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Quinta-feira, 30 de Janeiro, de 1997 I Série - Número 32
DIÁRIO Da Assembleia da República
VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 29 DE JANEIRO DE 1997
Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos
Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.- 269 a 271/VII e do projecto de deliberação n.º 35/VII, bem como de requerimentos e da resposta a alguns outros.
A Câmara deu assentimento à viagem de carácter oficial do Sr. Presidente da República a Macau, entre os dias 17 e 23 de Fevereiro, e à República Popular da China, entre os dias 23 de Fevereiro e 2 de Março pf..
O voto n.º 59/VII - De saudação pela abertura do Ano Europeu contra o Racismo (PS. PSD, CDS-PP, PCP e Os Verdes) foi aprovado, tendo produzido intervenções os Srs. Deputados Maria Celeste Correia (PS), Isabel Castro. (Os Verdes), António Filipe (PCP), Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP) e Guilherme Silva (PSD).
Relativamente ao debate especial sobre o combate à droga, usaram da palavra, além do Sr. Ministro Adjunto (Jorge Coelho), os Srs. Deputados Luís Pedro Martins (PS), Isabel Castro (Os Verdes), Pedro Passos Coelho (PSD), Nuno Correia da Silva (CDS-PP). António Filipe (PCP), José Niza (PS), Jorge Roque Cunha (PSD) e Bernardino Vasconcelos (PSD).
Ordem do dia. - Foi apreciada a proposta de resolução n.º 32.º VII - Aprova, para ratificação, a Declaração Constitutiva e os Estatutos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. assinados, em Lisboa, em 17 de Julho de 1996, tendo intervindo, a diverso título, além do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Jaime Gama), os Srs. Deputados Rui Vieira e Eurico Figueiredo (PS). Azevedo Soares (PSD), Ruben de Carvalho (PCP), Nuno Abecasis (CDS-PP), Carlos Beja (PS) e Isabel Castro (Os Verdes).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 40 minutos.
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O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Góes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheiro Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barcos e Silva:
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura. Vital Martins Moreira.
Partido Social Democrata (PSD):
Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
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Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Gilberto Parca Madaíl.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Carlos Pires Póvoas.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Costa Pereira.
José Mário de Lemos Damião.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS/PP):
Armelim Santos Amaral.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Octávio Augusto Teixeira.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas, os requerimentos e as respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projectos de lei n.os 269/VII - Altera os montantes das coimas e multas resultantes de infracções a normas sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, trabalho de menores, discriminação em função do sexo, duração do trabalho, trabalho suplementar, pausas e intervalos de descanso, pagamento de retribuições e salário mínimo nacional (PCP), que baixou às 1.ª e 8.ª Comissões, 270/VII - Elevação de Fátima à categoria de cidade (PSD), que baixou à 4.º Comissão, e 271/VII Reembolso de propinas do ensino superior pagas nos anos lectivos de 1992 a 1995 (Deputado do PSD Carlos Coelho), que baixou às 6.ª e I1.º Comissões; projecto de deliberação n.º 35/VII - A terceira fase da União Económica Europeia (CDS-PP).
Nas últimas reuniões plenárias, foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos. Na reunião plenária de 16 de Janeiro: ao Ministério para a Qualificação e o Emprego, formulado pelo Sr. Deputado António José Dias; à Secretaria de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território e ao Instituto Português de Cartografia e Cadastro, formulado pelo Sr. Deputado Roleira Marinho, ao Secretário de Estado Adjunto do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado António Barradas Leitão; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território e às Secretarias de Estado da Indústria e Energia e dos Desportos, formulados pelos Srs. Deputados Cruz Oliveira, Carlos Marta e José Cesário; ao Ministério da Economia, formulado pelo Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho; ao Ministério da Solidariedade e Segurança Social, formulados pela Sr.ª Deputada Filomena Bordalo; ao Governo e aos Ministérios da Saúde e da Cultura, formulados pela Sr.ª Deputada Isabel Castro.
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Nas reuniões plenárias de 17 e 22 de Janeiro: aos Ministérios da Justiça e da Administração Interna, formulados pelo Sr. Deputado Jorge Ferreira; ao Sr. PrimeiroMinistro, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Carvalhas; ao Ministério do Ambiente e à Câmara Municipal de Loulé, formulados pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Luís; ao Ministério da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Ricardo Castanheira; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado António Filipe; ao Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Rodeia Machado; ao Ministério da Defesa Nacional, formulados pelo Sr. Deputado João Amaral.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Heloísa Apolónia, no dia 30 de Janeiro; Luísa Mesquita, Costa Pereira, Sílvio Rui Cervan, Isabel Castro e Jorge Roque Cunha, na sessão de 26 de Junho, no dia 16 de Agosto, na sessão de 2 e no dia 8 de Outubro; Macário Correia, na sessão de 2 de Julho; Barbosa de Oliveira, na sessão de 10 de Julho; Lino de Carvalho, Manuel Alves Oliveira, Sérgio Sousa Pinto, Jorge Roque Cunha e Filomena Bordalo, na Comissão Permanente de 18 de Julho e nas sessões de 10 e 11 de Outubro; Bernardino Soares, Hermínio Loureiro, Jorge Roque Cunha e Isabel Castro, no dia 11 de Setembro e na sessão de 9 de Outubro; Manuel Moreira, na Comissão Permanente de 12 de Setembro; Carlos Luís, na Comissão Permanente de 19 de Setembro; Paula Cristina Duarte, na sessão de 25 de Setembro; Soares Gomes e Bernardino Vasconcelos, na sessão de 3 de Outubro; João Carlos Duarte, no dia 15 de Outubro; Francisco José Martins e Lino de Carvalho, na sessão de 16 e no dia 28 de Outubro; Rodeia Machado, Luís Sá e António Rodrigues, nas sessões de 23 de Outubro e 10 de Dezembro; Jovita Matias, Mendes Bota e Isabel Castro, na sessão de 24 de Outubro; Pacheco Pereira e Fernando Pedro Moutinho, na sessão de 30 de Outubro; Barbosa de Oliveira, no dia 5 e na sessão de 13 de Novembro; Fernando Pedro Moutinho, Bernardino Soares e Isabel Castro, nas sessões de 6 e 13 de Novembro e no dia 3 de Dezembro; Paula Cristina Duarte, Antonino Antunes, Jorge Roque Cunha, José Calçada, Arnaldo Homem Rebelo, Mendes Bota e Nuno Correia Silva, nas sessões de 7 e 13 de Novembro; Manuel Moreira, nas sessões de 8 e 15 de Novembro; José Junqueiro, na sessão de 13 de Novembro; Soares Gomes, na sessão de 14 de Novembro; Heloísa Apolónia, no dia 18 de Novembro; Gonçalves Sapinho, Paulo Pereira Coelho, Silvio Rui Cervan, Lino de Carvalho e João Amaral, no dia 25 de Novembro; Carvalho Martins e Ismael Pimentel, no dia 27 de Novembro; Roleira Marinho, na sessão de 28 de Novembro; Macário Correia, no dia 4 de Dezembro; Manuel Alves Oliveira, na sessão de 11 de Dezembro.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, recebi uma mensagem do Sr. Presidente da República, do seguinte teor:
"Está prevista a minha deslocação a Macau entre os dias 17 e 23 do próximo mês de Fevereiro, para uma visita oficial àquele território.
Na sequência desta visita, deslocar-me-ei, em visita de Estado, à República Popular da China, a convite do Presidente Jiang Zemin, entre os dias 23 de Fevereiro e 2 de Março próximo, dia este em que está previsto o meu regresso a Lisboa.
Assim, venho requerer, nos termos dos artigos 132.º, n.º 1, e 166.º, alínea b), da Constituição da República, o necessário assentimento da Assembleia da República".
Sobre este pedido de assentimento, a Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação emitiu o seguinte parecer e proposta de resolução:
"A Assembleia da República, de acordo com as disposições constitucionais aplicáveis, dá o assentimento nos precisos termos em que é requerido".
Srs. Deputados, vamos votar o parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Entretanto, deu entrada na Mesa o voto n.º 59/VII De saudação pela abertura do Ano Europeu contra o Racismo, subscrito por Deputados de todos os grupos parlamentares, o que faz presumir que há assentimento no sentido de que se passe, desde já, à sua discussão e posterior votação.
O voto é do seguinte teor:
"Considerando que Portugal é um país que se rege na ordem interna e nas relações internacionais pelos direitos humanos consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem:
Considerando que Portugal subscreveu a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial; .
Considerando que o Código Penal tipificou como crime a discriminação racial (artigo 240.º);
Considerando que no nosso país sempre se cruzaram, integraram e mutuamente se enriqueceram povos, crenças e culturas diferentes;
Considerando que ontem, dia 28 Janeiro 1997, nesta Assembleia, se procedeu à abertura solene do Ano Europeu contra o Racismo, com a colaboração activa dos partidos nela representados, os Deputados abaixo assinados propõem o seguinte voto de saudação:
A Assembleia da República saúda a abertura do Ano Europeu contra o Racismo e solidariza-se com os seus objectivos;
A todos os portugueses, independentemente da sua cor ou território de origem e a todos os estrangeiros residentes legalmente no nosso território, a Assembleia da República reafirma o seu empenho na continuação do combate a todas as formas de exclusão e discriminação".
Srs. Deputados, o voto está em apreciação. Informo que cada grupo parlamentar dispõe de 3 minutos.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia.
A Sr.ª Maria Celeste Correia (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Contra o racismo não é suficiente o discurso anti-racista. Assim o entendeu já esta Assembleia quando votou por unanimidade várias iniciativas legislativas referentes aos imigrantes e minorias étnicas e assim também o entendeu o Governo do PS, quando contribuiu com medidas e iniciativas, directas e indirectas, que favorecem a inserção das comunidades imigrantes, bem como de cidadãos portugueses de origem cigana. Estas determinações, estas iniciativas, sejam da Assembleia da República, sejam do Governo, não se colocam no plano do discurso, são actos concretos cujo alcance anti-racista não se pode negar.
Na coincidência feliz deste dia em que vamos votar a declaração constitutiva e os estatutos da CPLP, consciente de que ainda não corremos os riscos dos fanatismos de
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pertença mas que já há indícios preocupantes, o PS saúda não só a iniciativa do Ano Europeu contra o Racismo em Portugal, cuja abertura solene decorreu ontem, nesta Assembleia, com a colaboração activa de Deputados de diversos partidos, mas também a respectiva Comissão Nacional e reafirma o seu propósito de contribuir de forma destacada, com as responsabilidades que lhe cabem, a favor da eliminação de todas as formas de exclusão e de discriminação.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O voto hoje em discussão que, presumo, foi subscrito por Deputados de todos os grupos parlamentares parece-me importante quando situado no exacto plano para que os anos europeus devem servir. .
Efectivamente, as questões do racismo, da xenofobia, da intolerância não são menores, nem foram exploradas artificialmente, porque elas existem na nossa sociedade. São muitas as razões que explicam e contribuem objectivamente para esse fim. Por isso, ao assinalar-se o início do Ano Europeu contra o Racismo, importa que este não seja apenas mais um, para que conste, para alívio de consciências, mas, sim, o encarar de frente um problema que existe na nossa sociedade e que exige medidas múltiplas.
É disso que se trata e é esse o compromisso que nós, Os Verdes, temos assumido. Temos agido em conformidade e continuaremos a fazê-lo, porque é para isso que este Ano Europeu contra o Racismo e a Comissão, agora empossada, servem.
Aplausos de Os Verdes e do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, compartilhamos os objectivos do voto apresentado, subscrevemo-lo e vamos votá-lo favoravelmente e saudamos também, naturalmente, a abertura do Ano Europeu contra o Racismo, bem como as realizações que o possam assinalar no nosso país.
Importa salientar, agora que estamos no Ano Europeu contra o Racismo, que nos últimos anos se verificaram em vários países europeus, particularmente em Portugal, retrocessos legislativos face ao espírito que anima a realização deste Ano Europeu. Nesse sentido, fazemos aqui um apelo para que neste Ano Europeu se aproveite para, também aqui, na Assembleia da República, eliminar alguns desses retrocessos, em especial em matéria de direito de asilo ou do regime de entrada, permanência, saída e expulsão de estrangeiros do território nacional.
Portanto, o nosso apelo vai no sentido de que o Ano Europeu contra o Racismo não se fique apenas nas palavras e nas intenções mas também se manifeste em termos legislativos com passos concretos, no sentido da eliminação de todas as formas de discriminação racial.
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.
A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em nome da minha bancada, queria juntar-me a este voto de saudação, desejando, contudo, assinalar que, do nosso ponto de vista, o que hoje pode preocupar outros países da Europa quanto ao racismo, pelo menos culturalmente, por enquanto, não há razões para nos preocuparmos. E quando digo "por enquanto" significa que ainda há aqui um tempo que se poderia aproveitar para actuar neste domínio.
Julgo também que não bastam estas iniciativas, que são importantes mas não suficientes, e que seria importante meditarmos sobre a questão da tolerância num quadro de escassez de recursos, porque se alguma manifestação confundível com racismo ou xenofobia ocorrer nas nossas sociedades será, certamente, devido ao enorme conflito que resulta de conciliar a tolerância e a escassez de recursos que se fazem sentir em inúmeras áreas. Portanto, é preciso mais qualquer coisa, qual seja uma pedagogia e uma prática constantes também traduzida em actos.
Julgo, ainda, que seria importante e justo que, quando falamos dos movimentos imigratórios, pensássemos neles como movimentos que se dirigem a Portugal para encontrar formas mais dignas de vida e não para reforçar as nossas bolsas de pobreza. Também aí pensamos que não podemos ser cegos, nem esconder a cabeça debaixo da areia.
Toda esta questão, para que seja tratada como merece, obrigaria, pelo menos, a duas reflexões: uma, sobre a tolerância num quadro de escassez de recursos e, outra, sobre a forma como se processa esta corrente imigratória e o que poderemos fazer para que realmente ela signifique, para os que chegam, uma melhoria da sua condição de vida.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PSD associa-se naturalmente a este voto, que radica numa tradição humanista e universalista de Portugal e dos portugueses, o que não significa que não tenhamos de estar atentos, e estamos, a fenómenos que, aqui ou ali, muitas vezes tendo por base outras razões de ordem social mais funda, de exclusão, de criminalidade e outras, temos de combater nas suas raízes, mas que, envolvendo minorias étnicas, se associa fácil e rapidamente a problemas de racismo e xenofobia.
É esta situação e a necessidade de ir ao fundo destas questões que a abertura do Ano Europeu contra o Racismo, na sequência da .sessão que, ontem, decorreu nesta Assembleia, também proporcionará vários fora de reflexão, várias formas de todos darmos as mãos para, também nas escolas, continuarmos com o que é um sentir profundo da sociedade portuguesa e que não pode ser perturbado nem desviado por questões pontuais e marginais que nem por isso temos de deixar de combater neste reencontro connosco próprios, neste reencontro que tem sido o domínio da nossa maneira de estar no mundo e que certamente saberemos transmitir às novas gerações.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então, passar à votação do voto n.º 59/VII - De saudação pela abertura do Ano Europeu contra o Racismo, subscrito pelo PS, PSD, CDS-PP, PCP e Os Verdes.
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Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
Deu igualmente entrada na Mesa o voto n.º 60/VII De protesto pelas declarações recentemente proferidas pelo Presidente do Governo Regional da Madeira, Dr. Alberto João Jardim, subscrito pelo CDS-PP. No entanto, como não há consenso para ser discutido e votado desde já, sê-lo-á na sessão de amanhã.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, interpelo a Mesa pelo seguinte: já que o Sr. Presidente acabou de comunicar à Câmara que não há consenso quanto à discussão do voto n.º 60/VII, será possível comunicar-nos igualmente quem é que não deu consenso?
O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário telefonou a todas as direcções dos grupos parlamentares e, como sabem, basta que um grupo parlamentar não esteja de acordo. Desta vez, foi o Grupo Parlamentar do PSD.
Vozes do PS: - Ah!
O Sr. José Junqueiro (PS): - Ficamos esclarecidos!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início ao debate especial sobre o combate à droga.
Para introduzir o debate em representação do PS, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pedro Martins.
O Sr. Luís Pedro Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Uma sociedade sem miséria, sem injustiças e sem dificuldades é uma utopia; contudo, não podemos cair numa política social que ainda tenha de recorrer a medidas expeditivas para resolver situações críticas que poderiam ser evitadas com uma prevenção adequada.
A política social tem necessariamente de esbarrar com dificuldades financeiras quando tem de reparar os danos a posteriori, em vez de, na medida do possível, os evitar, actuando seriamente e sem complexos na prevenção.
O dia de ontem, designado como dia D, ficará registado, para além do mérito e generosidade intrínsecos, como um contributo decisivo para desbravar tabus, libertar consciências e alertar os portugueses para a dimensão real deste flagelo que é a droga.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O dia D marca de forma simbólica o início da conjugação de esforços entre ministérios, personalidades da vida pública portuguesa, escolas, educadores, autarquias, serviços prisionais, organizações não governamentais, famílias, jovens e órgãos de comunicação social que prontamente se associaram a esta iniciativa.
A prevenção do consumo de droga é hoje uma prioridade universal. Também nós temos de centrar o debate de hoje na área da prevenção.
Em todo o mundo, são comuns as abordagens centradas nos factores que conduzem ao consumo de droga ou que, pelo contrário, protegem os jovens desse consumo, transferindo a ênfase do problema das drogas para as influências mais amplas da família e da sociedade.
Portugal é, ao contrário de muitos países mais desenvolvidos, um país onde os toxicodependentes ainda podem contar com a solidariedade da família. Em muitos países restam ao toxicodependente os serviços públicos de saúde ou segurança social.
No nosso país ainda há milhares de famílias que travam uma luta diária, que combatem com todas as forças, que exigem dos serviços, que reclamam, que sofrem.
É esta forma de estar na vida que o Governo, com iniciativas semelhantes ao dia D, conseguirá que nunca se perca. Para todos aqueles que auxiliam os seus familiares toxicodependentes e para todos aqueles que pretendem vir a fazê-lo, o dia D foi também o dia da decisão.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Dinamizar a sociedade civil de modo a envolvê-la neste combate é já o primeiro resultado positivo desta iniciativa. Promoveu-se por todo o País o debate de ideias, divulgou-se, como não há memória entre nós, o fenómeno da toxicodependência com 'o objectivo de despertar em todos os milhares de portugueses que receberam esta mensagem um amplo movimento de solidariedade e de união em torno deste grave problema de ruptura que a droga introduz na sociedade.
Cumpriu-se o objectivo de informar a população em geral sobre a problemática da toxicodependência, chamando a atenção para a possibilidade de, através da prevenção, se conseguir evitar o consumo de drogas.
O dia D foi também um dia de reflexão, foi um dia em que se marcou o início de um combate contra a intolerância, contra os preconceitos, contra a ideia promovida por muitos de que lei e ordem são a única forma de combater a droga. Reflexão que nos ajuda a perceber que não podemos mais permitir entre nós manifestações contra aqueles que estão dependentes da droga, não podemos aceitar que o combate à droga passe pelo combate aos seus utilizadores, ou seja, aos toxicodependentes.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Esta tem de ser uma matéria que una os portugueses. No dia D mais de 1000 escolas do 2 º e 3.º ciclos do ensino básico e secundário participaram activamente nesta iniciativa, significando, por isso, que milhares de crianças e jovens usufruíram desta oportunidade de debater a toxicodependência, um debate que deve passar a ser diário nas escolas portuguesas. Deste modo, conseguimos estabelecer um diálogo entre professores, alunos e encarregados de educação sobre a problemática da toxicodependência.
O papel da sociedade no seu conjunto é conceder aos jovens a oportunidade de viverem a sua própria vida, assumindo as suas próprias responsabilidades. Devemos, por isso, melhorar a qualidade de vida nas escolas, formar os educadores na área da toxicodependência, estimular a qualidade de comunicação e o sentido de grupo, transmitir e ajudar a desenvolver entre os jovens comportamentos socialmente valoráveis e estreitar relações afectivas e de solidariedade.
Os programas dirigidos às escolas devem ser, por isso, a forma mais bem documentada de prevenção antidroga, desenvolvendo assim o conceito de educação para a saúde. Os programas de prevenção dirigidos às escolas
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vem constituir uma componente do ensino exigida por lei. Actuando desta forma, a prevenção primária será mais eficaz quando continuada sem interrupções ao longo do percurso educativo.
A focalização nas atitudes dos jovens relativamente à droga e a si próprios melhora os resultados. Compete, por isso, ao Estado e em particular ao Ministério da Educação um papel de grande responsabilidade na forma como actua nesta área.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ontem, num gesto louvável, o problema de muitos tornou-se num drama de todos, a dor de muitas famílias adquiriu simbolicamente estatuto nacional. O País registou preocupação mas também solidariedade. A droga foi assumida por este Governo como o seu inimigo público número um. Com esta iniciativa, o Governo conseguiu que a droga adquirisse o estatuto de inimigo número um de toda a sociedade portuguesa.
Aplausos do PS.
Srs. Deputados, na nossa memória reside ainda a mensagem de aflição, de desespero, mas também de alerta, que três jovens nos deixaram escrita antes de se suicidarem: "O nosso problema foi a droga .... deixem a droga!".
O dia D representará para sempre, estou certo, o grito colectivo de libertação de dependências.
Sr.ªs e Srs. Deputados: Ninguém se salva sozinho.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Um dia depois do chamado dia D ter posto, numa vasta campanha fortemente mediatizada, de Norte a Sul do País, um pouco por toda a parte, a escola, a comunidade educativa, os pais, os jovens e os cidadãos em geral a falar, ou melhor, a ouvir falar sobre a droga, cabe hoje à Assembleia da República e aos partidos nela representados fazerem a sua própria reflexão. Uma reflexão que entendemos necessária e urgente face a um problema que é, inquestionavelmente, um dos mais complexos e difíceis de solucionar à escala planetária e do nosso país.
Um problema que muito dificilmente não terá já, mais de perto ou de longe, tocado alguém que nos fosse querido, que atinge de modo transversal, embora diferentemente, todos os grupos sociais, que tem incidência até agora muito particular sobre os jovens e que é responsável directo pela superlotação nas cadeias portuguesas, 2/3 das quais ocupadas por reclusos toxicodependentes.
Um problema que movimenta milhões, que corresponde nalguns países à quase totalidade das suas economias, que implica, para ser enfrentado, uma mudança profunda e um contrato planetário que garantisse nessas regiões produções e mercados alternativos e que, obviamente, não poderia deixar de fora todo o gigantismo a que a indústria de químicos cada vez mais corresponde.
Um problema, por isso, que é complexo mas que, para nós, hoje, aqui e agora, importa situar no exacto plano do nosso país, discutindo em torno da realidade em que nos movemos, em torno dos problemas que, de modo mais próximo, o explicam.
Um problema que importa pensar sem tabus, sem populismos, sem falsos dilemas, liberto tanto quanto possível do equívoco que não raro rodeia a sua discussão e que, invariavelmente, coloca no plano teórico a discussão entre os que são a favor ou contra a liberalização das drogas, num raciocínio simplista que, de forma maniqueísta, diria que os que são a favor seriam os que ficariam vocacionados para o estrelato e os que estão contra para o conservadorismo.
Um equívoco que pensamos tanto mais perverso nesta discussão quanto desajustado da realidade portuguesa, já que poderia fazer-nos pensar que tínhamos de desistir de políticas, de vias, porque elas tinham provado a sua falência, vias que têm a ver com a prevenção, com o tratamento, com a reinserção social, com o combate ao tráfico e ao branqueamento de capitais, ou seja, aquilo que poderia fazer-nos pensar perversamente que havia uma via ou um caminho esgotado, donde haveria que optar por outro.
Em nosso entendimento, é precisamente este o equívoco primeiro que importa desmistificar hoje, aqui e agora.
Isto é, não estamos a concluir que fizemos tudo o que estava ao nosso alcance para prevenir, para modificar, para conseguir reintegrar socialmente. O que temos de dizer se queremos ser frontais, o que temos de dizer se não fizermos demagogia é que esse caminho não foi percorrido. E o dia D vale o que vale se formos capazes de assumir claramente essa realidade.
Uma realidade, pois, que não pode ser colocada no falso pressuposto «Drogas: liberalização ou
não?». É que vivemos numa sociedade em que a liberalização de drogas existe de algum modo.
Assim, que maior liberalização há ou não quando em tudo quanto é esquina, em tudo quanto são bares, quando nas escolas, nas prisões, a droga é vendida livremente? De facto, a liberalização existe.
O problema não se coloca em termos de haver que penalizar os consumidores. O problema é que nunca houve uma vontade inequívoca, clara, de combate ao tráfico de estupefacientes, de combate aos insultuosos branqueamentos de dinheiro proveniente do comércio ilícito de drogas, que prejudicam muitos mas beneficiam alguns, aqueles que
enriquecem à custa de muitos jovens e das suas famílias.
Estamos numa sociedade em que importa colocar a discussão, hoje, aqui e agora, porque, normalmente, quem é punido é o consumidor, aquele que, na verdade, é vítima do sistema e não o que dele beneficia.
Mais e ainda, esta é uma questão que não pode ser desinserida de um contexto mais vasto, das razões múltiplas que explicam o recurso à toxicodependência.
É óbvio que as respostas não são únicas. As respostas serão tantas quanto o número de toxicodependentes. Cada um deles é uma história, é um roteiro, pada um deles explica uma sociedade desajustada, desorganizada, em que as famílias se não encontram, em que se passam horas e horas em transportes, em que não há espaço para os afectos, em que não há segurança em relação ao futuro, em que não há respostas, em que os únicos valores dominantes são os do "ter" e não os do "ser".
Estas são muitas das questões que explicam o problema, estas são muitas das razões que justificam - .. de medidas, estas são as razões, quanto a nós, para que este não seja mais um dia, para que este dia não seja só o alerta mas implique e corresponda à responsabilidade acrescida que, a partir de ontem, também o Governo tem
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de compreender que passou a ter. Este dia vale o que vale se corresponder à adopção de um novo código de conduta, ou seja, se o Governo entender que a rede de prevenção não é "para que conste", é para existir. E, neste momento, não existe.
A reinserção existe para dar garantias e não cabe aos outros assegurá-la. Existe para garantir que o branqueamento de capitais, o tráfico da droga e os dinheiros que esta movimenta têm de ser, esses sim, os grandes objectivos do combate. Não importa apanhar o "peixe miúdo". Neste combate, é tempo de começar a apanhar "tubarão".
Aplausos de Os Verdes.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, para uma intervenção.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: A jornada que ontem teve lugar, o dia D contra a droga, foi certamente uma iniciativa com que nos congratulamos e a que nos associámos. Disso é testemunho o Sr. Ministro Adjunto aqui presente, que agora cumprimento e que testemunhou o modo como todos nos envolvemos nesse repto que foi lançado e que de algum modo ficou conquistado.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Não tendo sido nem um ponto de partida, porque felizmente, há já vários anos, a questão da toxicodependência vem sendo tratada melhor ou pior, nem um ponto de chegada, porque o debate e alerta público não pode ser suficiente para descansar a consciência, o dia D foi, no entanto, um marco que merece ser assinalado e um bom pretexto, também, para algumas considerações que cabe agora nesta Assembleia produzir.
Desde logo, interessa relembrar a ideia de que a luta contra a toxicodependência tem múltiplas vertentes e que só na sua conjugação poderá ser uma luta bem sucedida.
Mesmo que correspondam a preocupações distintas, a prevenção do consumo como a repressão contra o tráfico são igualmente prioritárias e não podem ser entendidas, quanto a nós, como políticas diferentes mas como uma mesma política, nem representam atitudes culturais diversas mas, antes, uma única atitude global.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Sem pretender a verdade exclusiva, que nestas como noutras matérias não é monopólio de ninguém, devem evitar-se as falsas questões para ultrapassar divisões artificiais. Seria, pois, em grande medida, uma falsa questão discutir se o combate à droga deverá assentar mais ou menos na repressão ou sobretudo na prevenção, porque tem de assentar nas duas coisas. E a elencar prioridades, elas terão apenas de responder ao que temos deixado mais para trás ou ao que temos demorado a fazer.
Em segundo lugar, não é demais realçar a importância crescente do papel desempenhado pelas instituições da sociedade civil nesta matéria, em particular as instituições particulares de solidariedade social, sobretudo no domínio do tratamento e recuperação de toxicodependentes.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Sendo esta uma luta que não pode ser apenas do Estado, porque entra demasiado na esfera do particular, nem tendo o Estado, por si só, capacidade para a empreender, cabe-lhe, porém, uma acção de reconhecimento e permanente estímulo às respostas que provêm da sociedade civil. E aqui conviria, ao contrário do que sucedeu ainda há pouco tempo, e que ainda sucede, que o Estado, e neste caso o Governo, não se precipitasse em criar novas regras de relacionamento com as instituições particulares, sem previamente se fortalecer na sua auscultação.
O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Assim se evitaria que depois se tivesse de aparecer a fazer de conta que o problema não foi criado e se perdesse tanto tempo a procurar remediá-lo. Registe-se aqui, de resto, que está a tardar o despacho interpretativo - passe a expressão, que não me pertence - do despacho que criou o problema e que pode ter deixado a ideia indesejável, e esperemos que não seja sincera, de que o Estado passaria a dispor de uma visão desconfiada da iniciativa da sociedade civil.
Em terceiro lugar, aproveitar o dia D contra a droga para relançar com mais força a intervenção do Estado e da sociedade civil nesta matéria, segundo o consenso de que esta é uma tarefa e uma luta de todos, implica também a abertura para que os contributos de todos possam ser oportunamente discutidos ou acolhidos, se for caso disso.
O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Ora, cabe recordar que várias iniciativas nesta área continuam penosamente a aguardar agendamento ou discussão, entre as quais iniciativas apresentadas pelo meu grupo parlamentar.
Aplausos do PSD.
É o caso das iniciativas que visam, no âmbito da Guarda Nacional Republicana, uma efectiva intervenção no controlo de fronteiras marítimas e fluviais e, no âmbito das prisões, a introdução controlada de substitutivos que ajudem a inverter a grave situação que se vem adensando nas prisões.
Nem que haja necessidade de programar de modo especial os trabalhos desta Assembleia, é imperioso que estas, como outras iniciativas, possam rapidamente merecer a nossa atenção e decisão, sobretudo porque muitas delas não representam mais um modo prolixo de intervir por via meramente legal, onde estamos já suficientemente avançados, mas, sim, de decidir aplicar meios efectivos e substanciais que nos empurrem da reflexão para a acção necessária.
Acção, desde logo, no que respeita aos meios de investigação do tráfico.
Continuamos, infelizmente, a ser demasiado Taxistas ou a não deitar mão dos melhores meios na intervenção da acção policial e penal em situações graves, que quantas vezes, como tem sucedido, se confundem erradamente com problemas de intolerância ou de racismo, quando, de facto, são sobretudo situações de droga e resultantes da impotência do Estado em as debelar.
Vozes do PSD: - Muito bem!
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O Orador: - Mas acção também no que cabe à prevenção primária e ao tratamento dos doentes, cujos meios permanecem desproporcionados face ao universo das acções.
Em quarto e último lugar, é forçoso que, neste domínio, se destine mais atenção e recursos ao permanente estudo do problema e à actualização da informação disponível, para já não dizer à busca da informação de que continuamos a carecer.
O Sr. Bernardino Vasconcelos (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Cabe aqui, de resto, realçar a institucionalização do Observatório Nacional para a Droga, mas também sublinhar a inexplicável falta de conhecimento quanto aos resultados que vem produzindo, restando-me esperar que sejam os melhores.
O Sr. Bernardino Vasconcelos (PSD): - Muito bem!
O Orador: - De igual modo, importa também sublinhar a importância de uma melhor informação quanto aos relatórios do Observatório Europeu ainda não disponíveis. Esta informação seria tão bem acolhida quanto sabemos da impossibilidade de lutar contra a droga sem o esforço conjunto dos nossos parceiros europeus ou na ausência de uma cumplicidade internacional.
Para finalizar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o dia D contra a droga, como já referi, não foi nem um começo nem um ponto de chegada mas uma referência louvável deste percurso que conjuntamente fazemos e que terá, sobretudo para o futuro, maior utilidade, se, além do juntar de mãos e da campanha de sensibilização, nos recordar a acção redobrada que devemos empreender.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Recordo que, também para a reforma educativa, houve em tempos um dia D, mas nem por isso a reforma ficou feita ou se revelou menos polémica.
O dia D contra a droga, que tem já sido o dia de muitos agentes e profissionais todos os dias, excederá as boas intenções, se todos assumirmos as nossas responsabilidades. o que cada um de nós, certamente, procurará fazer na sua vida pessoal e é o que aqui fazemos como Deputados, sujeitando-nos, também assim, à crítica como ao estímulo.
Este é o contributo com que, da nossa parte, também o Governo pode contar.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, tenho o grato prazer de vos anunciar que se encontram a assistir aos nossos trabalhos 512 estudantes: um grupo de 15 alunos do Instituto de Odivelas; um grupo de 27 alunos da Escola Pré-Universitária Autónoma; um grupo de 81 alunos da Escola n.º 4 de Foros de Amora, do Seixal; um grupo de 130 alunos da Escola Secundária Raúl Proença, das Caldas da Rainha; um grupo de 9 alunos da Escola Secundária do Restelo; um grupo de 225 alunos da Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro, das Caldas da Rainha; e um grupo de 25 alunos da Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho.
Não me espanta que sejam tantos, porque estamos a discutir matéria que lhes diz directamente respeito. Garantamos-lhes, com uma calorosa ovação, que, a partir de agora, no nosso espírito e na nossa vontade política, todos os dias serão dias D.
Aplausos gerais, de pé.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Correia da Silva.
O Sr. Nuno Correia da Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro Adjunto, Srs. Deputados: Ontem foi o dia D, o Dia Nacional do Combate à Droga, e foi também um dia feriado para os narcotraficantes, que, hoje, voltaram à actividade.
Ontem, nas universidades, nas escolas, nas ruas, em todos os lugares, foram encontrados membros do Governo - o próprio Presidente da República, Ministros e Secretários de Estado - e líderes partidários, que se pronunciaram, de forma convicta e emocionada, contra o problema, talvez o maior que afecta os jovens portugueses, que é o consumo de droga. Muitas foram as intenções anunciadas, muitas foram as profissões de fé a que assistimos, mas pouco se falou de acções.
Com uma regularidade, que, infelizmente, já é habitual, vimos aqui discutir a situação da droga em Portugal. O exercício é sempre digno e meritório, porque as soluções, naturalmente, resultarão do debate, e, naturalmente também, do debate entre as perspectivas contraditórias de cada um. Mas uma reflexão sobre este facto permite-nos chegar a uma simples e triste conclusão: ano após ano, debate após debate, ninguém pode vir aqui afirmar, com sinceridade, que a situação da droga em Portugal é hoje uma questão menos preocupante ou menos grave ou, pelo menos, mais controlada. Fazê-lo seria pouco sério e muito irresponsável!
Certamente, o Governo e o Partido Socialista dirão, hoje e aqui, que se têm esforçado, que se empenharam, que houve melhorias - é certo que o dirão e já discutiremos sobre esse aspecto -, mas, digam o que disserem, não podemos iludir a realidade, e a realidade foi aquela que ainda ontem, nas televisões e na rádio, nos foi testemunhada por vários toxicodependentes: em Portugal, não diminuíram os consumidores de droga; em Portugal, não diminuiu o tráfico de droga; em Portugal, não diminuiu o crime associado à droga.
Vozes do CDS-PP: - Muito bem!
O Orador: -- E, se nenhum destes factos diminuiu, é necessário concluir que quanto aos esforços desenvolvidos de duas uma: ou foram pouco esforçados ou foram mal dirigidos. Onde está o Programa Escola Segura? Sr. Ministro' Jorge Coelho, não marquei dia, hora ou data para visitar as escolas, apareci na Escola Secundária de Carcavelos e na Escola Secundária de Cascais, falei com conselhos directivos, sem marcar hora ou dia, e perguntei se, nas escolas respectivas, havia tráfico de droga e se o Programa Escola Segura estava, de facto, a ter a eficácia que se pretendia, a promover a diminuição do consumo de droga e a ser dissuasor dos traficantes que utilizam as escolas, onde se encontra a maior parte dos jovens de Portugal, como minimercados de droga. Sr. Ministro, aquilo que me disseram foi que o Programa Escola Segura não é mais do que um logro; pelo menos nas escolas que visitei - e fi-lo de surpresa, não com hora marcada -, aquilo que me disseram é que há um carro para três, qua-
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tro e cinco estabelecimentos de ensino, aquilo que me disseram é que o polícia que conduz esse carro tem, hora marcada para passar nos portões das escolas e os traficantes também sabem quando é que ele lá vai passar e quando é que vai lá estar. Portanto, Sr. Ministro, pergunto-lhe se é assim que vai conseguir a dissuasão que pretendemos, se é assim que vai conseguir diminuir o consumo, como todos desejamos.
O Partido Popular...
O Sr. José Junqueiro (PS): - Ainda não fez nada nessa matéria!
O Orador: - Tenha calma, Sr. Deputado! Quando formos Governo,...
Aplausos do CDS-PP.
Risos do PS.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Vai ser preciso esperar muito!
O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - O PS anda muito nervoso!
O Orador: - ...terá ocasião de vir aqui a esta tribuna e, naturalmente, testemunhará não as intenções mas aquilo que fizemos e aquilo que faremos.
O Partido Popular acredita que quer a prevenção, quer a repressão são factores essenciais para combater este flagelo. E acredita também que é preciso mudar muito no combate à toxicodependência para que o esforço não seja inglório e para que o País não tenha de concluir que o Estado é incapaz de garantir a segurança dos cidadãos e ineficaz na defesa da saúde pública.
O que é que foi feito para alterar a situação em que vivemos, Srs. Deputados? Ontem, realizou-se o dia D. Hoje, sentimos, convictamente, com sinceridade, que alguma coisa mudou depois do dia de ontem? E não se diga que das estatísticas que se fizeram e que apresentam dados que revelam maior apreensão de drogas decorre menor consumo, porque isso, mais uma vez, foi contrariado pelos testemunhos que ontem ouvimos.
O que queremos saber é em quanto é que diminuiu o consumo, em quanto é que o Governo se compromete a diminuir o consumo. O que as famílias perguntam é se há menos droga à venda à porta das escolas, o que os cidadãos querem saber é se é mais seguro andar na rua. Sejamos frontais a analisar os problemas e consequentes a combater as suas causas!
O cidadão que trabalha, que paga impostos e que cumpre a lei tem ó direito inalienável, o direito fundamental de viver em segurança. Os pais que mandam os filhos para a escola têm o direito inalienável, o direito fundamental de acreditar que à porta das escolas não há minimercados de droga. Os portugueses têm o direito inalienável, o direito fundamental de ver atrás das grades aqueles que, no seu modo de vida, . vendem o fim da vida dos outros.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para que algo, mude, vamos aqui assumir alguns compromissos perante nós próprios e perante os portugueses. Vamos dizer às famílias portuguesas que nem um toxicodependente deixará de ser tratado por falta de capacidade financeira ou de aconselhamento.
Mais: vamos dizer às famílias portuguesas que haverá mais gabinetes de apoio aos toxicodependentes e que haverá liberdade para que os pais e famílias escolham o local onde querem ver o seu filho tratado; vamos assumir que falta fazer muito; vamos assumir que é preciso um maior esforço na prevenção; vamos dizer que é preciso levar os toxicodependentes às escolas, para que eles contem a experiência por que passaram, a fim de os jovens potenciais consumidores poderem ter contacto com a desgraça, com o sacrifício e com a ansiedade por que passaram aqueles que já consumiram droga, aqueles que já dependeram da droga.
Vamos utilizar o serviço público de televisão que, com alguma eficácia, tantas campanhas de prevenção tem produzido, tais como contra os acidentes de viação, contra isto e contra aquilo, muitas vezes com alguma violência. Contudo, não tenhamos medo porque, pensamos, esta violência não será nenhum afrontamento, uma vez que mais violento será com certeza ver jovens cada vez mais dependentes da droga, cada vez mais dependentes do tráfico, cada vez mais dependentes de estupefacientes. Vamos dizer que o nosso esforço tem sentido e que de um dia para o outro não vamos mudar o rumo.
No entanto, Sr. Presidente, Sr. Ministro e Srs. Deputados, há hoje uma droga com a qual não aprendemos ainda a lidar - o ecstasy. Existe em Portugal, vende-se em festas, consome-se em discotecas e trafica-se impunemente. Temos o dever de encontrar uma forma de combater esta droga que anda por aí, como se de inócuos comprimidos de felicidade se tratassem. Como diz o slogan, "não há drogas inocentes" e, nesta guerra, todas as inércias são culpadas. Se pedissem a qualquer um de nós que combatesse por Portugal, tenho a certeza que o fariam. Pois bem, é altura de combatermos pelo futuro dos jovens de Portugal, lutando contra a droga e contra os traficantes.
Meus caros amigos Srs. Deputados, não é com boas intenções que se diminui o consumo de droga, é com acções eficazes, com acções consequentes.
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, acabo de tomar conhecimento que na tribuna diplomática se encontram dois colegas do Parlamento moçambicano. Saudêmo-los também.
Aplausos gerais, de pé.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao realizarmos este debate, associamos a Assembleia da República à jornada nacional de reflexão sobre a droga que ontem se realizou sob a denominação de "dia D".
Participámos com empenho nesta iniciativa, que encaramos positivamente, e saudamos vivamente todos os que, no dia de ontem, participaram em acções dirigidas à prevenção da toxicodependência, dando assim um sinal de empenhamento no combate a este flagelo social.
A toxicodependência e o tráfico de drogas, com o dramático cortejo de problemas que lhe estão associados a marginalidade, a doença, a exclusão, a degradação profunda da qualidade de vida e, quantas vezes, a morte constituem um dos mais graves flagelos sociais dos nos-
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aos tempos e bem justificam a mobilização de todas as forças da sociedade para procurar minorar as suas desastrosas consequências.
O PCP tem pugnado sempre por uma verdadeira mobilização nacional a este respeito e pela adopção de medidas capazes de fazer frente a este dramático problema. Temos para nós que todos os dias não são demais para reflectir mas que são poucos para agir, para tomar as medidas necessárias e inadiáveis, para que os jovens sejam livres de construir um futuro sem a ameaça do flagelo social da toxicodependência.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A reflexão sobre os problemas da toxicodependência surge muitas vezes centrada na questão de saber se a guerra contra a droga pode alguma vez ser vencida ou centrada no célebre dilema entre proibir ou liberalizar.
Discutam-se estas questões todas as vezes que se entenda necessário, estudem-se todas as soluções possíveis, nos seus prós e nos seus contras, mas, seja qual for a posição de princípio que cada um assuma, o importante é lutar contra a droga e tudo fazer para que, em cada dia que passa, sejam menos os jovens a cair na droga e mais os jovens a libertar-se dela. Mais importante do que saber se a guerra contra a droga pode ser vencida, ou quando o será, é não virar a cara à luta e não desistir de travar essa guerra justa, em todas as frentes em que isso seja possível e necessário.
É muito importante discutir, mas não podemos ficar só pela discussão. Todos temos de falar sempre sobre o problema da droga, mas com a consciência de que os problemas não se resolvem só por falar muito deles e que a luta contra a toxicodependência pressupõe naturalmente reflexão, mas exige acção concreta e sempre urgente.
O PCP considera que, perante a situação existente e o quotidiano com que somos confrontados, pode e deve reflectir-se sobre o melhor caminho a seguir, mas, acima de tudo, não se pode adiar uma acção de prevenção e combate decidida e coerente à toxicodependência e ao tráfico de drogas, para cuja concretização é indispensável, naturalmente, uma cada vez maior mobilização do povo português.
Vimos ontem, com a participação de muitos de nós, milhares de jovens, nas suas escolas ou em diversas iniciativas, a parar um pouco para reflectir sobre os problemas da toxicodependência. Isso é, só por si, muito positivo e importa que se repita por muitos mais dias. Mas nenhum de nós poderá esquecer que, como foi, aliás, salientado por alguns órgãos de comunicação social, o chamado dia D não chegou ao Casal Ventoso, nem à Curraleira, nem a muitos outros locais literalmente ocupados pelo tráfico de droga, onde milhares de jovens destroem diariamente a sua própria vida.
Temos consciência de que as causas mais profundas da toxicodependência como fenómeno social radicam nas formas de organização social dominantes e que a inversão da tendência que se tem verificado nos últimos anos para o constante agravamento dos problemas da toxicodependência exige a adopção de políticas económicas e sociais que não se traduzam no aumento do desemprego e no agravamento das injustiças e das carências sociais, gerando o caldo de cultura propício ao tráfico e consumo de drogas.
No entanto, entendemos também que a situação com que actualmente nos confrontamos exige, no imediato, que o combate à droga seja de facto uma grande prioridade, traduzida na atribuição de meios humanos, técnicos e financeiros, na organização das respostas da sociedade, na prevenção, tratamento e reinserção social de toxicodependentes, na coordenação e eficácia do combate ao tráfico de drogas e ao branqueamento dos respectivos lucros.
É necessário reforçar as acções de prevenção, indiscutivelmente, mas é indispensável também reforçar os meios destinados à recuperação de toxicodependentes, bem assim como o combate ao tráfico. Não compartilhamos da visão demagógica e errada, segundo a qual o problema da droga se resolve com agravamentos sucessivos de penas e da repressão indiscriminada sobre traficantes e consumidores.
Defendemos, evidentemente, a severa punição do tráfico de drogas e uma acção qualificada, coordenada e pronta das forças de segurança destinada a impedir o tráfico, a desmantelar as suas teias, a permitir o julgamento e a justa punição dos traficantes.
Mas quanto aos utilizadores de droga, principais vítimas deste flagelo, entendemos que a solução não passa por mais repressão ou pela aplicação de medidas de detenção mas, antes, pela garantia da existência de meios públicos de tratamento gratuito e acessível e pela adopção de programas de reinserção social que permitam não apenas a desabituação das drogas mas o mais importante, que é superar a situação de marginalização ou de vulnerabilidade que conduziu ao consumo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pode ler-se hoje na imprensa que o chamado dia D soube a pouco. De muitos jovens que garantiram o sucesso desta iniciativa, fica a exigência de continuidade e ficam legítimas expectativas que não podem ser defraudadas pela eventual inoperância dos dias seguintes. É preciso fazer mais e melhor no combate à droga e não repousar em considerações de auto-satisfação. É preciso que a política de combate à droga não se limite a uma forte presença mediática, que em boa verdade nunca foi descurada, mas que se traduza de facto em actuação no terreno e em medidas que conduzam a progressos reais na diminuição do consumo de drogas.
No que se refere à Assembleia da República, é justo dizer que na presente legislatura se deram passos positivos no sentido de uma maior e melhor intervenção em matéria de combate à droga, quer no plano legislativo, com diversos diplomas já aprovados, quer com a criação de uma comissão eventual para o acompanhamento dos problemas da toxicodependência, a que tenho a honra de presidir, e que está em fase de conclusão a elaboração de um relatório que oportunamente será presente a Plenário.
Mas há que dizer com frontalidade que estes passos positivos não nos satisfazem. Também aqui é necessário fazer mais e melhor. A legislação aqui aprovada poderia ter ido muito mais longe, sobretudo na consagração do tratamento como alternativa à prisão de toxicodependentes e na consagração do alargamento da rede pública de serviços de tratamento e reinserção social acessível, de forma gratuita, a todos os utilizadores de droga.
A terminar, formulo o voto de que, com o empenhamento de todos, esta Assembleia possa aumentar a sua intervenção em matéria de combate à droga, sob diversas formas, privilegiando o contacto com os portugueses e em particular com os cidadãos e instituições que
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mais directamente intervêm na luta contra a toxicodependência.
E reafirmo a disposição do PCP de continuar, como até aqui, dentro e fora desta Assembleia, a empenhar-se de forma séria e responsável no combate à droga e a juntar os seus esforços aos de todos os que estejam seriamente empenhados na luta contra o maior flagelo dos nossos tempos.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Niza.
O Sr. José Niza (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não vou fazer uma intervenção de fundo, mas permito-me fazer algumas constatações que considero importantes em relação ao que ontem se passou e de uma forma geral ao que se tem passado no Parlamento desde a 1.ª Sessão Legislativa da presente legislatura.
Estou a elaborar, como foi referido pelo Presidente da Comissão Eventual para o Acompanhamento e a Avaliação da Situação da Toxicodependência, do Consumo e do Tráfico de Droga, o respectivo relatório e uma das coisas que constatei foi que em termos estatísticos, se assim se quiser dizer, nunca tanto se falou nesta Assembleia de droga, nunca tanto se deliberou, nunca tantas propostas e projectos apareceram. Quer por parte do Governo quer por parte dos partidos políticos, têm sido tomadas iniciativas que constituíram muito mais quantidade e qualidade de debate no último ano do que nos anos anteriores. Isto é significativo, porque penso que representa a preocupação comum de todos os partidos políticos em relação a este problema, que também é comum.
Aliás, ontem, provou-se que houve uma convergência partidária, que é de saudar. Todos os líderes partidários participaram em várias actividades do dia D e todo o País percebeu que, em relação a esta matéria, não há divisões, embora possa haver soluções diferentes, mas, no essencial, todos os partidos políticos estão de acordo, não só em relação à teoria mas também em relação à prática.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É evidente que, de tudo aquilo que foi aqui dito em relação ao que vai ser o day after, o dia seguinte, que hoje começa, devo desde já afirmar que não há nenhuma diferença entre a exigência dos partidos políticos da oposição e a do próprio partido do Governo. Ontem, tive oportunidade de dizer ao Sr. Primeiro-Ministro, nas Amoreiras, no final do dia D, que o Governo tinha criado grandes expectativas e tinha constituído obviamente uma grande responsabilidade.
Penso que o Governo estará à altura, como tem estado, de se constituir nessa responsabilidade e de intensificar em qualidade e em quantidade o combate à droga. Quando falo de combate, estou a utilizar uma expressão que não gosto, porque isto não é um combate, não é uma guerra. Aliás, como disse há pouco o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, não há uma prioridade, há duas prioridades, há duas vertentes: a da oferta e a da procura; a da prevenção e a do tráfico. São prioridades de natureza e objectivos diferentes, que têm de ser enfrentadas de forma diferente. Agora, ambas existem, ambas co-existem e o PS não aceita dar qualquer prioridade nesta matéria, designadamente a da repressão do tráfico.
Portanto, é de saudar a convergência partidária e política que ontem se verificou.
Gostaria de felicitar, se me permitem, o meu camarada e amigo Dr. Jorge Coelho, que foi o Ministro que tomou esta iniciativa que foi um sucesso. Surpreendeu-me até o sucesso que ela teve, para ser sincero, porque em várias áreas, designadamente na da comunicação social, tive uma surpresa e uma grande felicidade.
Tive oportunidade de trabalhar e presidir num trabalho do grupo. Pompidou do Conselho da Europa sobre, exactamente, a droga e os media, que durou vários anos, e aquilo que verifiquei foi a imparidade de, com técnicos da droga e jornalistas, se criarem condições para se fazer prevenção a nível europeu. Nunca se conseguiu avançar muito, sempre houve grandes dificuldades entre o poder e os jornalistas, dificuldades que são conhecidas e naturais.
Foi, pois, com grande surpresa e felicidade que vi ontem, pela primeira vez, como nunca aconteceu em Portugal - e falo para a bancada dos jornalistas, que está à nossa direita -, uma coisa diferente. É que até aqui, quando havia iniciativas deste tipo, os jornalistas sentiam-se sempre numa espécie de situação de estar a "fazer um frete" ao Governo ou ao poder político, mas, desta vez, eles tomaram conta da questão, tomaram as suas iniciativas. Pois bem, para quem, ontem, teve a possibilidade de seguir a televisão, de ouvir rádio e de ler, ontem e hoje, os jornais, verificará que é uma coisa que nunca aconteceu em Portugal, que é de saudar, mas que, a partir de agora, também não responsabiliza só o Governo, como foi dito. A própria comunicação social, depois do que fez ontem e hoje e do que investiu, também se constitui, ela própria, numa frente de prevenção, numa frente de combate ao tráfico, que é de saudar. Ora, isto também significa que o day after não é só para o Governo, é também para a comunicação social, que deu provas disso.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Para terminar, quero dizer o seguinte: as Nações Unidas, há alguns anos, estabeleceram o dia 26 de Junho como o Dia Mundial da Droga. Em Portugal, sempre se tentaram fazer iniciativas que merecessem uma chamada de atenção para o problema, designadamente através dos meios de comunicação, e nunca se conseguiu fazer nada que não fossem pequenas coisas, isto é, nunca se conseguiu fazer mais do que 1 % do que aconteceu ontem.
Há aqui uma diferença, que é de saudar - e continuo a utilizar a expressão saudar -, porque realmente foi imprevisível, não foi comandado, não houve ninguém a puxar cordelinhos, foi uma adesão espontânea e, além do mais, de grande qualidade, porque a qualidade dos debates na televisão, na rádio, nos artigos de jornais e em tudo aquilo que gira à volta da droga tem vindo sucessivamente a aumentar de qualidade. Aliás, já não ouvimos dizer grandes asneiras e enormidades que, às vezes, se diziam e que hoje significam que, quer os jornalistas quer os participantes, estão informados sobre esta matéria.
O que quero dizer é que o dia de ontem foi importante, sobretudo para a população portuguesa. Temos de partir do princípio de que as pessoas nunca têm formação suficiente e aquilo que ontem se fez levou a muitos cidadãos portugueses, a muitos pais e jovens a informação que eles não tinham. Esse é um outro aspecto muito positivo da questão, porque sensibilizar é uma coisa e informar é outra.
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Portanto, agora, penso que temos de passar para um estádio mais avançado, que é o da formação. São estes três componentes que fazem a prevenção primária: informação, sensibilização e formação.
Finalmente, termino constatando o sucesso do dia de ontem. Fico agora à espera do day after, Sr. Ministro; ficamos à espera daquilo que o Governo venha a fazer para dar continuação àquilo que ontem criou e às expectativas que surgiram. O PS e, penso, todos os partidos desta Assembleia terão, com muito gosto, a possibilidade, interessada e investidamente, de acompanhar o Governo nas iniciativas que venha a tomar.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, queria apenas dizer, a V. Ex.ª e à Câmara, que o PSD tem o maior gosto em ouvir o Sr. Ministro Adjunto e julgamos que a participação do Governo neste debate é não só importante como desejável. Mas, futuramente, deveremos todos, não só grupos parlamentares e Deputados como também o Governo e membros do Governo, ser rigorosos no cumprimento do disposto no Regimento: a participação de membros do Governo no período antes. da ordem do dia obedece, como V. Ex.ª bem sabe, a um processo próprio, regulado no artigo 83.º do Regimento, e seria desejável que a presença (repito, que o PSD vê com muito gosto) do Sr. Ministro neste debate não constituísse um precedente relativamente à participação, não informada previamente aos grupos parlamentares, dos membros do Governo nos debates do período antes da ordem do dia.
O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares ouviu a interpelação - tenho a certeza de que chamará a si o rigoroso cumprimento futuro do Regimento nesta matéria.
Tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto do PrimeiroMinistro.
O Sr. Ministro Adjunto (Jorge Coelho): - Sr. Presidente, Sr.as Srs. Deputados: Com a participação maciça dos portugueses e, em particular, da juventude no "Dia D", mais de um milhão de pessoas envolvidas, acredito seriamente que vai ser virada uma página no fenómeno da toxicodependência em Portugal. Foi uma grande vitória, acima de tudo da juventude portuguesa.
A grande conclusão a tirar da jornada ontem iniciada é a de que a sociedade portuguesa está mobilizada e está disponível para participar e discutir o fenómeno da toxicodependência em Portugal. E mais: está mobilizada e empenhada em fazer frente a este problema gravíssimo que afecta milhares e milhares de portugueses. A resposta foi inequívoca de Norte a Sul do País: entidades públicas e privadas; pais e Filhos, professores e alunos, todos eles nos deram uma lição. Há uma consciência crítica individual e colectiva - relativamente ao fenómeno da droga, nas suas várias componentes, em Portugal. Desta conclusão, pode tirar-se uma outra ilação: nós, todos nós, temos uma responsabilidade acrescida; cada um, nas suas funções, não pode ignorar o sinal dado ontem pela sociedade portuguesa.
Um outro sinal positivo foi a participação de todos os membros de órgãos de soberania e dirigentes políticos aproveito para agradecer ao Sr. Presidente da Assembleia da República e ao Sr. Presidente da República o facto de, em conjunto com os líderes de todos os partidos políticos com assento parlamentar, terem participado activamente nesta iniciativa.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O objectivo de acabar com o consumo de droga, de acabar com o sofrimento de milhares de pessoas e famílias, não tem nem pode ter cor partidária em Portugal. Pode haver pontos de vista diferentes sobre o modo como atingir esse objectivo, mas ficou demonstrado que essa é, efectivamente, uma preocupação de todos.
É minha convicção e do Governo que a prioridade das prioridades é apostar na prevenção primária. A informação, o debate, a reflexão sobre o fenómeno da toxicodependência é um dos primeiros passos para evitar o consumo de drogas. Como ainda muito recentemente referia o V. Ex.ª o Presidente da República, "os esforços na prevenção da toxicodependência, são, evidentemente, essenciais e é necessário aprofundá-los todos os dias. E não posso deixar de acentuar também a importância da educação neste domínio, pela dimensão moral cada vez mais necessária no processo educativo".
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Mas, em Portugal, são poucos os que estão devidamente informados. Muitos de nós (temos de ter consciência em dizê-lo) temos uma visão errada sobre os motivos que levam parte significativa dos jovens a ter contacto com as drogas. A jornada ontem iniciada com o "Dia D" tem exactamente como principal objectivo sensibilizar as pessoas para a necessidade de se informarem acima de tudo. Julgo que, em parte, esse objectivo foi conseguido. Com a entrega de um pequeno e simples manual nas caixas de correio de todas as famílias portuguesas, do continente e das regiões autónomas, com as acções que contaram com a participação de milhares de pessoas e, por último, com o envolvimento de toda a comunicação social, que aqui gostaria de referir e elogiar, penso ter sido conseguida a sensibilização dos portugueses para a necessidade de obterem informação sobre a prevenção da toxicodependência.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Uma outra mensagem, que se pretendeu transmitir, tem a ver com o estigma do fenómeno da droga. O assumir o problema de frente, o reconhecimento de que é necessário um amplo debate e a chamada de atenção para modos de vida alternativos à droga, para acabar com o sentimento de impotência, foram algumas das ideias fortes que se pretenderam transmitir e penso que foram transmitidas. É através da informação, do debate aberto e da reflexão que se contribui para acabar com alguns preconceitos, nomeadamente os que tendem a transformar a guerra da droga na guerra aos utilizadores de drogas, para o que o Sr. Presidente da República chamou recentemente a atenção.
Neste sentido, o Governo vai este ano fazer um forte investimento na prevenção primária. As acções que estão a ser desencadeadas nas escolas vão sofrer um grande impulso. Mas não só: pretende-se atingir também grupos
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de risco, nomeadamente os jovens que, por motivos vários, estão fora do mundo escolar. Uma outra aposta é no reforço do apoio a dezenas de entidades não governamentais que, diariamente, estão no terreno em acções de prevenção. Embora a prevenção primária assuma um lugar fundamental no combate à toxicodependência, não podemos esquecer as outras dimensões do problema, como sejam o tratamento e a reinserção social dos toxicodependentes e o combate ao tráfico de droga.
No que se refere ao tratamento, procura-se este ano e em complemento da acção desenvolvida no ano passado, atingir dois grandes objectivos: por um lado, concluir o processo de cobertura do País com estruturas públicas de tratamento, nomeadamente através da instalação, em todas as capitais de distrito, de centros de atendimento de toxicodependentes que se concluirá, nos próximos dois meses, com a entrada em funcionamento dos CAT de Portalegre e Bragança e, a seguir, de Vila Real; por outro lado, reforçar o apoio, mas também a fiscalização das instituições da sociedade civil que, como sabemos, desenvolvem uma acção fundamental, em complemento da acção do Estado, no domínio do tratamento de toxicodependentes.
Apoiar todos aqueles que querem e precisam de ser tratados é uma responsabilidade de todos nós. Neste sentido, o Governo procedeu recentemente - e como já é do conhecimento público - ao aumento do montante dos subsídios para este fim, passando de 70 contos para 120 contos por mês. Aproveito para informar que a questão que já foi aqui discutida, na Assembleia da República, e que foi levantada pelo Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, com total apoio de todas as instituições particulares de solidariedade social, já foi corrigido o despacho conjunto e já foi assinado, pelo que essa situação está resolvida com todos aqueles com quem devia ser resolvida. É com muito gosto que posso anunciar isto.
Aplausos do PS.
Mas se o apoio a todos aqueles que dele necessitam é importante, não menos importante é garantir que as instituições de tratamento funcionem em condições adequadas à prossecução do objectivo a que se propõem. Nesse sentido, é fundamental que o Estado exerça, com rigor mas com firmeza, o seu papel fiscalizador e de defesa dos direitos do cidadão. E preciso, nesta área também, distinguir o trigo do joio. Não podem continuar a funcionar estruturas que vivem da exploração de pessoas que já por si se encontram numa situação de debilidade. Se for preciso, serão encerradas as unidades que, pela sua actuação, não só não contribuem para a resolução do problema como põem em causa a imagem de muitas instituições que desenvolvem um trabalho sério e honesto.
Aplausos do PS.
Prevenir, tratar e reinserir são as três faces do triângulo do combate à toxicodependência.
No campo da reinserção social, o ano que agora se inicia conhecerá também uma mudança assinalável - ainda ontem, o Sr. Ministro da Solidariedade e Segurança Social anunciou que o seu Ministério vai investir um milhão de contos em projectos de reinserção social, o que representa um aumento de 50% relativamente à verba despendida no ano passado.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Além deste apoio, o Governo está ainda a preparar protocolos com associações empresariais tendo em vista a reinserção social dos ex-toxicodependentes.
Se a prevenção, o tratamento e a reinserção social são instrumentos fundamentais deste grande combate na vertente do consumo, é, igualmente, necessário não dar tréguas ao combate na vertente da oferta. Se, no que se refere aos toxicodependentes temos de ter, no essencial, uma atitude de compreensão e de apoio à recuperação, como temos para qualquer outra doença, já no que se refere aos traficantes não pode haver qualquer tipo de contemplação. Aqui, a repressão é o único caminho: reprimir os que enriquecem à custa do sofrimento dos outros e reforçar os mecanismos de detecção do tráfico por forma a evitar que a droga continue a entrar nas nossas fronteiras.
Aplausos do PS.
Sabemos todos que os criminosos têm métodos sofisticados que, por vezes, iludem as polícias, mas não podemos dar-lhes tréguas. Neste sentido, procedeu-se já ao aumento das penas para os traficantes de droga e estão a ser tomadas medidas para reforçar as condições de intervenção das diferentes forças policiais. Ainda esta noite, o Sr. Ministro da Administração Interna participou numa operação com as forças de segurança que têm a seu cargo a vigilância da nossa costa, durante a qual relembrou, mais uma vez, que está em vias de aquisição um conjunto de lanchas rápidas que, por certo, muito contribuirão para o reforço da capacidade operacional do combate ao tráfico de droga.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - São estas algumas das prioridades definidas pelo Governo para este ano.
Face à dimensão do problema, muito mais há ainda para fazer - e é esse o nosso desafio -, ainda com a agravante de não haver soluções milagrosas para o problema da toxicodependência. Como também recentemente afirmou o Sr. Presidente da República, é questão para a qual temos de olhar com toda a determinação, mas com a prudente humildade de ser matéria em que, o mais que temos, é não ter certezas mas apenas uma: que para tal flagelo não há só uma resposta - há várias e todas elas insuficientemente dicazes, infelizmente!
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O dia de ontem fica na História como um dia de unidade nacional contra a droga. Mostrámos todos - Governo, partidos da oposição e sociedade em geral - que é possível unir esforços em torno de uma causa. Estou confiante de que poderemos continuar neste caminho e transformar esta luta num verdadeiro desígnio nacional.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro Adjunto os Srs. Deputados Maria José Nogueira Pinto, Jorge Roque Cunha e Bernardino Vasconcelos.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.
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A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, gostava de colocar-lhe duas questões relativamente a causas que, penso, são prévias às que, normalmente, se gosta de analisar nestas matérias. Entre as várias causas prévias, eu seleccionei duas para lhe perguntar o seguinte: em relação à situação de fragilização das famílias em Portugal, considerando que é, em parte, por essa fragilização que a toxicodependência também tem alastrado, gostaria que o Sr. Ministro me respondesse se o Governo pensa ou não tomar algumas iniciativas legislativas que não sejam meramente assistencialistas e que sejam pôr em prática, de facto, uma política de família como hoje é entendida nos países modernos.
A segunda questão prende-se com a comunicação social e, mais concretamente, com as televisões: pensa o Governo, em relação às duas televisões de que é operador e em relação às outras, tentando um acordo com os seus respectivos operadores, fazer alguma reflexão sobre o efeito altamente negativo que tem, na sociedade portuguesa, a falta de critério, muitas vezes, da programação?
O seu slogan, ontem, era o de que "a vida não é uma droga", mas temos de reconhecer que a vida também não é fácil e que há, de facto, espalhando-se no dia-a-dia das pessoas, uma sensação de desnorte e de desespero que vêm, em grande parte, dessa cultura que é "passada" em quantidades, penso eu, excessivas, sobretudo para aqueles que estão a crescer e que se estão a formar. Tem o Governo alguma ideia para reflectir com os operadores de televisão públicos e privados, numa política de informação e de formação que pudesse, de alguma forma, minimizar os efeitos negativos que até agora se têm feito sentir?
Finalmente, pergunto-lhe se o Governo tem alguma medida em vista para atalhar ou, de alguma forma, responder a uma situação que, como já não está votada ao sucesso e já caiu das estatísticas, não tem tido o interesse de ninguém - é o caso dos toxicodependentes em fase terminal que morrem nas ruas da cidade de Lisboa. Pensa o Governo que essas pessoas têm o direito a morrer numa cama e com uma mão amiga e, nesse sentido, pensa fazer alguma coisa, juntamente com a sociedade civil, ou, porque eles já não são recuperáveis e já não contribuem para as estatísticas, vão continuar a morrer como estão a morrer?
Aplausos do CDS-PP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Ministro Adjunto.
O Sr. Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, em primeiro lugar, os meus agradecimentos pela sua participação activa em todo este processo, em todo este movimento. Relativamente às questões que me colocou, gostava de dizer-lhe o seguinte, quanto à política de família: não só no âmbito dos programas que estamos a preparar para este ano, no âmbito do Projecto Vida, vai haver algumas iniciativas viradas para esta questão mas, globalmente, o facto de ter reunido pela primeira vez o Conselho Nacional de Família, de o próprio Governo ter nomeado uma Alta Comissária com funções específicas nesta área, é um indicador claro de que é intenção do Governo ir ao encontro das preocupações que V. Ex.ª referiu. Vamos, efectivamente, prosseguir nesse caminho que me parece fundamental porque a participação das famílias é vital na criação de meios que impeçam que muitas pessoas caiam na toxicodependência. Tem de ser também através de uma política de família que permita que haja uma integração da forma como as pessoas vivem, entre pais e filhos, e nas condições em que vivem - essa é a primeira maneira que há para evitar que exista este problema.
Quanto à segunda questão, a da comunicação social, direi que é evidente que as televisões, nomeadamente as públicas, têm responsabilidades perante o Estado no âmbito do contrato de concessão que existe entre o Estado e essas mesmas televisões. Portanto, é nessa base que tem de ser discutido isto, em conjunto com o Conselho de Opinião
da RTP (que, presumo, vai ser eleito pelas pessoas que são representantes da Assembleia da República amanhã) que tem um papel fundamental na elaboração de opiniões sobre esta matéria, por forma a transmiti-las à RTP. Como é sabido, nesta matéria, o Governo tem responsabilidades como accionista da RTP e no campo da fiscalização do contrato de concessão, mas, como é evidente, não pode ter qualquer tipo de intervenção na programação da RTP fora deste contexto.
Em terceiro lugar, quanto aos toxicodependentes em fase terminal, a Sr.ª Deputada tem toda a razão - desgraçado deste país se não fossem as instituições particulares nesta matéria! E isso é preciso assumi-lo, com realismo e com verdade, porque essa é a situação que existe: se não fossem as instituições particulares de solidariedade social, coitadas dessas pessoas tal como coitadas de muito mais pessoas que há neste país! É esse o papel fundamental que têm tido, mas têm de ser ajudadas pelo Estado, que tem de' se responsabilizar relativamente a esta matéria.
Também gostava de dizer-lhe que, nomeadamente neste projecto de intervenção no Casal Ventoso, em que o Governo está a colaborar com a Câmara Municipal de Lisboa, ainda ontem ouvi na televisão, num excelente programa que a Maria Elisa conduziu relativamente a esta temática, entrevistarem um médico que está a fazer serviço no Casal Ventoso acompanhando muitos doentes que estão em fase terminal. Esta é uma forma que o Estado tem encontrado, em conjunto com a Câmara Municipal, para que a situação de poderem morrer - porque já não têm outra solução, muitos deles - mas, nessa morte, terem pelo menos um mínimo de dignidade e serem tratados como seres humanos que merecem.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Entretanto, inscreveu-se também o Sr. Deputado José Niza para pedir esclarecimentos. Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Roque Cunha.
O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro Jorge Coelho, gostaria de colocar-lhe duas questões que têm a ver com algo que aqui disse, nomeadamente em relação à importância da fiscalização e da credenciação das instituições, e da respectiva avaliação de qualidade. Não posso deixar de estar mais de acordo. Penso que, neste momento, começa a haver condições objectivas para que a própria capacidade de oferta no tratamento - assim as instituições privadas de solidariedade social sejam apoiadas - comece a ter alguma dimensão. Mas eu gostaria de saber a sua opinião sobre se esse tipo de trabalho (que, recordo aqui, não deve ser só de credenciação nem de concessão de alvará - tem de ha-
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ver alguma continuidade) é passível de ser feito com uma equipa, em termos nacionais, de que o SPTT dispõe para isto. É essa a nossa opinião. É evidente que existem aqui critérios que têm de ser uniformes, portanto, a situação não se compagina com a criação de várias comissões com critérios diferentes de avaliação. Portanto, eu gostaria de saber qual a sua perspectiva em relação a isto.
A segunda questão tem a ver com algo que ouvi hoje pela boca do Sr. Ministro Alberto Costa em relação às lanchas rápidas e que, provavelmente, terei percebido mal: objectivamente, após o anúncio que o Sr. Primeiro-Ministro fez de que era uma das grandes medidas que este Governo iria implementar a muito curto prazo, o concurso seria feito até ao fim do ano - se calhar, percebi mal! Aquilo que terá sido referido, provavelmente, será a aquisição concreta, portanto, a disponibilização à GNR. Daí a minha pergunta: qual a razão - e as palavras do Sr. Ministro foram textuais em relação a isso - para que esse concurso demore tanto tempo?
O Sr. Presidente: - A palavra, para responder, ao Sr. Ministro Adjunto.
O Sr. Ministro Adjunto: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Roque Cunha, relativamente à primeira questão, é evidente que estamos de acordo sobre a necessidade da fiscalização. Porém, não é só a questão da credenciação porque, como sabe, tem de ser cumprida toda uma série de critérios que levam à credenciação de determinada unidade, sendo evidente que tem de haver critérios uniformes e que tem de ser o SM a desempenhar esse papel, que, aliás, pode ser feito conjugadamente com outros organismos do Ministério da Saúde. Essa matéria, embora tenha sido tratada, tem de ser aprofundada e, portanto, como tem de haver critérios uniformes, tem de ser o mesmo serviço a coordenar a credenciação e a fiscalização.
No entanto, a fiscalização que referi há pouco vai mais longe - é, aliás, uma fiscalização que tem de ser feita pelos serviços da Direcção-Geral de Saúde, que deverão verificar muitas instituições que até já poderão estar credenciadas, no sentido de assegurarem que se encontram a actuar na área para a qual foram credenciadas.
A única coisa que sei sobre a aquisição das lanchas rápidas é que ela está prevista em PIDDAC, portanto suponho que essa aquisição será feita durante este ano. Se bem que não tenha ouvido isso, tenho quase a certeza de que será assim.
O Sr. Presidente: - A palavra, para um pedido de esclarecimento, ao Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro Adjunto, creio que já foi tudo dito acerca do dia nacional de reflexão sobre a droga, que ontem se realizou, já todos nos referimos a ele como uma iniciativa interessante, na qual tivemos gosto em participar, mas o problema está agora nos dias seguintes, a partir de hoje.
Ninguém ignora que o dia de ontem criou expectativas e quem contactou com os jovens verificou que a ideia dominante era a de que o dia era muito importante, mas que era preciso continuar. Por isso, é preciso que se tomem outras iniciativas, é preciso fazer mais. E na questão dos dias seguintes gostaria de colocar particular ênfase em algo que nos preocupa e que são as condições e os meios de tratamento para os toxicodependentes, que são, infelizmente, muitos como todos sabemos.
Ora bem, o Sr. Ministro referiu-nos aqui os três distritos que ainda não têm Centros de Atendimento de Toxicodependentes, o que nos leva à constatação de que o aumento de CAT's na rede pública é muito lento.
Aliás, o Governo do PSD durante muitos anos disse que era «no fim do ano» - que já passou há muito
- que todos os distritos teriam o seu CAT. E o Sr. Ministro também há largos meses atrás tinha referido que no fim do ano que passou todos os distritos teriam o seu CAT. Nessa altura já não faltavam muitos, mas estamos no final de Janeiro, passámos o "Dia D" e ainda há três distritos que não têm CAT, continuando a existir vastas zonas do nosso país desprotegidas nessa matéria. Também o desenvolvimento de comunidades terapêuticas em meio prisional continua a ter algumas experiências piloto provavelmente muito positivas, não pomos isso em dúvida, mas é necessário ir muito mais longe. Efectivamente, o que verificamos é que há ainda muitos toxicodependentes que não têm ainda as condições de que necessitariam para iniciar uma solução de tratamento.
Uma última questão tem de ver com uma matéria relativamente à qual creio que existe um atraso enorme. Refiro-me à reinserção social. Quando discutimos os problemas da toxicodependência todos concordamos que a se desabituação do consumo de drogas se faz sem medidas de reinserção social que afastem o ex-toxicodependente da situação em que estava e que o fez cair na droga, então, as recaídas são frequentes e o grau de eficácia do tratamento é muito diminuto. E aí creio que há um atraso gritante, que está muito longe de ser ultrapassado, na tomada de medidas com alguma eficácia, com algum impacto social, a nível da reinserção social de toxicodependentes.
É precisamente sobre estas matérias, sobre o "Dia seguinte", que gostaria o Sr. Ministro explicitasse o que pensamento do Governo acerca do que vai realizar nos tempos mais próximos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - A palavra ao Sr. Ministro Adjunto, para responder.
O Sr. Ministro Adjunto: - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, gostava também de agradecer-lhe a sua participação, como presidente da Comissão Eventual para o Acompanhamento e a Avaliação da Situação da Toxicodependência, do Consumo e do Tráfico de Droga e como Deputado, em todas estas iniciativas.
Quanto à primeira questão, quanto aos CAT, tenho o maior prazer em convidá-lo para, dentro dias, estar presente na inauguração dos CAT de Bragança e Portalegre, que estão prontos e vão abrir dentro de dias.
O CAT de Vila Real é o único que está atrasado e vou explicar a razão. Por incompreensão e desinformação das populações já vamos no décimo local para instalar esse CAT e há movimentos por parte das populações que, ao contrário de outras zonas do país em que fazem uma luta importante de reivindicação de instalação de um CAT, se movimentam no sentido de não quererem lá o CAT. Por estes motivos tem sido difícil encontrar soluções, porque também não se pode fazer a instalação contra a vontade dos possíveis interessados. Mas a situação já está praticamente resolvida e vai ser instalado noutra área. Essa é a
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razão por que está, em Vila Real, atrasada a instalação do CAT.
Relativamente à questão da reinserção social, é evidente que nesta área, como nas outras também, temos que assumi-lo com honestidade, há muito que fazer - aliás, é um problema de nós todos, é um problema do país -, mas sempre que verificamos que há muito que fazer isso deve servir-nos de estímulo a que, em conjunto, tenhamos mais força para fazer as coisas. E quando se constata, como todos tivemos oportunidade de o fazer no dia de ontem e em muitos dias em que visito muitas instituições desta natureza, a força, quer dos jovens nas escolas quer nas pessoas, nas instituições e nas comunidades onde estão pessoas em recuperação, de vontade para saírem deste problema e para enfrentarem seriamente a droga, isso tem de dar força aos políticos, às pessoas que trabalham nestas matéria para irem em frente com este combate, que é um combate importante e que é uma causa que efectivamente se transformou definitivamente numa causa nacional.
O que vem a seguir? Vem a seguir, como é evidente, o assumir, por todos nós, da responsabilidade de tudo isto e assim continuarmos a fazer o trabalho que tem de ser feito na área da prevenção, coisa que está a ser concretizada através de milhares de iniciativas que instituições privadas vão fazer, que o Estado vai fazer através de informação, através da criação das "linhas Vida", através de todas as iniciativas que vão aparecer durante o ano provindas de muitos e muitos lados.
Sobre a questão da reinserção social digo, como referi há pouco: há muito a fazer! E foi por isso que o Sr. Ministro da Solidariedade e Segurança Social duplicou as verbas para aplicar nesta política. Também estamos a fazer um trabalho conjunto com o
IEFP para abrir cursos de formação destinados também a pessoas provenientes desta área e a fazer protocolos de cooperação com as associações empresariais, com as associações de trabalhadores, com as associações de .agricultores para encontrar maneira de inserir as pessoas novamente no mercado activo.
O Sr. Presidente: - A palavra ao Sr. Deputado José Niza, para um pedido de esclarecimento.
O Sr. José Niza (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro Adjunto, uma pergunta muito simples que resulta do seguinte: hoje de manhã, na reunião da Comissão Eventual para o Acompanhamento e a Avaliação da Situação da Toxicodependência, do Consumo e do Tráfico de Droga, uma das questões que debatemos durante algum tempo relacionava-se com a correcção do despacho conjunto, o qual foi objecto de debate nesta Assembleia da República. Dei a informação que tinha na altura, ou seja, que as coisas estariam a correr bem mas que não podia ir mais além e ficava a situação de se saber quanto tempo é que o Governo levaria a resolver a questão. Fico, pois, muito contente e muito satisfeito, porque não contava que, três horas depois, o Governo trouxesse aqui uma resposta.
Portanto, para que isto fique totalmente clarificado, solicitava que o Sr. Ministro confirmasse o que se terá passado. Penso que houve um acordo entre as instituições privadas e o Ministério da Saúde no sentido de aderirem ao protocolo que vai viabilizar o apoio que o Estado entendeu dar. Penso, portanto, que voltamos à primitiva, quer dizer, acabou-se o efeito boomerang e o aumento de quase 100% dos subsídios às comunidades privadas, isto é, a tal passagem dos 72 contos para os 120 - medida que quase foi soterrada pela contestação que apareceu em relação ao despacho conjunto - vai ser aplicada. Voltamos, assim, portanto ao princípio e daí que só tenhamos razões para nos congratularmos, sobretudo as instituições privadas, que são as mais directas beneficiárias.
O Sr. Presidente: - A palavra ao Sr. Ministro Adjunto, para responder.
O Sr. Ministro Adjunto: - Sr. Presidente, Sr. Deputado José Niza, o facto de haver uma política de diálogo com todas as instituições que têm um papel fundamental no trabalho ligado à toxicodependência fez com que fosse possível, também depois da assinatura do pacto social, criar novas condições na sociedade portuguesa para poder fazer aquilo que foi feito. Portanto, estão criadas as condições para que com o apoio integral das IP5S sejam assinados os, protocolos e até se foi um pouco mais longe relativamente a coisas que não tinham sido alteradas, nomeadamente, relativamente ao centros de dia, em que havia uma comparticipação de 15 contos que passou a 25 contos neste novo despacho conjunto.
Como já disse, foi possível resolver o problema porque se criaram condições novas de diálogo com as instituições, tendo sido resolvidos todos os problemas que tinham sido levantados na altura.
Permitam-me que saliente que este despacho, rubricado por todos os ministros que o tinham de assinar, foi assinado no "Dia D", no dia de ontem, sendo essa Também uma forma de participar, em conjunto com as instituições privadas, neste processo.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - A palavra ao Sr. Deputado Bernardino Vasconcelos, para um pedido de esclarecimento.
O Sr. Bernardino Vasconcelos (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro Jorge Coelho, quero colocar-lhe algumas questões sobre este day after.
Mas, antes de colocar as minhas questões, permita-me - e não desmerecendo de tudo o que foi a importância do dia de ontem, até pelos contornos suprapartidários, como momento de reflexão e de consciencialização daquilo que é droga, sobretudo dirigido aos mais jovens - lembrar os "dias D" passados ao longo destes anos que foram todos de acções concretas no terreno e não de palavras, seguindo uma estratégia política que hoje, em relação ao combate à droga, VV. Ex.as continuam e que vos permite dar o salto qualitativo nesse mesmo combate à droga.
As questões que queria colocar-lhe têm a ver, a primeira, com o despacho conjunto. Foi anunciado aqui pelo Sr. Ministro que existe desde ontem um novo despacho interpretativo em relação à comparticipação financeira às organizações não governamentais que trabalham no âmbito do apoio aos toxicodependentes e nós ficamos satisfeitos que isso tenha acontecido. Aliás, só depois do debate provocado por nós nesta Assembleia da República houve a consciencialização de que havia problemas na sua aplicação.
Em relação a esse despacho, cujo teor desconhecemos, cabe-me colocar três questões, a primeira das quais é a seguinte: no que diz respeito à comparticipação financeira
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das comunidades terapêuticas, ele contempla a comparticipação financeira por doente tratado ou por cama disponível em convenção com o Estado?
A outra questão é a seguinte: mesmo com este novo despacho conjunto, se houver comunidades terapêuticas que não o assinem, em que circunstâncias ficam no que diz respeito às comparticipações financeiras anteriores sobre toxicodependentes que estavam a ser tratados e continuam a ser tratados?
A terceira questão tem a ver com a droga nos estabelecimentos prisionais. Não sei qual é neste momento a estratégia que o Governo pensa seguir ou as medidas que pensa tomar em relação ao tratamento dos toxicodependentes dos estabelecimentos prisionais, mas sabemos todos, desde' há alguns anos, de algumas experiências piloto em alguns estabelecimentos prisionais. Foi mesmo anunciado que elas seriam estendidas a todos os estabelecimentos prisionais, mas parece-me que, quer em quantidade quer em qualidade, são insuficientes para uma resposta cabal à dependência da droga por parte dos reclusos.
Avançámos nós com um diploma no sentido de criar núcleos médicos com um corpo clínico, sobretudo nos estabelecimentos centrais, para o tratamento dos toxicodependentes, incluindo até a possibilidade de aplicar vários modelos terapêuticos, sobretudo os de substituição.
Gostaria, pois, de saber o que é que o Sr. Ministro Adjunto pensa acerca disto e que medidas concretas vai o Governo tomar.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro Adjunto.
O Sr. Ministro Adjunto: - Sr. Deputado, relativamente ao despacho que referiu tenho todo o gosto em dar-lhe uma fotocópia dele, pois tenho comigo uma que lhe entrego já.
De qualquer forma, devo dizer-lhe que se trata de matérias da competência de outros colegas meus de Governo, nomeadamente dos Ministros da Saúde e da Justiça, como tal, não entro em pormenores sobre esse assunto.
No entanto, relativamente à questão das prisões - é evidente que o Ministro da Justiça poderá responder muito melhor do que eu -, posso, desde já, dizer-lhe que, no âmbito do Projecto Vida e do apoio que este programa pode e deve dar, o que temos feito é no sentido da criação de alas livres de droga e da criação de melhores condições de permanência dos reclusos dentro das cadeias, uma vez que acreditamos que esta é a forma como se pode ajudar a resolver este problema - aliás, no ano passado, como sabe, já foram criadas duas alas livres de droga. Portanto, esta é uma política a seguir.
De facto, vamos tentar criar, com o apoio do Projecto Vida, mais alas livres de droga, mas, como disse, esta é uma matéria da competência do Sr. Ministro da Justiça. Por isso, peço-lhe, Sr. Deputado, que lhe coloque directamente a questão - aliás, eu posso transmiti-la - e, certamente, ele terá todo o gosto em esclarecê-lo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições, dou por terminado o debate especial sobre o combate à droga e com ele também o período de antes da ordem do dia.
Eram 17 horas e 20 minutos.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à discussão da proposta de resolução n.º 32/VII - Aprova, para ratificação, a Declaração Constitutiva e os Estatutos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, assinados em Lisboa, em 17 de Julho de 1996.
Para um breve resumo do, relatório elaborado pela Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, dou a palavra ao Sr. Deputado Relator, Rui Vieira. .
O Sr. Rui Vieira (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: O acto de ratificação da Declaração Constitutiva e dos Estatutos da CPLP, por parte da Assembleia da República e Assembleias Nacionais, é um acto de relevante significado político.
A criação da CPLP representa um acto de confiança em nós próprios e nas potencialidades de todos os países unidos pela língua portuguesa e a derrota de todas as "Cassandras" e "Velhos do
Restelo" que, de um lado e outro do Atlântico, porfiaram em vaticinar a inutilidade da concretização desta velha ideia.
Mas, como diz, José Aparecido de Oliveira, cabouqueiro obstinado da Comunidade, aquela que era uma utopia do mundo lusíada é hoje uma realidade.
Trata-se da realização de um velho, sonho - nas palavras de Mário Soares -,que só foi viável dada a circunstância de todas as Nações que integram a CPLP serem hoje Estados livres e soberanos.
Para chegar a 17 de Julho de 1996 e à criação da CPLP um longo caminho se percorreu, muitos escolhos e dificuldades foram vencidos.
Assinalarei apenas alguns dos marcos mais importantes que ficarão na história da CPLP.
Em 1989, realizou-se, em S. Luís do Maranhão, no Brasil, sob os auspícios do Presidente José Sarney, o primeiro encontro dos Chefes de Estado e de Governo dos sete países de língua portuguesa, que deu origem à criação do Instituto Internacional da Língua Portuguesa em que a ideia da criação da CPLP ganhou um alento muito especial.
Ainda, em 1989, realizou-se uma reunião dos Ministros da Cultura dos PALOP na qual se defendeu, igualmente, a criação de uma comunidade de língua portuguesa.
Em 21-de Abril de 1993, o Embaixador do Brasil em Portugal, José Aparecido de Oliveira, mandatado pelo Presidente brasileiro Itamar Franco, viajou pelos PALOP com vista à institucionalização da comunidade dos povos de língua portuguesa, cujos objectivos eram as cooperações cultural, política económica e técnica e, ainda, a criação de uma Universidade dos Sete.
Em Fevereiro de 1994, os sete Ministros dos Negócios Estrangeiros e das Relações Exteriores voltaram a reunir-se, em Brasília, e acordaram em recomendar. aos seus governos a realização de uma Cimeira de Chefes de Estado e de Governo com vista à constituição de uma Comunidade.
A reunião dos Ministros dos Negócios Estrangeiros e das Relações Exteriores dos sete países de língua portuguesa, ocorrida em Lisboa a 19 de Julho de 1995, na qual foi decidido marcar a realização de uma Cimeira de Chefes de Estado e de Governo para o final do primeiro
se-
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mestre de 1996 onde os compromissos anteriormente assumidos foram, de novo, objecto de afirmação veemente no sentido do seu integral respeito e cumprimento.
Em Maputo, a 17 e 18 de Abril de 1996, a reunião ministerial dos sete países de língua portuguesa reuniu os diversos Ministros dos Negócios Estrangeiros e das Relações Exteriores.
Outra iniciativa importante foi a realização, em 24 e 25 de Junho de 1996, da Conferência Interparlamentar que reuniu em Lisboa delegações dos sete países: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e S. Tomé e Príncipe, e que contou com a presença do representante do Governo brasileiro, Embaixador Itamar Franco.
Esta conferência, que antecedeu a reunião da Cimeira de Chefes de Estado e de Governo, reafirmou o total apoio dos Parlamentos e, consequentemente, dos povos dos respectivos países à criação da Comunidade e decidiu apoiar, anualmente, a realização de uma Conferência Interparlamentar de Países de Língua Portuguesa, sugerida, aliás, pelo Sr. Presidente da Assembleia da República.
Como não podia deixar de ser, Timor foi tema obrigatório dos trabalhos desta reunião, tendo todas as delegações sido unânimes em declarar o direito do povo timorense à autodeterminação e condenar vivamente a repressão e a violação dos direitos humanos naquele território, aprovando uma resolução nesse sentido, que se associa ao espírito da "Declaração de Lisboa" e da Resolução aprovada pelo Parlamento Europeu sobre Timor Leste a 14 de Dezembro de 1995.
Finalmente, em 17 de Julho de 1996, os Chefes de Estado e de Governo reuniram-se em Lisboa para proceder à cerimónia constitutiva da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa onde aprovaram a respectiva Declaração Constitutiva e os seus Estatutos que hoje nos propomos ratificar.
Reafirmo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, tratar-se de um acto parlamentar de elevado significado político que muito nos honra e do qual, com certeza, todos nos orgulhamos.
Queria, ainda, referir os termos do parecer aprovado pela Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação que, fugindo ao formalismo habitual, quis expressar o elevado significado político desta ratificação.
Ilustro com a seguinte passagem: "Ao emitir este parecer, a Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação manifesta, por unanimidade, a grande satisfação com que participou neste passo decisivo da criação da
CPLP, à qual deseja que, tão rapidamente quanto possível, desenvolva todas as suas potencialidades, em benefício dos povos que a integram."
Aplausos do PS e do Deputado do CDS-PP Nuno Abecasis.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Rui Vieira, não quis interrompê-lo, mas pareceu-me que não fez um resumo do relatório e, sim, uma intervenção, por isso o tempo que utilizou será descontado como tempo do seu partido e o Deputado Carlos Beja intervirá no final dos Deputados inscritos em representação das suas bancadas.
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Jaime Gama): - Ex.ma Sr. Presidente da Assembleia, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O mapa da política internacional encontra-se hoje dominado pelas novas fronteiras de grandes alianças multilaterais. Os Estados soberanos reúnem-se sob "chapéus" comuns para melhor defenderem os interesses partilhados, participarem, e aproveitarem das formas de cooperação. que estabeleceram e também porque se reconhecem em princípios, valores e laços de afectividade histórica ou geográfica. Ao investirem o seu esforço através de determinada comunidade de países, os Estados contribuem para o engrandecimento dessa união ao mesmo tempo que ampliam a sua identidade nacional pelo sentimento de pertença a um quadro de referência mais amplo.
Os interesses fundamentais dos Estados passam, cada vez mais, pela sua participação nas decisões tomadas em organizações internacionais.
Portugal, o Brasil e os países africanos de expressão portuguesa, herdeiros de um legado comum, libertos dos condicionalismos de outrora, decidiram desenhar e começar a construir uma nova entidade/identidade internacional.
A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa CPLP - nasceu em Lisboa, a 17 de Julho de 1996. A cimeira constitutiva do mais recente forum internacional culminou um longo trabalho diplomático realizado ao longo de seis reuniões dos Ministros dos Negócios Estrangeiros e de 36 reuniões do comité de embaixadores dos sete futuros países membros.
A ideia lançada, pela primeira vez, em 1983, no decorrer de uma visita oficial do Ministro dos Negócios Estrangeiros português a Cabo Verde foi, mais tarde, reimpulsionada pelo Embaixador brasileiro Aparecido de Oliveira, então Ministro da Cultura, que desempenhou, no momento certo, um importante papel na motivação, argumentação e divulgação desta comunidade de povos.
Deve, igualmente, realçar-se a persistência dos esforços empreendidos pelas autoridades portuguesas ao longo de todo o processo negocial, apesar, da alternância política dos executivos de Lisboa. Os sucessivos governos demonstram bem - neste caso concreto - o empenho convergente dos portugueses em relação às grandes questões de desígnio nacional. O último encontro dos Ministros dos Negócios Estrangeiros realizou-se no Maputo, em 17 e 18 de Abril de 1996, e marcou o fim do processo negocial, preparatório da institucionalização da CPLP.
Aí se acordou, definitivamente e por unanimidade, o conjunto de princípios, objectivos e procedimentos que iriam nortear a versão final da Declaração Constitutiva e dos Estatutos da Comunidade e se fixaram as datas da realização da cimeira.
Esta teria lugar em Lisboa, cidade onde ficou sediada a futura organização, e seria também Portugal o país a quem caberiam a honra e a responsabilidade de protagonizar a sua primeira presidência rotativa.
Foi decidido que os cargos de Secretário Executivo e de Secretário Executivo Adjunto seriam exercidos por personalidades de prestígio, designadas pelos países membros, segundo a ordem alfabética. Assim, Angola propôs, e foi imediatamente aceite, que o seu ex-Primeiro Ministro, Dr. Marcolino Moco, assumisse o secretariado executivo da CPLP.
São Tomé e Príncipe apresentou a candidatura do Dr. Rafael Branco, antigo embaixador na ONU e Ministro das Finanças para o cargo de Secretário Executivo Adjunto da Comunidade, proposta que reuniu o acordo de todos.
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Houve reticências e pessimismos por parte de alguns "Velhos do Restelo". Houve
as contrariedades naturais nestes processos como dois adiamentos da data da cimeira constitutiva, mas o projecto da criação da CPLP era uma prioridade para os seus membros e o novo forum acabou por ver a luz do dia.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Apesar do carácter ambicioso dos seus objectivos ou, melhor, precisamente por causa da preocupação em não comprometer a expectativa criada, foi, desde logo, opinião unânime dos responsáveis dos Sete que se deveria fazer assentara construção da futura Comunidade em alicerces sólidos, num processo gradual de avanços por pequenos passos, baseados em consensos e orientados numa perspectiva de pragmatismo, em consonância coma realidade e os condicionalismos dos países membros. Seria inútil e contraproducente elaborar construções teóricas megalómanas que, por falta de recursos, nunca poderiam ser levadas à prática.
Decidiu-se, assim, dotar o secretariado executivo que é, como o próprio nome indica, o órgão executor das decisões da Comunidade - de uma estrutura leve e flexível, por forma a permitir-lhe reagir rapidamente e adaptar-se com facilidade à evolução das circunstâncias presentes.
Ao contrário das grandes estruturas de âmbito similar, como a comunidade francófona ou a Commonwealth (cujo secretariado emprega 360 funcionários e só em despesas de funcionamento gasta,
anualmente mais de dois milhões de contos), a CPLP irá progressivamente definindo a sua especificidade à medida dos seus próprios particularismos e exigências.
Nesta perspectiva, o secretariado executivo contará, inicialmente, com um staff técnico reduzido, ao qual se deverão juntar diplomatas, destacados dos respectivos Estados membros, e também técnicos e secretários administrativos -
aliás, Portugal, o Brasil e Angola já indicaram os diplomatas que prestarão apoio ao Secretariado Executivo. A sua função principal é a de impulsionar, coordenar e executar as acções e iniciativas da CPLP, para o que recorrerá, sempre que necessário, à contratação de serviços externos, sendo a ideia subjacente a de não onerar demasiado esta organização com despesas fixas de pessoal que poderão ser canalizadas para fins mais prementes.
Ao Comité de Concertação Permanente - previsto nos Estatutos - caberá aconselhar, apoiar e, de certa forma, avalizar a actividade desenvolvida pelo Secretariado Executivo.
Quero aqui prestar testemunho do empenho de todos os embaixadores dos Sete que não se pouparam esforços no sentido de concretizar esta velha aspiração comum.
O Comité de Concertação Permanente, anteriormente designado por Comité de Embaixadores, continuará a reunir-se mensalmente em Lisboa e a dar o seu contributo para a marcha da organização, como órgão intergovernamental e representante, por excelência, da vontade política dós Estados membros.
Por outro lado, é intenção de cada pais criar - e Portugal já o fez -,junto do respectivo Ministério dos Negócios Estrangeiros, uma Divisão CPLP para o aconselhamento e o acompanhamento estreito do trabalho da organização.
À data de hoje, pouco mais de sete meses decorridos da sua constituição formal, a Comunidade dispõe já das condições logísticas mínimas e dos instrumentos jurídicos e financeiros necessários para o arranque das suas actividades.
No plano material, o Secretariado encontra-se a funcionar, provisoriamente, na Avenida da Liberdade, em Lisboa, tendo sido adquirido, pelo Estado português, um palacete situado na Rua de São Caetano à Lapa, onde será instalada, previsivelmente em Abril, a sede definitiva do Secretariado Executivo da organização. O Dr. Marcolino Moco e o Dr. Rafael Branco já se encontram instalados em Lisboa e em plenas funções.
No plano político, foram aprovados, em 26 de Setembro último; em Nova Iorque, na reunião do Conselho de Ministros, os regimentos internos dos vários órgãos da CPLP, assim como o do fundo especial e o orçamento de funcionamento para o primeiro ano de actividades.
Ao nível das contribuições financeiras, ficou acordada uma quota fixa anual de 30.000 USD por Estado membro. Portugal e o Brasil fizeram dotações suplementares de 100 000 USD cada, para ajudar a custear as despesas do Secretariado, neste seu primeiro ano de funcionamento. Angola comprometeu-se, igualmente, a participar neste esforço adicional. Os dois primeiros países anunciaram, ainda, uma contribuição inicial de um milhão de USD cada para o aprovisionamento do fundo especial - será a partir deste fundo, alimentado por contribuições voluntárias públicas e privadas, que serão financiadas as acções concretas a levar a cabo pela Comunidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na reunião de Nova Iorque o Secretário Executivo apresentou as suas linhas programáticas de acção ao Conselho de Ministros que as aprovou. O pacote apresentado revela-se um conjunto coerente de medidas concretas, destinadas a confrontar situações reais, num espírito de aproveitamento das potencialidades, complementaridades e interdependências decorrentes de uma cooperação mais estreita e concertada.
Três importantes orientações políticas emanaram deste Conselho de Ministros: em primeiro lugar, uma determinação clara de conferir maior relevo e protagonismo ao Secretariado Executivo - o Secretário Executivo representa o rosto visível da Comunidade e será ele o primeiro responsável pela condução das actividades da organização, cabendo-lhe a iniciativa quanto à identificação das acções a concretizar e a adopção das respectivas modalidades de execução.
Seguidamente, manifestou-se uma convergência de vontades dos Sete em atribuir a chancela da CPLP às acções de cooperação que já existem entre si. Foi sob esta nova orientação que se realizaram: em Cabo Verde, em 30 de Outubro, o segundo encontro dos Presidentes dos Tribunais de Contas dos sete países membros; em Lisboa, de 20 a 21 de Novembro, a reunião dos Ministros da Agricultura; em Maputo, de 2 a 4 de Dezembro, o VII Congresso dos Veterinários de Língua Portuguesa; e, de 5 a 6 do mesmo mês, a reunião dos Ministros das Comunicações dos Sete.
Finalmente, a decisão de Portugal e dos PALOP de alargarem ao Brasil, sempre que possível, o âmbito de aplicação das suas acções de cooperação e de concertação político-diplomática, desenvolvidas no seio do, formato "cinco + um".
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desde a reunião de Nova Iorque até à presente data, devem ser realçadas as seguintes acções:
Primeira, a Declaração Constitutiva da CPLP, traduzida para inglês e francês, foi circulada como documento oficial das Nações Unidas, dando assim a conhecer formalmente aos 185 Estados membros daquela organização os
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fundamentos e contornos desta nova entidade internacional;
Segunda, os Ministros dos Negócios Estrangeiros dos Sete, nas comunicações que apresentaram perante a 51.º Assembleia Geral das Nações Unidas, sublinharam a recente adesão dos seus países à CPLP como um marco importante das respectivas políticas externas;
Terceira, os sete Estados membros apresentaram uma intervenção conjunta, em nome da Comunidade, relativamente ao ponto intitulado "desenvolvimento cultural" da agenda da 2.ª Comissão da 51.º Assembleia Geral da ONU;
Quarta, a CPLP esteve presente, com um stand de informação, na Expolíngua Portugal 96 - 7 º Salão Português de Línguas e Culturas, evento realizado em Lisboa, no forum TELECOM, de 24 a 26 de Outubro último;
Quinta, CPLP dispõe já de uma home page interactiva na Internet;
Sexta, foi criado o boletim de informação CPLP, o qual, com periodicidade mensal, dará conta das iniciativas em curso, bem como das oportunidades empresariais a explorar;
Sétima, o Secretário Executivo deslocou-se, a Londres, à sede da Commonwealth, a convite desta, para trocar conhecimentos e experiências mútuas. Participou, igualmente, na Cimeira Ibero-Americana, realizada em Santiago do Chile, e tem efectuado viagens de promoção por vários países, nomeadamente Angola, Moçambique, Brasil e Alemanha;
Oitava, os sete países da comunidade decidiram apoiar a candidatura do ex-Ministro Brasileiro do Ambiente, Brandão Cavalcanti, ao cargo de director executivo do PNUA-Programa das Nações Unidas para o Ambiente;
Nona e última, a recente eleição de Portugal para o Conselho de Segurança das Nações Unidas, que mereceu os esforços conjugados dos Sete - juntamente com o segundo ano de presença da Guiné-Bissau naquele órgão - e que reforçará a visibilidade internacional da CPLP e a sua capacidade de intervenção no sistema das Nações Unidas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Numa perspectiva de curto prazo, encontram-se agendadas as seguintes medidas: realização, no âmbito da UNESCO, da semana da CPLP, em Abril próximo; reunião dos responsáveis da cooperação dos Sete, prevista para Março próximo, precedida de um encontro de altos funcionários; negociação de acordos sobre "combate ao tráfico de droga e criminalidade organizada", "redes electrónicas de informação", "cooperação interinstitucional", "cooperação interuniversitária" e " cooperação na área da meteorologia, clima e ambiente"; aprovação dos " estatutos de membros observadores e associados da CPLP", que concederá ao território não autónomo de Timor Leste uma modalidade apropriada de participação na Comunidade; aprovação do acordo de sede entre o Estado português e o Secretariado Executivo da CPLP, que definirá os privilégios e as imunidades do pessoal destacado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Deram-se passos seguros nestes escassos meses; outros se seguirão. As grandes realizações cimentam-se ao longo de anos de aturados, esforços e de sucessivas conquistas.
Será que alguém se lembra das medidas tomadas por organizações congéneres nos seus primeiros seis meses de existência? Interessa avaliar um todo, num prazo razoável de vida.
O entendimento obtido sobre os pontos que atrás mencionei faz prefigurar o abandono de algum cepticismo que ainda paira sobre a capacidade dos Sete em demonstrarem, na prática, os fortes laços de solidariedade que os unem. A unidade demonstrada à volta destas questões veio trazer uma renovada confiança no projecto comum de erigir, aos poucos e poucos, uma nova entidade multilateral que assuma, na cena internacional, a defesa dos interesses dos povos do espaço lusófono.
Àqueles que persistem em autoflagelar-se a propósito de tudo, recordam-se as palavras do Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, ao receber Fernando Henrique Cardoso, por ocasião da recente visita do Presidente brasileiro a Luanda: "Angola e Brasil são parte integrante de uma comunidade de países de língua portuguesa, espalhados por quatro continentes. Nunca é demais valorizar estes laços orgânicos, que nos permitem enfrentar com renovado vigor o potencial de agressão industrial, financeira ou cultural fomentada por grupos económicos, políticos ou militares ligados a interesses nacionais ou multinacionais. É nesse processo de defesa, afirmação e reconhecimento de nós próprios que encontramos aquilo que nos une e nos distingue dos outros povos e países. Muitas vezes não damos valor à riqueza que temos ao pé da porta, preferindo alimentar ilusões e angústias sobre o presente e o futuro, em lugar de explorarmos as virtualidades do que já possuímos e enriquecermos os legados históricos e culturais que temos para administrar."
Entre a dimensão regional brasileira, com os seus 160 milhões de habitantes e o pequeno e isolado São Tomé e Príncipe, que conta apenas com 100 mil; entre o razoável bem-estar dos portugueses, estimado em mais de 10 000 dólares de PIB per capita e' as dificuldades de Moçambique, com apenas 400; entre a estabilidade e a paz social de Cabo Verde e as agruras do conflito angolano, haverá que procurar caminho para o máximo denominador comum e abrir espaço para a afirmação externa da Comunidade que se pretende desenvolver.
Longe de pretender substituir-se aos compromissos de integração anteriormente assumidos pelos seus membros, a CPLP representa, pelo contrário, um complemento de identidade e um suplemento de possibilidades que se abrem para além do enquadramento nas organizações regionais a que os Sete pertencem, desde a União Europeia, passando pela SADC, o MERCOSUL ou a UEMOA.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: A Assembleia Nacional de Cabo Verde já aprovou, há cerca de duas semanas, a Declaração Constitutiva da CPLP, encontrando-se os outros Estados membros a ultimar os respectivos procedimentos constitucionais.
No mesmo sentido, o Governo submete hoje à consideração de VV. Ex.as os diplomas constitutivos da comunidade dos países de língua portuguesa com vista à sua aprovação parlamentar para posterior ratificação por V. Ex.ª o Presidente da República. Estou certo de que VV. Ex.as não deixarão de conceder aprovação a este projecto de profundo alcance para os nossos objectivos de política externa e que, sem hesitação, darão forma e conteúdo aos ambiciosos desígnios de cooperação interparlamentar que o mesmo contempla.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Inscreveu-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, o Sr. Deputado Eurico Figueiredo.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
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O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro: Muito obrigado pela sua intervenção, que abordou, de facto. um assunto de grande importância para o nosso País.
No entanto, gostava de fazer-lhe só uma pergunta, no plano puramente pontual. Há vários anos que, como docente universitário, tenho participado no estreitamento das relações entre Portugal e os países da CPLP, particularmente com o Brasil. Nessa qualidade, através das instituições com as quais tenho trabalhado, tenho procurado que às pós-graduações feitas no Brasil com a participação de
Universidades portuguesas seja aplicado exactamente o mesmo rigor das Universidades portuguesas, mas o meu assombro no Brasil foi verificar que nas Universidades João Amaral. brasileiras a presença espanhola é incomparavelmente mais importante do que a presença portuguesa, quando existe neste momento, por parte do Brasil, uma avidez espantosa em relação, sobretudo, a pós-graduações.
O que aconteceu foi que um respeitável universitário português, ainda por cima reitor de uma Universidade, lançou suspeitas quanto a esta inter-ajuda, a esta colaboração entre as Universidades portuguesas e brasileiras. Esta suspeita recai, obviamente, sobre todos aqueles que, com esforço pessoal, com dedicação, com patriotismo e com interesse, se têm empenhado em participar no esforço de
aproximação das relações de Portugal com os países de língua portuguesa, neste caso fundamentalmente com o Brasil, cujos patrimónios cultural, humano, científico e económico são de primeira grandeza.
O que eu quero perguntar ao Sr. Ministro é se, de facto, tem conhecimento destas suspeitas que foram levantadas ao (pouco) esforço espontâneo que tem sido feito por Universidades portuguesas em relação ao Brasil, para dar resposta à grande necessidade que aí existe de pós-graduações e o que é que V. Ex.ª está disposto a fazer para que o mau ambiente e esta suspeita que se criaram possam ser desfeitos para que a credibilidade das instituições portuguesas que têm feito um esforço para criar boas relações com os países de língua portuguesa seja
restabelecida.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Eurico Figueiredo, o que posso dizer-lhe, pelo conhecimento que tenho, é que as relações entre as universidades do Brasil e as portuguesas são, em regra, muito sólidas e excelentes e há, não apenas por parte dos respectivos docentes mas também dos alunos, um grande desejo de impulsionar todas as modalidades de cooperação, a qual, aliás, tem vindo a desenvolver-se e, em alguns casos, com projecção feliz em relação a África.
As universidades são autónomas, o Governo estimula essa cooperação e devo dizer-lhe que um dos organismos mais importantes e mais sólidos no plano dos sete, do
ponto de vista das organizações não governamentais, e que se inseriu de uma forma muito apropriada, porque até antecedeu a criação da CPLP, foi a Associação das Universidades de Língua Portuguesa. Esta Associação é uma realidade muito forte não só na componente das universidades científicas e técnicas mas também na componente das universidades com cobertura da área humanística, na vertente letras, direito e ciências humanas. Ora essa Associação tem um programa muito detalhado, que está a ser apoiado, para o reforço da cooperação interuniversitária em matéria de universidades dos sete, inspirando-se em algumas modalidades de cooperação interuniversitária que, por exemplo, têm vindo a ser desenvolvidas na União Europeia. Trata-se de um projecto e de uma iniciativa muito interessantes, que merecem um apoio forte da parte do Governo.
Vozes do PS: - Muito bem!
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.
O Sr. Azevedo Soares (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A decisão de constituir a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa marca decisivamente o relacionamento futuro entre povos e países que se encontraram há longos séculos na história e que partilham, como património comum e singular, a mesma língua, a língua portuguesa.
O texto da Declaração Constitutiva da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa é suficientemente audacioso para nele caber um enorme desafio político ou mesmo, se se quiser, um grande sonho.
Nele, assume-se a história sem preconceitos, afirmam-se valores civilizacionais fundamentais e ergue-se um programa completo de cooperação.
É, por isso, um texto bem adequado às aspirações dos povos que, sabendo terem tanto em comum, querem utilizar este património como elemento de apoio ao seu desenvolvimento integral.
Foi longo o caminho percorrido desde que surgiu a ideia inicial até à assinatura da Declaração Constitutiva CPLP pelos Chefes de Estado e de Governo dos sete países. Durante todo esse período de tempo muitos foram aqueles que contribuíram decisivamente para a concretização deste projecto. São todos merecedores do nosso elogio. Permitam-me, todavia, que, neste momento, sublinhe o lúcido e abnegado empenho posto nesta causa pelo anterior Primeiro-Ministro, Professor Cavaco Silva, e pelo anterior Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr. Durão Barroso.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Hoje, mais do que ratificar o que foi decidido, cabe-nos reflectir sobre o futuro da CPLP em geral e o papel a desempenhar por Portugal em particular.
Os propósitos da CPLP são tão vastos e tão exigentes que impõem a todos nós, e de forma muito especial aos governos, um esforço imenso. Sem esse esforço, continuado no tempo, a CPLP não terá sido mais do que uma generosa ideia perdida no tumulto das prioridades de curto prazo e na inércia dos aparelhos de poder.
O futuro da CPLP depende, naturalmente, da actuação concertada dos sete países que se comprometeram, em pleno pé de igualdade, soberanamente, a levá-la por diante. Mas são tão evidentes e importantes as vantagens que se podem retirar de um bom funcionamento CPLP que há razões para acreditar que ninguém deixará escapar esta oportunidade.
É claro que não se pode esperar, desde já, que todos os mecanismos previstos passem a funcionar em pleno
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rendimento e que todos os objectivos fixados conheçam espectaculares desenvolvimentos.
Todavia, e porque "o caminho se faz caminhando", não se pode perder tempo no encetar dos primeiros passos. São esses primeiros passos que geram confiança para os seguintes e de muitos passos dados se consolida o projecto e se enriquece o futuro.
Permitam-me, Srs. Deputados, que me debruce rapidamente sobre um destes primeiros passos necessários, bem óbvio de resto. Refiro-me, naturalmente, à difusão e enriquecimento da língua portuguesa. Mais do que qualquer outra, a língua portuguesa é a razão de ser fundamental da Comunidade. Por isso mesmo, será por aí que podemos aquilatar da efectiva vontade de construir tão ambicioso projecto e neste domínio temos nós, portugueses, especial responsabilidade.
Não que a língua portuguesa nos pertença especialmente. Ela pertence por igual a todos que a falam. Mas sejamos claros: foi aqui, em Portugal, que ela nasceu.
Porque assim é, não se compreenderá nem se desculpará que não se aproveite este momento, este impulso, para classificar a matéria com o grau de prioridade que ela merece. Muito se tem falado deste problema. Algumas tímidas medidas têm sido adoptadas ao longo dos tempos, mas nunca vislumbrei o desenho de uma política clara, mobilizadora e dotada dos meios humanos, materiais e organizacionais apropriados.
Cabe essencialmente ao Governo definir essa política e pô-la em prática sem hesitações, cortando a direito entre conflitos de interesses, disputas de território e mesquinhos protagonismos.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, vivemos num tempo em que as circunstâncias levam os Estados a associarem-se mais intimamente, movidos pela defesa .dos seus interesses. Conforme os interesses e as circunstâncias assim nascem as diversas modalidades de associação. É natural que seja assim. Contudo, julgo não andar muito longe da verdade se afirmar que a maior parte dessas associações são especialmente determinadas por razões económicas ou de segurança e frequentemente estabelecidas num quadro de proximidade geográfica.
Ora, a CPLP foge, claramente, deste cenário. É constituída por sete países localizados em três continentes, com economias num grau de desenvolvimento muito diferente e sem laços comerciais de grande relevo. É uma comunidade que se funda mais, para além da língua, num conjunto de valores e de sentimentos, que se pretende ver estreitados e fortalecidos. É, por isso, uma comunidade singular e, a' meu ver, precursora de novos tempos que, possivelmente, hão-de vir.
Assistimos há bem pouco tempo ao ruir de um bloco militar e aos abanões e incertezas que esse colapso gerou no bloco adversário. Estamos agora a assistir ao erguer de grandes blocos económicos e à feroz competição que entre eles se trava.
Em nome da economia e da segurança, a União Europeia tende a alargar-se para leste, num esforço que lhe consumirá energias e recursos. No meio de tudo isto, um continente inteiro, a África, parece votada ao esquecimento, à miséria e à guerra.
Aparentemente, as guerras em África não abalam a segurança do resto do mundo; aparentemente, a fome e a doença em África não afectam o desenvolvimento económico do resto do mundo; aparentemente, o desenvolvimento equilibrado e sustentado dos países do continente africano não é uma prioridade para o resto do mundo. E todavia, Srs. Deputados, é uma realidade que há milhões de seres humanos em África, pelos quais também passa a história e as peripécias da civilização. É claro que esses homens também querem paz, segurança e desenvolvimento económico, mas talvez nada disso possa alcançar-se se não forem, em primeiro lugar, olhados como iguais, tratados como iguais e plenamente respeitados na sua dimensão humana e na sua condição de cidadãos de Estados livres e independentes.
Ora, é disto que trata fundamentalmente a CPLP. Ela não pretende ser um bloco económico, embora se ocupe também do desenvolvimento das economias. Ela não pretende ser um bloco de segurança; embora também cuide da cooperação diplomática. A CPLP parece desenhada para ser um elo que reforça a especial ligação que une homens de povos diferentes, para ser um ponto de encontro de culturas, de sentimentos e de valores, que permita a todos nós, em conjunto, sermos mais ricos como homens.
As sociedades mais ou menos desenvolvidas economicamente enfrentam novos desafios, muitos deles de contornos .ainda muito indefinidos. Começa a ser claro que o desenvolvimento material, se bem que indispensável, não lhes pode dar a resposta adequada. Inexoravelmente irão surgindo novos valores. Uma comunidade de países, erguida com os fundamentos da CPI-P, pode responder com mais eficácia a esses novos desafios e nela podem mais rapidamente frutificar os novos valores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Portugal está na Europa, é um país europeu. O
PSD defende com total convicção a nossa plena integração nos destinos da Europa, integração que tem de ser feita com coragem suficiente e com a sabedoria imprescindível. Mas Portugal não é só Europa, é também a sua história, repartida pelos quatro cantos do mundo, onde estivemos e onde soubemos construir laços de amizade indestrutíveis com outros povos.
Para nos sentirmos bem na Europa temos de estar bem com os nossos irmãos de Angola, do Brasil, de Cabo Verde, da Guiné-Bissau, de Moçambique e de São Tomé e Príncipe.
Neste sentido, é fundamental sabermos potenciar as possibilidades criadas com a ratificação dos documentos que hoje estamos a discutir. Esta ratificação é um passo importante e imprescindível à plena entrada em vigor dos instrumentos jurídicos através dos quais é criada
CPLP. Isto significa que também este Parlamento é chamado a intervir activamente em todo o processo. Estou certo que o vai fazer com elevação e mesmo com entusiasmo, mas não terminam aqui as nossas responsabilidades. De ora em diante, ficaremos mais responsáveis por acompanhar de facto a evolução dos acontecimentos.
Deve caber aos Parlamentos nacionais dos sete Estados uma intervenção substantiva, muito especialmente orientada não apenas para a fiscalização d^ actuação dos governos mas também para a promoção do- valores da democracia, do estado de direito e dos direitos humanos.
Esta não será, Srs. Deputados, a hora mais apropriada para comentar alguns sinais reveladores de uma certa dificuldade no arranque das actividades da
CPLP. Esta é a hora de aprovar e de acreditar em que o que hoje aprovamos contribuirá, significativa e positivamente, para a felicidade dos povos envolvidos e para a afirmação.
desses povos e dos seus respectivos Estados no mundo de hoje e de amanhã.
Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.
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O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rubem de Carvalho.
O Sr. Rubem de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.- e Srs. Deputados: O conjunto de documentos que hoje somos chamados a ratificar reunira, seguramente, um dos mais alargados consensos positivos reunidos nesta Assembleia. A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa é um passo cuja legitimidade e necessidade histórica todos reconhecemos.
Há que dizer, contudo, que tal consenso não reflecte uma inteira identidade de pontos de vistas das diferenças forças políticas aqui representadas. Sobre o entendimento entre povos e países não perfilhamos todos as mesmas opiniões e essas diferenças têm-se significativamente manifestado noutras e relevantes circunstâncias.
Assume assim acrescido significado o consenso em torno da CPLP e seguramente se justifica que nos detenhamos um pouco sobre como ele surgiu e que implicações nos traz.
O que, a nosso ver, este consenso, antes de mais nada, traduz é que a defesa e o desenvolvimento desse património de toda a humanidade, que é a língua portuguesa, é uma responsabilidade nacional que nos cabe. Uma responsabilidade nacional que assume toda a sua dimensão e significado exactamente porque corresponde a algo que não se esgota nas fronteiras portuguesas ou sequer no povo aqui nascido, antes constitui um laço que pode torna a humanidade mais próxima, mais dialogaste, mais pacífica e mais feliz.
É não apenas na nossa condição de portugueses mas também na de cidadãos do mundo que este contributo nos é exigido. A dimensão do desígnio e da responsabilidade constitui sólida base para este consenso.
Em segundo lugar, justifica-o também o comum e essencial apreço que temos quanto às virtualidades da democracia e do diálogo entre os povos, o apego que temos à defesa da paz e a consciência de que o entendimento entre povos e países passa pelo diálogo e pelo entendimento permanentes, pela criação material e concreta de estruturas, de programas, de cooperações efectivas que sustentem e desenvolvam esse diálogo.
Em terceiro lugar, na diferença dos nossos pontos de vista, une-nos porém, seguramente, a consciência de que laços profundos da história e da vida, de passados comuns e de especiais responsabilidades para Portugal nos unem aos outros povos de língua portuguesa, na enorme diversidade de destinos que a história lhes traçou.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Parece, contudo, importante dizer que em nenhuma circunstância o consenso hoje aqui reunido supre qualquer das exigências que o sustentam. Votaremos, é o que falta fazer.
Não poderemos acantonar-nos, no que a esta Assembleia diz respeito, numa concepção redutora do estatuto parlamentar, deixando para o Executivo todos os passos de concretização que se exigem. E não devemos fazê-lo por duas razões: uma primeira razão porque, como representantes do povo português, abre-se-nos um vasto leque de intervenções que fortaleçam e desenvolvam a CPLP. Poderemos, é claro, desde já, falar dos contactos interparlamentares com os parlamentos dos outros países da Comunidade, mas poderemos, seguramente, ir mais longe e exercer o nosso magistrado de influência para apoiar, estimular, desenvolver tudo o que atinja este objectivo comum; uma segunda razão reside no incómodo facto de, pelo menos aparentemente, parecer que o Governo não atribuiu à constituição da CPLP importância, que se teria revelado por um maior dinamismo no apoio ao seu arranque; instalação e implantação.
A questão da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa não pode ser encarada como um simples aspecto da política, externa do País, como algo da exclusiva competência do Ministério dos Negócios Estrangeiros. A este, naturalmente, cabem responsabilidade particulares, mas é necessário que se diga que, mesmo que do Palácio das Necessidades venha todo o empenho, o necessário largamente ultrapassa os limites da sua acção.
Visitas de Estado serão importantes, contactos oficiais serão indispensáveis, mas ou se desenvolve tudo - mas tudo - o que o entendimento proporcionado por uma língua comum faculta ou estaremos a defraudar uma .possibilidade e uma responsabilidade.
Não esqueçamos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que os instrumentos que fazem a vida do homem desenvolvem-se com o uso e definham com o abandono.
Aquilo de que a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa necessita é, sobretudo, que os seus povos falem entre si,. falem de tudo quanto é a vida do homem, da arte à ciência, da economia à técnica, das relações comerciais ao desenvolvimento tecnológico.
Na nossa civilização, independentemente de credos e convicções, colhe fundo a ideia de que a humanidade começou com a palavra. Que apaixonaste projecto este que se integra no sonho milenar de devolver à humanidade as palavras comuns do seu entendimento universal.
Aplausos do. PCP.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.
O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs.. Deputados: Gostaria de começar esta intervenção prestando uma homenagem ao meu amigo José Aparecido de Oliveira e, ao mesmo tempo, permitam-me - e seria indesculpável que o não fizesse - que preste também uma homenagem sentida à cidade de Lisboa.
José Aparecido de Oliveira apercebeu-se da importância da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, pois foi exactamente um dos co-fundadores da primeira instituição que prefigurou essa Comunidade. Ainda existe, chama-se UCCLA e desenvolve uma acção muito intensa na relação entre capitais de todos os países de língua portuguesa, as actuais e as históricas, numa actividade diária que tornou patente aos olhos dos políticos que a cooperação é possível e, desejável e que a língua portuguesa, mais do que um veículo de comunicação, é um veículo de transmissão de sentimentos.
É por isso que é possível ver, como ainda há dois dias vi, o Rossio de Lisboa, a nossa praça fundamental, a sala de visitas da capital portuguesa, transformado no ponto de encontro dos diversos africanos e outros de língua portuguesa, que aqui procuram acolhimento, trabalho, paz e desenvolvimento, mas também - e é preciso que se diga - que aqui se preparam para regressar aos seus países e ajudar a construir, lá, o desenvolvimento, a paz e a tranquilidade necessária para que os povos sejam felizes.
José Aparecido de Oliveira aprendeu com a UCCLA, que emanou desta cidade que é Lisboa, mãe de todos os que falam a língua portuguesa, esta vontade indomável,
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que tem de ser indomável para ser um acto de empenhamento de todos, para além dos tratados e dos regulamentos, atingindo a própria alma de todos os que falam a língua portuguesa com esta convicção de que, para nós, a cooperação é um sentido de identidade e não uma atitude política.
Traduzindo esta convicção, que tem de ser nossa, de que adquirimos importância no mundo através da História porque soubemos sempre ser uma ponte de entendimento entre os homens, podemos orgulhar-nos hoje, num mundo" que cada dia compreende melhor. os direitos humanos, de nunca termos destruído uma cultura e sempre termos ajudado a construir novas culturas. São disso exemplos o Brasil, a arte Nanbam, a cultura de Goa, e Timor, mártir que se afirma no mundo pela dignidade dos homens.
Vozes do PS:. - Muito bem!
O Orador: , Srs. Deputados, se Portugal e esta Casa não acreditarem, até ao fundo das suas convicções, que o nosso futuro e a nossa identidade dependerá, qualquer que seja o canto e a organização em que nos acolhamos, do nosso espírito universalista, da nossa capacidade, provada ao longo dos séculos, de dar mais do que o que recebemos... Permitam-me que vos deixe vislumbrar um bocado da minha alma de português ao dizer-vos que o meu maior orgulho é o de, ao fim de cinco séculos, termos saído das zonas e dos territórios mais ricos do mundo tão pobres como para lá entrámos. Alguns vêem nisso um símbolo de inferioridade da nossa raça; eu vejo nisso o símbolo da superioridade que faz com que 300 anos depois, no portuguese settlement de Malaca, haja malaios que aceitam viver em condições sub-humanas pelo orgulho de continuarem a afirmar-se portugueses.
Se não formos capazes de ver nisto a nossa capacidade, afirmada ao longo dos séculos, de traduzir o valor e o respeito humano nos nossos actos e na nossa maneira de conviver, não entendemos o nosso futuro nem somos capazes de ser dignos do nosso passado.
É com esta determinação e este espirito que toda a África, e não só a de língua portuguesa, espera que Portugal se empenhe fortemente, com o que tem e o que não tem, de modo a continuar a afirmar a sua capacidade de dar, para que aos outros seja dado mais. Sem isso, goraremos não só todas as esperanças que em nós serão postas mas também as que em nós puseram os nossos antepassados e, pior ainda, as que os nossos filhos em nós depositam.
Este país não nasceu para ser um pais medíocre nem de rapina mas, sim, para ser um criador de humanidade no mundo. É essa a esperança que, em nome do meu partido e em meu próprio, de tudo o que sou e quero, desta tribuna afirmo: Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados e todos os portugueses que aqui não estão, na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa está escrito o futuro e a glória de Portugal.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Beja.
O Sr. Carlos Beja (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.- e Srs. Deputados: O acto de ratificação, pela Assembleia da República, da Declaração Constitutiva e dos Estatutos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, assinados, em Lisboa, a 17 de Julho de 1996, assume uma inegável importância histórica e política.
Longo e com algumas vicissitudes foi o caminho percorrido, desde Novembro de 1989, em S. Luís do Maranhão. Com efeito, foi nessa data e local que, no primeiro encontro dos Chefes de Estado e de Governo dos Países de Língua Portuguesa, a ideia da criação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa germinou e ganhou força. Nessa mesma cimeira, foi decidido criar o Instituto Internacional de Língua Portuguesa.
Foi, contudo, a partir de Fevereiro de 1994, aquando da reunião, em Brasília, dos sete Ministros dos Negócios Estrangeiros e das Relações Exteriores, que a ideia da Comunidade tomou corpo e pôde avançar.
Ao longo de 22 reuniões de trabalho, o processo de institucionalização da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa foi-se desenvolvendo, de uma forma consensual, o que permitiu que, a 17 de Julho de 1996, os Chefes de Estado e de Governo de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e S. Tomé e Príncipe tenham decidido, num acto de fidelidade à vocação e à vontade dos seus povos e no respeito pela igualdade soberana dos Estados, constituir a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Também - e é justo realçá-lo - a Assembleia da República, através da sua Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, procurou dar o seu contributo político à institucionalização da Comunidade. Para o efeito, a 24 e 25 de Junho de 1996, delegações de parlamentares de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e S. Tomé e Príncipe, e ainda com a presença do Embaixador do Brasil em Portugal, Presidente Itamar Franco, reuniram-se na Assembleia da República, num gesto de inequívoco apoio parlamentar e pluripartidário à institucionalização da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Nesta I Conferência Interparlamentar, as delegações manifestaram, por unanimidade, o seu apoio à institucionalização da CPLP, enquanto meio privilegiado de diálogo entre os países que a compõem. A Conferência Interparlamentar referiu, em particular, a necessidade de se proceder ao reforço da cooperação no domínio da cultura, na luta contra o racismo e a xenofobia, no combate ao tráfico de drogas e estupefacientes e na melhoria de condições de acolhimento aos cidadãos oriundos dos seus diversos países.
Significativa também foi a prioridade dada à discussão, em futuras conferências, de temas como o papel dos parlamentos na consolidação da democracia, o poder local e a luta contra o tráfico de droga.
A Conferência Interparlamentar reiterou a sua solidariedade para com os países que viviam ou vivem processos de consolidação da paz e de reconciliação nacional e apelou ao respeito dos povos pelos valores da democracia, dos direitos humanos, do desenvolvimento e da justiça social.
Foi ainda possível, nessa ocasião, aprovar, por unanimidade, uma resolução sobre a questão de Timor Leste, onde ressalta a condenação da Indonésia pela violação dos direitos humanos perpetrada naquele território, a recomendação aos governos dos países integrantes da Comunidade da adesão de Timor Leste à
CPLP, com o estatuto de observador ou afim, a exigência da libertação de Xanana Gusmão e seus companheiros, a reafirmação da vontade dos parlamentares dos países integrantes da Comunidade
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em concentrar esforços para que seja respeitado o direito do povo de Timor Leste à autodeterminação, exigindo
o pleno respeito pela Carta das Nações Unidas e pelas resoluções da ONU relativas a esta questão.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo,. Srs. Deputados: 3á em 1983, o Ministro dos Negócios Estrangeiros de então, Dr. Jaime Gama, hoje investido nas mesmas funções noutro Governo, defendeu, num discurso proferido em Cabo Verde, a institucionalização de uma comunidade de países de língua portuguesa, com uma estrutura mais ou menos idêntica à que hoje ratificamos.
O Sr. Joe1 liasse Ferreira (PS): - Bem lembrado!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa assume-se como um novo projecto político cujo fundamento é a língua portuguesa, verdadeiro vínculo histórico e património inalienável dos setes países que, descontínuos no espaço geográfico, se identificam pelo idioma comum.
Projectar e consolidar, na cena internacional, os profundos laços de fraternidade e solidariedade que unem Portugal, o Brasil e os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa é um dos objectivos prioritários da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. E cremos bem que a tradução política deste objectivo foi também já em parte consubstanciada na recente eleição de Portugal para membro não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
A política de cooperação nos domínios social, cultural, económico, jurídico e técnico-científico, por forma a conjugar a promoção do desenvolvimento dos povos que falam português, é também, como é óbvio, uma vertente fundamental da Comunidade dos Países da Língua Portuguesa.
Este objectivo, em cuja dinâmica se deverão entroncar os agentes económicos privados de todos os sete países, bem assim como as organizações não governamentais, deverá também ser apoiado, estimulado e desenvolvido.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Já foi possível, no espírito da institucionalização da CPLP, que a Assembleia da República ratificasse, já no decurso desta legislatura, acordos bilaterais tão importantes como os referentes ao combate ao tráfico ilícito de estupefacientes e a cooperação no domínio jurídico e judiciário entre a República Portuguesa e a República de Angola.
É também neste âmbito que se deve, aqui e agora, realçar a participação de todos os países que integram a Comunidade nesse grande projecto nacional que é a EXPO 98.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A reunião constitutiva da Associação dos Juristas de Língua Portuguesa é também, desde já, um marco nesta realidade. Mas uma Comunidade que se quer viva e actuante tem de dar especial atenção aos jovens e à juventude dos seus países. A Cimeira dos Ministros da Juventude dos Países de Língua Portuguesa, realizada em 17 e 18 de Março de 1996, que perspectivou a criação do Centro de Juventude Lusófona em Lisboa, de Centros Inforjovem nos países da Comunidade e a Bienal de Jovens Criadores dos Países da Lusofonia, deu um primeiro passo para a dinamização desta área, decisiva para a afirmação da vitalidade da jovem Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
No domínio da cooperação económica e empresarial, importa realçar a necessidade de encontrar fórmulas pragmáticas de reforçar essa cooperação.
Esta é uma área que, posta ao serviço dos povos e das populações e encarada de forma positiva, trará, num horizonte de longo prazo, incomparáveis vantagens para todos os países integrantes da Comunidade. De facto, se confrontarmos a realidade das relações comerciais entre os sete países que constituem a Comunidade, constatamos que estas representam uma parte ínfima da totalidade do comércio que estes mesmos países mantêm com terceiros. Aliás, idêntica realidade se nos depara no domínio do investimento directo. Ultrapassado que está o tema em que Portugal viveu durante algum tempo, da contradição entre a Europa e África; urge; agora, com racionalidade, pragmatismo e determinação, lançar uma cooperação mais eficaz no domínio económico, comercial e do investimento.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A actual conjuntura internacional abriu novas perspectivas e a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa poderá ser, ou melhor, vai ser, um instrumento vital da afirmação da língua portuguesa no mundo.
Língua de Camões e de Fernando Pessoa, de Castro Alves e Machado de Assis, de Agostinho Neto e Luandino Vieira, de José Craveirinha e Noémia de Sousa, de Baltazar Lopes e Amílcar Cabral, de Francisco José Tenreiro e Alda Espírito Santo; língua em que vários povos, em diferentes circunstâncias históricas, afirmaram a sua identidade e proclamaram a sua liberdade e a sua independência; língua para uma comunidade multicontinental, comunidade multiracial, comunidade multireligiosa em que se exprimem em perfeito e total pé de igualdade todos os países que a integram.
A poucos meses de celebrarmos o 23.º aniversário do 25 de Abril, a ratificação por esta Câmara da Declaração Constitutiva e dos Estatutos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa é um acto de que todos nos devemos orgulhar. Saídos de um processo colonial complexo, foi possível, pelo trabalho, dedicação, esforço e tenacidade de muitos, ultrapassar todas as barreiras, contradições e feridas e aportar a este momento histórico.
Permita-me, Sr. Presidente, que, neste momento, relembre na personalidade histórica de Amílcar Cabral todos aqueles, governantes e governados, que, antes e depois do 25 de Abril, pública ou anonimamente, desenvolveram os maiores esforços para a concretização deste objectivo de tão singular e profundo sentido histórico: ratificar hoje e aqui a institucionalização da Comunidade, de Países Língua Portuguesa.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: O acto a que hoje aqui procedemos não é uma mera formalidade constitucional, é também a manifestação política do Parlamento e dos representantes do povo português, sendo - e tal facto deve ser assinalado - das primeiras instituições parlamentares dos sete a concretizá-la.
Muito do que esperamos e o que os povos dos países integrantes da Comunidade esperam, repousa sobre a capacidade dos homens e das instituições de dar expresso concreta a estes novos tempos. Estamos certos de que, após, a fase, sempre difícil, que se traduz por vencer a inércia,
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os órgãos da Comunidade, nomeadamente o seu executivo, saberão, com os meios postos ao seu alcance e com o apoio dos governos dos sete países, encontrar as soluções pragmáticas mais capazes de responder a estes novos desafios.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Comunidade de Países de Língua Portuguesa não é nem será um ponto de chegada, é, antes de mais, um ponto de partida onde a língua portuguesa constitui um património comum da convivência multissecular de projecção internacional numa perspectiva aberta de universalidade.
Como disse Manuel Alegre, seguramente um dos que entre nós e no mundo melhor traduz a universalidade da língua portuguesa,
a nossa identidade, a nossa singularidade como Povo e como Nação é inseparável do Atlântico, África e Brasil. Não apenas o outro lado do mar, mas o outro lado da nossa Alma. É o complemento directo do verbo AMAR. É também o nosso modo próprio e único de sermos europeus.
A Comunidade de Países de Língua Portuguesa não é, como diz o Poeta, uma Utopia: é a própria História".
É isso que hoje aqui fazemos ao declararmos o nosso inequívoco e total apoio em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista à institucionalização
Aplausos do PS e do Deputado do CDS-PP Nuno Abecasis.
O Sr. Rui Vieira (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Rui Vieira (PS): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente, que poderá ficar para o final do debate.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Então, tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Isabel Castro.
A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Quero, muito simplesmente, dizer o que significa para nós a ratificação da Declaração Constitutiva é dos Estatutos da Comunidade de Países de Língua Portuguesa.
Julgo que o facto de ter havido a compreensão, traduzida na Comunidade, de que, independentemente das feridas que a história possa ter deixado, há um espaço comum, laços não apenas afectivos mas fundamentalmente culturais que importa valorizar e uma língua, que é um factor essencial de aproximação e uma pertença de todos estes países, abre para nós perspectivas extremamente importantes de relação e cooperação com estes países. Relação e cooperação que desejamos - é essa a mensagem de Os Verdes - que não tenha de continuar a pautar-se apenas em torno das questões da defesa, como, infelizmente, foi no passado, por razões que gostaríamos de ver ultrapassadas, mas que seja cada vez mais alicerçada na ajuda mútua, na igualdade de oportunidades e na partilha do saber científico e técnico que uns e outros temos, que devem ser, do nosso ponto de vista, aprofundadas.
Parece-me que é ainda importante, unindo o que está disperso nestes países, tirar vantagens para que, no plano internacional, Portugal e estes países possam ter uma voz mais activa, mais interventora e mais visível naquilo que me parece essencial, ou seja, na aproximação cada vez maior dos povos, na solução pacífica dos diferendos e numa cooperação que beneficie os povos, ou seja, na obtenção de uma melhoria gradual dos níveis do seu bem estar.
É, portanto, neste sentido e naquilo que pode vir a projectar-se no futuro, que saudamos vivamente esta Comunidade. Pensamos que a Comunidade deve ser o aprofundar de experiências, que, pontualmente, já existem ao nível de municípios, a outra escala, a outro nível, na linha daquilo que começa a desenhar-se nos países e que, na opinião de Os Verdes, pode transpor-se para um outro patamar, o que só beneficia, não numa perspectiva de mercado, não numa perspectiva neocolonial mas numa perspectiva de troca, de igualdade, de paz, de que julgo que todos precisamos.
O Sr. Presidente (João Amaral): - Tem agora a palavra, para interpelar a Mesa, o Sr. Deputado Rui Vieira.
O Sr. Rui Vieira (PS): - Sr. Presidente, não quis fazer a interpelação no momento oportuno porque não quis interromper este belo momento parlamentar de consenso entre o Governo e todas as bancadas parlamentares aqui representadas, mas penso que, agora, é o momento de o fazer.
Acatei, com todo ó respeito, a decisão do Sr. Presidente da Assembleia da República Almeida Santos, relativamente à, intervenção que proferi na qualidade de relator da Comissão de Negócios Estrangeiros. Para que não fique a ideia de que exorbitei quanto ao papel regimental atribuído ao relator nestas ocasiões, gostava de informar V. Ex.ª e a Mesa que aceito ter ultrapassado o tempo regimental destinado a estas situações, talvez num ou dois minutos. Porém, na parte substancial respeitante à intervenção, devo dizer a V. Ex.ª que, à excepção de cinco parágrafos, toda a intervenção reproduz textualmente, ipsis verbis, o conteúdo do relatório apresentado na Comissão de Negócios Estrangeiros e, mesmo quanto ao acrescento desses parágrafos, tive oportunidade de dar conhecimento prévio deles ao Sr. Presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros.
Era esta a rectificação ou, melhor, a informação que queria dar à Mesa.
O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Foi muito oportuna, muito oportuna!
O Sr. Presidente (João Amaral): - Fica registado, Sr. Deputado Rui Vieira.
Srs. Deputados, visto não haver mais inscrições, declaro encerrado o debate da proposta de resolução n.º 32/VII, cuja votação, se não houver objecções, será feita amanhã à hora regimental.
A nossa próxima reunião plenária terá lugar amanhã, às 15 horas, e terá um período de antes da ordem do dia com prolongamento, incluindo o debate de urgência requerido pelo PS sobre apreciação parlamentar do Programa de Combate aos Fogos Florestais. Da ordem do dia consta a discussão dos projectos de lei n os 195/VII (PCP) e 260/VII (CDS-PP).
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 40 minutos.
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Declaração de voto enviada à Mesa para publicação, relativa à votação dos textos elaborados pela Comissão Eventual ara Estudar as Matérias Relativas às Questões de Ética e da Transparência das Instituições e dos Titulares dos Cargos Políticos, referentes às Leis n.os 4/83, 72193, 485, 64/93 e 7/93. a)
Na sequência da sua constituição por Resolução da Assembleia da República de 5/4/95, a Comissão Eventual para Estudar as Matérias Relativas às Questões de Ética e da Transparência das Instituições e dos Titulares dos Cargos Políticos viria a aprovar os seguintes "textos de substituição": Alteração à Lei n.º 64/93, de 26 de Setembro Regime Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos; Alteração à Lei n.º 4/83, de 2 de Abril - Controlo Público da Riqueza dos Titulares de Cargos Políticos; Alteração à Lei n.º 4/85, de 9 de Abril - Estatuto Remuneratório dos Titulares de Cargos Políticos; Alteração à Lei n.º 72193, de 30 de Novembro - Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais; Alteração à Lei n .º 7/93, de 1 de Março - Estatuto dos Deputados.
São esses textos que vieram a debate do Plenário, na generalidade e na especialidade, bem como para as respectivas votações.
As responsabilidades que assumimos na Assembleia da República ao longo de dois mandatos e a forma como julgamos tê-los exercido, a par da importância e actualidade das questões agora em causa e da controvérsia que vêm gerando, determinaram a necessidade de, por imperativo de consciência, formular e deixar consignada, por escrito, uma declaração de voto.
Em primeiro lugar, para proclamar a nossa convicção de que, quanto possa ser adequadamente feito para assegurar uma cada vez maior transparência da actividade política e da vida pública constitui contributo indispensável para que seja restaurada a credibilidade das instituições democráticas e dos seus titulares.
Estamos crentes de que as presentes iniciativas legislativas se inserem, com o melhor dos propósitos, nesta linha de preocupações, tanto bastando para, no pressuposto da pureza das suas intenções, merecerem a nossa adesão de princípio.
Em intervenção na sessão plenária de 95/03/09, afirmámos a este respeito: "Tenho
para mim que a Democracia aprofunda-se, enriquece-se e aperfeiçoa-se, quando as forças políticas, sem prejuízo das suas salutares diferenças, subtraem, responsavelmente, certas matérias à mera luta político-partidária e se abstêm de as usar como arma de arremesso político.
Esta é uma das matérias em que tal se impõe".
Mas não ignoramos que tudo tem um tempo próprio e de que não era em clima pré-eleitoral e a reboque depressões e de manipulações do que se vem chamando de democracia de opinião e de democracia mediática que o Parlamento encontraria a serenidade e os consensos necessários a um "pacto de regime" que, inevitavelmente, ter-se-ia de gorar, como gorou.
O Parlamento não se prestigiou quando, tendo legislado há menos de dois anos sobre incompatibilidades, financiamento dos partidos e Estatuto dos Deputados, veio agora alterar aqueles diplomas, admitindo obter em pré-campanha eleitoral consensos que em tempo mais propício não conseguira.
Não concordámos, pois, embora tenhamos respeitado as decisões em contrário, com o tempo escolhido.
Razão tinha, pois, o Prof. Cavaco Silva ao expressar publicamente a sua opinião no sentido da inadequação da conjuntura para legislar sobre estas matérias.
Acresce .que do momento não se alheou uma; certa forma de aceitar e colaborar numa onda de ataque e de generalizada suspeição relativamente aos titulares de cargos políticos, em particular em relação à instituição parlamentar, quando é na área do poder de decisão própria dos executivos, nas várias hierarquias da Administração Pública, que se colocam, em todo o lado, as questões da corrupção e do tráfico de influências.
Quanto às soluções adoptadas nos diferentes diplomas não podemos deixar de aplaudir a abertura relativamente às declarações de rendimentos e de discordar da confusão que agora se faz entre o Estatuto dos Deputados e o regime geral de incompatibilidades, sendo certo que a referência desta última lei a "titulares de órgãos de soberania", pode lançar a confusão quanto à sua aplicação aos juízes que têm um estatuto próprio.
Aderimos integralmente às alterações relativamente à lei do financiamento dos partidos.
Tem a nossa total discordância a amplitude com que se alargaram as incompatibilidades dos Deputados, tendendo-se para uma quase exclusividade, o que, lamentavelmente, não só secundariza ou toma mesmo inútil o registo de interesses e a Comissão de Ética, que constituem louvável inovação.
É errado persistir em aproximar o regime dos Deputados aos demais titulares de cargos políticos, como os membros do Governo, em que a regra da exclusividade é indiscutível.
Enveredar tendencialmente para a exclusividade em termos parlamentares é acentuar a submissão partidária dos Deputados, funcionalizando-os e coarctando a sua independência pessoal e económica.
O risco de transformar a Assembleia da República numa Câmara de funcionários dos partidos, tão ao gosto do PCP, acentuou-se gravemente, o que não dignifica a instituição parlamentar nem fortalece a democracia.
A forma vaga, ambígua e de deficiente determinabilidade das incompatibilidades agora introduzidos, tomam tais normativos, a nosso ver, de discutível constitucionalidade.
Aliás, face ao disposto no artigo 170.º, n.º 4 da Constituição e apesar de se tratarem de "textos de substituição" da Comissão, receamos bem que algumas das iniciativas agora em causa constituam renovação de outras já apresentadas e rejeitadas nesta sessão legislativa, o que torna óbvia a sua inconstitucionalidade.
As normas no âmbito do Estatuto dos Deputados que envolvem, por força de participações sociais, a invasão da intimidade e preterição de direitos de familiares e de terceiros são igualmente de constitucionalidade duvidosa.
A não consulta dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas sobre os textos de substituição elaborados pela Comissão, importa também a inconstitucionalidade por preterição de exigência estabelecida na Lei Fundamental.
Não se nos afigura razoável que se tenha tratado de questões como a exclusividade e o profundo alargamento das incompatibilidades sem se ter curado da questão das remunerações dos titulares de cargos políticos, o que toma ainda mais evidente a dificuldade de tratar destas matérias em ambiente pré-eleitoral.
Temos para nós que importa assumir a necessária pedagogia cívica da credibilização da classe política, o que
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passa por uma atitude implacável em relação a todos os casos de corrupção, sem o que não é possível combater a tendência para a suspeição sobre os políticos em geral, o que corrói diariamente as instituições democráticas.
Toda a problemática que está na génese das iniciativas legislativas a que nos reportamos não se resolve por tal via, uma vez que estão fundamentalmente em causa questões de educação e de cultura.
Que ninguém tenha dúvidas de que os homens, e, por isso, também os políticos, não se fazem sérios e honestos por decreto.
Importante é que os eleitores saibam avaliar da conduta ética e política dos eleitos e que os actos eleitorais sejam efectivamente o momento próprio para expressar conscientemente o resultado dessa avaliação.
Com isto se quer dizer que para a transparência da vida política mais importante do que toda a legislação agora alterada é a reforma do sistema eleitoral.
Urge aproximar os eleitos dos eleitores, abandonando a rigidez do sistema de representação proporcional e criando círculos de menor dimensão para que se assegure uma transparente relação entre os Deputados e o seu eleitorado e entre os políticos em geral e os seus eleitores.
Como referiu o Dr. Mário Soares, na cerimónia comemorativa do 21 º aniversário do 25 de Abril, na Assembleia da República: "Temos de ser capazes de restituir ao exercício da actividade política a nobreza e a dignidade que lhe são inerentes, quando posta ao serviço do bem comum, assente no desinteresse pessoal, na devoção cívica e isenta e num lúcido e amplo apelo patriótico".
Não quisemos deixar de expressar nesta declaração de voto as nossas reservas quanto à circunstância de entendermos que o caminho agora trilhado não terá sido o melhor para atingirmos aquele objectivo.
Porém, as soluções agora introduzidos merecem, no geral, a nossa concordância e não deixam de constituir, apesar de tudo, um passo mais no sentido de uma maior transparência da vida política e daí que tenham merecido, da nossa parte, posição favorável na votação final global.
Os Deputados do PSD: Guilherme Silva - José Puig. (a) Esta declaração de voto é agora publicada por, na altura, não ter sido anunciada a sua apresentação à Mesa (V.d. DAR - I Série - N.º 85, de 8 de Junho de 1995).
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
António Fernandes da Silva Braga.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Joaquim Moreira Raposo.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos das Dores Zorrinho.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Partido Social Democrata (PSD):
Carlos Alberto Pinto.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
Manuel Castro de Almeida.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS/PP):
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.
Partido Comunista Português (PCP):
Maria Odete dos Santos.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Carlos Manuel Luís.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Raúl d' Assunção Pimenta Rêgo.
Partido Social Democrata (PSD):
João Bosco Soares Mota Amaral.
José Mendes Bota.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS/PP):
António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Lino António Marques de Carvalho.
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