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Sexta-feira, 9 de Dezembro de 1994
I Série - Número 19
DIÁRIO
Da Assembleia da República
VI LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1994-1995)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 7 DE DEZEMBRO DE 1994
Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário
SUMÁRIO
O Sr Presidente declarou aberta a sessão ás 15 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na Mesa da proposta de lei n.º 114/VI e do inquérito parlamentar n º 27/VI.
A Câmara aprovou o voto n º 121/VI - De pesar pelo falecimento do Maestro Fernando Lopes Craca, tendo intervindo em sua homenagem, além do Sr Presidente, os Srs Deputados Raul Rego (PS), Narana Coissoró (CDS-PP). Pacheco Pereira (PSD), Isabel Castro (Os Verdes), João Corregedor da Fonseca (Indep) e Octávio Teixeira (PCP). No final, a Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.
Ordem do dia.- Foram aprovados os n.ºs 1 a 12 do Diário.
Na abertura do debate da interpelação n º 20/V1 - Debate sobre política geral centrado na criminalidade violenta e tráfico de droga em Portugal (PS), intervieram o Sr Deputado Jaime Gama (PS) e o Sr, Ministro da Administração Interna (Dias Loureiro), e em seguida, d diverso título, além destes oradores e do Sr Ministro da Justiça(Laborinho Lúcio), os Srs Deputados Coita Andrade (PSD), Isabel Castro (Os Verdes), António Filipe (PCP), Narana Coissoró (CDS-PP), Jorge Paulo Cunha (PSD), Eduardo Pereira, José Magalhães e Alberto Costa (PS), João Corregedor da Fonseca (Indep), Miranda Calha e Jorge Loção (PS), Fernando Andrade (PSD) e António Filipe (PCP).
Encerraram o debate o Sr Deputado Alberto Costa (PS) e o Sr Ministro da Justiça.
Entretanto, a Câmara deu assentimento à viagem de carácter oficial do Sr Presidente da República à República Popular de Moçambique nos dias 7 a 12 de Dezembro.
Foi ainda aprovado, em votação final global, o projecto de lei n.º 295/AI - Direitos dos funcionários e agentes do Estado que exerceram funções em territórios sob Administração Portuguesa, apresentado pelo Deputado independente João Corregedor da Fonseca, tendo proferido declarações de voto, além daquele orador, os Srs Deputados Correia Afonso (PSD), José Vera Jardim (PS), Paulo Trindade {PCP), Isabel Castro (Os Verdes) e Narana Coissoró (CDS-PP).
O Sr Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 30 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
Álvaro José Martins Viegas.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Moita Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Mana Fernandes Marques
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Albino da Silva Peneda.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José de Oliveira Costa
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Simão José Ricon Peres.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
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Ana Maria Dias Bettencourt.
Aníbal Coelho da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Domingues de Azevedo.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borram Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Paulo de Abreu Correia Alves.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Marques da Silva Lemos.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes
Nuno Augusto Dias Filipe.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
António Manuel dos Santos Murteira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Jorge de Agostinho Trindade.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):
José Luís Nogueira de Brito.
Maria da Conceição Seixas de Almeida.
Narana Sinai Coissoró.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.
Deputado independente:
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, a proposta de lei n.º 114/VI - Altera a Lei n.º 4/84, de 5 de Abril (Protecção da Maternidade e da Paternidade), que baixou à 9.ª Comissão, e o inquérito parlamentar n.º 27/VI - Sobre a responsabilidade do Governo na eventual prestação de serviços pelas OGMA à Força Aérea angolana, apresentado pelo CDS-PP, cuja discussão está prevista para o dia 14 de Dezembro próximo.
Por outro lado, foram apreciadas, em sede de Comissão, as ratificações n."" 123/VI- Decreto-Lei n.º 168/94, de 15 de Junho (Aprova as bases da concessão da concepção, do projecto, da construção, do financiamento, da exploração e da manutenção da nova travessia sobre o rio Tejo em Lisboa, bem como da exploração e da manutenção da actual travessia, e atribui ao consórcio LUSOPONTE a respectiva concessão), apresentada pelo PS, e votadas, na especialidade, as propostas de alteração e eliminação apresentadas, tendo as mesmas sido rejeitadas, e 124/VI - Decreto-Lei n.º 171/94, de 24 de Junho (Aprova o novo esquema da classificação funcional das despesas públicas), apresentada pelo PCP, e votada, na especialidade, a proposta de alteração apresentada, tendo a mesma sido rejeitada.
Entretanto, pelas 15 horas e 30 minutos, irá reunir a Subcomissão Permanente da Sida.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, do período de antes da ordem do dia faz parte a apreciação e votação do voto n.º 121/VI- De pesar pelo falecimento do Maestro Lopes Graça, apresentado pelo PCP.
Para uma intervenção sobre este voto, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Rego.
O Sr. Raul Rego (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De Fernando Lopes Graça pode dizer-se que, mais do que um divulgador, foi, acima de tudo, um homem que enriqueceu a sociedade e a comunicabilidade portuguesas, porque cultivou a música e soube comunicar, através dela, a sua mensagem social, a sua mensagem comunitária.
Lopes Graça não foi um simples profissional da música, foi, acima de tudo, um cidadão consciente, cultivador da música e que soube utilizar a sua profissão para tornar melhor a sociedade em que viveu e em que comunicou. E felizmente para ele que a censura se exercia na escrita de
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uma forma muito mais violenta do que na música, talvez porque os censores não tivessem cultura musical!
Apresentamos um voto de pesar porque a sociedade portuguesa fica mais pobre com a morte de Lopes Graça, mas, ao mesmo tempo, está mais rica porque recebeu a sua mensagem, a sua mensagem de comunicabilidade, a sua mensagem socialista.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narrara Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do CDS-PP não quer deixar de se associar ao voto de pesar e presta a sua homenagem ao Maestro Lopes Graça, recentemente falecido, figura de grande relevância no campo da música e da intelectualidade portuguesas.
Deixa-nos o Maestro Lopes Graça uma obra notável enquanto artista, cumprindo destacar que o seu contributo está para além de uma extensa obra, enquanto compositor, ao longo de mais de 60 anos de actividade neste domínio. A estas facetas de compositor e de director coral, que mais o celebrizaram e lhe deram reconhecimento internacional, soma-se uma actividade de grande importância como folclorista, domínio em que nos deixou uma intervenção relevantíssima no campo da recolha de música popular portuguesa, que foi sempre uma das suas principais fontes de inspiração.
A figura do Maestro Lopes Graça é indissociável da sua intervenção cívica e política. É impossível ignorar a ligação que sempre estabeleceu entre a sua obra, a criação cultural e a sua própria intervenção política.
O CDS-PP nunca deixará de respeitar e lembrar os homens que se batem com lealdade pelas suas convicções de toda uma vida, mesmo que, como neste caso, essas convicções se distingam claramente das ideias e dos valores em que sempre acreditámos e que sempre defendemos.
Desapareceu uma figura marcante da música e cultura portuguesas, pelo que o País e a nossa vida cultural ficarão sempre a dever um duplo tributo a um homem simples, bom e que prestigiou Portugal e a cultura portuguesa.
O CDS-PP associa-se, assim, à homenagem nacional e ao pesar desta Câmara, sublinhando a perda que representa o desaparecimento de uma figura tão marcante da intelectualidade nacional. Apresenta os seus pêsames à família enlutada e ao PCP, de que foi destacado militante.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.
O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos hoje uma oportunidade, aliás, pela pior das razões, de nos referirmos à obra de Lopes Graça, que tive o gosto de conhecer, como muitos outros estudantes associativos, naquilo que era a sua obra, conjuntamente com o Coro da Academia dos Amadores de Música, animando muito daquilo que era, na altura, a cultura de resistência ao regime autoritário.
De qualquer maneira, há na obra de Lopes Graça dois aspectos fundamentais que perdurarão para além do seu autor: por um lado, a sua própria obra, enquanto compositor, discípulo de Bela Bartok, renovou, em grande parte, a música portuguesa, que tinha, nos anos 30 e 40, afunilado a sua influência e qualidade na tentativa de reconstruir um nacionalismo musical que a afastava de todas as grandes tendências da música do século XX. Por outro lado, Lopes Graça combateu, enquanto compositor e enquanto jornalista e crítico musical, publicando uma extensa obra crítica que hoje, infelizmente, é pouco lida, mas que foi fundamental para a foi mação de toda uma geração, num país no qual a tradição musical não era forte.
As obras de Lopes Graça, como, por exemplo, A nossa Companheira Música, foram fundamentais para divulgar em Portugal a obra de Bela Bartok e de Schoenberg, uma interpretação da modernidade musical que a nossa tradição nacionalista e provinciana tinha afastado.
Enquanto compositor, não só ajudou a preservar o espólio da nossa música tradicional, fazendo uma colheita nas fontes daquilo que eram as raízes efectivas da nossa música popular, conjuntamente com Jacometti, como também, escrevendo e musicando alguma da grande poesia portuguesa do seu tempo, escrevendo obras sinfónicas que traduziam a visão do mundo da música que lhe era contemporânea, foi fundamental para criar uma tradição musical num País que a teve nos séculos XVII e XVIII e que, em grande parte, a perdeu no século XIX.
Foi também um militante político destacado, cuja intervenção na vida cívica merece o nosso respeito e, por isso, é com todo o gosto que nos associamos à sua lembrança e que damos também os pêsames ao Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, de que Lopes Graça era militante, pela morte do grande compositor.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome do Grupo Parlamentar de Os Verdes, também eu me quero associar a este voto de pesar pelo falecimento do Maestro Lopes Graça.
Lamentavelmente, no nosso país, a obra dos intelectuais que mais nos marcam não é muitas vezes lembrada, divulgada e partilhada em vida e é na sua ausência que é recordada a forma como a sua intervenção foi marcante. Pensamos que, relativamente ao Maestro Lopes Graça, também é um pouco isto que acontece.
A sua vida de investigador, como já foi referido, de alguém que abriu novos caminhos para a compreensão do universo da música e que teve um papel fundamental na recolha e na compreensão das nossas raízes culturais e na busca e preservação da nossa identidade cultural, foi extraordinariamente importante e importa sublinhar, como foi importante a sua intervenção, que está associada à sua vida, no Coro da Academia dos Amadores de Música, que, para os seus contemporâneos e para os mais jovens, foi uma forma de descobrir outras realidades para além da realidade fechada que nos rodeava. Julgo que esse foi um papel extremamente importante, o de despertar e ser um quadro de referência para as gerações mais novas. Julgo que é fundamental lembrar hoje essa mensagem.
Por último, quero recordar e com respeito referir-me à sua intervenção cívica e de cidadão, com tudo o que isso pesou na sua carreira, que foi marcada, por exemplo, pela proibição do regime totalitário de permitir que ele exercesse a sua actividade profissional. Mas esse é também um aspecto marcante na sua vida e que está ligado à sua obra.
Por isso, gostaria, tão-só, de, em nome de Os Verdes, apresentar ao Partido Comunista os nossos pêsames e associar-me a este voto.
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Aplausos do PCP e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fernando Lopes Graça toldou a sua personalidade como grande artista músico e como um cidadão que, com coerência, soube combater pelas liberdades cívicas e democráticas contra o regime obseuro, opressor e fascista, o que lhe valeu ser preso e desterrado na sua própria Pátria, chegando a ser obrigado a exilar-se em França.
Era um homem de cultura. E isso bastava para ser perseguido. Os mentores do regime impediram-no de ser professor de piano no Conservatório, para o qual concorreu, obtendo a mais alta classificação, com as provas a decorrerem, já sob prisão, em 1931.
Apesar de ter ganho uma bolsa em musicologia em 1934, perante um júri da Junta de Educação Nacional, o Ministério não homologou tal decisão.
Quando regressou do seu exílio em França, em Outubro de 1939 - já grassava na Europa a II Grande Guerra - foi convidado para integrar a Emissora Nacional, a fim, de realizar programas sobre música. Não obstante este convite, não foi autorizado pelos governantes a integrar os quadros da rádio.
A sanha quanto ao grande maestro, já amplamente conhecido dos grandes centros musicais internacionais, foi ao ponto de lhe retirarem o diploma de professor do ensino particular. Recorde-se que, nessa altura, exercia essas funções na Academia dos Amadores de Música, onde organizou e sempre dirigiu, com o êxito que todos conhecem, o respectivo Coro.
Apreensão do seu caderno de música «Marchas e Canções próprias para grupos corais ou instrumentais populares», de sua autoria, publicado pela Seara Nova; proibição de proferir conferências; proibição de actuações do Coro da Academia dos Amadores de Música; censura de composições e canções, por tudo passou Lopes Graça, tendo sido até vítima de infame denúncia aos nazis alemães em 1941.
Era assim que o fascismo actuava; era assim que os «iluminados» - e alguns andam por aí... - actuavam e procediam...
E não se pode esquecer as sucessivas ondas persecutórias contra a intelectualidade portuguesa, contra os grandes mestres, contra poetas, cientistas, professores universitários, escritores, jornalistas. Lopes Graça não fugiu à regra. Era um expoente cultural, logo perigoso... Lopes Graça não aceitava a política oficial, logo, perseguido.
O Maestro Lopes Graça não era, nem nunca foi, homem para desistir. Prosseguia incansavelmente na sua profunda actividade de compositor, de professor, de director do Coro da Academia dos Amadores de Música e continuava a compor. Quem não se lembra das «Canções Heróicas»!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Povo português aderiu facilmente às canções de Lopes Graça, apesar das dificuldades na sua divulgação. Eram canções de intervenção contra a repressão, contra a censura, contra a manipulação do povo trabalhador, contra as perseguições, contra as prisões políticas, os campos de internamento e os campos de concentração, eram canções de esperança e de intervenção.
A propósito, lembro estas palavras de Lopes Graça: «As canções que ides ouvir roubei-as eu ao nosso Povo, que tem um grande tesouro delas e roubei-as, não para as guardar para mim, mas com o propósito de lhas restituir com juros do roubo... Revelaram-me elas melhor o drama do Povo Português, ensinaram-me a conhecê-lo mais intimamente, ajudaram-me a formar uma tunda identificação com ele - e eu considero isto um benefício muito importante para um artista, para um músico que deseja e se esforça por que a sua arte, mais do que uma aventura ou uma confissão pessoais, seja um meio de comunicação, melhor, um meio de comunhão com o Povo a que pertence».
Esta era a personalidade do homem de bem e de cultura, infatigável lutador inteiramente dedicado à música e ao seu Povo.
Agora, com a sua morte, muitos foram lembrar-se de Lopes Graça. Todos o elogiam. Mais vale tarde do que nunca! As rádios, as televisões, enfim, há quem queira ficar de consciência mais tranquila, principalmente aqueles que, podendo, não divulgavam as suas composições e as suas canções e que não aceitavam o seu posicionamento político ou ideológico.
Sr. Presidente, Srs. Deputados' A melhor maneira de sempre lembrarmos Lopes Graça é ensiná-lo nas escolas e nos conservatórios, é recordar e divulgar a sua obra e recordá-lo como um cidadão ímpar, o melhor entre os melhores.
(O Orador reviu.)
Aplausos do PS, do PCP e de Os Verdes.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr Presidente, Srs. Deputados: Foi com sentida emoção que o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresentou este voto de pesar e é com idêntico sentimento que recordamos e prestamos homenagem à memória de Fernando Lopes Graça, porque ele foi um dos nossos melhores, pela sua dedicação ao povo a que pertencia, pela sua dignidade e verticalidade, pela sua inatacável coerência política, partidária e cívica, pela sua coragem e pela sua incomparável humildade.
Durante a longa noite fascista, a música com que Lopes Graça cantou poemas inesquecíveis foi ânimo e coragem para gerações que, como ele, escolheram viver de pé.
A minha geração e outras, certamente, nunca esquecerão a solidariedade activa e a coragem que, em momentos difíceis, sempre lhes foram transmitidas por Lopes Graça e por uma das grandes criações da sua vida, o Coro da Academia dos Amadores de Música.
Mas o falecimento de Lopes Graça não foi apenas uma perda para nós, foi uma grande perda para a cultura portuguesa e para o nosso país.
Ele foi um dos maiores compositores da nossa história musical, um grande pedagogo, um notável investigador do património musical, nas suas mais profundas e históricas raízes nacionais, um incansável divulgador da cultura musical no nosso país e também um cidadão ímpar e exemplar.
Lopes Graça nunca teve benesses nem homenagens do poder, mas, como disse Raul Rego, elas também nada acrescentariam à sua obra, à sua vida, à firmeza da sua personalidade moral, intelectual e política.
Lopes Graça partiu mas a sua memória perdurará na obra que nos legou e na história da sua vida, como um exemplo inspirador para as novas gerações.
Lopes Graça morreu para a vida mas não morrerá na memória agradecida dos que o conheceram.
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Em nome do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, quero expressar à família de Lopes Graça e ao Coro da Academia dos Amadores de Música as nossas muito sentidas condolências.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se me é permitida uma simples palavra, em meu nome pessoal e em nome da Mesa, associo-me à homenagem feita aqui, nesta Câmara, a Lopes Graça, o criador e intérprete da alma musical portuguesa, pois ele não foi um compositor qualquer, foi um intérprete da nossa melhor tradição musical.
Mas quero também prestar uma homenagem ao cidadão/artista e lembrar o seu nome através da palavra «acordai» e da música que organizou para acordar a cidadania portuguesa, onde não sei o que admirar mais, se a abertura de espírito e a liberdade, se as consonâncias e dissonâncias que compõem essa música.
Ao Coro da Academia dos Amadores de Música, aqui representado por alguns dos seus membros, e a todos os Srs Deputados, apresento a minha homenagem profunda a Lopes Graça.
Aplausos gerais.
Peço, agora, ao Sr. Secretário que proceda à leitura do voto n.º 121/VI- De pesar pelo falecimento do Maestro Fernando Lopes Graça.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o voto e do seguinte teor.
O falecimento de Fernando Lopes Graça, constitui uma grande perda para a arte, para a cultura e para o País.
Fernando Lopes Graça é reconhecido como um dos maiores compositores de toda a nossa história musical, destacando-se, entre numerosas obras de grande valor, o Requiem pelas Vítimas do Fascismo em Portugal, a História Trágico-Marítima, o Canto de Amor e Morte, o ciclo de canções As Mãos e os Frutos, com poemas de Eugênio de Andrade, e as mais de três centenas de canções corais.
O reconhecimento nacional e internacional da sua obra traduziu-se em numerosos prémios que lhe foram atribuídos e distinções que lhe foram contendas.
O grande compositor e pedagogo foi também um notável investigador do património musical popular e um incansável divulgador da cultura musical no nosso país. A sua infatigável intervenção de intelectual, que vivia como poucos os problemas do nosso povo e do nosso país, projectou-se numa vastíssima obra publicada onde aborda os mais diversos domínios da cultura e da cidadania.
Com efeito, se o País acaba de perder um dos maiores vultos da sua cultura deste século, perde também um cidadão ímpar e exemplar.
Lopes Graça foi, desde a sua juventude, um firme resistente à ditadura fascista, tornando-se membro do PCP em 1948, onde militou até aos derradeiros dias da sua vida. Preso, pela primeira vez, em 1931, foi, desde então, alvo das maiores perseguições por parte dos governos de Salazar, que não só o impediram de ensinar em estabelecimentos públicos mas até lhe anularam o seu diploma de professor.
O Maestro, como era conhecido, não só não cedeu à repressão como intensificou a sua participação na luta antifascista. Esteve activamente ligado ao MUD, a partir de 1945, tendo composto, por esta altura, um conjunto de canções de resistência - «As Heróicas» - ainda hoje lembradas e cantadas. Entre 1947 e 1948 fundou o Coro da Academia de Amadores de Música, que divulgaria pelo País tanto «As Heróicas» como canções populares, muitas delas resultado da sua obra de investigador.
Depois do 25 de Abril, a par da permanente actividade de criador musical, esteve sempre presente na luta pelo desenvolvimento democrático do País.
Ao recordar o Maestro Lopes Graça, a Assembleia da República presta respeitosa homenagem à memória de Fernando Lopes Graça, certa de que ela perdurará, na sua obra e na história da sua vida, como um exemplo inspirador para as gerações vindouras, e exprime à sua família e à Academia de Amadores de Música sentidas condolências.
O Sr. Presidente: - Srs Deputados, vamos passar à votação.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Mário Tomé.
Peço a toda a Câmara o favor de guardar um minuto de silencio, em homenagem a Lopes Graça.
A Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.
Srs. Deputados, antes de entrarmos na ordem do dia, queria usar da palavra, interpretando, com toda a certeza, um sentimento partilhado por todos, para reiterar o nosso veemente e profundo protesto no dia em que se completam 19 anos de invasão do território de Timor Leste e a nossa solidariedade para com aquele povo, que tem sido vitimado nos seus direitos individuais e no seu direito a escolher o caminho que entende Ao dizer isto, interpreto, seguramente, o sentimento unânime de todos.
Aplausos gerais.
Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.
Eram 16 horas.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - O período da ordem do dia compreende uma primeira parte destinada à aprovação dos n.ºs 1 a 12 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias de 19, 20, 21, 26, 27 e 28 de Outubro e 2, 3, 4, 9, 10 e 11 de Novembro últimos.
Não havendo objecções, consideram-se aprovados.
Passamos ao objecto, propriamente dito, desta ordem do dia, que, como sabem, se traduz na apreciação e discussão da interpelação n.º 20/VI - Debate sobre política geral centrado na criminalidade violenta e tráfico de droga em Portugal (PS).
Para fazer a intervenção de abertura do debate, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama
O Sr. Jaime Gama (PS). - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Deputados' Ao desencadear uma interpelação ao Governo sobre criminalidade violenta e tráfico de droga, o PS deseja formalizar, na Assembleia da República, um tema que hoje constitui uma das principais preocupações e angústias da população portuguesa.
Jovem, adulto ou idoso, mulher ou homem, ninguém, no nosso país, sai à rua ou fica em casa sem que a perspectiva de um assalto ou de uma agressão não constitua uma hipótese a ponderar no seu dia-a-dia.
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Vozes do PSD: - Onde e que é isso? Em Nova Iorque?
O Orador: - A esta incerteza alia-se a preocupação constante pelo que pode acontecer aos seus filhos, fora ou dentro das escolas, nos cates e nas discotecas, nos jardins ou à porta de casa e nos quartéis, quando presta serviço militar, em matéria de risco de consumo de droga.
A situação a que se chegou merece, por isso, um acha-me rigoroso e responsável. O poder político não se deve furtar a um diagnóstico que, afinal, todos reclamam.
O Sr. Manuel Alegre (PS):- São uns irresponsáveis!
O Orador: - A argumentação oficial é simplista- no nosso país, de brandos costumes, o crime não atinge as proporções que caracterizam outras nações, de sociedades tipicamente violentas; Portugal e um oásis de paz, e tranquilidade públicas.
O Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Sem ignorar dados da comparação internacional, a verdade é que, desde o ano de 1985 até hoje, o crime sentenciado pelos tribunais - que é apenas uma parte do total - duplicou em Portugal. Numa década em que a população diminuiu, o número de pessoas singulares vítimas de crimes julgados passou para o dobro. A sociedade portuguesa tornou-se uma sociedade insegura.
Nos Estados Unidos da América, onde a criminalidade assume grandes proporções, nesse mesmo período, o crime apenas cresceu 20 % Ou seja, na última década, a taxa de crescimento do crime, em Portugal, foi cinco vezes maior do que a dos Estados Unidos.
Triste recordo do Governo, em matéria de luta contra a criminalidade. Não admira, aliás, que assim tenha acontecido, se não faz da luta contra o como uma prioridade governativa.
A ideia de que, em 30 anos, a nossa economia «apanha» a economia europeia tem aqui um corolário terrivelmente perigoso- o de que precisamos de apenas três anos para alcançar a média europeia do cume lastimável conclusão, reprovável objectivo!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Por isso, com serenidade, olhemos os factos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Só de 1990 para 1993, o crescimento da criminalidade global, em Portugal, foi da ordem dos 42 %.
O crime violento não pára de crescer. Segundo dados das forças de segurança, de 1992 para 1993 duplicaram os raptos e sequestros, duplicaram os assaltos a bombas dó gasolina, duplicaram os crimes com engenhos explosivos, os assaltos armados a pessoas aumentaram 20 %, os furtos e roubos em estabelecimentos aumentaram 19 %.
Este estado de coisas agravou-se extraordinariamente no primeiro semestre deste ano. O crime de homicídio atingiu o valor mais alto de sempre dos últimos anos, o roubo atingiu o valor mais alto de sempre e cresceu 56 %, o roubo por esticão cresceu 36 %, os crimes com engenhos explosivos aumentaram 100%, o rapto e o sequestro cresceram 28 %.
No primeiro semestre de 1993, havia 27 furtos qualificados por dia, em 1994, 50; em 1993, havia 12 furtos de veículos por dia, em 1994, 18, em 1993, havia 7 furtos de carteiristas por dia, em 1994, há 10.
Sr. Presidente, Srs. Deputados. O tráfico de droga é, hoje, o maior flagelo lançado sobre o País.
Ficamos chocados com as imagens de destruição transmitidas pelas televisões a propósito de conflitos em regiões distantes do globo, mas silenciamos o facto de que a droga destruiu e matou, em Portugal, mais do que muitas guerras juntas- 605 mortes por overdose, de 1985 a 1993, e dezenas de milhar de vidas destroçadas! -, e ameaça continuar a fazê-lo se não forem tomadas as medidas necessárias.
Em 1983, foram detectados 905 presumíveis infractores, em 1993, esse número ascendia a 5197 infractores.
Calcula-se que, em todo o País. o valor mínimo de toxicodependentes se situe acima dos 30 000 - há quem fale em 50000-, podendo ascender aos 100 000. O aumento recente do furto qualificado e do roubo por esticão indicia que o consumo pode estar a subir de forma dramática não apenas nos centros urbanos do litoral mas também no interior e nas zonas rurais. Nenhuma parcela do País escapa ao flagelo.
De 1992 para 1993 o tráfico de droga registado na área da PSP cresceu 24 % e na área da GNR 100%, mas, estranhamente, enquanto o número de condenados por consumo aumentava 100 %. o número de condenados por tráfico apenas aumentava 20 % - isto é, é nos fracos que a justiça avança! Aliás, num conjunto de 5 anos, objecto de análise tornada pública, 95 % das absolvições nestes processos concentra-se em traficantes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é aceitável - e só uma grande incúria das autoridades permitiu chegar a este estado de coisas - que certos pontos do país estejam institucionalizados como mercados de droga: é o caso do Casal Ventoso, em Lisboa..
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ..., sem protecção policial permanente e que, perante a passividade geral, se transformou numa autêntica Meca para consumidores e traficantes da capital e de outros pontos do país.
Aplausos do PS.
Um alto responsável da PJ prestou ontem, na televisão, um deplorável depoimento sobre a cobardia das autoridades em enfrentar esse tipo de situações.
Não é aceitável o estado de coisas detectado pela Procuradoria-Geral da República na Polícia Judiciária do Porto, em matéria de combate à droga 54 % dos inquéritos estavam praticamente sem diligências...
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Que vergonha!
O Orador: - ... e, dos iniciados, 15 % não eram movimentados desde 92; havia inquéritos com paralisações superiores a 6 anos; no conjunto, 95 % dos inquéritos tinham sido desencadeados não pela PJ Porto mas, sim, por acções de detecção de outros órgãos de polícia.
Não é aceitável que, até hoje, neste domínio de particular melindre, o Governo não tenha iniciado uma política interdepartamental, criado mecanismos eficazes de coordenação das forças de segurança, lançado um programa sério para a escola sem droga, reforçado o controle da fronteira portuguesa e desencadeado acções adequadas, pelo menos contra os mais notórios mercados de droga.
É grande e árduo o caminho de correcção que tem que ser traçado nesta área, onde se chegou ao paradoxo de seringas fornecidas gratuitamente pelo Estado serem reven-
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didas por pequenos narcotraficantes aos seus próprios clientes à saída das farmácias.
O Sr. José Vera Jardim (PS): - Um escândalo!
O Orador: - Na guerra contra a droga devem ser os portugueses honestos e sérios - que são a maioria esmagadora - e não os traficantes a declarar vitória; mas, até ao momento, são eles, infelizmente, quem parece estar a ganhar.
Aplausos do PS.
Enviamos forças militares para operações na ex-Jugoslávia, mas não enviamos polícia para o Casal Ventoso.
Aplausos do PS.
Temos serviços de informações que acompanham movimentações políticas e sindicais, mas não possuímos informações policiais à altura de deter o narcotráfico.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Fazemos grandes desfiles e paradas, mas não patrulhamos devidamente a nossa costa e só actuamos em acções de envergadura quando desencadeadas a partir de organismos internacionais de luta contra a droga.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Se a nossa capacidade para debelar o crime doméstico é pequena, os nossos meios para detectar o grande crime internacional, que passa por Portugal, esses são absolutamente nulos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, três factores essenciais enquadram o aumento da criminalidade: a ruptura financeira das famílias, o desemprego e a pobreza.
Quanto à ruptura financeira das famílias, desde 1990, o rendimento familiar tem sistematicamente diminuído, erosionando as taxas de poupança, que, aliás, já vinham em permanente quebra desde 1986.
O Banco de Portugal reconhece: «a queda do rendimento disponível dos particulares, estimada em, aproximadamente, 2,5 % em lermos reais (em 1993), afigura-se como o principal factor explicativo para o abrandamento do consumo privado, para o qual terá contribuído também a degradação do clima conjuntural e o aumento do desemprego que introduziu um factor de incerteza acrescida no horizonte temporal dos consumidores».
Relativamente ao desemprego, no final de Outubro deste ano, havia 402 761 desempregados em Portugal. Só num ano, de Outubro de 1993 a Outubro de 1994, o desemprego cresceu 23,8 % em Lisboa e Vale do Tejo e 17,9 % no Norte. Do conjunto dos desempregados, 1/4 são jovens com menos de 25 anos.
No que se refere à pobreza, estudos feitos há quatro anos revelam que cerca de 2 milhões de portugueses são pobres, isto é, não têm capacidade para dar satisfação às necessidades básicas de consumo. E desses 2 milhões de pobres, 10 %, isto é, 200 000, não podem garantir alimentação mínima, ou seja, estão na situação de passar, fome.
Degradação da situação financeira dos agregados familiares, desemprego e pobreza constituem, pois, a combinação ideal para o surto de fenómenos de criminalidade. Para mais, o sistema policial e judicial português está a funcionar, na prática, para garantir a impunidade de um núcleo substancial e intocável de criminosos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Vejamos o que resulta de uma perigosíssima conjugação de quatro factores: 74 % dos portugueses não apresenta queixa à polícia quando é vítima de qualquer espécie de crime; só 30 % dos processos participados são esclarecidos e levados a tribunal, isto é, 70 % da criminalidade perde-se na base da investigação; os processos que chegam a tribunal demoram hoje tanto como demoravam há 10 anos, fazendo aumentar as desistências, as prescrições e os efeitos das amnistias, 61 % dos arguidos não são condenados; só 9 % dos arguidos são condenados a prisão efectiva mas tem ao seu dispor uma das legislações mais permissivas em matéria de liberdade condicional, concebida, aliás, em função da superlotação dos estabelecimentos prisionais e não com base numa política criminal seriamente pensada.
Assim, o resultado desta conjugação perversa não é um obstáculo ao crime, é um favorecimento do Estado à prática criminosa.
Aplausos do PS.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A confiança dos cidadãos na sua polícia tende a degradar-se e essa degradação favorece poderosamente o crescimento impune da criminalidade. A triste constatação é de que a grande maioria dos cidadãos desiste de queixar-se à polícia quando é vítima de crimes.
O Sr. José Magalhães (PS): - É verdade!
O Orador: - Em Lisboa e Porto, mais de metade da população não sente segurança para sair à noite sozinha nas imediações das suas próprias casas. É, aliás, nas áreas metropolitanas onde se concentra a mais intensa criminalidade e onde, igualmente, se concentra a maior desarticulação e incapacidade de resposta das forças policiais.
Até hoje, a única consequência prática do célebre anúncio de criação de super-esquadras foi a diminuição do patrulhamento policial nas ruas.
Aplausos do PS.
Quando acontece qualquer problema a polícia nunca está ou nunca vê nada.
O Sr. José Magalhães (PS): - é verdade!
O Orador: - Os cidadãos que desistem de recorrer à polícia quando são atacados alegam que a polícia não é capaz de descobrir os criminosos ou que a polícia não se interessa pelos casos.
Como transparece de recente inquérito oficial, o cidadão acaba por ser vítima principal dos criminosos e vítima secundária da própria polícia e da máquina judicial, pela forma antipática como é tratado pelas forças policiais...
A Sr.ª Maria Julieta Sampaio (PS): - Muito bem!
O Orador: - .., pela falta de informação sobre o andamento dos processos, pela demora nas indemnizações e, sobretudo, pelo tempo gasto na engrenagem dos tribunais.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A esmagadora maioria dos portugueses, que não quer fazer da sua casa uma prisão gradeada...
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O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!
O Orador: - ... para se defender dos criminosos; que estão fora das prisões e fora das grades,..
Aplausos do PS.
...ºu que não tem, ela ou a sua família, o privilégio da se deslocar em carros à prova de bala rodeados por uma multidão de guarda-costas pagos pelos dinheiros públicos,...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ...exige uma resposta nacional ao gravíssimo problema da insegurança nacional.
Aplausos do PS.
O Orador: - Os meios e a qualidade das polícias devem ser melhorados. Ainda este ano propomos, em sede orçamental, transferências de verbas da dotação provisional para reforço de dotações na prevenção e combate à delinquência e criminalidade. Mas melhor seria aplicar no combate à criminalidade, por exemplo, os 7 milhões de contos de dívidas aceites por Portugal para sustentar o esforço de guerra em Angola, ou, ainda, inverter situações irracionais como aquela que faz empenhar mais efectivos na segurança pessoal do Primeiro-Ministro do que no Gabinete de Planeamento e de Coordenação do Combate à Droga.
Aplausos do PS.
Para que haja menos crime no País é preciso que haja mais polícia nas ruas, que a polícia esteja mais perto do cidadão, que seja mais correcta com as pessoas de bem e mais eficaz na perseguição aos criminosos, que sejam criadas áreas de emergência em certas zonas urbanas e Suburbanas.
É preciso evitar que a droga invada as cidades, as escolas, os quartéis, os cafés, as discotecas, as ruas, as praças e os jardins.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Esqueceu-se do Largo do Rato...!
O Orador: - É necessário agir com determinação e proceder ao desmantelamento dos gangs, é necessário vigiar a nossa fronteira; e necessária uma escola sã, exijam segurança ao seu redor, com informação sobre os malefícios da droga e com uma adequada gestão do despeito e dos tempos-livres; é necessário um empenhamento completo dos cidadãos e do Estado contra o crime organizado.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!
O Orador: - São necessárias firmeza, convicção e coragem.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não desistiremos desta batalha!
Enquanto houver criminosos à solta não viveremos tranquilos! Enquanto houver mães espancadas pelos próprios filhos para pagar e adquirir droga aos traficantes, Portugal nunca será uma sociedade de liberdade e de justiça.
Aplausos do PS.
O Sr. Silva Marques (PSD). - E o que é que o senhor fez enquanto foi Ministro da Administração Interna?
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.
O Sr. Ministro da Administração Interna (Dias Loureiro): - Sr Presidente, Srs. Deputados: Esta iniciativa do PS poderia ser importante, pois debater nesta sede as questões da segurança em Portugal poderia ser, de facto, positivo. Mas, para isso, é necessário uma coisa, que tenhamos todos nós, agentes parlamentares, uma atitude de seriedade.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. José Magalhães (PS) - E não teve?
O Orador: - ... e, infelizmente, o discurso que acabei de ouvir do Sr. Deputado Jaime Gama, que não é qualquer pessoa mas, sim, o líder da bancada socialista, não trouxe para este debate nada de sério.
Vozes do PSD:- Muito bem!
O Orador: - O que o Sr. Deputado Jaime Gama acabou de fazer foi um exercício da mais despudorada demagogia.
Aplausos do PSD.
O Sr. Deputado não hesitou, com base em números que não leu ou que não fundamentou, em lançar o alarme,...
O Sr. José Magalhães (PS): - O alarme já está lançado!
O Orador: - ...num tema tão importante como o da segurança, para a sociedade de um modo geral; não hesitou em dar a entender, nas linhas e entrelinhas, que, em Portugal, nesta matéria, estamos pior do que os Estados Unidos da América;...
Vozes do PSD: - É uma vergonha!
O Orador: - .. não hesitou, na mais despudorada demagogia, em apresentar como solução para o combate à droga, o simples retirar da segurança ao Primeiro-Ministro e afectar esses elementos ao Gabinete Coordenador de Segurança ou ao Gabinete de Combate à Droga.
Isto, Sr. Deputado, chama-se demagogia, como eu mais detalhadamente tentarei demonstrar daqui para a frente.
Aplausos do PSD.
A primeira coisa que eu gostaria de dizer, Sr. Deputado, é que se hoje as questões de segurança, no nosso país, têm a relevância que têm é, sobretudo, por uma razão porque o Governo as trouxe questões para a ribalta política,...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - ... quando definiu uma política, coisa que anteriormente não acontecia, pelo menos tão claramente! Foi por isso, e só por isso, que, hoje, o Sr. Deputado do PS, a imprensa e a comunicação social, de modo geral, dedicam tanto tempo e tantas linhas a este assunto.
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O Sr. José Magalhães (PS): - Não! É porque o crime aumentou!
O Orador: - Mas atrevo-me, ainda, a fazer um apelo para que vejamos as coisas com serenidade, para que este debate tenha, de lacto, alguma importância em relação à segurança no nosso país.
Quando, como o Governo fez, se quer definir uma política, a primeira coisa que é necessário é saber os factos com que lidamos e as previsões razoáveis que podem fazer-se.
Vamos, então, falar dos factos Em Portugal, hoje, há 883 crimes por 100000 habitantes- este é um facto! Mas se quisermos analisar estes mesmos números num sentido dinâmico veremos que a criminalidade no nosso país crescia, nos anos de 1989 a 1991, a uma taxa média de cerca de 13, 14 %, - e cito dados da Procuradoria-Geral da República -, baixando, no ano de 1992, para 8 % e no ano de 1993 para 2,9 %, ainda segundo números da Procuradoria-Geral da República, mais altos, aliás, do que os do Ministério.
É verdade que, nesta análise dinâmica que estamos a fazer da criminalidade, reconhecemos que no primeiro semestre de 1994, em relação a alguns tipos de crime, houve uma ligeira subida, mas para isso temos de atentar nos números absolutos de que partimos, porque, Srs Deputados, dizer que nos Estados Unidos da América a taxa de crescimento já não é tão grande e desconhecer a realidade desse país, onde há um crime violento por segundo.
Se se pretender que essa relação passe para um crime violento por meio segundo, então, os senhores estão a dizer que nos Estados Unidos da América não está a crescer tanto a criminalidade como aparentemente poderia crescer.
De facto, em relação aos números das nossas estatísticas, pega-se neles e fala-se sem ver a realidade que está por trás.
O Sr Deputado referiu alguns tipos de crimes e eu consultei, muito rapidamente, o meu dossier para ver qual tinha sido a evolução, a fim de lhe poder responder agora mesmo. Assim, posso dizer-lhe que o crime praticado com engenhos explosivos, tal como o senhor disse, aumentou 25 % Isso e verdade! Passaram de 24 para 30!...
Mas há coisas ainda mais graves do que essas, por exemplo, em relação aos raptos e sequestros, que foi outra realidade que aqui citou.
Em Portugal, nos últimos três anos, houve dois raptos que podem ser qualificados como tal e todos os factos que estão qualificados como raptos e sequestros nas nossas estatísticas têm a ver com o seguinte: no caso dos casais divorciados, ao fim-de-semana, o pai ou a mãe vai buscar os filhos a casa do outro progenitor e, por vezes, sempre que o pai ou a mãe, conforme o caso, entregam a criança um pouco mais tarde, o outro vai à polícia queixar-se que o filho foi raptado.
Esta e a realidade que o Sr. Deputado agora aqui trouxe da gravidade dos raptos e sequestros no nosso país, que, de facto, como disse, nos últimos três anos, foram dois - aliás, são perfeitamente conhecidos. E esta a gravidade!...
Mas, quanto à criminalidade, interessa saber também como nos situamos em relação aos demais países, sobretudo os nossos vizinhos europeus, para analisarmos qual a gravidade efectiva daquilo que se passa no nosso país em matéria de segurança e criminalidade. Em Portugal - disse-o há pouco - há 883 crimes por 100 000 habitantes, mas, em Espanha, esse número e de 2 447; em França, de 6 748; na Alemanha, de 8 337; no Luxemburgo, de 7 360; na Holanda, de 10 205 e na Dinamarca, de 10 555 Este é o panorama da criminalidade nos países nossos vizinhos.
Ainda que, por acaso, os Srs. Deputados quisessem dizer- e sobre isso poderemos discutir sobejamente - que nem todo o crime é participado, o que acontece tanto em Portugal como em todo o mundo, se o Sr. Deputado multiplicar o crime português por três ou por dois, verificará quão longe ainda estamos, felizmente para nós, deste conjunto de países. Isto é, se o Si. Deputado entende que os portugueses estão quase condenados a viver dentro das suas casas como se estas fossem prisões com grades, como se poderá viver neste conjunto de países que são os países da União Europeia, de que fazemos parte?!
Aplausos do PSD.
E em relação a dois tipos particulares de crime, que tanto o Sr. Deputado, como o Si Deputado Alberto Costa - foi por isso que também o citei aqui, no último programa Parlamento sobre a droga -, referiram de modo particular, ou seja, a droga e o furto qualificado, vou também fazer uma comparação entre o que se passa em Portugal e os países nossos vizinhos.
Em Portugal, o número de crimes relacionados com a droga é de 39/100 000 habitantes, enquanto que, em Espanha, é de 62/100 000 habitantes, na Bélgica, de 90/100 000 habitantes, em França, de 112/100 000 habitantes e, na Alemanha, de 150/100 000 habitantes.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E, já agora, em matéria de furto qualificado, vou dar-lhes também os números, em Portugal, esse número é de 24/100 000 habitantes; na Alemanha, de 60/100 000 habitantes; na Bélgica, de l (X)/100 000 habitantes, na França, de 121/100 000 habitantes e, em Espanha, de 201/100 000 habitantes. Note-se que. em Espanha, estamos a falar de alguma coisa que e quase dez vezes superior ao número respectivo em Portugal.
Não é por acaso - e os Srs Deputados, que lêem tantos relatórios, deviam lê-los na totalidade para, então, discutirmos isto com alguma seriedade - que o último World Comparative Report diz que Portugal, em 22 países, tem o segundo melhor lugar no que respeita a crimes graves e o quinto melhor lugar, em 41 países, no que respeita ao mesmo tipo de crimes E já que o Sr. Deputado falou tanto de que, em Portugal não há sentimento de segurança e que as pessoas não se sentem protegidas pelas instituições, devo dizer-lhe que, neste relatório. Portugal e o oitavo melhor país na confiança dos cidadãos no sistema de protecção.
Quero acrescentar ainda que, se o Sr. Deputado não pretende ficar apenas por este relatório, pois há pouco serviu-se de alguns números do inquérito de vitimação, deveria ter a honestidade de ter lido tudo, porque lá se diz que, enquanto que, no relatório de 1990. apenas 50% das pessoas tinham sentimento de segurança, neste relatório de 1992 - que o Sr. Deputado usou também para ler outros números -, esse valor é já de 74 %. Ora, se uns números são válidos, os outros também o têm de ser e o Sr. Deputado terá de os aceitar a todos de igual maneira!
Aplausos do PSD.
É evidente que fazer esta comparação não significa que, em Portugal, estejamos no melhor dos mundos. É evidente que temos problemas de segurança. E ocorre-me também dizer-lhe, a propósito deste país inseguro em que vivemos, tal como o Sr. Deputado o qualificou - e, com todo o gosto, poderei proceder ao respectivo envio para a bancada do
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seu grupo parlamentar -, que recebi, há dois ou três dias, a mais conceituada revista de turismo do mundo, revista que é publicada para os operadores turísticos, onde são citados apenas cinco destinos turísticos seguros no mundo inteiro, um dos quais é Portugal, sendo dois dos outros a Áustria e a Suíça. Afinal, este país inseguro não e visto assim de um modo tão inseguro pelas pessoas que o podem procurar como destino turístico, sendo mesmo aconselhado para esse efeito!
Mas, Sr. Deputado, isto não significa que, em Portugal, não há problemas, e, muito menos, que não poderão vir existir mais problemas'
O Sr. Deputado citou três aspectos, nos quais, em KPU entender, assenta a criminalidade em Portugal, mas não tem razão, porque, se esta assentasse apenas nesses aspectos, teria havido períodos da nossa história em que a percentagem da nossa criminalidade seria muito maior Quando o Sr. Deputado fala na ruptura financeira das famílias, no desemprego e na pobreza, tal não é válido, porque houve períodos da nossa história antecedente muito piores nesta matéria e, apesar de tudo, com menos criminalidade em termos absolutos.
Há outras razões - essas, sim, preocupam-me -, que me parecem bastante mais razoáveis e foi nelas que fundámos a nossa política. E passarei a descrevê-las, pois entendo que são para elas os cuidados que teremos de ter, dedicando-lhes atenção.
Não se esqueça, por exemplo, que a Conferência das Nações Unidas, de 1990, previu que, até ao fim do século, a progressão da criminalidade no mundo, num sentido crescente, seja de 17 % ao ano e esse é um elemento que temos de ter em conta. No mundo inteiro, nesta matéria, a tendência não é para que as cifras diminuam, mas, pelo contrário - como o diz esta comissão das Nações Unidas -, para que subam fortemente. Essa é uma chamada de atenção muito clara e é alguma coisa que tem de servir-nos para fundamentarmos, delinearmos e estruturarmos uma política.
Um outro desafio importante que temos de ter em conta é o facto de, já a partir de Março de 1995, passarmos a viver num quadro- o espaço Schoengen -, de liberdade de circulação. Esse é obviamente um desafio a que temos de atender e, na política que definirmos, é necessário prepararmo-nos para ele.
Mas há ainda um outro aspecto, mais importante do que todos estes: a suburbanização das nossas sociedades. Isso não acontece apenas na sociedade portuguesa, mas também nas europeias e em todas as outras, nos países desenvolvidos e nos subdesenvolvidos.
É na suburbanização que pode nascer um caldo de culturas ou de ausência de culturas, que, esse sim, pode ser perigoso e pode alterar completamente as coisas. O crescimento das áreas suburbanas é, porventura, hoje, o maior desafio à criminalidade e à segurança e o que se passa em termos de números actuais relativos à criminalidade e já o reflexo disso mesmo Porque, Sr. Deputado, do total global da criminalidade no nosso país, 65 % está na zona da Grande Lisboa E, mais ainda: em alguns tipos particulares de crime, se juntarmos Lisboa e Porto, teremos a quase totalidade dos crimes dessa espécie praticados em Portugal. Por exemplo, 80% dos casos de assaltos a pessoas acontecem em Lisboa e Porto, bem como 81 % dos casos de tráfico de droga e 76 % dos furtos. De facto, Sr. Deputado, o crescimento suburbano das últimas décadas não é seguramente alheio a tudo isto.
Dar-lhe-ei ainda mais alguns números, para que possam ter a dimensão deste problema e de como temos de estar atentos, porventura fazendo dele a nossa primeira prioridade.
A população do concelho de Lisboa, da década de 50 para a década de 90, baixou 15 % No mesmo espaço de tempo, a população de Loures subiu 538 %: a população de Sintra aumentou em 331 %; a de Vila Franca de Xira, 216 %; a de Oeiras, 184 %; a de Almada, 246 % e a do Seixal 633 %. Este é o principal fenómeno a merecer a nossa atenção. Consequentemente, o grande desafio nesta matéria é o de não deixar crescer o suburbano e, sobretudo, promover a integração daqueles que aí estão socialmente desintegrados. É aqui que deve radicar a estratégia mais importante da política de segurança no nosso país.
Vozes do PS: - É no subdesenvolvimento!
O Orador: - E já vamos ver, Srs. Deputados, como esta tem sido de facto matéria da preocupação do Governo e tem feito tanto parte da nossa política como não tem feito parte - nem faz - da política do PS. Vou dar-lhes disso alguns exemplos. Quando falamos em integração social, estamos a falar em muitas coisas, designadamente no acesso à habitação, à educação, ao trabalho e à protecção social. Quando o Governo faz um programa de combate às barracas através da construção de habitações, está a agir no cerne desta questão, procurando a integração e fazendo com que existam menos condições para que esses espaços sejam locais onde a criminalidade possa proliferar Quando tomamos uma tal medida, estamos a agir no cerne da questão da segurança.
Mas mais, Srs. Deputados, quando o Governo define, como definiu, a política de imigração e asilo está a actuar sobre esta questão, não deixando que, em Portugal, o suburbano e a desintegração social do suburbano cresçam. E os Srs. Deputados do PS, que hoje vêm aqui fazer um discurso alarmado e alarmante sobre segurança, deveriam interrogar-se a vós próprios sobre as posições que têm tomado em relação à imigração e ao asilo no nosso país. Se esta matéria fosse como os Srs Deputados do PS pretendem, então, o suburbano de Lisboa não seria assim e o Seixal não cresceria 600 %, mas 1 200 %, nem Loures cresceria 500 %, mas 1 000 %.
Felizmente, não é assim, porque, nessa matéria, o Governo tem uma política, que entendo responsável, de ataque a esta questão, quando diz que não podemos deixar crescer as zonas suburbanas, onde este caldo de cultura criminógena germina. Pelo contrário, temos de fazer-lhe face e, neste momento, estancar o fluxo migratório. Promover a integração e a melhor receita. É a melhor atitude que se pode ter para combater a criminalidade, mais do que pôr polícias na rua- se bem que isso seja também importante.
Sr. Deputado, nós temos uma política e essa é a diferença que existe entre nós e o PS, que faz discursos e diz algumas coisas avulsas Só que quem faz a política, quem está a lutar por ela e quem está a executá-la, felizmente para os portugueses, é o Governo e não o PS.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Quanto à política de segurança que o Governo definiu, não lhe darei nenhuma novidade, pois tanto temos falado nela que até o PS já a conhece. Assenta em alguns princípios e prioridades elementares e, em primeiro lugar, no princípio de que a segurança é uma obrigação do Estado.
Pode questionar-se a razão de ser dos impostos - por que é que os cidadãos têm de pagar impostos -, havendo muitas respostas para isso, mas há uma que deve unir-nos
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a todos e na qual com certeza todos os cidadãos estão unidos, a de que, em primeiro lugar, os cidadãos pagam impostos para terem segurança através do Estado Há muitas coisas que o Estado lhes dá e que outrem lhes poderia dar, mas isto seguramente não. Nós não queremos uma sociedade em que seja necessária a autodefesa dos cidadãos, pois entendemos que o Estado tem obrigação estrita de providenciar a segurança. É o primeiro princípio da nossa política de segurança.
Como decorre daquilo que disse, a segurança é uma política de instrumentos múltiplos. Radica numa sociedade socialmente equilibrada e tudo o que se faz para que assim seja é trabalho que se faz pela segurança. Radica na integração social dos excluídos, sobretudo dos imigrantes e dos nacionais que são claramente minorias de excluídos. Fazer com que este desejo seja uma realidade é actuar naquilo que é o alicerce da nossa política de segurança. É o que estamos a fazer, como há pouco lhes disse, por exemplo, no caso da erradicação das barracas ou da nossa posição face à imigração clandestina e ao asilo. E veja o Sr. Deputado o que ainda agora fizemos, quando aprovámos um diploma, penalizando as empresas que empreguem imigrantes clandestinos.
Em segundo lugar- o outro desafio de que há pouco falei -, temos a liberdade de circulação das pessoas. O Governo português, nesta matéria, tem assumido uma atitude com princípio, meio e fim.
Aliás, se este desafio é novo e é da Comunidade Europeia no seu todo, será na Comunidade que teremos de procurar instrumentos de cooperação que potenciem as nossas defesas face à possível insegurança da liberdade de circulação.
Em relação à EUROPOL temos defendido que este organismo não deve ficar-se pelo controlo da droga e que deve alargar-se ao terrorismo e à criminalidade organizada.
Temo-nos batido, aliás fortemente, pela ratificação da Convenção de Dublin, pela Convenção de Passagem de Fronteiras, e ainda neste último Conselho conseguimos dar um passo que eu acho importante e que era uma luta sobretudo portuguesa - depois seguida pela Grécia - desde há muito tempo. Estou a referir-me à ideia de que se temos uma larga fronteira externa e se essa fronteira externa é de toda a Comunidade, então deve haver uma co-responsabilização do conjunto dos países comunitários pelas fronteiras externas dos países que as têm para defender.
Esta proposta, apresentada por Portugal - e que andou para a frente e para trás -, foi finalmente aprovada no último Conselho de Ministros da Comunidade.
Por sugestão ainda de Portugal e da Grécia, tornou a baixar ao K.-4, mas o princípio já está adquirido.
Parece-nos, portanto, que, também relativamente ao contributo da União Europeia para a nossa segurança, Portugal não tem descuidado, na sua política, os interesses nacionais.
Em relação à cooperação bilateral, para fazer face à liberdade de circulação de pessoas, celebrámos acordos, em que se prevêem programas comuns de luta contra o terrorismo e o crime organizado, nomeadamente com a Espanha - que são os mais detalhados e que vão ao ponto de instituir brigadas mistas de fiscalização -, com Marrocos e até com a França. Aliás, o acordo com este último país está pronto e deve ser assinado ainda este ano ou, o mais tardar, no princípio do ano que vem.
Também neste aspecto estamos a defender os interesses dos portugueses no sentido de que a liberdade de circulação não se transforme em insegurança para as pessoas.
Obviamente que não descuramos - e não desconhecemos também - o papel que deve ter a presença da polícia na rua, como medida desincentivadora da prática de crimes e por isso, lançámos mãos a uma reestruturação, que mereceu do Sr. Deputado Jaime Gama a afirmação de que não a vê e de que não trouxe mais polícias para a rua. Já lhe responderei em concreto, Sr. Deputado, quantos polícias há mais e onde é que os há.
Mas esta reestruturação partia de alguns princípios: em primeiro lugar, de que tínhamos polícia suficiente mas mal distribuída, que estava actua a tarefas que não tinham a ver com a segurança, em segundo lugar, de que a polícia necessitava de modernização, porque o Estado, durante as últimas décadas, tinha-se esquecido de investir nas forças de segurança.
Em suma, havia que servir melhor com o contingente de polícias e de guardas que tínhamos e de gastarmos menos dinheiro.
Em segundo lugar, foram definidas, à malha mais fina, todas as zonas de risco que o País tem e a maneira de fazer-lhes face. Por exemplo, estabelecemos imediatamente, em 61 escolas, um programa especial, que levou a que as ocorrências baixassem na proporção de cinco para um.
Refiro também a criação de um corpo especial de polícia, que começará a operar a partir de Fevereiro de 1995, apenas para actuar nos comboios das zonas suburbanas - linhas de Sintra e Cascais - e no metropolitano de Lisboa.
Depois atribuímos um ramo população/polícia (tantos polícias para tantos habitantes), concentrando depois - são as divisões concentradas -, para evitar...
O Sr. Presidente: - Atenção ao tempo, Sr. Ministro.
O Orador: - Sr Presidente, atrevo-me a solicitar a benevolência de V. Ex.ª e a pedir-lhe para, se possível, descontar este excesso de tempo naquele que o Governo terá para o encerramento do debate. Mas serei muito breve e não demorarei muito tempo.
O Sr. José Magalhães (PS): - Há que saber gerir o tempo.
O Orador: - Em terceiro lugar, procedemos à concentração...
Sr. Deputado José Magalhães, estamos a falar de coisas importantes...
O Sr. José Magalhães (PS): - Estamos a falar da boa preparação para discutir as questões.
O Orador: - Em terceiro lugar, a concentração. Neste aspecto, fizemos já concentrar em Lisboa uma divisão e, no Porto, abrirão, no princípio do ano, as novas divisões da Bela Vista e do Bom Pastor.
Em relação ao resto do País espero que, no próximo ano, possa ser concentrada Vila Nova de Gaia e, em 1996, a cidade de Almada.
Por outro lado, foram já substituídas a GNR pela PSP ou a PSP pela GNR em 20 concelhos do nosso país.
Depois, há que fazer com que, cada vez mais, a polícia esteja afecta a missões de segurança na rua. E, aqui, chego ao ponto que o Sr. Deputado Jaime Gama falou na sua intervenção.
Sr. Deputado, hoje em dia, em missões de segurança na área do Comando Distrital de Lisboa existem 6257 agentes, sendo que, destes, 72,5 % estão em missões efectivas de segurança na rua..
O Sr. José Magalhães (PS): - Aonde?
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O Orador: - .. e, cada vez mais, estamos a levar as pessoas do aquartelamento, da esquadra, para a rua.
Assim, por exemplo, o ano passado, um ano em que já se tinham feito progressos, conseguimos pôr na rua, todos os dias, 1624 polícias só no concelho de Lisboa e, esta ano, já aumentámos esse número em 10 %. Aquela taxa era de 63 % de utilização da capacidade policial e este ano vamos em 73 %. Quer isto dizer que estamos, pouco a pouco, a andar para a frente.
Mas, já agora, deixem-me referir mais alguns números. Quando cheguei ao Governo, em cada turno, na cidade de Lisboa, saiam para a rua 140 polícias. Ora, 140 polícias vezes quatro turnos dá um total de 560 polícias. Srs. Deputados, em 1994 vamos em 1824 polícias. Ou eu sei multiplicar ou estamos com três vezes mais polícias na rua nas zonas da cidade de Lisboa.
Aplausos do PSD.
O Sr. José Magalhães (PS): - Onde é que isso se vê?
O Orador: - Em relação à cooperação entre as várias forças de segurança, foi, pela primeira vez, estabelecido um protocolo de combate à droga entre a PSP, a GNR, a Polícia Judiciária e a Alfândega. Isto está a funcionar no país inteiro, a nível distrital, em alguns lados seguramente melhor, noutros menos bem, em certos locais excelentemente como, por exemplo, em Faro. Mas está a funcionar.
O Sr. José Magalhães (PS) - Aonde?
O Orador: - Por outro lado, aprovámos a lei dos serviços municipais de polícia, que não as torna forças da ordem pública, mas definimos, como disse o Sr. Presidente da Câmara de Faie, vosso companheiro de partidos, aquilo que há 50 anos o País esperava Estas palavras são dele e não minhas.
Em relação às empresas privadas de segurança, mudámos a legislação no sentido de que essas empresas são necessárias mas têm de ser fiscalizáveis pelo Governo e que este tem poder...
O Sr. Presidente: - Peco-lhe que conclua, Sr. Ministro.
O Orador: - ... para dizer se elas são ou não credíveis.
Mas, já agora em relação à modernização - e acabo já, Sr. Presidente -. o Sr. Deputado tem também como objectivo que sejam dados cada vez mais meios às polícias, porque elas têm falta deles.
Sr. Deputado, eu sou a primeira pessoa a reconhecer que, durante muitos anos, faltaram meios à polícia. O Estado esqueceu-se de valorizá-los. Mas, já agora, deixe-me dizer-lhe que de 1992 a 1995, ou seja, em quatro anos, gastaram-se em instalações 14,5 milhões de contos. Neste momento exacto há obras em 93 localidades, em todos os distritos e nas duas regiões autónomas. Além disso, nas telecomunicações foram investidos 2,5 milhões de contos.
No passado, de facto, investiu-se muito pouco.
O Sr. José Magalhães (PS: - É um facto!
O Orador: - Vou dar apenas um exemplo - e estamos hoje a pagar também isso -, o do Governo do «bloco central». Nesse Governo, em 1984, o Orçamento do Estado destinou a instalações 95 000 contos,...
O Sr. José Magalhães (PS): - Estava lá o PSD!
O Orador: - .. isto é, a preços de hoje, 265 000 contos. Em 1985 o investimento foi de 108 000 contos, o que daria, a preços de hoje, 293 000 contos.
Srs. Deputados, é bom falar de meios e fazer discursos, mas é bom, sobretudo, ser capaz de levar à prática os discursos. Nós estamos a preocupar-nos com isso e às verbas que citei contrapomos 14,5 milhões de contos em instalações, mais 2,5 milhões em telecomunicações.
Em suma - e tenho de acabar. ...
O Sr. José Magalhães (PS): - Já tinha!
O Orador: - ... porque já mais que esgotei o meu tempo com a benevolência de V. Ex.ª, Sr Presidente -, quero dizer que há, de facto, uma política de segurança em Portugal e que essa política de segurança é do Governo, foi o Governo que a definiu e é o Governo que está a executá-la. E a diferença, nesta matéria, entre o Governo e o Partido Socialista, é que os senhores têm um discurso alarmante e demagógico e nós temos acções todos os dias; os senhores estão preocupados em ganhar votos à custa da segurança e nós estamos preocupados..
O Sr. José Magalhães (PS): - Em perdê-los.
O Orador: - ... com a segurança dos portugueses. Essa é a nossa principal diferença!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro da Administração Interna, inscreveram-se os Srs. Deputados Eduardo Pereira, Isabel Castro, António Filipe, Alberto Costa, João Corregedor da Fonseca, José Magalhães, Miranda Calha e a Sr.ª Deputada Maria Julieta Sampaio.
Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Jaime Gama, tem a palavra - agora sim - o Sr Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD)- - Falava eu, Sr. Presidente, das debilidades teóricas da intervenção do Sr. Deputado Jaime Gama, do seu carácter marcadamente contraditório, da sua postura conservadora - diria mesmo reaccionária- no que toca ao pensamento do criminal e, digamos assim, da indigência de soluções propostas.
São quatro acusações para cuja justificação agradecia, Sr. Presidente, que me desse um minuto.
Em primeiro lugar, é espantoso que, nos tempos que correm e com os conhecimentos actuais, o Sr. Deputado Jaime Gama converta, com uma facilidade espantosa, os dados da criminalidade oficial, a criminalidade conhecida pelas instâncias de controlo, a criminalidade que chega à polícia, a criminalidade das condenações, na «criminalidade».
Sr. Deputado, este é um salto que já ninguém dá em Portugal. Nem a sua bancada! Os discursos que temos ouvido da sua bancada já não fazem esse salto!
Certamente ao Sr. Deputado também terá chegado a notícia de que há por aí uns inquéritos de vitimização que permitem, com maior proximidade, um certo olhar sobre a criminalidade real e a propósito desses inquéritos o Sr. Deputado faz afirmações espantosas, tal como a de que 61 % dos arguidos são absolvidos nos processos, não são condenados.
É óbvio, tem de ser assim! Sabe porquê? Porque estamos num Estado de direito e num Estado de direito há garantias de defesa, há a presunção de inocência...
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O Sr. José Magalhães (PS): - E há ineficácia.
O Orador: - ... dos arguidos, há a possibilidade de defesa e há uma coisa extraordinária chamada indubio pro reo.
Por estes princípios do Estado de direito morreu muita gente, Sr. Deputado, talvez gente da sua família, do ponto de vista histórico.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - É em nome destes princípios do Estado de direito que 61 % dos arguidos são absolvidos. E, se calhar, devem ser mais!...
Protestos do Deputado do PS José Magalhães.
O Orador: - Sr Deputado José Magalhães, quer falar?
O Sr. José Magalhães (PS): - A seu tempo falarei.
O Orador: - Então agradecia-lhe que respeitasse a minha intervenção, fazendo eu a promessa de respeitá-lo.
O Sr Deputado lamenta-se também porque apenas 9 % dos condenados vão para a prisão. Infelizmente este número não e correcto, infelizmente as nossas condenações à pena de prisão são superiores. Oxalá fossem!...
Sr. Deputado, sabe quantas são, hoje, as condenações à prisão nos países civilizados da Europa. Na Alemanha, por exemplo, são 7 %, porque o resto é outro tipo de reacções e é para outro tipo de reacções que, na medida do possível, uma sociedade que acredite na liberdade deve caminhar. Nós acreditamos na liberdade, acreditamos que a prisão e uma medida necessária mas que é uma medida de última ratio e é preciso restringi-la ao limite possível.
Infelizmente, Sr Deputado, ainda não estamos nos 9 %. Oxalá estivéssemos!
Do ponto de vista teórico o Sr. Deputado dá-se conta de um estereótipo velho de séculos: «Quais são as causas do crime? A pobreza.»
Isto foi dito e redito há muitos séculos e está completamente ultrapassado. Há também os crimes dos ricos e muitos deles tem a ver com a violência - e se têm!... Há todo um conjunto de factores que já não tem nada a ver com essa velha história, que foi ultrapassada a partir do momento em que, na Europa e no Mundo, se começou a falar de uma coisa chamada socialismo A partir daí abandonou-se o estereótipo da pobreza.
Falou, depois, da indigência e das respectivas soluções. Para o Sr Deputado todo o problema criminal se resolve com mais polícia. E todas as outras medidas? Que e feito de um partido socialista que se reivindica de cultura? Não há uma única proposta no campo cultural.
Sr Deputado, o problema criminal, hoje, é, sobretudo, um problema cultural, um problema de coesão de uma sociedade em torno de valores fundamentais. Pensei que as soluções do Partido Socialista iam mais além do que o mero e estafado estereótipo da guerra, ao crime e ao criminoso, identificando o crime e o criminoso com o pobre, identificação que leva facilmente ao velho estereótipo tradicional classes pobres, classes perigosas, «porrada» sobre os pobres. E isto tem o efeito de profecia...
Aplausos do PSD.
Vozes do PS: - Quem a dá está ali, está sentado na bancada do Governo!
O Sr. Presidente: - Atenção ao tempo, Sr. Deputado.
O Orador: - Sr. Deputado, isto tem um efeito de self fulfilling prophecy, profecia que se cumpre a si mesma. Porque, na medida em que se acredita que a criminalidade é um problema dos pobres, mais a selecção privilegia os pobres e mais os ricos escapam à malha da justiça.
Protestos do Deputado do PS José Magalhães.
Também, Sr. Deputado!
Uma boa acusação, uma boa ajuda que o Sr. Deputado José Magalhães acabou de me dar.
O Sr. Presidente: - Queira terminar. Sr. Deputado.
O Orador: - Por último, e para terminar, já que a urgência do tempo assim o impõe, nunca vi, vindo do responsável socialista, discurso mais conservador, mais - e não queria usar palavras mais fortes - de direita. Em todo o mundo, a direita tem um discurso como o que o Sr. Deputado fez. As forças progressistas jogam mais na liberdade, na cultura, noutros factores, em menos «porrada» e mais cultura, menos estereótipos, menos estigmatização sobre os pobres.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós não protestamos contra o abuso de tempo por parte do Sr. Ministro da Administração Interna, porque até achávamos que ele tinha o direito de falar durante três horas neste debate, tal era o conteúdo daquilo que estava a dizer...
Vozes do PS: - Muito bem!
Protestos do PSD.
O Orador: - Sr. Deputado Costa Andrade, devo confessar-lhe que não é grave o que V. Ex.ª diz, o que e muito mais grave e que acredite naquilo que diz.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - V. Ex.ª é o exemplo típico, nesta matéria, da ideologia dos anos 60.
O Sr. Ministro Dias Loureiro: - Olha quem fala!
O Orador: - Fala, fala, fala, mas é o símbolo adequado daquelas pessoas que nunca foram chamadas e enfrentar-se com a realidade. Aliás, percebo que seja por isso...
Protestos do PSD.
.. percebo que seja por isso...
Protestos do PSD.
.. percebo que seja por isso...
Vozes do PSD: - O disco está partido!
O Orador: - .. percebo que seja por isso que V. Ex.ª nunca tenha sido chamado a ser ministro da justiça por parte do seu Governo.
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Protestos do PSD
V Ex.ª veio aqui socorrer a posição do Governo! E a posição do Governo e do PSD, nesta matéria, 4 típica. Em primeiro lugar, vive num pais que não existe, ou melhor, não conhece o País em que vive! O que VV. Ex.ªs vêm dizer é que Portugal deve ter uma criminalidade maior, que o crime ainda não atingiu a média europeia- o que deve atingir- e que os cidadãos devem estar perfeitamente tranquilos, não porque haja mais homicídios...
Protestos do PSD.
..., não porque haja mais assaltos à mão armada, não porque haja mais roubos violentos Não devem estar, rigorosamente, nada preocupados com isso, o que devem estar é preocupados com a circunstância de ainda não termos um crime em grau suficiente para igualar a performance de outros países.
Protestos do PSD.
É triste a posição do Governo a este propósito e também é triste a posição verdadeiramente indigente do Ministro da Administração Interna, que até já teve de abandonar este debate.
Falou demais e agora teve de fugir.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
Na verdade, o Ministro da Administração Interna, como o demonstrou, até pela péssima gestão do tempo que usou, pelos argumentos e factos embrulhados que aqui produziu, pela ausência de um pensamento linear, tem este assunto muno mal trabalhado e (em sido um governante muito fraco nesta área. O País sabe disso, o País sabe perfeitamente- e o PSD também sabe - que o Dr. Dias Loureiro não está à altura de enfrentar a criminalidade violenta nem o tráfico de droga em Portugal.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É uma personalidade demasiado diletante.
Aplausos do PS
... para encarar esta matéria com determinação. Querem maior exemplo de diletantismo do Ministro Dias Loureiro?
Veio aqui falar no relatório do World Economic Fórum para dizer que Portugal e um país onde não há crime sério.
Pois bem, segundo esse relatório, sabem qual é o país que está, logo a seguir, melhor colocado que Portugal, em matéria de crime sério! É a Indonésia. Isto dá um exemplo perfeito da credibilidade destes dados e deste relatório, porém, e suficiente para o Deputado Dias Loureiro vir aqui continuar a defender a teoria do oásis.
Protestos do PSD.
O Ministro da Administração Interna, neste debata, demonstrou que não conhece o País em que vive, País que os cidadãos portugueses conhecem, onde a criminalidade avança, onde o tráfico de droga permanece impune, onde a segurança dos cidadãos é diariamente ameaçada nas zonas suburbanas, nos centros urbanos, nas grandes cidades, onde, cada um de nós, que não se desloca protegido por guarda-costas em carros blindados, sabe que à saída de casa pode encontrar um assaltante ou pode vir a enfrentar-se com um ladrão dentro de casa.
Protestos do PSD.
O discurso oficial de VV. Ex.ªs é o discurso de uma classe política que vive totalmente desfasada do País. E quando esta Assembleia e os portugueses esperavam que o Ministro da Administração Interna viesse aqui, hoje, revelar quais as medidas que tem para enfrentar a delinquência e o crime, o Ministro da Administração Interna sobe àquela tribuna para ler, atabalhoadamente, um conjunto de notas dispersas, para depois fugir pela porta fora.
Aplausos do PS.
Protestos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe para concluir.
O Orador: - ...porque não é capaz de falar seriamente sobre esta problemática É necessário que o Governo encare estas matérias com outra seriedade e não com a superficialidade, a leviandade, o espírito de abandono e de fuga que tem, permanentemente, o Ministro Dias Loureiro.
Aplausos do PS.
O Sr Presidente: - Srs. Deputados, o tempo que foi gasto a mais pelo Sr. Ministro Dias Loureiro foi descontado no tempo global do Governo, como podem verificar no quadro electrónico.
O Sr. Deputado Costa Andrade pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Costa Andrade (PSD) - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para esse eleito, tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, eu fiz um conjunto de observações que levavam implícitas algumas perguntas, a que não obtive, lamentavelmente, qualquer resposta. E também, lamentavelmente, não me concedeu o segundo que lhe pedi de interrupção, para lhe dizer uma coisa extremamente simples a propósito da minha intervenção.
Fazendo o confronto entre acção e discurso, diria que o PS também já esteve no Governo e também já teve de responder aos problemas da criminalidade. Sabem como é que o PS respondeu a uma conjuntura igual quando, em Portugal, também a ton ou a raison se falava de um certo alarme do crime? Trouxe aqui uma proposta de lei para resolver o grande problema criminal português, que consistia no seguinte: primeiro, criminalizar as prostitutas; segundo, criminalizar os homossexuais, terceiro, não obstante o PS ter maioria nesta Câmara, para dar resposta ao grande problema do crime, a proposta foi reprovada.
Serão acções como estas que esperamos do PS?
Aplausos do PSD.
Protestos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes) - Sr. Presidente, Sr Deputado Jaime Gama, ouvida a sua intervenção sobre
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a criminalidade, digamos que há um aspecto que me pareceu ausente e que gostaria de o ver comentado.
Aquilo que, durante as últimas décadas, foi promovido em Portugal não foi um desenvolvimento, foi um crescimento anárquico, foi desordenamento. Essa ausência de ordenamento do território é visível, ela própria, pela leitura do censos e pela completa forma caótica como a população se distribui: 2/3 da população concentra-se nas grandes zonas das grandes áreas metropolitanas, onde o caos urbanístico é reinante e a degradação ambiental também. E é conhecido por toda a gente que os fenómenos de marginalidade aparecem intimamente ligados à degradação ambiental, ao caos, à ausência de ordenamento do território. Aliás, toda a tendência da última década continua a mostrar que os erros do passado, a forma como a concentração da actividade se continua a lazer no litoral, a forma como o interior rural se continua a desertificar vão a um ritmo também muito grande.
Gostaria que o Sr. Deputado comentasse aquilo que me parece ser uma questão fundamental, e que é uma responsabilidade grande do Governo, o défice em relação à habitação; a forma como as pessoas, as populações, os novos imigrantes são expulsos do interior para o litoral; a forma como esse crescimento se vai fazendo, sem que as autarquias obviamente tenham possibilidade - até pelo «roubo» que, anualmente, estão sujeitas - de fazer face à sua quota parte na resolução deste problema.
O PSD está há 10 anos instalado no Governo, gostaria que o Sr Deputado comentasse esta questão, que não é indiferente mas está intimamente ligada aos fenómenos de marginalidade, de exclusão social, que estão associados à falta de segurança e ao isolamento.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jaime Gama, o senhor traçou, na sua intervenção, um diagnóstico de uma realidade que é preocupante, isto é, o crescimento da criminalidade e da delinquência na sociedade portuguesa, particularmente, nas zonas urbanas, tendo-se referido longamente ao que designou como o maior flagelo lançado sobre o País, que é o tráfico de droga e a toxicodependência. E, a nosso ver, referiu-se bem. Efectivamente, reconhecemo-lo e temo-lo dito por diversas vezes que a toxicodependência e o tráfico de droga constituem um dos flagelos maiores com que a sociedade portuguesa e, particularmente, a juventude portuguesa se confronta.
O Sr Deputado referiu o facto de a droga ter destruído, em Portugal, mais pessoas do que as guerras, referiu, inclusive, um número muito significativo de mortes por overdose que, diariamente, se verificam, e é insofismável que assim seja, referiu também outras consequências da droga, não apenas as mortes por overdose mas a destruição física e psicológica de muitos jovens, a total alienação que o consumo de drogas conduz, e poderia ter referido também a tragédia que isso representa para milhares de famílias portuguesas, em cujas casas esse flagelo entra.
O Sr. Deputado não se referiu, e é justo que seja referida, à ausência, em Portugal, não apenas de uma vontade séria de combater este flagelo nas suas raízes mais profundas mas também de uma real política de prevenção e tratamento dos milhares de jovens que são afectados por este flagelo da toxicodependência.
No entanto, não se compreende, face a esse discurso, as contradições no discurso do Partido Socialista sobre esta matéria. E essas contradições são verdadeiramente insofismáveis. Em primeiro lugar, não se compreende como é que, traçado este justo diagnóstico, o Partido Socialista tenha tratado com a hostilidade com que tratou, não há muitos meses, o projecto de lei que o PCP aqui trouxe de criação de uma rede pública de centros de atendimento e de comunidades terapêuticas para toxicodependentes.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Não se compreende muito bem a hostilidade do PS e compreende-se muito menos a entrevista dada pelo porta-voz do Partido Socialista para a Saúde que tem como título «Defendo a liberalização total de todas as drogas» onde este tema e bastante desenvolvido e em que o referido porta-voz minimiza completamente os efeitos nocivos das drogas, designadamente da heroína, considerando que o consumo da heroína é menos nocivo para o organismo humano do que o consumo do café. O porta-voz do Partido Socialista defende a liberalização de todas as drogas em nome da liberdade e da privacidade, segundo as suas próprias palavras.
Assim, porque considero que há um contraste flagrante entre estes dois tipos de discurso, pergunto: dada a diversidade de porta-vozes, qual e a voz em que devemos confiar?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jaime Gama: Quando ouvi o seu discurso do alto da tribuna realmente tive pena que V. Ex.ª não estivesse sentado na minha bancada aquando da discussão do Código Penal. Efectivamente V. Ex.ª não era líder do Grupo Parlamentar do Partido Socialista- nem sei se esteve presente neste debate sentado na última fila! - mas o discurso que hoje aqui fez sobre a dureza das penas, sobre a necessidade de dar combate à criminalidade, através de penas cada vez mais fortes, foi um discurso de law and order.
No entanto, nessa altura, a sua bancada defendeu, em nome de uma cultura de liberdade, de uma cultura de direitos do preso, direitos do criminoso contra os direitos da vítima. Aliás, contra tudo aquilo que o CDS-PP aqui propunha, VV. Ex.ªs propunham que devia haver cada vez penas mais humanas, cada vez penas mais leves, cada vez mais penas de multa em vez de prisão, cada vez maior liberdade aos condenados, cada vez melhores saídas para que esses criminosos fossem reintegrados na sociedade e não dentro das prisões.
Porém, hoje estamos aqui com um discurso completamente às avessas...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - ... isto é, V. Ex.ª veio aqui dizer que afinal é preciso que haja mais juizes, que estes sejam mais rigorosos, que haja um código menos taxista, que haja penas mais duras e que não sejam substituídas pelas multas, que não haja liberdade condicional, que não haja absolvições mas cada vez mais dureza Portanto, Sr. Deputado, um código feito à medida da repressão e não à medida humanista como o Sr. Ministro da Justiça e a sua bancada defendeu na altura.
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Por isso, quero perguntar: VV. Ex.ªs já mudaram de discurso, já aceitaram a bondade da solução que então nós defendemos e hoje estão ao nosso lado contra a vossa própria bancada que defendia um código penal taxista, um código penal que dá mais liberdade aos criminosos o que dá maior liberdade para a prática dos crimes?
Em segundo lugar, causou-me alguma surpresa que, ligado à droga, V. Ex.ª viesse com o discurso da chamada criminalidade violenta porque o problema das sociedades modernas, o problema de criminalidade ligada à droga não é hoje em Portugal e na Europa o da criminalidade violenta mas o da criminalidade organizada, que é outra coisa. E que o problema da droga não está ligada ao esticão, não está ligado ao assalto à saída do estabelecimento comercial, não está ligado à senhora que perdeu o cordão de ouro à saída da estação do Metro pois estes são os pequenos delitos, são os chamados delitos convencionais, são os delitos que efectivamente não precisam de droga, não precisam de pobreza porque os pick pocket, os carteiristas, as pessoas que vivem do expediente praticam esses actos em qualquer sociedade, em qualquer momento sem estar envolvido o problema da droga.
O problema da droga verdadeiramente e o problema das associações mafiosas, é o problema de saber quem é que lucra com o efeito da droga, quem é que faz o negócio da droga, como é que o negócio da droga se desenvolve, qual é o verdadeiro crime que está atrás dessa droga, quais são os circuitos económicos que se estabelecem, políticos inclusivamente, e como e que a teia da droga entra na leia política e quem é que está verdadeiramente a organizar este crime mafioso que se chama o crime organizado.
O problema da droga e o do crime organizado e não o do esticão e, por isso mesmo, e baixar o nível do debate dizer que o problema da droga e da criminalidade é o do esticão. Aliás, nós queríamos discutir hoje aqui e W. Ex." deviam discutir hoje aqui nesta Câmara, o grande problema da criminalidade organizada, a criminalidade do colarinho branco, a criminalidade da lavagem do dinheiro, a criminalidade das associações, a criminalidade de como é que a própria sociedade e o aparelho económico está infiltrado por este crime, chamado o crime de grande estrutura, que mereceu entre nós uma lei especial. Essa era a criminalidade que era preciso discutir.
Em terceiro lugar, foi feita uma grande propaganda de que havia um triângulo infernal (exclusão, desemprego e pobreza) ligado à criminalidade e o secretário-geral do Partido Socialista fala em todo o lado dos pecados mortais e do triângulo mortal, o triângulo mortal de exclusão, pobreza e desemprego mas não vi na sua dissertação como é que este triângulo infernal vai desembocar na criminalidade do assalto e do esticão. Dizer que o desemprego aumentou 10 %, hoje são 400 000, que a pobreza aumenta, que a exclusão aumenta, não quer dizer absolutamente nada sobre as estatísticas de criminalidade porque podia haver esses aumentos todos sem haver criminalidade, ou podia haver criminalidade sem haver este triângulo mortal, como VV. Ex.ªs lhe chamam.
Por isso mesmo ficou por demonstrar o fundamento básico da vossa interpelação de que a criminalidade violenta era o efeito deste triângulo mortal. E V. Ex.ª não teve sequer três linhas, a não ser as estatísticas, para falar de causa e efeito entre a exclusão, pobreza, desemprego e criminalidade. Quer dizer, o debate passou ao lado daquilo que devia ser - a chamada criminalidade organizada ligada à droga - acerca da qual V Ex.ª não disse uma palavra, esqueceu-se completamente dela e falou no crime de esticão que não tem nada que ver com a exclusão, com o desemprego e com a pobreza, isto é, estamos aqui a discutir números, estamos aqui a discutir insegurança, estamos aqui a discutir a demagogia porque o verdadeiro debate sobre a droga e criminalidade passou inteiramente ao lado da interpelação do Partido Socialista.
Vozes do PSD e do CDS-PP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Roque Cunha.
O Sr Jorge Roque Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jaime Gama: Antes de mais, quero saudá-lo pelas preocupações que revela em relação à questão da toxicodependência e dar-lhe os meus parabéns porque não considera a droga a mesma coisa que uma bica que é tornada em qualquer cate, como o porta-voz para os assuntos da Saúde do Partido Socialista Ainda bem, mas, por outro lado, no discurso que fez do alto da tribuna só nos faltou ouvir dizer que viver em Lisboa é o mesmo que viver em Washington, Moscovo ou no Uganda!
No entanto, gostava de lhe colocar seriamente um conjunto de questões porque em relação ao branqueamento de capitais e ao sigilo bancário associado a essa área não ouvi uma palavra! Como a questão do crime de tráfico de droga está configurado no quadro legal da mesma forma que os crimes de terrorismo através de proposta aprovada por esta Assembleia da República, só encaro a forma como fez aquele discurso como uma poderosíssima e severíssima crítica em relação ao nosso poder judicial e, portanto, gostava que aclarasse essa questão.
De facto, sendo as leis como são e como felizmente a Polícia Judiciária tem mais meios do que unha há meia dúzia de anos gostava que me tirasse esta dúvida.
Protestos do PS.
Por outro lado, mais uma vez, o Partido Socialista demonstra dois pesos e duas medidas e vou dar-lhe um exemplo. Chegou a negociar-se a questão da Casa de Reclusão do Porto ser transformada numa prisão de mulheres o que, entre outras coisas, permitia que reclusas pudessem estar mais próximas das suas famílias mas o presidente da Câmara do Porto foi dos principais opositores a esta questão. Não se pode ter aqui um discurso quando a prática é perfeitamente ao contrário!
Aliás, também acredito que tenha alguma insuficiência de informação nestas questões do combate ao tráfico de droga Como e possível, em 1994, alguém pensar que o combate à droga é feito individualmente pelas polícias de cada país! O Sr. Deputado certamente saberá as dezenas de situações que, com colaboração das autoridades de investigação portuguesas, culminaram em detenção de droga e traficantes, quer na Dinamarca, quer em Espanha. Hoje o combate à droga é um combate internacional, global, e não faz qualquer sentido estar aqui a dizer que as polícias portuguesas só apreendem droga quando tem algumas «dicas» dos seus colegas estrangeiros porque isso é duma completa ignorância em relação a este aspecto!
Por outro lado, certamente desconhecerá a Lei Orgânica do Gabinete de Coordenação de Combate à Droga, que é um departamento do Ministério da Justiça, que tem como obrigação a feitura de estudos relacionados com esta problemática mas que não tem qualquer actividade na prevenção, tratamento ou investigação, se bem que represente
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Portugal internacionalmente, e faz estudos epidemiológicos no meio escolar e está a fazer outra coisa particularmente interessante que é o estudo da jurisprudência sobre a toxicodependência...
O Sr. José Magalhães (PS): - Com que verbas?
O Orador: - Se o Sr Deputado José Magalhães tivesse estado presente na reunião da Subcomissão da Toxicodependência onde esteve o coordenador do Gabinete teria tido oportunidade de ouvir a resposta à sua questão.
O Sr. José Magalhães (PS): - Diga à Câmara qual é o montante.
O Orador: - A verba é a necessária e suficiente para o seu trabalho.
O Sr. José Magalhães (PS): - Diga qual.
O Orador: - Finalmente, lamento que se tenha reduzido a questão da toxicodependência apenas à questão do combate ao tráfico que e uma vertente importante mas não e a essencial.
Gostaria também que pudesse expressar a sua opinião sobre aquilo que deverá ser fundamental, ou seja, a diminuição da procura da droga e o trabalho que tem de ser feito na área da prevenção. E, em relação a isso, este Governo, o Projecto Vida, não recebem lições do Partido Socialista.
E muito humildemente também agradecia, se fosse possível, que não tivesse a arrogância que demonstrou na resposta que deu ao meu colega de bancada Costa Andrade e que não permite que, em relação a este debate, que até é importante e sério, as pessoas sejam devidamente esclarecidas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS). - Sr. Presidente, Srs. Deputados, agradeço as questões que me colocaram e que vêm em abono da tese de que era importante lançar em Portugal, aqui. na Assembleia da República, um debate público sobre a questão da criminalidade violenta e do tráfico de droga. Naturalmente que temos consciência de que, ao ter agarrado estes dois temas num universo muito mais vasto, não estávamos a abarcar a integral idade do problema.
Por isso, ficamos satisfeitos quando vemos a bancada do próprio PSD a lançar temas adicionais e o CDS-PP a propor uma questão particularmente interessante, que é a do crime organizado.
Seguramente, o PS apoiará iniciativas de VV. Ex.ªs no sentido de trazer ao debate público, inclusive ao debate, aqui, na Assembleia da República, essa temática e esses gravíssimos problemas que afectam inúmeros cidadãos portugueses bem como a própria economia e sociedade portuguesas.
Em relação à questão posta pela Sr.ª Deputada de Os Verdes, naturalmente que existe uma articulação entre os problemas que V. Ex.ª sugeriu - marginalidade, déficit habitacional, novos emigrantes para os grandes centros urbanos, crescimento irracional - e o aumento da criminalidade.
A grande questão desse debate tem em vista, particularmente, a atitude e a postura do partido do Governo e do próprio Governo, é que tudo aquilo que respeita a indicadores positivos agrada que seja discutido e incita o partido do Governo e o próprio Governo à melhor das atitudes perante essa discussão; mas, sempre que se trata de indicadores negativos, a culpa é da oposição, que está a desarmar o entusiasmo nacional quando fala desses malefícios. Ora, o nosso propósito, ao falar desses problemas, é o de trazer um dado de comparação em Portugal - nem tudo é oásis! O oásis está cheio de ghettos. E o apregoado universo de abundância está também perpassado por manchas indeléveis que urge atacar nas suas causas e combater nos seus efeitos.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - O Sr Deputado António Filipe veio trazer aqui algumas questões, e nós também apreciamos o facto de ele ter secundado esta iniciativa do PS. De resto, o próprio PCP, antes desta mesma iniciativa, teve a oportunidade de produzir propostas e reflexões públicas sobre alguns temas conexos com aqueles que referiu igualmente o Sr. Deputado Narana Coissoró, em matéria de crime organizado. Esse é um ponto importante e espero que seja tema para uma segunda interpelação, proposta por outro partido - ou o CDS-PP ou o PCP - e que nós secundaremos, dando, nesse momento, o nosso contributo.
No entanto, neste momento, temos de nos ater a esta problemática que escolhemos. E escolhemo-la por nos parecer que, do ponto de vista do cidadão, estão aí inventariados temas extremamente importantes- não temas abstractos ou teóricos da criminologia ou da análise sobre o funcionamento da justiça, mas temas concretos que dizem respeito e se reportam à vida de cada uma das portuguesas e dos portugueses no seu dia-a-dia.
Há um ponto que foi invocado, que é o da correlação entre pobreza e criminalidade. Na nossa apreciação, essa correlação é duplamente directa, o que é terrivelmente trágico. Isto é, o agravamento de condições de pobreza, de exclusão e marginalidade está na origem directa dos surtos de criminalidade e, particularmente, da criminalidade violenta.
Ao mesmo tempo, paradoxalmente, são os estratos populacionais com menos rendimento, isto é, os mais pobres, aqueles que são, simultaneamente, as principais e primeiras vítimas da própria criminalidade.
É por isso, aliás, que assistimos, por exemplo, no Casal Ventoso, à dupla situação de um bairro que é invadido por narcotraficantes mas onde a população de raiz ainda tem a coragem, por se sentir a primeira vítima dessa agressão, de pedir a protecção policial às autoridades públicas. Ou seja, pobreza, marginalidade e exclusão são origem, por um lado, e, por outro lado, vão acabar por vitimizar prioritariamente esses mesmos estratos da população.
Há também a questão que foi colocada sobre a prevenção, em relação às terapêuticas. Pois bem, nós somos um partido preocupado com essa área. Temos de compreender que, em Portugal, a lógica de apreciação das pessoas que estão envolvidas nessa comunidade de tratamento e de terapia, incluindo a parte dos profissionais que lidam, e bem, com essas situações, é uma lógica de compreensão na óptica da cura do doente. Mas essa e apenas uma das perspectivas com que se tem de encarar este problema, porque o combate a montante, o combate à oferta, o combate ao tráfico, o combate à comercialização, o combate à venda, o combate à articulação entre o narcotráfico, o poder económico e o poder político, é outro dos aspectos
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essenciais dessa problemática. E V. Ex.ª terá de compreender que alguns terapeutas ou médicos do meu partido tenham, enquanto tal. na sua óptica profissional, a Mesma posição que tem, enquanto profissional, o vosso actuei Ministro da Saúde. Que. aliás, tem a magnanimidade d« dizer aos terapeutas e médicos do meu partido que pensam como ele, que se enganaram no partido ao escolher o PS. Ele lá saberá porquê!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro da Administração Interna, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira
O Sr Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro não se encontra na Sala, mas eu deixo o recado ao Sr Ministro da Justiça, se não se importar...
O Sr Presidente: - Sr. Deputado, pode esperar um pouco, por favor? Eu vou pedir para informar o Sr Ministra,..
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Eu posso esperar toda a tarde!
Pausa.
O Sr. Presidente: - Sr Deputado, tem a palavra.
O Sr. Eduardo Pereira (PS) - Sr. Presidente, Sr. Ministro, V Ex.ª disse, e eu estou de acordo, que os portugueses pagam impostos para ter segurança; depois, falou na melhoria dos ratio, e eu gostava de lhe chamar a atenção para um caso concreto, sobre o qual gostaria que o Sr. Ministro nos desse uma opinião. Vem, no relatório anual da Procuradoria-Geral da República, que Almada aumentou, em termos de criminalidade, mais 10,8 %, o Barreiro, 18,2 %; Setúbal, 18,3 %. Por exemplo, uma freguesia da cidade de Setúbal com 50 mil almas tem uma esquadra com cerca de 40 agentes - que funciona em quatro turnos, o que quer dizer que há aproximadamente um agente por cada dez mil almas (não está mal, mas também não é muito) - e um carro para fazer todo o trabalho.
Sr. Ministro, esta freguesia tem zonas muito críticas de toxicodependência, nomeadamente na Camarinha, na Avenida Infante D. Henrique, no Bairro 25 de Abril, na Bela Vista, no Bairro 20 de Julho Se adicionarmos a isto que, nesta freguesia, estão situados a maioria dos bairros sociais da cidade e localizadas várias etnias, gostava que o Sr. Ministro nos dissesse como e que, com estes polícias, com este equipamento, com estes ratio, se pode tirar partido da segurança. Se me permite, Sr. Ministro, talvez eu pudesse aconselhar a gente desta freguesia de Setúbal a deixar de pagar impostos!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes). - Sr. Presidente, Sr. Ministro: Não me vou situar no âmbito dos números, porque, digamos, o Sr Ministro divagou - aqui e ali foi salpicando o seu discurso de números, mas estes quando diferem dos do contexto, valem o que valem. Pegando no exemplo da poluição, podemos dizer hoje e o Governo diz) que as emissões de dióxido de enxofre têm o nível da Holanda mas, se não tivermos como comparação aquilo que foi a evolução dos últimos dez anos, em que tem triplicado, os números desenraizados de uma ou outra leitura não valem nada.
Assim, pegaria tão-só em duas questões que não me pareceu ver esclarecidas na sua intervenção.
Falou das minorias e da necessidade da integração das minorias étnicas - também considero isso importante. Contudo, pergunto-lhe o que é que o seu Governo já fez para a integração dessas minorias, para além de um processo, mais do que polemico e contestado por toda a gente, de regularização, que deixou de fora a grande maioria dos imigrantes, sabendo nós que, ao nível da habitação, continua a haver obstáculos a que os imigrantes africanos tenham possibilidade de acesso à habitação, sabendo nós que, ao nível da escola- isto é fundamental para a segunda geração de imigrantes -, não há qualquer política senão uma vaga intenção de uma escola multicultural que não tem ainda qualquer expressão
A segunda questão que gostaria de ver abordada é o facto de ser referido um número grande de delitos que não são notificados pelos cidadãos - parece-me que esta não é uma questão menor. Julgo que não é indiferente e é visível por toda a gente que existe um fosso entre os cidadãos e os agentes policiais- aliás, o comportamento dos agentes policiais, os abusos, a banalização de maus-tratos e violações dentro das esquadras, tudo isso não indicia, de modo algum, uma relação de confiança que era suposto existir entre os cidadãos e as forças policiais.
Relativamente aos inquéritos, quando acontecem, há sempre um pacto de silêncio que se abate sobre esta realidade, excepção feita recentemente porque os abusos foram para além do que, provavelmente, já se convencionou aceitar e daí resultou a morte de uma pessoa.
Assim, pergunto-lhe como é que esta questão é equacionada por parte do Governo? Como é que se espera que os portugueses tenham confiança nos seus agentes policiais quando a situação é esta, quando as violações se multiplicam perante a passividade, perante o silêncio cúmplice do Governo?
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, na intervenção que fez. há um facto a que não pode fugir, embora tenha tentado, que é a gravidade da situação que se vive, particularmente nas áreas metropolitanas, ao nível da segurança e da tranquilidade dos cidadãos. E há uma outra questão, que é o fracasso em que estão a traduzir-se as medidas tomadas no âmbito da chamada reestruturação das forças de segurança.
São dois factos aos quais o Sr. Ministro não conseguiu fugir, apesar do absurdo da tese que aqui trouxe, que é a lese de que o aumento da preocupação das pessoas com a segurança resulta de o Governo ter trazido este debate para a ribalta!
Sr. Ministro, isto é um absurdo' A insegurança das pessoas não é sentida por uma questão de palavras, resulta antes do conhecimento concreto dos factos, do que as pessoas sentem, daquilo que conhecem, dos assaltos que os próprios ou os seus familiares e os seus vizinhos sofrem.
Isto é um conhecimento concreto, quotidiano, das pessoas: não resulta de qualquer questão propagandística nem de meras palavras. São factos! Assim como são factos os dados constantes, por exemplo, do Relatório de Seguran-
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ça Interna - não fomos nós que o inventámos, foi apresentado aqui pelo Governo -, que refere o aumento da criminalidade violenta, no último ano, da criminalidade associada à droga, da delinquência juvenil e o aparecimento de novas formas de criminalidade.
Sr. Ministro, não estamos a inventar isto, são os relatórios oficiais que, efectivamente, o reconhecem.
O Sr. Ministro trouxe algumas comparações com outros países e a questão que se coloca é esta: em que sentido Portugal está a evoluir, ao nível da criminalidade e da segurança urbana? Em que sentido é que Portugal evoluiu? Isto é, a criminalidade está a aumentar ou, pelo contrário, há sinais evidentes de que está a decrescer?
Estamos preocupados porque todos os sinais que temos do conhecimento directo por contacto com as populações - e os próprios relatórios oficiais não desmentem - indicam que a criminalidade, efectivamente, está a aumentar. As comparações que o Sr. Ministro aqui traz não fazem com que as pessoas fiquem menos preocupadas. As pessoas sabem qual foi a evolução da sua rua, do seu bairro, nos últimos anos. É muito frequente ouvir-se o testemunho de pessoas, dizendo que há 5, 10 ou 15 anos a situação não era esta e que, nos últimos anos, particularmente nos últimos 4 ou 5 anos, a situação tem-se agravado, nalgumas zonas, de forma preocupante, com o aumento significativo e às claras do tráfico de droga e com um aumento muito sensível da delinquência urbana.
Assim, pergunta-se: qual é a política de segurança interna do Governo, qual é a política de administração interna, no âmbito das suas atribuições? Esta questão não é apenas mas também uma questão de polícia, de mais e melhor policiamento. Deve colocar-se a questão de saber se a opção que o Governo tomou, de concentração dos efectivos policiais, de afastamento das polícias das populações e de encerramento de esquadras, é uma política que responde a este problema.
O Sr. João Amaral (PCP): - Não responde!
O Orador: - Efectivamente, o testemunho das populações, particularmente de zonas que se viram afectadas de um modo negativo por essa reestruturação, porque tinham a polícia mais perto de si e deixaram de a ter, sentindo isso na sua própria segurança, é demolidor, quanto a esta política. Na realidade, ela está a traduzir-se num rotundo fracasso, e a isto o Sr. Ministro, no seu discurso, não conseguiu fugir.
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.
O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, ainda antes de responder aos Srs. Deputados Eduardo Pereira, Isabel Castro e António Filipe, cujas perguntas agradeço, permitam-me que faça um pequeno comentário ao que o Sr. Deputado Jaime Gama disse quando eu saí da Sala.
Sr. Deputado Jaime Gama, vou dizer-lhe com toda a seriedade que saí da Sala para fumar um cigarro e para não o ouvir.
O Sr. Jorge Lacão (PS). - Pois!
O Orador: - Devo dizer-lhe que terá gostado muito de não ter estado aqui hoje e não ter ouvido uma única palavra sua.
O Sr Jorge Lacão (PS): - É o seu dever!
O Orador: - Eu tinha, pelo Sr. Deputado, a maior consideração intelectual. O Sr. Deputado é uma figura da nossa democracia e tem responsabilidades que muitos políticos que estão nesta Sala não têm.
O Sr. João Amaral (PCP): - Se não quer ouvir os Deputados, demita-se!
O Orador: - O que o Sr. Deputado fez aqui hoje foi a mais descabelada demagogia nesta matéria, como nunca fez qualquer dos Srs. Deputados com quem tenho discutido questões de segurança, como os Srs. Deputados Jorge Lacão, José Magalhães e José Lamego. Permita-me que lhe diga que, nessa imagem em que eu o tinha, o Sr. Deputado tinha, nesta matéria, outras obrigações. Além do mais, já foi Ministro desta pasta e sabe como é Sr. Deputado, saí nessa altura exacta e fiz bem em sair. Tenho pena de tê-lo ouvido dizer, quando saí, que nós, afinal, o que queríamos era que o crime, em Portugal, aumentasse mais. Dizer isto é dizer o pior. Não se pode ser mais demagógico!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Ora, o Sr Deputado tem responsabilidades que, a meu ver, não têm outros da sua bancada. E nem desses alguma vez ouvi coisas como ouvi hoje, da boca do Sr. Deputado!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador:- Por isso saí e por isso- tenho pena, Sr. Deputado, lamento imenso' - foi uma grande desilusão tê-lo ouvido hoje aqui!
O Sr. Jaime Gama (PS): - Há-de mudar de ideias, outra vez!
O Orador: - Sr. Deputado Eduardo Pereira, não sei a que freguesia se refere,...
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - À freguesia de São Sebastião!
O Orador: - .. mas admito perfeitamente que isso aconteça. Digo-lhe mais: há ainda no País populações que não tem sequer esse rácio população/polícia. Têm rácios ainda mais baixos do que esse.
Portanto, se fizemos, e continuamos a fazer, a reestruturação, é para que se atinjam, de facto, os rácios que pretendemos. O Sr Deputado fala-me dessa freguesia. Ainda não chegámos lá, nem poderíamos ter chegado. O Sr. Deputado, que também já foi Ministro desta pasta, sabe como as coisas são difíceis de fazer. O que dissemos foi isto: até 1997, nós faremos. Por exemplo, nas 13 localidades em que este ano já foi substituída a PSP pela GNR ou a GNR pela PSP passámos de 231 efectivos para 820, o que dá 3,5 vezes mais efectivos Isto significa que, onde estamos a fazer as substituições, de acordo com a nossa reestruturação, estamos a colocar os efectivos adequados, como definidos no rácio Neste caso concreto, essa é, seguramente, uma zona de risco e o rácio vai ser de 350 polícias/100 000 habitantes, o que implica um total 175 000 polícias, havendo, portanto, um défice de 40 000.
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Se o Sr. Deputado lhes diria para não pagarem imposto, eu diria: noutras alturas e noutros governos, então. Seria ainda pior, pois teriam de ser os ministros a pagar a essas pessoas por aquilo que não lhes fizeram.
Sr.ª Deputada Isabel Castro, quanto à integração das minorias, estamos a seguir uma política que tem, do meu ponto de vista, princípio, meio e fim. Quando dizemos que é necessário estancar os fluxos para integrar, estarmos a procurar integrar, a criar condições para que haja, de facto, integração. Porque, se não paramos os fluxos, Sr.ª Deputada, nunca mais haverá integração.
Esta é uma política em favor da integração. Quando dizemos que os imigrantes devem ter acesso à habitação e o Governo promove um programa de combate às barracas, estamos a proporcionar-lhes integração social. Quando estabelecemos um mecanismo de coordenação, dependente do Ministério do Emprego e da Segurança Social, que se responsabiliza para, em conjunto com as comunidades, com as minorias, ver qual é a situação dessas pessoas, no que respeita ao emprego, à saúde e à educação, estamos a trabalhar pela sua integração. Mas, fundamentalmente, e repito-o, quando dizemos «Vamos estancar o fluxo migratório», estamos a dar o mais importante passo para que alguma vez haja integração desta gente no nosso país.
A Sr.ª Deputada, ou quem quer que seja, pode ter a melhor boa vontade para integrar os imigrantes, mas só não criar esta condição à partida, isto é, enquanto estes não forem integrados, não podemos aceitar mais imigrantes, nunca haverá integração das pessoas que cá estão.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Estamos a atirá-las para a miséria, para o desemprego, sem lhes dar saúde, educação e trabalho. Ora, é isso que não queremos.
Vozes do PSD:- Muito bem!
O Orador: - Estamos a fazer o melhor que podemos em relação à integração desta gente.
Sr. Deputado António Filipe, quanto ao fracasso de que fala, o da reestruturação, sei que para si e para o seu partido esta reestruturação já era um fracasso antes de ter sido começada. Disseram-no aqui claramente. Nunca esperei que o Sr. Deputado, ou o seu partido, viesse dizer que esta reestruturação é um êxito Mesmo que ela o seja! Mesmo que ela o venha a ser, em absoluto!
Hoje em dia, é palpável e visível que nós queríamos mais policiamento. Em Lisboa, hoje em dia, saem para a rua três vezes mais polícias. Hoje em dia, há mais investimento, como nunca houve, neste sector das forças de segurança. Hoje em dia, há 13 concelhos onde a reestruturação já foi aplicada e onde os efectivos passaram de 230 para 820. Hoje em dia, há...
O Sr. João Amaral (PCP): - Mais crime! Mais insegurança!
O Orador: - ... um conjunto de coisas novas que foram feitas e que decorrem da reestruturação.
Agora, o que o Sr. Deputado faz é uma confusão. O Sr Deputado diz: se há reestruturação, nunca mais haverá crime em Portugal, já que se meteram nisso, é para acabarem com os crimes em Portugal Sr. Deputado, isso é utopia. Sabe perfeitamente que sempre haverá assaltos. O que queremos são duas coisas: por um lado, conter o nível da criminalidade e, se possível, baixá-la e, por outro, fazer com que em Portugal aquilo de que falava há pouco o Sr Deputado Narana Coissoró, que é hoje a grande preocupação de muitos países - a criminalidade organizada, que é economicamente poderosíssima, organizadíssima, capaz de pôr o Estado em causa, nomeadamente, as mafias russas, as tríades chinesas, a mafia italiana também, fenómenos que hoje preocupam os Estados, pois são capazes de os pôr em causa e que nós, felizmente, não conhecemos ainda em Portugal -, nunca venha a existir e seja controlado. São estes os dois desafios de uma política de segurança no nosso país. Em relação a eles. Sr Deputado, não se pode falar de fracassos! Pode-se falar, seguramente, de passos em frente!
Aplausos do PSD
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes). - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes). - Sr. Presidente, o Sr. Ministro da Administração Interna - e presumo que foi por querer poupar tempo - não respondeu a uma das minhas perguntas, sobre os abusos policiais Se me permite, gostaria de transferir o restante tempo de que disponho, l minuto e 48 segundos, para que o Sr. Ministro possa responder a essa questão.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o Sr. Ministro, certamente, encontra-se em melhor situação para responder do que a Mesa.
O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, não respondi por lapso. Já várias vezes falámos nesta questão. Já falei sobre ela muitas vezes, em público. Na realidade, quer dar-se a ideia, em Portugal, de que as nossas esquadras de polícia são sítios de tortura dos cidadãos. Nada de menos verdade! Sempre admiti e admito que, em Portugal, possa haver, em alguns sítios, abusos, mas o que eu disse foi o seguinte: nunca um abuso ficou sem pena, nunca um abuso deixou de ser castigado! Disse mais do que isso: felizmente, essa não é a regra em Portugal! O último caso, e grave, nesta matéria, foi a morte de um cidadão numa esquadra de polícia, no norte do País. Ela ocorreu durante a madrugada e, na manhã seguinte, o agente sobre quem recaiu a suspeita de o ter feito estava detido na prisão de Custeias.
O Sr. José Magalhães (PS): - Mau exemplo!
O Orador: - Não se pode, nesta matéria, ser mais exigente do que isto.
Sr.ª Deputada, pode haver, em alguns casos, alguns abusos. Mas, em primeiro lugar, nunca qualquer deles deixou nem deixará de ser castigado!
O Sr. João Amaral (PCP)- - Actuação exemplar do Ministério Público!
O Orador: - Em segundo lugar, felizmente - e essa é a homenagem que faço aos homens e às mulheres que servem devotadamente a PSP e a GNR -, essa não é a regra mas, sim e claramente, a excepção, no nosso país!
Vozes do PSD: - Muito bem!
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O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro da Administração Interna acabou de fazer alusão a um episódio, um assassinato numa esquadra de polícia portuguesa, que está marcado por uma inexactidão gritante. Como esta Câmara aprovou um voto, por unanimidade, sobre essa matéria, permita-me sublinhar, neste momento, que esse caso foi manchado pelo facto de haver um comunicado oficial, não desmentido prontamente por V. Ex.ª, em que se coonestava a teoria de que esse assassinato tinha sido um suicídio.
Foi precisamente em resposta a isto que, na Câmara, aprovámos um voto- aliás, por unanimidade, felizmente - em que não só se condenava o acto como se exigia o seu cabal esclarecimento. A evolução dos factos veio dar-nos razão, uma vez que há já uma acusação por homicídio voluntário, que seguirá os seus trâmites
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Se é esse o caso, e particularmente infeliz'
O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, também sob a figura da interpelação à Mesa, atrevia-me a deixar, neste caso, um esclarecimento que me parece importante, sobretudo porque é de defesa da honestidade, da integridade e do bom nome das forças de segurança, e parece-me que isso o merece.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr Ministro.
O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, em relação a este caso, muito se disse e a verdade rigorosa dos factos é esta e ninguém pode dizer desmenti-la, numa madrugada, uma pessoa morreu numa esquadra.
O Sr. José Magalhães (PS): - É o caso de Matosinhos? Estamos a falar desse caso?!
O Orador: - É exactamente esse, Sr. Deputado!
Nessa altura, os agentes em serviço disseram que se tinha tratado de um suicídio. Nesse mesmo momento, foi feita uma investigação sumária, dentro da PSP, e, com base nessa investigação - esse é que e o facto -, na manhã seguinte, não dois dias depois mas, sim, na manhã seguinte, este facto estava comunicado à Procuradoria-Geral da República para investigação, o agente estava preso e os outros dois que estavam com ele encontravam-se sob inquérito. Estes são os factos exactos. Estes factos honram, no conjunto, o bom nome da Polícia de Segurança Pública!
O Sr. João Amaral (PCP): - E a posição do Procurador-Geral da República?
O Sr. José Magalhães (PS): - Houve um comunicado formal em que se disse que era suicídio, o que é lamentável! O PSD aprovou o voto!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, há coisas mais difíceis de suportar e de enfrentar do que um discurso, independentemente da personalidade que o profira Sobretudo tratando-se de combate ao crime, às vezes, e muito mais difícil enfrentar a realidade V. Ex.ª veio aqui, e subiu à tribuna, para não enfrentar a realidade e para remar contra ela. Proeurou apresentar-se como alguém que remava penosamente contra a demagogia, mas, de facto, V Ex.ª remou com demagogia contra a realidade.
O Sr José Magalhães (PS) - Muito bem!
O Orador: - V. Ex.ª é que deu provas de falta de seriedade e de preparação para lidar com dados essenciais para a compreensão da criminalidade em Portugal.
Protestos do PSD.
Sc V. Ex.ª tomasse uma atitude séria perante as estatísticas, diria que, em Portugal, até aos anos de 1991 e 1992, os números da criminalidade participada foram particularmente afectados pelo número excepcional dos cheques sem provisão. A partir daí, como V. Ex.ª sabe, registou-se um declínio considerável Ora, esses crimes representam 20 % de toda a criminalidade participada e, há poucos anos, chegaram a representar 25 %. Portanto, qualquer análise séria do Ministro da Administração Interna sobre esta matéria teria de dizer não só que o aumento da criminalidade em Portugal foi, em quatro anos, superior a 42 % como, se se exceptuassem os cheques sem cobertura, o ritmo seria muito mais preocupante. Esta análise fina é que V. Ex.ª não fez, pelo que desafio-o a informar a Câmara sobre qual a percentagem de expansão da criminalidade em Portugal, se descontarmos o «comportamento» do cheque sem cobertura, que, como referi, tem. em Portugal, uma presença anómala nas estatísticas criminais. O Sr. Ministro devia ter vindo aqui dizer e assumir frontalmente perante o País que, nos últimos quatro anos, a subida da criminalidade participada, em Portugal, foi além dos 50 %.
V. Ex.ª veio também aqui ufanar-se ou, de alguma maneira, utilizar como atenuante os números respeitantes a outros países. É verdade que V Ex.ª e o Sr. Ministro da Justiça já tiveram como colega de Governo alguém que teorizava e praticava a harmonização fiscal. Assim, estou certo de que VV. Ex.ªs irão ficar para a pequena história dos governos como os «homens da harmonização criminal». Na realidade, apareceram a praticar um modelo de convergência e de harmonização em que a harmonização do nível de vida levaria 30 anos a processar-se em relação à média europeia, mas a harmonização e a convergência criminais ocorreriam a poucos anos de distância.
Contudo, VV. Ex.ªs aí cometem um erro fundamental, como em relação à teoria da harmonização fiscal no quadro do sistema fiscal português É que VV. Ex.ªs, que gostam tanto de comparações internacionais, esquecem-se de que, nos mais senos estudos internacionais, Portugal é um país conhecido pelas suas elevadas cifras negras e de que, em revistas da especialidade, publicadas em Portugal, o desnível entre a taxa de participação dos crimes em Portugal, em Espanha, em França e na média europeia é avultado, porque, em alguns casos, as taxas de participação nesses países são o dobro, ou mesmo o triplo, da taxa de participação em Portugal, onde, como sabem, segundo o último inquérito de vitimação, apenas 26 % das vítimas se queixam. Ora, este é um aspecto fundamental que artificializa todas as comparações. Seria, pois, importante que, neste debate, esses relatórios internacionais sobre as cifras negras em Portugal fossem postos em evidência.
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Há ainda dois ou três pontos concretos em relação aos quais quero confrontá-lo com algumas procissões. V. Ex.ª brincou, numa atitude que diria menos séria, com alguns números respeitantes a rapto e sequestro e jogou com números que seriam dígitos. Mas o Sr Ministro não pode esquecer que uma força de segurança dependente diz V. Ex.ª diz que, de 1992 para 1993, os raptos e sequestros passaram de 21 para 42. Será que considera normal o número de 64 raptos e sequestros, por esta ordem, em 1994, ou em 1995? E, no entanto, os números, de que já dispomos, que respeitam ao primeiro semestre de 1994, são extremamente preocupantes.!
V. Ex.ª não diz nada sobre o número de homicídios Ho primeiro semestre de 1994, em Portugal? É que esses números são os mais altos dos últimos anos! Aliás, a Polícia Judiciária sublinha a preocupação que lhe merece este dado.
V. Ex.ª não diz que os roubos atingiram, neste semestre, o valor mais elevado de sempre? Não está preocupado e vem brincar com os números dos raptos e dos sequestras?! Essa parece-lhe uma atitude séria sobre esta matéria?!
Além disso, o Sr. Ministro não pode aqui dizer que, os números são para brincar, porque o que se passa é que nós, em 1992.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peco-lhe que conclua.
O Orador: - Termino já, Sr Presidente.
Como disse, o que acontece é que, em 1992, tínhamos 11 roubos por dia e, no primeiro semestre de 1994, ternos 20 roubos por dia. Portanto, não estamos a brincar com números que se traduzam em dígitos!
Para terminar, pergunto-lhe, Sr Ministro, e uma vez que falamos de roubos, se o seu modelo de harmonização criminal funciona como explicação ou como atenuante para a probabilidade de a sua política conduzir a que. no próximo ano. tenhamos não 20 mas 30 ou 40 roubos por dia, o que sinceramente não queremos. Porém, entendemos que é necessária uma nova política para impedir que esse resultado seja alcançado, porque as políticas conhecem-se pelos frutos e as vossas políticas estão a dar estes frutos, que ainda não foram aqui seriamente contestados.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Fraco!
O Sr Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, Sr Ministro da Administração Interna, ouvi-o atentamente e não é novidade para quem quer que seja que, em Portugal, sente-se um certo ambiente de insegurança, nomeadamente urbana, a que não é alheia a grave situação social do País e a instabilidade familiar, provocada pelo desemprego, por carências económicas e financeiras, pela inexistência de perspectivas de futuro para os nossos jovens, pela crueldade dos grandes centros urbanos.
O Sr. Ministro, como homem inteligente que é, não pode negar que estes são factores decisivos que concorrem para o ascenso da criminalidade. Ora, creio que este debate é bem-vindo, é uma iniciativa útil, que pode concorrer paia se fazer um diagnóstico realista da situação e para se encontrar vias de actuação que minorem este flagelo social.
Por isso, recuso-me a aceitar a posição governamental de se defender a todo o transe, como se isto fosse um mero combate de palavras. O flagelo é global, a todos diz respeito, mas o Sr. Ministro surge-nos com argumentos surpreendentes e apresenta-nos comparações com outros países, como há pouco o fez, ao dizer que somos os mais protegidos, que há mais segurança, que nessa área somos o oitavo melhor país e que há menos criminalidade que noutras partes do mundo.
Em minha opinião, isso revela uma atitude redutora na análise que se impõe perante um problema desta amplitude. Até podia ser que assim fosse, Sr Ministro, mas isso não nos impede de dizer com razão, porque e verdade, que a situação no nosso país se agrava de forma contínua e sistemática. Há sintomas preocupantes e todos não somos demais para se fazer uma apreciação séria e profunda e para se tentar enquadrar o problema com o Governo, com os parlamentares, com sociólogos, psicólogos, professores, polícias ou criminologistas.
Porém, o Sr. Ministro e o Grupo Parlamentar do PSD, desculpe-me que lho diga. argumentam numa óptica eminentemente partidária e propagandística, o que, valha a verdade, não pode tranquilizar-nos.
Espero que o Sr. Ministro abandone esse tipo de argumentação, pesada, que a nada conduz, e que nos apresente um quadro mais realista, com menos propaganda e com a explanação dos processos e dos métodos que pensa deverem ser adoptados, neste momento e no futuro, para se travar a tendência criminal que se revela na sociedade, e para reintegrar tantos jovens que se lançam ou são lançados no crime.
Por outro lado, o Sr. Ministro vangloriou-se do número de polícias nas ruas, que referiu serem mais de 1800, mas com isso não vai certamente dizer-nos, porque não pode, que são suficientes os policiais que percorrem as ruas das nossas cidades. Considera que essa vigilância é satisfatória? Basta atravessar as cidades para se verificar que assim não acontece, nomeadamente à noite Na realidade, existe insegurança em certas zonas do País e não devemos negá-lo. Por isso, Sr. Ministro, este lacto deve ser analisado aprofundadamente, suplantando o mero circunstancialismo de discursos inflamados.
Finalmente, pergunto-lhe estará o Governo disposto a promover um amplo debate a nível nacional, com a sociedade civil, com parlamentares e com entidades ligadas a este fenómeno, que sirva para encarar com mais realismo possíveis soluções deste gravíssimo problema que atravessa um momento muito preocupante?
(O Orador reviu).
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS) - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, ontem, durante o debate, na especialidade, do Orçamento do Estado para 1995, V. Ex.ª anunciou que não podia responder às perguntas que, em nome da bancada do PS, lhe fiz, porque não devia antecipar-se à interpelação. Ora, viemos à interpelação e V. Ex.ª não anunciou o que quer que fosse! Repetiu, pura e simplesmente, tudo o que tinha duo anteriormente, que, resumido, era zero! Isso traduz o vazio em que o Governo se encontra.
O Sr. Deputado Jaime Gama disse que era necessário coragem, convicção e estratégia para combater o crime em Portugal. V. Ex.ª manifestamente não tem qualquer dessas características. Infelizmente para nós, porque a situação exigiria isso.
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A minha primeira pergunta é sobre o contexto internacional. V. Ex.ª- ou alguém em representação do Governo - há-de ir a Essen, neste fim-de-semana, e um dos dossiers e o da segurança interna. Ora, nessa matéria estamos aparentemente perante um impasse: os instrumentos novos não estão em vigor; há vozes a favor e contra a comunitarização do Terceiro Pilar e desconhece-se a posição do Governo português. O Sr. Secretário de Estado para os Assuntos Europeus, Vítor Martins, em entrevista ao Diário de Notícias disse: «Portugal (..) - entenda-se, ele- (...) quer a comunitarização da justiça e da segurança interna». O Primeiro-Ministro está calado. V. Ex.ª é a favor do Terceiro Pilar de Maastricht. Não há estratégia nacional, há confusão.
Em segundo lugar, Sr Ministro, há manifestamente descoordenação no momento em que avançam as vulnerabilidades. Não queremos que forças extremistas de direita invoquem a segurança como um pretexto contra a Europa. Temos fronteiras abertas, mas não queremos que alguém do PP - ou de um PP qualquer - venha reivindicar a pena de morte e um código penal monstruoso para substituir a adopção de uma política de segurança interna eficaz, que este Governo é incapaz de adoptar. Portanto, a nossa segunda pergunta é esta: como é que V Ex.ª quer dar resposta às vulnerabilidades de Portugal relativamente à fronteira externa, aos meios de combate à penetração marítima, que, aliás, não temos, pois dependemos da armada espanhola, e a meios aéreos.
A terceira observação, Sr. Ministro, é a seguinte: como é que podemos ter uma política de segurança eficaz, quando a PSP faz notificações para o Ministério da Justiça. De facto, temos centenas de guardas da PSP que, funcionando como beleguins, fazem notificações, em vez de combaterem o crime - um milhão de diligências, cinco milhões de contos e um Ministério da Justiça sem capacidade de dar resposta. A descoordenação MJ/MAI é uma das causas da nossa insegurança!
A minha última pergunta diz respeito ao cumprimento da lei. O ministério que devia ser da lei não cumpre a lei. Concretamente, V. Ex.ª não cumpre a Lei n.º 61/91, de 13 de Agosto, sobre a protecção das mulheres vítimas de crimes. E isto é um escândalo maior, porque essa lei foi aprovada por unanimidade. Contudo, V Ex.ª comporta-se como se essa lei não existisse, apesar de ela poder vir a melhorar significativamente o acolhimento das mulheres vítimas de crimes nas esquadras portuguesas. Dir-se-á que é uma imitação portuguesa de Hill Street. Pois se é uma imitação, e uma boa imitação! Antes imitar Hill Street que a brutalidade das superesquadras, o que conduziu ao escândalo e à catástrofe de Los Angeles, por exemplo. Tomemos dos exemplos o bom e não o mau!
O último aspecto que quero focar diz respeito aos bancos de dados das forças policiais. V. EX.ª tem legislação em aprovação, que pressupõe a recolha de dados, entre outras coisas, segundo nos dizem, sobre indícios de participação em actos criminosos, alcunhas, actividades ditas suspeitas, agregados familiares de suspeitos e outros dados deste tipo. Ora, a Lei n.º 10/91, de 29 de Abril, proíbe a colheita, a recolha e o tratamento deste tipo de dados. Gostaria de perguntar-lhe como é que V. Ex.ª compatibiliza esta política de recolha atrabiliária de tratamento de dados com a Constituição da República, a lei em vigor e a aprovação nesta Câmara, na generalidade, por unanimidade, de uma lei sobre os bancos de dados das polícias. Que norte é que há na sua atitude face à legalidade?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente:- Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.
O Sr. Miranda Calha (PS): - Sr Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, uma pergunta muito rápida, muito embora não possa deixar de comentar que, a meu ver, a intervenção do Sr Ministro é displicente em relação à problemática que estamos a tratar.
Falámos sobre a situação da insegurança, apresentámos números e falámos da sua incidência, essencialmente, em zonas urbanas e suburbanas. Mas no interior do País também há problemas destes, e o Sr. Ministro tem, pelo menos, a obrigação de dizer alguma coisa.
Há pouco tempo, um jornal nacional sério, ao falar da perigosidade em Portugal, referia, por exemplo, um caso concreto, um caso de fronteira, o de Eivas, onde era reconhecido, pelos próprios responsáveis da estrutura de segurança, que havia falta de meios e ao mesmo tempo um agravamento progressivo de problemas de toxicodependência e tráfico de droga nesta área. Aliás, ainda há dias, como o Sr. Ministro deve ter tido conhecimento, foi capturado mais um camião TIR, com uma grande quantidade de drogas, precisamente nesta mesma zona. Mas não e só este jornal, que e um jornal nacional, que fala desta situação no interior.
Ainda há poucos dias, estive num outro concelho do interior e li no jornal Gavião com voz - e posso dá-lo ao Sr. Ministro, para se dar conta da realidade do País, porque, de facto, quando nos comparava com a Europa, pensei que estivesse mais a falar da situação económica e na décalage que nos separa da Europa do que realmente da situação da segurança- mais uma indicação dessa situação, com o título Onda de assaltos invade o concelho. É um jornal de um concelho do interior do País, onde, a páginas tantas, se diz que é preciso mais meios humanos, que há uma situação de défice em termos materiais. Isto, Sr. Ministro, é também a outra face da situação do interior do País, onde se verificam falias de medidas em relação à situação de desertificação, que está a suceder, e, ao mesmo tempo, também um crescimento de alguma insegurança, que não queríamos que acontecesse O que é que o Sr Ministro diz em relação a esta matéria.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.
O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, permita-me que lhe pergunte se ainda há mais pedidos de esclarecimento
O Sr. Presidente: - Não, Sr Ministro da Administração Interna. Não há mais inscrições.
O Orador: - Sr Presidente, fiz esta pergunta apenas para gerir o tempo disponível do Governo, visto dispor de apenas 29 minutos.
Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Costa, há dois aspectos, mas um deles vou deixar para quando responder, em conjunto, a uma parte importante das perguntas feitas pelos Srs. Deputados José Magalhães e João Corregedor da Fonseca.
Como o Sr. Deputado compreenderá, certamente, ou acreditará, também tenho queimado muito as pestanas a ver as estatísticas, mas, porventura até, com mais detalhe do que o Sr. Deputado, porque, em relação a cada crime, tenho procurado saber por que é que as coisas se passam assim.
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Quando há pouco falei do rapto e do sequestro, não foi por estar a brincar mas por saber que é assim. Houve, de facto, dois raptos verdadeiros, um na Lousa e outro na zona de Lisboa, e tudo o resto de que talei é mesmo aquilo que eu disse São esses os casos.
Portanto, Sr. Deputado, alem de ver os números, quis saber, exactamente por estar preocupado, por que é que situações destas acontecem no nosso país.
Em relação à evolução da criminalidade, o Sr Deputado parte da base..
O Sr. Alberto Costa (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro?
O Orador: - Sr. Deputado Alberto Costa, não o deixo interromper-me, porque o Sr. Ministro da Justiça já só fica com 28 minutos e eu não posso utilizar mais tempo.
Como dizia, em relação à evolução da criminalidade, o Sr. Deputado parte do pressuposto de que nem toda a criminalidade é participada. Pois não, Sr. Deputado, nem em Portugal nem em qualquer outra parte do mundo. E há; até, se leu bem aquele inquérito de vitimação, cerca de 35 pessoas a dizerem que não se queixam porque «são bagatelas», porque «não vale a pena», porque «não estão para perder tempo» Em todo lado, isto acontece.
O Sr. Deputado agora diz: «Bom, como a criminalidade participada aumentou tantos por cento, aumentou a criminalidade». Nunca lhe passou pela cabeça que o que pode ter aumentado foi a participação, o nível de denúncia!? Isto, nas suas contas, não entra, Sr. Deputado? É preciso saber ler as estatísticas com rigor!
Quanto aos outros crimes, passa-se a mesma coisa. Por exemplo, quando o Sr Deputado lê «droga», «tráfico de droga», tem de fazer duas leituras e esclarecer mais do que apenas o número, e é isso que tenho feito. Ou seja, tenho tentado saber se aumentou o tráfico ou a captura.
O Sr. José Magalhães (PS): - Ou os dois!
O Orador: - É que pode ser uma coisa ou outra, ou as duas! Mas temos de esclarecer Quero com isto dizei que o Sr. Deputado não tem lido os números com a frieza toda.
Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca,...
O Sr. José Magalhães (PS): - O Sr Ministro ainda não me respondeu!
O Orador: - Já volto ao Sr. Deputado.
Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, não me vai obrigar, com toda a amizade que temos, a que, agora, repita toda a nossa política, o que já fiz 40 vezes! Digo-lhe apenas que não é propaganda mas, sim, a nossa visão, das coisas. Ainda não estamos satisfeitos com o nível de vigilância, por isso está-se a aumentar o número de pessoas na rua para fazer missões de policiamento.
O Sr. Deputado quer um debate nacional. Estou completamente de acordo. Debate esse com a participação de Deputados, de autarcas, de criminosos, com quem quiser!... Estamos sempre dispostos a fazer debates sobre esta e outras matérias.
Sr. Deputado Miranda Calha - e peço desculpa por .estar a acelerar muito, mas já não disponho de tempo -, é verdade que o interior do País coloca problemas. Mas dir-lhe-ei mais: naqueles 13 concelhos, em que os efectivos passaram de 230 para 820, a maior parte deles são do interior do País - Almeirim, Monte Real, Alcácer, Ferreira do Alentejo, Montemor-o-Novo, Arcos de Valdevez, Amarante, Penafiel, Fafe, Mangualde, Sabugal, Cantanhede e Ílhavo. Não podemos, pois, ser acusados de não estarmos preocupados com o interior do País.
Quanto à questão mais importante colocada pelo Sr. Deputado José Magalhães e também, de alguma maneira, pelo Sr. Deputado Alberto Costa, devo dizer que os senhores menosprezam a realidade, remam contra ela e, como a não percebem, não podem ter estratégia!
Protestos do PS.
Ora bem, assentemos no seguinte a realidade que nós vemos é aquela de que aqui vai. E para essa realidade e para as previsões que fazemos temos uma política, que é conhecida. Discordam dela, muito bem! Mas é a nossa política e pensamos que é a mais adequada. Temos uma política com princípio, meio e fim.
O Sr José Magalhães (PS): - Qual a do Vítor Martins ou a sua?
O Orador: - Tenha um bocadinho de calma, Sr. Deputado! Já lá vou!
Os Srs. Deputados têm outra visão das coisas, que não a da realidade.
Hoje, a sociedade portuguesa não é tão insegura como os Srs. Deputados Jaime Gama, Alberto Costa e José Magalhães aqui referiram É outra realidade Dou-lhe um exemplo: a noite de Lisboa é a mais movimentada da Europa inteira. As pessoas sentem receio de sair à noite, mas nem de longe nem de perto acontece aquilo os senhores dizem, ou seja, que os portugueses sentem necessidade de ficar fechados em casa atrás de grades, por terem medo.
Vou dizer-lhes qual seria a vossa estratégia, se a realidade fosse a que dizem que é.
Em Portugal, temos 43 000 agentes de torça de segurança. Se fosse como os senhores dizem, teríamos de ter três vezes mais; logo, o Ministério da Administração Interna não gastaria 150 milhões de contos mas 450 milhões de contos. Por outro lado, como os processos se atrasam nos tribunais, o número de juizes actualmente existente não seria suficiente, teríamos de ter duas vezes mais e, então, não gastavam x mas, sim, duas vezes x. Mas como os tribunais também não chegam, construiriam mais do dobro de tribunais, o que levaria a duas vezes v em despesas com tribunais. Mas como a razão de tudo isto e a falta de emprego, os senhores iriam dar emprego Mas como não podem obrigar os tribunais a dar emprego, o Estado iria dar emprego. Ora, o número de Funcionários públicos, que agora é de 600 000 ou mais, aumentaria para o dobro, l 200 000, e o Estado gastaria, em vez da centena de milhão de contos, duas vezes essa centena de milhão de contos!...
O Sr. João Amaral (PCP) - Parece um jogo do monopólio!
O Orador: - Mas mais, como há pobreza, os senhores criariam o subsídio de rendimento mínimo, aumentariam as pensões de reforma para o triplo e, então, gastariam três vezes mais do que nós gastamos. Mas. como não poderiam tirar dinheiro à Educação, à Saúde ou às Forças Armadas para manter essas coisas, teriam de fazer o seguinte, gastariam o que temos, endividávamo-nos mais. não convergiríamos com a Comunidade, ficaríamos no pelotão de trás ou sairíamos dela. E, depois, em cúpula de tudo isto, faríamos
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algo que os senhores sabem fazer melhor do que ninguém: andaríamos de «chapéu na mão» a pedir dinheiro para as finanças públicas!
Aplausos do PSD.
Protestos do PS.
O Sr Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O diagnóstico está feito e não deixa margem para dúvidas: a criminalidade continua a aumentar em cada ano que passa e de novo, no ano de 1994, a um ritmo extremamente preocupante, revelador do progressivo agravamento da crise social e, ao mesmo tempo, de um clima generalizado de impunidade por parte dos delinquentes.
Enquanto o crime aumenta, avoluma-se entre os cidadãos o cepticismo e a desconfiança quanto à capacidade de garantir, com um mínimo de eficácia, os direitos das pessoas. Quem pode recorre aos serviços privados de segurança, como, inclusivamente, fazem os próprios serviços públicos. Quem não pode vai esperando que o seu dia de malapata não tenha ainda chegado. Quem é vítima desespera das polícias e da justiça.
É, pois, à luz de uma objectiva insuficiência de resultados que as políticas de segurança interna carecem de ser analisadas, designadamente a chamada «reforma Dias Loureiro» que um dia - estão lembrados - o Primeiro-Ministro considerou ser a «reforma do século» do sistema policial português e que, afinal, como se vai vendo, se esgota num pântano de insucessos.
Mas tanto como analisar os fracassos da reforma, importa encarar o futuro e apontar medidas correctoras e inovadoras capazes de contribuir decisivamente para modificar a situação presente. Para o efeito, há que responder a três questões fundamentais.
Primeira, tem o País o número de efectivos policiais suficiente para o cumprimento das necessárias missões de segurança?
Segunda, estão as polícias, funcional e operacionalmente, estruturadas e apetrechadas para poder responder, com eficácia bastante, as exigências da prevenção e do combate ao crime?
Terceira, a acção policial decorre com o nível qualitativo indispensável à vivência da sociedade democrática, na compatibilização, indispensável, entre eficiência policial e garantia dos direitos dos cidadãos?
Vejamos, pois, desde já a primeira questão, a do número de agentes.
Ainda todos se recordarão da afirmação peremptória do Ministro da Administração Interna, de que o número de polícias, em Portugal, comparativamente com o dos países da União Europeia, revelava um equilíbrio mais do que suficiente, sendo tão-só necessário trazer os agentes para a rua. A verdade e que eles continuam nos aquartelamentos a título de exemplo: só no comando-geral de uma das forças de segurança são mais de 1800 agentes sem fazer uma hora de patrulhamento, envolvidos em tarefas, muitas das quais, susceptíveis de desempenho por funcionários civis ou até em regime de out service.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Fazer, pois, um levantamento dos modos de ocupação não policial dos agentes de polícia tornaria certamente bem evidente o anacronismo organizativo das nossas forças de segurança.
Em todo o caso, o número geral de agentes de polícia apontado, no ano de 1992, pelo Ministro Dias Loureiro, era, então, da ordem dos 47 000 agentes Segundo dados oficiais, de 1993, agora mesmo confirmados pelo Ministro, esse número caiu para a casa dos 43 000. E a verdade é que, constituindo tais números uma cifra relativa apenas às polícias nacionais, as únicas existentes entre nós, Portugal fica claramente em situação de défice quando levada em conta a realidade das polícias municipais presentes na maior parte dos países da União Europeia.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Em Espanha, por exemplo, os efectivos municipais- só os efectivos municipais- ultrapassam os 50 000 agentes distribuídos pelas várias municipalidades e regiões. A título de exemplo 10 000, em Madrid, e 3 000, em Barcelona.
A resposta ao problema português só pode, pois, ser uma o número de agentes de polícia existentes é insuficiente para as necessidades de segurança do País E a insuficiência é ainda mais expressiva quando se leva em linha de conta, como já se referiu, a persistente ocupação dos agentes em tarefas indirectas ou de rotina burocrática, em funções, muitas das quais, a outrem deveriam competir, como os milhares e milhai es de diligências e notificações judiciais, para além dos crescentes graus de ocupação registados em missões honoríficas e de representação, relacionadas com as funções majestáticas do poder, de que este poder tanto gosta, bem como com a protecção pessoal, em escala cada vez mais alargada, de figuras públicas, muito particularmente dos governantes Não deixa, aliás, de ser curioso verificar como, à medida que cresce a desprotecção do cidadão comum, vai aumentando a protecção policial dos membros do Governo Os encargos orçamentais daí derivados não são, no entanto, tomados pelos gabinetes dos governantes mas, sim, despesas imputadas aos já limitados orçamentos de cada uma das torças de segurança.
A conclusão geral retiram-na os próprios comandos de polícia ao queixarem-se, explicitamente, tanto da falta de pessoal quanto da falta de verbas necessárias ao bom cumprimento das missões de policiamento
O Ministro diz agora que se lhes vai aumentar as dotações. Mais vale tarde do que nunca A verdade, porém, é que as prioridades do Governo, que não se sabe onde estão, patentemente não têm estado do lado da exigível protecção dos cidadãos.
Passemos à segunda questão, a da estruturação funcionai e do apetrechamento operacional das polícias.
O acentuar de uma vocação urbana e rural, respectivamente à PSP e à GNR, não resolveu, designadamente em vista das experiências duvidosamente eficazes da concentração de postos e das esquadras, o problema de uma correcta articulação entre a polícia e a comunidade. Não o resolveu do ponto de vista da humanização da função policial nem do ponto de vista da articulação das funções de polícia com o meio social, cujo conhecimento e domínio das realidades são absolutamente indispensáveis por parte dos agentes, tanto na prevenção quanto na repressão do delito patrulhamentos de três guardas no interior de uma viatura circulando pela cidade, sem contacto directo com o meio que se patrulha, estão a revelar-se da mais duvidosa ineficácia preventiva.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É neste quadro de carência manifesta que o PS se bate pela criação das polícias municipais, sem pré-
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juízo da sua correcta articulação e interdependência com os corpos nacionais de polícia, destinadas a resolver uma função absolutamente necessária de relacionamento estreito entre a prevenção policial e o conhecimento da vivência comunitária e dos fenómenos de perigosidade concreta que nela se manifestam.
A criação das polícias municipais constitui, pois, para o PS, uma prioridade referida a correctos padrões de prevenção, de garantia da tranquilidade pública e de protecção dos direitos dos cidadãos para além de constituir um maior apelo à participação da comunidade na defesa de si própria, o que é uma condição de civismo e da mais estreita cooperação entre os interessados nos fins e nas funções de segurança.
Sr. Presidente, Srs Deputados: Não há, nos dias de hoje, possibilidades de combate vitorioso à criminalidade, sobretudo a certos níveis de sofisticação e perigosidade, se não se estabelecerem adequadas soluções institucionais de articulação e de cooperação São essas soluções que não têm funcionado em áreas tão decisivas como as do combato à droga e as da criminalidade económica e fiscal, no primeiro caso, porque a atribuição a uma só polícia, à Polícia Judiciária, da competência de investigação do narcotráfico e o funcionamento ultradeficiente do Gabinete de Coordenação do Combate à Droga demonstra que as exigências do combate continuam sem solução satisfatória
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - É urgente a constituição de um verdadeiro centro coordenador do combate à droga dotado de impulso investigatório próprio e, neste caso tão especial, desejavelmente dirigido por um magistrado do Ministério Público com capacidade de coordenação real das acções desenvolvidas no âmbito de cada polícia, apetrechando-se ao mesmo tempo cada uma delas de um departamento anti-droga com as inerentes competências de investigação. Enquanto tal não suceder, as mercas, as «capelinhas» e um certo «jogo do gato e do rato» no interior dos próprios departamentos oficiais continuará a afectar drasticamente a eficácia de uma acção em que a conjugação de esforços é absolutamente imprescindível e inadiável.
A responsabilidade do Governo pelos relativos insucessos no combate ao narcotráfico são incontroláveis e a incerteza com que até agora encarou o problema é insustentável.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Outro domínio falho de cooperação eficaz é o da área da prevenção da criminalidade económica e fiscal. Também aqui se impõe a constituição de uma autoridade superior de coordenação que integre a participação, designadamente, das direcções-gerais das contribuições e impostos e das alfândegas, bem como da brigada fiscal da Guarda Nacional Republicana com vista a conferir maior eficiência no sector.
Por outro lado, é também evidente a falha de cooperação institucional entre serviços e forças de polícia no âmbito territorial em que cada uma delas intervém A existência, em cada distrito, de uma mesa de trabalho comum a todos os serviços e forças de polícia há muito que deveria estar prevista.
O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!
O Orador: - Desejo destacar, pelo seu evidente grau de importância, duas áreas de preocupação prioritária: ainda a do combate ao tráfico de droga, causa das causas do aumento da delinquência e da criminalidade; também a questão do policiamento dos meios urbanos, com destaque para as Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, zonas que concentram cerca de 80 % dos mais sensíveis tipos de crime verificados no País.
O sucesso do combate ao narcotráfico prende-se, entre nós, com o problema muito difícil da fiscalização da nossa fronteira externa, uma fronteira marítima de 800 Km de costa. Que faz o Governo? Quando a Guarda Fiscal ainda existia, na dependência do Ministério das Finanças, foi a mesma dotada de um actualizado sistema de fiscalização de costa.
De então para cá, o sistema tarda em ser implantado na sua globalidade por inexplicáveis e não vencidas mércias dos próprios serviços públicos, que o Governo, por sua vez, também não supera.
Mas o que é de todo incompreensível é o praticamente nulo apetrechamento da actual Brigada Fiscal em meios marítimos de patrulhamento. Ao todo, dispõe de três ou quatro velhas lanchas, de há 20 anos, colocadas em pontos desfasados da costa. São óbvias as consequências: para intervir, a Brigada Fiscal vê-se muitas vezes na necessidade de recorrer a terceiros, a espanhóis e a franceses, até a particulares disponíveis à colaboração graciosa, mesmo camuflados de autoridade policial Parecem histórias de Rocambole e são-no de facto! Histórias que, todavia, nos deixam na maior perplexidade sobre o que pensa verdadeiramente o Governo das nossas responsabilidades no contexto de Schoengen e no da União e que medidas de apoio já foi capaz de equacionar e reivindicar para que o nosso país possa responder com eficácia bastante no controlo de uma tão larga via de entrada de estupefacientes em Portugal e na Europa.
Se não queremos permanecer como uma placa giratória do narcotráfico é urgente dar resposta ao problema do policiamento marítimo. Dezasseis lanchas à velocidade de 40 milhas e quatro barcos-patrulha de alto-mar são, salvo melhor opinião, uma frota imprescindível de policiamento. Que diz o Governo? Quanto à problemática específica da segurança urbana, para além do que já foi dito, é muito difícil compreender as baixas taxas de utilização das viaturas do serviço de patrulhamento cuja trota se mantém parada à média de 50 %. Para exemplo da ineficácia, o caso - convenhamos - é paradigmático.
A actualização dos objectivos e a modernização dos métodos e do equipamento operacional das polícias, com particular prioridade nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, é, de facto, uma exigência permanente ditada pela chaga do crime A decisão de só agora, a reboque da interpelação do PS. se apresentarem soluções de policiamento reforçado para os transportes públicos, se enunciarem novas preocupações de combate à droga, o facto de o policiamento às escolas permanecer altamente deficitário, o descrédito generalizado das pessoas face às condições de segurança, o subsistente retardo de regulamentação da lei de protecção às vítimas de crimes, tudo aponta para uma falta de determinação do Governo que só pela pressão das circunstâncias avança com o anúncio de novas medidas. Mas qualquer esforço sério de melhoria da actuação das polícias implica, igualmente, um trabalho de articulação da função policial com outras áreas de responsabilidade social no acompanhamento dos grupos de maior risco em matéria de criminalidade. Persiste, como sabemos, uma situação de legalização muito parcial dos imigrantes presentes no país. É patente a sua vivência à margem do sistema, a subordinação ao trabalho clandestino, a desinserção social, fenóme-
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nos dominantes nas comunidades imigrantes, sobretudo de origem africana.
Já sabemos que a subsistência de tão graves problemas determina um agravamento irremediável dos riscos da criminalidade. Combater eficazmente a criminalidade passa, seguramente, pelo combate das causas que lhe dão origem. A recusa do Governo, até hoje, em criar um departamento de Estado especificamente dirigido à problemática social da imigração é uma atitude de cegueira que a toda a sociedade irá custar cada vez mais caro.
Outro parâmetro essencial do combate à criminalidade reporta-se ao modo como é encarada a problemática da ressocialização dos delinquentes. O que hoje se percebe é que um sentimento de impunidade alastra entre os criminosos proporcionalmente à formação de um espírito pária; o que hoje se sabe é que as nossas cadeias, superlotadas, são cada vez mais escolas de crime; o que hoje se comenta é que, perante tais dificuldades, chegam a ser os próprios polícias a descrer da oportunidade e do valor do seu zelo.
É o que, designadamente, se passa com os consumidores e os pequenos passadores de droga perante os quais a polícia já opta, quantas vezes, por não tomar quaisquer procedimentos, afinal, por saber, de experiência, que o sistema não tem resposta seja para o acompanhamento social de um potencial delinquente primário seja para a ajuda efectiva ao toxicodependente. Entretanto, a pequena criminalidade, que apela à grande, alastra em mancha de óleo não tendo até agora o Governo, como lhe é exigível, concebido modalidades operativas de interacção entre o esforço de combate ao crime e um trabalho coadjuvante de ressocialização em fase pré-judicial.
Este é, se não erro, outro domínio fulcral para o êxito do combate ao crime.
Importa agora responder à terceira das questões inicialmente formuladas - a do nível qualitativo da conduta policial em termos da preparação dos agentes da polícia face ao relacionamento com os cidadãos.
Neste capítulo não é possível fugir à verificação de uma atitude de generalizada desconfiança da parte do cidadão comum perante a autoridade. Aliás, quando olhamos para o incremento muito significativo das verbas resultantes da cobrança de coimas e de multas não podemos deixar de reflectir sobre a imagem tão generalizada do polícia «caça-multas», agente indesejável no quotidiano social.
Infelizmente, por detrás da atitude do agente estão orientações rígidas visando a obtenção de receitas por tal via, as vezes, mesmo com ameaças de punição dos agentes menos diligentes em tal matéria. Contrastando com esta realidade, é necessário, bem necessário, incrementar a ideia de uma polícia protectora e não perseguidora do cidadão comum.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Muito há, porém, a fazer quer no ajustamento cívico do papel das autoridades de polícia quer na preparação dos agentes em face da natureza das missões que lhe são confiadas. Desde logo, vale a pena questionar a situação presente da formação policial com escolas práticas e escolas de quadros superiores repartidas por cada corporação e separadas entre si. Tivesse o Governo optado por constituir uma academia de segurança, organismo de formação múltipla nos vários domínios da segurança interna, e estou certo de que já teríamos assistido a um verdadeiro salto qualitativo na formação geral e aplicada das nossas polícias a par de um melhor conhecimento dos factores da criminalidade e dos meios de a combater. Infelizmente, também aqui, a cooperação nunca foi a palavra de ordem.
Uma visão exigente e actualizada do papel das polícias, no quadro do Estado democrático e da sociedade aberta, obriga também a que se defenda, sem mais subterfúgios, a generalização a todas as forças de segurança, sem prejuízo da hierarquia de comando, da coesão e da disciplina, de elementares direitos de associativismo sócio-profissional compatíveis com as exigências da permanente operacionalidade das forças.
O Sr José Magalhães (PS)- - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, a experiência recente aconselha a insistir, com ênfase, na necessidade da definição e aplicação de um código de conduta policial dirigido à tipificação das regras essenciais de relacionamento entre a autoridade e os cidadãos. Tal como se afirma positivo um programa de criação, no plano local, de concelhos para a tranquilidade pública, de valor consultivo para a acção policial, e se defende ao nível nacional, e junto de cada força de segurança, a criação de um comité misto - das autoridades de polícia, da magistratura e de associações de direitos cívicos- de acompanhamento da acção policial susceptível de apreciar, a título gracioso, queixas dos cidadãos em face da autoridade bem como de emitir recomendações dirigidas à actuação das forças de polícia.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, ninguém de boa-fé poderá dizer, na sequência desta interpelação, que o propósito do PS possa ter sido mais o de criticar do que o de apontar caminhos de solução.
A verdade insofismável é que neste, como noutros domínios, é o PS que aponta para as reformas necessárias perante um Governo e uma maioria prisioneiros de uma visão situacionista e esgotada de poder.
Sabemos que a criminalidade e as ameaças de múltipla ordem à segurança das pessoas e dos seus bens são um dado nunca definitivamente resolvido. Mas sabemos igualmente que muito de positivo, inovador e eficaz está por fazer para garantir aos portugueses uma vida mais tranquila, mais livre e socialmente melhor integrada.
Quanto ao que este Governo fez até hoje, estamos conversados, pois os resultados negativos falam por si. O tempo de Dias Loureiro tem sido o de demasiadas promessas para tão poucos resultados. E, hoje, já nem sequer é de promessas. Foi uma demissão por antecipação, a sua demissão e a do seu Governo!
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD). - Sr. Presidente, constato que o Partido Socialista esgotou o tempo de que dispunha e, pela nossa parte, cedemos o necessário para a resposta a este pedido de esclarecimentos. De resto, a minha pergunta é extremamente simples e curta.
Naturalmente, não pode dizer-se que a intervenção do Sr. Deputado Jorge Lacão não tenha oferecido um leque extraordinariamente diversificado de propostas; tudo está em saber como elas jogam ou não. Não vou agora questionar esse aspecto mas, de entre as propostas com que o Sr. Deputado Jorge Lacão avançou, pareceu-me ouvir algo que, em termos linguísticos, soava a «ressocialização prejudicial». Gostava de ver clarificado qual o conteúdo e o
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sentido e em que termos práticos esta medida, esta ressocialização pré-judicial, podia contribuir para a prevenção da criminalidade.
O Sr. Presidente: - Para responder, em tempo não superior a três minutos, cedido pelo PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr Presidente, Sr. Deputado Costa Andrade, há dias, em conversa com um agente de segurança, dizia-me ele, da sua própria experiência que, tendo tido a necessidade de deter, na véspera, um grupo de jovens drogados, depois de os levar à esquadra e de verificar a sua situação, se sentiu, quase moralmente, obrigado a devolver-lhes a própria droga que inicialmente lhes tinha apreendido e a remetê-los para as suas famílias, depois de com elas ter contactado.
Ao mesmo tempo, esse agente de segurança manifestava-me toda a sua angústia por ter constatado que se, tivesse dado início a um procedimento judicial, estava certo de que nenhuma consequência, nesse plano da repressão criminal, poderia alcançar devido a tudo aquilo que já foi aqui dito sobre o mau funcionamento do sistema judicial neste domínio.
Por outro lado, tentando ou pretendendo, muitas vezes, recorrer a modos institucionais de apoio, à possibilidade de acompanhamento na esfera psicossocial dos delinquentes, não encontram as polícias instituições preparadas para este tipo de resposta e de necessidades.
Foi exactamente essa a questão que aqui coloquei, Sr. Deputado Costa Andrade, e penso que não lhe será difícil concordar comigo se pudermos concluir que um dos aspectos fundamentais do combate à criminalidade passa também por coadjuvar este combate, no plano da prevenção e da repressão, com o tratamento adequado das situações que, em termos sociais ou no plano da saúde, delas carecerem.
Infelizmente, não temos essa articulação institucional a funcionar, porque não há cooperação entre as entidades oficiais em Portugal. Desde logo, não há entre as próprias polícias e, depois, nem entre estas e os departamentos de ressocialização ou de apoio à socialização em Portugal. Este e o problema!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça (Laborinho Lúcio): - Sr. Presidente, Srs. Deputados Tinha firmado para mim o propósito de, ao subir a esta tribuna, felicitar o Grupo Parlamentar do Partido Socialista pela iniciativa desta interpelação ao Governo e não vou, obviamente, deixar de fazê-lo. A interpelação teve lugar e tem sido possível, ate aqui, desenvolver um debate importante sobre o combate à criminalidade violenta e ao tráfico de estupefacientes.
Lamento, todavia, ter de ficar por aqui nas minhas felicitações ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista e gostaria bem que assim não tivesse de ser. Julgo que esta matéria é suficientemente importante, que tem suficiente interesse nacional e dimensão de Estado para que todos tivéssemos convergido aqui, não quanto às opiniões mas quanto à verdadeira dimensão do fenómeno que suscitou a nossa preocupação.
Esperava, do Partido Socialista, uma intervenção democraticamente agressiva, porventura tentadamente demolidora, mas não esperava, com toda a franqueza, a intervenção demagógica que ontem começou junto da opinião pública e que, infelizmente, teve continuação hoje, aqui, justamente da intervenção de onde menos se esperava, a do seu líder parlamentar, o Deputado por quem nutria - e nutro- um particular respeito, Jaime Gama.
A demagogia, no fundo, não é outra coisa senão a realidade mas levada a um exagero tal que esta perde os seus contornos verdadeiros e, quando ultrapassada nos seus limites, atinge raias que só não são ridículas porque é importante que todos tenhamos a capacidade de impedir, uns em favor dos outros, que o próprio debate parlamentar caia na caricatura.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Mas, senão vejamos o segundo parágrafo da intervenção do Sr. Deputado Jaime Gama. Diz ele: «Jovem, adulto ou idoso, mulher ou homem, ninguém no nosso país sai à rua ou fica em casa sem que a perspectiva de um assalto ou de uma agressão não constitua uma hipótese a ponderar no seu dia-a-dia».
Quer isto dizer que se o Partido Socialista tivesse razão e se o que diz fosse correcto, não haveria criminalidade em Portugal por falta óbvia de criminosos. Todos, na sua concepção, são vítimas! Ninguém sai à rua sem a perspectiva de ser vítima de um crime.
Protestos do PS e do CDS-PP.
Mais do que isso, o Sr. Deputado Jaime Gama termina a sua intervenção, dizendo: «Enquanto houver criminosos à solta, não viveremos tranquilos».
O Sr. José Magalhães (PS): - E então?! Subscreva-a!
O Orador: - Sr. Deputado José Magalhães, não a subscrevo pela simples razão de que tenho o sentido político da utopia e entendo que a utopia é alguma coisa pela qual todos devemos lutar, e VV. Ex.ªs sabem bem o que ela significa. E, justamente, para se poder ter o sentido político da utopia tem de se ter um profundo respeito por ela, pelos seus limites. A utopia também não pode ser de tal forma inatingível que raie os limites da ridicularia.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Alberto Costa (PS): - Pura retórica!
O Orador: - Mas mais, Srs. Deputados: o Sr. Deputado Jaime Gama disse, a dado passo do seu discurso, que «é nos fracos que a justiça avança» Pergunto então: quem está contra a utilização do agente infiltrado no combate à criminalidade anti-económica? Quem levanta dúvidas sérias quanto à violação do segredo bancário, à criminalidade anti-económica e à luta contra a corrupção?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. José Magalhães (PS): - Era da droga que falava!
O Orador: - Será que são os pobres do Casal Ventoso que têm conta bancária e cuja privacidade deve ser tutelada nessa perspectiva ou serão os fortes aqueles que estão hoje à frente da criminalidade organizada internacional e relativamente a quem é fundamental que, independente de uma política concreta de intervenção, se estabeleça uma política legislativa de enquadramento?!
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Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Nessa matéria, como noutras, não temos de receber grandes lições, e digo grandes, porque, sobretudo, os verdadeiros democratas lições recebem sempre.
Finalmente, numa intervenção posterior do Sr. Deputado Jaime Gama, quando se indicou que, no contexto internacional de 41 países, Portugal se situava, no domínio da criminalidade violenta, pela negativa, em 5.º lugar, foi pelo Sr. Deputado referido, e bem, que logo atrás, em 6.º lugar, se situava a Indonésia.
Esta afirmação é verdadeira - V. Ex.ª não lhe atribuiu outra intenção e, portanto, não interprete mal o que vou dizer -, mas e tão verdadeira quanto essencial para a conclusão que pretendemos extrair. É que segurança verdadeira e total garante-se bem mais em regimes totalitários e de ditadura do que em regimes democráticos!
Aplausos do PSD.
Protestos do PS.
Sr. Deputado Alberto Costa, tive o cuidado de dizer que não pretendia extrair daí as ilações negativas que VV. Ex.ªs' estão a querer tirar. Em nenhuma circunstância me passaria pela cabeça lançar sobre o Partido Socialista a suspeita de que é um partido que apoia regimes ditatoriais, como é óbvio!
O Sr Jorge Lacão (PS). - A afirmação, em si, e que é errada!
O Orador: - O que quis dizer, se VV. Ex.ªs me permitirem que o diga, foi apenas que é um orgulho nacional, para Portugal, ser o regime democrático e transparente que e, o regime que lula pela liberdade como luta e ter um grau de segurança superior ao de um sistema totalitário e ditatorial como é o da Indonésia.
Aplausos do PSD.
O Sr. José Magalhães (PS). - Fica dito aqui que a Indonésia é segura!
O Orador: - Srs. Deputados, não estejam preocupados. A experiência parlamentar diz-me que sempre que o Partido Socialista faz ruído nas minhas intervenções é porque está preocupado com a qualidade delas!
Aplausos do PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nenhuma interpelação ou debate parlamentar senos podem desenvolver-se sem um conceito comum de transparência. O Partido Socialista, e bem, utiliza, há algum tempo a esta parte - utilizou ontem e tem utilizado hoje -, todos os elementos estatísticos do Ministério da Justiça. E aqui, sim, há um espaço para agradecer ao Partido Socialista o facto de reconhecer a qualidade do trabalho de investigação desenvolvido pelo Ministério da Justiça e, ao mesmo tempo, por ser o porta-voz da credibilidade e fiabilidade dos números trabalhados pelo Ministério da Justiça.
Pela primeira vez, em Portugal, sabe-se qual o número de crimes participados e faz-se uma extrapolação razoavelmente rigorosa para o número de crimes não denunciados; pela primeira vez. tem-se uma indicação estatística adequada que permite, nomeadamente à oposição, como em democracia deve acontecer, confrontar o Governo com a eficácia das suas políticas, a partir dos estudos que o próprio Governo desenvolve e do conhecimento público dos resultados desse trabalho.
Isto chama-se, Srs. Deputados, transparência, mas transparência activa e, por isso, realidade! Não é apenas transparência discursiva ou desejável.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Era interessante que, a par desta real transparência por parte do Governo, pudesse ler havido, também, real transparência crítica por parte do maior partido da oposição.
Vou dar-vos apenas um exemplo: exactamente do mesmo inquérito de vitimação que VV. Ex.ªs invocam para brandir o número de três quartos da criminalidade não denunciada - e sabem que é uma extrapolação e não uma conclusão numérica directa -, conclui-se que 74 % dos portugueses se consideram seguros e que 65 % dos mesmos portugueses respondem que os níveis de criminalidade se mantêm.
Pois bem, Srs. Deputados, enquanto Ministro da Justiça, não aceito estes números Este inquérito é de 1992 e a realidade- a tal realidade que nos inspira- permite intuir que o grau de sensação de segurança não é tão elevado e que a noção de que a criminalidade não aumentou não corresponde ao número de 65 %.
Digo-o por uma razão muito simples, tenho a responsabilidade de uma pasta que intervém directamente nesta matéria e aquilo que de pior podia acontecer ao responsável por uma pasta desta natureza era deixar-se enganar pelo optimismo dos números, mesmo quando esses números são aqueles que o partido da oposição consolida para deixar fundamentar o seu pessimismo, por isso, demagógico.
Mas, Srs. Deputados, os respectivos relatórios referem outros números importantes para nos aproximarem a uma realidade que seja esta de 1994 e não aquela de 1992; são, justamente, os estudos exteriores, internacionais, credíveis e imparciais que dizem que. em 41 países desenvolvidos, Portugal se situa, em matéria de criminalidade violenta, pela negativa, em quinto lugar, em matéria de segurança em décimo segundo e, em matéria de confiança na administração da justiça, em vigésimo, imediatamente a seguir à França, que está em décimo oitavo, e aos Estados Unidos, que se colocam em décimo nono, e à frente, Srs. Deputados, da Bélgica, da Itália, da Espanha e da Grécia, para citar apenas outros países da União Europeia!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Pretendo daqui concluir o quê? Não uma fuga à realidade para dizer que tudo está bem entre nós, mas a possibilidade de ganhar a credibilidade para poder continuar a afirmar o discurso da recuperação e da melhoria, discurso esse que, obviamente, para ser credível, tem de ter pontos comparativos de referência, e estes são-no claramente!
Quanto não é ainda o teor da nossa saudade dos tempos em que, quando se falava de Portugal, se situava sempre o País na cauda de uma qualquer Europa, fosse ela qual fosse.
É bom, por isso, Srs. Deputados, sem fugirmos à realidade que ainda constrange a necessidade de outras medidas e sem escamotearmos aquilo que hoje e, neste domínio, preocupação séria dos portugueses, também termos o direito e o orgulho, que diria nacional, para acompanharmos a progressão positiva da nossa capacidade de intervenção do Estado e de compreensão de fenómenos sociais como
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este e de intervir na superação da dimensão mais preocupante do problema.
O Partido Socialista valoriza, sobretudo- e é importante que o faça, desde que retire daí todas as conclusões a existência previsível de três quartos da criminalidade que não e denunciada Mas. logo a seguir, omite completamente todo o tipo plural de razões que está por detrás dessa atitude.
Assim, vejamos, não refere a percentagem de 27 %t que em vários sectores atinge os 35 %, daqueles que dealbaram não ter participado porque os incidentes não tinham) tido importância, o que leva, inclusivamente, como VV. Ex.ªs têm o dever técnico de conhecer, à conclusão de que muitas das situações que geraram vitimação não são situações de criminalidade, não entrando sequer nesse domínio, mesmo no que se refere às bagatelas penais,...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - .. omite que vários decidiram não participar para não exporem aspectos da vida familiar e da vida privada, bem como que o sistema jurídico-processual penal português tem em si, na génese da sua própria compreensão interna, a possibilidade natural da não denúncia e, justamente por isso, cria a figura do crime particular, que obriga a constituição de assistente, e a figura do crime semi-público, estabelecendo uma relação de interacção entre O cidadão e o sistema e dando ao cidadão vítima de crime a possibilidade de optar pela denúncia ou pela não denúncia.
Contabilizar o efeito positivo da aplicação do sistema como forma negativa de compreender a globalidade do seu funcionamento é, uma vez mais, ou fazer demagogia ou desconhecer a realidade.
Vozes do PSD:- Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, em nenhuma circunstância foi dito que se não participou por falta de confiança nos tribunais.
O Partido Socialista constata e reincide na afirmação de que as acções do Governo, nos últimos 10 anos, apenas levaram a justiça, em Portugal, exactamente ao mesmo estado em que ela se encontrava em 1984.
Srs Deputados, chegou o momento de, de uma vez por todas, esclarecer esta questão e de, uma vez mais, agradecer ao Partido Socialista.
Várias vezes tive ocasião de dizer que 1984 foi, nos últimos 10 anos, por razões que são óbvias e de mera conjuntura, o melhor ano em termos de duração média de processos nos tribunais. E quando, nas estatísticas que o Partido Socialista reconhece como fiáveis, se verifica agora que toda a duração média de todos os processos é, nesta altura, inferior à de 1984, e apenas a duração média dos processos-crime, em fase de julgamento, é igual à de 1984, deixei, sem contestação, que o Partido Socialista repetisse, até à exaustão, esta realidade.
Está hoje garantido, perante todos, que isto e assim, pela boca do Partido Socialista. Não são apenas as estatísticas da justiça que o confirmam; é o maior partido da oposição que, repetidamente, tem dito que a justiça penal em Portugal demora, em 1993, que é o último dado estatístico, exactamente o mesmo tempo que demorava em 1984 Por isso, é altura de levantar o véu e de dizer quanto tempo é que demora.
Sr Presidente. Srs Deputados Com a confirmação do Partido Socialista, o tempo de duração dos processos-crime em fase de julgamento e, neste momento, em Portugal, de 11 meses, menos de um ano. É um dos melhores números da Europa nesta altura.
E, quando dizemos que regressámos a 1984, é importante, para se ser estatisticamente sério, que se diga, simultaneamente, que, em 1989, onde se atingiu o pico mais alto, a duração média era de 16 meses e que, portanto, de 1989 a 1993, se recuperaram cinco meses em 16, o que é fundamental. Mas que se diga mais que durante estes 10 anos, em todos os tribunais portugueses, entraram mais 300 000 processos e só processos-crime mais 150 000. E quem quer abordar seriamente estes números, quem quer analisar seriamente quais os resultados positivos ou negativos de uma política de justiça pode dizer que 11 meses ainda é muito, que se podia ter andado mais depressa e que era necessário adoptar outro tipo de medidas. Pode-se criticar como se entender, agora o que não se pode é, sob pena de se fugir à exigência mínima de seriedade na análise estatística, escamotear que, com esta pressão enorme sobre os tribunais portugueses, com este aumento enorme de processos nos nossos tribunais, ter conseguido esta recuperação é significativo de duas realidades inquestionáveis, em primeiro lugar, de que se adoptaram todas as medidas estruturais necessárias para recuperar um sistema em situação de pré-ruptura, como é sabido, e que, ao mesmo tempo, se introduziram medidas de lubrificação do sistema que permitem concluir agora que a real e total melhoria do sistema de justiça está à nossa vista e que, em velocidade de cruzeiro, é possível consegui-la
Mas mais do que isso, Sr. Presidente e Srs Deputados, poderíamos desenvolver o conjunto de números que, ao longo destes 10 anos, são a demonstração, se for caso disso, por excrescência de argumentação. Na verdade vos digo que, em 1988, foram movimentados 575 549 processos, tendo, em 1993, sido movimentados 788 088, o que significa, em tão pouco tempo, um aumento de 200 000 processos movimentados.
No tocante aos processos findos, em 1988, houve 201 135 e, em 1993, 359 177 na fase de inquérito e, em 1988, houve 60 061, passando, em 1993, para 79 119 na fase de julgamento.
Srs. Deputados, referindo-se ao Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa, o coração central da investigação criminal em Lisboa, dizia, há dois anos, o Partido Socialista: «É inadmissível, há 100 000 processos parados». Há dois anos, Srs Deputados! Há um ano, em função e mercê das medidas adoptadas pelo Governo, havia 50 000 processos parados; agora, Srs. Deputados, como resultado do conjunto de medidas adoptadas não há processos parados no DIAP de Lisboa. Há dificuldades de instalação do DIAP no Porto, mas ainda aí não há problemas em termos da circulação normal dos processos.
O ganho em número de magistrados, em número de funcionários e em número de meios está, obviamente, a produzir resultados que são inquestionáveis.
Mas mais do que isso: o Partido Socialista aponta como negativo o número de portugueses, de arguidos ou de delinquentes condenados u penas de prisão. É inconcebível como, da parle do Partido Socialista, vem uma crítica desta natureza. Então, Portugal tem hoje a taxa de criminalidade mais baixa da Europa, porque mesmo que façamos, por estimativa abstracta, a multiplicação das denúncias não feitas, ainda aí, multiplicando também as cifras negras europeias, Portugal fica abaixo. Então, Portugal, que tem a taxa de criminalidade mais baixa da Europa e que tem o número de presos per capita mais elevado da Europa, encontra o Partido Socialista português a pedir mais prisão, mais condenação em pena de prisão?
O Sr. Alberto Costa (PS)- - É falso!
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O Orador: - Mas porquê? Em que circunstâncias? Com que fundamentos, Srs. Deputados?
Se os números referidos pelo PS fossem verdadeiros, então, seríamos hoje o centro prisional da Europa e, porventura, uma vez mais, um espaço magnífico para novas investigações no domínio da criminologia. Como se movimenta, então, o Partido Socialista no seio de tantas contradições? Simultaneamente, aponta como razão do insucesso da justiça penal a amnistia, a desistência e a prescrição; coloca no mesmo saco três realidades completamente diferentes; e esquece, por exemplo, que aprovou no Parlamento, sucessivamente, as leis de amnistia. O PS, no fundo, atribui como efeito negativo as leis que ele próprio vota, fazendo aqui como que uma tentativa de «pescada com rabo e boca», em que cada um foge do outro na tentativa de encontrar um espaço mínimo por onde possam passar sem se dar pelas contradições.
É ou não verdade que o Partido Socialista votou as leis de amnistia? Então, como é possível que o Partido Socialista invoque a amnistia como uma forma capaz de demonstrar a ineficácia do sistema de justiça? Então, é ou não verdade que a desistência é a figura processual que se sucedeu à designação de perdão? É ou não verdade que a desistência, em processo penal, é o tradicional perdão, o perdão da vítima? Então, o Partido Socialista quer que excluamos do sistema processual penal português a figura do perdão? VV. Ex.ªs não sabem que a desistência não significa desistir do processo por outro tipo de razão que não seja pelo perdão da própria vítima? Então, como é possível que, numa realidade de integração, num discurso de integração social, se considere a desistência por perdão um efeito negativo de funcionamento do sistema?
Já e um efeito negativo - e VV. Ex.ªs já têm razão - a prescrição É justamente aí que está a nossa diferença, Srs Deputados. E que eu não valorizo apenas o que é positivo, também aceito claramente o que é negativo e assumo frontalmente, sem tergiversar, a responsabilidade política por isso. Há, em Portugal, situações de prescrição do procedimento criminal, como em toda a parte, mas é em Portugal que sou Ministro da Justiça e é perante os Deputados portugueses que tenho de responder Efectivamente, em Portugal, embora estejamos em recuperação, pois há menos do que havia, existe prescrição do procedimento criminal. E enquanto houver um caso de prescrição, VV. Ex.ªs têm razão em criticar o Governo por essa realidade.
Por outro lado, Srs. Deputados, VV. Ex.ªs fazem o discurso do combate à droga nos termos em que o fazem e, como é evidente, gostaria que esta matéria, com certeza, cara a todos, porque é realmente preocupante, tivesse uma linha de rumo capaz de nos fazer compreender a posição assumida por todos.
O Sr. José Magalhães (PS): - Há propostas!
O Orador: - E, no mesmo inquérito de vitimação a que VV. Ex.ªs se referem, 71 % dos portugueses são favoráveis à punição do consumo de drogas leves, mas VV. Ex.ªs são contra essa punição.
Ora, VV. Ex.ªs, através da liberalização ou da despenalização do consumo de drogas leves, num panorama como o nosso, pretendem conseguir ganhar o combate à droga, quando, hoje, todos, em toda a parte, consideram que o problema da despenalização do consumo, a ter resultados, só pode inscrever-se numa perspectiva de intervenção universal ou, pelo menos, internacional? É que VV. Ex.ªs votaram, aqui, contra a punição do consumo, numa lei portuguesa recente, para Portugal!
Vozes do PSD:- Muito bem!
O Orador: - Srs Deputados, a vossa posição, como é óbvio, é perfeitamente legítima, o que não se pode é advogar «alhos», quando se critica o Governo, e reclamar «bugalhos», quando se pretendem colher benefícios dessa crítica
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Mas há mais, Srs. Deputados: nós não estamos apenas a discutir matérias abstractas; temos de discutir medidas concretas e temos de saber qual a ideologia que nos determina nesta intervenção.
Por isso, um dia, tive ocasião de dizer algo que hoje vou repetir, porque isso, como pretendeu misturar-se, não gerou qualquer contradição interna no seio do Governo, antes, pelo contrário, foi a demonstração clara da sua posição ideológica neste domínio: a segurança garante-se a partir de uma ideologia de liberdade. Essa é, e será sempre, a nossa posição.
O Sr. José Magalhães (PS) - Diga isso ao Ministro Dias Loureiro!
O Orador: - O Ministro Dias Loureiro tem exactamente a mesma ideia neste domínio.
O Sr. José Magalhães (PS)- - Não se nota!
O Orador: - VV. Ex.ªs tinham - e espero que ainda tenham - a noção exacta do que significa ideologia e a noção exacta da diferença entre ideologia de liberdade e prática de segurança. VV. Ex.ªs sabem que a ideologia de liberdade é o espaço de pensamento onde se conforma o sentido da intervenção e que a segurança é um bem mediato que decorre da definição daquele espaço ideológico de liberdade, onde a segurança, em última instância, vai plasmar a sua referência na intervenção social. Esta é, e tem sido sempre, a nossa posição.
Justamente por isso, é importante perguntar-se ao Partido Socialista o que entende sobre o actual regime jurídico da prisão preventiva O Partido Socialista quer ou não alterar o regime jurídico da prisão preventiva em Portugal? É porque trata-se de uma questão nuclear e fundamental que nós não queremos, embora entendamos que, ao lado da necessidade de segurança, se impõe um discurso de cultura, de liberdade.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - As questões sobre segurança que VV. Ex.ªs aqui trouxeram exigem de todos uma postura que não seja preconceituosa, na afirmação do que é necessário, mas que nos dê o espaço total para nos afirmarmos na convergência e coerência da nossa ideologia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A ideologia é uma atitude individual e humana perante o mundo e a vida, mas não é algo que vogue ao sabor do momento e muito menos ao sabor de um mero «prato» de votos.
Por isso, creio que o Partido Socialista quer não alterar o regime jurídico da prisão preventiva mas, isso sim, o mecanismo jurídico que, infelizmente, para todos nós e para o sistema, vem permitindo a sucessiva quantidade de adiamentos em processo penal.
Aliás, este desejo do Partido Socialista foi manifestado, entre outros, pelo Sr Deputado Alberto Costa e, creio, pelo
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próprio Secretário-Geral do partido, ao referirem que uma das situações de constrangimento do sistema processual penal português actual e o facto de ele permitir, sem qualquer hipótese de intervenção, sucessivos adiamentos. É verdade! Isso preocupa-vos, preocupa o Governo, preocupa-me a mim, contribui para o desprestígio da imagem dos tribunais e para a ineficácia do sistema penal. Mas, Srs Deputados, VV. Ex.ªs sabem, tão bem como eu, que intervir nessa área é pisar o risco da constitucionalidade. VV. Ex.ªs sabem o que significa o princípio da imediação e sabem, também, qual tem sido a interpretação do Tribunal Constitucional nesse domínio.
Pois bem, Srs. Deputados, o PSD apresentou um projecto de revisão constitucional em que incluía uma alteração ao princípio da imediação, acrescentando apenas, no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição, a expressão «princípio da imediação, nos termos da lei», o que permitia intervir em sede de legislação ordinária. Não é previsível que a Constituição seja alterada, brevemente, nesse domínio, nem é conhecida qualquer proposta do Partido Socialista nessa área.
Sendo assim, Srs. Deputados, se o Partido Socialista estiver disposto a enfrentar a possibilidade de uma declaração de inconstitucionalidade,...
O Sr. José Magalhães (PS): - Há outras soluções!
O Orador: - porque o tema e juridicamente discutível e há argumentos possíveis a favor da constitucionalidade o Governo, concretamente o Ministro da Justiça tem um texto que deixará na Mesa da Assembleia para está os grupos parlamentares, se assim o entenderem, o transformem em projecto de lei A partir daqui, como consequência positiva desta interpelação e deste debate, podemos ter dado um passo decisivo para tornar mais eficaz a capacidade de resposta do sistema de justiça penal. E não queria. Srs. Deputados, acabar como comecei. Lamento o tom demagógico da intervenção do PS, mas não deixo de felicitá-lo pela interpelação e, se esta interpelação pudor ter contribuído para a alteração consensual deste conjunto de normas, teremos todos ganho e os portugueses, mais tarde, esquecer-se-ão da demagogia com que o PS interveio para aplaudir em apenas aquilo que por parte do Governo não foi possível recuperar de útil desta interpelação.
Aplausos do PSD, de pé.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Andrade.
O Sr. Fernando Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Ministro, Sr.ªs e Srs. Deputados: A interpelação n.º 20/VI do PS ao Governo, de política geral sobre criminalidade violenta e tráfico de droga em Portugal, deveria ser tratada de uma forma mais genérica e abrangente, não esquecendo a prevenção, a informação, a sensibilização e a motivação de toda a sociedade civil, já que não se trata de um problema possível de circunscrever só às áreas governativa e partidária, religiosa, escolar ou política.
E um problema que nos diz respeito a todos, que na sociedade quer no relevante papel da família. Estamos a tratar de um dos maiores e mais complexos problemas da sociedade: a droga. Os seus efeitos nefastos são conhecidos desde a Antiguidade, subsistindo a várias tentativas de repressão e exclusão e apresentando, desde sempre, múltiplos aspectos sócio-culturais, que vão desde a utilização de diferentes tipos de droga ao seu modo e ritual de utilização.
Em Portugal surgiu, com importância significativa e assinalável amplitude, no início dos anos 70. Apesar do conhecimento e gravidade do problema entre nós, só com o Governo do Professor Cavaco Silva e assumida a responsabilidade e implementadas medidas corajosas para enfrentar este flagelo e, assim, em 1987, é criado o Projecto Vida.
É preocupação prioritária do PSD e do Governo o firme propósito de desenvolver um amplo e coerente conjunto de iniciativas, susceptíveis de contribuir para inverter a tendência, estatisticamente comprovada, do progressivo agravamento da situação.
As acções empreendidas impuseram a necessidade de uma adequada articulação interdepartamental, no sentido de responder às três principais questões que integram um correcto plano de luta contra a droga, englobando os jovens, professores e pais, os médicos, enfermeiros e assistentes sociais, as instituições religiosas, autarquias, polícias e sindicatos, na prevenção, informação e sensibilização do cidadão, no tratamento, reabilitação e inserção social do toxicómano e no combate do tráfico.
Após três anos de actividade do Projecto Vida e analisando o trabalho realizado, procedeu-se a ajustamentos estruturais, conferindo uma especial relevância à prevenção primária que o Governo considera prioritária, bem como ao reforço do combate ao tráfico.
Salienta-se, entre as alterações efectuadas, a criação da Comissão Interministerial presidida pelo Primeiro-Ministro, Professor Cavaco Silva, reforçando assim, de uma forma clara e inequívoca, o empenhamento do Governo no combate a este grande flagelo mundial que é a droga, bem como a criação do Conselho Nacional do Projecto Vida, com o objectivo de dar voz à sociedade civil envolvida nesta luta comum.
O Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência (SPTT) do Ministério da Saúde é parte integrante do mesmo Projecto Vida É um serviço descentralizado por distritos, que articula e aproveita, de uma forma sinérgica, a colaboração das administrações regionais de saúde, quer nas instalações quer nos recursos humanos São seus objectivos estratégicos: melhorar a qualidade dos cuidados prestados, desenvolvendo a formação dos recursos humanos, reorganizando a rede de serviços e intensificando a sua articulação, intensificar a cooperação no âmbito do Projecto Vida, apoiando e desenvolvendo centros de informação e aconselhamento, aperfeiçoando a assistência técnica a iniciativas em cooperação com o Ministério da Justiça; modernizar a gestão, fomentando a coesão institucional e melhorando o sistema de informação, de molde a promover uma desconcentração eficiente.
Destacamos, ainda, a criação do Observatório Europeu da Droga que, por empenhamento do Governo, tem sede em Lisboa. O observatório é uma das 12 agências europeias que irá permitir um melhor estudo e articulação das várias políticas de combate à droga na União Europeia.
Sr. Presidente, Sr.ª e Srs Deputados Na continuação de uma das preocupações prioritárias deste Governo no combate à droga estarão criados, até ao final deste ano, um centro de atendimento a toxicodependentes por distrito, assim como cerca de 1000 camas para tratamento.
Queremos salientar, aqui, a importância do trabalho das instituições particulares de solidariedade social, organizações não governamentais que são o reflexo do empenhamento e do diálogo entre o Governo e a sociedade civil
A grande aposta deste Governo e do PSD no combate a este flagelo da droga é o Projecto Vida, que tem dado provas nas diferentes vertentes de prevenção, de tratamen-
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to e combate ao tráfico e conseguido o esforço dos jovens na descoberta das verdadeiras liberdades individual e social, num autêntico processo educativo que leva a todos o conhecimento do que é um estilo saudável de vida. Este é o grande combate de todos nós.
Aplausos do PSD.
O Sr Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A situação de insegurança e intranquilidade em que vivem as populações das áreas metropolitanas não deixa margem para quaisquer dúvidas quanto ao fracasso em que se traduz a política de administração interna do Governo PSD e, em particular, a tão propagandeada reestruturação das forças de segurança.
A criminalidade aumenta. As populações urbanas vivem intranquilas quanto à sua segurança, à dos seus familiares, à da sua residência, à dos seus bens. As estatísticas da justiça, os relatórios sobre segurança interna e as estimativas oficialmente assumidas sobre o consumo e o tráfico de drogas não deixam margem para dúvidas a este respeito. A droga é hoje a segunda causa de morte de jovens, a seguir aos acidentes de viação. Não há dia que passe sem que a droga faça uma vítima mortal.
O aumento da criminalidade, e particularmente da criminalidade violenta e do tráfico de drogas, é um dado estatisticamente comprovado. Mas, com mais veemência do que as estatísticas, falam as pessoas, os dramas pessoais, a situação destroçada de muitas famílias. A criminalidade e a delinquência urbanas alastram no reino da impunidade. O tráfico de drogas processa-se à luz do dia. Muitos cidadãos refugiam-se em casa, perdem hábitos de convívio e de sociabilidade. A segurança é mais do que nunca uma preocupação, mas é também uma justa exigência e um factor de crescente mobilização cívica e reivindicativa das populações.
E uma evidência que a delinquência, a marginalidade e o consumo de drogas têm causas sociais profundas. O aumento da pobreza e do desemprego, a acentuação das desigualdades sociais, as carências do sistema educativo, que deixam os jovens cada vez mais entregues a si próprios, a desumanização da vivência nas grandes urbes, o caos urbanístico e a criação de ghettos sem condições de habitabilidade são causas profundas de criminalidade e de toxicodependência que só uma sociedade mais justa poderá eliminar e cuja erradicação exige uma nova política económica e social.
Mas não é menos evidente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o combate ao consumo e ao tráfico de drogas passa também pela adopção de medidas sérias e coerentes de prevenção, de medidas de tratamento e de reinserção social de toxicodependentes e que a dissuasão da criminalidade passa também por uma política de segurança interna, em que a acção e a presença das forças de segurança junto das populações assumem uma relevância fundamental.
A segurança dos cidadãos não é só uma questão de polícia, é também uma questão de polícia; é sem dúvida uma questão de mais polícia, mas é também uma questão de melhor polícia.
A preocupação que manifestamos com a situação de insegurança dos cidadãos, com a gravidade da dimensão que o tráfico e o consumo de drogas assumem, com a ausência de uma política determinada de combate à droga e com as carências gritantes de policiamento das áreas metropolitanas, só por irresponsabilidade pode ser apelidada de alarmista
Nem é preciso invocar as situações dramáticas dos chamados hipermercados da droga como o Casal Ventoso ou a Pedreira dos Húngaros. Basta conhecer a situação de Camarate, onde cada escola é devassada dezenas de vezes por ano, as situações da Baixa da Banheira ou do Vale da Amoreira, da Venda Nova, da Brandoa, de Sesimbra ou de Queluz, para citar só alguns casos da área metropolitana de Lisboa, para compreender a plena justificação das preocupações que manifestamos e a justiça das reivindicações das populações destas áreas quanto à sua própria segurança.
A situação das áreas metropolitanas é o retrato fiel da ausência de uma política de combate à droga, bem como do fracasso e do embuste em que se traduz a reestruturação das forças de segurança que o Governo tem levado a cabo.
Embuste porque, apesar dos retumbantes anúncios de mais polícias na rua, os cidadãos sabem que não há mais polícias na rua e que a gritante carência de meios das forças de segurança para o policiamento urbano continua, sem que se vejam perspectivas de alteração.
Fracasso porque o tempo decorrido de reestruturação já permitiu verificar que e um erro crasso fechar esquadras em que as populações se apoiavam e que funcionavam como garantes locais de tranquilidade e de dissuasão da delinquência, trocando-as por superesquadras concentradas, longe das populações e longe da criminalidade.
Já não bastava às forças de segurança a falta de meios e a ausência de condições mínimas para um funcionamento eficiente, só faltava uma política de administração interna que, para além de manter as carências, aplica mal os meios e recursos disponíveis.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Há que dizer, claramente, que a política de superesquadras, com o sacrifício de unidades de menor dimensão, é uma opção desastrosa, que os cidadãos estão já a pagar com a sua própria segurança; importante é dotar com meios adequados as esquadras existentes. Importante é construir a esquadra da Brandoa, que foi criada em Diário da República há vários anos e que nunca passou do papel; importante é construir a esquadra de Camarate, que está há três anos está prevista em PIDDAC sem que tenha sido lançada sequer a primeira pedra; importante é a construção de novas esquadras da PSP e de quartéis da GNR onde eles se revelem mais necessários; importante é dotar as forças de segurança com meios e condições dignas para o cumprimento das suas missões e assegurar, de facto, a sua presença onde ela é necessária, ou seja, junto dos cidadãos, convivendo com os seus problemas e contribuindo para a sua segurança e tranquilidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A intervenção do Primeiro-Ministro, não há muito tempo, na sessão de abertura da semana europeia de combate à toxicodependência, não foi mais do que a transposição para o domínio do combate à droga da defunta teoria do oásis ou da já desacreditada teoria da retoma. O Primeiro-Ministro anunciou uma redução do consumo de drogas que todos os dados conhecidos desmentem e prometeu para o futuro novas acções para esconder a evidência de que os meios de prevenção e de combate à droga disponibilizados pelo Governo são notoriamente insuficientes, deficientemente articulados e decorrem de opções políticas em muitos casos incorrectas.
É chocante verificar que, em todo o País, o Estado dispõe apenas de 50 camas para internamento prolongado de toxicodependentes e que seis distritos continuam sem qualquer centro de atendimento.
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Não é aceitável que, em vez de investir na criação de uma rede nacional, pública, geral e gratuita, parai atendimento e tratamento de toxicodependentes, tal conto o PCP propõe, o Governo opte por disponibilizar avultadas verbas do Joker exclusivamente para o apoio a entidades privadas, alienando as suas próprias responsabilidades.
O Sr. Ministro da Administração Interna anunciou ainda ontem, nesta Assembleia, que em Janeiro ou Fevereiro teremos novidades no combate à droga.
Ora, desde 1987 que não temos visto outra coisa da parte do Governo, em matéria de combate à droga, que não seja o anúncio de novidades - aliás, os membros do Governo concorrem entre si na apresentação de novidades nesta área.
Primeiro foi a criação do Projecto Vida; depois foi a reformulação do Projecto Vida e a nomeação do respectivo Coordenador; a seguir foi a demissão do Coordenador e a nomeação do Alto Comissário. É, sistematicamente, o anúncio de novos programas para substituir programas já velhos, é a assinatura de protocolos sobre protocoleis, é a criação de leis orgânicas que multiplicam chefias, são as promessas inculpadas e é, agora, a ameaça de uma, medida concreta: a desarticulação do CAT do Restelo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados do PSD: Não venham acusar-nos, como de costume, de procurar retirar dividendos políticos de uma preocupação que é, ou que deveria ser, de todos. Não é nem nunca foi esse o nosso objectivo. Agora, não podemos deixar de denunciar como deplorável e irresponsável a atitude do Governo de procurar minimizar uma situação que é gravíssima e de praticar a mais descarada demagogia em torno de um dos mais graves flagelos com que a sociedade portuguesa se confronta. Não basta apelar à responsabilidade dos outros; é fundamental que o Governo e o PSD assumam, de uma vez por todas, as suas próprias e pesadas responsabilidades.
O Governo não põe em prática uma política coerente de prevenção da toxicodependência que vá para além do esforço propagandístico. No entanto, o PSD recusou o projecto de lei apresentado pelo PCP, propondo a adopção de medidas de prevenção do consumo de drogas), invocando a sua desnecessidade. O País não dispõe de uma rede pública de tratamento de toxicodependentes ô 'de comunidades terapêuticas que cubra, minimamente, o território nacional. Porém, o PSD tem recusado a proposta da sua criação, invocando a sua desnecessidade. O PSD recusou a proposta do PCP de levar a cabo uma audição parlamentar sobre a coordenação das forças de segurança no combate ao tráfico de drogas, considerando-a um falso problema, mas, meses depois, veio o Governo reconhecer o problema e promover a assinatura de um protocolo de coordenação cujos resultados práticos não são ainda conhecidos.
No domínio da segurança das populações, o actual Ministro da Administração Interna reconhece, agora, que o PSD, há tantos anos no Governo, deixou a degradação das instalações e dos equipamentos das forças de segurança chegar a um ponto inconcebível, inviabilizador do cumprimento das suas missões mais elementares.
Mas se o Governo chegou a essa conclusão quando; da situação é tão evidente que não se pode esconder, não retirou daí as devidas ilações: às forças de segurança continuam a ser negados os meios para garantir a segurança das pessoas e bens, continua a ser adiada a construção de instalações de prioridade e de necessidade reconhecida.
No entanto, o Governo reforça o investimento nos meios repressivos e nos instrumentos de intimidação e de vigilância ilegal sobre os cidadãos.
Sr. Presidente, Srs Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP lançou há dias, publicamente, um repto ao Governo que aqui reafirmo: que, de imediato, seja estudada e decidida pelo Governo a transferência de parte significativa dos efectivos das forças policiais afectos, exclusivamente, a missões de intervenção em ordem pública, para missões de segurança e tranquilidade das populações.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - É absolutamente inaceitável que, enquanto a criminalidade alastra nas ruas vitimando as populações, existam largas centenas de agentes policiais sem outra função atribuída que não seja a de estarem prontos para reprimir as lutas sociais contra a política do Governo.
Os cidadãos portugueses não precisam de centenas de homens fechados nos quartéis à espera das ordens do Governo para reprimir trabalhadores, agricultores ou estudantes que se manifestem em defesa dos seus legítimos direitos. Os cidadãos pagam a polícia com os seus impostos para que esta cumpra a função de garantir os seus direitos e a sua segurança.
É isso que se exige ao Governo que garanta.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, não temos mais inscrições para o período de debate da interpelação ao Governo n.º 20/VI, solicitada pelo PS, pelo que vamos passar à fase de encerramento.
Para este efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, com a interpelação que agora se encerra, o PS quis pôr em evidência perante o País: primeiro, que há hoje, em Portugal, um problema sério em matéria de criminalidade, com expressão preocupante no domínio da criminalidade violenta; segundo, que esse problema tem sido descurado, negligenciado e mesmo agravado por políticas, opções e omissões que não só não têm enfrentado os fenómenos sociais que potenciam o alastramento do crime, como não têm combatido o próprio crime com a eficácia e a determinação exigidas pela defesa da sociedade; terceiro, que são hoje necessários, no plano do Estado, para além de novas medidas, uma nova percepção desta ameaça, novas prioridades e políticas públicas e um novo empenhamento no combate ao crime.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - Ao fim de quase uma década de governos da responsabilidade de Cavaco Silva e de 15 anos de política de justiça, ininterruptamente a cargo do PSD, pode hoje constatar-se que se enganava e que enganava os que o ouvissem quem, há meia dúzia de meses, dizia nesta Assembleia, em nome do Governo, que «está sustido o aumento da criminalidade entre nós».
Apesar do declínio relativo no domínio dos cheques sem provisão, só nos últimos cinco anos desde ciclo de maiorias absolutas PSD o aumento de criminalidade cifrar-se-á nos 50 %. No domínio da criminalidade violenta, são incontroversos - e nenhum dos números e dos valores aqui apresentados foram contestados neste debate - sinais persisten-
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tes de agravamento, com os dados do último semestre a revelarem disparos alarmantes que atingem os homicídios, os roubos, os raptos e sequestros, os crimes com emprego de explosivos, isto a somar à expansão trágica do tráfico e do consumo de droga e da criminalidade por ele mais directamente provocada. E aproveito para dizer que é pura demagogia tentar-se aqui, como fez o Sr. Ministro da Justiça, inculcar que a posição do Partido Socialista era contrária à penal ização do próprio consumo de qualquer espécie de droga Tivemos ocasião de votar aqui um diploma e ficou perfeitamente claro qual e a nossa posição nessa matéria.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Os que nesta matéria se têm ufanado com a distância a que ainda estaríamos de níveis de criminalidade de outros países da União Europeia estão-nos, afinal, a brindar todos os dias com um perverso modelo de convergência, um modelo em que levaríamos mais de três décadas a atingir o nível de vida médio da Europa e menos de três anos a ultrapassar os níveis de criminalidade das sociedades europeias mais desenvolvidas e agressivas.
A violência e o crime não são - é sabido - um efeito automático do desemprego, da miséria, da desinserção escolar, profissional e cultural. Mas os que, em Portugal, com o Primeiro-Ministro à cabeça, promoveram uma combinação de políticas que favoreceu o desemprego, a exclusão social, a desmotivação escolar e a impreparação profissional e não promoveu a integração de minorias cuja imigração durante anos estimulou, esses, criaram, às mãos da sua insensibilidade e imprevidência, as condições onde hoje medram a violência, a delinquência e a droga. E são, hoje, incapazes de enfrentar as criaturas alimentadas pelas suas próprias políticas.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O facto de a população prisional ser, maioritariamente, constituída por pessoas com baixíssima escolaridade, ausência de habilitação profissional e, em cerca de metade, composta por homens e mulheres com menos de 30 anos de idade, mostra bem que o caminho do crime é facilitado por fenómenos sociais que os governos de Cavaco Silva não souberam combater. Não souberam ser firmes e eficazes contra os factores sociais que multiplicam a criminalidade, nem firmes e eficazes contra o próprio crime.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Procure-se na personalidade, na acção, na doutrina política do Pnmeiro-Ministro ou do que fez as vezes dessa doutrina ao longo desta década, procure-se aí uma dimensão claramente inspiradora de eficácia e determinação no combate à criminalidade. Encontrar-se-á o nada ou pior: avulsas declarações tranquilizantes. Um responsável político que, enquanto à sua volta cresce a criminalidade, não desenvolve uma forte inspiração de combate a esse fenómeno e as prioridades para a concretizar, está hoje impreparado para continuar a responder pela defesa dos cidadãos e da sociedade.
Cavaco Silva e seus governos são hoje responsáveis por um processo de degradação da resposta penal que fez crescer as expectativas de impunidade na sociedade portuguesa. Por falta de confiança no sistema de justiça penal, traduzida numa clara avaliação negativa da intervenção das várias entidades intervenientes nesse sistema, três quartos da criminalidade sofrida, como foi dito e não foi contestado, não é sequer participada pelas vítimas. As vítimas votam contra o modo como funciona o sistema de justiça penal ausentando-se dele
Portugal é internacionalmente conhecido como um país de elevadas cifras negras em matéria de criminalidade. Seria bom que o Primeiro-Ministro e os seus ministros, que tanto gostam de invocar apreciações internacionais, se debruçassem também sobre este aspecto inquietante, cuja omissão vicia toda a propaganda tranquilizante.
O Ministro da Justiça não pôde, na sua intervenção, apesar de toda a retórica argumentativa que empregou, negar que dos crimes denunciados e conhecidos das autoridades, apenas 30 % chegam a transitar para os tribunais - 70 % não chegam a transitar para os tribunais. Demoram-se e perdem-se em departamentos de investigação, muitos deles na dependência orgânica directa do Ministério da Justiça, cuja capacidade de resposta foi deixada em posição particularmente crítica, justamente, nas áreas em que se tem assistido à grande concentração da criminalidade - Lisboa e Porto. Processos parados durante anos, prescrições, investigações iniciadas anos depois das denúncias, milhares de «procedimentos diferidos», a ponto de, em certas categorias de crimes, numa grande metrópole, as denúncias recuperadas para investigação serem-no em percentagem inferior a 15 % Sobre isto e não sobre temas retóricos muito gostaríamos de ter ouvido o Sr. Ministro da Justiça.
Os processos que transitam para tribunal, na fase de julgamento, têm hoje, como já foi dito e não foi contestado, uma duração estatística média, onde aparecem as transgressões, as contravenções, etc., que em nada melhorou ainda em relação aos valores de 1984. Quase uma década de Governo Cavaco Silva, duas maiorias absolutas do PSD, não deram aos tribunais condições para poderem responder melhor, em termos de prontidão, na justiça criminal do que já faziam há uma década atrás Os Ministros da Justiça de Cavaco Silva, nos governos de maioria absoluta. Fernando Nogueira e Laborinho Lúcio, somam neste domínio zero!
Com a longa espera, perto de metade dos processos que chegam à fase de julgamento, mais precisamente os que respeitam a 46 % dos arguidos nos últimos três anos, morrem às mãos da desistência, da prescrição, dos efeitos de amnistias e perdões que, com o passar dos anos, frequentemente, se acumulam e só quem não anda pelos tribunais há muito tempo é que não sabe que a morosidade dos processos é um dos mais importantes (actores das desistências.
O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!
O Orador: - É preciso não andar por lá para não ter esta percepção de que é a morosidade que leva as vítimas a desistirem. Aliás, em Portugal, só 10 % das vítimas se constituem assistentes e há anos em que há 40 % de desistências de vítimas de crimes. E a morosidade, repito, é o factor principal...
O Sr. José Magalhães (PS). - O Ministro devia saber isso!
O Orador: - ..., tal como não são as amnistias que explicam que, em certos processos, se possam coleccionar os efeitos de duas e três amnistias e perdões. É a morosidade dos processos porque se os processos durassem 11 meses nunca poderiam beneficiar de mais do que uma lei de amnistia e de perdão.
Vozes do PS: - Muito bem!
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O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - E os perdões?
O Orador: - Finalmente, um sistema penitenciário sub-dimensionado e impreparado para conferir à execução das penas o sentido ressocializador que o Código Penal lhes atribui só tem sido salvo de crises explosivas pelo efeito conjugado das libertações condicionais e das cíclicas amnistias.
Tudo isto significa, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, ao fim de 15 anos de PSD à frente da política de justiça, se verificam estrangulamentos e ritmos de funcionamento inaceitáveis no sistema de justiça penal em Portugal. Os discursos não iludem esta realidade que hoje salta à Vista e penetra no quotidiano dos portugueses, e excessiva a impunidade em Portugal!
Em Portugal, a probabilidade de um crime praticado não ser participado às autoridades é da ordem dos 74 %, (a probabilidade média de um crime participado não ser esclarecido e levado a tribunal é da ordem dos 70 % (ou da ordem dos 80 %, se excluirmos os cheques sem provisão); e a probabilidade media de um arguido pela prática de um crime, já na fase de julgamentos, não ser alvo de qualquer espécie de condenação é da ordem dos 61 %. Ou seja, a probabilidade média, em Portugal, de um crime ficar impune é da ordem dos 96 %. Do ponto de vista das expectativas de impunidade, Portugal é, de facto, um oásis.
Sr. Presidente, Srs Deputados: Urgem novas mádidas, mas urge também, e é fundamental, um novo sentido das prioridades do Estado que confira ao combate ao crime e às suas causas o lugar que hoje não tem - e vimo-lo aqui, hoje, uma vez mais, nas preocupações dos responsáveis públicos...
Urge uma nova perspectiva de intransigência e de eficácia que se desenvolva em simultâneo frente ao enrije e aos fenómenos que o fazem multiplicar, intransigência, perante o desemprego, a exclusão, o insucesso e a desmotivação escolar, a impreparação profissional, que se traduza em novas políticas para a promoção do emprego, a garantia de meios mínimos de subsistência às famílias e pessoas desprovidas de quaisquer fontes legais de rendimento, novas políticas para a escola, para a formação e pari» a integração de minorias, mas também intransigência, determinação e eficácia perante a própria ameaça criminal, que se traduza em primeiro, reforço dos meios globais de policiamento, conforme já foi antes pormenorizadamente exposto pelo meu colega de bancada Jorge Lacão.
Segundo, intensificação coerente da cooperação, no plano europeu e internacional para o combate ao crime, nomeadamente ao tráfico de droga e a todas as formas de crime organizado, desde logo, evitando-se a renovação- do espectáculo lamentável que foi o de Portugal ter sido o último país que não dispôs, durante meses e meses, de um oficial permanente de ligação na Unidade Europol Anti-Droga.
Terceiro, recuperação das condições de investigação criminal, reforçando os meios humanos e materiais, alterando o panorama dos instrumentos da polícia científica e, em particular, das perícias, desde logo, através do reforço das dotações orçamentais a partir de agora, como o Partido Socialista já propôs.
Quarto, desenvolvimento de dispositivos e procedimentos de acolhimento e protecção às vítimas, nos vários momentos do funcionamento do sistema de justiça penal, como elemento imprescindível para a criação de uma nova confiança, cuja falta afasta hoje o mundo da criminalidade real e da justiça oficial do mundo do crime real.
O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.
O Orador: - Vou terminar já, Sr Presidente.
Quinto, criação de condições materiais e legislativas, nomeadamente através da revisão da lei processual penal, do próprio processo executivo e da orgânica judicial para que os tribunais e os juizes se possam concentrar, em tempo e qualidade, sobre os crimes e os seus responsáveis, protegendo os bens jurídicos essenciais para a vida em comunidade e restabelecendo a abalada confiança dos cidadãos na validade das normas.
Sexto, redimensionamento do sistema prisional, por forma a que a sobrelotação crónica não acabe por favorecer ou impor cíclicas e enquanto cíclicas, indesejáveis amnistias, e sua habilitação, bem como dos serviços de reinserção social, para o desenvolvimento das finalidades ressocializadoras que lhe são atribuídas, por forma a evitar que, como tem acontecido, um terço dos que são libertados das prisões a elas venham a regressar.
Por último, mas não menos importante, a promoção duma nova cultura pública perante o crime que motive a participação dos cidadãos e a mobilização das instituições da sociedade civil num combate cívico em múltiplas frentes e em que está em jogo um aspecto fundamental para o quadro da vida, para o mundo da vida dos portugueses.
Nesta interpelação fomos nós que apresentámos propostas. Os ministros que falaram não responderam a nenhuma das questões essenciais colocadas, falaram, falaram, mas nada disseram de novo aos portugueses e a própria proposta que aqui foi apresentada pelo Sr. Ministro da Justiça e já uma proposta velha- ele já nos tinha falado nela na Comissão e nós já lhe tínhamos dito: apresente-nos a sua proposta que lhe daremos, nessa altura, a nossa opinião.
Protestos do PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados Esta interpelação vai produzir frutos, estamos certos de que vai produzir frutos! Temos a consciência de que prestámos um serviço...
Risos.
...e de que tornámos clara a necessidade de um novo espírito de responsabilidades para a retoma de um caminho de confiança nas instituições que os portugueses querem ver percorrido.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para encerrar o debate, por parte do Governo, tem a palavra o Sr Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça: - Sr Presidente. Srs. Deputados: Poderia concluir numa frase apenas, utilizando exactamente a última que aqui foi proferida na intervenção anterior, a ideia de que este debate terá contribuído para o reforço da confiança nas instituições. E como é evidente que nenhum cidadão reforça a sua confiança nas instituições a partir do mero discurso, por muito qualitativo que ele seja, do Partido Socialista só pode interpretar-se a intervenção no sentido de que, depois de terem sido ouvidas as intervenções dos que são responsáveis pelas instituições, elas tenham surgido mais reforçadas perante a opinião pública.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado. porque de demagogia várias vezes se falou nesta interpelação, entendeu o
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Sr. Deputado Alberto Costa descortinar alguma nas intervenções por parte do Governo. Talvez não fosse difícil, mas a imaginação não chegou a muito e o que é facto é que não se encontrou outra a não ser o ter-se criticado o Ministro da Justiça por ter dito, errado, sobre a posição do Partido Socialista face à questão da despenalização das drogas leves. O que eu disse foi que o Partido Socialista votou contra - é verdade, não disse nada de diferente daquilo que era a realidade e não vejo onde está a demagogia.
Mas mais do que isso: o Sr. Deputado Alberto Costa afirmou, pura e simplesmente, que é por falta de confiança na justiça penal que as vítimas se afastam do sistema. É uma afirmação absolutamente gratuita, sem qualquer tipo de fundamento, nem estatístico nem experimental, nenhum! Em nenhuma circunstância foi, neste inquérito ou em qualquer outro conhecido, posta a questão real no sentido de saber qual a relação das vítimas de crime com o sistema de justiça; foi, isso sim, colocado com outro tipo de sistemas conexos com o sistema de justiça mas não com o sistema de justiça!
V. Ex.ª disse que 70 % dos crimes não chegam aos tribunais...
O Sr. Alberto Costa (PS): - Conhece os valores europeus?
O Orador: - Conheço. Conheço perfeitamente e é justamente nessa perspectiva que V. Ex.ª não tem razão quando diz que é por falta de confiança na justiça penal que as vítimas se afastam do sistema. V. Ex.ª sabe que todo o trabalho de investigação tem uma perspectiva muitíssimo mais abrangente e que a parte relativa à confiança na justiça propriamente dita é uma parcela menos importante do conjunto do sistema posto em causa.
O Sr. Alberto Costa (PS): - Não está nas estatísticas.
O Orador: - Está, Sr. Deputado. As coisas não têm só que se ler, têm que se interpretar e têm que se enquadrar numa visão mais global que é justamente aquilo que V. Ex.ª, em lodo este debate, se recusou a fazer. Por exemplo, quando V. Ex.ª diz que «70 % dos crimes não chegam aos tribunais», V. Ex.ª di-lo e di-lo com ar definitivo, como se isto fosse uma leitura imediata e linear desta matéria. Por exemplo, V. Ex.ª sabe que em França o número dos casos que chegam ao sistema e maior mas porque exactamente o sistema convive com um princípio puro de oportunidade e que, portanto, ele aceita que, no filtro do princípio da oportunidade, mais destes 70 % não cheguem sempre à fase de julgamento?
O Sr. Alberto Costa (PS): - Mas com critérios.
O Orador: - Nessa altura, V. Ex.ª não faça, então, a leitura final dos 9 % de condenados! Agora, o que não é possível fazer - e por isso a demagogia introduzida neste debate - é ler apenas em cada número apenas aquilo que interessa e escamotear completamente aquilo que nesses números já não tem qualquer tipo de significado positivo para quem faz a intervenção.
É o mesmo quanto aos 60 % dos absolvidos. E qual é a percentagem dos que não são crime? Isso também não se contabiliza, como é evidente! V. Ex.ª também sabe perfeitamente que muitas das participações são rejeitadas porque o facto não constitui crime e quem passou pelos tribunais sabe que assim é, que isso não é contabilizado.
Mas não se preocupe, Sr. Deputado, porque eu não contabilizo particularmente!... V. Ex.ª tem o número de 2 000 à frente que são os «outros casos» e os «outros casos» são exactamente aqueles que não foram considerados como crime. V. Ex.ª passou por cima desse número, mas eu dou «de barato» 2 000 nesta discussão, pois não é com 2 000 a meu favor que pretendo ganhar o debate ao Partido Socialista. Evidentemente que ele está ganho noutros números e noutras percentagens e não vale a pena perdermos tempo apenas com este número.
Aplausos do PSD.
Mas, mais do que isso, há uma nova reincidência: o Sr. Deputado disse ontem, e terá gostado de se ouvir, «Fernando Nogueira e Laborinho Lúcio saldo zero». É interessante e, se estivermos numa tabela de menos infinito a mais infinito, até não estamos mal colocados, agora, em matéria de teimosia, V. Ex.ª tende para o infinito.
Risos do PSD.
É que, quando há pouco disse a V. Ex.ª que o tempo de duração no processo penal é o mesmo, mas com mais 300 000 processos entrados nos tribunais - repito -, com mais 300 000 processos entrados nos tribunais, Sr. Deputado, depois de, em 1989, o tempo de duração ter subido para 16 meses, V. Ex.ª repete exactamente a mesma coisa que disse ontem. Exactamente com o mesmo sentido, pergunto* onde está a imaginação do PS? É certo que o PS deu aqui a indicação...
O Sr. José Magalhães (PS): - E o rigor!
O Orador: - Rigor, Sr Deputado? Permitir-me-á, mas eu não gostava de, na intervenção final, reduzir o debate a uma discussão deste nível! Que ideia é que V. Ex.ª tem de rigor?
O Sr. José Magalhães (PS): - São os números do seu Ministério.
O Orador: - É a do carrinho de linhas, Sr. Deputado? Mas o carrinho de linhas serve apenas para medir a distância entre dois caminhos mais rectos - a vida é mais complexa do que isso, Sr Deputado! Como é que V. Ex.ª, com mais 300 000 processos entrados, acha que a situação é a mesma? Com o critério de V. Ex.ª, isso significaria que, numa corrida de maratona, efectuada hoje pelo Carlos Lopes, se, com a idade que ele tem, ainda ficasse em primeiro, V. Ex.ª dizia que ele estava exactamente igual ao que estava quando ganhou a maratona em Los Angeles! Não, Sr. Deputado! V. Ex.ª não intervém nunca com nenhum tipo de informação complementar para a leitura interpretativa dos factos. É por isso que a vossa intervenção é demagógica, Sr. Deputado, e é também por isso que a repetição desta realidade é, efectivamente, demagógica.
O Sr. José Magalhães (PS):- Então, e a degradação do sistema?
O Orador: - A degradação do sistema, VV. Ex.ªs não a demonstram! Evidentemente que, se o sistema está numa globalidade de recuperação, como é V. Ex.ª quer que eu fale numa realidade que não existe?
O Sr. José Magalhães (PS): - Sabe o que é uma demonstração de princípio?
O Orador: - Sei, Sr. Deputado. É dizer uma asneira, ser-lhe demonstrada a asneira e continuar a repeti-la como se fosse verdadeira. É o que tem sido dito pela sua bancada.
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Risos e aplausos do PSD.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Ministro, mostre-nos lá que, em Portugal, há menos crimes e menos violência!
O Orador: - Sr. Deputado, evidentemente que eu não vou tentar demonstrar que, em Portugal, há menos crime porque não há menos crime em Portugal!
O Sr. José Magalhães (PS): - Isso é uma conclusão crucial!
O Orador: - Sr. Deputado, se eu estou a falar na duração média dos processos em Portugal e se V. Ex.ª interrompe para tentar provar que eu não tenho razão, dizendo: «Demonstre lá se há ou não há menos crime em Portugal», essa questão tem exactamente o mesmo valor intelectual que teria se V Ex.ª tivesse perguntado se há ou não há mais galinhas na cidade de Lisboa! Não tarda nada a ver com o que estávamos a discutir anteriormente.
Isso significa que VV. Ex.ªs não são capazes de, argumentar dentro do tema da argumentação e saltam, sucessivamente, de um lado para o outro para fazerem passar uma interpelação na qual entraram com «entradas de leão» e não podem deixar de sair senão com «saídas de sendeiro»!
Mas, Srs. Deputados, sobre a actual imaginação do PS, estamos conversados quando VV. Ex.ªs interpretaram negativamente o Sr. Deputado Costa Andrade pelo facto de ele, negativamente, ser originário da geração de 60! Vejam lá onde chegou esta interpelação deste partido socialista, que recusa o próprio valor da relação cultura] que tem com a geração de 60! Mas, enfim, isto tem pouca importância para a taxa de criminalidade em Portugal!
O Sr. Deputado José Magalhães, nessa geração de 60, tem pouco contacto com o então PS, pelo que não será, porventura, a pessoa mais indicada para vir em sua defesa!...
Risos e aplausos do PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, eu não gostaria que o tempo final desta intervenção fosse esgotado sem que pudesse referir dois aspectos que me parecem fundamentais: em primeiro lugar, nós estivemos, nesta Casa, a discutir um problema importante para os portugueses; estivemos a discutir uma questão que deve preocupar-nos a todos; estivemos a discutir um problema que afecta, hoje, o mundo inteiro, é também, obviamente, a Europa, e, porventura, também Portugal.
O Sr. José Magalhães (PS): - Porventura?
O Orador: - Que afecta!
O Sr José Magalhães (PS)- - Isso é ridículo!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Afinal, há mais galinhas'!..
Risos do PS.
O Orador: - Srs. Deputados, se VV. Ex.ªs me deixassem acabar, não transformariam aquilo que e o vosso sorriso quanto ao meu «porventura» naquilo que é sempre a vossa «pordesventura»! Porque, Srs. Deputados, o que eu estava a dizer é que Portugal não é ainda afectado pela intervenção da criminalidade organizada internacional. Essa afectação é mínima.
O Sr. José Magalhães (PS): - Isso é rigoroso!
O Orador: - Sr. Deputado, como e que V. Ex.ª quer que eu seja rigoroso, se ainda vou no «n» e já V. Ex.ª está a interromper e não me deixa chegar ao «goroso»? Se me deixarem chegar ao fim, Sr. Deputado, tenho o rigor que VV. Ex.ªs, com certeza, esperam de mim. E, justamente porque esperam, não deixam que eu o tenha naturalmente.
O Sr. José Magalhães (PS): - Isso é porque é lento!
O Orador: - Srs. Deputados, o Sr. Presidente tem sido complacente e tem permitido que esta última intervenção tenha este tom de diálogo que eu próprio tenho também estimulado, porque era isso que eu gostaria que saísse desta intervenção e desta interpelação. E que esta é uma matéria que suscita o diálogo entre os vários partidos políticos em Portugal; é matéria que suscita convergências de intervenção entre os principais partidos políticos em Portugal; é matéria onde a contestação por parte dos partidos da oposição é, obviamente legítima (por isso são partidos da oposição); é matéria que preocupa os portugueses e, portanto, deve ser matéria que deve preocupar o Parlamento e o Governo; é matéria relativamente à qual, por exemplo, a última intervenção do Sr. Deputado Alberto Costa, embora desrazoável, já foi uma intervenção de uma oposição agressiva, estimulando a intervenção do Governo, procurando soluções alternativas. Era isso o que devia ter sido desde o princípio. E, se assim tivesse sido desde o princípio, claro que hoje Portugal estava mais rico porque havia caminhos mais abertos para podermos, com maior eficácia, combater a criminalidade e o tráfico de droga.
Agora, Srs. Deputados, por detrás da criminalidade e do tráfico de droga há, e VV. Ex.ªs sabem-no, sofrimento humano de tal maneira profundo que não podemos utilizá-lo para daí retirar argumentos imediatos, do ponto de vista político-partidário. Era isso que eu pretendia ter dito desde o início.
Não venho aqui, como Ministro da Justiça, dizer aos portugueses que a criminalidade não aumentou em Portugal; não venho aqui, como Ministro da Justiça, dizer que todas as acções desenvolvidas pelo Governo foram as que tinham de ser desenvolvidas - e, na área do meu Ministério, todas as que foram implementadas, o foram com verdadeira correcção. Sempre reconheci que há erros na intervenção política, sempre reconheci que há omissões nessa intervenção, sempre reconheci que há muito a fazer nesta área.
Gostaria que VV. Ex.ªs, como partido responsável da oposição, tivessem reconhecido o que de positivo tem sido feito, e sabem que foi muito. Dei-lhes essa oportunidade, e VV. Ex.ªs, ao encerrarem o debate e ao voltarem a reincidir exactamente nos mesmos exageros e na mesma leitura dos números, mostraram que tinham uma outra intenção. Não quero dizer que não pretendessem contribuir para o aspecto positivo da resolução dos problemas, mas tinham outra intenção, que foi a que vos estimulou e vos trouxe aqui, a de apenas ganharem um debate político, para um resultado imediato no plano político-partidário.
E foi pena que tenha sido assim, porque retirou qualidade ao debate, tendo permitido apenas que dele se salvasse a conclusão final: os portugueses constataram que não há governos que façam tudo, que todos os governos têm défices nas suas intervenções. Mas ficaram também a saber que este Governo veio aqui, de cara lavada, com seriedade, aceitar, como não podia deixar de fazer em democracia, um debate sobre um tema fundamental, perante o qual atribui mais importância, em preocupação, ao que falta fazer do que ao debate puramente demagógico em torno de resultados políticos imediatos.
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Voltaremos aqui, com certeza, porque este não é, infelizmente, um tema que se resolva de um dia para o outro. Creio que todos aprendemos muito sobre nós próprios e é bom que da próxima vez venhamos aqui com a lição decorada.
Aplausos do PSD, de pé.
O Sr. Jaime Gama (PS): - E com mais obra feita!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminado o debate da interpelação ao Governo, vamos proceder à votação final global do projecto de lei n.º 295/VI - Direitos dos funcionários e agentes do Estado que exerceram funções em tentórios sob Administração Portuguesa, apresentado pelo Deputado independente João Corregedor da Fonseca Como sabem, este projecto de lei abrange antigos funcionários do território não autónomo de Timor Leste.
Entretanto, informo a Câmara que deu entrada na Mesa uma carta do Sr. Presidente da República, do seguinte teor:
«Estando prevista a minha deslocação à República Popular de Moçambique, entre os próximos dias 7 e 12 do corrente mês de Dezembro, para assistir, em representação de Portugal, à cerimónia de tomada de posse do Presidente Joaquim Chissano, venho requerer, nos termos dos artigos 132.º, n.º 1, e 166.º, alínea b), da Constituição da República, o necessário assentimento da Assembleia da República».
O Sr. Secretário vai proceder à leitura do respectivo parecer e proposta de resolução da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, é do seguinte teor:
A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação da Assembleia da República, tendo apreciado a mensagem de S. Ex.ª o Presidente da República, em que se solicita o assentimento para se deslocar, em viagem de carácter oficial, à República Popular de Moçambique, entre os dias 7 e 12 do corrente mês, apresenta ao Plenário a seguinte proposta de resolução:
Nos termos do n º 1 do artigo 132.º da Constituição, a Assembleia da República dá assentimento à viagem de carácter oficial de S. Ex.ª o Presidente da República, à República Popular de Moçambique, entre os dias 7 e 12 do corrente mês.
O Sr Presidente: - Srs Deputados, vamos votar o parecer e proposta de resolução.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Mário Tomé.
O Sr. Presidente: - Vamos agora proceder à votação final global do projecto de lei n.º 295/VI - Direitos dos funcionários e agentes do Estado que exerceram funções em tentórios sob Administração Portuguesa, apresentado pelo Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
Aos timorenses que se encontram nas galenas a assistir aos nossos trabalhos dirijo uma especial saudação.
Srs. Deputados, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Mário Tomé
O Sr João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Para esse efeito, tem a palavra.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.). - Sr. Presidente, informo que, a propósito deste projecto de lei da minha iniciativa, e que sofreu alterações na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, vou entregar na Mesa uma declaração de voto por escrito.
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra também para interpelar a Mesa.
O Sr Presidente: - Tem a palavra.
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, creio haver consenso no sentido de que, após esta votação final global, sejam feitas declarações de voto Pelo menos assim o entendi.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não fui informado desse consenso, mas está de acordo com o Regimento.
Deste modo, dar-lhe-ei a palavra para fazer a sua declaração de voto, como também ao Sr Deputado João Corregedor da Fonseca, se o desejar.
Tem a palavra, Sr. Deputado Correia Afonso.
O Sr. Correia Afonso (PSD). - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A aprovação final global, hoje, deste projecto de lei, assinala um momento importante do nosso Parlamento.
Neste diploma, que se pretende claro e inequívoco, reflecte-se a situação e a História de Timor Leste e do seu povo. É um território não autónomo, de que Portugal é potência administrante, e que desde 7 de Dezembro de 1975 está ocupado pelas tropas indonésias.
Faz hoje precisamente 19 anos que a Indonésia iniciou a invasão armada de Timor Leste, com violação das normas internacionais e dos mais elementares direitos dos timorenses. A História regista o trágico genocídio de que eles foram vítimas.
No próximo dia 12 de Dezembro, contar-se-ão 19 anos sobre a primeira resolução das Nações Unidas que verberou o procedimento da Indonésia, ao invadir Timor Leste, e recomendou a tomada de medidas urgentes que protegessem a integridade territorial e o direito do povo timorense à autodeterminação.
Por esta causa, Sr. Presidente, continuamos todos a bater-nos. Mas não foi apenas uma comemoração aquilo que aqui se passou quando aprovámos, em votação final global, este projecto de lei Com essa aprovação, fez-se também justiça Reconheceu-se o esforço de todos aqueles que, até 1975, no território distante de Timor Leste, exerceram a sua actividade ao serviço da Administração Pública portuguesa. Julgo que fizemos a nossa obrigação.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.
O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, no início da sessão de hoje, foi-nos possível, através de uma intervenção muito feliz de V Ex.ª, recordar aqui um dia triste e trágico para todos nós, mas especialmente para Timor e para o seu povo. Foi também possível, mediante o trabalho desenvolvido na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e um esforço notável de todas as bancadas, chegarmos todos a um
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consenso em torno de um projecto apresentado pelo Sr Deputado João Corregedor da Fonseca, consenso esse que significa, nem diria um acto de justiça, porque ele é tão mínimo e tão pouco, mas mais um acto simbólico de homenagem e de respeito pelo povo de Timor.
Já agora, Sr Presidente, visto que se encontram nas galenas, como V. Ex.ª já chamou a atenção, representantes desses funcionários, que aqui vieram assistir à votação, e como a Assembleia tem o hábito de, quando somos visitados por outras pessoas, nos dirigirmos a elas com uma salva de palmas, permitia-me sugerir que V. Ex.ª autorizasse ou tomasse a iniciativa de saudarmos nos presentes o povo de Timor, envolvendo-os calorosamente numa salva de palmas.
Aplausos gerais, de pé.
O Sr Presidente: - Igualmente, para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr João Corregedor da Fonseca (Indep.) - Sr Presidente, Srs. Deputados: Finalmente, passados quase 20 anos da invasão de Timor-Leste pelas forças da Indonésia, os funcionários da Administração Pública portuguesa em Timor-Leste vêem alguns dos seus anseios e direitos reconhecidos. Desde a invasão de Timor e ao longo dos anos, a maior parte dos nossos conterrâneos que conseguiu abandonar aquele território tem tido grandes dificuldades, em Portugal, para ver os seus direitos reconhecidos. De facto, têm atravessado dificuldades múltiplas, a maior parte sem estar vinculada à Administração portuguesa. Ora, com a iniciativa legislativa que tive o prazer de apresentar e que foi alvo de alterações- aliás, com o meu acordo- na Comissão de Assuntos Constitucionais. Direitos, Liberdades e Garantias, a verdade e que, a partir deste momento, dá-se a algumas centenas destes trabalhadores, nossos conterrâneos, como já referi, a possibilidade de requererem e passarem a beneficiar dos seus direitos legítimos e malsináveis.
Alguns aspectos da minha iniciativa legislativa não foram contemplados em sede de Comissão, mas isto e um jogo político e foi importante que tivéssemos apesar de tudo chegado a um acordo. Apesar dessas alterações, creio que o diploma honra esta Câmara e possibilita aos funcionários da Administração Pública portuguesa, em Timor-Leste - os que cá estão, alguns que ainda não conseguiram sair de Timor-Leste e outros que andam perdidos pela Austrália e por outras paragens - requererem os seus direitos.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Trindade.
O Sr. Paulo Trindade (PCP): - Sr Presidente, Srs. Deputados Em nome do Grupo Parlamentar do PCP, gostaria de referir que a aprovação deste projecto de lei e um acto de justiça para com trabalhadores que dedicaram bastantes anos da sua vida à Administração Pública portuguesa no território de Timor Leste, que ainda hoje não pôde usufruir do direito à autodeterminação e independência.
Também queria referir que, se calhar, o tacto de termos votado e aprovado, hoje. este projecto de lei se deve à iniciativa e persistência dos próprios interessados junto desta Câmara, dos Deputados deste Parlamento. Esta iniciativa e persistência levou a que fosse elaborada uma petição, que foi discutida, e, posteriormente, uma iniciativa legislativa pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, o que louvamos, assim como também legislamos e louvamos o consenso havido na sua aprovação, apesar das alterações sofridas, obviamente.
Não se trata de um projecto de lei apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP, mas, de toda a forma, embora gostássemos que tivesse ido um pouco mais longe, é uma iniciativa de consenso, que importa registar, e, fundamentalmente, um motivo para homenagearmos os trabalhadores da Administração Pública portuguesa em Timor Leste, pois foi a sua persistência que levou à aprovação deste diploma.
Aplausos do PCP, do PS e do Deputado independente João Corregedor da Fonseca.
O Sr Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro, ainda para uma declaração de voto.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs Deputados: Gostaria de dizer tão-só que Os Verdes vêem com prazer, ao fim de quase 20 anos, o Estado português pagar a sua dívida a funcionários que, numa ex-colónia, num espaço muito especial, o serviram. Penso ser claro para todos que este não e, se calhar, o projecto de lei desejável, mas é o de equilíbrio, o possível. No entanto, e sobretudo um projecto de lei que irá recolocar a importância da participação dos cidadãos em defesa dos seus direitos e que, ao saldar uma parte da dívida do Estado português para com estes cidadãos, lembra, ou deve lembrar, o estatuto de outros timorenses, que entre nós se encontram, cuja situação é importante não esquecer.
Este trabalho consensual, que permitiu a resolução de um problema, que é fruto da teimosia daqueles que durante anos o tiveram entre mãos. deve, a meu ver, dar ânimo aos timorenses que estão do outro lado, que lutam pela sua liberdade, pelo seu direito à autodeterminação e independência, com pequenos meios, mas com teimosia, no sentido de que um dia verão a sua liberdade alcançada, bem como verão os seus direitos e as suas legítimas aspirações, que hoje são a razão de ser que os anima na sua luta, reconhecidos pela comunidade internacional.
Por isso, para Os verdes este é o projecto de lei possível, que, em meu entender, dignifica a Assembleia da República.
Aplausos gerais.
O Sr Presidente: - Finalmente, para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS-PP). - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por coincidência, no dia em que se deu a invasão de Timor Leste, cujo aniversário se celebra hoje - e lamentamos que isso tenha acontecido-, tem lugar um acto de justiça para com os antigos servidores do Estado português naquela terra martirizada, que, devotadamente, serviram.
É um acto que honra o Parlamento português, os Deputados que trabalharam neste projecto de lei e, acima de tudo, os timorenses que tudo fizeram para que este diploma fosse possível e que com ele todos os que se encontram fora de Timor Leste, dispersos pelo mundo, possam vir a beneficiar deste direito que hoje lhes é reconhecido.
A Assembleia da República e os Deputados não fizeram mais do que cumprir um dever para com eles, que é um dever patriótico, de gratidão pelos serviços prestados, de ombridade pelo modo como sustentaram a soberania portuguesa em difíceis condições enquanto lá permaneceram, e praticar um acto de justiça pelo muito martírio que passaram, até mesmo aqui em Portugal, após a sua chegada. Portanto, esperamos que muito em breve recebam o fruto do seu trabalho em ordenados e todas as prestações que lhes são devidas.
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Fixemos o que estava ao nosso alcance, não quisemos retirar nada do que pudesse ser dado e, por isso mesmo, podemos dizer que fizemos este projecto de lei de alma aberta Isto é, não pusemos quaisquer entraves por forma a diminuir fosse o que fosse daquilo que se pudéssemos dar Representa o máximo até onde, legitimamente, poderíamos ir. A nossa consciência levou-nos a conceder mais, mas, ao concluirmos que poderíamos prejudicar a lei por não ser possível à Administração, ao Governo e às autoridades competentes dar, prudentemente, retirámos. Todavia, podem ter a certeza de que o que está no diploma é aquilo que podemos dar, e damos em toda a extensão.
Estão de parabéns os antigos funcionários de Timor, bem como nós que aqui prestámos, mais uma vez, o nosso tributo de gratidão.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a próxima reunião plenária realiza-se na segunda-feira, às 15 horas, e terá como ordem do dia o debate e votação, na especialidade, das propostas de lei n.ºs 110/VI- Grandes Opções do Plano e 11 1/VI - Orçamento do Estado para 1995
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 30 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD).
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia.
Afonso Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Vasco Francisco Aguiar Miguel
Partido Socialista (PS)
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Elisa Maria Ramos Damião.
Partido Comunista Português (PCP)
António Filipe Gaião Rodrigues.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues
Deputado independente:
Mário António Baptista Tomé
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD)
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Domingos Duarte Lima.
Fernando Monteiro do Amaral.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
José Angelo Ferreira Correia.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Pereira Lopes.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS)
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Luís Santos da Costa.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP)
Adriano José Alves Moreira.
Manuel Tomas Cortez Rodrigues Queiró.
Deputado independente
Manuel Sérgio Vieira e Cunha
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