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Quinta-feira, 4 de Julho de 1996 I Série - Número 91

DIÁRIO
da Assembleia da República

VII LEGISLATURA

1.A SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 3 DE JULHO DE 1996

Presidente: Exmo. Sr. João António Gonçalves do Amaral
Secretários: Exmos. Srs. Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
José Ernesto Figueira dos Reis

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos. Em período da ordem do dia, procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.ºs 125/VII - Valor das indemnizações a pagar aos sinistrados de trabalho em consequência da remição de pensões (PCP) e 126/VII - Procede à revisão do regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais (PCP), cujo apresentação coube à Sr.ª Deputada Odete Santos (PCP). Intervieram ainda, a diverso título, os Srs. Deputados Artur Penedos (PS), Lemos Damião (PSD), Nuno Correia da Silva (CDS-PP), Celeste Correia (PS), Francisco José Martins (PSD), Jorge Rato (PS), Isabel Castro (Os Verdes) e Elisa Damião (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 17 horas e 10 minutos.

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I SÉRIE - NUMERO 91

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba..
António Fernandes da Silva' Braga.
António Jorge Mammerickx da Trindade.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco José Pinto Camilo.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
João Soares Palmeiro Novo.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Vages.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Lameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso..
Raúl d' Assunção Pimenta Rêgo.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Humberto Rocha de Ávila.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Vital Martins Moreira.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.

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Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Gilberto Parca Madail.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Carlos Pires Póvoas.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Costa Pereira.
José Manuel Durão Barroso.
José Manuel Nunes Liberato.
José Mário de Lemos Damião.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel Maria Mendonça da Silva Carvalho.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Maria Manuela Guedes Outeiro Pereira Moniz.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Rui Miguel Gama Vasconcelos Pedrosa de Moura.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Isabel Maria de Almeida e Castro.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, vamos iniciar o período da ordem do dia com a discussão conjunta, de acordo com o agendamento da responsabilidade do Grupo Parlamentar do PCP, dos projectos de lei n.ºs 125/VII - Valor das indemnizações a pagar aos sinistrados de trabalho em consequência da remição de pensões (PCP) e 126/VII - Procede à revisão do regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais (PCP).
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP vem insistindo há mais de quatro anos na urgência de se proceder a uma revisão, ainda que intercalar, da legislação sobre acidentes de trabalho e doenças profissionais.
As maiorias que, até hoje, determinaram as leis do país, inviabilizaram por duas vezes a aprovação na generalidade dos projectos de lei do PCP. Veremos se, desta, é vez. Veremos se, desta, os sinistrados do trabalho e as vítimas de silicose, tendinites e outras doenças profissionais encontram a primeira resposta aos dramas que vivem causados por um regime iníquo e ensurdecido às angústias do seu dia-a-dia.
A iniquidade assenta na visão taylorista da legislação do infortúnio laboral. O sinistrado, a vítima de doença profissional, é encarado, desde os finais do século XIX até hoje, como, uma simples máquina de trabalho, como um instrumento de produção, como mais um recurso apenas ao dispor da entidade patronal. E, porque assim é entendido o trabalhador, dá-se como assente que em caso de sinistro ou de doença apenas se tem de reparar a perda da capacidade de ganho e, aliás, nem essa na totalidade como veremos.
Para os que sempre querem adiar a resolução dos problemas que hoje trazemos ao Plenário, o trabalhador afectado pelo infortúnio não é uma pessoa atingida na sua integridade, nas suas alegrias, nas suas afeições; na sua,

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felicidade, nas suas possibilidades de promoção, no seu património. Para esses, o trabalhador mais não é do que um corpo que tem de sofrer através de uma pensão de miséria a «culpa» de se ter deixado vitimar, como se, através da recusa à reparação devida, se quisesse impor-lhe um castigo pela perda de ganhos da entidade patronal.
Esta concepção do homem como uma máquina atinge mesmo o cúmulo quando o trabalhador considerado inapto ou afectado de qualquer incapacidade é considerado sem valor industrial para a atribuição de reparação por acidente de trabalho. Estão neste caso, por exemplo-o que é escandaloso -, os trabalhadores deficientes que usam qualquer prótese ou aparelho de ortopedia e que, vendo danificados os mesmos em acidentes de trabalho, não estão sequer abrangidos pela lei, pois o dano que sofreram e que excede o mero dano material não é considerado lesão ou perturbação funcional.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - O nosso projecto de lei, não sendo ainda a resposta ideal, que defendemos, ao problema da reparação do infortúnio laboral, encara o trabalhador como um ser humano com direito à protecção dos seus direitos de personalidade, como o direito à vida e à integridade moral e física, os quais são constitucionalmente reconhecidos, podendo exigir do Estado uma das suas tarefas fundamentais - a efectivação dos direitos económicos e sociais - e pretende dar uma primeira resposta a muitas situações injustas como a que atrás referimos.

Aplausos do PCP.

Na verdade, a legislação em vigor, apesar de algumas alterações introduzidas a seguir ao 25 de Abril como as actualizações de pensões relativas a desvalorizações iguais ou superiores a 30 % ou a criação do Fundo de Garantia e Actualização de Pensões, continua a ostentar todos os traços da visão meramente economicista do trabalhador.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Exactamente!

A Oradora: - Por vezes, quando nos debruçamos sobre os complicados cálculos de uma pensão e o magro resultado da operação aritmética, não podemos deixar de ouvir a voz de um poeta que até já recordámos desta tribuna, Cesário Verde, quando, retratando um trágico e mortal acidente de trabalho, coloca na voz de um fidalgote a desdenhosa apreciação: «Que espanto, um rapaz, servente de pedreiro!», o que traduz exemplarmente o espírito da legislação que temos.
De facto, a legislação existente reduz o cálculo da reparação a uma fria operação matemática; consagra uma reparação apenas parcial da capacidade de ganhei, acrescida de cuidados gratuitos concedidos muitas vezes como que por esmola; não permite a reparação por danos não patrimoniais nem do próprio nem da família; encara o trabalhador como uma mercadoria permitindo, assim, que se paguem indemnizações e pensões de miséria; mantém pensões ultrajantes de poucas dezenas de escudos as quais nunca tiveram actualização por serem relativas a incapacidades inferiores a 30 % e protela a actualização de pensões relativas a incapacidade igual ou superior a 30 % quando a retribuição-base do trabalhador seja superior ao salário mínimo nacional para o momento em que aquela retribuição seja inferior a este.

O que defendemos, e terá de ser um dia concretizado, paca os sinistrados do trabalho e vítimas de doença profissional é a reparação integral dos danos sofridos, o que implica repensar o sistema de responsabilização pela reparação, à semelhança do que noutros países já aconteceu.

Aplausos do PCP.

A reparação integral será o ponto final na discriminação de que são vítimas os sinistrados do trabalho, as vítimas do infortúnio laboral. E, para além de ser uma resposta justa, contribuirá também decisivamente para o investimento na prevenção dos riscos profissionais.
Mas, mesmo com o sistema que hoje temos em que a responsabilidade da entidade patronal está transferida para companhias seguradoras, é urgente proceder à revisão de leis iníquas porque a Constituição define o Estado como um Estado de direito social. A verdade é que as companhias de seguros lucram milhões com os seguros do trabalho, não porque os acidentes tenham baixos índices, mas sabemos como a precarização dos vínculos laborais, o trabalho sem direitos, deu um precioso contributo para a sinistralidade laboral.
Os lucros são embolsados, porque as indemnizações e as pensões são baixíssimas e porque, através de novas tabelas de remição de pensões, se esbulharam os trabalhadores em milhares de contos.
A Caixa Nacional de Seguros e Doenças Profissionais embolsa também milhões de contos de lucros. Não porque as doenças profissionais não existam, sabemos mesmo que a ânsia do lucro leva empresas a provocar novas doenças, como no caso da Ford Electrónica de Palmela.
Os lucros existem porque as pensões são baixas e, muitas vezes, as doenças profissionais nem sequer são declaradas pelas entidades patronais. Ora, enquanto for mais barato reparar do que prevenir o acidente ou a doença, o investimento na prevenção será reduzido.
Apresentamos, com os dois projectos de lei, um conjunto de propostas susceptíveis, como é óbvio, de aperfeiçoamentos mas que vão melhorar a situação das vítimas do trabalho.
Estabelecemos o direito à indemnização por danos morais, da vítima e dos familiares, até 75 % quando o acidente de trabalho não for imputável à entidade patronal e na totalidade quando tal acontecer. É este um passo no caminho do direito à reparação integral.
Revogamos a disposição que só concede ao trabalhador o direito a receber dois terços da desvalorização sofrida. Isto é, hoje, se a desvalorização for de 25%, o trabalhador nem sequer o montante equivalente a esta desvalorização recebe. Trata-se de uma máquina que, mesmo reparada, já não rende o mesmo. Daí que só se lhe pague dois terços da desvalorização. Mas, mesmo assim, para que ele não tenha veleidades nem gaste mal o dinheiro, se o seu ordenado for superior ao salário mínimo nacional, só vai receber 70 % sobre o que exceder este.
O que propomos é que o trabalhador receba a totalidade da sua desvalorização, tomando como base todo o salário que aufere, devendo, para efeito de acidente de trabalho, considerar-se salário toda a prestação que o trabalhador receba ainda que não tenha carácter regular e periódica. Mais, estabelecemos que o montante das pensões e indemnizações seja calculado não com base do salário do dia do acidente no caso das indemnizações, não com base no salário no momento da cura no caso das pensões, mas com base no salário a que o trabalhador leria

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direito sempre que lhe é paga a indemnização ou a pensão, o que quer dizer que, se houver aumento de salário no fim do mês, no momento em que lhe é paga a nova indemnização ou a pensão esta é calculada com base nesse aumento.
Propomos também que o trabalhador, ainda que lhe tenha sido atribuída uma incapacidade parcial, receba o equivalente a uma incapacidade total, absoluta, se regressado ao trabalho para executar serviços adequados a tal situação e não lhe for dado pela entidade patronal trabalho melhorado. Conhecemos bem o calvário dos trabalhadores nas mãos das companhias de seguros, sempre ansiosas por reenviar o trabalhador para o seu local de trabalho. Sabemos como recebem a ordem para ir trabalhar quando não o podem fazer e como, também dessa maneira, são deixados na míngua sem a mísera indemnização correspondente à indemnização por incapacidade absoluta e apenas com uma paupérrima indemnização por incapacidade parcial.
A actual situação legal beneficia o infractor. O que propomos inutilizaria as habilidades das seguradoras, sempre na mira de pouparem uns escudos à custa, afinal, do sofrimento alheio.
Propomos também o pagamento da indemnização por incapacidade temporária absoluta, ainda que ao trabalhador seja apenas atribuída incapacidade temporária parcial, nos casos em que não puder retomar o trabalho por seguir tratamento destinado à sua readaptação e, por motivo justificado, recusar o trabalho ou tratamento proposto ou puser fim aos mesmos por motivo igualmente justificado.
Relativamente à incapacidade absoluta para o trabalho habitual, em substituição do regime existente que representa quase uma morte para a vida do trabalhador que vai ficar, afinal, totalmente privado do trabalho sem poder conhecer mais oportunidades de singrar em qualquer carreira profissional, propomos que, para além dessa pensão pela incapacidade para o trabalho habitual, receba pensão pela incapacidade parcial de que sofra para todo e qualquer trabalho.
Também no que toca às pensões por morte, as propostas que apresentamos melhoram o nível das mesmas.
Antes de passarmos a algumas quantificações, convirá referir que, relativamente à remição de pensões, acabamos, no nosso projecto de lei, em grande medida, com o paternalismo constante do actual regime. O legislador preocupou-se muito com a forma como o trabalhador iria gastar o seu dinheiro e, numa atitude paternalista, limitou a possibilidade de aquele receber o capital remido da pensão, ou seja, a totalidade da pensão, obrigando mesmo, em certos casos, o trabalhador a justificar como queria utilizar o dinheiro de forma a que o juiz decidisse se a aplicação era ou não útil. É claro que o legislador teve em vista, mais uma vez, a manutenção do dinheiro nas seguradoras, obrigando os trabalhadores a viverem das suas esmolas mensais.
Ora, o que propomos é que o trabalhador, se assim o requerer, receba sempre o capital de remição da sua pensão quando a desvalorização for de 20 % porque, mesmo que tenha, uma desvalorização superior, por exemplo, de 50 %, sempre poderá receber os 20 % por inteiro, estabelecendo como limite - e aqui há algum cuidado na proposta relativamente às reclamações que possivelmente iriam surgir sabe-se de onde - a remição de uma pensão calculada sobre o salário mínimo nacional.
Consagramos ainda o direito à remição de pensões em mais casos de pensões por morte do que os previstos na actual lei.

Convirá agora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, fazer algumas quantificações para se avaliar das propostas.
Não tomaremos em conta nos exemplos que se seguem quaisquer prestações regulares, excepto o subsídio de férias e de natal, nem ajudas de custo ou gratificações que, a existirem como propomos que sejam consideradas no salário, iriam elevar os montantes que a seguir vou referir.
Mas suponhamos que se trata de um trabalhador vítima de acidente de trabalho ou de doença profissional, de 40 anos, que auferia no momento do acidente 80 000$ por mês e que a sua incapacidade permanente parcial é de 25 %.
Segundo o actual regime, este trabalhador ficará a receber 13 652$ por três, para uma desvalorização de 25 %, a título de pensão, a qual não pode ser recebida por inteiro e nunca será actualizada por ser inferior a 30 %.
De acordo com os projectos de lei que apresentamos, o trabalhador verá a sua pensão aumentada em 70,91 %, que passará a ser de 23 333$. É claro que também receberá, de acordo com a nossa proposta, indemnização por danos morais, a que não tem direito actualmente, e poderá requerer a remição da sua pensão, recebendo a quantia de 2 699 686$, sendo que a parte não remida recebê-la-á em prestações mensais.
Suponhamos que, em vez de uma desvalorização de 25 %, este mesmo trabalhador ficou com uma desvalorização de 60 %. No regime actual, não tem direito a indemnização por danos morais e receberá uma pensão mensal de 34 234$ que, não sendo, apenas poderá ser actualizada quando o salário mínimo nacional ultrapassar a sua retribuição-base de cálculo da pensão, que é de 81 713$. Ora, situando-se o salário mínimo nacional em pouco mais de 50 contos, isto iria atirar esta actualização para as calendas.
Aplicando o projecto de lei do PCP, este trabalhador terá um aumento de 65 % na pensão, com direito a receber 56 000$ por mês, indemnização pelos danos morais sofridos até ao montante de 75 % dos mesmos, podendo receber em remição a atrás referida quantia de quase 2700 contos, ficando a receber o restante em prestações mensais.
Mas, se este trabalhador ficar com uma incapacidade permanente e total para o trabalho, receberá pelo regime actual a pensão de 68 486$, não terá direito a receber o capital da remição nem indemnização por danos morais e também só verá a pensão actualizada para as calendas.
Segundo o nosso projecto, este trabalhador ficaria a receber - porque se entra em linha de conta com o subsídio de férias e de natal - uma pensão mensal de 93 333$, para além dos outros direitos já referidos.
Mas, no caso, que é também muito curioso, de um trabalhador estar afectado de uma incapacidade total para o trabalho habitual e tiver 25 % de desvalorização para todo e qualquer trabalho, pela lei actual apenas tem direito a uma pensão de 46 359$ por mês. No nosso projecto, tem direito a receber uma pensão de 93 333$.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Estes são alguns exemplos de certa forma áridos e fastidiosos mas, quando se fazem as contas a um sinistrado do trabalho, tomando em linha de conta a retribuição-base e sabendo-se que apenas vai receber dois terços da indemnização, ele não vê as coisas áridas mas sente que é um gume que lhe espetam nas costas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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A Oradora:- Recusar hoje soluções como estas para os sinistrados do trabalho e para as vítimas de doenças profissionais constituiria uma afronta.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, falámos atrás da autêntica ignomínia de pensões que nunca foram actualizadas, algumas de poucas centenas de escudos, e de pensões que pelo regime actual só serão aumentadas quando o salário mínimo nacional ultrapassar o montante da retribuição-base.
O nosso projecto de lei porá fim a essa vergonha, porque propomos a actualização de todas as pensões com base no regime constante do cálculo da pensão previsto no diploma. Isto é, as pensões nunca actualizadas, anteriores à vigência do primeiro salário mínimo nacional, as tais de pouco mais de 100$ por mês, serão imediatamente actualizadas com base no salário mínimo nacional e terão um substancial aumento. Todas as estipuladas a partir da vigência dos salários mínimos nacionais terão de imediato a actualização resultante do novo cálculo que propomos para as pensões.
Estabelecemos também a actualização anual de todas as pensões. Nos exemplos atrás referidos isto não acontecia nem nunca poderia acontecer nos termos do regime vigente.
No projecto de lei n.º 126/VII consagramos também, entre outros direitos, o direito a prestação suplementar para assistência permanente a terceira pessoa e o direito a complemento de familiar a cargo em casos especiais, o direito a subsídio por morte equivalente a seis meses de retribuição e o direito à acumulação de pensões de acidentes de trabalho com prestações de segurança social, porque é um escândalo que o não possam ser.
Propomos a alteração de algumas disposições do Código de Processo do Trabalho por forma a garantir, ainda que provisoriamente, o recebimento da pensão, que, muitas vezes, o trabalhador tarda a receber, bem como a inversão do ónus da prova.
Por último, reformulamos profundamente o conceito de acidente de trabalho por forma a que assim seja considerado todo aquele que ocorra quando o trabalhador se encontre no exercício de funções de dirigente sindical, de membro de comissão de trabalhadores, de membro de comissão de higiene e segurança no trabalho, mesmo fora do horário de trabalho, desde que neste último caso haja autorização expressa ou tácita da entidade patronal.
Propomos a alteração do conceito por forma a que seja considerado acidente de trabalho todo o que ocorra em trajecto e não só, como hoje acontece, quando o trabalhador é transportado em viatura da entidade patronal ou, como diz a lei de forma algo ridícula, quando o trajecto naquele dia ofereça um perigo especial, isto é, um buraco que na véspera foi aberto, e lá vamos nós para tribunal discutir se o buraco foi ou não aberto. A este respeito, propomos que seja acidente de trabalho todo aquele que ocorra no percurso normal de e para o trabalho, da residência habitual ou ocasional, nele incluído o trajecto utilizado por motivos de ordem familiar para levar ou ir buscar, por exemplo, a criança ao infantário.
Propomos ainda que seja considerado acidente de trabalho o que ocorre no trajecto utilizado entre o local de trabalho e o da residência habitual ou ocasional e o local para onde o trabalhador se dirige em virtude de quaisquer diligências resultantes da cessação do contrato de trabalho, e pretendemos abranger nesta situação o trabalhador no domicílio.
Nestes projectos de lei acolhemos algumas sugestões feitas aquando da última consulta pública a que a Comis-

são de Trabalho, Solidariedade, Segurança Social e Família procedeu, nomeadamente as que diziam respeito aos acidentes de trabalho dós estrangeiros residentes em Portugal e aos acidentes dos trabalhadores independentes.
Acolhemos a importante crítica feita ao nosso diploma relativamente à omissão sobre a situação dos deficientes que usam próteses ou aparelhos de ortopedia e que, vendo-os danificados por acidente de trabalho, não têm direito a qualquer indemnização.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, os sinistrados por acidente de viação relativamente ao qual nenhuma culpa se apure têm visto aumentar o plafond do montante indemnizatório por virtude de alteração ao Código Civil e em consequência da desvalorização monetária. Aos sinistrados do trabalho e às vítimas de doenças profissionais tem acontecido precisamente o contrário, os quais têm assistido à degradação das suas pensões e, escândalo dos escândalos, viram mesmo diminuir o capital da remição da sua pensão, não por força de uma simples desvalorização monetária, mas de um decreto-lei publicado em 1993, numa reposição de um outro diploma de 1985, considerado inconstitucional, que, alterando para menos os coeficientes para cálculo do capital da remição, esbulhou os sinistrados do trabalho de centenas e centenas de contos enquanto as seguradoras embolsavam com tal medida milhares e milhares de contas.
A justificação dada, não fosse a amargura de tal medida, não deixaria de suscitar o riso pelo ridículo da argumentação. Na verdade, dizem que paga-se menos aos trabalhadores porque hoje a esperança de vida é maior. Mas, se esta justificação colhe relativamente aos seguros de vida, e é para isso que estas tabelas são feitas, já o mesmo não acontece relativamente aos acidentes de trabalho. É que quanto maior for a esperança de vida de um sinistrado do trabalho, mais tempo de sofrimento lhe está reservado. Daí que os coeficientes, se tiverem de ser aplicados em razão da esperança de vida, devem levar a cálculos inversos. Devem conduzir a um maior capital da remição porque maior duração vai ter a angústia que sempre sentem por serem sinistrados do trabalho.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - E, depois, é inadmissível, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que se faça depender o montante de capital de remição das reservas matemáticas das seguradoras, ainda por cima fixadas por portaria. Em qualquer momento, um qualquer secretário de Estado do Tesouro poderá lembrar-se de, através de portaria, proceder à revisão das reservas matemáticas, diminuindo os coeficientes em função de uma longevidade maior, assim afectando, inconstitucionalmente, os direitos dos trabalhadores.
Nesta matéria, propomos uma medida de urgência. Propomos a reposição das tabelas anteriores às de 1993, aquelas que proporcionavam aos trabalhadores mais dinheiro, muito mais dinheiro.
Propomos ainda que o trabalhador receba 100 % do capital e não apenas 95 %, pois não é a ele que compete garantir qualquer fundo, com uma fatia - 5 % - da sua desgraça. Propomos também a aplicação retroactiva dessas tabelas, a partir do momento em que entrou em vigor o diploma de 1985, declarado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional por motivos formais.
E não venham dizer-nos que não pode haver leis retroactivas. Pode. E o próprio Código Civil o admite. O princípio de confiança que preside ao Estado de direito de-

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mocrático não pode garantir a confiança em medidas injustas. Garante, pelo contrário, a reparação de injustiças. E é isso que temos de garantir aos sinistrados do trabalho, às vítimas de doenças profissionais que, até à consagração do direito à reparação integral, necessitam de medidas de urgência. Medidas através das quais sintam que de alguma forma o regime democrático se lembrou deles.
Já se passaram anos desde a apresentação pelo PCP dos primeiros diplomas. Já se desperdiçaram oportunidades. Já houve mais sofrimento. Já houve mais miséria.
No último debate, houve quem justificasse o voto contra com a proximidade de um diploma que iria rever a legislação. Isto, em Maio do ano passado. Ficámos à espera e não saiu nada. A promessa, mais uma vez, não foi cumprida.
A visão economicista tem de ser arredada de vez da legislação do infortúnio laboral.
Como disse um especialista nesta matéria, Yves Saint Jours, Professor da Universidade de Perpignan - e quero terminar com assuas palavras exemplares: «A discriminação que atinge a reparação dos sinistrados do trabalho constitui uma discriminação sem qualquer razão de ser. As empresas que têm à sua disposição meios técnicos para o fazer, devem reduzir os riscos ou suportar os custos como contrapartida dos lucros de que se apropriam».

Aplausos do PCP e do Deputado do PSD Lemos Damião.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, encontram-se nas galerias, a assistir à reunião plenária, um grupo de 100 cidadãos da Associação Nacional dos Deficientes Sinistrados no Trabalho, do Porto, e ainda um grupo de 52 alunos da Escola Primária n.º 2 de Troviscal - Passadouro.
Saudemo-los, Srs. Deputados.

Aplausos gerais, de pé.

Para pedirem esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados: Artur Penedos, Lemos Damião, Nuno Correia da Silva e Maria Celeste Correia.
A Sr.ª Deputada passa a dispor de mais cinco minutos para responder por ser a subscritora deste projecto de lei.
Tem a palavra o Sr. Deputado Artur Penedos.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, sem pôr em causa, antes pelo contrário, a justeza dos argumentos que utilizou relativamente ao tratamento de questões muito pertinentes para o conjunto de cidadãos que se encontram nas situações que caracterizou, importa colocar-lhe uma questão para saber, muito claramente, até que ponto vamos encontrar formas de ultrapassar estas dificuldades.
É que o projecto de lei n.º 125/VII atribui eficácia retroactiva aos critérios de cálculo nele enunciados, abrangendo as remições efectuadas com base nas tabelas constantes da Portaria n.º 706/85, de 4 de Outubro, e esta mesma já foi declarada inconstitucional pelo Acórdão n.º 61/91, de 31 de Março, do Tribunal Constitucional. Importaria saber que mecanismos encontram os proponentes deste projecto de lei n.º 125/VII para ultrapassar e conciliar as suas próprias propostas com a Lei Fundamental.

A Sr.ª Odete Santos (PCP), - O que referi!

O Orador: - Basicamente, o que gostaríamos de saber é como é que o Partido Comunista vai conciliar a sua proposta com esta situação de inconstitucionalidade já declarada pelo Tribunal Constitucional.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr.ª Deputada Odete Santos, responde no fim de todos os pedidos de esclarecimentos?

A Sr.ª Odete Santos (PCP):- Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, em primeiro lugar, fiquei tentado a questioná-la para a felicitar porque, ao longo dos tempos, tenho tido o prazer de a ouvir falar - e creio que os tempos já são longos - sempre com a mesma determinação e a mesma firmeza, sempre com a mesma convicção. Digo-lho isto, porque é a expressão do meu sentimento:
Quando V. Ex.ª, Sr.ª Deputada, fez a sua intervenção, longa, bonita e cheia de conteúdo, vi-a dividida entre duas questões fundamentais: uma primeira é relativa ao que, de facto, lhe ia na alma e que dizia respeito às questões sociais com que se confrontava a sua consciência; a outra, a que dizia respeito à parte material, aos cálculos.
Aqui, creio que devo fazer-lhe a primeira pergunta. Está V. Ex.ª identificada com a ideia de que não há cálculo algum de pensão que porventura se ajuste à desgraça de quem cai ou...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não percebi o que disse, Sr. Deputado.

O Orador: - É que eu falo um bocado alto, pelo que tenho de afastar-me do microfone.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Eu é que sou um pouco surda!

O Orador: - Sr.ª Deputada, perguntava-lhe se considera que estou a interpreta-la bem quando digo que V. Ex.ª procura juntar a parte material com a sentimental. Penso que interpreto bem, até porque sei que não há cálculo algum de pensão material que possa ajustar-se à fatalidade de alguém ser sinistrado do trabalho.
Ao longo destes anos, temos vindo a ouvir V. Ex.ª desenvolver as suas pretensões e o seu raciocínio, mas tem V. Ex.ª consciência que tem havido evolução no domínio legislativo e no que diz respeito à consciência empresarial e patronal? É que, Sr.ª Deputada, se me parece que é capaz de ter havido aqui alguma evolução, confrange-me verificar que quem deveria dar o exemplo - o Estado nem sempre tem acompanhado essa evolução.
Assim, também quero perguntar-lhe - muito embora esta minha pergunta não caia no âmbito dos dois diplomas em apreço - se concorda ou não que deveríamos debruçar-nos um pouco mais sobre as doenças profissionais, tipifica-as e, simultaneamente, classificar as profissões que, à partida, sabemos que são de alto risco. E neste domínio que questiono se o Estado deveria ou não dar o exemplo, nomeadamente naqueles casos em que, frequentemente devido à negligência do próprio Estado e à ausência de legislação, os seus servidores são profundamente ignorados.
V. Ex.ª sabe que estou a referir-me aos professores que, à partida, deveriam ser considerados profissionais de alto risco. Ora, o que é que verificamos? Verificamos que, frequentemente, após terem iniciado a sua profissão há dois

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ou três anos, ficam afónicos ou coisa parecida e ficam a penar durante uma vida inteira, agravando a sua doença porque não há legislação alguma que possa conceder-lhes reparação.
Termino, no sentido de a sensibilizar para que esta evolução legislativa possa caminhar no sentido que referi.
Sr.ª Deputada, muito obrigado pela sua intervenção.

O Sr. Presidente (João Amaral):- Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.

O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, quero começar por afirmar que o Partido Popular também considera que a actual lei que regula os acidentes de trabalho e as doenças profissionais é antiga - data de 1965 -, desajustada, está ultrapassada e, por isso, está condenada.
No entanto, Sr.ª Deputada, da feliz intervenção que acabou de fazer resulta um equívoco que gostaria de esclarecer. Começou por dizer que a actual lei não consegue alcançar uma reparação a 100 % da incapacidade resultante de doenças profissionais ou acidentes de trabalho. É aqui que julgo residir o grande equívoco e creio que é por esta via que o Partido Comunista Português está a cometer um erro, porque considero impossível reparar os acidentes ou as doenças profissionais que incapacitam os trabalhadores para o resto da sua vida. É impossível criar um diploma legal que possa reparar o carpinteiro que ficou sem mãos, o mecânico que ficou sem braços. Sr.ª Deputada, não é possível que haja uma reparação total dessas fatalidades e da transformação que trazem, quer à vida do trabalhador, quer, à da sua própria família.
Pegando numa frase da sua intervenção, que considero bastante feliz, devo dizer-lhe que penso que enquanto for mais barato reparar do que prevenir vai continuar a haver acidentes de trabalho e continuaremos a assistir ao aumento das doenças profissionais.
Pergunto-lhe, Sr.ª Deputada: não será mais coerente por parte do Partido Comunista Português propor que esta Assembleia se debruce sobre as regras de higiene e segurança no trabalho actualmente em vigor, quanto à fiscalização que é exercida, ou que não é, sobre o cumprimento dessas mesmas regras de segurança e higiene e segurança no trabalho? Será que, antes danos preocuparmos com a reparação, não deveríamos preocupar-nos com a prevenção, pois há danos que são irreparáveis?
Gostava que esclarecesse a forma de reparar os danos morais que o Partido Comunista Português refere neste projecto de lei, porque confesso que não me parece possível, nem de forma pecuniária nem material, a reparação dos danos morais que os acidentes de trabalho e as doenças profissionais causam aos trabalhadores portugueses.
Sr.ª Deputada, não será ainda a reabilitação a melhor forma não de reparar os danos morais mas de minorar os efeitos psicológicos e morais causados por um acidente de trabalho e pela consequente redução da capacidade para o trabalho de um determinado trabalhador? Será que a solução não passa pela criação de instrumentos que reabilitem, requalifiquem o trabalhador, permitindo-lhe vira desempenhar uma outra função após o acidente que sofreu, por forma a que continue a ser socialmente útil e continue a viver do seu esforço e do seu próprio trabalho, o que creio ser a ambição de qualquer trabalhador que se vê incapacitado por razões profissionais?
Não pretendo tirar o mérito à iniciativa do Partido Comunista Português. A lei de 1965 é velha; o projecto

de lei do PCP contém no seu articulado pontos que consideramos positivos mas, Sr.ª Deputada, não podemos «tapar o sol com a peneira». A verdadeira questão está na prevenção das doenças profissionais e na fiscalização das condições de trabalho, porque a reparação é sempre um remendo não é um remédio. Penso ainda, Sr.ª Deputada, que também a reabilitação deve merecer a maior atenção por parte desta Câmara.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia.

A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, ouvi atentamente a sua intervenção e gostaria de saber se comunga das nossas preocupações acerca de sinistrados do trabalho pertencentes às minorias étnicas e às comunidades de imigrantes. Como sabe, trata-se de trabalhadores que morrem em acidentes de trabalho, aliás, como acontece com os trabalhadores nacionais - foi o que aconteceu, por exemplo, nas obras do Centro Cultural de Belém é da Caixa Geral de Depósitos -, que diariamente são vítimas de acidentes de trabalho e que, mesmo que estejam em situação legal, isto é, que tenham autorização de .residência, não têm tido direito a qualquer indemnização, nem os próprios nem as respectivas famílias, por diversas razões que me escuso de enumerar agora, até porque, como sabe, são explorados por empreiteiros nacionais e também estrangeiros. Ora, ouvi-a fazer referência a trabalhadores estrangeiros e, se for possível, gostaria que aprofundasse esta questão.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, agradeço todas as questões que me foram colocadas.
Em primeiro lugar, devo dizer que é muito enfadonho ouvir falar em números e cálculos, mas entendi que devia fazê-lo na minha intervenção, porque quem ouvisse falar das iniciativas do PCP, em termos puramente teóricos, poderia pensar que estávamos a propor algo impossível de pagar.

O Sr. José Calçada (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Não é disso que se trata, até porque tive o cuidado de explicar que estas ainda não são, para nós, as soluções finais; são apenas soluções intercalares para responder a casos urgentes.
De facto, creio que a questão da reparação integral - e começo por responder ao Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, que diz não ser isso possível - ainda terá alguns problemas para se implantar no nosso país, porque está ligada à questão da responsabilidade pela reparação. Mas a verdade é que, por exemplo, já em 1990, os franceses discutiam, num encontro entre especialistas, a questão da reparação integral dos acidentes de trabalho e, nesse debate, publicado na revista Droit Social, há quem defenda que ela tem de fazer-se com base nos direitos de personalidade - o direito à vida e à integridade física.
Por isso, Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, penso que a reparação integral não será impossível e que um dia chegaremos lá. Agora, não tivemos a veleidade de a propor nestes projectos de lei, porque o que pretendemos, para já, e sem necessidade de grandes debates - tem de haver alguns, como é óbvio, mas a questão da reparação inte-

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gral exige a realização de um debate mais profundo -, é uma legislação que resolva os problemas mais gritantes. Esse foi o nosso objectivo, embora não concorde consigo quando diz que a questão da reparação integral não se põe. Pelo contrário, entendemos que não há razão para tratar de maneira diferente as vítimas de acidentes de trabalho em relação às vítimas de acidentes de viação.
Peço desculpa ao Sr. Deputado Artur Penedos por estar a responder em primeiro lugar às questões do Sr. Deputado Nuno Correia da Silva, mas não se trata de qualquer discriminação, simplesmente calhou assim.
Em relação à questão da higiene e segurança no trabalho - e penso que também estou, de alguma maneira, a responder ao Sr. Deputado Lemos Damião -, em 1991 discutimos aqui, nesta Assembleia, uma proposta de lei sobre essa matéria e, na altura, apresentámos propostas de alteração, porque entendo que o que faz muita falta é uma verdadeira actuação da Inspecção-Geral do Trabalho. Consideramos que, de facto, em primeiro lugar vem a prevenção, mas também sabemos que se for barato pagar uma indemnização ou uma pensão, a entidade responsável prefere não gastar esse dinheiro. Agora, se sair caro pagar pensões, indemnizações e prémios de seguros, então a entidade patronal já pensa duas vezes,...

O Sr. José Calçada (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - ..., porque preferirá fazer os investimentos na prevenção para não ter de pagar tanto em prémios de seguro, porque estes serão tanto mais elevados quanto mais acidentes ocorrerem e quanto mais as companhias de seguro tiverem de pagar.
Em relação às questões colocadas pela Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia, não tenho tempo para consultar o livro, mas penso que para as situações em que não existe seguro a lei prevê uma solução: o recurso ao fundo de garantia e actualização de pensões destinado, precisamente, para pagar pensões e indemnizações nos casos em que não há seguro de trabalho e em que não está envolvida uma companhia seguradora. O caso das minorias étnicas, de que falou, que são, efectivamente, exploradas e utilizadas em trabalhos não qualificados, é um problema que devemos estudar e para o qual estamos dispostos a procurar uma solução.
Sr. Deputado Lemos Damião, agradeço a suas palavras e compreendo inteiramente a sua posição, o que exprimiu em relação ao Estado e aos professores, precisamente porque sou filha de professores primários e acompanhei a vida dos meus pais e esses problemas de que o Sr. Deputado falou. Em relação a essa matéria, penso que o Sr. Deputado tem razão, uma vez que se põem problemas a nível da reparação de acidentes de trabalho a funcionários públicos. Mas essa é uma matéria muito complicada, que não tenho tempo de estudar - quem é especialista, e escreveu uns livros sobre o assunto, é o Dr. João Alfaia - e sobre a qual não nos debruçámos.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Queira terminar Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Termino já, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Artur Penedos, em relação à problema da retroactividade, creio que o que referiu é simbólico, porque se foi declarado inconstitucional, os tribunais, excepto um ou outro caso, já procederam à reconstituição da legalidade.

Em todo o caso, gostava de deixar expresso que se a questão da aprovação ou não aprovação do projecto de lei se resumir ao problema da retroactividade, estamos dispostos a rever e a retirar as disposições relativas à retroactividade, Sr. Deputado.

O Sr. José Calçada (PCP): - Muito bem!

A Oradora:- Consideramos que o importante é que uma parte do projecto de lei fique em vigor.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Artur Penedos (PS): - Registamos com agrado essa disponibilidade!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Se quiser, retiro já!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, existem dois relatórios relativos aos projectos de lei n.os 125/VII e 126/VII, dos Srs. Deputados Francisco José Martins e Maria José Nogueira Pinto, respectivamente. Entendem, no entanto, não aditar mais nada ao que consta dos mesmos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco José Martins.

O Sr. Francisco José Martins (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as Srs. Deputados: Os projectos de lei que hoje conjuntamente se debatem versam sobre a temática dos acidentes de trabalho, cuja matéria tem adquirido, ao longo dos últimos anos, uma especial importância nas relações de trabalho e significa um ponto de referência cada vez mais relevante no mundo laboral.
Na verdade, ao longo dos últimos cem anos, o regime jurídico da reparação dos acidentes de trabalho, como problemática jurídica específica, vem sofrendo uma evolução que, como tudo leva a crer, ainda não está acabada em termos de obter a inteira ou, pelo menos, razoável satisfação de muitos dos interesses dos lesados.
Assim, numa rápida retrospectiva, o ordenamento português começou por estabelecer, de forma ténue, e ainda no velho Código Civil de 1867 - artigo 2398.º -, a reparação de acidentes de trabalho, com base na culpa ou negligência da entidade patronal, recaindo sobre o sinistrado o ónus da prova dessa culpa.
Só com a Lei n.º 83, de 24 de Julho de 1913, se consagrou a primeira lei em Portugal, relativa a matéria de acidentes de trabalho, a qual assentava na teoria do risco profissional, seguindo-se-lhe o Decreto n.º 5637, de 10 de Maio de 1919, e mais tarde a Lei n.º 1942, publicada em 1936, e respectivo regulamento, aprovado pelo Decreto n.º 27649, onde se consagra já a teoria mais ampla e proteccionista do «risco da autoridade», ou seja, deixa de prevalecer o risco da profissão em detrimento do risco de trabalho.
Por último, surgem a Lei n.º 2127, ainda em vigor, e o Decreto-Lei n.º 360/71, de 21 de Agosto, que eivados da mesma filosofia de responsabilidade introduziram significativas melhorias na prestação do risco profissional.
Contudo, se a lei ainda em vigor significou um marco histórico na regulamentação da matéria, é verdade que o respectivo regime apenas sofreu algumas pequenas alterações, sendo certo que urge realizar uma profunda reflexão e promover, com a celeridade possível, as alterações necessárias e adequadas à realidade actual que caracteriza a temática dos acidentes de trabalho.

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Realmente, numa época caracterizada pela relativa facilidade do acesso às matérias-primas e aos meios financeiros, é a qualificação dos recursos humanos que tende a demarcar a riqueza dos Estados. O acidente de trabalho surge-nos, nesta visão, como factor de empobrecimento, não só da pessoa humana enquanto tal, que deve sempre constituir o centro das preocupações, mas também dos próprios Estados, na sua capacidade de criação de riqueza e bem-estar.
A magnitude da matéria aconselha, portanto, que seja objecto de um debate profundo e participado, susceptível de carrear as diferentes perspectivas e interesses e de conduzir a soluções justas, realistas e equilibradas.
Com efeito, a temática dos acidentes de trabalho deve ser apreciada em duas perspectivas distintas, qualquer delas merecendo a maior atenção do legislador. A primeira, de natureza preventiva, e a outra, visando a reparação dos danos emergentes dessas ocorrências.
Assim parece ser, de resto, o entendimento dos representantes de empregadores e empregados, os quais, com o então Governo, consagraram em 1990 essa realidade no Acordo Económico e Social, para tanto tendo incluído um capítulo, definindo os objectivos e medidas a prever na área da higiene, segurança e saúde no trabalho.
Por isso, vimos assistindo no nosso país, nessa matéria, a profundas e importantes transformações, a que não foi estranha a construção de um novo edifício legislativo, assente no Decreto-Lei n.º441/91, de 14 de Novembro (regime jurídico do enquadramento desta matéria), e no Decreto-Lei n.º 362/93, de 15 de Outubro, destinado a desenvolver os normativos ali consignados, bem como a conferir-lhes adequada exequibilidade, tudo isto num contexto que teve em conta as necessidades de harmonização ao nível da Comunidade Europeia, decorrentes da Directiva n.º89/391/CEE, do Conselho, de 12 de Junho, relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores e do artigo 118.º-A do Acto Único Europeu.
Actualmente, e sem prejuízo de se mostrar ainda necessário trilhar caminhos difíceis nesta matéria, até se atingirem os objectivos pretendidos, é já significativa a aplicação no mundo do trabalho das normas legais em vigor, as permanentes campanhas de formação e informação realizadas nas empresas, acordos celebrados e integração de princípios em convenções colectivas, merecendo até a temática da higiene, segurança e saúde no trabalho a dignidade de ser considerada disciplina a leccionar no ensino superior.
Como tal, e não podendo aceitar-se, nem ética, nem economicamente uma melhoria da reparação que não se sustente numa melhoria da prevenção, cremos que, nos últimos anos, foram dados importantes passos em frente no que concerne à natureza preventiva dos acidentes de trabalho.
Quanto à segunda perspectiva atrás referida, de reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho, teremos de concluir que a Lei n.º2127, de 3 de Agosto de 1965, não se ajusta aos tempos em que vivemos, nem consubstancia de forma satisfatória os princípios de um Estado social de direito, que partilhamos, assente nos princípios da solidariedade e justiça social.
Na verdade, importa, desde logo, alargar o conceito de acidente de trabalho, previsto na Base V da Lei, no que concerne à definição do acidente in itinere e aos sinistros que se verifiquem em frequência de curso de formação profissional ou no exercício de actividade de representação de trabalhadores.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No campo da revisão das pensões, a que alude o ponto n.º 2 da base XXII, é incompreensível o limite de dez anos posteriores à fixação inicial da pensão para requerer essa revisão, sendo certo que, perante certas lesões e respectivas sequelas, só mais tarde estas se evidenciam como causa directa do sinistro.
Quanto ao cálculo das pensões, a Base XXIII, sob a epígrafe Retribuição-base, carece ser revista, pois para além da contradição entre o título do preceito correspondente à prática efectiva para o cálculo da pensão, assente na retribuição base, e o estabelecido no ponto n.º 2, onde se consagra um entendimento diverso da retribuição, importa clarificar que o cálculo da pensão deve ser efectuado com base na retribuição efectiva - tal como é entendida actualmente nas doutrina e jurisprudência laborais.
Por outro lado, é tempo de pôr fim ao tratamento claramente discriminatório entre vítimas de acidentes de viação e de sinistros profissionais, em detrimento destes últimos, no que respeita à atribuição de danos morais.
Também em matéria de remição de pensões, mostra-se adequado repensar o âmbito daquelas que são susceptíveis de serem remidas e, naquelas cujo grau de incapacidade não permita requerer a remição, em que termos será correcto proceder à eventual remição parcial da pensão. E, obviamente, é necessário repensar e até rever a fórmula de cálculo das indemnizações e das pensões, à luz do grau de incapacidade e retribuição (efectiva) que deverá ser aplicada a esse cálculo.
No campo das doenças profissionais, parece curial, a exemplo dos acidentes de trabalho, facultar a possibilidade de remição das respectivas pensões - prerrogativa que se encontra prevista na Convenção n.º 102 da Organização Internacional do Trabalho, cuja integração no ordenamento jurídico português se espera ver concretizada a breve prazo.
Sr. Presidente, Sr. ª e Srs. Deputados: Não sendo, como resulta evidente, esta análise minuciosa e exaustiva, é certamente clara e elucidativa da necessidade de revisão da Lei de Bases dos Acidentes de Trabalho, à qual, a exemplo da matéria relativa à higiene, segurança e saúde no trabalho, terá de ser global, daí resultando um novo normativo dotado de coerência intrínseca.
Por isso, ao apresentar o projecto de lei n.º 126/VII, com o fundamento de lançar o debate parlamentar para aprofundamento do mesmo, tendo em vista a feitura de uma lei e visando a introdução de correcções à lei vigente, estamos perante uma iniciativa positiva, pecando embora pelo carácter parcial que caracteriza a proposta de diploma.

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Orador: - No que concerne ao projecto de lei n.º 125/VII, relativo ao valor das indemnizações a pagar aos sinistrados de trabalho em consequência da remição de pensões, terá de se concluir pelo âmbito restrito e limitado em que assentam as propostas de alteração.
Com efeito, não parece curial propor a aplicação das tabelas constantes de um diploma de 1971, sendo que as mesmas estão desactualizadas, omitindo aquilo que seria elementar, ou seja, o eventual estudo e aplicação de novas tabelas baseadas em trabalho técnico específico.
Quanto à retroactividade prevista no n.º 3 do projecto, é evidente que se vê essa proposta como idealista e

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inexequível, pois a sua aplicação iria determinar o caos para os tribunais, devido à correcção das remições, nalguns casos desde 1985 até hoje, e indicia uma impossibilidade total de concretização, pela morte dos responsáveis e/ou titulares do direito.
Em conclusão, importa sublinhar uma vez mais a necessidade e urgência na revisão da Lei de Bases dos Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, cujo diploma deve resultar de um amplo diálogo com as entidades envolvidas na sua aplicação prática - os parceiros sociais e, indiscutivelmente, a segurança social - e, por via disso, significar uma verdadeira revisão global de todo o ordenamento jurídico desta matéria, que altere os princípios estruturantes do sistema e conduza a um normativo adequado, exequível e socialmente justo, que permita eliminar as lacunas e as carências existentes.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Rato.

O Sr. Jorge Rato (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Encontram-se hoje em discussão o projecto de lei n.º 125/VII, sobre o valor das indemnizações a pagar aos sinistrados de trabalho, em consequência da remição de pensões, e o projecto de lei n.º 126/VII, que procede à revisão do Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, da iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português.
Ambos os projectos de lei visam, assim, corrigir e actualizar a legislação de acidentes de trabalho que se mantém praticamente imutável desde 3 de Agosto de 1965, altura da publicação da Lei n.º 2127, regulamentada pelo Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto.
Este regime jurídico consagrou um sistema misto de reparação do infortúnio laboral: um sistema privado no caso dos acidentes de trabalho, havendo a transferência da responsabilidade da entidade patronal para as seguradoras, e um sistema a cargo do Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais no caso das doenças profissionais.
Contudo, este sistema misto tende a alterar-se por força do disposto no artigo 72.º da Lei de Bases da Segurança Social, que prevê a integração da protecção dos acidentes de trabalho no regime geral da segurança social; a fazer-se nos termos a estabelecer por lei, o que comportará a transferência da responsabilidade patronal para a segurança social sob a forma de seguro privado.
Esta disposição está, aliás, bem mais conforme com a Constituição da República Portuguesa, que no seu artigo 63.º consagra que «o sistema de segurança social protegerá os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho»,...

O Sr. Artur Penedos (PS): - ... remetendo assim para o sistema de segurança social a responsabilidade à reparação do infortúnio laboral.
Embora a Lei Fundamental não consagre nenhuma disposição directamente relacionada com os acidentes de trabalho e doenças profissionais, surgem, para além do citado artigo 63 º, matérias que estão intimamente ligadas à sinistralidade e infortúnio laboral. Assim, nos termos do artigo 59.º da Constituição, os trabalhadores têm direito à

«prestação do trabalho em condições de higiene e segurança», designadamente com vista a prevenir e evitar a ocorrência de acidentes de trabalho e doenças profissionais.
Estamos, portanto, Sr. Presidente, Sr." e Srs. Deputados, perante uma matéria de grave importância social, com múltiplas implicações económicas e sobre a qual recai a insatisfação generalizada de todos quantos, ao longo da sua vida profissional, tiveram o infortúnio de ser vítimas de um acidente de trabalho.
Portugal continua a ser o país da União Europeia que apresenta maior percentagem de sinistralidade laboral. A par das más condições de trabalho nas empresas portuguesas, do incumprimento da lei, do débil funcionamento dos serviços inspectivos e da falta de formação e informação da generalidade dos trabalhadores portugueses, verificamos a ausência de uma verdadeira cultura de saúde, higiene e segurança no trabalho.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A falta de elementos estatísticos com razoável fiabilidade não permite avaliar, na sua plenitude, o número de acidentes de trabalho que anualmente ocorrem. Destes, quais os casos mortais e os que resultaram em incapacidades permanentes? Qual o número de doenças profissionais verificadas? Quais os dias de trabalho perdidos e quais os custos da sinistralidade? Desde logo, porque muitas situações de trabalho clandestino e «economias paralelas» escapam ao controlo e registo.
Todavia, estima-se que os custos directos e indirectos da sinistralidade representem em Portugal cerca de 4 % do PNB, enquanto que os custos da prevenção seriam cerca de metade desse valor. O que prova que, mesmo para os artífices do economicismo, a prevenção seria mais rentável que a reparação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Para o Estado, cujos princípios se enformam no respeito pela dignidade humana e pelos valores da solidariedade, e a quem incumbe promover o bem-estar, a segurança e a efectivação dos direitos económicos e sociais dos cidadãos, está claro que a definição de estratégias de prevenção e de formação e a implementação de medidas legislativas substancialmente gravosas para o empregador-prevaricador são o caminho certo para alterar esta grave situação.
Há, pois, que investir bastante na vertente da segurança, higiene e saúde.

A Sr.` Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - Por mais caricato que possa parecer, a própria Lei n.º 2127, de 1965, estabelecia, respectivamente, nas suas bases XLVI e XLVII, «Princípios sobre a Prevenção» e «Serviços de Segurança e Higiene», bases estas que nunca foram objecto de qualquer regulamentação específica.
Em 1990, o Acordo Económico e Social, celebrado entre os parceiros sociais, apontava no sentido da adopção de medidas, designadamente ao nível legislativo, tendentes à melhoria do quadro legal vigente relativo aos acidentes de trabalho e doenças profissionais, não apenas no domínio da reparação, como também nos planos da prevenção e da reabilitação. Com efeito, consagrava o referido acordo enquanto medidas a serem levadas a efei

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to «assegurar a qualidade da reparação no caso dos acidentes de trabalho e de doenças profissionais, visando a reabilitação que favorece a reinserção profissional do sinistrado» e «harmonizar, por via legislativa, as obrigações relativas à higiene, segurança e saúde no trabalho, tomando como referência as prioridades e medidas a nível comunitário».
Na decorrência deste acordo, foi celebrado em 1991 o Acordo Específico de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, que estabelece também medidas no campo da prevenção dos riscos profissionais, reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho e/ou doença profissional e da reabilitação dos trabalhadores com incapacidade.
Estavam, então, criadas as condições para a revisão do regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais. Contudo, o governo do PSD frustrou todas as iniciativas dos subscritores dos mesmos, ao não dar cumprimento a tais medidas, não obstante, para este efeito, ter criado um grupo de trabalho constituído no âmbito do Instituto de Seguros de Portugal, na dependência directa do Ministério das Finanças, cujo relatório final foi submetido à consideração do Governo, em 1992.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por reconhecer a necessidade de revisão do regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, o Partido Socialista inseriu, no seu programa eleitoral, como forma de assegurar os direitos fundamentais dos trabalhadores, entre outras medidas, o «reforço da prevenção e desenvolvimento da higiene e segurança no trabalho», as «medidas eficazes de prevenção de acidentes de trabalho e uma mais justa reparação dos sinistrados» e, por último, a «reorganização do Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho, autonomizando a inspecção de trabalho com vista a aumentar a sua capacidade fiscalizadora e eficácia».

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - Na sequência deste compromisso eleitoral, o Governo da nova maioria retomou a matéria e acordou com os parceiros sociais, no âmbito do Acordo de Concertação Social de Curto Prazo, uma disposição que prevê expressamente que «seja revisto o regime de reparação dos acidentes de trabalho e doenças profissionais» e, no que concerne à componente da prevenção, irá proceder-se a negociações com os parceiros sociais no âmbito do Acordo de Concertação Estratégica, que decorre neste momento.
Os projectos de lei do PCP em discussão correspondem, quanto aos objectivos, às aspirações dos trabalhadores e suas organizações sindicais. Todavia, parecem-nos inadequados e lacunosos.
No que concerne ao projecto de lei n.º 125/VII, sobre o «valor das indemnizações a pagar aos sinistrados de trabalho, em consequência da remição de pensões», a sua apresentação isolada afigura-se como estratégia táctica, porquanto seria mais correcto preceder à revisão do respectivo regime no projecto de lei n.º 126/VII, uma vez que, no seu artigo 31.º, se altera completamente o regime actualmente estabelecido no artigo 64.º da Decreto-Lei n.º 360/71, de 21 de Agosto.
Quanto à reposição das tabelas de cálculo do capital de remição de uma pensão constantes da Portaria n.º 632/71, de 19 de Novembro, parece-nos que seria mais conve-

niente propor a actualização dessas tabelas, adaptando-as à realidade actual. Para além disso,, o conteúdo do artigo 3.º parece-nos imbuído de algum idealismo, dado que não parece exequível a aplicação retroactiva da forma de cálculo estabelecida no artigo l.º da proposta de lei, aos processos em que tivesse havido remição, desde 1985 até hoje.
Não retirando o mérito às iniciativas legislativas do PCP, que permitem que estejamos aqui a debater uma matéria de extrema importância para os trabalhadores e suas organizações representativas, estas carecem de alterações e aperfeiçoamento, por forma a que o quadro legal a aprovar possa dar resposta, de forma justa e equitativa, aos problemas dos trabalhadores portugueses.
Porque se trata de uma matéria com tão grandes implicações e que afecta sobretudo os trabalhadores, considero que a mesma deveria ser objecto de um profundo debate nacional, conducente à adopção de um quadro legal coerente e ajustado à realidade do nosso mercado de emprego.
Por estas razões, apoiamos vivamente a iniciativa do Governo da nova maioria em constituir uma comissão interministerial com representantes dos Ministérios da Justiça, das Finanças, da Saúde, da Solidariedade e Segurança Social e para a Qualificação e Emprego para, num prazo relativamente curto, apresentar um relatório final que aponte linhas orientadoras da reforma global de que o sistema carece, e não meramente parcelar, como a que o PCP pretende agora introduzir, interligando os aspectos da prevenção, da reparação e da reabilitação dos trabalhadores vítimas de acidente de trabalho e/ou doença profissional, evitando-se, deste modo, a dispersão legislativa, cujos inconvenientes são de todos conhecidos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, as Sr.as Deputadas Odete Santos e Isabel Castro.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Rato, percebo que tenha falado, na questão da retroactividade. De facto, já aqui tomei um compromisso, mas não foi por isso que pedi a palavra.
Sr. Deputado, em Maio do ano passado, ouvi, mais ou menos, o conteúdo da sua intervenção, embora talvez noutro tom, não da parte da bancada do PS mas da bancada do PSD, no sentido de que também estava em diálogo para apresentar um projecto de lei, em breve. Hoje, surpreendentemente, acontece o contrário; acontece que ouvi o Sr. Deputado do PSD fazer algumas apreciações interessantes.
Devo dizer que se eu soubesse ou conseguisse aprender a construir uma tabela, eu construía-a, mas penso que isso é muito complicado e que só os actuários - informei-me disso - das companhias de seguros é que sabem fazê-las. O que o Sr. Deputado Jorge Rato, em nome do PS, veio dizer é que vão ser feitas reuniões e, depois, haverá uma comissão que vai publicar primeiro umas linhas orientadoras e só mais tarde fará uma proposta de lei ou uma lei.
Estou de acordo que isso se passe em relação a uma revisão mais profunda do que aquela que nós propomos, porque, à partida, não tivemos a ambição de caminhar para uma revisão profunda, que é aquela que de facto exige esse amplo debate. No entanto, se o Sr. Deputado estudou o conteúdo dos diplomas - e que merecem com certeza

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contestação nalguns pontos, não digo que não, aliás estamos dispostos a considerar -, pergunto-lhe se, em relação a casos muito concretos de injustiça, nomeadamente para saber que a pessoa não vai receber só dois terços da desvalorização mas vai receber a desvalorização e para saber que o montante base para calcular a pensão e a indemnização não é o salário mínimo mais a diferença entre este e o que ele ganha e, daí, 70 %, é preciso uma comissão? Então, é preciso uma comissão para uma coisa que se mete pelos olhos dentro?
Feitas as contas, como eu fiz, os senhores dão uns aumentos de pensões, mas não são, de maneira nenhuma, uns aumentos brutais. Até fiz questão de dar os números para que se visse que havia melhoria, mas não nos podem acusar, como é costume, de querermos ir aos bolsos das companhias de seguros.
Ó Sr. Deputado - e dirijo-me também à Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia -, o que será feito, entretanto, das minorias étnicas, enquanto estão a pensar nas linhas orientadoras?
Dirigi-me à Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia para lhe dizer que consultei o livro e achei que, de facto, tinha razão: é o fundo de garantia e actualização de pensões, criado em 1977, que é responsável pelo pagamento das indemnizações e pensões de acidentes de trabalho quando não há seguro.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado Jorge Rato, uma vez que há outro pedido de esclarecimento, pretende responder de imediato ou no final?

O Sr. Jorge Rato (PS): - No final, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Então, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel. Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Rato, a questão que lhe coloco tem a ver com uma contradição que me parece não ter conseguido resolver na sua intervenção.
Assumiu, e bem, uma herança muito clara em relação a esta matéria, uma herança de, lembro, 2,5 milhões de acidentes de trabalho na década de 80, dos quais resultaram 8000 mortos - e é bom lembrar que, em trânsito, não se morre... Portanto, este número está seguramente muito subaval lado.
Sr. Deputado, perante aquilo que é uma evidente catástrofe do ponto de vista da precaridade de condições de segurança, perante a urgência que há em regulamentar a lei e perante a clareza e a gravidade destes números, como é que o PS pretende ainda, para além destes meses todos passados, ganhar mais tempo, ou seja, perder mais vidas. Esta é a contradição que eu não ouvi esclarecer e que gostaria que o Sr. Deputado clarificasse.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Rato.

O Sr. Jorge Rato (PS): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, agradeço as perguntas que me foram feitas.
Sr.ª Deputada Odete Santos, começo por lhe dizer, com todo o respeito, que não entendeu aquilo que eu disse,

porque a vertente fundamental da minha intervenção foi a de que uma eficaz legislação, no âmbito dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais, não se resolvia com alterações pontuais à legislação, nomeadamente no sentido daquilo que é a proposta de lei n.º 126/VII, do PCP, que se cinge muito especificamente às questões das indemnizações, não tendo em atenção as pressões dos próprios parceiros sociais, para que venha a ser regulamentado e legislado em matéria de prevenção, segurança e saúde no trabalho.
De facto, Sr.ª Deputada, é essa matéria que, fundamentalmente, está em causa, porque não basta aumentarmos as indemnizações para os sinistrados, com as quais, aliás, estou plenamente de acordo. O problema que temos de resolver é o da existência de sinistrados.
Pegando nisto e no que a Sr.ª Deputada Isabel Castro colocou, que é a questão da herança pesada e aquilo que pretendemos fazer, devo dizer que fui, também nessa área, bastante claro, porque entendemos que - e sem prejuízo das votações que amanhã possam ter lugar - é urgente fazer a revisão de toda a legislação. Aliás, as Sr.as Deputadas sabem tão bem como eu como é que funcionam os tribunais de trabalho e como é que este espartilho de leis permite que as companhias de seguros contestem as indemnizações aos sinistrados. Portanto, o que defendemos é que deve ser feito, com bom senso e serenidade, aquilo que nunca foi feito e a que o governo anterior se comprometeu e não cumpriu, isto é, rever a legislação e enquadrá-la aos nossos dias.
Uma coisa lhe posso dizer, Sr.ª Deputada: o PS não tem culpa da má fé ou da falta de palavra dos outros grupos parlamentares. Portanto, tal como assumimos, em campanha eleitoral, e como o Governo já mostrou que está a assumir, em sede de concertação social, iremos, de facto, fazer a revisão da legislação de trabalho.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, é nosso entendimento que esta questão é extremamente importante e revela aquilo que, de todo em todo, tem sido ignorado na sociedade portuguesa: a vida, o direito à vida e a sua defesa, como uma mais valia que se deve sobrepor ao primado do lucro, e a prevenção, como um princípio que nos é caro e que não se aplica só em relação à defesa do ambiente mas também em relação à defesa da vida. É essa prevenção que continuamos a não ver de algum modo equacionada.
Portugal não tem, como outros países, no seu Código Penal, a criminalização das empresas, que, não tendo medidas de segurança em funcionamento, quando constatada essa realidade, não só são obrigadas a tê-las como são penalizadas e respondem criminalmente pela situação de reincidência. Portugal continua a ter, a este nível, o resultado daquilo que são situações que de algum modo já foram afloradas: as questões do trabalho clandestino, da precaridade do trabalho, da deficiente formação, enfim, todo um conjunto de situações que traduzem comportamentos de risco que importa, neste momento, equacionar. Isto porque a realidade daqueles que, na sociedade portuguesa, são obrigados a sobreviver - porque é disso que se trata - em níveis de pobreza, de miséria, que são política e eticamente inaceitáveis, deveria, neste momento, fazer

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com que todos os grupos parlamentares, sem excepção, mais do que caracterizar uma situação, mais do que carpir sobre o passado, assumissem a responsabilidade de dizer, preto no branco, o que é que hoje querem fazer perante os diplomas em discussão.
Estes diplomas não resolvem globalmente o problema. Ele terá de ser resolvido através da regulamentação da legislação, que, como já foi referido, não existe, mas também convém lembrar que o actual Governo não a regulamentou. O problema tem de ser resolvido pela Inspecção de Trabalho, que neste momento não tem meios de intervenção eficaz nas empresas. O problema tem de ser resolvido, porventura, por via também da criminalização das empresas. O problema tem de ser resolvido, além do mais, com maior rigor em termos de números, dado que, efectivamente, a realidade dos números actuais não é mais do que a ponta do iceberg, porque - também já aqui foi referido - quem morre em trânsito não consta das estatísticas oficiais.
Por isso, parece-nos que os diplomas em discussão são extremamente importantes, a sua discussão não invalida que outras medidas tenham de ser tomadas, uma vez que a sua concretização não é mais do que o início de uma caminhada que tem de ser feita, mas é um passo que tem de ser dado. E a defesa da vida, que também por aqui passa, está, neste momento, nas mãos da actual maioria.
Volto a repetir, a concretização destes diplomas não é uma caminhada mas _é um passo que tem de ser dado e o Partido Socialista tem, sobre esta matéria, responsabilidades e, perante esta Câmara, tem de posicionar-se com grande clareza. É esta a nossa posição.
Penso que cada grupo parlamentar tem de assumir se quer ou não agir em defesa da vida, se quer ou não agir por uma mudança, que não pode continuar eternamente a ser adiada.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, não tenho mais inscrições...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, julgava que o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva queria fazer uma intervenção.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr.ª Deputada, os Srs. Deputados inscrevem-se de acordo com a sua vontade e eu dou-lhe a palavra, se quiser intervir.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito obrigada, Sr. Presidente. Não nos vamos zangar por causa disto.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Umas breves palavras para dizer que, tendo em conta os debates passados, hoje estou surpreendida porque verifiquei que as intervenções feitas por todos os partidos, desta vez, revelaram uma maior receptividade no que toca aos sinistrados de trabalho e às doenças profissionais. Espero, por isso, que seja possível debater na especialidade os projectos de lei do PCP. Tenho consciência de que não são soluções acabadas e com certeza muita coisa haverá a emendar; no entanto, penso que são uma base de trabalho.
Aliás, lembro-me de um debate aqui travado em 1992, em que a Sr.ª Deputada Elisa Damião disse - e está registado no Diário da Assembleia da República - que os projectos de lei do PCP, que eram semelhantes aos actuais, apenas com algumas diferenças, constituíam uma boa base de trabalho para se pegar na legislação sobre os acidentes de trabalho e proceder à sua revisão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora:- Nessa altura, evidentemente, não havia as equipas interministeriais...!
Por outro lado, surpreendeu-me a intervenção do Sr. Deputado Jorge Rato, quando disse que eu, quando lhe pedi esclarecimentos, tinha interpretado mal, porque ele estava a referir-se à legislação sobre prevenção, higiene e segurança no trabalho. São duas questões diferentes, Sr. Deputado. Quanto à questão da prevenção, higiene e segurança no trabalho já a discutimos, mas podemos voltar a fazê-lo; em todo o caso, na altura, apresentámos um projecto de lei. Contudo, gostava de voltar a dizer que, enquanto for barato reparar, a tendência é para não se gastar na prevenção.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Depois, surpreendentemente, dei conta de que eu não tinha interpretado mal o Sr. Deputado Jorge Rato, porque a sua afirmação final foi «nós, PS, vamos fazer a revisão da legislação sobre acidentes de trabalho».
Sr. Deputado Jorge Rato e Partido Socialista, nós queríamos que a fizessem connosco, nesta oportunidade.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, agradeço a referência que fez à minha pessoa. Devo dizer que não mudei de opinião, mas os senhores mudaram ligeiramente de projecto e este «ligeiramente» implica, sob o ponto de vista orçamental; alguns encargos. Naturalmente que. não me compete sopesar esse valor e devo dizer que valorizo muitíssimo mais a intenção da resolução do problema, que se mantém, e que reconheço que o PCP tem tido, nesta matéria, iniciativas meritórias, como, aliás, já o disseram os dois camaradas que me antecederam.

Vozes do PS:- Muito bem!

A Oradora: - Também penso, contrariamente ao que foi dito, que esta Câmara deve acompanhar a resolução deste problema. Mas, Sr.ª Deputada, não podemos deixar de considerar que só a constituição da comissão para a renovação da lista de doenças profissionais levou 2 anos, esteve 3 anos em funcionamento e não conhecemos qualquer resultado.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Portanto, Sr.ª Deputada, não podemos exigir a um governo que...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Alista de doenças profissionais?!

A Oradora: - É verdade, é verdade. Para a adopção da lista europeia de doenças profissionais.
Portanto, toda a revisão desta matéria carece de ser seriamente repensada e, seguramente, as confederações sindicais integrá-la-ão nas suas prioridades, como já o fi-

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zeram, darão prossecução a intenções de governos anteriores, que não tiveram a completa cobertura. Houve uma parcial revisão da tabela de incapacidades, que se sente no aumento das indemnizações, mas é preciso ir mais longe do que aqui foi dito. Não é preciso investir só na prevenção porque fica mais barato do que a reparação, é preciso investir na reintegração, coisa que Portugal tem feito zero em relação aos trabalhadores vítimas de acidentes de trabalho. Digamos que não tem havido nenhum impulsionamento político no sentido de integrar, reintegrar, inserir rapidamente no mercado de trabalho as pessoas vítimas de acidente de trabalho.
As seguradoras limitam-se a cobrar, o acompanhamento da doença fica a cargo do sistema de saúde, com encargos financeiros enormes quer para a segurança social, através de baixas, quer para o sistema de saúde, e a integração dos trabalhadores fica à mercê de algumas empresas que, infelizmente, na década de 80 foram desinvestindo vergonhosamente na integração dos seus trabalhadores com a mais completa, a mais total incapacidade das entidades de promoverem um sistema nacional de integração destes trabalhadores.
Daí que pensemos que muito está por fazer. Não tenhamos a veleidade de que tudo se faz de um dia para o outro, mas somos partidários de que a Assembleia da República insista neste debate. Aliás, a Comissão de Trabalho, Solidariedade, Segurança Social e Família promoveu um colóquio parlamentar sobre esta temática e deu contributos ao anterior governo. Foi pena não os ter aproveitado!
Espero, sinceramente, que o Governo do meu partido faça deles um bom aproveitamento. Tem é que ter tempo para isso!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra, a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Elisa Damião, ainda bem que confirmou a afirmação que eu fiz. Devo dizer que este projecto de lei não tem quaisquer reflexos em termos de Orçamento do Estado, uma vez que não é o Orçamento do Estado que paga pensões.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Paga, paga!

A Oradora: - Não paga, , não. Mesmo esse tal fundo não é com dinheiros do Orçamento do Estado. Vá estudar para ver como é que são constituídas as receitas desse fundo. Vá estudar bem! É um fundo autónomo das doenças profissionais, repito autónomo. Essa questão foi discutida, quando retirámos deste projecto de lei um artigo que tínhamos sobre a entrada em vigor, por causa da lei-travão. Nós discutimos isso.
Queria dizer-lhe, Sr.ª Deputada, que tanto a lista das doenças profissionais como a lista das desvalorizações por acidentes de trabalho não estão sequer incluídas no diploma que trata de acidentes de trabalho e doenças profissionais. São listas à parte, não têm, a ver com o regime. Pode estabelecer-se uma forma de reparação das doenças profissionais e deixar a lista das doenças profissionais para ser vista à parte. É assim que tem sido feito.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Mas é mau!

A Oradora: - Não. Se for ver a legislação belga, por exemplo, verificará que não consta lá a lista.
De maneira que, Sr.ª Deputada, penso que são desculpas de mau pagador.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma intervenção.

O Sr. Presidente (João. Amaral): - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Odete Santos, é evidente que o fundo destinado a pagar pensões nos casos em que não há seguro para os acidentes profissionais é público, consta do orçamento da segurança social. Não há exactamente uma transferência de verbas do Orçamento do Estado mas dos contribuintes e, sobretudo, dos trabalhadores. É um fundo público pago pela Caixa Nacional de Seguros e Doenças Profissionais e que cada vez mais é utilizado pelos trabalhadores que, em muitos casos, a ele recorrem quando se verifica um acidente de trabalho, precisamente porque o número de empresas que não fazem seguro obrigatório aumenta exponencialmente. Portanto, os trabalhadores ficam sem qualquer protecção e, em muitos casos, têm de recorrer a esse fundo, quando se verifica um acidente de trabalho.
Em segundo lugar, é mau que o sistema de indemnizações - aliás, todo este regime que os senhores pretendem rever - não seja alargado a outros aspectos. Portanto, não vejo que estes projectos de lei esgotem o assunto. Tanto mais que as doenças profissionais, hoje em dia, carecem, com as novas tecnologias e outros factores da evolução científica, de uma revisão urgente. Não há tabela que se ajuste, quando a própria lista das doenças não está ajustada. Assim, não me parece que se possa rever um regime sem rever os outros.
Em terceiro lugar, devo dizer que a este assunto - e aí tem toda a razão - não se aplicaria a lei-travão, em termos do Orçamento do Estado, mas como é público que o orçamento da segurança social é aprovado nos mesmos termos, não me parece que possa ser empolado, sobretudo nestes aspectos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Pomos lá um artigo que explicará que não pode pagar aos sinistrados de trabalho porque não pode pagar aumentos!

O Sr. Presidente. (João Amaral): - Sr.ª Deputada Elisa Damião, faça o favor de continuar a sua intervenção.

A Oradora: - Sr. Presidente, concluo, dizendo o seguinte: não é apenas com boas intenções que se resolvem os problemas. Em todo o caso...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E com más muito menos!

O Orador: - Sr.ª Deputada, a senhora classificará as intenções dos outros como entender. O Partido Socialista assumiu compromissos nesta matéria no seu Programa do Governo, já está a rever o Estatuto da Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais e, com tempo, integrará as matérias que referi e que não se esgotam nas que os senhores apresentam para revisão,- de uma forma pouco realista, diga-se de passagem.

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I SÉRIE - NÚMERO 91

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Não havendo mais inscrições, dou por encerrado o debate dos projectos de lei n.os 125 e 126/VII. A votação destes diplomas for-se-á amanhã, à hora regimental.
Srs. Deputados, a próxima reunião plenária terá lugar amanhã, quinta-feira, iniciando-se às 10 horas, com um período da ordem do dia, onde se procederá à discussão conjunta do projecto de lei n.º 45/VII e da proposta de lei n.º 71/VI (ALRM) e à discussão conjunta das propostas de lei n.os 32 e 33/VII e à discussão da proposta de lei n.º 50/VII (ALM).
Às 15 horas, a reunião reiniciar-se-á com um período de antes da ordem do dia e um período da ordem do dia, onde discutiremos o projecto de lei n.º 23/VII, a proposta de lei n.º 48/VII, a proposta de lei n.º 38/VII e a proposta
de lei n.º 45/VII.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 10 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social Democrata (PSD):

Carlos Alberto Pinto.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António de Almeida Santos.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
José Alberto Cardoso Marques.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Mário Manuel Videira Lopes.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

António Fernando da Cruz Oliveira.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Arménio dos Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
José Mendes Bota.
Luís Carlos David Nobre.
Manuel Filipe Correia de Jesus.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Paulo Sacadura Cabral Portas.

Partido Comunista Português (PCP):

Bernardino José Torrão Soares.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.
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Da Assembleia da República

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