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Sexta-feira, 3 de Fevereiro de 1995
I Série - Número 38
VI LEGISLATURA
4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1994-1995)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 2 DE FEVEREIRO DE 1995
Presidente: Ex.º Sr. António Moreira Barbosa de Melo
Secretários: Ex.ºs Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José de Almeida Cesário
Maria da Conceição Figueira Rodrigues
SUMÁRIO
0 Sr Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.
Antes de ordem do dia.- Deu-se conta da entrada na.Mesa do projecto de lei n.º 488/V1, de requerimentos e de respostas a alguns outros.
Foi aprovado o voto n.º 131/VI - De pesar pelo falecimento do Professor Pedro d'Orey da Cunha (Presidente da AR, PSD, PS e CDS/PP,. tendo produzido intervenções. além do Sr Presidente, os Srs Deputados Guilherme d'Oliveira Martins (PS). Vieira de Castro (PSD), Narana Coissoró (CDS-PP), António Filipe (PCP) e 15abel Castro (Os Verdes), após o que a Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.
0 Sr Deputado António Murteira (PCP) alertou para a situação da falta de água no Alentejo, suas causas e consequências Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Sousa Lara (PSD), António Martinho (PS) e Manuel Queiró (CDS-PP)
0 Sr Deputado Filipe Abreu (PSD) criticou a actuação dos autarcas socialistas no Algarve e respondeu a pedidos de esclarecimento e deu explicações ao Sr Deputado Narana Coissoró (CDS-PP) - que por sua vez deu explicações ao Sr Deputado Jaime Maria Soares (PSb) - e 15abel Castro (Os Verdes) No final, os Srs Deputados Manuel Queiró (CDS-PP) e Jaime Marta Soares (PSD). sob a forma de interpelação à Mesa, teceram ainda considerações sobre o mesmo assunto
0 Sr Deputado Armando Vara (PS) abordou o atendimento no serviço de urgências do Hospital de D Estefânia e factos ocorridos com um cidadão português na Eslovénia, tendo solicitado a intervenção do Sr Presidente nestes casos
0 Sr. Deputado Luís Carrilho (PSD) referiu-se a questões relativas à região de Seia e Gouveia.
Ordem do dia.- Foram aprovados os n.ºs - 22 a 32 do Diário.
Depois de o Sr Deputado Correia de Jesus (PSD) Ter feito a síntese do relatório elaborado pela Comissão de Inquérito Parlamentar para Apreciação do Processo de Privalização do Banco Totta e Açores (inquérito parlamentar n.º 23/VI), foi o mesmo apreciado. Intervieram. a diverso título, os Srs. Deputados Carlos Pinto (PSD), Manuel dos Santos (PS), Octávio Teixeira (PCP), Narana Coissoró (CDS-PP). Vieira de Castro (PSD), José Vera Jardim, Joel Hasse Fereira e Joaquim da Silva Pinto (PS).
Após o Sr Deputado Alberto Cardoso (PS) Ter feito a síntese do relatório da Comissão de Saúde sobre os projectos de lei n.º 479/V1 - Cria o relatório anual sobre a.situação do país em matéria de toxicodependência, tendo em vista a intervenção da Assembleia da República na definição da política nacional de combate à droga (PCP) e 480/VI - Cria uma rede de serviços públicos para o tratamento e reinserção de toxicodependentes (PCP)-, foram os mesmos discutidos na generalidade Usaram da palavra, a diverso título, além do relator, os Srs Deputados António Filipe (PCP), Rui Cunha e João Rui de Almeida (PS), António Bacelar, Macário Correia e Pedro Campilho (PSD), Narana Coissoró (CDS-PP), Fernando Andrade (PSD), Aníbal Costa (PS), 15abel Castro (Os Verdes) e Luís Peixoto (PCP)
Entretanto, deu-se conta da não eleição de três membros para o Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações e mereceram aprovação 10 pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, autorizando 15 Deputados a deporem em tribunal e não se pronunciando em relação a um outro
Em votação global foram aprovadas as propostas de resolução n.º 18/VI - Aprova. para ratificação, o Acordo de Transporte Aéreo entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República da Turquia e 3I/VI - Aprova, para adesão, o Acordo entre as Partes Contratantes do Acordo de Schengen e a Polónia relativo à Readmissão de Pessoas em Situação Irregular. a Respectiva Declaração Comum e Acta Anexa.
0 Sr Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 35 minutos.
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0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 35 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano da Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alípo Barrosa Pereira Dias.
Álvaro José Martins Viegas.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Matias.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António José Caeiro da Motta Veiga.
António Manuel Fernandes Alves.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cecília Pita Catarino. Cipriano Rodrigues Martins.
Delmar Ramiro Palas.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José da Costa.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu Guido
Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques
Jaime Carlos Marta Soares.
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Almeida Cesário.
José de Oliveira Costa.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Álvares da Costa e Oliveira.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel da Silva Costa.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mendes Bota.
José Pereira Lopes.
Júlio José Saraiva Sarmeno.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel da Silva Azevedo
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel Maria Moreira Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Rui Manuel Lobo Gomes da silva.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Alberto Bernardes Costa.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Ana Maria Dias Bettencourt.
Aníbal Coelho da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borrani Crisóstomo Teixeira.
António José Martins Seguro.
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Armando António Martins Vara.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José António Martins Goulart.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Marques da Silva Lemos.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Santos de Magalhães.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos. Maria Julieta
Ferreira Baptista Sampaio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Nuno Augusto Dias Filipe.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vitor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
Alexandrino Augusto Saldanha.
António Filipe Gaião Rodrigues.
António Manuel dos Santos Murteira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Maria Odete dos Santos.
Miguei Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDSPP):
Acílio Domingues Gala.
Adriano José Alves Moreira.
Manuel Tomas Cortez Rodrigues Queiró.
Maria Helena Sá Oliveira de Miranda Barbosa.
Narana Sinai Coissoró.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
o
André Valente Martins.
15abel Maria de Almeida e Castro.
Deputados independentes:
Raúl Fernandes de Morais e Castro.
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.
ANTES DA ORDEM DO DIA
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta do diploma e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.
0 Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitido, o projecto de lei n.º 488/VI - Elevação da freguesia de Lordelo à categoria de vila (PS), que baixou à 5.ª Comissão.
Deu também entrada na Mesa o voto n.º 13 1 NI - De pesar pelo falecimento do Professor Pedro d'Orey da Cunha (Presidente da AR, PSD, PS e CDS-PP).
Gostaria igualmente de informar a Câmara de que às 16 horas e 30 minutos irá reunir a Comissão de Petições.
Entretanto, o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Eurico Figueiredo e Fernando Pereira Marques, nas sessões de 11 e 19 de Maio; Caio Roque, no dia 8 de Junho e na sessão de 23 de Novembro; Miranda Calha, no dia 27 de Junho e na sessão de 2 de Novembro; Guilherme d'Oliveira Martins, no dia 15 de Setembro e nas sessões de 10 e 22 de Novembro e 13 de Dezembro; 15abel Castro, no dia 4 de Outubro e na sessão de 2 de Novembro; Lino de Carvalho, na sessão de 20 de Outubro; Luís Sá, na sessão de 21 de Outubro; André Martins, na sessão de 26 de Outubro; José Eduardo Reis, na sessão de 27 de Outubro; Américo Sequeira, na sessão de 3 de Novembro; António Alves, na sessão de 10 de Novembro; Miguel Urbano Rodrigues, na sessão de 16 de Novembro; Rosa Albernaz, na sessão de 23 de Novembro; e Luís Peixoto, na sessão de 6 de Janeiro
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar o período de antes da ordem do dia de hoje com um gesto de evocação e solidariedade para com Pedro d'Orey da Cunha, pedagogo exemplar, roubado repentinamente à vida, que muitos de nós conhecemos directamente. De Pedro d'Orey da Cunha guardo a imagem de um homem muito sério e competente no exercício das nobilíssimas tarefas que assumiu como Secretário de Estado do Ensino Superior.
Tem a palavra o Sr Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.
0 Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É sempre difícil fazer a evocação de alguém que nos deixa, sobretudo de quem estava na flor da idade e tinha ainda muito para nos dar.
Como o Sr. Presidente teve oportunidade de referir, Pedro d'Orey da Cunha era um pedagogo exemplar, com uma carreira desenvolvida não só em Portugal como também no estrangeiro, um especialista muito prestigiado nas ciências da educação e um cidadão exemplar que deu sempre um sinal claro da sua generosidade e modéstia, qualidades essas bem claras no modo como encarou a ter
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rível doença que o vitimou, a ponto de ainda na semana passada ter, já muito diminuído, feito questão de participar numa iniciativa pública sobre reflexão educativa.
Sr. Presidente, nestes momentos as palavras excessivas não são adequadas, pelo que limito-me a curvar perante a memória deste homem que nos deixou, mas que está bem presente no nosso coração.
0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.
0 Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Só ontem tive conhecimento do falecimento do Professor Pedro d'Orey da Cunha. Fui, pois, colhido pela surpresa e tomado pela saudade.
Tive ocasião de o conhecer pessoalmente e fiz-me seu grande amigo. Essa nossa amizade nasceu da circunstância de termos tido a oportunidade de trabalhar conjuntamente em áreas que respeitavam, simultaneamente, à segurança social e à educação. Desde os primeiros contactos que tive corri ele fiquei fascinado pelo seu saber, pela sua ponderação, pela sua afabilidade e, sobretudo, pela sua simplicidade, simplicidade essa que dava a justa dimensão de quanto ele valia!
Já tive ocasião de, com o meu silêncio, venerar a sua memória.
Por último, quero agradecer ao Sr. Presidente da Assembleia da República a oportunidade que me deu de lembrar a amizade que sentia por ele e de enaltecer esta iniciativa da Assembleia da República ao prestar-lhe esta homenagem.
0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando soube do falecimento de Pedro d'Orey da Cunha não acreditei, porque ainda há poucos dias estive com ele no debate público sobre a implantação, em Portugal, da reforma educativa.
Apesar da sua altura na ciência, da sua altura no saber, da sua altura como pedagogo, da sua altura como legislador (e digo isto porque ele interveio intensamente na reforma educativa), da sua altura como cidadão, Pedro d'Orey da Cunha era um homem simples, que não precisou nem nunca teve vontade de se pôr em bicos de pés. Todos nós reconhecemos isso!
Independentemente das nossas divergências políticas, gostávamos de ouvir a sua voz calma e serena, de ouvir a defesa dos seus pontos de vista objectivamente fundados sobre a pedagogia e o conhecimento do ensino e da educação e sobre a sua experiência como professor, com um vasto saber teórico.
Quando aqui vinha responder às nossas perguntas, sempre tivemos muito respeito por ele e consciência de que quando replicávamos sobre as respostas dadas era apenas para o obrigar a dizer mais do que ele sabia e não para contestá-lo. As suas respostas eram de tal maneira transparentes e objectivas que gostávamos sempre de ouvir mais.
É uma perda para a educação, para o País e para as futuras gerações, que não terão oportunidade de ouvir o seu aviso, o seu conselho, o seu exemplo e, principalmente, de conhecer o seu saber e a sua maneira de estar calmamente na sociedade como um bom cidadão e bom pedagogo.
0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
0 Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi na Assembleia da República que tivemos oportunidade de conhecer o Professor Pedro d'Orey da Cunha, enquanto Secretário de Estado da Reforma Educativa do XI Governo Constitucional, e de com ele travar diversos debates sobre a reforma educativa que proeurou pôr em prática.
Retemos desses debates, para. além da frontalidade política, a competência e qualificação técnicas de que deu mostras.
Foi com pesar que tivemos conhecimento do seu falecimento, que nos apanhou de surpresa.
Associamo-nos, pois, a esta manifestação de pesar pelo seu desaparecimento.
0 Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada 15abel Castro.
A Sr.ª 15abel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não tendo tido oportunidade de privar directamente com o Professor Pedro d'Orey da Cunha e de conhecer as qualidades humanas e intelectuais que manifestamente todos lhe reconhecem, não quero deixar de, em nome do Grupo Parlamentar de Os Verdes, associar-me a este voto de pesar e de manifestar as nossas condolências pela perda deste cidadão, alguém que manifestamente não deixou indiferença e que na sua concepção teve seguramente um registo na política educativa em Portugal.
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do voto de pesar n.º 131/VI.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do Sr. Deputado independente Mário Tomé
É o seguinte:
Voto n.º 131/VI
De pesar pelo falecimento do Professor Pedro d'Orey da Cunha
0 desaparecimento, na pujança da vida, de Pedro d'Orey da Cunha constitui uma grande perda para o País e em particular para a comunidade educativa portuguesa.
Professor, pedagogo, especialista prestigiado das ciências de educação, cidadão exemplar, Pedro d'Orey da Cunha deixou em todos quantos com ele privaram, designadamente quando foi chamado a responsabilidades governativas, sentimentos de amizade e de admiração pelas suas qualidades humanas e intelectuais e pela serenidade e coragem da sua atitude perante a vida, que ficou bem patente no modo como encarou a terrível doença que o vitimou.
A Assembleia da República aprova um voto de pesar pelo falecimento do Professor Pedro d'Orey da Cunha, curvando-se perante a sua memória e apresentando à família sentidas condolências.
Srs. Deputados, peço à Câmara um minuto de silêncio.
A Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira.
0 Sr. António Murteira (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Gostaria de vos deixar aqui algumas breves notas e algumas propostas a propósito da falta de água no Alentejo, em pleno Inverno, e da questão do aproveitamento dos recursos hídricos do nosso país.
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Em primeiro lugar, quero sublinhar que é um dado assente que Portugal tem recursos hídricos mais do que suficientes para os consumos existentes não apenas no momento actual, mas mesmo num horizonte longínquo. Temos uma disponibilidade de 16 000 milhões de metros cúbicos de água e, presentemente, consumimos 7 000 milhões. Perguntar-se-á, então, o que é que falta. Em nossa opinião, o que falta, Srs. Deputados, são infra-estruturas hidráulicas, uma correcta gestão e planeamento e a defesa das águas dos rios internacionais.
0 Alentejo é a única região hidrográfico do país em que os consumos são superiores às disponibilidades do momento, mas, mesmo no Alentejo, temos água suficiente para abastecer a região, quer em termos de consumo, quer de agricultura. Todos os anos, o rio Guadiana despeja, sem que seja aproveitada praticamente uma gota, 4 000 milhões de metros cúbicos de água no oceano. Também aqui poderemos perguntar o que falta para o Alentejo ter água, mesmo em anos de seca. Falta que se construa a barragem do Alqueva, que irá dar origem a uma albufeira onde poderemos armazenar 4 000 milhões de metros cúbicos de água, que é mais do que a suficiente para os consumos do Alentejo, pois esse consumo situa-se actualmente na ordem dos 1,7 milhões metros cúbicos de água. Falta construir um sistema de pequenas e médias barragens, como as do Enxoé, da Gema, da Água Branca e dos Minutos, para as quais será depois distribuída a água desta grande barragem do Alqueva. Falta fazer um conjunto de obras hidráulicas, tais como a ligação das albufeiras de Alvito, Odemira e Roxo. Se estas obras de hidráulica agrícola forem feitas, o Alentejo deixa de ter problemas de água, mesmo em anos de seca, porque elas permitirão a regularização dos caudais interanuais e o armazenamento de água que esteja disponível em anos de seca. 15to é muito simples, é feito já em muitos países, falta é a vontade política para que estes problemas sejam resolvidos.
Em terceiro lugar, quanto à componente externa, é preciso termos também em conta, numa política adequada de recursos hídricos, que 40 % dos recursos hídricos nacionais de superfície provêm dos nossos vizinhos espanhóis, através dos principais rios internacionais. E também aqui se pergunta como é possível que os governos portugueses não se tenham apercebido que, nos últimos anos, os rios Tejo, Douro e Guadiana perderam uma parte importante dos caudais que lhes chegavam de Espanha. Como é possível que o Governo português não se tenha apercebido de que o rio Guadiana, situado numa zona com tendência para a desertificação, tenha perdido nos últimos 20 anos 50 % do caudal que lhe chegava de Espanha, sem que nada tenha sido dito e sem que nada tenha sido feito. É evidente que este facto tem contribuído, e muito, para o agravamento da situação da economia da região, uma economia fundamentalmente agrícola, com repercussões na área social - estamos com 20 % de desempregados no Alentejo, numa situação de pobreza preocupante, da qual a Assembleia da República não se pode alhear.
Perguntar-se-á, então, o que falta. Falta que os governos portugueses defendam com energia junto do Governo espanhol e das instâncias de direito internacional que deve haver uma partilha justa e equilibrada dos rios ibéricos, que partilhamos com os nossos vizinhos espanhóis, e falta que firmeza na negociação com os espanhóis de novos convénios que devem ser assinados rapidamente, de forma a garantirem que a sobrexploração que está a haver nos troços internacionais destes rios que pertencem a Portugal cesse e que essa água comece a entrar no nosso país e seja aproveitada. É evidente que aqui há uma grande preocupação porque o Plano Hidrológico Espanhol, na versão que tinha e com os retoques que se conhecem, irá agravar mais ainda esta situação até ao ano 2012, sendo, portanto, inaceitável para Portugal
Creio que estas três breves notas podem mostrar aos Srs. Deputados que estão mais distantes destas questões que o problema da falta de água não é apenas o problema da seca. É fácil dizer-se que não há água em pleno Inverno, porque o ano é de seca. E claro que a seca agrava a situação da falta de água, mas é também claro que há aqui uma outra razão de fundo, que é a de ter sido seguida uma política errada de aproveitamento dos recursos hídricos nacionais, que não tem levado à construção das infra-estruturas hidráulicas necessárias para que Portugal tenha a água que precisa, quer para se abastecer, quer para a agricultura, pois, como disse no início da minha intervenção, Portugal tem não só água suficiente, mas duas vezes mais água do que aquela de que necessita.
Antes de apresentar algumas propostas, gostaria ainda de sublinhar que a situação no Alentejo é grave e pedia a vossa atenção para esse facto. Temos 20 % de desempregados, temos manchas de pobreza a alastrar, temos pensões de reforma que não atingem os 20 000$, temos salários médios abaixo da média nacional, temos uma economia que é, fundamentalmente, agrária e que, com uma situação de falta de água, tende a agravar-se.
Esta é, portanto, uma situação que não direi este Governo, porque é já um governo do passado, mas um futuro governo tem de agarrar, de forma a resolver estes problemas, que podem e devem ser resolvidos rapidamente.
Vozes do PCP: - Muito bem!
0 Orador: - 0 PSD não os resolveu em 10 anos e, como é evidente, ninguém acredita que os vai resolver agora.
Protestos do PSD.
Nem os senhores acreditam!
Face a esta situação, propomos algumas medidas imediatas e algumas de curto e médio prazo.
As medidas imediatas que apresentamos são as seguintes: impõe-se que sejam apoiados os esforços das autarquias e das organizações dos agricultores, através das Direcções Regionais da Agricultura, do Ambiente e dos Recursos Naturais, para que se faça um levantamento urgente das zonas já afectadas e daquelas que serão afectadas caso a seca se mantenha, que se faça um balanço das medidas a tomar e que se disponibilizem os meios económicos, financeiros, técnicos e humanos necessários para se tentar atenuar os efeitos da seca; e que as Câmaras de Serpa, Odemira, Mértola e outras câmaras de concelhos já afectados pela seca recebam uma verba excepcional, dado que são câmaras de concelhos rurais, com orçamentos praticamente dependentes do FEF a 100 %, com pequenos orçamentos, e que naturalmente não estão em condições de enfrentarem sozinhas esta situação - é necessário que rapidamente se disponibilizem verbas extraordinárias para o apoio a esta situação. E não nos digam os Srs. Deputados da maioria que não há dinheiro, porque se há 65 milhões de contos para dar a gente muito rica, que já recebeu 75 milhões de contos, é estranho não haver dinheiro para acudir a uma situação de quase desastre num terço do território nacional, onde habitam meio milhão de pessoas. Ninguém compreenderá que essa seja a resposta da bancada da maioria.
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Vozes do PCP: - Muito bem!
0 Orador: - Como medidas em termos de curto e médio prazo propomos: que se avancem rapidamente e se acelerem os calendários da construção de Alqueva, bem como os do Plano de Rega do Alentejo e que sejam extensivos à margem esquerda do Guadiana e ao subsistema do Ardila, bem como ao Alentejo central; qiue se arranque de imediato com o Enxoé, Gema, Água Branca e Minutos, barragens que há muito são prometidas pelo Governo e que continuam por construir - a semana passada, a Sr a Ministra do Ambiente foi outra vez a Beja, dizer que o Enxoé será construído lá para o Fim do ano, só que essa barragem já teve orçamentada uma verba de .1.6 milhões de contos, que agora passou para 600 000 contos, e já ninguém acredita nestas promessas do Governo PS.
0 Sr. Vieira de Castro (PSD). - Vai ser aberto concurso agora em Fevereiro!
0 Orador: - Vamos ver, Sr. Deputado, oxalá que o que diz seja verdade, porque nós já não acredi,4i-nos. Propomos, ainda, como medidas em termos de curto e médio prazo: que seja feita a ligação das albufeiras do Alvito, Odemira e Roxo, o que permitirá uma gestão integrada das águas dessas albufeiras, que ajudaria a resolver os problemas daquela zona do Baixo Alentejo; assinar rapidamente o Convénio com a Espanha; resolver os problemas, da poluição; adoptar um método de gestão e planeamento por bacia hidrográfica ou por grupos de bacias hidrográficas; adoptar espécies na agricultura e técnicas de cultivo que levem à poupança da água; e estimular uma política florestal que potencie também a quantidade e a qualidade dos nossos recursos hídricos.
São medidas que podem ser tomadas e que ajudariam a resolver esta questão. Para isso, Srs. Deputados, é necessário ultrapassar a visão tacanha que tem presidido a estas questões, passando a haver uma visão de Estado, e, sobretudo, haver firmeza política para ultrapassar os lobbies que estão a actuar neste momento em Portugal, em Espanha e em Bruxelas, no sentido de que estas medidas não vão para a frente. É necessário que Portugal, os políticos portugueses e os partidos políticos tenham a coragem e firmeza para ultrapassar estas situações e resolvam estes problemas. No Alentejo estamos fartos de promessas queremos que se passe das palavras aos actos e que os problemas sejam resolvidos.
Aplausos do PCP.
0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Sousa Lara e António Martinho.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Lara.
0 Sr. Sousa Lara (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Murteira, ao abrigo desta figura, gostaria de tecer alguns comentários.
Em primeiro lugar, quero dizer que, obviamente, não me solidarizarei com a sua fúria contra os empresários portugueses de grande dimensão, nem com as críticas sistemáticas que tem de fazer ao Governo.
No entanto, dir-lhe-ei que concordo consigo em muitos dos aspectos que referiu. E ainda bem que assim é, pois a questão da água é uma questão nacional, dramática e que deve ser tratada com um sentido nacional - ai de nós se não assumimos esta questão na sua gravidade e na sua dimensão total. Por essa razão, algumas das referências que teceu a este respeito merecem-me o meu aplauso.
Como sabe, no âmbito da Comissão Eventual com o objectivo de promover contactos com o Congresso dos Deputados das Cortes Espanholas, da qual V Ex.ª faz parte e a que me cabe presidir neste momento, temos assumido esse problema como prioritário no diálogo com os nossos colegas espanhóis. Assim se fará na próxima cimeira, que reunirá no princípio de Março, em Madrid, e tenho a felicidade de verificar que os Deputados que representam os diversos partidos desta Comissão têm neste particular um sentimento muito próximo, estando dispostos a colaborar de perto num esforço comum, no sentido da defesa dos interesses nacionais e patrióticos, que vão, em grande parte, acolher alguns dos comentários que fez.
Quero dizer-lhe, portanto, aproveitando esta figura e afastando-me obviamente de alguns considerandos que não posso subscrever, que, no essencial do que referiu sobre esta problemática, o Sr. Deputado tem o meu braço dado, tem a minha solidariedade activa e o meu esforço de combate, porque se trata de um combate sério e grave e o povo português provavelmente ainda não percebeu o âmbito real e dramático do alcance futuro que ele tem. Por conseguinte, em consciência, não posso deixar de produzir aqui esta declaração, sobretudo antes que a cimeira ocorra, para envolver a minha presença num compromisso que, seguramente, se manterá no diálogo, cordial mas decidido, que vai-nos ter com os nossos colegas espanhóis.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Sr.Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao próximo orador, relembro-vos que se iniciou a eleição de três cidadãos para o Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informação da República, na Sala D. Maria, até às 18 horas, sendo escrutinadores os Srs. Vice-Secretários da Mesa.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Martinho.
0 Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado António Murteira trouxe a esta Câmara a problemática dos recursos hídricos e o problema da política da água, referindo-nos alguns dados relativamente ao Alentejo e afirmando que a água que existe é suficiente se bem gerida, bem aproveitada e, sobretudo, se algumas infra-estruturas forem feitas naquela região, com vista ao aproveitamento cabal das quantidades de água existentes.
Na verdade, gostaria de dizer-vos que no sul de Espanha, por incrível que pareça, a quantidade de água existente no subsolo é cinco vezes superior à quantidade de água que eles precisam de utilizar nessa zona. Mas, pasme-se!, o Governo espanhol desencadeia um plano hidrológico que transvasa água do norte para o sul de Espanha, retirando água dos rios internacionais e levando-a para o sul de Espanha, não se sabendo bem com que objectivos, pois sabe-se que a quantidade de água existente no subsolo é cinco vezes superior às necessidades naquela região.
Esta política de transvase está hoje, em muitas zonas do mundo, abandonada, porém em Espanha ela está a concretizar-se com graves prejuízos para Portugal, não se vislumbrando no nosso país uma política de água que aproveite, numa perspectiva global, os recursos hidricos nacionais.
0 Sr. Carlos Pinto (PSD): - 15so não é verdade!
0 Orador: - De facto, esta perspectiva exigiria, em meu entender, se se pensasse em transvasar água, contrapartidas de solidariedade das regiões que recebem para as que podem propiciar essa água.
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Assim, a primeira pergunta que lhe coloco é a seguinte: que pensa o Sr. Deputado António Murteira de uma política de transvase, mesmo dentro do país, se não se tiver em conta a necessidade de solidariedade nacional.
Em segundo lugar, gostaria de lhe perguntar se concorda com o que se prevê que venha a acontecer no Convénio, a celebrar entre Portugal e Espanha, se Portugal ficar só a gerir a água a montante das barragens construídas para a retenção e para o transvase da mesma? 15to é, o que pensa se Portugal não puder participar de pleno dimito nas negociações que permitam racionalizar a utilização da água dos rios internacionais e só depois - como o Sr. primeiro-ministro disse no Porto - participe na gestão dessa água? Por mim, considero que é uma ofensa aos portuenses, se isso vier a acontecer.
0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.
0 Sr. Manuel Queiró (CDS-PP). - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Murteira, a questão agora colocada pelo Sr. Deputado António Martinho levanta o véu sobre a grande ignorância que esta Assembleia tem sobre a s. problemas técnicos envolvidos no denominado Plano HidroOgico de Espanha e das suas possíveis consequências para Portugal.
De facto, todas as hipóteses são possíveis e devemos encará-las todas, neste momento, inclusive a de, em anos de seca, as águas retiradas aos rios do norte da Península, nomeadamente do Douro, que correm para Portugal, atingirem o mínimo caudal em Portugal, podendo dizer-se que isso d perigoso em termos ambientais devido às descargas de efluentes que deixam de ter caudal suficiente para a sua dissolução.
Na verdade, espanta ao CDS-PP que esta Assembleia veja as Cortes de Espanha envolvidas num processo de elaboração do plano hidrológico do seu país, veja que esse plano tem incidências nos dois países e que se transforma, por isso, num plano ibérico, veja que o Governo português, em recente cimeira, tenha iniciado um processo de consultas com o Governo espanhol e que esteja ausente de todo esse processo.
0 Sr. Carlos Pinto (PSD): - 15so não é verdade!
0 Orador: - Por outro lado, o nosso grupo parlamentar entende que o que há a fazer é dar informação técnica avalizada a esta Assembleia. Neste sentido, escrevemos a todos os grupos parlamentares, já há dois meses, mas só o Grupo Parlamentar do PCP nos respondeu dizendo que estava disponível para essa iniciativa.
De facto, esta fase de informação técnica, que envolve toda a Assembleia, para sabermos a importância do que está em jogo e a eventual incidência em Portugal ainda não foi cumprida.
Estamos já num período de contactos com as Cortes de Espanha, mas vamos para essas discussões mal preparados, pois, decerto, os espanhóis estão mais bem preparados do que nós para discutir este assunto. Não sabemos o que havemos de pensar acerca disto, até porque a questão que o Sr. Deputado António Martinho levantou é pertinente, uma vez que os recursos subterrâneos em Espanha podem ser mais do que suficientes para evitar o transvase de norte para sul do país.
0 Sr. António Martinho (PS): - São cinco vezes mais!
0 Orador: - De facto, essa é uma possibilidRde levantada pela Universidade Complutense de Madrid, mas não sabemos que estudos já foram feitos em Espanha ou que informações há em Portugal sobre este assunto. e,Assim sendo, gostaria de levantar esta questão para ouvir os comentários do Sr. Deputado António Murteira a este propósito.
0 Sr António Martinho (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
0 Sr. Presidente: - Faça favor, Sr Deputado.
0 Sr. António Martinho (PS): - Sr. Presidente, em 19 de Novembro de 1994, a comunicação social informou que o Convênio Portugal-Espanha seria assinado em Fevereiro.
Assim, pergunto ao Sr. Presidente se sabe a data exacta da assinatura desse Convênio.
0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa não tem conhecimento dessa data, mas se V. Ex.ª necessitar de uma informação fidedigna ela ser-lhe-á dada
Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira
0 Sr. António Murteira (PCP): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero agradecer aos Srs Deputados que colocaram questões, pois isso permite-me falar mais um pouco sobre esta temática.
Quanto ao aproveitamento dos recursos hídricos, é evidente que Portugal está muito atrasado em relação a Espanha, não só em matéria de elaboração do plano hidrológico nacional, como também em matéria da gestão e planeamento desses recursos, pois não existe gestão e planeamento por bacias ou por grupos de bacias hidrográficas, o que é um dos grandes erros de toda a política de recursos hídricos deste Governo. Estamos também atrasados na construção de infra-estruturas, uma vez que os espanhóis têm muito mais barragens do que nós, já que temos 95 barragens que dão para armazenar cerca de 9 % dos escoamentos que temos em Portugal.
Quanto à necessidade de esta Assembleia da República ser mais envolvida e ouvida nesta matéria - questão colocada pelo Sr. Deputado Manuel Queiró -, creio que isso era fundamental, dava muito mais força, até do ponto de vista nacional, às nossas posições e nada teríamos a perder.
Na verdade, precisávamos de ser mais envolvidos na elaboração do nosso plano hidrológico nacional e nas posições a tomar face ao governo espanhol.
Relativamente a uma eventual política de transvases em Portugal, creio que era fundamental que se avançasse para a elaboração do plano hidrológico nacional, envolvendo um conjunto de parceiros, nomeadamente a comunidade científica e técnica, pois pode ser necessário haver transvases mas também pode não ser necessário.
Por exemplo, relativamente aos transvases que estão previstos no Plano Hidrológico de Espanha, há quem pense que a água vem do Douro para o Guadiana e aí fica. Na verdade, essa água é apenas água de passagem indo depois para os dois rios do sul de Espanha, não sendo, por isso, água para ficar no rio Guadiana. Ora, esta política em nada beneficia o nosso país nem há aqui qualquer gesto de solidariedade em termos nacionais.
De qualquer forma, não é ponto assente que o nosso plano hidrológico tenha por base uma política de transvases, pois pode ter de haver alguns, mas pode não ter de haver. Ora, é aí que a comunidade científica deve ter um papel importante, como também os políticos e os poderes instituídos para poderem tomar essa decisão.
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Sr. Deputado Sousa Lara, gostaria de sublinhar as suas palavras, dizendo-lhe que é pena que todo o seu grupo parlamentar não tivesse tido, há muito tempo, essa posição, porque, se isso tivesse acontecido, porventura, teríamos hoje uma política de recursos hídricos em pleno andamento.
De facto, o que temos tido durante estes 10 anos de Governo do PSD é uma política de promessas, até agora não houve mais do que promessas. 0 facto é que no Alentejo não foi construída uma única grande infra-estrutura durante estes anos, pelo que era necessário passarmos das palavras à acção.
0 povo português e, nomeadamente, o povo alentejano - e aqui tenho a certeza, porque sou de lá e lá vivo há 46 anos - compreenderam a situação! Quem não compreendeu foi o poder central, que não tem agido no sentido de resolver os problemas.
0 Sr. Octávio Teiixeira (PCP): - Muito bem!
0 Orador: - De qualquer maneira, creio que as suas palavras são extremamente positivas a agradeço-as como alentejano e como Deputado.
Vozes do PCP: - Muito bem!
0 Sr. Sousa Lara (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
0 Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
0 Sr. Sousa Lara (PSD): - Sr. Presidente, apenas para informar que a Comissão Eventual com o Objectivo de Promover Contactos com o Congresso dos Deputados das Cortes Espanholas teve já algumas reuniões e esta será já a terceira vez que este problema é abordado, existindo actas de todas os encontros, algumas publicadas, nomeadamente as das reuniões com os membros do Governo que tutelam a área do ambiente e da qualidade de vida, que estão à disposição dos Srs. Deputados.
Aliás, gostaria de fazer um apelo aos Deputados do CDSPP, no sentido de que fossem a essas reuniões, pois têm faltado algumas das vezes, razão pela qual, provavelmente, desconhecem a existência destes documentos. Não é muito, mas já é alguma coisa!
0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Abreu.
0 Sr. Filipe Abreu (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Constituição da República determina que, na organização do poder político em Portugal, a Administração Pública observe, como princípios fundamentais: «a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos» e ainda que os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, com justiça e imparcialidade, no exercício das suas funções.
Na nossa estrutura administrativa, há dois sectores de primordial importância para atingir objectivos atrás enunciados: a administração central, com todos os seus serviços e entidades, cujo responsável é o Governo; a administração local constituída pelas autarquias, seus órgãos e respectivos serviços delas dependentes.
A esta repartição de níveis acresce a legitimidade política própria para o poder central e o poder local, que lhe é conferida através de eleições distintas.
Daqui, com toda a segurança, cai por base a acusação, já estafada mas repetida até à exaustão, de que em Portugal o PSD exerce na Administração Pública um poder absoluto, perigoso para a democracia e atentatório para os direitos e liberdades das minorias. É uma acusação mil vezes repetida pelo PS, que pensa poder transformá-la em verdade. E neste exercício, nesta técnica de marketing, como agora se diz, o PS tem vindo a especializar-se, pensando que os portugueses ainda são permissíveis às lavagens de cérebro, tentando aliciar ou assustar os mais desalentos. Esquece-se o PS, ou quer fazer esquecer, que tem enormes responsabilidades a nível do poder político, como o maior partido do poder local, para já não falar como o principal suporte do Presidente da República.
É que - e não resisto a dizê-lo - se há tentações e perigo de exercício totalitário do poder político em Portugal, elas surgem claramente das bandas do PS. Senão, vejamos: o PS é o maior partido ou é o partido maioritário no poder local; o PS é o partido português maioritário no Parlamento Europeu; o PS é o partido que suporta o Presidente da República e que quer eleger um novo Presidente da República; o PS é o partido que quer ser maioritário na Assembleia da República; o PS é o partido que quer ser o próximo governo...
A Sr a Julieta Sampaio (PS): - E vai ser!
0 Orador: - ...º PS quer, de facto, o poder totalitário em Portugal.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, tudo isto tem de vir a lume na Assembleia da República, porque assistimos, nomeadamente no Algarve, onde o PS é poder na maioria das autarquias, a uma prática antidemocrática e de verdadeiro poder absoluto.
Entre as palavras, os discursos e as exigências de diálogo que aqui ouvimos da boca dos dirigentes socialistas e aquilo que, no dia a dia, acontece, onde os mesmos socialistas são poder, vai uma distância abissal.
0 poder socialista, o «poder rosa», nas autarquias do Algarve, vai ao ponto de impedir o acesso dos vereadores eleitos não afectos ao PS aos dossiers que tratam de assuntos de relevantissimo interesse colectivo, limitando, de forma inaceitável, a acção de todos os membros do Executivo no conhecimento e na participação efectiva da vida dos municípios e dos munícipes. Entendem, de uma forma totalitária e com o entendimento do poder absoluto, que os outros autarcas, os outros que não são «rosas», nomeadamente membros do Executivo, eleitos pela população, não têm o direito de participar ou de discutir o que interessa aos respectivos concelhos e suas populações.
Relativamente às juntas de freguesia de presidência não socialista, os respectivos presidentes de câmara fazem-lhes a vida cara, boicotando- lhes, pura e simplesmente, toda a colaboração da câmara para a mais insignificante obra que necessite dos meios humanos e materiais da câmara municipal. Para essas juntas não afectas ao «poder rosa», uma simples máquina para arranjar um caminho, tantas vezes parada e subaproveitada, está sempre ocupada, sempre avariada ou, de qualquer forma, indisponível para uma junta de freguesia afecta ao PSD.
Uma qualquer obra, por mais simples ou insignificante que seja mas com grande significado para a população que a reivindica há muito, que seja também reivindicada à câmara por uma junta não afecta ao «poder rosa» é atirada para as calengas gregas e é eternamente adiada.
E chega-se ao desplante de o presidente e de os vereadores socialistas no Algarve responderem ao simples ci-
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dadão, que vai à câmara reclamar sobre qualquer assunto ou promessa não cumprida, que a culpa é do PSD, que a culpa é do presidente da junta porque é PSD, ou até imagine-se! - que a culpa é do próprio cidadão que, votou no PSD para a sua junta de freguesia.
São estes os escandalosos abusos do «poder ros2i», claramente atentatórios da dignidade e da liberdade do cidadão, que, tantas e tantas vezes alheio às politiquices de capelinha, próprias do mais retrógrado caciquismo, acaba por se sentir desiludido e desacreditar nas vantagens do poder local democrático.
Há sempre dinheiro para tudo: festas, puro folclore partidário, propaganda à boa maneira do antigamente, com custos de muitos milhares de contos, sem se resolver problemas importantes para as populações, como os da, limpeza, saneamento, zonas verdes, reabilitação de zonas degradadas, conservação do património municipal, enfim, um maior aproveitamento nas verbas disponíveis e uma melhor colaboração com os departamentos do Governo central para fazer face às carências de habitação
No que concerne aos recursos humanos é exactamente no «poder rosa» e no «compadrio socialista» e na actuação do «quero, posso e mando» que se fazem vergonhosos saneamentos políticos, colocando na «prateleira» técnicos e funcionários administrativos à mínima suspeita de não serem «cor-de-rosa».
Paralelamente, nas assembleias municipais, onde o PS tem a maioria, todos os atropelos à lei e ao regimento são possíveis. Mesmo dentro do tempo regimental, quando se inscreve o líder da bancada da oposição local, para dar a conhecer o seu posicionamento, logo aparece um,«oportuno» requerimento, antecipadamente redigido e dactilografado, para, liminarmente, dar por finda a discussão e apreciação de um qualquer assunto e passar, de imediato, à votação.
Há assembleias municipais onde os pedidos de inquérito aos executivos, devidamente fundamentados, são sistematicamente recusados.
Não vou, neste momento, como é lógico e porque seria, ética e legalmente, inconveniente, referir-me aos inquéritos a decorrer em várias câmaras no Algarve, uma vez que teremos que aguardar, com serenidade mas com muita atenção, os resultados das inspecções e inquéritos. E não o fazemos, porque o nosso posicionamento na vida política tem de obedecer a princípios éticos e morais que, nos impedem de condenar, repito, que nos impedem de condenar, à partida, seja quem for antes do apuramento exaustivo da verdade.
Recusamos entrar na calúnia, respeitamos o bom nome e a dignidade dos cidadãos, aguardando a eventual prova da sua culpabilidade. Não seguimos a prática do Partido Socialista que, pelos vistos, não tem um espelho para se rever, preferindo, numa atitude de defesa, atirar- pedras ao telhado dos vizinhos e assobiar para o lado fingindo que no «poder rosa» tudo é um «mar de rosas».
0 PS persiste na política do quanto pior melhor, do dizer mal de tudo e de todos, da utilização dos seus autarcas para desencadear, sistemática e permanentemente, uma luta político-partidária contra tudo o que tiver e não tiver a ver com o Governo do PSD.
Se chove é culpa do Governo, se não chove também o é; se cai geada é culpa do Governo; se o ano agrícola é mau é culpa do Governo; se há incêndios incontroláveis é culpa do Governo; se há um golpe de mar, que provoca uma tragédia num qualquer meio piscatório, a culpa é do Governo; se há uma enxurrada, que desgraçadamente arc
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rasta uma ou mais crianças, a culpa é do Governo; se há turistas no Algarve, que não gastam, a culpa é do Governo; se não há turistas no Algarve a culpa também é do Governo.
Este é o tipó de luta política seguida pelo PS que, digase, tem conseguido uma ampla e profusa cobertura de alguma comunicação social regional e até nacional e que, com certeza, por mera coincidência - será mera coincidência? -, logo, na página seguinte, surgem pomposos mas caríssimos anúncios de favor de página inteira de uma qualquer câmara socialista.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Enquanto o PS fala, entretendo-se na maledicência sistemática, sustentado e subsidiado pelo poder local que controla, cabe ao Governo, apoiado por esta maioria, continuar, sem desfalecimentos, no esforço de desenvolvimento, de modernização e de progresso do Algarve.
Por isso, temos orgulho e honra em continuarmos a apresentar obra feita.
Por isso, temos a determinação, que nos é dada pela força das nossas convicções, de continuar a arrancar com os grandes projectos que são compromissos assumidos perante os eleitores.
Foi assim que, no sector da educação, sem sermos exaustivos, foram construídas ou vão seguramente entrar em construção em 1995, 10 escolas C+S, duas escolas secundárias, oito escolas básicas...
Protestos da Deputada Julieta Sampaio, do PS.
0 Orador: - Tenha calma, Sr.ª Deputada, porque os senhores não querem ouvir, não querem saber, nem querem que se dê a saber aos portugueses aquilo que fazemos.
Aplausos do PSD.
Temos ainda a Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Algarve, a Escola Superior de Enfermagem do Algarve e o Conservatório Regional do Algarve.
E, no sector da saúde, que os senhores tanto criticam, os investimentos são vultosíssimos: oito centros de saúde; nove extensões de centros de saúde; um grande hospital, o Hospital Distrital do Barlavento, que vai, dentro de dias, ser adjudicado.
Vozes do PS: - Ah!.
0 Orador: - No sector da justiça, aí estão também os nossos compromissos a serem cumpridos: cinco tribunais; cinco novos palácios de justiça (em Loulé, Monchique, Portimão, Vila Real, Vila Real de Santo António e em Albufeira, que já está construído).
Vozes do PSD: - Muito bem'
0 Orador: - Nos portos e orla marítima, há importantíssimas intervenções na Ria de Alvor, na Ria Formosa, na Doca de Faro, no Porto de Portimão, etc.
Nas comunicações, no tal betão que os senhores estão contra, nas comunicações rodoviárias e ferroviárias, há a destacar: a via do Infante Guia/Lagos, que vai arrancar em 1995; a auto-estrada AlgarveíLisboa. em fase adiantada de projecto; o nó do aeroporto de Faro; a estrada nacional Lagos/Vila do Bispo/Sagres; a estrada nacional Lagos/Aljezur/Odeceixe; o IC Castro Marim/Mértola; a modernização da ligação ferroviária Lisboa/Algarve.
0 Sr. Armando Vara (PS): - 15so já é um testamento!
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0 Orador: - E por muito que custe à oposição, teremos cinco novos pavilhões gimnodesportivos: Portimão, Albufeira, Lagoa, Faro e Olhão, serão uma certeza no apoio ao desporto e à juventude.
Essa é a nossa obra. Mas há mais:
No apoio ao emprego e à segurança social, há que destacar: o Centro de Formação Profissional de Faro; o Núcleo de Apoio à Criação de Empresas (Loulé); os novos centros de emprego de Vila Real e de Faro; centros infantis em Albufeira e Luz de Tavira; lar de idosos em Silves e Lagos.
Por último, uma referência às preocupações ambientais que culminam com a elaboração do plano de ordenamento da orla costeira, para já não falarmos da firme determinação, posta pelo Governo para a elaboração dos PDM (a cuja elaboração o Partido Socialista se opôs, nomeadamente os presidentes socialistas), no sentido de melhorar a qualidade de vida no Algarve.
Protestos do PS.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sabemos que a oposição não gosta que mostremos obra feita e/ou em vias de lançamento até ao fim do nosso mandato, que termina em Outubro. É fácil adivinhar os argumentos e respectivos epítetos quando divulgamos e prestamos contas do nosso trabalho, aqui e no Aigarve, perante os nossos eleitores.
Mas a oposição que se cuide, não confunda os seus desejos com a realidade.
E nossa obrigação prestar contas aos portugueses. Sem complexos, sem hesitações, responderemos à crítica destrutiva e sistemática, responderemos ao ataque contra tudo e contra todos do discurso balofo da oposição, com o orgulho e a consciência tranquila sobre o trabalho desenvolvido ao longo deste mandato.
Caberá aos algarvios, e aos portugueses em geral, fazerem o seu juízo de valor.
Este Governo e esta maioria continuarão, serenamente e sem desfaleci mentos, a apostar nos portugueses, no progresso e na modernidade de Portugal e, em particular, em nós, Deputados algarvios, na modernidade e no progresso do Algarve.
Aplausos do PSD.
0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Filipe Abreu, em primeiro lugar, não há dúvida de que V. Ex.ª confundiu a oposição com o Partido Socialista.
Em segundo lugar, o Sr. Deputado falou dos partidos apoiantes do Presidente da República, mas quem é que faz parte da maioria presidencial que o elegeu? Não foi o PSD que, entusiasticamente, pediu a todos para votarem Mário Soares e não noutros candidatos?
Em terceiro lugar, o Sr. Deputado acha que a Assembleia da República é a tribuna mais certa para dar conta do que se passa nas assembleias municipais? Então, não há assembleias municipais em todo o território algarvio onde o senhor possa fazer as críticas pontuais às câmaras municipais, em vez de as fazer aqui? Ou alguém lhe põe a «boca na rolha» na assembleia municipal?
Risos.
Por que é que o senhor está a desvalorizar o papel das assembleias municipais? Por que é que está a desvalorizar as instituições? Por que é que está a falar no totalitarismo, quando está a mostrar unia posição centralista, absolutamente inconcebível num partido que quer ser democrático? Por que é que está a esquecer as assembleias municipais ao trazer ao Parlamento críticas que devem ser locais, pontuais? Por que é que está a «bater» nos vereadores que não lhe podem responder, pois não estão nesta Assembleia? 0 senhor faz, no plano nacional, uni figurão, mas não permite que aqueles que lhe podem responder, que são os Deputados municipais e os presidentes das câmaras, porque não estão aqui sentados, o façam.
15to é, o senhor presta três maus serviços: um, ao PSD e ao País, quando quer diminuir o papel das assembleias municipais ao trazer aqui problemas que devem ser nacionais; outro, ao mostrar unia tentativa totalitária e centralizadora do regime, quando traz problemas locais à Assembleia da República; c, outro, ao esquecer que foi V. Ex.,' que votou no Dr. Mário Soares para Presidente da República.
0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado, havendo ainda o pedido de esclarecimento da Sr.ª Deputada 15abel Castro, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?
0 Sr. Filipe Abreu (PSD): - No Fim, Sr. Presidente.
0 Sr. Presidente: - Então, tem a palavra a Sr.ª deDeputada 15abel Castro.
A Sr.ª 15abel Castro (Os Verdes). - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Filipe Abreu falou da obra feita, inclusive da defesa do meio ambiente.
Pergunto-lhe se entende por defesa do meio ambiente - e não me refiro às autarquias, porque essas também tem uma radiografia suficientemente clara para que sobre elas nos debrucemos, mas à responsabilidade do PSD - a continuação das descargas feitas pelo aeroporto de Faro directamente na ria Formosa, o mais importante e fundamental ecossistema para o desenvolvimento económico do Algarve, bem como as descargas de ácido sulfúrico feitas há mais de uma década na ria pela empresa Indal.
Considera também obra feita a construção de uma casa no Ludo, na zona da ria Formosa totalmente interdita à presença humana, que, por acaso, pertence à Sr.ª Eng.ª responsável pela Direcção Regional do Ambiente e Recursos Naturais?
0 Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr Deputado Filipe Abreu.
0 Sr. Filipe Abreu (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Narana Coissoró, V. Ex.ª «tomou-se de dores» pelo Sr. Presidente da República e dou-lhe razão, porque são VV. Ex.ªs que, não tendo votado no Presidente da República como dizem,...
0 Sr Nairana Coissoró (CDS-PP). - Não votámos.
0 Orador: - Não sei se votou.
Afirmava eu que, não tendo votado no Presidente da República como dizem, todas as semanas lhe pedem audiências, frequentam Belém, privam com ele, pedem-lhe conselhos. Relativamente ao Sr. Presidente da República a «bola está nos seus pés», se bem que cada um seja livre de votar em quem quiser.
V. Ex.ª também se «sentiu de dores» com as críticas que fiz à pratica política do Partido Socialista onde é poder, nomeadamente no poder local...
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Protestos do Sr. Deputado Narana Coissoró.
Não me interrompa, pois ouvi-o com toda a atenção.
De facto, o Sr. Deputado foi o melhor defensor do Partido Socialista nesta Assembleia! 0 Partido Socialista nem falou, ficou «de orelhas murchas», calou e «quem cala consente». Esse é o problema.
Protestos do PS.
Sr. Deputado Narana Coissoró, sou obrigado a trazer aqui estes problemas porque numa assembleia municipal onde o líder do PSD, de acordo com as regras de funcionamento e da lei interna da assembleia e da lei geral, tinha todo o direito de participar, quando tentou dar um esclarecimento sobre o plano director municipal foi liminarmente impedido de o fazer através de um requerimento abusivo, ilegal, execrável. 0 senhor «está-se a doer» por as práticas do Partido Socialista no poder local?! Parece que sim.
Sr. Deputado, a Assembleia da República é um órgão nacional que pode e deve tratar de todos os assuntos de interesse para o funcionamento a qualquer nível da democracia em Portugal. E não será o senhor, nem s«à ninguém nesta Câmara, que me inibirá de trazer aqui, todo e qualquer problema que entenda necessário ao bom funcionamento da democracia e que evite os abusos do poder socialista no poder autárquico no Algarve onde ele é poder.
É que, Sr. Deputado, ouvimos aqui os discursos do PS que são de uma completa bonomia, do diálogo, do apaziguamento, do consenso, mas onde e quando é poder tem a prática que referi.
Sendo assim, não calarei, como Deputado, toda5 as minhas queixas e não calarei a minha voz para que a democracia funcione nos vários níveis. Aliás, achei muito estranho que V. Ex.ª se «tomasse de dores» pelo Partido Socialista'
Sr.ª Deputada 15abel Castro, bastou o Governo ter tomado as opções de fundo dos planos directores municipais a nível nacional, dos planos de ordenamento da orla costeira, para haver planeamento, para haver cuidado na ocupação do espaço físico em todas as zonas do Algarve. Essa é uma competência do Governo que teve que ser imposta com a oposição do poder local socialista, da minoria das
câmaras socialistas que não queriam planos directores municipais e tudo fizeram para os atrasar. Essa é a nossa missão de valorização daquela zona.
Relativamente a problemas pessoais que V. Ex.ª me colocou, problemas de «lana caprina», esta Casa não deve pessoalizar as questões nem devem ser trazidas aQui questões tão pequenas como a que V. Ex.ª me colocou.
Aplausos do PSD.
0 Sr. Presidente: - 0 Sr. Deputado Narana Coissoró pediu a palavra para que efeito?
0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Para defesa da consideração, Sr. Presidente
0 Sr. Presidente: - Como estamos no fim deste debate, tem a palavra, Sr. Deputado.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Deputado Filipe Abreu, era caso para dizer: «que Alá me confunda»! Vir aqui defender o Partido Socialista seria a última coisa que faria! Vim defender, isso sim, a genuinidade do poder municipal. Sou membro de uma assembleia municipal e tenho o gosto de ver aqui nesta Assembleia o presidente da câmara onde sou munícipe que responde a tudo e a todos, embora eu não esteja à espera que nos dê sempre razão.
Além disso, V. Ex. não pode esquecer que há centenas de câmaras do PSD, por este país fora - estão aqui um presidente de câmara e um membro de uma assembleia municipal do CDS-PP-, onde a prática é exactamente a mesma da que V. Ex., descreveu em relação ao Partido Socialista.
0 Sr. Filipe Abreu (PSD): - Diga uma?
A Sr' Helena Barbosa (CDS-PP): - Barcelos!
0 Orador: - Aí tem uma, mas há muitas mais!
Aliás, sobre isso não há dúvidas. V Ex.ª não tem autoridade moral para falar deste assunto. 0 senhor não tem autoridade moral para dizer que a maioria domina a minoria e., por isso mesmo, «meta a viola no saco» e espere pela sua assembleia municipal para falar lá e não aqui, porque os senhores têm a mesmíssima prática em centenas de câmaras onde têm maioria.
0 Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Abreu.
0 Sr Filipe Abreu (PSD): - Sr Deputado Narana Coissoró, V Ex.ª disse que não tenho autoridade moral para dizer aquilo que disse nesta Câmara, mas, na verdade, tenho-a, pois eu é que sou dono da minha consciência.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP)- - 15so é verdade!
0 Orador: - Portanto, de acordo corri o Estatuto de Deputado que tenho e que, aliás, é igual ao de V.ª Ex.ª, quero dizer-lhe que não é de agora, não é só depois do 25 de Abril, que me preocupo com as questões da democracia, com as questões da liberdade, com as questões do funcionamento do Estado democrático. V Ex.ª não me dá lições de autoridade moral para defender questões de democracia, questões de funcionamento dos órgãos democráticos onde o PSD, onde companheiros meus e eu próprio, somos impedidos de dizer aquilo que entendermos. Mais uma vez, o senhor andou mal, quis tirar-me autoridade moral mas não é V. Ex.ª que me tira autoridade moral porque a minha consciência a mim pertence. Aquilo que entendo da democracia, antes e depois do 25 de Abril, dá-me o estatuto próprio para defender o que entendo necessário para a liberdade, para a democracia em qualquer ponto deste país.
Aplausos do PSD.
0 Sr. Presidente: - 0 Sr. Deputado Jaime Maria Soares pediu a palavra para que efeito?
0 Sr. Jaime Marta Soares (PSD)- - Para defesa da honra, Sr. Presidente.
0 Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
0 Sr. Jaime Marta Soares (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 Sr. Deputado Narana Coissoró está muito nervoso quando faz estas análises do poder local. Se calhar está habituado aos exemplos do seu líder, que considera o poder local como um tabu, uma coisa de somenos, e no seu nervosismo até se confundiu e disse a «rolha na boca» em vez de «boca na rolha»
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Risos do PSD.
Portanto, aí se define a preocupação na análise que faz do poder local.
Aplausos do PSD.
Em relação a essa questão, permita-me que «puxe dos meus galões», pois sou tão só o autarca mais antigo em exercício em Portugal depois do 25 de Abril.
0 Sr. Manuel dos Santos (PS): - Não é!
0 Orador: - 0 Sr. Deputado Manuel dos Santos está enganado e, por isso, estou disponível para lhe dar lições de poder local nas minhas horas vagas.
Protestos do Sr. Deputado Manuel dos Santos.
Quer ouvir-me com atenção?
Sou autarca, presidente de câmara, desde oito dias após o 25 de Abril de 1974. Quer mais do meu currículum? Se gosta tanto do poder local deste país, devia levantar-se e prestar-lhe homenagem!
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - Sr. Deputado Narana Coissoró, diga-me, um por um, onde é que os autarcas do PSD não respeitam as regras democráticas, não defendem os direitos dos cidadãos?
Sr. Deputado, não pode deixar no vazio uma afirmação porque, se o fizer, temos de considerar as suas afirmações gratuitas, sem fundamento e ofensivas. V. Ex.ª certamente quer respeito e, por isso, tem que se fazer respeitar e respeitar as outras pessoas, neste caso os autarcas do PSD.
Aplausos do PSD.
0 Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, quero simplesmente dizer que basta ver e saber como é a prática do PSD! Não vamos fazer aqui a continuação do
tempo de antena de ontem do PSD, porque isto é uma continuação desse tempo de antena. Não vamos dar-lhe este gosto de, na Assembleia da República, continuarmos uma peça desprestigiante para o poder local.
0 Sr. Presidente: - Para defesa da sua consideração, tem a palavra a Sr.ª Deputada 15abel Castro.
A Sr a 15abel Castro (Os Verdes). - Sr. Presidente, Sr. Deputado Filipe Abreu, o senhor entendeu que o meu pedido de esclarecimentos tinha trazido ao Plenário questões de âmbito pessoal, que designou, passo a expressão,
de lana caprina.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que, no entendimento de Os Verdes, nesta Casa não se tratam questões pessoais mas, sim, institucionais e as questões que suscitei são estritamente do foro institucional; por isso, cabe a esta Assembleia
reflectir sobre elas. Portanto, quem faz confusão sobre o patamar das instâncias em que se encontra parece-me ser o Sr. Deputado e não nós.
0 Sr. Deputado falou na obra feita do PSD, em termos de modernidade, mas lembro-lhe que, se existe um aeroporto internacional em Faro, a sua modernidade não se.deve medir só pelas fachadas, pelas obras que se visualizam, deve medir-se também, por exemplo, pela capacidade de tratar tecnicamente os resíduos tóxicos e perigosos que ali se manuseiam. E digo-lhe que o Aeroporto Internacional de Faro, uma obra de modernidade, tem, há mais de 10 anos, os seus efluentes por tratar, não está ligado à rede, não faz depuração e descarrega-os para uma das mais importantes reservas do País. Trata-se de uma afirmação, não de uma pergunta nem de uma questão pessoal, trata-se de uma situação que importa ao senhor como importa ou deve importar a qualquer Deputado.
A segunda questão que lhe suscitei também não é pessoal, nem, como designou, de lana caprina. Existe uma lei a nível nacional, a reserva da ria Formosa foi criada em 1986, tem legislação muito específica e aquilo que lhe relatei foi a existência de uma construção numa zona da ria Formosa, precisamente na zona do Ludo, que, pela sua sensibilidade ecológica, tem definidas, com grande clareza, regras que interditam a construção.
Para nós, Os Verdes, não é uma questão menor que alguém construa ali quando tal é proibido, não é uma questão menor que exista falta de clareza, não é uma questão menor que exista, eventualmente, corrupção, não é uma questão menor que exista opacidade. Essa opacidade e falta de clareza é da responsabilidade do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, tanto mais que a pessoa envolvida e para a qual foi criada uma situação de excepção ou de autorização de construção é, nada mais nada menos, do que a pessoa que representa o Ministério no Algarve.
Portanto, Sr. Deputado Filipe Abreu, nós, Os Verdes, colocámos as questões no estrito âmbito que aqui compete e é aqui que elas têm de ser colocadas. 0 Sr. Deputado confundiu as coisas e parece-me que isso é manifestamente complicado.
0 Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Filipe Abreu.
0 Sr. Filipe Abreu (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputada 15abel Castro, relativamente às questões que colocou, continuo a dizer que as pessoalizou, dado que se referiu a uma senhora que ocupa determinado cargo.
Quanto aos resíduos do aeroporto de Faro, quero dizer-lhe que, se a Sr., Deputada está assim tão interessada, já devia saber de todas as diligências e démarches que estão a ser feitas para resolver rapidamente o problema e também que há dificuldades de colaboração justamente com o tal poder local, do Partido Socialista, que o Sr. Deputado Narana Coissoró defendeu. Efectivamente, não tem havido colaboração efectiva entre os organismos regionais e o poder local, quando também ele tem responsabilidades nas questões de saneamento básico.
No que diz respeito à ria Formosa, não conheço o caso, mas a Sr. Deputada conhece e, por isso, é pena que, sem dizer exactamente o que se passa, venha aqui levantar uma suspeita contra uma pessoa que ocupa um determinado lugar, dizendo que se abriu uma excepção.
Diga qual é a excepção, Sr.ª Deputada, mostre os documentos relativos a essa excepção, demonstre a ilegalidade da decisão, mas não venha aqui, em público, levantar suspeitas contra uma pessoa quando ela não se pode defender e sabendo V. Ex.ª que, como é óbvio, não tenho conhecimento de um caso pessoal, o qual, naturalmente, terá de estar dentro da lei, porque, neste país, ninguém está acima da lei.
0 Sr. Presidente: - Para fazer uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.
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0 Sr. Manuel Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente,, a minha interpelação é essencialmente motivada pela intervenção acalorada do Deputado Jaime Marta Soares, meu amigo e autarca muito apreciado pela população que o elege desde há muitos anos.
0 Sr. Deputado Jaime Marta Soares colocou a questão em termos de um certo maniqueísmo partidário, ou seja, de que o vosso partido é diferente na gestão dos assuntos e não há casos de abuso de poder ou totalitarismo, acusando apenas os outros.
Bom, quero perguntar ao Sr. Deputado Jaime Marta Soares, que é, de facto, um autarca que defendeu Muitas vezes o poder local por cima dos ditames partidários, como é que comenta, tendo em conta a relação dos poderes partidários com o poder local, a circunstância de, após as eleições autárquicas e não tendo o PSD conseguido a maioria das autarquias, o seu partido ter dado instruções para se retirar da direcção da Associação Nacional de Municípios, bem como a outros autarcas do PSD - e foi público que se retiraram contrariados -, havendo uma intromissão do poder partidário no poder autárquico.
Nesta sede, em que falam os partidos e não os autarcas, acho que isso retira alguma autoridade ao PSD par colocar as questões como colocou.
0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado Manuel Queiró, obviamente, a Mesa nada tem a responder.
0 Sr. Jaime Marta Soares (PSD): - Sr. Presidente, permite-me o uso da palavra?
0 Sr. Presidente: - Pede a palavra para que efeito, Sr. Deputado?
0 Sr. Jaime Marta Soares (PSD): - Sr. Presidente, muito simplesmente para, no fim de contas, cumprimentar também o Sr. Deputado e amigo de muitos anos, Manuel Queiró,...
0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não pode usar da palavra para fazer cumprimentos, mas concedo-lho a palavra, nos mesmos termos em que a concedi ao Sr. Deputado Manuel Queiró, para fazer uma interpelação à Mesa.
0 Sr. Jaime Marta Soares (PSD): - Obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Manuel Queiró, o poder local é um assunto tão pacífico que não me parece, efectivamente, que haja razões para suscitar grandes problemas.
Antes de mais, quero dizer-lhe que tenho grandes amigos autarcas do CDS-PP, por quem tenho muito respeito e admiração, mas tive tão-só de dar uma resposta à intervenção pouco identificada com os problemas do poder local do Sr. Deputado Narana Coissoró.
No entanto, Sr. Deputado Manuel Queiró, quero referir-lhe o seguinte: enquanto o PSD entendeu que, deveria ter os seus autarcas no conselho directivo da Associação Nacional de Municípios, fê-lo, em defesa dos grandes interesses do poder local. A partir do momento em que outros partidos políticos, nomeadamente o Partido Socialista, tentaram fazer da Associação Nacional de Munícipios: um veículo da sua propaganda partidária e, no fim de contas, utilizá-la a seu modo, o PSD manteve os seus autarcas em todos os órgãos excepto no conselho directivo aí eles debatem e defendem os interesses do poder local democrático, mas nunca o PSD tentou que os seus autarcas utilizassem a Associação Nacional de Municípios para defender o partido ou o Governo.
Portanto, considero que foi uma atitude correcta e bem entendida pelos autarcas do PSD e é uma estratégia que o Sr. Deputado, com certeza, também respeitará.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Sr. Presidente: - Para fazer uma interpelação à Mesa, tem a palavra a Sr.ª Deputada 15abel Castro.
A Sr.ª 15abel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, de forma sintética, relação à intervenção do Sr. Deputado Filipe Abreu, gostava apenas de dizer que, obviamente e porque as relações que aqui existem são institucionais, todas as matérias que suscitei no meu pedido de esclarecimento foram, em devido tempo, objecto de requerimentos ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais e os prazos de resposta foram, em alguns casos, ultrapassados, estando, neste momento, à espera de segundas respostas.
No que se refere ao caso de opacidade relatado, também ele permite, claramente, alimentar a suspeição daquilo que afirmei, porque, se bem que haja insistência da nossa parte, não há resposta do Ministério relativamente às questões suscitadas.
0 Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, como é óbvio, a Mesa nada tem a dizer a esse respeito.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Vara.
0 Sr. Armando Vara (PS): - Sr. Presidente, pedi a palavra para relatar a V. Ex.ª e à Câmara dois casos que considero, de alguma forma, paradigmáticos, mas antes gostaria de deixar uma pequena nota em relação à intervenção do orador que me antecedeu, o Sr. Deputado Filipe Abreu, dado que fez um conjunto de acusações aos autarcas do PS e poderá parecer estranho a alguns Srs. Deputados que não tenhamos tido qualquer reacção.
Lembro que, há muito poucos dias, o Sr Deputado Adriano Moreira contou-nos aqui a história de um parlamentar da 1 República que, distribuindo um discurso escrito, se esqueceu de riscar as anotações que fazia ao lado dos argumentos que utilizava, pelo que as pessoas puderam ver que ele, ao lado de um argumento fraco, colocava uma nota que referia «argumento fraco/elevar a voz».
Ora, como o Sr. Deputado Filipe Abreu elevou a voz do princípio ao fim da sua intervenção, levou-me a pensar e a concluir que os argumentos eram tão fracos que não mereciam qualquer resposta da parte do Grupo Parlamentar do PS.
0 Sr. Jaime Gama (PS): - É verdade!
0 Orador: - Mas, Sr. Presidente, o primeiro caso que gostava de suscitar a V. Ex.ª é o seguinte: ontem, o Canal 1 da Radiotelevisão Portuguesa apresentou uma reportagem acerca das condições de atendimento na urgência do Hospital de D. Estefânia, que, como V. Ex.ª sabe e a Câmara também, é um hospital onde acorrem as mães da zona de Lisboa sempre que as suas crianças ou os seus bebés estão em dificuldades.
Confesso que fiquei estarrecido com aquilo que nos foi dado observar e ainda mais chocado, Sr. Presidente, porque senti, eu próprio, na carne, tudo o que aquelas pessoas sentiram e de que, ontem, deram conta no Telejornal, quando, há muito pouco tempo, tive necessidade de me
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deslocar àquela urgência com um filho que tenho de idade tenra.
Sr. Presidente, se coloco aqui esta questão é porque considero que ela, de alguma forma, é emblemática da impotência dos cidadãos face ao Estado, da impotência dos cidadãos, em geral, face aos abusos da Administração, da impotência dos cidadãos face à forma como são tratados, não direi na generalidade dos serviços públicos, porque não é possível dizer isso, uma vez que há muitos serviços públicos onde qualquer cidadão é convenientemente tratado, mas em diversas situações E, concretamente no que diz respeito à urgência do Hospital de D. Estefânia, eu próprio fui testemunha, há algum tempo, como já referi, da forma como as pessoas são tratadas.
Por outro lado, não desconhecemos que a urgência de um hospital, assim como o próprio hospital enquanto tal, é já um lugar onde as pessoas se dirigem num estado de espírito quase sempre pouco aberto a esperas e a desculpas que se percebe não serem razoáveis.
Por isso, Sr. Presidente, no momento que corre, e porque sinto que Portugal tem um Governo que não governa e que, por força das vicissitudes da vida partidária do partido que o apoia, não está sensível nem tem condições para fazer face e dar resposta a este tipo de situações, solicito a V. Ex. que, enquanto Presidente desta Assembleia e segunda figura do Estado, se desloque ao Hospital de D. Estefânia e, de alguma forma, procure levar consigo o Sr Ministro da Saúde, para poder verificar in loco a forma como funciona. 15to porque a impotência dos cidadãos é completa e os repetidos apelos de diversos Deputados não são ouvidos.
0 segundo caso que quero apresentar a esta Assembleia e para o qual solicito também a intervenção de V. Ex.ª tem a ver com uma situação que envolve um cidadão português na ex-República da Jugoslávia, mais concretamente na Eslovénia.
Um cidadão português que se deslocou àquela república para ver os seus filhos, sendo portador de passaportes passados pelo Governo português, foi impedido de os ver, foram-lhe confiscados os passaportes dos filhos, foi humilhado pela polícia daquele país e praticamente convidado a abandoná-lo, como se de qualquer terrorista ou de qualquer elemento nocivo à sociedade se tratasse.
Esse cidadão chega a Portugal e apresenta queixa ao Governo português; dirige-se ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, contacta a embaixada, queixa-se aos tribunais e anda, há meses, numa «roda viva» no sentido de que haja um protesto diplomático, da parte do Governo português, pela forma como foi tratado pelas autoridades daquele país um cidadão membro de um Estado da Comunidade Europeia, de um Estado soberano, não tendo qualquer resposta.
Aliás, eu próprio me dirigi, há já dois meses, ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, solicitando-lhe que me informasse das diligências que, entretanto, foram providenciadas para fazer valer os direitos de um cidadão português, que além de professor universitário é também escritor e Figura pública conhecida, e também não consigo qualquer tipo de resposta do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Sr. Presidente, trata-se de um caso humano Esse cidadão não consegue ver os seus filhos e eu solicito a V. Ex.ª - sei que, para além da sua função política, é uma pessoa que se preocupa com estas coisas - que, na sua qualidade de Presidente da Assembleia da República e, consequentemente, de segunda figura na hierarquia do Estado, se me permite este pensamento, deligencie pessoalmente junto do Ministério dos Negócios Estrangeiros para saber o que é possível fazer para que este cidadão português veja os seus direitos defendidos num Estado amigo e para que lhe seja dada alguma resposta em relação a esse problema.
Aplausos do PS.
0 Sr. José Vera Jardim (PS): - Andam em campanha!
0 Sr Presidente: - Sr. Deputado Armando Vara, tomei nota dos seus dois apelos e farei o meu melhor para tentar influenciar o curso das coisas no sentido da justiça e da igualdade social.
Para uma intervenção, a última do período antes da ordem do dia, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Carrilho da Cunha.
0 Sr. Luís Carrilho da Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A região da serra da Estrela, apontada como o coração de Portugal, encerra em si múltiplas e importantes potencial idades, desconhecidas para muitos.
Daí que, como Deputado eleito pelo seu círculo eleitoral, me regozije por trazer a este hemiciclo - e de forma muito especial - essa zona, ou seja, a região de Gouveia e Seia.
Estes dois concelhos representam uma forte percentagem da população do distrito e constituem duas das principais vias de acesso à serra da Estreia - esse verdadeiro ex-libris, que continua a ser o principal cartaz da região serrana - constituindo, por outro lado, um forte motor da economia regional.
A esta região estão intimamente ligados famosos produtos regionais artesanais, dos quais saliento o famosíssimo queijo da serra e os saborosos e inconfundíveis enchidos regionais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao longo destes últimos anos o Governo do Professor Cavaco Silva soube concretizar muitos dos anseios daquelas populações. Saliento, a título de exemplo, a criação do Hospital Distrital de Seia, velho sonho em que muitos já tinham desacreditado, podendo, finalmente, os seus habitantes terem acesso a cuidados diferenciados de saúde, até aqui inviáveis a nível local.
Funciona em Seia, há alguns anos, um Centro de Emprego e Formação Profissional com diversos cursos, os quais se estendem desde a carpintaria/marcenaria à metalomecânica, passando também pelas confecções e pela formação de quadros médios para a indústria de lanifícios desenvolvendo também vários cursos na área dos serviços.
Este Centro de Formação Profissional resultou de um esforço financeiro de muitas centenas de milhares de contos assumido pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional e derivou ainda de um grande empenho da Delegação Regional do Centro daquele Instituto, que nunca regateou esforços para dotar esta zona de modernos equipamentos e de quadros competentes, que viabilizassem a oferta aos jovens locais de alternativas de aprendizagem que os valorizassem e lhes facilitassem a inserção na vida activa.
Desde muito cedo se assumiu este Centro de Emprego e Formação Profissional como um dos motores do desenvolvimento dos concelhos que abrange, tanto pelas possibilidades de emprego que gerou mas também - e sobretudo - por ser um instrumento privilegiado de valorização dos recursos humanos e, consequentemente, de maior qualidade no trabalho das empresas e na sua produtividade.
Por outro lado, dentro de poucos meses teremos no distrito o Centro de Emprego e Formação Profissional da Guarda, com novas e modernas instalações, que irá permitir uma intervenção de maior qualidade naqueles domínios, alargará as perspectivas de formação da juventude do distrito e perspectivará uma continuada aposta do Governo do PSD na formação contínua dos trabalhadores.
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Todos sabemos como a formação profissional é hoje fundamental para o desenvolvimento do País e, nomeadamente, para as regiões tradicionalmente desfavorecidas do interior. Daí que estes centros sejam um autêntico Motor do desenvolvimento económico e social
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Seia foi criado, também pelo Instituto de Emprego, mas em articulação.com a Câmara Municipal de Seia e o Núcleo Empresarial da Região da Guarda, um Núcleo de Apoio à Criação de Empresas, que se destina a apoiar o aparecimento de novas empresas que diversifiquem o tecido empresarial local, pois é do conhecimento de todos que, até aqui, a indústria de lanifícios era o grande e único empregador desta região, situação que urge alterar.
Este equipamento de apoio ao aparecimento de inovas empresas iniciará a sua actividade muito em breve,
Continuando a aposta nos recursos humanos, dispõe a região de Seia e Gouveia de várias escolas novas, com todos os requisitos pedagógico-didácticos necessários para que a população escolar daquela zona possa prosseguir estudos, inclusivamente no ensino superior politécnico.
Urge, no entanto, construir a Escola de Loriga, uma nova escola, pois a actual Escola Reis Leitão não oferece ainda, infelizmente, condições aceitáveis dos pontos de vista anteriormente focados.
Em Gouveia existe uma Escola Profissional, a qual permite também a alguns alunos o acesso a opções diversificadas no ensino.
Em Vila Nova de Tázem já começou a funcionar a nova Escola C+S, que representa a concretização de um sonho. Instalada num edifício moderno, totalmente equipado e preparado para oferecer aos seus alunos as melhores condições, esta escola é a materialização de um anseio protagonizado por um grande gouveense e antigo deputado desta Assembleia da República, Professor Pires das Neves, cuja memória deveria ficar, por justiça, perpetuada no nome deste equipamento escolar.
Brevemente iniciar-se-á a construção do pavilhão gimnodesportivo daquela escola, que servirá não só a população escolar mas também a comunidade, o mesmo acontecendo na Escola C+S de Tourais- Paranhos, em Seia.
Também a cidade de Gouveia precisa, com urgência, de ser dotada de novas instalações escolares, que permitam a melhoria das condições de frequência do seu já grande número de alunos, o que acontecerá com a ampliação da escola secundária, cuja obra já foi posta a concurso.
Srs. Deputados, nesta zona existem muitas realizações no âmbito do turismo, nomeadamente ao nível do agro-turismo e do turismo rural, o que possibilita alguma ajuda às pequenas economias domésticas.
Gouveia e Seia estão hoje dotadas também de unidades hoteleiras de categoria confirmada e conhecemos outras tantas em projecto que, prontamente, receberam os poios que o Governo disponibiliza para esta actividade, o que concretiza a abertura de uma frente de desenvolvimento por onde passará, inequivocamente, o futuro destes concelhos.
Temos, entretanto, a convicção de que o termalismo - uma outra grande riqueza desta zona - virá, certamente, dar um impulso significativo à promoção destes concelhos.
Actualmente, está em fase adiantada o projecto de um investidor privado, que visa instalar em Gouveia um complexo industrial e hoteleiro que vai aproveitar as potencialidades termais existentes e garantir novos postos de trabalho.
Sr Presidente, Srs. Deputados: Crescemos o vivemos naquela zona do interior e ali queremos continuar. Defendemos que é necessário continuar o processo de atracção dos naturais - que, ainda hoje, procuram outros pontos do País para trabalhar - e evitar a saída das novas gerações.
Deste modo, é fundamental que o Governo, as autarquias e a sociedade civil unam os seus esforços para melhorar as condições de vida daquela população. As organizações da sociedade civil, a quem cumpre desenvolver a criatividade, a iniciativa e o trabalho voluntário para complementar a acção que o Estado não pode nem deve estender directamente a todos os quadrantes da vida nacional, estão a ganhar um novo alento naqueles concelhos.
As dezenas de iniciativas de associações ligadas à actividade da protecção social têm sido acompanhadas e apoiadas pelos serviços públicos, nomeadamente por aqueles que dependem do Ministério do Emprego e Segurança Social.
Mas dessas expressões da iniciativa da comunidade local saliento, pelo seu historial de mais de 120 anos, a Associação de Beneficência Popular de Gouveia, que se assume como um pólo determinante do desenvolvimento local.
Abrangendo já, neste momento, cerca de trezentos utentes nas áreas da protecção à primeira, à segunda infância e à terceira idade, perfila-se agora como impulsionadora de novas actividades, que vão desde a promoção do emprego , com a recente criação de um Clube de Emprego, à reabilitação profissional de uma população especial, que urge formar e integrar.
Mas a Associação de Beneficência Popular de Gouveia acalenta um projecto acarinhado e desejado pela população, que deriva do mais profundo da sua razão de existira Associação pretende reassumir a gestão do Hospital Nossa Senhora da Piedade, tanto mais que essa unidade hospitalar é sua propriedade e foi por si gerida de 1874 a 1977, ano a partir do qual se verificou a sua estatização.
As vicissitudes desse processo conduziram-no àquilo que é hoje: um simples internamento do Centro de Saúde de Gouveia, sem condições de garantir à população outros apoios que não sejam pouco mais do que os equivalentes ao de um Lar de Acamados
Assim, esta Associação pretende assumir de novo o hospital, conferindo-lhe agora a natureza de hospital de cuidados continuados, facultando de novo à população a possibilidade de acesso a consultas externas de diversas especialidades, evitando, deste modo, as deslocações que os utentes agora são obrigados a fazer e mantendo-os junto do seu agregado familiar, o que, em termos humanos e psicológicos, é extremamente importante.
Foi-nos afirmada a vontade política de apoiar esta iniciativa daquela Associação Esperamos ter razões para ter nela acreditado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados- Pelo exposto anteriormente entendo dever reforçar as seguintes ideias.
0 futuro desta região em que acredito e pela qual me bato, passa, essencialmente pelo fortalecimento da capacidade empregadora instalada, por um novo impulso da actividade turística e pela atracção de novas empresas, geradoras de mais postos de trabalho.
As condições de acesso ao ensino, à formação e qualificação profissionais, já aí instaladas pelo Governo, são um contributo decisivo para a valorização dos Recursos Humanos e constituem um apoio estruturante às empresas locais.
Este esforço terá, necessariamente, de ser sempre acompanhado pelo poder local, que terá de criar condições para que os investidores possam interessar-se por esta região de potencialidades e paisagens ímpares, e fazer um esforço simultâneo de promoção e de divulgação.
Estou certo que todos os naturais ou residentes naquela zona darão o seu contributo para que um cada vez maior progresso e desenvolvimento se [ornem realidade.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não quero terminar sem afirmar, claramente, que se muito já foi feito pelo Poder Central e pelo esforço da sociedade civil, muito, seguramente, falta ainda realizar. E eis alguns dos nossos anseios: fazer avançar as obras do novo Palácio da Justiça de Seia, cuja construção já se encontra faseada no PIDDAC; continuar - e, se possível, acelerar - o esforço de construção de melhores vias de acesso, como sejam a ligação de Gouveia a Mangualde (nó do IP 5) e a ligação dos dois concelhos ao IP 3; continuar a melhoria da EN 17 (estrada da Beira) e a sua progressiva transformação numa autêntica rota turística para quem entra em Portugal por Vilar Formoso e pretenda apreciar, sem pressa, as belezas naturais, a hospitalidade e a gastronomia de toda a região daquela rota, que vai de Vilar Formoso a Coimbra, passando pelos concelhos de Almeida, Guarda, Celorico da Beira, Gouveia, Seia, Oliveira do Hospital, etc.; reconstruir e remodelar o Teatro-Cine de Gouveia, cujo projecto foi recentemente aprovado pela Direcção-Geral dos Espectáculos e Artes e cujo financiamento por fundos nacionais e comunitários se procura garantir, por forma a oferecer à população um equipamento fundamental para o acesso à cultura.
Por outro lado, conhecidas que são as dificuldades vividas por algumas empresas da região, nomeadamente as integradas no difícil sector dos têxteis - e sendo obrigados a pensar em soluções criativas, que possam facilitar o aparecimento de novas entidades empregadoras que promovam a diversificação do tecido empresarial local - reivindicamos o apoio à implementação de um pólo de fixação de industrias e serviços, aproveitando, para tanto, as instalações de uma antiga fábrica recentemente adquirida pela Câmara Municipal de Gouveia naquela cidade, cuja aquisição foi comparticipada a 75 % pela CCRC.
Assim, construiremos um futuro melhor para quantos vivem naquela zona do distrito.
Estou certo que, por seu lado, o Governo do PSD continuará a apoiar as iniciativas locais, a dar corpo à complementaridade de esforços a que aludi nesta intervenção e a dotar aqueles concelhos dos equipamentos que promoverão o seu continuado desenvolvimento.
Aplausos do PSD.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.
Eram 17 horas e 20 minutos.
ORDEM DO DIA
Srs. Deputados, entrando no período da ordem do dia, estão em aprovação os n.ºs 22 a 32 do Diário, respeitantes às reuniões de 14, 15 e 16 de Dezembro, e 4, 5, 6, 11, 12, 13 e 18 de Janeiro.
Pausa.
Como não há oposição, consideram-se aprovados.
Passamos à apreciação do relatório elaborado pela Comissão Inquérito Parlamentar para Apreciação do Processo de Privatização do Banco Totta e Açores- inquérito parlamentar n.º 23/VI (PS, do PCP e PSN).
Para fazer uma exposição, na sua qualidade de relator, tem a palavra o Sr. Deputado Correia de Jesus.
0 Sr. Correia de Jesus (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero proferir algumas palavras, muito breves, para apresentar o relatório e as conclusões a que chegou a Comissão de Inquérito Parlamentar para Apreciação do Processo de Privatização do Banco Totta & Açores.
Ao longo das suas actividades, a Comissão ouviu as pessoas ligadas ao processo de privatização que, em seu entender, deviam ser chamadas a depor. Tratou-se de entidades ligadas ao processo de privatização, tais como ex-governantes e o actual Ministro das Finanças, pessoas ligadas aos corpos sociais do Banco Totta & Açores e accionistas deste banco.
Por outro lado, reuniu ainda toda a documentação que considerou necessária tanto para o completo esclarecimento da matéria de facto como para a obtenção de uma ideia clara acerca do que terá caracterizado relevantemente este processo de privatização.
Ao delimitar o objecto do seu trabalho, a Comissão entendeu que não estava em causa apreciar a conduta dos accionistas nem mesmo dos órgãos sociais do Banco Totta & Açores, mas tão só formular um juízo político sobre a conduta do Governo e das entidades a ele ligadas institucionalmente e com competências em matéria de privatizações.
Assim se procedeu e, em conclusão dos trabalhos que, segundo este método e com este objectivo, se realizaram, a Comissão concluiu que o Governo manifestou, em todo o processo, uma permanente preocupação e actuou na defesa da legalidade e da intransigente defesa dos interesses nacionais.
Depois, a Comissão conclui ainda que as entidades autónomas, ou seja, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, a Comissão de Acompanhamento das Reprivatizações e o Banco de Portugal, que participaram no processo de privatização do Banco Totta & Açores actuaram, no âmbito das respectivas competências, de acordo com a lei e que, no seu conjunto, conseguiram salvaguardar os interesses fundamentais que estavam em jogo, ou seja, a preservação do Totta & Açores como banco português ao serviço da economia nacional.
Além de ter verificado a conformidade destas condutas com a lei, a Comissão de Inquérito Parlamentar para Apreciação do Processo de Privatização do Banco Totta & Açores faz notar, no respectivo relatório, que, em determinado período do processo, se terá verificado insuficiência de diálogo entre o Banco de Portugal e o Ministério das Finanças, embora tenha também concluído que esse facto não afectou de modo significativo o curso dos acontecimentos e não tem, pois, o alcance de infirmar as conclusões que referi.
Por outro lado, dada a complexidade do processo de privatizações e a multiplicidade dos interesses em causa, a Comissão sugere ao Governo uma reponderação do quadro legal concebido para o feito, de modo a melhorar a articulação entre as entidades envolvidas nos respectivos processos - a Comissão de Acompanhamento das Reprivatizações, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e o Banco de Portugal - e o Governo.
0 Sr. Presidente (José Manuel Maia):- Como presidente da Comissão de Inquérito Parlamentar para Apreciação do Processo de Privatização do Banco Totta & Açores, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Pinto.
0 Sr. Calos Pinto (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois das considerações feitas pelo Sr. Deputado Correia de Jesus quero apenas deixar umas breves notas para dizer a este Plenário que a Comissão de Inquérito Parlamentar iniciou os seus trabalhos em Maio de 1994, no
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seguimento de uma iniciativa do Partido Socialista e do Partido Comunista, e que os seus trabalhos decorreram de Maio a Dezembro.
Quero também sublinhar que a audição e o debate produzidos com 13 depoentes permitiram conclusões sobre a natureza e o alcance da intervenção, quer de entidades públicas, quer de entidades privadas, no âmbito da privatização do Banco Totta & Açores.
Por isso, gostaria de referir que não se pode invocar qualquer insuficiência de trabalho parlamentar quinto ao objectivo desta Comissão de Inquérito. Ou seja, considero que fomos suficientemente exaustivos no conjunto de personalidades chamadas a depor no início dos trabalhos para hoje não haver lugar a que se invoque quaisquer outras personalidades que pudessem trazer, supostamente, dados quanto a esta matéria
Aliás, os dados mais relevantes foram trazidos pelas pessoas convocadas, visto que, da nossa parte, da parte dos Srs. Deputados, a matéria que foi indiciada não constituía mais do que isso mesmo: os indícios de ultrapassem dos limites legais previstos na tomada de capital por entidades estrangeiras.
Portanto, a meu ver, tratou-se de uma investigaç4o exaustiva e de um trabalho profundo e sério, cabendo naturalmente ao Plenário tomar conhecimento dele através do relatório.
Apesar da matéria sensível em apreço, foi possível obter, por parte desta Comissão, uma súmula final de conclusões que não teve repercussões na vida diária do BTA, o que me parece importante no que diz respeito ao ambiente geral quanto a uma instituição fundamental do sistema financeiro português, porque creio, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que esta Assembleia andará ma quando, eventualmente, por necessidade de averiguação de aspectos relativos ao mundo empresarial, nós próprios pudermos carrear para essa vivência empresarial qualquer coisa que possa prejudicar as empresas. Julgo que isso não aconteceu e quero aqui deixar esta nota.
0 PSD foi acusado, no texto que justificou a criação da Comissão de Inquérito, de obstaculizar à criação de comissões idênticas. A esse respeito, gostaria de referir que a experiência, designadamente a que é vertida por esta Comissão, demonstra que assim não é.
Não posso deixar de lamentar, com rigor, que seria bom que esta Comissão pudesse ter contado com a totalidade dos seus membros até ao último minuto dos seus, trabalhos, ou seja, que as expectativas criadas quanto à importância desta matéria e deste caso pudessem, naturalmente, ter sido confirmadas pelo trabalho da Comissão desde o início até ao final, aquando da aprovação do relatório. Em minha opinião, só nessas circunstâncias poderemos prestigiar as comissões de inquérito e a Assembleia da República.
Não posso, porque sou parlamentar e político, deixar de inferir daqui algo que é estranho: justamente porque da parte do Partido Socialista e do seu Secretário Geral chegam propostas públicas para que, no futuro, se reformule e repense a questão das comissões de inquérito e do seu prestígio, de tal modo que elas possam ser vistas pelo País como sedes onde se consegue, procura e busca a verdade e o seu aprofundamento - e daí que o Secretário-Geral do Partido Socialista tenha vindo, há poucos dias, propor que os relatórios destas comissões, no futuro, sejam aprovados por dois terços dos Deputados em exercício é óbvio que...
0 Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS),. - É Direito Comparado!
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0 Orador: - ... esta proposta só terá exequibilidade se os Deputados que compõem as comissões estiverem presentes, de modo a permitirem a criação dessa maioria qualificada.
0 Sr. Joel Hasse Feirreira (PS): - Por que razão se terão ido embora?!
0 Orador: - Se não estão presentes nas comissões, parece-me que este desiderato é fortemente penalizado à partida.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quero ainda dizer que o que foi especulação nos idos de Julho, quanto à existência de um «caso Totta», hoje, como é natural, tem a melhor resposta no silêncio da Procuradoria-Geral da República. Aliás, o Sr. Deputado José Vera Jardim disse, e muito bem, em determinada altura das últimas reuniões em que esteve presente, que do que se tratava era de averiguar, exactamente, se os limites legais impostos ao capital estrangeiro tinham ou não sido ultrapassados e isso cabia à Procuradoria-Geral da República.
Assim, congratulo-me com os resultados obtidos, com o facto de termos terminado este mandato que o Plenário nos deu e, do meu ponto de vista, aquilo que foi referido pelo Sr. Relator está correcto, isto é, o Governo actuou bem e com a noção dos interesses em jogo, sobretudo dos interesses da economia nacional.
Aplausos do PSD.
0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira, pediu a palavra?
0 Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Não, Sr. Presidente. Estava apenas a dizer ao Sr. Deputado Rui Carp que foi uma excelente peça de Ficção político-literária.
0 Sr. ~dente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.
0 Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, antes de intervir, gostaria de interpelar a Mesa.
0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Faça o favor.
0 Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, solicito à Mesa que esclareça o sentido da intervenção do Sr. Deputado Carlos Pinto, uma vez que falou na qualidade de Presidente da Comissão de Inquérito, mas, depois, houve um desconto de tempo no que tinha sido concedido ao PSD. Aliás, todos perceberam que o Sr. Deputado não falou na qualidade de membro da Comissão. A partir de certa altura do seu discurso, falou claramente como Deputado da bancada social-democrata. Em face disto, não sei muito bem como vamos gerir os tempos, uma vez que não sabia sequer que o Sr. Presidente da Comissão dispunha de tempo, em separado, para intervir.
0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, o Sr. Presidente da Comissão, assim como o relator, tem direito a introduzir o debate. Quanto ao resto, o tempo nos dirá o que devemos fazer.
Tem a palavra para uma intervenção
0 Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, provavelmente, a minha observação terá sido impertinente, porque estamos todos habituados à forma correcta e flexí-
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vel como V. Ex.ª, aliás, tal como o Sr. Presidente e os outros Vice-Presidentes, gerem estes debates. Portanto, pela minha parte, não há qualquer motivo de preocupação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A aprovação pelo PSD das conclusões do inquérito parlamentar ao processo de privatização do Banco Totta & Açores é, no contexto actual, um acto de pura ficção, de escasso significado e de valor político muito duvidoso.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - 0 País real e a opinião pública não se revêem nas conclusões aprovadas, antes têm dos factos e da sua evolução uma opinião substancialmente diferente, pelo que o encerramento, desta forma, deste processo contribuirá, de modo inevitável, para desacreditar ainda mais o instrumento de fiscalização política por excelência que devia ser o mecanismo do inquérito parlamentar
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - Recorde-se, sinteticamente, como tudo se passou na Assembleia da República.
Colocados perante a certeza da existência de graves irregularidades no processo de privatização do Banco Totta & Açores, utilizaram os Deputados da oposição todos os instrumentos legais de fiscalização e apuramento de responsabilidades colocados à sua disposição: foram formuladas perguntas e requerimentos ao Governo, a que este nunca respondeu; foram propostas audições parlamentares, quer ao nível de Plenário, quer ao nível de comissões especializadas, que a maioria nunca autorizou; foram requeridos inquéritos parlamentares sobre este assunto, que o PSD se recusou a viabilizar. Só a utilização de um mecanismo regimental de natureza excepcional obrigou o PSD a curvar-se perante a necessidade de o Parlamento debater o assunto.
0 comportamento da maioria parlamentar facilmente indiciava, desde o início, a fragilidade do inquérito que o PSD estava disposto a permitir.
Reconheço, no entanto, Srs. Deputados, que, apesar de tudo, nunca imaginei que fosse possível ir tão longe na criação de obstáculos ao apuramento da verdade, na distorção de factos claramente provados e na tentativa de branqueamento da responsabilidade política objectivamente identificada.
0 Sr. José Veira Jardim (PS): - É bem verdade!
0 Orador: - 0 PSD sempre confundiu a necessidade de esclarecer a transparência do processo de privatização e, consequentemente, a imperatividade de contribuir para a resolução do assunto em termos de defesa do interesse nacional com o desejo de eliminar responsabilidades políticas do seu Governo ou de escamotear divergências estratégicas da sua clientela.
Foram os Deputados da oposição várias vezes confrontados com a acusação de, através da sua acção de esclarecimento e fiscalização, poderem contribuir para a debilidade da instituição financeira em apreciação, o BTA.
0 Sr. Rui Carp (PSD): - E com fundamento!
0 Orador: - Ora, o que sempre esteve em causa foi justamente o contrário, Sr. Deputado Rui Carp, ou seja, o reconhecimento de que o Banco Totta & Açores é uma instituição financeira da maior importância no sector bancário nacional e que nada pode ou deve abalar esse quadro estrutural.
0 Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Muito bem!
0 Orador: - Por outro lado, o que está em causa é exactamente definir e identificar os mecanismos de engenharia financeira que permitiram, de facto, criar uma situação de domínio estrangeiro no referido banco.
0 que está em causa é, também, saber se o Governo e as autoridades monetárias e de supervisão recolheram suficientes indicações relativas a essa «certeza» e se, face a essas indicações, agiram em tempo e devidamente, com o objectivo de minorarem ou eliminarem essa operação de domínio e punirem politicamente os responsáveis.
Todos estes pontos, mais desenvolvidos e detalhados em certos aspectos, constam, aliás, do guião aprovado pela Comissão de Inquérito e teriam todos, inevitavelmente, de ser respondidos no relatório final.
Não o foram, como sabemos. Não o foram também porque, independentemente do caso em apreciação, a maioria nunca aceitou reconhecer que a política de privatizações do Governo não tinha, nem tem, lógica, não tinha, nem tem, transparência e não constitui um verdadeiro instrumento de política estratégica para o desenvolvimento e o progresso nacionais.
Aplausos do PS.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Setembro do ano passado, os Deputados do Partido Socialista abandonaram os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito. Fizeram-no por constatarem, sem margem para dúvida, que a conclusão dos trabalhos iria conduzir voluntária e inevitavelmente ao «branqueamento» da operação e ao escamoteamento da responsabilidade política do Governo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - Já havia então, recolhidas pela Comissão, suficientes e abundantes provas de que a actuação do Governo fora atrasada, incapaz, surda e negligente, na defesa de uma política clara para a esta concreta pnvatização.
0 Sr. Calos Pinto (PSD): - Não foi isso que disse na Comissão!
0 Orador: - Como dissemos nessa altura, «é para nós claro que o Governo actuou em todo o processo com grave negligência dos seus poderes de supervisão e de fiscalização do cumprimento das leis do País, assistindo impávido ao assalto ao Totta pela parte do Banesto».
Esta constatação resulta com suficiente clareza do que ficou apurado no decorrer dos trabalhos da Comissão de Inquérito, mas tal seria ainda niais evidente para a opinião pública se os Deputados do PSD não tivessem impedido arbitrariamente diligências propostas na Comissão, que não atrasariam nem prejudicariam o bom curso dos trabalhos e eram absolutamente essenciais para a tarefa que nos tinha sido cometida e para o esclarecimento das contradições encontradas no processo.
Refiro-me, nomeadamente, à audição do ex-Ministro das Finanças Miguel Cadilhe, que acompanhou e desenvolveu uma parte significativa deste processo de privatização, e a uma segunda audição dos ex-Ministros das Finanças Braga de Macedo e Miguel Beleza, que tinham proferido declarações não convergentes sobre matéria de facto.
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0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, queira concluir.
0 Orador: - Concluo já, Sr. Presidente. Faço, aliás, a justiça de acrescentar que havia a justificada convicção de que as referidas personalidades e não recusariam a participar nessas novas audições.
Foi também por isto e contra isto que os Deput4dos do Partido Socialista abandonaram os trabalhos da Comissão. 0 Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto, porque representava o Partido Socialista na Mesa da Comissão, permaneceu por razões manifestamente institucionais, afirmando sempre, contudo, a sua convergência total com a nossa apreciação quanto aos aspectos identificados
A maioria teve medo da verdade e, sobretudo, de não controlar devidamente a evidência das pulsões suicidas ou condenatórias (no plano político, entenda-se) que resultariam inevitavelmente dos depoimentos complementares solicitados.
0 Sr. Carlos Pinto (PSD): - Os senhores é que tiveram medo da verdade!
0 Orador: - Não foi um bom serviço, o que ,sta Comissão Parlamentar de Inquérito prestou à causa da verdade, da transparência dos actos políticos e do apuramento das responsabilidades.
0 presente inquérito parlamentar pretendeu servir apenas para justificar o injustificável, ou seja, a passividade do Governo perante o assalto ao interesse nacional, feito nas suas «barbas», ao alcance dos seus poderes e, eventualmente, sem sintonia com os seus interesses.
Perante o apuramento da matéria de facto e, sobretudo, perante a evolução mais recente do caso Totta o as declarações correspondentes de alguns dos actuais responsáveis, as conclusões do inquérito são um verdadeiro exercício de realidade virtual, inaceitáveis, portanto, para esta Câmara e, nomeadamente, para o Partido Socialista.
Aplausos do PS.
0 Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para que efeito, Sr. Deputado?
0 Sr. Vieira de Castro (PSD): - Para defesa da consideração.
0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr.º Deputado, usará da palavra oportunamente, nos termos regimentais.
Sr. Deputado Octávio Teixeira, tem a palavra para uma intervenção.
0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É a própria evolução do caso Totta/Banesto que infirma e rejeita as conclusões saídas desta Comissão de Inquérito. Aliás, é mais um inquérito cujas conclusões, impostas - e friso o termo «impostas» - pelo PSD, contribuem de forma clara e manifesta para pôr em causa e ferir, mais uma vez, a credibilidade da Assembleia da República enquanto órgão de fiscalização da actividade governativa.
Há pouco, o Sr. Presidente da Comissão usou uma expressão em que dizia que as 13 ou 14 audições permitiram tirar conclusões. Gostaria de dizer que estou totalmente de acordo consigo em relação a essa afirmação, mas falta-lhe o
complemento: é que essas audições permitiram tirar conclusões mas os Deputados do PSD na Comissão de Inquérito não autorizaram e não quiseram retirá-las.
Aliás, a tese das conclusões que nos é apresentada é, ao fim e ao cabo, a seguinte: todas as entidades individualmente consideradas, desde o Governo à CMVM, ao Banco de Portugal, à Comissão de Acompanhamento das Reprivatizações, actuaram bem, cumpriram todas as regras e leis; só que, depois, não houve coordenação entre elas e, então, surgiu o imbróglio Totta/Banesto.
Mas há uma passagem interessante no «Comentário final e conclusões» que o Sr. Relator nos apresenta, em que ele diz: «Tais interesses, porém, no caso concreto do nosso pais, são prosseguidos por entidades diversas, com atribuições e competências também diversas, sem prejuízo da acção abrangente e de topo que cabe ao Governo». Ora, se todas as entidades individualmente consideradas funcionaram bem e só faltou a coordenação, então, esta falta de coordenação é uma responsabilidade directa e imediata do Governo. Mas essa conclusão os Srs. Deputados não quiseram tirar!
Mas há mais: a Comissão de Inquérito, nas audições, não pôde esclarecer uma questão que era essencial e exigível em qualquer comissão de inquérito e que é no sentido de, havendo contradições fundamentais e essenciais entre as declarações de um ex-Ministro das Finanças e as de um ex-Governador do Banco de Portugal, ser inaceitável que a maioria dos Deputados na Comissão de Inquérito, todos do PSD, não tenham permitido clarificar tais contradições.
Aplausos do PS e do PCP.
Não é aceitável nem admissível que, no relatório da Comissão, se passe, como «gato sobre brasas», sobre o facto da CMVM ter apresentado às outras entidades competentes um relatório, em Novembro de 1991, em que levantava graves suspeitas e indícios da ultrapassagem dos limites legais e que essas outras entidades, começando pelo Governo, perante essa posição e essas informações da CMVM, tenham, pura e simplesmente, procedido ao seu arquivo. Mais grave ainda é que uma dessas entidades, que devia ter por obrigação primeira estabelecer o controlo e a fiscalização destas atitudes, declarou na Comissão que não valia a pena, porque, mesmo que se comprovasse que era verdade, não tinha qualquer efeito perante a legislação comunitária.
0 Sr. Carlos Pinto (PSD). - Pode dizer quem disse isso!
0 Orador: - Uma entidade que deve cumprir a legislação portuguesa justifica o arquivo dos indícios levantados pela CMVM, em Novembro de 1991, dizendo que, mesmo que se provasse que era verdade. tínhamos a legislação europeia que contrariava a portuguesa.
Ora, isto é inaceitável e deveria ser clarificado e ter sido incluído nas conclusões da Comissão de Inquérito. Aliás, o problema da ultrapassagem dos limites está totalmente clarificado pelos factos, como referi inicialmente.
Se não fosse o facto de a maioria do PSD, na Comissão de Inquérito, ter querido e ter definido as conclusões antes de começar o inquérito, a verdade é que se poderia ter concluído que o Governo, durante todo este processo, se portou de uma forma politicamente inaceitável, porque fez leis para não serem cumpridas.
0 Governo teve apenas uma preocupação durante todos estes anos, ou seja, que a ultrapassagem, pelo Banes-
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to, dos limites legais no capital social do Totta não fosse afirmado publicamente por uma entidade responsável, designadamente pelo próprio Banesto. Enquanto isso não se verificasse, o Governo, apesar de conhecer toda a situação, queria deixá-la passar, à espera que houvesse, no futuro, a possibilidade de alterar a legislação, para que o País se confrontasse com o facto consumado. Precisamente por isso é que só fez alguma coisa em termos formais quando Mário Conde - aquele que saiu da prisão há poucos dias, por um período que não sabemos qual - resolveu, como se costuma dizer, «dar com a língua nos dentes» e declarar que tinha, de facto, 50 % do capital do Totta.
Aplausos do PCP.
0 Sr. Carlos Pinto (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa da consideração relativamente às afirmações do Sr. Deputado Octávio Teixeira.
0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, dar-lha-ei no momento oportuno.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou ser muito breve porque quem, em nome do Grupo Parlamentar do CDS-PP, fez parte da Comissão foi o Sr. ex-Deputado Nogueira de Brito, que hoje já não faz parte da nossa bancada.
Sei, no entanto, pelas informações que ele me transmitiu, que se manteve até ao fim na Comissão de Inquérito, mas, mais tarde, veio a arrepender-se...
Vozes do PS: - Ah!...
0 Orador: - ... de ter tido esta generosidade para com ela, porque, efectivamente, segundo tomou público, as diligências que ele requereu não foram atendidas e as conclusões foram de tal modo fabricadas que as não pôde assumir.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - Por isso mesmo e pela informação que tenho do desgosto que ele teve em ter estado nesta Comissão e esta ter rejeitado a cooperação e colaboração que ele queria dar para o apuramento da verdade, não poderemos votar a favor deste relatório, deixando claro que juntaremos, se o Regimento o permitir, uma declaração de voto com as razões da nossa posição.
0 Sr. José Vieira Jardim (PS): - Muito bem!
0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para exercer o direito de defesa da consideração relativamente às afirmações do Sr. Deputado Manuel dos Santos, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.
0 Sr. Vieira de Castro (PS13): - Sr. Presidente, hesitei em pedir a V. Ex.ª para me conceder a palavra, porque a intervenção do Sr. Deputado Manuel dos Santos provocou-me um sentimento, simultaneamente, de repulsa e de indiferença.
Sr. Deputado Manuel dos Santos, pertenci a três comissões de inquérito e sei como sempre estive nos trabalhos dessas comissões. Nunca franqueei a porta de qualquer das salas onde essas comissões reuniram com conclusões pré-concebidas,
sempre lá estive para perguntar, ler a documentação que era requerida e, depois, formular as minhas opiniões.
0 Sr. Deputado Manuel dos Santos foi deselegante em relação à maioria,...
0 Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Não apoiado!
0 Orador: - ... mas, agora, não estou a defender a maioria, estou a defender-me a mim próprio, porque o Sr. Deputado me atingiu injustamente.
Não aceito que o Sr. Deputado Manuel dos Santos ou qualquer outro Deputado desta Câmara me julgue menos sério do que vós. Não aceito isso de ninguém e foi isso o que o Sr. Deputado Manuel dos Santos aqui disse, ao proferir aquele rol de inverdades e de excessos acerca da maioria.
Em todo o caso, Sr. Deputado Manuel dos Santos, ainda lhe concedo duas atenuantes.
0 Sr. Manue11 dos Santos (PS): - Muito obrigado!
0 Orador: - A primeira é porque V. Ex.ª participou naquela Comissão animado exclusivamente pela obsessão de condenar o Governo em processo sumário.
0 Sr. Rui Carp (PSD): - Muito bem!
0 Orador: - Cegou, perdeu a lucidez e, perante os depoimentos que iam ocorrendo na Comissão, constatou que, afinal, as coisas corriam contrariamente àquilo que eram as suas ideias pré-fabricadas.
Tenho esperança que o Parlamento ponha à disposição de todos aqueles que nisso tiverem interesse as actas das reuniões da Comissão e toda a documentação que foi requerida.
A segunda atenuante, Sr. Deputado, também a compreendo, pois V. Ex.ª teve de justificar uma coisa muito feia. Os Deputados têm mais responsabilidades do que quaisquer outros cidadãos, por isso não se compreende como é possível que Deputados que detinham um mandato o não tenham levado até ao fim. Não há desculpa possível para o abandono das reuniões de uma comissão, como, da mesma maneira, não há desculpa possível para o abandono das reuniões do Plenário da Assembleia da República. É muito feio fugir!
0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP). - 15so é com o Primeiro-Ministro!
0 Orador: - Sr. Deputado Manuel dos Santos, não se compreende que os Deputados do Partido Socialista, com excepção do Sr. Deputado Joaquim Silva Pinto, tenham fugido da Comissão de Inquérito Parlamentar para Apreciação do Processo de Privatização do Banco Totta & Açores.
Aplausos do PSD.
0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.
0 Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Vieira de Castro, começo por chamar a sua atenção para a contradição entre as suas palavras iniciais e todo o seu discurso. Aliás, V. Ex.,, não fez um protesto contra as minhas palavras, fez, sim, urra intervenção, para a qual tinha legitimidade e tempo, pelo que o poderia ter utilizado.
V. Ex.ª começou por dizer que a minha intervenção lhe provocou repulsa e indiferença, mas, depois, fez imensas considerações acerca dela, que, obviamente, qualquer pes-
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soa lúcida - e quero crer que V. Ex.ª, pelo menos em 99 % do seu tempo, o é - não poderia ter entendido nem apreendido se tivesse em relação a ela uma atitude de repulsa e de indiferença. V. Ex.ª não teve uma atitude de repulsa e de indiferença, teve, sim, uma atitude de atracção e de admiração, porque se referiu com grande detalhe a ela. Esteve muito atento, a minha intervenção não lhe foi indiferente e tocou-lhe profundamente.
Quero dizer que, tal como o Sr. Deputado, também participei em três comissões de inquérito - e já tivemos alguns debates nessas comissões de inquérito - e, tal, como o Sr. Deputado, tenho a experiência que testemunhei e que transmiti neste meu escrito, ou seja, a de que nunca, em nenhuma comissão de inquérito, a maioria do PSD se comportou da forma como o fez nesta Comissão de Inquérito ao processo de privatização do Banco Totta &, Açores. Nunca, em nenhuma comissão!
Dito isto, quero - aliás, esqueci-me de o fazer na minha intervenção inicial - saudar o Sr. Presidente da Comissão que não teve formalmente e, quero crer, substancialmente qualquer responsabilidade sobre este facto.
Mas em nenhuma comissão de inquérito - e eu também participei em três, como V. Ex.ª - se passou um processo de obstaculização, de estrangulamento e da impossibilidade de chegar ao essencial.
Admitia perfeitamente que VV. Ex.ªs não permitissem que os trabalhos da Comissão decorressem durante meses e meses e que fossem ouvidas centenas de pessoas, mas, no fim, a nossa diferença, a pequena diferença, era apenas ouvir o ex-Ministro Miguel Cadilhe, o ex-Ministro Braga de Macedo e o ex-Governador do Banco de Portugal Miguel Beleza, sabendo nós que, pelo menos estes dois, estavam disponíveis e interessados em participar nos trabalhos da Comissão. Foram VV. Ex.ªs que, mais o que nos impedir a nós, impediram os vossos colegas, um deles de bancada, de participarem no esclarecimento da verdade.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Orador: - Sr. Deputado Vieira de Castro, uma última observação: V. Ex.ª afirmou que eu disse não sei quantas inverdades. Pergunto: é mentira que foram feitos vários requerimentos e várias perguntas ao Governo a que ele nunca respondeu? É mentira que foram propostas várias audições parlamentares que os senhores inviabilizaram? É mentira que foi apresentada uma proposta de inquérito parlamentar, que os senhores «chumbaram», e que foi necessário, a seguir, utilizar o mecanismo das 46 assinaturas, para que esse inquérito se realizasse? É mentira que os senhores impediram, como já disse duas vezes - e volto a repetir-, que ficasse esclarecida uma contradição essencial o processo entre as declarações de dois dos depoentes? E mentira que os senhores impediram o ex-Ministro Miguel Cadilhe, que era parte interessada no processo, uma vez que foi ele que iniciou o processo de privatização, de vir à Comissão?
Sr. Deputado Vieira de Castro, cite-me uma inverdade que eu tenha no meu discurso relativamente a factos e faço-lhe a justiça de considerar que é uma pessoa honesta e capaz de assumir responsabilidades. V. Ex.ª pode não concordar com as minhas opiniões, pode dizer que elas não são as suas - e não serão, seguramente! -, mas cite-me um único facto que eu tenha registado no meu escrito que constitua uma inverdade.
Aplausos do PS.
0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para exercer o direito de defesa da consideração relativamente à intervenção do Sr. Deputado Octávio Teixeira, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Pinto.
0 Sr. Carlos Pinto (PSD): - Sr. Presidente, relativamente às afirmações produzidas pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira, e porque entendo que o Governo foi posto em causa, permito-me apenas dizer que, no fundo, o que se traz aqui é uma tentativa de o condenar.
Sr. Deputado, e a condenação de um accionista espanhol que tentou ultrapassar a lei portuguesa? E a condenação de um accionista espanhol que está hoje a contas com a justiça espanhola e que já levou a que o Procurador-Geral espanhol se deslocasse a Portugal, ou alguém por ele, para averiguar a maneira como foi tentada a ultrapassagem da lei portuguesa?
V. Ex.º ouviu, durante os trabalhos, referir, por exemplo, aquilo que aconteceu, há pouco tempo, com o BCCI, em Inglaterra, que justamente numa simulação muito semelhante, violou a lei bancária inglesa, o que prova que aí não foram capazes de criar uma armadura legal que evitasse isso.
Mas V. Ex.ª ouviu mais: ouviu o Sr. Presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários dizer que o ex-presidente do Banesto declarou que possuía 25 % do capital do Banco Totta & Açores e que o resto eram créditos sobre personalidades jurídicas portuguesas.
Ouviu isto e, mais, ouviu dizer que os titulares das Finanças se opuseram à tentativa do accionista espanhol de provocar uma fusão entre o Banco Totta & Açores e outra entidade bancária. E ouviu também a obstrução que se tentou fazer, no sentido de que o Governo português não decidisse que o Estado português acorresse ao aumento de capital do Totta, justamente porque lhe interessava deter uma posição, nem que fosse uma única acção, que impedisse supostas iniciativas neste sentido perante os accionistas espanhóis.
Tudo isto configura a seguinte situação: o Estado e o Governo portugueses actuaram na defesa dos interesses portugueses perante alguém que tinha um projecto, aliados nacionais e uma lei que tentou violar e ultrapassar. E o conjunto das entidades criadas para o processo de privatização, que justamente se pronunciaram sobre isto, disseram sempre que a lei portuguesa, a ser contestada nos tribunais comunitários, podia eventualmente nem sequer dar razão ao Governo português. Ou seja, o Governo português sustentou uma posição, que, para ele, era a que melhor defendia os interesses nacionais, que eventualmente até podiam colidir com o regime jurídico comunitário nesta matéria.
Assim, depois de todo este trabalho e depois da soma de informação que foi exuberantemente produzida, é puramente especulativo dizer - como, há pouco, o fez o Sr. Deputado Manuel dos Santos - que podíamos ter ouvido mais um ex-ministro e mais 20 fontes relacionadas com este processo.
Mas a questão essencial era a de o relator ....
0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Sr. Deputado, faça favor de concluir.
0 Orador: - Termino de imediato, Sr. Presidente.
Como dizia, a questão essencial era a de a estrutura da Comissão poder ou não concluir o relatório, depois de um acordo estabelecido no primeiro dia de trabalhos sobre as
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entidades que se julgavam suficientes para trazerem o apuramento dos factos a esta Comissão.
Portanto, Sr. Deputado, considero que esta questão é profundamente especulativa- injusta, se quiser, pretendendo-se tão-só retirar dividendos políticos dela. E se o Sr. Deputado lesse o que consta das actas e pudesse ter estado presente nas últimas reuniões da Comissão para assistir ao debate de síntese que se fez, naturalmente teria uma outra opinião.
Vozes do PSID: - Muito bem!
0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
0 Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Pinto, o senhor disse no fim da sua intervenção que se eu «pudesse ter estado presente nas últimas reuniões da Comissão ( ... )». Sr. Deputado, eu poder podia, só que não quis! Saí, conscientemente! Portanto, não era uma questão de poder mas, sim, de querer.
Quanto à questão de fundo, gostaria de dizer que o problema é que ou o Governo assumia que a lei existente estava em contradição com a comunitária e ele, porque julgava que devia ser cumprida a comunitária, resolvia o problema alterando a lei ou não o fazia, como não o fez e não o deveria ter feito, e defendia o cumprimento da lei. E daqui não podemos sair! Se a lei existe, é para ser cumprida e o Governo é o primeiro a ter o dever estrito de fazer cumprir a lei. Ora, isso o Governo não fez!
0 Governo, desde o início, conheceu todo o processo. Aliás, quando o Sr. Deputado Carlos Pinto fala na declaração do Sr. Presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, de que o Banesto, ou, mais concretamente, o Sr. Mário Conde, a determinada altura, teria dito «tenho 25 %», gostaria de dizer que o que ele referiu foi «tenho directamente» - isso está explícito. E também foi por causa disso que o Governo, em vez de pegar nessa declaração do Sr. Mário Conde de que tinha 25 % e de lhe dizer que isso não era possível, porque a lei só permitia 10%, passou esse limite, em Julho, de 10 % para 25 %! 0 Governo não fez cumprir a lei! Não actuou, política e juridicamente, face ao Banesto! Não! Adaptou a lei portuguesa à situação concreta que o Banesto lhe expôs e, depois, fez por esquecer os 25 %, chamados indirectos!
Porém, como disse há pouco, o desenvolvimento do processo mostrou claramente que estas conclusões nada têm a ver com a realidade. Não é por acaso que o próprio Governo, face ao anúncio da eventual aquisição dos 50 % do Banco Totta & Açores pelo Sr. António Champalimaud, diz: «Assim, conseguimos o nosso objectivo, que era o de os trazer para as mãos de portugueses». 15to é, o Governo sabe que os 50 % não estão, neste momento, em mãos portuguesas!
Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!
0 Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra e consideração da minha bancada.
0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, além do Sr. Deputado José Vera Jardim, há mais dois oradores inscritos, os Srs. Deputados Joel Hasse Ferreira e Joaquim da Silva Pinto, para exercer o direito de defesa da honra e consideração, relativamente às afirmações do Sr. Deputado Vieira de Castro. Vou solicitar a todos esses Srs. Deputados que não utilizem mais de um minuto para o efeito.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.
0 Sr. José Veira Jardim (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Vieira de Castro permitiu-se pretender dar lições de comportamento parlamentar aos Deputados da minha bancada. 0 que quero dizer-lhe, Sr. Deputado, é muito rápido e muito simples: escusa V. Ex.ª de perder o seu tempo e a sua retórica com lições de comportamento parlamentar à minha bancada e fique ciente de que nós não fugimos - V. Ex ª terá outros exemplos práticos de pessoas que fogem, mas nós não fugimos! Fique também ciente de outra coisa: sempre que verificarmos que as condições do trabalho parlamentar não têm um mínimo de dignidade para continuarmos, imediatamente sairemos, diga V. Ex.4 o que disser e pense o que pensar.
Sr. Deputado Vieira de Castro, que fique claro que nós não fugimos, mas saímos, sempre que a prepotência da maioria impedir que os trabalhos parlamentares, seja onde for, decorram em condições mínimas de dignidade.
Aplausos do PS.
0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para exercer o direito de defesa da honra e consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.
0 Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Vieira de Castro, é muito importante sublinhar que a nossa atitude é perfeitamente justificada, quando comparamos as falsas conclusões com os relatórios, nomeadamente da Inspecção-Geral de Finanças e da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.
Por outro lado, não pode se colaborar com uma farsa. De facto, o clima introduzido na Comissão, a partir de certa altura, deu-nos todo o direito de abandoná-la, já que foram negadas audições absolutamente necessárias. Ora, a actuação de uma comissão de inquérito deve ser respeitável e responsável e, perante casos destes, o abandono é perfeitamente legítimo. Neste Parlamento, já fiz parte de quatro comissões de inquérito e é a primeira vez que, com outros camaradas, sou compelido, em prol da dignidade da Comissão, a abandonar essas funções.
0 abandono de uma estrutura com a qual não concordamos é perfeitamente legítimo - senão, como encararíamos aqueles que até abandonaram órgãos legislativos?! 0 «síndroma da fuga» não é nosso! Estamos aqui todos a «dar a cara» e lamento que o Sr. Deputado Vieira de Castro critique os abandonos - V. Ex.,', eventualmente, irá assistir a alguns outros abandonos - e tenha o trauma das fugas. Nós não temos esse trauma; estamos aqui a «dar a cara» e rejeitamos todas as considerações. Só que respeitamos a dignidade das comissões de inquérito e sabemos que elas podem chegar a conclusões sérias e adequadas quando trabalham de um modo diferente. Aqui moveram-se interesse importantes e, por isso, a Comissão de Inquérito não chegou aonde devia.
Aplausos do PS.
0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para exercer o direito de defesa da honra e consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim da Silva Pinto.
0 Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Vieira de Castro, não tencionava intervir, mas, como fui citado, vou falar em defesa da minha consideração.
A minha posição nesta Comissão de Inquérito foi claramente explicada pelo meu colega de bancada Deputado
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Manuel dos Santos, mas devo acrescentar, exactamente porque fui citado, que o Sr. Presidente da Comissi4o - e digo-o com toda a cordialidade - se esqueceu do mencionar que o relatório foi votado favoravelmente e exclusivamente pelos Deputados da bancada do PSD e teve votos contra do Sr. Deputado Nogueira de Brito e o meu próprio voto contrário, traduzido, aliás, numa declaração de voto. Este é o primeiro aspecto que quero sublinhar.
Por outro lado, devo dizer que não me arrependo de ter permanecido até ao final dos trabalhos da Comissão, por três razões fundamentais.
Em primeiro lugar, porque ouvi do actual Ministro das Finanças a mais contundente crítica à acção do seu antecessor neste domínio, crítica essa que consta das actas, que VV. Ex.ªs - e muito bem - devem consultar.
0 Sr. Rui Carp (PSD): - É falso! Está a delirar!
0 Orador: - Em segundo lugar, porque ouvi VV. Ex.ªs, até à última da hora, negarem-se à repetição dos depoimentos - mas em conjunto - dos ex-Ministros da Finanças, Drs. Miguel Beleza e Braga de Macedo. E não e. tratava de uma simples questão formal, pois o que estava em causa era o facto de o ex-Ministro das Finanças e o ex-Governador do Banco de Portugal, Dr. Miguel Cadilhe, ter dito que, por várias vezes, transmitiu ao então Ministro das Finanças, Dr. Braga de Macedo, o seu interesse em esclarecê-lo e informá-lo e não ter obtido uma resposta, o que naturalmente contribuía para o juízo político que tínhamos de fazer sobre um período decisivo da evolução do processo.
Em terceiro lugar, para verificar que, tendo o relator tido o cuidado e a hombridade de sublinhar que tinha havido, de facto, desfasamentos e ausências de um diálogo totalmente correcto entre o Ministério das Finanças o o Banco de Portugal, a maioria, onde ele se integra, fez a inversão do seu relatório e, em vez de isso aparecer como uma afirmação primeira, seguida, é certo, de um; referência abonatória ao Governo, o relatório surge como um elogio à acção do Governo e só depois refere esse aspecto, que, a meu ver, era o único reparo judicioso que tinha sido apresentado pelo relator.
Sr. Presidente, espero ter contribuído para o esclarecimento da verdade dos factos.
Aplausos do PS.
0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.
0 Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Vera Jardim, não vou fazer muitas referências ao que foi apurado no decurso do inquérito, porque tenho muita esperança de que as pessoas interessadas em saber tudo o que se passou, as que estejam de boa fé, tinham curiosidade de ler as actas, onde constam todos os depoimentos, e se disponham a perder algum tempo a analisar a documentação - volumosa, de resto - que foi requerida,
Entendi a alusão feita pelo Sr. Deputado José Vera Jardim à questão da fuga dos Srs. Deputados do PS e estou disposto a substituir o verbo «fugir» por um outro. Nisso, provavelmente, o Sr. Deputado tem razão. É que, exactamente como todos os Deputados que integravam a Comissão, nós tínhamos uma obrigação que se consubstanciou no momento em que o Sr. Presidente da Assembleia da República nos conferiu posse, obrigação essa que os Srs. Deputados do Partido Socialista não cumpriram. Porém, retiro a expressão «fugiram», pois preferirei dizer, talvez com mais propriedade, que desertaram da Comissão.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Orador: - Não quero, Sr. Deputado José Vera Jardim quem sou eu para o fazer -, dar lições de comportamento a nenhum dos Srs. Deputados, incluindo, obviamente, os Srs. Deputados do Partido Socialista. Mas pergunto-me, Sr. Deputado José Vera Jardim, se os portugueses que os elegeram gostaram que os senhores não tivessem cumprido o vosso dever até ao fim.
Vozes do PSD: - Muito bem!
Vozes do PS: - Cumprimos o dever, Sr. Deputado!
0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, a Mesa dá por terminado o debate do...
0 Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
0 Sr Presidente (José Manuel Maia): - Para que efeito?
0 Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Faça favor.
0 Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr. Presidente, queria apenas registar que o Sr. Deputado Vieira de Castro não respondeu a nada do que eu disse na defesa da consideração.
0 Sr. Presidente (José Manuel Maia). - Com certeza, Sr. Deputado.
0 Sr. Manuel dos Santos (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra.
0 Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, além de as questões serem públicas, pois foram publicadas em Diário Assembleia da República, estou em condições de provar que foi feita uma pergunta ao Governo sobre o assunto, à qual o Governo não respondeu.
0 Sr. Rui Carp (PSD)- - Uma!? Já está melhor!
0 Orador: - Tenho aqui em meu poder o documento. Foi feita na minha intervenção uma referência ao requerimento, que posso oferecer ao Sr. Deputado Rui Carp.
0 Sr. Rui Carp (PSD). - Há pouco eram vários, agora é só um!
0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Se o Sr. Deputado Manuel dos Santos vir interesse nisso, fará chegar depois esse documento aos Srs. Deputados.
Srs. Deputados, terminámos a apreciação do relatório final da Comissão de Inquérito Parlamentar para Apreciação do Processo de Privatização do Banco Totta & Açores [inquérito parlamentar n.º 23/VI (PS, PCP, PSN e Deputado independente Raúl Castro, pelo que passamos à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.º 479/
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VI - Cria o relatório anual sobre a situação do País em matéria de toxicodependência, tendo em vista a intervenção da Assembleia da República na definição da política nacional de combate à droga e 480/VI - Cria uma rede de serviços públicos para o tratamento e reinserção de toxicodependentes, ambos do PCP.
Para uma intervenção, na qualidade de relator da Comissão de Saúde, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Cardoso.
0 Sr. Alberto Cardoso (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estão em apreço dois diplomas de iniciativa do PCP.
0 projecto de lei n.º 479/VI procura instituir um relatório anual sobre a situação do País em matéria de toxicodependência com a realização de um debate anual em sede da Assembleia da República, de modo a que esta intervenha na definição da política nacional de combate à droga.
Pretende-se, pois, que os órgãos de poder político e a opinião pública tenham um conhecimento mais exacto e aprofundado sobre as medidas que, em cada departamento ou serviço sob tutela governamental, vêm sendo tomadas em matéria de combate à droga e toxicodependência.
Este projecto tem quatro artigos e quero aqui destacar o conteúdo do artigo 3.º, que aponta para um debate anual, em sessão pública, ficando o Governo incumbido de fornecer os elementos que passo a enumerar: dados resultantes de estudos epidemiológicos realizados sobre o consumo de drogas; dados sobre a interacção da toxicodependência com outras doenças, designadamente a hepatite e a SIDA; dados sobre mortes por causas relacionadas com o consumo de drogas; dados relativos à criminalidade directa ou indirectamente relacionada com o consumo e tráfico de drogas; dados relativos ao grau de cobertura do território nacional e da população toxicodependente por centros de atendimento de toxicodependentes e comunidades terapêuticas; dados relativos à adopção de medidas de reinserção social de toxicodependentes e avaliação dos respectivos resultados; dados relativos a julgamentos e condenações por crimes relacionados com consumo e tráfico de drogas; dados relativos à incidência da toxicodependência e do consumo de drogas em meio prisional; dados relativos às medidas de prevenção primária adoptadas ou apoiadas por instituições ou serviços públicos; e ainda dados relativos ao apoio concedido pelo Estado a entidades privadas com intervenção na prevenção do consumo de drogas e no tratamento e reinserção social de toxicodependentes.
0 projecto de lei n.º 480/VI propõe: uma rede de serviço público para tratamento e reinserção de toxicodependentes com a generalização de Centros de Atendimento de Toxicodependentes em todos os distritos; o alargamento para mais de 60 camas para internamento de curta duração; a criação de cerca de 1000 camas em comunidade terapêutica; a desintoxicação em meio familiar acompanhada pela colaboração do Serviço Nacional de Saúde e Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência; a celebração de protocolos com o Instituto do Emprego e Formação Profissional e empresas para a reinserção social; e ainda prevê que sejam garantidas pelo Estado regalias sociais na ausência de emprego. Aponta, como financiamento para este projecto, as receitas do Orçamento do Estado, 50 % dos bens declarados perdidos a favor do Estado, nos termos da alínea b), n.º 1, do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e ainda as receitas do Joker.
0 Sr. Piresidente (José Manuel Maia): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe
0 Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 flagelo social da droga está no centro das preocupações dos portugueses. A criminalidade e a insegurança dos cidadãos aumenta à medida que vão aumentando o tráfico e o consumo de droga e todo o enorme rasto de criminalidade e de delinquência que se lhe associa.
Milhares de famílias vivem o drama diário da presença de um toxicodependente, quando não do seu abandono ou morte. Os pais vivem a angústia diária do tráfico de droga nas imediações das escolas. A generalidade dos cidadãos vive a intranquilidade dos delitos praticados por toxicodependentes em desespero de causa. No dia a dia de cada um se cruzam os sinais deste flagelo social. Não é necessário ir aos chamados «hipermercados da droga», onde se concentram centenas de toxicodependentes, basta andar pelas ruas e ver os inúmeros jovens que procuram angariar dinheiro através dos mais diversos meios e expedientes, aparentando frequentemente marcas evidentes de degradação humana.
A Assembleia da República não pode voltar as costas a este gravíssimo problema. É, por isso, importante que este debate tenha lugar, mas é mais importante ainda que dele sejam retiradas consequências práticas.
Já por diversas vezes nesta legislatura o Grupo Parlamentar do PCP trouxe ao Plenário da Assembleia da República a questão da toxicodependência através da apresentação de iniciativas legislativas, sempre recusadas pela maioria PSD. Nunca argumentando seriamente contra o conteúdo das medidas propostas, mas sempre com a falsa desculpa da sua redundância, face a medidas anunciadas pelo Governo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 País vive há demasiado tempo embalado por promessas 1000 vezes repetidas. Não há intervenção de membro do Governo sobre o problema da toxicodependência que não anuncie programas e protocolos e não invoque perspectivas optimistas, que nunca se confirmam.
Na última década, inúmeros programas e estruturas foram criados, reformulados, reestruturados, sempre que se tornou indisfarçável o fracasso de fórmulas anteriores. 0 que é hoje evidente é que, tal como noutros sectores da vida nacional, o esforço propagandístico do Governo em matéria de combate à toxicodependência andou sempre muito à frente do esforço real. A realidade confirma-o.
Ao contrário do que afirma o Governo, a evolução dos flagelos da toxicodependência e narcotráfico continua a registar crescimentos muito preocupantes, com consequências sociais e humanas que as estatísticas são incapazes de traduzir.
Na semana europeia de prevenção da toxicodependência, assinalada em Portugal, foi anunciado um «dado novo e seguro» - sublinho, «dado novo e seguro» -, que o primeiro consumo de drogas «vem diminuindo acentuadamente, atingindo já uma boa percentagem de sentido positivo, 15 %». Descida tão acentuada espantou positivamente o auditório, mas foi justificada: «deveu-se a uma maior informação junto dos adolescentes e jovens (.. ) a uma acção mais atenta das famílias, que procuram diálogo aberto sobre o problema ( ... ) ao trabalho magnífico realizado nas centenas de escolas do projecto 'Viva a Escola', hoje Programa de Promoção e Educação para a Saúde».
Pois bem, passados uns dias, uma lacónica nota de imprensa informou que o «dado novo e seguro» não passava de um lapso. 0 primeiro consumo não diminuiu 15 %, como foi afirmado, mas apenas 1,5 %. 15to é, o dado novo e seguro é que faltou uma vírgula. A diminuição de 15 %
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foi um equívoco e os elogios à política que teria conduzido a tamanho sucesso também só pode ter sido um equívoco!
Vozes do PCP: - Muito bem
0 Orador: - A verdade é que as expectativas optimistas quanto à contenção do consumo e tráfico de drogas, anunciadas por vários ministros ao longo do último ano, não se confirmam.
Na intervenção sobre a evolução da criminalidade que efectuou na abertura solene do ano judicial, o Procurador-Geral da República referiu isso mesmo, apontando para um crescimento de 7 % da criminalidade associada à droga no último ano.
Sabe-se, entretanto, que estão hoje nos estabelecimentos prisionais mais de 7000 reclusos por causa directa da droga, o que representa dois terços da população prisional. Nos últimos 10 anos, os processos e arguidos por tráfico de droga subiram mais de 600 %, as apreensões de heroína multiplicaram por 90 e as de cocaína por 250.
0 número de overdose referenciado nos Institutos de Medicina Legal tem registado também rápidos agravamentos, atingindo os 340 casos, em 1993. A overdose é a segunda causa de morte de jovens, logo a seguir aos acidentes de viação. Em 10 anos, as mortes por overdose multiplicaram por 100.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Que medidas foram verdadeiramente tomadas, para fazer face a esta situação, por quem assume o poder político em Portugal? Que responsabilidades assumiu a Assembleia da República na manutenção do actual estado de coisas, ao abdicar de uma fiscalização séria da actividade governativa neste domínio e ao não exercer os seus poderes legislativos, para, além da mera concessão de autorizações ao Governo? É justo que nos interroguemos sobre estas questões.
Em Outubro passado, o Primeiro-Ministro, ao tempo ainda não demissionário, em discurso proferido na abertura da semana europeia da prevenção da toxicodependência, anunciou duas novas medidas do Governo, que não deixam de ser um retrato fiel da política governamental em matéria de combate à droga.
Vozes do PCP: - Muito bem!
0 Orador: - Anunciou o lançamento de programas de prevenção primária da toxicodependência, a realizar nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto pelas respectivas autarquias. Anunciou a decisão do Governo de se atingir, em Portugal, as 1000 camas para internamento de toxicodependentes até ao fim de 1994, sem, no entanto, referir que, dessas 1000 camas, o Governo contribui com 33, sendo todas as outras da responsabilidade de entidades privadas ou de instituições particulares de solidariedade social (IPSS).
15to é, o Governo anuncia pomposamente como suas as realizações alheias e procura retirar dividendos de acções que outros fazem. Quanto ao Governo, aprova as acções que lhe sejam propostas e apoia-as financeiramente com os dinheiros do Joker.
É óbvio que o combate à droga exige a mobilização da sociedade portuguesa no seu conjunto. Não sb contesta o envolvimento e a actuação de entidades não governamentais no domínio da prevenção da toxicodependência nem o apoio do Estado a essa actuação. 0 que, do, nosso ponto de vista, não é admissível é que o Governo não queira assumir as suas responsabilidades, atirando-as para cima de outras entidades. 0 que não é admissível é que o Estado não disponha em todo o País de mais de 50 camas para internamento de toxicodependentes- pelo menos, cinco distritos do País não possuam qualquer centro de atendimento digno desse nome - e que o Governo prefira canalizar as verbas do Joker para apoiar a abertura de comunidades terapêuticas por entidades privadas.
Em vez se assegurar a existência de uma rede nacional pública e de acesso gratuito para atendimento e tratamento de toxicodependentes, como o PCP propõe, o Governo prefere contabilizar camas em tudo o que é comunidade terapêutica privada para poder falar de 1000 camas em funcionamento, como se isso resolvesse o problema económico do acesso ao tratamento ou bastasse para fazer face ao número de dependentes de droga que dele carece.
Também não é admissível que num quadro de carência notória, como o que se atravessa, a direcção do Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência (SPTT) anuncie propósitos de desarticulação do CAT do Restelo, comprometendo irremediavelmente a validade do trabalho que há muitos anos tem vindo a ser desenvolvido pelos técnicos que aí prestam serviço e desrespeitando, inclusivamente, a Lei Orgânica do SPTT, que prevê claramente a existência dessa unidade com as características que presentemente possui.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem pouca autoridade para apelar às responsabilidades alheias no combate à droga um Governo que, no plano económico e social, conduz uma política de agravamento das vulnerabilidades e das situações de risco que conduzem à toxicodependência.
Assim, o PCP, ao mesmo tempo que salienta o trabalho empenhado e competente realizado por muitos técnicos e responsáveis a todos os níveis, acusa o PSD e o Governo de prosseguirem uma política que não só não está à altura da dimensão e gravidade do flagelo da toxicodependência como contribui, inclusivamente, para o seu agravamento.
0 PCP acusa o PSD e o Governo de ineficácia, de hipocrisia e de falta de vontade política para se empenhar efectivamente no combate ao flagelo social da toxicodependência.
0 PCP acusa o PSD e o Governo de não disponibilizarem meios suficientes, de não assumirem as responsabilidades do Estado nesta área e de procurarem transferir para as autarquias e cidadãos encargos e competências que lhes pertencem.
0 PCP acusa o PSD e o Governo de praticarem a mais reprovável demagogia nestas matérias, ao invocarem uma redução do número de toxicodependentes que não se verifica, tudo apontando, ao contrário, para o seu aumento.
0 PCP acusa o PSD e o Governo de gerirem o flagelo social da droga como mais um dossier de marketing eleitoral
Pela nossa parte, assumimos as nossas responsabilidades
Mais uma vez, propomos à Assembleia da República que aprove a criação de uma rede de serviços públicos para o tratamento e a reinserção social de toxicodependentes. 0 meu camarada Luís Peixoto referir-se-á, na sua intervenção, mais detalhadamente a esta proposta. E propomos ainda que seja estabelecida a obrigatoriedade da apresentação pelo Governo à Assembleia da República de um relatório anual sobre a situação do País em matéria de toxicodependência, tendo em vista a intervenção deste órgão de soberania na definição da política nacional de combate à droga.
Como os mais altos responsáveis reconhecem, não existem dados suficientemente fiáveis para uma apreciação rigorosa da realidade da toxicodependência em todas as suas vertentes. Este reconhecimento esteve, aliás, na base da
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criação, a nível nacional, do Observatório Permanente das Toxicodependências e, a nível da União Europeia, do Observatório Europeu da Droga, com sede em Portugal. 0 funcionamento eficaz destas estruturas poderá contribuir para o fornecimento de dados indispensáveis às instâncias de decisão política, aos técnicos e à opinião pública. É mesmo exigível que tal aconteça e que, ao contrário do que já foi aventado, os dados recolhidos pelos Observatórios não se tornem objecto de confidencialidade, facilitadora de manipulações e da propagação de ideias erradas acerca da realidade da toxicodependência.
É, por isso, fundamental que a Assembleia da República tenha acesso aos elementos mais rigorosos que for possível sobre essa realidade e sobre as medidas que, ao nível de cada departamento do Estado, vão sendo tomadas, para poder assumir o papel interveniente e responsável que constitucionalmente lhe cabe.
No entender do PCP, o combate eficaz à toxicodependência passa necessariamente pela adopção de políticas que eliminem as suas causas mais profundas e que mobilizem os meios e as vontades indispensáveis para fazer face à alarmante dimensão que esse flagelo assume entre nós.
0 combate à toxicodependência passa, assim, por condições dignas de educação e ensino, por perspectivas de emprego socialmente compensadoras para os jovens, pela humanização das condições de vida e de sociabilidade nos grandes centros urbanos. Passa também por uma vontade séria de combate à droga, que não assente apenas em palavras, por mais bonitas que sejam, mas que se traduza na mobilização de meios para a prevenção primária, na criação de condições de tratamento acessíveis, na existência real de perspectivas de reinserção social, na disponibilização de meios de combate ao tráfico de drogas que estejam mais à altura da gravidade do actual estado de coisas e na criação de mecanismos fiáveis de avaliação da real situação da toxicodependência em Portugal.
Vozes do PCP: - Muito bem!
0 Orador: - 0 PCP tem lutado por essa política não apenas por palavras mas através da apresentação de propostas concretas, como as que hoje são debatidas. Temos consciência de não trazer a verdade no bolso - apresentamos propostas sujeitas a debate, à crítica, ao seu aperfeiçoamento -, mas estamos convictos de que aprovar estes nossos projectos de lei seria um bom serviço que a Assembleia da República prestaria ao País.
Aplausos do PCP.
0 Sr Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, vamos interromper esta discussão pois, de acordo com o Regimento, devemos proceder às votações agendadas à hora marcada para esse efeito.
0 Sr. Secretário vai proceder à leitura da Acta de apuramento dos resultados da eleição entretanto realizada.
0 Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a Acta é do seguinte teor:
Aos dois dias do mês de Fevereiro de mil novecentos noventa e cinco, procedeu-se à eleição de três membros para o Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações.
0 resultado obtido, nos termos dos n." 2 e 3 do artigo 7.º da Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro, foi o seguinte:
Votantes - 197 Srs. Deputados.
Candidato: Mário Júlio Montalvão Machado - votos sim: 113; votos não: 84.
Candidato: Fernando Monteiro do Amaral - votos sim: 115; votos não- 82.
Candidato: Vítor Pereira Crespo - votos sim: 113; votos não: 83; abstenções: 1
Face ao resultado, os candidatos propostos não foram eleitos por não terem obtido a maioria qualificada legalmente requerida para o efeito.
Para constar, se lavrou a presente Acta que vai ser devidamente assinada.
0 Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Após ter sido dado conhecimento da votação, o Sr. Secretário vai dar conta de pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
0 Sr. Secretário (João Salgado). - Srs. Deputados, a solicitação do 5.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa, Processo n.º 77/94, 3 a Secção, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar os Srs. Deputados António Carvalho Martins e Paulo Pereira Coelho (PSD) a prestarem declarações no âmbito dos autos em referência.
Neste momento, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Barbosa, de Melo.
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Mário Tomé.
0 Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, a solicitação dos Juízos Criminais do Porto. Processo n.º 1991 93, 2.º Juízo, 3 a Secção, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado João Mota (PSD) a depor na qualidade de testemunha no âmbito dos autos em referência.
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Mário Tomé.
0 Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, a solicitação do Tribunal de Círculo de Pombal, Processo n.º 225/94, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Júlio Henriques (PS) a depor na qualidade de testemunha no âmbito dos autos em referência.
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Mario Tomé.
0 Sr. Secretário (João Salgado) - Srs. Deputados, a solicitação do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Processo n.º 193/91, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Fernando Andrade (PSD) a prestar depoimento na qualidade de testemunha no âmbito dos autos em referência
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0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Mário Tomé.
0 Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Depurados, a solicitação do Tribunal de Círculo de Alcobaça, Rrocesso n.º 307193, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer :no sentido de autorizar o Sr. Deputado João Poças Santos (PSD) a depor na qualidade de testemunha no âmbito d0 autos em referência; autorizar o Sr. Deputado Rui Macheto (PSD) a prestar depoimento, por escrito, na qualidade de testemunha, sobre a matéria dos autos em referência; não se pronunciar quanto ao Sr. Deputado João Cario »uarte (PSD) por não exercer o mandato de Deputado no,4a data.
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Mário Tomé.
0 Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, a solicitação do Tribunal de Círculo de Pombal, Processe n.º 219/94, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido do autorizar o Sr. Deputado Júlio Henriques (PS) a depor na qualidade de testemunha no âmbito do processo em referência '
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Mário Tomé.
0 Sr. Secretário (João Salgado)- - Srs. Deputados, a solicitação do Tribunal Judicial de Vila Pouca de Aguiar, Processo n.º 138194, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido do autorizar o Sr. Deputado Fernando Pereira (PSD) a depor na qualidade de testemunha no âmbito dos autos em referência.
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Mário Tomé.
0 Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, a solicitação da Polícia de Segurança Pública - Comando Distrital de Lisboa, Processo n.º 155193, Secção & Justiça e Disciplina, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado José Magalhães (PS) a ser inquirido como testemunha sobre a matéria dos autos em referência.
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em. apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Mário Tomé.
0 Sr. Secretário (João Salgado): - Srs. Deputados, a solicitação da Procuradoria-Geral da República, Processo n.º 155/93, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar os Srs. Deputados António Barradas Leitão e Rodrigues Marques (PSD) a serem ouvidos, como testemunhas, no âmbito dos autos em referência e autorizar os Srs. Deputados Cardoso Martins e Simão Ricon Peres (PSD) a prestarem depoimento como testemunhas, por escrito, sobre a matéria dos autos em causa.
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Mário Tomé.
0 Sr Secretário (João Salgado): - Por último, a solicitação da Directoria-Geral da Polícia Judiciária de Lisboa, Processo n.º 12 355/94.0 TDLSB, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no seguinte sentido: o Sr. Deputado Duarte Lima (PSD) deve ser autorizado pela Assembleia da República a ser ouvido no âmbito do citado inquérito.
0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições. vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Mário, Tomé.
Vamos agora proceder à votação global da proposta de resolução n.º 18/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo de Transporte Aéreo entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República da Turquia.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se as ausências dos Deputados independentes Manuel Sérgio e Mário Tomé.
Vamos proceder à votação global da proposta de resolução n.º 8/VI - Aprova, para adesão, o Acordo entre as Partes Contratantes do Acordo de Schengen e a Polónia,
relativo à Readmissão de Pessoas em Situação Irregular, a Respectiva Declaração Comum e Acta Anexa
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS e do CDS-PP e votos contra do PCP, de Os Verdes e do Deputado independente Raúl Castro.
Srs. Deputados, retomamos a discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.º479 e 480/VI (PCP).
Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado António Filipe, os Srs Deputados Rui Cunha, Aberto Cardoso, João Rui de Almeida, António Bacelar, Macário Correia e Pedro Campilho
Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Cunha.
0 Sr. Rui Cunha (PS)- - Sr Presidente, Sr. Deputado António Filipe, gostava de ser esclarecido apenas sobre uma questão muito concreta e directa que se prende com o artigo 7.º - «Reinserção social e profissional» - do projecto de lei n.º 480/VI, do qual V. Ex., é o primeiro subscritor.
Suponho que a intenção subjacente a esta norma é, a todos os títulos, louvável mas levantam-se neste domínio questões que, aliás, têm sido alvo de debate entre os pró-
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prios especialistas desta área. Nomeadamente, terão sido tomados em devida consideração os problemas graves que podem surgir pelo facto de os candidatos a programas de reinserção social e profissional serem, à partida, rotulados de toxicodependentes?
Como pensa V. Ex.ª obviar a este facto que, sendo de uma extrema sensibilidade, poderá ter repercussões deveras preocupantes?
Como pensa poder contornar esta situação de forma a que os eventuais candidatos não sofram essa rotulagem, que poderá acarretar graves inibições e consequências no seio da própria comunidade em que se pretende a sua reinserção?
0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado AIberto Cardoso.
0 Sr. Alibeirto Cardoso (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, também gostava de confrontá-lo com o disposto no n.º 1 do artigo 1.º do projecto de lei n.º 4801V1, no qual se aponta para a criação de «uma rede de serviços públicos visando a desintoxicação física e psicológica, bem como a reinserção social e profissional, dos cidadãos afectados de toxicodependência».
Compulsando o diploma que dá suporte legal à Lei Orgânica do Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência, encontra-se a referência à criação de uma rede pública de serviços para o tratamento de toxicodependentes, o que me leva a perguntar quais são as diferenças substanciais entre o projecto de lei apresentado pelo PCP e o diploma da autoria do Governo e, ainda, quais são as mais-valias da vossa iniciativa para o assunto em causa.
0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.
0 Sr. João Rui de ARmeida (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, gostava de colocar uma questão relativa ao artigo 6.º do projecto de lei n.º 480/VI, cuja epígrafe é «Desintoxicação em meio familiar». Hesitei um pouco em colocar-lha por ter referido que o seu colega, Deputado Luís Peixoto, irá intervir sobre esta matéria.
0 Sr. António Filipe (PCP): - Faça favor de colocá-la, Sr. Deputado.
0 Orador: - Nesse caso, passo a expô-la: certamente tem conhecimento de que o apoio domiciliário, a que é feita referência neste artigo 6.º, levanta dificuldades em termos de execução. Pensamos que é fundamental desencadear este apoio domiciliário, mas, hoje, especialistas na matéria e entidades ligadas a este assunto verificam que é com alguma dificuldade que a desintoxicação em meio familiar se efectua.
Neste contexto, como no citado artigo se fala em prestação de apoio clínico e medicamentoso, gostava que o Sr. Deputado António Filipe nos desse a sua perspectiva e adiantasse alguma informação sobre esta matéria.
0 Sr. Piresidente- - Tem a palavra o Sr. Deputado António Bacelar.
0 Sr. António BaceSinir (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, tanto a minha bancada como eu próprio estamos preocupados com o tráfico de droga e com o problema da toxicodependência. E, neste ponto, quase poderia subscrever, na íntegra, tudo aquilo que o Sr. Deputado referiu da tribuna.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Mesmo as acusações?
0 Orador: - Não! Não falei em acusações mas em tudo o que o Sr. Deputado referiu em termos de preocupações relativas à toxicodependência e ao tráfico de droga.
Para nossa infelicidade, sabemos todos que as cadeias estão cheias de toxicodependentes, alguns dos quais doentes, que estão presos porque praticaram um delito cuja finalidade era a obtenção de dinheiro para comprar droga.
Tenho uma opinião sobre as penalizações - não sou jurista, não me quero meter nesse campo senão ainda me «batem»; mas, se os juristas podem receitar, também me posso dar, de vez em quando, ao luxo de dar palpites sobre problemas de ordem jurídica - e, no que diz respeito aos traficantes, entendo que devem ser impiedosamente perseguidos e punidos.
V. Ex., referiu que o Primeiro-Ministro apresentou várias propostas, as quais, muitas vezes, não passam de afirmações bonitas ou de boas intenções como é, por exemplo, o caso do projecto VIDA Creio mesmo que deu a entender que «de boas intenções está o mundo cheio». Ora, não é esse o problema que se põe.
Como V. Ex.ª também sabe, muitas vezes estes programas têm de adaptar-se por dois motivos e o primeiro é o de que quando se «dá um apertão» ao sistema de tráfico este modifica-se. De qualquer modo, sabemos que algo tem de ser feito.
V. Ex a sabe tão bem quanto eu que, no que respeita aos casos de toxicodependência, o Estado tem destinadas 48 camas nos serviços públicos e conta com cerca de 1300 camas de entidades privadas às quais dá uma comparticipação de cerca de 90 contos por mês, por cada doente.
Poderá V. Ex a perguntar por que é que não há-de ser só o Estado a tomar conta dos doentes. Respondo-lhe que «do mal, o menos». 15to é, se, através deste sistema, conseguirmos facilitar o tratamento de um toxicodependente é um bom começo e, aliás, pelo que sei, até ao fim deste ano, pouco a pouco, todos os distritos do País estarão dotados de serviços que irão combater a toxicodependência.
Finalmente, não é propriamente uma pergunta que vou fazer mas, sim, uma contestação relativamente à sua intervenção: se V. Ex.º está preocupado com a toxicodependência, pode ter a certeza de que nós também estamos.
0 Sr. PresWerite: - Tem a palavra o Sr. Deputado Macário Correia.
0 Sr. Macário Correia (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, estou profundamente preocupado porque, depois de ter ouvido a apresentação dos dois projectos de lei do Partido Comunista e de tê-los lido, ficamos com o sentimento de que neles não está a tratar-se este assunto da forma séria e responsável que merece mas, isso sim, por uma mera jogada demagógica, para ter algum efeito político imediato em proveito de um partido e não do problema da toxicodependência em Portugal, o qual tem de ser resolvido.
Ficamos perplexos sem saber se esta proposta é ingénua ou demagógica. No entanto, ao assistirmos ao Partido Comunista a pretender divulgar um conjunto de dados que são de natureza reservada e que têm a ver com o combate a um fenômeno complicado, que têm a ver com vários ministérios e que envolvem várias entidades policiais, a pretender divulgar uma informação que serve para o combate àquilo que é um fenômeno que algumas polícias ainda não conseguiram resolver, no fundo, surge-nos a inter-
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rogação quanto a saber de que lado da barreira é que o Partido Comunista quer estar. 15to é, o Partido Comunista quer estar do lado das vítimas, ou seja, das famílias, dos jovens e outros ou será que, no fundo, está ingenuamente a contribuir para uma divulgação das redes que, & posse dessa informação, poderão posteriormente servir-se dela para aquilo que eu acredito que o Partido Comunista não deseja? Há que ter alguma precaução e a verdade -é que, por vezes, algumas jogadas políticas, sendo feitas. desta forma eventualmente ingénua, podem redundar no contrário do que é o objectivo de todos nós e que admito que também seja o do Partido Comunista.
Por outro lado - e aqui já não estamos no domínio das novidades -, estamos perante a «cegueira da estatização». 0 Partido Comunista não entende a existência de comunidades terapêuticas privadas, não entende a existência das instituições privadas de solidariedade social, não entende o funcionamento das misericórdias, não compreen6 a existência de fundações. Entende que o que existe é do Estado e é determinado pela cadeia hierárquica burocr4tica de alguma mentalidade que ainda deriva do tempo dos planos quinquenais, que, hoje em dia, só ainda não foram ao fundo numa ilha, que é Cuba, e, assim, pretende estatizar o problema em Portugal para que tudo dependa do.11stado e só do Estado. Trata-se de uma visão de forma nenhuma condizente com a visão moderna que, hoje em dia, é cada vez mais abrangente na sociedade portuguesa e apenas um pequeno quisto que ainda não se adaptou à democracia é que pensa dessa maneira. No entanto, tendo em. conta os ventos de mudança que têm varrido os partidos comunistas e com o que tem sido a tendência oscilante nas próprias bancadas desta Assembleia, acreditávamos que essa maneira de pensar estivesse cada vez mais reduzida ou mesmo já de todo pertencente às cavernas da História e que não viria ao de cima através das manifestações que nos são trazidas por estes projectos de lei.
Fica-nos ainda a ideia muito preocupante de que o Partido Comunista, sem dizer uma só palavra sobre. a questão da prevenção, em particular da prevenção primária, apenas está preocupado com a criação de uma rede estatizante para combater as consequências da toxicodependência está preocupado só com o tratamento e o internamento quando o que importa, sobretudo, é a prevenção.
0 Sr. Luís Peixoto (PCP): - E os actuais toxicodependentes? 0 que é que fazem?
0 Orador: - 0 Partido Comunista talvez ainda não tenha aprendido aquela velha máxima, que todos os portugueses conhecem, de que «mais vale prevenir que remediar». Ou seja, só se preocupam com o «remed1;r», com a despesa pública, com a estatização, com o internamento, mas quanto à prevenção, aos cuidados terapêuticos,. ao estímulo das comunidades privadas, não se preocupam,
o que para nós constitui um sinal de que ainda estão a «anos-luz» de se abeirarem do que é evidente numa sociedade moderna e dos pensamentos democráticos com que funcionamos.
Por último, estarão, eventualmente, a pôr em causa a própria dignidade de funcionamento do Parlamento. Ou seja, um partido político que é responsável, que tem noção do que é o seu contributo institucional neste Parlamento, passado um ano sobre a rejeição, de forma clara e inequívoca, de um projecto de diploma exactamente com os mesmos princípios e a mesma filosofia destes dois, que apenas diferia deles nalgumas designações semânticas e, obviamente, na numeração, não pratica um acto de muita dignidade institucional ao trazer aqui a mesma questão passados uns tempos, quando as mesmas pessoas que aqui estão já votaram liminarmente contra. Por respeito para com todos nós, deveriam proceder de outro modo.
É neste sentido que dirijo as minhas perguntas, com a profunda preocupação de, assim, nada estar a fazer-se de positivo pela dignidade do Parlamento, mas apenas uma jogada política anti-democrática não oportuna.
0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Campilho.
0 Sr. Pedro Campilho (PSD)- - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, ouvi com atenção a sua intervenção e, perante tantas acusações que fez, não posso deixar de dar-lhe um testemunho e de, posteriormente, fazer uma pergunta.
Faço parte de uma instituição particular de solidariedade social que se dedica à prevenção e ao tratamento da toxicodependência e participo em termos voluntários e gratuitos, como é óbvio. Mais: não sou responsável por esta fundação mas não posso deixar de dar o meu testemunho.
Ao longo de cinco anos de existência, houve mais de 700 toxicodependentes que passaram por aquela instituição. Aliás, V. Ex. certamente conhece, porque tive oportunidade de enviar-lhos, os dois últimos documentos que a própria fundação acabou de editar. Há mais, ainda, Sr. Deputado: se não fosse o apoio do Estado, esta fundação, como todas as outras IPSS, não poderia funcionar. Mas não se trata só do apoio directo, mensal, ao funcionamento desta instituição como de mais, ainda. É que o Sr. Deputado certamente não desconhece que, tanto em sede de IRS como de IRC, estão previstos benefícios fiscais que atingem 140 % e que são concedidos aos cidadãos e às entidades que queiram participar e colaborar no combate a este gravíssimo flagelo que a sociedade actual tenta ultrapassar.
Após ter-lhe dado este meu testemunho, que é verídico e que prova que esta fundação não funcionaria se não fossem os apoios do Estado, para além, repito, dos benefícios fiscais que estão previstos em sede de IRS e de IRC, a minha pergunta é a seguinte: será que a sua visão, com tantos «acuso», é apenas a de que a única forma de tratar deste gravíssimo problema da sociedade em que estamos inseridos é através da estatização de toda esta malha em que a sociedade civil participa para o tratamento e a prevenção deste drama? A mim, parece-me que não deve ser assim, Sr. Deputado.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
0 Sr. António Filipe (PCP). - Sr. Presidente, começo por agradecer a todos os Srs. Deputados que me colocaram questões, aos quais vou tentar responder pela ordem em que intervieram.
0 Sr. Deputado Rui Cunha colocou uma questão que é da maior importância. De facto, um dos problemas mais complexos relacionado com a toxicodependência é o da reinserção social e profissional dos toxicodependentes que, como sabe, são jovens na sua maioria
Repito que é verdadeiramente Importante a questão que colocou porque, de facto, não é possível promover uma correcta reinserção profissional de um jovem toxicodependente através de imposições a quaisquer entidades, sejam
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quais forem. Daí que a forma de fazê-lo e que propomos neste projecto de lei é a de que o Instituto de Emprego e Formação Profissional assuma a responsabilidade de procurar celebrar protocolos com empresas para que seja possível encontrar soluções individualizadas para a reinserção profissional. A matéria é, de facto, complexa pois poderão surgir problemas de estigmatização, de marginalização, destes jovens pelo que a questão deve ser tratada com a sensibilidade que merece.
Na verdade, pensámos que ao elaborarmos um projecto de lei sobre o tratamento de toxicodependentes não poderíamos, de forma nenhuma, perder de vista a perspectiva da vertente da ressocialização e da reinserção profissional. Daí termos avançado com esta proposta, sempre abertos ao estudo deste problema e à busca das melhores soluções. Provavelmente, não é por acaso que, a este nível, o que se fez até agora neste País foi zero. 15to é, não há qualquer entidade que, neste momento, esteja sequer preocupada com esta questão da reinserção profissional dos jovens toxicodependentes que, de facto, é o problema mais grave com que se confrontam. A verdade é que muitos jovens conseguem obter a sua desintoxicação física, digamos, mas, depois, na passagem para a reinserção profissional, esbarram com um obstáculo que se revela insuperável e acabam por recair na toxicodependência.
0 Sr. Deputado Alberto Cardoso colocou a questão da diferença entre o que nós propomos e o que o Governo se tem proposto fazer.
Ora, digo que o grande problema quanto à política do Governo nesta matéria não reside tanto no que este se propõe fazer, embora também aí haja críticas a fazer, mas, sobretudo, naquilo que não faz pois já há muitos anos vimos ouvindo falar nas mais diversas promessas. 0 Projecto Vida já teve várias versões e várias reformulações: houve uma primeira versão, com um coordenador nacional que, depois, foi demitido e criticou-se o que tinha sido feito aí; seguidamente, adoptou-se uma nova versão e, agora, há uma terceira versão com a criação da figura do Alto Comissário para o Projecto Vida. Devo dizer que não temos críticas a fazer quanto aos propósitos do Projecto Vida mas a grande questão é que tem havido uma grande diferença entre o que o Governo se propõe fazer e o que, depois, é palpável na prática,.
Quanto à existência de uma rede pública de serviços de tratamento, de facto, o SM prevê-a. A nossa crítica é a de que essa rede de serviços públicos é, hoje, manifestamente insuficiente; a rede que está prevista não se encontra a funcionar de facto, embora haja alguns centros de atendimento que há vários anos têm vindo a ser prometidos. Inclusivamente, assiste-se, neste momento, a um processo de desarticulação do CAT do Restelo, que está previsto na própria Lei Orgânica do SM Portanto, há uma contradição flagrante entre o que o Governo se propõe fazer e o que tem feito e, sobretudo, que não tem feito.
Quanto ao Sr. Deputado João Rui de Almeida, colocou um problema que é relevante. 0 meu camarada Luís Peixoto vai fazer uma intervenção sobre estes projectos de diploma, pelo que estas questões poderão vir de novo ao debate a propósito da sua intervençao.
Quanto ao apoio domiciliário, parece-nos que haverá situações concretas em que seja considerado adequado pelos médicos. Aliás, pensamos que o Serviço Nacional de Saúde deve funcionar também com o objectivo de facultar apoio para que os familiares dos toxicodependentes tenham a possibilidade de proceder ao respectivo tratamento no domicílio, caso tal seja considerado conveniente pelos médicos assistentes.
Sr. Deputado António Bacelar, também lhe agradeço as questões que colocou.
Quanto ao que referiu em primeiro lugar, devo dizer-lhe que estou de acordo consigo relativamente à questão do tratamento dos toxicodependentes. Todos consideramos que um toxicodependente é um doente, que tem de ser tratado e que esse tratamento não poderá ser feito, pura e simplesmente, através da aplicação de uma sanção penal, designadamente a prisão. Efectivamente, não é essa a solução de tratamento e a legislação portuguesa permite que sejam encontradas outras. A grande questão que se coloca neste momento é a de que essas soluções de tratamento não são acessíveis. E que contam-se pelos dedos de uma só mão as medidas de tratamento aplicadas através do sistema judiciário desde 1983, ano em que essa possibilidade foi prevista na legislação portuguesa.
Ora, verifica-se é que, não havendo instituições para as quais seja possível os juízes ou os delegados do Ministério Público enviarem os toxicodependentes para tratamento, criam-se obstáculos ao funcionamento do sistema e acabamos por ver situações, que considero aberrantes, de jovens a cumprirem penas de prisão por simples consumo de droga, o que creio que é uma forma de não resolver o problema.
De facto, era necessário criar condições - e, neste domínio, tem de ser o próprio Estado a fazê-lo - para que um jovem possa ser encaminhado do aparelho judiciário para o sistema de saúde, com soluções de tratamento voluntário. Pensamos que deve ser o próprio Estado a assumir essa responsabilidade, sem prejuízo do apoio a outras entidades que queiram intervir neste domínio. Caso contrário, não será possível haver formas de tratamento acessíveis à generalidade dos cidadãos que delas careçam.
Sr Deputado Macário Correia, até à intervenção de V. Ex.ª o debate estava a ser muito elevado. Manifestamente, interveio sobre aquilo que não sabe! Disse que a proposta do PCP defende a divulgação de dados secretos, mas não sei a que secretismo o Sr. Deputado se refere.
De qualquer forma, lembro-lhe que esta Casa aprecia, todos os anos, um relatório anual sobre segurança interna e, portanto, é evidente que ao nível dos serviços de segurança do Estado existem documentos secretos, que não são divulgados nesses relatórios. Há, no entanto, uma apreciação da Assembleia da República sobre a política de segurança interna e, por isso, entendemos que, por maioria de razão, ela também deve existir sobre a matéria da droga, matéria essa que é mais interdisciplinar e tem grande importância social.
0 Sr. Deputado afirmou ainda que nada adiantámos sobre prevenção primária. Devo informá-lo que já apresentámos nesta legislatura o projecto de lei n.º 175/VI, precisamente sobre esse tema, que foi recusado pelos senhores. Talvez o Sr. Deputado não se lembre disso, mas aconselho-o a que, antes de intervir nos debates, se informe para não falar do que não sabe, como acabou de fazer.
0 Sr. Macário Correia (PSD): - Não diga asneiras!
0 Orador: - Sr Deputado Pedro Campilho, tenho muito apreço pelas IPSS que actuam no domínio da prevenção e do tratamento de toxicodependentes, pois entendo que são merecedoras do apoio do Estado e, por isso, devem tê-lo.
0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar queria agradecer ao Partido Socialista o tempo que me cedeu para fazer esta intervenção.
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Falar da droga e do seu consumo é falar do drama social que diariamente nos entra pelas portas adentro através dos meios de comunicação de massas, das nossas vivências e consciências sociais e, por vezes, da pior maneira: através daqueles que nos são próximos.
É hoje um dado adquirido que o consumo e tráfico de droga devem ser tratados com o respeito e a seriedade que o seu estatuto de «problema global» da humanidade reclama.
Trata-se de um problema cujas implicações e ramificações penetram o substrato do ente colectivo sociedade, tornando-o num caso singular de corrupção do bem-estar social, valor cuja promoção a Constituição coloca entre as tarefas fundamentais do Estado português.
Não podemos esquecer que precedemos gerações outras que de nós legitimamente reclamam medidas que, ao menos, minorem as consequências do flagelo, abrandando o ritmo da sua progressão geométrica.
Enquanto realidade de dimensão planetária, o tráfico de droga alimenta-se dos eventos políticos e económicos transnacionais, manipulando-os a seu favor. Assim, fenómenos ainda recentes, como o da abertura da Europa a Leste, tiveram o efeito incontornável de criar novos mercados e áreas produtivas de drogas no Leste Europeu e na Ásia Central, suportados pelo incomensurável poder económico e político das teias do narcotráfico; economias subdesenvolvidas, e outras em processo de reconversão à economia de mercado, financiam-se com branqueamento de capitais oriundos do tráfico de droga, inocentemente ajudadas pelas imposições das autoridades monetárias internacionais que para ali os empurram.
Não obstante, não é deslocado salientar que a estratégia internacional de combate à produção de droga, narcotráfico e branqueamento de capitais, de prevenção do consumo, de tratamento e reinserção social de toxicodependentes, baseada nas resoluções da. ONU, é recente e tem produzido bons resultados. E se não tem tido o sucesso pretendido, não pode tal efeito ser levado à conta de deficiente concepção mas, sim, à falta de ratificação por parte considerável dos Estados, à falta de implementação efectiva e, muitas vezes, à impotência da mesma em face dos interesses estabelecidos.
Independentemente de necessários desenvolvimentos e correcções, a questão que se põe aos Estados é 4 de aplicarem tais estratégias com efectiva vontade política quer internamente, quer numa perspectiva mais vasta de cooperação multilateral com outros Estados. A derradeira guerra trava-se aqui e não conhece fronteiras, raças ou. credos.
Também o Estado português tem travado unia luta sem quartel contra a proliferação do tráfico de estup2facientes e contra o aumento da toxicodependência. É de. salientar, neste âmbito, o protocolo de cooperação assinado no ano passado entre a Polícia Judiciária, a Polícia de, Segurança Pública, a Guarda Nacional Republicana e a Direcção-Geral das Alfândegas, visando a detecção e o combate ao tráfico de drogas.
Não desmerecendo a louvável acção que tais entidades têm levado a cabo, a realidade que se nos apresenta, porém, é a da escassez de meios, tanto mais grave quanto se sabe que, do outro lado, estão as mais recentes inovações tecnológicas e os recursos mais sofisticados, ou seja, tudo o que de melhor o dinheiro pode comprar
E a realidade dos números aí está a prová-lo. num período de 12 anos, compreendido entre 1980 e 1992, as apreensões de droga levadas a efeito pelas autoridades nacionais ascenderam a quase 62 000 toneladas. E o recrudescimento do fenómeno do tráfico e consumo de drogas é patente na comparação das quantidades apreendidas no início e no fim do período em análise: cerca de 816 toneladas em 1980 contra mais de 13,5 milhões de toneladas em 1992.
A punição do tráfico e consumo de droga é outra das vertentes do problema que traz, necessariamente, à colação o registo, sobejamente conhecido, da morosidade da justiça portuguesa. E aí, as críticas vão directamente para a política do Governo em matéria de justiça. Os dados oficiais mais recentes, reportados a 1992, são indicadores seguros do mau funcionamento do nosso sistema judiciário.
Cumpre aqui referir que, segundo estatísticas da Polícia Judiciária relativas a 1992, o conjunto das forças de segurança nacionais identificaram 6280 presumíveis infractores, entre traficantes, consumidores e outros.
No decurso daquele ano, apenas 1561 indivíduos foram acusados em processos relacionados com a droga - menos de 114, portanto, e com a agravante de, entre eles, preponderarem os identificados em anos anteriores, já que não é inédito que um processo deste tipo apenas conduza a acusação, volvido mais de 1 ano após a notícia do crime.
0 número de processos judiciais relacionados com a droga que findaram durante o ano de 1992, nos tribunais portugueses, situa-se ainda abaixo daquele primeiro valor: 1263 processos, ou seja, menos de 1/5 dos presumíveis infractores identificados só naquele ano.
Um debate desta natureza não pode deixar passar em claro uma outra vertente da questão, cuja actualidade é de certo modo premente, na medida em que já cruzou as nossas fronteiras: referimo-nos à despenalização ou legalização do consumo e consequente organização da venda de drogas.
É sem dúvida uma visão do problema que não deixa de merecer o nosso mais vivo repúdio
Em primeiro lugar, porque não está ainda demonstrado e tendencialmente nunca o será - que a despenalização do consumo de drogas possa contribuir para outra coisa que não o aumento do consumo e do número de toxicodependentes, dada a maior acessibilidade e o consumo de novos produtos.
Em segundo lugar. porque está marcada pelo labéu da impotência perante a amplitude do flagelo e da falta de meios para o combater.
Em terceiro lugar, porque a vida pressupõe a liberdade pessoa] e o toxicodependente não é dono de uma nem de outra.
Falar de droga é ainda falar das chamadas prevenção primária, secundária e terciária - é falar da profilaxia, do tratamento e da resinserção/reabilitação do toxicodependente.
A profilaxia ou prevenção primária da droga começa na procura de soluções de justiça social e desenvolvimento económico, na fruição da saúde, da cultura, do desporto e dos tempos livres.
0 papel primordial pertence aqui, mais uma vez, ao Estado, ao qual, constitucionalmente, incumbe incentivar e assegurar o acesso de todos os cidadãos à fruição e criação cultural, em colaboração nomeadamente com as associações e fundações de fins culturais, as colectividades de cultura e recreio, as associações de defesa do património cultural e outros agentes culturais, privados ou públicos.
Por inerência, cabe ao Governo, órgão de condução da política geral do País, concretizar tais deveres em medidas legais. Mas não só ao Governo
Não deixemos de lembrar que, em matéria de prevenção da toxicodependência, também as autarquias, as comunidades, as organizações não- governamentais e as instituições particulares de solidariedade social podem e devem promover atitudes e comportamentos que visem a qualida-
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de de vida e estilos de vida saudáveis, bem como desenvolver nos jovens aptidões para a promoção da sua auto estima, autonomia e responsabilização.
No que respeita à prevenção secundária da toxicodependência, não é recente a noção de que a avaliação da eficácia das abordagens terapêuticas da toxicodependência é uma questão sem resposta segura: a personalidade instável do toxicodependente conduz a um padrão de relação terapêutica igualmente instável, marcado por rupturas abruptas.
Não raras vezes, o terapeuta fica na ignorância relativamente a eficácia dos seus esforços, não só no que respeita ao controlo do sintoma do consumo, mas também no destino que levou uma pessoa em crise, na qual se investiu.
Mas existe, sem dúvida, uma percentagem de sucesso. Com efeito, num inquérito levado a cabo por responsáveis do serviço de profilaxia e tratamento da toxicodependência, em Novembro de 1992, concluiu-se pela existência de abstinência total em cerca de 60 % de casos tratados em centros dependentes daquele serviço.
É tido por são princípio que se deve ajudar quem quer ser ajudado. A ajuda a um toxicodependente passará, a partir daqui, pela sua reinserção/reabilitação, a já referida prevenção terciária da toxicodependência, que fecha o ciclo.
Cabe não só ao Estado mas também às empresas e às instituições privadas, enquanto agentes sociais, um papel importante neste último estádio da reabilitação do indivíduo outrora dependente do consumo de drogas.
Ao Estado e às empresas cabe repescar estes indivíduos para o mercado do trabalho e do consumo - refiro-me ao consumo vulgar dos bens da sociedade -, devendo a sociedade tratar de os enraizar novamente, estimulando o seu sentimento de pertença ao grupo. À família, por Fim, está reservada a tarefa primordial de não os afastar mas, sim, de os puxar para o seu seio.
Esperamos que a breve reflexão que agora termina não tenha passado totalmente ao lado do que é fundamental no combate à droga: encarar o problema de frente e sem temor, pois só assim se pode o problema tornar parte da solução. E, por isso, esta oportunidade, hoje aberta pelo Partido Comunista Português, deve ser aproveitada por todas as bancadas para uma séria reflexão e não apenas para produzir acusações partidárias sobre este magno problema, que é de todos nós.
Aplausos do CDS-PP.
Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!
0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Bacelar.
0 Sr. António Bacelar (PSD): - Sr. Presidente, Sr Deputado Narana Coissoró, permita-me que o felicite pela intervenção que fez, o que não é de espantar porque V. Ex., já nos habituou a ser um excelente parlamentar, com intervenções profundas e sábias que nos obrigam a reflectir.
É por esse facto e para que V. Ex.a, fundamentalmente depois da intervenção que fez, não fique sem um pedido de esclarecimento que lhe vou fazer um pequeno comentário.
V. Ex.ª começou por dizer que este é um problema planetário. Estou perfeitamente de acordo. Não podem os países, quer os do Extremo Oriente quer os da América Latina, dar-se ao luxo de produzir droga, proibindo o seu consumo no país, mas deixando exportá-la para que, depois, noutras zonas, principalmente na Europa, surjam problemas gravíssimos derivados do seu consumo.
Recordo-me de, uma vez, ao ver campos e campos de haxixe, ter perguntado. «Mas aqui é permitido utilizar o haxixe?!». Responderam-me: «Não, isto é tudo para medicamentos». Devo confessar que pensei que era medicamento a mais...
De qualquer forma, queria apenas focar o seguinte aspecto. este problema não pode ser encarado apenas pelo nosso país ou por alguns países; têm de ser todos os países, de boa fé, a impedir a produção de droga, diminuindo a oferta, para que se consiga resolver o problema.
Como V. Ex. sabe, existe em Portugal o Observatório Europeu de Droga, que é a única agência europeia situada no nosso país. Estou convencido de que, com a situação actual, não é tão fácil, ou melhor, nada fácil conseguir que o flagelo da droga e da toxicodependência se resolva a curto prazo. Esta é uma luta que vai ser muito difícil, e cada vez mais, porque envolve um problema que dá muito dinheiro, principalmente para quem vende, mas também muita desgraça para quem a consome.
0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró, por um período de 3 minutos, cedidos pelo Grupo Parlamentar do PSD.
0 Sr. Narana Coissoró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Bacelar, agradeço imenso as suas palavras, derivadas mais da amizade do que, propriamente, da valia da intervenção, uma vez que se tratou de uma intervenção normal, vulgar de um jurista que viu o problema mais do ângulo do combate sob o ponto de vista jurídico, tal como os médicos o vêem sob o ponto de vista da sua especificidade científica e técnica.
Todos estamos absolutamente convencidos de que este é um problema cuja resolução tem de ser interdisciplinar, isto é, não é apenas através de leis que se pode combater o flagelo da droga.
Em primeiro lugar, penso que a educação tem um papel fundamental, ou seja, o combate à droga tem de começar na escola, nos ensinos primário e secundário, nos liceus e na universidade, acompanhando a vida do menino ou da menina desde a saída da sua casa até se tornar um adulto. Tem, pois, de haver uma atenção, uma vigilância e um ensinamento concreto e persistente contra a droga.
Em segundo lugar, não podemos esquecer que existe uma espécie de concorrência sofisticada entre as polícias e os produtores de droga. o que significa que quanto mais a polícia investiga e tem novos meios, mais os vendedores têm os melhores meios para a fazer entrar.
Também não podemos esquecer o que se passa aqui, na costa do Atlântico, onde não são suficientes as leis e onde a droga é misturada ou envolvida em sacos de sal que se deitam ao fundo do mar e que, depois da lancha partir, à noite, são recolhidos porque, entretanto, o sal se dissolveu e a droga subiu à superfície.
Em Portugal, é evidente a falta de meios técnicos para acompanhar a sofisticação dos meios dos traficantes, apesar de, nos vários debates que travámos com o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, este nos assegurar a vinda, de 15rael, de novos laboratórios, novos observatórios, novas vigias e lanchas capazes de ver - desculpem-me -, a partir da margem do nosso território, as cuecas dos traficantes! É tal o pormenor e tal o apuro daqueles que se vão lançar ao mar para esconder a droga... Estou à espera que esses, realmente, vejam as cuecas mas não escondam a droga.
Em terceiro lugar, é preciso chamar a atenção para o facto de que não se deve esconder o que, efectivamente,
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é a verdade sobre a droga, porque não é escondendo as verdades que se combate a droga. Há que publicar os números, informando onde, quando e como foi apreendida a droga. 15so não deve meter medo a ninguém, porque o tamanho, o volume deste problema é de tal ordem que é preciso que todas as famílias estejam perfeitamente conscientes daquilo que se está a passar.
Tal como disse aqui há pouco, moro em Campo de Ourique, pelo que sou vizinho do Casal Ventoso, e quando vou para casa passo por um posto onde se trocam seringas usadas por novas. Sr. Deputado, sabe quantas seringas é que são trocadas por dia naquele posto, que é conhecido por «Meia Laranja» e que fica ao pé da Igreja de Santo Condestável?
Nessa camioneta, os toxicodependentes trocam, à luz do dia, publicamente, fora das farmácias, entre 1500 e 2000 seringas por dia. Eles vão ao Casal Ventoso, ao tal «hipermercado de droga» de que falava o Sr. Deputado António Filipe, para depois passarem a droga para toda a cidade e para outros postos. Ao assistir a estes fenómenos tão visíveis, em que tropeçamos com jovens drogados, como arrumadores de carros, deu-me pena ver ontem...
0 Sr. Presidente: - Faça favor de terminar, Sr.Deputado
0 Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Repito: meteu-me pena ver ontem no Telejornal um saco com 5 000 contos em moedas de 100$, que é a moeda que damos aos arrumadores para arrumar o nosso carro e não o riscar ou partir os vidros. Por lOO$ compramos a segurança do vidro do nosso carro, que custa 15 contos. Quando chegamos a este ponto de ver com os nossos olhos sacos de 5 000 contos com moedas de 100$, que nós demos aos toxicodependentes, é porque há muita coisa que está mal. De facto, este é um dos gravíssimos flagelos da nossa sociedade que pode ser combatido. Ele não é a guerra de Satanás contra Deus, porque o que é preciso é maior coesão familiar, melhores escolas, melhor educação e, acima de tudo, maior amor às crianças.
0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.
0 Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apreciamos hoje o projecto de lei n.º 480/VI, que cria uma rede de serviços públicos para o tratamento e reinserção de toxicodependentes, bem como o projecto-lei n.º 479/VI, que cria o relatório anual sobre a situação do País em matéria de toxicodependência tendo em vista a intervenção da Assembleia da República na definição da política nacional de combate à droga.
A toxicodependência é um dos problemas mais graves com que a sociedade portuguesa se confronta. Responsável por situações dramáticas, a toxicodependência destrói cada vez mais pessoas (em particular jovens), mais famílias e pode mesmo vir a pôr em causa os alicerces do próprio Estado de direito, com a rede criminosa que se organiza à volta da dependência da droga.
A quantidade de droga apreendida sobe assustadoramente todos os anos, preocupação que se acentu2 quando sabemos que a quantidade que é apreendida representa uma ínfima parte daquela que circula (entre 5 a 10 %).
Nas escolas vende-se droga às descaradas aos jovens e constata-se que estes iniciam hábitos de consumo cada vez mais cedo.
Mesmo nas prisões, onde era impensável que isso acontecesse, a droga passeia-se impunemente pelos corredores, chegando mesmo a criar novos toxicodependentes. 15to é, alguns jovens iniciam hábitos de consumo de droga nas próprias prisões.
Todos temos de dar a maior das atenções a este problema gravíssimo e dar resposta a importantes questões como as seguintes: como combater o tráfico de droga, como prevenir a toxicodependência, como tratar os toxicodependentes e apoiar a sua reinserção social.
0 combate ao tráfico está cheio de alçapões e ciladas! Quase tudo está por fazer nesta área, embora se registem apreensões de maiores quantidades, mas a droga, em Portugal e no mundo, continua a correr mais depressa que as polícias.
E, quando abordamos toda a problemática da toxicodependência, temos de falar obrigatoriamente da importância da prevenção primária, tão necessária e essencial, mesmo a nível da escola primária, onde esta acção é mais eficaz.
E sobre prevenção primária temos de afirmar, infelizmente, que é necessário fazer quase tudo, porque muito pouco está feito.
Quanto ao tratamento, algumas questões se levantam. 0 que temos é suficiente? E evidente que não! Necessitamos de mais estruturas, de mais meios humanos, técnicos e financeiros.
Apesar de o Alto Comissariado para o Projecto Vida e o próprio Primeiro-Ministro terem anunciado em Outubro a criação de centros de atendimento de toxicodependentes em todos os distritos do país até final de 1994, a verdade é que até ao momento esta promessa não foi cumprida e apenas os Centros das Taipas, de Coimbra e o da Cedofeita dispõem de internamento para desabituação.
E mesmo nos distritos onde existem centros estes estão subdimensionados em relação às necessidades, o que obriga muitos toxicodependentes, que procuram tratamento, a esperar semanas por uma consulta e, mesmo, por um internamento.
Os toxicodependentes têm também que esperar meses para serem internados em comunidades terapêuticas e, para estes internamentos, as famílias têm de pagar várias dezenas de contos por mês, dado que o Governo não aceitou pagar a totalidade dos custos, para além de não ter actualizado a sua comparticipação de acordo com a inflação. De referir ainda que o SPTT não vê o seu orçamento actualizado desde 1991.
E o que temos tem uma estrutura bem definida, articulada e bem coordenada? Pensamos que também não. Por isso é necessário intensificar a coordenação interministerial, sob a orientação do Ministério da Saúde, no qual deveria estar sediado o organismo encarregado dessa coordenação. Esta coordenação deve ser feita pelo fomento do diálogo, através da criação de consensos e não por um dirigismo centralizado e burocrático.
Assim, nós dizemos que é necessário criar uma rede de tratamento de toxicodependentes, que abranja todos os distritos do país e que possibilite as várias respostas terapêuticas necessárias, articulando o Serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência com os centros de saúde, os hospitais gerais, os hospitais psiquiátricos e as comunidades terapêuticas das IPSS.
Torna-se particularmente necessário criar também estruturas de apoio às mães toxicodependentes e seus filhos, estender os programas de substituição (metadona e LAAM) a todo o país e desenvolver os programas de reinserção social de toxicodependentes, que é, como sabemos, uma das grandes falhas no tratamento dos toxicodependentes em Portugal. Temos de ter a coragem de enfrentar este problema.
Ao Governo deve caber o importante papel de fiscalizar as instituições de tratamento de toxicodependentes,
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para assim garantir a sua qualidade técnica e impedir a exploração económica e a publicidade enganadora que certas instituições privadas utilizam.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Consideramos, assim, que o projecto-lei n.º 480/VI, que cria uma rede de serviços públicos para o tratamento e reinserção dos toxicodependentes, pode considerar-se que, de uma forma geral, assenta em alguns considerandos correctos e propõe algumas medidas necessárias. No entanto, com ligeiras excepções, não vai além de propostas genéricas, não se distinguindo por vezes das propostas actuais do Governo, caso estas fossem totalmente cumpridas, e, finalmente, não aborda as chamadas questões polémicas, tais como a da organização centralizada ou descentralizada do SPTT, da autonomia técnica, administrativa e financeira dos centros, do dimensionamento das unidades, da correspondência das unidades à diferente procura, da definição de uma política sobre terapêuticas de substituição - julgo que era importante abordar esta questão - e do regime de colaboração ou integração no Projecto Vida.
Quanto ao projecto-lei n.º 479/VI, que cria o relatório anual sobre a situação do País em matéria de toxicodependência, consideramos positivo o facto de anualmente se fazer uma avaliação/reflexão sobre matéria tão importante, devendo no entanto o referido relatório contemplar áreas para além das que constam no n.º 3, como, por exemplo, o combate ao tráfico - na minha interpretação, no vosso n.º 3 não está referenciado o combate ao tráfico -, as formas de colaboração interministerial e investigação sobre a prevenção e tratamento da toxicodependência, que é um ponto extremamente importante e necessário, pois nada ou pouco está feito sobre esta matéria.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para formular pedidos de esclarecimentos ao Sr. Deputado João Rui de Almeida, os Srs. Deputados Fernando Andrade e António Filipe.
Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Andrade.
O Sr. Fernando Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Rui de Almeida, vou colocar-lhe uma questão muito directa, mas antes gostaria de dizer-lhe que, pelo que ouvi da sua intervenção, noto que desconhece grande parte ou a totalidade daquilo que está a fazer-se em termos de prevenção primária, pelo que quero lembrar-lhe os programas Korus, Pais a pais, Jovens a jovens, feitos no âmbito do Projecto Vida em diversos distritos, abrangendo mais de 500 escolas.
O Sr. Deputado referiu igualmente, de forma ligeira, a coordenação e a articulação entre o SPTT e os centros de saúde, os hospitais, os CAT, as comunidades terapêuticas e as instituições particulares de solidariedade social, dizendo que a coordenação do Projecto Vida deveria passar a ser feita pelo Ministério da Saúde.
A questão concreta que lhe coloco é a seguinte: todos sabemos que a droga é multifactorial, que tem variadíssimas implicações, desde o seu tráfico ao consumo, desde a escola ao Ministério da Justiça, da Administração Interna e da Saúde, tendo ligações internacionais. Por que razão entende o Sr. Deputado que a coordenação de todas estas acções estaria melhor no âmbito do Ministério da Saúde? Isto é, fazendo-lhe a pergunta de outro modo: quais são as críticas que tem a fazer ao Projecto Vida e ao Alto Comissário para o Projecto Vida?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?
O Sr. João Rui de Almeida (PS): - No fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Deputado João Rui de Almeida, uso a figura do pedido de esclarecimento para salientar a forma elevada e construtiva com que, em nome do PS, interveio neste debate.
Relativamente a algumas das críticas que formulou aos projectos de lei apresentados pelo meu partido, é óbvio que discordamos delas e por isso optámos por soluções diferentes, mas, em todo o caso, gostaria de dizer-lhe que teremos o maior gosto em poder discutir em sede de especialidade, com a profundidade que fosse necessária, todas estas questões. Como disse na minha intervenção, não trazemos a verdade no bolso e estamos abertos a discutir as melhores soluções e creio que o Sr. Deputado, com as suas opiniões, contribuiu muito positivamente para este debate.
Assim, o voto que faço é que seja possível discutir esta matéria em sede de especialidade.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.
O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Deputado Fernando Andrade, as questões que colocou têm a ver com formas diferentes de avaliar o que está feito e o que se pode vir a fazer.
Quanto à prevenção primária, o Sr. Deputado está satisfeito com o que tem vindo a fazer-se, mas eu não estou, e não sou só eu!... De facto, alguma coisa tem sido feita a este nível, mas aquilo que falta fazer é muito mais do que aquilo que está feito, muito mais!...
Relativamente à articulação do SPTT com os centros de saúde e com os hospitais, penso que quase não existe! Não se dá por essa articulação que, existindo, é verdadeiramente deficiente.
Quanto aos restantes aspectos que frisei na minha intervenção, devo dizer-lhe que são opiniões, comungadas, aliás, por muitos dos meus colegas, não só do PS.
De facto, uma questão hoje em dia muito discutida é a de saber se a coordenação destas acções deve ou não pertencer ao Ministério da Saúde, que pode chamar a si a responsabilidade de coordenação entre os Ministérios da Justiça, da Educação, etc.
No meu entender, o Ministério da Saúde deve coordenar estas acções e até pode ser que isso seja mais positivo do que aquilo que está a acontecer agora, porque, julgo, o Ministério da Saúde é a entidade mais responsável e com maior capacidade para poder coordenar esta actividade. Bem, isto é uma opinião, que pode não ser correcta, mas...
Quanto ao Sr. Deputado António Filipe, quero agradecer-lhe as palavras que teve a amabilidade de nos dirigir e dizer-lhe que - e deve ter notado isso durante o debate - quisemos dar uma contribuição positiva para um gesto que é importante e que também foi positivo por parte do PCP.
Assim, colocámos várias questões, estudámos o assunto, ouvimos várias opiniões, pois considerámos que o PCP abordou esta questão de forma importante, pelo que quisemos também dar o nosso contributo para elevar esta discussão.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Andrade.
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0 Sr. Fernando Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos a tratar, hoje, de um dos maiores problemas da sociedade: a droga, a pandemia do século XX, para a qual não existe vacina ou resolução milagrosa e cuja expansão em Portugal e no mundo tem-se mostrado difícil de controlar.
Para o Partido Social-Democrata a droga é, sem, dúvida, um dos problemas mais graves que afecta nos dias de hoje a sociedade. Afirmarmo-lo sem alarmismos nem demagogia, sabendo que a corrupção, a criminalidade, o tráfico de droga, a marginalidade são terrenos férteis para comportamentos desviantes que comprometem o futuro dos jovens e da sociedade.
0 Partido Social-Democrata quer na Assembleia da República quer no Governo está preocupado com este problema, que a todos nos responsabiliza, aliás, foi o primeiro na análise e o primeiro na acção.
Assim, na Assembleia da República, o PSD elaborou o primeiro relatório parlamentar sobre a droga, que terminava com 28 recomendações, obtendo o apoio unânime desta Câmara; abriu o Parlamento ao exterior; visitou instituições e ouviu vários e qualificados técnicos.
Com os Governos do PSD, passou-se da teoria à prática. Em 1987, criou-se o Projecto Vida. Após 3 anos de actividade, avaliou-se o trabalho realizado, procedendo-se a alterações estruturais, dando especial relevância à prevenção primária, que se considera prioritária, bem. como ao reforço do tratamento e do combate ao tráfico de droga.
Entre as alterações efectuadas destaca-se, pelo seu significado político: a criação da Comissão Interministerial, presidida pelo Primeiro-Ministro, Professor Cavaco Silva, reforçando, assim, de forma clara e inequívoca, o empenhamento do Governo no combate a este grande flagelo; a criação do Conselho Nacional do Projecto Vida com o objectivo imprescindível e decisivo de dar voz à sociedade civil; o serviço de Prevenção e Tratamento da Toxicodependência do Ministério da Saúde, parte integrante do Projecto Vida, que é um serviço descentralizado por distritos, que articula e aproveita, de forma sinérgica, a colaboração das Administrações Regionais de Saúde, quer em instalações quer em recursos humanos.
Para o SPTT a melhoria dos cuidados prestados tem sido uma das suas prioridades, dispondo o seu modelo organizacional de Centros de Atendimento, Unidades de Desabituação e Comunidades Terapêuticas.
Tem promovido a formação específica de técnicos em intervenção médico-social, clarificando os seus perfis profissionais e organizando ciclos de estudos especiais em toxicodependência.
Outro grande factor concertado desta política de rigor e qualidade tem sido a criação de Centros de Ater4mento, os CAT, que, até ao final de 1995, farão a cobertura nacional.
Atendendo às necessidades reais, as unidades de desabituação estão, sobretudo, nas grandes cidades, não. esquecendo que, felizmente, para o tratamento de cada toxicodependente não é, necessariamente, obrigatório o seu internamento.
Consideramos que a capacidade instalada é suficiente para o número de toxicodependentes que, voluntariamente, aceitam uma indicação terapêutica de encaminhamento para internamento em Comunidade Residencial de Estada Prolongada (CREP).
A criação e localização de cada um destes serviços tem obedecido a critérios de equidade, tendo em atenção a magnitude do problema e a especificidade de cada um deles.
0 número de lugares existentes actualmente é cerca de 1 300 e em 1995 prevê-se a abertura de mais 400 lugares, antecipando-se assim, largamente, a data prevista para a meta a atingir em Dezembro de 1995, que era de 1000 lugares.
0 Partido Social Democrata promete e cumpre!
Sr. Presidente, Sr." e Srs. Deputados: 0 projecto de lei n.º 480/VI é a repetição de outros diplomas do PCP que de diferente só tem, praticamente, o número do projecto. Se não vejamos que, por exemplo, a prevenção secundária, preconizada no artigo 1.º é a réplica do actual SM, como atrás foi explicitado.
Fazem, ainda, referência neste número a uma rede de serviços públicos universal e gratuito, em total contradição com o artigo 64.º n.º 2 alínea a) da Constituição da República Portuguesa.
0 proposto no artigo 2.º, alíneas a) e c), foi previsto pelo Governo e está em concretização. A alínea b) não tem qualquer fundamento estatístico e está em contradição com o preâmbulo do mesmo projecto de lei.
Do 3.º ao 7.º artigos não fazem mais do que copiar o que hoje já está em vigor, não propondo absolutamente nada de novo ou de inovador.
0 Sr. Macário Correia (PSD)- - 15so é grave!
0 Orador: - 0 Partido Social Democrata acredita na sociedade e na capacidade dos portugueses, estimula e pretende que as instituições particulares de solidariedade social tenham um papel cada vez mais importante nesta problemática; ao contrário, o Partido Comunista Português vem propor, no artigo 8.º deste projecto, a sua estatização.
0 Sr. António Filipe (PCP): - Por que é que não fazem?
0 Orador: - A rede de serviços públicos para o tratamento e a reinserção de toxicodependentes, proposta pelo projecto de lei n.º 480/VI, assemelha-se ao sistema actualmente em vigor. 0 respectivo regime de financiamento encontra-se, de igual modo, devida e claramente regulamentado.
Os proponentes do projecto de lei n.º 479[VI, que prevê a criação de um relatório anual sobre a situação do País em matéria de toxicodependência, parecem não conhecer o potencial perigo que a droga nos coloca a todos, sem excepção, obrigando a um cuidado reforçado na análise, no discurso e nas propostas.
Os autores deste projecto de lei parecem não perceber que no combate à toxicodependência se está a lidar com agentes desonestos e oportunistas. De facto, procura-se combater a ilegalidade, e os traficantes já provaram a sua grande capacidade de actuação.
Portanto, pretender tomar público informação disponível em diversos ministérios sobre droga não pode deixar de ser considerada uma proposta ingénua e irresponsável, que muito aproveitaria aos traficantes e marginais.
0 Sr. Macário Correia (PSD). - 15so é muito grave!
0 Orador: - A informação disponível sobre a toxicodependência precisa de ser utilizada, privilegiadamente, para melhorar e rentabilizar a actividade de prevenção e para aumentar a eficácia e a eficiência dos programas curativos de reabilitação e apoio aos toxicodependentes e às suas famílias, assim como, de uma forma clara, ao combate e ao tráfico.
Sr. Presidente, Sr.ª e Srs. Deputados: Importante e indispensável é também o trabalho das Organizações não Governamentais, que são o reflexo e o empenhamento do diálogo entre o Governo e a sociedade civil.
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Realçamos o trabalho sério, generoso, dedicado e competente que o Sr. Alto Comissário do Projecto Vida tem vindo a realizar na coordenação de um projecto que se pretende cada vez mais aberto, participado e mobilizador de boas vontades.
Assim saibamos todos contribuir com o nosso esforço para esta luta comum, na esperança de uma sociedade mais saudável, mais feliz.
Aplausos do PSD.
0 Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Alberto Cardoso, António Filipe, Rui Cunha, Aníbal Costa e João Rui de Almeida.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Cardoso.
0 Sr. Alberto Cardoso (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Andrade, não gostei muito da sua intervenção, não obstante ela reflectir uma preocupação da vossa parte relativamente ao problema que se coloca aqui hoje, que se verifica na rua, na sociedade e na mais recôndita vila rural deste país.
0 senhor fez uma história dos actos administrativos que este Governo tem realizado para combater a droga e a toxicodependência. Não obstante estarem a ser dados alguns passos a nível da prevenção primária, ainda duvido muito da eficácia desta actividade. Preocupa-me seriamente a forma pedagógica e didáctica e até a preparação de formadores que, com este problema, vão lidar com os toxicodependentes.
De facto, este é um problema de todos nós e do qual não nos podemos desviar. É um problema que o PSD procura combater bem como o PS. Por isso, é um problema de todos nós. Mas combatê-lo é da responsabilidade do Governo, porque é este que dispõe dos meios para o efeito, e, pelas análises feitas, verifica-se que existe insucesso na acção efectuada por parte do Governo no tratamento da toxicodependência, nomeadamente no combate à droga.
Tendo em conta que, hoje, a pressão da droga, dos toxicodependentes, se verifica nas escolas, nas famílias, nas ruas, nos serviços prisionais, quero colocar-lhe uma questão muito concreta: o que é que o Governo tem feito para debelar os graves problemas que enfrentam os toxicodependentes nos serviços prisionais?
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?
0 Sr. Fernando Andrade (PSD): - No fim, Sr. Presidente.
0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
0 Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Andrade, vou, muito rapidamente, fazer-lhe um pedido de esclarecimento porque há alguma confusão no que acabou de dizer.
0 Sr. Deputado referiu como muito perigoso o facto de haver um relatório sobre dados policiais ou criminológicos relativamente à droga. Ora, se bem percebi, isso é o que já existe. 0 relatório sobre segurança interna, que é apresentado todos os anos, até 31 de Março, nesta Assembleia, refere os elementos policiais sobre matéria de droga da PSP, da Polícia Judiciária, da GNR e de outras entidades.
0 Sr. Macário Correia (PSD): - 15so é outra coisa!
0 Orador: - Portanto, do que propomos, a única coisa que existe é o relatório, que os senhores dizem que é perigoso. Então, poder-nos-iam perguntar: se já existe, por que é propõem? Porque entendemos que essa matéria devia ser isolada e deveria ser integrada com outros dados, designadamente sobre a matéria de droga.
0 Sr. Macário Correia (PSD): - Quais?
0 Orador: - De facto, aquilo que os Srs. Deputados dizem que favorece os traficantes é precisamente o que já existe e é apresentado até 31 de Março de cada ano.
0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Cunha.
0 Sr. Rui Cunha (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Andrade, vou discordar um pouco da afirmação do meu colega de bancada, Alberto Cardoso. Eu estava a gostar da sua intervenção, mas o senhor estragou tudo quando disse o PSD promete e cumpre. Aí é que estragou a intervenção toda!
Como já o meu colega de bancada João Rui de Almeida disse, o Governo prometeu que o combate à toxicodependência era uma prioridade nacional e que até fim de 1994 existiriam serviços em todos os distritos do país mas, tomando em consideração só os 18 distritos do continente, verifica-se que apenas foram criados centros em 10, ou seja, pouco mais de 50 %. Como também já aqui foi dito, o orçamento do SPTT não é actualizado desde 1991 e as comparticipações do Estado para os internamentos em comunidades terapêuticas também não vêm sendo actualizadas consoante a inflação. Daí a minha pergunta: que prioridade é esta?
0 Sr. Deputado disse ainda que é preciso o reforço da intervenção das IPSS, com o que estou totalmente de acordo. Aliás, a perspectiva do PS - e será bom esclarecer esta matéria - é a de que o Estado tem obrigação de combater a toxicodependência mas não deve ser o Estado o único prestador de serviços, pelo contrário, os prestadores devem ser diversificados e as IPSS, as Misericórdias, muitas delas, têm tido um papel extraordinariamente relevante. E estaríamos certamente numa situação muito mais grave se não fosse o papel que muitas e muitas IPSS e Misericórdias e outras instituições e associações têm vindo a desenvolver no país.
Porém, Sr. Deputado, ultimamente, por mero acaso, visitei duas instituições, uma IPSS e uma Misericórdia, que prestam cuidados na área da toxicodependência e foram-me feitas queixas lancinantes não só acerca da não actualização das comparticipações mas de outra não actualização. Essas instituições têm protocolos para atenderem, por exemplo, 40 toxicodependentes mas esse número cresce permanentemente e elas não conseguem que os protocolos alarguem tendo em conta as necessidades que vão surgindo. Assim, acabam por atender 70, 80, 90 doentes e recebem comparticipações, por exemplo, relativas apenas a 40! Esta foi a queixa lancinante que me fizeram, e numa IPSS até me disseram: «Olhe, Sr. Deputado, nós temos tido a sorte de conseguir sobrepor a reacção racional à reacção emocional porque muitas vezes o que nos tem apetecido é fechar a porta e acabarmos com a actividade nesta vertente da toxicodependência».
Eram estas as questões que lhe queria colocar.
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0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Aníbal Costa.
0 Sr. Aníbal Costa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Andrade: Como sabe, sou médico há muitos anos numa zona onde não há um centro de atendimento para os toxicodependentes. Aliás, há muitos anos atrás pensava que a droga era uma coisa que ficaria reservada para os ricos, para os intelectuais que queriam novas experiências, mas, infelizmente, neste momento, eu, que vivi numa das regiões pobres e a caminho da desertificação, encontro situações verdadeiramente dramáticas. Ainda há pouco tempo tive um caso de morte por overdose e tenho alguns com hepatites B crónicas activas, famílias destroçadas, arruinadas materialmente e tenho uma dificuldade enorme em mandar os toxicodependentes para qualquer centro de atendimento porque o mais próximo é Setúbal, com todos os inconvenientes que V. Ex.ª, certamente conhecerá.
0 Sr. Deputado disse que o PSD promete o cumpre. Prometeu até ao fim de 1994, mas eu espero, se tiver tempo para isso, que em 1995 monte um centro de atendimento em Beja.
Vozes do PS: - Muito bem!
0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.
0 Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Andrade, muito rapidamente, quero dizer-lhe que das várias vezes que intervém nesta Assembleia peca por um defeito: recebe a informação apenas da parte do Governo. 0 Sr. Deputado deveria aprofundar mais as questões e estudá-las melhor, diversificando a informação ou as fontes. Mas isto vem afinal a propósito de o PSD prometer e cumprir.
ó Sr. Deputado, vou colocá-lo perante uma situação concreta: o Governo prometeu, várias vezes, que iria criar centros para jovens mães toxicodependentes. Dê-me um exemplo, Sr. Deputado, um único, desses tais centros para jovens mães toxicodependentes que tenha sido criado.
0 Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Andrade.
0 Sr. Fernando Andrade (PSD): - Sr.Presidente, Sr. Deputado Alberto Cardoso, começou muito bem o seu pedido de esclarecimento ao dizer que este é um problema de todos nós. No entanto, como diz que esta política é de insucesso, devo recordar-lhe que o combate à droga nunca está terminado e, por isso, quando conseguirmos resolver alguns dos problemas, outros, com certeza, se nos levantarão e teremos de prosseguir sempre esta luta.
Quanto à prevenção primária, julgo que as pessoas deveriam conhecer o trabalho que é feito pelo Projecto Vida em cada um dos distritos, saber os milhares de reuniões e de trabalho que é feito nesses centros, pois parece-me que é por não conhecerem que fazem este tipo de afirmações.
Por outro lado, os Srs. Deputados dizem que não há articulação e devo lembrar que nesses locais -do Projecto Vida, além de assistentes sociais, trabalham médicos e psicólogos dos centros de saúde e dos hospitais, e tudo é feito com a coordenação do Projecto Vida.
Ao Sr. Deputado António Filipe, quando refere que o relatório já existe, quero dizer que isso não, e verdade, porque o relatório que existe é genérico, da polícia, sobre estes dados. Quando se pede um relatório específico sobre a droga, imagino que seja um relatório minucioso sobre este problema e, por ser minucioso, dá-nos ratios de consumo, ratios populacionais e a capacidade de intervenção, obviamente, das autoridades mas também dos traficantes, que, como sabemos, têm poderosíssimos meios e, muitas vezes, infelizmente, andam à nossa frente.
Portanto, um relatório deste tipo beneficiaria, sobretudo, e como é óbvio, os traficantes, porque são mais rápidos na actuação.
0 Sr. António Filipe (PCP): - Eles devem estar ansiosos por terem esse relatório!...
0 Orador: - Neste sentido, não concordamos com esse tipo de relatório.
0 Sr. António Filipe (PCP) - Não concordam ou já temos o de que precisamos?'
0 Orador: - Se já temos um, porquê outro? Só se for por ser mais minucioso e dar estes dados, porque, se não, não é preciso.
0 Sr. Deputado Rui Cunha e alguns outros Srs. Deputados do PS vieram aqui fazer uma afirmação que não é verdadeira, para ver se passa a ser considerada como tal, que foi a de que o PSD prometeu a criação dos CAT para 1994. 15to não é verdade, porque consta do programa eleitoral do Governo, programa esse que vai, obviamente, até Outubro de 1995 e não até 1994, o que significa que essa promessa ou esse entendimento também se estende até Outubro de 1995.
Já agora, aproveito para responder também à questão que o Sr. Deputado Aníbal Costa levantou sobre o CAT em Beja.
Efectivamente, há actualmente três distritos em discussão, os de Beja, Portalegre e Bragança, como é do conhecimento geral. A abertura ou não destes CAT tem a ver com a magnitude do problema nestas zonas, que, felizmente, ainda é pequeno: não têm especificidade nem número que justifique a existência de um CAT, até porque a implantação dessas instituições faz com que elas sejam depois vistas com uma realidade que não têm.
Mas volto ao Sr. Deputado Rui Cunha e à sua afirmação de que o orçamento não está actualizado, que as prioridades não foram cumpridas e que a comparticipação não está feita.
Aliás, gostei de ouvir todos os Srs Deputados do PS, mas estranhei a ausência do vosso porta-voz na área da saúde, sobretudo porque a droga é uma questão sobre a qual ele se tem manifestado e escrito muitas vezes. Mas gostei muito de vos ouvir e de que cá estivessem.
Sr. Deputado, o orçamento do SPTT tem sido substancialmente alargado nestes anos, até porque, com a nova organização do SPTT, em ligação aos centros de saúde e aos hospitais, muitas das suas despesas são suportadas, actualmente, pelas Sub-Regiões de Saúde e pelas Regiões de Saúde e hospitais. Portanto, o SVIT não teve necessidade de ter um orçamento directo maior, em virtude do próprio mecanismo da nova organização.
Falou depois de uma questão que eu não percebi bem e que é a comparticipação para as IPSS, que corresponde ao número de pessoas que elas atendem.
Sr. Deputado, a comparticipação para as IPSS é de 90 contos/mês por cada cama de internamento - e têm x camas para internamento - que é declarada ao Governo e que, obviamente, tem de ter um plafond. Este número de
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camas carece, anualmente, de actualização e de se ver se há necessidade da sua existência. Portanto, não sei se há aqui algum desfasamento entre a apresentação da proposta de novas camas e a concessão ou não da respectiva autorização. É possível que exista, que haja algum problema.
Falou-se aqui também em overdose. Penso que se tem falado muitas vezes em Portugal deste problema e devo dizer-lhe que há uma confusão grande. Algumas dessas mortes são devidas a impurezas 'da droga que é distribuída e não a overdose. Não estou a dizer que o problema ou a pergunta não foram bem postos, só estou a dar este tipo de explicação, mas quero também lembrar que não há nenhuma análise nem nenhum exame médico específicos que nos digam que um indivíduo morreu por overdose.
Na verdade, as coisas fazem-se por exclusão de partes. Como se trata de um indivíduo que se droga e como morreu sem se conhecer bem a causa diz-se que foi por overdose, embora estes números estejam exagerados por falsos positivos.
Por último, o Sr. Deputado João Rui de Almeida perguntou se existem centros para mães toxicodependentes.
Sr. Deputado, os centros de toxicodependentes, por si só, já são estigmatizantes, e constituir centros unicamente para mães toxicodependentes seria um duplo estigma.
0 Sr. João Rui de Almeida (PS): - É uma realidade diferente da dos filhos!
0 orador: - Por isso, apenas se diligenciou no sentido de que os centros de internamento - o das Taipas, o de Cedofeita e outros dois centros - tivessem zonas reservadas para as mães toxicodependentes. E não há um centro só para mães!... Há os centros que tratam toxicodependentes em regime de internamento e que também têm uma zona reservada para as mães. Daí a confusão do Sr. Deputado...
0 Sr. João Rui de Almeida (PS): - Não é confusão.
0 Orador: - Aliás, Sr. Deputado, peço-lhe que me diga se em alguma parte do mundo isso existe. Esses centros não existem em lado nenhum e a promessa não foi essa. Apenas dissemos que havia zonas específicas para mães e não centros próprios para mães.
Vozes do PSD: - Muito bem!
0 Sr. Alberto Cardoso (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
0 Sr. Presidente: - Tem a palavra.
0 Sr. Alberto Cardoso (PS): - Sr. Presidente, gostaria de comunicar que não houve resposta à pergunta concreta que dirigi ao Sr. Deputado Fernando Andrade.
0 que é que o Governo tem feito para debelar os graves problemas que enfrentam os toxicodependentes nos serviços prisionais? Era esta a questão.
0 Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa não se encontra em condições de responder-lhe, pelo que pergunto ao Sr. Deputado Fernando Andrade se deseja fazê-lo.
0 Sr. Fernando Andrade (PSD): - Não, Sr. Presidente.
0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada 15abel Castro.
A Sr.ª 15abel Castro (Os Verdes)- - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que a forma como o debate está a hoje a acontecer e a forma extremamente construtiva, salvo raras excepções, como todos os Srs. Deputados nele têm participado dão bem a dimensão da importância que a questão da droga assume.
Em virtude da hora tardia a que o debate se iniciou demonstrada por este Plenário quase vazio - e o próprio carácter transitório que, de algum iriodo, nos últimos dias tem caracterizado a vida deste Parlamento, concluo que, por este ser um debate extremamente importante, o próximo Parlamento eleito terá de, seguramente, voltar a retomá-lo pois este é um problema grave e, julgo, muitos Srs. Deputados estarão interessados, independentemente das suas diferentes convicções políticas, em nele intervir de uma forma aprofundada.
Tanto assim é que, segundo as Nações Unidas, o comércio da droga vem imediatamente a seguir ao das armas e antes mesmo do do petróleo. É, claramente, um comércio de difícil combate, pois o seu carácter transnacional, já aqui referido, e as próprias características que assume a reciclagem do dinheiro que facilmente permite não facilitam o papel policial.
No entendimento do Partido Ecologista Os Verdes, as políticas criminais tradicionais que têm sido adoptadas lamentavelmente não actuam ao nível necessário, isto é, aplicam-se muitas vezes, de forma penalizadora, aos consumidores, à base da hierarquia, e não tanto ao nível das grandes mafias da droga.
Penso que, neste momento e neste debate, aquilo que poderia ser debatido, para além do muito que a maior parte das intervenções trouxeram, seria outras questões, que sê-lo-ão, seguramente, num debate futuro, alargado e com outros tempos e outras condições.
0 Sr. Deputado Narana Coissoró, na sua intervenção, abordou a questão dos países produtores da droga, cujas economias dependem, quase exclusivamente, da produção. Em minha opinião, esta é uma questão real, mas julgo que também não devemos escamotear outra questão, a de saber o que é que a comunidade internacional pretende em relação a esses países, em termos de alteração de relações de troca que permitam modificações nas formas perversas de sobrevivência dessas economias.
Há ainda outra questão que também não deveria ser escamoteada, que é o facto de muitas dessas drogas, provenientes desses países em desenvolvimento, serem transformadas nos países ditos desenvolvidos. Esta questão, bem como a da produção significativa de drogas sintéticas noutros países, designadamente nos Estados Unidos, não pode ser escamoteada.
Em meu entender, havia questões interessantes para serem abordadas, que aqui foram colocadas, ao nível da prevenção e da compreensão, num roteiro do consumo, deste fenómeno, na amplitude que ele tem, ou seja no compreender, do ponto de vista social, o que leva tantos jovens a consumirem droga, porque, independentemente das terapias e das medidas, toda a sociedade é necessária. Ora, é exactamente por isto que, a meu ver, a questão que se está a colocar não é, de algum modo, certa, na medida em que o problema da droga é um drama de tal modo vivo e angustiante para as famílias próximas do toxicodependente que esta não me parece ser, de modo algum, uma matéria em que se possa estabelecer fronteiras ou dizer que alguém está a mais, que é desnecessário. Parece-me que, relativamente a esta matéria, é absurdo falar em visão estatizante. É preciso dizer que toda a comunidade tem responsabilidades. Não desvalorizamos, antes pelo contrário,
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devemos sublinhar a importância das instituições privadas de solidariedade social que estão a trabalhar no terreno. No entanto, pensamos que seria interessante poder discutir as características de algumas dessas instituições privadas, designadamente estrangeiras, que actuam no território nacional, em relação às quais há muito pouca transparência nas actividades que desenvolvem, e poder fazer-se uma avaliação de como são feitos os tratamentos aos doentes dessas comunidades, pois alguns deles são portugueses, encontrando-se, portanto, desenraizados da sua comunidade de origem, da sua família.
Em meu entender, seria interessante introduzir esta questão neste debate, mas sei que hoje não há, claramente, condições nem tempo para o fazer.
0 Sr. Deputado João Rui de Almeida colocou a questão das terapias. Ora, neste campo, um dos assuntos que, em minha opinião, também seria interessante discutirmos aqui - não hoje, pois há falta de condições e tempo - é o da metadona. Ou seja, seria interessante saber se esta é ou não uma questão pacífica. Do nosso ponto de vista, temos sérias dúvidas de que, por via sintética, se consiga anular a ansiedade do síndroma da abstinência o se, pelo contrário, não se estará a gerar, a prazo, doentes não toxicodependentes mas que precisam de ser desintoxicados.
Portanto, penso que a grande questão suscitada pela droga é a de uma sociedade onde a família, por razões que lhe são estranhas, pelo próprio modelo de desenvolvimento que lhe é imposto, pela extrema agressividade e pela desumanização, encontra cada vez mais dificuldades em ser um espaço de afecto e de comunicação. Regista-se uma evolução tecnológica, mas a isso não correspondem menos horas de trabalho. Pelo contrário, vemos as pessoas estarem cada vez mais presas e submetidas a ritmos de trabalho intensivo, o desordenamento do território o caos urbanístico, o insucesso e a incapacidade da escola na satisfação dos jovens, o que é um factor de geração de frustração, a ausência de uma política consequente, por exemplo, no plano educativo e no plano desportivo. São muitas as razões que poderiam ter sido aqui equacionadas e que, manifestamente, o não foram.
Por último, devo dizer que é extremamente importante a discussão destes diplomas e que, a meu ver, seria igualmente importante falar, em qualquer altura - não sei quando, mas eventualmente daqui a alguns meses -, numa outra questão da toxicodependência, em relação à qual nunca se falou neste Parlamento, que é a forma indiscriminada como aos jovens se vendem bebidas alcoólicas, esta ausência de regra, e de como isto pode ou não constituir um factor de dependência e gerador de violência. Portanto, penso que o debate aqui suscitado pelo PCP foi importante, como parece ser importante dar-lhe, agora, luz verde, embora esta me pareça ser uma questão em aberto para o futuro próximo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
0 Sr. Macário Correia (PSD): - Esqueceu o tabaco!
0 Sr. António Bacelar (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
0 Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado, embora a Mesa saiba pouco desta matéria.
0 Sr. António Bacelar (PSD): - Sr. Presidente, a minha interpelação não tem a ver com o tratamento e muito menos com a toxicodependência.
Sr. Presidente, a Sr.ª Deputada 15abel de Castro referiu, há pouco, que as bancadas estão muito vazias e, nesse sentido, quero informar os Srs. Deputados, através da Mesa, que não é só hoje que isso acontece. Sempre que os debates se prolongam até mais tarde isso acontece e não é por uma questão de desinteresse, mas, com certeza, por exigências de outros trabalhos parlamentares.
0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Peixoto.
0 Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No preâmbulo do projecto de lei n.º 480/VI, apresentado pelo Partido Comunista Português, hoje em discussão, diz-se que o número de toxicodependentes atinge já muitas dezenas de milhar. Esta é uma realidade de todos conhecida.
A insuficiência dos serviços públicos vocacionados para a recuperação destes doentes obriga-os a recorrer a sistemas privados, muitas vezes pouco sérios, geradores de esperança não fundamentada e a quem os familiares, numa derradeira esperança, acabam por entregar tudo o que têm e não têm, para, no fim, o resultado ser a continuação da dependência física e psicológica da droga.
É o próprio Gabinete do Alto Comissário para o Projecto Vida que, em Dezembro de 1994, diz existirem apenas 33 camas nos serviços públicos. 0 Governo, em vez de apostar numa rede nacional pública, geral e gratuita, aposta nas camas existentes em comunidades terapêuticas, muitas vezes sem um mínimo de condições e de qualidade.
É a evolução galopante da toxicodependência, não acompanhada proporcionalmente pela evolução das estruturas públicas capazes de responder às necessidades, que justifica a apresentação do actual projecto de lei e a necessidade da sua aplicação
A sociedade encontra-se perante uma exacerbação sem precedentes daquilo a que alguns chamam de crise da juventude, com custos elevadíssímos para a sociedade em todos os níveis, sem exclusão de custos com hospitalizações, curas, reabilitação, investigações policiais, perseguições a traficantes, etc., etc., custos esses que ultrapassam os do próprio alcoolismo.
Em 1975, o relatório do Conselho sobre o Abuso de Drogas nos EUA revelou 16 milhões de dólares gastos e 15 000 mortos, embora não se possa reduzir a consequência deste fenómeno apenas aos custos económicos. A droga tornou-se hoje uma ameaça para a segurança, valor e sobrevivência da colectividade.
Como agravante e para desmoralização de todos os que com este problema lidam, acrescentemos que as possibilidades actuais de cura de uma toxicomania são se não quase nulas, pelo menos, no mínimo, fracas.
Tratar um toxicodependente é um problema complexo, pois é necessário ter em conta a substância utilizada, o indivíduo que a utiliza, as suas raízes culturais e sociais e o contexto social e cultural favorável ou desfavorável em que se situa o uso da droga
Tratar um toxicodependente não se resume ao tratamento físico das consequências do vício, uma vez que mais grave do que a dependência física é a dependência psíquica, enredada no drama do homem moderno, isolado entre os seus pares, terrivelmente só, preso de uma ansiedade difusa e corrosiva.
Tentar tratar um toxicodependente exige um esforço multidisciplinar, pois é necessário apoio permanentemente disponível, altamente especializado, quer na fase inicial de
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tratamento físico, quer, fundamentalmente, na fase principal do tratamento, e a desabituação psíquica, que não é independente dos factores que conduziram ao início do processo.
A dependência psíquica é uma situação que se pode definir como uma tendência compulsiva psíquica que exige; é um estado mental global, o mais poderoso de todos os actuantes no sentido do consumo de drogas. Relativamente a muitas drogas, este é mesmo o único que conduz ao seu uso e condiciona a dependência física, que, quando não satisfeita, é ampliada pela previsão do prazer da sua administração. A dependência psíquica relaciona-se com toda a envolvência do toxicodependente.
As necessidades de concentração fabril desenraizaram as populações e desintegraram as famílias; os grandes conjuntos de habitação abrigam centenas de lares sem contacto entre si, parte das crianças ficam entregues a si próprias ou a irmãos mais velhos e quantas vezes na rua, A ocupação dos tempos livres dos jovens muitas vezes é no café.
0 jovem encontra-se amarrado a um cicio vicioso demasiadamente nocivo - solidão, ansiedade e conformismo e privado de um meio bem estruturado, estável e capaz de lhe oferecer segurança e coerência. A ansiedade é geradora de agressividade e o conformismo o instrumento gerador do imobilismo alienador em que cai o toxicodependente.
É legítimo que se pergunte: quais as possibilidades de tratar um toxicodependente, quando todas as causas que o conduziram a tal situação se mantêm inalteradas após os tratamentos de que pode ser alvo? Quais as possibilidades de tentar tratar, neste quadro, um toxicodependente, a não ser através de um serviço especializado, dedicado a tempo inteiro e em exclusivo a esta complexidade onde não é possível cair-se em generalidades.
Cada caso é um caso especial em cada uma das suas componentes- substância, utilizador e ambiente social e cultural - e em cada uma das suas fases de uso e de interrupção. Este fenómeno exige soluções próprias e, principalmente, mudança de mentalidades.
Um utilizador de drogas não é um criminoso, não prevarica contra a lei e, principalmente, contra a consciência, muitas vezes, dos que não conseguem compreender a dimensão do problema; um utilizador de drogas é um doente, infelizmente um doente «contagioso».
Só uma mudança de perspectiva na forma de estudar o problema pode conduzir a êxitos. Não podemos continuar a assistir ao agravamento da situação, querer-lhe aplicar receitas universais e deixar andar. E necessário, tal como se defende no presente projecto de lei n.º 480/VI, agora apresentado pelo PCP, que o Estado cumpra o papel que lhe compete, garantindo o acesso de todos os cidadãos necessitados a medidas preventivas, curativas e de prevenção da toxicodependência.
É necessário que exista uma estrutura real e acessível que permita a desintoxicação física e o tratamento de toxicodependentes, bem como a sua reabilitação, mas é necessário que essa estrutura tenha rosto.
Com a apresentação do projecto lei n.º 480/VI, o PCP pretende criar uma rede de serviços públicos para o tratamento e reinserção de toxicodependentes; prevê a ampliação de consultas em unidades vocacionadas para esta problemática; pretende a criação de mais unidades de internamento de curta duração, pretende a criação de comunidades terapêuticas e serviços ambulatórios, tendo em conta a reabilitação social e profissional dos toxicodependentes.
0 projecto de lei propõe medidas concretas de alargamento de centros de atendimento a todos os distritos; propõe um número de cairias mínimo na rede pública; estabelece os recursos financeiros necessários e a forma de os inscrever no Orçamento do Estado.
São medidas que permitirão aproximar o dia em que os resultados surjam e sejam aqueles que muitos desejam, mas não podemos nem devemos deixar de ter em conta as causas e as circunstâncias favoráveis ao uso de drogas. A prevenção é fundamental no combate a esta problemática.
Das causas e circunstâncias favoráveis ao uso de drogas apenas salientarei duas, pela ligação estreita que têm à discussão actual sobre liberalização e encorajantes para muitos jovens se iniciarem na toxicodependência.
Por um lado, é a facilidade progressiva na aquisição e na disponibilidade das drogas que se corre o risco de criar e, por outro, a cada vez maior aceitação do seu consumo por personalidades com prestígio e influência social.
Os primeiros contactos com a droga são decisivos e nem sempre levam à dependência, mas, quando a experiência é agradável e gratificante, facilmente se dá mais um passo em direcção ao uso casual ou por divertimento. Depois vem a utilização por condescendência, por facilitar contactos profissionais e a criatividade individual. É uma fase crítica, mas em que muitos conseguem controlar a dependência, vivendo-a de forma mais ou menos integrada numa vida familiar, social e profissional não radicalmente comprometidas. É nesta fase que pode surgir, conforme os casos e conforme as drogas, a dependência crónica. 0 caso da heroína utilizada de forma endovenosa é paradigmática. Poucos dos que a experimentam conseguem resistir à tentação de a tomar tal é o prazer obtido.
É uma questão importante a discussão que se faz, relativamente à legalização ou não do uso das drogas, mas não podemos deixar de contrapor às vantagens apresentadas pelos defensores da liberalização total o perigo de uma escalada ainda maior do uso de drogas, principalmente das consideradas drogas duras. Não podemos deixar de ter em conta que a condenação do utilizador apenas agrava a sua situação, degrada a sua relação com a sociedade. É um obstáculo ao seu tratamento. E uma situação condenável.
Não podemos esquecer que só se combaterá com eficácia a toxicodependência quando se evitar que os jovem nela caiam e não virando as costas aos actuais toxicodependentes. Não podemos esquecer que a prevenção é o principal caminho a trilhar.
Aplausos do PCP.
0 Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Andrade, dispondo, para o efeito, de um minuto.
0 Sr. Fernando Andrade (PSD): - Sr. Presidente, começo por cumprimentar a Sr.ª Deputada 15abel Castro pela sua intervenção e dizer que, por falta de tempo, não pude continuar o diálogo. De qualquer maneira, gostaria de dizer que aceitamos discutir de uma forma mais aprofundada este problema, como propôs.
Sr. Deputado Luís Peixoto, eram muitas as questões que gostaria de colocar, mas vou apenas colocar uma.
Por que é que o PCP não acredita na sociedade civil e não potencia as instituições privadas de solidariedade social? Por que é que tudo tem de ser estatal? Nós acreditamos nessa sociedade, por isso apoiamos essas instituições, as misericórdias e as ONG.
De resto, a sua intervenção foi boa e gostei de a ouvir.
Vozes do PSD: - Muito bem!
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0 Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Peixoto, dispondo, para o efeito, de um minuto.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
António Maria Pereira
0 Sr. Luís Peixoto (PCP): - Sr. Presidente, Sr Deputado Fernando Andrade, agradeço-lhe a pergunta que me fez, mas devo dizer-lhe que não percebo por que é que o Estado se há-de demitir deste problema e da protecção que deve dar aos toxicodependentes. É que o resultado desta política, que assenta em serviços privados de tratamento de toxicodependentes, está à vista.
Se o Sr. Deputado conhecer alguns toxicodependentes e suas famílias - e eu conheço bastantes - pergunte-lhes como é que conseguem ter acesso a alguns tratamentos. Uns e outros, todos passaram pelo mesmo penar, pois não conseguem ter assistência em serviços públicos e são internados várias vezes. Da primeira vez pagam 200 contos, da segunda 300, da terceira 500, ou seja, cada vez mais dinheiro, acabando por vender ainda mais haveres das suas casas, o que leva a que, a maior parte das vezes, gastem mais para os tratar do que para o consumo da droga.
Vozes do PCP: - Muito bem!
0 Sr. Macário Correia (PSD). - Peço a palavra. para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
0 Sr. Presidente: - Faça favor.
0 Sr Macário Correia (PSD): - Sr. Presidente, gostaria apenas de pedir uma pequena informação à Mesa, pois não tive notícia, mas a Mesa poderá tê-la lido.
Gostaria de saber se houve ou não alguma remodelação nesse «governo sombra» do PS, na medida em que não esteve aqui o seu «ministro sombra da saúde». É que, como foi dito, esta é matéria que diz respeito ao Ministério da Saúde, portanto, da área da coordenação desse «ministro sombra», na sua plenitude, que [em, nesta matéria, um discurso e unia posição própria e divergente daquela que hoje aqui verificámos.
Posto isto, pergunto à Mesa se tem conhecimento de alguma remodelação nesse «governo sombra>,, ou não.
Protestos do PS.
0 Sr. Presidente: - A Mesa não tem notícia de nenhum «governo-sombra>, pelo que a interpelação do Sr. Deputado Macário Correia não tem qualquer sentido
Srs. Deputados, está encerrada a discussão conjunta dos projectos de lei n.º 479/VI - Cria o relatório anual sobre a situação do país em matéria de toxicodependência tendo em vista a intervenção da Assembleia da República na definição da política nacional de combate à droga (PCP) e 480/VI - Cria uma rede de serviços públicos para o tratamento e a reinserção de toxicodependentes (PCP).
A próxima reunião plenária realiza-se amanhã, às 10 horas, com uma sessão de perguntas ao Governo.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 35 minutos.
Rectificação ao n.º 35, de 26 de Janeiro
No Sumário, l.º cl., 5.º parágrafo, onde se lê «Foi aprovado o voto n.º 130/VI», deve ler-se «Foi rejeitado o voto n.º 130/VI».
Entraram duranta a sessão os seguinte Srs. Deputados;
Partido Social-Democrata:
António Maria Pereira.
Arménio dos Santos.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
João José Pedreira de Matos.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
António Domingues de Azevedo.
António Luís Santos da Costa.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
João António Gomes Proença.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos
Faltaram à sessão os seguintes Srs Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):-
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Domingos Duarte Lima.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista
João Alberto Granja dos Santos Silva
João José da Silva Maçãs
Joaquim Maria Fernandes Marques.
José Albino da Silva Peneda
José Guilherme Reis Leite.
José Mário de Lemos Damião.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Pedro Augusto Cunha Pinto
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Virgílio de Oliveira Carneiro
Partido Socialista (PS):
Alberto Manuel Avelino.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
João Paulo de Abreu Correia Alves.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Sócrates Carvalho pinto de Sousa.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Deputado independente
Mário António Baptista Tomé
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL
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