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Sexta-feira, 20 de Janeiro de 1995 I Série - Numero 33

DIÁRIO da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1994-1995)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 19 DE JANEIRO DE 1995

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs.

João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
José Mário Lemos Damião
José de Almeida Cesário
José Ernesto Figueira dos Reis

SUMÁRIO

O Sr Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deram entrada na Mesa os projectos de lei n.ºs 481 a 483/VI e o projecto de resolução n.º 136/VI, bem como requerimentos e respostas a alguns outros.
Em declaração política, o Sr Deputado Almeida Santos (PS) teceu considerações acerca do futuro político do Professor Cavaco Silva na Governo e no PSD, tendo depois respondido a pedidos da esclarecimento dos Srs Deputados Carlos Pinto (PSD), Manuel Queiró (CDS-PP) e Octávio Teixeira (PCP)
Também em declaração política, a Sr.ª Deputada Odete Santos(PCP) referiu-se à crise económica e social no distrito de Setúbal
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Silva Marques (PSD,) criticou afirmações do Secretário-Geral do PS, António Guterres. No final respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs Deputados Alberto Costa (PS), Manuel Queiró (CDS-PP), José Vera Jardim, José Lello - que deu explicações ao Sr Deputado Nuno Delerue (PSD) - e António Costa (PS),
O voto n º 129/VI - De pesar pela morte do jornalista Ricardo de Melo (PS) foi aprovado, tendo intervindo os Srs Deputados Octávio Teixeira (PCP) e Manuel Queiró (CDS-PP)

Ordem do dia.- Foi debatida, na generalidade, a proposta de lei n.º 117/VI - Autoriza o Governo a aprovar o novo Código Cooperativo, usando da palavra, a diverso título, além do Sr Ministro do Planeamento e da Administração do Território (Valente de Oliveira), os Srs Deputados Lino de Carvalho (PCP), Armando Vara (PS), Francisco Bernardino Silva (PSD), Manuel Queiró (CDS-PP) e Luís Pais de Sousa (PSD).
Entretanto, mereceram aprovação cinco pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos. Liberdades e Garantias autorizando seis Deputados e denegando dois a deporem em tribunal.
Finalmente, a Câmara apreciou a proposta de resolução n º 85/V1 - Aprova o Acordo por Troca de Notas sobre Supressão de Vistos entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República da Croácia. Intervieram, a diverso título, além do Sr Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas (Luís Sousa Macedo), os Srs Deputados António Filipe (PCP), Rui Gomes Silva (PSD), Martins Goulart (PS) e Manuel Queiró (CDS-PP).
O Sr Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 55 minutos

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira d Alberto Monteiro de Araújo.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
Álvaro José Martins Viegas.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António Germano Fernandes de Sá e Abrem.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leilão.
António José Caeiro da Moita Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Leis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Manta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Carlos Marta Soares.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José da Silva Maçãs.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Joaquim Veiga de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Albino da Silva Penedo.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José de Oliveira Costa.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Numes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
Júlio José Saraiva Sarmento.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antera da Cunha Pinto.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.

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Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete. Simão José Ricon Peres. Vasco Francisco Aguiar Miguel. Virgílio de Oliveira Carneiro. Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho. Alberto Bernardes Costa. Alberto da Silva Cardoso. Alberto de Sousa Martins. Alberto Manuel Avelino. Alberto Marques de Oliveira e Silva. Ana Maria Dias Bettencourt. Aníbal Coelho da Costa. António Alves Marques Júnior. António Alves Martinho. António de Almeida Santos. António Fernandes da Silva Braga. António José Borrani Crisóstomo Teixeira. António José Martins Seguro. António Luís Santos da Costa. Armando António Martins Vara. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos. Carlos Manuel Luís. Carlos Manuel Natividade da Costa Candal. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues. Eduardo Ribeiro Pereira. Elisa Mana Ramos Damião. Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo. Fernando Alberto Pereira de Sousa. Fernando Alberto Pereira Marques. Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa. Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins. Gustavo Rodrigues Pimenta. Jaime José Matos da Gama. João António Gomes Proença. João Cardona Gomes Cravinho. João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu. João Maria de Lemos de Menezes Ferreira. João Rui Gaspar de Almeida. Joaquim Américo Fialho Anastácio. Joaquim Dias da Silva Pinto. Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira. Jorge Lacão Costa. Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho. José António Martins Goulart. José Eduardo dos Reis. José Eduardo Vera Cruz Jardim. José Ernesto Figueira dos Reis. José Manuel Lello Ribeiro de Almeida. José Manuel Marques da Silva Lemos. José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos. José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa. Júlio da Piedade Nunes Henriques. Júlio Francisco Miranda Calha. Laurentino José Monteiro Castro Dias. Leonor Coutinho Pereira dos Santos. Luís Filipe Marques Amado. Luís Filipe Nascimento Madeira. Luís Manuel Capoulas Santos. Manuel Alegre de Melo Duarte. Manuel António dos Santos. Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio. Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Nuno Augusto Dias Filipe. Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo. Raúl Fernando Sousela da Costa Brito. Rogério da Conceição Serafim Martins. Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz. Rui António Ferreira da Cunha. Rui do Nascimento Rabaça Vieira. Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues. Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas. João António Gonçalves do Amaral. José Manuel Maia Nunes de Almeida. Lino António Marques de Carvalho. Luís Manuel da Silva Viana de Sá. Maria Odete dos Santos. Octávio Augusto Teixeira. Paulo Jorge de Agostinho Trindade. Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Acilio Domingues Gala.
Adriano José Alves Moreira.
Manuel Tomas Cortez Rodrigues Queiró.
Maria Helena Sá Oliveira de Miranda Barbosa.
Narana Sinai Coissoró

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins. 15abel Maria de Almeida e Castro.

Deputados independentes:

Mário António Baptista Tomé. Raúl Fernandes de Morais e Castro. Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projectos de lei n.ºs 481/VI - Elevação à categoria de vila da povoação de Praia de Mira, no concelho de Mira (PSD); 482/VI - Programa de Emergência para a Reabilitação Urbana - PERU (PCP); 483/VI - Elevação da freguesia de Moreira de Cónegos a vila (PSD), que baixaram à 5.ª Comissão e o projecto de resolução n.º 136/VI - Princípios Orientadores da Revisão do Tratado da União (PS).
Nas últimas reuniões plenárias, foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos: ao Ministério do Mar, formulado pelo Sr. Deputado António Crisóstomo Teixeira; ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, formulado pelo Sr. Deputado Luís Pais de Sousa; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados Lemos Damião, José Manuel Maia, Alberto Cardoso e Luís Filipe Madeira; aos Ministérios do Emprego e da Segurança Social e da Administração Interna e à Câmara Municipal de Alcochete, formulados pelo

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Sr. Deputado António Alves; à Comissão de Coordenação da Região do Algarve, ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais e à Câmara Municipal de Silves, formulados pelo Sr. Deputado Álvaro Viegas; ao Ministério da Educação, formulados pelos Srs. Deputados João Granja da Fonseca e Paulo Rodrigues; a diversos Ministérios, formulados pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; aos Ministérios da Indústria e Energia e do Emprego e da Segurança Social, formulado pelo Sr. Deputado José Reis; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Nuno Filipe; aos Ministérios das Finanças e da Justiça, formulados pelo Sr. Deputado Caio Roque; aos Ministérios do Planeamento e da Administração do Território, das Finanças e da Educação, formulados pelo Sr. Deputado José Manuel Maia; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Mendes Bota.
0 Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: António Vairinhos, na sessão de 21 de Abril; 15abel Castro, nas sessões de 17 de Junho, 27 de Outubro e 7 de Dezembro; António Filipe e outros, na sessão de 6 de Julho; Luís Peixoto, na sessão de 8 de Julho; André Martins, no dia 14 de Setembro e na sessão de 15 de Dezembro; Guilherme d'Oliveira Martins, no dia 15 de Setembro; Macário Correia, na sessão de 26 de Outubro; Miranda Calha e João Rui de Almeida, nas sessões de 2 e 17 de Novembro; Caio Roque, Luís Sã, Marques da Costa e Paulo Rodrigues, nas sessões de 12, 13 e 14 de Dezembro.
Devo ainda anunciar que irão reunir esta tarde as Comissões de Petições, de Saúde, a Comissão Eventual de Acompanhamento para a situação em Timor Leste e a Comissão Eventual de Inquérito a Camarate.
Deu ainda entrada na Mesa um voto de pesar pelo falecimento do jornalista Ricardo de Meio, em Angola.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não resisto à sedução do entremez hamletiano do cidadão Cavaco Silva. Não porque isso me preocupe, mas porque me diverte. Imagino-o a tentar auscultar as órbitas vazias da caveira shakespeariana: fico? Não fico? Candidato-me? Não me candidato? Eis a questão!
Há pessoas assim, a quem a hesitação tortura. E outras que se deixam torturar pelas hesitações daqueles de quem o seu futuro depende. Reconheça-se que a incerteza sobre o pão de amanhã pode constituir um drama de hoje. Pode assim ter razão o Dr. Santana Lopes quando da incerteza faz protesto e caracteriza a crise de ansiedade de quantos dependem de um "sim", e receiam um "não", como um "estado de aflição".
Também eu vejo o País aflito, mas por outros e mais substanciais motivos.
Há na insegurança inerente a essa dúvida cruel uma componente de ingratidão. Depois de tão exemplar disciplina; de obediência tão cega; de tão perfilado seguidismo; enfim, de tão desvelado culto, é injusto que o criador ameace abandonar a criatura! Com a agravante de que o faz agastado com os "barões", e aparentemente com o Partido todo ele, que criado à sua imagem se não assemelharia ao criador na determinação de ir à luta. Castigo lógico: sozinho, ele não vai.
Manobra maquiavélica de diversão, aventaram logo os devotos do maquiavelismo! Nesse quadro explicativo, a ameaça de partir funcionaria como caça ao preço de ficar. E a esperada perturbação dos espíritos - que terá julgado menos circunscrita - destinar-se-ia a desempenhar o papel de factor desviante das atenções em processo de fixação na grave situação do País.
Dizem esses: uma coisa ele já ganhou! Que não se fale em mais nada senão no "totobola" do seu próximo futuro. A crise económica eclipsou-se. A crise escolar deveio rotina. A crise de desemprego passou a ser um hábito. E a comunicação social, que de vez em quando o zurzia, seduzida pelo mistério do seu drama existencial entrou em compasso de espera e preenche agora boletins de aposta.
Talvez por não ser tão perspicaz, dou por mim a pensar que Cavaco Silva tinha à mão outros e menos onerosos expedientes para atingir o mesmo fim. Já não digo bater no PS, uma constante entre variáveis de idêntico sentido. Mas, por exemplo, continuar a bater no Presidente da República! Não tinha este acabado de cometer o supremo agravo de afirmar que é de recear uma "ditadura da maioria"? E verdade que ele disse "da maioria" e não "do ditador", que é de quem costumam ser as ditaduras. Ainda assim, a maioria pretensamente ofendida na sua pureza democrática caiu-lhe em cima, negando-lhe o direito de ter opiniões.
Não foi a maioria, pela voz de um dos seus tenores, ao ponto de afirmar que, dizendo o que disse, o Presidente perdeu a legitimidade que tinha? Não se julgue que deliro. 0 que ele de facto perdeu, na versão registada, não foi a cabeça, nem a serenidade, nem o sentido das conveniências, ou seja, o que nestas ocasiões se costuma perder. Foi a própria legitimidade! 0 tutelado tutela o tutor.
E não vinha de trás a infalível seta desviante da telenovela da dissolução da Assembleia? Acaso deu já o Presidente a garantia de que não fará, em caso algum, uso desse último recurso?
Não! Em meu modesto entender, expedientes à mão era o que não faltava ao Governo.
E quem tem capacidade para assumir uma tão frontal inversão da ordem constitucional das coisas, virando ao contrário a pirâmide do poder, precisava de incorrer no risco de ficar sem cúpula, ou esta sem base, para polarizar atenções facilmente polarizáveis insistindo no conflito institucional entre S. Bento e Belém? A menos que Cavaco Silva entendesse, ou entenda, que o número da ilegitimidade do Presidente já deu o que tinha a dar - isto é: nada! - e precisasse de um novo desvio da corrente cáustica que, à falta de dique, sobre ele se abate. Insistir na ilegitimação de quem tem, sempre teve e continua a ter, o mais alto grau de legitimidade democrática, inclusive para o demitir, ou lhe dissolver a base parlamentar de apoio, é que não faz sentido.
Ocorreu, entretanto, que, pago sem discutir o preço, na forma de todas as implorações, preces e ladaínhas, o tempus irae permaneceu e a ameaça de rejeição perdurou. E foi ficando claro que, na metafísica do caso, havia menos Maquiavel do que Freud. 0 nosso Hamlet não sofria de angústias existenciais, pura e simplesmente, tinha medo. Medo de pela primeira vez perder; medo de ter de governar o país caótico que nos vai deixar; medo de persistir no seu autoritarismo, cada vez mais perdendo autoridade; medo da ascensão dos poderes de facto que desencadeou, sem resposta institucional bastante; medo de não poder levar mais longe, no tempo e na eficácia, os mitos confortáveis de que foi construindo os seus embustes.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

Durante algum tempo, valeu-lhe o mito do Portugal onírico e da democracia de sucesso. Depois socorreu-se, como

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factor justificativo dos seus fracassos, da crise que tenazmente havia negado até para lá da evidência. Acolhesse agora ao frágil balão de oxigénio da retoma. Mas como esta ameaça não invadir tão cedo a dimensão conjuntural da crise, receia que a opinião pública lhe ponha o pé no tubo.
O seu raciocínio é, no fundo, este: uma nova vitória por maioria absoluta nas próximas eleições está fora de causa. Uma vitória por maioria relativa, ainda que teoricamente possível, será sempre um presente envenenado para quem se habituou a reger toda a orquestra e não apenas os violinos Quem quer que venha a ser a maioria, e o dono dela, o próximo mandato estará longe de ser uma rosa sem espinhos. Daí que, na perspectiva hamletiana, prosseguir infundado receio.
Decidido a partir - se é esse o caso - e sem uma boa razão para tanto, queixa-se do filhote, enjeita-o, põe-no na roda e deserda-o da sua mais-valia eleitoral. Se asam for, já não é a primeira vez que parte, forma gentil de dizer que foge. Já em 1981, quando a conjuntura apontava para os piores indicadores económicos de sempre, a caveira lhe segredou o regresso à beatitude da Passárgada universitária, de olhos e ouvidos atentos aos vaivéns do poder.

Vozes do PS: - É verdade!

O Orador: - Fugir é assim, no seu caso, uma propensão. Com o tempo, acabará por se tornar um hábito.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E como não há duas explicações sem três, não falta aí quem proponha uma síntese: Freud entraria com o medo, Maquiavel com o cálculo. O medo guardaria a vinha da ambição, preservando-a; o cálculo jogaria no fracasso da alternativa encontrável e num seu regresso glorioso abençoado pelas inerentes desilusões.
E assim, de hiper-criticismo em hiper-criticismo, não faltou sequer, vinda do azimute de Aveiro, uma sentença de mau gosto: quem bate no filho bem amado, moldado à sua própria imagem e semelhança, «cospe nele». E vá de desenterrar a alcunha - «o cospe nele» - de uma sátira do jornalista Homem Cristo, que assim qualificou o masoquismo de uma vítima da sua verrina.
Acho eu, no meu prosaísmo beirão, que se o homem se quer ir embora, pois que vá. Mas que, por favor, «nos deixe trabalhar»! A despeito de o «Hamlet» ser um drama genial, não consigo levar a sério este seu Ersatz de cordel.
É talvez por isso que não vibro. Se vibrasse, era de indignação. Chega de menoridade política e cultural! Já se sabia que somos um país economicamente pouco desenvolvido. Mas, lá por sermos humildes, não se segue que sejamos parvos!
Mais interessante para nós é apurar até que ponto se justifica o medo do Primeiro-Ministro em continuar a governar. Será que o País está tão doente que o conhecimento do diagnóstico faça pensar três vezes?
Se o Primeiro-Ministro é tão bom como diz, ir-se embora é desperdício; se é tão mau como da situação do País decorre, ir-se embora é um alívio. Para onde quer que os portugueses se voltem só encontram perda de velocidade, ausência de estímulos, desencanto. Aparte a melhoria relativa das infra-estruturas, induzida pelos subsídios da Europa, em tudo o mais o País encolhe, se atrasa e se degrada.
O Primeiro-Ministro jogou afoitamente no crescimento económico, sacrificando tudo o mais a esse escopo. Confiava no crescimento induzido pelas ajudas comunitárias - cerca de dois pontos/ano - e em que as pessoas não dessem conta disso. Estamos recordados das pesporrências do maior crescimento económico do Mundo, depois reconvertidas na garantia de crescimentos superiores à média europeia. Estávamos a aproximar-nos da Europa!
Não tardaria que passássemos a crescer abaixo do crescimento induzido, logo depois abaixo do crescimento médio europeu. Por fim, abaixo da própria linha de água. Eram palavras, não políticas. Entre 1990 e 1995, o produto terá aumentado 6.ª em Portugal e 8.ª na União Europeia. Em vez de convergência real, agravamento significativo do nosso atraso.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - E a crise internacional?

O Orador: - O referido período - «suma injúria»! - ter-se-á equiparado ao quinquénio de 1981 a 1985, ambos em disputa do campeonato do pior quinquénio do último meio século. O PSD, dispondo de maioria absoluta e confortado por todos os sacramentos de uma conjuntura financeira de luxo, conseguiu fazer pior do que as sequelas do PREC, o FMI, a AD, o alto preço do petróleo e a exponencial cotação do dólar, todos juntos.

Aplausos do PS.

Se a isto somarmos a explosão do desemprego e o facto de, a partir de 1991, a produção agrícola e industrial terem caído como nunca se tinha visto, a conclusão que se impõe é a de que ao Primeiro-Ministro não faltam boas razões para fugir. Mas, se se der o caso de não vir a consumar a ameaça, só nos resta o extremo recurso de o despedirmos com justa causa: a derrota da economia, que derrotada o há-de derrotar a ele!...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Muito bem!

O Orador: - E que a loa da retoma nos não amoleça o ânimo. O que fica para trás não será, em caso nenhum, apagado pelo que tivermos pela frente. O facto de a exportação de produtos industriais ter animado um pouco, só testemunha a recuperação da economia dos países importadores. Não a nossa! Os dados mais fiáveis de que dispomos vão no sentido de que não há ainda sinais de recuperação atribuíveis a factores internos. Infelizmente, assim é!
Por isso Cavaco Silva foge. No fundo, foge de si mesmo: na aparência, do partido que moldou de facto, da oportunidade que perdeu.
E agora sim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, já desabafei, já posso preocupar-me de novo com os vidreiros da Marinha Grande, os mineiros do Pejão, os trabalhadores da Renault, os desempregados efectivos e potenciais para quem o risco da miséria, quando não a própria, é um presente sem futuro ou um futuro sem esperança. E não menos com as vítimas da guerra na Bósnia ou na Chechénia, ou com o Terramoto do Japão, já que a universalização do dever de solidariedade me proíbe de só ter preocupações com o calcanhar da Luizinha Carneiro.
Acabo de fazer a minha cura de desintoxicação.

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Carlos Pinto, Manuel Queiró e Octávio Teixeira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Pinto.

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O Sr. Carlos Pinto (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos, V. Ex.ª acabou, no final da sua intervenção, de titular as suas palavras como tendo sido um desabafo. Portanto, enquanto tal, poucas considerações mereceria, na medida em que todos temos direito ao desabafo, também, nesta Sala.
Quero apenas salientar alguns aspectos que me parecem pouco consonantes com o discurso oficial do PS, pela voz do seu Secretário-Geral. De facto, num posicionamento pouco claro quanto ao que é suposto ser a vida interna do PSD, há poucos dias o Secretário-Geral do PS dizia: afinal de contas, não há nenhum drama dentro do PSD e nada nos importa se o Professor Cavaco Silva continua ou não, enquanto líder do PSD.
V. Ex.ª, agora, vem dizer que importa. 0 que significa que devemos aqui expressar um desejo de que o PS se deve entender a este propósito. Porque para um partido que se diz alternativo em termos de governação para o País, ter uma parte que diz que o futuro do actual Primeiro-Ministro lhe importa e outra parte que diz que "não é coisa que esteja na nossa agenda", naturalmente tem um significado.
A nossa leitura, em relação ao Eng. António Guterres, é de que estas circunstâncias mediático-jornalistas em que se aborda a questão do Professor Cavaco Silva não causam qualquer preocupação; e, em relação ao Sr. Dr. Almeida Santos, é de que a circunstância de o Sr. Professor Cavaco Silva continuar a disputar, em Outubro deste ano, a liderança do País é qualquer coisa que o preocupa. Compreendo assim porque V. Ex.ª já passou por uma concorrida disputa eleitoral em 1985 e conhece bem o que significou ter o Professor Cavaco Silva como opositor nas eleições.
Não terá o PS, na tentativa de mobilização do País, ou de alguns sectores do País, através dos Estados Gerais, algo para trazer a esta Casa, em termos de ideias novas, em termos de alguma luz que ilumine os passos da comunidade nacional para o futuro? Mas até agora, decorridos alguns meses, o PS não foi capaz de encontrar qualquer coisa que, no fundo, pudesse envolver o discurso que acabou de fazer, de forma a constituir a resposta àquilo que, supostamente, V. Ex.ª diz que é uma ausência e um vazio de poder e de governação.
São estas as questões.
No fundo, o discurso de V. Ex.ª, é de tal forma pouco claro sobre os objectivos, de tal forma difícil de compreender enquanto exposição de uma postura política de um partido que se quer alternativo, que apenas lhe situo as minhas questões nestas duas vertentes.
Finalmente, Sr. Deputado Almeida Santos, ciente de que V. Ex.ª sabe valorizar as verdadeiras questões políticas nacionais, pergunto-lhe se, de facto, as questões internas dos partidos políticos - e o Partido Socialista, no decurso destes 20 anos de democracia, já, exuberantemente, as apresentou à sociedade portuguesa -, na perspectiva responsável a que V. Ex.ª nos habituou, têm dignidade suficiente para corporizarem um discurso na tribuna desta Casa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Almeida Santos, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Almeida Santos (PS): - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos: Sempre que, nesta Câmara, alguém fala das hesitações, do suspense do Sr. Primeiro-Ministro, do tabú do Sr. Primeiro-Ministro, apetece-me dizer que não se deveria falar desse assunto.

O Sr. Ru Carp (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E não se deveria dele falar porque, suspeito, isto ainda vai acabar com o Sr. Primeiro-Ministro a dizer: não fui eu que levantei qualquer dúvida, foram os políticos, nomeadamente os da oposição,...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Foi o Engenheiro António Guterres.

O Orador: - ... que se entretiveram a espalhar a dúvida pelo País.

Aplausos do PSD.

E nós, para não abrirmos essa porta de saída, devíamos rodear - é essa a minha opinião - de um muro de silêncio todas essas manobras políticas do Sr. Primeiro-Ministro.
Eu não sei, nem me interessa muito saber, o que é que pretenderá o Sr. Primeiro-Ministro, mas há uma coisa que, a meu ver, ele já conseguiu demonstrar ao País: nas próximas eleições legislativas, o seu partido não tem alternativa, - não quer tê-la nem pode tê-la - à sua candidatura.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Tem o Pacheco Pereira.

O Orador: - 0 Partido Social Democrata demonstrou ou demonstrou-o o Sr. Primeiro-Ministro - que está inteiramente dependente da sua candidatura. Sem ele, a possibilidade de uma derrota torra-se mais uma certeza do que uma probabilidade. Por isso julgo que - e faço esse desafio ao Sr. Deputado Almeida Santos -, já que o Sr. Primeiro-Ministro, por interesse ou por hesitação, ainda não desfez esse suspense nem deu ao País uma indicação clara se fugirá ou não ao voto popular no mês de Outubro, devemos ser nós a desfazer esse suspense.
Aproveitemos, por exemplo, a sessão de hoje e tiremos esta constatação clara: porque o seu partido precisa muito, porque ele deixará uma multidão de órfãos, porque ninguém lhe perdoará no seu partido, o Sr. Primeiro-Ministro não terá outra possibilidade que não seja a de disputar as eleições legislativas. E fá-lo-à para bem do País, a meu ver, porque se alguém deve contas em Portugal - e a prestação de contas tem importância na política nacional - esse alguém é o Primeiro-Ministro, antes de qualquer outro.
Para não fazermos o seu jogo, para não entrarmos na manobra e para desfazermos dúvidas a tempo, aproveitemos esta ocasião e manifestemos a nossa convicção de que este suspense acabou, que o Sr. Primeiro-Ministro não conseguirá prolongá-lo e que vai mesmo ter de disputar as eleições legislativas.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Almeida Santos: Como sabe o problema do melodrama nunca nos afligiu - e continua a não nos afligir -, mas gostaria de dizer-lhe que estou substancialmente de acordo com o conteúdo daquilo a que o Sr. Deputado

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Almeida Santos chamou o seu desabafo, quando explicitou e sintetizou, de uma forma suave (suave em termos formais) que, aliás, é habitual na sua forma de intervir, os resultados da política económica e social do Professor Cavaco Silva, em particular, e do Governo do PSD,, de uma forma mais geral.
Estamos também de acordo com a conclusão que daí tirou, quando na parte final da sua intervenção disse) «Só nos resta o extremo recurso de o despedirmos com justa causa.»
A questão que se me coloca, no entanto, é saber como é que o Sr. Deputado Almeida Santos e o Partido Socialista, de um modo mais geral, passam da palavra aos actos em termos de dar sequência e eficácia à conclusão que tirou, a da necessidade de despedimento, com justa causa, do Governo do PSD.
Ao fim e ao cabo, o problema é tentar clarificar - e talvez o Sr. Deputado Almeida Santos possa fazê-lo hoje - qual é, de facto, a posição do Partido Socialista, em definitivo, quanto à solução para esta situação, porque o Sr. Deputado Almeida Santos tira a conclusão mas não diz como é que vai levá-la à prática e isso não é caso novo, já que, na última edição da Acção Socialista aparecem dois textos, dizendo um deles, a determinada altura e em conclusão! «É urgente encontrar a solução não para o PSD mas para o País, e essa passa por eleições antecipadas.» Depois, duas páginas à frente, noutro texto, retoma-se a questão e conclui-se desta forma: «Para o líder do PS, António Guterres, o PSD está provocando, de forma intolerável, o Presidente da República, dando-lhe todos os argumentos para dissolver o Parlamento, uma solução com a qual o Partido Socialista não concorda.»

Risos do PSD.

Sr. Deputado, gostaria de saber qual é a posição do Partido Socialista em relação a esta matéria.

Aplausos do PCP e do PSD.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Boa pergunta!

O Sr. Presidente: - Para responder aos três pedidos de esclarecimento, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Pinto: Disse-me que desabafei e que tenho o direito ao desabafo. Eu já o sabia e espero continuar a sabê-lo sem depender do seu partido, porque, assim, tarei muito maior garantia de que continuarei a ter esse direito.
É claro que também os senhores tinham o direito à gratidão e não a têm. Depois de se terem comportado tão bem para com o Sr. Primeiro-Ministro, depois da maneira fiel como o seguiram, como o copiaram e como lhe obedeceram, não se justifica serem agora enjeitados, como estão a sê-lo, direi mesmo, se me permitem, estarem a ser escavacados depois de terem sido encavacados.

Risos do PS.

É, na verdade, uma ingratidão insuperável!

Aplausos do PS.

Deu a entender, no fundo, que nos preocupamos sem motivo, porque essa é uma questão interna do partido.
Bom, eu disse que não me preocupo, que me divirto, mas devo dizer-lhe que na medida em que me preocupo só me preocupo pela razão simples de se tratar não só do maior partido do meu país e do partido que exerce, neste momento, o poder no meu país, mas também do cidadão que, por acaso, neste momento, é o Primeiro-Ministro do meu país. Se fosse outro cidadão qualquer eu não me preocupava rigorosamente nada, mas quando estas coisas passam do plano pessoal para o plano institucional um português responsável tem de preocupar-se.
É claro que eu sei que os senhores estão preocupados, por sobejas razões. Não vou dizer-lhe, com maledicência, que estou a recear já, por antecipação, a crise que vai existir no vosso partido caso se consuma a ameaça do Primeiro-Ministro.
Compreendo a vossa ansiedade, mas devo dizer-lhe que tudo isso só me preocupa na medida em que se trata de quem se trata e na medida em que quero continuar a ser um Deputado e um político responsável de tudo o que se passa à minha volta no meu país. E não é normal em nenhuma democracia, sobretudo numa democracia evoluída, que se assista a esta demonstração - desculpem que vos diga - de ridículo, que só pode qualificar a democracia de ridícula também. E é isso que me preocupa. Se alguém, lá fora, estiver atento ao que se passa no nosso país, dirá que estes portugueses são uma democracia do terceiro mundo,...

O Sr. Carlos Pinto (PSD): - Porquê?!...

O Orador -... que estão a discutir se o Primeiro-Ministro «ura dos olhos da caverna» a resposta afirmativa ou negativa,...

O Sr. Carlos Pinto (PSD): - Os senhores é que discutem isso!...

O Orador: - ... e deixam de discutir aquilo que importa ao País. Se o objectivo foi esse, então ainda é mais grave e mais criminoso todo este entremês, porque está a prejudicar a discussão dos reais problemas do País.
Perguntou-me se não temos ideias novas. É claro que temos!... Olhe, peço-lhe que leia o nosso projecto de revisão constitucional, um dos mais originais de sempre - vejo que o não leu e isso é grave da sua parte -, acompanhe o que se discute nos nossos Estados Gerais, vêm aí as conclusões,...

O Sr. Rui Carp (PSD): - Devem ser muito inovadoras!...

O Orador: - ... esteja atento, porque todos poderemos aprender alguma coisa com isso. Agora, não diga que não temos ideias novas porque vocês têm a especialidade de as chumbar!...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Ora aí está!

O Orador: - Quando trazemos aqui ideias tão importantes como a do rendimento mínimo garantido e outras que tais...

Protestos do PSD.

... os senhores, friamente, chumbam-nas, porque são insensíveis à miséria social e aos problemas sociais, e nós não temos culpa disso.
Disse ainda que o meu discurso é incompreensível. Bom, sabe que a capacidade de compreender os discursos depende, às vezes, mais de quem os ouve do que de quem os faz, mas também quero dizer-lhe que incompreensível é a atitude do seu líder...

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O Sr. Silva Marques (PSD): - Incompreensível, porquê?!...

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Mas ele deve disputá-las!

O Orador: - ... e o senhor não se mostra ofendido com ela!... Essa, sim, é incompreensível!... O que eu queria era poder compreendê-la!...

Vozes do PSD:- Ah!...

O Orador: - E, quando me dizem que ele tem o direito ao silêncio, eu só posso responder: Não tem!... E não o tem nem jurídica nem politicamente, porque quando há o dever de não silenciar o silêncio equivale a uma infracção!...

Vozes do PSD: - Ena!...

O Orador: - Ah, sim!... Política e juridicamente é assim!... Tenham paciência e metam isso no vosso espírito.
Depois perguntou se uma questão do PSD tem dignidade suficiente para eu com ela me preocupar. Para mim tem!... Para o senhor não tem?!... Lamento que não tenha!... O senhor está a ser um mau militante do seu partido, porque, para si, as questões internas do seu partido são só questões da família social-democrata, não são questões da família portuguesa. Sr. Deputado, são questões da família social-democrata, em primeira linha, mas são também questões da família portuguesa, em segunda linha.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Carlos Pinto (PSD): - O senhor tinha outra posição.

O Orador: - Dr. Manuel Queiró, vejo que o meu amigo começa a vida nova do seu partido raciocinando de uma maneira velha, sobretudo procurando as palmas, que obteve - teve êxito nisso -, do partido majoritário. Dá-me a ideia que, se a vida nova é retomar a velha coligação entre os dois partidos, o meu amigo está, de facto, no bom caminho.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Está enganado, eles vão coligar-se com o PS.

O Orador: - Falou-me no ridículo da política. Sr. Deputado, foi isso mesmo que eu quis realçar. O que há de grave nisto é que, além de ser incompreensível, de ser injusto para com eles e para com toda a gente, é profundamente ridículo. E o que eu quis foi, exactamente, dizê-lo!... E veja que o meu discurso teve mais ironia do que outra coisa. Quem não o percebeu não percebeu o que eu quis dizer!... Eu quis afundar pelo ridículo - é isso o que ele é - o drama hamletiano do cidadão Cavaco Silva. Não há drama nenhum nem há coisa nenhuma!... O que ele tem é medo!... Foi essa a tese que defendi e, no fundo, é disso que estou convencido.

Aplausos do PS.

Disse-me que ele terá de disputar as eleições. Sr. Deputado, isso é-me indiferente!... Que ele as dispute ou não, é-me perfeitamente indiferente. O que ele não tem é o direito de parar o País, de parar a comunicação social, de parar as preocupações de toda a gente, de parar as nossas preocupações - e é a isso que tento pôr um ponto final - a pretexto de uma hesitação, só porque ele nasceu hesitante. Tem direito à hesitação, mas ele disse-nos, quando ganhou as eleições, que nunca hesitava nem se enganava. Reconheça que, de facto, desta vez, «deu-lhe forte». Com certeza, «deu-lhe muito forte».

O Orador: - O Sr. Deputado Octávio Teixeira perguntou-me como passamos das palavras aos actos. Temos passado tão razoavelmente do anúncio dos actos para lá das palavras que, parece, até nem estamos mal situados, quer nas vitórias das eleições que já disputámos quer nas sondagens, em termos de opinião. Não estamos muito desanimados com as perspectivas em relação a nós Portanto, creio não haver muito a corrigir, quem está na posição em que estamos não tem muito a corrigir na sua conduta política.
Perguntou-me também qual é a nossa solução. Temo-la dito muitas vezes. Sabe perfeitamente que a posição oficial do meu partido é não reclamar a dissolução da Assembleia, porque achamos que isso, nesta fase e neste momento, beneficiaria o infractor. A nossa posição é a de dizer que, se essa dissolução vier a ocorrer, os culpados serão os que tanto a pedem, tanto a fomentam e tanto a desejam!
Quanto à realização ou não de eleições antecipadas, a resposta implícita a essa questão é esta: não as pedimos mas não afastamos a hipótese da sua realização, sobretudo se o PSD continuar a ter o comportamento provocatório do Presidente da República até à ofensa e tão indiferente aos problemas reais do País que já não é Governo, é, antes, um Governo parado, que recolheu às boxes. Ora, do que precisamos, sobretudo neste momento, é de um Governo que dê respostas positivas aos problemas do nosso país.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs Deputados: Insuportáveis anos estes em que, sob a batuta do PSD e com a partitura de uma política de direita por ele protagonizada, se foi construindo, concertadamente, o crescendo do triunfo das desigualdades!
Desigualdades agora mais do que nunca evidentes na determinação dos mineiros do Pejão, dos trabalhadores vidreiros da Marinha Grande, dos milhares de trabalhadores em luta por todo o País, contra o desmantelamento de empresas, despedimentos colectivos, e a criminosa ofensiva ao seu próprio direito à vida traduzida no flagelo dos salários em atraso.
Ao longo destes anos, o PCP sempre denunciou as sucessivas e continuadas traições aos direitos dos trabalhadores, que consubstanciam, porque de trabalho se trata, traições aos interesses nacionais.
Não há qualquer possibilidade de escamotear a grave crise que se atravessa, por mais «psicanalistas políticos» que se atropelem em tomo do «divã» de certa classe política, amante de jogos de bastidores, de sonhos freudianos e de adivinhações.
As «praças de jorna» que durante a madrugada se formam junto à Lisnave, na espera angustiada de um trabalho precário, são um símbolo, a juntar a tantos outros, da crise resultante da destruição do tecido produtivo do País.
Toda esta destruição se verifica por todo o País, bem demonstrada pelo número de desempregados, a nível nacional, que se espelha de um modo muito particular no distrito de Setúbal, onde são especialmente evidentes os sinais da crise e da destruição do aparelho produtivo.
Com uma população activa de 322 779 habitantes, o distrito de Setúbal sentiu particularmente os efeitos da política de direita e, em vez da prometida retoma, retorna, isso sim, aos anos de 1986, anteriores ao lançamento da opera-

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cão chamada «integrada», baptizada «de desenvolvimento», para a península de Setúbal.
Retorna, aliás, numa situação de agravamento dessa .Crise, que deixou marcas bem fundas nos trabalhadores e suas famílias, que jamais se esquecem. E mais ainda veremos como o agravamento ainda é maior relativamente a esse período.
Antes do atraso, determinado pelo Governo, das estatísticas sobre o desemprego de Setembro e Novembro de 1994, os números oficiais relativos a Junho desse ano revelavam já que no distrito havia mais de 44 600 desempregados, sendo então de 13,5 %a taxa de desemprego.
Mas tal situação, como já, na altura, afirmava a União dos Sindicatos de Setúbal, apresentava-se com fortes tendências de agravamento a curto prazo.
De facto, reveladas as estatísticas posteriores, verificou-se que o número de desempregados subiu para 47 143 em Setembro, para 48 497 em Outubro e 49 597 em Novembro, com o consequente aumento da taxa de desemprego para 15,2%' ;
O drama que estes números traduzem representa a mais viva condenação da apagada actuação do responsável p«la pasta do emprego, limitando-se a gerir a saída de estatísticas, descoroçoado com os resultados, permitindo a impunidade dos que, dolosamente, não pagam os salários aos trabalhadores e dando a sua benção silenciosa e significativa à repressão dos que trabalham e reclamam justiça! . ,
Na segunda metade da década de 80, os responsáveis governamentais anunciaram para a península de Setúbal o início de uma era de desenvolvimento. A OID iria atrair novos investimentos, modernizar as empresas, criar inúmeros postos de trabalho, tornar a península de Setúbal florescente.
Ora, em Dezembro de 1989, antes do lançamento da OID, eram 37 041 os trabalhadores desempregados registados nos centros de emprego dessa península.
Em Setembro de 1994, nas estatísticas dos mesmos «antros, aquele número subia para 38 786, voltando a subir para 40 353, em Novembro de 1994. São os resultados de cinco anos de operação integrada.
Quer dizer: há hoje mais desempregados na península de Setúbal do que no momento do lançamento de uma operação, afinal, desintegrada e que de desenvolvimento só teve o nome.
Quem conhece bem a península e o distrito pôde aperceber-se, quase diariamente, de que a crise se iria acentuar.
Muitas das empresas existentes ou encerraram ou foram despedindo trabalhadores e os postos de trabalho entretanto criados não compensaram, nem de perto nem de longe, os que foram destruídos.
Nos últimos dois anos, houve ainda um potencial negativo de destruição de 50 empresas de média e grande dimensão, que representavam 15 000 postos de trabalho!
Outras empresas aproveitaram os subsídios para um autêntico locupletamento à custa alheia, não procedendo à criação dos postos de trabalho, contrapartida dos incentivos concedidos.
Só no ramo das indústrias eléctricas, foram concedidos 14 milhões de contos de incentivos, a que deveria corresponder a criação de 3483 postos de trabalho. Afinal, foram apenas criados 1300, mas eliminaram-se 1500!
Já em 1993, em intervenção aqui produzida, o Grupo Parlamentar do PCP denunciava esta situação de incumprimento da aplicação dos incentivos. O Governo não só nada fez como continuou a permitir a eliminação de postos de trabalho.
A INDELMA, que recebeu subsídios do SIBRE do PEDIP, do Fundo Social Europeu e subsídios à exportação, num total de 982 000 contos, não tem feito outra coisa senão despedir trabalhadores, em vez de criar os 355 postos de trabalho que são contrapartida dos subsídios.
A Ford-Electrónica, e este é apenas um exemplo havendo muitos mais, que se instalou com a promessa de criar 1700 postos de trabalho para obter 9,25 milhões de contos, tem apenas 800 trabalhadores - menos de metade!
Face ao panorama existente, tem de concluir-se que por culpa do Governo do PSD e da política que conduziu, e conduz, a OID não representou mais do que um logro, destinado apenas a uma operação de cosmética e a alguns momentâneos e frágeis ganhos políticos.
De facto, cabe ao Governo a total responsabilidade pelo fracasso que ora se constata.
Quem beneficiou com os 710 milhões de contos canalizados para o distrito através dos incentivos do FEDER, FSE. FEOGA, PEDIP, SIBR e outros?
Não foram os trabalhadores os beneficiados, como vimos.
A estrutura produtiva do distrito não foi modernizada, e a sua destruição continuou. Por exemplo, a indústria transformadora, responsável outrora pelo emprego da maior parte dos trabalhadores por conta de outrem. perdeu numa década, até 1992, mais de um quarto dos postos de trabalho.
Não houve também diversificação do aparelho produtivo, modernização ou riqueza mas, sim e ainda, o alastramento da pobreza.
Tudo isto porque, contra o empenhamento de estruturas sindicais, de autarquias e de alguns empresários, o Governo norteou a sua acção na OID por uma lógica neoliberal, seu apanágio, de resto, deixando tudo sem coordenação porque o coordenador máximo, como sabemos, é o mercado
A OID foi um logro, porque a ela não presidiram, por parte do Governo - como não presidiram à sua acção política em todo o País -, objectivos de evolução e bem-estar social, bastando ao Governo a constatação da acumulação de investimentos, sem cuidar do controlo da aplicação e resultados.
A OID não renovou a face da península porque o maior impacto dos novos investimentos, vindos em grande parte do estrangeiro, pela lógica das multinacionais, se centrou de novo, quase todo, em torno do automóvel. O eterno «elefante branco», afinal, continua a perder as suas proporções de elefante.
A Renault, depois de se aproveitar de 43 milhões de contos do Estado, está de abalada. E teremos AutoEuropa até quando? Esta empresa apenas cria metade dos postos de trabalho prometidos.
A OID foi um logro, porque a aversão à regionalização por parte do Governo está na base das «orelhas moucas» que fez às exigências locais de inserção efectiva da Comissão Executiva da OID nas estruturas da administração central.
O balanço da OID é negativo também porque não se permitiu que a Comissão de Acompanhamento, que reuniu uma única vez, em 17 de Junho de 1990, fizesse um efectivo e atempado acompanhamento da sua execução. A OID teria também que resultar num logro para os trabalhadores, dada a desresponsabilização social do Governo perante aqueles.
O que o Governo permitiu, facilitou e impulsionou foi a máxima precarização do emprego, a máxima flexibilização do trabalho, a desregulamentação das relações laborais, a total insegurança dos trabalhadores. Tudo aquilo que é, afinal, o oposto do desenvolvimento. Tudo isto em nome de um aumento da competitividade e de ganhos de produtividade, à custa do factor trabalho. Ao fim e ao cabo, com resultados totalmente opostos.

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Num recente relatório publicado pelo World Economic Fórum assinala-se que Portugal tem vindo a perder lugares na qualidade de gestão, na responsabilidade social, na cooperação tecnológica e investigação interna, no potencial económico interno (em 2 anos caímos do 13.º para o 20.º lugar entre os países da OCDE). Como era lógico e natural, o relatório também assinala que, em capacidade empresarial e inovação, ocupamos o último lugar!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tal como se perspectiva por todo o País, avizinha-se, também no distrito de Setúbal, um maior agravamento da crise.
Anunciam-se novos despedimentos na SOLISNORTSETENAVE, sendo a previsão de postos de trabalho a abater neste estaleiro e na LISNAVE de 3037.
Anuncia-se que aos 3000 postos de trabalho eliminados na Siderurgia se vão juntar mais 1500.
A Quimigal/Adubos, que já despediu 700 trabalhadores (recorde-se, a propósito, que do grupo ex-Quimigal foram despedidos cerca de 10 000 trabalhadores), pretende ainda eliminar 520 postos de trabalho, dos quais 150 no Barreiro.
Os processos judiciais de falência e de recuperação de empresas vão acumulando-se e arrastando-se nos tribunais, como acontece no caso da Torralta, empresa que, dia-a-dia, se degrada.
Os salários em atraso que o PSD, por várias vezes, nesta Assembleia, anunciou ter debelado vão multiplicando-se e causando a miséria dos trabalhadores e das suas famílias.
Perante isto, a população do distrito sente a urgência de pôr cobro à situação. Os trabalhadores não percebem, nem perceberão, que se vá adiando a solução. Cada dia que passa, aumenta a violência do poder, traduzida na degradação da situação económica e social e em mais extensos sacrifícios e dificuldades do povo, como se salienta, aliás, com justeza, no recente documento da Comissão Política do Comité Central do PCP.
O PCP, numa posição de clareza que sempre foi e será seu apanágio, que sempre norteia a sua actuação política pela defesa dos interesses dos trabalhadores e do País, que insistentemente vem chamando a atenção para a necessidade de dizer «basta» à política de direita, dá voz ao amplo descontentamento popular quando reclama: dêem com urgência a palavra ao povo português!

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Almeida Santos, há pouco, na enunciação das suas graves preocupações sociais, citando diversos casos pungentes de redução da produção, perda de competitividade, diminuição do pessoal, quiçá, encerramento de portas, depois de ter referido casos flagrantes - Marinha Grande e Pejão -, esqueceu-se, por buraco inopinado de memória, do caso mais grave: o Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
A redução de produção é evidente, Sr. Deputado, e a competitividade é escassa. Por isso, a perspectiva, embora lastimável, mas a modernidade tem esses custos, da redução do pessoal é inexorável e o encerramento de portas não está excluído. Aliás, foi o próprio Deputado Almeida Santos que, em consílio reservado dos socialistas, alertou para essa eventualidade: não mudemos o discurso, não ganhemos uma outra credibilidade, percamos as próximas eleições e o encerramento de portas está à vista.
Sr. Deputado Almeida Santos, compreendo que, na lista dos casos de gravidade social, tenha omitido o PS. Foi o seu acto de solidariedade!
Sr. Presidente e Srs. Deputados, vou fazer o anti-discurso, o discurso contrário, do Sr. Deputado Almeida Santos. Ele fez-nos o discurso do aprés-midi de um tribuno e a sua peça literária não direi que nos tenha adormecido mas embalou-nos. Eu não vou embalar-vos, Srs. Deputados socialistas; vou interpelar-vos e, sobretudo, responder ao vosso líder, o Sr. Eng.º Guterres.
Estamos fartos, Srs. Deputados, da irresponsabilidade política e da demagogia infrene do Sr. Eng.º Guterres!

Aplausos do PSD.

Estamos fartos e vimos dizer-lho! Só lamentamos que ele não esteja presente. Comportamento, aliás, que não é seguramente fraudulento, mas é surpreendente para tão impoluto parlamentarista.
Aliás, Srs. Deputados, parece-nos óbvio que um bom número de socialistas não está menos farto.
O Sr. Eng.º Guterres está a «vender gato por lebre» - a frase é dura, mas tem de ser esta - e a transformar em pura guerrilha política, de campanha pré-eleitoral, assuntos fulcrais para o Estado, para as instituições, para o regime e para a democracia.
O Sr. Eng.º Guterres fez um desafio: se o PSD não aprovar as novas propostas socialistas, mais radicais, mais restritivas e mais exigentes, para a transparência na vida política, o PS aplicá-las-á no seu foro partidário.
Pois faz muito bem. Não espere por nós.
Só nos surpreende por que se atrasou tanto e por que continua a atrasar-se.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Eng.º Guterres está convencido de que a vertigem das suas palavras o dispensa de qualquer prova prática. Mas engana-se. Quanto mais fala, mais evidencia a inconsistência das suas propostas e a triste e lamentável incoerência da sua liderança.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nós lançamos também um desafio ao Sr. Eng.º Guterres, à seriedade dos seus propósitos: das lacunas e omissões que vieram a revelar-se - e não por nós - existirem no célebre livro do PS sobre o património e interesses dos Deputados socialistas, diga-nos o Engenheiro Guterres que conclusões tirou, que responsabilidades exigiu e que consequências decorreram. Porque, até hoje, ninguém soube.
Não tirou quaisquer conclusões o Engenheiro Guterres? Não exigiu responsabilidades e consequências o Engenheiro Guterres? Porquê? Por laxismo? Porque o que importa é a simulação política, a girândola, o foguetório?
As novas e radicais regras de exigência, que o Engenheiro Guterres anuncia para os socialistas, terão o mesmo destino, o puro foguetório?
É pena que ele não esteja presente, Srs. Deputados socialistas... Mas estou seguro de que lhe farão um resumo.
Lastimamos, Srs. Deputados, que o Engenheiro Guterres se tenha transformado numa máquina falante, em que já ninguém acredita.
Se queremos maior transparência na vida política, temos de eliminar, desde logo, a primeira cortina de fumo: a do despique ético, de saber qual de nós é mais sério.

Aplausos do PSD.

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Porque, é evidente - nem poderia ser de outro moda-, a transparência e a seriedade da vida política suscitam as nossas preocupações comuns.
Por outro lado, Srs. Deputados, não nos parece que o momento mais propício para uma desapaixonada apreciação das matérias do estatuto dos políticos seja o de uma pré-campanha eleitoral. Mesmo assim, não recusaremos o debatei
Srs. Deputados, e, sobretudo, Srs. Deputados socialistas: As propostas do Engenheiro Guterres, se fossem afectadas, sem mais, conduziriam, a curto prazo, a generalidade dos políticos à deplorável situação de dependentes totais dos directórios partidários ou de pequenos tiranetes e caciques locais,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... incapazes de praticar uma profissão, de obter o sustento fora da política, acorrentados, de pés e mãos, ao jogo político e partidário.

Aplausos do PSD.

É nesse sentido que os socialistas desejam caminhar? Esta é uma boa pergunta e uma boa ocasião para os senhores que tanta desenvoltura sempre têm no verbo mas tão timoratos são perante as questões concretas, responderem.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Os senhores querem é manter os «tachos»!

O Orador: - Digam-nos: é este o caminho que oa socialistas desejam prosseguir?

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Acabar com os «tachos»? É!

O Orador: - O Engenheiro Guterres está decerto a pensar num grupo parlamentar socialista de funcionários públicos ou de profissionais do aparelho partidário. Em qualquer caso, o Engenheiro Guterres está decerto a pensas num grupo parlamentar de pessoas sem autonomia económica, destinado a uma subserviência total.
Srs. Deputados socialistas, deixem o Engenheiro Guterres decidir e ele fará dos socialistas um grupo deplorável de político-dependentes.
Ao contrário, Srs. Deputados, para nós, a profissão própria é a garantia mais sólida de independência e de Usura na esfera política.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não é uma garantia absoluta, que, aliás, não existe. Por isso, outras devem complementá-la. Mas nenhuma a substitui nem lhe equivale em solidez.
O próprio exercício de uma actividade profissional, Srs. Deputados, é uma garantia de ligação à sociedade e à vitalidade dos seus problemas, atenuando as inevitáveis tendências para a clausura na esfera do jogo estritamente político.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Entretanto, Srs. Deputados, não é rejeitável em absoluto, como é evidente, o regime da exclusividade. Ele impõe-se mesmo em determinadas esferas, nomeadamente na governativa ou noutras altas funções políticas. El« poderá mesmo ser benéfico na esfera parlamentar ou autárquica. Mas será, então, natural que se pondera em simultâneo o quadro das compensações e garantias económicas correspondentes.
Porém, sobre isto, o desenvolto Engenheiro Guterres não nos diz uma palavra. Fala da «Bela», que é a sua especialidade, mas não do «senão». E o Sr. Eng.º Guterres tem a virtualidade de andar sempre ao contrário.
Quando aqui foi aprovado o regime remuneratório dos cargos políticos, os socialistas, sem enjeitarem o ganho, reprovaram-no em votos. Argumentaram que o PSD aumentava as remunerações sem cuidar, em simultâneo, da globalidade do estatuto, sobretudo no tocante a incompatibilidades.
Mas que vemos nós agora? Os socialistas tratam das incompatibilidades, mas não da remuneração. Nada querem com o vil metal, mas ninguém vos acredita, Srs. Deputados!

Aplausos do PSD.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - É preciso «ter lata»!

O Orador: - Srs. Deputados socialistas, quero apenas fazer um comentário e dar um conselho, que não tinha previsto no meu discurso: a naturalidade é a mãe e a base de todas as credibilidades.
É por isso, Srs. Deputados, que se torna legítimo e imperativo - e, neste ponto, dirijo-me, sobretudo, aos Srs. Deputados socialistas - lembrar-vos que se não fosse a seriedade e a firmeza de convicções da maioria social-democrata, que, como os senhores se recordam, foi aqui sujeita à metralha mais despropositada, mais iníqua e mais injusta sobre a questão das remunerações dos cargos políticos, os Deputados, os Srs. Deputados socialistas - os senhores mesmos! -, ainda hoje, teriam as remunerações humilhantes e antidemocráticas (porque se destinavam mesmo a desacreditar os Deputados e a democracia) herdadas do tempo do PREC!

Aplausos do PSD

Fomos nós, Srs. Deputados, que rompemos com essa lógica de desacreditar o Parlamento, os Deputados e a democracia! Fomos nós que fizemos essa ruptura, uma ruptura positiva, no sentido de acreditar e de assumir publicamente o estatuto apropriado dos Deputados. Mas os senhores, em vez de nos terem acompanhado, sujeitaram-nos à mais inolvidável, surpreendente e iníqua das metralhas de acusação política! Não o esqueceremos! Lembraremos sempre esse momento lastimável das nossas relações políticas, porque, em vez de termos, uma vez mais, como noutras circunstâncias, conjugado esforços para tornar sólidos os alicerces do regime, os senhores abandonaram-nos nesse esforço, o que é deplorável. Espero que, hoje, os senhores lastimem esse momento de grave infelicidade da vossa parte.
Depois, o Engenheiro Guterres tem coisas que relevam sobretudo do caricato. Sem, ofensa, diria que ele tem da vida pública e política a visão do «pato bravo» da construção civil.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - O Sr. Deputado conhece bem esse ambiente!

O Orador: - Eu fundamento e justifico, porque não faço afirmações infundadas e muito menos gratuitas. Vou citar o Sr. Eng.º Guterres, pelo que peço o vosso silêncio, ao menos para ouvirem a citação do vosso secretário-geral.
Propõe ele, Srs. Deputados socialistas, que «aos presidentes de câmaras municipais não seja permitido o desempe-

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nho de funções remuneradas nos dois anos seguintes ao fim do respectivo mandato em empresas de construção ou promoção imobiliária, com acção no respectivo concelho».
Quer isto dizer, Srs. Deputados, que se o autarca for obsequiado numa empresa não de construção ou promoção imobiliária tudo se tornará, por força desse estranho elixir, em lisura, honestidade e transparência?
Uma pessoa interroga-se por que excluirá o Engenheiro Guterres destas incompatibilidades outras entidades e actividades, como, por exemplo, essa, embora novel, tão pujante indústria dos gabinetes de projectos e de candidaturas aos mais diversos fundos europeus.
A explicação, Srs. Deputados, não pode ser outra senão uma visão passadista do País e do mundo. A atentar no Engenheiro Guterres, tudo se passa como se o País fosse ainda e apenas construção civil e um enorme e infindável estaleiro de especulação imobiliária.
Nós desejamos debater com a maior serenidade e rigor as importantes questões do estatuto dos políticos, que respeitam à própria essência do regime democrático.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - As regras hoje em vigor no nosso país não constituem um sistema perfeito e acabado, como nenhum o é. Mas não nos desonra, como julgávamos que também era vossa convicção. Em termos comparativos, ele não é mais permissivo nem taxista que os demais das democracias europeias.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Falso!

O Orador: - Aliás, algumas propostas do Engenheiro Guterres são apenas poeira, porque elas já hoje têm acolhimento, na sua substância, no regime legal em vigor.
Uma reflexão, é evidente, Srs. Deputados, deve ter lugar permanentemente. Novos problemas, novas relações com a sociedade, novas questões levantadas pela própria evolução dos meios de comunicação e do mecanismo da representação e da representatividade fazem destas matérias um debate de permanente actualidade.
Mas a própria bondade das soluções, na sua intransponível precaridade, implica sedimentação e alguma constância, Srs, Deputados socialistas!
Aliás, nós, PSD, temos orgulho no contributo que demos, com outros, e nomeadamente convosco, Srs. Deputados socialistas, para a arquitectura das actuais instituições, porque elas, embora imperfeitas, têm respondido de forma positiva aos grandes problemas do País e do regime democrático: a governabilidade, o pluralismo, a independência do poder judicial e a indesmentível liberdade da comunicação social, que constituem as duas mais sólidas garantias da transparência na esfera da acção política.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É por isso que quando o poder judicial actua, quando ele atinge políticos dos mais diversos quadrantes partidários, como tem acontecido, surpreende que o Engenheiro Guterres sinta mais necessidade em propor novas regras de bondade sobejamente duvidosa e mesmo de valor negativo para a solidez e vitalidade das instituições do que em apoiar e congratular-se com a força da acção e dos actos concretos.
O Engenheiro Guterres devia parar um momento para reflectir e ponderar. A continuar deste modo, Srs. Deputados, ninguém acreditará nele, presumo que nem os próprios companheiros de partido.
Ele diz mas não faz. Ele pensa uma coisa e o seu contrário. Ele tem a solução perfeita para tudo e, por isso, não tem a solução credível para nada!

Aplausos do PSD.

Repare-se: o Engenheiro Guterres, ainda há pouco, chamava ao BPA (Banco Português do Atlântico) o «banco laranja, o banco do PSD». Mas agora foi ao Porto e, de súbito, descobriu a sua simpatia pela núcleo duro dessa alegada «laranjada».

Risos do PSD.

E não o ouvimos dizer uma palavra - para surpresa nossa, tão atento ele está sempre a tudo que acontece, mesmo à mais pequena miudeza - sobre o caso da operação Champallimaud. Porquê? Os senhores sabem, Srs. Deputados socialistas? Espero que nos digam.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Já disse! Está desatento!

O Orador: - Porque o velho senhor manifestou a sua simpatia por Sampaio presidenciável. Cala-se por pouco o Sr. Eng.º Guterres, cala-se por pouco, Srs. Deputados!
Alguém, incluindo os Srs Deputados socialistas, é capaz - aqui ou fora deste Hemiciclo, sobretudo fora dele, de norte a sul do País - de, com o mínimo de segurança, dizer qual seria a política de um eventual governo Guterres? Que papel estaria destinado a Gomes? Qual o peso reservado para Sampaio? Que influência caberia, por direito próprio, a Gama? Que bens herdaria o jovem Soares?
Ninguém, ninguém, Srs. Deputados, é capaz de responder com o mínimo de segurança a estas interrogações!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nem o próprio Engenheiro Guterres decerto será capaz de responder a estas interrogações, incapaz que tem sido de construir a sua própria autonomia no quadro do jogo barónico do seu partido e do seu próprio credo.
O Engenheiro Guterres afirma que «tem indicações seguras de que os comportamentos fraudulentos tendem a generalizar-se no interior do regime» e que, por isso, mesmo que o PSD não as aceite, aplicará as novas regras aos socialistas, fazendo delas lei dentro do PS.
O Engenheiro Guterres mede o alcance efectivo das suas afirmações ou elas destinam-se a que, uma vez mais, o não levem a sério? Os comportamentos fraudulentos generalizaram-se dentro do regime?
E o que é o regime, Srs. Deputados? O que é o regime a que se refere o Sr. Eng.º Guterres? Espero que os senhores me respondam ou que, entretanto, telefonem ao Engenheiro Guterres para obterem a resposta. O que é o regime? Perguntem-lhe o que é o regime. As instituições políticas apenas? Também as magistraturas? A Administração Pública? O sector empresarial do Estado? O conjunto da economia e da sociedade? Telefonem-lhe e perguntem-lhe porque gostaríamos de ter, ainda hoje, aqui, estas respostas.
Srs. Deputados socialistas, é a própria ambiguidade do discurso do Engenheiro Guterres que começa por ser intelectualmente fraudulenta, o que não e decerto o melhor prenúncio para um combate sério à fraude.
Será certo que se generalizou, a acreditar nas informações seguras do Engenheiro Guterres, o comportamento fraudulento no Grupo Parlamentar do PS? Ou no seio dos seus autarcas, visto que, com certeza, pertencem ao regime? Ou

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na presidência da República? Porquê excluí-la? Ou entre os gestores públicos socialistas? Espero que os senhores nos respondam, hoje, aqui, a estas interrogações que são legítimas e suscitadas pelo próprio discurso do vosso líder.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nós recusaremos, sem cedências, deixar arrastar o debate político para o domínio de afirmações tão levianas e que, é nossa firme convicção, não correspondem à realidade. E os senhores responderão, hoje, aqui, se nós estamos enganados ou não quando dizemos que é nossa firme convicção que as acusações e afirmações do Engenheiro Guterres não correspondem à realidade.
Existem fraudes e comportamentos fraudulentos em todas as áreas. Por isso existem as leis, que fizemos conjuntamente, para as prevenir e punir, tal como existe um poder judicial que nos merece toda a confiança e em que acreditamos. Sobretudo, acreditamos tanto mais nesse poder judicial quanto mais actua, porque é essa a sua missão: actuar!
Mas é falso que os comportamentos fraudulentos tendam a generalizar-se. Pelo menos, por nós falamos; por vós, falareis. É falso que os comportamentos fraudulentos tendam a generalizar-se no Grupo Parlamentar do PSD, nos autarcas do PS, no Governo e estamos convencidos de que, no próprio País. É falso que esteja a dar-se um fenómeno de generalização dos comportamentos fraudulentos, não apenas pelas virtudes expontâneas da cidadania de cada um mas também pela política que a maioria social democrata tem seguido.

Risos do PS.

Pelo contrário, Srs. Deputados, em vez dos vossos risos, tem relevado e sido colocada em evidência, em diversas e difíceis circunstâncias, a nossa posição de intransigência absoluta em relação à fraude. E esse, sim, também tem sido um factor da sua diminuição e não do seu alastramento, como diz o vosso líder. Mas os senhores responderão por vós mesmos relativamente aos vossos sectores, que melhor conhecem do que os meus.
Por nós, afirmamos, sem qualquer reticência: é falso que haja uma generalização dos comportamentos fraudulentos no campo político a que pertenço. Os senhores responderão relativamente ao vosso campo político e espero que confirmem ou desmintam o vosso secretário-geral.
Srs. Deputados, queria lembrar-vos isto porque é politicamente verdadeiro e de elementar justiça: nem o clima pré-eleitoral que já vivemos tem abrandado a firmeza da maioria social democrata neste ponto fulcral, o da transparência. Um dos últimos exemplos foi o das dívidas ao fisco e à segurança social e surpreendentes, isso sim, Srs. Deputados socialistas, foram as vossas dúvidas e tergiversações.
O discurso é bem o forte do vosso secretário-geral e, pelos vistos, tanto vos está a influenciar; o discurso é o vosso forte, Srs. Deputados socialistas, mas a acção a vossa fraqueza. De qualquer modo, ainda hoje os Srs. Deputados socialistas vão ter ocasião de um rasgo de ousadia e de responder, sem gaguejar, às perguntas que vos formulei.
É estranho o radicalismo da afirmação do Engenheiro Guterres acerca da generalização dos comportamentos fraudulentos. Esse radicalismo contrasta, como é evidente, com a macieza da sua atitude e da sua acção que, uma vez mais, apenas o desacredita.
Há aqui, para surpresa nossa, aquilo a que chamaria um relampejo de Manuel Monteiro; o mesmo radicalismo dos desesperados, a mesma inconsequência dos demagogos.
Se os comportamentos fraudulentos tendem a generalizar-se, se o Engenheiro Guterres tem sobre isso informações seguras, como pode ele guardá-las para si? Outra pergunta que, espero, tenha resposta aqui, hoje, da vossa parte.
As informações seguras do Engenheiro Guterres devem ser dadas a conhecer ao País, a todas as instituições competentes do Estado e, desde logo, ao Parlamento. Ele não pode guardar para si essa ciência e esse testemunho, ele tem a obrigação moral, cívica e política de, publicamente, denunciar o que conhece, pelo menos nos seus contornos mais concretos, mesmo que salvaguarde referências de ordem pessoal, que não podem constituir álibi para a irresponsabilidade.
Tem, pois, da nossa parte também, um desafio o Sr. Eng.º Guterres: fale claro e esclareça o País. A transparência começa aí.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Alberto Costa, Manuel Queiró, José Vera Jardim e José Lei Io.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Marques, há cerca de dois meses, o actual Presidente do Grupo Parlamentar do PSD apontou para um grande debate sobre esta temática. Depreendo que. estando a terminar os dois meses que, na altura, foram apontados, a peça de V. Ex.ª seja o prato forte do PSD nesta matéria
Convenhamos que é pouco para a natureza dos problemas que hoje se colocam, nomeadamente a VV. Ex.ªs, porque, quando o Sr. Deputado Silva Marques subiu àquela tribuna para debruçar-se sobre esta matéria, poderíamos esperar que dissesse: «Ainda não estou de acordo com o novo pensamento do Deputado Duarte Lima sobre esta matéria. Não, mantenho-me ainda na minha convicção anterior».
Esperaríamos também que V. Ex.ª viesse dizer: «Não estou de acordo com a proposta que o membro do Governo que o representa habitualmente nesta Câmara sustenta politicamente na sua comissão distrital, nomeadamente propondo a publicidade dos rendimentos, patrimónios e interesses. Não estou de acordo ainda com esse ponto de vista, que considero dissolvente ao fazer o jogo do Sr Eng.º Guterres».
V. Ex.ª não disse nada disso e veio fazer aqui, ao estilo habitual do PSD, uma redacção sobre as declarações do Engenheiro Guterres. Convenhamos que para a natureza do tema é muito pouco e a sua intervenção traduz o grande desnorte de um partido que ainda governa mas que, sobre esta matéria, tem, ao mesmo tempo, diversos pensamentos, que sustentou ao longo dos dois últimos anos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Elementos da direcção do Grupo Parlamentar do PSD, dos mais destacados, já defenderam a publicidade dos rendimentos e outros deixaram de o defender. E, agora, sobre esta matéria, depois de o PSD ter prometido um grande debate, passados dois meses, a resposta é rigorosamente zero.
Mas o PSD também mostra, no meio de toda esta contradição e de todo este desnorte em relação a posições passadas e a posições presentes de alguns dos seus membros mais destacados, nomeadamente membros do Governo, estar dissociado e ignorante dos debates em profundidade que sobre esta matéria se processam em democracias à nossa volta. E quando VV. Ex.ªs e o Sr. Deputado Silva Marques em particular, de uma maneira que me atrevo a classificar

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de leviana, diz que as nossas regras são tão exigentes como as de outras democracias, esquece que em muitas delas vigoram hoje, nomeadamente sobre matérias que aqui levianamente criticou, regras francamente mais exigentes. Estou a pensar nas imobiliárias, em todos os exemplos de que V. Ex.ª fez motivo de chacota mas que noutras legislações de democracias com dezenas e centenas de anos aparecem expressamente descriminadas sem que ninguém se tenha lembrado de dizer que são ridículas.
V. Ex.ª não pode esquecer que nas democracias europeias esta temática é encarada, hoje, em profundidade e com seriedade. E o que hoje separa os partidos - e é preciso transmitir isso com clareza - é a atitude de seriedade com que aceitam discutir a fundo estas matérias e introduzir novas garantias e padrões de exigência. V. Ex.ª mostrou aqui um interesse particular pela temática dos vencimentos mas não disse, em matéria de registo de interesses, qual era o pensamento do seu partido. Do mesmo modo, em matéria de incompatibilidades, também não disse qual era o seu pensamento.
Aliás, um pensamento político que diz ou subentende que nessa área interessa discutir os vencimentos mas não o registo de interesses é um pensamento amputado, que não está à altura das questões que, hoje, se colocam neste domínio.
Sr. Deputado Silva Marques, V. Ex.ª, em vez de dar um contributo para uma questão séria, referiu aqui «máquinas falantes» e alegou que estaria farto das declarações do Sr. Eng.º Guterres; porém, penso - e há todas as razões para pensar assim - que o País está farto de abordagens do género da que o Sr. Deputado aqui trouxe, assim como de outros discursos e outras personagens. É esse o lado mais saliente da actualidade política. Destas matérias e destas posições, a opinião pública não está farta, a opinião pública requer novas regras mas isso não deve ser para nós o fundamental. O fundamental deve ser que a nossa própria consciência requer novas exigências deontológicas, novas regras, para que não nos assemelhemos todos indistintamente uns aos outros, independentemente da forma como cuidemos dessas regras e como observemos os valores que elas devem transportar.
É importante que todos os corpos da sociedade tenham regras exigentes e saibam lutar por elas e a classe política só se prestigiará se tomar a dianteira da introdução de novos padrões e de novas exigências, nomeadamente regras que separem o público do privado, que limitem o terreno permeável ao tráfico de influências e que permitam que os cidadãos olhem para as instituições com confiança. E isto atingido, Sr. Deputado, depois de todas a tergiversações e de todas as mudanças de opinião documentadas dos últimos anos, perguntar-lhe-ia: quantos arrependimentos serão precisos para que o PSD, finalmente, aceite a constituição de um registo público de interesses, onde todos os cidadãos tenham acesso às declarações de interesses, património e rendimentos dos políticos? Quantos arrependimentos, Sr. Deputado Silva Marques? De um já temos conhecimento; de quantos mais vamos precisar?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, havendo mais oradores inscritos para pedidos de esclarecimento, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Silva Marques (PSD): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Marques: A questão de fundo que devia ser a preocupação exclusiva deste nosso debate é demasiado importante para que o Sr. Deputado faça referências ao presidente do meu partido ou eu faça referências ao presidente do seu, porque não vêm a propósito e até porque a demagogia de quem fala é muito inferior à de quem cala, sobretudo se os níveis de responsabilidade são muito diferentes.
E nem sequer vou pegar nas suas palavras para reclamar anterioridades ou paternidades nesta matéria. Queremos estar acima das querelas do Sr. Deputado com outros partidos ou líderes partidários, pois o que nos preocupa é a defesa da classe política e o Sr. Deputado concordará que é muito mais simples, eficaz e, sobretudo, muito mais transparente, eliminar a ocasião do que perseguir este ou aquele ladrão.
Não quero viver num país vigiado pela imprensa e fiscalizado pela Procuradoria-Geral da República, mas para que não vivamos nesse país é necessário que a democracia saiba construir um estatuto da função política e é isso que nos mobiliza há muito tempo e suficientemente longe das campanhas eleitorais. Aliás, é essa preocupação que nos devia mover, não transformando um debate sobre esta questão numa querela político-partidária já motivada de vários lados pela proximidade das eleições ou pela mobilização, agora sim, das demagogias.
Sr. Deputado, o apelo que deixamos é que estas ocasiões que se nos deparam possam ser o momento para que não só o problema das incompatibilidades mas também o das remunerações, o da ligação da função política a um sistema de segurança social (na idade da reforma bem entendido), o da criminalização dos políticos, enfim, todos eles, possam ser integrados num estatuto da função política que a prestigie, que a defenda de suspeitas e que defenda o regime democrático. Para isso, estamos abertos; para transformar isto numa querela, não conte connosco, não estamos de todo interessados.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento já formulados, por assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Queiró: Há duas hipóteses, dizer-lhe exactamente o que penso ou não dizer. Mas eu digo exactamente o que penso porque é esse o estatuto do debate político. O Dr. Manuel Monteiro já mentiu publicamente várias vezes acerca do Estatuto dos Deputados, afirmando em público que um deputado, ao fim de oito anos, tinha uma reforma por inteiro. Já o disse várias vezes em público e na televisão. Mentiu!

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado Manuel Queiró, volto ao tal dilema, se calhar «hamletiano», porque há ocasiões em que o indivíduo fica mesmo na dúvida sobre se deve responder ou não. Mas eu penso que sim, que na dúvida uma pessoa deve responder e dizer o que pensa. Por isso, o senhor tinha que ouvir isto da minha parte.
Aliás, devo dizer-lhe que é difícil encontrar maior humilhação para a instituição parlamentar do que tentar denegri-la por uma via tão inaceitável, tão reprovável e tão desonesta! E não lhe digo mais porque não quero ferir, nem

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sequer de forma indirecta ou por qualquer laivo, 9 Vossa respeitabilidade de Deputados, mas o Dr. Manuel Monteiro tem-nos humilhado a todos, humilhando-vos a vós, Tem-nos humilhado a todos nós...
Sr. Deputado Alberto Costa, hoje não tenho aqui versos de Mário de Sá Carneiro, mas não se sabe se os direi, porque os sei de cor!

O Sr. Alberto Costa (PS): - Hoje também não os usei!

O Orador: - Hoje, vamos ao estatuto dos políticas, que não permite devaneios poéticos.
Sr. Deputado, em primeiro lugar, devo dizer-lhe que eu, Silva Marques, mantenho exactamente a minha opinião, situada no debate interno do meu partido em que tenho participado e continuarei a participar - aliás, nada mo Custa cometer esta inconfidência! Assim, mantenho exactamente a mesma tese, ou seja, sou contra a publicidade obrigatória, em primeiro lugar, porque ela não existe em todos as países. Mas, repare, não sou contra o registo e não vale a pena discutir comigo sobre questões pacíficas.
Sou a favor do registo, mas sou contra a publicidade obrigatória e vou-lhe dizer porquê, procurando ser sintético. Em primeiro lugar, gosto sempre fazer comparações com os outros que, aliás, têm democracia há mais tempo, o que não quer dizer que tenhamos que fazer igual, só que a comparação ajuda.
Ora, nem em todos os regimes é obrigatória a publicidade. Mais: na generalidade não é e há-de haver alguma prudência nisso. Devo dizer que, por maioria de razão, sou contra a publicidade obrigatória no nosso país, pois temos uma tradição cultural que, em tudo, desaconselha essa medida, Sr. Deputado, já reparou o ónus que é, na nossa tradição cultural, obrigar um cidadão, que é pobre, admitir publicamente a sua pobreza?! É um opróbrio, é quase uma humilhação!

O Sr. Alberto Costa (PS): - Na vossa democracia de sucesso, sim!

O Orador: - Porque é que se há-de obrigar um pobre a ter que expor publicamente a sua pobreza?! Os senhores raciocinam ao contrário porque só pensam nos capitalistas: «é preciso obrigar os judeus cheios de arcas de juro a mostrá-las...

O Sr. Alberto Costa (PS): - Já viu que isso vem na proposta do Deputado Pacheco Pereira?!

O Orador: - ...e, por isso, vai-se obrigar à publicidade.» Mas os senhores só querem ricos aqui no Parlamento, não pensam nos pobres?! E estão os senhores predispostas a obrigar os pobres a exibirem publicamente a sua pobreza?! Porquê?! Porque «carga d'água», porque malvadez ou porque cegueira política, Srs. Deputados, que é sobretudo isso?! Os senhores estão cegos por este pequeno jogo político-partidário, por esta espuma da conjuntura política,...

O Sr. Alberto Costa (PS): - O Secretário de Estado também está cego?!

O Orador: - ... como tantas vezes têm sido obcecados por esta luta do imediatismo político, mas eu mantenho, exactamente por isso, a minha posição. Repito, Sr. Deputado, sou a favor da abertura desse registo, desde que por fundamento institucionalmente verificado e confirmado, desde que haja razão para abrir essa reserva de registo - por exemplo, por razões judiciais, de prossecução da justiça ou por razões fundadas e não por curiosidade mesquinha. Seria o último a aceitar que os Deputados fossem obrigados a sujeitar-se à devassa da pequenez e da mesquinhez humana, que é muita! A minha posição é, pois, muito clara.
Gostava de saber se V. Ex.ª acha que se deve obrigar um pobre a exibir publicamente a sua pobreza e se se deve obrigar um Deputado a ficar sujeito à devassa da curiosidade mesquinha e mórbida, para já não dizer à devassa dos seus inimigos especiais. O Sr. Deputado tem de responder a estas questões!
Sr. Deputado, como vê, deste lado da fronteira política existe um povo livre, que pensa e se exprime, o que não acontece desse lado, porque muitos dos Deputados do PS concordam comigo mas estão calados.
Quem concorda comigo, levante a mão!

Risos do PSD.

Não há um que levante a mão!

Aplausos do PSD.

Srs. Deputados, só mais duas coisas.

O Sr. Presidente: - Peco-lhe que termine, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Alberto Costa, V. Ex.ª não se interessa pela questão que levantei no meu discurso e que tem a ver com o risco da funcionalização dos políticos?

Vozes do PSD: - Essa é que é a questão!

O Orador: - Essa é a questão fundamental!
Vale a pena discutir a transparência, as regras do Sr. Deputado António Guterres e escamotear esta questão? Diz que estes temas estão 9 ser discutidos - o que é verdade! -, mas, como não os aborda, parece que os desconhece!... Afinal de contas, V. Ex.ª só ouviu falar de que algures está a discutir-se esta questão mas não sabe o que é que está em causa.
Sr. Deputado, a tendência dos parlamentos europeus é a de haver uma funcionalização dos políticos e essa é que é a desgraça da própria democracia.
Queria colocar ainda outra questão, que é esta: VV. Ex.ªs acham que os políticos devem ficar impedidos de exercer actividades económicas enquanto cumprem o seu mandato.

Vozes do PS: - V. Ex.ª não leu nada!

O Orador: - Digam-me, então, quais são as vossas novas regras, as vossas novas exigências.

Protestos do PS.

Aguardem um momento, pois só quero colocar-vos uma questão e saber a vossa resposta.

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Em relação à exclusividade ou não, os Srs. Deputados abordam esta questão com uma certa ligeireza, achando que para um advogado, um médico, um carpinteiro é fácil abandonar a sua profissão durante oito..

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Vozes do PS: - Isso não está escrito!

O Orador: - O Sr. Deputado António Costa, que fez a prova do burro e do Ferrari, tem de ter calma! Acompanhou o burro, mas agora está muito apressado... Tenha calma!

Risos do PSD.

Por exemplo, o Deputado António Guterres tem no seu registo público «director suspenso do IPE», o que significa que tem um lugar à sua espera quando deixar de ser Deputado. Pergunto: quanto é que isso vale, Srs. Deputados, no registo de interesses? Quanto é que atribuem a um médico para dar-lhe a mesma compensação, para ter o correspondente...

Protestos do PS.

Os senhores já me conhecem e sabem perfeitamente que não me desvio das questões.

O Sr. Presidente: - Tem de concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Relativamente à questão que coloquei de saber se, de facto, no País, no regime (portanto, também no vosso campo político), existe uma tendência generalizada de comportamentos fraudulentos, quero perguntar-lhes se confirmam ou não a afirmação do Sr. Deputado António Guterres. O Sr. Deputado Alberto Costa não abordou esta questão fundamental, mas espero que ela ainda venha a obter uma resposta da vossa parte.

Aplausos do PSD.

O Sr. Manoel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, gostaria de dizer ao Sr. Deputado Silva Marques - o qual, não obstante o que já lhe disse, voltou à carga - que se a sua questão tem a ver com a totalidade ou apenas com uma parte da reforma, não me custa nada dar-lhe razão.

Vozes do PSD: - Como se isso fosse irrelevante...

O Orador: - Se esse foi, realmente, o motivo da sua catulinária, posso dar-lhe razão.
No entanto, V. Ex.ª tem de dar-me razão num outro ponto, que é este: o problema vai ter de ser resolvido perante a opinião pública! Ora, o Sr. Deputado só muito dificilmente conseguirá justificar por que é que parte ou a totalidade da reforma é atribuída a titulares da função política fora da idade da reforma quando não é isso que acontece com todos os cidadãos.
Gostaria de ouvir o Sr. Deputado acerca da disponibilidade da vossa bancada para resolver este problema de uma vez por todas e de uma forma consensual.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma interpelação à Mesa feita anti-regimentalmente bloqueia o diálogo parlamentar.
Assim, pedia aos que querem exercer a figura de defesa da consideração que aguardem por um momento próprio, a fim de se preservar o debate parlamentar.
Não vou, pois, dar a palavra ao Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, fui interpelado pelo Sr. Deputado Silva Marques, pelo que queria dar uma resposta à matéria que ele aqui introduziu. De resto, creio que o debate parlamentar só ganharia com isso.

O Sr. Presidente: - Dou-lhe a palavra no fim do debate, Sr. Deputado, para poder dar essas respostas.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa num sentido regimental.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr Presidente, ao longo da sua intervenção o Sr. Deputado Silva Marques utilizou - e abusou! - várias vezes uma afirmação que o Secretário-Geral do PS teria feito, o que não corresponde à realidade. Tenho aqui o texto e aquilo que o Sr. Deputado disse é totalmente falso! Portanto, vou ler o parágrafo...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, pedia-lhe que o enviasse ao Sr. Deputado Silva Marques...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, para quem está a participar nesta discussão é muito importante saber o que é que foi dito.

O Sr. Presidente: - Peco-lhe, então, para ler esse parágrafo e nada mais.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - É o seguinte: «Está hoje posta em causa na sociedade portuguesa a confiança entre governantes e governados. Criou-se um clima de suspeição generalizada em torno de todos aqueles que exercem responsabilidades políticas em Portugal.»
Não foi isso que o Sr. Deputado Silva Marques disse, pelo que tem de ser rigoroso...

Vozes do PSD: - Não é isso! Não é essa parte! Foi na resposta que deu!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontra-se na tribuna de honra o Sr. Presidente da Assembleia da União da Europa Ocidental, Sir Dudley Smith.
Em nome da Câmara, apresento os nossos cumprimentos.

Aplausos gerais.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Marques, compreendemos a dificuldade que o PSD tem demonstrado, de alguns meses a esta parte, em ter uma posição clara sobre esta matéria. Temos alguma abertura para isso, porque o PSD não se encontra numa posição muito favorável para ter posições claras sobre o que quer que seja. Em todo o caso, começamos a estar fartos disto!
Há uns meses atrás, o PSD dizia: «o registo de património, rendimentos e interesses abre-se durante um mês»;

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meses depois disse: «estamos dispostos a que as declarações de IRS possam vir a ser abertas», o que é uma pequena contradição porque, infelizmente, em Portugal, os pobres também pagam IRS. Portanto, não seriam só os políticos pobres que teriam de mostrar a sua pobreza publicamente (essa era a preocupação do Sr. Deputado) mas também os pobres na generalidade, o que ainda deve preocupar mais o Sr. Deputado.
Hoje, V. Ex.ª, em resposta a uma série de propostas que apresentámos, veio dizer não se percebem bem e, nessa sentido, queria colocar-lhe cinco questões.
Primeira: concorda ou não que os Deputados prestem serviços remunerados ao Governo, aos seus órgãos dependentes e às autarquias?
Segunda: concorda ou não que os Deputados intervenham directamente em negociações com o Governo da com entidades do sector público?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Terceira: concorda ou não que os ministros saiam dos ministérios para ocupar lugares nas empresas que tinham sob a sua tutela?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quarta: concorda ou não que os presidentes das câmaras municipais continuem a ser autorizados a exercer funções profissionais remuneradas enquanto estiverem a exercer o seu mandato?
Quinta: concorda ou não que um presidente de uma câmara municipal ou um vereador a tempo inteiro venha depois do mandato a exercer funções em empresas imobiliárias da construção civil e em empresas que tenham prestado serviços relevantes a essa autarquia?
Estas são as nossas propostas e é a estas questões que o Sr. Deputado tem de responder.
Na sua intervenção, V. Ex.ª não respondeu a nenhuma questão e esteve a achincalhar um debate que é essencial para lançar os alicerces da vida democrática deste país.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Marques, fiquei impressionado com a sua sensibilidade face à questão da ostentação da pobreza. Eu, pecador me confesso, ostentei a minha neste livro, mas constato que o Sr. Deputado já satisfez o seu «voyeurismo», pelo que não tenho de oferecer-lho.
Tenho apreço pessoal, estima e simpatia por V. Ex.ª, mas não posso deixar de dizer que o Sr. Deputado, na Assembleia da República - honra seja feita à sua coragem política e è sua consabida queda para a teatralidade -, é um misto de kamikaze da bancada do PSD, vai a todas, tipo suicidário, bombeiro voluntário de serviço, guarda da revolução de Khomeiny. Nisso é óptimo e merecia até mais subsídios do que a Torloni...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Se a agenda do PS tem a ver com a questão da transparência política, com a reforma do sistema político ou com a clarificação das regras e o registo dos interesses, o PSD quanto a isso nada diz. E, para embaralhar, manda o Sr. Deputado Silva Marques usar da sua manifesta capacidade de empolar o acessório para nada dizer do essencial.
Portanto, para além da sua perlenga- sem ofensa, Sr. Deputado -, para além das questões que aqui foram levantadas pelo meu camarada José Vera Jardim e se não lhes quiser responder ponto por ponto, peco-lhe que diga apenas e só: está ou não o PSD disposto a rever, com o PS, o enquadramento da definição de interesses e da transparência da actuação dos agentes políticos? É tão simples quanto isso e é disso que se trata, Sr. Deputado, da transparência!
A questão posta pelo Engenheiro Guterres não tinha a ver com a sua obcessão, nos termos em que a pôs, da exclusividade, mas, sim, com uma questão tão simples como é a da transparência. Aliás, pergunto-lhe também o que é que diz o Sr. Deputado Silva Marques à proposta do PSD-Porto e do Dr. Luís Filipe Menezes para que os rendimentos fossem publicados no Povo Livrei E o que é que diz o Sr. Deputado Silva Marques à moção que, passo aqui a citar, publicada na primeira página do jornal Público, «aponta regras em matéria de transparência dos rendimentos dos políticos e propõe o aprofundamento do regime de incompatibilidades e a limitação do âmbito do exercício de actividades profissionais após a cessação de funções políticas»? Isto é algo que o Engenheiro Guterres já tinha dito antes.
Portanto, Sr. Deputado, afinal, percebi a base da sua intervenção. O Sr. Deputado disse que estava farto do Engenheiro Guterres. Fartou-se depressa, para quem terá tempo de se fartar dele! Farto está o País do Sr. Professor, esse mesmo que, para se ir embora, não precisou de «cair da cadeira», bastou apenas e só fartar-se, ao que consta, do PSD e, por alargamento, também do Sr. Deputado Silva Marques, o que é manifestamente injusto para com o Sr. Deputado, que gostamos imenso de ter aqui porque sempre nos diverte muito.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques, a quem peço para não ultrapassar os cinco minutos de que, regimentalmente, dispõe.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, depois deste estilo dado pelo Sr. Deputado José Lello, não resisto.
De qualquer modo, aproveito a oportunidade para dizer ao Sr. Deputado Ferro Rodrigues, que, há pouco, estava a reclamar tanto e a dizer que eu não estava a ser rigoroso nas minhas referências às propostas do Engenheiro Guterres, que fui confirmar aos textos e, entre outras, vem aqui,...

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Estão aqui!

O Orador: - O Sr. Deputado pode desmentir, se assim o entender... Aliás, hoje, o Engenheiro Guterres vai ter dificuldade em explicar-vos tudo, porque os senhores não conseguem acertar com o pensamento dele. Na verdade, devo dizer que é muito difícil acertar com o pensamento do Engenheiro Guterres, porque ele está sempre «em pêndulo»! Repare, uma das propostas é esta. «Os presidentes de câmaras municipais e vereadores a tempo inteiro são excluídos do exercício de quaisquer outras actividades remuneradas durante os seus mandatos». Então, porque é que reclamaram?

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Não é nada disso!

O Orador: - Pois é esse o problema e eu sou contra!

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - É contra?!

O Orador: - Exacto! Sou contra este excesso! E os senhores deviam ser capazes de discutir argumentos contra argumentos, porque isso é que seria um debate útil, que os senhores dizem tanto desejar.

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Aliás, ainda gostava de saber se o Sr. Deputado do burro e do Ferrari, de facto, pensa que eu não tenho razão, porque o seu sorriso leva-me a admitir que o senhor é dos tais que não tem a ousadia de levantar a mão... Agora, levantou-a e espero que seja para concordar comigo!

Risos do PSD.

Os senhores não podem iludir as questões. Há pouco abordei os assuntos fundamentais. Quanto vale um lugar de director do IPE à nossa espera?

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Isso vem publicado!

O Orador: - Aproveito para responder ao Sr. Deputado José Vera Jardim dizendo que, quando fala, não aborda uma questão elementar, mas eu obrigo-o a abordá-la, se o senhor quiser responder-me.

v O Sr. José Vera Jardim (PS): - Responda às questões!

O Orador: - Sr. Deputado José Vera Jardim, quanto é que o Sr. Deputado, como advogado, precisa de amealhar para constituir um pecúlio suficiente que constitua uma garantia sólida equivalente a um lugar vitalício numa alta esfera da Administração Pública? Responda-me, por favor! Quantos anos é que o senhor tem de trabalhar e poupar para constituir um pecúlio, um seguro de vida, correspondente à segurança de um lugar que nos espera tranquilamente para o momento em que deixemos de ser Deputados? Esta é uma questão fulcral e o debate não vale nada se os senhores escamotearem a pergunta. Está é a questão! O resto são redondilhas gratuitas e inúteis.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Responda às questões!

O Orador: - Respondendo às suas questões, Sr. Deputado, já disse que sou contra a exclusividade dos presidentes de câmara. O regime actual é muito razoável e admite a exclusividade como admite a actividade simultânea. Fui presidente de câmara e devo dizer que, cada vez mais, sou adepto da manutenção de uma actividade profissional.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Isso é que é ter tempo!

O Orador: - Sou contra a facilidade da profissionalização dos políticos, mas os Srs. Deputados socialistas assumirão, decerto, essa vossa tese. Os senhores dirão ao País, e o País ficará a saber - espero que a comunicação social tome boa nota - que os socialistas são a favor, sem qualquer reticência, de uma funcionalização dos políticos...

Vozes do PS: - É mentira!

O Orador: - ... e de uma tendencial exclusividade das suas funções.

Aplausos do PSD.

Vozes do PS: - É mentira!

O Orador: - Não é verdade?

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Não!

O Orador: - Então, digam o contrário, rebatam as minhas teses!
Sr. Deputado José Vera Jardim, várias das suas perguntas já têm resposta na legislação actual. Não concordo que possam conciliar essas actividades...

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Quais?

O Orador: - Algumas das questões que o Sr. Deputado colocou já têm resposta! Repare: hoje há incompatibilidades no domínio da prossecução de interesses pleiteando contra o Estado...

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Não é isso! Não é contra, é ser advogado do Estado, por exemplo!

O Orador: - Quanto a ser advogado do Estado, pessoalmente, penso que um Deputado não deve ser advogado do Estado.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Muito bem!

Aplausos do PS.

O Orador: - Exacto! Meu Deus, porque é que os senhores não me batem palmas mais vezes? O que é que vos surpreende?
Mas vamos esclarecer um ponto, Srs. Deputados: o que é que estamos a fazer? Estamos a fazer um debate ou a fixar matéria? Querem ou não um debate? Se sou livre e se vos respondo livremente, o que é que vos amofina? Afinal de contas, o que é que vos preocupa? É um bom debate político? É serem capazes de me «bater» sem tergiversar as verdadeiras questões ou querem, pura e simplesmente, uma guerrilha partidária inócua e inconsequente?

O Sr. José Vera Jardim(PS): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado e advogado do povo, neste caso concreto, não advogado do Governo!

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Deputado Silva Marques, admito que V. Ex.ª esteja a fazer várias confusões, porque as nossas propostas nada têm a ver com uma funcionalização.

Vozes do PSD: - Têm, têm!

O Orador: - Têm o efeito!...

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Já agora, deixe-me terminar. Sr. Deputado, dou-lhe um exemplo: um advogado - V. Ex.ª talvez tenha dificuldade em perceber isto...

O Orador: - Quantos anos é que um advogado tem de trabalhar para constituir um pecúlio igual ao de ter o lugar de director do IPE?

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Deputado, um advogado pode trabalhar para muitas entidades sem ser o Estado, as regiões autónomas e as autarquias e nós não o proibimos de fazer isso! Pode trabalhar para muitas entidades, desde que não tenha de fazer negociações com o Estado!

O Orador: - Sr. Deputado, mas eu respondi...

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Então, V. Ex.ª entende que isto é funcionalizar? Não! Isto é introduzir mínimos

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éticos na função de Deputado e na separação entre os: interesses privados e os interesses públicos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, já lhe disse que, nesse ponto, penso que, realmente, deve haver uma incompatibilidade!

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Está de acordo? Muita bem!

O Orador: - Agora, o senhor tenha a ousadia de me responder às questões que lhe coloquei. Ainda não me respondeu a uma questão fulcral, a do pecúlio, que é uma questão decisiva! É por isso mesmo que dizemos que, se nos excedemos nas exigências das incompatibilidades, condenamos, a curto prazo, os políticos a uma situação de funcionários públicos, de pessoas que têm um lugar vitalício à sua espera! O senhor não escamoteie esta questão, que é fulcral, ou, então, diga-me quantos anos é que tem de trabalhar para constituir um pecúlio que lhe permita estar aqui, tranquilamente, 20 anos, sabendo que depois pode continuar a viver decentemente!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que termine.

O Orador: - Sr. Presidente, vou terminar rapidamente.

O Sr. Presidente: - Tem mesmo de terminar.

O Orador: - Sr. Presidente, excedi um pouco, mias penso que estou dentro de um equilíbrio de excessos, visto que os outros Srs. Deputados terão também excedido o seu tempo.

O Sr. Presidente: - Ninguém é bom juiz em causa própria, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, permita-me mais algumas perguntas, porque não queria deixar «escapar» este socialista tão ousado, que, de facto, é capaz de me aplaudir.
Sr. Deputado José Vera Jardim, o senhor acha razoável que, dentro de um princípio de transparência da declaração dos rendimentos, seja aceitável que quem tem carro disponível para uso pessoal o não declare? Vi vários políticos ousadíssimos dizerem «ganho tanto», «ganho tanto», «ganho tanto» e alguns até declararam que o seu automóvel era um Autobianchi. Que desgraçado! Ele anda a pé! Ele nem pneus tem!

Risos do PSD.

O senhor acha isto transparente quando, simultaneamente, se tem carro às ordens, o que, como o senhor sabe, Constitui um rendimento efectivo assinalável?! Responda-me, Sr. Deputado! Bata-me palmas outra vez!
Srs. Deputados socialistas, não quero que me batam mais palmas, quero apenas que telefonem ao Engenheiro Guterres para saberem se, de facto, existe uma tendência generalizada de comportamentos fraudulentos, porque são essas as afirmações do jornal.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Não foi isso que ela disse!

O Orador: - Eu vou citar, Sr. Deputado Ferro Rodrigues. O Engenheiro Guterres declara, o que é pior ainda e para dar credibilidade à gravidade do que vem dizer a seguir, que «Temos indicações seguras de que os comportamentos fraudulentos tendem a generalizar-se no interior do regime». Repare, como isto é fraco e pobre: o regime!... O que é que ele quererá dizer com isto do regime?
Sr. Deputado Ferro Rodrigues, já vi que o senhor não sabe o que o Engenheiro Guterres afirmou efectivamente. Telefone-lhe e diga-nos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Alberto Costa, tinha pedido a palavra para fazer algumas considerações. Ainda são úteis?

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, as considerações serão muito breves.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, é sobre os dois tópicos que o Sr. Deputado Silva Marques me dirigiu, que têm a ver com o problema da conversão do Parlamento num parlamento de funcionários e o problema dos Deputados pobres, que seriam obrigados a expor a sua pobreza.
Quanto ao primeiro aspecto, as nossas propostas não visam nem facilitam a constituição de um parlamento de funcionários. As nossas propostas não trazem interdições profissionais generalizadas para o Parlamento. V. Ex.ª terá ocasião de discuti-las aqui no pormenor e, nessa altura, aperceber-se-á daquilo que ainda não teve ocasião de estudar, porque, na realidade, o que se disse foi que determinados tipos de actos que envolviam representação de interesses privados junto do Estado e do sector público não poderiam ser prosseguidos por Deputados, dado que é evidente que isso envolve e afecta a isenção e o prestígio do cargo e que ele corre o risco de ser utilizado - e algumas vezes o será, como o senhor sabe - para obter resultados que, em outras circunstâncias, não seriam alcançados.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Já respondi a isso!

O Orador: - Por outro lado, as nossas propostas, pura e simplesmente, pretendem evitar o exercício de funções dependentes do Governo.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não bata da malha fria!

O Orador: - Portanto, V. Ex.ª pode estar inteiramente tranquilo porque aí não está em causa a funcionalização do Parlamento; o que está em causa, o que está sempre em cima da mesa, é o início de actividades profissionais, é o começo de desempenho de cargos que não eram desempenhados no momento em que se iniciaram as funções políticas, porque aí...

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Essa é boa!

O Orador: - O Sr. Deputado Nuno Delerue não conhece os debates que estão hoje a ser prosseguidos em França, não conhece os relatórios franceses apresentados... Essa é a interdição fundamental que está hoje a ser votada!

O Sr. Presidente: - Peco-lhe que abrevie.

O Orador: - Sr. Presidente, vou abreviar, seguindo as suas recomendações. Porém, devo dizer, em relação à questão dos Deputados pobres, que o Sr. Deputado Silva Marques emprega uma forma inaceitável de demagogia Diz o

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Sr. Deputado que seria uma violência que esses Deputados expusessem a sua pobreza quando o que está em cima da mesa é a situação dos Deputados tão ricos que a exposição da riqueza, atingida durante os seus mandatos, suscitaria gravíssimos problemas para todos aqueles que prosseguem a vida política em Portugal. Ora, é isso que nós não queremos. Queremos regras que evitem a todos que estejam expostos a comportamentos como esses da parte de alguns.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques, mas peco-lhe que seja breve.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, vou colaborar com V. Ex.ª, até para corresponder à sua evidente generosidade, em nome do interesse do debate.
Sr. Deputado Alberto Costa, o que hoje aqui houve foi apenas um «cheirinho» do debate que queremos ter convosco.

O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - O «cheirinho», já foi mau!

O Orador: - Os senhores têm encontro marcado para uma próxima e como vêem têm de se preparar um pouco melhor!
Sr. Deputado Alberto Costa, os senhores, hoje, já deram um passo enorme, pois aplaudiram-me - facto inédito! É claro que não ousaram levantar o braço, quando perguntei quem concordava comigo, mas não tenho a menor dúvida de que, para a próxima, o farão!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito de defesa da honra e consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue, dispondo, para o efeito, de três minutos, nem mais um segundo.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, pedi a palavra porque os Srs. Deputados Alberto Costa e José Lello fizeram referência, acenando com um artigo da imprensa de hoje, a uma moção de que também sou autor. Como já hoje o Sr. Deputado Almeida Santos ficou «suspenso» nas palavras do Sr. Prof. Cavaco Silva, começo por congratular-me pelo interesse manifestado pelo PS, agora já não ao «macro-nível» do que diz o Sr. Prof. Cavaco Silva mas daquilo que se está e que se vai discutir numa moção, que é de uma estrutura distrital, no congresso do PSD.
Queria sossegá-los, porque VV. Ex.ªs leram e interpretaram o que foi publicado da forma que vos era mais útil para a sequência do debate. Ora, como tive o privilégio de ser co-autor dessa proposta, posso dizer-vos que ela em nada se afasta daquilo que aqui hoje foi expendido - e se se afastasse também não havia drama algum - pelo meu colega Silva Marques. Ou seja, a possibilidade de ser consagrado um estatuto optativo que permita, a quem o quiser, um regime de exclusividade no exercício de funções que o não são, porque, como é óbvio, as funções ministeriais são, por natureza, exercidas em regime de dedicação exclusiva, o problema de os vencimentos serem enquadrados nesta discussão global, porque tem de ser global, e, mais do que isso, se eventualmente forem consagradas e consensualizadas medidas de discriminação positiva para os políticos, tem que ser enquadrado, Srs. Deputados Alberto Costa e José Lello, num debate mais sério, sem demagogia, em que o discurso seja também um discurso dos deveres em relação aos cidadãos em geral e não só o dos direitos.
Portanto, devo dizer que a posição sustentada nesta moção é, no essencial, consonante com aquilo que o Sr. Deputado Silva Marques aqui disse, mas se não fosse também não vinha mal algum ao mundo.
Por último, devo dizer que sou muito sensível àquilo que, de resto, já hoje está consagrado em relação à incompatibilidade ou à impossibilidade de alguns titulares de cargos políticos exercerem algumas funções no final do exercício dos seus mandatos. Mas também lhe digo, Sr. Deputado Alberto Costa que, se é assim, o Estado também assume a co-responsabilidade de financiar essa impossibilidade, porque a política não há-de ser no futuro, como não é no presente, só para os ricos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado José Lello. Dispõe, para o efeito, de três minutos, mas peco-lhe, Sr. Deputado, que seja económico.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, serei económico, rigoroso e directo.
Sr. Deputado Nuno Delerue, o que é que lhe posso dizer mais?! Vou, de facto, dar-lhe razão. O Sr. Deputado tem razão quanto ao primeiro ponto, porque realmente a moção não é só do Dr. Luís Filipe Menezes mas também do Sr. Deputado. Fica, deste modo, salvaguardo o direito de autor.
O Sr. Deputado também tem razão, quando diz que não me interesso só pelas questões do «macro-nível» - no caso vertente, como vê, também me interesso pelas questões do nível micro -, e também quando diz que a moção não se afasta em nada do que foi dito pelo Sr. Deputado Silva Marques. Tem V. Ex.ª toda a razão, porque o que o Sr. Deputado Silva Marques disse é exactamente idêntico ao que a moção, porventura, dirá, e passo a citar ainda do Público: «(...) o desafio lançado por Menezes ao propor que dirigentes nacionais do PSD publiquem as suas declarações patrimoniais no Povo Livre (...)» - isto disse o Dr. Silva Marques - «(...) a voluntária e sistemática publicação dos rendimentos, interesses e património' dos políticos» - o Sr. Deputado Silva Marques também disse. Portanto, o que é que eu posso dizer, Sr. Deputado? Tenho de conceder-lhe, efectivamente, razão!
O Sr. Deputado Nuno Delerue, fica registado em acta, dentro dos meus três minutos: tem razão!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito de defesa da honra e consideração, tem a palavra o Sr. Deputado António Costa, dispondo, para o efeito, de três minutos.

O Sr. António Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Silva Marques, V. Ex.ª diz que outros disseram o que disse o Engenheiro António Guterres. Eu sou mais directo, pois tenho aqui o que ele disse e está escrito.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Tem a resposta às perguntas?!

O Orador: - Ora, entre o confronto daquilo que ele disse e aquilo que o senhor diz que alguém disse que ele disse, é-me indiferente o que o senhor disse. O que ele disse é o que aqui está e não o que o senhor disse.
Sr. Deputado Silva Marques, sobre a questão da competição ética, o que está em causa não é a honestidade

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pessoal de cada um de nós, porque quanto a isso eu entendo - não é esse o meu dever, mas faço-o naturalmente, pois presumo que qualquer dos meus adversários é, pelo menos, tão sério quanto eu. O que está em causa não é isso mas, sim, saber quem está apostado em que tenhamos regra por forma a que a transparência seja uma norma da vida política ou quem está apostado em manter regras que permitem a opacidade, a falta de transparência, o encobrimento da disfunções da vida política. E quanto a isto não há dúvidas: estamos do lado da transparência e da abertura, enquanto que vocês estão do lado do encobrimento e da opacidade. Quanto ao burro e ao Ferrari, Sr. Deputado, não leve a mal mas sou-lhe sincero: por respeito para com o burro, penso que não o devo trazer para esta conversa com V. Ex.ª.

Risos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques, dispondo, para o efeito, de três minutos.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Costa, onde é que está o Ferrari? Porque, por acaso, até gostaria de dar uma volta nele.
Espero que o proprietário do Ferrari não tenha sido um militante da sua campanha, porque isso seria horroroso!

O Sr. António Costa (PS): - Porquê?!

O Orador: - O alto capitalismo metido com os socialistas... Imaginem as voltas que a história dá!
De qualquer modo, reconheço o carácter interclassista. dos socialistas actualmente, visto uns transportarem-se em Ferrari, outros, pelo menos, acompanham o Ferrari e outros transportarem-se em Autobianchi. Portanto, é um leque de interclassismo impressionante, que nos deixa, pura e simplesmente, vencidos e convencidos.
Sr. Deputado António Costa, embora a sua intervenção já tenha vindo fora do debate, queria, de qualquer modo, dizer-lhe que se não é verdade o que os jornais publicam - e os jornais são de facto horrorosos, publicam coisas inacreditáveis - desmintam, mas, à cautela, Sr. Deputado António Costa, telefone ao Engenheiro Guterres,...

Risos do PSD.

... porque a resposta dele vai depender muito do sítio onde estiver no momento da conversa.

Vozes do PSD: - Claro!

O Orador: - Como todos sabemos, ele, num sítio, diz, uma coisa e, num outro, diz exactamente o contrário, como referi no meu discurso. Por exemplo, no Sul, acerca do BPA, disse: «aquele banco horroroso, o banco «laranja», é tudo do PSD!». Mas quando foi para o Norte, onde possivelmente deve ter tido alguma entrevista com a finança sólida do Norte, desatou a dizer que, afinal, o «núcleo duro da laranjada» era o melhor!
Portanto, Sr. Deputado António Costa, cautela! Telefone, mas atenção ao sítio de onde ele lhe responde, porque isso é decisivo para a resposta!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminado o período de declarações políticas, vamos apreciar e votar o voto n.º 129/VI- De pesar pela morte do jornalista Ricardo de Melo (PS).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Através de um encadeado habilidoso, aliás de um texto apresentado pelo Partido Socialista, pretende-se extrair implicitamente inculpações de natureza criminal e política, sem base credível nas informações que até este momento vieram a público. Por isso, este texto não pode merecer o voto favorável do Grupo Parlamentar do PCP.
O Grupo Parlamentar do PCP pretende, sim, nesta ocasião, expressar de forma clara e inequívoca o seu pesar pela trágica morte do jornalista angolano Ricardo de Melo e, além disso, condenar de forma muito veemente o acto criminoso de que foi vítima.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acontece comigo o que, com certeza, acontece com muitos Deputados desta Câmara, ou seja, também eu conheci o jornalista Ricardo de Melo quando ainda se encontrava em Lisboa e impressionou-me, também por essa razão, o assassinato deste jornalista em Luanda.
Quanto a nós, o voto de pesar apresentado pelo PS está feito de uma forma equilibrada, pelo que iremos votar a favor.
Queria apenas acrescentar o facto de este acontecimento realçar a necessidade de, em Angola, o processo de pacificação se traduzir também numa efectiva democratização, em que os direitos dos cidadãos sejam respeitados e que, em particular, a liberdade, condição básica da democracia, se possa impor.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais pedidos de palavra, vamos passar à votação do voto n.º 1297 VI- De pesar pela morte do jornalista Ricardo de Melo (PS).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS e do CDS-PP e a abstenção do PCP.

É o seguinte:

A opinião pública portuguesa ficou chocada com o assassinato do jornalista Ricardo de Melo em Luanda.
Ricardo de Melo havia vivido em Portugal, onde exercera a actividade jornalística, e mantinha relações de amizade com numerosos colegas que o conheciam.
O fortalecimento da imprensa independente é um factor inegável da consolidação dos regimes políticos que aceitam os valores da democracia, do pluralismo e dos direitos humanos.
Neste sentido, a Assembleia da República exprime o seu pesar pelo falecimento de Ricardo de Melo, facto que enluta o jornalismo angolano, e o voto de que uma imprensa livre possa ter o lugar a que tem direito na reconciliação nacional de Angola.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 55 minutos.

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ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Vamos dar início à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 117/VI- Autoriza o Governo a aprovar o novo Código Cooperativo.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território (Valente de Oliveira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O número das cooperativas que existiam em 1993, em Portugal, era mais de 3000! Em primeiro lugar, estavam as cooperativas agrícolas - quase 1000 - seguidas, a grande distância, pelas de habitação (435) e pelas de serviços (415).
Sem considerar as cooperativas de crédito nem as de habitação, o volume de vendas das 100 maiores cooperativas foi, em 1993, de cerca de 386 milhões de contos, às quais correspondeu um valor acrescentado bruto de mais de 46 milhões de contos. Somente nessas 100 maiores cooperativas trabalhavam, então, cerca de 12 400 trabalhadores.
Não é, assim, inexpressivo o sector!
E pode ser muito mais significativo do que é se flexibilizarmos um tanto as regras que o estruturam actualmente e se formos, simultaneamente, mais exigentes e rigorosos na gestão e operação das cooperativas, fazendo com que elas passem a representar uma resposta mais válida do que a actual para muitos sectores e para muitas iniciativas que não encontram nas empresas a fórmula mais conveniente para se organizarem.
O nosso maior desafio para o futuro irá ser a criação de emprego. A reestruturação e a modernização de muitas unidades - para que sobrevivam - conduzirão, inexoravelmente, à libertação de postos de trabalho que tem de ser compensada pela criação de muitas novas empresas, de todos os tamanhos, e de outras formas de agregação das vontades de empreender e das capacidades de iniciativa.
Por isso se torna particularmente necessária e oportuna a revisão, que queremos fazer, do Código Cooperativo. O sentido que lhe queremos imprimir desdobra-se em três vectores fundamentais: adaptar o regime legal das cooperativas às novas condições sociais e económicas de enquadramento; melhorar a participação dos membros na vida das cooperativas; aumentar a capacidade empresarial das cooperativas.
Tudo tendo evoluído, modificou-se muito o enquadramento económico e social em cujo âmbito as cooperativas têm de operar. Deve, por isso, proceder-se às adaptações necessárias para as tornar consonantes com o ambiente que as rodeia.
A participação representa um dos atributos da sociedade responsável que queremos construir. Não devemos, por isso, tolerar alheamentos que facilitem o comando dos destinos das cooperativas por alguns poucos e a ignorância das condições de gestão e do caminho que elas seguem por parte da maioria.
Muitos dos fracassos de que fomos testemunhas no passado radicam no amadorismo, na incompetência ou na opacidade da gestão das cooperativas. Ora, sucede que elas têm de concorrer com unidades empresariais eficientes, conhecedoras dos mercados e das suas exigências, muito hábeis a orientar o comportamento dos consumidores e versáteis na definição da escala da oferta dos produtos que apresentam.
A fórmula cooperativa representa uma solução excelente para muitos sectores e para a agregação de muitos intervenientes autónomos incapazes de encontrar, isoladamente, escala ou estrutura adequadas para resolver os problemas com que se defrontam, mas tem de exibir atributos de gestão de nível comparável ao dos seus concorrentes. De outra forma, perderão, por causa de uma pequena mas irritante deficiência que está nas suas mãos resolver, a organização conveniente dos meios e a gestão competente das operações. O novo Código forçará o recurso a modos de gestão adequados.
Os principais elementos da revisão que propomos, no que respeita ao enquadramento do regime legal das cooperativas, são os seguintes:
Primeiro, a reafirmação dos princípios cooperativos, autonomizando claramente as regras práticas deles decorrentes. São reavivados os princípios referidos na Constituição, são adoptados os princípios definidos pela Aliança Cooperativa Internacional, no Congresso de Viena de 1966, e são antecipados alguns novos princípios que tudo indica virem a ser aprovados no próximo Congresso da Aliança, a celebrar em Manchester, ainda este ano.
Segundo, a outorga de maior autonomia às cooperativas para a definição do seu regime e da sua organização. O reconhecimento dessa autonomia implica tornar-se a legislação menos impositiva e mais propositiva e supletiva. Deixar-se-á à assembleia geral a liberdade para regulamentar os principais assuntos, mantendo-se as disposições legais com carácter supletivo. É evidente que esse acréscimo de autonomia implica um maior envolvimento dos cooperadores e uma participação mais intensa na condução da vida das cooperativas, donde a necessidade do reforço do terceiro vector a que, antes, aludi.
Terceiro, a preocupação de criar emprego e de fomentar o aparecimento de todas as formas de agregação das iniciativas leva-nos a propor a diminuição do número mínimo de membros requerido para formar uma cooperativa. Assim, julgamos como adequado que ele seja de cinco membros para as cooperativas de primeiro grau e de dois membros para as outras (uniões, etc.). A legislação actual exige 10 membros para as cooperativas de primeiro grau. A legislação complementar deverá, quando se considerar oportuno, fixar um número maior de membros, nomeadamente para as cooperativas de consumo.
Quarto, a maior responsabilização que queremos tem de ser traduzida de modo tangível. Isso é importante internamente para a própria cooperativa, mas também o é externamente em relação à banca, aos fornecedores e aos clientes. Por isso se propõe aumentar o capital social mínimo para a formação de uma cooperativa. A actual legislação exige 50 contos, com participações individuais mínimas de 1500$.
Na revisão que queremos fazer, fixa-se como capital mínimo 400 contos. Não se propõe, todavia, nenhum valor para as entradas individuais mínimas; remete-se a sua fixação para a legislação complementar respeitante a cada ramo específico e para os estatutos, para se atender à diversidade de situações que elas apresentam. Na verdade, há uma grande diferença entre as obrigações de cooperadores nos sectores agrícola ou no de consumo, no da produção industrial ou no da cultura. Por isso se remete para a legislação própria de cada ramo a fixação desse mínimo. É evidente que o capital social das cooperativas poderá ser outro, o que não deve é ser inferior àquele mínimo. Mas os estatutos de cada cooperativa ou a legislação específica de cada ramo podem fixar valores diversos daquele patamar.
Quinto, a permissão de criação de cooperativas multi-sectoriais, como forma de aumentar a sua capacidade económica e de dinamizar os pequenos aglomerados de população. A multi-sectorialidade permitirá um melhor aproveitamento do modelo cooperativo nas zonas rurais,

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onde muito poucas pessoas se vêem na obrigação de se dedicar a actividades múltiplas para prover às suas necessidades. Assim, propõe-se que se permita às cooperativas dedicarem-se a actividades diversas das que constituam o seu objecto principal. Elas continuarão a ser caracterizadas por este e ele corresponderá ao da sua designação na (Classificação das Actividades Económicas (CAE) e cada cooperativa só poderá inscrever-se na federação correspondente ao seu objecto principal, identificador do seu ramo. Mas abre-se a possibilidade de cada uma complementar a sua actividade dominante com outras que potenciem a sua acção ou que ajudem a servir melhor os cooperadores, conferindo maior capacidade económica à cooperativa e, eventualmente, servindo de embrião a grupos cooperativos.
Sexto, a constituição de federações com fins de representação. Entendemos que só deverão ser reconhecidas como representativas do respectivo ramo cooperativo as federações que tiverem associadas pelo menos 50 % das cooperativas pertencentes ao ramo em causa. A Constituição já prevê a existência de federações, sobretudo com funções de representação. Trata-se de agrupamentos: por ramos que podem ser de nível nacional ou regional, mas têm de ser verdadeiramente representativas.
Sétimo, a constituição de uniões, sobretudo com fins comerciais. Não propomos limitações geográficas à criação de uniões, para permitir um relacionamento fácil entre cooperativas, de acordo com os seus interesses económicos. A Constituição já prevê a formação de uniões. São agrupamentos de cooperativas do mesmo ramo ou de ramos diversos que vêem vantagem em juntar esforços para melhor desempenharem o lado comercial das suas atribuições.
Oitavo, a associação de cooperativas com outras cooperativas ou com entidades de outra natureza. No respeito pela autonomia das cooperativas, propõe-se que haja permissão para elas se associarem entre si ou com outras entidades com forma jurídica não cooperativa (com associações, com sociedades comerciais, etc.). Pretende-se, assim, que elas recorram a fórmulas de associação que se revelem como as mais convenientes para as finalidades que pretendem alcançar e como as mais adequadas às circunstâncias. As cooperativas obedecem a um modelo com características próprias, mas não são párias relativamente a outros tipos de organização da actividade produtiva. Queremos que elas tenham a possibilidade de ir buscar as parcerias que melhor lhes convierem para prosseguirem as suas finalidades.
Nono, a criação de um novo ramo que autonomize as cooperativas de solidariedade social, até aqui incluídas no ramo do ensino ou dos serviços. A sociedade moderna precisa, cada vez mais, de se organizar com vista à prestação de serviços que, hoje, são especialmente desempenhados pelas instituições particulares de solidariedade social, As preocupações de justiça em relação aos que precisam, pontilhadas com as disponibilidades dos que têm de arcar com a maior parte do peso da resposta, tornam estas cooperativas uma fórmula que, seguramente, irá ser muito adoptada no futuro. A sua individualização foi-nos sugerida, pela Federação das Cooperativas de Ensino e Reabilitação de Crianças Inadaptadas (CERCI), compreendendo-se bem as razões da sua vontade.
Como se vê, trata-se de nove medidas, todas elas expressamente orientadas para a flexibilização do papel das cooperativas, quando tomadas nas suas relações com o quadro económico e social em que operam.
Em relação ao segundo vector - o que tem a ver com a melhoria da participação dos membros das cooperativas na condução das suas actividades -, propomos:
Primeiro, aumentar as competências da assembleia geral. Esse reforço de competências decorre da autonomia acrescida que queremos conferir às cooperativas. Ela deverá representar o órgão de recurso das decisões da direcção. Das suas próprias decisões só deverá recorrer-se para os tribunais.
Segundo, permitir a existência de assembleias sectoriais. Estas poderão ser criadas para enquadrar a actividade de secções especializadas de cada cooperativa ou a de áreas geográficas dispersas em que a cooperativa exerça a sua actividade. A finalidade principal da criação das assembleias sectoriais é motivar e permitir uma participação acrescida dos cooperadores na vida da cooperativa. O aumento das actividades das cooperativas, a sua diversificação e a sua extensão a áreas geográficas mais alargadas justifica o funcionamento das assembleias sectoriais para permitir uma representação equilibrada das diversas actividades e para autorizar uma participação mais activa e mais facilitada, em termos geográficos, dos cooperadores, no debate dos assuntos da cooperativa.
Terceiro, permitir a criação de órgãos sociais além dos obrigatórios. A autonomia cooperativa deve significar que a cooperativa possa decidir também acerca da sua própria forma de organização. Para além dos órgãos obrigatórios - a assembleia geral, a direcção e o conselho fiscal -, deverá haver a possibilidade de existirem outros órgãos, consoante as necessidades da cooperativa. E, mesmo nos órgãos obrigatórios, a cooperativa deve poder optar por um maior ou por um menor número de elementos a guarnecê-los, de acordo com a dimensão da própria cooperativa.
Quarto, criar novas formas de participação financeira, através da emissão de obrigações ou de títulos de investimento, de natureza obrigacionista, para auto-financiamento das cooperativas. Na medida em que eles devem ser, preferencialmente, subscritos pelos cooperadores, representam uma forma de estimular a participação dos membros da cooperativa na condução dos seus destinos, através de uma participação financeira reforçada.
Quinto, propor novas formas de participação nos resultados alcançados pela cooperativa, através de títulos de capital e de outros tipos de títulos devidamente remunerados.
A participação dos cooperadores deve ser fomentada por todas as formas. Para além dos serviços prestados pela cooperativa, os cooperadores devem também participar nos respectivos resultados, através da distribuição de excedentes, sob a forma de títulos de capital para reinvestimento na própria cooperativa, de títulos obrigacionistas e sob outras formas de repartição, feitas de acordo com os princípios cooperativos, ou seja, na proporção das operações económicas realizadas por cada cooperador com a cooperativa. A distribuição de excedentes e a forma de a realizar deve constituir competência da assembleia geral.
Como se vê, estas cinco propostas de alteração visam o reforço das cooperativas como unidades económicas.
Finalmente, e em relação ao terceiro vector - o respeitante ao aumento da capacidade empresarial das cooperativas-, propõe-se:
Primeiro, o já referido aumento do capital mínimo obrigatório, indispensável para assegurar maior capacidade financeira e negociai à cooperativa.
Segundo, o reforço do autofinanciamento, através da utilização de excedentes para a criação e para o aumento das reservas, da distribuição de excedentes sob a forma de títulos de capital e da distribuição de excedentes sob a forma de títulos de investimento e de obrigações. Esta representa uma forma de chamar a atenção para a importância do fortalecimento da capacidade financeira das cooperativas. Es-

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tas são, na essência, empresas dos próprios cooperadores. Eles não podem, por isso, ficar alheios à sua situação financeira.
Terceiro, o recurso a capitais externos, por participação no capital social da cooperativa de membros investidores (sociedades de capital de risco, outras instituições financeiras e outras entidades) e por subscrição de obrigações e títulos de investimento por entidades não cooperadoras. Pretende-se autorizar a existência de membros investidores, representados por entidades não produtoras ou não utilizadoras da cooperativa mas interessadas no desenvolvimento da mesma. A exigência de cada vez maiores recursos financeiros para levar a efeito grandes projectos de investimento aconselha a que as cooperativas abram o seu capital social à participação de entidades exteriores. A existência de membros investidores não colide com os princípios cooperativos, na medida em que estes não impõem que o capital seja exclusivamente dos cooperadores. O que eles exigem é que o poder de decisão não dependa ou seja detido em função do capital subscrito.
O conjunto dos membros investidores é limitado no seu poder de voto a uma posição minoritária dos votos expressos em cada assembleia. Já outros Estados europeus, como a França, a Espanha e a Itália, introduziram na sua legislação cooperativa a figura do membro investidor. Por outro lado, o projecto de regulamento da sociedade cooperativa europeia, em análise no Conselho de Ministros da União Europeia, também a prevê.
O regime dos membros investidores será definido nos estatutos de cada cooperativa, devendo a sua própria existência constar de alteração estatutária expressa. No entanto, o próprio Código fixará algumas regras específicas em relação aos direitos e deveres daqueles membros. É evidente que subsiste, como forma de recorrer a capitais externos, a subscrição de obrigações ou títulos de investimento por parte de entidades não membros da cooperativa.
Quarto, criar mecanismos para garantir a transparência da gestão através da revisão legal das contas e de auditorias externas. A primeira representa uma forma de obtenção de segurança para os próprios membros da cooperativa e seus parceiros económicos, bem como um instrumento de criação de uma imagem de rigor e transparência. Ela deve ser exigida para as cooperativas que ultrapassem uma certa dimensão económica e social, expressa em valores do balanço, das vendas e do número de trabalhadores. As segundas - as auditorias - têm o mesmo propósito, mas deverão ser feitas quando tal for exigido para determinados fins, como a emissão de títulos obrigacionistas e de outro tipo.
A revisão legal de contas e as auditorias justificam-se pela importância social das cooperativas, expressa através do número dos seus membros, e pela falta de conhecimentos técnicos nas áreas da gestão e administração da maioria desses membros. Por outro lado, atendendo à importância das cooperativas nas regiões mais desfavorecidas e entre as populações com menores recursos, é importante garantir que sejam acautelados e salvaguardados os seus interesses.
Quinto, aumentar a capacidade comercial das cooperativas, através da maior facilidade na criação de uniões, da criação de uniões multi-sectoriais, associando cooperativas de diversos ramos, e da associação de cooperativas com outras entidades, como já anteriormente referi.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei que tenho a honra de apresentar à Câmara visa modernizar as nossas cooperativas para responder aos desafios do seu quadro envolvente e para as transformar em unidades produtivas competitivas. Não se abdica dos princípios cooperativos mas flexibiliza-se a sua aplicação às exigências do nosso tempo. É esta a melhor maneira de manter vivo o ideal cooperativo e de o tornar atraente, como forma de resposta aos muitos desafios económicos e sociais que a nossa sociedade enfrenta.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Lino de Carvalho, Armando Vara, Francisco Bernardino Silva e Manuel Queiró.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Limo de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, iremos definir a posição de fundo do nosso partido quanto a esta matéria, daqui a pouco, na intervenção que faremos.
Neste momento, a primeira questão que quero levantar é a da dificuldade desta discussão, porquanto o Sr. Ministro trouxe a esta Assembleia uma proposta de lei de autorização legislativa, completada agora com a sua intervenção. Apresenta-nos um pedido de autorização legislativa para dar cobertura à modificação de um documento tão importante como é o Código Cooperativo e à elaboração de um novo.
Ora, em primeiro lugar, não direi que nos é pedida uma autorização legislativa em branco, já que, de facto, esta proposta de lei define muito daquilo que o Governo diz que vai fazer, só que esconde o essencial - e já direi o quê.
Em segundo lugar, está a questão de que, com este comportamento, o Sr. Ministro e o Governo, mais uma vez, não só denotam o espírito de desvalorização e secundarização da Assembleia da República como violam o próprio Regimento.
Na verdade, o Governo teria a possibilidade, que a Constituição e a lei lhe conferem, de apresentar a proposta de lei de autorização legislativa mas, como o Sr. Ministro bem sabe, o artigo 200.º, n.º 2, do Regimento é muito claro - e, aliás, chamo também a atenção do Sr. Presidente para este facto - quando refere que «O Governo, quando tenha procedido a consultas públicas sobre um anteprojecto de decreto-lei, deve, a título informativo, juntá-lo à proposta de lei de autorização legislativa, acompanhado com as tomadas de posição assumidas pelas diferentes entidades (...)». E o Governo não fez isto. Porquê, Sr. Ministro? Por que é que, para tomarmos conhecimento das verdadeiras intenções do Governo, temos de recorrer a vias que eu diria quase clandestinas para obter a versão do Código Cooperativo, aprovada em Conselho de Ministros? Esta é, portanto, a primeira questão que coloco e que tem implicações com a dificuldade desta discussão.
Por outro lado, quando nós, pelos nossos próprios meios partidários, conseguimos obter o texto do novo Código, então, percebemos a razão por que o Governo procura escamoteá-lo à Assembleia da República. É porque as alterações fundamentais que nele estão previstas não são aquelas que vêm expressas no texto da proposta de lei de autorização legislativa, que, à excepção de uma ou outra, são pequenas alterações com as quais todos podemos estar de acordo e, noutros casos, são princípios já hoje consagrados. As alterações que o Governo propõe, no fundamental, subvertem os princípios cooperativos e tornam o novo Código Cooperativo claramente inconstitucional.
É que o Governo fala na entrada de sócios investidores mas não refere o poder de voto que eles passam a ter; não refere que põe termo aos princípios, consagrados, da Aliança Cooperativa Internacional a que a nossa Constituição faz apelo, que são os princípios de «um homem, um voto» nas cooperativas de primeiro grau, assim generalizando aquilo

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que, hoje, é excepção; não refere a alteração da questão de excedentes, não em função das operações feitas pelos cooperadores com as cooperativas mas, embora de uma forma sub-reptícia, em função do volume do título de capital que eles subscrevam; não refere - e, porventura, será o fetais grave - o que está previsto a certa altura do Código que é a possibilidade de as direcções das cooperativas de grau superior serem todas constituídas por membros que não fazem parte das cooperativas filiadas ou das próprias unisses, o que equivale a abrir a porta para interesses estranhos ao sector cooperativo e aos cooperadores controlarem todo o movimento cooperativo, todo o movimento, como que o Sr. Ministro, com importância económica no nosso país. Esta, sim, é a questão fundamental.
O Sr. Ministro referiu as experiências de outros países, mas já não quis dizer que, por exemplo, em Itália, as cooperativas que eram rentáveis foram tomadas pelo sector privado.
Essa é a questão de fundo que se levanta e, repito, com o novo Código, a porta fica aberta para que, amanhã, representantes dos interesses da PARMALAT tomem conta da direcção de uma união cooperativa leiteira ou empreiteiros sem escrúpulos das direcções de uniões de cooperativas de habitação. São exemplos que ficam completamente abertos com esta possibilidade.
Estas são as razões de fundo que fazem com que O Governo não traga aqui o novo Código Cooperativo. Aliás, Sr. Ministro, não se percebe por que razão, estando em curso as alterações, que deverão ser consumadas ainda este ano, dos princípios cooperativos na Aliança Cooperativa Internacional, o Governo não esperou por essas alterações.
O Governo falou na Sociedade Cooperativa Europeia - e também eu tenho aqui o projecto de estatutos -, mas, Como o Sr. Ministro sabe, esse projecto está, neste momento, bloqueado, exactamente porque há fortíssimas oposições e, algumas delas, devem-se às questões relacionadas com a entrada de sócios estranhos aos interesses das cooperativas, com direito a voto e com direito, na prática, a controlar o sector cooperativo.
Aliás, num seminário realizado pelo Instituto António Sérgio para o Sector Cooperativo, que é uma entidade oficial, os pareceres emitidos pelas várias organizações - a CONFAGRI, a CONFECOOP e outras - defendem que não são oportunas alterações globais ao Código e que SÉ- deve esperar pelas alterações no plano internacional previstas no âmbito da Aliança Cooperativa Internacional, embora sejam necessárias e úteis algumas alterações pontuais.
Por que razão o Governo não respeitou a opinião dos parceiros sociais a que, tantas vezes, faz apelo?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Sr Presidente: - Sr. Ministro, há mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos. V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: - Respondo já. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Em todo o caso, antes de dar a palavra ao Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, gostaria de prestar um pequeno esclarecimento, já que, na sua intervenção, o Sr. Deputado Lino de Carvalho fez referência à Mesa.
Com efeito, o n.º 2 do artigo 200.º do Regimento, além de ser uma norma apelativa, refere que o Governo deve juntar, a título informativo, as consultas públicas sobre o anteprojecto de decreto-lei que. eventualmente, tiver elaborado e posto à discussão pública

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não são só as consultas públicas!

O Sr Presidente: - No n.º 5 da «Exposição de motivos» da proposta de lei em apreciação, faz-se referência a «preocupações, sentidas e expressadas pelo sector cooperativo, especialmente através das suas estruturas representativas», mas não se diz que tenha ocorrido uma consulta pública.
Assim sendo, a Mesa tem de confiar no texto enviado pelo Governo e, aliás, não se trata de fazer aqui a sindicância do cumprimento de um dever.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP) - Dá-me licença que use da palavra, Sr Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr Deputado.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP)- - Sr Presidente, de modo algum quis criticar a Mesa Entendo que o Governo, porventura, informou a Assembleia da República nos termos que o Sr. Presidente referiu, mas chamo a atenção para o facto de o n.º 2 do artigo 200 º do Regimento não se referir apenas à necessidade de, a título informativo, por dever ético e de respeito para com a Assembleia da República, o Governo dever fazer acompanhar as proposta de lei de autorização legislativa com as tomadas de posição assumidas pelas diferentes entidades, quando tenha procedido a consultas públicas, mas também à de juntar o anteprojecto de decreto-lei à proposta de lei de autorização legislativa.
Vejamos: «O Governo, quando tenha procedido a consultas públicas sobre um anteprojecto de decreto-lei, deve, a título informativo, juntá-lo à proposta de lei de autorização legislativa, (...)» - é o que diz o n.º 2 do artigo 200 º do Regimento.
Quanto à consulta pública, Sr. Presidente, limito-me a informar que tenho em meu poder as respostas das confederações cooperativas ao Governo, no âmbito da consulta pública que foi efectuada. Houve, portanto, consulta pública e o Governo escamoteou esta questão à Assembleia da República, para não ter de cumprir, obviamente, o estabelecido no Regimento.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Presidente, Sr Deputado Lino de Carvalho, o Governo não escamoteou coisíssima nenhuma! Na autorização legislativa, o Governo esclarece todas as bases em que vai agora proceder à elaboração do Código.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Elaboração! Já foi aprovado em Conselho de Ministros!

O Orador: - Sr Deputado, permita-me corrigi-lo, mas o Código não está aprovado; ele será aprovado, nomeadamente depois de ouvir o que aqui se vai passar hoje e de tratar de incorporar o sentido das críticas gerais e daquelas que forem, naturalmente, justificadas para o propósito que temos em mente. Também não me parece que tal venha a constituir qualquer embaraço para uma afinação final do novo

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Código, porque estamos, naturalmente, a ouvir muita gente, através das próprias confederações, e a apurar a sua versão final, que ainda está em construção.
As suas duas últimas frases merecem um reparo. Afirmou que deveríamos aguardar o que se vai passar no âmbito europeu e que não são oportunas alterações globais ao Código Cooperativo. Ora, não posso estar mais em desacordo e a razão de ser é muito simples. Tal como disse, há pouco, na minha intervenção, o grande desafio a que temos de responder no futuro é a criação de emprego. Temos de criar emprego, emprego sustentado, sólido e que possa, de todas as maneiras, vir a colmatar o que as reformulações da estrutura económica vão gerar, em termos de libertação de braços em muitos sectores. Temos, pois, de fazer as cooperativas do nosso tempo.
Lamento que o Sr. Deputado Lino de Carvalho tenha vindo trazer uma perspectiva conservadora e imobilista de cooperativas que não se adaptam aos desafios do novo tempo, quando o grande desafio a que temos de responder é o da criação de emprego, por todas as formas - sociedades comerciais, pequenas, grandes, médias e de todos os tamanhos, e formas cooperativas, neste ou noutro sector.
Assim sendo, não podemos aguardar! Temos de avançar, e temos de o fazer o mais rapidamente possível. Estamos a fazê-lo com todo o empenhamento, celeridade e ainda dentro desta legislatura, para podermos ver se, efectivamente, deixamos a sociedade portuguesa robustecida, o mais rapidamente possível, com instrumentos institucionais que fortaleçam o seu tecido económico.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.

O Sr. Aramando Vara (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, gostava de começar por referir que, da parte do Partido Socialista, consideramos que há razões para rever o Código Cooperativo e ainda que aquilo que é conhecido ou, pelo menos, que aparece como o enunciado de intenções no pedido de autorização legislativa contém, parcelarmente, aspectos positivos, que importa, apesar de tudo, realçar.
Todavia, esses aspectos não são suficientemente importantes ou não chegam para contrabalançar os dois ou três aspectos de grande substância que consideramos negativos.
Também gostava de referir a questão da metodologia da aprovação. E verdade, Sr. Ministro, que não consta que tenha havido um processo formal de discussão pública sobre um projecto que não teria ainda qualquer valor jurídico, mas também é verdade que todo o movimento cooperativo conhece, hoje, um conjunto de documentos que foram sendo distribuídos pelo Governo e instituições que tratam desta problemática.
Além do mais, Sr. Ministro, não deixa de ser estranho, e mesmo lamentável, que os Deputados, as pessoas que foram eleitas para aqui poder discutir e aprovar as leis, não tenham qualquer tipo de conhecimento formal desse documento. Esta é uma situação que não pode passar sem uma nota negativa.
Em primeiro lugar, confesso que acharia mais útil que o próprio articulado do Código pudesse ser objecto de uma discussão aprofundada, em sede de comissão parlamentar, para que se pudesse chamar aqui os vários intervenientes - cooperativas, associações, federações e todos os demais que se preocupam com o assunto -, prolongando-se esse debate pelo tempo que fosse preciso.
Provavelmente, essa seria a metodologia mais razoável: criaria maiores consensos ao nível das diversas forças partidárias, o Governo e o Parlamento ganhariam com isso e, seguramente, o País também.
Contudo, não foi esse o entendimento do Governo. Naturalmente, depois teremos ao nosso dispor a possibilidade de pedir a ratificação do decreto-lei e, claro, fá-lo-emos, porque o que é indiciado pelo pedido de autorização legislativa não nos deixa tranquilos, apesar de considerarmos que há aspectos positivos.
Posto isto, Sr. Ministro, gostava de colocar-lhe duas questões relativas a dois aspectos que são considerados essenciais do ponto de vista dos princípios do cooporativismo e que, caso não fiquem claramente consagrados no novo Código, podem configurar inconstitucionalidades, na medida em que os princípios da Aliança Cooperativa Internacional, como o Sr. Ministro sabe, integram a ordem jurídica portuguesa. Daí que faça algum sentido a ideia de que talvez, sabendo-se que está em marcha um processo de revisão desses princípios, valesse a pena esperar dois ou três meses para ver o que é que acontece e, assim, não corrermos o risco de entrar em choque - apesar de o Sr. Ministro ter dito que antecipava alguns que sabe que vão ser tidos em conta. Espero, pois, que assim seja!
A primeira questão é a seguinte: como é possível compatibilizar as normas que se sugerem com o princípio elementar do cooperativismo, «um cooperante, um voto»?
Um segundo aspecto tem a ver com a distribuição de excedentes, a que chamaremos dividendos. Como é que compatibilizamos esses princípios com o que o Sr. Ministro referiu ser uma eventual nova forma de distribuição de excedentes pelos cooperantes?

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Bernardino Silva.

O Sr. Francisco Bernardino Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, antes de lhe colocar duas ou três questões, gostaria de fazer uma pequena introdução, que vai no sentido de dizer que o Código que tem regido as cooperativas é um documento essencial que, ainda hoje, apresenta aspectos extremamente importantes para o sector.
Naturalmente, houve um conjunto de acontecimentos, a que o País aderiu, que levou à necessidade de rever algumas ideias e alguns conceitos e, por isso, gostaria de citar esta situação e também invocar algumas pessoas que se têm preocupado com esta matéria, nomeadamente na altura. Refiro-me, concretamente, a dois ex-membros desta Casa, Bento Gonçalves e Carvalho Cardoso, que, tanto aqui como noutras instâncias e a nível da Comunidade, deram um contributo decisivo e importante, na altura e ao longo destes tempos, para que o Código Cooperativo desempenhasse a sua função. Naturalmente, existem outros nomes, mas gostaria de referir o papel e a acção destes dois, porque são meus particulares amigos.
Com efeito, o novo documento merece alguma ponderação, como o Sr. Ministro aqui referiu, na medida em que os contributos deste debate serão decisivos para vir a encontrar o texto final. Também penso que sim. Existem matérias que devem merecer uma redobrada reflexão, nomeadamente aquelas que podem pôr em causa os princípios cooperativos, apesar de termos de adoptar uma visão dinâmica destes princípios e adaptá-los às novas realidades, hoje confrontadas com a concorrência, designadamente nas áreas a que pessoalmente estou ligado, com a política agrí-

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cola, o mercado agrícola europeu e, agora, com o GATT. Penso que teremos de actuar rapidamente, mas conciliando essa necessidade de modernidade com a manutenção da espinha dorsal do sector e da tradição cooperativa.
Há, naturalmente, aqui uma situação que é polémica - a questão dos membros investidores- e penso que vale a pena ponderar mais sobre essa matéria. Creio que -- e esta é uma opinião muito pessoal - o assunto deve ser analisado, fundamentalmente, em duas vertentes: a vertente da tipologia do membro investidor e a vertente relacionada com a permanência desse membro investidor no capital da cooperativa. Em meu entender, são duas vertentes: fundamentais, no sentido de se encontrar uma solução que satisfaça as necessidades de modernização e que, por outro lado, não altere os princípios do sector cooperativo, que, como disse, terão de ser dinâmicos.
E, Sr. Ministro, restam-me ainda três questões que gostaria de colocar-lhe. Penso que, hoje, um dos grandes problemas das cooperativas - senão o maior - é a sua gestão e creio que sem a sua modernização, bem como a dos seus instrumentos, as cooperativas terão dificuldades, que serão cada vez maiores. Hoje há já sintomas em vários sectores e em várias áreas de que, com a modernização e a passagem para o sector cooperativo de personalidades ao nível da gestão - alguns deles dos melhores que o País tem -, o sector se está a reorganizar e a ganhar uma nova dimensão e, em meu entender, o Governo deve apostar não só no âmbito do Código Cooperativo mas em termos de outros programas, no sentido de promover este tipo de acções. E aqui, Sr. Ministro, coloco-lhe uma questão objectiva: o Ministério pensa desenvolver algum processo no sentido de se proceder a uma auditoria que tenha não só um papel de fiscalização como de ajuda e de colaboração, a fim de que muitos processos e procedimentos possam adequar-se às novas realidades?
Gostaria também de saber, relativamente à questão fiscal, se com o novo Código será necessário ou não rever o enquadramento fiscal das cooperativas - gostaria de saber o que pensa o Governo sobre esta matéria - e perguntava, ainda, ao Sr. Ministro quais os timings da revisão da legislação sectorial complementar. Existem 12 diplomas complementares sectoriais, naturalmente agora iremos ter 12 ramos e gostaria de saber quando pensa o Governo desenvolver a alteração desses diplomas complementares.
Por último, quero referir-me a uma questão que me parece ser também de princípio, apesar de não pertencer exclusivamente aos princípios cooperativos: qual é a visão que o Governo tem do sector cooperativo? É uma visão exclusivamente económica ou é uma visão económico-social e de prestação de serviços aos seus utentes?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Essa é uma pergunta para o Governo brilhar!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, esta última pergunta que lhe foi colocada pela bancada do PSD criou-nos a suspeita de como vai votar o Grupo Parlamentar do PSD. Nesta discussão, os problemas sentidos pelo PSD, em parte, são também os nossos, o que não deixará de repercutir-se no nosso sentido de voto.
Devo dizer que entendemos também que o Código Cooperativo necessita de alterações, no sentido da sua adaptação e do seu aperfeiçoamento, simplesmente o primeiro problema que se deve colocar é o de o Governo possuir informações cabais e actualizadas para a análise do sector, mas, na exposição de motivos com que acompanha esta proposta de lei de autorização legislativa, não nos informar sobre o real estado do mesmo. Não aponta claramente quais são, a seu ver, as deficiências do Código em vigor, mas fica-nos a certeza de que essas deficiências aos olhos do Governo são tão graves que justificam não uma revisão do Código, mas a sua substituição e revogação por um novo Código, projecto de que não nos apresenta sequer um anteprojecto.
Tenho aqui elementos que me informam que o Governo já teve mais do que uma versão sobre este projecto, pelo que, embora não tenha uma versão final, como nos disse há pouco, tem pelo menos um anteprojecto e em mais do que uma versão. No entanto, esse anteprojecto não acompanha esta proposta de lei de autorização legislativa, o que significa que esta Assembleia fica sem qualquer possibilidade regimental de fazer um exame desta proposta, na especialidade, a fim de poder deliberar sobre a substituição de um Código com mais de 10O artigos! Quanto a nós, este é um problema de base, que faz com que não estejamos à-vontade para votar favoravelmente esta proposta de autorização legislativa.
Além do mais, esta última questão colocada pela bancada do PSD tem todo o cabimento, pois há mais do que um modelo de cooperativismo e Portugal tem um modelo em vigor que se filia naquele que domina nos países do sul da Europa e que se contrapõe a um outro modelo que vigora nos países do norte da Europa. Há, portanto, aqui uma contraposição da filosofia do movimento cooperativo e gostaríamos de saber em que sentido se vai orientar esta substituição do Código Cooperativo - na nossa intervenção, daremos a nossa opinião sobre isso.
Na apresentação de motivos há indícios de que, relativamente à justificação desta iniciativa, o Governo vai num determinado sentido, qual seja o de se preocupar com a eficácia das cooperativas, entendidas, também elas, como agentes económicos que têm de comportar-se com eficácia e dentro das regras que vigiam essa eficácia, que não são dedicadas apenas à bondade de uma forma de organização das actividades para prosseguir determinados objectivos dos cidadãos. Em todo caso. esses indícios não são suficientes para termos uma certeza quanto à posição do Governo e, na prática, não sabemos como se vai traduzir no articulado. É, portanto, essa a razão da nossa expectativa e do nosso voto de abstenção, que justificarei mais detalhadamente na nossa intervenção.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: - Srs. Deputados, começo por agradecer-lhes as perguntas que me fizeram e, relativamente a esta última pergunta do Sr. Deputado Manuel Queiró, passaria a enunciar quais as linhas gerais daquilo que queremos: queremos a eficácia das cooperativas, mas queremos também adaptar o modelo cooperativo às muitas situações em que este é frutuoso e pode servir a sociedade - aqui estou já a responder ao Sr. Deputado Francisco Bernardino Silva.
Há um mundo de diferenças entre uma cooperativa agrícola e uma CERCI, pois a sociedade tem cada vez mais problemas com o voluntariado e a participação generosa dos cidadãos, pelo que a participação voluntária de cooperadores que dediquem o seu tempo, as suas energias e o seu saber, à resolução de problemas tem de ser incentivada. O

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voluntariado tem, portanto, de ser estimulado para muitas das realidades sociais, sendo a fórmula cooperativa uma fórmula interessante, mas que, quando se olha para essa parte social, é muito diferente daquilo que é requerido quando se trata de uma cooperativa agrícola ou de uma cooperativa de habitação. Nas cooperativas agrícolas reclama-se maior capacidade de gestão e maior conhecimento dos mercados, pois estas têm de competir com sociedades comerciais muito dinâmicas e conhecedoras do que se passa à sua volta e necessitam de se robustecer com armas similares, sem perder, ao nível dos órgãos de decisão, a referência aos princípios cooperativos de um cooperador um voto, embora existam muitas situações em que é preciso fazer uma ligação àquilo que vem a ser o volume de negócios - nunca falei em capital, nem nas prospecções do capital, mas sim no volume de negócios que tem um cooperador com a cooperativa.
Mas resumiria sentido das reformulações do seguinte modo: flexibilização, diversificação das situações, acomodar as cooperativas num código geral, mas com variedade suficiente para acolher as de carácter social muito específicas e até cooperativas que têm de ser económicas.
O Sr. Deputado Manuel Queiró verá alguns pontos na proposta de lei em que não foram referidas as situações, porque o Instituto António Sérgio publica, todos os anos, abundantes radiografias do sector cooperativo - não fomos reproduzir relatórios inteiros no preâmbulo, nem na exposição de motivos, mas estão lá os suficientes para dizer as nossas intenções, por que olhamos desta maneira para o sector e por que o atacamos nestes pontos. Se o Sr. Deputado quer, neste momento, um resumo do que são esses pontos, dir-lhe-ei que são, nas cooperativas de pendor mais económico, a falta de uma gestão competente e de uma adaptação às condições dos concorrentes. Exactamente ao contrário do que dizia há pouco o Sr. Deputado Lino de Carvalho, o que não queremos é destruí-las mas, sim, robustecê-las, para que não sejam engolidas e possam fazer concorrência aos seus maiores competidores em pé de igualdade.
Sr. Deputado Francisco Bernardino Silva, as auditorias preocupam-nos muito e são uma intenção nossa já velha. O Sr. Deputado pergunta quando e qual o sentido do Governo relativamente a esta matéria e devo dizer-lhe que o sentido do Governo é, naturalmente, fazer com que as auditorias funcionem. Elas têm revelado alheamentos dos cooperadores em relação à sorte das cooperativas, o que é muito mau, e é por isso que queremos reforçar e aligeirar os mecanismos, de forma que exista a possibilidade de a própria direcção das cooperativas ser assessorada por órgãos gestores mais adequados, e robustecer coisas que também nas cooperativas de pendor económico não se afastam da sociedade, designadamente o recurso aos revisores oficiais de contas e a contas auditadas, tudo isso em parceria com aquelas unidades com que as cooperativas têm de competir.
Relativamente à legislação complementar, será tomada em conta logo que o Código seja aprovado. Naturalmente que recolherei todas as achegas que aqui vou hoje receber e apresentarei o Código a Conselho de Ministros o mais rapidamente possível.
Mas, como o Sr. Deputado disse na sua intervenção, a gestão é o maior problema - não temos a menor dúvida de que o é Porém, quanto à legislação complementar, ela virá logo de seguida com a celeridade, atendendo à complexidade, que cada um deles vier a responder.
Sr. Deputado Armando Vara, ninguém nos perdoaria que estivéssemos à espera mais dois ou três meses para resolver problemas, que são muito urgentes.
Assim, gostaria de dizer-lhe, em primeiro lugar, que não comando a velocidade a que progride no Conselho de Ministros da Comunidade o chamado Código Europeu. Aliás, a experiência mostra que se estamos à espera da última moda podemos perder muitas oportunidades. Por isso, preferimos arriscar.
Assim, não tenho qualquer espécie de dúvida em que, se por acaso aparecerem coisas, sabendo nós o que lá está, o que está proposto e tendo até participado e realizado durante a Presidência Portuguesa e foi a terceira vez que se realizou um encontro como este, os anteriores tinham sido um em França e outro em Itália- nas grandes jornadas de economia social, que já há muito tempo vínhamos preparando, pois toda esta revisão foi elaborada com base na auscultação do que ira por essa Europa fora neste domínio, não vai haver grandes novidades nem surpresas naquilo que está feito.
Não podemos, pois, esperar pela parte formal da formulação para termos a nossa própria adaptação. No entanto, se houver muitas novidades, então cá estaremos para adaptá-las. Contudo, não creio que isso aconteça, pois temos acompanhado com a maior das atenções tudo o que se está a passar neste domínio.
Relativamente à outra questão que colocou, dir-lhe-ei que a nossa grande preocupação é a de fazer repousar da assembleia geral grande parte das responsabilidades que referiu, nomeadamente as da distribuição de excedentes e a política dessa distribuição. Porquê? Porque a maior mazela de que padecem as cooperativas em Portugal é a do alheamento da massa dos cooperadores.

O Sr. Armando Vara (PS): - Então, quer maior interesse, transformando as cooperativas noutra espécie de empresas?

O Orador: - Não! É fortalecendo o papel da assembleia geral e da intervenção dos cooperadores.

O Sr. Amarado Vara (PS): - Transformando-as em sociedades anónimas?!...

O Orador: - Consegue-se um maior interesse, associando os cooperadores à política de distribuição de excedentes - disso não tenho a menor das dúvidas! Consegue-se fazer uma muito melhor gestão, fazendo participar os cooperadores na definição dessa política.

O Sr. Limo de Carvalho (PCP): - Transforme-as em sociedade anónimas!

O Orador: - Então, para a consolidação de todas estas coisas que parecem irreconciliáveis, a resposta é: reforçar o papel da assembleia geral nos destinos da cooperativa.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, vamos fazer uma pequena pausa no debate da proposta de lei para proceder à apreciação e votação de vários pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Para a sua leitura, dou a palavra ao Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a solicitação do Tribunal de Círculo da Comarca de Pombal (Processo n.º 69/94), a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Júlio Henriques (PS) a ser ouvido na qualidade de testemunha no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, está em apreciação.

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Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca, Manuel Sérgio e Mário Tomé.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a solicitação do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa (Processo n.º 6951/92.7 TDLSB - 4.º Juízo), a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de não autorizar o Sr. Deputado Nuno Ribeiro da Silva (PSD) a ser inquirido na qualidade de testemunha no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca, Manuel Sérgio e Mário Tomé.

O Sr Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a solicitação do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal (Processo n.º CP- 1165/94-A- 2.ª Secção/MP), a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado António Alves (PSD) a prestar declarações, por escrito, na qualidade de testemunha no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca, Manuel Sérgio e Mário Tomé.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a solicitação do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa (Processo n.º CP-268/94 - 4.º Juízo) a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Almeida Santos (PS) a prestar depoimento, por escrito, na qualidade de testemunha no âmbito dos autos em referência.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca, Manuel Sérgio e Mário Tomé.

O Sr Secretário (João Salgado): - Por último, Sr. Presidente, Srs. Deputados, a solicitação da Procuradoria-Geral da República (Processo n.º 45/94 - Lº H-6), a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantais decidiu emitir parecer no sentido de autorizar os Srs. Deputados Silva Peneda (PSD), Costa Andrade (PSD) e Manuel Sérgio (Indep.) a prestarem declarações no âmbito dos autos em referência e não autorizar o Sr. Deputado Duarte Lima (PSD) a ser inquirido sobre a matéria dos autos indicados.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências de Os Verdes e dos Deputados independentes João Corregedor da Fonseca, Manuel Sérgio e Mário Tomé.

Srs. Deputados, continuando o debate da proposta de lei n.º 117/VI, dou a palavra ao Sr. Deputado Lino de Carvalho, para uma intervenção.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados. A primeira questão que quero abordar tem a ver com as condições em que o Governo traz a esta Assembleia o debate de um diploma tão importante como o de um novo Código Cooperativo.
O Conselho de Ministros aprovou, como consta do seu comunicado, o novo Código em 6 de Outubro passado, já lá vão quatro meses, depois de alguns anos de gestação no seio do INSCOOP. Contudo, o Governo não achou importante nem enviar-nos o Código para aprovação nem, pelo menos, enviar o seu texto a acompanhar o pedido de autorização legislativa, violando, aliás, o Regimento. Para o Governo basta remeter à Assembleia da República o texto do pedido de autorização legislativa, texto que pouco diz quanto ao sentido das alterações mais importantes e fundamentais que o Governo e o PSD querem introduzir.
Discutir o pedido de autorização só por si não tem, pois, muito sentido. É preciso obter por vias, quase clandestinas, o texto do novo Código e, então, perceber o verdadeiro sentido das alterações. Foi o que fizemos! E compreendemos, então, melhor por que é que o Governo esconde da Assembleia da República o texto do Código Cooperativo.
É que o novo Código Cooperativo não só é claramente inconstitucional como as alterações fundamentais que propõe, a irem para a frente, subvertem os princípios cooperativos e abrem as portas ao seu domínio por interesses e grupos económicos estranhos aos cooperadores, aos seus direitos e garantias e alheios ao movimento cooperativo.
Diz o Governo, na exposição de motivos, que «As linhas-mestras do (novo) Código Cooperativo (..) visam corresponder a este conjunto de preocupações, sentidas e expressadas pelo sector cooperativo». Não é verdade! O movimento cooperativo tem uma «visão globalmente positiva» do actual Código, para usar uma expressão da CONFAGRI, cujo secretário-geral, aliás, é um destacado Deputado do PSD, e a «sua revisão global, neste momento, não obtém o consenso do sector», para usar, agora, uma expressão da CONFE-COOP - Confederação Cooperativa Portuguesa.
O que sempre foi reivindicado foram alterações pontuais ao Código (ou no corpo do Código ou nos diplomas complementares) que dessem resposta às novas condições e exigências que o movimento cooperativo hoje enfrenta.
Trata-se, entre outras, da redução do número mínimo de cooperadores necessários à constituição de uma cooperativa; da possibilidade de serem realizadas assembleias gerais descentralizadas ou sectoriais, da possibilidade legal de se constituírem cooperativas e uniões, abrangendo mais do que

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um ramo; ou, ainda, do pleno acesso das cooperativas a todos os sectores de actividade económica.
Neste aspecto, algumas das alterações são bem-vindas, embora não contemplem, por exemplo, a última das reivindicações que referi, que é a da possibilidade do pleno acesso das cooperativas a todos os sectores de actividade económica. Mas, para isso, não era preciso um novo Código, bastavam algumas alterações.
Portanto, estas não são as alterações fundamentais que o Governo se propõe introduzir, são pequenas alterações que não precisavam de um novo Código. As alterações fundamentais, essas, o Governo omite-as no pedido de autorização legislativa.
Estou a referir-me, na versão que conhecemos e que foi aprovada em Conselho de Ministros: em primeiro lugar, à violação do princípio sagrado da Aliança Cooperativa Internacional e constitucionalmente assegurado de «um homem, um voto» nas cooperativas de primeiro grau, possibilitando a generalização da excepção prevista no actual Código só para as cooperativas polivalentes e introduzindo o voto plural; em segundo lugar, à possibilidade dos excedentes serem distribuídos não em função das operações económicas realizados pelos cooperadores com a cooperativa mas em função, por exemplo, do capital subscrito; em terceiro lugar, à admissão de membros investidores, estranhos aos cooperadores, com direito a voto; em quarto lugar, ao aumento, em oito vezes, do capital mínimo necessário para a constituição de uma cooperativa; em quinto lugar, à possibilidade - e chamo a vossa atenção para a gravidade desta norma - da totalidade de as direcções das cooperativas de grau superior (as uniões) serem constituídas, na sua totalidade, volto a sublinhar, por pessoas completamente estranhas à união ou às cooperativas filiadas.

O Sr. Ministro ao Planeamento e da Administração do Território: - Não! Não!

O Orador: - Escusa de estar a dizer «não», Sr. Ministro! Está lá escrito!
Com a conjugação destas cinco alterações, entre outras que não debatemos agora por estarmos em sede de autorização legislativa, estão criadas as condições para a tomada do controlo das cooperativas por entidades estranhas aos cooperadores e aos princípios e objectivos do movimento cooperativo.
As mais de 3000 cooperativas hoje existentes, com os seus mais de 2 milhões de cooperadores, das quais as 100 maiores têm um movimento global da ordem dos 340 milhões de contos, segundo dados de 1991, são um universo apetitoso para grandes interesses e grupos económicos privados não cooperativos.
Grandes uniões cooperativas, como a AGROS, a PRO-LEITE, a LACTICOOP ou a GRULA, que, no conjunto, têm um volume de vendas superior a 100 milhões de contos, por exemplo, ficam à disposição desses interesses.
Com este novo Código, ficam as portas abertas para, por exemplo, ditos «representantes» dos interesses da PARMALAT poderem, num golpe de asa, dominar grandes uniões leiteiras; «testas de ferro» de grupos da distribuição do sector alimentar poderem tomar conta do grupo lisboeta de abastecimento de produtos alimentares fornecedores das cooperativas de consumo e dos pequenos comerciantes; ou empreiteiros sem escrúpulos dominarem as cooperativas de habitação.
Diz o Governo que o objectivo central da reforma se centra «no reforço da capacidade empresarial das cooperativas». Estranho é que para atingir esse objectivo o Governo opte pela descaracterização e infracção dos princípios cooperativos.
O primado da solidariedade, da ajuda mútua, do homem, que estão na génese do movimento cooperativo é substituído pelo primado do capital a da sua remuneração. Mas se é para isso, então que se formem sociedades anónimas para, nesse quadro, competirem em condições de igualdade com outras empresas.
Só que, nesse terreno, aí está a crise e a falência em série na economia capitalista e nas suas empresas. Não será, pois, desvirtuando os princípios cooperativos e introduzindo neles interesses espúrios que se resolvem as dificuldades, que existem, do sector cooperativo.
Aliás, os investidores privados não constituem, propriamente, uma associação de beneméritos. Se investirem é para fazer render os seus capitais; se lhes é dado o estatuto de associado com direito a voto ou a possibilidade de, por interpostas pessoas, dominarem as direcções das uniões não é, seguramente, por razões de solidariedade e ajuda mútua.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O exemplo da Itália onde, num sector, foi seguido este caminho, demonstra o que dissemos: em pouco tempo esse sector ficou liquidado e integrado o que restava, e era lucrativo para os capitais privados na lógica pura e dura do sistema capitalista.
O que acontece é que se as cooperativas, como o Governo confessa na exposição de motivos - e não estou de acordo com esta confissão do Governo - , «não foram, até agora, reconhecidas como alavanca essencial da reforma construtiva da sociedade portuguesa», o que até nem é verdade - veja-se, por exemplo, a pujança das cooperativas leiteiras ou as de habitação -, isso deve-se, sobretudo, à política governamental, que é da responsabilidade do PSD que tem estado à frente deste sector há muitos e muitos anos.
Ao longo dos anos de governação PSD não houve qualquer política de fomento cooperativo, discriminou-se negativamente o sector, vedando-lhe o acesso a certos ramos de actividade e foram-lhes sendo retirados os apoios e benefícios fiscais de que gozavam, igualando-as, ilegitimamente, ao sector privado não cooperativo, nunca tendo sido publicado o diploma regulador do ramo de crédito, ramo decisivo para o financiamento do sector cooperativo.
Porém, o novo Código não aborda nem resolve nenhuns destes estrangulamentos, que constituem, estes sim, questões centrais para a sobrevivência do movimento cooperativo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dissemos que o texto, de acordo com a versão que obtivemos, é inconstitucional. O sector cooperativo tem, na nossa ordem jurídica, estatuto e dignidade constitucional própria e expressa como um. dos pilares dos sectores, que consubstanciam um dos princípios fundamentais da organização económica do Estado: a sua coexistência com os outros dois sectores de propriedade dos meios de produção, garantia tão relevante que, como assinalam Gomes Canotilho e Vital Moreira, faz parte «do elenco dos limites materiais de revisão».
De acordo com a nossa Constituição as cooperativas têm de ser constituídas, organizadas e geridas segundo os princípios cooperativos, que fazem «apelo directo» aos conceitos formulados pela Aliança Cooperativa Internacional.
Entre esses princípios destacam-se o do controlo democrático da cooperativa, consignado em «um homem, um voto», e o da distribuição dos excedentes aos cooperadores na proporção das operações que cada um fez com a cooperativa.
Como demonstrámos atrás, estes princípios, acolhidos na nossa Constituição, são, claramente, violados na versão do

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Código Cooperativo, aprovada em Conselho de Ministros. Esta é, aliás, outra das razões de fundo pelas quais, o Governo do PSD escamoteia o seu texto à Assembleia da República e opta por uma autorização legislativa que fiada diz quanto às verdadeiras alterações que estão em causo,
Esta é também a razão da pressa do Governo, que não quis esperar- e isso não era nenhum drama, Sr. Ministro! - pela alteração da formulação dos «princípios cooperativos» pela Aliança Cooperativa Internacional, o que se prevê acontecer este ano, como foi, aliás, concluído no Seminário sobre legislação cooperativa, realizado pelo Instituto António Sérgio, onde «não se manifestou uma necessidade de alteração global da legislação cooperativa».
Mas o novo Código não deixará de vir à Assembleia da República porque se o Governo não modificar entretanto a versão que aprovou, o Grupo Parlamentar do PCP chamá-lo-á à ratificação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A fúria «privatizacionalista» do PSD chegou ao sector cooperativo com este novo Código.
Apesar das dificuldades, apesar de alguns dirigentes - e digo-o com toda a responsabilidade -, não respeitarem os princípios cooperativos ou servirem-se do próprio movimento para fins a ele estranhos, apesar da falta de uma política de fomento cooperativo feita ao longo destes anos, e da discriminação do sector, o movimento cooperativo, que nasceu há 151 anos, em Dezembro de 1844, com a Sociedade dos Justos Pioneiros de Rochdale, tem dentro de si as potencialidades e força suficientes para resistir, renovar e dinamizar-se no respeito pelos princípios cooperativos e ao serviço dos cooperadores e das comunidades onde se integram.
Noutro tempo e noutra época também o poder tentou condicionar, subverter e discriminar as cooperativas e os seus princípios - estou a falar do célebre Decreto-Lei n.º 520/71, de 24 de Novembro, contra o qual tive o orgulho de lutar como dirigente cooperativo, mas não o conseguiu.
Também agora não o conseguirá com este novo Código Cooperativo. Disso também é credora a memória do Professor Henrique de Barros, que nesta Assembleia foi Presidente na Constituinte e insigne cooperativista.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Bernardino Silva.

O Sr. Francisco Bernardino Silva (PSD): - Sr. Presidente, acompanhei a intervenção do Sr. Deputado Lino de Carvalho e há uma matéria que gostaria de ouvir o Sr. Deputado aprofundar, a referente aos capitais e ao financiamento das cooperativas. Sabemos que um dos principais problemas do sector cooperativo e das cooperativas é a necessidade de financiamento e as dificuldades de aceitação ao mesmo. O Sr. Deputado criticou a questão da necessidade de se constituírem cooperativas com 400 contos de capital mínimo. Devo dizer-lhe que há hoje um consenso no sector sobre essa matéria - ninguém questiona esse valor: Quatrocentos contos é um valor que se considera bom pára se constituir uma cooperativa.
Mas a questão que queria colocar é a seguinte: que mecanismos financeiros entende o Sr. Deputado devererão ser desenvolvidos no sentido de reforçar o capital das cooperativas, de reforçar o financiamento das cooperativas? Penso que esta é uma matéria importante e que merece uma adequada ponderação na altura em que se discute a revisto do Código.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Igualmente para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Presidente, como o Sr. Deputado Lino de Carvalho disse que obteve por vias «ínvias» a cópia sobre a qual teceu as críticas que ouvimos, gostaria que nos dissesse onde é que foi buscar essa cópia porque o que referiu a respeito dos membros da direcção, tanto das cooperativas como das federações, não é o que consta das minhas notas nem do projecto que tenho.
Relativamente à parte dos órgãos sociais, tenho elementos que dizem: «a direcção é composta por pessoas singulares, membros da união ou das cooperativas filiadas»; e, no que respeita às federações de cooperativas e finalidades das mesmas, diz: «os órgãos sociais das federações são os previstos para as cooperativas do primeiro grau, sendo os órgãos eleitos compostos por pessoas singulares membros das cooperativas filiadas».
O Sr. Deputado deve ter ido buscar outra versão, não sei onde, pelo que o meu pedido de esclarecimento é o seguinte: onde é que foi buscar essa versão, a tal «ínvia», que, realmente, é ínvia!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, começando por responder ao Sr Ministro, direi que a versão da proposta de novo Código Cooperativo enviada aos parceiros sociais, sobre a qual deram vários pareceres que tenho em minha posse, diz, no artigo 83.º, n.º 3, do capítulo IX - Uniões, Federações e Confederações -, o seguinte: «órgãos sociais das uniões: a direcção é composta por pessoas singulares, membros ou não, da união ou das cooperativas filiadas». Como sabe, Sr. Ministro, isto foi aprovado em Conselho de Ministros.
E já que o Sr. Ministro não nos quer «enganar», vou contar-lhe a história: isto foi aprovado em Conselho de Ministros, depois disto houve entidades do sector cooperativo que levantaram esta questão e o Governo afirmou a possibilidade e a disponibilidade para eliminar a palavra «não». Mas esta foi a proposta aprovada em Conselho de Ministros, e aí estão os pareceres!

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: - Ainda não foi nada aprovado em Conselho de Ministros! Apenas foi aprovado o pedido de autorização legislativa!

O Orador: - Não foi? Então, se não foi nada aprovado em Conselho de Ministros, pergunto-lhe o que é que significa o comunicado do Conselho de Ministros, de Outubro, que diz: «o Governo aprovou hoje uma proposta de novo Código Cooperativo». É só o pedido ou é o próprio Código Cooperativo, Sr. Ministro? Quer que lhe ofereça o comunicado do Conselho de Ministros?

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: - Não, não!

O Orador: - Sr. Ministro, a questão está nisto mesmo. Como o Governo nos escamoteia os textos que estão a aguardar autorização legislativa, traz para aqui argumentação que promove uma não discussão. Isto é, o Sr. Ministro diz que

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os elementos que foram aprovados em Conselho de Ministros não são estes que referimos; e nós temos os documentos que são enviados aos parceiros sociais, porque o Governo não envia os seus documentos à Assembleia da República como estão. Portanto, até mais ver, esperemos pela publicação do Código Cooperativo no Diário da República e esperemos, se for caso disso, na altura, pela sua ratificação em sede da Assembleia da República. O Sr. Ministro evitaria isto se nos tivesse enviado a tempo e horas o projecto do novo Código que, efectivamente, foi aprovado em Conselho de Ministros, que foi enviado aos parceiros sociais e na base do qual eles têm dado os seus pareceres.
Passo a responder ao Sr. Deputado Francisco Bernardino Silva. Estou de acordo consigo: é preciso encontrar soluções para o financiamento de capitais para as cooperativas. O aumento do capital é uma via. A questão que coloco, e sobre a qual me interrogo, é a do aumento de oito vezes do capital mínimo actual, porque as cooperativas não são todas iguais. Como o Sr. Deputado sabe, e bem, há cooperativas e cooperativas, há sectores e sectores, e, por exemplo, um capital desta dimensão pode inviabilizar a constituição de pequenas cooperativas de artesanato. Não ponho em causa o aumento de capitais, o que acho é que o aumento é exagerado.
Outra linha de financiamento e de apoio financeiro às cooperativas tem a ver com a política fiscal e de apoio financeiro do Governo. Como o Sr. Deputado sabe tão bem como eu - e sei que está de acordo comigo neste aspecto -, o que tem acontecido nos últimos anos é uma retirada dos benefícios fiscais que, a seguir à publicação do Código Cooperativo, foram consagrados noutro diploma que foi publicado. Esses benefícios fiscais têm sido retirados e têm-se, ilegitimamente, igualado as cooperativas ao sector privado não cooperativo, e com isso também se tem dificultado este financiamento.
Uma outra questão, por exemplo, é abrir e regulamentar o ramo de crédito, que não está regulamentado, como sabe - só funcionam as Caixas de Crédito. O acesso ao ramo de crédito em pleno é uma questão fundamental para o financiamento das cooperativas.
Por outro lado, podem ser emitidos títulos de investimento, podem até ser emitidas obrigações. Agora, o que não é obrigatório é que quem compra esses títulos tenha de ser associado da cooperativa e tenha de ter direito a voto na assembleia geral - pode ter sempre um controlo através de outros sistemas de fiscalização que se organizem sobre a cooperativa e sobre os títulos de investimento que avança para a cooperativa. Há, pois, soluções sem subverter os princípios cooperativos, como o novo Código aponta.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.

O Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados, uma das interrogações que perpassa hoje por todas as pessoas ligadas ao movimento cooperativo tem a ver com as razões que levaram o Governo a solicitar agora à Assembleia da República uma autorização legislativa para alterar o Código Cooperativo. Que razões levam um governo politicamente paralisado pelo tabu, corroído pelas divergências públicas no partido que o suporta e praticamente no final de uma legislatura para esquecer, o que leva um governo com estas características a apresentar apressadamente este pedido de autorização legislativa?
A resposta só pode ser encontrada no momento de enorme fragilidade que o Governo atravessa. Um momento habilmente aproveitado por quem viu a oportunidade de fazer valer os seus pontos de vista e os seus interesses. Um momento de desorientação e fragilidade que deixou campo aberto aos lobbies.
Por outro lado, não deixa de ser caricato que sendo já conhecido um projecto de articulado - e aproveito para referir que, afinal de contas, o articulado que me chegou às mãos, parafraseando o Sr. Deputado do PCP, também «de forma ínvia», não sendo, apesar de tudo, igual à versão que ele tem, no aspecto aqui referido também diz «membros ou não da união»...

O Sr Limo de Carvalho (PCP): - Já somos dois!

O Orador: - Portanto, coloca-se, desde logo, aqui um problema, que é o de saber, de facto, que tipo de autorização legislativa é que estamos a dar ao Governo, e para quê, porque o resultado pode vir a ser completamente distinto do que aqui referimos.
Mas, dizia eu que, existindo já um projecto de articulado, contendo as alterações que se pretende aprovar, ao Parlamento, aos Deputados, se enviou apenas um enunciado de princípios e se utilizou a figura da autorização legislativa acompanhada do respectivo articulado. Do nosso ponto de vista, este procedimento é, de todo, reprovável.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, ninguém recusa a necessidade de se proceder à revisão do Código actualmente em vigor. O que também quase todo o movimento cooperativo considera é que as dificuldades que o sector atravessa, não resultam do Código mas sim das políticas que o Governo tem posto em prática, e ninguém aceita que se procure colmatar a falta de uma política de desenvolvimento cooperativo com uma simples revisão do Código. Não é isto que vai resolver o problema!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Reforçar a capacidade empresarial das cooperativas é um objectivo louvável, desde que se respeitem os princípios em que se baseia o movimento cooperativo. Respeitar essa especificidade própria das cooperativas deveria ser um dos principais objectivos de qualquer revisão do Código, até pelos riscos de inconstitucionalidade em que se incorrerá se assim não for. É que os princípios cooperativos, como aqui também já foi referido, da Aliança Cooperativa Internacional integram a ordem jurídica portuguesa e tudo o que venha a contrariar esses princípios incorrerá em risco de inconstitucionalidade.
Ora, o que já se vislumbra, é uma profunda e irremediável contradição entre o que se enuncia e o que depois se pretende alterar. Pôr em causa, nas cooperativas de primeiro grau, a regra «um cooperador, um voto», é um feroz ataque a um dos mais sagrados princípios do cooperativismo e, desde logo, é procurar consagrar uma norma inconstitucional. O mesmo se pode dizer em relação a qualquer tentativa de distribuir os excedentes aos cooperantes por outra causa que não seja a resultante das operações que eles próprios tenham realizado com a cooperativa.
Estes dois exemplos são, só por si, suficientes para justificar inquietação e para que tudo o resto, mesmo alguns aspectos positivos que também resultam das intenções enunciadas no pedido de autorização legislativa, devam ser analisados exaustivamente. Sob a capa da eficácia, ou de dotar de eficácia as cooperativas, o que nos parece que se vislum-

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bra e uma tentativa de descaracterizar as cooperativas, acabando por acentuar uma certa subalternidade com que já são tratadas pelos poderes públicos em relação a outras empresas.
É por isso que não votaremos favoravelmente esta autorização legislativa e anunciamos já que pediremos a ratificação do decreto após a sua aprovação pelo Governo. Não prescindimos da discussão sobre as soluções concretas e queremos associar a essa discussão os representantes das diversas estruturas do movimento cooperativo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pais de Sousa

O Sr. Luís Pais de Sousa (PSD). - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados. As mutações operadas nos últimos anos na sociedade e na economia do nosso País, designadamente por força da participação de Portugal na Comunidade, agora União Europeia, suscitaram significativas alterações na vida e regime das pessoas colectivas em geral, e das cooperativas em particular. Nesta perspectiva, a nossa realidade cooperativa implica uma permanente e profunda reflexão, à luz dos princípios cooperativos
Da teoria às práticas, passando pelos quadros legais e estatutários, ou regulamentadores, é bom ter presente a história do cooperativismo em Portugal. Com efeito, a partir de meados do século XIX, o espírito e a actividade cooperativas, ao lado de outras estruturas associativas e mutualistas, dão expressão à capacidade empreendedora daqueles que, por deterem menores recursos financeiros, requerem entreajuda e solidariedade. E assim surgiram, como suportes legislativos, a Lei das Sociedades Cooperativas de 1867, bem como, mais tarde, as disposições aplicáveis do Código Comercial de 1888. Contudo, só com a actual Constituição é que se estabelecem os chamados direitos cooperativos e se criam os apoios legislativos que deram lugar a um significativo desenvolvimento cooperativo e social, que viria a culminar no Código de 1980.
Este normativo, que reforçou a autonomia das nossas cooperativas - que, na pureza dos princípios, constituem o melhor exemplo de organizações económicas centradas na pessoa humana- deu lugar depois a uma intervenção significativa do legislador na criação de outros diplomas. Só que o Código Cooperativo de 1980 está hoje confrontado com novas situações e realidades económicas, políticas e até tecnológicas, para as quais já não oferece resposta cabal. Daí que seja imperioso criar condições para que as cooperativas se afirmem no mercado de hoje - certamente à luz dos princípios que doutrinalmente lhe têm de estar subjacentes - mas numa óptica que é de actualização das suas práticas, como verdadeiras empresas que também são E isto sem omitir o importantíssimo papel que às cooperativas também tem cabido enquanto factor de desenvolvimento regional e local, isto é, de ligação às comunidades concretas.
Por outro lado, registamos o desempenho principológico (já hoje aqui referido por várias vezes) da Aliança Cooperativa Internacional, sendo certo que actualmente, no espaço da União Europeia, já se trabalha num projecto de regulamento da Sociedade Cooperativa Europeia.
Dito isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que á facto e que a Assembleia da República foi hoje chamada é pronunciar-se sobre uma proposta de lei de autorização legislativa no sentido de habilitar o Governo a aprovar um novo
Código Cooperativo. Assim, decorridos catorze anos de vigência do actual Código, num balanço que já hoje foi aqui tido como positivo, impõe-se um reforço da capacidade das cooperativas, numa linha de aumento da sua autonomia e da participação dos seus membros, bem como de afirmação da transparência no movimento ou sector.
Com esta reforma, pretende-se, basicamente, sem abrir mão do núcleo essencial de regras caracterizadoras do sector cooperativo, deixar maior espaço de auto-regulação aos entes em causa. Por outro lado, aponta-se para uma afirmação mais cabal da chamada polivalência - entenda-se, consagração a vários níveis da possibilidade de as cooperativas desenvolverem livremente a sua actividade para além da principal - o que, no caso das uniões será decisivo, se vierem a poder agrupar cooperativas de diferentes ramos.
Outra inovação, prevista na autorização ora pedida pelo Executivo, é a da existência de membros investidores não utilizadores, ou não produtores, da cooperativa. Aqui, no que virtualmente se traduz em distorção de princípios, pretendeu-se seguir algo que está, por força das pressões do mercado, a ser implementado em vários Estados da União, como já hoje foi aqui referido, na Espanha, na França e até na Itália, numa tentativa de captar investimento, face aos limites do autofinanciamento e face também à concorrência das sociedades comerciais. Trata-se de encontrar novas formas de reforço de capitais próprios, matéria que, em nossa opinião, não deve perder de vista os basilares princípios cooperativos, designadamente a noção essencial de que as cooperativas não visam fins lucrativos, o que, desde logo, condiciona a tipologia do membro investidor, bem como os limites temporais, e outros, da sua eventual intervenção.
Tal tem a ver com o problema do financiamento das cooperativas. Com efeito, o Código em projecto, para lá de um aumento do capital social mínimo para constituição de cooperativas, aponta, face a exigências do mercado e à incapacidade financeira relativa dos cooperadores em geral, aponta, repito, para novos esquemas de autofinanciamento, estabelecendo-se a possibilidade de emissão de obrigações e de títulos de investimento.
Mas, além do reforço da autonomia, é fundamental incentivar as cooperativas a uma cada vez maior transparência, quer de procedimentos, quer ao nível da decisão. A sua importância sócio-económica requer grande profissionalismo na sua gestão, bem como formas claras de verificação e controlo das suas actividades e contas. Daí a obrigatoriedade proposta de revisor oficial de contas nas cooperativas de maior dimensão, em função de critérios como o número de cooperadores e trabalhadores, balanço, proveitos, etc., e também a já hoje aqui mencionada necessidade de auditorias. É também por esta via que a instituição cooperativa ganha credibilidade junto dos próprios cooperadores e dos agentes económicos com quem se relaciona
A nível da estrutura interna, proeurou-se aligeirar os órgãos sociais, na sequência da reflexão que vem sendo feita sobre a possibilidade de criação de órgãos unipessoais nas cooperativas de menor escala. Paralelamente, prevêem-se as assembleias de delegados, que a legislação ainda vigente apenas prevê para as cooperativas agrícolas, apontando-se também para a existência de assembleias sectoriais, em função de um critério geográfico ou de área de actividade, matéria actualmente omissa.
Com base na experiência, sabe-se que o número, por vezes muito grande, dos membros da cooperativa têm feito cair a sua participação, que, no fundo, é a razão de ser daquela. Assim sendo, o futuro Código baixará para cinco o número mínimo de cooperadores necessário para constituir

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uma cooperativa de primeiro grau; isto sem prejuízo de diplomas complementares poderem ulteriormente, prever, para cada ramo em especial, um número mínimo superior. Também nas uniões, federações e confederações, o número mínimo de associados cairá de três para dois.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, cumpre-nos, finalmente, acrescentar que a proposta de lei em apreço define cabalmente o objecto da autorização. E, dado que o Governo pretende legislar em matéria que integra a reserva relativa de competência da Assembleia da República, afigura-se-nos que a presente proposta de autorização define cabalmente o seu sentido e extensão. Acresce que, do nosso ponto de vista, a componente política das medidas legislativas ora propostas se encontra consubstanciada no debate parlamentar de hoje e na ampla reflexão e diálogo que a precedeu noutras sedes e que vem de ter lugar no sector. Acompanhamos, assim, com expectativa e aplauso, esta proposta de lei, pelo que o Grupo Parlamentar do PSD desde já anuncia que lhe conferirá o seu voto positivo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desconhecendo o teor concreto do Código que o Governo se prepara para aprovar, não quero, em representação deste grupo parlamentar, deixar de, resumidamente, manifestar à Câmara e ao Governo o sentir desta bancada sobre a realidade cooperativa portuguesa, que é pelo menos tão complexa como todo o tecido económico em que se encontra inserido.
Com efeito, e salvo raras e honrosas excepções, é hoje manifesta a debilidade de grande maioria das cooperativas. Desde logo, porque a maior parte delas se encontra ligada a sectores reconhecidamente em crise, nomeadamente o sector primário (agricultura e pescas), e o sector da habitação.
Importa também referir que o sector cooperativo, sem esquecer a vantagem social que a sua especificidade mutualista necessariamente acarreta, não pode, ao contrário do que muitas vezes aconteceu na sua história recente, constituir arma de arremesso político, e se pretende sobreviver sem ser na dependência financeira, logo, política, do Estado, tem de ser cada vez mais encarado como um sector da economia que vive os problemas desta, porque nela está mergulhado.
Portanto, cada vez mais o Estado deve encará-lo com a mesma bondade com que encara qualquer outro sector económico. Só assim estamos seguros de que o sector cooperativo deixará de ser o mais fraco elo da nossa economia e só assim passará a contribuir eficazmente para o desenvolvimento económico e social do nosso país.
E afirmamos isto com a consciência clara de que retirar das concepções cooperativistas a sua carga política e ideológica, ou mesmo filosófica, que objectivamente tornou o Estado um mentor e sobretudo tutor das cooperativas, e encarar o sector como um conjunto de agentes económicos que têm por fonte a liberdade contratual e associativa dos cidadãos envolvidos, sem concorrência e complementaridade com os sectores público e privado da economia, não é diminuir a sua importância ou apostar no seu desaparecimento, como algumas mentes maldosas ou simplesmente ingénuas poderão pensar. É, pelo contrário, apostar e acreditar neste sector como um elemento válido para o desenvolvimento económico e do bem-estar de toda a sociedade.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma cooperativa útil aos seus membros e à sociedade é uma cooperativa economicamente eficaz e financeiramente estável. Tudo o resto são bonitas declarações de princípio, e vem sendo demonstrado que mais não resulta do que em engodo, frustração e desânimo dos que nelas confiaram.
Sendo certo que o nosso cooperativismo se pode considerar integrado nas concepções predominantes que ainda hoje caracterizam a generalidade das países do sul da Europa, o certo é também que há muito encontramos em países como a Alemanha, a Dinamarca, a Inglaterra e mesmo a França, um outro cooperativismo, independente do Estado, economicamente eficaz, e que, apesar disso - o que para alguns pode parecer estranho -, sobrevive em economias de mercado fortes e concorrenciais, desempenhando um papel importante no seu seio.
Em conclusão, direi que é por isso que compreendemos que, mais do que rever ou substituir normativos, deverá ser modificado o prisma pelo qual encaramos o fenómeno cooperativo, adaptando a sua realidade às condições concretas que o rodeiam.
Parece que tal desiderato foi tentado nos princípios formulados no articulado da proposta de lei que ora debatemos. No entanto, e porque o Governo não nos apresentou nem o anteprojecto do Código Cooperativo, que seguramente têm em preparação, nem é suficientemente claro na exposição de motivos quanto aos seus propósitos e as suas possíveis consequências no sector cooperativo, o Grupo Parlamentar do CDS-PP abster-se-á na votação da presente proposta de lei.

O Sr Presidente (José Manuel Maia): - O Sr. Deputado Lino de Carvalho pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Limo de Carvalho (PCP): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Presidente, há pouco ouvi o Sr. Deputado Luís Pais de Sousa citar vários aspectos do novo Código Cooperativo que não vêm no pedido de autorização legislativa. Estou a lembrar-me, por exemplo, da citação dos órgãos unipessoais, que não vêm no pedido de autorização legislativa embora exista no texto do Código.
No fundo, através da Mesa, gostaria de perceber se a versão do Código que tenho - e que já não é a mesma do Sr. Ministro- é a igual à do Sr. Deputado Luís Pais de Sousa. E, deste modo, como é que compatibilizamos isto tudo?

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, como estamos no quadro de uma autorização legislativa é possível que haja três versões ou mais. Quem saberá?
Está encerrado o debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 117/VI. A respectiva votação terá lugar na próxima quinta-feira.
Srs. Deputados, finalmente, vamos proceder ao debate da proposta de resolução n.º 85/VI - Aprova o Acordo por Troca de Notas sobre Supressão de Vistos entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República da Croácia.
Como o relator não se encontra presente, damos o relatório como apresentado e entramos no debate propriamente dito.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas.

O Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas (Luís Sousa Macedo): - Sr Presidente,

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Srs. Deputados: Gostaria de salientar as motivações que estiveram por detrás da decisão do Governo português de concluir um acordo de supressão de vistos entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da Republica da Croácia.
Convém referir que, em Março de 1994, Portugal denunciou o acordo de supressão de vistos que vigorava com a Jugoslávia desde 1975, ficando, assim, sujeitos à necessidade de visto os nacionais dos novos Estados resultantes do desmembramento da ex-Jugoslávia, incluindo os da Croácia
Para colmatar este vazio, e verificada, igualmente, a iniciativa das autoridades croatas, que, unilateralmente, adoptaram a prática de isenção de vistos aos nacionais portugueses, foi iniciado um processo para a conclusão de um acordo bilateral entre as Repúblicas da Croácia e de Portugal, à semelhança, aliás, do que tinha sido feito com outros Estados.
Este Acordo prossegue, tal como o Acordo de supressão de vistos com a Eslovénia, recentemente ratificado pela Assembleia da República, tendo, entre outros objectivos, o da harmonização da política nacional em matéria de vistos e de circulação de pessoas na Europa, a que Portugal se comprometeu, nomeadamente, pela adesão, em Junho de 1991, ao Acordo de Schengen.
De referir ainda que, do ponto de vista da segurança e da imigração - e após as necessárias consultas aos organismos competentes -, não se prevê que os cidadãos desta República possam vir a colocar problemas ao nosso país por forma a pôr em risco a segurança nacional, nem se prevê um afluxo desmesurado de cidadãos daquela República a Portugal.
Acresce que a Croácia não está incluída na lista dos países cujos nacionais estão obrigatoriamente sujeitos a visto.
Uma vez efectivada a troca de notas entre os Ministérios dos Negócios Estrangeiros português e croata, submete-se, assim, à aprovação da Assembleia da República, para ratificação, o Acordo por Troca de Notas sobre Supressão de Vistos entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República da Croácia.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado: Naturalmente não iremos opor-nos à supressão de vistos entre Portugal e a Croácia, tal como não nos opusemos quando propostas semelhantes foram apresentadas pelo Governo, sobretudo recentemente, em relação à Eslovénia, como o Sr Secretário de Estado referiu, apesar de - e dizemo-lo à margem -, ainda não há muito tempo, termos tido a notícia de que um cidadão português foi tratado de uma forma indigna em território esloveno. Aliás, creio que a Assembleia da República mereceria, da parte do Governo, alguma informação sobre as diligências diplomáticas que foram tomadas na sequência desse incidente.
Como disse, não iremos opor-nos a esta proposta de resolução, mas seria interessante que, um dia destes, travássemos aqui, na Assembleia, um debate sobre a política que o Governo segue em matéria de supressão de vistos. Ni verdade, temos sido confrontados com várias propostas avulsas para a supressão de vistos com este ou com aquele país e interessava que a Assembleia soubesse que ideia tem o Governo relativamente a uma política mais global do vistos. Isto porque há países com quem Portugal mantém um tradicional relacionamento, cujos cidadãos não só carecem de visto para entrar em Portugal como têm também uma extraordinária dificuldade em obtê-lo.
Integrei, recentemente, uma delegação da Assembleia da República que esteve em Cabo Verde, onde ficámos a saber que a obtenção de um visto para entrar em Portugal é motivo de candonga. Isto e, o cidadão cabo-verdiano que queira obter um visto para entrar em Portugal tem de comprar um lugar na bicha que se forma à porta da Embaixada de Portugal, cujos primeiros lugares são ocupados para que haja tráfico, a pretexto da dificuldade que é, para o cidadão cabo-verdiano, a obtenção do visto.
Este é apenas um exemplo, que dou para dizer que interessava termos uma ideia do que é que o Governo pensa sobre o relacionamento do Estado português com outros Estados do mundo e sabermos se há uma política de supressão de vistos ou se essa política é apenas ditada por compromissos assumidos, designadamente a nível dos acordos de Schengen, sem que Portugal tenha, afinal, uma palavra autónoma a dizer.
Era apenas isto o que eu gostava de perguntar ao Sr. Secretário de Estado

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas

O Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe: Relativamente à primeira questão devo dizer-lhe que, de facto, temos conhecimento de uma situação de que foi vítima um cidadão português na Eslovénia.
Como pode calcular, imediatamente o Governo português, através dos circuitos normais, os diplomáticos, entregou uma nota de protesto ao Governo da Eslovénia. Como não podia deixar de ser, estamos a acompanhar o assunto através da nossa Embaixada em Viena, uma vez que não existe embaixada portuguesa na Eslovénia.
Ainda hoje tive a oportunidade de insistir junto dessa nossa Embaixada no sentido de pressionar o Governo da Eslovénia para dar uma cabal explicação do que se passou.
Relativamente à outra matéria, se é que entendi bem, o Sr. Deputado desafiou-nos para que, no momento oportuno, se fizesse um debate sobre a política de supressão de vistos.
Como é evidente, Sr. Deputado, o Governo português está à disposição da Assembleia da República e interessado em que esse debate venha a realizar-se um dia, no momento em que for convencionado.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes Silva

O Sr. Rui Gomes Silva (PSD) - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O meu companheiro e amigo, Deputado Sousa Lara, tinha sido incumbido, como relator, de aqui apresentar o parecer votado em Comissão sobre a proposta de resolução n.º 85/VI, que aprova o Acordo por Troca de Notas sobre Supressão de Vistos entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República da Croácia.
Todavia, o Deputado Sousa Lara encontra-se neste momento a receber, na Universidade Moderna, o prémio Nobel Camilo José Cela, patrocinando a atribuição do título de catedrático honorário daquela Universidade, o que muito me honra na minha qualidade de docente daquela instituição privada de ensino superior Por essa razão, usarei da palavra no seu lugar

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Sr. Presidente, Srs Deputados: Onze anos após a morte do ditador Tito, em 1991, a guerra civil instalou-se na Croácia, alastrando no ano seguinte para a Bósnia-Herzegovina.
No final de 1992, estimavam-se já em mais de 150 000 os mortos e desaparecidos nesta guerra cruenta, ultrapassando o escandaloso número de 2 milhões a cifra de desalojados.
A Sérvia e o Montenegro declararam-se herdeiros da Federação Jugoslava, não sem que a comunidade internacional lhes impusesse sanções económicas pesadas.
A Croácia, tal como a Eslovénia, declarou em 1991, no mês de Junho, mais precisamente, a sua independência, mantendo-se a situação conflituosa em virtude das reclamações servias sobre as zonas quê lhes eram afins, quer em termos culturais, quer em termos étnicos.
Vem, para aqueles dois países, o imediato reconhecimento alemão da sua independência, em Dezembro de 1991, a par do arrastamento dos referidos conflitos, entre outras, pelas novas questões da Macedónia, em que se debatem interesses da Grécia (e, portanto, da União Europeia), e do Kosovo, reclamado à Sérvia pela Albânia.
A instabilidade balcânica é, como sabemos, uma circunstância latente. A sua situação geopolílica torna-a apetecível, como zona-tampão que já foi prolongamento de vários impérios europeus, só neste século, desde o otomano ao soviético, do austro-húngaro ao alemão nazi.
Daí que a desestabilização nesta zona do globo envolva, muito imediata e directamente, os interesses de vários outros Estados da região, como a Albânia, a Alemanha, a Bulgária, a Grécia e a Turquia.
O mundo desenvolvido encara quotidianamente, com estupefacção, o arrastar do morticínio na área da ex-Jugoslávia, durante todos estes anos, esquecendo que, incendiadas as paixões e os ódios, a política tem ainda menos a ver com a lógica e com a razão do que é habitual em ocasiões de estabilidade e normalidade.
Lembro, neste contexto difícil, as sempre verdadeiras palavras do Papa Paulo VI, que dizia: «O desenvolvimento é o novo nome da Paz».
Ora, o desenvolvimento destes novos Estados europeus, e da Croácia, em particular, com os seus 4,5 milhões de habitantes, num território pouco maior do que metade do nosso país, não pode fazer-se sem o apoio empenhado e decidido dos países mais prósperos e ricos em estabilidade e democracia, como os que constituem a União Europeia.
Suprimir os vistos, nos termos do presente Acordo, pode parecer uma medida insignificante, no âmbito da magnitude dos problemas que assolam esta região. Mas é, sem dúvida, um passo importante para que outros possam ser dados por cidadãos, empresas, instituições culturais e académicas (e mesmo, porque não, pelos Estados) que materializem o progresso económico, o desenvolvimento e a paz naquela região.
O Mundo torna-se assim, pela aprovação deste Acordo, um tudo-nada mais aberto e mais solidário. Quanto mais não fosse, só por isso já valeria a pena.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Martins Goulart.

O Sr. Martins Goulart (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado das Comunidades Europeias, Sr.ªs e Srs. Deputados: Encontra-se inscrita na ordem do dia do debate comunitário a definição de uma política comum de vistos da União Europeia relativamente a cidadãos de países terceiros.
Por determinação do Tratado da União Europeia, até 1 de Janeiro de 1996, o Conselho Europeu, deliberando por maioria qualificada, sob proposta da Comissão e após consulta do Parlamento Europeu, adoptará as medidas conducentes à criação de um modelo único de visto como condição necessária para a realização do mercado interno e a concretização da livre circulação das pessoas.
No contexto desta disposição, o Parlamento Europeu debateu na passada segunda-feira o relatório da autoria do Deputado Klaus-Heiner Lehne, sobre a proposta de regulamento do Conselho que estabelece um modelo-tipo de visto para toda a União Europeia
Apesar de esta ser uma proposta destinada a precisar aspectos marcadamente técnicos, tal iniciativa não deixa de constituir um passo importante orientado no sentido da harmonização da política de vistos.
O Relatório Lehne alerta, com ênfase, para o facto de que permanece ainda em situação de impasse a resolução de algumas questões essenciais, como «as medidas relativas à definição de uma lista dos países terceiros cujos cidadãos necessitam de visto para entrar nas fronteiras externas da União, ou a harmonização dos controlos das pessoas nessas fronteiras externas.»
Durante o debate do Relatório Lehne, a posição do Partido Socialista foi defendida pelo Deputado Barros Moura, que interveio para manifestar o seu apoio à viabilização de uma política comum de vistos, tendo especialmente salientado que o objectivo fundamental a atingir, por essa via, se resume em «garantir a livre circulação de pessoas na União Europeia em termos que garantam a segurança dos cidadãos, sem imporem discriminações ilegítimas aos cidadãos de países terceiros que não podem ser vítimas de uma Europa securitária e fechada ao exterior.»
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados Alargada a 15 membros, desde o início deste ano, a União Europeia continuará, nos próximos tempos, o debate sobre a política comum de vistos, sem prejuízo de ter de iniciar a preparação da adesão de todos os países da Europa com os quais concluiu acordos europeus.
O Conselho Europeu de Essen, realizado em Dezembro último, relembrou essa obrigação.
Mas esse mesmo Conselho de Essen, ainda no domínio das relações externas da União Europeia, relevou a importância das relações transatlânticas com os Estados Unidos e o Canadá, com base nas Declarações Transatlânticas de Novembro de 1990. O Conselho de Essen atribuiu também um significado especial ao acordo manifestado nas cimeiras União Europeia/Canadá, a 6 de Julho de 1994, em Bona, e União Europeia/Estados Unidos da América, a 12 de Julho de 1994, em Berlim, no sentido de se continuarem a aprofundar essas relações.
Mais recentemente e em reunião com o Presidente da Comissão Europeia, Jacques Santer, o Secretário do Comércio dos Estados Unidos, Ron Brown, defendeu que «os Estados Unidos e a União Europeia devem procurar um novo consenso transatlântico sobre o futuro das relações comerciais bilaterais».
A este propósito, o Secretário do Comércio norte-americano identificou os objectivos que passo a elencar: reduzir ainda mais as barreiras tarifárias e não tarifárias entre os Estados Unidos e a União Europeia, no domínio do comércio e do investimento; criar uma nova forma de cooperação entre os Estados Unidos e a União Europeia, ao nível bilateral; acelerar a integração dos países da Europa Central e Oriental e da ex-URSS na economia mundial; encorajar a incorporação de novos países industrializados e dos países em desenvolvimento na economia mundial e evitar conflitos euro-americanos nestes mercados; por último, reforçar a cooperação bilateral no desenvolvimento da informação.

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Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A demonstrada existência e a importância de um novo estádio de relacionamento da União Europeia com os Estados Unidos e o Canadá, caracterizado principalmente pelo atenuar de barreiras, o acentuar da cooperação económica e a harmonização de medidas de política, implica uma participação actualizada de Portugal neste processo.
Vocacionado para a intervenção euro-atlântica (em função da sua História e da sua situação geoestratégica, Portugal deveria estar já a desempenhar um papel bem mais activo no desenvolvimento das relações transatlânticas da União Europeia com os Estados Unidos e o Canadá.
A condição de inferioridade em que o País ainda se conserva, no domínio da afirmação da sua identidade como parceiro europeu, suscita-nos uma fundada reacção de perplexidade.
Não é seguramente em defesa do interesse nacional nem a favor da União Europeia que a desvalorização d& dimensão atlântica de Portugal produz efeitos.
Pelo contrário, a projecção de Portugal no Atlântico, histórica e estrategicamente ancorada nos Açores, deverá ser, quanto antes, reafirmada e desenvolvida no novo palco das relações euro-atlânticas.
Não avalizamos, por isso. o estatuto menor que pauta a actuação do Governo no quadro das relações da União Europeia com os Estados Unidos e o Canadá, designadamente quanto à política de vistos, em que Portugal é singularmente objecto de discriminação, embora seja membro de pleno direito da União Europeia.
Porque hoje tratamos o tema da supressão de vistos, faz sentido questionar, aqui e agora, o Governo - pelo que interpelo V. Ex.ª, Sr. Secretário de Estado - sobre a razão ou razões que determinam a Portugal a indesejável condição de ser o único Estado membro da União Europeia com quem o Canadá mantém a exigência de vistos e, na companhia da Irlanda e da Grécia, seja também distinguido com idêntica e desonrosa deferência por parte dos Estados Unidos.
Porque consideramos razoável que se invoque o princípio da reciprocidade e para que cesse a prática discriminatória, que naturalmente nos indigna, propomos ao- Governo que promova junto da Administração dos Estados Unidos e do Governo Canadiano diligências urgentes, visando o estabelecimento de um acordo de supressão de vistos entre Portugal e estes países amigos e aliados da América do Norte.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ao realizarmos este apelo, na oportunidade que este debate nos oferece, desejamos tão-somente continuar a pugnar pelo o reforço - e peço autorização para citar - de uma «ideia da Europa que interessa a Portugal.»

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: Termino, retomando a questão específica que hoje aqui nos traz.
Como tive a ocasião de referir, a futura integração dos Estados da Europa Central na União Europeia recomenda o estreitamento dos laços de cooperação política e económica entre estes e os Estados membros da União.
A presente proposta de resolução, que visa a aprovação de um acordo de supressão de vistos entre Portugal e a República da Croácia, vai, por isso, merecer o apoio, sem reservas, do Grupo Parlamentar do PS.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.

O Sr. Manuel Queiró (CDS-PP) - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, naturalmente, também não nos oporemos à aprovação desta proposta de resolução, relativa ao Acordo sobre a Supressão de Vistos entre Portugal e a Croácia. Em todo o caso, pedi a palavra para colocar algumas questões, que correspondem a outras tantas reservas
Foi aqui invocado o exemplo da Eslovénia, para justificar este Acordo por parte de Portugal Ora, parece-nos que as situações não são inteiramente equivalentes. Apesar de serem dois países originários da desintegração da ex-Jugoslávia, acontece que a Croácia é um país que, pelo menos indirectamente, está envolvido no conflito da Bósnia e há cidadãos bósnios que são, ou tendem a ser, ao mesmo tempo, nacionais da Croácia. Pelo menos, é essa a política oficial, ou oficiosa, da República da Croácia e isso coloca a possibilidade de esse conflito originar movimentos migratórios. Esses bósnios de origem croata, ou croatas pertencentes à Bósnia, não terão dificuldades, a meu ver, em obter o passaporte, único documento necessário para entrar em Portugal. Pretendia que o Governo, no tempo de que dispõe, pudesse esclarecer-me sobre se esta possibilidade foi estudada ou encarada pelo Governo português e quais as cautelas ou reservas de que se muniu para actuar numa circunstância desse tipo.
Finalmente, parece-nos que o facto de a Croácia, unilateralmente, ter suprimido os vistos de entrada de portugueses na Croácia é, em si mesmo, revelador do interesse que esse país tem na eliminação dessas barreiras Porém, não obstante a assinatura e a aprovação, por parte de Portugal, de acordos internacionais e europeus sobre esta matéria, pensamos que ela não deveria ser avançada para cada país de uma forma absolutamente casuística, impondo-se aqui a realização de algum debate e a fixação de alguma filosofia, em conjunto com o Parlamento, sobre a política de supressão de vistos de Portugal no contexto europeu e também no contexto da comunidade lusófona, que, como sabe, é uma matéria que nos diz bastante respeito.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas.

O Sr. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, quanto à primeira questão, relativa, como o Sr. Deputado disse - e muito bem -, aos países amigos dos Estados Unidos e do Canadá, evidentemente é penoso para Portugal, o que já por diversas vezes foi expresso aos respectivos Governos, quer dos Estados Unidos quer do Canadá, a manutenção de uma situação que nós também consideramos discriminatória Tanto mais penoso quanto quer num país quer noutro vivem largos milhares de portugueses, que, reconhecidamente, quer pelo Canadá quer pelos Estados Unidos, contribuíram de um modo significativo para o desenvolvimento daqueles dois grandes países.
Sr. Deputado, estes simples pressupostos significam que temos de ser cada vez mais incisivos, quer com uns quer com outros, para que se ponha termo a essa situação. E posso dizer-lhe - aliás, com grande satisfação - que isso tem a ver um pouco directamente com o trabalho que estamos, neste momento, a desenvolver, quer na comunidade portuguesa do Canadá quer na dos Estados Unidos, no sentido de

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incentivar a própria comunidade a colaborar com o Governo português nesses esforços e nessas pressões junto das autoridades canadianas e norte-americanas. E que nós não ficamos satisfeitos com o reconhecimento sistemático e permanente, quer por parle de um quer por parte de outro, de que os portugueses aí residentes estão perfeitamente inseridos nesses países e contribuem para o seu desenvolvimento, quando, simultaneamente, se verificam situações desta natureza, que, em algumas circunstâncias, colocam mesmo problemas de reagrupamento familiar.
Assim sendo, Sr. Deputado, o Governo português está não só atento como também fortemente empenhado na alteração desta situação.
Relativamente à questão relacionada com a Eslovénia, também em termos de precedente, detectámos estar a viver uma situação de facto em que havia um acordo de supressão de vistos com a ex-Jugoslávia. Daí decorria que cidadãos dos diversos Estados que, entretanto, emergiram do desmembramento deste país - porque eram detentores de passaporte jugoslavo -, fossem eles eslovenos, croatas, macedónios, sérvios, de qualquer nacionalidade, podiam entrar livremente em Portugal por beneficiarem desse acordo de supressão de vistos.
Assim, para colmatar uma situação, que já não tinha a ver com a ordem internacional, entendeu o Governo português denunciar esse acordo de supressão de vistos e negociar bilateralmente, casuisticamente, tendo em atenção os nossos interesses e os laços de solidariedade, de amizade ou de interesse que mantemos com esses países, acordos bilaterais de supressão de vistos.
Esta e a razão por que o fizemos com a Eslovénia e vimos pedir agora o acordo da Assembleia da República no caso da Croácia. É evidente que, se forem feitos outros pedidos, eles terão de ser analisados casuisticamente e sempre em função da defesa dos interesses de Portugal.
Finalmente, resta-me acrescentar que, quanto à dúvida e preocupação evidenciadas pelo Sr. Deputado Manuel Queiró, que o Ministério dos Negócios Estrangeiros também partilha, querendo saber se estas medidas não poderiam significar a entrada de indivíduos eventualmente não desejáveis em Portugal, a resposta categórica das autoridades competentes, nomeadamente do SEF, é que não se vislumbra que tal venha a acontecer E, operada essa consulta aos serviços competentes, não vemos razões para que este Acordo com o Governo da República da Croácia não venha a ser concretizado.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, declaro encerrado o debate da proposta de resolução n.º 85/VI - Aprova o Acordo por Troca de Notas sobre Supressão de Vistos entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República da Croácia, cuja votação terá lugar na próxima quinta-feira.
A reunião plenária de amanhã realiza-se às 10 horas, e terá como ordem do dia a apreciação do Decreto-Lei n º 292/94, de 16 de Novembro, que «Cria o Gabinete Nacional SIRENE» [Ratificação n.º 129/VI] (PCP)] e as propostas de resolução n.ºs 84/VI - Aprova, para ratificação, o Protocolo Relativo às Consequências da Entrada em Vigor da Convenção de Dublin sobre Determinadas Disposições da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen e 86/VI - Aprova, para ratificação, a Decisão do Conselho de 31 de Outubro de 1994, relativa ao sistema de recursos próprios das Comunidades Europeias (94/728/EURATOM).
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 55 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD).

Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
José Mendes Bóia.
José Pereira Lopes.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.

Partido Socialista (PS)-

António Poppe Lopes Cardoso.
João Paulo de Abreu Correia Alves.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José Manuel Santos de Magalhães

Partido Comunista Português (PCP):

António Manuel dos Santos Morteira.
Luís Carlos Martins Peixoto

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados.

Partido Social-Democrata (PSD)

António Maria Pereira.
Domingos Duarte Lima.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.

Partido Socialista (PS)

António Domingues de Azevedo.
António Manuel de Oliveira Guterres.

Partido Comunista Português (PCP):

Miguel Urbano Tavares Rodrigues

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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