreiras dos professores continuassem congeladas? Talvez interessasse ao Partido Comunista Português um pouco mais de agitação social, que, aliás, nem se via muito, mesmo antes do descogelamento. Era isso que pretendiam? Não crê ser positivo que o Governo tenha arranjado verbas para esse descongelamento das carreiras dos professores?
Não pensa ser positivo que o Governo tenha encontrado contrapartidas para que a segurança social possa garantir e honrar os compromissos com os seus pensionistas? Não acha positivo que isso suceda? Não crê que isso é socialmente bom?
Não entende ser positivo, como cidadão português, independentemente das visões e das ficções sobre o modelo económico, que afinal o País esteja mais próximo do nível médio da economia europeia,...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP)- - Está?!

O Orador: - ... dando razão ao que o PSD aqui várias disse, durante muitos anos, isto é, que o rendimento per capita dos portugueses era superior ao que as contas nacionais nos davam e que têm a repercussão, um pouco desagradável de, no Orçamento, ter de reforçar a transferência...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Isso é engenharia estatística!

O Orador: - ... para o Orçamento da Comunidade em mais de 40 milhões de contos? Não acha positivo que, afinal, estejamos mais próximos dos outros cidadãos europeus do que se julgava? Isso não é positivo para si?
Não é capaz de ter, a seguir à sua confissão de que segue as teses de São Tomás de Aquino, um acesso de seriedade, de total abertura e dizer: «de facto, isto é positivo para Portugal, e se o é para Portugal e para os portugueses é-o para mim»?
Mostre se tem ou não coragem para dizer isto, porque envolvidos nisto há factores que têm representação, há o

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aumento do poder de compra dos portugueses, quer sejam pensionistas, professores, ou o País em geral, no passado, e certamente no futuro, quanto à correcção das contas nacionais. Isso não é positivo? O Sr. Deputado não se orgulha com isso?

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Limo de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Carp, antes de mais, quero sublinhar dois aspectos: o primeiro é o de que o Sr. Deputado não contestou nada do que eu disse;...

O Sr. Rei Carp (PSD): - Não! Respondi-lhe!

O Orador: - ... o segundo, a referência que fez a São Tomás de Aquino. Pelas várias vezes que o Sr. Deputado o tem trazido à colação, demonstrou ser seu admirador e da sua obra.

O Sr Rui Carp (PSD): - Também!

O Orador: - Ao dizer-me que sigo as pisadas de São Tomás de Aquino, que tanto admira e (antas vezes tem referido aqui, o Sr. Deputado está a dizer que concorda comigo e que admira o que eu disse.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Sou mais progressista!

O Orador: - Sr. Deputado, vamos falar de coisas sérias! A questão não está, obviamente, em dizer se é ou não positivo que o Governo pague o descongelamento dos escalões ou das carreiras aos professores e que encontre contrapartidas para o financiamento da segurança social. Nada disso está hoje em discussão. Quanto muito, o que estaria em discussão é que o Governo não se tenha lembrado e não tenha tido conhecimento disso há um ano, aquando do debate do Orçamento.
Quando se debateu o Orçamento para este ano- e foi isso que referi, Sr. Deputado - os partidos da oposição, e nós, particularmente, afirmaram, com números, que as verbas para a educação não iriam ser suficientes e que seria preciso reforçá-las. Os senhores não o quiseram fazer e as escolas, ao longo deste ano, têm passado por dificuldades, que eram desnecessárias se no Orçamento, desde logo, tivessem incluído as verbas necessárias ao funcionamento do Ministério da Educação.
Reconhecem esse erro agora, mas reconhecem-no tardiamente e já depois de terem criado dificuldades perfeitamente evitáveis.
Quanto ao problema da segurança social, também eu gostava que o Sr. Deputado me tivesse esclarecido algumas questões ainda por esclarecer. Por que não se concretizou o tal leilão dos 40 milhões de contos, que, no fundo, nos foi apresentado unicamente para mascarar, no ano passado, o défice da segurança social?

O Sr. Rui Carp (PSD): - Estamos em economia de mercado!

O Orador: - Sr. Deputado, compare as despesas previstas no Orçamento do Estado para 1994, que eram de 145 milhões de contos, e as agora constantes do Orçamento rectificativo, que são de 142 milhões de contos! Por que é que o Governo poupou cerca de 3 milhões de contos nos dinheiros para o subsídio de desemprego, quando diz que o número de desempregados aumentou e que lhes quer dar maior cobertura? Nisto é que eu esperava que o Sr. Deputado me viesse contestar e contrariar!

O Sr. Rui Carp (PSD)- - Limpeza de ficheiros, Sr. Deputado!

O Orador: - É limpeza de ficheiros mas há, do ano passado, desde Dezembro até agora, pelo menos mais 25 000 novos desempregados, pelo que deveria haver um aumento das despesas. Mas, afinal, há poupança!
Ora, é isto que estou à espera de ver esclarecido, quer pelos Srs. Deputados do PSD quer pelo Governo. A verdade é que estamos perante um Orçamento rectificativo, que, em primeiro lugar, abrange questões em grande parte já previstas no ano passado, o que confirma o que na altura dissemos, e que, em segundo lugar, procura, com operações de engenharia orçamental, mascarar, de facto, o aumento do défice e o colapso e ineficiência da política orçamental e económica do Governo. É esta a questão que está hoje em discussão e que os senhores ainda não conseguiram demonstrar em contrário'

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Rui Carp (PSD): - A engenharia orçamental não é negativa, é positiva!

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados. Está esclarecido- o Sr. Ministro esclareceu e ainda bem' - por que é que o Governo não conseguiu controlar a despesa,...

O Sr. Rui Carp (PSD): - Não!...

O Orador: - ... o que o leva, efectivamente, a estar aqui a discutir e a propor este Orçamento rectificativo, e não para nos fazer prelecções sobre as virtudes do Ministério na cobrança das receitas, certamente! Congratulamo-nos com isso, obviamente, e gostaríamos que o Sr. Ministro aproveitasse a oportunidade para, mais detidamente, tratar o problema do aumento da eficiência da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, para, deste modo, podermos descobrir o que levou ao desmando de 1993.
O Sr. Ministro não o fez, mas suponho que mais tarde ou mais cedo teremos de abordar o assunto.
Este Orçamento, tal como V. Ex.ª o apresenta, embora com as virtudes da redução do défice, levanta uma dúvida, que é, creia, apenas uma dúvida, Sr. Ministro, para a qual não temos resposta, que consiste em saber se o conceito de equilíbrio orçamental, constante do artigo 4.º da respectiva lei de enquadramento, se deve aplicar, para além do Orçamento do Estado originário, aos orçamentos rectificativos. Nós admitimos que haja equilíbrio entre previsões quando ambas as verbas são previsões - isto é, se se prevê despesa, embora com carácter mais vinculativo, e se se prevê receita -, mas quando a despesa já é certa e foi ultrapassada e a receita, apesar de tudo, é ainda uma previsão temos dúvidas em que se possa continuar a recorrer ao conceito de equilíbrio para afirmar que, afinal de contas, se tem ganhos positivos em matéria de défice.
De qualquer modo, Sr. Ministro, interessa-nos, no fundo, elaborar sobre as despesas, nomeadamente, sobre a da se-

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gurança social, ou, melhor, sobre o problema que V. Ex.ª pretende continuar a caracterizar como problema de receita. É claro que acaba por ser um problema de despesa, porque V. Ex.ª tem de transferir uma maior importância para o orçamento da segurança social, mas, na caracterização do problema, V. Ex.ª fala em receita. Fala em receita % determinado passo do relatório do Orçamento do Estado para 1995, que trata da execução orçamental de 1994, mas, antes disso, foge-lhe a boca para a verdade e confessa que o problema da segurança social é, fundamentalmente, estrutural e um problema de despesa. É um problema de desequilíbrio, que é estrutural, e é como tal que tem de ser encarado, Sr. Ministro.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Mas que grande novidade!

O Orador: - E seria importante que este problema, que V. Ex.ª considera de receita, a falta de êxito na venda dos créditos, nos ajudasse a reflectir sobre o Orçamento do Estado para 1995 e sobre o expediente, que continua a ser o mesmo, de vender créditos, agora não à banca mas ao Estado. Não foi, porém, esse o caminho que V. Ex.ª seguiu, mas continua a escamotear-se a verdadeira questão, a que está no relatório da Universidade Nova, sobre o futuro da nossa segurança social,...

O Sr. Rui Carp (PSD): - Está muito pessimista!

O Orador: - ... apesar de este ano haver um pequeno afloramento, com o aumento da taxa do IVA para 17 %, No entanto, a questão de fundo continua a ser adiada.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Para proteger os pensionistas!

O Orador: - Sr. Deputado Rui Carp, concordo com o caminho, mas já não concordo que este seja iniciado $$m se tratar a verdadeira questão de fundo, porque é, roais uma vez, adiar o problema fundamental, o desequilíbrio da nossa segurança social.
Uma outra questão, Sr. Ministro, é a da utilização da dotação provisional. O Sr. Ministro acaba de dar uma explicação para a inclusão da despesa com o novo sistema remuneratório, e esta é a última ou uma das últimas consequências, no tempo, do novo sistema remuneratório, na dotação provisional.
O Sr. Ministro desculpar-me-á mas a justificação que deu não vale nada; V. Ex.ª diz que acaba por gastar-se rigorosamente o que se previu e, quando a previsão é correcta, nada justifica que não tenha sido incluída, desde o início, no orçamento do Ministério da Educação.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Nada o justifica!
Há inconvenientes em incluí-la na dotação provisional pois esta acabou por ser necessária para aquilo que justifica a sua existência - para as situações imprevistas do Orçamento -, o que acabou por empurrar a despesa da educação e criar esta necessidade.
Portanto, Sr. Ministro, seria positivo reflectir sobre a utilização da dotação provisional, o que- suponho- continua a não se fazer no Orçamento para 1995.
Finalmente, o problema dos 30 milhões tem sido aqui encarado sob duas ópticas diferentes: há os que discordam da operação em si - neste caso estou de acordo com o Governo, pois concordo que a dívida pública tem de ser gerida de uma forma racional...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... e, sendo uma dívida que, felizmente, hoje é contraída no mercado e não em instituições públicas, como o Banco Central, deve ser gerida com critérios de mercado ...

Aplausos do PSD.

Mas, na questão da contabilização, surgem-nos vários problemas. Primeiro: por que razão os 30 milhões se traduziram num encaixe? Foi por que o Sr. Ministro pagou os juros à cabeça? Naturalmente, foi isso que aconteceu! E, se pagou os juros à cabeça, o montante total do empréstimo acabou por ser afectado. Por que é que o Sr. Ministro, ao mudar taxas de juro - no que foi feliz -, antes do vencimento, numa altura em que as taxas de juro desciam no mercado internacional, tem um encaixe de 30 milhões? E o Sr. Ministro até nos disse que estava disposto a mostrar-nos o cheque desse encaixe. Ou será que o Sr. Ministro pagou os juros à cabeça e, agora, é devolvida essa importância no momento do vencimento?
Segundo problema, relativo à contabilização: apesar de concordar inteiramente que o Governo, a Administração, faça a gestão da dívida pública com critérios de mercado, entendo que são incompatíveis com os velhos critérios da contabilidade pública. Essa incompatibilidade existe, Sr. Ministro, e, na realidade, V. Ex.ª não pode considerar que esta receita, que, na totalidade, foi arrecadada no ano de 1994 - mas que é feita à custa de uma operação que pode comprometer o montante de juros, no futuro - não seja distribuída por exercícios futuros ou, então, não seja considerada fundamentalmente para abater o montante global da dívida
Há essa tal proposta de consideração desta receita abaixo e não acima da linha e o Sr. Ministro bem precisava de abater o montante global da dívida, porque, ultimamente, tem havido episódicas descidas do montante do défice, ou antes, descidas do montante do défice contrariadas, por exemplo, no exercício de 1993, a par de um consistente aumento do stock total da dívida, o qual também nos faz divergir da Comunidade Europeia no que respeita à convergência nominal e hipoteca o futuro, Sr. Ministro. A par da possibilidade de esse futuro poder vir a ser hipotecado por este tipo de operação de swap, ele é seguramente hipotecado pelo aumento contínuo do ratio da dívida pública no Produto que se tem verificado.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino de seguida, Sr. Presidente, dizendo que era sobre estes temas que, fundamentalmente, devíamos fazer incidir a nossa reflexão. É por causa desta matéria que V. Ex.ª vem a esta Assembleia, porque não conseguiu que o Governo controlasse a despesa. Portanto, é sobre esse descontrolo que deveríamos fazer incidir a nossa discussão. Além disso, Sr. Ministro, e uma vez que estamos em vésperas da discussão do Orçamento do Estado para 1995, deveríamos, fundamentalmente, tirar lições com vista ao próprio Orçamento para 1995.
Quanto ao mais, Sr Ministro, devo dizer-lhe que os "remendos" que são introduzidos no Orçamento do Estado para 1994, com este Orçamento rectificativo, não são suficientes para nos fazerem mudar de opinião nem para alterarem a opinião com que votámos o Orçamento para 1994.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Muito bem!

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O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guido Rodrigues.

O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Ao intervir nesta matéria, quero começar por saudar o Sr. Ministro das Finanças e a sua equipa, muito especialmente pela forma como decorreu o debate desta matéria na Comissão de Economia, Finanças e Plano.
Nunca, que me recorde, na Comissão de Economia se tinha realizado um debate tão franco, tão aberto, sem qualquer renúncia a todas as questões que foram postas, direi mais, imbuído de tanta simplicidade, como desta vez. E o mérito é realmente do Sr. Ministro das Finanças, a quem saúdo com apreço.
Muito já foi dito sobre as alterações ao Orçamento do Estado para 1994, pelo que agora me limitarei a salientar alguns factos mais importantes, certo de que são estes e não a poeira de críticas de minudência que serão compreendidos e retidos pelo cidadão comum.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Uma "minudência" de 30 "milhõezitos"!

O Orado: - Quanto a isso, vamos ver!
Diga-se o que se disser, estas alterações orçamentais implicam um défice menor do que o previsto no Orçamento (menos 25 milhões de contos)...

O Sr. Rui Rio (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... e este é um dado que é indesmentível. Uma cobrança de receitas bastante superior ao previsto inicialmente (mais 85 milhões de contos) bem como despesas excepcionais não previstas, para a segurança social e como contribuição de Portugal para a União Europeia (na totalidade, mais 1 12 milhões de contos), e, além disso, um significativo rigor na gestão das despesas correntes permitiram a mais que compensação das despesas excepcionais. Para além disto, quero referir que se as despesas excepcionais mencionadas atrás, no montante de 112 milhões de contos, fossem abatidas às despesas correntes do Estado a estimativa de execução orçamental dessa rubrica reduzir-se-ia em 16,3 milhões de contos relativamente ao valor orçamentado.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Estes é que são os grandes números do Orçamento rectificativo e que convirá ter em conta, números demonstrativos de uma sã gestão da execução orçamental.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sã ou chã?

O Orador: - Sã, Sr. Deputado, sã!
Julgo importante realçar ainda alguns factos que deverão merecer a nossa reflexão e a dos portugueses em geral. Digo isto porque quando se fala sobre estas matérias, que são complexas e muitas vezes técnicas, interessa muito mais fazer com que os portugueses compreendam os números fundamentais que estão em causa.
A melhoria significativa das receitas dos impostos deve-se ao funcionamento da economia em 1994 e à eficiência da máquina da administração fiscal que aperfeiçoou os seus métodos e actuou com redobrado empenhamento.

O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Refira-se que a abertura das fronteiras, com o início do Mercado Único, conduziu a um desmantelamento dos controlos existentes da circulação de mercadorias e obrigou a um posterior esforço muito significativo da máquina fiscal para recuperar impostos não cobrados e para colocar o novo sistema em velocidade de cruzeiro. Como se viu, em 1994, a máquina fiscal retomou a sua comprovada eficiência do passado.
Mas há ainda que realçar uma actuação que considero altamente valiosa: a luta contra a evasão e a fraude fiscal. Verificou-se uma colaboração acrescida dos serviços da administração fiscal com a Polícia Judiciária- aliás, o Sr. Ministro salientou-a há pouco e eu próprio também o disse na apresentação do relatório - que teve como resultado grande número de casos de fraude e evasão terem sido levados a tribunal.
Temos de reconhecer que se trata de uma área em que há uma grande mais-valia de actuação da administração fiscal, que todos devemos saudar pelo que representa na luta contra a corrupção. Esta matéria deve ser retida pelos portugueses. Trata-se de uma actuação da administração pública que deve ser retida e que deve ser objecto de reflexão nesta discussão da alteração ao Orçamento do Estado para 1994.
Há outra rubrica que, pela sua importância, contribuiu para a redução do déficit: é o contributo positivo dos tais 30 milhões de contos, resultantes de mais-valias na emissão de títulos da dívida pública. Esta matéria já foi amplamente discutida. Nós temos a nossa opinião, manifestámo-la, estamos em concordância com o Governo e a oposição disse o que tinha a dizer sobre esta matéria.
Ficou claro que esta é uma operação swap de dois empréstimos externos, de transformação da taxa fixa em taxa variável. Tratou-se de uma operação criteriosa, demonstrativa de que as entidades financeiras do Estado estão atentas à evolução dos mercados internacionais e que aproveitaram uma baixa das taxas de juro para, utilizando os mecanismos cambiais normais, fazer mais-valias para o Tesouro.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, queria salientar, em termos de ser compreendido pela população em geral, que isto não se chama especulação. E o contrário da especulação, ou seja, é a actuação atenta e correcta nos mercados cambiais, comum a todos os empresários conscientes, que exportam ou importam mercadorias, e que procuram proteger-se de prováveis evoluções desfavoráveis da taxa de câmbio ou dos juros ligados a cada divisa. É que há operações swap em divisas e em taxas de juro. Neste caso, foi uma operação swap de taxas de juro, a que se dá o nome de gestão correcta e contínua do stock da dívida em divisas.
Na área das despesas, há que referir os dois tipos, de despesas excepcionais: a contribuição de Portugal para a União Europeia e o esforço extraordinário para a segurança social, pela não concretização de receitas previstas - só no que se refere à segurança social, o valor orçamentado foi ultrapassado em 70 milhões de contos.
Convém reflectir um pouco mais sobre esta matéria, relembrando - e, Srs. Deputados, este é um ponto que queria que chegasse, concretamente, para os portugueses em geral - que o défice efectivo da segurança social, em 1994, excluindo o apoio financeiro concedido pelo Estado e após as transferências da área do emprego e da formação profissional, é de cerca de 336 milhões de contos, ultrapassando o orçamentado nos referidos 70 milhões de contos.
A verba de 336 milhões de contos corresponde, grosso modo, aos encargos derivados dos sistemas não contributivos, o que significa, em termos gerais, que a totalidade dos

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contribuintes está a subsidiar, por solidariedade, os beneficiários daqueles sistemas.
Como será possível aceitar, em termos de justiça social e de ética, que empresas e outras entidades descontem aos trabalhadores os seus contributos para a segurança; social e retenham essas verbas, utilizando-as para fins diversos?
O mesmo se dirá da retenção indevida dos impostos.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - É um ataque enorme a este Governo do PSD!

O Orador: - Manifesto, desde já, o meu apreço ao Governo e, muito especialmente, ao Sr. Ministro das Finanças pela firmeza que têm demonstrado nesta matéria; firmeza mais do que justificada, tendo em conta as facilidades que a lei em vigor proporciona às regularizações de situações do passado.
Nos meus contactos com os eleitores, nomeadamente com empresários, frequentemente oiço-os referirem, com mágoa, que os cumpridores dos deveres fiscais e da segurança social são altamente penalizados face àquelas que adiam ou, mesmo, não se dispõem, de todo, a cumprir os seus deveres.
A justiça social, Sr. Presidente e Srs. Deputados, impõe, pois, firmeza na resolução destas matérias.
Outro assunto que tem sido objecto de uma grande cortina de desinformação é o que se prende com o Fundo de Equilíbrio Financeiro. O reforço da transferência para o FEF, no montante de 5,1 milhões de contos, é devido à revisão da previsão orçamental da receita do IVA, em 1994, para 1021 milhões de contos, em comparação com o montante inicialmente previsto de 945 milhões de contos.
É a primeira vez que o Governo procede ao reforço do FEF, após a aprovação da Lei das Finanças Locais, É uma medida que demonstra a transparência com que o Governo pauta as suas relações com as autarquias locais, permitindo a estas um reforço da capacidade de situação dos municípios.
E é tanto mais de salientar este facto na medida em que, em 1993 - como, aliás, o Sr. Ministro das Finanças também referiu -, a execução orçamental das receitas do IVA ficou aquém do orçamentado e nem por isso o Governo reduziu as transferências de verbas para o FEF, absorvendo o desvio negativo no défice global.
Finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quero salientar a tão desejada resolução do problema dos cofres consulares que se arrastava há anos com paliativos anuais no Orçamento do Estado, mas sem uma solução definitiva.
Com coragem, o artigo 3.º da alteração ao Orçamento do Estado extingue os cofres consulares e todas as receitas e despesas passam a estar orçamentadas.
Quero saudar esta clarificação que, tal como as outras medidas do Governo, vai no sentido da transparência e do rigor orçamental, mais uma vez a crédito do Governo e, especialmente, do Sr. Ministro das Finanças.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O ano de 1994 correu muito bem em termos de execução orçamental,...

Risos do PS.

... o que, aliado ao retomar do funcionamento da economia em 1995, nos dá fundadas esperanças de que o ano de 1995 será bastante melhor do que aquele que se aproxima do fim.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Amado.

O Sr. Luís Amado (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Pelo segundo ano consecutivo, o Governo apresenta nesta Câmara um orçamento suplementar. Este facto, por si só, tem uma relevância política iniludível.
Apesar da aparente "benignidade" ou do relativo "virtuosismo" com que nos é revelado este orçamento suplementar, afinal, o défice seria reduzido em relação a 1994, este facto não aparece como pacífico, porque não é pacífica a natureza da operação contabilística de troca de dívida, sem a qual o défice teria sempre um aumento, como foi, aliás, bastante sublinhado durante este debate.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador:- O orçamento suplementar para 1994 é, naturalmente, um reflexo dos ajustamentos determinados pelo verdadeiro "terramoto" que abalou as finanças públicas em 1993 e que obrigou o Governo a apresentar, nesse ano, um orçamento suplementar.
A crescente falta de credibilidade das previsões orçamentais do Governo, com efeitos devastadores na confiança dos agentes económicos e dos operadores financeiros, é uma realidade irreversível, que a simples substituição do Ministro das Finanças, por si só, não resolve.
Pelo segundo ano consecutivo, independentemente da dimensão e da própria natureza do erro, o vosso Governo engana-se nas previsões e é obrigado a vir a esta Assembleia pedir autorização para que aceite a sua rectificação.
Se associarmos este aspecto à relativa desconfiança com que a generalidade dos operadores, nos diferentes mercados, encara as estatísticas oficiais, temos um quadro pouco favorável ao florescimento de uma economia moderna e competitiva, assente em decisões racionais dos agentes que nela se movimentam.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Orador: - Por que é que esta situação é tão relevante para o debate político nesta Assembleia, neste momento? Precisamente porque a maioria que sustenta o Governo se constituiu, em boa medida, a partir de uma imagem politicamente muito forte, nos idos de 80, de rigor e de competência na gestão das finanças públicas, não fora o Primeiro-Ministro um ilustre professor da matéria.
Esta imagem de rigor e de competência instituiu-se como um dogma, alimentando a arrogância e a aleivosia tecnocrática com que o Governo e a maioria se relacionaram durante anos com o País e com a oposição, nesta Câmara.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ora, Srs. Deputados da maioria e Srs. Membros do Governo, esta imagem, por muito que vos custe aceitá-lo, tem vindo a desfazer-se, como um castelo de areia, no imaginário de muitos portugueses que acreditaram em vós, à medida que a maré vem trazendo à tona de água os escolhos de uma economia deprimida, na indústria, nas pescas e na agricultura, e frustados, que estão, nas expectativas que lhe foram criadas por um voluntarismo cego e inconsequente.

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Vozes do PS: - Muito bem!

Ó Orador: - O que resta hoje dessa imagem de rigor? Quem foi que anunciou taxas de crescimento quase quatro vezes superiores às efectivamente verificadas nos últimos três anos? Quem é responsável pelas centenas e centenas de milhões de contos de dívidas fiscais, muitas das quais nunca serão cobradas, acentuando o quadro de crescente injustiça que mina, cada vez mais, a confiança dos cidadãos no sistema fiscal?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Maneei dos Santos (PS): - Podem meter a cabeça na areia!

O Orador: - Quem é responsável pela degradação iniludível da administração fiscal, apesar de esta ser dotada dos melhores quadros do funcionalismo público português? Quem e responsável pela situação financeira cada vez mais insustentável da segurança social, com dívidas por cobrar de várias centenas de milhões de contos e que se agravam de ano para ano?

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Um outro aspecto crítico deste orçamento suplementar tem a ver com o aumento da despesa.
Apesar de o relatório, hoje mesmo aprovado na Comissão de Economia, Finanças e Plano, se referir, de uma forma, diria, inqualificável, "a uma significativa contenção das despesas", remete-nos - suprema ironia - para a análise de um quadro em que as despesas correntes crescem quase 96 milhões de contos em relação ao Orçamento do Estado para 1994 e 64 milhões de contos em relação ao Orçamento do Estado para 1993.
O que é insofismável é que o orçamento suplementar apresenta um aumento das despesas correntes em quase 100 milhões de contos, facto crítico para quem o controlo da despesa pública era apresentado como primeira prioridade.
Por outro lado, se o Orçamento do Estado para 1994 se propunha ser, nas palavras que introduziam o respectivo relatório geral, um orçamento de investimento, que dizer dos cortes nas despesas de capital e de investimento, designadamente no capítulo 50, em quase 34 milhões de contos?!
Ora, não se pode deixar de fazer uma leitura política desta situação, que só evidencia o carácter despesista do Governo, incapaz, ao contrário do que pretende fazer crer, de realizar poupanças significativas nas despesas de funcionamento dos diferentes ministérios.

O Sr. Manuel dos Santos (PS):- Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Finalmente, um outro aspecto que não pode deixar de ser aqui referido tem a ver com o quadro político em que hoje se processa o relacionamento financeiro do Estado com as regiões autónomas.
Quando aqui se discutiu o Orçamento do Estado para 1994, criticámos o facto de este relacionamento continuar a processar-se num quadro de grande indefinição, à mercê das conjunturas, num clima de permanente negociação, de pressões e até, muitas vezes, de chantagem política, que não serve os interesses do Estado nem o interesse das regiões e tem ocasionado o tratamento discriminatório das duas regiões autónomas.
Só este quadro pode justificar o que se tem passado com a execução do Orçamento do Estado para 1994.
Acossado pela enorme pressão política de que foi alvo no momento da discussão e aprovação do orçamento suplementar para 1993 e do Orçamento do Estado para 1994, o anterior Ministro das Finanças acabou por aceitar a introdução no orçamento, nos artigos 56 º e 57.º, de normas que asseguravam o financiamento, pelo Orçamento do Estado, das Universidades dos Açores e da Madeira, mediante transferências do Ministério das Finanças para o Ministério da Educação com esta finalidade. Estas transferências nunca se efectuaram, a vontade desta Assembleia não foi respeitada.
As expectativas dos Deputados eleitos pelas duas regiões e dos respectivos Governos regionais, que elaboraram os seus orçamentos com base nesta expectativa, foram, assim, goradas por este Governo, socorrendo-se de uma interpretação sem consistência técnica,..

O Sr. Limo de Carvalho (PCP): - Nem jurídica!

O Orador: - ... como se pôde verificar na Comissão de Economia, Finanças e Plano, que aprovou, por unanimidade, um parecer elaborado pelo Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, em que se considera, claramente, que a não execução pelo Governo daquela "previsão imperativa" é uma ilegalidade.
Este parecer foi aprovado por unanimidade, isto é, com os votos do PSD, na Comissão de Economia, Finanças e Plano e considera uma ilegalidade a não execução pelo Governo desta previsão.
Acreditávamos que o orçamento suplementar viesse resolver este problema de uma forma inequívoca, o que não se verifica.
Espero que os Deputados eleitos pela maioria das regiões autónomas intervenham no sentido de defender a reposição da legalidade nesta questão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Trata-se de uma questão que tem a ver com a dignidade desta Assembleia.

Aplausos do PS

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Fumaraças: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho pena de não estar aqui o Deputado Guilherme d'Oliveira Martins para lhe explicar um pouco de técnica da contabilidade pública, porque ele, efectivamente, evidencia um grande desconhecimento no que respeita à política de contabilização das obrigações do tesouro que são emitidas acima do par e, partindo da clarificação técnica feita pela Direcção-Geral da Contabilidade Pública, procura criar confusão a propósito da contabilização da mais-valia ligada com o swap. com o resultado de encaixe do swap.
Vou apenas recordar o que acontece contabilisticamente quando uma obrigação do tesouro é emitida acima do par. Ora, como a obrigação é emitida acima do par, isto é, acima do seu valor nominal, que é considerado um passivo financeiro do Estado, o diferencial entre o valor de emissão e o valor nominal - a chamada mais-valia - é registado, contabilisticamente, como receita de capital, dentro de uma lógica: se é emitida acima do par é para fazer face a maiores encargos futuros com juros.

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Portanto, quando o Sr Deputado Guilherme d'Oliveira Martins procura tirar ilações a partir da clarificação contabilística que é feita pelos serviços técnicos e que é dada na nota que, hoje, tive oportunidade de distribuir na Comissão de Economia, Finanças e Plano, está completamente errado e, como está errado, tira conclusões erradas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A operação está clara, está transparente e é uma operação que representa uma boa gestão

O Sr Ferro Rodrigues (PS):- Muito bem! Quanto maior a dívida pública, menor o défice!

O Orador: - Terei muito prazer em explicar, esquematicamente, ao Deputado Guilherme d'Oliveira Martins como se processam essas contabilizações, para ele não criar mais confusão a si próprio nem às pessoas que não são técnicos nesta matéria.
Em relação aos cofres consulares, fui tomando nota dos aspectos que me foram suscitados e parece-me que está tudo esclarecido. Devo dizer que os cofres consulares estão extintos e só foi possível a sua extinção após a entrada em vigor das Leis Orgânicas do Ministério dos Negócios Estrangeiros, salvo erro, no dia 28 de Fevereiro de 1994. Consequentemente, a partir desse momento, todas 'as receitas e despesas passaram a estar integradas no Orçamento do Estado, acabando assim com uma situação irregular que já tinha décadas, que vem desde os anos 20, e com que nenhum Governo, até à data, tinha tido oportunidade de acabar. Assim, este problema está solucionado, a bem da transparência.
O Sr. Deputado Lino de Carvalho fez uma breve referência ao nível de fiscalidade, dizendo que o peso das receitas fiscais, em 1994, aumentou, tendo, portanto, aumentado a carga fiscal. Ora, devo também aqui fazer um esclarecimento, pois, como sabe, o nível de fiscalidade mede-se em função do PIB, da chamada pressão fiscal ou carga fiscal, como os técnicos especialistas nesta matéria muito bem sabem. A nível dos impostos directos, em 1994, comparativamente com 1993, o nível de fiscalidade baixou de 8,2 % para 8 % do PIB, a nível dos impostos indirectos melhorou um ponto em função do PIB, está em 13,2, e recordo que, neste momento, a média da União Europeia, a nível da tributação indirecta, é de 13,3% do PIB, estando nós, portanto, quase em linha com a média comunitária. E isto porquê? Porque a área da tributação indirecta é a área de harmonização por excelência, quer no domínio do IVA quer no dos impostos especiais de consumo.
Mas quero salientar a melhoria qualitativa do nível de fiscalidade em 1994, comparativamente com 1993, que não resultou de um agravamento de impostos, mas de uma maior eficiência na luta contra a evasão fiscal. É, portanto, isto que representa a melhoria de um ponto percentual em relação ao nível de fiscalidade.

Aplausos do PSD.

Em relação à educação, foi também feita uma grande confusão. Os encargos com os descongelamentos e com a progressão de carreiras estavam previstos no Orçamento do Estado para 1995, como o Sr. Deputado Nogueira de Brito referiu, na rubrica "dotação provisional". Pode discutir-se, como tive oportunidade de dizer logo na minha primeira intervenção, se essa verba deverá ser inscrita na dotação provisional, se deveria ter sido logo inscrita no orçamento do Ministério da Educação. Na medida em que, sabendo que é um facto certo, há uma estimativa ainda bastante incerta, os serviços têm preferido colocar esta verba na dotação provisional, mas admito que possa ter outro tratamento contabilístico.
Por consequência, não e lícito concluir daqui, como concluiu o Sr. Deputado Lino de Carvalho, que as verbas não estavam previstas e que, agora, houve que privilegiar a utilização da dotação provisional em termos do pagamento da contribuição excepcional para a União Europeia. E a razão é muito simples.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É uma mera opção política!

O Orador: - Deixe-me explicar-lhe, Sr Deputado, para que não faça confusão.
A contribuição para a União Europeia teve de ser realizada logo no início do ano, não estando, portanto, prevista orçamentalmente e a única alternativa era a utilização da rubrica da dotação provisional do Ministério das Finanças, pois as despesas com a progressão automática das carreiras no Ministério da Educação iam acontecendo progressivamente ao longo do ano. Daí que, numa primeira fase, tenhamos utilizado a dotação provisional para fazer face a esse pagamento excepcional e, portanto, em relação à verba para o Ministério da Educação não houve possibilidade de utilizar a dotação provisional, precisamente por causa desta circunstância excepcional. E por essa razão que agora se pede o reforço da verba para a educação.
Há aqui algumas questões bastante importantes, nomeadamente no domínio da segurança social. A este respeito reforçava apenas que o défice da segurança social está ligado aos regimes não contributivos ou fracamente contributivos e, portanto, a comparticipação do Orçamento do Estado é uma verdadeira medida de solidariedade social....

O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Que não é cumprida.

O Orador: - ... que deve ser paga pelo conjunto dos impostos e do sistema económico e não, exclusivamente, pelo factor trabalho. Isto sem excluir, como dizemos no relatório do Orçamento do Estado para 1995, a necessidade de repensar o financiamento da Segurança Social, tanto por razões demográficas e outras, como por razões que têm a ver com o envelhecimento da população e com a relação entre activos e reformados. Este é um tema que, de momento, está sobre a mesa de todos os países europeus, de todos os países da zona da OCDE e, portanto, é um problema que merece ser reflectido. O Governo, no Orçamento do Estado para 1995, dá um primeiro passo, ainda que muito curto, no sentido do reforço do financiamento autónomo da segurança social. É essa a via a seguir, a par de outras vias que teremos, certamente, a oportunidade de analisar no âmbito do Orçamento do Estado para 1995.
Em relação ao stock da dívida pública recordo que Portugal tinha, em 1990, um stock da dívida pública que representava 68 % do PIB, e que, nesse mesmo ano, a União Europeia tinha 52 % do PIB, em média.
O fenómeno do agravamento da dívida pública nos últimos anos aconteceu em todos os países da União Euro-

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peia e em Portugal foi muito mais mitigado do que na média desses países. Basta dizer que a média da União Europeia passou de 52 %, em 1990, para 70 % neste momento, e que Portugal passou de 68 % em 1990 para setenta vírgula qualquer coisa por cento, actualmente.
Portanto, concordo que, efectivamente, o stock da dívida pública tem de baixar a médio prazo. É por isso que a consolidação orçamental é fundamental, como fundamental é aprofundar a política das reprivatizações, por forma a que o stock da dívida pública, a médio prazo, baixe. E vai baixar, com certeza, com as receitas das privatizações e com a redução, a prazo, do défice do Estado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra. Sr. Deputado.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Quero apenas, por intermédio da Mesa, informar o Sr. Ministro das Finanças, pessoa por quem tenho uma elevada consideração - e ele sabe-o -, que não me pareceu correcta a crítica forte que fez ao Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, primeiro porque ele, por motivos de força maior, não pôde estar, neste momento, no Plenário, e, em segundo lugar, porque, comparando os currículos, em matéria de finanças públicas e de contabilidade pública, do Deputado Guilherme d'Oliveira Martins e do Sr. Ministro das Finanças, não me parece que seja possível o tipo de crítica que foi feita pelo Sr. Ministro.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Sr. Deputado, a Mesa regista o seu comentário, mas o Sr. Ministro usou da palavra com toda a liberdade e independência a que tem direito.

O Sr. Ministro das Fumaraças: - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro das Fumaraças: - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins, que, pelo que pode inferir-se das palavras do Sr. Deputado Ferro Rodrigues, não é um especialista em matéria de contabilidade pública,...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - É, sim!

O Orador: - ... fez um determinado tipo de análise que está errada tecnicamente e que pode criar confusão nas pessoas. Foi por isso que tive de chamar a atenção para o facto, penso que com correcção, pois toda a gente pode cometer erros (eu também os cometo).

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Ferraz de Abreu): - Srs. Deputados, está encerrado o debate desta proposta de lei que, juntamente com os restantes diplomas hoje apreciados, será votada na sessão de amanhã, que terá início às 15 horas, de cuja ordem do dia consta um debate sobre o sistema de informação em democracia.

Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 10 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António de Carvalho Martins.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Arménio dos Santos.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Jaime Gomes Milhomens.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Meios.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Albino da Silva Peneda.
José Angelo Ferreira Correia.
Luís Carlos David Nobre.
Manuel Acácio Martins Roque.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Socialista (PS):

Ama Maria Dias Bettencourt.
António Luís Santos da Costa.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Elisa Maria Ramos Damião.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Joel Eduardo Neves filasse Ferreira.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
José Manuel da Silva Costa.
Luís António Carrilho dia Cunha.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Pedro Manuel Cruz Roseta.

Partido Socialista (PS):

Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Manuel Marques da Silva Lemos.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.

Deputado independente:

Luís Emídio Lopes Mateus Fazenda.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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10 DE NOVEMBRO DE 1994 313 Foi emocionante, Srs. Deputados, poder observar como a população

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