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518 I SÉRIE - NÚMERO 14

Já a menina Ana não tinha tanta facilidade, nem na educação física nem na história. Mas isso não era problema, pois na educação física não havia nem professor, nem pavilhão, nem material. A menina Ana teve 4, por interesse e bom comportamento.
Ano difícil para a menina Ana foi o 8.º: perdia muito tempo com o namorado, faltava às aulas e nunca ia a físico-química, porque não gostava da professora, tinha negativa a matemática e a ciências e até se esqueceu de entregar o último trabalho de trabalhos manuais.
Mas tudo se resolveu. Ninguém reprova por faltas e, para reter o aluno, eram precisas muitas reuniões e a escola tinha de fechar para férias.
O Eduardo continuava bom aluno: tudo 4 e 5, era o orgulho da família e ia certamente ser economista. A Ana não compreendia por que tinha 11 disciplinas, professores a nove, aproveitamento a sete e só gostava de quatro, mas sabia que, com explicações no último mês, havia de vencer o 9.º ano, porque já não havia exames.
No 10.º ano, o menino Eduardo optou pela área económico-social, queria ser economista; a menina Ana optou pelas humanidades, queria ser professora - teve que mudar de escola, mas, por sorte, encontrou outra a menos de 30 Km. Problemático foi não haver bons transportes.
O menino Eduardo teve mais sorte, porque, mesmo sem laboratório de físico-química, tinha uma excelente professora a português, pena foi entrar em licença de parto em Março e nunca ter sido substituída.
Mas o sucesso continuou total e transitaram para o 11.º ano. O Eduardo, aplicado, com média de 15, e a Ana, com média de 12 e uma disciplina em atraso, porque detestava filosofia.
Chegados ao 12.º ano, as opções estavam feitas: o Eduardo queria ser economista e a Ana professora.
Sabiam bem que este era o ano decisivo. Não sabiam era quais as regras de acesso, porque tinham mudado três vezes, durante os últimos noticiários.
Estavam nervosos e as famílias preocupadas. Poder-se-ia até dizer que era uma insegurança injustificada da adolescência, porque o Ministro já tinha dito que as regras eram claras e que havia um grupo de estudo que já tinha iniciado um projecto, para que, depois de um amplo debate, fosse enviado aos agentes educativos para decidirem.
Findo o segundo período, o Eduardo estava com média de 16 e a Ana com dificuldades a filosofia e a história. Mas a mãe ouvira falar de um colégio de «qualidade» e «rigor», com sucesso garantido, por apenas 40 contos por mês mais inscrição. A Ana transferiu-se de escola e foi para o colégio «céu azul», onde teve 16 a filosofia e 18 a história e acabou com média de 16.
O Eduardo estudou muito, fez exames rigorosos, foi o melhor da turma e acabou com média de 15.
O Eduardo concorreu a economia. Não entrou por uma décima e teve apenas vaga em engenharia de sistemas decisionais.
A Ana concorreu à Universidade Índica e entrou. Entrou, porque achou que o corpo docente era bom e o curso parecia ter algumas saídas. Ficou em Relações Internacionais. Os pais da Ana, que, como disse no início, não tinham posses e, pelo contrário, tinham até algumas dificuldades económicas, pagavam uma propina de 40 contos.
Os pais do Eduardo, que tinham uma vida desafogada, pagavam 1200$ - não havia propinas. E o Eduardo ainda concorreu a uma bolsa, porque anda no público; a menina Ana não podia, porque andava no ensino privado, devia ser rica.
Ambos fizeram o seu curso, Srs. Deputados, ambos saíram doutores, ambos se esforçaram.
Srs. Deputados, caricaturando, necessariamente com alguns exageros, como é típico de uma caricatura, ambos foram, apenas e só, cobaias do actual sistema.
Esperavam, provavelmente, que eu agora dissesse que, no fim, os esperava o desemprego. Mas não, porque uma história destas também pode ter um final feliz.
A Ana, que queria ser professora, ficou com o curso de Relações Internacionais, filiou-se no PS e acabou como secretária do adjunto do vereador da Câmara Municipal de Arriba de Baixo.
O Eduardo concorreu, durante um ano, a todos os anúncios, sem que ninguém percebesse o que era um engenheiro de sistemas decisionais, e acabou filiado no PSD e subgerente de um banco em Arriba de Cima.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E o Deputado Sílvio Rui Cervan no PP!

Risos do PCP e do PS.

O Orador: - O Sr. Deputado está sempre com muito humor.
O problema, Srs. Deputados, como já perceberam, não é nem o da menina Ana nem o do menino Eduardo; o problema reside num conjunto de muitos meninos, nas Marias, nos Zés, nos Guilhermes, colegas da Ana e do Eduardo, que foram percorrendo gradualmente todas as escadas a que o sistema os obrigou, que estudaram o que não deviam, tiraram cursos que não queriam e têm empregos de que não gostam ou, mais dramaticamente, estão simplesmente no desemprego.
Na prática, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, concordo com todos os princípios enunciados, hoje, no início do debate pelo Sr. Ministro Marçal Grilo. São princípios fundamentais. Não concordo com a prática; não concordo com o sistema.
E quero deixar aqui uma mensagem ao Sr. Ministro: o Sr. Ministro já disse que não quer fazer a reforma do sistema educativo, que aqui, exageradamente, como tem de ser uma caricatura, acabo de descrever. Mas é importante, na óptica do Partido Popular, haver medidas de credibilização do sistema e, de entre essas, são, para nós, imediatas e fundamentais as do financiamento, das faltas, dos exames no final de cada ciclo e de uma maior qualidade docente, que é aquilo que não está aberto com a actual Lei de Bases do Sistema Educativo que por V. Ex.ª nos foi proposta.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (PEV): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação, gostaria de começar por fazer uma breve referência à resposta que o Sr. Ministro me deu, ainda há pouco, a um pedido de esclarecimento que lhe fiz, uma vez que, na altura, senti vontade de o interromper, mas não tinha figura regimental que mo permitisse. O que me deixou verdadeiramente preocupada na sua resposta foi isto: o Sr. Ministro, para além de outras coisas, disse, relativamente à questão dos cursos nocturnos, que aquilo a que, hoje, se assiste, do enceramento em diver-