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Sexta-feira, 9 de Junho de 1995

I Série - Número 86

DIÁRIO
Da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1994-1995)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 8 DE JUNHO DE 1995

Presidente: Exmo. Sr. António Moreira Barbosa de Melo

Secretários: Exmos. Srs. João Domingos Fernandes de Abreu Salgado
Vítor Manuel Caio Roque
José Mário Lemos Damião

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 40 minutos. Deu-se conta da entrada na Mesa do projecto de lei n.º 89/VI, da proposta de resolução n º 95/VI e da ratificação n º 150/VI.
Foi discutida e aprovada, na generalidade, a proposta de lei n.º 72/VI.

- Arrendamento urbano para habitação na Região Autónoma da Madeira.

- adaptações ao Regime do Arrendamento Urbano, apropriado pelos Decretos-Leis n.º 32 J-B/90, de 15 de Outubro, e 337/9], de 10 de Setembro (ALRM) Intenderam, a diverso título, os Srs Reputados Correia de Jesus (PSD), Mário Tomé (Indep ), Odete Santos (PCP) e Luís Amado (PS).
Após o Sr Deputado Virgílio Carneiro (PSD) ter feito a síntese do relatório da Comissão de Educação, Ciência e Cultura sobre a proposta de lei n.º 94/VI- Equiparação dos cursos de especialização cursos de estudos superiores especializados (ALRM), foi a mesma discutida, na generalidade, tendo, a requerimento do PSD, baixado de novo à Comissão. Usaram da palavra, a diverso titulo, os Srs. Deputados Anabela Matias e Cecília Catarino (PSD), Guilherme d'Oliveira Martins (PS), Paulo Rodrigues (PCP), Adriano Moreira (CDS-PP), Carlos Lélis (PSD) e Luís Amado e António Braga (PS).
Foi também apreciada, na generalidade, a proposta de lei n.º 112/VI - Suspensão da aplicação do artigo 10 º do Código do IRS aí Vendas ao Estado dos terrenos da Base das Lajes (ALRA), que foi aprovada na generalidade, na especialidade e em votação final global, tenha usado da palavra, a diverso título, os Srs Deputados Manuel da Silva Azevedo (PSD), Martins Goulart (PS), Luís Geraldes (PSD), João Amaral (PCP), Lino de Carvalho (PCP) e Joaquim da Silva Pinto (PS).
Procedeu-se ao debate da interpelação n.º 25/VI - Social política do Governo e o estado do ambiente e do ordenamento do território (Os Verdes), no qual intervieram a Sr.ª Deputada Isabel Castro (Os Verdes) e o Sr Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor (Joaquim Poças Martins), e em seguida, a diverso título, além destes oradores, os Srs Deputados Mano Maciel e João Matos (PSD), José Sócrates (PS), José Silva Costa (PSD), Luís Sá (PCP), André Martins (Indep ), António Braga (PS), Carlos Pereira Oliveira (PSD) e André Martins (Os Verdes).
Encerraram o debate a Sr.ª Deputada Isabel Castro (Os Verdes) e o Sr Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território (Pereira Reis).
A Câmara deu assentimento à viagem de carácter oficial do Sr Presidente da República à Coronha e a Madrid, nos dias 9, 11 e 12 de Junho.
Foram aprovados cinco pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias autorizando dois Deputados e denegando dois a deporem em tribunal e não autorizando a suspensão de mandato de um outro.
Os projectos de resolução n a 153/VI - Apreciação parlamentar da participação de Portugal no processo de construção da União Europeia durante o ano 1994 e 154/VI - Apreciação da actividade parlamentar na XII Conferência de Comissões de Assuntos Europeus (COSAC). ambos apresentados pela Comissão de Assuntos Europeus, foram aprovados em votação final global.
Mereceram aprovação, na generalidade, a proposta de lei n.º 129/VI - Isenta do serviço nublar os filhos ou irmãos de militares falecidos ou de deficientes das Forças Armadas, na generalidade, na especialidade e em votação final global a proposta de lei n.º 134/VI - Altera o Código do IRS. na generalidade, a proposta de lei n.º 135A/I- Autoriza o Governo a alterar o Código do Procedimento Administrativo, tendo esta baixado, a requerimento do PSD. à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para apreciação na especialidade, e, também na generalidade, o projecto de lei n.º 587/VI - Lei de Defesa do Consumidor (PS).
Foi ainda aprovada, em votação global, a proposta de resolução n.º 91/VI - Aprova, para ratificação, o Tratado de Amizade e Cooperação entre a República Portuguesa e a Federação da Rússia.
Finalmente, em votação final global, foram aprovadas as propostas de lei n.º 124/VI- Autoriza o Governo a aprovar o novo estatuto do notariado, com as alterações aprovadas em sede de especialidade e constantes do texto final da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, e 118/VI - Aprova a lei de bases do desenvolvimento agrário, com as alterações aprovadas em sede de especialidade e constantes do texto final da Comissão de Agricultura e Mar.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 5 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 40 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro Roque de Pinho Bissaia Barreto.
Américo de Sequeira.
Anabela Honório Ma tias.
António da Silva Bacelar.
António de Carvalho Martins.
António Esteves Morgado.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Caeiro da Moita Veiga.
António Moreira Barbosa de Melo.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Lopes Pereira.
Carlos de Almeida Figueiredo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel de Valleré Pinheiro de Oliveira.
Cecília Pita Catarino.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Ema Maria Pereira Leite Lóia Paulista.
Fernando Carlos Branco Marques de Andrade.
Fernando Monteiro do Amaral.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Domingos Fernandes de Abreu Salgado.
João José da Silva Maçãs.
Joaquim Cardoso Martins.
Joaquim Fernando Nogueira.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Avelino Braga de Macedo.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José de Almeida Cesário.
José Fortunato Freitas Costa Leite.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Manuel Alvares da Costa e Oliveira.
José Manuel da Silva Costa.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
José Pereira Lopes.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Antero da Cunha Pinto.
Manuel da Silva Azevedo.
Manuel de Lima Amorim.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Simões Rodrigues Marques.
Maria da Conceição Figueira Rodrigues.
Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida da Costa e Silva Pereira Taveira de Sousa.
Mário Jorge Belo Maciel.
Melchior Ribeiro Pereira Moreira.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Fernando da Silva Rio.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Bernardes Cosia.
Alberto da Silva Cardoso.
Alberto de Sousa Martins.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Aníbal Coelho da Costa.
António Alves Martinho.
António Fernandes da Silva Braga.
António José Borram Crisóstomo Teixeira.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.
Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Américo Fialho Anastácio.
Joaquim Dias da Silva Pinto.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.
José António Martins Goulart.
José Carlos Sena Belo Megre.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Leonor Coutinho Pereira dos Santos.
Luís Filipe Marques Amado.
Luís Manuel Capoulas Santos.
Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.
Nuno Augusto Dias Filipe.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Vítor Manuel Caio Roque.

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Partido Comunista Português (PCP):

Alexandrino Augusto Saldanha.
António Manuel dos Santos Murteira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Carlos Martins Peixoto.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Adriano José Alves Moreira.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria Helena Sá Oliveira de Miranda Barbosa.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

André Valente Martins.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

Deputados independentes:

Raul Fernandes de Morais e Castro.
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 589/VI - Estatuto do agente da cooperação (PSD), que baixou à 3." Comissão; proposta de resolução n.º 95/VI - Aprova, para ratificação, o Acordo de Cooperação em Matéria de Defesa entre a República Portuguesa e a República Tunisina, que baixou às 3.ª e 4.ª Comissões; e ratificação n.º 150/VI - Decreto-Lei n.º 130/95, de 5 de Junho que cria a sociedade Águas do Sotavento Algarvio, S.A. ,(PCP).
Gostaria também de informar a Câmara de que, durante o dia de hoje, vão reunir a Comissão de Petições, a Comissão de Inquérito Parlamentar sobre a Eventual Responsabilidade do Governo na Prestação de Serviços peias OGMA à Força Aérea Angolana e as Subcomissões Permanentes de Igualdade dos Direitos das Mulheres e da Habitação e Telecomunicações.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, do período da ordem do dia de hoje, constam duas partes, destinando-se a primeira a apreciar as propostas de lei n.ºs 72/VI- Arrendamento urbano para habitação na Região Autónoma da Madeira - adaptações ao Regime de Arrendamento Urbano, aprovado pelos Decretos-Lei n.(tm) 321-B/9Q, de 15 de Outubro, e 337/91, de 10 de Setembro, 94/VI- Equiparação dos cursos de especialização a cursos de estudos superiores especializados, ambas da iniciativa da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, e 112/VI- suspensão da aplicação do artigo 10.º do Código do IRS às vendas ao Estado dos terrenos da Base das Lages, da iniciativa da Assembleia Legislativa Regional dos Açores.
Vamos, pois, dar início à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 72/VI.
Para fazer a apresentação do relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, tem a palavra o relator, Sr. Deputado Correia de Jesus.

O Sr. Correia de Jesus (PSD): - Sr. Presidente, creio que o relatório é evidente nos seus termos, pelo que me dispenso de fazer agora quaisquer comentários.
Durante o debate farei, então, a minha intervenção.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra para uma intervenção, Sr. Deputado.

O Sr. Correia de Jesus (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Permitam-me que, antes de mais, manifeste a minha satisfação pelo facto de não terminarmos esta sessão legislativa e esta legislatura sem que a Assembleia da República aprecie algumas propostas de lei da iniciativa das Assembleias Legislativas Regionais da Madeira e dos Açores. Sendo tão limitados os poderes legislativos das assembleias regionais, traduzir-se-ia em denegação da autonomia o facto de a Assembleia da República não agendar nenhum dos diplomas originários daquelas assembleias, situação que seria tanto mais grave quanto é certo que, quer no último projecto de revisão constitucional que os Deputados sociais democratas eleitos pelo círculo da Madeira subscreveram, quer em recente resolução da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, se preconiza uma ampliação dos seus poderes legislativos.
Não surpreende, pois, que assinalemos o facto e que manifestemos o nosso regozijo pela circunstância de a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, por proposta da direcção do meu grupo parlamentar, ter decidido agendar diplomas da iniciativa das assembleias legislativas regionais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 72/VI visa adaptar à Região Autónoma da Madeira o regime de arrendamento urbano, aprovado pelos Decretos-Leis n.ºs 321-B/90, de 15 de Outubro, e 337/91, de 10 de Setembro.
Antes de me pronunciar sobre a bondade das soluções preconizadas na proposta de lei, gostaria de dizer duas palavras sobre a complexidade e dificuldades que, de uma maneira geral, caracterizam os problemas da habitação, não só em Portugal mas também na generalidade dos países.
Indissoluvelmente ligada à política de solos, a política de habitação deverá ter em conta aspectos tão diversos como a simplificação e encurtamento do processo de licenciamento, a modernização e flexibilização das técnicas de construção, adequados esquemas de crédito à habitação, a protecção jurídica eficaz de adquirentes e arrendatários, a fluidez do mercado imobiliário e de arrendamento e um sistema adequado de benefícios fiscais.
Tenho mesmo por líquido que não será possível avançar decisivamente neste domínio enquanto não for revisto o regime legal das edificações urbanas, por um lado, e enquanto não introduzirmos mecanismos seguros de transparência nas relações entre vendedores e compradores- e, em certa medida, entre senhorios e arrendatários -, estabelecendo garantias automaticamente exequíveis em caso de incumprimento dos contratos-promessa e introduzindo no nosso país soluções legais que. garantam a conclusão das obras, nomeadamente através de contratos de seguro de construção, que já vigoram em certos países anglo-saxónicos.
Está demonstrado que as figuras da eficácia real, pela sua inacessibilidade, e da execução específica, pela sua inoperância, não respondem às exigências de certeza e eficácia características do mundo do Direito.
Vem isto a propósito de demonstrar quão difícil é criar condições para que todos os cidadãos possam ter a sua casa - própria ou arrendada - na linha do que vem consignado no artigo 65.º da Constituição da República.

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Sr.ªs e Srs. Deputados: Mas no caso da Região Autónoma da Madeira a situação apresenta-se agravada por várias ordens de factores.
Antes de mais, e a exiguidade do território e uma das mais altas densidades populacionais do mundo que atiram para montantes elevados o preço dos terrenos.
Depois, é a natureza basáltica do solo e o relevo acidentado de toda a Ilha que dificultam a abertura de caboucos e exigem quase sempre a construção de dispendiosos muros de suporte.
Decorrência directa da insularidade e da distância a que a Madeira se encontra do Continente português, são os elevados fretes que têm de ser pagos pelo transporte dos materiais de construção civil, sempre tão volumosos e tão pesados e na sua generalidade importados.
Também não podem os madeirenses beneficiar das vantagens das economias de escala, nem o equilíbrio urbanístico e razões profundas de ordem cultural permitem o recurso significativo à propriedade horizontal.
De tudo isto, resulta que, na Madeira, o produto, em matéria de habitação, é mais caro do que no Continente em cerca de 35%.
Acresce que o rendimento per capita se situa na região a um nível significativamente inferior ao verificado no Continente.
Torna-se, assim, muito difícil aos residentes na Região Autónoma da Madeira exercerem o seu direito fundamental à habitação através da aquisição de casa própria. Neste contexto, a satisfação desta necessidade básica está confinada às opções decorrentes da concretização da política social de habitação que vem sendo levada a cabo pelo Governo regional e do recurso ao mercado de arrendamento Entre 1976 e 1991, numa população de 280000 habitantes, construíram-se 11 258 fogos, dos quais 3145 destinados a habitação social.
Sr.ªs e Srs. Deputados: Apesar do esforço empreendido pelo Governo da República neste domínio, ao estabelecer o novo regime do arrendamento urbano, através do Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, este não logrou produzir na Região Autónoma da Madeira os objectivos que se propunha. Decorridos cinco anos sobre a sua entrada em vigor, mantêm-se fora do mercado, devolutos, alguns milhares de fogos, já que os proprietários dos prédios continuam arreigados à ideia de que, apesar do novo regime, não poderão dispor facilmente das casas quando delas carecerem para habitação própria ou de um seu familiar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A presente proposta de lei surge, pois, com o intuito de flexibilizar os contratos de arrendamento urbano para habitação na Região Autónoma da Madeira, encurtando os prazos do arrendamento temporário e dando maior ênfase, neste âmbito, ao princípio da liberdade contratual.
Assim, enquanto o n.º 2 do artigo 98.º do Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, estabelece que, nos contratos de duração limitada, o prazo para a duração efectiva do arrendamento não pode ser inferior a cinco anos, o n.º l do artigo 2.º da proposta de lei em discussão reduz aquele prazo para dois anos.
O n.º 1 do artigo 100.º do referido Decreto-Lei n.º 321-B/90, prevê a renovação automática dos contratos do mesmo tipo no fim do prazo e por períodos mínimos de três anos. O n.º 2 do artigo 2 º da proposta de lei prevê a renovação automática por períodos mínimos de apenas um ano.
E enquanto o n.º 2 do citado artigo 100.º dispõe que a denúncia do contrato terá de ser feita com um ano de antecedência sobre o fim do prazo ou da sua renovação, o n.º 3 do artigo 2.º da proposta de lei admite que a denúncia seja feita com apenas seis meses de antecedência.
O artigo 3.º da proposta de lei prevê que nos contratos de duração superior a cinco anos ou em que não se estipule um prazo para a sua duração efectiva - os chamados contratos de longa duração - o regime de actualização anual das rendas possa ser livremente fixado, desde que tal estipulação conste de acordo celebrado por escrito.
Com o objectivo de reactivar o mercado de habitação, nomeadamente através do relançamento dos investimentos privados, a proposta de lei faz incidir sobre os montantes fixados nos termos e para os efeitos do Decreto-Lei n.º 337/91, de 10 de Setembro, um coeficiente de 1,35, tomando em consideração os sobrecustos que na Região Autónoma da Madeira já ficaram assinalados no domínio dos custos da construção de casa para habitação.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Estamos convencidos de que, com estas alterações ao regime do arrendamento urbano, se irá ao encontro de legítimas pretensões da população residente na Região Autónoma da Madeira e estaremos a contribuir para que naquela região seja mais amplamente satisfeito o direito constitucional à habitação.
Por isso, contamos com o apoio generalizado da Câmara.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Mano Tomé e Odete Santos. Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (Indep ): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Correia de Jesus, não quero ser «mais papista do que o Papa», mas, de facto, estranhei a sua satisfação pelo agendamento das duas propostas de lei da Assembleia Legislativa Regional da Madeira.
Nesta Câmara, já tive oportunidade de expressar a opinião de que as propostas das assembleias legislativas das regiões autónomas deviam ter aqui um estatuto não de privilégio mas, sim, de avocação directa. Isto é, as assembleias legislativas deviam ter a possibilidade de enviar para a Assembleia da República as suas propostas de lei e de as ver, a partir desse momento, garantidamente discutidas.
Além disso, como o Sr. Deputado deve ter reparado, esta discussão foi agendada para uma manhã que já se previa fosse débil quer quanto ao número de presenças dos Srs. Deputados, quer quanto à própria comunicação social, na medida em que todos sabíamos que o debate de ontem se ia prolongar - e, por acaso, até nem se prolongou tanto como se pensava. Daí eu estranhar a satisfação e a pouca ambição de V. Ex.ª, enquanto Deputado regional.
Em relação à matéria concreta, só quero dizer-lhe que a minha satisfação não existe. A Madeira quer ultrapassar a legislação actual de uma forma negativa, ou seja, quer, ao contrário daquilo que o Sr. Deputado disse, tornar o direito à habitação ainda mais precário para que os senhorios possam ter o «sol na eira e a chuva no nabal», isto é, possam ter a habitação para arrendar e daí fazer negócios e lucro, obter rendimentos e disporem dela sempre que lhes apetecer, invocando a necessidade de casa própria.
Por outro lado, o crédito à habitação, como V. Ex.ª sabe, dificulta imenso o acesso à habitação. Basta ver que o crédito bonificado para as casas mais baratas obriga a

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pagar rendas que ultrapassam o salário médio de quase 80% da população.
O meu partido votou contra esta proposta de lei - e muito bem! - na Assembleia Legislativa Regional da Madeira, porque, de facto, ao contrário do que o Sr. Deputado disse, isto vai tornar precário o acesso à habitação e criar ainda mais insegurança ao seu acesso.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Correia de Jesus, penso que estiai proposta de lei, que é de 1993, é inconstitucional.
Gostava de lhe perguntar o seguinte: se em 1993 entrou em vigor uma alteração ao Decreto-Lei n.º 21-B/90, que institui uma completa liberalização em relação ao regime das actualizações anuais da renda, deixando isso para a negociação entre as partes, como é que agora compagina o que está consagrado nesta proposta de lei sobre essas actualizações anuais só para os contratos de mais de 5 anos com a outra que permite fazer isso a todos?

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Correia de Jesus.

O Sr. Correia de Jesus (PSD): - Sr. Presidente, agradeço os pedidos de esclarecimento que me formularam os Srs. Deputados Mário Tomé e Odete Santos.
Relativamente ao Sr. Deputado Mário Tomé, a única coisa que gostaria de dizer é que, em certa medida, tem razão quando se refere à importância que a Assembleia da República deveria dar às propostas de lei provenientes das assembleias legislativas regionais.
No entanto, penso que não tem razão quando se surpreende com o meu regozijo. É que, apesar da nossa razão, o agendamento é tão raro que é perfeitamente normal e natural que eu me tenha regozijado Com ele, regozijo esse que penso ser partilhado pelos Srs. Deputados eleitos pela Região Autónoma da Madeira» Independentemente do partido por que o foram.

A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Quanto à crítica de fundo que fez às soluções preconizadas nesta proposta de lei, dir-lhe-ei, Sr. Deputado, que estamos conceptualmente em campos diferentes, se não opostos. Portanto, não me surpreende que o Sr. Deputado Mário Tomé veja nesta adaptação do regime do arrendamento urbano mais uma forma de proteger a classe possidente, em prejuízo das pessoas menos favorecidas. Não é esse o nosso entendimento, porque estamos confrontados com uma situação em que existe um número apreciável de fogos devolutos e entendemos que é flexibilizando o regime do arrendamento urbano que esses fogos poderão ser postos à disposição dos interessados.
Para além disso, temos de ter em conta as características da Região Autónoma da Madeira, onde, hoje, a nível de quadros e mesmo a nível de um certo turismo sedentário - permita-se-me a contradito in terminis -, já existe uma apetência apreciável por estes arrendamentos de curta duração. Portanto, já é possível encontrar uma procura apreciável e responder a essas necessidades em matéria de habitação.
Assim, não temos a mínima dúvida quanto à procedência e ao bem fundado da nossa proposta.
Quanto à dúvida colocada pela Sr.ª Deputada Odete Santos, devo dizer que, ao elaborar o relatório e ao preparar a minha intervenção neste debate, apercebi-me desse problema que colocou. Penso, no entanto, que a questão se põe em sede de especialidade e é aí que nós não deixaremos de considerar a questão e de fazer as adaptações ou as correcções que porventura se mostrem necessárias.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Amado.

O Sr. Luís Amado (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma primeira palavra também para me regozijar com estes agendamentos, que, em boa hora e tanto quanto sei, por iniciativa do Sr Presidente da Assembleia da República, com a concordância de todos os grupos parlamentares, e não exclusivamente por iniciativa dos Deputados do PSD, que gostam de manifestar um sentido de propriedade muito particular em relação às questões da autonomia, mas, repito, com o apoio de todos os grupos parlamentares, foram marcados para o dia de hoje.
Entendemos que era essencial que este tipo de agendamentos de propostas de lei das assembleias legislativas regionais ocorresse com mais frequência na Assembleia da República, na medida em que todos sabemos que, por um lado, as assembleias legislativas regionais têm manifestado, ao longo destes anos, uma vontade muito grande de verem ampliados os seus poderes legislativos - praticamente todos os grupos parlamentares das assembleias legislativas regionais assim se têm pronunciado em diferentes momentos da nossa vida política - e, por outro, que tem havido alguma complexificação no entendimento de algumas matérias relacionadas com o exercício do poder legislativo das regiões autónomas, designadamente em relação àquelas matérias em que há uma concorrência entre o poder legislativo das regiões em matéria de interesse específico e o poder legislativo da Assembleia da República em matérias da sua competência reservada.
A densificação do conceito «interesse específico» tem sido feita em sede de jurisprudência do Tribunal Constitucional e abordada por alguns autores e doutrinadores da nossa academia, mas, de qualquer modo, do nosso ponto de vista, não tem havido um exercício, nos planos político e legislativo, daquilo que deve ser a esse nível a densificação desse conceito de interesse específico. Em minha opinião, isso só pode ser feito pela generalização de tipos de debates como este que hoje estamos a realizar em relação a matérias concretas, em que o entendimento político da Região sobre o que é o interesse específico e o que deve ser o entendimento deste órgão, que tem, nos termos do artigo 167.º da Constituição, a reserva e competência sobre essa matéria, se deve exercitar.
É óbvio que tem havido um défice grande de exercício político-legislativo na avaliação e delimitação do que é o interesse específico nesta sede
Por isso, uma vez mais, Sr. Presidente, congratulo-me com a sua iniciativa no sentido de gerar ainda nesta sessão legislativa este debate que, espero, seja o início para um entendimento mais cooperativo entre o órgão de soberania que tem a competência do poder legislativo por excelência e os órgãos de poder legislativo regional.
Apesar de tudo, não posso deixar de manifestar uma discordância em relação às matérias que foram agendadas. Porquê estas e não outras? Aqui, como é óbvio, prevaleceu a vontade da maioria. Custa-me, por exemplo, que

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diplomas que foram aprovados por unanimidade na Assembleia Regional da Madeira não tenham sido agendados. Foi o caso, por exemplo, do diploma que visava o transporte do sinal de televisão para as regiões autónomas, em igualdade de condições às que se verificam noutras partes do País, apesar de, na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares em que participei, ter havido boa vontade da parte de V. Ex.ª, mas não do Sr. Secretário de Estado, em que esse agendamento fosse feito. Como é óbvio, houve aí interesses por parte dos Deputados do PSD eleitos pela Madeira, o que não, entendo na medida em que se tratava de um diploma que tinha toda a oportunidade em ser discutido ainda na presente legislatura.
Há uma discriminação negativa relativamente às populações das regiões autónomas quanto a matérias que têm a ver com um serviço fundamental do ponto de vista da coesão e da unidade nacional: o serviço público de televisão.
Portanto, repito, não entendemos por que razão é que em relação a esta matéria continua a haver uma discriminação de sentido negativo por parte dos Srs. Deputados do PSD.
Ainda sobre esta matéria, não entendo também alguns outros critérios que são seguidos pelos Srs. Deputados do PSD. Ainda ontem se manifestaram legitimamente contra a discriminação negativa das propostas relativas à transparência que aqui votámos. Por exemplo, em matéria de estatuto remuneratório cometia aos Deputados regionais uma exclusividade que não se verifica em relação aos Deputados da Assembleia da República. Depois, pactuou-se com uma situação de discriminação, agora positiva, a favor dos Deputados regionais que, em matéria de estatuto remuneratório, têm hoje as mesmas regalias que os Deputados da Assembleia da República, mas que, em matéria de impedimentos, de incompatibilidades, de registo de interesses, estão numa situação de profunda discriminação em sentido positivo.
Penso que, da parte dos Deputados que representam as regiões autónomas, deve haver em todas as circunstâncias uma avaliação do interesse político e algum equilíbrio na ponderação dos critérios que seguimos. É que não se percebe muito bem por que é que num determinado momento são seguidos critérios desta natureza e não outros.
Por último, relativamente ao diploma concreto, estou de acordo com todos os considerandos desenvolvidos pelo Sr. Deputado Correia de Jesus sobre o problema da habitação, considerandos esses que estão na génese desta iniciativa por parte da Assembleia Legislativa Regional.
São conhecidas as dificuldades que actualmente sofre o mercado da habitação na Madeira, muitas delas relacionadas com os custos específicos que comporta a habitação naquela região por razões que o Sr. Deputado eloquentemente desenvolveu e que me dispenso de repetir.
Subscrevo, igualmente, as reservas que a Sr.ª Deputada Odete Santos apontou relativamente a uma das normas, que, obviamente, em sede de especialidade, será objecto de apreciação, conforme, aliás, o Sr. Deputado Correia de Jesus aceitou e reconheceu.
Sem mais nenhuma observação, Sr. Presidente e Srs. Deputados, resta-me, uma vez mais, congratular-me com a iniciativa de V. Ex.ª relativamente a estes agendamentos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado, pelas suas considerações.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto, as regiões autónomas estão um pouco condenadas a ver as suas iniciativas legislativas agendadas nos finais de sessões legislativas. Lembro e apraz-me agora registar isto aqui até para pôr em confronto duas propostas da Região Autónoma da Madeira e dizer o porquê de aderirmos completamente a uma e não a outra, que vamos votar contra.
É que eu tive o gosto - e, por acaso, o PCP apresentou um projecto de lei nessa área - de intervir num debate, no final de uma sessão legislativa, sobre o regime da colónia na Região Autónoma da Madeira, para o qual também foi apresentado uma proposta de lei pela Assembleia Legislativa Regional, e, portanto, é com grande desgosto que hoje vou fazer críticas à que neste momento estamos a debater.
Ora, em meu entender, esta proposta de lei é, em termos jurídicos, inepta, tal como as petições iniciais, etc., por a causa de pedir não ter correspondência alguma com o pedido. Nenhuma, absolutamente!
Mas, de facto, gostaria de referir que o Sr. Deputado Correia de Jesus teve entre os seus colegas dos Açores, e não há muito tempo, quem defendesse na Assembleia Legislativa Regional, em relação ao contrato de habitação, ideias bem diferentes daquelas que hoje aqui defendeu, nomeadamente quando discutiram os contratos de arrendamento de garagens e a possibilidade de denúncias desses contratos. Então, foi referido, com ênfase, na Assembleia Legislativa Regional, por um Deputado - e isto vem, por acaso, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, que declarou a inconstitucionalidade -, o seguinte: «não se trata de situações de habitação, essas merecem, pelos princípios constitucionais, uma protecção social adequada». Isto para dizer que a renovação automática se justificava nos contratos de arrendamento de habitação, porque era a protecção social adequada, mas nos das garagens já não. Ideias bem diferentes defendeu hoje o Sr. Deputado Correia de Jesus, aliás, na sequência das aqui expendidas por membros do Governo, cada vez que aqui vêm introduzir mais uma alteração no Regime do Arrendamento Urbano para a habitação e não habitação, agora já é tudo, vale tudo! Vale liberalizar até onde se puder, e, portanto, deixar até as pessoas sem meios de trabalho e sem habitação, tendo em conta o sistema de contratos de duração limitada. Mas, como eu dizia há pouco, entendo que esta proposta de lei é inconstitucional, e, no seguimento destes dois Acórdãos, que consultei, de 1988, do Tribunal Constitucional, que se debruçaram sobre regimes jurídicos estabelecidos - tenho-os aqui e, se quiser, depois, posso ceder-lhos - em relação a contratos de arrendamento para garagens e, salvo erro, prédios rústicos, verifiquei que foi decidido pelo Tribunal Constitucional que esta matéria não configurava o interesse específico da Região Autónoma, pelo que não podiam legislar.
É claro que agora vêm com uma proposta de lei à Assembleia da República, e, portanto, o caminho é diferente, mas também entendo - aliás, Vital Moreira e Gomes Canotilho, pelo menos colocam esta questão como duvidosa- que a alínea f) do n.º 1 do artigo 229.º da Constituição, no que se refere à iniciativa das regiões autónomas, deve ser analisada tendo-se em conta, porque só assim é que o entendimento está correcto, as outras alíneas. Logo, a iniciativa só lhes pertence quando se prove haver de

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facto o interesse específico regional peculiar. E aqui as razões dadas agora pelo Sr. Deputado Correia de Jesus foram as apresentadas nas propostas do Governo quando discutimos a proposta de lei que deu origem ao Decreto-Lei n.º 320-B/90 e o diploma de 1993, onde houve mais outras alterações. São as mesmas, Sr. Deputado Correia de Jesus. As razões são: relançar o mercado de arrendamento, que, se for ver os debates, também surge em relação a outros diplomas; a carência de habitações; a liberdade contratual; e a existência de fogos devolutos. Portanto, as razões são iguais. E de facto eu entendo que não se verifica essa especificidade, essa peculiariedade própria, porque as habitações caras existem, nuns locais, por um motivo e, noutros, por outro. E no continente as habitações são caríssimas, quer para a aquisição, quer para arrendamento, tal como na Região Autónoma da Madeira. Assim, entendo não haver aqui as características específicas que justifiquem esta iniciativa legislativa da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.
Mais, queria realçar, para além destas questões, e isto já em relação às questões concretas, que, em matéria de benefícios fiscais, não podemos estar a aprovar leis retroactivas de benefícios desde 1 de Janeiro de 1993 - enfim, penso que é das tais matérias que os Srs. Deputados querem alterar. Realçaria também que estes benefícios fiscais vão abranger pessoas que dispõem de rendimentos mensais de 202 500$/fogo arrendado, isto é para situar as coisas e ficar claro quem é que vai ficar protegido por estes benefícios fiscais. É quem recebe rendas até 202,500$/mês/fogo arrendado.
Segundo o que VV. Ex.ªs vêm propor, eu disse que havia ineptidão por contradição entre a causa de pedir e o pedido, porque VV. Ex.ªs dão de barato, como o deram em outras ocasiões...

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, peco-lhe que termine, pois já ultrapassou em muito o tempo regimental.

A Oradora: - Estou mesmo a terminar, Sr. Presidente.
Dizia eu que, tendo em conta o proposto por VV. Ex.ªs, considero existir ineptidão por contradição entre a causa de pedir e o pedido, porque VV. Ex.ªs dão de barato, como o deram em relação ao Decreto-Lei n.º 320-B/90, ao diploma de 1993 e à lei do aumento das rendas de 1.9.95, onde surgem, pela primeira vez, os contratos de duração limitada de arrendamento para habitação. Vamos permitir os contratos de duração limitada, e isto vai ser uma maravilha para o mercado de arrendamento, já que as pessoas «desatam» a pôr as casas no mercado de arrendamento! Não é nada disto! Aliás, até o Sr. Secretário de Estado da Habitação, recentemente, disse, na Assembleia da República, em 8 de Janeiro de 1994, a seguinte frase: «Naturalmente, as casas não aparecem por decreto-lei, nem o mercado se considera dinamizado pela simples publicação de um qualquer diploma no Diário da República». A verdade é que os contratos de arrendamento a prazo não dinamizaram os mercados de arrendamento, e não dinamizam porque, com as rendas praticadas no mercado, as pessoas não têm capacidade económica para suportar aquelas rendas, e quem tem prefere comprar. Logo, vamos continuar na mesma. De facto, só vai haver casas para vender. E o que VV. Ex.ªs aqui propõem é uma liberalização, ainda muito maior do que a estabelecida pela Assembleia da República para todo o país, que é a duração desses contratos passar de cinco para dois anos, o que leva as pessoas a, ao fim de dois anos, agarrarem nos trapos e irem-se embora. É claro que as pessoas, tendo em conta o valor das rendas praticado, preferem comprar uma casa. Ora, se VV. Ex.ªs se a Assembleia Legislativa Regional tivesse vindo aqui propor medidas especiais em relação à política social de habitação do Governo Regional, que até no preâmbulo vem citado, porque, segundo dizem, uma das maneiras para resolver o problema da habitação é através da política social de habitação... Mas nós não vemos aqui proposta alguma, porque optam por outra solução. Vão tornar o regime muito mais grave, liberalizando-o de uma maneira selvagem. O contrato de arrendamento para a habitação tem uma finalidade social.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Correia de Jesus.

O Sr. Correia de Jesus (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, sob a forma de pedido de esclarecimento, queria apenas lembrar que, apesar dos doutos Acórdãos do Tribunal Constitucional que citou, o artigo 30.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira considera matéria de interesse específico para a Região a habitação e o urbanismo. Portanto, se o Estatuto assim o considera e se nós somos capazes de subsumir a realidade nesta previsão legal, do meu ponto de vista, não há qualquer dúvida de que estamos perante uma matéria de interesse específico.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Correia de Jesus sabe que essa não é a resposta, porque sabe que os Estatutos têm de se adequar à Constituição da República, e não foi esse Estatuto que impediu que o Tribunal Constitucional considerasse inconstitucional.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto não haver mais inscrições, dou por encerrado o debate da proposta de lei n.º 72/VI - Arrendamento urbano para habitação na Região Autónoma da Madeira - adaptações ao Regime de Arrendamento Urbano (ALRM), que será votada ainda hoje, no período regimental de votações.
Passamos à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 94/VI - Equiparação dos cursos de especialização a cursos de estudos superiores especializados (ALRM).
Para uma intervenção, na qualidade de relator da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, tem a palavra o Sr. Deputado Virgílio Carneiro, dispondo, para o efeito, de cinco minutos.

O Sr. Virgílio Carneiro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Comissão de Educação apreciou este diploma e entendeu fazer algumas considerações.
O diploma resulta do facto de a formação especializada para docentes de educação especial ter sido objecto de várias alterações através dos tempos, as quais deram origem a alguma diversidade de habilitações e criaram, face a isso, as consequentes divergências de situações profissionais.
Com efeito, esta formação especializada começou por ser feita desde 1942 a 1986, pelo Instituto António Aurélio

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da Costa Ferreira e pela Casa Pia de Lisboa, para além de outros, dentro das mesmas áreas, promovidas pela Direcção-Geral de Assistência, Direcção-Geral de Ensino Básico e pela Direcção-Geral do Ensino Secundário, cujos cursos tinham uma duração variável entre l e 3 anos.
A partir de 1986, a formação especializada passou a ser atribuída apenas às Escolas Superiores de Educação de Lisboa e do Porto.
Perante a diversidade verificada, em 1985 o Ministério da Educação cria um grupo de trabalho que analisa toda essa diversidade, incluindo os diferentes planos de estudos, as áreas curriculares e cargas horárias até aí existentes.
Na sequência das conclusões do referido grupo de trabalho, em 1987 é publicado um despacho que uniformizou o tratamento profissional dado a estes docentes, desde que nos seus cursos exista um mínimo de um ano de componente teórica e prática. Em 1991, efectivamente, e de acordo com o estabelecido na Lei de Bases do Sistema Educativo, as Escolas Superiores de Educação de Lisboa e Porto formam estes profissionais que passam a ser portadores de diploma de Estudos Superiores Especializados.
Com isto, surge de novo uma divergente situação: os que agora têm diploma de Estudos Superiores Especializados e os outros, mais antigos, que, embora lhes tivesse sido reconhecida a habilitação profissional, não eram portadores de formação superior e, por isso, sem acesso ao respectivo diploma de Estudos Superiores Especializados.
É esta a equiparação que o presente diploma pretende realizar. Na verdade, para que esta equiparação se pudesse efectuar, seria necessário haver um suporte legal, que efectivamente não existe. A analogia que se pretende fazer com outra legislação, permitindo a certos profissionais prosseguir os estudos, não é consequente, porque o que agora se pretende é equiparar, pura e simplesmente, cursos que, no fundo, têm currículos e cargas horárias diferentes.
Há ainda que ter em conta que a competência para a equiparação de cursos superiores, de acordo com as leis de autonomia das Universidades e dos Institutos Superiores Politécnicos, pertence a estas instituições. Outro caso seria se o pretendido por este diploma fosse a possibilidade de prosseguimento de estudos e não, tão-só, a equiparação de cursos, mesmo com formação de base diferente, para usufruto de fins profissionais.
Contudo, sob o ponto de vista formal, a Comissão entende que o diploma reúne as condições regimentais e constitucionais para subir a Plenário.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Anabela Matias.

A Sr.ª Anabela Martins (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira apresentou à Assembleia da República uma proposta de lei visando a equiparação dos cursos de especialização promovidos por diversas instituições, constantes do Despacho n.º 73/MEC/87, de 24 de Fevereiro, nas áreas da deficiência intelectual, auditiva, visual e motora a cursos de estudos superiores especializados.
Tais cursos de especialização apresentam, relativamente aos actuais cursos de estudos superiores especializados, designados por CESE, condições de acesso, duração e planos curriculares muito diversificados.
Constata-se ainda a existência de profissionais de educação detentores de cursos de especialização em educação especial, que não eram professores ou educadores à data do ingresso nesses cursos.
Pese embora o estabelecido no Despacho n.º 73/MEC/87, o qual reconheceu os referidos cursos especializados para o exercício de funções lectivas no âmbito da educação e do ensino especial, a equiparação destes docentes detentores destes cursos, para efeitos profissionais e de promoção na carreira, aos docentes diplomados de estudos superiores especializados não se nos afigura viável nos termos apresentados. Ou seja, o Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata considera que a análise e discussão da questão de fundo merece um aprofundamento e, por isso mesmo, irá apresentar um requerimento no sentido da baixa à Comissão respectiva deste diploma.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr." Deputada Cecília Catarino.

A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Anabela Matias, ouvi atentamente a sua intervenção e, apesar de considerar que esta questão é altamente melindrosa para ser debatida no final da Legislatura, a realidade é que este problema existe desde 1989/91, período de tempo que balizou a publicação do tal despacho resultante das conclusões do referido grupo de trabalho que se debruçou sobre a equiparação destes cursos.
Sr.ª Deputada, eu sou do tempo em que as pessoas que acompanhavam as crianças com deficiências graves, intelectuais, auditivas, etc., se dedicavam a essa tarefa dispendendo um esforço quase sobre-humano. Sei de, colegas do liceu que vieram estudar para o Instituto de António Aurélio da Costa Ferreira, em Lisboa, as quais, depois de concluírem um curso com a duração de três anos, voltaram para o Funchal e, desde essa altura, exercem as funções de educadoras nos estabelecimentos de ensino. Quero até frisar que a Madeira foi, de certo modo, pioneira ou, para não «puxar tanto a brasa à minha sardinha», direi que o Funchal tem, desde há vários anos, uma escola altamente especializada para as crianças com problemas de deficiências.
Ora, como madeirense, custa-me ver que uma questão tão importante como a da dignificação do trabalho de largo número de profissionais que se dedicam a esta causa há muitos anos poderá ser tratada, mais uma vez, com o passar o tempo.
Compreendo que seja difícil esclarecer a situação e que os casos que se pretendem abarcar com este diploma são muito diversos, mas creio que já era tempo de ser feito um esforço maior por parte da Comissão de Educação, Ciência e Cultura e de estabelecer-se uma colaboração mais íntima entre os vários departamentos governamentais, a Assembleia da República e as Universidades, para que estes professores, que, há muitos anos, exercem funções sem verem a sua situação dignificada como a de outros colegas, alguns dos quais frequentaram posteriormente os mesmos cursos, para além de terem uma formação com duração inferior e menos tempo de serviço, vejam satisfeitas as suas pretensões.
Gostaria, portanto, Sr.ª Deputada, que me dissesse qual é, do seu ponto de vista, o prazo aconselhável para a resolução deste assunto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Anabela Matias.

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A Sr.ª Anabela Matias (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Cecília Catarino, em primeiro lugar, agradeço que, mais uma vez, me tenha dado a oportunidade de prestar alguns esclarecimentos e de ajudar à reflexão desta questão.
É pertinente a sua preocupação, percebemos que, nesta relativa extensa listagem de cursos leccionados por diferentes instituições, poderá haver alguns que mereciam - e todos eles mereceram - aprovação no que diz respeito à actividade profissional, até por ter sido reconhecido competência a estes profissionais para exercerem a decência respeitante à educação especial.
Contudo, a pretensão agora apresentada vai mais longe e pensamos que não podem englobar-se todos esses cursos e formações, porquanto - já o disse e volto a repeti-lo - o seu tempo de formação é muito diversificado, e, pese embora a referência da Sr.ª Deputada à existência, de alguns cursos de três anos promovidos pelo Instituto de António Aurélio da Costa Ferreira, o que aqui s$ confirma, também há cursos cuja duração é de um e de dois anos.
O grupo de reflexão a que se referiu também chegou à conclusão de que a formação-base destes docentes é bastante diversificada e de que há algumas lacunas que é necessário colmatar.
Por essa razão, entendemos que o assunto deve merecer a nossa atenção, em especial, ao nível da Comissão de Educação, Ciência e Cultura. Porém, nos moldes apresentados, ao serem englobados todos estes cursos e até porque a questão do ensino especial é mais alargada e merece uma atenção mais aprofundada, é nossa intenção requerer a baixa deste diploma à Comissão competente. Quanto à sua discussão, pela nossa parte, temos toda a disponibilidade no sentido de realizar-se no mais curto espaço de tempo possível.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme d'Oliveira Martins.

O Sr. Guilherme d'Oliveira Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, entendo que esta iniciativa, ainda que provenha da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, tem um âmbito nacional e, nesse sentido, deve ser feita uma ponderação cuidada das suas consequências.
Em segundo lugar, manifesto a nossa concordância com o requerimento de baixa deste diploma, sem votação, à Comissão de Educação, Ciência e Cultura e com o que a Sr.ª Deputada Anabela Matias acaba de referir respeitante à necessidade de, em sede de Comissão, gastarmos pouco tempo na apreciação desta matéria.
O que está em causa, com esta iniciativa da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, são dois aspectos de grande importância: a valorização da formação em educação especial, a qual se revela de especial interesse na que se reporta aos cursos nas áreas das deficiências intelectual, auditiva, visual e motora; e a equiparação, apenas para efeitos profissionais e de progressão na carreira, dos docentes detentores de cursos de especialização (do Instituto de António Aurélio da Costa Ferreira, da Casa Pia de Lisboa, da Direcção-Geral da Assistência e das Direcções-Gerais dos Ensinos Básico e Secundário) aos professores com diploma do curso de estudos superiores especializados.
Quanto ao primeiro ponto, cabe destacar a necessidade de conceder à educação especial um papel miais importante no contexto do nosso ensino, contrariando uma tendência que muitas vezes tem manifestado, e de forma recorrente, para a subalternização e depreciação quanto a necessidades educativas especiais. Nesse ponto, a preocupação que há pouco foi manifestada pela Sr.ª Deputada Cecília Catarino tem todo o nosso apoio e concordância.
Os sinais dados na organização da administração educativa nestes domínios são, para nós, preocupantes e em vários momentos salientámos a premente urgência de reforçar a mobilização de meios e de recursos e a clarificação de regimes e competências no que toca ao ensino especial. Neste sentido, saudamos esta iniciativa legislativa como tendo o primeiro mérito de chamar a atenção para a educação especial e para a necessidade de valorização dos docentes empenhados nessa tarefa fundamental e de alto mérito.
Quanto ao segundo - a valorização profissional, o estatuto da carreira docente, as perspectivas de progressão na carreira -, cabe, antes de mais, reconhecer que não é possível esquecermos a formação complementar dada por organismos públicos de prestígio reconhecido e que, uma vez ministrada, abre aos docentes legítimas expectativas no tocante à sua vida profissional O que está em causa, pois, é o facto, repito, de haver legítimas expectativas as quais se referem aos professores que frequentaram acções de formação no campo da educação especial antes de tal tarefa ser cometida às Escolas Superiores de Educação. Importa, portanto, atender às acções de formação - e ao que delas resultou para os beneficiários - ministradas entre 1942 e 1986. É o que está aqui em causa e, naturalmente, não pode deixar de ser analisado.
Estamos, pois, perante legítimas pretensões a que é necessário atender. Estando, porém, em causa o estatuto da carreira docente em termos globais e as perspectivas de progressão profissional dos professores, importa atender às diversas e complexas implicações de uma medida como esta face ao conjunto dos docentes, já que seria negativo criarem-se soluções de injustiça relativa por falta de ponderação das suas consequências.
Portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a nossa posição é a seguinte: estamos de acordo com as legítimas pretensões em causa, se bem que subsista um problema que não pode deixar de ser atendido e que se refere às acções de formação ministradas entre o período que referi. Depois, é necessário ver se não haverá outras situações que, tendo paralelismo com esta, não devam ser atendidas - e essa é que é a questão fundamental.
Ora, a Comissão de Educação, Ciência e Cultura ainda não teve possibilidade de aceder à informação necessária, designadamente de instituições representativas dos docentes, sobre as implicações de uma medida como esta. Nesse sentido, entendemos estar perante uma iniciativa com indiscutíveis virtualidades, que deverá baixar à Comissão para uma rápida ponderação e aprovação, em termos de especialidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aproveito a oportunidade para sublinhar que este tema, que vem da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, permite-nos destacar nesta sede a importância da educação especial, importância que, a nosso ver, constitui a questão central, que não podemos deixar de equacionar neste momento.

Aplausos do PS, da Deputada do PSD Cecília Catarino e do Deputado do CDS-PP Adriano Moreira.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rodrigues.

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O Sr. Paulo Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O direito de todos à educação e ao ensino compreende, naturalmente, também o direito daqueles jovens e daquelas crianças que são portadores de necessidades educativas especiais.
Sabemos que este direito está claramente consagrado, quer na Constituição da República Portuguesa, quer na Lei de Bases do Sistema Educativo. Mas sabemos também que a sua concretização plena não está de modo nenhum conseguida porque, para que tal aconteça, é indispensável não só uma maior afectação de recursos orçamentais a esta modalidade de educação e ensino mas também uma maior atenção aos profissionais que, de forma dedicada, tantas vezes sem as devidas condições de trabalho e sem o justo reconhecimento das suas funções, desempenham um valioso serviço ao sistema educativo. Pensamos também que há que dignificar a carreira destes docentes, encetando e aprofundando o diálogo com eles, nomeadamente com as suas organizações representativas - os sindicatos.
Não queremos deixar de salientar, desde já, que é lamentável que uma pretensão como esta, que, tal como foi referido neste Plenário, já foi formulada há bastante tempo, não tenha sido incluída, à semelhança do que tem acontecido com tantas outras, no diálogo que, de uma forma frontal e franca, o Ministério da Educação deveria levar a efeito com os sindicatos.
Nós, Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, não podemos deixar de congratular-nos com o facto de esta proposta de lei possibilitar chamar a atenção, mais uma vez, deste Plenário para os problemas da educação especial, dado que os mesmos não têm sido referidos nem abordados com a frequência que pensamos que se justificaria.
É neste quadro que entendemos a proposta de lei n.º 94/VI, que a Assembleia Legislativa Regional da Madeira aprovou e enviou à Assembleia da República.
A proposta de lei que hoje apreciamos não pode deixar de merecer a maior atenção de todos os Deputados, em particular daqueles que integram a Comissão de Educação, Ciência e Cultura Esta proposta de diploma permite que a Assembleia se pronuncie sobre várias questões, nomeadamente a que constitui uma reivindicação destes docentes - equiparação dos cursos de especialização a cursos superiores especializados-, uma vez que é conhecido que a formação destes docentes, em termos de especialização, realizou-se durante anos em diversas instituições, com diferentes durações. É conhecido que o Despacho n.º 73/MEC/87, de 24 de Fevereiro, esclareceu, e bem, que as diversas situações entretanto verificadas se equiparavam igualmente a cursos especializados. Ou seja, o referido despacho clarificou estas situações, mas não resolveu todos os problemas de formação destes docentes, pelo que, neste momento, temos perante nós esta reivindicação que não podemos deixar de considerar legítima.
A proposta de equiparação dos cursos de especialização referida anteriormente, para efeitos profissionais e de progressão na carreira dos docentes diplomados com estudos superiores especializados, constitui uma proposta válida, em nosso entender. Justifica, por isso, uma análise detalhada em sede de Comissão de Educação, Ciência e Cultura, que permita o debate mais aprofundado e o seu aperfeiçoamento, por forma a dar a devida resposta às legítimas reivindicações destes docentes.
Nesse sentido, entendemos que é oportuno o requerimento que foi apresentado e, portanto, não deixaremos de intervir no debate, em sede da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, paia aperfeiçoamento desta proposta, tendo presente, como sempre temos, que os objectivos de qualidade do ensino e de dignificação profissional deverão orientar todas as decisões numa área tão sensível como é a do sistema educativo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Adriano Moreira, tem a palavra para uma intervenção.

O Sr. Adriano Moreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero associar-me às declarações feitas no sentido de considerar importante esta proposta de lei por a mesma chamar a atenção da Câmara para uma área essencial no domínio da formação.
Por outro lado, quero recordar que o que se passa nesta área é apenas a repetição de uma situação frequentemente verificada na evolução do ensino português. A maior parte das ciências sociais fizeram este trajecto, foram iniciativa de instituições de fora do aparelho universitário oficial, que, penosamente, abriram o seu caminho e que, finalmente, acabaram por ser reconhecidas. Recorde-se a própria Economia, que teve um difícil trajecto de acesso à Universidade, a Sociologia, as Relações Internacionais, a Estratégia. E muitas das escolas que, hoje, estão inscritas na Universidade nasceram de iniciativas destas. O processo é honroso para quem «arranca» e exige atenção de quem toma a responsabilidade da definição final da maneira de enquadrar a situação.
A questão concreta que está suscitada nesta proposta de lei lida com expectativas justas, sérias, mas que têm dois planos: há uma expectativa de progressão na carreira, que pode ser resolvida por definição das condições de acesso e promoção sem mexer nas definições do ensino, dos títulos e da equiparação, e há a expectativa de quem, mais feliz, entrou em cursos já qualificados e que, naturalmente, pretende ter um acesso a esses quadros.
A forma como a questão está formulada atende essencialmente à via académica e à formação académica, o que exige uma atenção muito especial porque estamos a ter uma verdadeira anarquia nesta matéria.
Recordo à Câmara que introduzimos os mestrados no nosso sistema, o que foi um «enxerto» vindo do sistema anglo-saxónico, adaptando-se com dificuldade à nossa organização racionalista, de tipo e tradição continental. Quando se estabeleceram esses mestrados, com grande rigor, definiu-se um período de escolaridade e um período-limite de apresentação das dissertações e se estas não fossem apresentadas os estudantes perdiam a escolaridade. Esta foi a primeira medida radical. Para obviar a isto, viemos introduzir os cursos de especialização: quem tem a escolaridade, fica com um diploma de escolarização e, depois, dispõe do período que quiser para obter o grau de mestre. Só que o curso de especialização pareceu uma via tão fácil que, agora, já estamos a multiplicar os cursos de especialização que não dão acesso a nenhuma espécie de título de mestrado.

A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E, finalmente, vamos para a equiparação! É uma via muito perigosa esta porque, designadamente nas disposições que aqui nos são propostas, há várias questões que nem sequer puderam ser abordadas, nomeadamente as que vou referir.
Em primeiro lugar, a equiparação proposta baseia-se exclusivamente na escolaridade. Ora, não há nenhuma

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equiparação que possa basear-se exclusivamente na escolaridade.

Em segundo lugar, não há comparação possível entre escolaridade de um ano, de dois anos e de três anos. Além disso, as equiparações exigem a qualificação do estabelecimento. Ora, perante a opinião pública, estão bem qualificados o Instituto António Aurélio da Costa Ferreira, a Casa Pia de Lisboa, com uma acção histórica notabilíssima, mas é necessário proceder à qualificação d Depois, é necessário proceder à equiparação doa currículo, que é um outro aspecto fundamental das equiparações.
Quer dizer, são tantos os problemas levantados' por este diploma que a primeira coisa que temos de agradecer à Assembleia Legislativa Regional da Madeira é o facto de ter dado ocasião à Assembleia da República de debruçar-se sobre tantos assuntos que têm sido desatendidos nesta sede. Por isso, damos o nosso apoio ao requerimento que foi apresentado e esperamos que o mesmo constitua para a Assembleia da República a abertura de uma excelente oportunidade de corrigir a situação em que nos encontramos.

Vozes do CDS-PP, do PSD e do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lélis para uma intervenção.

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começaria por sublinhar a dificuldade já verificada no agendamento de documentos que vêm da Assembleia Legislativa Regional. Não o faço nem a título de anúncio, nem de denúncia, mas de algo que o próprio Sr. Presidente da Assembleia da República já reconheceu, a título de erro de um circuito que a todos nós cumpre vir a corrigir.
O debate de ontem sobre as questões da transparência pode levar-me a confessar desde já que - mas não só, é uma questão de consciência -, em relação a esta proposta de lei, eu próprio tenho alguma reserva, na medida em que, muito possivelmente, um familiar meu seria directa ou indirectamente beneficiado por este diploma.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Trata-se de uma confissão; clarifica, mas não é um impedimento e, portanto, vou pronunciar-me.
Em segundo lugar, é também público e notório que sou Deputado eleito pelo círculo eleitoral da Madeira, que esta proposta de lei vem da Assembleia Legislativa Regional, e esta circunstância também não é impeditiva mas, pelo contrário, é uma obrigação.
Tive por obrigação, por gosto e por funções o acompanhamento deste processo na Comissão de que sou membro. Perante todas as intervenções aqui proferidas, sinto que, para além de um conhecimento de base do mérito da proposta, o que existe é o receio daquilo que noutros casos, não neste, tem acontecido: os efeitos de «bola de neve» - se me é permitida a figuração - e, pior ainda, e já reconhecido em vários casos, os efeitos perversos que extraviam e desviam a intenção do legislador.
Sabemos que há uma concorrência de competência legislativa entre o Governo e as Assembleias Legislativas Regionais - espero que venham a ter mais competências -, mas, como princípio geral, parece-me que neste caso o Governo tem fixado habilitações profissionais para o desempenho de uma missão e que certamente não caberá, de forma líquida, à Assembleia da República fazer qualificações académicas. Isto porque, nesta sede, nós...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem de concluir porque já esgotou o seu tempo.

O Orador: - Sr. Presidente, como vou dar uma sugestão final para o tal circuito que reconhecemos ser muito longo, peco-lhe que...

O Sr. Presidente: - Seria conveniente centrar-se na «sugestão final».

O Orador: - Muito bem, Sr. Presidente. Tentarei!
Além do mais, no diploma, que não vamos analisar agora, há pequenas questões técnicas que têm de ser apreciadas. Não são perfeitamente «equivalentes» - já que estamos a falar de equiparações - as expressões «cursos de especialidade», «cursos superiores» e «estudos superiores». Trata-se de graus diferentes que conviria verificar.
Além disso, também me parece que se errou um pouco ao reduzir esta proposta de diploma aos cursos referentes ao ensino especial porque são referidos cursos especializados e formação superior num sentido um pouco mais lato.
Sr. Presidente, o que é certo é que a filosofia geral da nossa reforma educativa é a de que toda a gente pode atingir, através de créditos e de formação suplementar, não todos...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem mesmo de concluir. Peco-lhe que vá direito ao final.

O Orador: - Por outro lado, é preciso nunca retirar esse incentivo que a própria reforma educativa veio suscitar, como lembrou, e muito bem, o Sr. Deputado Adriano Moreira.
Sr. Presidente, a minha sugestão é a seguinte: parece-me que, na realidade, cabe às instituições superiores a verificação das qualificações académicas. Aliás, felicito-me com a descida à Comissão de Educação, Ciência e Cultura, sem votação, deste diploma e sugiro à Mesa, àquele nosso circuito difícil, Sr. Presidente, e aos trabalhos da Comissão que a existência de instituições superiores nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores possam ser consideradas como uma sede para apreciação destes diplomas ou destes estudos de natureza superior. Creio...

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado. Espero que renove essa sugestão na Comissão.

O Orador: - Espero que sim!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Amado. Como o Sr. Deputado Carlos Lélis já não dispõe de tempo para responder, o Grupo Parlamentar do PS cede-lhe 1 minuto para o efeito.

O Sr. Luís Amado (PS) - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Lélis, no início da sua intervenção disse algo, sob a forma de observação e não de pergunta, que é, de certa maneira, uma resposta à minha intervenção. Como tal, dou-lhe a oportunidade de me responder.

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Relativamente a estes agendamentos, é óbvio que não há qualquer circuito! O que há é uma problema de vontade política. Como VV. Ex.ªs possuem maioria na Assembleia da República, têm toda a possibilidade de exercer o direito de agendamento das matérias respeitantes às regiões autónomas, se assim o entenderem!
É ou não verdade, Sr. Deputado, que não tem havido, da parte da maioria, que é quem tem o poder absoluto na Assembleia da República há oito anos, vontade de fazer esse agendamento? E, mais do que isso, o que é que justifica que o critério utilizado para agendamento de diplomas seja de uma natureza que não respeita exactamente os interesses manifestados a esta Câmara por parte das assembleias legislativas regionais?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Lélis, passo a colocar-lhe duas questões.
Em primeiro lugar, quando fala em perversidade de aplicação de alguma legislação que aqui produzimos, relacionada não com uma equivalência mas com a facilidade de progredir em termos de formação, nomeadamente com as pessoas do 1.º Ciclo (Lei n.º 50/90)- - e devo dizer que concordo com essa interpretação -, gostaria que me dissesse se está de acordo que esta é uma matéria que se resolve em sede de Estatuto da Carreira Docente e se está lembrado que o Governo se comprometeu fazê-lo há cinco anos e ainda não o fez.
Em segundo lugar, com a aplicação do Estatuto da Carreira Docente, entende que facilitaríamos estas soluções, nomeadamente impedindo que a Assembleia da República fosse obrigada a pronunciar-se sobre matérias de natureza exclusiva das instituições universitárias e das escolas, como acontece, por exemplo, com a atribuição de graus académicos?
Gostaria, pois, de saber qual a sua opinião sobre estas duas questões concretas

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lélis. Terá de ser muito breve, porque dispõe de apenas 1 minuto para o fazer.

O Sr. Carlos Lélis (PSD). - Sr. Presidente, depois de uma intervenção muito «sacudida» e muito interrompida, vou procurar responder às questões que me foram colocadas.
Sr. Deputado Luís Amado, parece-me ter sido evidente, quer pelas intervenções dos seus colegas de bancada quer pelas dos Deputados do PCP e do CDS-PP, que o que se procurava aqui era uma solução e não a discussão. O Sr. Deputado, afinal, não interveio na procura da solução e quis introduzir uma discussão. Ora, essa sua atitude contraria o nosso propósito e até o dos seus colegas de bancada. E eu não entro na discussão de quem tem a culpa!

O Sr. Luís Amado (PS): - Então responda à pergunta que lhe coloquei!

O Orador: - Não proeuro saber quem é quem nem de quem é a culpa!

O Sr. Luís Amado (PS): - Um circuito...

O Orador: - Não sei se se trata de uma questão de circuito ou de vontade política! Chame-lhe o que quiser! O denominador e o nome não é razão... O que interessa é a causa, não a «doença»!
O Sr. Deputado António Braga parece que esteve de acordo no essencial, mas procurava saber... Pode repetir-me a pergunta, por favor?

O Sr. Presidente: - Já esgotou o tempo, Sr. Deputado. O Orador: - Este tempo não é meu, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - Alguém, que não a Mesa, tem de pagar a factura!

Risos.

Sr. Deputado António Braga, peco-lhe que repita apenas as questões que colocou.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Lélis, perguntei-lhe se concorda que a matéria desta proposta se resolve em sede do Estatuto da Carreira Docente. Para me responder a essa questão, recordei-lhe que o Governo, há cinco anos, prometeu...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Lélis, tem a palavra.

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Braga, a minha perspectiva neste assunto, que bem reconhece ser difícil, é a de que o caminho que está a ser seguido, no sentido de as universidades fazerem a sua própria avaliação, vai permitir um nivelamento entre as escolas superiores que evitará a comparação entre coisas que não são comparáveis e a desigualdade de que se falou.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado. Sr. Deputado António Braga, faça favor de repetir a segunda pergunta.

Risos.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Lélis, em face da ausência de regulamentação sobre a carreira docente, prometida pelo Governo há cinco anos, a Assembleia da República vê-se confrontada com a necessidade de legislar em matéria de equiparação ou de atribuição de títulos académicos. Concorda comigo quando digo que não o devemos fazer?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Lélis, tem a palavra.

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Braga, se reconheceram que este diploma de equiparações, proposto pela Madeira, não devia ser aqui tratado de supetão, então devo dizer-lhe que muito menos se resolve um problema introduzindo outro. Deixe ficar o problema das oportunidades, porque nós, Madeira, esperámos muito para que este assunto pudesse ser discutido hoje!

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, à minha interpelação situa-se entre o debate de ontem e o de hoje. Creio que as questões de ética são muito importantes- estivemos a discuti-las ontem, durante toda a tarde e parte da noite -, mas uma coisa é a ética parlamentar, outra são as regras de funcionamento da Assembleia da República.
Sucede que está convocada para as 15 horas de hoje uma reunião da Comissão de Inquérito Parlamentar sobre a Eventual Responsabilidade do Governo na Prestação de Serviços pelas OGMA à Força Aérea Angolanas os jornais de hoje, impressos ontem, trazem resumos d0 relatório que o Sr. Deputado relator, do PSD, Luís Geraldes, entende apresentar - vem na página 6 do Diário de Notícias e na última página do Público - e, no entanto, Sr. Presidente, fui às 10 horas e 15 minutos à sala de reuniões da Comissão e nem sequer tinha sido distribuído o relatório, ou seja, neste momento, os Deputados que constituem a referida Comissão Parlamentar de Inquérito ainda não têm na sua posse o projecto de relatório Apresentado pelo Sr. Deputado Luís Geraldes.
Perante isto, pergunto ao Sr. Presidente em que condições é que pode funcionar aquela Comissão e que apreciação faz a Mesa deste facto, sendo certo que tal atitude viola regras básicas de funcionamento dos trabalhos das comissões de inquérito, bem como aquilo que são os princípios de funcionamento da própria actividade parlamentar, na medida em que o diálogo é feito com a comunicação social em vez de ser feito com os Deputadas que integram a Comissão.
Peço ao Sr. Presidente que tome providências para a reunião não se realizar hoje ou, pelo menos, para ser considerada a situação concreta de, a esta hora, ainda não ter sido entregue o relatório aos Deputados e, infundadamente, um seu resumo à imprensa.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a questão que colocou preocupa-me com alguma regularidade, não só relativamente a comissões de inquérito mas a toda a actividade parlamentar, em virtude de os Srs. Parlamentares não reservarem para os seus pares a primeira comunicação pública que fazem sobre temas relativos ao Parlamento. Este é um vício geral da actividade parlamentar - um vício do meu ponto de vista, claro está!
Quanto ao problema concreto que me põe, pedido que o deve discutir no âmbito da Comissão. Nem o Presidente da Assembleia da República nem a Mesa têm competência para decidir sobre o funcionamento das Comissão. Solicitava, pois, ao Sr. Deputado que colocasse este mesmo problema, se assim o entender, na Comissão.
Srs. Deputados, terminado o debate sobre a proposta de lei n.º 94/VI , informo que deu entrada na Mesa um requerimento do PSD solicitando a sua baixa à Comissão de Educação, Ciência e Cultura, sem votação, a fim de que sejam discutidos os aspectos que aqui foram, e muito bem, salientados.
Vamos dar início à discussão, na generalidade, dá proposta de lei n.º 112/VI - Suspensão da aplicação do artigo 10.º do Código do IRS às vendas ao Estado dos terrenos da Base das Lajes (ALRA).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Silva Azevedo.

O Sr. Manuel Silva Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta proposta de lei, aprovada por unanimidade na Assembleia Legislativa Regional dos Açores, visa criar um benefício fiscal aplicável aos rendimentos resultantes das alienações dos terrenos onde se encontra instalada a Base das Lajes. Dito de outro modo, visa impedir que os proprietários dos referidos terrenos, que por herança os hajam adquirido depois de l de Janeiro de 1989, sejam tributados nas mais-valias resultantes da transmissão dos imóveis para o Estado. Mais concretamente, pretende-se a suspensão do artigo 10.º do Código do IRS para estes casos.
Há mais de 50 anos, muitos proprietários de bons terrenos na ilha Terceira, nos Açores, foram forçados a aceitar a ocupação das suas terras para que se construísse aquilo que é a actual Base das Lajes. O Estado não expropriou, não tentou a aquisição amigável, antes impôs aos proprietários uma renda que lhes foi pagando através dos anos.
Após longas negociações com os proprietários, o Estado decidiu-se, recentemente, pela aquisição dos terrenos. É, pois, da inteira responsabilidade do Estado a não aquisição ou expropriação em tempo útil para os proprietários, não sendo moralmente correcto que o mesmo Estado viesse, agora, aproveitar-se disso em proveito próprio, tributando em IRS as mais-valias resultantes da venda desses terrenos.
Decorre do n.º 2 do artigo 106.º e da alínea f) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição a legalidade em matéria de benefícios fiscais, ao estabelecer que «os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.»
A presente proposta de lei insere-se no poder de iniciativa legislativa conferido à Assembleia Legislativa Regional dos Açores, nos termos do artigo 229 º, alínea/) da Constituição da República Portuguesa e do artigo 32.º, alínea b) da Lei n.º 9/87, de 26 de Março (Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma dos Açores).
A própria doutrina fiscal, maioritariamente, defende a legitimidade constitucional dos desagravamentos de fins extra-fiscais, constitucionalmente relevantes, que se sobrepõem até aos interesses tutelados com a própria tributação.
O Governo, através do Ministério das Finanças, emitiu um parecer favorável acerca deste assunto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Provada que está a justeza da proposta de lei n.º 112/VI, da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, que será, naturalmente, votada unanimemente nesta Assembleia como, aliás, aconteceu com o relatório, em sede de Comissão de Economia, Finanças e Plano, cumpre recordar aqui alguns factos recentes que têm a ver com a Base das Lajes, com os Açores, com Portugal.
Só muito recentemente é que um Governo de Portugal, por sinal este do meu partido, fez justiça aos proprietários dos terrenos onde está instalada a Base, adquirindo-os, após longas e aturadas negociações.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Três dezenas de anos de governo em ditadura, quase outros tantos de governos democráticos, convenhamos que é muito. Muitos anos, muitos Governos, um rol de injustiças! Reparou-se de algum modo a dívida. Que sirva de exemplo, para que os direitos dos cidadãos não sejam mais atropelados pelo próprio Estado, que devia ser o primeiro a defendê-los.
Há anos expirado o prazo de vigência do acordo para cedência de facilidades na Base das Lajes aos Estados

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Unidos, encetaram-se negociações para a sua renovação, o que veio a culminar num novo Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os Estados Unidos da América, assinado com pompa e circunstância no dia l do corrente mês, facto que tive a oportunidade de testemunhar.
Este Acordo, é importante salientá-lo, tem por móbil primeiro a utilização pelos americanos de uma base militar em Portugal, mais concretamente, na Região Autónoma dos Açores, na ilha Terceira. Daí que os seus primeiros beneficiários devessem ser os açorianos, pois também são aqueles que sofrem as consequências reais ou potenciais da presença americana no seu território.
Que deste Acordo decorrem benefícios, por enquanto teóricos, para os Açores, é indiscutível. Que nalguns aspectos este Acordo possa ser mais favorável para os açorianos, o futuro o dirá.
A situação dos trabalhadores portugueses da Base, pelo menos na letra, fica mais defendida, ainda que não tenha ficado garantido, em absoluto, que as decisões dos tribunais portugueses sejam imediatamente executadas pelo Governo dos Estados Unidos.
A cooperação entre este país e Portugal, a benefício da Região Autónoma dos Açores, em vectores fundamentais ao nosso desenvolvimento, ainda que prevista no Acordo, fica, porém, dependente, na sua eficácia, da habilidade da comissão de acompanhamento.
Não podemos, todavia, esquecer os muitos despedimentos de trabalhadores feitos nos últimos anos, ainda que boa parte deles com contrapartidas interessantes. São, no entanto, despedimentos, com a agravante de serem efectuados numa ilha, o que limita a mobilidade das pessoas que ainda querem, porque válidas, dar um contributo ao desenvolvimento da sua ilha e da sua região, trabalhando.
Não se pode obrigar os Estados Unidos a manter postos de trabalho desnecessários, mas o que tem sido sucessivamente anunciado, sem desmentido, é que alguns desses postos de trabalho são efectivamente necessários e são ocupados por cidadãos dependentes americanos, contra o que estipulava já uma cláusula do anterior Acordo. É de esperar, agora, uma firme decisão da parte do Governo português para que idêntica cláusula, de novo incluída, seja de facto cumprida.
Não podemos esquecer também que a partir de 1992 a Região deixou abruptamente de receber a contrapartida financeira que lhe chegava por via do estatuído no anterior Acordo, sendo certo que o novo não prevê compensações financeiras. Para os Açores, tal ou tais contrapartidas não eram peanuts, eram 6 milhões de contos que deixámos de receber sem que tivessem sido colmatados de nenhum modo. Foi, sobretudo, a partir daí que a Região Autónoma dos Açores teve de endividar-se substancialmente para fazer face às suas necessidades de desenvolvimento. Não funcionou a solidariedade nacional constitucionalmente consagrada e estamos a sofrer as consequências disso. Curiosamente, os mesmos responsáveis por essa falta de solidariedade são os primeiros a reclamá-la da União Europeia.
As autoridades portuguesas nunca poderão esquecer que muito do que Portugal recebe dos Estados Unidos da América, em termos de cooperação militar, técnica e científica, deriva da utilização da Base das Lajes, nos Açores.
Os Açores continuam a ser o elemento mais preponderante para a projecção atlântica de Portugal e para a sua ligação aos Estados Unidos da América.
A lei que agora discutimos e aprovamos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não é mais do que um reconhecimento e compensação pelos sacrifícios pedidos aos; cidadãos açorianos da ilha Terceira, que se viram obrigados a vender património em terras - o mais valioso, ainda hoje, nos Açores - para que Portugal possa continuar a contar com esse imprescindível contributo para a sua política externa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Martins Goulart.

O Sr. Martins Goulart (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A iniciativa legislativa que proveio da Assembleia Legislativa Regional, e que acabou de ser caracterizada suficientemente pelo meu colega Manuel Silva Azevedo, tem como objectivo principal reparar uma injustiça que, a concretizar-se, traduziria um agravamento das situações que, ao longo de mais de cinco décadas, têm vindo a penalizar aqueles que, compulsivamente, viram os seus terrenos e as suas propriedades serem utilizados para a defesa dos interesses nacionais e do mundo ocidental, numa altura particularmente crítica da nossa História.
Os Açores, nessa altura, como hoje, representaram um papel fulcral no momento especial do conflito mundial de 1939-45 e as Forças Aliadas, reconhecendo o seu papel estratégico, fizeram a pressão que a História assinala para que Portugal, embora numa posição neutral, optasse por intervir sem equívoco na defesa dos valores da civilização ocidental, que são, acima de tudo, os valores da liberdade e da democracia. Apesar de, então, vivermos em regime ditatorial, os Açores contribuíram para a defesa dos valores da liberdade e da democracia.
Estamos hoje, aqui, a apreciar esta matéria um pouco tardiamente, como se pode avaliar pelo preâmbulo e também pelas intervenções que foram proferidas na Assembleia Legislativa Regional, pois ela poderia ter sido discutida e agendada antes da discussão e aprovação do Orçamento do Estado para 1995. Aliás, consta das intervenções dos Deputados que defenderam unanimemente esta proposta na Assembleia Legislativa Regional dos Açores que o tempo útil para a sua aprovação na Assembleia da República esgotar-se-ia anteriormente à discussão e aprovação do Orçamento do Estado para 1995. Tal não sucedeu em virtude de situações que escapam ao controlo do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, que foi o autor da iniciativa na Assembleia Legislativa Regional, mas, tendo sido apreciada pelo menos antes do fim da legislatura, fazemos votos de que também por unanimidade, nesta Assembleia, fique, de uma vez por todas, resolvida a questão, a qual tem como único e principal objectivo evitar que se cometa mais uma injustiça sobre aqueles que, como cidadãos portugueses, ao longo destes anos, que se traduzem em muitas décadas, se viram privados de direitos fundamentais, situação que todos devemos repudiar.
Permita-me, Sr. Presidente, referindo-me à intervenção do Sr. Deputado Carlos Lélis, que releve novamente o facto de a Assembleia da República, em esforço de cooperação com as assembleias legislativas regionais, dever proceder de forma diferente quanto ao exercício do poder novo que a revisão constitucional de 1989 atribuiu às assembleias legislativas regionais. Este poder de iniciativa legislativa perante a Assembleia da República deve ser melhor burilado, talvez até em termos de alteração regimental, para que a conjuntura política e qualquer propensão menos favorável ao tratamento das questões regionais

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possa ser ultrapassada pela simples aplicação de direitos que fiquem consagrados no Regimento da Assembleia da República.
Tratando-se de uma matéria tão salientada, com relevância constitucional, esta proposta deve ser acolhida por uma vontade política de consenso, julgo eu, nesta; ou na próxima legislatura, se não for possível resolver a questão até ao dia 23 de Junho, o que não acontecerá» obviamente, se quisermos introduzir uma alteração neste sentido no Regimento da Assembleia da República.
Ao verificarmos, estatisticamente, quão insuficiente é a iniciativa legislativa regional perante a Assembleia da República, ao abrigo do poder que é conferido às' assembleias legislativas regionais pela alínea f) do n.º 1 do artigo 229.º da Constituição, percebemos que isso tem muito a ver com o facto de que tem sido ineficaz o uso desta prerrogativa constitucional e, portanto, temos de lhe dar conteúdo, garantindo às assembleias legislativas regionais que as suas propostas não se perdem pelos corredores ou pelas gavetas de São Bento. E essa garantia deve ser explícita no Regimento, através de um normativo que lhes permita um tratamento pelo menos igual ao das restantes iniciativas legislativas.
É com este voto que termino a minha intervenção, deixando ainda, em nome do Grupo Parlamentar do PS, a proposta de que, ao falarmos da questão relativa à Base das Lajes, possamos, dentro do prazo de funcionamento que nos resta, concluir com êxito, no Plenário da Assembleia da República, o processo de ratificação do Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os Estados Unidos da América relativamente à utilização daquela Base.
O Partido Socialista, em sede de comissão e da tramitação normal que prevê a audição da Assembleia Legislativa Regional e dos órgãos constitucionalmente competentes para se pronunciarem sobre esta matéria, tudo fará para que, até ao dia 23 de Junho, a Assembleia da República ratifique o Acordo que já conhecemos, porque já nos foi distribuído, o qual poderá ser uma semente de um melhor relacionamento com os Estados Unidos e, naturalmente, se for bem aproveitado, se as suas disposições genéricas forem efectivamente desenvolvidas para benefício do País e da Região Autónoma dos Açores, esse Acordo significará uma maior projecção de Portugal no mundo e também o estreitamento dos laços e do relacionamento antigo e amistoso entre Portugal e, os Estados Unidos da América do Norte.

Aplausos do PS e de Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Geraldes.

O Sr. Luís Geraldes (PSD): - Sr. Presidente, enquanto estava no meu gabinete, assisti a uma interpelação à Mesa, levada a cabo pelo Sr. Deputado João Amaral, que tinha a ver com o relatório da Comissão de Inquérito Parlamentar sobre a Eventual Responsabilidade do Governo na Prestação de Serviços pelas OGMA à Força Aérea Angolana.
Tanto quanto me pude aperceber por aquilo que ouvi, dou toda a razão ao Sr. Deputado João Amaral no particular de que ainda não teve acesso a esse relatório. Isso é verdade, porque ainda não está totalmente acabado dado que a documentação necessária para a sua elaboração e compilação - os documentos finais - só me foi facultada ontem, já ao fim do dia.
Como é do conhecimento da Câmara, ontem tivemos uma noite longa e, por isso, tive de estar aqui até altas horas, como todos. Hoje de manhã vim mais cedo para continuar a laborar nesse documento, mas o que é facto é que ainda não está concluído. É esta a razão pela qual os membros da Comissão de Inquérito ainda não tiveram acesso ao relatório, ou seja, porque ainda não está em condições de lhes ser entregue.
No que respeita à sua publicitação na comunicação social, também lamento que tal tenha acontecido, mas, infelizmente, nesta Comissão, não é caso inédito.

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Com certeza!

O Orador: - E tanto não é inédito que, logo nas primeiras reuniões, houve divulgação de sentenças, de frases e de páginas e, inclusive, documentos marcados como confidenciais foram divulgados em várias instâncias, o que se traduz num incidente lamentável.
Ora, também lamento esse facto, como penso que todos lamentamos, mas, infelizmente, está fora do meu controlo e, por conseguinte, não posso aceitar que me seja imputada qualquer responsabilidade nessa matéria.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, agradeço que o Sr. Deputado Luís Geraldes considere que tenho razão...

O Sr. Carlos Lélis (PSD)- - Alguma razão!

O Orador: - ... em relação ao facto de os Deputados não terem, neste momento, o documento na sua mão, pois é o reconhecimento de que o relatório está a ser entregue tarde e a más horas.
No entanto, não posso deixar passar sem observação que o Sr. Deputado Luís Geraldes argumente com a divulgação de documentos que estão na Comissão para justificar a divulgação de documentos que não estão na Comissão. É que estive às 10 horas da manhã nos serviços de apoio à Comissão - e a insinuação do Sr. Deputado só pode recair sobre os serviços - e lá, como na Comissão, o relatório não existia.
Portanto, o que questiono e o seguinte: como é que um relatório que não existe na Comissão pode existir na comunicação social?

O Sr. Presidente: - A Mesa não vai voltar dar a palavra ao Sr. Deputado Luís Geraldes para se pronunciar sobre este assunto. Já foi dito o essencial, suponho não ser da competência do Plenário prosseguirmos no debate desta matéria e devolvo, pois, VV. Ex.ªs para a Comissão, a qual, aliás, segundo me parece, deliberou que fosse pública.
Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Martins Goulart, tem de novo a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP)- - Sr. Presidente, Sr. Deputado Martins Goulart, a pergunta que quero fazer-lhe é muito simples.
Como sabe, a apreciação do Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os Estados Unidos da América, por este Plenário, foi já agendada em Conferência dos

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Representantes dos Grupos Parlamentares para o próximo dia 20, da parte da tarde.
Ora, das palavras do Sr. Deputado, deduzo que entende que o Acordo devia ser efectivamente apreciado, cumprindo-se o agendamento.
Assim, aquilo que lhe pergunto é o seguinte: significa isso que a iniciativa do Sr. Deputado José Lello, de ouvir uma quantidade de pessoas que é impossível ouvir até àquela data, tem de ser entendida como uma iniciativa que não se destina a produzir o efeito de retardamento do agendamento, mas deve ser considerada prejudicada, na medida em que não seja possível fazer todas as audições até ao dia 20, ou significa que há uma contradição entre aquilo que V. Ex.ª diz e a iniciativa do Sr. Deputado José Lello?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Martins Goulart.

O Sr. Martins Goulart (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, tenho muito gosto em esclarecê-lo.
Como sabe, o Grupo Parlamentar do PS criticou o Governo ao longo de todo este processo negociai, porque o Governo não permitiu à Assembleia da República acompanhar um processo negociai fundamental, numa matéria que, em última instância, ia ser submetida à Assembleia da República para processo de ratificação.
Assim, a Assembleia da República ficará confrontada neste caso com um facto consumado: o acordo está assinado pelos Governos de Portugal e dos EUA e pouco lhe restará fazer, porque não terá competência para introduzir alterações, a não ser que queira rejeitar o acordo e, eventualmente, reformulá-lo. Mas isso veremos.
Estamos a estudar a documentação que nos foi entregue há poucos dias, mas fazemos votos de que este acordo seja benéfico e melhor do que aquele que estava em vigor desde 1951, com as alterações que lhe foram introduzidas ao longo do tempo.
Respondendo concretamente à sua pergunta, Sr. Deputado João Amaral, e deixando bem claro que fomos críticos relativamente ao atraso verificado na entrega à Assembleia da República ou no processo de cooperação institucional com a Assembleia da República, a intervenção do meu camarada José Lello tem a ver com a chamada de atenção para o facto de que, para cumprimento estrito da legalidade, tem de ser ouvido e consultado um determinado número de entidades. O PS tudo fará - fará todas as maratonas e todo o esforço de apreciação de todas as linhas do Tratado- para que, no momento da intervenção institucional propriamente dita da Assembleia da República, isto é, em Comissão e no Plenário, estejamos habilitados a tomar a decisão, que, esperamos, seja a de votar a favor do processo de ratificação e não de evitar essa mesma ratificação.

O Sr. João Amaral (PCP): - E se não for possível ouvir todas as entidades?

O Orador: - Se não for possível, teremos de avaliar politicamente a decisão final. Mas tudo faremos - disse-o na minha intervenção anterior, em nome do Grupo Parlamentar do PS - para que seja possível concluir o processo de ratificação até ao final deste mandato parlamentar.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Limo de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não temos da história do processo de ocupação dos terrenos da Base das Lages e também do próprio acordo de cedência da Base a visão cor-de-rosa do Sr. Deputado Manuel Silva Azevedo e, em parte, do Sr. Deputado Martins Goulart.

O Sr. Manuel Silva Azevedo (PSD): - Cor-de-rosa?!

O Orador: - Quanto ao acordo em si, no dia 20 ele será aqui discutido. Relativamente à história da ocupação destes terrenos, ela é bem a expressão da violência da ditadura e da subserviência dos interesses do país - e, neste caso, dos interesses dos proprietários e da população da Terceira - aos interesses estranhos.
Finalmente, ao fim de mais de meio século, parece que a situação dos terrenos da Base das Lages vai a caminho de uma solução. Ao longo deste último meio século os cerca de uma centena de proprietários dos terrenos, alvo de ocupação e arrendamento forçado para efeito de instalação da Base das Lages, receberam uma renda unilateralmente estipulada pelo Estado, sem poderem, ao longo destes anos, dispor dos seus terrenos para os cultivar, aproveitar ou vender.
Como, aliás, já aqui foi aqui referido pelo Sr. Deputado Manuel Silva Azevedo, o Estado poderia ter optado pela expropriação, indemnizando os proprietários, mas não o fez. Poderia ter optado pela compra, mas também não foi assim. Fez, sim, uma ocupação forçada e, por isso, eu há pouco dizia tratar-se de uma história que retraia e reflecte bem a violência da ditadura salazarista e, também, a subserviência com que se actuava em relação a interesses estranhos ao país.
Há muito que os proprietários afectados lutam por uma solução justa, sem nunca a terem conseguido, como também há muito que o PCP e o nosso grupo parlamentar, em particular o meu camarada Deputado João Amaral, tem interpelado, por várias vezes, o Ministério da Defesa Nacional, no sentido de ser encontrada essa solução. Finalmente, parece estarmos a caminho dela.
O Sr. Deputado Manuel Silva Azevedo enfatizou o facto de ser o Governo do PSD quem está a procurar essa solução, mas vale a pena dizer que o PSD detém o Governo Regional dos Açores praticamente desde a restauração da. democracia e que está há mais dê 12 anos no poder, oito dos quais com maioria absoluta. Portanto, o Governo do PSD há muito que poderia ler resolvido esta questão. E agora que o faz, não direi porque estamos em ano eleitoral - não quero cometer essa insinuação -, e ainda bem que o faz, mas já o deveria ter feito há bastante tempo.

O Sr. Maneei Silva Azevedo (PSD): - Por que é que o Vasco Gonçalves não fez isso?

O Sr. João Amaral (PCP): - Não teve tempo!

O Orador: - Aliás, as negociações mais recentes com a Associação de Proprietários da Ilha Terceira para aquisição dos terrenos pelo Estado foram formalmente iniciadas em Fevereiro de 1992 - portanto, já lá vão cerca de três anos.
O que estamos hoje a debater, sublinhamos, não é ainda a solução final do problema - nem nos cabe a nós fazê-lo aqui -, mas tão somente a criação do instrumento fiscal que permite um benefício a favor dos proprietários dos terrenos.

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A efectiva concretização do processo passa pela assunção clara dos acordos conseguidos pelo Governo, mas também pela criação das condições funcionais que permitam a celebração rápida das escrituras, designadamente o reforço dos quadros de funcionários da Conservatória do Registo Predial e do Cartório Notarial da Praia da Vitória, para que as escrituras não se prolonguem agora, ad aeternum, até à sua concretização final.
A proposta que nos é presente prevê que, na solução de compra dos terrenos em causa pelo Estado, os proprietários sejam isentos de ERS sobre as mais-valias resultantes da alienação dos respectivos imóveis para o Estado. Para este efeito especifico, não seria necessário, porventura, suspender todo o artigo 10.º do Código do IRS, bastando para tanto a isenção sobre a alienação onerosa dos direitos reais.
Contudo, damos o acordo à proposta de lei em debate, como medida de carácter excepcional e especificamente orientada para o fim em causa. Como já referi, não diremos que foi a aproximação das eleições que permitiu a aceleração deste processo, mas ainda bem que assim foi.
É altura de resolver esta questão.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Não havendo mais inscrições, vou interromper a sessão. Em todo o caso, dadas as referências que aqui foram feitas, não o farei sem dar uma explicação à Câmara do meu acto de insistir para que, durante esta sessão legislativa, nós, Assembleia da República, nos pronunciássemos sobre iniciativas legislativas regionais.
Em meu entender - é um ponto de vista pessoal, mas nós também jogamos na vida pública com as nossas personalidades -, o poder legislativo regional está, de algum modo, bloqueado. É preciso dinamizá-lo institucionalmente.
Os «constituintes» da última revisão tiveram também essa percepção. Não sei se o disseram expressamente, mas reorganizaram a Constituição em termos de denunciar isso mesmo, dando às assembleias legislativas regionais, é iniciativa legislativa para esta Câmara.
Ora, se esta Câmara se fecha sistematicamente e tapa os ouvidos às iniciativas regionais, então, é o bloqueio absoluto. Tínhamos o dever de, simbolicamente, mostrar que temos de dar aqui a volta.
Foi sugerido pelo Sr. Deputado Martins Goulart que era preciso rever o Regimento. Suponho mesmo que é preciso rever o Regimento e arranjar uma estrutura interna, dentro da qual estas iniciativas tenham um tratamento adequado num tempo côngruo.

O Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Joaquim da Silva Pinto (PS): - Sr. Presidente, uso a figura da interpelação à Mesa para felicitar vivamente V. Ex.ª pelo que acaba de dizer.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a sessão está suspensa até às 15 horas.

Eram 12 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 40 minutos.

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Eurico de Figueiredo (PS): - Sr. Presidente, serei muito breve.
Faz hoje um mês que apresentei o requerimento n.º 820/VI (4.ª)- AC - em 10 de Maio de 1995 -, no qual solicito ao Governo, com urgência, actas e documentos anexos das Cimeiras Ibéricas, assim como das reuniões luso-espanholas preparatórias que tiveram lugar durante a actual legislatura e dizendo respeito à gestão dos rios internacionais.
Passado um mês, e como se trata de um pedido de actas e documentos, quero manifestar a minha surpresa por ainda os não ter recebido, e pedia ao Sr. Presidente que utilizasse os seus bons ofícios para que estes me sejam entregues o mais rápido possível, porque, sinceramente, não vejo o que se procura esconder não entregando aos Deputados documentação necessária para a prossecução da sua função.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, segundo julgo saber, não chegou ainda a resposta a esse requerimento. A Mesa apenas o pode informar que quando um requerimento não obtém resposta é publicado, na íntegra, na II Série do Diário da Assembleia da República.
Mas, Sr. Deputado, exercerei os meus bons ofícios para que ao seu requerimento seja dada a competente resposta.

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início ao debate da interpelação n.º 25/VI - Sobre política do Governo e o estado do ambiente e do ordenamento do território (Os Verdes).

Nos termos regimentais, a abrir o debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Hoje, e de novo por iniciativa do Grupo Parlamentar de Os Verdes, o ambiente sobe a Plenário para, pela quinta vez nesta legislatura, como interpelação, ter com o Governo encontro marcado.
Trata-se de um encontro não para que, desperdiçando tempo, nos detenhamos no que, ao longo destes anos, provámos ser fundamental e é hoje um dado consensual, que ninguém - tão pouco o PSD - ousa negar ou pôr em causa, isto é, que a defesa do meio ambiente é condição de desenvolvimento, mas de um encontro para que, com maior pragmatismo, façamos um balanço: um balanço não de conceitos, mas de feitos; não de ditos, mas de factos; não só de compromissos, mas dos muitos que deles ficaram omissos; uma análise e uma prestação de contas devidas por quem livremente fez promessas, elaborou programas, os apresentou aos eleitores e os submeteu ao Parlamento; uma análise e uma prestação de contas devidas por quem, de modo consecutivo, tem,, há pelo menos 10 anos, responsabilidade, é poder, é Governo, é maioria, e absoluta; uma análise e uma prestação de contas devidas por quem, no âmbito dos seus diferentes níveis de responsabilidade e participação nas instâncias interna-

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cionais, seja à escala do espaço europeu (com um V Programa de Acção para o Ambiente), seja à da das Nações Unidas (com a Conferência do Rio), assumiu obrigações, responsabilidades e compromissos sobre as mais variadas questões.
Na sua maioria, são compromissos antigos, decorrentes do nosso próprio texto constitucional aprovado desde 1976; dos direitos nele consagrados; da Lei de Bases aqui aprovada, desde 1987, quase por unanimidade; dos objectivos inovadores nela apontados; mas são também os que, apesar de tudo, a Conferência do Rio tornou mais urgentes, mais próximos e mais vivos, perante o agravamento e a globalização da crise ecológica.
São compromissos que o PSD e Governo então criticaram, naquilo que diziam ser a sua tibieza, pouca ousadia e pequenez, face à dimensão dos desafios e problemas.
São compromissos que acabou por tomar, é certo, de modo modesto, sem largueza de horizontes, nos limiares mínimos, mas que, ao fim destes longos anos de Governo e de três anos após a Conferência do Rio, se ficam, em termos de concretização, pela estaca zero!
São compromissos em áreas fundamentais das políticas de ambiente: dos recursos hídricos à conservação da natureza; do ordenamento do território à defesa do litoral; dos resíduos à energia; da diversidade genética às alterações climáticas; da educação à participação; do ambiente urbano ao mundo rural; questões, entre outras, que nós, «Os Verdes», temos vindo, não de hoje, não de ontem, mas de há muito, a antecipar na reflexão, suscitando na crítica, propondo nas soluções alternativas.
São questões às quais o PSD e o Governo, com a reserva intelectual que lhes é própria e o intencional demissionismo, sistematicamente se furtaram, entrincheirados em certezas que não têm, capacidades que lhes faltam e clientelismos que lhes sobram. Mas são questões, sobretudo e ainda, que, pela natureza das opções que o PSD defende e dos modelos de que é partidário, não são por si mesmo solúveis, já que estes são incompatíveis com o desenvolvimento sustentado, de que, como objectivo, abusivamente se reclama.
São incapacidades e problemas velhos de anos, resultantes de opções visíveis em todos os domínios, como a seguir veremos, e que nos recursos hídricos começaríamos por analisar.
Recursos hídricos que, para nós, Os Verdes, foram, das mais diversas formas, colocados nesta Assembleia à discussão: alertando para a urgência da sua preservação como recurso finito; defendidos da poluição a que impunemente continuam sujeitos; sustidos nos incorrectos usos que deles é feito; garantidos na promoção de uma utilização racional; assegurados no acesso, em boa qualidade, a todos os cidadãos, como um direito básico que lhes assiste. Todos eles identificados num registo nacional que os caracterize e quantifique; planeados e geridos com base em modelos de desenvolvimento assentes na sustentabilidade ecológica, na justiça social e na participação democrática; enquadrados por um quadro institucional e jurídico que reflectisse esses pressupostos e numa lei e num plano da água que os aglutinasse.
Recursos hídricos que, depois de tantas «mexidelas» e prioridades, afinal, ao fim de todos estes anos, continuam a ser geridos por uma Lei da Água datada de 1919; sem uma base de dados que permita a caracterização, a nível nacional, da quantidade e qualidade dos recursos disponíveis, quer subterrâneos, quer de superfície; sem uma classificação dos seus cursos de água, prevista no Decreto-Lei n.º 74/90, a qual, cinco anos após o prazo máximo nele definido para a sua elaboração, esta por fazer; sem meios técnicos e financeiros que permitam o controlo da qualidade da água nos seus diferentes usos e análises feitas, na maior parte dos casos, por laboratórios que nem creditados estão; atrasados na elaboração dos seus 16 planos de bacia, que em Fevereiro do próximo ano deveriam encontrar-se concluídos e dos quais, até hoje, nenhum se conhece; geridos a retalho por decretos que teimam recusar o princípio internacionalmente aceite e consagrado na Agenda 21 da bacia hidrográfica como unidade básica de planeamento e gestão; com normas de descarga em vigor que ninguém cuida fiscalizar; sem uma gestão participada, que naturalmente os conselhos de bacia não traduzem na sua função meramente consultiva e nos quais a tradicional óptica centralista dominante se aplica aos municípios, encontrados como meras entidades, entre outras, e ignorados no seu papel e responsabilidades enquanto gestores e ordenadores do território e garantes da qualidade de vida dos cidadãos.
Recursos que, de certo, só têm a incerteza quanto ao seu futuro, «abertos», como a água, àquilo que já se designou como o negócio do fim do século.
Recursos hídricos que são considerados não como um bem precioso e uma mais-valia estruturante e estratégica para o desenvolvimento, o equilíbrio ecológico e a saúde pública, mas como uma vulgar mercadoria ou mero recurso que, à lógica intransigente dos mercados, se oferece.
Recursos que são alienados a prazo não a um sector privado mas, mais do que isso, ao monopólio das multinacionais, com prejuízo evidente para as pequenas e médias empresas nacionais que sempre operaram no sector, e servidos a prazo, ao pior preço e à pior qualidade, que a falta de escolhas, inevitavelmente, a todos nós, consumidores, imporá.
Ausência de estratégia para os recursos hídricos e uma fragilidade que o Plano Hidrológico Nacional de Espanha veio, com maior dureza, pôr a nu. Trata-se de uma situação já por nós suscitada, em Fevereiro de 1993, face à previsibilidade do agravamento de uma situação que se desenhava para o País, que o PSD subestimou e para a qual, como é seu uso, só tardiamente acordou.
Tudo isto apesar de dois terços do nosso território serem abrangidos por bacias hidrográficas internacionais e de 40% dos nossos recursos de superfície serem provenientes da vizinha Espanha. Tudo isto apesar de as últimas convenções com a Espanha datarem de 1968 e assentarem, de acordo, aliás, com a perspectiva da época, exclusivamente no aproveitamento energético dos recursos. Tudo isto apesar da qualidade da água que nos chega ser cada vez pior, particularmente no Guadiana. Tudo isto apesar de, como se veio a concluir, posteriormente, reduções significativas dos caudais dos rios internacionais terem ocorrido - no rio Douro, menos 20%, no rio Tejo, menos 27%, no rio Guadiana, menos 56% - sem que disso tão-pouco se tivesse dado conta.
Srs. Deputados, importa também fazer hoje um balanço, face à política de resíduos. Esta é uma questão chave das políticas de ambiente, herança insustentável de uma sociedade consumista e produtivista que tantas vezes exaustivamente aqui trouxemos: ou como porta-vozes das comunidades locais, das agressões de que são alvo, dos riscos para a saúde a que são submetidas, da insegurança a que são expostas; ou como portadores em debates, interpelações e projectos com propostas corporizadoras de uma nova filosofia no modo de viver, produzir e consu-

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mir e, desse modo, favorecer a poupança, combater o desperdício e promover a sustentabilidade.

Mas estas propostas foram invariavelmente chumbadas» pelo PSD e por um Governo que se propunha, de acordo com a lei, elaborar um plano nacional de tratamento de resíduos, favorecer a redução, promover a reutilização e a reciclagem. , •

Desses objectivos, os resultados estão à vistali

Do tratamento de resíduos, nada, globalmente1 pensado, se fez, técnica e financeiramente sustentado,

Em vez da redução anunciada, temos, ao contrário e só em termos de resíduos sólidos urbanos, um aumento de 40% em 10 anos.

A reutilização não foi apoiada com uma política de incentivos fiscais que a promovessem. É quase nulai!

A reciclagem é insuficiente, está em crise, sem investimentos financeiros, sem uma estratégia nacional que, nos múltiplos sectores, a viabilize e relance e sem uma modernização e reconversão que a projecte no futuro.

Pausa.

Srs. Deputados, peço desculpa, mas penso que somos tão poucos na Sala que não se justifica todo este ruído.

O Sr. Presidente: — Peço aos Srs. Deputados, que façam silêncio de forma a ouvirmos a Sr.º Deputada.

i

A Oradora: — Quanto a mudanças de carácter preventivo e estruturantes, não existem. De facto, nada foi feito para modificar os modelos de consumo que correspondam às necessidades humanas ou para veicular novos padrões culturais.

A educação ambiental, que, no Programa do Cjjoverno, se dizia ser prioritário introduzir nas escolas, é exclusivamente deixada à responsabilidade das ONG. Como tal, o seu âmbito é muito limitado e o acesso à informaçãç <é p='p' favorecendo='favorecendo' mudanças.='mudanças.' cada='cada' vez='vez' não='não' mais='mais' cerceado='cerceado'>

Quanto aos novos modelos de produção que promovessem processos industriais ambientalmente mais Correctos nada se fez. O acesso a novas tecnologias é uma miragem; os incentivos aos programas de investimento e desenvolvimento não se enxergam; as modificações ao nível dos materiais não se fizeram; o próprio conhecimento do que se produz, como e onde, não existe nem está sistematizado, desde logo inviabilizando qualquer estratégia que, com credibilidade, se quisesse implementar, para, depois, e só depois, de se saber quantos e quais os resíduos passíveis de serem tratados localmente, se poder partir para o estudo das várias soluções técnicas alternativas, que aos restantes melhor convenham.

Medidas que não se ousaram tomar, de mudança-estrutural da nossa indústria e preparação para o seu futuro, num imobilismo que continua a pagar-se caro em desperdício de matérias-pnmas, água, poluição e custos energéticos, ao mesmo tempo que se precipitam pseudo-soluções de duvidosa segurança ambiental, para alimentar, também elas, o atractivo negócio dos lixos, assim transformado!

Compromissos que, ao nível da chamada qualidade de vida e melhoria do ambiente urbano, sugestivamente anunciados, não passaram do papel, já que os transportes, o urbanismo, as acessibilidades, o ruído, os equipamentos, a requalifícação dos espaços, o ar e tudo aquilo que1 somado e em diálogo entre si lhe dariam sentido só pioraram.

Pior ambiente urbano, por força, desde logo, 4a inexistência de apoios a uma correcta política de ordenamen-

to do território, de desenvolvimento regional e de uma autonomia política e administrativa, que, burocrático e asfixiante, o Governo insiste em negar.

Pior ambiente urbano, por força de opções, como o novo atravessamento do Tejo, que nada têm a ver com uma estratégia para o desenvolvimento equilibrado da Área Metropolitana de Lisboa, o ordenamento do território e a qualidade ambiental, e que tão-pouco traduzem uma melhor escolha, em termos de transportes, globalmente pensados para a região.

Pior ambiente urbano, por força também daquilo que continua a ser o modelo de crescimento imposto, estimulador da destruição da agricultura, da desvalorização do mundo rural, da concentração de indústrias, serviços e actividades junto ao litoral, acentuador de desequilíbrios demográficos e assimetrias regionais, e que, recentemente, a clara opção de localização do traçado do gasoduto não só confirma como claramente acentua.

Tudo isto num país em que a poluição atmosférica não cessa de aumentar, devido à circulação rodoviária — leia-se, transporte individual, já que os investimentos em transportes públicos são nulos, a melhoria na qualidade de oferta também, a procura de diversificação de modalidades um achado e a investigação em equipamentos não poluentes coisa nunca vista. Por sua vez, a necessidade de conciliação das políticas de transportes, de ambiente e de energia não passa de exercícios académicos para reu-.niões internacionais.

Tudo isto num país em que, apesar dos compromissos assumidos na Conferência do Rio — é bom lembrar —, para estabilizar e reduzir as emissões COr com vista a contrariar o efeito de estufa, elas se propõem aumentar até ao ano 2000 (entre 25% a 30%), em nome da igualdade do direito de poluir.

Ambiente urbano, pois, num país que, em vez da qualidade prometida, este se degradou, onde o bem-estar dos cidadãos, o seu conforto e a sua saúde pioraram seguramente, com pesados custos sociais e ambientais.

País onde se poderão gabar de, seguramente e também, terem aumentando os lucros da venda de combustíveis, que, «gulosamente», enchem os cofres do Estado.

Opções que, a nível do mundo rural, também se reflectiram de modo negativo, como sinónimos de perda de valioso património e diversidade cultural, ambiental e biológica

Assiste-se ao êxodo do interior para as grandes cidades, ao abandono dos campos e à sua conversão em enormes coutadas de caça para extermínio de espécies. Apesar de uma erosão e desertificação que não cessam de aumentar, sem que as próprias medidas agro-ambientais se orientem para uma política de recursos e desenvolvimento florestal capazes de as suster e travar, os inquietantes fenómenos de mudanças climáticas apostam, teimam, antes, em favorecer hoje e ainda as chamadas espécies de crescimento rápido — leia-se, eucalipto —, de tão má memória no nosso país.

Sr. Presidente, Srs.. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Se este é o estado em que matérias realmente importantes para o meio ambiente e o desenvolvimento, nessa óptica considerados, se encontram e se este é o triste balanço de alguns dos compromissos assumidos, curioso será indagar sobre os muitos deles omissos nestes anos.

Afinal, perguntamos nós: se estes eram os fins, que foi feito dos princípios?

Que foi feito, por exemplo, do princípio da avaliação prévia dos impactes ambientais, aliás, constante da Declaração do Rio, como um instrumento nacional a ser utiliza-

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do em relação a actividades que possam ter um efeito adverso significativo sobre o ambiente, transposto para o Direito interno, em 1990, pelo Decreto-Lei n.º 186/90, que, de tal forma contraditório, logo reuniu generalizada contestação e, em 1991, o compromisso do então Ministro Borrego, aqui mesmo, de, como prioridade do seu Ministério, proceder à sua alteração? O silêncio do Governo é, entretanto, total.
Se de prioridades estamos falados, falados estamos também acerca de um princípio que se transformou em mera formalidade protocolar e que, da barragem de Foz Côa à nova travessia do Tejo, tudo tem servido para legitimar!
Um outro princípio é também o da participação dos cidadãos e de todos os agentes sociais na definição de políticas a adoptar, numa perspectiva de diálogo e transparência, possibilitando um fácil acesso à informação e dê que hoje nada mais resta do que um inútil exercício de «faz de conta» e uma informação sonegada.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O debate está lançado, o balanço feito e do essencial daquilo que são os seus elementos estruturantes, caracterizadores destes 10 anos de política de ambiente, não fica margem para dúvida, tão-só a realidade de uma política de ambiente e de ordenamento do território que viveram divorciadas, que não passaram de uma grande ilusão, de um tremendo bluff, de uma ficção política a que não é indiferente a discussão sobre o desenvolvimento a seguir. Não porque para nós, Os Verdes, a ele sejamos contrários; não porque o neguemos ou tão-pouco defendamos o congelamento da História, mas porque queremos discutir o seu conteúdo e a forma empobrecedora como tem sido caracterizado. Questioná-lo é, pois, recusar torná-lo, para nós, exclusivo sinónimo de indicadores económicos, e dar-lhe uma nova dimensão social, cultural e ecológica, mais humana, que sirva para hoje mas não esgote o amanhã, que, apoiado no conhecimento técnico e científico, seja por mulheres e homens democraticamente partilhado.
Um desenvolvimento sustentado que o Governo - poderão dizer - assinou, mas que, também ele, não passou do papel.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Mário Maciel, João Matos, José Silva Costa e José Sócrates.
Ainda na fase de abertura do debate, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor.

O Sr Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor (Joaquim Poças Martins): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tal como aconteceu há um ano atrás, vem de novo o Partido Ecologista Os Verdes tomar a iniciativa de interpelar o Governo sobre a política de ambiente. Segue-se esta interpelação a numerosas sessões parlamentares de perguntas ao Governo e a debates específicos, estes, geralmente, por iniciativa do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, nomeadamente em assuntos de grande relevância que justificaram a busca de consensos nacionais - porque de interesses eminentemente nacionais se tratava e se trata -, como acontece com o planeamento dos recursos hídricos nas bacias internacionais e do sistema nacional de tratamento de resíduos industriais.
A Assembleia da República sempre foi, para o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, o local privilegiado para prestar contas da actividade governativa e, tal como aconteceu há um ano, optou o Partido Ecologista Os Verdes por fazer uma intervenção catastrofista, do tipo «está tudo mal, nada de bom foi feito», qual conjunto de reclamações avulsas e desgarradas, ao jeito de uma vulgar lista de compras, com apenas pseudo-diagnósticos vagos.
Críticas de fundo? Não consegui encontrá-las. Propostas alternativas? Desta vez, também creio que ninguém as reconheceu. Sensibilidade das pessoas para a necessidade de manter o emprego em conjunto com o ambiente? Não vi! Bom senso quanto à base de partida, aos custos e aos seus impactos nos impostos, ao tempo que as coisas demoram a fazer, à necessidade de optar e de gerir orçamentos finitos?. Não os consegui descortinar, Sr.ª Deputada!
No entanto, pelo menos, o Partido Ecologista Os Verdes faz interpelações ao Governo em matéria de ambiente, não sei se para preencher calendário se para mostrar serviço. Apesar de tudo, esta atitude sempre e preferível à dos restantes partidos, porque nenhum deles fez uma interpelação em matéria de ambiente, provavelmente por não a considerarem prioritária face às outras políticas.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma interpelação parlamentar em fim de Legislatura convida irresistivelmente a um balanço, a uma mostra de obra feita e a uma prospectiva.
Por uma questão de metodologia, penso ser importante distribuir a obra feita por três grupos: a obra que já se vê, como, por exemplo, as empresas de água, os conselhos de bacia hidrográfica, o plano nacional de política de ambiente, o sistema de despoluição do Estoril e do Alviela; a obra que brevemente se verá, na sequência dos trabalhos em curso, como, por exemplo, os grandes sistemas de abastecimento de água e de despoluição, os planos de recursos hídricos e o Plano Nacional da Água; e a obra que não se vê mas que é indispensável às anteriores, relacionada com a educação ambiental, como a cultura de algo que partilhamos, com a participação pública nas decisões.
Refiro a importância desta classificação da obra feita devido à natureza complexa dos empreendimentos em causa e também por condicionalismos de financiamento, nomeadamente o Quadro Comunitário de Apoio em que nos inserimos, cujo ciclo de realizações, no domínio do ambiente, termina em 1999. Não quero, com isto, de algum modo, tentar qualquer desresponsabilização face ao balanço de 1995, o qual, creio, tendo em consideração todos os indicadores, nomeadamente o plano do Governo, excede, na maior parte dos casos e em larga medida, aquilo que foi prometido.
O ano de 1999 é a data mais próxima em que foi considerado realista visar as metas de convergência europeia, atingir valores médios comunitários em indicadores de qualidade de vida e ambiente, tais como os níveis de abastecimento de água, de saneamento e de tratamento de resíduos sólidos.
Por exemplo, no domínio do saneamento básico, que é ainda um dos graves problemas nacionais, partimos de uma má base, em 1984/85. Quero recordar que, em 1984, apenas 52% da população nacional dispunha de abastecimento de água, 39% dispunha de redes de saneamento e, destes, apenas 4% dispunham de tratamento de águas residuais. No que diz respeito aos resíduos sólidos, nessa altura, apenas 13% da população portuguesa dispunha de tratamento destes resíduos.
Actualmente, em termos de abastecimento de água, os níveis de atendimento são próximos dos 80%; em termos

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de redes de águas residuais, são de cerca de 53%, dos quais, 23% lê m tratamento; no caso dos resíduos sólidos, 42% dos portugueses dispõem de sistemas a funcionar, dos quais, infelizmente, nem todos em boas condições,;
No âmbito deste Quadro Comunitário de Apoipre face às decisões e aos investimentos em curso, o País) ficará irreconhecível, para melhor. Contamos atingir, nesta altura, níveis médios comunitários, próximos ou acima de 90%, em termos de águas, esgotos e lixos. Penso que é importante darmo-nos conta não dos valores absolutos, apenas mas daquilo que foi obtido, do que foi preparado,
Foi importante, nesta actividade do Ministério,, definir soluções com escala, pois foi necessário tê-las quando tivemos as oportunidades de financiamento, que são inequivocamente - julgo - únicas na História.
Soubemos definir soluções institucionais inovadoras em conjunto com as autarquias, sem conflitualidade, de forma a obter a solução para os problemas dos portugueses, que é essencialmente aquilo que pauta quem tem a responsabilidade de, neste domínio, exercer cargos públicos.
Antes de referir aspectos mais concretos de realizações, penso que é importante enquadrar aquilo que enformou as nossas decisões e há aqui princípios orientadores claros, primeiro, de integração da componente ambiental nas políticas sectoriais; depois, uma vontade constante de diálogo institucional e de cooperação, também de co-responsabilização com as autarquias e com os agentes económicos, procurando concentrarmo-nos no que nos, une.
O nosso objectivo é resolver o problema das pessoas, pessoas que não têm que saber como é que ais competências se dividem a nível do Estado e, assim, optámos também por princípios de descentralização de funções e de subsidariedade, criámos os conselhos de batia hidrográfica, para quem passámos responsabilidades importantes, criámos delegações e direcções regionais do Ministério e, no caso das áreas protegidas, fizemos intervir as autarquias, nomeadamente nos conselhos directivos dessas mesmas áreas protegidas.
Em termos jurídicos, quero salientar o primado que demos à licença como fonte de direito, licença com base em planos, que evita a discricionaridade casuística que é sempre indesejável e irritante para os cidadãos e para o consumidor, que, afinal, somos todos, com base num princípio de que, no ambiente, as pessoas estão primeiro e é em nome delas e por causa delas e das gerações futuras que temos de proteger o ambiente.
Entendemos também que a educação e a prevenção são sempre preferíveis à repressão, a qual surge como último recurso para quem não cumpre e prejudica terceiros, para quem não quer cumprir, apesar das condições, também excepcionais, que, neste momento, estão à disposição, por exemplo, de quem polui.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Optámos por orientar a nossa intervenção por um diagnóstico das condições no País que, apesar da complexidade das situações, resultou surpreendentemente simples, em contraste comi a intervenção da Sr.ª Deputada, que foi, no fundo, uma, confusão, pois baralhou tudo e pôs tudo no mesmo saco, tendo atribuído a tudo a mesma prioridade.
Sr.ª Deputada, os nossos problemas ambientais estão, essencialmente, onde estão as pessoas, cuja distribuição, em Portugal, é a seguinte: 50% das pessoas estão em 5% do território; 80% das pessoas em 20% do ternário. Onde? No rectângulo litoral que vai de Braga a Setúbal, na faixa litoral do Algarve e numa dúzia das cidades médias do interior. Inverter esta situação é importante mas é difícil e
não depende apenas, nem fundamentalmente, do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais Aliás, acreditamos que uma forma de proteger o litoral é investir no interior, pois, em termos ambientais, as condições no interior são melhores do que em munas situações no litoral. As condições piores, em termos ambientais em Portugal, situam-se em zonas do interior, especialmente na zona do Norte e numa zona intermédia entre o litoral e o interior.
Assim sendo, decidimos atribuir prioridades, as prioridades temáticas e as espaciais. Nas temáticas, demos prioridade à resolução dos problemas que afligem ainda as pessoas em Portugal, isto é, o problema do abastecimento de água, das águas residuais, do saneamento, dos lixos, do litoral e da educação ambiental.
No caso muito concreto destas prioridades referentes à água, aos esgotos e aos lixos, foi nossa preocupação, em articulação com as autarquias, encontrar soluções com escala, que resolvam os problemas para as próximas gerações, soluções que estavam longe de existir. Tínhamos, e ainda temos hoje, soluções atomizadas, soluções que não vão resistir ao desgaste dos tempos.
Numa óptica de gestão dos recursos escassos, centrámos a nossa atenção no domínio das águas, na origem. Era importante escolher e seleccionar sítios onde ir buscar a água de forma abundante e de qualidade.
No caso dos esgotos, incidimos a nossa especial atenção no tratamento e no destino final, verificando-se o mesmo para o caso dos resíduos sólidos.
É importante, repito, que a solução destes problemas seja feita em perfeita articulação com as autarquias, porque lhes compete, por responsabilidade e competências próprias, levar a água aos seus munícipes, instalar o esgoto nas suas casas, recolher o lixo e tratá-lo em condições ambientalmente adequadas.
No entanto, não estamos preocupados em saber de quem é a competência; os interfaces são difíceis de estabelecer e a nossa óptica foi sempre a de, em conjunto com as autarquias, resolver o problema dos portugueses. Penso que fizemos um bom trabalho nesse domínio, tendo-se avançado muito, globalmente e sem conflitualidades. Criámos empresas, criámos soluções juntamente com as autarquias, umas já acabadas, outras em fase de acabamento e outras em curso, as quais darão frutos muito brevemente. São as tais soluções que vão permitir que tenhamos um País diferente em termos de abastecimento de água, esgotos e lixos, no final deste Quadro Comunitário de Apoio.
Em termos de balanço, quero recordar que são património deste Governo as empresas multimunicipais de abastecimento de água, de esgotos e de tratamento de lixos ao Grande Porto, de reforço à Grande Lisboa e ao Algarve.
Estamos a falar de sistemas que vão servir mais de seis milhões de pessoas, que vão dar qualidade onde ela por vezes ainda existe de forma insuficiente, vão garantir que estas pessoas tenham água abundante e de qualidade para as próximas décadas, vão garantir que haja praias com bandeira azul junto aos grandes centros urbanos, onde são socialmente mais importantes, e vão impedir que continuemos a ver lixo fora do sítio, lixo que afecta a qualidade de vida neste País e também a sua imagem, que é má para os portugueses e para quem nos visita, para a indústria turística que é importante em Portugal
Srs. Deputados, é também património deste Governo a abertura do saneamento básico ao sector privado Considerámos que o sector público não bastava para solucionar os graves problemas que ainda temos por resolver, que precisamos do sector privado para gerir melhor aquilo que

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existe e para ajudar a fazer mais rapidamente o que falta, mas um sector privado devidamente controlado pelo sector público - e não se confunda com privatização, pois estamos a falar de um regime de concessão, mediante concurso público.
Criámos um observatório dos sistemas de saneamento básico de forma a garantir que o consumidor fique defendido nesta prestação de serviços em regime de monopólio e fizemos o planeamento participado dos recursos hídricos, que não havia antes, planeamento à escala da bacia hidrográfica e à escala nacional. Estruturámos 20 conselhos de bacia e o Conselho Nacional da Água. Queremos ter planos, mas planos participados que, após a sua conclusão, em 1996 e 1997, correspondam localmente àquilo que as pessoas querem.
É igualmente património deste Governo a negociação com Espanha em novos moldes, de firmeza e clareza, tendo recusado as versões iniciais do Plano Hidrológico Espanhol, vingando aspectos que considerávamos importantes, como seja a prioridade aos planos de bacia. Vincámos a nossa rejeição às grandes transferências da água para fins agrícolas, tanto em Espanha como em Portugal, vincámos o respeito pelos actuais convénios - queremos melhor convénio mas não queremos, de maneira alguma, pôr em causa os actuais - e vincámos a necessidade de negociar e gerir bacia a bacia, dando prioridade ao Guadiana, considerando o recurso aos mecanismos internacionais sempre e se necessário e tendo em conta os princípios da gestão articulada, um planeamento articulado com Espanha mas não um planeamento conjunto ou de gestão conjunta.
É também património deste Governo a definição e a implementação, já nalguns casos, de soluções de despoluição para rios e para bacias hidrográficas, que muitos da nossa geração não acreditavam que se resolvessem - o rio Cávado, o rio Ave, o rio Leça, o estuário do Douro, a ria de Aveiro , o no Liz, o rio Trancão, o rio Alviela, as ribeiras do Algarve.
É ainda património deste Governo a definição de soluções para o tratamento dos resíduos sólidos, nomeadamente nas grandes zonas urbanas, nas zonas da Grande Lisboa e do Grande Porto e do Algarve - isto só para dar alguns exemplos -, assim como na parte restante do País, agrupando autarquias, em grupos de centenas de milhar de habitantes, com prioridade a esquemas de reciclagem e reutilização, com selagem das lixeiras existentes, que são, neste momento, infelizmente, ainda a regra, no sentido de serem substituídas por esquemas com escala adequada.
Introduzimos os princípios do poluidor/pagador, do utilizador/pagador, de forma selectiva e faseada. Tomámos uma decisão importante quanto ao sistema nacional de resíduos industriais: no litoral, qualificámos apoios de praia e zonas importantes como a ria Formosa e Esposende, e fizemos obras de emergência, de protecção, evitando tanto quanto possível situações em que fossem necessárias obras pesadas de engenharia.
Duplicámos o reforçamento para a conservação da natureza, delimitámos quase completamente a reserva ecológica nacional (neste momento, está concluída para 264 dos 275 municípios do continente português) e fizemos protocolos gerais e sectoriais com as actividades produtivas, no sentido de, num princípio de co-responsabilização, resolvermos os problemas de poluição, sem, no entanto, pormos em causa a actividade produtiva e o emprego.

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, já gastou 20 minutos.

O Orador: - Estou a terminar, Sr. Presidente.
Elaborámos o Plano Nacional de Política do Ambiente e articulámos, dentro de um espírito de inserção, as preocupações ambientais nas políticas sectoriais.
Introduzimos a obrigatoriedade, já neste Quadro Comunitário de Apoio, de as indústrias, para beneficiarem desse mesmo apoio, estarem em consonância com as regras ambientais ou, então, no âmbito dos apoios que pedem, que tenham também verbas para resolver os problemas ambientais.
Tomámos decisões quanto a empreendimentos como o de Sabugal, Enxoé, Alqueva, Odelouca/Funcho e Odeleite/Beliche, generalizámos e consolidámos o processo de avaliação do impacto ambiental e aumentámos imenso o apoio às associações de defesa do ambiente, em quem descentralizámos grandes responsabilidades no domínio da execução das acções, que irão chegar em primeira mão aos jovens e depois à generalidade do povo português.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sem prejuízo da oportunidade que certamente iremos ter, no decurso do debate, de esclarecer casos concretos, não quis deixar de referir aqui alguns aspectos cruciais da nossa política de ambiente, das nossas opções e das nossas prioridades. Nós não enveredamos por situações de «facilitismo», optando por tudo, considerando tudo prioritário, dizendo sempre às pessoas o que elas querem ouvir, talhando o discurso à medida das audiências e prometendo sem pensar em custos. Quem promete sem pensar em custos não pensa em pagar e não está a ser sério, pois há sempre alguém que vai pagar e esse alguém não são os governantes, são as pessoas, através dos seus impostos ou de taxas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado do Ambiente, inscreveram-se os Srs. Deputados Luís Sá, Isabel Castro, José Sócrates e André Martins.
Vamos entrar na fase posterior do debate, passando aos pedidos de esclarecimento dirigidos à Sr.ª Deputada Isabel Castro.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Isabel Castro: A predisposição da bancada do Partido Social Democrata é no sentido de aproveitar este agendamento para tecer algumas considerações que consideramos importantes em política de ambiente e não para o transformar num momento polémico. Achamos que a altura é óptima, por um lado, para o Governo fazer o seu balanço governativo, visto estarmos no fim da Legislatura (o Sr. Secretário de Estado acabou de o fazer) e, por outro, para que a bancada do PSD sublinhe algumas preocupações em matéria ambiental que, na nossa opinião, marcarão os próximos tempos e, digo mesmo, a transição do século.
Em nossa opinião, há aqui duas perguntas fundamentais a fazer e há que definir o modelo partidário de abordagem, o modelo político para as resolver. A primeira pergunta, que consideraria o primeiro dilema que marca a transição do século, é como conciliar, nas sociedades em desenvolvimento, o desenvolvimento económico e a qualidade ambiental num quadro de impacte minimizado. Este é o primeiro dilema que, em nossa opinião, irá marcar a transição do século.
O segundo dilema, que queremos aqui sublinhar sob a forma de pergunta, é relativo ao modelo de gestão dos

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recursos naturais, não só no nosso país mas mesmo os internacionais. É que, na nossa opinião, a designada guerra da palmeta e mesmo a dramatização que envolveu o Plano Hidrológico Nacional Espanhol são dois afloramentos de algo muito sério e muito grave que é a partilha dos recursos naturais dentro das nações e entre as nações.
Portanto, que modelo de abordagem para estes dois dilemas? Há um livro muito interessante de um professor universitário francês, Luc Ferri, aliás, considerado um dos mais importantes filósofos abordando esta área, em que ele aborda estas questões de maneira interessante. Ou seja, a abordagem a estes problemas deverá ser feita através de partidos políticos ecologistas que têm uma visão sectária e vanguardista da resolução dos problemas? A política deverá imiscuir-se na ecologia, ou será que a preocupação ambiental se deve inserir no processo de desenvolvimento como uma das suas componentes fundamentais?
Obviamente que o Partido Social Democrata, sondo um partido que prevê a reforma global da sociedade, não é um partido exclusivamente ecologista. Todavia, não abdicamos de inserir no processo de desenvolvimento a preocupação ambiental.
Nesse sentido, a Sr.ª Deputada fez bem em recordar esse grande acontecimento que foi a Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento. Aliás, não consideramos essa conferência como um acontecimento milagreiro, se bem que tenha sido um evento que despertou as consciências ambientais das nações e que, de certa forma, agitou, digamos assim, a consciência nacional e as consciências internacionais para a premência de reflectirmos sobre estes dois dilemas que sublinhei.
Porém, em Portugal não ficámos indiferentes a esse acontecimento e o Governo, num esforço que considero louvável, publicou e lançou um conjunto de medidas e propostas de seguimento dessa conferência, que a Sr.ª Deputada poderá classificar de meros documentos administrativos mas que, em nossa opinião, reflectem já uma interiorização da educação ambiental ao nível dia Administração Central...

O Sr. André Martins (Os Verdes): - A administração central bem precisa!

O Orador: - ... e com repercussões na Administração Local, porquanto, estes documentos visam sobretudo um conjunto de programas, de atitudes, de propostas e de medidas que a Administração deve ter nos seus mais diversos níveis, para dar seguimento a preocupações que têm a ver, sobretudo, com questões no domínio hídrico, no domínio climatérico, no domínio das florestas. Como é bem visível, trata-se de uma abordagem positiva a esse grande acontecimento que foi a Conferência das Nações Unidas.
Também um outro documento, o Plano Nacional do Ambiente, é, de certa forma, o enquadramento político do Governo em matéria ambiental, pois dá seguimento à adequação do seu programa à resolução das disfunções ambientais.
Portanto, Sr.ª Deputada Isabel Castro, a nossa pergunta é muito simples. Acha que o modelo ecologista exclusivista do Partido Ecologista Os Verdes é suficiente para abordar com clareza e com eficácia os problemas ambientais em Portugal?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mário Maciel, tanto quanto percebi, os dois dilemas que colocou não são passíveis de discussão no quadro desta interpelação. Neste quadro, seria eventualmente abordável um terceiro dilema, que me parece ter estado ausente, ou seja, qual a política do Governo, há 10 anos com maioria absoluta, em matéria de políticas de ambiente e de ordenamento do território, tendo em conta, tal como o Sr. Deputado referiu, e bem, que há um conjunto de legislação e de documentos enquadradores daquilo que seriam políticas diferentes, princípios que estão consagrados, os quais, como referi na minha intervenção, se se podiam criticar era pela sua pouca ousadia. Aliás, um dos muitos ex-ministros que passaram por este Governo fez essa crítica.
Todavia, a questão que se coloca é que o tempo passa e continuamos a dizer que temos umas coisas interessantes. Aliás, o chamado Plano Nacional de Política de Ambiente, que o Sr. Deputado referiu, não é o plano previsto na Lei de Bases pois a sua elaboração, do ponto de vista processual, não envolveu a administração no seu todo.
Como sabe, as autarquias, embora tenham responsabilidades em matéria de política de ambiente, foram pura e simplesmente excluídas da elaboração desse plano. Por outro lado, o plano não é nacional porque não contempla as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira e também não foi, tal como a Lei de Bases determinava, submetido à Assembleia da República e deveria tê-lo sido, acompanhado de uma estratégia nacional para a conservação da natureza.
Assim, o plano vale o que vale, é um conjunto de boas intenções, mas não adianta rigorosamente nada em relação àquilo que anteriormente já tinha sido dito, eram compromissos do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, que, aliás, em relação aos outros ministérios, remete, como tradicionalmente, para recomendações que valem o que valem.
Ora bem, a discussão que hoje interessa fazer é acerca dos 10 anos de Governo com uma Lei de Bases muito clara, com direitos dos cidadãos portugueses constitucionalmente consagrados em matéria de ambiente, com direito à informação, com direito à participação e com um programa que aqui foi submetido à aprovação.
O Sr. Deputado falou de educação ambiental e eu remeto-o para a leitura do Programa do Governo que o senhor aqui aprovou e que diz que a educação ambiental é um dos objectivos e que vai ser introduzida nas escolas. Onde é que isso foi feito?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Matos.

O Sr. João Matos (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, de facto, estamos aqui num período de balanço da política de ordenamento e de ambiente. No entanto, aquilo que consegui constactar da sua intervenção foi que se limitou a fazer a crítica pela crítica, sem apresentar soluções alternativas à política do Governo relativamente às questões que estamos aqui a tratar nesta interpelação.
Em todo o caso, gostaria de fazer algumas precisões à sua intervenção e, em primeiro lugar, a política de ambiente urbano, uma vez que V. Ex.ª fez aqui duas referências que são, no mínimo, duas inverdades, sendo que a primeira tem a ver com a política de ordenamento do ter-

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ritório, em que V. Ex.ª disse que não tem sido feito nada. Porém, vou demonstrar-lhe exactamente o contrário. É que se critica pode ser feita é pela quantidade de legislação e de planos que foram feitos por este Governo nos últimos anos, designadamente a nível dos PROT, dos PDM, dos planos de urbanização, dos planos de pormenor, etc., etc.
Como se vê, legislação e planeamento é coisa que não falta neste Governo e, portanto, fazer essa crítica não assenta bem à Sr.ª Deputada. Para o provar, deixo aqui algumas questões.
É ou não verdade que a competência do ordenamento do território pertence às câmaras municipais e que são elas que têm de cuidar do seu território? Ë ou não verdade que o Governo criou todos os instrumentos de que as câmaras precisavam para uma política de ordenamento correcta do seu território? É ou não verdade que algumas câmaras da CDU, recentemente, no Plano Regional de Ordenamento do Litoral Alentejanos, têm colocado muitas reservas à aplicação desse mesmo plano?
Finalmente, Sr.ª Deputada, quando se referiu ao ambiente urbano, falou nas questões dos transportes e chegou a ter o atrevimento de dizer que este Governo não tem feito nenhum investimento em termos de transporte. Todavia, só no transporte ferroviário, os investimentos andam na ordem dos 700 milhões de contos, nos transportes rodoviários são de mais de 200 milhões e no transporte fluvial são também de algumas centenas de milhões, o que significa que são mais de mil milhões de contos de investimento nos últimos anos! Como é que tem a coragem, diria mesmo, o atrevimento, de dizer que não há política de transportes por parte deste Governo?!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Matos, uma das perguntas que fez foi sobre os instrumentos de ordenamento, do território, mais exactamente sobre se existem ou não.
Na verdade, eles existem, mas não são respeitados e eu circunscrever-me-ia a um exemplo, que penso ser suficientemente marcante para responder a essa questão: recordo-lhe que, na Área Metropolitana de Lisboa, a solução que o PROT propunha para o atravessamento do Tejo não é aquela que foi adoptada.
Portanto, Sr. Deputado, remeto-lhe e devolvo-lhe a pergunta: para o que é que servem os instrumentos de ordenamento do território se o Governo não tem em conta as suas indicações?
O segundo aspecto a que quero referir-me é relativo à forma como os instrumentos se articulam ou não. Penso que, nesta interpelação, teremos ocasião, de uma forma mais circunstanciada, de nos referirmos aos vários planos, à forma como eles se cruzam ou, melhor, como eles se descruzam, pois os não têm uma hierarquia, não se articulam entre si, são uma confusão. De qualquer modo, a questão que lhe coloco tem a ver também com essa que referi e diz respeito à própria forma como o diálogo é entendido.
Em relação aos transportes, Sr. Deputado, pergunto-lhe: há quanto tempo existem as opções e os investimentos que referiu?

O Sr. João Matos (PSD): - Sr.ª Deputada, que ignorância!...

A Oradora: - Existem ou não perante a proximidade de eleições? Existem ou não perante a proximidade da EXPO 98 e dos negócios que ela tem implícitos?
A pergunta que lhe faço é esta: havendo os aumentos brutais...

O Sr. João Matos (PSD): - Não pergunte, responda! Eu quero respostas e não perguntas.

A Oradora: - Posso terminar, Sr. Deputado?

O Sr. João Matos (PSD): - Pode!

A Oradora: - É que, se quer falar, inscreva-se para intervir depois. Agora, falarmos ao mesmo tempo, com sobreposição, não dá!
Quero ainda assinalar que. na região de Lisboa, 80% da circulação dos cidadãos é feita em transporte privado. Por acaso o Sr. Deputado pensa que a opção das pessoas em estarem em engarrafamentos, perdendo horas e gastando dinheiro é uma livre escolha?
Sr. Deputado, penso que não é! Essa é uma escolha que implica mais poluição, mais ruído, pior qualidade de vida. Se, em Lisboa, houvesse uma política de transportes diversificada, com boa qualidade de oferta, como acontece em outras cidades europeias, seguramente ninguém estava interessado em passar horas da sua vida a andar para trás e para diante e em engarrafamentos.

O Sr. João Matos (PSD): - Que meio de transporte usa a Sr.ª Deputada para vir para a Assembleia da República?

A Oradora: - Sr. Deputado, não vou convidá-lo para ir a minha casa nem vou dizer-lhe onde é que vivo, mas sempre lhe digo que utilizo um transporte público de muito má qualidade.

O Sr. João Matos (PSD): - É um caso raro!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS). - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, conheço o pensamento político de Os Verdes sobre a questão ambiental e, portanto, não vou fazer-lhe nenhuma pergunta sobre a matéria global das questões do ambiente. Vou, antes, fazer-lhe uma pergunta muito pontual e muito actual, relativamente à qual acredito haver grande curiosidade.
Refiro-me à gruta do Zambujal, em Sesimbra, acerca da qual gostava de saber a sua opinião, uma vez que é do meu conhecimento que a Sr.ª Deputada faz parte de um grupo político que apoia a Câmara Municipal de Sesimbra.
Considerei um pouco estranho, para não dizer mesmo escandaloso, que esta câmara tenha feito uma associação com o proprietário de uma pedreira para gerir uma gruta. Achei que isso era uma solução institucional muito estranha e, digamos, despropositada. Posteriormente, aconteceu o que é do conhecimento de todos e não tenho informação que qualquer responsável da câmara municipal tivesse como intenção a destruição do património. De qualquer modo, deu aquele resultado.
Como certamente a Sr.ª Deputada terá mais informação do que eu, gostava de questioná-la sobre o que é que pensa relativamente a um ponto que é uma questão actual e que, embora seja, naturalmente, uma questão menor, se

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comparada com as questões ambientais, é, semi dúvida, interessante. Por isso, convidava-a a expressar o seu ponto de vista a esse respeito, com a certeza de que não ficará embaraçada apenas pelo facto de se tratar de uma câmara municipal que goza do seu apoio.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.:

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado José Sócrates disse- e muito bem- tratar-se de uma questão menor, que, aliás, não me causa qualquer embaraço.
Sr. Deputado, estando nós na coligação CDU e havendo diferenças muito significativas em termos de opções que foram recentemente tomadas em matérias importantes, como foi o caso dos resíduos sólidos urbanos e, concretamente, da incineradora, como presumo que o Sr. .Deputado sabe, entre a posição de Os Verdes e a de outro partido da coligação...

O Sr. José Sócrates (PS): - Não sabia!

A Oradora: - Se não sabia ficou a saber. Aliás, já tivemos a oportunidade de colocar essa questão na Assembleia da República.
Portanto, como calcula, se eventualmente a Cântara de Sesimbra, que é aquela que refere, tivesse responsabilidades na questão que coloca, ou seja, na salvaguarda da gruta do Zambujal, não teríamos qualquer pejo ene criticá-la publicamente, porque as nossas coligações não significam perda de liberdade nem da possibilidade de intervir sobre as questões.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Não se tem notado!

A Oradora: - De qualquer modo, tanto quanto me é dado observar- e tivemos a oportunidade, não há muito tempo, de discutir isso com uma associação de defesa do ambiente local -, a solução encontrada pela autarquia e pelo proprietário da gruta, vedando o acesso ao seu interior com um gradeamento, pode não ter sido a melhor más não é um acto de manifesto ou deliberado atentado contra um património cuja salvaguarda nos parece importante.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimento tem a palavra o Sr. Deputado José Silva Costa.

O Sr. José Silva Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, quando iniciou a sua intervenção, fiquei com a sensação que ia dizer que, na sequência da Conferência do Rio, Portugal não tinha feito nada para seguir as recomendações emanadas dessa Conferência, nada tinha feito para melhorar a qualidade ambiental em Portugal.
Depois, verifiquei que acabou por referir algumas situações, embora num cenário apocalíptico, que demonstram o contrário, ou seja, que, afinal, Portugal seguiu algumas das recomendações dessa Conferência, segundo a sua opinião mal, obviamente, mas seguiu. E refiro algumas das que citou e outras que omitiu- a questão ida promoção do tratamento de resíduos e sua eliminação;: a gestão integrada de desenvolvimento sustentável das orlas costeiras; a conservação e preservação sustentável da diversidade biológica; a beneficiação e gestão da conservação das florestas e a reflorestação.
A este propósito, recomendar-lhe-ia a leitura da comunicação social de hoje, que, sobre esta matéria, sobre alguns planos, alguns programas que estão a ser implementados pelo Governo.
Lembro ainda a questão do planeamento e uso dos solos, a participação do mundo empresarial nas questões ambientais e, digamos, a «internalização» das questões ambientais na indústria, o papel das ONG (Organizações não Governamentais) e por aí fora.
Como é evidente, a Sr.ª Deputada, tal como Os Verdes nos vêm habituando, fez referências apenas para criticar e para dizer que tudo estava mal, como eu disse há pouco, num clima algo apocalíptico. Sr.ª Deputada, por um lado, perguntar-lhe-ia: para além dessas críticas, quais foram as propostas efectivas e os contributos que o Partido Ecologista Os Verdes, como partido supostamente especialista nesta matéria, deu para diminuir ou eliminar esse cenário catastrófico? Quais foram os contributos que cada um dos seus Deputados deu individualmente, aqui dentro e lá fora, na sociedade dita civil?
Por outro lado, atrever-me-ia a pedir-lhe, Sr.ª Deputada, que fizesse um quadro comparativo do que foram, em matéria ambiental, os últimos 10 anos de acção governativa e os 10 anos anteriores.
Para esta matéria, o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor acabou por dar um excelente contributo, porque já fez uma elencagem, de certa forma exaustiva, das acções do Governo nos últimos três ou quatro anos. Portanto, tem a tarefa facilitada, uma vez que sobre este primeiro período já só tem de trabalhar sobre seis anos.
Gostava que comparasse esses dois períodos e que me dissesse, clara e objectivamente, se nada de concreto e de positivo aconteceu e se o ambiente, em Portugal, continua na situação que se encontrava nos 10 anos que antecederam 1985.
Relativamente à questão da participação dos cidadãos, pareceu-me, da sua intervenção, que a Sr.ª Deputada, ostensivamente ou por distracção, ignorava a legislação que existe sobre essa matéria, desde o que está previsto na Constituição, como é óbvio, até ao que consta do Código do Procedimento Administrativo, da Lei de Base do Ambiente, da Lei das Associações do Ambiente.
Desconhece, por exemplo, a possibilidade de participação dos cidadãos e das associações de defesa do ambiente no que está previsto relativamente à rede nacional de áreas protegidas, no regime de avaliação do impacto ambiental, na aprovação de riscos industriais graves, no licenciamento industrial?
Por outro lado e ainda nesta matéria, a Sr.ª Deputada esqueceu-se, intencionalmente, da possibilidade de participação dos cidadãos e das associações de ambiente em matérias tais como os inquéritos públicos, os planos regionais de ordenamento do território, os planos directores municipais e os planos de ordenamento da orla costeira.
Sr.ª Deputada, gostava que me fizesse estas referências,...

O Sr. João Matos (PSD): - Vai é perguntar!

O Orador: - ... porque, de facto, só ouvi críticas e num partido que, supostamente, como disse, é claramente vocacionado para matérias ambientais, não vislumbrei qualquer contributo efectivo para a melhoria do ambiente em Portugal.

O Sr. João Matos (PSD): - Agora, em vez de responder vai perguntar!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

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A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado José Silva Costa colocou-me um conjunto de questões, das quais três, penso eu, têm a ver com a Conferência do Rio e são exemplos paradigmáticos dos compromissos assumidos pelo Governo português em termos até de convenções que ratificou. Refiro-me às questões relativas às alterações climáticas, à biodiversidade e aos próprios compromissos do Rio de Janeiro, transpostos, como sabe, numa Agenda 21 para Portugal. Foram apenas três exemplos de questões que, julgo eu, longe de serem secundários, são questões-chave em matéria de ambiente e em termos de compromissos do Rio.
Quanto aos resíduos, disse, na minha intervenção, que não há uma estratégia para reduzir, reutilizar e reciclar. Lamento que não o tenha ouvido e que não tenha dito como é que, mais do que escrever num papel, se dá corpo a estes três princípios.
Sr. Deputado, reduzir implica modificações nos padrões de comportamento, informação e educação.
Por sua vez, a reutilização, em todo o lado foi uma aposta efectiva, significa a utilização de mecanismos fiscais e de incentivos, ou desincentivos, para que ela aconteça.
No que se refere à reciclagem - e, Sr. Deputado, gostaria que ouvisse o que estou a dizer para que não repita a pergunta noutro momento -, ela está em crise; os industriais do sector queixam-se, há um investimento e um relançamento a fazer, há uma modernização e uma reconversão que não aconteceram.
Portanto, este são aspectos em matéria de resíduos.
Em matéria de alterações climáticas e de emissões, lembro-lhe, tão-só, uma pequena passagem da minha intervenção, que não terá ouvido porque o ruído era muito na Sala: Portugal, contrariamente às decisões do Rio e ao que os institutos internacionais que estudam as alterações climáticas propuseram - a estabilização, por um lado, e a redução das emissões, por outro -, permite-se aumentar entre 25 e 30%, até ao fim do século, as suas emissões de CO2, que, como sabe, contribuem para o efeito de estufa, a pretexto do seu direito à igualdade na área da poluição. É disto que se trata e também sobre isto ficamos esclarecidos.
Em relação a um aspecto que é fundamental em termos do planeamento e gestão dos recursos hídricos - e esta também não nos parece uma questão menor -, a Conferência do Rio coloca a questão, que é um princípio consagrado na Agenda 21, da bacia hidrográfica como unidade básica de planeamento e gestão.
Como sabe, em Portugal, este princípio não é corporizado na lei e os nossos recursos são geridos «a retalho», com o que isso significa também de negativo, até em termos da gestão dos nossos recursos internacionais. Penso que esta questão é por si só esclarecedora.
Em relação à participação dos cidadãos, outra questão que referiu, lembro-lhe que a participação pressupõe acesso à informação e é este que estimula o envolvimento dos cidadãos individualmente considerados e das associações.
Sr. Deputado, fale com as associações e todas elas lhe darão um rol de queixas relativamente às suas dificuldades em terem acesso à informação em matéria de ambiente e quanto àquilo que é a sua progressiva menorização em termos de parceiros, que deveriam, efectivamente, ser- e esse é também um princípio da Conferência do Rio - na definição de políticas de ambiente, ou seja, parceiros do desenvolvimento.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor, já tínhamos sido habituados pelo Sr. Deputado Braga de Macedo, na altura Ministro, a rir com a ideia do oásis económico, mas o Sr. Secretário de Estado trouxe-nos agora a ideia do oásis ecológico, quando a verdade é que Portugal reúne, simultaneamente, problemas ambientais característicos dos países mais desenvolvidos e problemas característicos dos países menos desenvolvidos, particularmente na área do saneamento básico.
É evidente que o País avançou! Mas também temos de dizer que grande parte da legislação publicada limita-se a transcrever, mal e com atraso, normas comunitárias. É sabido que assim é e é muito pouca a margem em que o Governo criou alguma coisa de novo, que não fosse imposição comunitária.
De resto, ainda há pouco ouvimos - e gostaria que o Sr. Secretário de Estado comentasse essa afirmação - a comissária europeia responsável pelo ambiente, a propósito das verbas do Fundo de Coesão, afirmar que Portugal deveria gastar mais dinheiro com o ambiente e menos com cimento armado.
Quanto a avanços na área do ambiente, creio que é inegável que grande parte deles resultam da actuação de autarquias locais, particularmente na área de águas, esgotos, lixos, resíduos sólidos e ordenamento urbano, autarquias locais que o Governo, aliás, tem olhado com uma extrema desconfiança, designadamente na área ambiental.
Quando o Sr. Secretário de Estado refere avanços explicitamente da responsabilidade do Governo - e é verdade que há alguns -, a situação que cita como exemplo é a empresa da água, que nós, a propósito da empresa do sotavento algarvio, acabámos de chamar o respectivo Decreto-Lei a ratificação, porque é um modelo que subalterniza as autarquias e que é extremamente centralizador. O Sr. Secretário de Estado sabe perfeitamente que as autarquias têm um papel secundário, minoritário no capital social, um papel que, de todo em todo, é inadmissível e intolerável.
De resto, o Sr. Secretário de Estado referiu também os conselhos de bacia e nesta matéria é importante sublinhar que eles, tal como estão, têm um papel extremamente reduzido, pois destinam-se apenas ao planeamento e não à gestão, contrariando, aliás, a Agenda 21, aprovada na ECO 92, e o consenso que existe na comunidade científica sobre esta matéria, segundo o qual devem ser criadas agências de bacia, com capacidade efectiva de gestão, dotadas de poderes efectivos e não propriamente apenas estruturas consultivas.
Em matéria de resíduos sólidos, o Sr. Secretário de Estado esqueceu, pura e simplesmente, a política de redução, reciclagem e reutilização, porque, neste plano, a política do Governo tem sido um completo fracasso. Levanta como bandeira a incineradora, designadamente a de Estarreja, mas, quanto ao tratamento desta questão a montante da produção dos resíduos, pode dizer-se que, praticamente, nada fez.
A outra questão sobre a qual queria ouvir o Sr. Secretário de Estado é a seguinte: a política de ordenamento do território, em grande medida, tem sido um pretexto para a centralização administrativa. Os planos directores municipais são elaborados pelos municípios, como é sabido, com comissões de acompanhamento constituídas pela generalidade dos serviços públicos...

O Sr. Presidente: - Peco-lhe que termine, Sr. Deputado.

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O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

Como estava a dizer, os planos directores municipais são elaborados pelos municípios, com comissões de acompanhamento constituídas pela generalidade dos serviços públicos e, depois, são ratificados em Conselho de Ministros. A verdade é que, apesar disto, o licenciamento de obras do Estado e das pessoas colectivas públicas não passa pelos municípios, mesmo os que têm planos directores aprovados.
Os planos regionais de ordenamento são elaborados depois dos planos directores municipais e frequentemente contrariando-os e entrando em conflito com eles; os empreendimentos turísticos são aprovados pelo Governo, ao arrepio dos planos directores municipais e dos instrumentos de planeamento urbanístico que o próprio Governo aprovou, depois de terem custado dinheiro às autarquias locais.
Portanto, podemos dizer que é, efectivamente, uma situação lamentável de centralismo crescente e que se manifesta também em episódios como o POZOR, com a pretensão da Administração-Geral do Porto de Lisboa de, em vez de administrar o Porto de Lisboa, fazer também ordenamento do território, substituindo-se às autarquias locais e àquilo que deveria ser uma competência específica das autarquias.
Isto é centralismo! Centralismo a pretexto de ordenamento e, ainda por cima, naquilo que compete explicitamente ao Governo, mau ordenamento. Naturalmente que não podemos estar de acordo com esta política.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Como o Sr. Secretário dê 'Estado do Ambiente e do Consumidor informou a Mesa que só responderia no fim, tem a palavra a Sr." Deputada Isabel Castro para fazer o seu pedido de esclarecimento.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor, em relação à sua... tenho uma certa dificuldade em caracterizá-la, mas permitia-me, sem que isso constitua uma ofensa, referi-la como uma oração, julgo que o modo como o Sr. Secretário de Estado coloca um conjunto de questões tem a ver com aquilo que já uma vez, numa interpelação de Os Verdes, o Sr. Deputado Narana Coissoró aqui disse, ou seja, a necessidade de haver uma troca de correspondência prévia, sob pena de fazermos uma intervenção, caracterizando em determinados moldes a situação, e o Governo vir com um discurso feito, que não encaixa e que nada tem a ver com a nossa própria intervenção. Foi um pouco esta a sensação que tivemos com a sua intervenção!

Vozes do PCP e de Os Verdes: - Muito bem!

A Oradora: - O Sr. Secretário de Estado caracterizou a nossa intervenção quase como uma lista de compras. Penso que esta visão que se instalou, e cada vez mais se enraíza, dentro do Governo de que o ambiente é qualquer coisa de compras e vendas é talvez a razão pela qual se compreende o tipo de intervenção que fez.
Porém, não é esse o entendimento que temos dos bens patrimoniais, dos bens ambientais. Aliás, pensamos que o problema é considerá-los meros bens do consumo ou meras mercadorias. Provavelmente é por o negócio dos lixos e da água agitarem e entusiasmarem o Governo que se justifica a utilização abusiva que ele faz desta questão.
Sr. Secretário de Estado, quero colocar-lhe apenas duas questões. O Sr. Secretário de Estado diz que as pessoas e os seus interesses estão ausentes daquilo que referimos na nossa intervenção e coloca, aliás, o falso dilema, que está ultrapassado mas, aparentemente, o Governo quer insistir nele, de que não falamos nas pessoas, não nos preocupamos com elas e aquilo que queremos são empresas fechadas.
Mas aquilo que digo, Sr. Secretário de Estado, é que, num país de pequenos recursos, um governo que não tem uma visão de poupança energética, não tem uma visão de poupança de água e não tem uma visão de redução da poluição, esse sim, é, seguramente, um governo que não está preocupado com os cidadãos, não está preocupado em criar novo de concepções e valores de desenvolvimento.
Quando, por exemplo, o Governo não aposta na reciclagem, aquilo que está a fazer é ignorar as pessoas, não abrindo novos mercados, porque os efeitos negativos e a herança insustentável de tudo isto paga-se, hoje, em termos da saúde pública, de desconforto e de custos ambientais, que nesta questão, como sabe, não são considerados, estão sempre ausentes, por parte do Governo.
Portanto, não é por nós que as pessoas são esquecidas; se o são por alguém, é pelo Governo, que tem uma visão imediatista e que não tem qualquer ideia da solidariedade entre gerações. Este é um aspecto que não gostaria de deixar de assinalar.
Um outro aspecto tem a ver com as assimetrias. O Sr. Secretário de Estado coloca esta questão, que, enfim, ninguém ousa questionar, e por isso lhe pergunto o que é que tem sido feito para que estas assimetrias, que se têm vindo a acentuar, não aconteçam. E coloco-lhe esta pergunta porque aquilo que vemos é a desactivação dos transportes no interior, é a retirada de equipamentos, e o fecho de escolas, é a destruição da agricultura e das condições que permitiriam a fixação das pessoas.
Portanto, que lógica é que tem falar em assimetrias quando o que se estimula - e é o Governo que o faz - é a concentração de indústrias e de serviços no litoral, o mesmo se podendo dizer do traçado do gasoduto, pois também ele vai determinar a localização futura de empresas e de actividades no litoral, mantendo-o como a grande zona de desenvolvimento, ou melhor, diríamos nós, de crescimento futuro.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor, V. Ex.ª conhece, certamente, as primeiras páginas de em excelente livro de um grade filósofo, chamado O Discurso do Método. Nessas primeiras páginas, Descartes refere-se ao bom senso como a coisa mais bem distribuída do mundo. Toda a gente tem bom senso e ninguém deseja mais bom senso.
Ora, eu estava a ouvi-lo e a pensar que, depois de o ouvir, talvez Descartes não tivesse escrito o que escreveu. É que quando um político tem um discurso tão distante da realidade é porque perdeu totalmente o bom senso!
Naturalmente que não estava à espera de ver o Sr. Secretário de Estado vir aqui fazer um discurso fortemente negativo sobre os últimos anos de governação, nem isso me passava pela cabeça! Mas há uma distância entre isso e aquilo que é uma visão optimista, um pouco estouvada e nada condizente com a realidade! A realidade ambiental do País nada tem a ver com o que o Sr. Secretário disse! Nada tem a ver!

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E quando um político faz um discurso tão desfasado da opinião pública, ele resulta sempre, de alguma forma, patético. Um pouco mais de humildade fica sempre bem ao discurso político!
Por exemplo, o Sr Secretário de Estado falou da obra que já fez, da obra que se vê, da obra que não se vê e da obra que se fará. Falemos da obra que se fez. São 10 anos, Sr. Secretário de Estado, 10 anos em que os senhores conduziram a política do País neste domínio e as coisas que o Sr. Secretário de Estado disse não jogam umas com as outras!
Vou dar-lhe dois exemplos. Diz o Sr. Secretário de Estado: «É património deste Governo a criação das empresas multimunicipais e dos sistemas multimunicipais...». Das empresas, Sr. Secretário de Estado?! No final dos 10 anos, os senhores formaram a empresa, mas o sistema não está a funcionar! É preciso construí-lo, gastar o dinheiro, fazer o betão armado, fazer tudo isso! Os senhores formaram a empresa, quer dizer, os senhores deram empregos e esta foi a única coisa que fizeram sobre essa matéria ao fim de 10 anos!
Depois, Sr. Secretário de Estado, veja só o patético desta sua afirmação: «Fica como património do Governo o facto de estarmos a negociar com a Espanha o Plano Hidrológico Nacional de Espanha». Então, isso fica também como vosso património? Depois do desastre que tem sido a condução política desse dossier nos últimos seis anos de governação? Depois das diversas fases políticas que o Governo teve sobre essa matéria?
Sr Secretário de Estado, vamos lá ver! Vamos para uma discussão séria. O Sr. Secretário de Estado faça favor de dizer a toda a Câmara o que é que, de facto, fez. Que me lembre, só o ouvi referir um única obra que este Governo pode apresentar como obra feita, que é a obra do saneamento básico da Costa do Estoril. Mas acontece, para que os Srs Deputados saibam, que essa obra estava inicialmente prevista par durar cinco anos, demorou 10 e gastou-se seis vezes mais. Sim, seis vezes mais! A Sr.ª Ministra do Ambiente e dos Recursos Naturais já o confessou. E se e essa a única obra que os senhores têm para mostrar, mal vai a obra do Governo!
Sr. Secretário de Estado, nesta matéria da obra feita, tem de se defender melhor. Eu só conheço essa obra e a estação de combustagem que fizeram no Minho, que acho que devemos creditar na obra feita do Governo. Mas, por favor, Sr. Secretário de Estado, defenda-se melhor e apresente nesta Câmara a obra de facto feita, concreta, que se pode visitar e ver.

O Sr Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª fez uma intervenção fundamentalmente centrada em duas questões: a dos recursos hídricos, naquilo que é o seu entendimento da política de recursos hídricos, e a da gestão dos resíduos. São dois exemplos que caracterizam de facto, com substancial relevo, a política deste Governo, mas no sentido precisamente contrário àquilo que entendemos dever ser uma verdadeira e correcta política de ambiente, porque, Sr. Secretário de Estado, o que este Governo fez foi criar, em Portugal, o negócio da água e o dos resíduos. Foi isto o que este Governo fez! Foram estas duas metas, estes dois trabalhos, estas duas lutas bastante significativas! Relativamente aos resultados, iremos ver! No entanto, acreditamos que todo esse esforço, toda essa legislação, toda essa política seja posta de parte dentro de pouco tempo.
O Sr. Secretário de Estado falou-nos das obras públicas, no que toca aos recursos hídricos, ou seja, falou-nos do negócio da água, mas esqueceu-se de falar da falta de empenhamento do Governo, ao longo destes últimos 10 anos, para que a diminuição de caudais dos nos internacionais não se estivesse efectivamente a verificar, como, afinal, se verificou. É uma situação de extrema gravidade que o Sr. Secretário de Estado tem reconhecido nos debates em que tem participado, frente aos técnicos que desta matéria sabem, e há até dados publicados.
Mas, Sr. Secretário de Estado, política de ambiente e ordenamento do território não é só o negócio da água e dos resíduos, é algo mais, pelo que gostaria de fazer-lhe algumas perguntas.
A primeira tem a ver com a posição do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais relativamente à construção da barragem de Foz Côa e à preservação das gravuras rupestres. Foi elaborado um estudo de impacte ambiental e, como é natural, o seu Ministério tinha de pronunciar-se. Pergunto: qual foi o parecer do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais e quando foi dado, para que o Governo decidisse, em 1992, a construção da barragem? É certo que a Sr.ª Ministra tem dito que há alternativas para a localização desta barragem, mas tanto o senhor como o Ministério dizem que não lhes compete propor alternativas. Então, pergunto: que «raio» de Ministério do Ambiente e Recursos Naturais é este que tem por sua responsabilidade a preservação da natureza, a preservação e a valorização da qualidade de vida dos cidadãos, do interesse nacional, mas que, depois, se recusa a apresentar as alternativas para a salvação de um património, hoje reconhecido já de interesse planetário, que a ser salvaguardado pode promover o desenvolvimento de uma região abandonada por este Governo?
Sr. Secretário de Estado, não sei se tem conhecimento de que este ano se comemora o Ano Europeu da Conservação da Natureza, mas, neste domínio, aquilo que é o programa para Portugal resume-se a umas conferências e a umas iniciativas de levantamentos de algumas situações, que não digo que não sejam importantes mas que são certamente marginais. Mas, Sr. Secretário de Estado, em termos de conservação da natureza, falta, por exemplo, a elaboração por parte do Governo e a aprovação por esta Assembleia da estratégia nacional de conservação da natureza.
Não há um estatuto de protecção para os 262 biótipos CORINE identificados em Portugal, desde 1987, e considerados de interesse comunitário para a conservação da natureza. As áreas protegidas são autênticos espaços de degradação, sendo, neste domínio, desastrosa a acção governativa.
O plano de ordenamento do litoral alentejano continua na gaveta, já que o Governo não se consegue entender e não propor uma solução em que as populações e as autarquias se reconheçam num plano de ordenamento que satisfaça também os seus interesses.
O plano de ordenamento do Parque Nacional da Peneda-Gerês vai ser, finalmente, aprovado, ao fim de 24 anos, com a oposição da esmagadora maioria das populações que ali têm vivido, ao longo destes anos.

Vozes do PSD: - Isso não é verdade!

O Orador: - Mas, Sr. Secretário de Estado, gostaria de chamar a atenção para uma questão que, a meu ver, é de

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extrema relevância, a fim de demonstrar o empenho que este Governo tem na defesa do ambiente. ( Sr. Secretário de Estado, gostaria de oferecer-lhe umas fotografias que tenho aqui, e que foram tiradas há uns dias...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado André Martins, peco-lhe que termine, pois já ultrapassou o tempo regimental, e que, depois, entregue as fotografias ao Sr. Secretário de Estado, até porque ninguém as consegue ver.

Risos do PSD.

O Orador: - Sr. Presidente, gostaria apenas de dar uma explicação, termino já.

Como dizia, estas fotografias foram tiradas na Parque Natural da Serra da Estrela, para o qual o Ministério agora avançou com um investimento de 1,8 milhões de contos, para o planalto central. Devo dizer-lhe que é o planalto central é uma reserva biogenética, pelo que um investimento de 1,8 milhões de contos numa reserva biogenética é uma coisa estranha. Mas, noutra altera, teremos oportunidade de discutir esta questão.
O que queria salientar aqui era o facto de na nascente de um dos rios portugueses mais importantes, o rio Zêzere ...

O Sr. Presidente: - No Gerês, Sr. Deputado?!

O Orador: - Não, Sr. Presidente, na serra da Estrela!
Como ia a dizer, há aí mais plásticos do que água - tenho aqui as fotografias, que vou mostrar-lhe-, crestamos a falar do Parque Natural da Serra da Estrela! Digo-lhe, Sr. Secretário de Estado, que, com estas fotografias, que naturalmente podem ser confirmadas, uma de duas coisas poderia, pelo menos, acontecer: ou demitir de imediato o director do Parque ou o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais demitir-se em bloco, porque Isto é um atentado a qualquer coisa que possa ser a política de defesa do ambiente. Tenho ainda outras fotografias relativas a atentados verificados no Parque Natural ida Serra da Estrela.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vou dar a palavra ao Sr. Secretário de Estado para responder, mas ele não poderá fazer comentários sobre as fotografias, porque não estamos a vê-las.

Risos do PSD.

Neste momento, o Sr. Deputado de Os Verdes André Martins dirige-se à bancada do Governo e entrega ao Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor as fotografias.

Vozes do PSD: - Com dedicatória, já agora!

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, afinal ainda há um outro pedido de esclarecimento.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor, o meu pedido de esclarecimento prende-se com a questão do plano de ordenamento do Parque Nacional dá Peneda-Gerês.
Terminada a discussão pública deste Plano, em 3 de Abril, apresentei um requerimento ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, no sentido de me ser fornecida toda a documentação dela resultante Porém, passaram cerca de dois meses e ainda não recebi qualquer resposta. Assim, aproveitando a presença do Sr. Secretário de Estado aqui, gostaria de lembrar-lhe duas questões importantes que se prendem com esta discussão pública.
A população residente - tanto quanto sei e de acordo com documentação, em meu poder, que o atesta -, designadamente a de Castro Laboreiro, manifestou desde o início enormes reservas a esse plano de ordenamento e, segundo eles próprios afirmaram, não tiveram qualquer hipótese de participar nessa discussão pública.
Ora, uma questão importante prende-se com o facto de não conhecermos a sensibilidade desta população, já que tenho comigo um documento subscrito por 90% dos habitantes de Castro Laboreiro, que é indesmentível.

Pausa.

Sr. Secretário de Estado, se está, simultaneamente, a falar ao telefone, não pode tomar atenção ao meu pedido de esclarecimentos e gostaria que me respondesse.
Em primeiro lugar, gostava de saber se a população foi ouvida nessa discussão pública, se lhe foi dada a possibilidade de ter participado, designadamente, em sessões de esclarecimento sobre a matéria constante do plano.
A segunda questão que formulo é a seguinte, tanto quanto sabemos, o Plano aponta para uma desvalorização das actividades das populações residentes, nomeadamente da actividade agrícola, que é sujeita a uma forte redução, inclusive, a impedimentos, e estou a pensar, em concreto, na criação de gado.
Gostava de ouvir o Sr. Secretário de Estado fazer uma reflexão sobre a proposta constante do plano de ordenamento e de saber se entende que a preservação do parque terá, necessariamente, de conduzir não só ao dersenraizamento natural da actividade predominante da população residente e, bem assim, em função disso, a uma paralisação e a um prejuízo acrescido dessas actividades agrícolas.
Como o Sr. Secretário de Estado tem conhecimento, não só o plano de ordenamento como, inclusivamente, a própria direcção do Parque Nacional da Peneda-Gerês, têm sido muito contestados, tanto pela população como por diversas associações, nomeadamente pelos agricultores da zona.
Por essa razão, gostava de o ouvir comentar a posição da sua Secretaria de Estado e a do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais em relação à política que tem vindo a ser praticada pela direcção do Parque Nacional da Peneda-Gerês?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor.

O Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Sá, com certeza percebeu-me mal ou, então, exprimi-me de forma deficiente. Nunca disse, em parte alguma, que vivemos num oásis. Aliás, sou o primeiro a reconhecer que ainda temos rios como o Trancão, o Leça, a na de Aveiro, que não são oásis.

O Sr. Luís Sá (PCP): - E o Alviela!

O Orador: - Porém, afirmei - sim - algo diferente: que, mesmo para essas situações que nos envergonham a todos, temos soluções técnicas, financeiras e institucionais.

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Nunca disse que tudo estava bem, mas que partimos de uma determinada base, que é facilmente quantificável, que fizemos muito mais por ano do que anteriormente havia sido feito (mas incomparavelmente) e que iremos chegar, no final deste Quadro Comunitário de Apoio - e o Sr. Deputado José Sócrates, que é engenheiro, sabe que há determinadas obras que não se fazem num ano nem em dois nem em cinco, mas em 10 ou 15 -, a uma situação muito melhor do que a anterior.
Assim, terminámos algumas das que vinham detrás, fizemos outras, lançámos ainda outras que terminarão nos próximos anos. Não trabalhámos para esta Legislatura, mas para os portugueses, iremos demorar o tempo que for necessário e, Sr. Deputado, nalguns casos, o ano de 1999 está bem perto. Tínhamos a obrigação de, perante os portugueses, aproveitar esta oportunidade única de fazer empreendimentos com escala, os quais- não sei se o Sr. Deputado sabe - demoram algum tempo a conceber e a pôr no terreno, e referir-lhe-ei, em breve, o que está feito e em curso.
O Sr. Deputado Luís Sá perguntou de seguida o que é que eu achava de haver mais dinheiro, vindo de fundos comunitários, para o ambiente; o Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor acha muito bem. Essa é a minha luta - posso dizer - também no seio do Governo; com certeza que tenho procurado defender a minha «dama» e obter sempre mais dinheiro para o ambiente, mas a verdade é que há mais ministérios, os quais têm responsabilidades próprias.
Não acredito nem defendo que tudo em Portugal deva ser prosseguido pelo Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, não pretendo que seja o «Ministério do Reino» e que substitua os outros. Mais, defendo um Ministério do Ambiente e Recursos Naturais com uma dimensão pequena e que a preocupação ambiental se vá implantando, cada vez mais, nas políticas sectoriais. Essa é a nossa política, mas com certeza que, no que diz respeito à atribuição de mais verbas para o ambiente, quer provenham do Governo, quer das autarquias, quer das próprias empresas, o Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor acha óptimo.
Quanto às autarquias, o Sr. Deputado acusa o modelo multimunicipal de ser centralizador e tutelar face às autarquias. Gostaria de dizer-lhe - e recordo que a minha ligação a este processo, o qual já se concretizou com algumas empresas, é anterior ao meu desempenho como membro do Governo -, que essas empresas multimunicipais têm como sócios as autarquias e o Sr. Deputado está a passar um atestado de menoridade às autarquias que, voluntariamente, tomaram essa decisão. Eu diria que essas autarquias estão de braço dado com o Governo na resolução dos problemas e, também neste caso, não se preocuparam tanto em saber de quem eram as competências mas, sim, em resolver os problemas.
O Sr. Deputado não me ouviu dizer: «Não resolvo este ou aquele problema, porque é da competência das autarquias». Dou-lhe um exemplo: na zona do Grande Porto e também na zona do Alentejo, há problemas de abastecimento de água às povoações e ninguém ouviu o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais dizer que, sendo essa tarefa da competência das autarquias, não colabora no que pode, indo além daquilo que são as suas competências específicas. Isso está perfeitamente fora de causa, Sr. Deputado, e penso que é da mais elementar justiça reconhecer que um dos pontos - de que me orgulho- da política de ambiente, nos últimos tempos, é precisamente o facto de estarmos em consonância com as autarquias na resolução dos problemas das populações.
Quanto aos concelhos de bacia, o Sr. Deputado considera que as suas atribuições não são suficientes, com o que estou de acordo; os concelhos de bacia deverão ter, futuramente, mais competências. Recordo, no entanto, que, antes de este Governo os ter criado, nada de semelhante havia.
Entendemos que este primeiro passo está a correr muito bem e penso que constitui imagem de marca deste Governo a participação nas decisões, sendo que o planeamento é que as enforma, sem prejuízo de achar que, futuramente, estes concelhos de bacia podem e devem - o que certamente acontecerá - ter mais competências, uma das quais será a tomada de decisões quanto à forma como vão ser gastas as taxas, nomeadamente, as de poluição.
Contudo, Sr. Deputado, não comecemos a casa pelo telhado, caminhemos devagar e firmemente, sem criar situações institucionalmente complicadas, pesadas e caras. Por essa razão, evoluiremos a partir do pequeno núcleo daquelas competências que, neste momento, lhes estão atribuídas.
Todos os conselhos de bacia têm funcionado várias vezes e temos conseguido, através deles, algo que considero muito importante pois foi praticamente eliminada a conflitualidade nos recursos hídricos. A gestão do recurso escasso é, inerentemente, fonte de conflitos e não só neste como no ano passado houve seca, o que implicou uma atitude de competição por um recurso muito escasso. Ora, nos concelhos de bacia as pessoas souberam sentar-se à mesa, pois perceberam que tinham um problema para resolver, pelo que não foi necessário o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais arbitrar o conflito, como lhe compete e fará sempre que se justificar. No Alentejo e noutras regiões do país, não houve conflitos na tomada de decisões quanto à gestão de níveis de albufeiras muito baixos que, não só neste como no ano passado, infelizmente, ocorreram.
O Sr. Deputado falou também em resíduos sólidos e na falta de componentes de reciclagem. Se reparar nas exigências que fazemos relativamente à aprovação de todos os sistemas em curso - e são muitos -, que vão passar de um nível de tratamento de resíduos de 40% para mais de 90%, verificará que todos eles envolvem uma componente de recolha selectiva e de reciclagem.
A Sr.ª Deputada Isabel Castro critica-me pelo facto de eu não ter respondido «à letra». Sr.ª Deputada, devo dizer-lhe que fiz de propósito, porque entendi que devia situar o debate num nível mais concreto, em assuntos de fundo e não apenas em assuntos vagos como fez a Sr.ª Deputada.
Depois, a Sr.ª Deputada mostrou, uma vez mais, alguma incomodidade quanto à possibilidade de existir o «negócio da água», o «negócio dos resíduos». Ora, Sr.ª Deputada, não vejo mal nenhum nisso. Como referi, queremos o sector privado. E não estamos aqui a falar de privatização, Sr.ª Deputada, estamos a falar de empresas privadas sob controlo das autarquias, sempre e apenas quando estas assim livremente o entendam, em regime de concessão, por concurso público, observadas por uma instituição que terá todo o cuidado em defender o consumidor perante estes monopólios. Portanto, Sr.ª Deputada, queremos os privados para melhor gerirem o que existe e contribuírem para fazer mais depressa o que falta, porque as autarquias estão endividadas.
Aliás, em Portugal, passar-se-á o mesmo que por esse mundo fora e até nos países de Leste, onde a situação estava, e continua, péssima. Também aí, Sr.ª Deputada,

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estão a actuar estas empresas e certamente irão ajudar a resolver os problemas graves que por lá se vivem.
Saliento a dificuldade que manifestou, ao dixe r que também está preocupada com as pessoas. Aceito isso, mas, na verdade, há aí uma dificuldade que lhe é inerente a si, Sr.ª Deputada. É que, enquanto Governo, não temos qualquer dificuldade em conciliar ambiente com desenvolvimento. Para nós, as pessoas estão primeiro e é em seu nome que protegemos o ambiente.

O Sr. António Braga (PS): - As pessoas estão primeiro?!... Essa tem direitos de autor!...

O Orador: - Quanto às assimetrias de que falou, ninguém disse que não existiam pois é óbvio que existem. Aliás, se formos ver a comparação entre o Censo de 1981 e o de 1991, verificamos que também em Portugal, a exemplo do que acontece na generalidade dos países, o litoral tem atraído população, mas naquela década menos do que na anterior, que tem continuado a atracção pelo litoral, mas que também tem diminuído de ritmo. Portanto, temos de trabalhar bastante em termos da qualidade de vida do litoral e também do interior para evitar essa «drenagem», sendo importante que se faça este trabalho que passa, certamente, pelo ordenamento do território, pelas acessibilidades, pela criação de empregos no interior.
No entanto, Sr.ª Deputada, devo dizer-lhe que, em termos ambientais, não é por falta de condições, por exemplo, quanto ao saneamento básico, que as pessoas não estão no interior. A este propósito, recordo concelhos do interior do País cuja população está praticamente toda servida por sistemas de abastecimento de águas,, esgotos e recolha de lixos, mas em que, nalguns casos, a população baixou 30% em 10 anos. O que fixa as populações no interior são condições de vida, empregos e acessibilidades, registando-se melhorias muito significativas nestes domínios. De facto, no interior, nomeadamente nas cidades de dimensão média, há condições de emprego que permitem sustentar pequenas «aldeias-satélite» em que as pessoas vivem com qualidade. No entanto, nós somos os próprios a reconhecer que não é fácil manter as, populações no interior, que, muitas vezes - e não me cumpre fazer aqui juízos de valor -, as gerações mais novas preferem cidades de maior dimensão, com centenas de milhar de habitantes. Penso que, dentro de alguns anos, esta tendência vai inverter-se mas, provavelmente, não serão as gerações presentes e sim os seus filhos quem vai beneficiar do retorno às origens. De qualquer modo, Sr.ª Deputada, não é a nós que compete decidir pelas pessoas.
Passo agora a responder ao Sr. Deputado José Sócrates, que falou no Discurso do Método, de Descartes. No entanto, aparentemente, Descartes não tinha toda: a verdade, como poderia ter verificado se tivesse lido um livro recente, escrito por um português que chegou à, conclusão que ainda havia alguma coisa por descobrir.
O Sr. Deputado disse que o Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor está optimista. Ora, penso que, dentro do realismo, há razões para estar moderadamente optimista. Digo isto porque defendo que, na área do ambiente - e sem dizer que isto seja propriamente um oásis -, a situação está hoje muito melhor do que há alguns anos atrás. Aliás, tanto o Sr. Deputado Luís Sá como o Sr. Deputado José Sócrates tiveram oportunidade de concordar comigo, pelo menos parcialmente.
No entanto, Sr. Deputado, não estou a falar de cor ao dizer que o País vai ficar muito melhor quando estiverem prontos os empreendimentos que estão em curso neste momento. Torno a dizer que os empreendimentos estruturantes, aqueles de dezenas de milhões de contos que temos em curso, não se fazem nem num ano nem em dois. Nós tínhamos feito, planos para que fosse bem gasto o dinheiro que chegou - tratou-se de uma oportunidade única na nossa história -, para que não fosse disseminado em pequenos projectos por 300 autarquias Permitiu-nos construir a «espinha dorsal» do abastecimento de água, do tratamento de águas residuais e de resíduos sólidos no País para as próximas décadas. Por isso, Sr. Deputado, penso existirem razões para algum orgulho e algum optimismo, embora certamente moderado porque, em Portugal, ainda hoje há pessoas que não têm água canalizada em casa, ou têm-na com pouca qualidade, ainda temos nos poluídos, ainda há lixos onde não deve haver. Mas é em nome disto que estamos a trabalhar. Penso que já se vê o resultado deste trabalho, que vai ser ainda mais visível e que não é utópico. Estou a mostrar-lhe soluções, que estão financiadas, que têm envolventes institucionais que garantem a sua perenidade, que sustentarão a erosão dos tempos e que, daqui a décadas, ainda estarão a funcionar É que estas soluções não são do Governo, antes resultam, em grande parte, de associações entre o Governo e as autarquias, têm uma estrutura empresarial, são auto-sustentadas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr Deputado falou também no saneamento básico da Costa do Estoril e gostaria de dizer-lhe duas coisas sobre esta matéria.
Primeiro, no Verão de 1994, pôde tomar-se banho com segurança nas praias da Costa do Estoril, as unidades hoteleiras da zona puderam vender quartos a portugueses e estrangeiros que procuraram aquela zona para lazer e o mesmo irá acontecerá nos anos futuros.
Sou o primeiro a concordar que, nesta matéria, houve «acidentes de percurso», que a obra durou mais tempo do que devia e que custou mais do que deveria ter custado

O Sr. José Sócrates (PS): - O dobro!

O Orador: - Sr. Deputado, o que posso dizer-lhe e que a acabámos!

O Sr. José Sócrates (PS). - Era o que faltava que não tivessem acabado!

O Orador: - A obra está lá, está a funcionar, está a ser eficaz! Sr. Deputado, se comparar as análises feitas às praias há dois anos com as do ano passado, verificará que a queda foi brutal: de valores de poluição centenas de vezes acima dos níveis comunitários passou-se para níveis praticamente de zero. Neste momento, a água e salubre, sendo possível tomar banho nas praias da Costa do Estoril

O Sr. José Sócrates (PS): - Era o que faltava que tivessem gasto 30 milhões de contos e que as águas não estivessem salubres!

O Orador: - O Sr. Deputado André Martins referiu dois temas que também considera serem fundamentais os recursos hídricos e os resíduos.
É um facto que, em 1995, estas questões ainda não estão resolvidas em Portugal. É um facto que, para além dos

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problemas da nova geração, Portugal ainda tem de resolver alguns dos antigos. Mas a verdade é que se o problema existe temos de resolvê-lo. Assim sendo, optámos por consignar a estes dois problemas uma parte muito significativa dos recursos do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, para além dos de muitas autarquias que resolveram afectar uma parte importante dos seus recursos próprios.
Nesta matéria, não quero invocar louros especiais pelo facto de o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais ter decidido investir mais de 90% do seu orçamento na resolução de problemas relativamente aos quais há quem pudesse dizer que são da competência das autarquias, mas para nós esta hipótese é perfeitamente irrelevante. O que existe são pessoas com problemas, pelo que, tanto no caso dos resíduos como no dos recursos hídricos, unimos esforços com as autarquias para resolver os problemas.
A propósito de autarquias, devo dizer que estranho, mais uma vez, que o Sr. Deputado tenha essa «pedra no sapato» face às empresas, porque estas não são um mal. Nós, PSD, consideramos que a iniciativa privada é boa, pensamos que não há mal nenhum em que as empresas privadas tenham lucro.

Vozes do PCP: - Sr. Presidente, o Sr. Secretário de Estado já ultrapassou, em muito, o seu tempo.

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, estou a ouvir protestos, que são fundados, pois V. Ex.ª já ultrapassou em muito o tempo de que dispunha para responder aos pedidos de esclarecimento. Peco-lhe, portanto, para concluir.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente. É que as perguntas também foram muito longas e abrangentes!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Se a actividade do Ministério fosse assim!...

O Orador: - Sr. Deputado André Martins, quanto ao «negócio da água, do esgoto e do lixo», penso que ele é legítimo e ajuda os portugueses a ter os seus problemas resolvidos mais depressa.
Relativamente a Foz Côa, também lhe digo, com toda a clareza, que consideramos necessária uma albufeira com grande capacidade em termos de gestão dos recursos hídricos Nas cabeceiras do Douro não há espaço no troço principal para a albufeira, como o Sr. Deputado bem sabe, e ela deve situar-se tanto mais a montante quanto possível para regularizar o rio. Creio que o local previsto para ela é um bom local do ponto de vista da gestão de recurso hídricos; é certo que não tem de estar nesse local, pode ficar noutro diferente, mas isso será, necessariamente, com outros custos e noutros tempos.
Em relação ao facto de não ser o Secretário de Estado do Ambiente e Consumidor quem toma a posição determinante quanto a este aspecto, mais uma vez afirmo que não vejo qualquer mal nisso! Acho bem que haja em Portugal outros ministérios e que as decisões se compartilhem. Aliás, é o que acontece em qualquer criação de área protegida. Esta é uma competência do Governo e não apenas do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais.
Sobre o Gerês, tenho a dizer-lhe que é o único parque nacional cujo plano de ordenamento está, neste momento, em fase de ultimação. Foi feita uma consulta pública e ainda vão surgir alterações de estilo - e sou o primeiro a concordar com isso - sobre o conteúdo do plano; foram também ouvidas as autarquias, pois eu próprio tive ocasião de as ouvir no local.
Não estou, de maneira alguma, de acordo quando diz que há uma oposição generalizada Existem pequenas objecções que vão ser resolvidas e, Sr. Deputado, do ponto de vista do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais, há toda a disponibilidade para colaborar para o desenvolvimento local das populações, de forma a que, também neste parque, as pessoas acreditem que é um privilégio viver numa área protegida.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Manuel Maia.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Leis Sá (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado do Ambiente e Consumidor: Consciente do agravamento dos problemas ambientais e da legítima preocupação de grandes massas da população, o PSD e o seu Governo afirmaram possuir um plano nacional do ambiente e uma política sobre esta matéria. A verdade é que só a descobriram em vésperas de eleições.
Este facto não impede que Portugal seja um País de calamidades, como os incêndios ou a seca, que se mantenham baixos níveis de tratamento de esgotos domésticos e industriais e que não exista uma política coerente de resíduos sólidos.
Ao mesmo tempo, o PSD aproveita os fundos comunitários, em que o ambiente é relativamente secundarizado, para transformar os investimentos ambientais em fontes de lucros privados, em particular das multinacionais, com prejuízo para as populações; aliás, uma das multinacionais envolvidas foi, exactamente, aquela que foi eleita em França como a mais corrupta desse país.
O Grupo Parlamentar do PCP, pelo contrário, orienta a sua intervenção pelo objectivo do desenvolvimento sustentado e de longo prazo, que tem o ambiente e a qualidade de vida como preocupação fundamental.
Em colaboração com as autarquias, as regiões autónomas, as regiões administrativas a criar e as diferentes entidades públicas e privadas, o PCP defende que o Governo não deve iludir as responsabilidades específicas da política do ambiente.
Será orientação fundamental democratizar e descentralizar a política do ambiente, em especial fortalecendo o papel dos municípios e insistindo as regiões administrativas, dotadas dos meios que se impõem, democratizando a gestão das áreas protegidas e reforçando a participação e os meios das associações de defesa do ambiente.
A propósito das áreas protegidas, temos de dizer que, muito frequentemente, para as populações é um verdadeiro pesadelo viver em áreas protegidas, não apenas porque não participam, mas também porque, frequentemente, são colocados problemas à sua vida quotidiana, de todo em todo injustificados, para assegurar o equilíbrio ambiental.
No domínio dos resíduos sólidos, impõe-se estimular a extensão a toda a população da recolha e tratamento final dos lixos; apoiar a recolha selectiva de materiais e aumentar a capacidade de indústria transformadora no sentido de garantir a absorção destes produtos; privilegiar a política de redução de resíduos urbanos e industriais, bem como a reciclagem e reutilização, dando cumprimento às direc-

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tivas existentes, em particular à célebre, e tão desprezada pelo Governo, directiva sobre as embalagens.
O tratamento de resíduos industriais, com particular destaque para os resíduos tóxicos e perigosos, é, indiscutivelmente, da responsabilidade da administração central, o mesmo acontecendo com os resíduos hospitalares, matéria em que se verifica uma autêntica vergonha nacional. O problema, para além do esforço de redução, reutilização e reciclagem, exige soluções racionais e integradas a nível nacional, sem as quais se poderão verificar situações graves com consequências de alto risco.
Nesta matéria, defendemos o reforço da qualidade dos estudos de impacte ambiental, frequente para cumprir as directivas e legislação, mas sem a qualidade que se impõe, e, tal como reivindicam as associações de defesa do ambiente, os estudos de impacte ambiental devem ser estendidos a planos e programas.
Também defendemos a extensão, qualidade e transparência da informação ambiental. Nesta matéria, o Governo afirma que transcreveu para o direito interno a directiva comunitária sobre esta questão; não partilhamos, (essa opinião, julgamos que ela não foi efectivamente transcrita e que, na prática, a informação ambiental está muito aquém das necessidades.
Igualmente, a implementação do princípio do poluidor-pagador, com atenção especial aos problemas das pequenas e médias empresas, e a instituição de formas de apoio para acesso à melhor tecnologia disponível é uma matéria em que o Governo não pode deixar de ter responsabilidades e em que não pode acontecer aquilo que tantas vezes temos ouvido, ou seja, que o mercado resolve o problema espontaneamente.
Por outro lado, parece-nos também evidente que as normas comunitárias internas sobre poluição atmosférica, sonora e aquática não têm a adequada fiscalização. Uma coisa é transcrever directivas formalmente, outra completamente diferente é garantir a fiscalização e informação adequadas também nesta matéria.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao ordenamento do território, já tive oportunidade de referir que para o Governo ele é, acima de tudo, um pretexto para centralizar competências e não para, em colaboração estreita com as autarquias locais, garantir o seu papel insubstituível neste plano.
Tendo em conta a particular premência da política da água, ela tem de merecer a atenção que não mereceu, da parte deste Governo. E, neste plano, cumpre dizer que, com os 10 anos de Governo do PSD, se agravaram alguns dos problemas fundamentais em matéria de recursos hídricos, no nosso País. E o Governo e o PSD sabem, .tão bem que assim é que, inclusive, para tentarem «lavar» a verdadeira vergonha que é a atitude do Governo em relação ao plano hidrológico nacional, propuseram uma manifestação de protesto em relação a Espanha, quando aquilo que verdadeiramente se imporia era uma manifestação de protesto em relação à atitude desleixada ;do Governo neste plano, que não contemplou, em termo oportuno, os interesses estratégicos nacionais, dos quais, naturalmente, fazem parte, com lugar determinante, o problema da gestão coordenada dos recursos hídricos internacionais, designadamente com Espanha, na salvaguarda dos interesses do País.
Aliás, o conjunto de diplomas publicados em 1993,i em matéria de água, e que estabelecem uma nova orgânica para o Ministério do Ambiente e Recursos Naturais e os seus serviços, são praticamente omissos no que respeita à gestão dos recursos hídricos.
Por seu lado, os diplomas posteriores não resolveram adequadamente este problema.
Pode dizer-se que o conselho de bacia é um pequeno avanço, mas, nesta matéria, temos de dizer que se trata de um avanço tímido e centralizador.
Todas as recomendações internacionais neste domínio, designadamente a Agenda 21 da Conferência sobre Ambiente e Desenvolvimento do Rio de Janeiro, realizada em 1992, são, pura e simplesmente, desprezadas, como é também desprezada a mais moderna doutrina e o consenso internacional que se estabeleceu nesta matéria.
Também neste plano, o Governo avançou alguma coisa, mas por pressão internacional e muito menos do que a pressão internacional imporia.
A orientação governamental, que continua a privilegiar a publicação de legislação descoordenada em detrimento da publicação de uma nova lei da água, coloca o nosso País, no domínio dos recursos hídricos, numa situação de inferioridade conceptual e metodológica, senão mesmo instrumental, face, por exemplo, à Espanha.
Os Governos do PSD, mau grado a recente criação dos conselhos de bacia, com funções meramente consultivas e muito limitadas, continuam a adoptar uma estrutura de gestão da água centralizada, burocratizada e sem a adequada participação dos utilizadores, dos cidadãos e, em particular, das insubstituíveis autarquias locais.
A orientação que tem vindo a ser seguida centra-se, no fundamental, na utilização de medidas que menosprezam uma política que tenha em conta a construção de grandes obras públicas e também aquilo que, efectivamente, tem de ser resolvido, como mais importante e mais urgente, ou seja, assegurar os interesses concretos das populações, designadamente no que diz respeito à quantidade e à qualidade da água.
No domínio do saneamento básico, a política do PSD, logo que dispôs de fundos estruturais, traduziu-se na retirada de competências ao poder local, com a criação de sistemas multimunicipais, na dependência, no essencial, do Governo, e com o pretexto da «empresarialização» e incentivo à gestão privada dos sistemas municipais, cedendo à pressão das multinacionais do sector.
É evidente que podemos estar de acordo com formas empresariais de gerir a água ou os resíduos, mas formas empresariais não significam formas dominadas pelas multinacionais. Há aqui uma distinção que o Governo tem dificuldade em reconhecer.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O ambiente é, hoje, um problema mundial, comunitário, ibérico, nacional, enfim, um problema que se localiza junto à porta de cada um e, por isso mesmo, não pode ser secundarizado ou desprezado por qualquer Governo, impondo-se uma nova política e um novo Governo, que tenha como preocupação fundamental o ambiente e b desenvolvimento sustentado.

Aplausos do PCP e do Deputado de Os Verdes André Martins.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia)- - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Silva Costa.

O Sr. José Silva Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Sá, apenas uma questão muito concreta è pontual.

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O Sr. Deputado referiu-se ao sistema nacional de tratamento de resíduos tóxico-perigosos ou industriais, como preferir, como uma autêntica vergonha nacional.
Por outro lado, sei que houve tempo em que foram feitas muitas críticas, nomeadamente por falta de transparência, de discussão pública, enfim, de uma série de coisas.
Finalmente, aqui, nesta Câmara, já ouvi críticas, porque se demorou muito tempo a decidir.
Ora, demorou-se muito tempo a decidir, precisamente porque houve discussão pública, a qual foi alargada, prolongada e todos participaram nela, isto é, autarquias, associações de ambiente, populações, etc. No entanto, neste momento, um dos factores que compõem esse sistema está decidido, em termos de localização, e está ainda em estudo a localização da restante parte.
Posto isto, não entendi exactamente o alcance que o Sr. Deputado pretendia, quando classificou este sistema como uma autêntica vergonha nacional - e parece-me que foram mais ou menos estes os termos que usou.
Assim, gostaria que dissesse qual é a posição concreta do seu partido sobre esta matéria, já que, em termos autárquicos, tive oportunidade de conhecer duas posições, isto é, numa fase inicial, em algumas autarquias, vi uma posição claramente favorável à instalação de algumas destas unidades e, ultimamente, vi uma posição claramente opositora à sua instalação.
Finalmente, e também tendo em conta a política dos três «RRR», referida, há pouco, pela Sr.ª Deputada Isabel Castro, porque, de facto, é importante reduzir, reciclar, reutilizar, etc., gostava de saber, em termos muito concretos, qual é o destino final que o PCP propõe para os casos dos resíduos que não se enquadram nessas três situações - e sabemos que os há -, ou seja, que permanecem sempre resíduos.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Pereira Oliveira.

O Sr. Carlos Pereira Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Sá, da sua intervenção retive uma questão que me parece importante e que tem a ver com a política das câmaras municipais ou com a concessão às câmaras municipais da política de saneamento básico.
Sr. Deputado Luís Sá, é certo que algumas das câmaras municipais têm feito um certo esforço, mas assiste-se a uma situação que, por exemplo, no distrito de Setúbal, é alarmante e ficamos sem saber qual a política do Partido Comunista Português relativamente a esta matéria. Dou-lhe um exemplo, Sr. Deputado.
Na Quinta do Conde, durante muito tempo, reclamou-se a construção de uma ETAR que iria servir essa zona e também a zona de Azeitão. Ora, essa ETAR está pronta, isto é, aquela que era a intervenção da administração central, em termos de concessão ou disponibilização de fundos foi feita, a obra está pronta, o pior é o resto. É que a ETAR está pronta, mas não tem emissários, porque as câmaras municipais, quer a de Sesimbra, quer a de Setúbal, ainda não fizeram a sua parte da obra.
Assim, gostava, realmente, de saber qual é a política do PCP, especialmente no distrito de Setúbal, onde detém a maior parte das câmaras, pois, em muitos dos concelhos, principalmente nos concelhos ribeirinhos, verifica-se que a política de saneamento básico desenvolvida pelas câmaras municipais do PCP é a de deitar os resíduos ao mar. Em alguns deles, e falo concretamente em Sesimbra, só
há pouco tempo é que ficou pronto o projecto da ETAR, porque até agora nunca se preocuparam ou não se têm preocupado com isso.
Portanto, gostávamos de saber qual é a vossa política, porque aquilo a que assistimos é exactamente à ausência dessa mesma política.
Por outro lado, também já foi aqui aflorada a questão das grutas do Zambujal, que tem a ver com o ambiente e não com o saneamento.
Em relação a essas grutas, que a câmara municipal mandou tapar, estou de acordo que fossem encerradas, uma vez que se encontravam expostas ao vandalismo e estavam a ser destruídas por algumas pessoas que lá iam retirar pedras.
No entanto, o que é certo é que as grutas do Zambujal foram atulhadas com pedras, quando se poderia ter procedido de outra forma, com uma política de ambiente interessante, inteligente e de preservação do património.
Gostava, pois, de saber qual é a vossa política, se é a de atulhar as grutas ou a de fazer o saneamento para o mar, em vez de o guardar e tratar. Pêlos vistos, é a política que o PCP defende e executa nas suas câmaras municipais, mas executa-a com dificuldade, precisamente em face da ausência de política.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Para responder, apelando ao seu poder de síntese, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados José Silva Costa e Carlos Pereira Oliveira, antes de mais, agradeço as questões que colocaram e vou tentar ser muito rápido.
Quanto à vergonha nacional, parece-me que isso não terá ficado claro, mas estava a referir-me explicitamente aos resíduos hospitalares e, naturalmente, ao facto de serem um perigo para a saúde pública e, repito, uma vergonha nacional.
Em relação ao problema da política de resíduos, tive oportunidade de dizer que não é uma incineradora que faz uma política de resíduos. Trata-se de uma questão muito mais importante, que tem a ver com a tal política dos três «RRR»: é que, depois dela, naturalmente, sobram resíduos para serem tratados.
Ora, entendemos que esses resíduos devem ser tratados, mas também entendemos - já que falamos de ambiente - que o modo como foi conduzido este processo é um pouco poluído, pois não foi inteiramente claro do ponto de vista da escolha dos locais, da garantia da melhor tecnologia disponível, da garantia para as populações de que não serão afectadas ou de que o serão apenas na medida do possível. É esta falta de clareza que condenamos, sublinhando que não é a incineradora de Estarreja que passa a constituir a política de resíduos que o PSD não tem, nem teve, ao longo dos 10 anos em que esteve no Governo.
Quanto à questão das autarquias do distrito de Setúbal, Sr. Deputado Carlos Pereira Oliveira, quero dizer-lhe que, tanto o Sr. Secretário de Estado como o próprio plano nacional do ambiente, têm dados muito interessantes sobre essa matéria. Os documentos anteriores do Instituto Nacional de Estatística provar-lhe-ão que os distritos em que há maior percentagem de recolha de lixo e de tratamento de esgotos são aqueles em que a maioria das câmaras municipais são administradas pela CDU e que nos

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distritos em que as maiorias das câmaras são administradas pelo PSD as percentagens são muito mais baixas.
E, depois, isto tem consequências, por exemplo, em matéria de mortalidade infantil e de índices de saúde pública é indiscutível, veja os números, não estou a dizer nada que não venha nas estatísticas e em documentos oficiais.
Quanto ao problema concreto da ETAR da Quinta do Conde, naturalmente que será resolvido. Mas já que já está aqui presente o Sr. Deputado Nunes Liberato, que teve grande influência nesta matéria, sempre quero dizer que, se não tivesse sido a asfixia financeira que o PSD impôs às autarquias, com certeza que tanto este como muitos outros problemas estariam muito melhor resolvidos de que estão nesta altura. Portanto, nesta matéria, o Sr. Deputado bata no peito, diga mea culpa, porque, se o poder tocai não fez muito mais - e falo do poder local, inclusive! o do seu próprio partido -, ao seu Governo se deve!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto às grutas do Zambujal, quero dizer que quem tem competência para licenciar pedreiras, concretamente aquela, é o Governo. Se o Governo decidir indemnizar o proprietário naquilo que eventualmente for determinado e acabar com a pedreira, pessoalmente, dá-me uma grande alegria e com certeza que o problema se resolve e é tratado noutros termos. A gruta estava a degradar-se e o que foi feito é uma medida de emergência. Creio que aqui terá de haver uma actuação conjunta do Governo e da autarquia, no sentido de preservar aquele que e património de todos, em vez de os Srs. Deputados transformarem uma situação que resulta da exploração de uma pedreira e de uma zona que é de uma beleza paisagística muito grande numa arma de arremesso.
Encontram-se aqui presentes os Srs. Secretários de Estado que podem ter uma palavra a dizer sobre esta questão, pelo que os convido a dialogar com a Câmara Municipal de Sesimbra e com o proprietário, a fim de encontrarem uma solução para este problema, o que nos dará uma grande alegria.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Carlos Pereira Oliveira (PSD): - Sr. Presidente peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra, Sr. Deputado, embora a Mesa tenha a ideia de que tem estado a conduzir excelentemente os trabalhos. Mas o Sr. Deputado dirá.

O Sr. Carlos Pereira Oliveira (PSD): - Exacto, Sr. Presidente, mas permita-me que utilize esta figura, o que vou tentar fazer o melhor possível.
Sr. Presidente, o Sr. Deputado Luís Sá, relativamente à questão da Quinta do Conde, deu a entender a esta Câmara que a situação daquela ETAR se deve à culpa do Governo. É verdade: o Governo é que tem culpa da situação da ETAR porque a construiu! Agora, não se pode é culpar o Governo pelo facto de a câmara municipal não ter feito o resto, ou seja, o que era da sua Competência. A culpa do Governo é, realmente, ter construído a ETAR e ter arranjado os fundos para a sua construção!
Relativamente às grutas, Sr. Deputado Luís Sá, fiquei perplexo com a sua resposta. O Sr. Deputado sugere que se indemnize o proprietário. Mas o Sr. Deputado faz ideia de quantos trabalhadores estão envolvidos na paragem daquela pedreira?! Sabe quantas pessoas ficariam no desemprego se aquela pedreira parasse imediatamente e fosse indemnizado o proprietário?! A sua resposta, Sr. Deputado, nem parece uma resposta de um membro do PCP.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, lamento utilizar esta figura despropositada, mas penso que tenho direito de resposta para dizer que o Sr. Secretário de Estado referiu há pouco, e creio que com alguma razão, que a maioria dos grandes investimentos na área do ambiente têm sido feitos através de protocolos entre o Governo e as câmaras municipais. Ora, não faz sentido o Governo dizer uma coisa e o Sr. Deputado que apoia o Governo vir desautorizá-lo, afirmando que foi construído pelo Governo. Normalmente, não é isso que acontece: o concurso não é lançado pelo Governo, há um co-financiamento que envolve a Comunidade Europeia, o Governo e as autarquias locais e, frequentemente, o dono da obra é a autarquia local - não sei se neste caso é, mas deve ser. Quanto à questão da pedreira, Sr. Deputado, se o PSD tivesse criado os 100 000 empregos que prometeu em 1991, se estivesse ainda a tempo de os criar até às eleições ou se tivesse a garantia do pleno emprego que também prometeu, esta situação resolvia-se num instante.

Protestos do Deputado do PSD Carlos Pereira Oliveira.

Eu não estou a defender o encerramento da pedreira sem alternativas para os trabalhadores; estou a defender que a questão seja estudada, por que é uma questão extremamente delicada e, naturalmente, todas as partes e os respectivos interesses têm de ser contemplados.
Agora, o que não vale a pena é o Sr. Deputado dizer que a exploração tem de continuar, que não há alternativa para a exploração da pedreira e, simultaneamente, levantar problemas que decorrem da exploração da pedreira. Um pouco menos de demagogia não faz mal a ninguém.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente (José Manuel Maia): - Srs. Deputados, vamos continuar o debate. Está inscrito o Sr. Deputado José Sócrates, outros Srs Deputados poderão inscrever-se, mas, se vamos meter pelo meio outros debates, não sairemos daqui. Embora hoje seja uma «sexta-feira parlamentar», importa que não nos alargarmos muito.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Portugal está, como a maior parte das modernas sociedades desenvolvidas, confrontado com um sério e também estimulante desafio ambiental. Trata-se, no fundamental, de procurar conciliar o desenvolvimento produtivo com a melhoria e a elevação dos nossos padrões ambientais.

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Este desafio resulta, naturalmente, de um novo imperativo ecológico e da necessidade de uma nova relação entre o homem e a natureza, mas, em Portugal, este desafio aparece como uma exigência do nosso próprio desenvolvimento.
Há que reconhecer que a marginalização da política de ambiente nos últimos 10 anos conduziu a um agravamento dos principais indicadores ambientais, ao arrastamento sem solução de alguns dos pontos negros da poluição e ao surgimento de novos problemas, que colocam a problemática ambiental no centro das preocupações políticas na construção daquilo que todos desejamos: um desenvolvimento sustentável e qualificado.
A par das advertências dos especialistas para o agravamento da situação, surgem hoje os cidadãos despertos para uma consciência ecológica cada vez mais atenta e exigente, reclamando soluções que permitam que deixem de pagar, como vítimas, os custos da poluição.
Do que não há dúvida é que, no estádio actual do nosso desenvolvimento, a elevação dos standars ambientais do nosso País, quer seja nas cidades, na indústria ou na conservação do nosso património natural, é uma exigência política prioritária e urgente, tanto para a elevação dos níveis de modernização e competitividades do País, como para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos.
Mas se este é o desafio do futuro, desafio com que o nosso País está confrontado, esta é também a altura - aliás, como todos os partidos o fizeram - de fazer um balanço do que foram estes últimos 10 anos de política de ambiente.
Para o fazer é bom lembrar as condições de partida em 1985, porque as boas condições de partida, tal como o Sr. Secretário de Estado nos disse, não existem só hoje para o futuro, existiram em 1985.
Recordo que a adesão de Portugal à Europa, em 1985, criou para o ambiente uma oportunidade e uma expectativa.
Em primeiro lugar e desde logo, a experiência europeia no desenvolvimento de políticas ambientais, já testadas e com resultados visíveis, deveria ter induzido, quer no que respeita à regulamentação quer a políticas concretas, uma atenção e uma dimensão que as questões ambientais nunca tinham tido no desenvolvimento português.
Por outro lado e não menos importante, a adesão à Europa permitia a Portugal ter acesso a recursos financeiros indispensáveis e aos investimentos ambientais que eram fundamentais para a modernização ambiental do nosso País.
Além disso, em 1987, o Governo dispunha já de um quadro de referência e de orientação- a Lei de Bases do Ambiente - que expressava um forte consenso nacional sobre a necessidade e a dimensão essenciais da política de ambiente, desde os inícios da década de 80 que estavam identificados e caracterizados os principais problemas ambientais e estavam também apontadas as principais soluções técnicas. O clima de expansão económica da altura e os recursos financeiros disponíveis criavam um bom clima para a afirmação progressiva da política de ambiente. Como os Srs. Deputados sabem e o Governo também o deve saber, é muito mais difícil aplicar políticas de ambiente com sucesso em clima de recessão económica do que em clima de expansão. Havia também na altura uma boa recepção da opinião pública nacional e internacional e uma boa conjuntura política que era favorável às políticas e às prioridades ambientais.
Por outro lado, e finalmente, os Governos, desde 1987, dispuseram de condições políticas de estabilidade fundamentais para uma área política cujas orientações devem ser sobretudo antecipatórias e de longo prazo. A verdade é que os Governos dispuseram destas condições e no entanto o falhanço é evidente, apesar de excelentes condições de partida o balanço destes anos não pode deixar de ser um balanço de frustração e de desilusão. Estes anos foram, para a política de ambiente, uma oportunidade perdida. Este falhanço da política, Srs. Deputados, não acontece por acaso nem por má sina dos portugueses mas deveu-se a um modelo às desenvolvimento errado e que agora o País tem consciência que está esgotado No fundamental gostaria de apontar cinco erros capitais na condução da política de ambiente nos últimos 10 anos.
Em primeiro lugar, a existência de um país legal e de um país real. É claro que devemos reconhecer que o Governo, sobretudo nos últimos anos, legislou. No entanto, esta legislação mais do que assumida como uma vontade política expressa de alterar a realidade ambiental na estrutura produtiva foi quase sempre empurrada pela legislação comunitária, pela pressão das oposições e pelo escândalo que algumas situações de vazio legislativo criavam em Portugal. A preocupação era mais a de fazer leis para mostrar lá fora do que alterar de facto a situação ambiental nos diversos domínios da actividade económica.
O principal problema com que o País está confrontado é que o país real nada tem a ver com o país legal. A legislação ambiental, como todos os Srs. Deputados sabem, não é cumprida e o Estado não tem assumido como devia o seu papel fiscalizador. O descrédito em que caiu a legislação ambiental é dos mais graves problemas que enfrenta a política ambiental em Portugal
Em segundo lugar, o pior destes anos foi a permanente orientação do Governo em sacrificar os valores ambientais na decisão política. Em todas as políticas sectoriais sacrificou sempre a qualidade ambiental aos objectivos de crescimento. E custa ver o Sr. Secretário de Estado vir dizer que ao longo destes anos se integraram as preocupações ambientais nas políticas sectoriais. Sr Secretário de Estado, em que políticas? Sc passarmos pelas obras públicas, pela política florestal, pela indústria, pela decisão de localização da ponte sobre o Tejo, todos nós chegamos à conclusão que, quando teve que decidir, o Governo sempre decidiu contra o ambiente. A lei do Governo foi uma espécie de lei «a cada dia seus problemas». Ainda me recordo de ouvir alguns governantes dizerem que era preciso primeiro aumentar a riqueza económica para depois pensar na ecologia. Neste aspecto, Portugal não aprendeu nada com o que se passou em outros países. Em nome do crescimento o Governo sacrificou o desenvolvimento.
Em terceiro lugar, uma Administração débil. A ausência de uma aposta política clara na prioridade ambiental resultou numa Administração incapaz de assegurar as tarefas que só o Estado está em condições de realizar. Para além de legislar mal a Administração não tem revelado capacidade de fiscalizar, para incentivar, para punir A própria Administração conhece mal o ambiente e, embora hajam áreas de estudo intenso, há áreas significativas de grande ignorância. Ora, estando o êxito destas políticas muito dependente do conhecimento dos dados ambientais e da monitorização das fontes de poluição, mal se compreende que em 10 anos continuemos com uma informação ambiental tão dispersa, tão episódica e tão imprecisa. Em 10 anos, infelizmente, o País não construiu, como é fundamental para o êxito desta política, uma administração ambiental qualificada, conhecedora, apetrechada e prestigiada.
Em quarto lugar vem a pobreza dos orçamentos. Os orçamentos do ambiente destes 10 anos confirmam a mar-

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ginalidade da política de ambiente. O volume dos meios nacionais afectos ao ambiente nunca excedeu os 10,15% do PIB e os investimentos ambientais do Estado previstos nos diversos orçamentos anuais nunca ultrapassaram os 5% do total de investimentos. Estes números falam mais alto que as palavras e se é verdade que é nas escolhas orçamentais que se encontram as verdadeiras políticas e as verdadeiras prioridades, a natureza dos orçamentos ambientais fica aí como a insofismável demonstrarão de uma política fraca, secundária e pobre.
Em quinto lugar, a dança dos responsáveis. A falta de uma orientação política clara e coerente é singularmente reforçada, realçada, pela instabilidade que esta área de governação sofreu nos últimos 10 anos. Para quem não se lembra, direi apenas que em 10 anos se sucederam 5 responsáveis, com uma média de dois anos por responsável. Não há melhor exemplo de um ministério à deriva! E o principal problema é que a substituição de responsáveis levou sempre a alterações na posição do Governo sobre os principais dossiers da política de ambiente. Os exemplos, podemos encontrá-los no Plano hidrológico Nacional Espanhol, que teve várias fases e várias alterações. E podemos também referir o já aqui citado Sistema Nacional de Tratamento dos Resíduos Industriais, que cambem teve várias orientações e várias fases. E estes exemplos ficam como paradigma dum ministério que teve tantas orientações como responsáveis, fazendo adiar e protelar para além do razoável as decisões políticas que o País tanto necessita.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O balanço defiolador destes últimos anos de política ambiental deixam-me a sensação amarga que neste domínio está quase tudo e por fazer, o que constitui uma herança pesada. Portugal chega a 1995, ao fim dos Governos do PSD, com marcada défice de qualidade ambiental, com um quadro legal distorcido e desacreditado, uma história política marcada pela instabilidade dos governantes e pela incoerência das políticas e, finalmente, com os cidadãos cada vez mais distantes e desconfiados do empenhamento das instituições na construção de uma política de ambiente clara, firme e coerente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - No entanto, não deixo de concordar e de realçar que a aprovação do Pacote Delors 2, a duplicação dos fundos estruturais comunitários e a criação do novo fundo de coesão vêm dar a Portugal uma nova oportunidade e uma nova exigência. Mas esta oportunidade e esta exigência é uma decisão comunitária e não uma decisão do Governo português. Neste domínio o Governo português andou a reboque da Europa porque e a Europa que impõe a Portugal essa prioridade e essa exigência.
E portanto fundamental não desperdiçar esta oportunidade. É preciso responder com responsabilidade a esta exigência mas para isso é necessária uma nova agenda política, uma nova agenda que confira uma nova prioridade à questão ambiental num modelo de desenvolvimento português.
Gostaria, naturalmente, de vos referir seis pontos que constituem seis prioridades e que naturalmente informarão no essencial a agenda política ambiental da um governo de uma nova maioria do Partido Socialista e que informará a nossa proposta política a apresentarão aos eleitores em Outubro e que são: a modernização do Estado, a política da água, a questão do ambiente urbano, a política industrial, a conservação da natureza e a educação ambiental.
Começo naturalmente pela modernização do Estado. O novo imperativo ecológico coloca um novo desafio aos poderes públicos, desafio esse a que os velhos Estados centralistas e burocráticos não estão em condições de responder. A política de ambiente exige um Estado que assuma as suas responsabilidades neste domínio num quadro institucional descentralizado, aberto e cooperante internacionalmente.
Esta reforma e modernização do Estado e da administração do ambiente tem, no fundamental, três direcções: um Estado mais responsável, mais aberto e participado e mais activo na dimensão internacional do ambiente
Numa área política que é essencialmente um combate pelo futuro e pela solidariedade geracional, o mercado não tem respostas para a maior parte das questões: se o mercado pensa em quem compra, as futuras gerações não estão no mercado porque não compram.
Estando Portugal ainda no início do desenvolvimento da sua política de ambiente, o Estado não pode deixar de assumir as suas responsabilidades no que respeita à regulamentação dos diversos sectores, à fiscalização e implementação do cumprimento da lei e ainda à sua capacidade incentivadora de comportamentos num relacionamento de verdadeira parceria com instituições públicas e privadas, com empresas e cidadãos.
Por outro lado, os novos desafios ambientais convivem mal com as teias centralistas e burocráticas que ainda hoje caracterizam os serviços da Administração A descentralização política de competência e recursos e uma condição de sucesso para uma política que exige uma democracia, que exige participação, informação e transparência.
As autarquias locais e as futuras regiões devem estar na primeira linha do combate ambiental. Sem elas. nenhuma política terá êxito Nas principais áreas da política ambiental (recursos hídricos, política de conservação, questões de ordenamento, ambiente urbano) e fundamental que os órgãos políticos locais e regionais tenham competências e participação, quer na definição das políticas nacionais quer na execução concreta dessas políticas.
Finalmente, é preciso assumir a dimensão internacional da política de ambiente como fundamental para Portugal, quer como Estado membro da União Europeia quer no quadro das Nações Unidas E devemos fazê-lo sem preconceitos nacionalistas nem complexos de inferioridade, porque é decisivo dar uma nova prioridade à vertente internacional da política de ambiente, para assegurar a intransigente defesa dos interesses do nosso país nos principais dossiers ambientais, quer seja na reconversão e modernização ambiental da nossa indústria ou da nossa estrutura produtiva, quer seja aquela que se refere à questão dos recursos hídricos portugueses.
A segunda prioridade: a política da água - e aqui aproveito para me congratular com uma saudável convergência com outras forças políticas na assunção desta questão como uma grande prioridade nacional - , que é, sem dúvida, a questão mais importante e estruturante da política de ambiente em Portugal.
Todos os indicadores da qualidade de água nos nossos rios; das águas das praias; da qualidade da água distribuída; do tratamento dos esgotos urbanos industriais, não deixam dúvidas de que, neste domínio, estamos na cauda da Europa, que a situação se tem degradado nos últimos anos e que esta questão reclama uma resposta política urgente.

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Por outro lado, o debate sobre o Plano Hidrológico Espanhol veio mostrar a debilidade em que o País se encontra í no domínio do planeamento e da gestão dos nossos recursos hídricos. É, pois, fundamental, definir uma política da água que aponte para a consolidação da legislação dispersa numa lei da água propriamente dita; para a criação de órgãos próprios e descentralizados de gestão da água,- por bacia hidrográfica ou por grupos de bacias hidrográficas; para a dinamização dos processos de elaboração dos Planos de Bacia e do Plano Nacional da Água; para o estabelecimento de um plano actualizado de protecção e conservação da rede hidrográfica; para o estabelecimento de sistemas e corpos eficazes de fiscalização e controlo de aplicação da legislação da água.)
Em terceiro lugar, como terceira prioridade, a questão do ambiente urbano. O modelo de crescimento económico e o desenvolvimento urbano seguido em Portugal nos últimos anos, criou um novo e muito sério problema ambiental. E é lamentável que o Governo se esqueça que são os últimos 10 anos responsáveis por um agravamento do desequilíbrio territorial que causa, porventura, o mais sério problema ambiental em Portugal. E que o crescimento sem regras das grandes áreas urbanas do litoral à custa das migrações que despovoaram o interior criaram pontos de crise social e ambiental nas cidades portuguesas que exigem uma resposta política que não pode tardar.
A verdade, Srs. Deputados, é que o sucesso económico do País exige cidades com dinâmica social, cultural, económica e política. O êxito da competitividade nacional no quadro comunitário exige cidades atractivas ao investimento e com eficácia económica. A prosperidade económica do nosso país exige cidades com estabilidade social, com padrões ambientais elevados, com beleza, com inovação e com criatividade.
Combater a poluição urbana é decisivo não apenas para melhorar o bem-estar físico dos cidadãos mas salvar um património de liberdade e de criatividade que está hoje ameaçado porque a cidade já não liberta, muitas vezes, a cidade massifica e oprime.
É, portanto, fundamental um programa político que mobilize o Governo e as autarquias e que tenha como objectivos humanizar a cidade e responder ao desafio ambiental. Humanizar a cidade, defendendo e valorizando os centros históricos como memória e identidade das cidades; qualificar as zonas suburbanas onde se alojam os maiores dramas da cidade (solidão, pobreza, marginalidade); recuperar as áreas degradadas que devem constituir novas oportunidades de qualificação urbana e que podem melhorar e modificar a imagem das cidades; promover uma arquitectura de qualidade, encorajando a inovação e a criatividade e garantindo a sua compatibilização com o antigo e com o histórico.
Incentivar a utilização mista do espaço público das cidades, tornando a cidade mais plural e variada e devolvendo-lhe uma dimensão comunitária e solidária, apostando na dinâmica cultural urbana, como elemento essencial da vida das cidades.
Mas favorecer também a presença da natureza na cidade, incentivando os «planos verdes» de melhoramento, de protecção e de ampliação dos espaços naturais das cidades; combater a poluição urbana do ruído e do ar, através de programas de qualificação e extensão do transporte público (matéria em que o Governo não teve uma palavra nem uma acção), devolver aos peões áreas que permitam andar a pé e redescobrir a cidade, dando uma nova prioridade ambiental à gestão do trânsito, melhorando os serviços públicos deste domínio e melhorar também os serviços públicos de abastecimento de água, de tratamento de esgotos e de colecta e de tratamento de lixo, incentivar a reciclagem e aproveitar a disponibilidade que os cidadãos têm para participar em todas estas tarefas.
Srs. Deputados, em quarto lugar, a questão industrial, porque a crise industrial, que é indisfarçável, se é verdade que veio provocar alguma desindustrialização com efeitos positivos sobre a situação ambiental em zonas localizadas, não deixa de ser verdade que se mantém o mesmo padrão geral da poluição industrial: mais cuidados ambientais, desordenamento continuado no ciclo de resíduos, baixa percentagem de reciclagem e de reutilização, baixo tratamento de efluentes, degradação da eficiência energética global.
Esta situação exige uma acção decidida em quatro direcções principais: apoio à reconversão ambiental da pequena e média indústria; estudo e divulgação, por sector, das tecnologias menos poluentes disponíveis; no reforço da contratualização com indústrias e associações sectoriais ou regionais de indústrias; na avaliação e promoção da reciclagem, da reutilização e da redução de consumos de materiais ê de energia.
Em quinto lugar, a conservação da natureza. Factor essencial da política de ambiente, a conservação da natureza, no fundamental, consiste em assegurar a manutenção da diversidade biológica e a utilização dos seus componentes, bem como assegurar a vitalidade das paisagens rurais e das actividades humanas a elas associadas. Esta política depende claramente da participação e da co-responsabilidade dos cidadãos e suas associações, sem as quais a acção do Estado será apenas enunciativa.
Aliás, nos últimos anos, esta política passou, como os treinadores de futebol, de bestial a besta! Se é verdade que há 10 anos atrás toda a gente queria áreas protegidas na sua região, a verdade é que agora temos um grande receio na classificação de áreas, no fundamental porque o Estado não investiu nelas e são hoje consideradas pelas populações não como factor de progresso mas como um factor de retrocesso. Popularizar de novo esta política, investir mais no conhecimento, investir mais no progresso económico dessas regiões é fundamental para garantir à conservação da natureza um novo papel na política de ambiente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, a educação ambiental. A assumpção de opções e políticas na área do ambiente deverá passar cada vez mais a constituir matéria do foro da decisão pessoal de cada cidadão, construindo um elemento de cidadania moderna ro prosseguimento de um objectivo legítimo, a qualidade de vida. E essa introdução da cultura ambiental assenta em três vertentes distintas: a intervenção ao nível do sistema escolar que, ao contrário do que foi dito, regrediu muito nos últimos anos; a educação ambiental fora do sistema escolar e finalmente uma formação ao nível técnico.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: De acordo com o tempo que tinha, procurei dar-vos o balanço que o PS faz dos últimos anos de ambiente e apresentar-vos a agenda política que vamos propor aos portugueses em Outubro. Em Outubro, os cidadãos serão chamados a escolher entre o velho Governo e a nova maioria. Tenho a certeza que os portugueses não deixarão de apostar numa nova maioria e numa mudança política.

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Aplausos do PS.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Barbosa de Melo.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados José Silva Costa e André Martins. Tem a palavra o Sr. Deputado José Silva Costa

O Sr. José Silva Costa (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Sócrates, tenho de reconhecer que, estruturalmente, esta foi uma das suas melhores intervenções nesta Câmara, o que não quer dizer, naturalmente, que esteja de acordo com o seu conteúdo. O Sr. Deputado tem entre nós alguma fama de ser distraído, mas não estou de acordo com essa fama pois não o considero distraído, se bem que considere que, por vezes, quando lhe convém, dá a entender que está ou é distraído, o que não é a mesma coisa.
Quero referir este facto precisamente para recordar uma coisa que o Sr. Deputado certamente não esqueceu quando fez a crítica de que não havia a integração da política de ambiente nas políticas sectoriais. Assim, quero recordar-lhe uma discussão que tivemos nesta Câmara no final do ano passado, aquando da discussão do Orçamento do Estado para 1995, em que foram referidas as várias áreas, os vários ministérios, onde havia intervenção do ambiente nas políticas sectoriais, para já não falar do acordo feito nessa altura pelo Governo e que envolvia: diversos ministérios e alguns parceiros sociais.
Por outro lado, também queria contestar a sua afirmação de que o Governo não tem uma política de ambiente, que anda a reboque da União Europeia, que aquilo que tem feito em termos de ambiente é por força, por obrigação da interposição da UE, mas, sendo assim, é «preso por ter cão e preso por não ter». Se Portugal não fizesse nada, o Sr. Deputado acusaria o Governo - e algumas vezes o tem feito - de não transcrever para legislação nacional as directivas comunitárias, mas, como o faz, vai a reboque, não tem política!
Além disso e para terminar, gostava que me esclarecesse uma dúvida. V. Ex.ª criticou, e bem, o facto de às nossas cidades não terem cada vez mais melhor ambiente urbano. Sendo verdade que por vezes ele não corresponde à qualidade desejável e V. Ex.ª disse, e muito bem, que é preciso humanizar as cidades, acrescentou ainda, e muito bem, que é preciso preservar, recuperar o património arquitectónico, que é a história, que é o passado da nossa própria cultura, mas só não percebi a quem se referia exactamente, já que essas são matérias incluídas em áreas que pertencem à gestão autárquica. Como sabe, as maiores cidades cio país estão sob gestão autárquica socialista e por isso não sei se a crítica era para o Governo ou se era para os seus camaradas que estão a gerir as maiores cidades portuguesas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. José Sócrates (PS): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr, Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Sócrates, V. Ex.ª disse que o Governo, em matéria de ambiente, quando decide, decide sempre contra o ambiente. Disse e disse muito bem. Aliás, nós temo-lo afirmado e demonstrado bastas vezes nesta Câmara e fora dela.
No entanto, Sr. Deputado, o que nos preocupa- essa é minha questão - é o facto de em matérias que consideramos extremamente importantes o Partido Socialista, ou pelo menos V. Ex.ª, também decidirem contra o ambiente. E eu recordo-lhe a sua posição relativamente à opção de incineração dos resíduos tóxico-perigosos e particularmente' a sua posição quanto à localização da incineradora em Estarreja, precisamente num sentido contrário àquela para que apontam os estudos de impacte ambiental. Não menos preocupante é o conhecimento que temos da sua posição relativamente a ser favorável à construção da barragem de Foz Côa em detrimento da preservação e da defesa das gravuras rupestres. E tão ou mais complicado e grave, no nosso entender, e aí, tanto quanto sei, numa posição diferente da que o PSD tem tomado nos últimos anos, é a circunstância de o Partido Socialista ser favorável à introdução da energia nuclear em Portugal. Estas são preocupações que temos pois acompanhamos as posições dos vários partidos e em particular do Partido Socialista que está a fazer uma campanha eleitoral solicitando uma maioria absoluta. Assim, Sr. Deputado, certamente compreenderá, que aproveitemos este momento para colocar estas preocupações a fim de que V. Ex.ª tenha a oportunidade de dizer de sua justiça relativamente a estas posições que o Partido Socialista tem tomado ou V. Ex.ª tem tomado ou que aparecem nos textos que têm sido tornados públicos, seja no programa do Governo, seja na elaboração dos documentos para os Estados Gerais.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Sócrates.

O Sr. José Sócrates (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado André Martins, começo por si para, em primeiro lugar, definir o meu ponto de vista sobre a questão ambiental.
Já aqui foi citado um grande autor, o filósofo Luc Ferri, que se dedicou ultimamente à questão ambiental e eu aproveito para dizer que estou um pouco na linha dele. Não concordo com a ecologia profunda e acho que o combate ambiental é o combate pelo homem. Portanto, mantenho-me fiel à minha costela antropocêntrica, que me vem das Luzes, e não abandono a ideia de que a defesa do ambiente é, essencialmente, uma defesa do homem e uma luta pelo homem. Temos a obrigação de proteger e de nos relacionarmos de forma diferente com a natureza para valorizar o homem.
Este é o meu ponto de vista e devo dizer-lhe que me recuso a entrar num debate entre barragem e gravuras, onde se considere o interesse da barragem como um interesse mesquinho e ordinário, no sentido vulgar e, mais, como se quem fala no interesse económico da barragem esteja imediatamente conotado como um vil «betão armadista», como alguém que não considera esses interesses económicos. É por isso que não alinho em fundamentalismos e partilho o ponto de vista expresso pelo meu partido, um ponto de vista razoável, que é o de que, neste momento, se deve parar para pensar, para avaliar e para arbitrar os interesses em presença e para decidir, tendo sempre em consideração o interesse dos portugueses e do homem. Isto, porque não alinho também em visões fundamentalistas e radicais. Aí tem a minha posição sobre esta questão.

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Em segundo lugar, não acho que seja deliberar contra o ambiente decidir da localização da incineradora. A minha principal crítica incidiu sempre sobre o facto de o Governo ter demorado 10 anos a decidir. Aliás, demorou 10 anos a decidir porque cometeu um erro político na condução do processo, quando quis fechá-lo em segredo e decidiu primeiro pela sua instalação em Sines e, depois, nos últimos anos, teve de arrepiar caminho e transformar o processo num método mais democrático.
Finalmente, quanto ao nuclear, Sr. Deputado, acho que deve andar a sonhar. O meu partido não defende nem o nuclear nem nunca...
Sr. Deputado, não se ponha a encolher os ombros!... Eu sei bem qual é a posição do meu partido e a minha posição sobre o assunto.
Sr. Deputado José Silva Costa, não sei se quem está distraído sou eu ou é o Sr. Deputado, porque às vezes também lhe convém ser distraído.
Sr. Deputado, explique-me lá quando é que viu a integração das preocupações ambientais nas diversas políticas sectoriais. Descubra-me lá onde é que houve essa preocupação na política de obras públicas, que teve, nos últimos 10 anos, os maiores conflitos ambientais. E, a este propósito, recordo-lhe a Via do Infante, a construção da auto-estrada Lisboa-Porto - passa numa área protegida o que, certamente, V. Ex.ª achará um disparate, mas, enfim, já lá está - e a ponte sobre o Tejo.
O que eu digo é que, sempre que se tratou de decidir, o Governo decidiu contra o ambiente e nunca considerando a componente e a valorização do ambiente como questão fundamental para o nosso desenvolvimento.
Quer que lhe recorde outra política sectorial? Então, lembro-lhe a política florestal. A única política que vimos o Governo adoptar nos últimos três anos quanto à questão florestal foi a célebre política do eucalipto, a do petróleo verde para Portugal, isto é, a floresta vista apenas como um meio de produção, sem ter em atenção aquilo que qualquer país civilizado considera: a sua dimensão ecológica e ambiental.
Sr. Deputado, o que quero dizer é o seguinte: grande parte da legislação feita por este Governo está mal elaborada, foi redigida com visão minimalista, para cumprir calendários e para apresentar uma cara limpa na Europa.
Aliás, posso enumerar-lhe vários exemplos, mas lembro-lhe apenas a questão dos impactes ambientais, que sempre foi feita como pressão. O desejo do Governo era ignorá-los, porque os impactes ambientais sempre foram vistos por vários ministros - e lembro-me bem da posição deles (já lá vão uns anos, é verdade) - com o receio de que se transformassem no impossível desenvolvimento das obras públicas. Lembro-me bem disso.
Quanto à minha afirmação de que andamos a reboque da Europa, quero com ela dizer que a consideração do ambiente como questão essencial ao nosso desenvolvimento não é uma opção política do Governo - nunca foi -, é, agora, induzida pela Europa. Bom, mas nisso estamos todos de acordo e ainda bem que é assim. Venha de fora ou decida-se cá dentro, ainda bem que é assim.
Finalmente, as cidades. Sr. Deputado, a este respeito limitei-me a dizer que quem não olha hoje para as nossas cidades e não acha que se passa aqui o maior drama social e ambiental e, mais, quem não tem consciência de que estamos a atingir uma situação em que temos de dar uma resposta imediata sob o risco de transformarmos a vida num inferno, quem não acha que é nas cidades que se vive hoje a maior crise ambiental e quem não percebe que essas questões ambientais são as que, porventura, têm um quadro mais difícil de resposta política, porque exigem várias orientações ao nível de várias políticas sectoriais - ao nível dos transportes, da habitação, etc. -, quem não percebe que nas nossas cidades está a maior bomba ambiental, não percebe a questão ambiental do nosso país. E eu fico espantado por, apesar de, de vez em quando, falar no ambiente urbano, o Governo não ter definido ainda um programa político para responder ao desafio ambiental que as nossas cidades colocam.
Dir-me-à o Sr. Deputado: não, mas isso é uma crítica aos presidentes das câmaras, cies é que devem...
Bem, sabe o que é que eu oiço os presidentes da câmara dizerem? Todos eles estão muito preocupados com esta questão, mas todos eles têm o mesmo problema: dificuldades financeiras.

Protestos do PSD.

Srs. Deputados, deixem-me concluir.

O Sr. Presidente: - Ó Sr. Deputado, está a ultrapassar, em muito, o tempo de que dispunha.

O Orador: - Sabem, Srs. Deputados, pode ser que, daqui a uns meses, estejam os senhores a fazer o mesmo discurso. É que podem passar para a oposição!

Protestos do PSD.

O que quero dizer e que, tendo o Governo 95% dos recursos financeiros do País e as câmaras 5% e tendo nós consciência dos investimentos que é preciso fazer para responder a esta crise social e ambiental da nossa sociedade - e percebemo-lo facilmente -, é o Governo quem tem de ser o indutor destas políticas, para dar uma resposta satisfatória às nossas cidades.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Partido Ecologista Os Verdes, numa lógica de mostrar serviço ao seu parceiro de coligação, o PCP, dono e senhor dos seus destinos,...

Aplausos do PSD.

... decidiu utilizar a figura regimental da interpelação ao Governo. Nem o facto de esta Câmara ter sido palco de recentes e sucessivos debates de natureza ambiental o demoveu desse propósito. Nós, Grupo Parlamentar do PSD, já percebemos.
A CDU, essa entidade política hibernante, está prestes a acordar e a lançar-se, com a fúria de todos conhecida, na batalha eleitoral

O Sr. Paulo Rodrigues (PCP): - Que disparate!

O Orador: - Esta interpelação é a última oportunidade do Partido Ecologista Os Verdes para, em prova oral, reunir os créditos necessários para transitar para a nova legislatura.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - Pela nossa parte e por aquilo que vimos e ouvimos durante a VI Legislatura em matéria do orientação estratégica para a política nacional de ambiente, damos já a merecida nota negativa ao Partido Ecologista Os Verdes.
Lamentamos dizê-lo, mas o Partido Social Democrata reprova no Partido Ecologista Os Verdes a sua irreverência programática, a ausência de uma identidade ambientalista moderada e a utilização sistemática das calamidades ecológicas como arma de arremesso político contra o Governo e o PSD.
O Partido Ecologista Os Verdes não quer, por exemplo, que o País tenha um sistema nacional de tratamento de resíduos industriais porque a rentabilidade do seu discurso político depende do numero de lixeiras a céu aberto e de posições clandestinas de materiais tóxicos no território nacional.

Aplausos do PSD.

A acção do Governo tem feito diminuir, felizmente, essa triste rentabilidade.
Na verdade só nos interessa, como modelo conciliador entre o progresso e a natureza, um desenvolvimento sustentável assente na co-responsabilização política interministerial e no diálogo frutuoso com as autarquias, associações de defesa do ambiente e do consumidor, empresários e universidades. O ecologismo vanguardista e sectária não faz parte nem do programa do Partido Social Democrata nem dos programas dos seus governos.

Aplausos do PSD.

Somos um partido com um projecto global e reformista da sociedade, queremos fortalecer a economia nacional usufruindo, racionalmente, os recursos naturais, conservando a natureza e promovendo, sobretudo, a educação ambiental dos cidadãos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como reconciliar desenvolvimento económico e qualidade ambiental num quadro de impacte minimizado? '
Que modelo de gestão dos recursos naturais?
Como dizia há pouco, estes são dois dilemas que marcam já a transição do século. A designada «guerra da palmeia» e a dramatização que envolveu o plano nacional hídrico espanhol, em nossa opinião são dois afloramentos de algo muito sério e decisivo para a humanidade, que são as regras da partilha e de exploração dos recursos naturais dentro das nações e entre elas. O desrespeito dessas regras pode degenerar em graves perturbações da ordem internacional. Qualquer desregulação ambiental, obviamente que condiciona, fortemente, o equilíbrio á que deve obedecer qualquer plano de ordenamento do território. É exigível, pois, uma co-existência mutuamente «vantajosa e isso é possível fazer através de uma postura dialogante, sempre dialogante.
O factor demográfico também não deve ser esquecido. O reforço da litoralização da população, à custa de um decréscimo populacional no interior do País, fragilizar as estruturas económicas regionais. O Governo, para contrariar essa tendência, desenvolveu, com mérito, um grande esforço no equipamento e infra-estruturação do território, para garantir mais equilíbrio a malha urbana nacional, maior mobilidade dos cidadãos e das mercadorias entre as localidades e maior funcionalidade do espaço, adequando-as suas aptidões às opções do desenvolvimento.
Dotámos o País - e estamos à vontade para dizê-lo - de instrumentos básicos, sem os quais não poderíamos projectar a qualidade de vida em Portugal, entendida em sentido lato. É o caso de um sistema de transporte e comunicações eficiente; é o caso de uma rede alargada de equipamentos escolares e hospitalares; é o caso de um sistema nacional de áreas protegidas, onde os valores da conservação da natureza se imponham; é o caso também de uma nítida melhoria dos níveis de atendimento de água ao domicílio e de saneamento básico.
Também dotámos o País de instrumentos de política de ordenamento do território. Estabeleceram-se novas regras de planeamento e licenciamento na utilização do domínio público hídrico e permitiu-se o acesso, em regime de concessão, de capitais para actividades de abastecimento de água e saneamento básico. Foi clarificada a intervenção de figuras de planeamento como os planos directores municipais e a reserva ecológica nacional.
Portanto, os instrumentos existem. Se, porventura, algumas autarquias da oposição não os utilizam a irresponsabilidade fica com elas e não com o Governo.
Especial atenção foi dada ao litoral português - e orgulhamo-nos de dizê-lo -, com o estabelecimento dos planos de ordenamento da orla costeira. As áreas protegidas passaram a ser enquadradas por um novo modelo jurídico que introduz o nível regional e local na sua classificação, o que é importante, porque pode levar a uma útil reclassificação de áreas ecologicamente sensíveis.
O Partido Social Democrata e os seus governos têm tido - dizia há pouco - uma acção corajosa e disciplinadora na ocupação do litoral. O respeito pela orla costeira e, em alguns casos, a sua desobstrução de habitações clandestinas é um imperativo ambiental, que deve mobilizar não só a administração central mas, sobretudo, a administração local, cuja negligência, em alguns casos, é chocante e lamentável.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Veja-se, por exemplo, como a orla costeira foi sepultada sob o betão das imobiliárias em alguns concelhos socialistas algarvios.

O Sr. José Puig (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Entendemos que, nesta matéria, o Partido Socialista não tem autoridade para dar lições ao Partido Social Democrata.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Luc Ferry, professor na Universidade de Caen, que é considerado um dos mais importantes filósofos da actualidade, escreveu no seu livro A Nova Ordem Ecológica, que foi um livro premiado, o seguinte: «Pergunta-se muitas vezes se a ecologia é uma força política de corpo inteiro, se é legítimo que se constitua um partido com vocação para, eventualmente, exercer o poder em todos os sectores tradicionais da actividade governamental. É isso que os Verdes ambicionam. Creio que não têm razão». E acrescentava' «Política, a ecologia não seria democrática; democrática teria de renunciar às miragens da grande política».

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Partido Social Democrata, não sendo um partido somente ecologista, continuará, todavia, naquela

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atitude realista e pragmática de inserir a defesa do ambiente no processo de desenvolvimento do País como uma das suas componentes indispensáveis.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente:- Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Isabel Castro e André Martins.
Para o efeito, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mário Maciel, penso que V. Ex.ª conseguiu, pelo menos, dar mais vivacidade e maior alegria a este debate, sobretudo pelo carácter, que não deixou de ser humorístico, daquilo que sintetizou no final da sua intervenção, ao dizer que o Partido Social Democrata é ecologista, mas também preocupado com outras vertentes. É, no mínimo, uma ideia divertida e julgo que, neste debate, que estava a morrer, é interessante.
Gostaria não tanto de fazer perguntas mas antes comentar dois aspectos da sua intervenção.
O Sr. Deputado Mário Maciel diz que o PSD entende atribuir nota negativa a esta interpelação que, por iniciativa do Grupo Parlamentar de Os Verdes, está a ser feita. Permita-me, no entanto, que lhe diga que deve estar a ver a cena ao contrário. É que uma interpelação é um instrumento dos grupos parlamentares e dos partidos para confrontar os governos com as suas políticas.
Portanto, Sr. Deputado, por muito confortável que isso pudesse ser, não é o PSD que vem, ao fim de 10 anos, interpelar o Partido Ecologista Os Verdes, como hipotético governo, é precisamente o contrário. Conviria que sobre isto não estivéssemos a fazer grandes confusões.
Gostaria também de comentar um outro aspecto da sua intervenção. Diz o Sr. Deputado que o Partido Ecologista Os Verdes - enfim, utilizando um argumento que não é novo, mas que o PSD utiliza sempre em todos os debates sobre ambiente - vivem, fazem política e alimentam-se das descargas clandestinas, das lixeiras e de tudo isso. Sr. Deputado, se assim fosse, porque é que o PSD quer tanto ajudar e ser nosso aliado?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Mário Maciel, deseja responder já ou no fim?

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Já, Sr. Presidente.

O Sr Presidente: - Tem, então, a palavra, Sr. Deputado.

O Sr Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Isabel Castro, agradeço-lhe a sua pergunta e as suas considerações. Todavia, gostaria de lhe lembrar que a figura regimental da interpelação ao Governo é uma figura nobre e corresponsabilizadora, isto é, obriga o Governo a dizer o que fez, mas obriga também quem pergunta a provar que faria melhor. E a Sr.ª Deputada não provou isso!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A interpelação não é um processo regimental que transforma o Governo em réu da Assembleia da República, é um processo em que o Governo é interrogado e responde, mas em que o partido interrogante tem de se assumir como um partido responsável e contrapor ao modelo que nós assumimos de governação do País em matéria ambiental um modelo mais credível. A Sr.ª Deputada não o fez, portanto, eu, para terminar, deixo aqui um desafio: se a Sr.ª Deputada acha que o Partido Ecologista Os Verdes tem um modelo muito credível, concorra sozinho às eleições legislativas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Mário Maciel, V. Ex.ª, em grande parte do seu discurso, enveredou por uma questão metafísica e, naturalmente, eu aí não interfiro. As reflexões e ponderações a propósito destas questões são suas.
Contudo, como o considero um Deputado responsável e reconheço que tem preocupações ambientalistas, e não ecologistas - e, já agora, aconselhava-o a ponderar e a estudar melhor estes conceitos -, não posso, apesar de tudo, deixar de lhe dizer o seguinte: o Sr. Deputado, pela intervenção que aqui fez, não conhece o País, não conhece a realidade do continente.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Não conheço!

O Orador: - Desculpe que lhe diga, mas eu demonstro já!
Um outro defeito que encontro na sua intervenção é que o Sr. Deputado acredita em demasia nos discursos que os membros do Governo aqui vêm fazer para mostrar obra feita e, depois, faz estas intervenções. Não podia deixar de dizer isto!
V.Ex.ª referiu-se a duas questões. A primeira tem a ver com as áreas protegidas. Sr. Deputado, existem 31 áreas protegidas em Portugal e por isso desafio-o a mencionar uma única onde estejam a ser respeitados os valores expressos nos diplomas e na lei-quadro que criou as áreas protegidas. Desafio-o a dizer uma!
Há uma área protegida que tem um grande envolvimento de associações de defesa do ambiente e até algum protagonismo da parte do Governo, que é a criação do Parque do Tejo Internacional. Sr. Deputado, é uma vergonha aquilo que a Administração - e digo Administração, incluindo, naturalmente, como primeiro responsável, o Governo - fez para levar as populações da área do Tejo Internacional a acreditarem que valia a pena criar-se o parque natural! É vergonhoso aquilo que foi feito!
E o mais grave é que tive oportunidade de, há pouco tempo - e já transmiti isso ao Governo -, contactar com todas as juntas de freguesia da área do parque e os seus presidentes e outros autarcas disseram unanimemente que estavam à espera que alguém lhes fosse explicar, depois da confusão toda que armaram, qual era a vantagem para aquelas populações e para a região da criação do parque natural.
Sr. Deputado, a questão que se coloca neste momento é esta: o Governo recuou, teve medo, e por isso o investimento que estava previsto - está aqui o documento - para aquela região, sempre abandonada, e que era da ordem dos 700 000 contos só para 1995, não foi feito. Quer dizer, depois dos erros que cometeram, são ainda aquelas populações que vão pagar pelos erros que o Governo cometeu.
Mas o Sr. Deputado também falou dos planos de ordenamento da orla costeira. Sobre isto, quero dizer-lhe o

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seguinte: é que o Sr. Secretário de Estado andou por aí a dizer - e eu até posso indicar uma data, que é o dia 16 de Novembro de 1994 - que os planos de ordenamento da orla costeira portuguesa entre Caminha e Sines vão ser adjudicados até ao final desta semana».
O que acontece é que o Decreto-Lei n.º 309/93, que criou os planos, previa que eles tinham de estar feitos num prazo de dois anos, portanto em 1995. Só que, em Í994, o Governo criou um outro decreto-lei, em que só refere que os planos da orla costeira só terão de estar, prontos passados dois anos da criação de uma comissão técnica que há-de estabelecer o regulamento. Como a comissão técnica ainda não foi nomeada, não há planos porque não há regulamentos. Esta é que é a questão!
É propaganda pura e simples, Sr. Deputado. É isso que o Governo tem feito em matéria de ambiente.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado André Martins acusou-me de não conhecer o País e de fazer intervenções desligadas da realidade. Ó Sr. Deputado, digo-lhe uma coisa: eu seria incapaz de acirrar populações contra, por exemplo, a instalação, em Portugal, de uma sistema nacional de tratamento de resíduos, como V. Ex.ª o fez e irresponsavelmente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Como o senhor tem feito ultimamente! Aplausos do PSD.
O que o Sr. Deputado André Martins tem feito ultimamente é minar o terreno para que as paixões locais inviabilizem ou tentem inviabilizar aquilo que é um instrumento decisivo de política do ambiente: tratar os nossos resíduos em Portugal.
E o Sr. Deputado contentou-se com a infeliz tarefa que lhe deram...

Risos do PSD.

...de acirrar essas paixões locais, ora baseadas infelizmente nalgum obscurantismo ora baseadas em caciquismo puro, para que Portugal não tivesse um mecanismo que consideramos importante para tratamento de resíduos.
E sabe que mais, Sr. Deputado? Aquilo que nos distingue é o seguinte: o seu partido, o seu pensamento ecologista - e eu sou um ambientalista e V. Ex.ª um ecologista - é arcaico. Nós temos um pensamento moderno que faz uso de mecanismos modernizantes para a política de ambiente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Entendemos que um país que não sabe tratar dos seus resíduos, sejam tóxicos sejam urbanos, é um país que não está no caminho do desenvolvimento. Felizmente, o nosso está!
Pensamos que quem vem à tribuna da Assembleia da República dizer que Portugal podia adiar esse sistema não tem qualquer autoridade para vir aqui pedir explicações ao PSD.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em matéria de reservas, de partes e sítios classificados, posso dizer-lhe que não há dúvida nenhuma de que, apesar de o País ser limitado, os recursos deveriam nalguns casos ser substancialmente aumentados. Há partes e reservas que precisam de mais meios, mas uma coisa é certa: da parte do Governo tem havido um espírito de preservação e conservação da natureza. Há países em que nem sequer já há reservas e sítios classificados! Portugal é um país que tem consciência de que deve haver- e há felizmente! - sítios onde os valores da natureza, sobretudo da preservação da diversidade biológica, devem efectivamente ser preservados, o que, de resto, se adequa ao nosso espírito e ao programa do Governo.
Portanto, Sr. Deputado André Martins, digo-lhe muito claramente que aplicámos uma política de ambiente de acordo com os recursos orçamentais e fizemo-lo com alto grau de eficácia; tem é de considerar que os recursos orçamentais são limitados para a área ambiental, e, como sabe, a aplicação das políticas vem na sequência desses recursos.
O Sr. Deputado André Martins, considerando-se ecologista, fica, obviamente, abrangido pelo pensamento do professor universitário francês. Isto é, os senhores pensam que podem exercer o poder somente com um programa ecologista, o que não é possível.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Permitam-me que, antes de dar início à intervenção propriamente dita, diga ao Sr. Deputado Mário Maciel - e, infelizmente, tenho de o fazer - que, para além de não estar com atenção ao que se passa no País, também não tem estado com atenção ao que se passa na Assembleia da República. Isto porque se o Sr. Deputado estivesse com atenção ao que se passa na Assembleia da República e se se desse ao cuidado de dar uma vista de olhos às actas, ao Diário da Assembleia da República, teria verificado que temos feito acusações ao Governo, aos sucessivos governos do seu partido, sobre a importância e a urgência de encontrar soluções para o tratamento adequado dos resíduos tóxico-perigosos em Portugal.
É que ao longo destes últimos 10 anos permitiu, não cumprindo e não fazendo cumprir a própria legislação em vigor e não criando as condições para que isso acontecesse, que se espalhasse, indiscriminada e irresponsavelmente, os resíduos tóxico-perigosos por este país fora, pondo em causa a nossa saúde e o estado do ambiente.
É isto, Sr. Deputado, que recomendo que faça, não considerando irresponsável a nossa posição. De facto, irresponsável é a posição do Governo, porque decidiu avançar para um modelo antes de conhecer a realidade do problema que quer resolver. Esta é a questão, e era isto que o Governo deveria resolver!
Logo, se o Governo não conhece as características dos resíduos que se produzem em Portugal, por região, se não sabe qual é a quantidade de resíduos que se produzem em Portugal, não pode optar por um tratamento que neste momento está a ser posto em causa em todos os países do mundo, não só na Europa mas nos países industrializados, como é natural.

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Portanto, isto faz parte das considerações, das recomendações feitas pela comunidade científica internacional por várias agências, designadamente a da protecção do ambiente da administração americana.
Sr. Deputado, posso facultar-lhe esses documentos, esses relatórios, nos quais poderá verificar que esta é uma má opção. É uma opção completamente errada a que o Governo faz ao prosseguir esta política, comprometendo-se com interesses que não são os nacionais mas, sim, os das multinacionais, que têm o controlo e o domínio das tecnologias de incineração.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Programa do XII Governo, do actual Governo do PSD, quando se refere ao capítulo «Ambiente e Recursos Naturais», começa por afirmar, e cito: «O desenvolvimento do País tem de ser harmonioso e ecologicamente equilibrado». E, para que não restasse alguma dúvida sobre os propósitos e compromisso firmado, acrescenta-se: «É um objectivo político e um imperativo ético».
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Qualquer ambientalista, nos dias de hoje e neste planeta, onde os desequilíbrios são cada vez mais evidentes, não poderia ter dito melhor para parecer mais convincente.
Passados os quatro anos de tempo útil para aplicação do Programa do Governo, em que esperámos ver para crer, é tempo de «dar no coco», de puxar as orelhas, de pôr no lugar quem não esteve à altura das responsabilidades, a quem não cumpriu, com alguma boa vontade nossa, mais de 2% das promessas feitas em Programa de Governo Se não vejamos.
Diz o Programa do Governo, e cito: «Depois de um primeiro período de implantação, a política de ambiente e recursos naturais deverá dar nos próximos quatro anos um salto qualitativo, tendo em vista a integração da componente ambiental nas várias políticas ambientais». Sobre este compromisso, que já vem de outros governos do PSD, todos sabemos que a introdução da educação ambiental nos programas curriculares de ensino fica para outras núpcias; que na agricultura, seja do tempo de Arlindo Cunha, que depois de isentar os portugueses de produzir, abandonou ele próprio o sector, dedicando-se desde então à defesa dos seus interesses próprios no Parlamento Europeu, seja do tempo de Duarte Silva, que continua embrulhado com as provas globais do 12.º ano, para ser reconhecido no sector, tanto no que se refere aos projectos florestais como agrícolas, a integração da componente ambiental nunca passou do plano das boas intenções; no comércio e turismo, indústria e energia e particularmente nas obras públicas os respectivos ministros, porque na acção prática dos sectores por que são responsáveis nunca conseguiram um só exemplo representativo da afirmação do princípio-base referido no Programa do Governo, cada um à sua maneira tem-se multiplicado em esforços de, pela escrita ou pela fala, esverdear a sua imagem.
Neste esforço esmerou-se o ex-Ministro da Defesa Nacional e actual candidato a Primeiro-Ministro, que, de entre outras malfeitorias, se destaca o afundamento do navio S. Miguel com substâncias tóxicas e perigosas e proibidas pela Convenção de Oslo.
Um segundo compromisso, ou conjunto de compromissos, refere-se, segundo se afirma, «à necessidade de rever, aperfeiçoar e aprofundar a Lei de Bases do Ambiente, a legislação relativa à Reserva Ecológica Nacional, à Reserva Agrícola Nacional e à avaliação dos impactes ambientais». Como nada foi feito, não se sabe porquê nem com que objectivos.
Um terceiro compromisso refere-se a uma dita particular atenção que o Governo dedicará à preparação de uma nova lei da água - continuam as promessas.
Um quarto compromisso tem a ver com a redução dos índices de poluição atmosférica nas áreas críticas. Este objectivo terá sido conseguido em situações como a do Barreiro e Lisboa, não por qualquer acção directa do Governo mas tão simplesmente pelo encerramento ou transferência de empresas poluentes dos locais considerados.
Ligado a este surge um quinto compromisso, que é o de utilizar instrumentos legislativos, económicos, fiscais e financeiros que permitam aos agentes económicos encontrar as soluções mais adequadas para prevenir problemas ambientais e solucioná-los na fonte.
Frases bonitas, com alcance político e com resultados certamente muito positivos, se alguma coisa de significativo tivesse sido feita nesta matéria. Basta dizer que na actual situação, se a legislação em vigor e da responsabilidade deste Governo fosse aplicada, a actividade económica no País parava literalmente - tal é o alcance da política dos governos do PSD/Cavaco Silva para garantir que no nosso país haja lugar a um desenvolvimento harmonioso e ecologicamente equilibrado, como se afirma neste capítulo do Programa do Governo.
Um outro compromisso, igualmente importante do nosso ponto de vista, se tivesse sido implementado no quadro de uma política global e integrada de ambiente, era o de incentivar a reciclagem e a recuperação de todos os resíduos que são passíveis de ser valorizados (e isto pode ler-se no Programa do Governo). Se este compromisso tivesse sido posto em prática, os poucos argumentos que o Governo tem utilizado para justificar as suas opções em matéria de gestão e tratamento de resíduos, designadamente o recorrer à incineração, seriam ainda mais ridículos do que já o são hoje.
Um sétimo compromisso que o Governo assumiu foi o de rever a Lei da Caça, até hoje! Por isso, assistimos impunemente à destruição da fauna autóctone e à introdução em massa de espécies exóticas, também isto em nome do desenvolvimento do País, segundo o Governo.
Um oitavo compromisso refere-se à conservação da natureza que limita as preocupações sobre as áreas protegidas, comprometendo-se a melhorar a sua gestão e a promover iniciativas que visem integrar as populações residentes no espírito de protecção das áreas protegidas, dando-lhes alternativas viáveis e tornando-as participantes nos planos de desenvolvimento e protecção das áreas onde residem - intenções mais bonitas e viçosas seria difícil de conseguir para fazer acreditar qualquer incauto, Srs. Deputados!
Para não sermos acusados de não termos sido exaustivos referiremos, finalmente, os compromissos assumidos pelo Governo de incentivar a participação dos cidadãos e de todos os agentes sociais na definição das políticas a adoptar numa perspectiva de diálogo e transparência, possibilitando um fácil acesso à informação.
Tudo isto terá sido cumprido- dirá o Governo! Os exemplos que demonstram o contrário são múltiplos e variados - dizemos nós! E recordamos o caso dos debates sobre os aterros e a incineradora de resíduos tóxicos-perigosos em que tudo estava antecipadamente decidido, o caso das consultas públicas na avaliação do impacte ambiental, em que a maior parte das vezes, quando acontece, ou já está tomada a decisão ou não é dada informação acessível às populações para se poderem pronunciar E o caso da não publicação, de três em três anos, do Livro Branco sobre o estado do ambiente em Portugal ou

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da não publicação anual do relatório do estado do ambiente, como a lei obriga.

Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, acabamos de demonstrar como este Governo tem sido incapaz, também por falta de vontade política, de cumprir o que promete e, desta forma, estamos em crer que a máscara caiu. definitivamente. Os sucessivos governos do PSD (Cavaco Silva/Fernando Nogueira) prometeram mas não cumpriram, prometeram mas não fizeram cumprir, prometeram mas não criaram as condições para fazer cumprir a política de ambiente que a Constituição preconiza, desde 1976» p que a Lei de Bases do Ambiente, aprovada na Assembleia da República já lá vão oito anos, determina.
Instrumentos de política de ambiente e ordenamento do território tão importantes e fundamentais como a Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e o Plano Nacional de Política de Ambiente e Ordenamento do Território, sempre o Governo se recusou a elaborar nos prazos e nos termos que a lei de bases determina. É obviamente uma opção política deliberada que é importante compreender. Se o Governo elaborasse e implementasse aqueles dois instrumentos de política de ambiente, tal como a lei estabelece, os aspectos mais negativos que caracterizam a acção política do PSD e de Cavaco Silva Seriam mais facilmente desmascarados, tais como sejam: oqentracismo de poder quase absoluto; o crescimento económico a qualquer preço; o acentuar das assimetrias regionais e o desordenamento do território imposto.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, a Lei de Bases do Ambiente, ao enumerar os instrumentos de política de ambiente e ordenamento do território, identifica ein primeiro lugar a estratégia nacional de conservação da; natureza (que está por cumprir), em segundo, o plano nacional ( que falta cumprir) e, logo em terceiro, «o ordenamento integrado do território a nível regional e municipal (...)» que, como todos sabemos, está por fazer.
Os Governos do PSD têm-se arvorado nos grandes defensores e iniciadores do ordenamento do território. O que é preciso questionar é se esse ordenamento razão serve para defender não todos mas apenas determinados interesses, criar confusão, impor critérios e normativos avulsos conforme os interesses em cada momento te para cada local e, sendo assim, estamos perante uma situação de política deliberada de desordenamento do território.
Se, antes de 1989, quem tinha mais poder é que decidia sobre a ocupação do território porque não havia legislação adequada, depois de 1989, o Governo impôs às autarquias - claro está, sempre em nome do interesse nacional - as mais absurdas condições para elaborarem os planos directores municipais, que hoje servem para pouco mais de nada, mesmo os poucos que estão aprovados.
Se o Governo decidir que um determinado empreendimento deve ser localizado na RAN ou na REN, nada mais fácil: desanexa-se o espaço; se um município estiver nas mesmas condições, o que mais custa é convencer o Governo, depois, é só construir, ocupar um espaço que, em termos biofísicos, tem aptidões para fins diferentes. É assim que a RAN e a REN constituem uma manta de retalhos em todo o território nacional e as suas situações de maior gravidade se concentram no litoral, acentuando ainda mais a degradação do estado do ambiente e da; qualidade de vida das populações concentradas no litoral, por força de uma política errada ao longo de décadas mas que, na última, não parou de agravar-se.
A par destas questões, e porque os planos com objectivos e fins variados se multiplicam, resulta que hoje a confusão está generalizada no que se refere a um correcto ordenamento do território.
Os planos regionais de ordenamento do território, os planos directores municipais e os planos de pormenor deveriam ser elaborados com base em princípios e objectivos prévia e claramente definidos para serem cumpridos em todo o território nacional.
Como, durante estes anos todos, se preferiu brincar aos planos em vez de elaborar e aprovar uma lei de bases do ordenamento do território, deparamo-nos hoje com as situações mais incríveis de desordenamento imposto ao território. A par desta situação, há ainda os planos vários que se sobrepõem sem se saber de hierarquias e, nestes casos, cada um escolhe a que melhor lhe aprouver.
Para todas estas incongruências, o Governo continua a argumentar que mais vale... que está a fazer... que vai fazer...
Para nós, Partido Ecologista Os Verdes, mais vale prevenir porque a destruição irracional de património, que é riqueza nacional, não pode continuar, porque os recursos são finitos e porque não podemos continuar a hipotecar o futuro das gerações vindouras e aqui estamos, mais uma vez, a denunciar uma política criminosa para a defesa de um ambiente são e ecologicamente equilibrado a que todos temos direito por determinação da Constituição da República Portuguesa. É por isso que temos a certeza de que este Governo e a sua política têm os dias contados!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, declaro terminada a parte dedicada ao debate propriamente dito.
Passamos à fase última desta interpelação, a do encerramento.
Para uma intervenção, por tempo não superior a 10 minutos, tem a palavra, na qualidade de representante do partido interpelante, a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes). - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr." e Srs Deputados: Hoje, de novo, através do Grupo Parlamentar de Os Verdes, o ambiente subiu uma vez mais a Plenário para. neste final de legislatura e de cinzento ciclo de poder - é nossa convicção -, ter com o Governo encontro marcado para, da realidade falada, à realidade vivida, fazer-se o balanço (o qual foi feito 10 anos após o PSD ser poder, oito dos quais absoluto) daquilo a que, pomposamente, o Executivo chamará a sua «década de desenvolvimento» e - o que já aqui afirmámos - do extermínio silencioso dos homens e da natureza.
Os números falam por si 15% das populações raianas foram empurradas para o litoral, um quarto dos portugueses foram expulsos dos campos para a cidade; no litoral, apenas entre a faixa compreendida entre a Grande Lisboa e o Grande Porto, concentram-se 7 dos 10 milhões de portugueses que somos, as pressões urbanísticas aumentaram como nunca e 90% da actividade turística concentra-se junto à costa.
As cidades cresceram incontroladamente, o ambiente urbano degradou-se com mais ruído, mais população, mais stress, menos saúde.
As águas balneares, particularmente junto às cidades do Porto e de Lisboa, oferecem risco para a saúde pública; só 21% dos portugueses são servidos por ETAR; 48%, por rede de esgotos, 77%, por abastecimento de água.
Quanto aos rios portugueses, 25% estão contaminados, na sua grande parte, devido às indústrias; a produção de resíduos sólidos urbanos aumentou 40%, embora só me-

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nos de um quarto tenha tratamento adequado, ou seja, 1,755 milhões t/ano não o têm. Dos cerca de 1,3 milhões t de resíduos perigosos, 75% são depositados no solo sem qualquer tratamento e encontram-se dispersos, segundo dados da Comissão Europeia, por 1800 pontos negros.
Das 50 000 t de resíduos hospitalares produzidos, dos quais metade estão contaminados, nem 50% são incinerados.
Cerca de 136 000 ha de floresta foram destruídos pelo fogo, grande parte dos quais logo foram ocupados por eucaliptos que abrangem hoje 13% do total da floresta portuguesa. Os fogos, nesta década, aumentaram 51% em relação à anterior. A desertificação aumentou bem como a erosão dos solos que atinge 30% do território.
Estes dados são, naturalmente, escamoteados na ilusão de que, quem não sabe, é como quem não sente. A todos estes diagnósticos, o Governo furta-se, explicando-se assim o facto de, em frontal violação da lei, não publicar o livro branco do ambiente. No entanto, estas realidades não se podem desmentir, tapar, camuflar, colorir, as quais continuam vivamente, na sua triste marca, a assinalar a paisagem e, nos seus inquietantes sinais, a mostrar disfunções que, lamentavelmente, só o tempo tornará mais visíveis na sua exacta dimensão.
Esses sinais mostram-nos o que é isto do desenvolvimento sustentado para o Governo, quando: lagoas e rios, dos Açores ao Ave, se deixam com indiferença morrer; em áreas protegidas da ria Formosa à de Aveiro, com total impunidade, se permite que industriais, autarquias, entidades públicas continuem a contaminar criminosamente o património comum; em zonas de biótipos identificados e áreas protegidas (caso do sudoeste alentejano) autoriza-se, por omissão, que a maior mancha florestal de eucaliptos da Europa aí seja plantada na Herdade de Alpendurada; de Norte a Sul se legitima a betonização do litoral, com uma mão, através do Ministério do Mar e das juntas autónomas dos portos enquanto que, com a outra, se tenta esconder tal facto da opinião pública numa imagem de pseudo radicalismo, e, em pleno coração de uma das mais importantes zonas húmidas da Europa- no estuário do Tejo -, se impõe através de duvidosos estudos de impacte ambiental a construção de uma ponte que nada tem a ver com uma estratégia paia o desenvolvimento ecologicamente equilibrado da Área Metropolitana de Lisboa, para o ordenamento do território e para a qualidade de vida dos cidadãos.
Estas são realidades, mesmo quando fica pelo caminho uma Conferência que se reputou de histórica e que marcará certamente as gerações do amanhã, a demonstrar a quem o não compreendeu - e tristemente concluímos que, no PSD e no Governo, são muitos- que não há desenvolvimento sem preservação e qualidade do meio ambiente, já que este é indissociável do direito à saúde, à segurança, ao equilíbrio, ao bem-estar, à participação democrática e à paz.
Há uma incapacidade que se manifesta ainda na permanente roda-viva de um ministério, em que se sucedem reestruturações, criação e extinção de organismos, prioridades constantemente revistas, pessoas que se substituem, naturalmente em si mesmas diferentes, constantes, contudo, numa fidelidade a uma acção politicamente não beneficiadora dos direitos e do bem-estar da maioria dos portugueses mas, sim, a uma política que privilegia grupos de interesse e que entende o ambiente como um qualquer bem de consumo, como claramente se evidencia na ausência de medidas de fiscalização e na impunidade instaladas, na não concretização, entre outros, do ilícito criminal ambiental, mas tão-só na criação de mercados da água, dos resíduos. Ou seja, um ambiente feito negócio!
Realidades, incapacidades e opções cujo saldo significa desperdício, imobilismo, falta de capacidade inovadora. Mas significa também que problemas antigos ficaram por resolver, que valores patrimoniais e ambientais de hoje ficaram por preservar, que soluções para o amanhã ficaram por preparar. Uma situação que se resume, afinal, em «pior ambiente, menos desenvolvimento» e que as gerações presentes, mas particularmente as vindouras, não deixarão de pagar, e com custos sociais e ambientais acrescidos!
Um fracasso total que tão cedo, certamente, não voltará a permitir ao PSD recorrer ao ambiente como uma questão marginal ou folclórica, utilizada para colorir programas ao sabor da moda, nem apropriar-se do discurso ambientalista, como fez outrora, numa atitude politicamente desonesta de quem, sendo poder, insinuava não o ser!
Um ambiente e uma política, finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que hoje se reuniram aqui para serem julgados neste final de legislatura.
Em nome dos cidadãos, como acusação falámos, dando voz aqui aos protestos que por todo o País alastram, e à natureza, aos bens, ao património, à memória, que quotidianamente vão sendo silenciados.
O Governo e o PSD, como responsáveis materiais dos factos evocados, foram chamados a defender-se, mas, de novo, de nada foram portadores que alterasse minimamente a nossa íntima convicção de que são culpados.
O veredicto final está, pois, ditado. Cabe aos cidadãos portugueses, em Outubro, executá-lo.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território, para uma intervenção, nos termos regimentais.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território (Pereira Reis): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta interpelação ao Governo, da iniciativa do Partido Os Verdes, tinha como tema a política de ambiente e de ordenamento do território. Julgo que é justo concluir que, quanto a ordenamento do território, pura e simplesmente, não se falou nesta Assembleia. E se não se falou é porque a oposição não sabe o que é uma política de ordenamento do território, é porque não tem uma alternativa a essa política do Governo.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Isso é que é disparate!

O Orador: - Aliás, eu já suspeitava que assim fosse.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Suspeitava mal!

O Orador: - Na verdade, bastaria ler o relatório dos Estados Gerais do PS para facilmente concluirmos que, de facto, o maior partido da oposição não tem política de ordenamento do território. E isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, na minha perspectiva, é preocupante. É preocupante que quem é oposição e quer ser alternativa não tenha, afinal, alternativa à política do Governo!
Referi que, quanto a ordenamento do território, pouco ou nada se disse, mas, efectivamente, talvez alguma coisa tenha sido dita. Falou-se das grutas do Zambujal, mas esqueceram-se os loteamentos que a Câmara de Sesimbra pretendia aprovar na Aldeia do Meço. Falou-se do crés-

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cimento sem regras nas áreas metropolitanas, mas .esqueceu-se que, em termos demográficos, estas não aumentaram de população nos últimos anos e esqueceu-se também que se esse crescimento não tem regras é porque as entidades que têm a principal responsabilidade na imposição das regras urbanísticas - que são as câmaras municipais - não as impõem.

O Sr. José Sócrates (PS): - O Governo e as CCR!

O Orador: - Devo dizer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que vejo com preocupação alguma tentação, centralista do Partido Socialista quando critica, embora não o diga explicitamente, mas critica, a gestão das autarquias locais portuguesas.
Referi, igualmente, que, na minha leitura, os partidos da oposição não têm política em matéria de ordenamento do território. Talvez tenha sido exagero da minha parte. De facto, os partidos da oposição têm um simulacro de política de ordenamento do território.
O Partido Comunista tem a tentativa de anulação, em tribunal, do Plano Regional de Ordenamento do Território do Litoral Alentejano que é reconhecido por toda a gente- técnicos, associações ambientalistas, professores universitários - como sendo um bom plano de ordenamento do território.
O Partido Socialista também tem um simulacro de política de ordenamento do território. Há algum tempo, já aqui foi falado de uma cumplicidade estranha, e que na minha opinião nunca chegou a ser bem esclarecida, entre o$ interesses dos promotores imobiliários e o Decreto-Lei n.º 351/93, que o Partido Socialista parece que terá prometido alterar.
Os Verdes também têm um simulacro de política de ordenamento do território. Já aqui foi dito que não querem os planos de ordenamento, por um lado, porquê entendem que é uma enorme confusão - seguramente ainda não compreenderam as figuras de planeamento! --, por outro, porque também não compreenderam que interesses é que esses planos prosseguem. Oportunamente; poderei explicar a este partido, e, seguramente, todos os autarcas que aprovaram esses planos também o poderão fazer, que os planos de ordenamento do território' prosseguem apenas um interesse, que é o interesse publico, do País e das povoações.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Vejam como um bom chefe de gabinete dá um péssimo secretário de Estado!

O Orador: - O Partido Socialista também diz que a natureza, no fundo, só vale em função do homem! Não queria estar a entrar muito nesta área, mas gostava dê recordar ao Sr. Deputado José Sócrates que talvez esteja um pouco ultrapassado nessa visão, porque a noção de dano ecológico que hoje em dia, a nível mundial, todos aceitam tem, exactamente, o pressuposto ou uma ideia diferente.

O Sr. José Sócrates (PS): - Por que é que não vai dar aulas para a universidade?!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A política de ordenamento do território que o Governo tem vindo a prosseguir assenta nalguns vectores essenciais que, resumidamente, irei enunciar.
Em primeiro lugar, no planeamento territorial. É sabido o esforço que o País, Governo, administrações central e local têm feito no sentido de dotar o País de planos directores municipais. Gostaria de recordar que, por exemplo, há cerca de 1 ano, quando estivemos nesta Câmara devido a uma interpelação semelhante a esta, para não dizer exactamente igual, estavam ratificados 50 planos directores municipais e, neste momento, estão ratificados e em vigor 166 planos directores municipais.
Temos também apostado numa profunda reforma da legislação urbanística, cujos resultados, nalguns casos, estão bem há vista. O Decreto-Lei n.º 351/93, para citar apenas este exemplo, veio inviabilizar um conjunto de urbanizações que tinham sido, na maioria dos casos, previamente aprovadas pelas câmaras municipais e que, por exemplo, no Algarve, permitiriam a construção de cerca de 1,7 milhões de m2 de betão, 5500 edifícios, 71% dos quais no litoral, cerca de 1500 edifícios em áreas de Reserva Ecológica Nacional e cerca de 400 edifícios em áreas da Reserva Agrícola Nacional E se esses projectos não tivessem sido inviabilizados, o Algarve passaria a ter cerca de 67 000 habitantes ou ocupantes a mais, o que significa, pura e simplesmente, sete vezes a população de Quarteira.
Também temos feito a política de ordenamento do território apostada noutros dois vectores fundamentais Em primeiro lugar, no apoio às câmaras municipais, porque entendemos que elas são as principais executoras do ordenamento do território e da qualidade do urbanismo. E são vários os programas que temos criado nos últimos anos para apoiar as câmaras municipais nestes domínios, quer em termos da construção de equipamentos, quer em termos da modernização do seu funcionamento, quer em termos de adaptação às diversas normas de ordenamento do território e temos, por fim, criado os instrumentos necessários para que, efectivamente, a generalidade dos cidadãos participe na execução desta política.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este debate demonstrou que a oposição tem ideias boas e originais. Só que as boas não são originais e as originais não são boas

Aplausos do PSD.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS):- Essa não é nova! É mais velha do que a Sé de Braga!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dou por encerrado o debate da interpelação n.º 25/VI - Sobre política do Governo e o estado do ambiente e do ordenamento do território (Os Verdes).
Resta-nos agora reunir o quorum necessário para procedermos às votações. Segundo me informam, ainda estamos longe de ter esse quorum Peço, portanto, aos Srs. Deputados que se encontram, porventura, em comissões ou que andam «perdidos» pelos corredores ou nos Passos Perdidos entrem no hemiciclo para podermos concluir os trabalhos de hoje.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Sr Presidente, solicito à Mesa que informe o Sr Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território de que, em alguns aspectos que referiu, como certamente saberá, nomeadamente nos tais loteamentos na zona do Meço e na Câmara Municipal de Sesimbra, foram feitas

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alterações em que eu próprio tive alguma intervenção. Não ficaria bem com a minha consciência se não sublinhasse este aspecto.

Risos do PSD.

O Orador: - A excitação do PSD é elevada! Pelo menos, consegui animá-los, o que não aconteceu com o discurso medíocre do Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Presidente: - O debate está encerrado. O Sr. Deputado já informou e a Mesa não tem nada a dizer.
Srs. Deputados, aguardemos, então, breves momentos.

Pausa.

Vamos iniciar o período de votações, com a apreciação de uma carta que recebi de S. Ex.ª o Sr. Presidente da República, do seguinte teor: «Estando prevista a minha deslocação à Corunha, no próximo dia 9 de Junho, para inaugurar, juntamente com Sua Alteza Real a Rainha de Espanha, o novo edifício-sede da Fundação Pedro Barrié de la Maza, e estando também prevista a minha deslocação a Madrid, nos próximos dias 11 e 12 de Junho, para me ser conferido o grau de Doutor Honoris Causa pela Universidade Complutense, venho requerer, nos termos dos artigos 132.º, n.º 1, e 166.º, alínea b), da Constituição da República, o necessário assentimento da Assembleia da República».
Peço ao Sr. Secretário para proceder à leitura de um parecer e proposta de resolução da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação sobre a referida carta.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs Deputados, o relatório e parecer é do seguinte teor:

A Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação da Assembleia da República, tendo apreciado a mensagem de S. Ex.ª o Presidente da República, em que solicita o assentimento para se deslocar, em viagem de carácter oficial, à Corunha e a Madrid, entre os dias 9, 11 e 12 do próximo mês de Junho, apresenta ao Plenário a seguinte proposta de resolução:

Nos termos do n.º 1 do artigo 132.º da Constituição, a Assembleia da República dá o assentimento à viagem de carácter oficial, à Corunha e a Madrid, entre os dias 9, 11 e 12 do próximo mês de Junho.

O Sr. Presidente: - Vamos votar o parecer e proposta de resolução.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências dos Deputados independentes Manuel Sérgio, Mário Tomé e Raul Castro.

O Sr Secretário vai agora dar conta de pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre comparência de Deputados em tribunais.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal de Família e Menores de Coimbra, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de não autorizar o Sr. Deputado Manuel Sérgio (Indep.) a ser ouvido, na qualidade de testemunha, num processo que se encontra pendente naquele tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências dos Deputados independentes Manuel Sérgio, Mário Tomé e Raul Castro.

Queira prosseguir, Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a solicitação do Tribunal Judicial da Comarca da Covilhã, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir o seguinte parecer:

Considerando a declaração do Sr. Deputado Carlos Pinto (PSD), e atendendo a que se verificam as condições previstas no n.º 2 do artigo 11.º da Lei n.º 7/93, o parecer emitido é no sentido de que seja recusada a autorização requerida pelo Sr. Juiz de Direito do Tribunal Judicial da Covilhã e que, portanto, a Assembleia da República decida não suspender o exercício do seu mandato.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências dos Deputados independentes Manuel Sérgio, Mário Tomé e Raul Castro.

Faça favor de proceder à leitura do seguinte parecer, Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a solicitação dos Juízos Criminais da Comarca do Porto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado José Puig (PSD) a prestar declarações em processo que se encontra pendente naquele tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências dos Deputados independentes Manuel Sérgio, Mário Tomé e Raul Castro.

Faça favor de prosseguir, Sr Secretário.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de não autorizar o Sr. Deputado Mendes Bota (PSD) a depor, na qualidade de testemunha, em processo que se encontra pendente naquele tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências dos Deputados independentes Manuel Sérgio, Mário Tomé e Raul Castro.

Queira proceder à leitura do último parecer, Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a solicitação da 9.ª Vara Criminal do Círcu-

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9 DE JUNHO DE 1995 2837

lo de Lisboa, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado Braga de Macedo (PSD) a prestar declarações, na qualidade de assistente, em processo que se encontra pendente naquele tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação. Não havendo pedidos de palavra, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências dos Deputados independentes Manuel Sérgio, Mário Tomé e Raul Castro.

Passamos, agora, à votação final global do projecto de resolução n. º 153/VI - Apreciação parlamentar da participação de Portugal no processo de construção da União Europeia durante o ano de 1994, apresentado pela Comissão de Assuntos Europeus.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do PS, votos contra do PCP e de Os Verdes e a abstenção do CDS-PP.

Vamos também proceder à votação final global do projecto de resolução n.º 154/VI - Apreciação da actividade parlamentar na XII Conferência de Comissões de Assuntos Europeus (COSAC), apresentado pela Comissão de Assuntos Europeus.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do PS, votos contra do PCP e de Os Verdes e a abstenção do CDS-PP.

Passamos à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 129/VI - Isenta do serviço militar os filhos ou irmãos de militares falecidos ou de deficientes das Forças Armadas.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se as ausências dos Deputados independentes Manuel Sérgio, Mário Tomé e Raul Castro.

Vamos votar, também na generalidade, a proposta de lei n.º 134/VI- Altera o Código do IRS.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se as ausências dos Deputados independentes Manuel Sérgio, Mário Tomé e Raul Castro.

Srs. Deputados, a Mesa sugere, se ninguém se opuser, que se passe de imediato à votação, na especialidade e final global, da proposta de lei n.º 134/VI que acabámos de votar.

Pausa.

Como não há oposição, vamos então votar, na especialidade e em votação final global, a proposta de lei n.º 134/VI.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se as ausências dos Deputados independentes Manuel Sérgio, Mário Tomé e Raul Castro.

Passamos à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 72/VI - Arrendamento urbano para a habitação na Região Autónoma da Madeira- adaptações ao Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelos Decretos-Leis n.05 321-B/90, de 15 de Outubro, e 337/91, de 10 de Setembro, da iniciativa da Assembleia Legislativa Regional da Madeira.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS-PP, votos contra do PCP e de Os Verdes e a abstenção do PS

Informo que esta proposta de lei baixa à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos. Liberdades e Garantias.

Vamos, agora, votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 135/VI- Autoriza o Governo a alterar o Código do Procedimento Administrativo.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do CDS-PP e de Os Verdes, votos contra do PS e a abstenção do PCP.

Srs. Deputados, apesar de a proposta de lei n.º 135/VI visar uma autorização legislativa, foi apresentado pelo PSD um requerimento de baixa à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, para efeito de apreciação na especialidade, que vai ser posto à votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências dos Deputados independentes Manuel Sérgio, Mário Tomé e Raul Castro.

Srs. Deputados, foi apresentado um outro requerimento, também apresentado pelo PSD, de baixa à Comissão de Educação, Ciência e Cultura, antes da votação na generalidade, e por um período de 10 dias, da proposta de lei n.º 94/VI - Equiparação dos cursos de especialização a cursos de estudos superiores especializados, da iniciativa da Assembleia Legislativa Regional da Madeira.

Vamos, então, votar o requerimento de baixa à Comissão.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências dos Deputados independentes Manuel Sérgio, Mário Tomé e Raul Castro.

Passamos à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 581/VI - Lei de Defesa do Consumidor (PS).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, do CDS-PP e de Os Verdes e a abstenção do PSD.

Passamos à votação global da proposta de resolução n.º 91/VI - Aprova, para ratificação, o Tratado de Amizade e Cooperação entre a República Portuguesa e a Federação da Rússia.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se as ausências dos Deputados independentes Manuel Sérgio, Mário Tomé e Raul Castro.

Srs. Deputados, passamos à votação final global da proposta de lei n.º 124/VI- Autoriza o Governo a aprovar o novo estatuto do notariado, com as alterações aprovadas em sede de especialidade e constante do texto final da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD e do CDS-PP e votos contra do PS, do PCP e de Os Verdes.

Ainda em votação final global, vamos votar a proposta de lei n.º 118/VI- Aprova a lei de bases do desenvolvimento agrário, com as alterações aprovadas em sede de especialidade e constantes do texto final da Comissão de Agricultura e Mar

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2838 I SÉRIE - NÚMERO 86

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, votos contra do PS. do PCP e de Os Verdes e a abstenção do CDS-PP.

Srs. Deputados, vamos votar na generalidade, na especialidade e em votação final global, a proposta de lei n.º 112/VI - Suspensão da aplicação do artigo 10.º do Código do IRS às vendas ao Estado dos terrenos da Base das Lajes, apresentada pela Assembleia Legislativa Regional dos Açores, discutida hoje de manhã.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se as ausências dos Deputados independentes Manuel Sérgio, Mário Tomé e Raul Castro.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Vera Jardim (PS). - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, e apenas para informar a Câmara de que faremos chegar à Mesa uma declaração de voto relativamente à votação final global da proposta de lei n.º 124/VI.

O Sr Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, terminados os trabalhos de hoje, resta-me anunciar que a próxima reunião plenária realiza-se quarta-feira, dia 14 de Junho, às 10 (l a parte) e às 15 horas (2.ª parte).

Na primeira parte, haverá um período da ordem do dia com a discussão da proposta de lei n.º 121/VI- Autoriza o Governo a rever o Código de Processo Civil.
Na segunda parte, haverá um período de antes da ordem do dia, destinado a tratamento de assuntos de interesse político relevante, e um período da ordem do dia com a discussão das propostas de lei n.ºs 128/VI - Autoriza o Governo a legislar em matéria de princípios, objectivos e instrumentos do ordenamento do território, de regime geral da ocupação, uso e transformação do solo para fins urbanísticos, bem como de regime do planeamento territorial e sua execução, e 133/VI - Autoriza o Governo a estabelecer sobre o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo
Srs Deputados, espero que vivam um bom «Dia de Portugal».
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 5 minutos.

Declaração de voto enviada à Mesa, para publicação, relativa à votação final global da proposta de lei n º 124/VI

O Grupo Parlamentar do PS, em votação final global, votou contra a proposta de lei n.º 124/VI- Autoriza o Governo a aprovar o novo estatuto do notariado, não por se posicionar contra o sentido geral da reforma prevista mas por entender que é insustentável que, no termo da legislatura, o Governo venha pedir uma autorização legislativa para o efeito (quando dispôs de toda uma legislatura para implementar a reforma projectada, que quer agora remeter para o mandato do próximo governo) e não tenha fornecido até ao momento ao Parlamento os dados
financeiros indispensáveis para a avaliação da reforma, como, aliás, se comprometeu a fazer.
Pelos Deputados do Grupo Parlamentar do PS, Alberto Costa.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adriano da Silva Pinto.
Álvaro José Martins Viegas.
António Augusto Fidalgo.
António Costa de Albuquerque de Sousa Lara.
António Manuel Fernandes Alves.
António Maria Pereira.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Filipe Pereira de Oliveira.
Carlos Manuel de Oliveira da Silva.
Delmar Ramiro Palas.
Domingos Duarte Lima.
Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva.
Fernando dos Reis Condesso.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Santos Pereira.
Filipe Manuel da Silva Abreu.
Francisco Antunes da Silva
Francisco João Bernardino da Silva.
Jaime Gomes Milhomens.
João Alberto Granja dos Santos Silva.
João Eduardo Dias Madeira Gouveia.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Maria Fernandes Marques.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José de Oliveira Costa.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Borregana Meireles.
José Manuel Nunes Liberato.
Luís António Carrilho da Cunha.
Luís António Martins.
Luís Carlos David Nobre.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Maria Helena Falcão Ramos Ferreira.
Maria José Paulo Caixeiro Barbosa Correia
Marília Dulce Coelho Pires Morgado Raimundo.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva
Olinto Henrique da Cruz Ravara.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Simão José Ricon Peres.
Vítor Manuel da Igreja Raposo.

Partido Socialista (PS)-

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Ana Maria Dias Bettencourt.
António Alves Marques Júnior.

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António Domingues de Azevedo.
António José Martins Seguro.
António Luís Santos da Costa.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando António Martins Vara.
Gustavo Rodrigues Pimenta.
João Cardona Gomes Cravinho.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Paulo Sacadura Almeida Coelho.
José Eduardo dos Reis.
José Eduardo Vera Cruz Jardim.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Luís Filipe Nascimento Madeira
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos
Maria Teresa Dona Santa Clara Gomes.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gama Rodrigues.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Manuel Tomas Cortez Rodrigues Queiró.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António José Barradas Leitão.
João Álvaro Poças Santos.
José Ângelo Ferreira Correia.
Manuel da Costa Andrade.
Nuno Manuel Franco Ribeiro da Silva.
Pedro Manuel Cruz Roseta
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.

Partido Socialista (PS)

António de Almeida Santos.
João Maria de Lemos de Menezes Ferreira.
José Manuel Marques da Silva Lemos.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.

Deputado independente:
Mário António Baptista Tomé.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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