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Quarta-feira, 26 de Junho de 1996 I Série - Número 86

DIÁRIO da ASSEMBLEIA da REPÚBLICA

VII LEGISLATURA 1.A SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 25 DE JUNHO DE 1996

Presidente: Exmo. Sr. João António Gonçalves do Amaral

Secretários: Exmos. Srs.
José Ernesto Figueira dos Reis
Carlos Manuel Duarte de Oliveira

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Sob a forma de interpelação à Mesa, o Sr. Deputado Roleira Marinho (PSD), a propósito de um acidente de trabalho ocorrido nos estaleiros navais de Viana do Castelo, alertou o Governo paro a necessidade de uma unidade de queimados pública no Norte do País.
O projecto de lei n.º 170/VII - Abertura à iniciativa privada do sector das telecomunicações (PSD) foi apreciado na generalidade, tendo usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Ferreira do Amaral (PSD) - que procedeu à apresentação do diploma -, António Lobo Xavier (CDS-PP), Fernando Serrasqueiro (PS), Lino de Carvalho (PCP), Manuel Varges (PS) e Luís Marques Guedes (PSD).

Entretanto, foi aprovado um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo à retoma de mandato de um Deputado do PS.
Procedeu-se ainda à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 37/VII - Altera a Lei n.º 69/78, de 3 de Novembro (Lei do Recenseamento Eleitoral), e o Decreto-Lei n.º 701-B/78 de 29 de Setembro (Lei Eleitoral dos órgãos das Autarquias Locais). Além do Sr. Ministro da Administração Interna (Alberto Costa), usaram da palavra, a diverso título, os Sr. Deputados António Filipe (PCP), Maria Celeste Correia (PS), Calvão da Silva (PSD), Nuno Abecasis (CDS-PP) e Isabel Castro (Os Verdes).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 15 minutos.

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O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António Jorge Mammerickx da Trindade.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes. _
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco José Pinto Camilo.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
João Soares Palmeiro Novo.
Joaquim Moreira Raposo.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesu'na Carrilho Bernardo.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro
Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Raúl d' Assunção Pimenta Rego.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Humberto Rocha de Avila.
Victor Brito de Moura.
Fernando Manuel de Jesus.
Vital Martins Moreira.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antónimo da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.

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Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Carlos Pires Povoas.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Manuel Costa Pereira.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Ruí Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Maria Manuela Guedes Outeiro Pereira Moniz.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, vamos dar início ao período da ordem dia com a apreciação do projecto de lei n.º 170/VII - Abertura à iniciativa privada do sector das telecomunicações (PSD).

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra, para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Faça favor.

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Sr. Presidente, verificou-se ontem um acidente de trabalho nos estaleiros navais de Viana do Castelo que atingiu dois operários com queimaduras graves e profundas. Os meios médicos e hospitalares da cidade de Viana agiram com a diligência e, a prontidão que a situação impunha e depressa concluíram pela urgência em transferir os acidentados para uma unidade de queimados.
Efectuados os necessários contactos, verificaram que a unidade mais próxima, num hospital privado do Porto, se encontrava encerada, que não recebia doentes por ser feriado na cidade do Porto. Recorreram, então, a Lisboa, ao Hospital de Santa Maria, mas impunha-se lutar contra o tempo, e por isso houve que requisitar meios aéreos que se encontravam instalados na Base Aérea do Montijo, a mais de 500 Km de Viana do Castelo. E, assim, só passadas seis horas do acidente começou a ser prestada a assistência especializada que era devida em cima do acontecimento.
Sr. Presidente, quero deixar aqui o meu protesto e o meu lamento pela falta de um serviço capaz de assistência a queimados no Norte do País e...

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, queira interpelar a Mesa.

O Orador: - Estou a interpelar, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Chamei a atenção de V. Ex.ª porque estava a protestar...

O Orador: - Estou a interpelar, Sr. Presidente.
Dizia eu que lamento, por um lado, pela falta de um serviço de assistência a queimados no Norte do País e pelo facto de um feriado, por mais importante que seja, levar ao encerramento daquele que existe e que tem convenção com o Estado e, por outro, pelo facto de os meios aéreos, necessários a uma evacuação, como foi o caso, se encontrarem somente sediados a sul do Tejo.

O Sr. Presidente (João Amara])-- Sr. Deputado, creio que todos já percebemos...

O Orador: - Vou interpelar, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, creio que já interpelou...

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O Orador: - Solicito a intervenção de V. Ex.ª, Sr. Presidente, no sentido de alertar o Governo para o facto de o Norte do País vir a dispor, a breve prazo, num dos hospitais públicos, de uma unidade de queimados, tendo em conta a existência do Aeroporto Francisco Sá Carneiro, dos portos de Leixões e de Viana do Castelo e de importantes indústrias, do seu movimento ferroviário e rodoviário, de indústrias de pirotecnia, bem como o facto de a população merecer ser atendida e não desprezada, haja em vista estarem em causa mais de 3 milhões de pessoas.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, não pode concluir, por favor.

O Orador: - Já concluí, Sr. Presidente.

(O orador reviu.)

O Sr. Presidente (João Amaral): - O Sr. Deputado sabe que há regras quanto às interpelações à Mesa, que foram assumidas pelos líderes parlamentares de forma clara. E uma delas é a de que as interpelações estão circunscritas a um objecto, que é o funcionamento dos trabalhos.
Creio que o Sr. Deputado está preocupado com esse problema, como estão muitos outros Deputados, sejam ou não de Viana, e estão preocupados que isso suceda nos hospitais públicos e nos privados.
O Sr. Deputado tem toda a legitimidade de usar o período de antes da ordem do dia, que ocorre amanhã, para colocar essa questão, mas eu é que não posso deixar de fazer esta observação, porque decorre de um compromisso dos líderes parlamentares este uso circunscrito da interpelação.
De qualquer forma acabou por fazer a interpelação, levando a água ao seu moinho.
Srs. Deputados, vamos, então, dar início ao debate do projecto de lei n.º 170/VII.
Para proceder à apresentação do diploma, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira do Amaral.

O Sr. Ferreira do Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se há sector de actividade que tem evoluído de forma vertiginosa na última década - esse sector é o das telecomunicações. A tal ponto que já quase não passa de lugar comum afirmar-se que entrámos neste fim de século na idade das telecomunicações.
Durante muitas décadas as telecomunicações evoluíram a par da evolução tecnológica geral, e foram encaradas em quase todo o mundo como um serviço básico auxiliar, um serviço público fornecido frequentemente por entidades públicas, em regime de monopólio ou de severas restrições de exercício, insusceptível de concorrência, enfim, fora das regras normais de comércio.
Repentinamente, tudo isto mudou.
Em consequência de saltos tecnológicos de enorme impacto, todo o conceito tradicional teve de ser revisto de alto a baixo.
Em primeiro lugar, a multiplicidade de serviços que passaram a poder ser oferecidos geraram por si próprios a inviabilidade da concorrência. A opinião pública rapidamente se apercebeu de que o regime tradicional, de restrições ao exercício da actividade, conduzia obrigatoriamente, numa era em que todos os dias surgia uma novidade tecnológica, à limitação inaceitável dos serviços disponíveis e por isso começou a exigir que fossem autorizados a fazer telecomunicações todos aqueles que tivessem um serviço para oferecer - isto é, que as telecomunicações entrassem nas regras normais do comércio.

Por outro lado, também a tecnologia tornou muito difícil, se não praticamente impossível, a reserva de mercados nacionais. Também por esta via se gerou a concorrência, agora internacional.
Em Portugal, os problemas puseram-se de forma semelhante.
As telecomunicações eram oferecidas tradicionalmente por serviços públicos ou por empresas públicas, que, embora dispondo de assinalável capacidade tecnológica, nunca se tinham orientado para uma situação de concorrência e nunca tinham tido, porque tal não era necessário, um critério comercial de actuação. Mesmo que quisessem tê-lo não podiam, dada a própria natureza das estruturas jurídicas em que assentavam, a forma e objectivos com que tinham sido criados.
Entretanto, com o mundo a avançar aceleradamente para a liberalização e concorrência, não haveria, com essa estrutura tão inadequada, qualquer hipótese de sobrevivência do sector nacional de telecomunicações.
Mas Portugal não pode dispensar vir a dispor, no futuro, de capacidades concorrenciais de oferta em telecomunicações. Não falo já do que isso poderia representar quanto a abrir novas debilidades em áreas estratégicas. Mas lembro que a economia será, no futuro, cada vez mais telecomunicações e que quem não tiver possibilidades de produzir nesta área, quem ficar para trás nesta mudança, vai seguramente ver muito limitadas as suas próprias expectativas de desenvolvimento.
Em termos económicos, é provável que as telecomunicações venham a desempenhar no futuro um papel ainda mais importante do que aquele que desempenhou a indústria automóvel na primeira metade deste século. Nessa indústria não entrámos nunca, a não ser muito recentemente e por mãos estrangeiras, e essa omissão estratégica pagámo-la muito caro. Não podemos ficar outra vez de fora nesta nova oportunidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Lançou-se então, há cerca de cinco anos, uma reforma muito profunda do sector com o objectivo de o preparar para o novo ambiente que já se desenhava. Penso ter sido, a reforma sectorial mais bem sucedida que se realizou no nosso País. Hoje o sector nacional de telecomunicações conta já com uma multiplicidade de empresas, actuando em concorrência, fornecendo os mais variados serviços e aguardando, com tranquilidade, a data da liberalização internacional das telecomunicações.
A empresa central de todo este sistema é a Portugal Telecom. Unidade empresarial herdeira de um conjunto desarticulado de empresas e serviços públicos, a Portugal Telecom assume-se hoje como uma empresa de futuro, preparando-se para vir a competir seja com quem for.
Mas uma condição essencial de sobrevivência, num sector onde a concorrência se adivinha especialmente agressiva, é que a empresa seja uma empresa privada. Não é possível a uma empresa pública, ou a uma empresa de capitais maioritariamente públicos, concorrer com sucesso em mercado livre, como vai ser o das telecomunicações, contra empresas totalmente privadas, como irá ser a maioria (e, a médio prazo, de uma maneira ou de outra, a generalidade e a totalidade), das empresas concorrentes.
Não se trata, pois, aqui apenas do critério ideológico, que é aliás o meu, de que a actividade empresarial deve ser, por natureza, uma actividade livre, exercida livremente por privados e que ao Estado não compete ser empresário, nem

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lhe cabe afinal compelir cada cidadão, quer queira ou não, a ser sócio de empresas que não escolheu para investir.

Aplausos do PSD.

É que aqui o problema assume uma natureza essencialmente pragmática.
Não tenham dúvidas, Srs. Deputados, de que persistir num sector como este em empresas públicas ou maioritariamente públicas é rigorosamente o mesmo que desistir, a médio prazo, de dispor de oferta nacional de telecomunicações.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por estas razões, um dos pontos mais importantes da reforma das telecomunicações foi a privatização da Portugal Telecom. Iniciada em 1995, pretendeu-se que ela fosse feita em mercados internacionais. O êxito da operação, até então sem precedentes, foi retumbante e a aceitação da empresa verificada em mercados especialmente exigentes e que não tinham praticamente qualquer notícia de Portugal representa por si própria um certificado de garantia quanto ao futuro da empresa e, afinal, ao reconhecimento objectivo do sucesso da reforma das telecomunicações empreendida pelo governo anterior.
O actual Governo prosseguiu este ano a segunda fase da privatização, tal como, aliás, já estava previsto. Fez bem em não alterar nada e em deixar prosseguir o que o Governo anterior já tinha decidido. Aliás, se tem procedido de igual forma noutros sectores, se calhar, não teríamos todos de esperar, e desesperar, mais do que é necessário pela CRIL, pelo comboio na ponte ou pela auto-estrada para o Algarve.

Aplausos do PSD.

Mas, aqui, fez muito bem em não mexer em nada, para não estragar. A segunda fase da privatização parece, pois, ter corrido também de forma muito favorável.
É absolutamente imprescindível prosseguir agora até que se conclua a tempo a privatização total. Mas a lei actual, tal como está, não o permite. Trata-se de uma limitação obsoleta, que se aplicava a um sector de telecomunicações que de comum com o actual praticamente apenas tem o nome. Já deveria, pois, ter sido removido este obstáculo legal e despropositado à privatização total. Seguramente, a boa oportunidade teria sido antes da recente segunda fase da privatização. Mas o Governo parece ter-se distraído e, na realidade, não tomou qualquer iniciativa nesse sentido.
Demoras nesta matéria podem ser entendidas como hesitações e nada seria mais preocupante do que os mercados suspeitarem que essas hesitações possam corresponder a dúvidas sobre a intenção de privatizar efectivamente as telecomunicações em Portugal, isto é, de garantir condições para que Portugal tenha uma palavra a dizer no mundo futuro das telecomunicações.
A presente iniciativa legislativa do PSD destina-se, assim, a desfazer, de uma vez por todas, essas dúvidas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Informo a Câmara de que se encontram inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados António Lobo Xavier, Fernando Serrasqueiro, João Carlos da Silva e Lino de Carvalho.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferreira do Amaral, o projecto de lei apresentado pelo Grupo Parlamentar do PSD tem algumas curiosidades e suscita algumas dúvidas que convinha elucidar.
A primeira curiosidade, embora não faça dela questão fundamental, não posso deixar de a comentar, é uma questão ligada, perdoe-me que lhe diga, Sr. Deputado Ferreira do Amaral, à auto-suficiência do próprio proponente, porque é raro ver-se na exposição de motivos de um projecto de lei um tão evidente elogio à política prosseguida pelo antecessor das telecomunicações, que é inclusivamente ó próprio Sr. Deputado. Não conheço nenhum projecto de lei - também tenho pouco tempo, mas não conheço nenhum - que se transforme, de um modo tão óbvio, num panegírico à actuação anterior à frente do Ministério do proponente do projecto de lei. Mas isto não é muito importante, o importante é que o panegírico parece um pouco contraditório, salvo melhor explicação, que aguardo, do Sr. Deputado Ferreira do Amaral, com os regimes transitórios ou com a dilação da liberalização total negociada no quadro da União Europeia, à qual, segundo penso, o proponente também esteve ligado.
O que me parece é que o proponente se surpreende, ex post, com o êxito do seu trabalho e das suas iniciativas, a ponto de já não julgar necessário haver qualquer período de derrogação, qualquer período de adiamento da liberalização total do sector. Dizia que o proponente, vendo as coisas hoje, com alguma distância, pensa que actuou com excesso de zelo quando negociou derrogações que pareciam aconselhar um retardamento da liberalização do sector.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, também se dá um caso curioso: o próprio proponente é responsável pelo acentuar da intervenção do operador de telecomunicações como monopólio público. Isto é, durante os últimos anos, foram várias as manifestações do abuso da posição de monopólio, por parte do operador de telecomunicações, à qual, com certeza, não são alheias as orientações do Ministério.
Por último, Sr. Deputado Ferreira do Amaral, liberalizando-se completamente o sector das telecomunicações, o que acontece é que a única limitação, em relação ao capital das sociedades a operar no sector, é a que decorre da distinção entre capital nacional e capital estrangeiro, é a que decorre da Lei de Bases das Telecomunicações, mas sabe-se que essa limitação é evanescente. Do seu ponto de vista, não seria preferível manter durante algum tempo a posição do Estado, fornecida pela lei de limitação dos sectores, como forma mais segura de garantir um entrave ao acesso ilimitado de capitais estrangeiros num domínio como este? E, finalmente, não será adequado, numa intervenção ou iniciativa deste tipo, ouvirmos os dados dos próprios responsáveis pela empresa? Isto é, como este diploma pressupõe, chegámos ao nível de condições óptimo, que dispensa qualquer tipo de protecção, não teria sido adequado ouvirmos a opinião dos responsáveis pela Portugal Telecom?

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado Ferreira do Amaral, há ainda outros pedidos de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. Ferreira do Amaral (PSD): - Se for possível, já, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra.

O Sr. Ferreira do Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, relativamente às suas curiosidades talvez possa satisfazer algumas e deixar por satisfazer outras.
Em relação àquilo que me descreveu como sendo o elogio da exposição de motivos, penso que é uma qualificação sua, mas, em todo o caso; parece-me ser uma exposição rigorosa. E mesmo o Sr. Deputado nada apontou que pudesse considerar como menos verdadeiro o que nela está escrito, mas como classificou, e bem; a questão como acessória, passemos às outras que talvez sejam realmente mais importantes.
Quanto à questão do período da derrogação relativamente à liberalização, como o Sr. Deputado e toda a Câmara sabem neste momento está fixada a data da liberalização das telecomunicações da Europa, a data em que qualquer um se pode estabelecer e fornecer serviços de telecomunicações, independentemente da origem do Estado membro. Essa data foi fixada em 1988 e o Sr. Deputado teria razão se Portugal não tivesse negociado, na altura, uma derrogação de cinco anos relativamente a esse prazo. Países como Portugal, a Espanha, a Grécia e a Irlanda estão obrigados a fazer a liberalização até ao ano 2003 por terem obtido uma derrogação de cinco anos relativamente à data fixada para a generalidade dos Estados membros europeus.
Compreende-se porquê. As nossas telecomunicações atravessavam dificuldades maiores do que as dos outros países pelo que a adaptação necessária seria, provavelmente, mais demorada. Julgo que, nesse domínio, encontrámos uma solução satisfatória que contempla bem os nossos interesses e até me parece que o período de cinco anos não será inteiramente utilizado por não ser necessário, mas nestas coisas mais vale prevenir do que remediar e julgo que dispor de mais cinco anos do que os outros países é um bom resultado de uma negociação.
Quanto ao monopólio público, discordo inteiramente da sua crítica. Pelo contrário, se compulsar não só toda a legislação publicada no que respeita a telecomunicações como se verificar o que se passa na realidade, verificará que foi gradualmente abandonado em diversas áreas aquilo que é realmente o monopólio das telecomunicações por parte das entidades públicas. Insisto: hoje, julgo que dezenas - talvez até uma centena - de empresas actuam já no sector das telecomunicações em áreas em que anteriormente não podiam fazê-lo, uma vez que tal lhes estava vedado legalmente. Uma das empresas mais notável actualmente no sector das telecomunicações - e digo-o sem receio de ferir as susceptibilidades dos Srs. Deputados pela publicidade - é a Telecel, grande empresa privada de telecomunicações a actuar no mercado português.
Portanto, o monopólio tem vindo a ser reduzido mas sempre com a preocupação de, através. de uma precipitação de redução em nome não sei de que interesses, provocar o descalabro no sector e, sobretudo; comprometer as nossas esperanças de virmos à ter capacidade de oferecer telecomunicações no futuro.
Liberalizando completamente o sector corre-se o risco de surgir capital estrangeiro na empresa mas, até agora, esse risco tem sido controlado, sendo possível, até através de medidas derrogatórias, garantir que o controlo dá empresa se mantém em mãos de nacionais.
Deixe-me dizer-lhe, Sr. Deputado António Lobo Xavier, que esse risco é obrigatório porque o pior de tudo para combater um risco como esse é argumentar que, para que as empresas não caiam algum dia nas mãos de estrangeiros, o melhor é mantê-las públicas, porque isso significa que não caem nas mãos de ninguém. Uma empresa como esta, sendo pública, não tem qualquer hipótese, Sr. Deputado - e não é uma questão ideológica porque julgo comungar consigo neste aspecto ó, de concorrer no mercado de telecomunicações, que está neste momento em construção, e que, a partir de 1998 ou de 2003, terá pleno vigor.
Foi, portanto, estabelecido um prazo, temos pouco tempo, vamos aproveitá-lo para preparar o sector com esse objectivo.
A finalizar, deixe-me dizer que o facto de o PSD propor uma derrogação ou uma eliminação da limitação à privatização total da Portugal Telecom não fixa, de maneira alguma, uma obrigatoriedade da privatização; simplesmente, torna possível, assim o Governo o entenda e ache oportuno, em qualquer altura, prosseguir essa privatização. Com este projecto de lei, a única coisa que fazemos, que me parece absolutamente obrigatória, é permitir que o Governo tenha essa margem de manobra e não esteja impedido de fazê-lo domo actualmente está.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro.

O Sr. Fernando Serrasqueiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferreira do Amaral, começo por estranhar que o PSD tenha apresentado um projecto de lei nesta Assembleia no dia 4 de Junho, exactamente uma semana antes de ser concluída a segunda fase das privatizações, o que impediu o Sr. Deputado de poder incluir na exposição de motivos. a alegria que expressou, durante a sua intervenção, relativamente à conclusão da segunda fase da privatização.
De qualquer forma, não posso concordar consigo quando, nessa exposição de motivos, é dito que está completa a organização do sector e a sua reestruturação porque entendo que tal não se opera por decreto. É um facto que foi tomada essa decisão mas ainda boje o Sr. Deputado sabe que, há várias zonas não totalmente resolvidas quer ao nível da ligação com o sector dos CTT (e refiro-lhe o caso do, activo imobiliário que não está totalmente esclarecido) quer ao nível dos negócios com os CTT (e cito-lhe o caso do produto telegramas) quer ao nível das telecomunicações em que a integração dos negócios, das tecnologias, das culturas, a integração social, mesmo, não foi totalmente conseguida.
Por essa razão, ainda não pode haver hoje uma visão estratégica Totalmente concebida nesta área para que possamos estar a dar passos contraditórios com os dados pelo Governo anterior ao defender a derrogação até ao ano 2003. Assim, a primeira pergunta que lhe faço é relativa à oportunidade desta medida. Porquê agora?
A segunda tem a ver com a limitação existente, nos estatutos dá Telecom, de 5% relativamente à participação de operadores nacionais ou estrangeiros no seu capital. Pergunto se não seria conveniente analisar neste momento que parceiro estratégico deveria ser escolhido porque, na minha perspectiva, dada a globalização de negócios e de empresas, parece-me necessário começar por encontrar um parceiro estratégico. Depois, por que não avançar antes com uma alteração deste plafond, elevando os referi-

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dos 5%, de forma a tornar aliciante a participação de um parceiro nesta empresa?

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira do Amaral.

O Sr. Ferreira do Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Serrasqueiro, a oportunidade para tomar esta iniciativa legal ocorreu antes da segunda fase da privatização como, aliás, estava programado anteriormente, com o que a privatização seria valorizada, já que uma coisa é comprar acções na perspectiva de que a empresa vai ser totalmente privatizada e, outra, comprar acções na dúvida. Nós próprios tomámos essa iniciativa e anunciámo-la antes da privatização com o objectivo de valorizar as acções e julgo que talvez tenhamos contribuído algo para isso.
É evidente que o momento para fazê-lo deveria ter ocorrido antes da segunda fase da privatização mas uma das razões por que tomámos essa iniciativa foi verificarmos que o Governo não a tomava. Nessa altura, os futuros accionistas iriam comprar acções com alguma margem de dúvida por desconhecerem se estavam limitados a 49% do capital ou se poderiam aspirar alguma vez à sua totalidade.
A diferença entre uma situação e outra é óbvia no que diz respeito à valorização das acções e foi por isso que anunciámos esta medida, contribuindo para o êxito, numa modesta parte certamente, da privatização mas o Governo devia tê-lo feito anteriormente.
A segunda questão revela alguma contradição: quando o Sr. Deputado fala num parceiro estratégico, independentemente de saber se é bom ou mau, está a referir-se a uma privatização para além da actual porque para existir um parceiro estratégico precisa de privatizar mais um pouco do que os actuais 49%. Isto é, precisa do projecto de lei agora proposto pelo PSD- porque, sem ele, não pode ter nenhum parceiro estratégico porque não pode privatizar mais nada. Portanto, a sua própria filosofia de parceiro estratégico obriga-o a ter de votar favoravelmente esta iniciativa.
Mais, Sr. Deputado, julgo que um parceiro estratégico é algo que pode ser encarado como um eufemismo relativamente a uma realidade muito mais crua: a de, pura e simplesmente, passar o controlo da empresa para mãos de estrangeiros. Se é a isso que se referia, com certeza contará com a minha oposição. A Portugal Telecom foi desenhada, e toda a estratégia das telecomunicações, para conceder capacidade a nacionais, embora privados, a nível das telecomunicações em Portugal e não simplesmente para abrir a porta a que telecomunicadores estrangeiros venham operar em Portugal.
Julgo que não há qualquer necessidade - nem se adivinha que possa haver - de um parceiro estratégico a actuar simplesmente para ganhar o controlo de uma empresa a que, legitimamente e numa privatização directa, não teve direito nem provavelmente poderia ter.
Pela minha parte, lutarei nesta bancada e em qualquer lugar onde me encontre para garantir que a Portugal Telecom não deixe de ser nacional. Por isso, Sr. Deputado, se me falarem parceiro estratégico, digo que, se o quer, tem de aprovar esta lei mas espero que não queira.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferreira do Amaral, o PSD vem invocar os desafios tecnológicos para justificar a sua proposta de total liberalização do sector mas há uma profunda contradição entre aquilo que o Sr. Deputado disse e o que defendeu enquanto membro do Governo.
Hoje, os desafios tecnológicos estão bastante aprofundados, o que não impediu que a Telecom, com o estatuto que tem hoje, maioritariamente de capitais públicos, tenha respondido - e bem - a esses desafios da evolução e da modernização tecnológica. De onde, Sr. Deputado, a vida tem demonstrado que não é necessário liberalizar completamente o sector nem criar condições para que o mesmo, sendo estratégico, passe para as mãos de privados, designadamente estrangeiros, em função dos desafios tecnológicos. A vida tem demonstrado que, com este quadro legal, a Telecom tem respondido a esses desafios, aliás como o Sr. Deputado sublinhou enquanto Ministro desta mesma área.
Por outro lado, o Sr, Deputado aponta a eventual liberalização para justificar igualmente essa abertura. Mas foi o próprio Governo do PSD, conforme alguém sublinhou, que negociou mal, apesar de tudo, uma derrogação de cinco anos. O PSD acha pouco aquilo que foi por ele negociado pelo que quer correr agora para a liberalização e também não se percebe esta outra contradição.
O Sr. Deputado sabe melhor do que ninguém que este sector é estratégico, particularmente, num país onde ainda falta cobrir, a nível de telecomunicações, muito do interior e das ilhas. O Sr. Deputado sabe que lançar as telecomunicações, particularmente o telefone, na lógica interna do mercado iria causar, como está a suceder, problemas sérios nessa cobertura, por dar lugar, como já aconteceu no âmbito do processo de privatização, a um aumento do tarifário interno e local no quadro desse mesmo processo de liberalização, dificultando a necessária cobertura que é preciso fazer. Não estamos em condições, sequer, de lançar o telefone numa lógica pura e simples do mercado porque isso iria prejudicar a cobertura total do território e os sectores do país dela mais necessitados.
Há também um aspecto que gostava que o Sr. Deputado esclarecesse. A verdade é que a alínea d) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 46/77, de 8 de Julho, a que é feita referência no vosso projecto de lei, aponta para a liberalização do saneamento básico e não para as telecomunicações, que suponho constar da alínea e) do mesmo diploma. É porventura uma falha porque, mesmo a alteração posterior dessa lei operada pelo Decreto-Lei n.º 372/93, de 29 de Outubro, manteve na alínea d) o saneamento básico.
A nossa posição sobre esta matéria é muito clara: opomonos a este projecto de lei agora como nos opusemos anteriormente ao processo de privatização da Telecom. Entendemos que, sendo este um sector estratégico, é fundamental mantê-lo maioritariamente na mão de capitais públicos e, em particular, nacionais. A proposta que os Srs. Deputados aqui trazem criaria uma situação em que, seguramente a curto prazo, perderíamos, tanto do ponto de vista da intervenção pública como da intervenção nacional, o controlo de um sector tão estratégico. E, pelos vistos, Sr. Deputado, até o PP tem dúvidas sobre o projecto de lei do PSD. Percebi agora por que razão o PSD pediu a adesão ao PPE...

Risos do PCP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira do Amaral.

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O Sr. Ferreira do Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, estou de acordo que a vida da Portugal Telecom, aliás curta, como sabe, pois tem poucos anos de existência, e anteriormente operavam nessa área outras entidades, tem demonstrado que esta empresa resistiu bem àquilo que lhe foi dito. Mas a vida vai mudar, Sr. Deputado, e é isso que julgo estar aqui em jogo.
Não há qualquer hipótese de uma empresa, seja de que pais for, competir no mercado globalizado das telecomunicações que, como digo, já tem data marcada, enquanto empresa pública. Aliás, a esta mesma conclusão não foi só o governo português, da altura, que chegou; qualquer governo em qualquer pais no mundo, neste momento, tem uma única preocupação, que é a de privatizar as suas telecomunicações.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - É uma questão de fé!

O Orador: - Felizmente, nessa matéria, fomos a tempo, outros estarão mais atrasados mas, relativamente ao desígnio, ninguém tem dúvidas. Não encontrará um único pais no mundo, julgo eu, que pretenda manter as telecomunicações no sector público e por uma razão prática, porque sabe que deixava de sobreviver.
Também não posso estar mais de acordo consigo quando diz que o sector é estratégico mas, mais do que estratégico ou, antes, para além de estratégico, é realmente o sector de futuro da economia. No futuro, quem não estiver em actividade no sector das telecomunicações passará ao lado do desenvolvimento; outros prosseguirão mas quem não tiver capacidades para actuar neste sector ficará para trás. É por isso mesmo que temos de alterar a situação actual porque o estado em que o sector se encontrava anteriormente - agora já está em situação um pouco diferente - era a melhor garantia de que não teríamos nenhum sector de telecomunicações no futuro e, então, lamentar-nos-íamos todos por não termos feito as reformas a tempo e alterado as coisas como devia ser e diríamos que já todos deveríamos ter previsto a situação, o que seria verdade. Ora, espero não ter de fazer esse lamento em altura nenhuma.
O Sr. Deputado disse ainda que foi mal negociada a derrogação, o que julgo ser uma critica de todo injusta, até porque houve quatro países que conseguiram obter um prazo de derrogação de cinco anos. Como é óbvio, a derrogação tem um fim que é o de dar-nos tempo a preparar todo o sector para aguentarmos bem a entrada da concorrência...

O Sr. Lino de Carvalho (PC P): - Mas, pelos vistos, com reserva mental!

O Orador: - Julgo até quê cinco anos será um prazo excessivo em relação às nossas necessidades. Portanto, até considero que, mal estejamos preparados para fazer face à concorrência, poderemos fazer cessar o período da derrogação porque ganharemos com isso já que a multiplicidade de oferta é uma vantagem. Assim, quando pudermos usufruir da concorrência sem sofrermos os inconvenientes de nos causar prejuízos graves, então, certamente estaremos em condições de abdicar do período de derrogação.
Portanto, Sr. Deputado, embora eu reconheça, e testemunhe, que a sua bancada e o seu partido têm defendido a manutenção no sector público do sector das telecomunicações, como calcula, não posso estar em maior desacordo frontal consigo. Devo dizer que, felizmente, esta Câmara sancionou sempre a política de liberalização e de privatização, não tendo sancionado a alternativa que os senhores defendem. É que se o tivesse feito, digo-lhe que, nesta altura, provavelmente já esfatiamos a lamentar o facto de não dispormos de um sector de telecomunicações em Portugal.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Olhe que não!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Varges.

O Sr. Manuel Varges (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferreira do Amaral, na fundamentação deste projecto de lei, afirma que, em 1995, o sector das telecomunicações se encontrava totalmente preparado para os desafios do Mercado único das telecomunicações num ambiente de forte competição global.
Há uns meses, em sede da Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente, tivemos ocasião de, pôr em questão o aumento tarifário. global nas telecomunicações que, a nível de comunicações locais e de alugueres, se traduziu num aumento de 6% superior à inflação. Entretanto, naquela mesma reunião, o Sr. Deputado afirmou que era mesmo assim porque, aquando da primeira fase da privatização, foi celebrado um compromisso segundo o qual, durante dois anos, proceder-se-ia de facto àqueles ajustamentos tarifários.
Posto isto, coloco-lhe uma questão.
Naturalmente que para a Portugal Telecom estar preparada para um ambiente concorrencial e competitivo tem de ser feito este rebalanceamento tarifário e tem de ser garantido porque, sem ele, não podemos entrar num mercado altamente competitivo.
Em segundo lugar, também de ser feita uma redução de custos - aliás, já está em curso - que claramente indicie coeficientes de produtividade que nos aproximem dos padrões europeus e mundiais para que a Telecom possa ser competitiva de facto.
O Sr. Deputado disse há pouco que os accionistas querem ter a garantia de que poderão ter uma empresa privatizada em mais de 51%. Ora, V. Ex.ª deve andar distraído porque no panfleto que anuncia a segunda fase da privatização, na página 36, está escrito que «o Governo prevê vir a propor alterações da administração por forma a permitir a redução da sua participação a um nível inferior aos actuais 51%». Isto é o que está escrito, portanto a garantia está dada.
Posto isto, a questão que lhe coloco é a seguinte: em que ficamos, afinal? Considera de facto que, há um ano, em 1995, a Portugal Telecom estava preparada para entrar num mercado competitivo e concorrencial e constituir um atractivo à iniciativa privada para participar neste sector?

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira do Amaral.

O Sr. Ferreira do Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Varges, com certeza que, na altura, todas essas matérias estavam devidamente reguladas e contratadas. Recordo até que este Governo lamentou não poder alterar nada porque já estava tudo contratado e decidido. E ainda bem! S6 tenho pena é que outras matérias não tivessem ficado contratadas para que este Gover-

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no não pudesse para-las. Neste caso, a intervenção do Governo era dispensável. É que tenho a certeza que estava tudo preparado para que, nos prazos certos, tudo esteja em condições.
Como sabe, as relações entre o Estado português e a Portugal Telecom passaram a ser regulamentadas através de um contrato de concessão no qual tudo está esclarecido, sabendo-se quais os prazos para fazer o tal rebalanceamento tarifário que vai permitir que a Portugal Telecom esteja em condições de concorrer internacionalmente.
Mas, Sr. Deputado, antes de terminar, deixe que lhe faça um último comentário.
O Sr. Deputado devia tomar a iniciativa de fazer uma censura ao Governo, devia lamentar que o Governo, tendo prometido fazer a privatização de mais de 51% do capital da Portugal Telecom, não tenha tomado nenhuma iniciativa legislativa sobre a matéria. É por isso que digo que se instalou a dúvida. Na verdade, o privado sabe que uma coisa é o que o Governo diz e outra o que faz, mas ambas têm de coincidir e, neste caso, não estavam a coincidir. Portanto, também me louvo em dizer que esta iniciativa do PSD é particularmente oportuna para tirar todas as dúvidas sobre esta matéria.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, antes de continuarmos o debate, o Sr. Secretário vai dar conta de um relatório e parecer relativo ao mandato de Deputados, após o que procederemos à respectiva apreciação e votação.
Tem a palavra, Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (José Reis): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, trata-se de um relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo à retoma de mandato do Deputado Martim Gradas (Círculo Eleitoral de Faro), em 27 de Junho corrente, inclusive, cessando Filipe Mesquita Vital, sendo a Comissão de parecer que a retoma do mandato em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Retomamos, então, o debate do projecto de lei n.º 170/VII.
Para proceder à apresentação do relatório, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier, na qualidade de relator.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, julgo que as perguntas já colocadas e as respectivas respostas dadas pelo Sr. Deputado proponente tornaram dispensável a leitura do relatório. Já falámos sobre o objecto do diploma e o seu enquadramento legal, pelo que dispensar-me-ia de lê-lo.
Assim, se o Sr. Presidente permitir...

O Sr. Presidente (João Amaral): - O Sr. Deputado dispõe de 5 minutos para fazer a apresentação do relatório, se assim o entender, ou, então, toma a palavra em representação do seu partido.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Então, farei uma intervenção.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra para o efeito, Sr. Deputado.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Popular é, em princípio, favorável à liberalização no domínio do exercício da actividade económica em Portugal e, portanto, muitas vezes, nem sequer temos uma posição de rejeição em relação ao capital estrangeiro que acorra a Portugal com vista à aquisição de antigas empresas públicas, nomeadamente quando o know how estrangeiro é melhor do que o português e se verifica como algo que pode aumentar a eficiência o emprego nas empresas portuguesas. Não temos, portanto, uma posição de princípio de rejeição da afluência de capital estrangeiro e temos, isso sim, uma posição de princípio no sentido da liberalização. Significa isto que, para além das considerações aqui adiantadas pelo Sr. Deputado Ferreira do Amaral, para nós, era importante, apesar de tudo, que, antes ou durante a discussão na especialidade, pudéssemos ouvir do Presidente da Portugal Telecom, embora descontando obviamente alguma parcialidade natural e legítima inerente às funções que desempenha, a contradita desta opinião do PSD, e, em particular, do Sr. Deputado Ferreira do Amaral, no sentido de que, ao contrário do que seria de esperar há algum tempo atrás, já estamos em condições de avançar para a liberalização total do sector das telecomunicações. Assim, repito que não temos uma posição de rejeição em relação à iniciativa do PSD mas gostaríamos de ouvir a contradita de um dos responsáveis mais importantes do sector.
Em segundo lugar, o Partido Popular entende que, apesar de tudo e sem prejuízo de esclarecimentos posteriores, há alguma contradição entre este mesmo diploma e os princípios e a posição do PSD, trazida aqui aquando da discussão de uma eventual alteração à Lei-Quadro das Privatizações. Essa contradição está expressa nas próprias palavras do Sr. Deputado proponente que chegou a dizer que é óbvio que a revogação deste limite à participação do capital estrangeiro aumenta os riscos da afluência desse mesmo capital mas que, pessoalmente, preferiria capital estrangeiro à manutenção da presença do Estado numa empresa com as características desta. Ora, isto implica uma hierarquização. Essa hierarquização feita pelo Sr. Deputado Ferreira do Amaral é no sentido de que prefere as empresas na mão do capital estrangeiro às empresas, temporária e parcialmente, na mão do Estado, em processo de adaptação a uma fase já negociada com vista à liberalização total.
Afigura-se-me contraditório esse aspecto porque parece-me que há uma euforia liberalizadora neste domínio concreto que não é acompanhada pela posição mais cautelosa e, deste ponto de vista, ultranacionalista, manifestada aqui pelo PSD. Seria preciso resolver essa antinomia, bastando para tal que nos explicassem por que é que, neste caso, entendem que não faz mal que o capital estrangeiro avance sem limites enquanto consideram que já faria mal no domínio das privatizações em geral.
Não obstante, como disse, para podermos tomar uma posição definitiva sobre a oportunidade da eliminação destas restrições contidas na lei de delimitação dos sectores, a posição final do Partido Popular depende de podermos ouvir, directamente do próprio Presidente da Portu-

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gal Telecom - e faço aqui um apelo nesse sentido aos diferentes grupos parlamentares ó, o plano e as intenções estratégicas que, porventura, poderão confirmar ou infirmar este convencimento do Sr. Deputado Ferreira do Amaral de que tudo já está em condições e nada pode obstar a que se avance para a liberalização total.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, antes de dar a palavra aos oradores inscritos para fazerem pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado António Lobo Xavier, quero fazer um anúncio à Câmara.
Na tribuna reservada aos diplomatas encontram-se a assistir a esta sessão plenária delegações dos Parlamentos de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e S. Tomé e Príncipe. As delegações são compostas por colegas nossos, Deputados destes cinco países de língua oficial portuguesa, que se deslocaram ao nosso país para participarem na Conferência Interparlamentar no âmbito do Projecto da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, realizada pela Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação. Saudemo-los, Srs. Deputados.

Aplausos gerais, de pé.

Informo ainda a Câmara que a referida Conferência teve lugar ontem e hoje, tendo terminado com a aprovação de um documento muito importante para o lançamento da comunidade dos países de língua portuguesa e também de uma declaração sobre Timor Leste.
Posto isto, vamos retomar o debate, tendo-se inscrito para fazerem pedidos de esclarecimentos os seguintes Srs. Deputados: Luís Marques Guedes e Ferreira do Amaral.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, ouvi com atenção a sua intervenção e devo dizer-lhe que, talvez erradamente, pareceu-me que talvez tenha havido alguma confusão de conceitos ou de linguagem. Ora, penso ser fundamental falarmos sobre as mesmas coisas para podermos entender-nos.
A questão da liberalização do sector das telecomunicações não tem rigorosamente nada a ver com a iniciativa que estamos a analisar hoje. A liberalização do sector das telecomunicações tem a ver com o facto de que o momento dessa liberalização 'é aquele em que, no território nacional, para além do operador que é a Portugal Telecom, em regime de monopólio, também passarão a poder operar outras entidades tais como o operador de telecomunicações espanhol, o francês, o alemão, ou qualquer outro, que, actualmente, devido à utilização do direito de derrogação que Portugal negociou junto da Comunidade, estão impedidos de operar no espaço nacional até ao' momento da liberalização, seja em 1998, seja em 1999, em 2000, em 2001, 2002 ou 2003. Esse momento será aquele em que a Portugal Telecom porventura virá a ser obrigada a concorrer com outros operadores, perdendo a posição de único operador que actualmente detém. Ora, penso que estaremos de acordo em que nada disto tem a ver com o facto de, naquele momento da liberalização, a Portugal Telecom continuar a ser uma empresa pública ou já ser privada.
A intenção deste diploma é tão-só a de que, antes do momento da liberalização, e até lá, se for essa a verdadeira intenção do Governo, conforme está expresso no seu programa, o Governo possa, proceder à terceira fase de privatização da Portugal Telecom e consolidar uma gestão privada dentro da empresa, para que no momento da liberalização do sector haja uma gestão privatística que possa fazer face a essa mesma liberalização em condições de a empresa Portugal Telecom não perder a posição que actualmente detém no mercado nacional. Essa liberalização é inevitável e a nossa função,. para defesa dos interesses nacionais, é a de agilizar a empresa nacional Portugal Telecom com todos os meios ao seu alcance, para que no momento dessa liberalização não venha, por efeito da mesma, a perder o controlo ou pelo menos uma posição estratégica fundamental no espaço de telecomunicações nacional.
Portanto, não pode haver nenhuma confusão - tal como o fez o Deputado Lino de Carvalho ao questionar o Engenheiro Ferreira do Amaral - sobre esta iniciativa, que apenas tem que ver com a possibilidade de abertura a uma maioria de capital privado na gestão da empresa Portugal Telecom com a liberalização. São coisas perfeitamente distintas e não se pode fazer a mínima confusão na análise desta questão, sob pena de chegarmos a conclusões erradas.
A segunda questão que o Sr. Deputado colocou foi relativamente ao capital estrangeiro. Quero lembrar que também nada disso tem a ver com esta iniciativa legislativa. O problema do limite ao capital estrangeiro é tratado em sede da Lei de Bases das Telecomunicações, que não é mexida nem alterada por esta iniciativa do PSD. Aliás, essa lei expõe existir limite ao capital estrangeiro no. operador nacional de telecomunicações. Se houver intenções de, hoje para amanhã, se fazer um debate, eventualmente, com a participação do Presidente da Portugal Telecom, enfim, com todas as entidades que conhecem suficientemente o mercado de forma a darem uma opinião, nesse momento poderemos ouvir todas essas pessoas. Porém, no momento em que estamos aqui a discutir, nada disso deve ser chamado à colação.
A única coisa que estamos agora aqui a discutir é se a Portugal Telecom, tendo em vista precisamente este horizonte temporal de liberalização do mercado a nível europeu em que a Portugal Telecom vai ser obrigada a disputar no território nacional o mercado das telecomunicações, em concorrência aberta com outros eventuais operadores que tenham interesse em operar no nosso território, deve ou não estar agilizada em termos de gestão privatistica para poder responder a esse mercado. É sobre esta questão que gostaria que o Sr. Deputado e a bancada do Partido Popular dessem uma resposta, porque aí o PSD não tem dúvidas.
Aliás, não é com o actual modelo de gestão pública maioritária que a empresa ficará dotada para encarar como uma situação de conforto é comodidade esse desafio que será colocado em termos definitivos pela liberalização do sector.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Havendo mais oradores para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado António Lobo Xavier pretende responder já ou no fim?

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira do Amaral.

O Sr. Ferreira do Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Lobo Xavier, em primeiro lugar,

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gostaria de o corrigir relativamente à interpretação que fez das minhas palavras. Como calcula, nunca disse, nunca afirmei em lado nenhum, nem sequer pensei, que era preferível ter capital estrangeiro em vez de capital público. O que digo é que a ideia de que se defende o capital nacional não o privatizando, isto é, mantendo-o público, é ilusória, e no caso das telecomunicações claramente errada, porque isso iria conduzir, pura e `simplesmente, ao desaparecimento do sector das telecomunicações nacionais pelas razões que apontei na altura.
Naturalmente, como disse o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, a questão da limitação da participação estrangeira mantém-se incólume, não se altera absolutamente nada com esta disposição, existe noutra sede legal e, portanto, não vem sequer aqui para a discussão. Não se altera nada pelo facto de se permitir a privatização total da Portugal Telecom. Os limites mantêm-se, pelo menos até serem possíveis.
Outra questão, Sr: Deputado, que julgo ser importante e que me pareceu tê-lo confundido um pouco, a propósito da audição do Presidente da Portugal Telecom, é que a iniciativa legislativa agora proposta não estabelece, nem desencadeia, nem fixa, nem obriga à privatização da Portugal Telecom; remove, pura e simplesmente, o obstáculo legal a que isso se passe, hoje em dia, por iniciativa do Governo. Portanto, é uma situação completamente diferente. A partir do dia em que for aprovada esta iniciativa, o Governo não está obrigado a privatizar nada, só está obrigado por aquilo que prometeu, mas não pela própria lei. Pode fazê-lo, se o entender conveniente, e pode, realmente, nessa altura, empreender as discussões que entender com quem quiser e verificar se é ou não conveniente. Do meu ponto de vista, não se trata só de ser conveniente, vai ser obrigatório fazê-lo. Mas esta iniciativa legislativa não pretende, de maneira nenhuma, dizer que a Portugal Telecom começa a ser 100% privada a partir de amanhã ou a partir de que data for; diz simplesmente, que se o Governo entender que o deve fazer passa a poder fazê-lo, coisa que até agora não acontecia.
Sr. Deputado, os seus argumentos contra a privatização por força do risco que se corre, em que o capital cai em mãos estrangeiras, são argumentos que, na minha opinião, podem ser aplicados a qualquer das dezenas de privatizações que foram feitas até agora. E, no fim de contas, o Sr. Deputado acabou de combater, talvez com eficácia semelhante, o processo que julgo ser irreversível, que é o da privatização da economia, através de argumentos que, na minha opinião, não têm fundamento.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Lobo Xavier.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferreira do Amaral, não tenho culpa que o Sr. Deputado tenha dito o que disse, que era preferível... - e isso pode ver-se nas actas - nem eu fiz qualquer comentário negativo relativamente à liberalização ou à privatização da economia. Pelo contrário, limitei-me a perguntar se não considerava que a restrição do sector à actividade económica privada - restrições que; como sabe, globalmente, o meu partido sempre condenou no passado era, apesar de tudo, uma restrição com mais força, com mais eficácia, do que a restrição contida na Lei de Bases das Telecomunicações, que, como se sabe, vale muito pouco, sobretudo relativamente aos capitais oriundos da Comunidade Europeia.

O segundo aspecto que quero referir é o de que a ideia que o projecto dá, por força da exposição de motivos, porventura uma ideia errada - e estamos agora em condições de a perceber ó é que o conceito de liberalização que o Sr. Deputado Ferreira do Amaral quer trazer para a discussão é, pura e simplesmente, um conceito de liberalização interna. Portanto, não quer recuar um passo que seja naquilo que já se obteve em matéria de derrogação do acesso de operadores, estrangeiros ao espaço português. É verdade ou não?

O Sr. Ferreira do Amaral (PSD): - Posso interrompê-lo?

O Orador: - Se eu lhe ceder tempo, pode!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado António Lobo Xavier, está o tempo do CDS-PP a correr...

O Sr. Ferreira do Amaral (PSD): - O tempo está a correr por conta do Sr. Deputado António Lobo Xavier?

O Sr.. Presidente (João Amaral): - Está sim, Sr. Deputado. Pode usar da palavra.

O Sr. Ferreira do Amaral (PSD): - Sr. Deputado, o que julgo que existe - e remeto-o para as palavras do Deputado Luís Marques Guedes - é uma grande confusão entre liberalização e privatização. Liberalização é qualquer coisa que já está decidido, já se sabe o que é, não vale a pena discutir, porque já está concertado entre todos os países. Pode o Sr. Deputado comentar se foi mal ou bem, na minha opinião foi bem, mas já está decidido. Privatização não tem nada a ver com isso. A liberalização é um enquadramento do problema, privatização é qualquer coisa que decidimos agora.

O Orador: - Estou esclarecido. Mas eu nunca falei da privatização. Estamo-nos a ouvir mal um ao outro!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD, malgrado já não ser governo, não deixa de querer dar uma mão à política de privatizações do PS.
Já não basta a abertura hoje existente à participação de empresas e capitais privados que a lei dos sectores permite, embora salvaguardando, e bem, a posição maioritária do sector público. Já não basta todo o processo de privatizações e de abertura ao capital privado que se tem verificado no sector das telecomunicações, designadamente com a liberalização efectiva de vários segmentos da actividade como as comunicações móveis. Já nem basta o facto de o governo do PSD ter aceite, como aceitou, no âmbito da Comunidade Europeia, a futura liberalização do sector com uma limitada derrogação de cinco anos para Portugal.
O PSD, pelos vistos, agora na oposição, quer mais. Quer, como afirma na exposição de motivos do seu projecto de lei, eliminar totalmente, e já, a presença do Estado no sector e, em particular, na Portugal Telecom.
Não existe, em nossa opinião, Srs. Deputados, nenhuma razão de ordem tecnológica, económica ou social que exija uma alteração tão radical da lei dos sectores. O quadro legislativo actual já demonstrou que é mais do que

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suficiente para incorporar as necessidades que se colocam às telecomunicações portuguesas no âmbito do chamado mercado global. Aliás, a argumentação do PSD é uma argumentação de fé, é dizer que uma empresa como a Telecom, sendo de capitais maioritariamente públicos, não está em condições, não tem uma gestão devidamente agilizada, como disse há pouco o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, para intervir nesse mercado. Mas porquê que é assim? Quantos exemplos temos de empresas dos mais variados sectores, e deste também, no estrangeiro, que intervêm nesse mercado global!? E quantas preocupações existem nos governos de muitos países para conseguirem evitar a perca desse sector e evitar que o sector de capitais públicos com interesse público tenha um papel importante num sector tão estratégico para a economia!?
E como o Sr. Deputado Ferreira do Amaral há pouco disse, este é um dos sectores de futuro das economias nacionais, com a importância que isso tem. É s6 uma questão de fé, Sr. Deputado! Os senhores não provam que uma empresa pública, por ser pública, não tenha uma gestão suficientemente agilizada para poder intervir, não possa ter uma gestão capaz para poder intervir. Aliás, como eu disse há pouco, na pergunta que fiz ao Sr. Deputado Ferreira do Amaral, mesmo neste quadro, que já é suficientemente amplo, a Telecom tem demonstrado que tem essa capacidade e essa possibilidade. E tem intervindo, apesar do processo de privatização que lhe foi gerado.
Por isso, se é essa a razão, Srs. Deputados, seguramente é uma fraca razão para vir, no imediato, exigir, reclamar ou propor a liberalização total do sector. Em nossa opinião, deve ser o contrário. A importância estratégica do sector das telecomunicações aconselha a maior prudência nesta matéria e exige a continuação e a manutenção de uma presença forte do Estado e de capitais públicos. Aliás, esta é também a opinião de muitos outros sectores, inclusive da área do PSD - recordo-me das antigas querelas entre o Sr. Deputado, então ministro, Ferreira do Amaral e o antigo ministro Oliveira Martins, que se opunha completamente à estratégia que o governo estava a imprimir à Portugal Telecom, dizendo que a empresa, com essa estratégia, iria parar às mãos estrangeiras. Pelos vistos, Sr. Deputado, não foi convencido enquanto ministro e continua a não estar convencido.
Como vê, Sr. Deputado, não é s6 na área do PCP que se levantam interrogações e dúvidas sobre esse caminho, é também na sua área política, na sua própria área ideológica.
Por outro lado, Sr. Deputado, a antecipação da completa liberalização do sector, que o PSD propõe, só iria causar problemas antecipados a um mercado actualmente em expansão mas onde é fortemente previsível que atinja a saturação nos próximos tempos, e iria dificultar ainda mais as políticas necessárias a uma efectiva cobertura de um país como o nosso, em que o consumo das telecomunicações está muito dependente dos fluxos internos da economia. Tal consumo é ainda bastante baixo no interior e nas ilhas. Liberalizar completamente o sector, e já, e lançá-lo na lógica simples do mercado provocaria, como já provocou recentemente no âmbito do processo de privatização, aumentos brutais no tarifário interno.
A razão que anima, pois, o PSD não é esta, é outra: é a de um mercado que vale milhões, particularmente apetecível, e que o PSD quer que vá todo para o sector privado. Basta lembrar que o Grupo Telecom obteve em 1995 mais de 150 milhões de contos em cash-flow.
Estamos, pois, perante uma daquelas iniciativas legislativas em que não é possível ignorar a importância do que é proposto - pelos vistos, Todo-Bom ainda mexe, mas em que também é possível dizer que a vida tem demonstrado que não há justificação para esta proposta, uma vez que o sector tem funcionado bastante bem sem ela. Não foi, aliás, a sua falta que impediu o passo recentemente dado pelo PS com o prosseguimento da privatização da Telecom, nem impede que o Governo esteja a preparar, mal, a terceira fase desse mesmo processo, impondo-se, por isso, mais do que nunca, a salvaguarda, no edifício legislativo, de uma forte e maioritária presença do sector público e o impedimento da sua entrega a mãos estrangeiras.
Os interesses que movimentam o PSD requerem a aprovação deste projecto, mas o interesse nacional exige a sua rejeição.
Pela nossa parte, é o que faremos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Inscreveu-se, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Ferreira do Amaral. Contudo, antes disso, e porque há pouco me esqueci, informo todos os Srs. Deputados e os serviços que, por solicitação do Governo, a discussão da proposta de resolução n.º 8/VII não se realiza hoje, pelo que será agendada posteriormente na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, uma vez que o Sr. Secretário de Estado encarregado de intervir no debate está ausente do País, ausência essa devida ao facto de estar a representar o Estado português na cerimónia fúnebre em memória do Sr. ex-Primeiro-Ministro da Grécia.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Ferreira do Amaral para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Ferreira do Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, o senhor disse que é uma questão de fé a argumentação do PSD quando diz que uma empresa privada, neste ambiente, tem mais esperanças de sucesso do que uma empresa pública e perguntou porquê. Usando uma linguagem muito cara à sua bancada e ao seu partido, devolvo-lhe a resposta dizendo que a vida ensinou que as empresas privadas se aguentam muito melhor na concorrência do que as empresas públicas. Foi a vida que ensinou isso. Mas, Sr. Deputado, essa discussão podia ser levada, julgo eu, aos limites de todos os tempos possíveis, sem conclusão.
Para saber se estamos no bom ou no mau caminho, se estamos contra ou a favor da corrente, diga-me se conhece algum pais no mundo que esteja a nacionalizar empresas privadas de telecomunicação ou, pelo menos, se conhece algum país no mundo que não pretenda privatizar o sector das telecomunicações. Na Europa, pelo menos - e julgo que conheço a situação em quase todos os países -, 0 objectivo é o de privatizarem tão depressa quanto puderem, isto é, antes da liberalização anunciada, que é a meta de todos, o sector das telecomunicações.
O Sr. Deputado pode ficar na sua fé que eu fico na minha, mas, pelo menos, há-de reconhecer que eu estou mais acompanhado.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

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O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferreira do Amaral, o que a vida ensina é que as empresas públicas, quando, têm uma má gestão e quando são drenadas, como o foram ao longo de anos em Portugal, de capitais próprios e têm de servir, como serviram na economia portuguesa, de fontes de financiamento externo para o Estado, quando se destrói deliberadamente o sector público para depois vir dizer que ele não presta e justificar a sua privatização, o que a vida ensina, repito, é que, nesse caso, as empresas públicas não têm sucesso. Mas esse é um problema de má política dos governos, é um problema de deficiente gestão por parte dos gestores que os governos lá colocam. E, como sabe, a política seguida pelos governos do PSD foi a de pôr as empresas públicas ao serviço do financiamento do Estado. Ora, isso não tem nada a ver com as empresas públicas em si mesmas e com a capacidade de serem ágeis, para usar a vossa expressão, intervirem no mercado e concorrerem ,com os outros sectores da economia.
Agora, há uma questão que as empresas públicas salvaguardam, e seguramente é isso que nos separa: uma intervenção forte de capitais públicos, de capitais do interesse nacional em sectores tão importantes como é o das telecomunicações. Isso, Sr. Deputado, apesar de estarmos em quadrantes diferentes e de, porventura, termos opções diferentes é uma defesa que fazemos, mas também em todas as bancadas, incluindo a vossa, como vi há pouco, há sérias preocupações e algumas objecções neste sentido.
O Sr. Deputado é mais fundamentalista do que os restantes, mas terá de concordar comigo que, no mínimo, não é líquido as posições que defende, mesmo no seio da sua bancada.
Perguntou-me se conheço algum país do mundo onde se esteja a proceder à nacionalização das empresas...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Do mundo não, da Europa!

O Orador: - Sim, da Europa.
Mas nós estamos a proceder a alguma nacionalização neste país, neste momento, Sr. Deputado?
Porém, também lhe respondo que em Espanha o processo de privatização da Telefónica está definido num quadro que procura manter nas mãos do sector público o controlo maioritário da empresa.
Como vê, Sr. Deputado, apesar das diferenças que nos separam do Governo espanhol, obviamente tem aí a resposta com um exemplo concreto.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas isso foi antes das eleições!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Dou a palavra ao Sr. Deputado António Lobo Xavier para interpelar a Mesa.

O Sr. António Lobo Xavier (CDS-PP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Lino de Carvalho chamou a atenção para alguma incongruência de redacção que o relator devia ter tomado nota e, de facto, parece-me que tem razão. Fica. registado, para depois se ter cuidado na redacção final. É que o projecto de lei do PSD refere-se à revogação da alínea d) do n.º 1 e do n.º 4 do artigo 4 º da Lei n.º 46/77. Parece-me que melhor seria referir-se à alínea e).

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, não!

O Orador: - O vício do projecto de lei decorre de um vício que já está na alteração à Lei de Delimitação de Sectores.
Pareceu-me isto, mas não tenho a certeza.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, vamos ter alguma dificuldade, porque essa é uma verdadeira discussão na especialidade.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, dar-lhe-ei a palavra, se for para aditar algo muito concreto.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr: Luís Marques Guedes (PSD): - Serei muito breve, Sr. Presidente.
Penso que não há qualquer lapso, mas obviamente que verificaremos isto na especialidade, porque o erro é estar a comparar a lei de 1993 com a de 1977, uma vez que houve mais alterações de permeio. Neste momento, a alínea b) - de Bélgica - tem a ver com o saneamento básico e a alínea d) tem a ver, desde 1988, com as telecomunicações. É que houve várias alterações sucessivas no tempo.
Portanto, o projecto de lei do PSD está correctamente elaborado, mas teremos ocasião de o mostrar aquando da discussão na especialidade.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Muito obrigado, Sr. Deputado. Creio que, apesar de tudo, o seu esclarecimento foi útil porque ficou mostrado que há matéria para a discussão na especialidade, se houver, evidentemente.
Além disso, há o b, de Bélgica. Gosto sempre que fique registado. Há outras versões do b, mas essa, de Bélgica, fica registada na acta.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Varges.

O Sr. Manuel Varges (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: No dia 4 de Junho corrente, passado precisamente já um ano sobre a primeira fase da privatização da Portugal Telecom e, por coincidência, sem esperarem ao menos para saber dos resultados da sessão especial da Bolsa de Lisboa que, em 11 do mesmo mês, consagrou o extraordinário sucesso da segunda fase de privatização da Portugal Telecom, conduzida por este Governo, conduzida, desta vez, pelo novo Presidente da empresa o socialista Murteira Nabo, eis que o PSD entendeu que era esta a oportunidade ideal para apresentar um projecto de lei de abertura completa à iniciativa privada do sector das telecomunicações, iniciativa que, em nosso entender, é completamente inoportuna, mal sustentada, incompleta e desintegrada de uma realidade que é bem diferente da que referem na vossa fundamentação.
Em primeiro lugar, Srs. Deputados, porque pretende, por deliberada omissão, desvalorizar o sucesso extraordinário desta segunda fase de privatização da Portugal Telecom que, a um preço de 3 620$ por acção, ou seja, 30% superior aos 2 800$ da oferta lançada na primeira fase, mesmo assim, imagine-se, registou em OPV uma procura nove vezes superior, quando na primeira fase, a um preço incomparavelmente inferior, tinha sido apenas 2,7 vezes

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superior à oferta. Na venda directa nacional, Srs. Deputados, a procura foi, desta vez, quatro vezes superior à oferta, quando na primeira fase tinha sido apenas 2,6 vezes superior.
Em segundo lugar, porque, estando neste momento cerca de 23% do capital da Portugal Telecom na posse de estrangeiros, com cerca de 16% fora da Europa, não é admissível que se venha propor uma abertura completa à iniciativa privada do sector das telecomunicações, sem que neste projecto se previsse, ao menos, que uma tal abertura teria de passar necessariamente pela definição de uma parceria estratégica obrigatoriamente num espaço mais alargado além-Europa, pelo que qualquer proposta de abertura, para além dos 49% actuais, teria de passar, também, por uma alteração da lei de bases que, no seu artigo -19.º, consagra um limite máximo de 25% para o capital estrangeiro, neste caso não europeu.
Em terceiro lugar, porque, contrariamente ao que é afirmado no preâmbulo do projecto de lei, em 1995, quando da primeira fase da privatização da Portugal Telecom, o sector apenas formalmente se encontrava reestruturado, como já foi dito, já que na prática ainda hoje subsistem carências de reestruturação e de reorganização que dêem corpo a uma verdadeira unidade de negócio, subsistindo ainda factores de menor integração tecnológica e de fraca integração cultural e social, que importa aprofundar e consolidar, entre os ex-TLP e a ex-Telecom nascida dos ex-CTT.
Em quarto lugar, Srs. Deputados, não estão ainda concluídos alguns dos normativos legais do Decreto-Lei n.º 40/95, de 15 de Fevereiro - Bases da concessão do serviço público de telecomunicações, nomeadamente, o « Inventário dos bens afectos à concessão», nos termos do artigo 20.º, e as bases da sub concessão a celebrar entre a Portugal Telecom e a Marconi, S.A.
Por último, e mais importante,, em nosso entender, qualquer proposta de abertura do sector das telecomunicações à iniciativa privada para além dos 49% actuais em nosso entender terá de ter como justificação uma intenção já declarada pelo Governo e pela administração da Portugal Telecom de que o futuro do Grupo, em caso de maior abertura ao sector privado, terá necessariamente de passar por uma decisão sobre um processo de selecção de alianças e de parcerias estratégicas que assegurem um posicionamento competitivo do Grupo Portugal Telecom nas áreas geográficas e sectoriais em que ela actua, não só no momento actual mas, sobretudo, no âmbito dó mercado liberalizado mais alargado.
Este objectivo, para nós essencial para a tomada de decisão de uma maior abertura da Portugal Telecom à iniciativa privada, para além dos actuais 49%, pressupõe assim que se cumpram, com o processo de alianças globais e de parcerias estratégicas, os seguintes objectivos específicos:
Primeiro, aumentar a capacidade competitiva do Grupo Portugal Telecom;
Segundo, desenvolver, com essas alianças e com essas parcerias, novos negócios e novos mercados para a Portugal Telecom;
Terceiro, dar uma rápida resposta às necessidades dos grandes clientes e dos clientes mais sofisticados, nomeadamente, em termos de soluções e serviços globais;
Quarto, desenvolver todas as acções que permitam ao Grupo Portugal Telecom manter a liderança nacional em todos os seus negócios,- após a liberalização e, em especial, nos negócios mais ameaçados, como o tráfego interurbano e internacional.
Só após concluído um tal processo de negociação e de selecção dos aliados globais e/ou; dos parceiros estratégicos que cumpram estes objectivos específicos se justificará então, em nosso entender, que o Governo apresente uma proposta de lei devidamente fundamentada, oportuna, coerente e como solução integrada, o contrário da solução que o PSD nos propõe.
Aliás, como há pouco referi, esta posição do accionista Governo, para que fique claro, está expressa na página 36 do prospecto preliminar da segunda fase da privatização da Portugal Telecom, elaborado há pouco mais de um mês e meio, em que se afirma claramente que «O Governo prevê vir, a propor alterações à legislação de forma a permitira redução da sua participação a um nível inferior aos actuais 51 %, afamando no entanto não haver garantias que tais alterações sejam efectuadas a curto prazo».
De. acordo com as resoluções do Conselho de Ministros da União Europeia de Julho de 1993 e de Dezembro de 1994, todos os Estados membros terão de liberalizar os seus sectores das telecomunicações, incluindo a liberalizarão total dos serviços fixos de telefone e dás infra-estruturas até 1998, sendo que a Espanha, a Grécia, a Irlanda e Portugal poderão fazê-lo, se o solicitarem, até 1 de Janeiro de 2003. A Espanha anunciou já publicamente que liberalizará o seu mercado até 1998.
Portugal tem, pois, de estar preparado para enfrentar a concorrência aberta que daí advirá, antes da referida liberalização. Para isso, terá de reponderar previamente, como referi há pouco, novos rebalanceamentos das tarifas após expirar, em 31 de Dezembro de 1997, a actual Convenção Tarifária e terá de estar atento aos desenvolvimentos verificados no sector das telecomunicações na Europa e noutros países susceptíveis de afectar o ambiente concorrencial em Portugal.
A Portugal Telecom terá ainda que prosseguir os seus investimentos na melhoria das suas infra-estruturas e nos aumentos de eficiência.
Por todas estas razões, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista não pode acolher favoravelmente esta iniciativa legislativa do PSD.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira do Amaral.

O Sr. Ferreira do Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Varges, se aquilo que agora afirmou e se o que eu entendi - mas o Sr. Deputado confirmará - é uma oposição do Partido Socialista a que seja permitida a privatização integral da Portugal Telecom, julgo que tem alguma coisa de escandaloso.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito!

O Orador: - O Sr. Deputado sabe bem que o projecto de lei que apresentámos não obriga ninguém a fazer a privatização, diz simplesmente que, a partir de agora, passará a ser possível fazer a privatização a 100%, justamente aquilo que o Governo do Partido Socialista prometeu nos prospectos de privatização, lançados internacionalmente.
O Partido Socialista, neste caso, terá de resolver uma contradição difícil. O seu Governo anuncia, perante o mercado internacional de privatização e aos compradores

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de acções, que pretende fazer a privatização total e, até encontrar o parceiro estratégico, reduzir a participação do Estado a um nível inferior aos actuais 51 % e a lei, actualmente, não o permite. Ora, nós propomos uma disposição legal que remova esse obstáculo, permitindo ao Governo, quando o entender, fazer a privatização, isto é, cumprir aquilo que prometeu, e o Partido Socialista anuncia que não deixa passar essa alteração da lei.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Dá o dito por não dito!

O Orador: - É uma contradição que, na minha opinião, retira credibilidade à forma como está a ser gerida a economia do País e, pior do que isso, retira-a internacionalmente. Não é possível a um accionista, a um grupo de accionistas ou a quem representar fundos perdoar ao Partido Socialista, porque este prometeu vir, um dia, a privatizar totalmente a Portugal Telecom e agora opõe-se a uma disposição legal que não faz mais do que permitir essa promessa.
Sr. Deputado, não vale a pena entrarmos em considerações da ordem daquelas em que entrou. A questão é pura e simplesmente esta: o Partido Socialista opõe-se, pela sua própria voz, a que o seu Governo decida privatizar a 100% a Portugal Telecom, quando entender.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Varges.

O Sr. Manuel Varges (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferreira do Amaral, julgo que foi muito claro que V. Ex.ª levou esta questão para onde quis. O Governo, volto a repetir, garantiu vir a propor alterações à legislação, de forma a permitir a redução da sua participação a um nível inferior aos actuais 51%. Só que não o fará no tempo do PSD nem nas condições em que o PSD se propõe fazê-lo, fá-lo-á no seu tempo e nas melhores condições, quando entender que haverá um sucesso garantido para uma tal privatização, mas fá-lo-á, com certeza.
No entanto, há uma coisa que não lhe posso garantir, Sr. Deputado Ferreira do Amaral: se a privatização será a 100, a 75 ou a 8010. Mas ela será feita, com certeza, logo que estejam garantidas as melhores condições para o sucesso de uma tal privatização, para benefício do sector das telecomunicações em Portugal. O Governo fá-lo-á, mas a seu tempo e à sua maneira e não da forma destemperada, injustificada e despropositada como o PSD propõe.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, não há mais pedidos de palavra, pelo que declaro encerrado o debate relativo ao projecto de lei n.º 170/VII. A sua votação far-se-á no dia e hora regimentais.
Passamos agora à apreciação, na generalidade, da proposta de lei n.º 37/VII - Altera a Lei n.º 69/78, de 3 de Novembro (Lei do Recenseamento Eleitoral), e o Decreto-Lei n.º 701-B/76, de 29 de Setembro (Lei Eleitoral dos órgãos das Autarquias Locais).
Tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna (Alberto Costa): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Tal como

o foi apresentar aqui a proposta de regularização extraordinária de imigrantes irregulares na sociedade portuguesa, é um privilégio apresentar aqui, hoje, esta proposta de lei.
Ela corresponde, em primeiro lugar, ao cumprimento de um compromisso assumido no Programa do Governo, onde se estabelecia como objectivo a promoção da qualidade da democracia e a modernização dos padrões de convivência cívica, o qual tornava e torna indispensável uma melhoria consistente dos instrumentos de inserção não apenas no domínio económico e social mas também na esfera da integração e da participação política.
Uma das direcções das iniciativas a apresentar por este Governo, e que agora se concretiza nesta proposta, tinha e tem por alvo o aumento da capacidade de integração e de participação no âmbito do sistema político.
Gostaria de começar por sublinhar esta direcção modernizadora do sistema de participação em Portugal, porque a ideia de modernização andou durante bastante tempo associada apenas a aspectos materiais e tecnológicos. - Ora, modernização não é apenas auto-estradas, telemóveis e telecomandos. Há também uma modernização cívica, e essa deve ser promovida e valorizada diante dos portugueses. É isso que nos propomos também fazer com a iniciativa que apresentamos hoje.
Modernizar como e em quê? Modernizar a participação cívica, valorizando o quadro de vida e de residência como título de participação, indo para lá do título clássico da nacionalidade. Queremos que esta acção modernizadora no plano cívico seja conduzida de uma forma coerente com a história e com o sentido e as apostas de futuro no domínio da presença e da afirmação de Portugal no Mundo.
É por isso que aqui vimos hoje propor que sejam dados em simultâneo três passos.
Propomos, como primeiro passo, que, tal como os outros países da União Europeia, não todos mas a maior parte deles, já fizeram na sequência do Tratado da União Europeia e de uma directiva aprovada ainda em 1994, incluamos na ordem jurídica interna uma autorização para que os cidadãos dos outros países comunitários possam eleger e ser eleitos no domínio das eleições autárquicas.
Em simultâneo - segundo passo ó, propomos que, verificadas as condições de reciprocidade e determinados prazos mínimos de residência, que funcionam como índices de integração; esta medida seja também adoptada em relação aos cidadãos residentes em Portugal oriundos de países que tenham o português como língua oficial.

O Sr. António Braga (PS): - Muito bem!

O Orador: - São abrangidos, assim, os cidadãos que de alguma maneira podem dizer que a língua portuguesa é a sua pátria oficial e que, na sua história, na sua emoção, no seu afecto, no seu direito e, tantas vezes, no seu destino, e não apenas no seu destino de viagem, têm em Portugal uma referência maior.
Propomos ainda um terceiro passo, a acompanhar estes dois. Há um já vasto conjunto de países na Europa, fora da União Europeia, na África, na América e até na Ásia que concede a estrangeiros residentes, e, portanto, concede também a portugueses, nuns casos sob condição de reciprocidade e noutros mesmo sem esse requisito, o direito de elegerem e de serem eleitos em eleições locais. Entendemos nós que seria correcto, equitativo e promotor das possibilidades dos candidatos portugueses e dos eleitores portugueses nesses países que déssemos um passo

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simétrico em direcção a estes países, observada a condição de reciprocidade.
Não se trata, pois, de dar passos em relação aos estrangeiros residentes que sejam concebidos ou percorridos com indiferença em relação ao que são as direcções e as apostas da afirmação contemporânea de Portugal no Mundo.
Valorizamos laços comunitários, que não são apenas laços de coesão material ou de tutela de direitos, como a liberdade de circulação de pessoas, de bens, decapitais, mas também de bens de participação, que desenvolvam o sentido da pertença, o que, como todos sabem, é um bem escasso, que as sociedades e os responsáveis de hoje devem, procurar alargar e multiplicar.
Valorizamos não apenas a pertença à comunidade europeia, neste sentido lato, mas também a pertença à comunidade lusófona, porque a língua portuguesa, como diz o Sr. Deputado Medeiros Ferreira, é uma projecção externa de Portugal, com um importante papel na nossa afirmação contemporânea no Mundo.
De igual modo, valorizamos os fluxos históricos, demográficos e culturais que nos ligam a outros países que não os de língua portuguesa, porque se a nossa língua transcende e se projecta para lá dos limites da portugalidade, de alguma maneira, a portugalidade, neste sentido lato, transcende e projecta-se para lá dos limites da própria língua portuguesa.
Por isso, Sr.ªs e Srs. Deputados, nesta proposta de lei está envolvida uma ideia de modernidade cívica, de modernidade participativa, e uma visão da comunidade como um sistema de bens cívicos, a que se acede por múltiplos caminhos, títulos de pertença e de inclusão. Estão aqui envolvidas, Sr.ªs e Srs. Deputados, uma visão da sociedade actual como uma sociedade gravemente confrontada com os problemas da inclusão e da exclusão e a ideia de que as políticas que enfrentam a inclusão e a exclusão não se configuram apenas no terreno económico e social mas têm de se configurar também e decisivamente, como se escreve no Programa do Governo, no domínio cívico.
Sr.ªs e Srs. Deputados, está aqui implicada também uma certa ideia de Portugal. É uma ideia de um Portugal acolhedor, aberto, mas também de um Portugal ofensivo, confiante e competitivo; um Portugal capaz de acolher, de inserir e de incluir, feito de portugueses capazes de se afirmarem, de se projectarem e de se incluírem no próprio exterior de Portugal. É uma ideia de um Portugal que concede direitos porque está confiante no exercício que os portugueses vão fazer dos direitos que lhes forem atribuídos no exterior de Portugal.
Por isso, pensamos que, hoje, quando a Assembleia é chamada a decidir na generalidade sobre esta matéria, devemos ter presentes aqueles a quem damos em Portugal novas e justas oportunidades de participação e de afirmação no terreno eleitoral. Mas devemos também pensar nos portugueses que passarão a poder eleger e a ser eleitos em e para órgãos locais em África, na América, na Ásia e na própria Europa, para lá do circulo da União Europeia.
O que está em causa, Sr.ªs e Srs. Deputados, não é que demos este passo. Certamente, ele será dado, por quanto pode saber-se das disposições de voto dos grupos parlamentares que compõem esta Assembleia. É evidente que o Governo está disponível para aceitar todos os aperfeiçoamentos de natureza técnica ou política cuja introdução se justifique na economia da nossa proposta de lei. Em relação a isso, há uma disponibilidade completa.

O que está em causa, dizia, não é a aprovação deste diploma. O que aqui está em causa, como aconteceu aquando da regularização extraordinária dos imigrantes, é que sejamos todos, todos os grupos parlamentares desta Assembleia, a dar estes passos, cada um deles, e a partilhar esta visão cívica moderna de Portugal e também esta visão portuguesa da modernidade cívica. Será suficiente? Será bom que aprovemos esta lei por maioria. Mas será excelente que sejamos todos a aprová-la, que sejam todos os grupos parlamentares a partilhar esta visão portuguesa da modernidade cívica. Será sobretudo melhor para Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Administração Interna, ouvi a sua intervenção e gostaria de o questionar sobre alguns aspectos gerais desta proposta de lei. Haverá, naturalmente, matéria de especialidade que terá de ser atentamente ponderada na Comissão, mas, como não estamos a fazer a discussão na especialidade, não é a esse nível que vou colocar-lhe questões, que têm, sobretudo, a ver com opções tomadas e que o Sr. Ministro não referiu.
O Sr. Ministro referiu três passos constantes desta proposta de lei, referentes à atribuição de capacidade eleitoral, activa e passiva, de diversos cidadãos. O primeiro passo refere-se aos cidadãos nacionais de outros Estados da União Europeia; o segundo passo refere-se a cidadãos originários de países de língua portuguesa e o terceiro refere-se a outros cidadãos estrangeiros.
Ora, para além de uma condição geral de reciprocidade, que diz respeito a todos eles - não pode deixar de ser assim por imperativo constitucional ó, a verdade é que os segundo e terceiro passos são iguais, porque, se procurarmos nesta proposta de lei qualquer diferenciação de regime entre os cidadãos de países de língua oficial portuguesa e os cidadãos de outros países não comunitários, verificamos que a única diferença de regime que existe é semântica, é estarem em alíneas diferentes, já que, de resto, há uma identidade total de regime.
O Sr. Ministro, agora, também fez uma diferenciação semântica bastante acentuada, mas nós não encontramos na proposta de lei qualquer opção diferente, que não seja a de criar uma identidade absoluta de regime.
Por outro lado, relativamente aos cidadãos comunitários, a directiva comunitária em questão permite que os Estados membros adoptem unilateralmente determinadas limitações quanto à capacidade eleitoral, activa e passiva, designadamente a heteropassiva.
Sei que, relativamente a nós, a realidade dos países comunitários é diferente da de outros países, designadamente, como é evidente, porque há muitos milhares de cidadãos portugueses a viverem nesses países, aos quais poderá perfeitamente ser atribuída capacidade eleitoral, activa e passiva, nos países onde residem. Assim, é importante que Portugal também contribua para que esse direito lhes possa ser atribuído, nos países onde vivem esses cidadãos, em condições de reciprocidade, e é evidente que devem ser dados passos neste sentido.
Assim, em termos de opção assumida pelo Governo nesta proposta de lei, pergunto: por que é que, relativamente aos cidadãos comunitários, o Estado português ab-

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dica, segundo a proposta de lei, de estabelecer qualquer limitação, seja em termos de estabelecer um período mínimo de residência, seja em termos de estabelecer algumas limitações à capacidade eleitoral passiva, designadamente a de ser candidato a órgãos executivos de câmaras municipais ou a presidente de câmara - há países comunitários que o fazem, como é do conhecimento geral ó, não se estabelecendo qualquer limitação a este nível se não apenas para os cidadãos de países de língua oficial portuguesa? Em relação a outros cidadãos estrangeiros, estabelecem-se limitações desta natureza.
Gostaria de saber, já nesta fase do debate, as razões desta opção de fundo tomada pelo Governo relativamente à proposta' de lei que nos apresenta.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, em relação à primeira pergunta que coloca, devo dizer que quisemos efectivamente distinguir dois segmentos do novo eleitorado. Quisemos distinguir as causa de admissão à elegibilidade para este efeito porque estamos conscientes de que as razões para contemplar um venezuelano, um argentino, um peruano ou um israelita não devem confundir-se, em absoluto, com as razões para eleger, para este efeito, um africano, um cabo-verdiano, um brasileiro, um moçambicano ou um de santomense.
No espírito do Governo, são duas realidades com fundamentos históricos diferentes e, no futuro, podem também vir a ter regimes jurídicos diferentes em relação a várias matérias, que, como o Sr. Deputado conhece, se encontram em desenvolvimento.
Falamos numa comunidade lusófona, não estamos a falar numa comunidade que possa envolver este conjunto de países que, já hoje, nos dão direitos, que pretendemos utilizar, oferecendo, como contrapartida, outros direitos, mas não distinguimos as duas realidades e queremos deixar os dispositivos jurídicos preparados para vários desenvolvimentos possíveis. Daí que nos tenha parecido inteiramente fundamentado separar os dois novos corpos do eleitorado activo e passivo nesta matéria.
No que toca à segunda questão, devo dizer que não percebi, porque se trata de uma matéria substantiva, qual era o pensamento do Grupo Parlamentar do PCP sobre a matéria exposta.
O pensamento do Governo está claramente apresentado. Não seguimos o caminho da discussão em França, que, como sabe, ainda não está fechada, e também entendemos que não se justificavam os cuidados que um país como Luxemburgo teve neste domínio, pelo que seguimos o standard geral da Europa.
Ora, gostaria de saber, Sr. Deputado, se o Grupo Parlamentar do PCP apoia esse standard geral ou se entende que o cargo de presidente de câmara, de presidente de junta de freguesia, ou outro qualquer, deveria ficar fechado à participação de cidadãos originários de outros países da Comunidade, por exemplo. Se o seu entendimento é que ele deveria estar aberto, coincide com o pensamento do Governo; se é o de que deveria ficar fechado, não coincide com o pensamento do Governo, mas a incógnita aqui não está no pensamento do Governo, está, se bem o percebi, no pensamento do PCP. Mas espero ter a oportunidade de, ao longo deste debate, saber, exactamente, o que

propõe o PCP nesta matéria, em relação à abertura ou à restrição da participação de cidadãos comunitários nas eleições locais.
Na verdade, no plano comunitário, entendemos que a melhor aplicação dos princípios, nomeadamente dos de igualdade de tratamento, apontava aqui, como na generalidade dos países cuja legislação apreciámos, para a não introdução de qualquer restrição especial em matéria de tempo de residência. Já em relação aos outros segmentos, os estudos que fizemos, as legislações nacionais que apreciámos, vão exactamente no sentido de tal se justificar. Observe, por exemplo, o que se passa em relação à legislação de Cabo Verde.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Ministro, peço-lhe que conclua.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.
Na legislação de Cabo Verde, são formulados requisitos temporais absolutamente análogos àqueles que, por esta proposta; pretendemos introduzir na legislação portuguesa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Com a presente proposta de lei, o Governo visa dar cumprimento, ao nível da legislação ordinária, ao dispositivo constitucional conferido pelo n.º 4 do artigo 15.º, que consagra a possibilidade de a lei atribuir a estrangeiros residentes em território nacional, em condições de reciprocidade, capacidade eleitoral, activa e passiva, para a eleição de órgãos de autarquias locais. Visa ainda transpor para a ordem jurídica interna e dar aplicação à Directiva 94/80/CE, do Conselho, de 19 de Dezembro, que estabelece as regras de exercício do direito de voto e elegibilidade nas eleições autárquicas dos cidadãos da União residentes num Estado membro de que não tenham a nacionalidade.
Entende o Governo do PS e da nova maioria que é necessário corporizar o entendimento que se vai impondo em todo o mundo, em particular nos Estados europeus, de que, ao nível das organizações de base, isto é, das autarquias locais, a residência, ou seja, a cidadania da vizinhança, deve prevalecer sobre a nacionalidade como critério de atribuição de direitos de participação política. Diversos Estados têm, assim, vindo a conceder capacidade eleitoral, activa e/ou passiva, aos estrangeiros residentes nas eleições locais ou regionais.
Por exemplo, a Suécia atribuiu aos imigrantes o direito de voto nas eleições locais e regionais em 1975; a Dinamarca reconheceu o direito de voto nas eleições locais aos imigrantes em 1981; a Noruega reconheceu o direito de voto nas eleições locais aos imigrantes em 1982 e a, Holanda reconheceu o direito de voto nas eleições locais aos imigrantes em 1985.
Contudo, existe ainda uma grande heterogeneidade a nível europeu no tocante à concessão do direito de voto dos estrangeiros residentes. Assim, a Directiva comunitária poderá trazer um contributo fundamental nesta área, proporcionando a esses cidadãos uma cidadania de pleno direito.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A matéria atinente a esta proposta de lei encontra-se regulada na Lei n.º 69/

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78, de 3 de Novembro (Lei do Recenseamento Eleitoral) e no Decreto-Lei n.º 701-B/76, de 29 de Setembro (Lei Eleitoral dos órgãos das Autarquias Locais).
A Lei do Recenseamento Eleitoral foi alvo de diversas alterações, sendo a mais recente, originada pelas eleições para o Parlamento Europeu, introduzida pela Lei n.º 3/94, de 28 de Fevereiro, que resultou da proposta de lei n.º 86/VI, apresentada pelo governo PSD em 13 de Janeiro de 1994.
O Decreto-Lei n.º 701-B/76, de 29 de Setembro - Lei Eleitoral dos órgãos das Autarquias Locais, também já sofreu diversas alterações, tendo sido a última introduzida pela Lei n.º 9/95, de 7 de Abril.
Para além de dar exequibilidade ao dispositivo constitucional e à Directiva 94/80/CE, esta proposta de lei integra-se num movimento internacional significativo de aprofundamento da democracia, para além de consagrar um importante mecanismo de inserção ou integração social dos residentes não nacionais, como disse o então Deputado António Costa na apresentação, nesta Câmara, do projecto de lei n.º 3/VI, apresentado pelo Grupo Parlamentar do PS, sobre o direito de voto dos estrangeiros nas eleições locais, reportando-se, como é óbvio, aos fundamentos desse projecto.
Num momento em que a questão das migrações e da inserção dos imigrantes está, mais do que nunca, no centro do debate político e público, a integração torna-se uma necessidade. Veja-se, por exemplo, o comunicado final da 6.B Conferência dos Ministros Europeus responsáveis pelas questões das migrações, efectuada em Varsóvia, entre 16 e 18 deste mês. Refira-se que este comunicado, foi aprovado por unanimidade e aclamação pelos representantes de 39 países europeus, referindo-se aí, no ponto 3.2 da Introdução que «há necessidade de pôr em prática medidas que permitam uma participação activa dos imigrantes nos processos de decisão na sociedade».
A concessão do direito de voto nas eleições municipais aos nacionais dos Estados membros que residam noutro Estado membro que não o seu é, assim, uma questão de grande actualidade e que desde há muitos anos tem sido trazido à colação pelo Partido Socialista.
Há alguns aspectos que podem ser delicados. Um deles é a importância relativa do número de estrangeiros residentes em relação à população total, pelo receio que isso levanta de afectar os equilíbrios políticos e sociais preexistentes.
Para acautelar tal eventualidade, a Directiva comunitária prevê, no capítulo das disposições derrogatórias e transitórias (artigo 12.º), a possibilidade de medidas transitórias nos países onde o total de nacionais de outros Estados membros ultrapassam 20% do conjunto dos cidadãos da União em idade de voto aí residentes. Este não é, contudo, o cenário do nosso pais, porque o fenómeno imigratório em Portugal é, em termos quantitativos, reduzido.
Com efeito, em 31 de Dezembro de 1995, encontravam-se registados 168 316 residentes, sendo mais representativas as seguintes nacionalidades, por ordem decrescente: Cabo Verde, 38 746; Brasil, 19 901; Angola, 15 829; Guiné Bissau, 12 291; Reino Unido, 11 486; e Espanha, 8887. Aguardamos os números do novo processo de regularização extraordinária, a decorrer, como todos sabem, desde o passado dia 11 de Junho até 11 de Dezembro.
Tal como decorre dos números acima referidos, a presente proposta irá beneficiar, sobretudo, os cidadãos dos países lusófonos e da União Europeia.
Além disso, é de recordar que Portugal é um país com cerca de 4,5 milhões de emigrantes e que tinha, em 31 de Dezembro de 1995, registados os tais 168 316 estrangeiros residentes legais.
Para que os estrangeiros que aqui residam legalmente possam beneficiar deste diploma, exige-se que os seus países reconheçam reciprocamente este direito aos cidadãos portugueses que aí residam. A reciprocidade, que é uma característica do nosso regime constitucional nesta matéria, é uma forma de favorecer a consagração destes direitos para os nossos emigrantes portugueses em qualquer país do mundo.
Importa aqui realçar que a atribuição do direito de voto é frequentemente considerado como um poderoso meio de incentivo de inserção dos não nacionais e uma forma de motivar todas as forças políticas na resolução da situação dos estrangeiros, designadamente nas condições particularmente precárias em que muitos vivem.
A proposta afigura-se meritória e era mais do que desejada pelos estrangeiros residentes em Portugal e pelas associações de imigrantes, dado que o direito de voto é uma das formas de participação política mais elevada.
Esta participação enquadra-se num projecto mais global, que visa uma acção comum no domínio da cultura. A dimensão cultural inscreve-se, com efeito, na consciência colectiva dos cidadãos cujos valores constituem um fundo cultural comum, marcado pela partilha de um humanismo pluralista baseado na democracia, na justiça e na liberdade.
É neste contexto que se enquadra a participação política dos imigrantes. Esta participação no voto e na elegibilidade a nível municipal é bastante importante, dado que este constitui um espaço privilegiado para a sua inserção no tecido social e cultural e também pela forma como as decisões daqueles órgãos se repercutem directamente no seu quotidiano.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, esta proposta de lei, na sequência da lei de regularização extraordinária dos imigrantes clandestinos, aprovada por unanimidade por esta Câmara, bem como a lei, proposta pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, que concede às associações a possibilidade de se constituírem assistentes em processos crime motivados por discriminação em função da cor ou da nacionalidade, igualmente aprovada por unanimidade neste Parlamento, fazem parte de uma política integrada de imigração que o PS propôs ao povo português durante a campanha eleitoral e que vem honrando, seja por iniciativa do Governo e do Alto Comissário para os Imigrantes e Minorias Étnicas, seja por iniciativa do Grupo Parlamentar do PS.
Importa dizer que este Parlamento apoiou unanimemente estes projectos não só por, assumidamente, estar com o melhor que o património português regista no âmbito das nossas relações bilaterais e multi laterais (relações de família, de afecto, de amizade que nos unem) mas também por compreender a sua importância estratégica para o futuro dessas relações e da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, com as sessões que decorreram, desde anteontem, na Sala do Senado e que, daqui, não podemos deixar de saudar calorosamente.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Esta proposta de lei concretiza uma directiva comunitária que atribui aos cidadãos comunitários uma prerrogativa de cidadania que inclui positivamente os nossos emigrantes na Comunidade Europeia mas

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também um imperativo de justiça e de equidade, ou seja, a atribuição a estrangeiros não comunitários e cuja língua não é de expressão oficial portuguesa mas que concedem já aos nossos emigrantes o alargamento do seu direito de cidadania às eleições locais.
O alargamento deste direito a outros países não lusófonos nem comunitários obedeceu a uma preocupação de assegurar, na base da reciprocidade, estes direitos aos portugueses noutros países onde haja importantes comunidades emigrantes.
Por todas estas razões, estou convicta de que esta Assembleia não deixará de apoiar a presente iniciativa legislativa do Governo e de lhe atribuir a dimensão de apoio e de voto que ela merece pelo imperativo nacional que significa.
Quero concluir, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, dizendo que não se pode ignorar que a exclusão social está intimamente associada a um défice de possibilidades de participação na vida da cidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Neste contexto, assumem especial significado as eleições para as autarquias locais e compreende-se a importância desta proposta de lei.
Assegurar a inserção dos imigrantes passa por reconhecer-lhes direitos, civis e sociais e pelo alargamento de cidadania para que aponta esta proposta. É necessário assegurar direitos aos imigrantes e condições para participarem como sujeitos, solidariamente com os cidadãos nacionais, na construção do futuro desta sociedade.
O desafio ético que os imigrantes colocam à sociedade portuguesa exige como resposta uma política integrada de imigração, uma política integrada de combate à exclusão social dos imigrantes e das minorias étnicas.
Só assim poderemos construir um Portugal em que todos - sociedade portuguesa e imigrantes - os que escolheram, por razões históricas, económicas e, principalmente, por afecto, viver neste país possam enfrentar solidariamente os desafios da modernização e do desenvolvimento.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Se, por um lado, esta proposta de lei aqui trazida pelo Governo cumpre uma directiva comunitária, por outro, alarga o seu âmbito, conforme foi referido na intervenção inicial do Sr. Ministro da Administração Interna. A linha global de orientação é aplaudida pelo PSD mas nem tudo o que consta do diploma, e sobretudo o que dele não consta, pode deixar de merecer reparos.
É óbvio que, num país com tantos séculos, em que o sentimento de Pátria é tão profundo e arreigado como em Portugal, não é demais reconhecer uma outra cidadania comum, a cidadania europeia, que o Tratado da União consagra. Não se trata de uma subtracção à nacionalidade portuguesa mas, pelo contrário, de um plus, de um mais, que acresce à cidadania portuguesa.
Julgamos que a ideia mais certeira que traduz o fenómeno cultural em discussão é a de que há uma pátria e uma só nação mas pode haver várias cidadanias. No fundo, é a ideia de que, num processo de globalização e de mundialização, as pessoas movimentam-se com tanta facilidade que podem residir em locais diversos, o que lhes permite ter, nessa medida, direitos de cidadania em cidades diferentes. Os «donos» da cidade, hoje, multiplicam-se por vários locais, por vários países, por várias nações.
Assim, entender este fenómeno cultural em que a cidadania é uma consciência comum sobre problemas comuns em nada enfraquece a ideia de pátria e a ideia de nação.
Se a Europa é uma cultura de culturas, também pode dizer-se que a Europa é uma cidadania de nacionalidades. Ao contrário da leitura que alguns fazem, nós, PSD, vemos este Tratado da União Europeia, neste ponto, como um desenvolvimento e um aprofundamento de Portugal, o Portugal europeu, que é a sua âncora, que em nada enfraquece a vocação africana e atlântica do nosso país. Também por essa razão, a fronteira dos direitos políticos, inclusive, alarga-se e expande-se, indo ao encontro do Portugal das Sete Partidas do Mundo, do Portugal de cultura universal.
Vemos com bons olhos que o factor da nacionalidade não seja discriminatório de cidadãos de países da Comunidade Europeia, de países de expressão portuguesa ou de outros que, em condições de reciprocidade, reconheçam iguais direitos nos respectivos países. Portanto, vemos como um bem que esta nacionalidade não discrimine esses residentes estrangeiros em Portugal no direito de participação em eleições autárquicas mas já não entendemos que esses mesmos cidadãos estrangeiros possam, em Portugal, ser melhor tratados dó que os próprios portugueses e é disso de que agora urge tratar, Sr. Ministro.
A proposta fica aquém destas questões. Quer - e muito bem - tratar por igual os estrangeiros residentes em Portugal, em condições de reciprocidade, mas, salvo melhor opinião, parece querer tratar melhor esses estrangeiros do que os portugueses. Qual o ponto concreto em causa em que a igualdade dos portugueses é prejudicada? Concretamente, o das incompatibilidades.
Repare-se: de acordo coma actual lei, em Portugal, um cidadão não pode candidatar-se a duas autarquias; um cidadão estrangeiro residente em Portugal, que queira exercer o direito de ser eleito em Portugal nas eleições autárquicas, pode e deve fazê-lo. Porém, deve sofrer as mesmas incompatibilidades que sofrem os cidadãos portugueses no nosso território. É essa transposição da directiva comunitária que não é feita na proposta de lei e refiro-me, concretamente, ao artigo 6.º, n.º 2, conjugado com o 9 º, n.º 2, alínea d), respectivamente, da directiva.
Nos termos do artigo 9.º, aquando da apresentação da declaração de candidatura, o Estado membro pode fazer várias exigências e a proposta de lei vem fazer várias exigências, no que está conforme à directiva. Mas, de acordo com a alínea d), o Estado membro pode ainda exigir que o destinatário da norma especifique que não exerce nenhuma das funções incompatíveis referidas no n.º 2 do artigo 6 º, e passo a ler: «Os Estados membros podem dispor que a qualidade de eleito autárquico no Estado membro de residência é igualmente incompatível com as funções exercidas noutros Estados membros equivalentes às que implicam uma incompatibilidade no Estado membro de residência».
Esta exigência não é cumprida, resta saber se deliberadamente ou se apenas por omissão. Para nós, PSD, não pode passar por omissão. Queremos igualdade para os estrangeiros e não discriminação em função da nacionalidade, desde que, depois, sejam sujeitos às mesmas regras dos portugueses em território nacional.

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A isso acresce que, na concepção desta cidadania comum, é bom que também entendamos que os portugueses espalhados pelas Sete Partidas do Mundo devem merecer de Portugal e dos seus órgãos de soberania o melhor tratamento possível, neste mesmo espírito de cidadania comum e, sobretudo, num tempo de globalização e de mundialização em que, de algum modo, pelo menos, tentações existem de diluir a verdadeira e única nacionalidade, neste caso, a nacionalidade que cada um, pelo jus soli ou pelo jus sanguinis, adquiriu.
È bom que se encontrem tempos e modos de permitir aos portugueses espalhados por esse mundo fora que participem soberanamente nos assuntos de relevante interesse nacional. Por isso, coerentemente, face a este dado cultural em causa, também o PSD, em sede de revisão constitucional, diz que no referendo devem participar os portugueses. A prova está feita: é este espirito de cidadania comum mais alargada e o reforço da verdadeira Nação portuguesa, mesmo espalhada pelo mundo, que deve participar nos actos de maior relevância nacional. Só assim se evita a diluição da grande nacionalidade que somos, do grande país que somos e queremos continuar a ser.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em 1981, Tierno Gálvan, ao tempo Alcaide de Madrid, e eu, na qualidade de Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, apresentámos à Federação Mundial das Cidades Gémeas a Carta dos Direitos dos Cidadãos Europeus e a proposta do cartão de vizinho. Dessa reunião, Tierno Gálvan saiu Presidente da Federação e, o então Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, l.º Vice-Presidente da Federação Mundial das Cidades Gémeas.
Recordo-o porque é curioso ver como as coisas evoluíram nos últimos tempos. No fundo, estamos hoje, em boa hora, a discutir na Assembleia da República o princípio aprovado nesse ano de 1981, que veio alargar este conceito de cidadania já não apenas em relação aos cidadãos europeus mas também aos cidadãos dos países de língua portuguesa e mesmo àqueles que, não sendo europeus nem falando a nossa língua, connosco convivem.
A discussão desta proposta de lei, também por um daqueles desígnios excepcionais, ocorre no dia em que termina nesta Assembleia a reunião da Conferência Interparlamentar no âmbito do projecto da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e a alguns dias da constituição dessa Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Tudo dito, Sr. Ministro, penso que a resposta ao seu apelo está dada. Não tenho dúvida que a Assembleia da República portuguesa vai aprovar, por unanimidade, esta proposta de lei. Gostaria, contudo, de sublinhar algumas das observações aqui feitas, porque importa que esta lei seja perfeita e justa e que, portanto, tenha a exacta medida, e uma das formas de ser injusta é excedendo a exacta medida.
Dado que se procura fazer a transcrição de algumas normas e harmonizar alguns diplomas diferentes, é fácil escaparem alguns pormenores que podem vir depois a ser altamente embaraçosos.
Sr. Ministro, reparei que, na proposta de alteração ao Decreto-Lei n.º 701-B/76, artigo 2.º, alíneas b) e d), e artigo 4. º, se introduziu algo que pode ser perverso, embora já não tanto na alínea a), porque exprime, talvez, um excesso de generosidade do qual não vem mal ao mundo. Refiro-me ao reconhecimento, aos cidadãos de língua portuguesa, dos dois direitos, activo e passivo, mesmo sem esperar pela reciprocidade. No entanto, já não diria o mesmo no que respeita aos cidadãos que não são nem, da Comunidade nem de língua portuguesa, aos quais é reconhecido o direito activo em troca do direito passivo reconhecido aos portugueses que vivem nos países dos primeiros.
Isto parece-me excessivo; penso que é engano e chamo a atenção do Sr. Ministro e da Assembleia, principalmente da comissão que tutela esta matéria, para este detalhe que, embora pequeno, pode constituir uma injustiça gritante.
Quanto ao artigo 4.º, em que se trata da inelegibilidade, penso que foi intenção do Governo acrescentar uma nova alínea e não substituir a alinea A. É que, tal como está, deixa-se cair uma inelegibilidade, não se sabe porquê, substituindo-a por outra que nada tem a ver com a que foi eliminada. Suponho que se trata de um acrescento e não de uma eliminação.
Finalmente, e uma vez que foi intenção do Governo ultrapassar o que era obrigatório, pergunto ao Sr. Ministro por que não consagrar desde já também aos nossos vizinhos - e digo «vizinhos» no sentido de cidade - não só o direito de votarem e serem eleitos como também o de votarem nos referendos locais já previstos na Constituição e que, eventualmente, poderão vir a ser alargados. Penso que o mesmo direito de cidadania que hoje estamos a reconhecer-lhes levaria a um alargamento desta lei também ao caso dos referendos locais.
Por fim, Sr. Ministro, quero dizer-lhe que, por parte da nossa bancada, conta com pleno apoio quando considera que, apesar de tudo, há leis que excedem as leis da humanidade e que, em primeiro lugar, devemos aplicar essas aqueles que connosco fizeram um trajecto comum de muitos séculos, usam a nossa língua e querem continuar a usá-la, àqueles que connosco difundiram pelo mundo uma cultura que é a nossa e, finalmente, devemos aplicar o mesmo direito de cidadania, embora não com a totalidade de todos os direitos, a todos os que querem compartilhar connosco a vida e ajudar à construção deste País. É que nós também partilhamos da ideia de que todos são iguais mas alguns são sempre mais iguais.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O que hoje nos ocupa, a atribuição de capacidade eleitoral a estrangeiros nas eleições de órgãos de autarquias locais, é uma questão que tem vindo a ser discutida há vários anos, designadamente na Assembleia da República, e que, em principio, obteve um amplo consenso aquando da revisão constitucional de 1989, em que esta possibilidade foi inscrita na nossa Constituição.
Tendencialmente e sempre ressalvando as condições de reciprocidade quanto à eleição dos titulares dos órgãos de autarquias locais, em principio, deve contar o critério da residência. Até para reforçar a participação dos cidadãos residentes em cada comunidade local nos destinos da res-

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pectiva comunidade deve ser aquele o princípio perfilhado pela legislação portuguesa. Naturalmente, este princípio não é, de consagração fácil mas importa que esse passo seja dado desde que, em termos legais, sejam acauteladas questões essenciais como a da verificação da reciprocidade. Repito que creio que este é um dos aspectos que importa acautelar devidamente.
Relativamente ao relatório hoje aprovado na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que salienta o facto de, na proposta de lei, o Governo propor que seja publicada a lista dos países a cujos cidadãos é reconhecida capacidade eleitoral em Portugal, devo dizer que creio que deveria haver maior precisão nesta matéria, pois não basta dizer que um determinado país atribui aos portugueses residentes no seu território capacidade eleitoral para se aferirem que termos é que os cidadãos nacionais desse país podem ter capacidade eleitoral activa e/ou passiva em Portugal, na medida em que é necessário aferir as condições em que podem fazê-lo. Isto é, há que verificar, em cada momento, em que condições é que os portugueses têm capacidade eleitoral noutros países: se têm capacidade activa, se existem limites quanto a um período mínimo de residência exigido a portugueses residentes nesses países e que também tenha de ser exigido aos cidadãos dos mesmos países residentes em Portugal.
Quanto à capacidade eleitoral passiva, naturalmente, não é admissível que, em Portugal, possa ser candidato à presidência de uma autarquia um cidadão de uma nacionalidade em cujo país os portugueses não podem aceder à titularidade de igual cargo.
Portanto, não basta a publicação de uma lista nominal de países, é necessário que seja clarificado, quanto a cada um deles, em que termos é que essa reciprocidade existe: quais as exigências do exercício da capacidade eleitoral passiva e em que termos pode ser exercida e, também, qual é a latitude com que é atribuída a portugueses residentes nesses países a capacidade eleitoral activa.
Em suma, há que acautelar devidamente, em sede da discussão na especialidade, aspectos que não são meras questões de pormenor e que, se não forem devidamente salvaguardados, poderão causar enormes perturbações nas operações de recenseamento e mesmo nos momentos de candidatura.
Há pouco, fiz uma referência que importa sublinhar, a opção do Governo no sentido de propor que não sejam estabelecidos limites unilateralmente quanto à capacidade eleitoral activa e passiva de cidadãos da União Europeia, sendo de registar que, como é do conhecimento geral e como o Sr. Ministro referiu, existem diversos países da Comunidade Europeia que o fazem e a própria directiva considera isso perfeitamente normal.
Portanto, esta é uma questão que releva de uma opção que o Governo pretende assumir e que nós registamos, embora, como afirmei à pouco, seja importante que haja um levantamento exaustivo das condições existentes nos outros países para que os respectivos cidadãos possam ser tratados em Portugal em condições rigorosamente iguais às que são dadas aos portugueses nos países onde residem.
Devo salientar que, para nós, a consagração da capacidade eleitoral de estrangeiros em eleições para as autarquias locais é muito importante por vários aspectos.
Não é justo que um número muito significativo de cidadãos que residem e trabalham em Portugal e que, embora muito ligados às suas próprias comunidades, têm, de facto, uma real ligação à comunidade nacional há vários anos, sejam privados de poderem escolher os seus representantes autárquicos em condições tendenciais de igualdade com os portugueses que residem nas mesmas localidades do País.
Isto é importante e constitui mais um passo para garantir uma adequada inserção desses cidadãos na comunidade, visto que, por muitas razões, se verifica um grande défice quanto à sua inserção social, o qual tem a ver com as condições de emprego e de legalidade - neste caso, de ilegalidade - em que ainda vivem muitos desses cidadãos, com dificuldades que têm no acesso à educação, à saúde, à habitação. Importa chamar a atenção de que este passo da atribuição de capacidade eleitoral não é o único - longe disso! para que aqueles cidadãos possam sentir-se inseridos, pois ainda há muito a fazer.
Por outro lado, importa também que esta legislação se insira num grande esforço do Estado português no sentido de que os cidadãos portugueses que vivem noutros países possam ter condições para, também eles, participarem nas respectivas eleições autárquicas. É que, de facto, existem muitos milhares de cidadãos portugueses que ainda estão privados daquele direito que seria de elementar justiça atribuir-lhes e espero que esta legislação a aprovar na Assembleia da República possa constituir um contributo para que tal seja possível.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro, para uma intervenção.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Em relação a esta proposta de lei n.º 37/VII, apresentada pelo Governo, é nosso entendimento que constitui um dado positivo.
Verifico que o Sr. Ministro está a sorrir mas, conhecendo as nossas propostas nesta matéria, independentemente de ter sido intenção do Governo a transposição para a lei portuguesa da directiva comunitária, repito que a pro
posta de lei é positiva porque vem ao encontro do que é um direito que a Constituição da República Portuguesa já consagra e que carecia de lei ordinária para poder ser corporizado.
Consideramos que se trata de uma medida positiva que vem ao encontro das nossas propostas - e presumo que, na sua qualidade de ex-Deputado, o Sr. Ministro sabe-o - porque, quer no anterior projecto de revisão constitucional quer no que está em discussão actualmente, o Grupo Parlamentar de Os Verdes apresentou uma proposta no sentido da clarificação deste direito, atribuindo capacidade eleitoral activa e passiva a estrangeiros.
Parece-nos que este é um aspecto importante porque, das muitas condições que são fundamentais para garantir integração harmoniosa no nosso país de estrangeiros ou imigrantes, sendo evidente que há múltiplas etapas a considerar, é claro que são importantes a participação directa dessas pessoas, a possibilidade de poderem exercer o seus direitos cívicos e políticos, de poderem participar activamente na vida da comunidade, de se envolverem na tomada de decisões que favorecem, naturalmente, a integração de estrangeiros na vida do país que, transitoriamente ou não, optaram por tomar como seu e onde exercem a sua actividade.
Jugo que esta é uma questão particularmente importante, com reflexos positivos para as comunidades de

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imigrantes que partilham connosco uma especial afinidade histórica, linguística e cultural, por cuja integração 0 nosso partido tem pugnado constantemente.
Se pode dizer-se que os resultados directos desta proposta de lei não vão ser muito significativos em termos dessas comunidades, na medida em que, em relação aos cidadãos brasileiros, que constituem uma comunidade significativa no nosso país, essa possibilidade já existe de algum modo, e se imposta a condição de reciprocidade, ela vai ter como destinatários, a prazo e tão-só, as comunidades cabo-verdianas. Ora, aquilo que se espera é que os processos de construção, políticos e de desenvolvimento, das democracias noutros países africanos venham a determinar que elas próprias criem também estruturas de poder local e, portanto, caminhem seguramente para serem beneficiárias a prazo desta medida.
Esta é uma questão que, para nós, suscita alguma reserva, o serem, tão-só e a prazo, as comunidades. de imigrantes as beneficiárias desta medida. Parece-nos, no entanto, complicado que os cidadãos só possam efectivamente exercer a sua capacidade eleitoral activa e passiva daqui a cinco anos. E refiro-me particularmente não à globalidade dos estrangeiros, não a cidadãos dos Estados membros da' União Europeia, mas aos cidadãos das comunidades de imigrantes de língua portuguesa, os quais terão de esperar, vivendo há muitos anos entre nós e provavelmente alguns só agora podendo regularizar a sua situação, um tempo que nos parece excessivo para poderem ser cidadãos de pleno direito deste País.
Este é, pois, um aspecto que nos parece menos positivo e pouco ousado na proposta de lei que o Governo apresenta. Porém, como é óbvio, o sentido de voto de Os Verdes em relação a esta proposta de lei será positivo. Esperemos, todavia, que os destinatários deste processo sejam muitos mais do que aqueles que, com inquietação, vemos hoje terem condições para recorrerem ao processo de regularização, tal como ele tem vindo a decorrer, para dele serem beneficiários.
Não queríamos deixar de aproveitar esta oportunidade para manifestar a nossa inquietação, a nossa preocupação e a nossa reserva sobre o modo, que me parece extremamente pouco activo, como todo o conjunto de medidas que deviam ter sido tomadas está a sê-lo, tendo em conta a experiência anterior, pois deviam ter coincidido com a abertura do processo de regularização e continuam a estar ausentes.
Cada dia que passa e cada medida que se não toma, quer no sentido de grandes campanhas de informação, quer no apoio às organizações não governamentais, designadamente às de imigrantes, quer no sentido de permitir que postos de atendimento e regularização continuem a funcionar, como alguns, em esquadras, são dias perdidos para que o processo de regularização, que, aqui, foi aprovado por unanimidade, possa ter sucesso. E o sucesso, neste caso, não é um sucesso qualquer, é a inclusão ou não, com respeito pela identidade cultural dessas comunidades, da possibilidade - que, ainda por cima, se acentua que poderá ser a última de esses cidadãos serem integrados na sociedade portuguesa.
Portanto, entendemos que esta proposta de lei é positiva e também que é importante aqui sublinhar uma preocupação, não só nossa mas de Deputados de outras bancadas, que se traduz na necessidade urgente de se tomar medidas o mais rapidamente possível, porque delas pode depender algo que a todos, aparentemente, é caro.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Numa última intervenção, para encerrar o debate, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Quero começar por agradecer todas as contribuições, nomeadamente as que assumiram a forma de críticas directas em relação ao articulado apresentado pelo Governo.
Todas as obras humanas são imperfeitas, todas elas têm alguma coisa que se lhes possa apontar e acredito que alguma parte do que foi dito terá a sua razão e terá ocasião de ser contemplado em sede de especialidade.
A postura do Governo, nesta como em todas as outras propostas, tem de ser uma postura de abertura e de receptividade em relação a todos os melhoramentos que aqui sejam apresentados. Estimávamos, eu em particular, esta atitude do governo quando estávamos na oposição e faço questão de a praticar estando no Governo.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Muito bem!

O Orador: - Duas questões que aqui foram aqui apresentadas suscitam alguma referência expressa. A primeira tem a ver com a ideia de que o articulado, por infelicidade ou por qualquer outro motivo, não seria inteiramente fiel à ideia de igualdade de tratamento e poderia contemplar algum tratamento privilegiado de outros cidadãos que não os nacionais. Não foi essa a intenção do Governo nem o poderia ser, sob pena de violação directa do Tratado da União Europeia, o qual consagra, de uma forma directa, que este direito de eleger e de ser eleito deve realizar-se nas mesmas condições que estão previstas para os cidadãos nacionais.
Existe, portanto, aqui um standard de igualdade de tratamento a que o Governo procurou ser fiel e se, porventura, algum aspecto não está devidamente acautelado, estamos totalmente disponíveis para melhorar essa solução e o articulado nesse ponto. A ideia é, e tinha de ser, até por fidelidade ao Tratado da União Europeia, a da igualdade de tratamento, que também é incompatível com o tratamento de favor em relação aos cidadãos comunitários que não sejam cidadãos nacionais.
A segunda questão, que foi, sobretudo, introduzida pela bancada do PCP, tem a ver com o tratamento do tópico da reciprocidade. Esse é um tópico substancial que nos unifica, mas há várias maneiras de lidar com ele: de uma maneira simétrica e, retributiva do tipo do ut des, uma lógica em que apenas se entrega o que também for, em simultâneo, entregue pela outra parte; ou numa outra lógica, de estímulo, de incremento, em que, num certo momento, se possa já estar a oferecer alguma coisa que não é ainda oferecida pela outra parte e que poderá encontrar estímulo, autoridade e legitimidade acrescida para ser preconizada pela parte que avança imediatamente com a sua própria prestação, neste caso, cívica.
Quero dizer que o Governo não afasta, antes pelo contrário, esta ideia de enfrentar de uma maneira estimulante e incrementalista a ideia da reciprocidade. Portanto, estaríamos em condições de suportar soluções que, neste domínio, dessem mais autoridade às posições que teremos de defender no futuro, no sentido de eliminar determinadas restrições que subsistam noutros países.
Em todo o ca so, é um entendimento que gostaríamos que fosse acompanhado. Mas para nós, o importante é que haja esta partilha de pontos de vista, este acompanhamen-

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26 DE JUNHO DE 1996 2913

to de posições que observámos aqui, hoje, neste Plenário. Pela parte do Governo, lemos esta convergência de posições, de atitudes de abertura em relação ao exercício de direitos cívicos por parte de cidadãos de outros países, como um serviço prestado à modernização do nosso quadro cívico e também como um serviço prestado a Portugal.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas congratular-me com a moderação, a abertura e o reconhecimento da omissão da legislação aqui apresentada.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É um Governo aberto!

O Orador: - E, nessa medida, também uma palavra de agradecimento à gentileza que teve para com o reconhecimento da justeza da posição do PSD:

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, está encerrado o debate.
A próxima reunião plenária terá lugar amanhã, pelas 15 horas. Terá período de antes da ordem do dia e, na ordem do dia, iremos proceder à discussão conjunta das propostas de lei n.ºs 39/VII - Estabelece critérios relativos à atribuição de verbas destinadas a certas entidades provenientes da exploração do Totobola; 40/VII - Alteração do regime jurídico relativo às receitas do Totobola e 41/VII - Alteração aos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia, com a criação do Conselho do Totobola.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 15 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Francisco José Pereira de Assis Miranda.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.

Partido Social-Democrata (PSD):

Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
José Augusto Gama.
José Macário Custódio Correia.
Manuel Joaquim Barata Frexes.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
António de Almeida Santos.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Filipe Mesquita Vital.
Henrique José de Sousa Neto.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Mário Manuel Videira Lopes.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.

Partido Social-Democrata (PSD):

Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Gilberto Parca Madaíl.
João Bosco Soares Mota Amaral.
José Manuel Durão Barroso.
José Manuel Nunes Liberato.
Luís Carlos David Nobre.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel Maria Mendonça da Silva Carvalho.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Paulo Sacadura Cabral Portas.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Octávio Augusto Teixeira.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

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2914 I SÉRIE-NÚMERO 86

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26 DE JUNHO DE 1996 2903 O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ferre

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