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1062 I SÉRIE - NÚMERO 27

estrangeira constituam uma infracção contra interesses essenciais do Estado, como é o caso dos crimes de contrafacção de moeda e afins, de terrorismo e organização terrorista e dos crimes contra a segurança do Estado.
Entende, assim, o Governo que a aprovação desta Convenção constitui um importante passo para a realização de um espaço judiciário europeu, contribuindo para a concretização de uma verdadeira cidadania europeia.

0 Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, devo dizer que, em relação à Convenção, nada tenho a opor, mas as minhas dúvidas situam-se na concatenação desta Convenção com o Código Penal, nomeadamente da leitura do artigo 6.º. De facto, o princípio consagrado no Código Penal é mais "mãos largas" do que o da Convenção.
A Convenção - e, em meu entender, bem - abriu excepções, que não estão no artigo 6.º do Código Penal, já que, em relação a factos praticados fora do território nacional, mesmo que sejam contra interesses essenciais do Estado português, não admite qualquer excepção a esse princípio, no caso de a pessoa já ter sido julgada noutro Estado.
Ora, perante isto coloco duas questões, sendo a primeira a seguinte: como é que isto se conjuga com o facto de na Convenção constar um artigo que diz que qualquer disposição mais favorável àquilo que vem na Convenção é aplicável. Portanto, mais favorável, entre aspas, porque, a meu ver, o Estado nem sempre pode abrir mão do seu poder punitivo. Ou seja, como é que, depois, se conjuga esse preceito com as excepções, com as declarações feitas pelo Estado português, porque contrariam, de facto, o disposto no artigo 6.º do Código Penal?
Segunda questão: por que é que não se aproveitou o pedido de autorização legislativa para rever o Código Penal, alterando-se esse artigo 6.º, que tantas críticas gerou, mesmo no âmbito dos trabalhos preparatórios.

0 Sr. Presidente (Correia Afonso): - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus, para responder, se assim o desejar.

0 Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Europeus: - Sr. Presidente, a Sr.ª Deputada Odete Santos colocou duas questões, que, no fundo, se resumem a uma, a compatibilidade desta Convenção com o Código Penal. Ora, como é bom de ver, o que está em apreciação é a Convenção e não o Código Penal, e como a Sr.ª Deputada compreenderá nem me sinto habilitado a fazer apreciações a esse Código ou à perspectiva da sua revisão. 0 que posso dizer é que esta Convenção, que a Assembleia está a apreciar, vai ao encontro de uma disposição que está, inclusivamente, estabelecida a nível da Constituição.
Como tive ocasião de dizer na minha intervenção, os contornos desta Convenção são extremamente simples. Trata-se de consagrar um princípio que é relativamente pacífico nas ordens jurídicas internacionais e na generalidade dos Estados, que, por sua vez, coincide com uma disposição explicitamente assumida na Constituição portuguesa, pelo que entendemos não existir qualquer incompatibilidade com o ordenamento jurídico nacional.
Quisemos ter o cuidado - dado a Convenção o permitir - de, em declaração, estabelecer logo os casos de excepção em que, por manifesto interesse nacional, julgámos não dever abdicar dos nossos direitos em matéria de julgamentos e execução de sentença.
Por isso, Sr.ª Deputada, no que diz respeito a esta Convenção explicitamente, do ponto de vista do Governo, julgamos não haver qualquer incompatibilidade com a ordem jurídica interna e, mais, que viria traduzir aquilo que a própria Constituição da República Portuguesa já estabelece.

0 Sr. Presidente (Correia Afonso): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP)- - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados. De facto, não Fiz críticas à Convenção, tive o cuidado de dizer que não tinha reservas a opor-lhe. 0 que acontece é que esta Convenção veio chamar a atenção para o facto de termos uma disposição no Código Penal, o artigo 6.º, onde há uma abdicação total do poder punitivo do Estado português relativamente a factos ocorridos fora do território nacional.
No âmbito dos trabalhos preparatórios da revisão do Código Penal foram feitas - e esta lei sobrepõe-se ao Tratado, daí eu perguntar como é que as coisas se compatibilizam - várias críticas à proposta tal como está, que veio a ser consagrada, na medida em que não havia restrições a essa abdicação do poder punitivo do Estado português.
No entanto, consta das actas que isso ficaria para a parte especial do Código Penal; porém, não ficou e não se estabeleceram quaisquer restrições a essa abdicação do poder punitivo do Estado. E, na verdade, há interesses essenciais a defender, tais como os que constam da Convenção - nomeadamente, crimes de terrorismo e de organizações terroristas, etc. - mas, de acordo com a redacção do artigo 6.º do Código Penal, se alguém for julgado fora do território nacional por actos que tenham a ver também com infracções de disposições constantes das leis penais portuguesas não poderá ser julgado em Portugal.
Penso que o mérito da Convenção agora em debate é o de chamar a atenção para algumas aberrações existentes na ordem jurídica portuguesa e, neste caso, o Código Penal é altamente censurável e criticável.
Assim, não em relação à declaração da alínea a) do artigo 2.º da Convenção, porque essa se refere também a factos ocorridos, em parte, no território português, mas relativamente às outras duas alíneas, a dúvida permanece: como é que, perante uma situação concreta e vigorando na nossa ordem jurídica o artigo 6.º do Código Penal, segundo o qual não há restrições à abdicação do poder punitivo (não se trata da questão da soberania da lei penal aplicável), funcionam depois estas excepções, quando temos uma lei aprovada pela Assembleia da República, que é uma fonte de direito hierarquicamente superior?
Essas dúvidas permanecerão mas estes reparos, como é óbvio, não vão determinar que o PCP vote esta proposta de resolução de outra forma a não ser favoravelmente.
Na verdade, as excepções constantes da Convenção provam que a confiança de uns Estados no poder punitivo dos outros não é tão grande como poderia pensar-se, o que demonstra que a aplicação deste princípio faz-se agora numa óptica diferente. Nos protocolos internacionais, na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, era um direito subjectivo fundamental do cidadão que estava em causa e era defendido, agora, tal como o preâmbulo da Convenção o demonstra, coloca-se de outra maneira e a razão de ser desse facto prende-se com a confiança de uns Estados noutros, que, afinal, como referi, não é tão grande como poderia pensar-se.