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Sexta-feira, 31 de Janeiro de 1997 1219 I Série - Número 33

DIÁRIO Da Assembleia da República

VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 30 DE JANEIRO DE 1997

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia.- Deu-se conta da apresentação da proposta de lei n.º 68/VII. de requerimentos e de respostas a requerimentos.
Em declaração política, o Sr. Deputado Correia de Jesus (PSD) analisou a questão da interrupção voluntária da gravidez na perspectiva do recurso ao referendo. tendo apelado ao PS que repondere a sua posição face a tal matéria. Respondeu. depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Octávio Teixeira (PCP) e Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP)
O Sr. Deputado Jorge Lucilo (PS) acusou o PSD de hipocrisia em matéria de referendo e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Manuel Monteiro (CDS-PP). Luís Marques Mendes (PSD). Octávio Teixeira (PCP) e Luís Filipe Menezes (PSD), tendo ainda dado explicações ri estes oradores e à Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP).
Foi aprovado o voto n.º 60/VII - De protesto pelas declarações recentemente proferidas pelo Presidente do Governo Regional da Madeira. Dr. Alberto João Jardim (CDS-PP). Intervieram os Srs. Deputados Jorge Ferreira (CDS-PP). Octávio Teixeira (PCP). José Junqueiro (PS). Guilherme Silva (PSD) e Heloísa Apolónia (Os Verdes).
Ordem do dia. - O projecto de lei n.º 195/VII - Lei-quadro de apoio ao associativismo (PCP) foi discutido na generalidade, tendo intervindo os Srs. Deputados António Filipe (PCP), Martinho Gonçalves (PS, Ricardo Castanheiro (PS). Heloísa Apolónia (Os Verdes). Luís David Nobre (PSD) e Ferreira Ramos (CDS-PP).
Foi aprovada em votação global, a proposta de resolução n.º32/VII - Aprova. para ratificação, a Declaração Constitutiva e os Estatutos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, assinados, em Lisboa, em 17 de Julho de 1996.
A Câmara concedeu autorização ti um Deputado do PS para prestar declarações em tribunal como testemunha.
Procedeu-se à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 260/VII - Reembolso dos montantes pagos a título de propinas de matrícula ou de inscrição (CDS-PP) e 271/VII - Reembolso de propinas do ensino superior pagas nos anos lectivos de 1992 a 1995 (PSD). Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Jorge Ferreira (CDS-PP). Sérgio Vieira (PSD). Ricardo Castanheira (PS). Fernando de Sousa (PS), Carlos Coelho (PSD), Nuno Abecasis (CDS-PP) e José Calçada (PCP).
O Sr. Presidente anunciou ainda os resultados da eleição de cinco representantes para o Conselho de Opinião da RTP, tendo sido proclamados eleitos os candidatos António Pedro Vasconcelos. Maria Manuela Crespo Pinho e Melo e Fernando Manuel Crespo Cruz Baptista Lopes, Vasco Graça Moura e João Vasco de Lara Everard Amaral; de dois membros da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), tendo sido proclamados eleitos os Deputados José Magalhães (PS) e Silva Marques (PSD); da representação portuguesa na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, tendo sido proclamados eleitos, como membros efectivos os Srs. Deputados Alberto Martins (PS), Mota Amaral (PSD), Carlos Luís (PS), Pedra Roseta (PSD), Francisco de Assis (PS), Manuela Aguiar (PSD) e Medeiros Ferreira (PS) e, como suplentes, os Srs. Deputados Fernanda Pereira Marques (PS), João Poças Santos (PSD). José Niza (PS), António Paulo Pereira Coelho (PSD), Laurentino José Monteiro Castro Dias (PS), António Galvão Lucas (CDS-PP) e Lino de Carvalho (PCP); dos representantes na Assembleia da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa, tendo sido proclamados eleitos, como membros efectivos, os Srs. Deputados António Reis (PS), Carlos Pinto (PSD). José Saraiva (PS), Maria Eduarda Azevedo (PSD), Mário Videira Lopes (PS) e Calvão da Silva (PSD) e, como suplentes, os Srs. Deputados Gonçalo da Costa (CDS-PP) e Bernardino Soares (PCP) e, ainda, para o Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações, tendo sido proclamado eleito apenas o candidato José Cândido de Sousa Carrusca Robin de Andrade
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento dá Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueira.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias. José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Afonso da Silva Strecht Monteiro.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Góes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gradas.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheiro.
Jorge Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura. Vital Martins Moreira.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António José Barradas Leitão.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.

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Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José Carlos Pires Póvoas.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Costa Pereira.
José Mendes Bota.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS/PP):

Armelim Santos Amaral.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Silvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitida, a proposta de lei n.º 68/VII - Estabelece o regime jurídico comum das Associações de Municípios de Direito Público, que baixou às l.ª e 4.º Comissões.
Na reunião plenária de 23 de Janeiro foram apresentados os seguintes requerimentos: aos Ministérios do Ambiente e da Saúde e à Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, formulados pelo Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho; aos Ministérios da Economia e para a Qualificação e o Emprego, formulados pelos Srs. Deputados Arménio Santos e Maria da Luz Rosinha; à Secretaria de Estado da Juventude, formulado pelo Sr. Deputado Adriano Azevedo; à Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, formulado pelo Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho; ao Ministério da Administração Interna, formulado pela Sr.ª Deputada Maria Celeste Correia; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado Alberto Marques; ao Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e das Pescas, formulados pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho; a diversos Ministérios, formulados pela Sr.ª Deputada Isabel Castro, e ao Ministério da Educação, formulado pela Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.
Na reunião plenária de 24 de Janeiro foram apresentados os seguintes requerimentos: ao Governo e ao Ministério da Defesa Nacional, formulados pelo Sr. Deputado Afonso Candal; a diversos Ministérios e às Secretarias de Estado da Juventude e das Obras Públicas, formulados pelo Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho e à Secretaria de Estado da Administração Local. e Ordenamento do Território e ao Ministério do Ambiente, formulados pela Sr.ª Deputada Isabel Castro.
Entretanto,: o Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Gonçalo Ribeiro da Costa, Manuela Aguiar, Maria da Luz Rosinha e Miguel Miranda Relvas.

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O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Correia de Jesus.

O Sr. Correia de Jesus (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A actividade política e, de modo muito particular, a luta política, atingiram nos nossos dias um ritmo alucinante, agravado pela excessiva mediatização de tudo quanto respeita ao exercício da política.
Tal ritmo e a dialéctica própria da luta pela conquista do poder ou pela sua manutenção conduzem, com frequência, à adopção de comportamentos que esquecem princípios fundamentais que devem presidir à actuação dos políticos, em particular daqueles que têm responsabilidades de representação do povo ou de governação da res publica.
Desses princípios, parece-me oportuno recordar, hic et nunc, alguns.
As questões de Estado e as questões relacionadas com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos devem ser tratadas com profundidade, equilíbrio e ponderação, não sendo legítimo usá-las como instrumento da luta político-partidária, cuja legitimidade, no quadro democrático, não questionamos: Inseriria nesse núcleo essencial, entre outras matérias, as respeitantes à revisão constitucional, à regionalização e à interrupção voluntária da gravidez.
Em segundo lugar, sublinharia que a actividade política é exercida por pessoas, estando, por isso, sujeita a precipitações, falhas e erros. Reconhecê-lo e, na medida do possível, corrigi-lo é dignificante e constitui um facto acrescido de credibilidade para os titulares dos cargos políticos.
Finalmente, reconhecer o mérito do adversário e assimilar o que há de construtivo no seu labor político enriquece a vida democrática e é normalmente benéfico para o país.
Trazer estes princípios à colação pode parecer ingénuo ou despropositado da nossa parte. Vejamos, porém, a sua pertinência a propósito das questões suscitadas pela controversa ,matéria da interrupção voluntária da gravidez.
Não se trata, porém, de analisá-las, agora, na perspectiva das questões de fundo morais, sociais e políticas que tal matéria suscita mas tão-só na perspectiva metodológica substancial do recurso ao referendo.
A este respeito e face às iniciativas legislativas tomadas por Srs. Deputados de outras bancadas, tomámos desde o início uma posição clara, corporizada, aliás, nó projecto de resolução n.º 38/VII.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Pode ler-se na sua fundamentação: "Trata-se de matéria extremamente delicada e sensível que se inscreve na reserva mais íntima da consciência moral de cada cidadão, atravessando de forma indiscriminada os vários partidos e respectivos eleitorados.
De facto, a posição a adoptar sobre o regime legal da interrupção voluntária da gravidez, não se podendo catalogar na esfera das normais opções ideológicas ou político-partidárias, é essencialmente do foro individual de cada um, encontrando resposta nas convicções e posicionamento que cada qual assume perante valores e direitos fundamentais".
Perante tal projecto de resolução, o que fizeram os outros partidos?
O Partido Comunista Português exerceu o direito de agendamento potestativo do seu projecto e, com ele, determinou por arrastamento o agendamento dos demais projectos pendentes, tudo antes de ser dirimida a questão prévia do recurso ao referendo. Que seja este o entendimento do PCP, não nos surpreende, mas que o Partido Socialista tenha alinhado nesta solução ilógica e subalternizadora da vontade dos cidadãos deixou-nos verdadeiramente espantados.

Aplausos do PSD.

E, mais uma vez, Sr.as e Srs. Deputados, o meu Partido foi acusado de recorrer ao referendo para ocultar a sua incapacidade de decidir, por referendomania e querer brincar aos referendos, etc., etc..
Só que, mais uma vez, o tempo veio dar-nos razão, tal como aconteceu com a regionalização. Mais depressa do que havíamos imaginado, as críticas voltaram-se contra os seus autores, maxime, contra o Grupo Parlamentar do Partido Socialista.

Aplausos do PSD.

Mas, surpreendentemente, o Partido Socialista, em vez de anuir ao agendamento prévio do nosso projecto de resolução, veio agora propor indefensável: o recurso ao referendo, sim, mas só depois de os projectos terem sido votados na generalidade e consoante o resultado da votação. Trata-se, na verdade, de uma proposta rebuscada, quase absurda, concebida na mira de impossíveis equilíbrios internos e com o intuito de disfarçar as precipitações e os erros da direcção do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.

Aplausos do PSD.

Vejamos, Sr.as e Srs. Deputados, por que não podemos aceitar a proposta da direcção ou do presidente da direcção da bancada socialista.
Não podemos aceitá-la, em primeiro lugar, porque é ilógica. No plano da lógica e dos princípios - e também de acordo com o espírito da lei orgânica do regime do referendo -, a consulta popular deve preceder a discussão parlamentar da matéria e, nomeadamente, a realização de qualquer votação sobre a mesma.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não podemos aceitar a proposta do Partido Socialista, em segundo lugar, porque a mesma, a ser posta em prática, traduzir-se-ia numa inadmissível subalternização da vontade popular, sobrepondo o debate e a vontade da Câmara à genuína manifestação da vontade dos cidadãos eleitores.
Em terceiro lugar, não podemos aceitar a proposta socialista, porque, para além das profundas divisões internas que ela já causou no Grupo Parlamentar do Partido Socialista - desde o seu anúncio e de modo público e notório -, a metodologia sugerida pelos socialistas contribuiria para aumentar as clivagens já existentes na sociedade portuguesa e para a radicalização e partidarização do debate em volta das posições que os partidos anteriormente tivessem assumido na Assembleia da República.
São razões de sobra para rejeitarmos, in limine, a proposta do Partido Socialista.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, não gostaria de terminar sem antes fazer duas considerações. Independen-

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temente das nossas convicções pessoais sobre esta tão melindrosa questão da interrupção voluntária da gravidez, deverá ficar claro que respeitamos a preocupação dos nossos colegas, da nossa e das outras bancadas, que seriamente se debruçam sobre este problema e que honestamente vêm dando o seu contributo para a obtenção de soluções humana e moralmente justas. Também deverá ficar evidente a nossa solidariedade para com todas as mulheres que sofreram ou sofrem o problema da interrupção da gravidez, sendo nosso desejo que, progressivamente, sejam criadas as condições necessárias para que a sua opção possa ser, sem constrangimentos e sempre, a favor da vida.
Acabo, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, por onde comecei. Mas agora permitam que me dirija directamente à direcção da bancada do Partido Socialista: Srs. Deputados, neste processo e até este momento, nada há de irreversível. Tudo está em aberto. Pensem, pois, no país e nos portugueses e tenham a humildade, a dignidade e a coragem de reconhecer a vossa precipitação e o vosso erro e aceitem, nesta matéria, dar voz ao povo português, sem subterfúgios.
Congratulamo-nos com o facto de o Partido Socialista, concordando connosco, tenha aceite finalmente o princípio do referendo nesta matéria.

Aplausos do PSD.

Ò Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Octávio Teixeira e Maria José Nogueira Pinto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Correia de Jesus, começo por dizer que lamento profundamente que o clima de permanente guerrilha política entre o PSD e o PS tenha conduzido, neste caso concreto, a que o PSI) nela tenha incluído um problema sério como o da interrupção voluntária da gravidez, porque é fundamentalmente essa a questão que se coloca em relação àquilo que o Sr. Deputado suscitou e que o seu partido tem suscitado nos últimos dias.
Não vou discutir agora a problemática da interrupção voluntária da gravidez mas é importante que nos entendamos sobre se o agendamento que o Grupo Parlamentar do PCP fez para debater esta matéria na Assembleia da República impede a possibilidade de esta Câmara vir a tomar posição a esse respeito por referendo. Juridicamente - e gostava que isto ficasse claro de uma vez por todas -, o agendamento do dia 20 de Fevereiro não impede que possa vir a ser resolvido em tempo útil, se a maioria desta Assembleia assim o entender, a possibilidade de um referendo sobre essa matéria. Isso está claro na lei do referendo.
Independentemente de uma votação, na generalidade, a favor daqueles projectos de lei, é possível ao Grupo Parlamentar do PSD ou a qualquer outro suscitar, levar à discussão e votar a problemática de uma resolução ou de um projecto de lei sobre o referendo.
Por outro lado, Sr. Deputado, não o seguimos quando há pouco disse que, em primeiro lugar, deve ser ouvida a população - aliás, em certa medida, essa foi a lógica suscitada ontem pela direcção do Grupo Parlamentar do Partido Socialista - por implicar a existência de dois pesos e de duas medidas. Pergunto: se houvesse um referendo prévio, se a maioria da população dissesse sim à interrupção voluntária da gravidez e se, depois, uma maioria de Deputados desta Câmara votasse contra os projectos de lei, como seria? Só raciocinam na hipótese inversa mas, com toda a sinceridade, não acredito na eventualidade de o povo português dizer não. Então, porquê dois pesos e duas medidas? Esta é a questão central e é com ela que gostaria de terminar.
Não se coloque uma matéria tão séria no meio de uma mera guerrilha político-partidária pois a mesma deve ser tratada seriamente. E que fique claro para todos, designadamente para o povo português, que ela não depende de qualquer votação.
Urge que os partidos definam a sua posição sobre as matérias importantes para o país. Esta é uma questão do foro íntimo e, do nosso ponto de vista, deve ser decidida por cada um em sua consciência. É que, mais uma vez, tal como na questão da regionalização, o PSD pretende esconder-se por detrás de uma hipótese de referendo para não definir a sua posição sobre a matéria em apreço, no caso concreto, sobre a interrupção voluntária da gravidez.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Correia de Jesus.

O Sr. Correia de Jesus (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, muito obrigado pelo seu pedido de esclarecimento.
A minha primeira palavra é para rime congratular por, finalmente, o Partido Comunista Português - ao que parece - ter aderido à possibilidade de realização de referendo nesta matéria.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, foi isso que deduzi das suas palavras, sendo um facto que a unanimidade da Câmara acerca desta consulta popular é para nós um triunfo democrático de grande alcance.
Depois da minha intervenção, não faz sentido algum falar em guerrilha entre partidos porque vim aqui afirmar aqueles princípios que, postos em prática, excluem sobre estas questões todo o tipo de guerrilha. Não pode nem deve haver a este respeito qualquer tipo de guerrilha. Que isso fique bem claro, e não é o PSD que vai contribuir minimamente para essa guerrilha.
Sr. Deputado Octávio Teixeira, qual é o seu receio de ouvir o povo português sobre esta matéria?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Nenhum!

O Orador: - Por que é que o seu grupo parlamentar não deu anuência ao agendamento do projecto de resolução do Partido Social Democrata?
Se está tão à vontade perante esta possibilidade de consulta ao povo português não percebo por que é que os factos vêm demonstrar receios que, a existirem, parecem-me totalmente infundados.
Por fim, Sr. Deputado Octávio Teixeira, as várias hipóteses que colocou, que, efectivamente, no plano teórico podem vir a verificar-se, não inquinam o princípio que quisemos sublinhar aqui desde o primeiro momento. É que, quando uma questão se coloca ao nível da consciência individual de cada Deputado, é legítimo que a mesma seja dirimida, não pela Assembleia mas pelo povo português.

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Esse é o princípio de que partimos. Portanto, não venha agora o Sr. Deputado subscrever essa tese bizarra do Partido Socialista de que pode haver uma votação na generalidade nesta sede e, depois, um referendo sem que tal falseie as regras do jogo.
Pela nossa parte, só aceitaremos essa solução no limite porque não queremos inviabilizar uma questão substantiva através de uma mera questão instrumental. Mas que é ilógica e' improcedente a maneira de pensar do Partido Socialista não podemos deixar de dizê-lo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Correia de Jesus, penso que a sua intervenção foi esclarecedora no sentido de que o Partido Popular não tem participado nesta "guerra do Alecrim e da Manjerona" relativa ao referendo, sobretudo tratando-se de uma questão com a seriedade que esta reveste.
O Partido Popular procurou posicionar-se em relação à discussão dos projectos de lei sobre a interrupção voluntária da gravidez, considerando a enorme importância da matéria para a matriz civilizacional do País fora do contexto estritamente ideológico, partidário e até mesmo religioso e vê com grande preocupação a tentativa de partidarização deste assunto. Vemos ainda a criação de um clima que não vai ser propício, que não vai facilitar um debate lúcido nesta Câmara sobre as questões que vão servos propostas. Devo dizer que, do nosso ponto de vista, isso é profundamente grave.
Quero relembrar aqui alguns aspectos.
Quando o Presidente do vosso partido propôs o referendo, o Partido Popular, nomeadamente através de mim própria, manifestou-se favoravelmente. Consideramos que a sede extra-parlamentar é a correcta para que esta questão se resolva e que os cidadãos devem ser ouvidos sobre esta matéria. Mais: consideramos que o País só ganha em ser chamado para debates desta dimensão e desta natureza.
Depois, seguiu-se - e assistimos, de facto - a atitude, sobretudo do Partido Comunista Português mas também do Partido Socialista, penso porque verificaram que o referendo seria uma hipótese real de ver pelo menos corrigida alguma facilidade legislativa destes dois grupos parlamentares. Estou certa de que o povo português corrigiria com bom senso alguns aspectos que, do nosso ponto de vista, estão tratados de uma forma menos cuidada nos projectos de lei.
Mas passo à pergunta que tenho para fazer-lhe.
Num dado momento, soubemos pela comunicação social - e não foi desmentido - que o Partido Social Democrata admitiria esta coisa extraordinária que é abandonar a bancada durante o debate e a votação subsequente...

Protestos do Deputado do PSD Luís Marques Guedes.

Não houve nenhum desmentido, Sr. Deputado Luís Marques Guedes! É por isso que, agora, vou ter oportunidade de saber qual é a posição da bancada do Partido Social Democrata!
Como não houve nenhum desmentido, parto do princípio de que aquela foi uma ideia pelo menos discutida, pelo menos equacionada pela vossa bancada.
Assim, pergunto-lhe se não considera que seria gravíssimo que, em nome da "guerra" referendária - seja qual for a posição dos vários Deputados do PSD, que desde já respeito, como farei com a dos Deputados da minha própria bancada ou de qualquer outra -, o Partido Social Democrata abandonasse a bancada aquando da discussão e votação dos projectos de lei.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Seria, sim senhor! Tem toda a razão! Seria gravíssimo!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Correia de Jesus.

O Sr. Correia de Jesus (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, antes de mais, uma palavra de saudação já que é a primeira vez que tenho oportunidade de "interlocutar" consigo no Parlamento na sua nova "veste" de Presidente do Grupo Parlamentar do CDS-PP, facto que assinalo com agrado, e quero ainda agradecer-lhe as questões que me colocou.
Primeiro, para o Partido Social Democrata, as questões relacionadas com a interrupção voluntária da gravidez nunca foram, não são, nem nunca serão questões de "Alecrim e Manjerona".

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quero que isto fique claro e sem qualquer espécie de discussão.
O segundo aspecto sobre o qual gostaria de a esclarecer é o de que, após a minha intervenção, parece que a Sr.ª Deputada concluiu o contrário do que eu disse. Na verdade, o que eu disse foi que nós não queremos a partidarização desta questão nem contribuiremos para ela.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por isso mesmo, surpreende-me que fale em tentativa de partidarizar a questão quando a nossa preocupação é a de colocá-la na sede própria.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, se a Sr.ª Deputada se declarou e se declara, tal como o seu partido, a favor da consulta popular nesta matéria, então, agora só fico à espera que apoie a nossa proposta.
Ainda gostaria de dizer que, quanto ao abandono da bancada, isso é pura imaginação. A Sr.ª Deputada nunca ouviu nenhum responsável do meu partido nem do meu grupo parlamentar dizer que o Partido Social Democrata admitia a hipótese de abandonar a bancada aquando do debate desta questão. Não vamos abandonar a bancada. Os Deputados do Partido Social Democrata estarão aqui em peso, na totalidade, para participarem na discussão, para darem o seu contributo e para emitirem o seu voto em consciência.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao tratamento de assuntos de interesse político relevante.

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Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi certamente em boa hora que o Sr. Deputado Correia de Jesus trouxe à Assembleia da República a problemática dos referendos.
É de facto oportuno porque nos permite esclarecer, frontalmente, olhos nos olhos, a profunda hipocrisia política do PSD em matéria de referendos.

Aplausos do PS.

Comecemos pelo princípio.
O princípio, como se sabe, foi o sofisma lançado pelo PSD no momento em que - recordam-se todos - exigia um referendo nacional em matéria de regionalização. Que pretendeu nessa ocasião o PSD? Impedir por todos os meios, alguns até menos legítimos, como o bloqueio parlamentar, que a Assembleia da República, de forma inteiramente legítima, apreciasse as iniciativas de lei para a criação das regiões administrativas em Portugal.
Queria o PSD, através da consulta popular, permitir aos portugueses o esclarecimento sobre a regionalização e, acerca desta, uma tomada de posição? Não, não era isso que o PSD queria. O que o PSD sempre quis foi "pôr todos os paus na roda", criar todas as dificuldades no processo...

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Falso!

O Orador: - ... para, em nome do seu imobilismo tradicional, impedir uma das reformas mais significativas que importa fazer em Portugal.

Aplausos do PS.

E nessa ocasião esteve o PS contra a possibilidade de um referendo? Não, não esteve! O que o PS defendia era a possibilidade de, na fase de institucionalização em concreto das regiões, substituir o procedimento constitucional da consulta às assembleias municipais por consultas populares directas a todos eleitores à escala regional. Aquilo para que o PS então evoluiu foi para a possibilidade de a consulta à escala regional poder ser complementada por uma consulta popular à escala nacional.

Aplausos do PS.

Mas dando, como se impunha, a garantia de que a legitimidade democrática, de que os Deputados são depositários na Assembleia da República, não era posta em causa, não era posta em crise e que os compromissos eram para assumir elevar até ao fim.
É por isso, Srs. Deputados do PSD, que já foi possível aprovar na generalidade as leis para a criação das regiões administrativas, que vai ser possível debatê-las e votá-las na especialidade e que, na sequência disso, será possível - assim o espero - vir a introduzir o referendo para a consulta popular aos eleitores. Mas, Srs. Deputados, um referendo que permita aos eleitores pronunciarem-se em concreto sobre soluções concretas e não em abstracto sobre coisa nenhuma, como era a vossa intenção inicial.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sabem, Srs. Deputados do PSD, para vós, o referendo não tem sido um instrumento para a consulta aos cidadãos! Para vós, o referendo tem sido um alibi permanente para escamotearem as vossas responsabilidades políticas perante os portugueses.

Aplausos do PS.

Protestos dos Deputados do PSD, batendo com as mãos nas bancadas.

Passemos agora à questão do referendo em matéria de interrupção voluntária da gravidez.
Quiseram os senhores repetir a mesma cena ... .

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Falso!

O Orador: - Pretenderam os senhores impor que se tomasse na Assembleia da República uma decisão para um referendo sem que a Assembleia da República tivesse tido a possibilidade de apreciar iniciativas legislativas em concreto.
Que queriam os Srs. Deputados do PSD? Que os portugueses se pronunciassem livre e conscientemente sobre opções jurídicas possíveis em torno da interrupção voluntária da gravidez? Não! Não era isso que os Srs. Deputados do PSD pretendiam. O que pretendiam, e pretendem, era criar condições para, mais uma vez, fugirem às responsabilidades de tomar a sua posição no Hemiciclo perante os eleitores portugueses.

Aplausos do PS.

Protestos do Deputado do PSD Artur Torres Pereira.

Esteja sossegado e sereno, Sr. Deputado. Saiba ouvir porque, sabendo ouvir, talvez possa falar depois com propriedade.

Srs. Deputados, a questão é esta: a vossa solução,

vossa proposta de referendo era algo que significaria mais uma vez a tentativa de diminuir as responsabilidades de iniciativa legislativa daqueles que, oportunamente, entenderam tomá-la.
O problema é que é politicamente inadmissível, porque é falso e, sendo falso, não é sério sustentar no combate político, que deve ser leal entre todos nós, que os senhores venham dizer que o PS não quer aceitar a possibilidade de uma consulta popular aos portugueses no que diz respeito à interrupção voluntária da, gravidez. Não é isso! Vou dizer-vos qual é a diferença. E que os Deputados do PS assumem a liberdade de consciência e, com esta, assumem também as possibilidades de alterar o regime jurídico em vigor.
E os senhores? Os senhores vão votar individualmente, de acordo com o vosso critério pessoal, ou vão votar subordinados à lógica partidária e à disciplina que o vosso partido vos impõe nesta matéria?

Aplausos do PS.

Provavelmente vai ser essa a vossa maior dificuldade! É que, enquanto os Deputados da bancada do PS se levantarão livremente para votarem de acordo com as suas consciências, talvez se assista, infelizmente, a uma votação por parte dos Deputados do PSD determinada pela lógica da disciplina partidária numa matéria em que a li-

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berdade de consciência deve prevalecer sobre qualquer outro tipo de orientação política.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados do PSD, vamos falar até ao fim. Já em Outubro passado, em declaração que tive ocasião de proferir, sublinhei que não era da parte do Grupo Parlamentar do Partido Socialista que se levantaria qualquer oposição de princípio à possibilidade de um referendo em matéria de interrupção voluntária da gravidez. Está dito, está escrito e está publicado!

Vozes do PS: - É verdade!

O Orador: - Os senhores não podem desconhecer essa realidade!

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Palavras!

O Orador: - Por outro lado, assumimos inteiramente que não estaríamos de acordo em que a questão do referendo, mais uma vez, fosse desenquadrada da responsabilidade de uma orientação legislativa, a ser dada previamente pela Assembleia da República. Já os Srs. Deputados do PSD - foi o que disse hoje o Sr. Deputado Correia de Jesus, pasme-se! -, vêm dizer que não podem estar de acordo com a solução avançada pelo PS sobre a possibilidade de se realizar um referendo quando o processo estiver em fase de apreciação parlamentar.
Mas os Srs. Deputados do PSD estão a ter uma atitude singular: querem um referendo desenquadrado da lei que regula o regime do referendo em Portugal.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Respeite a vontade popular!

O Orador: - É caso para perguntar: os Srs. Deputados do PSD já apresentaram, até hoje, algum projecto de lei para alterar o regime jurídico do referendo actualmente em vigor? Não consta que o tenham feito.

Vozes do PS: - Zero!

O Orador: - E, porque não o fizeram, perdoem-me, mas vão ter de ouvir uma explicação jurídica.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - A questão é política e não jurídica!

O Orador: - No n.º 1 do artigo 5. º da Lei n.º 45/91, que regula o regime do referendo, pode ler-se que a "proposta de referendo de iniciativa da Assembleia da República..." - sublinho "de iniciativa da Assembleia da República" - "... pode incidir sobre quaisquer matérias legislativas não excluídas da reserva do referendo". E que matérias legislativas são essas? A resposta está no artigo 4.º do mesmo diploma: as matérias são aquelas que estiverem como actos legislativos em processo de aprovação mas ainda não definitivamente aprovados.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados do PSD, os senhores querem referendos sobre os projectos dos grupos parlamentares ou, como consta de lei, querem referendos sobre actos legislativos em processo de apreciação parlamentar? É isto que a lei diz e é isto que queremos!

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Não fale para nós, fale para o Secretário-Geral do seu partido!

O Orador: - Nós estamos com a lei e os senhores andam a enganara opinião pública portuguesa!

Aplausos do PS.

Mas diz mais a lei que regula o âmbito do referendo, no n.º 2 do referido artigo 4.º: se a Assembleia da República apresentar proposta de referendo, a aprovação sobre o projecto ou proposta de lei, neste caso o respectivo processo suspende-se até à decisão pelo Presidente da República.
Srs. Deputados, tenham seriedade na vossa posição política e não venham dizer, desta tribuna, que não apoiam a solução de referendo que o PS possa apresentar porque essa é a solução da lei!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Se os senhores estiverem contra ela, afinal estão contra a possibilidade de referendo, e nesse caso andaram a enganar todos os portugueses.

Aplausos do PS.

A conclusão é óbvia: os Deputados da bancada do PS não se demitem de responder perante os portugueses que os elegeram pela liberdade da sua consciência e pela opção que fizerem; os Deputados da bancada do PS admitem que os portugueses possam ser consultados nesta matéria;...

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Já não era sem tempo!

O Orador: - ... os Deputados da bancada do PS convidam os Deputados das demais bancadas a ter a coragem de não subordinarem uma matéria tão séria à lógica da táctica partidária mas, sim, aos interesses profundos das grandes opções, em nome de valores que todos deveremos saber respeitar!

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Monteiro.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, na sua intervenção, V. Ex.ª procurou justificar...

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - O injustificável!

O Orador: - ... um conjunto de posições que o Partido Socialista tem vindo a assumir, publicamente, nos últimos dias.
Queria dizer a V. Ex.ª, desde logo, que não entendo, nem entende o meu partido, como pode o PS, ou qualquer outro partido político, confundir ou incluir no mesmo "saco" os referendos sobre a regionalização, sobre o

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aborto e sobre as matérias europeias, sendo certo que são questões completamente distintas que, em nome da ética - que nem sempre existe na actividade política -, não podem ser misturadas e têm, objectivamente, de ser separadas.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, queria colocar-lhe várias perguntas.
Em primeiro lugar, diz V. Ex.ª que o Tratado da União Europeia não pode ser referendado porque já foi aprovado pela Assembleia da República. Ora, pergunto qual é o critério do PS para afirmar, por um lado, que aquilo que é aprovado na Assembleia da República não pode ser depois colocado a referendo aos portugueses e, por outro lado, que a regionalização pode ser aqui aprovada, na Assembleia da República, e posteriormente sujeita a referendo dos portugueses.

Vozes do PS: - É falso!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Qual é o critério, Sr. Deputado? E não me venha falar do artigo 118.ª da Constituição, porque isso para mim não entra! Porque a Constituição...

Protestos do PS.

Tenham calma!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que façam silêncio.

O Orador: - Compreendo que os Deputados do Partido Socialista estejam nervosos, mas vão ficar ainda mais nervosos com a segunda pergunta que vos vou colocar!

Risos.

Sr. Presidente do Grupo Parlamentar do PS, sem entrar em questões constitucionais, queria perguntar-lhe qual é o critério de V. Ex.ª para justificar a não realização de um referendo com a aprovação de uma lei na Assembleia da República e, noutros casos, "à vontade do freguês", que a lei da Assembleia da República já possa ser referendada!
Por outro lado, V. Ex.ª afirmou, da tribuna, que os Deputados do PS não se demitem de actuar de acordo com a sua consciência, que foi para isso que foram eleitos. Então, Sr. Deputado Jorge Lacão, em nome dessa consciência, diga-me a mim, diga a todos e diga ao País: nas leis do aborto, V. Ex.ª quer voto secreto ou admite a votação nominal para ir ao encontro dessa coragem de consciência que todos os Deputados seguramente deverão ter? Responda, Sr. Deputado!

Aplausos do CDS-PP.

V. Ex.ª vai propor o voto secreto? Vai admitir o voto secreto se outra bancada aqui o propuser ou vai, ao meu lado, rejeitar a votação secreta em nome da coragem que as consciências, seguramente, têm de ter?

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Jorge Lacão deseja responder já ou no fim?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Monteiro, colocou-me uma questão sobre a possibilidade de haver contradição nas posições do Partido Socialista e do Grupo Parlamentar do PS em matéria de referendos. Serei eu que estou equivocado ou era o Sr. Deputado Manuel Monteiro quem dizia, de forma inequívoca, que em seu critério e em sua consciência o direito à vida não se referendava?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador,: - Mais tarde, por uma lógica de combate partidário, admitiu que, afinal, já poderia haver referendo em matéria de interrupção voluntária da gravidez.

Vozes do PS: - Só contradições!

O Orador: - Não me peça, portanto, para justificar as minhas contradições, mas aproveite para justificar as suas!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, o Sr. Deputado Manuel Monteiro colocou-me o seguinte problema: então o PS está contra a possibilidade de um referendo sobre matérias que têm a ver com o Tratado da União Europeia, o Tratado de Maastricht, que, como todos sabemos, está em pleno vigor na ordem jurídica portuguesa e, aparentemente com contradição, é a favor de um referendo sobre a regionalização depois de aprovada uma lei!? Colocou-me o problema, mas depois pediu-me para lhe dar uma justificação fora da Constituição! Sr. Deputado Manuel Monteiro, isso é que não é possível,...

Risos do PS.

... porque a nossa responsabilidade política obriga-nos a ter que dar respostas de acordo com a Constituição da República Portuguesa!

Aplausos do PS.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Óptimo!

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Então vai alterá-la!

O Orador: - Então é assim, Sr. Deputado Manuel Monteiro: o que a Constituição prescreve, especificamente, para o tema da regionalização é que haverá uma lei de criação das regiões, aprovada na Assembleia da República, cuja entrada em vigor está subordinada, como é óbvio, a promulgação prévia do Sr. Presidente da República. A Constituição admitirá é que, no processo de revisão constitucional, singularmente, através de uma solução construída - certamente, o Sr. Deputado não estará esquecido disso! - com a colaboração do PSD e do PS, a

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regionalização tenha o seu momento de referendo na fase de institucionalização em concreto das regiões, como condição da aplicação da lei de criação das regiões.
Sr. Deputado Manuel Monteiro, isto significa o óbvio, ou seja, que a Constituição terá de tratar, especificamente e de forma singular. a matéria do referendo para a regionalização. Portanto, não há qualquer similitude relativamente a referendos sobre outras matérias.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Acresce ainda, Sr. Deputado Manuel Monteiro, que, de facto, na lei de enquadramento do referendo não há possibilidade de referendar matérias que não tenham sido objecto de iniciativa legislativa em processo de aprovação parlamentar.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - É por isso que, em coerência com a lei que regula n regime do referendo, queremos abrir o processo de apreciação parlamentar e, na consequência da leitura resultante das deliberações intercalares da Assembleia da República nesse processo, esta optará ou não pela iniciativa do referendo, suspendendo então o processo seguinte da apreciação parlamentar.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - É assim, Sr. Deputado Manuel Monteiro, e não há volta a dar-lhe!

O Sr. José Junqueiro (PS): - Já aprendeu hoje alguma coisa!

O Orador: - Permita-me que lhe dirija o seguinte convite: recusemos a demagogia; os portugueses merecem de nós clareza nas posições por mais divergentes que sejam, mas não podem esperar que os enganemos por sistema, de acordo com uma lógica partidária que é completamente contraditória com os princípios de um Estado de Direito.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente,...

O Sr. Presidente: - Tem de terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Termino em 30 segundos, Sr. Presidente.

Finalmente, por iniciativa desta bancada, e com toda a honra, Sr. Deputado, a votação será nominal.

Aplausos do PS e do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Manuel Monteiro para fazer uma interpelação à Mesa, lembro que hoje temos a agradável companhia de 250 alunos da Escola Secundária de Ferreira Dias, de Lisboa, de 52 alunos da Escola Secundária Carolina Michaélis, do Porto, de 70 alunos da Escola Secundária n.º 2 do Seixal, de 37 alunos da Escola Secundária Tomás Cabreira, de Faro, de 60 alunos da Escola Profissional de Serviços de Cidenai, de Santo Tirso, e ainda representantes da Federação das Colectividades do Distrito do Porto e da Federação Portuguesa das Colectividades, para os quais peço a vossa habitual saudação.

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Presidente: - Agora sim, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Monteiro para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Sr. Presidente, utilizando a figura que V. Ex.ª me sugere, dirijo-me à Mesa para dizer que ficaram aqui claras, para nós, para mim em particular - e penso que isso é muito importante para o País, pelo que o Partido Popular fica contente com isso -, duas coisas muito concretas: em primeiro lugar, que o Partido Socialista votará nominalmente as leis sobre a liberalização do aborto; em segundo lugar, que o Partido Socialista admite mudar a Constituição para permitir a realização de um referendo sobre as matérias contidas no Tratado de Maastricht,...

Risos do PS.

... porque, quando o Partido Socialista vem aqui dizer que não pode aceitar o referendo, apenas porque o Tratado de Maastricht é uma matéria contida no artigo 118.º da Constituição, o Partido Socialista, pela voz do Sr. Deputado Jorge Lacão, reconhece, claramente, que trabalhará para alterar a Constituição.

O Sr. João Carlos da Silva (PS): - Isso não ouvi!

O Orador: - Para concluir, quero dizer à Mesa que lamento que a questões políticas me seja apenas respondido com questões jurídicas. É que, ontem, o líder da bancada do PS deu uma conferência de imprensa, onde admitiu o referendo sobre o aborto, não por questões jurídicas mas apenas por questões políticas e porque para tal foi obrigado pelo Secretário-Geral do Partido Socialista, que é também o Primeiro-Ministro de Portugal.

Aplausos do CDS-PP.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Manuel Monteiro, permita-me que lhe diga que a figura regimental da interpelação à Mesa não foi a que lhe sugeri mas a que o Sr. Deputado invocou.
Entretanto, o Sr. Deputado Jorge Lacão já invocou igualdade de tratamento e acabará aqui essa igualdade, porque não posso deixar epidemizar a deturpação de uma figura regimental.
Tem a palavra, Sr. Deputado Jorge Lacão, e peço-lhe que seja o mais sucinto possível.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, fá-lo-ei de forma totalmente sintética.
Sr. Deputado Manuel Monteiro, é natural que o Grupo Parlamentar do PS tome iniciativas baseado em critérios de orientação política. O que não seria natural, Sr. Deputado, era que tomássemos iniciativas políticas contra a Constituição e a lei.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

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O Orador: - Aquilo que lamentamos é que outros grupos parlamentares tomem iniciativas políticas contra a Constituição e a lei...

O Sr. José Junqueiro (PS): - Estão habituados!

O Orador: - ... e que, por isso, o Sr. Deputado Manuel Monteiro venha dizer que o Partido Socialista aceitaria implicitamente alterar as regras constitucionais em matéria de incorporação dos tratados internacionais na nossa ordem jurídica. Não aceitamos, Sr. Deputado Manuel Monteiro!

O Sr. José Junqueiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Prezamos muito a segurança jurídica, como condição indispensável da própria credibilidade externa do Estado português nessas matérias.
Depois, o Sr. Deputado Manuel Monteiro disse que tomámos as posições que tomámos por ordem do Secretário-Geral do PS. Devo dizer-lhe o seguinte, Sr. Deputado: dialogamos e consensualizamos posições com a orientação do Secretário-Geral do PS,...

O Sr. Manuel Monteiro (CDS-PP): - Dentro da bancada, não!

O Orador: - ... mas não confunda, porque esta não
é a sua bancada... 

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Não é, com certeza!

O Orador: - ... e não nos subordinamos a ordens, como o senhor, pelos vistos, tem o hábito de fazer na sua bancada.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, nos últimos dois meses parece que V. Ex.ª ensaiou um novo estilo de fazer política aqui no Parlamento: sempre que ocorre uma reunião do seu grupo parlamentar pela manhã, discursa no Plenário à tarde. E uma nova forma e, tal como já assistimos aqui há um mês atrás, quando assim sucede, isto é, quando o senhor fala de manhã no Senado e à tarde aqui, no Plenário percebe-se logo qual é o objectivo; nada significa de novo para o País, significa tudo de velho para dentro de si e da sua bancada.

Aplausos do PSD.

Dizem alguns que faz o ensaio ou o estágio de manhã para fazer o espectáculo à tarde...

O Sr. José Junqueiro (PS): - E o Sr. Deputado faz espectáculo todos os dias!

O Orador: - ... e outros até sublinham que, perante necessidades de auto-afirmação ou crises de autoridade, tem de fazer, de facto, esse número para dentro. A esse respeito, Sr. Deputado, gostava de lhe dizer o seguinte: julgo que nos podia poupar a todos, sobretudo ao País, a esse espectáculo, porque a nobreza da actividade que aqui desenvolvemos é, de facto, mais importante do que esses números ou exercícios de auto-afirmação interna.
Por outro lado, o Sr. Deputado fez algumas afirmações e até parece acreditar nelas, o que é o mais espantoso. Até parece que acredita!

Risos do PSD.

Protestos do PS.

Até parece que acredita que, em matéria de referendo, foi sempre de uma coerência linear, de uma defesa intransigente da opinião do povo português, enfim, de uma linearidade a todo o propósito. Até parece que acredita! E o mais espantoso nem é dizer o que diz é quase dar a entender que acredita naquilo que diz, sobretudo em matéria de coerência.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas há algo ainda mais admirável, Sr. Deputado: ultimamente também, a sua grande preocupação é fazer oposição a esta bancada, designadamente como hoje, quase com alguns insultos à consciência dos 88 Deputados do PSD. Sr. Deputado, de uma forma nítida e clara, quero dizer-lhe que, em matéria de referendo sobre regionalização, sobre aborto ou sobre qualquer outra matéria, pode ficar tranquilo que não insulta a minha bancada: em primeiro lugar, porque não insulta quem quer; em segundo lugar, porque está a insultar a inteligência e o bom senso do povo português. Esse é que pode sentir-se insultado, nunca os Deputados do Partido Social Democrata!

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: - Mas o seu novo estilo vai ainda mais longe: por cada iniciativa do PSD, com razão, com convicção e com argumentos, o senhor ensaia agora uma nova forma de fazer política, ou seja, primeiro, recusa, depois, faz uma pirueta - foi assim no referendo sobre a regionalização -, primeiro, recusa, depois, faz uma cambalhota - foi assim no referendo sobre as questões do aborto -, primeiro, recusa, depois, acaba por aceitar, de uma forma atabalhoada, tarde e a más horas. E sabe porquê, Sr. Deputado? Porque longe vão os tempos, para si e para a sua bancada, de há dois e três anos atrás, em que se propunham mais referendos, mais matérias a serem sujeitas a referendo, maior iniciativa para o referendo, tudo para ficar encaixilhado nos papéis, porque referendos, nem um a passar à prática.
A diferença entre os senhores e nós é a seguinte: nós, em certas matérias, queremos o referendo por convicção, os senhores actuam por mera conveniência, a pressão e a reboque dos acontecimentos.

Protestos do PS.

Para concluir, Sr. Deputado, lições quanto ao funcionamento do grupo parlamentar, nem pense! Recuso-me a aceitar a ideia de que desse lado está a liberdade e a demo

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cracia e deste lado está a falta de liberdade e a falta de democracia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: - Deixe-me dizer-lhe o seguinte, Sr. Deputado: trate o senhor do seu grupo parlamentar, no qual não interferimos, que, nesta bancada, no dia 20, em matéria de legislação sobre o aborto, e em todas as outras matérias, a consciência dos 88 Deputados do PSD será demonstrada, na altura própria, sem nenhum tipo de imposição de qualquer espécie.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, já havia dado a palavra ao Sr. Deputado Marques Mendes, quando chegou ao meu conhecimento o pedido de uso da palavra da Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto para exercer o direito regimental de defesa da honra da bancada do CDS-PP.
Sr." Deputada, se não se importa, dado o imediatismo do debate, dou a palavra ao Sr. Deputado Jorge Lacão para responder ao Sr. Deputado Luís Marques Mendes e, em seguida, dar-lhe-ei a palavra a si.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Mendes, compreendo que lhe pudesse dar algum jeito condicionar ou limitar de alguma forma os critérios de oportunidade de intervenção do líder do Grupo Parlamentar do PS.

Vozes do PS: - Pois dava!

O Orador: - Naturalmente, essa possibilidade não está ao seu alcance e até se dá a circunstância, feliz para a bancada do PS, de podermos fazer reuniões do grupo parlamentar de manhã e de eu poder fazer intervenções no Plenário à tarde. Maior transparência das nossas posições perante os portugueses não pode, pois, encontrar!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Marques Mendes, nunca me preocupei com essa sua obsessão em saber se, quando falo, falo para dentro ou para fora; estou muito mais preocupado, quando o ouço, em saber se o senhor diz alguma coisa de relevante para que o nosso debate político tenha sentido e utilidade.

Aplausos do PS.

Ora, desculpar-me-á que lhe diga que estive atento e não descobri qualquer relevância.
O Sr. Deputado veio sugerir que eu acredito muito no que disse e, supostamente, o que disse não corresponde àquilo que ocorreu, dando o exemplo do referendo para a regionalização. Vamos, então, recapitular, para que o Sr. Deputado Marques Mendes volte, novamente, a ter consciência do que foi dito.

O Sr. José Junqueiro (PS): - É difícil!

O Orador: - O que eu disse foi o seguinte: o PS, no projecto de revisão constitucional, no desta legislatura e, por sinal, até no da legislatura passada, incorporava a possibilidade de consultas populares directas no processo de instituição em concreto da regionalização. E, tendo dito isto, acrescentei a seguir: depois, evoluímos também para a possibilidade de esse referendo implicar uma consulta nacional directa. De onde, Sr. Deputado, não escamoteei rigorosamente nada da posição do PS, o que lembrei foi que a vossa intenção referendária para a regionalização não ia no sentido de a viabilizar mas, antes, de a impedir.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E, como o Sr. Deputado sabe, ia de tal modo no sentido de impedir a regionalização que até faziam uma proposta para que as abstenções dos eleitores valessem como votos contra, ou seja, para que a regionalização nunca tivesse lugar em Portugal.

Aplausos do PS.

Processos assim, como o que o PSD propôs, só nos "tempos da outra senhora", para validação da Constituição de 1933.

Vozes do PS: - Exactamente!

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Só dislates!

O Orador: - São tempos que já lá vão, Sr. Deputado Marques Mendes!
Quanto à questão do referendo sobre o regime da ilicitude da interrupção voluntária da gravidez, Sr. Deputado, fiquei cheio de expectativa, no sentido de que o Sr. Deputado, que é jurista, viesse aqui dizer que as minhas alegações relativamente ao enquadramento em que esta matéria se deve processar, de acordo com a Constituição e a lei orgânica que regula o referendo, não estavam correctas. Bem, Sr. Deputado Marques Mendes, não foi nada disso que o senhor aqui veio dizer, aquilo que o senhor, afinal, veio dizer foi que, porventura, nesta matéria, estaríamos agora a tomar uma posição diferente. É a mesma, Sr. Deputado Marques Mendes, é a mesma! Sempre disse que não aceitaríamos a vossa iniciativa de referendo para evitar que os Deputados da sua bancada assumissem responsabilidades perante o povo português! É a mesma, Sr. Deputado, que faz com que nós, orgulhosos disso, queiramos assumir as nossas responsabilidades perante o povo português! É a mesma, Sr. Deputado! Admitimos que o povo português possa ser consultado, mas para fazer opções relativamente a soluções legislativas objectivas e não aos delírios das vossas perguntas, que são feitas à margem das iniciativas legislativas concretas. Nós não manipulamos a opinião pública, essa, infelizmente, é a vossa prática.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: - Para exercer o direito regimental de defesa da honra da sua bancada, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, deve haver um equívoco, porque esta bancada não recebe ordens da direcção do partido, o que esta bancada entende é que só tem vantagens em estar articulada com a direcção do partido e em estar articulada com o conteúdo das moções aprovadas em Congresso. O mesmo não sucede com a sua bancada, como temos visto, com muita frequência, que deixa cair o seu próprio Governo, inúmeras vezes, aqui, neste Hemiciclo, em votações e não só. Portanto, esta articulação é algo que fazemos por uma questão de coerência e eficácia que lhe recomendo vivamente, tanto mais que, da sua, depende a boa governação do País.
Em segundo lugar, Sr. Deputado Jorge Lacão, quero dizer-lhe que, nesta bancada, não há decisões unilaterais, tudo o que decidimos é em conjunto, ao contrário do que parece acontecer na sua, conforme veio a lume, pois a direcção da bancada decidiu uma coisa e os Deputados souberam-na pela comunicação social.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, acredite que saberei respeitar permanentemente aquela que é a sua função, como líder da bancada do Partido Popular, e não será por iniciativa minha que será feita, de forma gratuita, alguma provocação política sem consequência à sua bancada e à Sr.ª Deputada em particular.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, a senhora foi eleita, muito recentemente, líder dessa bancada. E todos sabemos as vicissitudes que a sua bancada atravessou e porquê. Não falemos sobre isso, porque são águas passadas, mas permita-me que eu defenda, intransigentemente, a minha honra como líder do Grupo Parlamentar do PS e a do Secretário-Geral do PS, porque nem eu aceito ser comandado, nem a posição dele, alguma vez, foi comandar a bancada do PS.

Aplausos do PS.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Foi ao lado!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Luís Marques Mendes pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, para uma breve interpelação.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Foi o Marcelo que lhe telefonou?

O Sr. Presidente: - Quando são breves, são sempre...

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Não é uma verdadeira interpelação, mas é uma interpelação útil, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não lhe posso recusar a palavra porque já dei igual direito a dois outros Deputados, mas peço-lhe que seja extremamente sucinto. De futuro, têm de compreender que se pedem a palavra para uma interpelação e não a usam para esse efeito, eu retirá-la-ei, porque senão dá este arrastamento que já é conhecido.
Faça favor, Sr. Deputado. Seja breve.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, julgo que a minha interpelação vai ter alguma utilidade.
Na sequência do que me respondeu agora o Sr. Deputado Jorge Lacão sobre a questão de como e em que momento suscitar o referendo, não vou entrar na discussão jurídica nem na questão política...

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas é pena!

O Orador: - O que vou fazer é dar-lhe um exemplo claro de como a posição que o senhor apresentou é de hipocrisia política...

Vozes do PS: - Qual é que é a hipocrisia?

O Orador: - ..., ao dizer que pode defender o referendo mas que, realmente, ele pode não acontecer.
Suponha, Sr. Deputado, seguindo a sua teoria, que, no dia 20, os projectos de lei da Juventude Socialista e do PCP são, por exemplo, chumbados, aqui, na Assembleia da República. Pela sua teoria já não há, nunca, referendo ou consulta popular.

Protestos do PS.

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro, não há lei!

O Orador: - Ou seja, o senhor está a defender um referendo que pode não existir. A diferença de comportamento dessa bancada relativamente à nossa, é esta: se o referendo se colocasse, como se devia colocar, logo à partida, antes da votação na generalidade, aí sim, era genuíno, era autêntico, era por convicção, era o povo português a decidir!
O senhor está a tentar, na secretaria, por um expediente, evitar que os portugueses sejam consultados e possam decidir.

Aplausos do PSD.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - O senhor não sabe o que está a dizer!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, desculpem, mas não posso deixar resvalar esta discussão. Têm de se colocar na minha posição. Temos hoje uma agenda carregadíssima e se deixo resvalar a discussão para este tipo de pergunta/resposta e provocação/resposta, nunca mais acabamos.
E não há excepções, estão todos na mesma posição.
Vou dar a palavra ao Sr. Deputado Jorge Lacão, mas é o último Deputado a usar a figura da interpelação. Não me levem a mal, mas não vou deixar resvalar a figura para este abastardamento, que é impossível. Ou então alterem o Regimento.

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Tem a palavra. Sr. Deputado Jorge Lacão, pedindo-lhe que seja o mais conciso possível.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Marques Mendes, talvez não tenha reparado, mas o senhor estava a falar e eu até fechei os olhos de incredibilidade pelo que estava a ouvir.

O Sr. José Magalhães (PS): - Exacto!

O Orador: - Mas é possível que o senhor, como Presidente de um grupo parlamentar com a responsabilidade que o seu supostamente tem, me venha dizer que não quer discutir isto comigo em termos jurídicos...

O Sr. José Magalhães (PS): - Um jurista!

O Orador: -..., para depois dizer algumas coisas que são completamente insustentáveis à luz do Estado de Direito em que vivemos?! O Sr. Deputado Marques Mendes disse o seguinte: "então o PS abdicaria de um referendo se os projectos de lei viessem a ser reprovados no Plenário da Assembleia."

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não é isso!

O Orador: - Sobre que matéria legislativa possível, Sr. Deputado Marques Mendes? Sobre que matéria, uma vez que a lei do referendo diz que é sobre matéria em processo de aprovação na base de matéria legislativa da Assembleia da República?

Protestos do PSD.

E se é matéria legislativa da Assembleia da República é a que a Assembleia valida, não é aquela matéria mental que o senhor possa ter na sua cabeça.

Protestos do PSD.

Sr. Deputado Marques Mendes, o ponto em que se colocou é o ponto nevrálgico deste debate político. Os senhores estão a manipular grosseiramente a opinião pública portuguesa ....

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

... porque estão a tomar posição sobre um instrumento que já não se chama referendo, chama-se plebiscito, e o plebiscito é dos Estados autoritários e não dos Estados de Direito.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, gostaria de colocar-lhe duas questões relacionadas com a lógica política. E, repito, lógica política, porque há alguns aspectos jurídicos que o Sr. Deputado já referiu que dependem da vontade política. Refiro-me, concretamente, ao facto de, neste momento, estar em aberto, na Assembleia da República, um processo de revisão constitucional. Por conseguinte, qualquer problema jurídico-constitucional que tenha a ver com a possibilidade ou não de um referendo sobre a moeda única pode ser resolvido desde que haja vontade política.
Por isso, a primeira questão que lhe coloco é apenas na perspectiva dessa lógica política: qual é a lógica política que leva a direcção do Grupo Parlamentar do PS e digo a direcção do Grupo Parlamentar do PS, porque desconheço se, entretanto, já há uma posição em termos de grupo parlamentar - a propor ao seu grupo parlamentar a hipótese de um referendo sobre matéria que, todos estamos de acordo, é do foro íntimo das pessoas? E aquilo que é do meu foro íntimo parece-me não dever estar sujeito à vontade de outrem, é da minha vontade que ele depende.
Por que é que a lógica da direcção do Grupo Parlamentar do Partido Socialista leva a propor um referendo para essa matéria e não leva a apresentar uma proposta de referendo sobre a moeda única - e recordo o que lhe disse sobre a questão jurídica -, quando nesse caso não está em causa um problema do foro íntimo das pessoas, é um problema que tem a ver com o futuro do País, com a evolução do futuro da sociedade portuguesa?
Mais uma vez no âmbito da lógica política, a direcção do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, na proposta que anunciou ir fazer ao seu grupo parlamentar, coloca-se na seguinte postura: se houver uma maioria de Deputados que, em termos da generalidade, diga "sim" à discriminalização do aborto, vai depois perguntar à opinião pública se o quer; se houver uma maioria de Deputados que diz "mantenha-se a criminalização do aborto", já não entende necessário consultar a opinião pública.
Eram estas duas questões de lógica política que gostaria que me esclarecesse muito claramente.

Aplausos do PCP.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, o senhor tentou colocar-me uma similitude, a que chamou lógica política, entre a possibilidade de um referendo no decurso do processo legislativo sobre as matérias relativas à interrupção voluntária da gravidez, e, depois, por similitude, conduzindo a que o PS fizesse um processo na revisão constitucional que viabilizasse um referendo sobre a moeda única.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Confesso que não percebi inteiramente a coerência do seu raciocínio. Pode ter sido limitação da minha parte, mas, para já, houve uma coisa que me pareceu poder retirar das suas palavras: é que o PCP não exclui, portanto, também a possibilidade da oportunidade do referendo na fase intercalar relativamente às matérias sobre a interrupção voluntária da gravidez. Nesse sentido, o PCP também deu um contributo a meu ver útil para este debate, ao admitir essa possibilidade. Provavelmente, o PCP encara a hipótese de não se excluir dessa mesma possibilidade. Se assim for, essa atitude é certamente bem-vinda e positiva.

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Agora, Sr. Deputado, quanto à questão, mais uma vez, da moeda única, o que está configurado na Constituição e na lei é que os tratados internacionais podem ser susceptíveis de referendo na fase de aprovação, mas depois de estarem incorporados na ordem jurídica eles transformam-se numa relação que é, simultaneamente, de direito interno mas também de direito público, no plano do Direito Comunitário.
Portanto, Portugal, em nome da segurança jurídica e dos seus compromissos essenciais, não admitirá certamente pôr em crise aquilo que, de forma legítima e com a total possibilidade de ter feito de outro modo, a Assembleia da República fez, ao aprovar o Tratado de Maastricht e, nele, o objectivo da moeda única.
Continuamos a ser coerentes, Sr. Deputado Octávio Teixeira. Admito que discorde da nossa posição, mas certamente não discordará por ela não ter coerência.
Quanto ao referendo relativamente à matéria de interrupção voluntária da gravidez, o Sr. Deputado Octávio Teixeira não é jurista e, portanto, não lhe responderei com a mesma veemência com que há pouco o Fiz ao Sr. Deputado Marques Mendes. Na verdade, aquilo que pode separar é a fronteira, que pode parecer ténue, entre o referendo, que é sobre matérias a incorporar no plano legislativo, e o plebiscito, que são perguntas abstractas, politicamente decididas, aos eleitores. Sr. Deputado Octávio Teixeira, é esta a fronteira que marca a diferença entre o Estado Democrático de Direito e o recurso totalitário, para a imposição de vontades em conjunturas políticas que, muitas vezes, deitam a perder o essencial da democracia.

Vozes do PS: - Bem lembrado!

O Orador: - Portanto, Sr. Deputado Octávio Teixeira, estou convencido de que o senhor vai meditar melhor sobre o problema e baterá palmas à posição que o PS defende.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Octávio Teixeira pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Para defesa da honra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, não posso deixar de usar da palavra para defesa da honra quando o Sr. Deputado Jorge Lacão, na sequência da sua intervenção há pouco, em que o fez de uma forma mais soft, vem dizer que eu tinha anunciado, ao fim e ao cabo, a adesão do PCP à ideia do referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez. É nesse sentido que uso esta figura regimental.
Quero dizer, desde já, que, precisamente por ser uma questão do foro íntimo de cada pessoa, designadamente das mulheres, consideramos que essa é matéria que não deve ser referendada. Por isso, mantemos a nossa posição em relação à hipótese de um qualquer referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez: é do foro íntimo, não é referendável! Por conseguinte, não estamos nessa linha e não estamos de acordo com o referendo.
Mas há outra questão, Sr. Deputado Jorge Lacão: eu coloquei as questões em termos da lógica política. Apesar de eu não ser jurista, fiz umas cadeiras de direito no meu curso, talvez bastante excessivas em termos quantitativos, e ainda sei distinguir o plebiscito do referendo.
Sr. Deputado Jorge Lacão, em relação à moeda única, o que lhe disse foi o seguinte: como está aberto o processo de revisão constitucional pode alterar-se ou eliminar-se a questão jurídica que é suscitada por V. Ex.ª. Existe, por exemplo, uma proposta do PCP, em termos de revisão constitucional, que permite fazer o referendo. Isto apenas para lhe chamar a atenção que não vamos colocar as questões jurídicas em termos de lógica política. E é aí, na questão da lógica política, que há condições insanáveis nas posições que a direcção do Grupo Parlamentar do PS tomou sobre estas matérias.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr: Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr: Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Octávio Teixeira, peço-lhe desculpa mas eu não disse que o PCP, através de si, tinha anunciado a adesão à possibilidade do referendo. O que eu disse foi que julguei ver nas suas palavras que tinha admitido essa possibilidade.
Feito este esclarecimento, talvez compreenda que, então, não haveria razão para o alvoroço da defesa da honra.
Porém, o Sr. Deputado Octávio Teixeira disse uma coisa singular, sobre a qual vale a pena reflectir. Disse que somos contra a possibilidade do referendo porque esta opção é do foro íntimo. É certamente, Sr. Deputado! Será do seu foro íntimo, do meu, de todos os Deputados que tiverem que se pronunciar no momento oportuno, mas o nosso foro íntimo vale o mesmo que vale o foro íntimo de qualquer cidadão português. Não se esqueça disso.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem lembrado!

O Orador: - O nosso foro íntimo não é privilegiado relativamente ao foro íntimo das outras pessoas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, Sr. Deputado, o problema de optar ou não pela possibilidade do referendo não é justificável doutrinariamente por causa da questão do foro íntimo. Eventualmente, seria explicável se tivesse razão a posição do Sr. Deputado Manuel Monteiro de pôr em termos de adesão um valor absoluto do direito à vida e entender que um valor absoluto não é susceptível de opção democrática. Aí, sim! Ora, o Sr. Deputado não disse que a questão se coloca em termos da preservação de um valor absoluto. O Sr. Deputado disse que a questão se coloca em termos da opção íntima de cada pessoa. Por isso, Sr. Deputado, o seu argumento doutrinário não vale para a possibilidade de recusar o referendo aos portugueses.
Mais uma vez lhe digo: reflicta nas posições do PS e talvez venha a ter ocasião de eu lhe bater palmas outra vez.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para defender a honra da sua bancada, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Mendes.

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O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente Srs. Deputados, o Sr. Deputado Jorge Lacão quis insinuar, há pouco, que aquilo que temos vindo a sustentar não são referendos mas, sim, plebiscitos, tentando com isso fazer insinuações políticas que eu não posso deixar passar em claro. Quero, a esse respeito, dizer-lhe, Sr. Deputado, que o que sustentamos não são plebiscitos mas verdadeiros referendos -...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... é consultar o povo - e, em matéria de fantasmas, não vale a pena agitar nem o separatismo, nem o fascismo, nem os plebiscitos porque somos todos de um Estado de direito, somos todos amantes da democracia, e aí nada nos separa, aí tudo nos une.
O Sr. Deputado dizia que o Sr. Deputado Octávio Teixeira poderia, eventualmente, ter alguma dificuldade porque não era jurista, mas eu sou. Isto quer significar que o senhor pode tentar enganar o Deputado Octávio Teixeira, mas não consegue, porque ele está sempre muito bem assessorado!

Protestos do PS.

Sr. Deputado, se quiser discutir juridicamente, a questão é a seguinte...

Protestos do PS.

Srs. Deputados, peço-vos que oiçam porque a questão é tão ou mais séria, na sua profundidade, do que a de há pouco: o referendo, em Portugal, é possível a partir de iniciativas legislativas, o que significa que, para haver um determinado referendo sobre uma matéria legislativa, tem de existir primeiro um projecto de lei. A partir desse momento o referendo significa que, em vez de ser o Parlamento a decidir, é o povo a decidir. Em alternativa à decisão normal do Parlamento, própria da democracia representativa, passa a ser o povo, através de referendo. O que significa que, se não tivessem existido os projectos de lei que apresentaram, não era possível termos defendido a ideia do referendo.
A segunda parte da questão (que tanto o senhor como toda a gente entende) é esta, Sr. Deputado: é que, se o referendo se fizesse logo a partir do debate na generalidade, podia até fazer-se a discussão aqui dentro, mas a votação não se fazia e o povo, que era consultado, diria "sim" ou "não", com o asco próprio de a liberdade de decisão de cada um conduzir ao "não" ou conduzir ao "sim". Isso era o referendo autêntico, era dizer: eu sou adepto do referendo, coloco a questão ao País e o País decide "sim" ou decide "não" e cada um pode manifestar-se. Do meu ponto de vista, esse é o referendo único, autêntico e por convicção.
A solução que o senhor defende à última hora de haver referendo depois do debate e da votação na generalidade significa o seguinte: primeiro, é inconsistente juridicamente; segundo, é hipócrita politicamente, porque esse referendo pode nunca acontecer. Basta que as leis não passem, aqui, na Assembleia da República, e já nunca haverá referendo.
Aquilo que eu quis dizer, e volto a reafirmar, é isto: eu posso ter a minha opinião, e vou dizê-lo na altura própria, sobre as leis em debate, mas há milhões de portugueses que têm a sua liberdade de consciência e que querem pronunciar-se e o senhor está a vedar ao povo português a possibilidade de poder pronunciar-se sobre matérias que são da sua liberdade de consciência, matérias em que todos gostariam de poder pronunciar-se.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É isto que o Sr. Deputado não consegue desmentir nem negar à evidência.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, francamente, eu já não sei o que é que hei-de fazer ao Sr. Deputado Marques Mendes... Não acerta uma esta tarde!

Risos do PS.

O Sr. Deputado Marques Mendes veio agora com outra ideia singular: de facto, os referendos incidem sobre matéria legislativa em processo de aprovação (é isso o que diz a lei), mas, na versão do Sr. Deputado Marques Mendes, quando é que começa o processo de aprovação? Quando os grupos parlamentares entregam os projectos de lei na Mesa da Assembleia da República.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Isso mesmo!

O Orador: - Sr. Deputado Marques Mendes, eu julgava que o senhor, à luz da Constituição, do Regimento, da própria experiência parlamentar, sabia que o processo de aprovação legislativa tem três fases: a votação na generalidade, a votação na especialidade e a votação final global.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Exactamente!

O Orador: - Portanto, um processo de aprovação ocorre desde que ocorra, pelo menos, a primeira fase, ou seja, a votação dos projectos de lei na generalidade.

O Sr. Nuno Baltazar Mendes (PS): - Exactamente!

O Orador: - Mas o Sr. Deputado Marques Mendes não entende isto, que é elementar. E, como não entende isto, já todos os Srs. Deputados perceberam que não entende o outro aspecto: não sabe distinguir a lógica referendária da lógica plebiscitária!

O Sr. José Junqueiro (PS): - Exactamente!

O Orador: - Porque diz outra vez o seguinte: então, se não houvesse iniciativa legislativa, não haveria de ser possível que a Assembleia da República votasse perguntas para que os portugueses se pronunciassem? Sr. Deputado Marques Mendes, e por que não sobre tudo o que lhe viesse à cabeça, sem qualquer iniciativa legislativa e com a mesma suposta racionalidade?

O Sr. António Braga (PS): - Ora bem!

O Orador: - Sr. Deputado Marques Mendes, isso é que é o plebiscito! Isso é que é a lógica autoritária! É o

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divórcio entre a legitimidade do órgão de soberania, que tem a função legislativa e que se chama Assembleia da República, e o encarregar o eleitorado de tomar opções desenquadradas do enquadramento que o órgão de soberania representativo e democraticamente legítimo (por isso é que também é de soberania) deve ter ,num processo como este.

Vozes do PS: - Muito bem!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao último Sr. Deputado inscrito para pedir esclarecimentos, lembro que, desde as 16 horas e até às 18 horas - portanto, só falta uma hora - decorre na Sala D. Maria a eleição de representantes da Assembleia da República para órgãos exteriores à mesma. Peço-vos que não deixem de exercer o direito de voto.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Lacão, V. Ex.ª, quando é acossado e está a perder um debate e a "levar tareia" parlamentar durante 20 minutos seguidos como está agora...

Risos do PSD.

... refugia-se na sobranceria e na chicana, como fez nesta intervenção.

Protestos do PS.

Contudo, Sr. Deputado. reitero por completo as afirmações do meu líder parlamentar e até sugeria à Câmara que estas suas intervenções da quinta-feira passassem a chamar-se declaração política "OMO", porque é uma exclusiva tentativa de branquear as divisões internas que, de 15 em 15 dias, invadem o seu, grupo parlamentar e as relações com o seu Governo! Declaração política "OMO", para á história do Parlamento, às quintas-feiras pelo Sr. Deputado Jorge Lacão!
A declaração política de V. Ex.ª, hoje, merece dois comentários: primeiro, uma imprecisão histórica, numa tentativa de reescrever a história inaceitável para nós; em segundo lugar, a confirmação de que VV. Ex.as, em termos políticos, estão a capitular permanentemente e a demonstrar que as vossas convicções, as convicções com que defendem as vossas opções eleitorais, têm vindo a esbater-se com o tempo.
Vamos à questão histórica. V. Ex.ª lança a questão da polémica à volta do referendo constitucional e dos referendos em geral, localizada no tempo à questão da regionalização. V. Ex.ª tem má memória, e eu percebo porquê. Porque o referendo está encravado na garganta do Partido Socialista! Significa para o PS aquilo que é: um partido que chega sempre atrasado à História.

Protestos do PS.

Sr. Deputado Jorge Lacão, o PSD propôs que fosse referendada a Constituição de 1976, mais tarde, é por iniciativa do PSD que é constitucionalizado o referendo e mais tarde, ainda, Sá Carneiro pretendeu lançar a ideia de que só através de referendo se podia derrotar a vossa "caturrice", que impediu que o País estivesse agarrado, durante quase 15 anos, à Constituição do 11 de Março! É desta questão que VV. Ex.as têm de se lembrar e têm de a assumir.

O Orador: - É isto, Sr. Deputado, que marca os princípios fundamentais do Estado de direito, da separação de poderes e do equilíbrio no funcionamento do sistema político em geral. Mas o Sr. Deputado Marques Mendes teima em não compreender estas coisas! Sr. Deputado, digo-lhe sinceramente: se houver disponibilidade da sua parte, posso contribuir para um curso acelerado!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E, neste momento, de novo, aquilo que está patente, é isso: é VV. Ex.as não compreenderem os movimentos de opinião! Ficou claro que os portugueses querem pronunciar-se sobre se querem ou não regionalização; está claro agora que, sobre esta questão ético-política fundamental, que tem a ver com a interrupção voluntária da gravidez, os portugueses querem dizer o que pensam. Mas VV. Ex.as fincaram o pé e teimaram, semanas a fio, que não queriam referendo para a regionalização; teimaram, semanas a fio, que não queriam referendo sobre esta questão do aborto. Contudo, agora dão uma cambalhota para trás - uma, duas, três, quatro - e procuram uma solução hábil para, no fundo, virem ao encontro daquilo que eram as posições da oposição, que chegou muito mais cedo do que VV. Ex.as a compreender o que a opinião pública desejava.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para terminar, Sr. Deputado, uma pergunta concreta. V. Ex.ª acusou-nos de que não teríamos liberdade para emitir a nossa opinião individual na questão do aborto e o líder parlamentar do meu partido já lhe respondeu.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Mal! Mal!

O Orador: - O que eu queria saber era se a posição do PS sobre esta matéria é a posição do partido social-católico do Eng. Guterres e da Dr.ª Maria de Belém, do partido ex-marxista-leninista socialista do Dr. José Magalhães ou do partido republicano da Juventude Socialista e dos históricos socialistas. Qual é a posição do Partido Socialista sobre esta matéria?

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Para responder, tema palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS):- Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, na verdade, tenho de reconhecer que o senhor esteve inteiramente à altura da pergunta que me fez.

Risos do PS.

A sua preocupação é a de saber sobre que filiação dos partidos que inventou num artigo de jornal é que se revêem as pessoas do PS. As pessoas do PS têm muito mais

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que fazer do que andar a rever-se na imaginação delirante do Sr. Deputado que, quando não tem que fazer, escreve sobre essas rábulas que não têm qualquer interesse para o esclarecimento dos assuntos sérios em Portugal!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, vamos às coisas sérias.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E as coisas sérias, Sr. Deputado, têm a ver com a circunstância de saber quem é que chega atrasado à História.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - É o PS!

O Orador: - Os senhores estiveram 10 anos no Governo e tiveram maioria absoluta em dois mandatos! Os senhores bloquearam, por responsabilidade exclusiva da vossa parte, um processo de revisão constitucional na legislatura passada!

Vozes do PSD: - Isso é falso!

O Orador: - Os senhores impediram a reforma das leis eleitorais!

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Bem lembrado!

Vozes do PSD: - Falso!

O Orador: - Os senhores impediram as candidaturas independentes para a aplicação nas eleições autárquicas, pelo menos há dois mandatos, em Portugal!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Os senhores têm dificultado, por todas as vias à vossa disposição, todas as reformas, incluindo a da regionalização, de que o senhor falou!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ao ponto de chegarmos a esta situação paradoxal: o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes acha que os portugueses tem de ter o direito a pronunciar-se sobre a regionalização que querem e o PSD não reconhece esse direito aos portugueses e não é capaz de dizer aos portugueses que regionalização é que lhes propõe!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É a máxima demissão de responsabilidades! É a máxima falta de coerência! E é porque os senhores são um partido sem convicções, sobre nada nem coisa nenhuma que estão sempre arrastados pela vossa lógica imobilista!

Aplausos do PS.

O Orador: - O que estamos aqui a fazer, Srs. Deputados, é a dar sinal de uma coerência e de uma vontade reformadora. Esperemos que os senhores, com a derrota eleitoral que tiveram, tenham finalmente aprendido quem é que chega atrasado à História!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, peço que me desculpe mas não posso dar-lhe a palavra para nenhuma espécie de interpelação. Se for defesa da honra, claro que não lha posso negar. Apenas posso entender que os senhores, hoje, estão hipersensíveis e que, provavelmente, continuará a ser assim quando estiver em causa a temática do aborto!

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, pedia-lhe que, em relação a mim, houvesse o mesmo tratamento que houve em relação a outros Srs. Deputados. Não peço mais do que isso!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, estou farto de dizer que não há igualdade de tratamento quando se viola o Regimento. Já houve igualdade de tratamento entre as quatro bancadas.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, a representação parlamentar é individual, de cada Deputado. Não é de bancadas, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Desculpe, Sr. Deputado, mas invocou a igualdade de tratamento em matéria que viola o Regimento. Já garanti a igualdade de tratamento, contra a minha própria vontade, a todas as bancadas. Se vamos agora; numa segunda linha, cada bancada, querer uma segunda violação do Regimento e se depois todos invocarem igualdade de tratamento, nunca mais saímos daqui! Sr. Deputado, não me leve a mal mas já acabou o tempo. Sabe a estima que tenho por si! Se quiser invocar a defesa da honra, não posso negar-lha.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, nesse caso, invoco a defesa da honra.

O Sr. Presidente: - Assim sendo, tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Filipe Menezes (PSD): - Sr. Presidente, invoco a defesa da honra por duas razões: uma, fundamentalmente por aquilo que o Sr. Deputado Jorge Lacão disse em relação à falta de convicções da minha bancada e, outra, pelo comentário jocoso que tez sobre os meus humildes artigos. Fiquei a saber uma coisa sobre os meu humildes artigos: é que V. Ex.ª os lê, o que me deixa muito lisonjeado.
No entanto, Sr. Deputado Jorge Lacão, em relação ao que V. Ex.ª disse sobre o PSD ter bloqueado a revisão constitucional na anterior legislatura, mais uma vez. V. Ex.ª não tem memória. Sr. Deputado, na anterior legislatura, no dia "zero", o Sr. Primeiro-Ministro Cavaco Silva, na apresentação do Programa do Governo, ocupou uma parte substancial da sua intervenção a apresentar um conjunto de propostas que obrigavam à revisão constitucional, incluindo aquelas que o senhor agora referiu.
Mas, mais uma vez, os senhores albergaram-se nas questões formais para impedir que a revisão constitucional se concretizasse. E aí há uma questão principalmente de convicções, as tais que V. Ex.ª nos acusa de não termos. Nós dissemos que enquanto os senhores não dessem o direito de voto a todos os portugueses, incluindo àqueles que vivem e trabalham no estrangeiro, para as eleições presidenciais não aceitávamos qualquer outro tipo de

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proposta que VV. Ex.as nos fizessem. Foi precisamente na defesa de convicções que impedimos que houvesse uma revisão constitucional parcelar e injusta feita só à medida de alguns portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS) - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, é verdade que, de vez em quando passo os olhos pelos seus artigos mas depois reparo que não têm matéria suficientemente relevante e não encontro aí nada que me possa dar inspiração útil. É assim, mas, se se esforçar um bocadinho mais, prometo que também, no futuro, me esforçarei para os ler com mais atenção.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - No entanto, Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, a justificação dada para que tenha sido bloqueada a revisão constitucional na legislatura passada foi a de que o PSD se mantinha intransigentemente na defesa do direito de voto irrestrito aos residentes fora do território e com isso, em nome de uma coerência acima de tudo o mais, bloqueou essa revisão. Porém, já perguntei, há tempos, ao Sr. Deputado Luís Marques Mendes se continuavam na mesma linha de coerência e se, pela mesma razão, iam bloquear esta revisão constitucional. Como sabe, estamos ainda à espera da resposta!
Sr. Deputado Luís Filipe Menezes, ou o senhor tem razão naquilo que acabou de dizer e o PSD tem andado a fazer perder tempo ao PS no esforço de consenso para a revisão constitucional...

O Sr. José Junqueiro (PS): - Exactamente!

O Orador: - ... ou, então, o PSD mudou de ponto de vista e é o Sr. Deputado Luís Filipe Menezes que não está suficientemente actualizado. Não sei responder à dualidade das possibilidades, mas vamos aguardar mais algum tempo porque ele nos esclarecerá.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos, finalmente, ao rim desta parte do período de antes da ordem do dia. Segue-se, pelo Regimento, a discussão e posterior votação do voto de protesto n.º 60/VII - De protesto pelas declarações recentemente proferidas pelo Presidente do Governo Regional da Madeira, Dr. Alberto João Jardim (CDS-PP). que é do seguinte teor:
O Presidente do Governo Regional da Madeira e Vice-Presidente do Partido Social Democrata proferiu afirmações públicas que põem em causa a unidade nacional e o respeito pelos órgãos de soberania da República.
Não é a primeira vez que destacados titulares de órgãos regionais põem publicamente em causa a finidade do Estado e propagandeiam um alegado colonialismo supostamente exercido pelos órgãos de soberania em relação à Região Autónoma da Madeira.
Estas afirmações merecem o mais vivo repúdio, porque são totalmente infundadas e manipuladas pelos seus autores como forma de chantagem política, que visa pôr em causa a autoridade do Estado de direito democrático.
Assim, a Assembleia da República expressa o seu vivo protesto por todas as tentativas artificiais de fomentar o espírito separatista numa região onde todos legitimamente se orgulham de ser e continuar a ser portugueses".
Tem a palavra ao Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Periodicamente, o País assiste a várias declarações públicas de vários titulares de órgãos regionais, todos eles eleitos pelo Partido Social Democrata, relativamente a insinuações expressas ou implícitas de que existe colonialismo na Madeira e de que, se não existe, ele será fomentado caso os órgãos de soberania da República não dêem o tratamento que essas pessoas consideram adequado a certo tipo de reivindicações, sobretudo de carácter financeiro, das regiões autónomas.
A última dessas declarações foi proferida pelo Presidente do Governo Regional, o que, dada a qualidade do órgão de que se trata, faz com que essa declaração tenha sido também até agora aquela que, na nossa opinião, revestiu maior gravidade, porque essa declaração incutiu na opinião pública uma velada ameaça de tomento de actividades armadas de separatismo, dada a comparação expressa que foi feita com um filme que está em exibição em Lisboa" e que relata um fenómeno que ocorreu na Irlanda exactamente nos termos em que nessas declarações se pretendeu, através do Dr. Alberto João Jardim, insinuar que podia acontecer na Madeira relativamente ao resto do País.
Acresce que o Dr. Alberto João Jardim é também Vice-Presidente do Partido Social Democrata.

O Sr. António Braga (PS): - Ora bem!

O Orador: - E quando nós ouvimos o Partido Social Democrata, na maior parte das vezes até com razão, dizer que a autoridade do Estado não pode ser beliscada e que a autoridade pública não pode ser contestada e acusar o Governo do PS de que o comportamento dos seus Ministros põe em causa a autoridade do Estado, é também grave que um partido democrático com representação na Assembleia da República tenha estado calado perante esta desautorização, dele próprio e, ao fim e ao cabo, dos eleitores que votaram no PSD.
É evidente que ninguém vê o Dr. Alberto João Jardim com coragem para usar capacete e metralhadora para empreender uma luta armada contra o continente. Mas como ele é Presidente do Governo Regional da Madeira e Vice-Presidente do PSD, entendemos que estas declarações, até porque se vêm somando, não podem passar sem um reparo.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sabemos que estas declarações visam obter mais contrapartidas financeiras do que as que o Governo Regional e a Região Autónoma da Madeira já recebem, mas é exactamente esse carácter de chantagem política com que são normalmente produzidas que, do nosso ponto de vista, ainda as torna mais graves do que, pela sua própria natureza, já são..
É por isso que nos parece que esta última declaração não pode passar sem um reparo público da Assembleia da República. Nós acreditamos que Portugal é um Estado unitário, tal como está previsto na Constituição da Repúbli-

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ca Portuguesa, entendemos que os madeirenses são portugueses, continuamos a acreditar que o querem ser e, para ajudar o Professor Marcelo Rebelo de Sousa a pôr na ordem a sua própria autoridade no seio do seu partido, decidimos apresentar este voto de protesto por estas declarações do Presidente do Governo Regional da Madeira.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra ao Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votaremos favoravelmente o voto de protesto mas, ainda que de uma forma breve, gostaríamos de tecer duas ou três considerações.
Em primeiro lugar, consideramos que as declarações do Presidente do Governo Regional da Madeira são inaceitáveis,...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - ... merecem uma clara condenação por parte do meu grupo parlamentar e certamente que suscitam indignação da generalidade dos portugueses.
Não é pelo facto de o Sr. Dr. Alberto João Jardim se est9r a tornar, repetidamente, especialista em declarações chocantes e provocantes que pode suscitar da nossa parte a ideia de não o levar a sério. Nós temos de levar a sério as declarações, claramente de carácter separatista, que foram feitas pelo Presidente do Governo Regional da Madeira e por isso as condenamos.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Julgamos que, independentemente das questões partidárias, todas as pessoas que repudiem qualquer ideia, ainda que virtual, do separatismo se devem pronunciar sobre o assunto e devem fazer a clara condenação dessas matérias. Estou a referir-me muito clara e concretamente ao Grupo Parlamentar do PSD.
Para terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, há uns anos atrás um actual Ministro provocou um escândalo neste Plenário quando epitetou o Dr. Alberto João Jardim de Bokassa. Admito que tivesse sido excessivo e que justamente tivesse havido alguma reacção contundente a essa paridade de personalidades, mas, pelo rumo que o Dr. Alberto João Jardim tem vindo a tomar de lá para cá, possivelmente, a muito curto prazo, terá que ser considerado como tal.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Junqueiro.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PS lamenta que o líder do PSD, Marcelo Rebelo de Sousa, tenha pactuado com os ataques à democracia e à própria legitimidade da Assembleia da República e com apelos insinuados ao separatismo feitos pelo Presidente do Governo Regional da Madeira, tentando pôr em causa a unidade do Estado e a estabilidade do País.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Falso!

O Orador: - O líder do PSD, que tanto fali em autoridade do Estado, fechou os olhos às aleivosias do seu Vice-Presidente.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Falso!

O Orador: - Ficam as pessoas a saber que Marcelo Rebelo de Sousa tem da autoridade do Estado um conceito com, pelo menos, dois pesos e duas medidas: um, para os interesses internos do PSD, e, outro, para a plenitude do País. Quem assim procede revela falta de sentido de Estado e, ainda mais grave, uma total falta de coragem política para restaurar o equilíbrio interno no PSD, evitando desmandos contra a dignidade a que os cidadãos portugueses têm direito e que, ciclicamente, o Presidente do Governo Regional da Madeira gosta de pôr em causa insultando.
A incontinência verbal desta personagem colhe no PSD e no seu actual presidente eventualmente por impotência, mas não colhe no todo da opinião pública nacional, que não esquece e não tolera os desperdícios orçamentais do Dr. Alberto João Jardim, que, aliás, o próprio tanto gosta de agitar na mais completa impunidade. São desmandos orçamentais feitos em detrimento dos próprios madeirenses assediados na sua personalidade que mantêm bolsas de pobreza inadmissíveis, bem como do todo nacional, sobretudo do seu interior, onde as populações necessitadas assistem indignadas aos desperdícios do Dr. Alberto João Jardim...

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Vê-se pelos 60% dos votos!

O Orador: - ... e à assinatura de consentimento que Marcelo Rebelo de Sousa, por inacção, faz sobre tanta leviandade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O PS associa-se, pois, a este voto de protesto apresentado pelo Partido Popular, reafirmando que neste contexto a figura do Ministro da República para a Madeira deve, decididamente, manter-se na ordem constitucional.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pasmo com a revelação da profunda falta de informação sobre esta questão concreta e sobre a realidade da Região Autónoma da Madeira que as intervenções que aqui ouvimos revelam. A Assembleia da República merecia dos seus Deputados uma preocupação maior do que aquela que revelam a propósito desta questão.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Primeiro, revelam, desde o próprio voto até às intervenções, uma ignorância total daquilo que foram as declarações do Dr. Alberto João Jardim, pois ele disse exactamente o contrário do que VV. Ex.as insinuam que ele disse.

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Risos do PS e do CDS-PP.

O Dr. Alberto João Jardim disse: "O PSD/Madeira não é o Sinn Fein". Disse exactamente o contrário do que VV. Ex.as dizem que ele disse, mas assistimos hoje, ainda a propósito deste voto, ao facto de o Partido Socialista estar, a todo o custo, a aproveitar tudo para resolver problemas internos. O Partido Socialista na Madeira precisava desta ajuda do Deputado Junqueiro!

Protestos do PS.

Só que, Sr. Deputado, o juízo que V. Ex.ª faz aqui sobre a Região Autónoma da Madeira é exactamente o oposto do juízo que o povo madeirense tem feito, votando maioritariamente, em sucessivos sufrágios, no Dr. Alberto João Jardim.

O Sr. Correia de Jesus (PSD): - Muito bem!

O Sr. José Junqueiro (PS): - São as ciladas do Presidente do Governo Regional!

O Orador: - Quero dizer, Sr. Deputado, que este voto de protesto preocupa-me, mas por uma questão institucional profunda. É desagradável, é grave que a Assembleia da República possa votar um voto contra um presidente de uma região autónoma que tem sido sufragado, de forma inequívoca, pelas populações da Região Autónoma que o elege, criando, aí sim, uma base de separatismo de cá para lá,...

Protestos do PS.

... criando, aí sim, linhas que atentam contra a unidade nacional.
De facto, V. Ex.ª confunde autoridade do Estado com unidade do Estado...

O Sr. José Junqueiro (PS): - Quem confunde é o senhor!

O Orador: e esta não foi posta em causa nesta matéria. Aliás, VV. Ex.as revelam uma ignorância histórica enorme!

Vozes do PS: - Nota-se, nota-se!

O Orador: - Fixem que em 1939 fez-se a revolta mais acentuada em relação ao regime salazarista na Madeira...

O Sr. António Braga (PS): - E onde é que estava o Dr. Alberto João Jardim?

O Orador: - ..., e não foi só isso: formou-se um governo nacional de resistência ao regime salazarista.

O Sr. António Braga (PS): - E onde é que estava o Dr. Alberto João Jardim?

O Orador: - Aquando do gonçalvismo, viram-se movimentos na Região Autónoma da Madeira, que não eram separatistas mas, sim, contra a restauração de uma ditadura em Portugal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É esta a lição de democracia, em sucessivos momentos históricos, que VV. Ex.as ignoram e que o Dr. Alberto João Jardim tem sabido encarnar e defender.

O Sr. António Braga (PS): - Bom esforço!...

O Orador: - Mas VV. Ex.as ignoram ainda mais, e eu compreendo. Sempre que a Assembleia da República tem de tomar decisões importantes para as regiões autónomas, VV. Ex.as querem cobrir o vosso anti-autonomismo com incidentes. É, por exemplo, o défice democrático e agora, em hora de revisão constitucional, VV. Ex.as querem esconder os vossos ímpetos centralistas, anti-autonomistas, levantando questões desta ordem.
Basta ler o comunicado de ontem do vosso grupo parlamentar que veio justificar soluções centralistas em sede de revisão constitucional a propósito deste incidente.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Vamos é votar este voto de protesto!

O Orador: - Srs. Deputados, assumam o vosso centralismo. Já Sá Carneiro dizia que o centralismo anda de mãos dadas com o separatismo e VV. Ex.as confirmam bem isso!
Finalmente, gostaria de dizer que VV. Ex.as ignoram a verdade histórica: é que Michael Collins foi morto pelos separatistas, porque era um profundo autonomista. Eu também defendo a autonomia e não sou separatista!

(O Orador reviu.)

Aplausos do PSD.

O Sr. José Junqueiro (PS): - Estou quase a chorar!...

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, muito espantado fico se se tratar de uma verdadeira interpelação, mas acredito.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, é mesmo uma verdadeira interpelação porque me parece que, eventualmente, o Sr. Deputado Guilherme Silva terá sido enganado sobre o teor das declarações do Dr. Alberto João Jardim, que toda a Câmara viu.
É, pois, nesse sentido que peço o contributo da Mesa para providenciar a entrega ao Grupo Parlamentar do PSD de uma cassete com as declarações do Dr. Alberto João Jardim que passaram nos diversos canais de televisão.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, é para habilitar muito mais rapidamente a Mesa com o texto, para fornecer ao Sr. Deputado Jorge Ferreira, do insuspeito Diário de Notícias do Funchal...

Vozes do PS: - Insuspeito?!...

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O Orador: - ... onde se pode ver que as declarações do Dr. Alberto João Jardim são exactamente o inverso e repito, exactamente o inverso - daquilo que os senhores disseram.

Protestos do PS.

Tenho muito gosto em entregar-lhe o jornal, Sr. Deputado Jorge Ferreira.

Neste momento, o Sr. Deputado do PSD Guilherme Silva fez entrega do Diário de Notícias do Funchal ao Sr. Deputado do CDS-PP Jorge Ferreira, que o recusou.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Ferreira, dá-se por satisfeito com o jornal ou continua a querer a cassete?

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP):- Sr. Presidente, obviamente que não, porque o nosso voto de protesto assenta em declarações que passaram nas televisões e não nos jornais.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado. Tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, depois daquilo que aqui foi referido em relação a este voto de protesto, gostaria de dizer que nos associamos ao mesmo e votá-lo-emos favoravelmente, na medida em que também nós condenamos as afirmações produzidas pelo Presidente do Governo Regional da Madeira, afirmações essas de carácter separatista e de profundo desrespeito pela população da Madeira e pelos portugueses em geral.
Portanto, votaremos favoravelmente este voto de protesto.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso que todos estarão de acordo em votarmos de imediato o voto n.º 60/VII - De protesto pelas declarações recentemente proferidas pelo Presidente do Governo Regional da Madeira, Dr. Alberto João Jardim (CDS-PP).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes e votos contra do PSD.

Srs. Deputados, da nossa ordem de trabalhos para hoje seguia-se o debate de urgência centrado na apreciação parlamentar do Programa de Combate aos Fogos Florestais, que preencheria uma hora depois da primeira hora destinada à primeira parte do período de antes do dia. Contudo, com as interpelações em série e com as derrapagens a que assistimos, gastámos duas horas nesta primeira parte.
Perante isto, após consulta aos diferentes grupos parlamentares e também ao Governo, penso que todos estarão de acordo em adiar esse debate de urgência para a primeira oportunidade que a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares encontre para debatermos essa matéria, porque urgência e urgência. E digo isto porque não me parece razoável fazer demorar três horas o período de antes da ordem do dia, o que era absolutamente anti-regimental.
Srs. Deputados, então, todos os partidos assumem o compromisso de, na próxima Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, encontrar a primeira oportunidade para agendar este debate de urgência.
Srs. Deputados, assim sendo, dou por terminado o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 30 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º l95/VII - Lei-quadro de apoio ao associativismo (PCP).
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
Entretanto, peço ao Sr. Deputado Manuel Alegre o favor de me substituir enquanto vou votar, porque esse é o dever de todos nós.

Neste momento, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Manuel Alegre.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, com a tolerância de V. Ex.ª e, certamente, com a do Sr. Deputado António Filipe, uma vez que estava prevista a discussão do debate de urgência durante a próxima hora e meia, que por consenso acabou por ser adiada para próxima oportunidade a definir na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, sugeria que fizéssemos uma breve pausa, porque muitos dos Deputados que iriam participar no debate que agora vai ter lugar pensavam em vir para o Plenário só daqui a cerca de uma hora e meia.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Com certeza, Sr. Deputado.

Pausa.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português volta a propor hoje a esta Assembleia que aprove uma lei-quadro de apoio ao associativismo. Fizemo-lo, pela primeira vez, em Maio de 1992, iniciativa que o PSD, embora isolado, inviabilizou.
Acreditamos, por isso, que, passados mais de quatro anos, alterada a composição da Assembleia da República, havendo uma compreensão cada vez maior na sociedade portuguesa relativamente aos problemas do movimento associativo e tendo vindo a ganhar força a reivindicação social de que compete indeclinavelmente ao Estado apoiar a meritória acção das associações populares, o resultado deste debate seja desta vez mais favorável ao associativismo.
Confiamos que a Assembleia da República não deixe de aprovar este projecto de lei na generalidade, dando assim um sinal claro de apoio aos milhares de cidadãos que abnegadamente insistem em manter de pé uma das

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mais notáveis criações do nosso povo e uma das mais valiosas expressões da consciência cívica, da criatividade e da acção social, que é o associativismo popular.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O movimento associativo não foi criado por qualquer Governo, nem por qualquer diploma. Tem raízes profundas na história da nação portuguesa e a sua própria história é uma criação viva, dinâmica e independente do nosso povo.
A imensa obra realizada pelo associativismo popular no domínio da cultura, da arte, da educação, do desporto, do recreio, da defesa do património ou da acção social é, na sua globalidade, uma das mais importantes realizações de carácter social e cultural do povo português. O País deve ao movimento associativo muitos aspectos essenciais da sua qualidade de vida.
Ultrapassando o esquecimento e mesmo o desprezo a que tem sido votado pelo poder central, o associativismo é uma das mais belas realidades nacionais e é uma grande expressão da vontade, capacidade e talento das massas populares.
O associativismo, pela sua natureza, contraria regimes opressivos e as suas actividades traduzem o exercício da liberdade. Nos anos do fascismo, muitas colectividades foram verdadeiros oásis de pensamento e acção de cidadãos livres, que a ditadura não conseguiu liquidar ou abafar.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O movimento associativo desenvolveu-se, em muitos casos, a par do movimento operário, contribuindo para a elevação da consciência social dos trabalhadores e das suas famílias, dinamizando a participação cívica, assegurando o acesso à fruição de bens culturais, ajudando a superar carências educativas.
Com o 25 de Abril, o movimento associativo recebeu o poderoso impulso dos direitos adquiridos com a revolução democrática: criaram-se milhares de novas associações e inseriram-se na Constituição da República princípios de desenvolvimento social, cultural e desportivo em colaboração com as associações, que constituem deveres indeclináveis do Estado.
O movimento associativo não pertence a qualquer governo ou a qualquer partido. Reúne cidadãos dos mais diversos credos e convicções políticas, unidos por uma firme vontade de participação social e de serviço à comunidade. Na rica diversidade das suas actividades, o associativismo caracteriza-se pelas suas fundas raízes populares, pela sua autonomia e independência face ao poder político, pelo empenhamento, dedicação, capacidade e criatividade dos seus dirigentes e animadores, pelo seu profundo interesse humano, que se traduz em sentimentos de cooperação, solidariedade e generosidade e pela criação de estruturas, meios, bases logísticas para as mais variadas actividades desenvolvidas no seu âmbito.
Ao apresentar este projecto de lei, o PCP pretende prestar urna homenagem aos dirigentes e activistas associativos que, com urna dedicação que nunca é demais valorizar, continuam a dar vida, apesar de todas as dificuldades, a um forte movimento associativo, abdicando das suas horas de. lazer para, desinteressadamente, manterem de pé as associações que dirigem, em benefício exclusivo das comunidades em que se inserem e a que se dirigem.
O movimento associativo constitui assim, não apenas uma rica expressão da profunda vivência democrática do povo português mas também um espaço de aprendizagem de vida colectiva e democrática, de solidariedade humana e de valores democráticos fundamentais. Os valores democráticos do movimento associativo têm a sua raiz nos sentimentos populares e por sua vez reconduzem ao povo tais valores, enriquecidos pela actividade social específica desenvolvida e pela, forma democrática que a própria vida associativa comporta.
A importância das associações populares do mais diverso tipo e o seu papel insubstituível na dinamização cultural, desportiva ou no exercício da acção social são algo que ninguém deixará de reconhecer. Mas importa também - e é sobretudo isso que está aqui em debate que todos reconheçam que essas associações, que vivem da intensa dedicação dos seus dirigentes e que dependem quase exclusivamente da capacidade financeira dos seus sócios, devem ver o reconhecimento da sua importância inestimável ser acompanhado do reconhecimento do seu direito a obter do Estado o apoio indispensável à sua existência e à realização das suas iniciativas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O apoio às associações é um dever do Estado e um direito dos cidadãos, constitucionalmente reconhecido. Importa que o Estado assuma, como tal, as suas responsabilidades.
Na sua imensa maioria, as associações populares têm como associados trabalhadores, pequenos empresários, reformados, jovens. No meio social onde existem, hão-de procurar as suas fontes de financiamento e encontrar os seus dirigentes. É, pois, um facto indesmentível que a esmagadora maioria das associações vive com inúmeras dificuldades, que tolhem o seu desenvolvimento e impedem a plena afirmação das suas potencialidades, com prejuízo evidente para uma parte substancial da população portuguesa, incluindo, obviamente, a mais carenciada.
Numa sociedade de parcos recursos e múltiplas injustiças, o apagamento do papel do Estado nas áreas social, cultural ou desportiva significa inevitavelmente mais injustiça e pior sociedade. O Estado não deve substituir-se às associações nem tutelar de forma dirigista a criatividade individual e colectiva, mas também não pode demitir-se de ser um instrumento fundamental de democracia cultural.
Se é verdade que o apoio ao associativismo tem sido uma preocupação constante de muitas autarquias, que destinam para esse efeito vultuosos recursos, constituindo, até ao momento, o mais sólido apoio estadual às associações, não é menos verdade que ao nível da administração central não tem existido, para além das belas palavras, qualquer vontade política de apoiar o movimento associativo. O que tem havido são apoios pontuais, em muitos casos clientelares ou eleitoralmente interessados.
O apoio governamental às associações tem ficado lamentavelmente dependente da boa vontade ou dos bons ofícios deste ou daquele governante, da melhor ou pior generosidade deste ou daquele governador civil ou tem sido decidido pelo critério dos ciclos eleitorais, permitindo aos candidatos do partido governante fazerem figura a distribuir a seu bel-prazer dinheiro que sai do bolso dos portugueses. É esta situação de iniquidade, que não dignifica nem o Governo nem q associativismo, que tem de ser urgentemente alterada. Todo o dinheiro destinado a apoi

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ar o movimento associativo é dinheiro muito bem gasto. Mas tem de o ser com critérios que sejam objectivos e transparentes.
Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Aquilo a que assistimos é ao esforço imenso do movimento associativo para assegurar aos portugueses condições para a participação e fruição cultural ou para o acesso à prática desportiva, como se essa responsabilidade fosse exclusivamente sua, na falta de uma política de desenvolvimento cultural e desportivo e na falta de uma política de apoio e colaboração com o associativismo cultural, desportivo e recreativo.
Mesmo na área da acção social, face à degradação dos apoios sociais (saúde, assistência social, ensino, habitação) tem sido o movimento associativo a chamar a si a intervenção nesses domínios, contribuindo de forma decisiva para a resolução de muitos problemas básicos das populações.
Na relação da administração central com o associativismo verifica-se uma situação que, longe de se traduzir na colaboração que seria desejável, acaba por assumir expressões de lamentável conflitualidade. Para dar apenas alguns exemplos, basta pensar na pesada carga fiscal imposta às associações e sobre bens afectos às suas actividades, designadamente sobre instrumentos musicais, equipamentos desportivos e culturais ou sobre os livros.
Basta pensar também nas obras levadas a cabo pelas associações, em que, por forçada taxa de 17% de IVA, mesmo nos casos em que o Estado comparticipa financeiramente nas obras, parte substancial da comparticipação regressa aos cofres do Estado através do IVA. As comparticipações da administração central em obras são esporádicas e representam uma parte percentualmente reduzida do custo inicialmente estimado da obra, acabando essa comparticipação no custo final por representar pouco, mas é sobre esse custo final que as associações vão ter de pagar 17% de IVA.
Pode dizer-se, em síntese, que as associações têm sido permanentemente esquecidas na actividade legislativa do Estado. O estatuto de utilidade pública está claramente desactualizado; a lei do mecenato de pouco serve às associações; não é reconhecido ao dirigente associativo um estatuto legal compatível com o reconhecimento que é devido à sua função social; nada está previsto quanto à formação de dirigentes associativos; o regime de porte pago não é compatível com a periodicidade da maioria das publicações associativas; e continua por definir um quadro legal do associativismo no seu conjunto.
Esta falta de apoio do Estado às associações populares e a falta de um quadro legal que preveja e defina esse apoio para o associativismo em geral têm de ser ultrapassadas. E necessário e urgente definir um quadro legal de apoio ao associativismo que permita associar os esforços da administração central aos das autarquias, associações e comunidades locais na dinamização da cultura, do desporto, da recreação e da acção social.
É com esse objectivo que o PCP apresenta este projecto de lei-quadro do apoio ao associativismo e que, nesse âmbito, propõe a criação de um instituto público, que tenha a participação do movimento associativo ao nível da sua direcção e que tenha como atribuições fundamentais o incentivo e o apoio ao associativismo, de acordo com critérios transparentes, no respeito pela autonomia e independência das associações e sem privilegiar ou prejudicar qualquer associação com base em motivos políticos, ideológicos, religiosos ou de situação geográfica.
No presente projecto de lei, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português propõe a criação de um quadro geral de apoios à actividade associativa, através de diversas modalidades, utilizáveis por forma cumulativa ou individualizada. Abre-se, inclusivamente, a possibilidade de, através de protocolos gerais ou dirigidos a determinados apoios previstos na lei, o instituto do associativismo assegurar às associações, apoio técnico, cedência de materiais e equipamentos, apoio a transportes em grupo, apoio à aquisição, construção, arrendamento, reparação ou manutenção de instalações, bem como apoio financeiro directo a actividades.
Propõe-se a atribuição ao instituto do associativismo da incumbência de apoiar a realização de cursos e outras acções de formação destinadas a dirigentes, colaboradores e técnicos associativos.
Propõe-se o reembolso às associações dos montantes despendidos com o IVA incidente sobre determinadas aquisições destinadas a actividades próprias e não lucrativas, através de um sistema a regulamentar, bem como a definição de um conjunto significativo de isenções fiscais e de outros benefícios com incidência financeira.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A elaboração do projecto de lei que hoje está em debate foi um processo amplamente participado e não apenas por membros do PCP. O facto de, desde 1991, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português ter vindo a apresentar iniciativas legislativas destinadas a consagrar uma lei-quadro de apoio ao associativismo, não se deve a uma qualquer teimosia ou apenas à nossa persistência - que é real em insistir na apresentação das propostas que consideramos justas, mas deve-se também ao enorme apoio que estas iniciativas têm recebido da parte de inúmeras associações populares e de inúmeros dirigentes associativos de todos os partidos -, que têm vindo a enriquecer este projecto com as suas sugestões e propostas concretas.
Podemos afirmar, sem qualquer dúvida, que este projecto de lei do PCP não é só um projecto dos comunistas. E um projecto que pertence ao movimento associativo, que o apoia e que com ele se identifica.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É com este espírito de abertura, que presidiu à elaboração deste projecto, que nos apresentamos no momento da sua discussão. Está aqui um conjunto de propostas animadas com o espírito de ajudar o movimento associativo a vencer as dificuldades que enfrenta. Discutamo-las em conjunto e encontremos, onde for caso disso, melhores soluções.
Não exagero se disser que milhares de cidadãos, a quem o País muito deve, estão com os olhos postos neste debate, esperando que a Assembleia da República não perca esta oportunidade de dotar o associativismo com uma lei-quadro de apoio, que é inquestionavelmente necessária e de há muito reivindicada. Chegaram até nós, nos últimos dias, mensagens de diversas associações e de estruturas federativas de inegável representatividade, apelando a uma atitude positiva da Assembleia da República, a bem do associativismo popular. Daqui apelo a todos os grupos parlamentares para que não os desiludam.
E, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, envio desta tribuna uma saudação fraterna à Federação Portuguesa das Colectividades de Cultura

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e Recreio e à Federação das Colectividades do Distrito do Porto e, por seu intermédio, a todo o movimento associativo pela enorme contribuição que deram, com as suas propostas, para a configuração desta nossa iniciativa e, acima de tudo, pelo magnífico trabalho que têm desenvolvido em prol do associativismo no nosso país.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não faltam ao movimento associativo palavras de apreço e de incentivo, particularmente em momentos eleitorais. Agora pede-se mais do que isso. Da posição que cada grupo parlamentar tomar em relação a este projecto de lei resultará, com clareza, a diferença entre aqueles que dizem apoiar o associativismo e aqueles que o apoiam de facto, não só nas palavras mas, sobretudo, em propostas e actos concretos.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Martinho Gonçalves.

O Sr. Martinho Gonçalves (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, o projecto de lei que o PCP hoje aqui traz, conforme, aliás, foi reconhecido, é em tudo semelhante àqueloutro que aqui foi discutido na anterior legislatura. Daí que se notem os traços marcantes de uma concepção que consideramos estatizante e algo burocrática, o que, aliás, foi posto em relevo nessa discussão da anterior legislatura. Todas as críticas que então foram feitas ao projecto de lei centraram-se basicamente nessas duas perspectivas.
Não obstante de aí para cá se ter assistido a uma tendência para se avançar no sentido da diminuição da intervenção do Estado aos vários níveis, o PCP insiste em apresentar praticamente o mesmo projecto de lei. Sr. Deputado, é nossa convicção de que esse não é o caminho mais adequado para defendermos o movimento associativo.
Na verdade, se se pretende que as associações substituam o Estado naquilo que este poderá ter a obrigação de fazer, mal se compreenderá que, depois, o Estado pretenda intervir e condicionar demasiado a actividade dessas associações através de uma teia burocrática excessiva. Daí que lhe coloque uma primeira questão: Sr. Deputado, não considera que, em vez de se ter essa visão estatizante e redutora, se deveria caminhar para que, de uma forma gradual, o apoio directo do Estado pudesse ser transferido, através de benefícios fiscais ou de estímulos selectivos, para o domínio da sociedade civil? Não acha que as isenções especiais e directas deveriam ser mais restritivas e as isenções indirectas mais latas e sujeitas à apreciação casuística, quer em termos objectivos quer em termos subjectivos, para garantir uma maior eficácia desses mesmos apoios?
Por outro lado, Sr. Deputado, o vosso projecto de lei omite algumas soluções que, a nosso ver, são pertinentes e polémicas, desde logo a questão do instituto de utilidade pública, na medida em que, com tantas isenções directas, poder-se-á, eventualmente, questionar: para quê, então, a existência de um instituto de utilidade pública? O que fazer com este instituto? Penso que esta questão deveria ter sido matéria de maior atenção na elaboração deste projecto de lei.
Para além disso, o projecto de lei não estipula com clareza quando é que uma associação adquire personalidade jurídica, e este é outro tema que gostaríamos de ver melhor explicitado. Será só através da escritura pública?

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, terminou o seu tempo. Queira abreviar e concluir, por favor.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Mas, como o Sr. Deputado sabe, a tendência para a desburocratização - e isto por toda a Europa - vai, inclusive, no sentido de eliminar essa exigência. Daí que gostasse de vê-lo pronunciar-se sobre este assunto.
Tinha mais uma pergunta para colocar-lhe, mas, infelizmente, a falta de tempo não o permite.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Maninho Gonçalves, muito obrigado pelas questões que me colocou.
Começarei pelas pequenas questões, as de mais superficialidade, para depois me centrar no que me parece ser a questão de fundo subjacente ao seu pedido de esclarecimento.
Relativamente aos benefícios fiscais, não só achamos que esse é um caminho possível e necessário como propomos neste projecto de lei várias soluções.
Relativamente ao estatuto de utilidade pública, o que nós pensamos é que o estatuto está manifestamente desactualizado e comporta hoje um conjunto de regalias, chamemos-lhe assim, para as associações que é manifestamente insuficiente. Nós não questionamos a atribuição do estatuto de utilidade pública, consideramos até importante que ele seja atribuído às associações e se mantenha. No entanto, pensamos que se deverá criar um estatuto mais favorável para as associações, que efectivamente corresponda aos requisitos de atribuição desse estatuto e que ele seja mais significativo do que aquele que actualmente existe. Ora, o nosso projecto de lei vai no caminho de criar um quadro globalmente favorável à actividade das associações.
Sr. Deputado, relativamente à burocracia na criação de associações, desburocratizemos. Estamos perfeitamente disponíveis para admitir soluções de maior desburocratização na constituição de qualquer associação. Portanto, isso não é um problema.
Irei agora à crítica de fundo que o Sr. Deputado criou: a acusação de estatizante a este nosso projecto de lei.
Sr. Deputado, rejeito firmemente essa acusação. Nós não propomos soluções - essas, sim, estatizantes como, por exemplo, as que são desenvolvidas através do Instituto Português da Juventude, que se substitui às associações. É ele próprio, através do aparelho de Estado aliás, criado pelo PSD, mas que os senhores mantêm que se substitui às associações juvenis e toma as iniciativas que deviam ser os jovens a tomar com o seu apoio. Isso é que é estatizante! O que nós propomos não é isso! ...O que propomos é que o Estado apoie, precisamente, as actividades desenvolvidas pelas associações, desenvolvidas por aquilo a que aqui tanto se chama a sociedade civil. É aí que nós achamos que o Estado deve ter um

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papel decisivo no apoio às actividades e à existência dessas associações.
Ao criticarem este projecto de lei, o que os senhores estão a dizer é que acham bem aquilo que está e o que está é a inexistência de um quadro de apoio às associações, e o que acontece é que os apoios são casuísticos e são dados pelos governadores civis, que andam na véspera das eleições a distribuir cheques pelas associações que lhes convêm. É essa situação que não pode manter-se, e por isso que apresentamos um projecto de lei.
No entanto, se os Srs. Deputados dizem que o caminho não é este, então o desafio que tenho de fazer é o seguinte: se o caminho não é este, então digam os senhores qual é, porque não é solução virem aqui arranjar uns argumentos para discordarem do nosso projecto de lei, dizer que o caminho não é esse e não apresentarem nenhum.
Sr. Deputado, o fundamental é que se saiba, pelas posições concretas que cada partido assume, que posição tem quando à necessidade de o Estado apoiar activamente, de forma concreta, o associativismo.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Sr. Deputado, terminou o seu tempo. Queira concluir.

O Orador: - Vou terminar de imediato, Sr. Presidente.
E é aqui, neste debate, que os vários partidos têm de assumir as suas responsabilidades nessa matéria. Pela nossa parte, pensamos que é um dever inquestionável desta Assembleia criar um enquadramento legal para que o Estado apoie, de facto, o associativismo.
Portanto, achamos que chegou a hora de cada um assumir, nesta matéria, as suas responsabilidades.

Vozes do PCP: - Muito bem.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Castanheira.

O Sr. Ricardo Castanheira (PS): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O movimento associativo, naturalmente heterogéneo e diversificado, representa a mais valiosa e genuína expressão da identidade e do espírito cívico de um qualquer povo. ,
Da arte ao desporto. da juventude à solidariedade, do ambiente ao recreio, nos mais diferentes patamares de intervenção social, há na nossa história múltiplos registos e traços de empenhamento associativo.
A herança das actuais gerações é tanto mais pesada quanto a responsabilidade de lhe dar continuidade face aos desafios do futuro. O crescente movimento associativo português encerra um capital de esperança que permite encarar o amanhã com redobrada confiança, assumindo a mais genuína portugalidade e sentido de cidadania como resposta à irreversível globalização social, económica e cultural.
É inquestionável, e tem abrigo constitucional, que o apoio às associações é um dever do Estado, sendo correlativamente um direito das estruturas associativas. Porém, o problema arrasta-se no tempo: qual a natureza e o âmbito do apoio estatal? E que respectivos limites?
Sr. Presidente e Srs. Deputados, durante anos a fio assistimos ora a um sentimento de orfandade por parte de entidades associativas, que decorria do cenário dos apoios inexistentes, ora à permanente tentação governativa de instrumentalizar a actividade associativa, com base em critérios dúbios e indeterminados de atribuição de subsídios e apoios.
O número de associações em Portugal, na generalidade das áreas de intervenção cívica e social, continua a crescer. Importa, por isso, termos, enquanto responsáveis políticos e membros do principal órgão legiferante, a sensibilidade para adaptar a lei à realidade e não incorrer em excessos de voluntarismo, que redundam, regra geral, em inútil inflação legislativa.
Por vezes, pequenos e prudentes passos encerram grandes virtudes. Importa não esquecer que é quando corremos que temos maior tendência para escorregar.
O projecto de lei do PCP, hoje em apreço, contém preocupações e tem uma intencionalidade intrínseca que o Partido Socialista indubitavelmente também partilha. Não obstante, se aderimos aos fins, refutamos os meios para até eles chegar. Não é com mais uma estrutura pesada e despesista na órbita do Estado que se apoia conveniente e eficazmente o associativismo.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A burocracia é inimiga do Estado e dos cidadãos, aniquila paulatinamente o primeiro e reduz ao fracasso muita das generosas iniciativas dos segundos.
A lei deve ser clara e precisa. Ora, a iniciativa legislativa que desperta este debate não o é, refugiando o seu escopo último (a criação de um instituto do associativismo) num confusionismo conceitual e terminológico que, ao invés de promover apoios, desperta eventuais prejuízos.
Afinal, uma associação mutualista, uma associação juvenil, uma associação de solidariedade social, um rancho folclórico ou uma associação ambiental são ou não são associações populares? São ou não são destinatários imediatos do presente projecto legislativo?
Para além do relevante facto de muita desta expressão associativa ter conquistado um cunho legal próprio e um estatuto jurídico específico, toda a massa humana que respira criatividade e autonomia crítica é associativa e popular.
O Partido Socialista compreende e ponderou toda a generosidade e positiva intencionalidade que subjazem a um projecto de lei com esta natureza. Julga, no entanto, que outros percursos políticos, jurídicos e administrativos há a trilhar. Por isso poupo a Câmara de explicações sobre as razões que levaram o meu grupo parlamentar a retirar um projecto de lei, na anterior legislatura, com contornos semelhantes.
Estamos livres de críticas que decorreriam do facto de a realidade hoje ser outra, a de sermos actualmente Governo. A nossa coerência obriga-vos por isso, Srs. Deputados, nesta questão, a um silêncio.
A actuação das associações em excessiva proximidade do Estado, com uma desproporcionada política de apoios e subsídios, teria, inevitavelmente, o efeito perverso, pois esse apoio estaria condicionado à execução pelas referidas associações das medidas e opções do próprio Estado. Caíamos no desrespeito pela integridade e autonomia das estruturas associativas e no seu redutor papel de prolongamento estatal.
Giorgio Vitadini referiu-se à democracia como não sendo "apenas o direito de votar, mas a possibilidade de construir realidades sociais de acordo com um ideal partilhado".
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em bom rigor, no nosso país, como em muitos outros, o crescimento e a

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consolidação do movimento associativo está profundamente relacionado com o ambiente democrático e pluralista que se começou a respirar após o 25 de Abril de 1974. Tal não significa que durante o regime opressivo o papel do associativismo tenha sido diminuto. Antes pelo contrário, esteve na base da formação cultural e educacional do nosso povo e na sua libertação intelectual.
Um qualquer Estado, para sublinhar a sua dimensão democrática, dá dignidade constitucional à liberdade de associação, considerando-se uma expressão genuína da sociedade civil e pilar fundamental de uma democracia pluralista.
As associações são agentes activos da construção democrática, espaços privilegiados de exercício pelos cidadãos de direitos inalienáveis. Mas, se, por um lado, uma eventual desadequação legal sufoca a intervenção autónoma da sociedade civil, por outro, um excesso de ordenação jurídica, fruto de uma genética tendência estatizante, levaria à instrumentalização das estruturas associativas e ao fomento de uma filosofia de "subsídiodependência", que refutamos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A sociedade civil e o movimento associativo é a expressão da mesma e deve tornar-se um poder no seio do Estado. Com autonomia mas dentro do Estado, e não ser nunca um prolongamento do Estado, no sentido perverso de um poder do Estado.
Estudos sociológicos de elevado crédito indicam-nos que 64% dos portugueses não pertencem a qualquer associação, quando a média comunitária é da ordem dos 52%. Porém, 80% dos que afirmaram pertencer não participam activamente, donde devemos retirar que a realidade da sociedade civil, e por conseguinte do movimento associativo, está profundamente ligada a factores de desenvolvimento do todo social. A exemplo, a consciência de cidadania tem origem e é mais forte em comunidades cujo nível de escolaridade é mais elevado.
Não tenhamos dúvidas de que associações devidamente organizadas, estruturadas e com capacidade de intervenção autónoma do Estado, isto é, cuja subsistência não depende inteiramente cie subsídios e de apoios estatais, só resultam de sistemas onde foi alcançado um elevado grau de maturidade democrática, onde haja uma saudável autonomia entre a sociedade civil e o Estado. As nossas associações são o produto genuíno da democracia em que vivemos e serão, estou certo. um motor para a sua crescente consolidação.
Sr. Presidente, Sr. as e Srs. Deputados: Há importantes passos legislativos a dar. Por isso destaco, em primeiro lugar, a clarificação de uma política de benefícios fiscais; em segundo lugar, a afirmação crescente de um estatuto consultivo a nível estatal em diversas áreas de intervenção e de decisão (a exemplo do que aconteceu com o hoje reabilitado e politicamente activo, Conselho Consultivo da Juventude); em terceiro lugar, a desobrigação de escritura pública para a constituição de associações, um inequívoco sinal de desburocratização e simplificação formal; em quarto lugar, pôr termo ao registo das associações junto dos governos civis, para além de algumas medidas avulsas que estão contempladas no projecto de lei do PCP e que, no meu entender, são virtuosas.
Discutiu e aprovou esta Câmara, na sessão legislativa passada, a propósito da Lei das Associações de Estudantes proposta pelo Governo, medidas decisivas de normalização do exercício da actividade associativa e de clarificação, em nome do princípio da igualdade, da atribuição de subsídios. Tais medidas e objectivos podem e devem ser analogicamente aplicadas às associações de outra natureza, sem que para tal se "dê à luz" uma estrutura burocrática adicional e macrocéfala como um instituto do associativismo, na verdade um nado-morto.
Com efeito, já existe um Instituto do Consumidor, um Instituto da Promoção Ambiental, um Instituto de Juventude. Não nos parece razoável, oportuno e eficaz criar-se um organismo centralizador e burocrático.

O Sr. António Filipe (PSP): - Esses não prestam?

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A esquizofrenia centralizadora, associada a uma lógica de actuação dependente de subvenções, leva sempre a uma tentação, quando não à consumação, de práticas tuteladoras e instrumentalizadoras.
Permitam-me os ilustres Deputados do PCP o seguinte reparo: a vossa iniciativa está claramente incompleta.
Na verdade, a apresentação deste projecto de lei deveria, sob pena de incoerência jurídica e política, ter sido complementado por outros que provocassem alterações naquelas franjas associativas que têm estatuto jurídico especial.
O legislador, no passado, determinou atribuir, por meio de um regime jurídico específico, especial protecção a determinadas associações que, hoje, na eventualidade de ser este projecto de lei aprovado, seria posto em causa, dado que o regime ora em apreço é mais vasto e mais favorável do que aquele que vigora para as associações com regime especial.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, dois Deputados. Antes, porém, realizaremos as votações regimentais pendentes.
Assim, vamos proceder à votação final global da proposta de resolução n.º 32/VII - Aprova, para ratificação, a Declaração Constitutiva e os Estatutos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, assinados, em Lisboa, em 17 de Julho de 1996.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Aplausos gerais.

Vamos ainda votar um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias de que a Sr.ª Secretária vai dar conta.

A Sr.ª Secretária (Rosa Albernaz): - Srs. Deputados, de acordo com o solicitado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Ponte da Barca, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado do PS António José Dias a depor, como testemunha, num processo que se encontra pendente naquele tribunal.

O Sr. Presidente (Manuel Alegre): - Srs. Deputados, está em apreciação.

Pausa.

Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

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Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Ricardo Castanheira, tem a palavra o Sr: Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ricardo Castanheira, faço-lhe este pedido de esclarecimento para, em jeito de comentário, dizer que achei a sua intervenção absolutamente lamentável. E por várias razões.
Antes de mais, porque representa uma mudança de opinião clara. por parte do Partido Socialista. Da última vez que uma iniciativa semelhante a esta foi debatida, a posição do PS foi francamente favorável, de aceitação. Interveio no debate considerando que concordava com algumas das propostas apresentadas, e com outras não tanto; disse que tinha outras, mas achava que valia a pena discutir na especialidade esta matéria, por isso entendeu viabilizá-la, deixando ao PSD o odioso papel de rejeitá-la.
Agora a intervenção do Sr. Deputado não foi mais do que um arrazoado de desculpas de mau pagador, porque não refutou, com a mínima lógica, qualquer uma das propostas que apresentámos.
Já agora, uma vez que o Sr. Deputado diz que o projecto de lei está incompleto, pergunto-lhe: por que não o completa? Se diz que havia outras medidas concretas que deveriam ser tornadas, por que razão o Partido Socialista não viabiliza este projecto de lei na generalidade, para ter a oportunidade de completá-lo?
Vou terminar, Sr. Deputado, fazendo-lhe um apelo: experimente visitar urna colectividade daquelas que, com todas as dificuldades; uma daquelas que dinamizam a cultura e o desporto, que põe centenas de jovens a praticar atletismo, a jogar futebol e basquetebol, a praticar ginástica, que dinamizam o teatro e que fazem tudo isto com as maiores dificuldades, enfrentando a falta de qualquer apoio por parte da administração central.
Conheça essa realidade, Sr. Deputado, contacte com os anseios das pessoas que dão o melhor da sua vida para que essas colectividades funcionem e para prestarem esse serviço à comunidade e, depois, faça-lhes o discurso que aqui fez, para ver se elas o entendem.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Almeida Santos.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Castanheira.

O Sr. Ricardo Castanheira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado António Filipe, o que é lamentável é o senhor não ter ouvido o que estive a dizer da tribuna.

O Sr. António Filipe (PCP): - Ouvi demais!

O Orador: - Na verdade, há algo que nos distingue profundamente. Vou citar o que o Sr. António Filipe disse no dia 27 de Maio de 1992, a propósito de um debate sobre esta mesma matéria: o que interessa é resolver este problema e não tanto a forma concreta de o fazer. Ora, a nossa atitude responsável perante a mesma preocupação, que, como disse da tribuna, é comum, é não encarar de forma leviana a resolução deste problema e não pretender apresentar, como os senhores fizeram, um projecto de lei que, no nosso entender, como tive oportunidade de referir, vai promover a inflação legislativa e não resolver as situações das associações...

O Sr. António Filipe (PCP): - Inflação promovem os senhores!

O Orador: - ... e promove, antes pelo contrário, a tentativa e em algumas situações a própria consumação, de manipulação e instrumentalização das associações.
Mas o senhor lançou-me o desafio de propor alterações a este diploma e, então, percebi que não tinha ouvido a minha intervenção.
Em primeiro lugar, quero dizer-lhe o seguinte: quem marca a oportunidade e o momento de apresentação legislativa é o meu grupo parlamentar, não é o senhor.
Em segundo lugar, não é da tribuna que se apresentam as iniciativas legislativas, e a seriedade desta matéria levou-me a que não o fizesse da tribuna. Fá-lo-emos em tempo oportuno.
Quero ainda relembrar-lhe que achamos fundamental clarificar a política de benefícios fiscais, enquadrar e encontrar um patamar em que se dê um estatuto consultivo, a nível estatal, obviamente, num plano de decisão e intervenção, às próprias associações, a exemplo do que hoje existe com as associações juvenis, a nível do Conselho Consultivo de Juventude. Entendemos também que é necessário desobrigar, porque é um caso isolado na Europa, a escritura pública para a constituição das associações e que é necessário desligar o registo das associações junto dos governos civis.
As preocupações são comuns, importa é dar-lhes letra e forma de lei.
Com isto julgo ter esclarecido o Sr. Deputado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ricardo Castanheira, reservo a posição do Partido Ecologista "Os Verdes" sobre este projecto de lei para a intervenção que vou fazer daqui a pouco. No entanto, houve algumas afirmações na intervenção que o Sr. Deputado fez que nos deixaram verdadeiramente preocupados e que, aliás, tinham já sido também produzidas pelo Sr. Deputado Maninho Gonçalves, no seu pedido de esclarecimento.
Não quero deixar de manifestar aqui a nossa indignação perante o que afirmaram, ou seja, que o PS não consegue conceber o apoio ao movimento associativo português sem controlo e sem a garantia de independência das associações. Isto é, pura e simplesmente, incrível! Os senhores não conseguem conceber, na lógica do que aqueles senhores (do PSD) também já fizeram, um apoio efectivo ao movimento associativo sem a garantia da sua independência, o que é muito grave.
A pergunta que quero fazer-lhe, apenas para me esclarecer, porque não sei se há pouco ouvi bem, apesar de ter estado atenta à sua intervenção, é esta: a vossa lógica de participação do movimento associativo consubstancia-se no que tem estado a acontecer em sede de Conselho Consultivo de Juventude? É isso que considera ser a lógica de participação do movimento associativo? Não sei se o Sr. Deputado tem tido conhecimento do funcionamento do

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Conselho Consultivo da Juventude. Ele, de facto; tem funcionado, mas como? Sabe o que tem acontecido? O Sr. Secretário de Estado da Juventude tem feito um brilharete, porque vai lá e "informa"...

Vozes do PS: - Isso não é assim!

A Oradora: - É, sim. É essa a lógica. Ele vai lá e "informa" as associações de juventude sobre o que ele decidiu em termos de política de juventude. Não passa da mera informação às associações de juventude. No que toca a participação, esta é zero, Sr. Deputado! Diga-me se esta é a vossa lógica de participação.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Castanheira.

O Sr. Ricardo Castanheira (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia, acredito, porque tivemos ainda esta semana a possibilidade de fazer uma visita no âmbito da Comissão de Juventude a associações dos distritos de Évora e Setúbal, que me ouviu partilhar de muitas das preocupações que lá foram descritas e, na sequência da minha intervenção, acabei por manifestar uma adesão à filosofia e intencionalidade intrínseca do próprio projecto de lei do PCP, vendo nele um sentido positivo.
Agora, importa procurar saber, de forma responsável, se os meios para alcançar esses fins são ou não os mais adequados. No meu entender, e no do PS, julgamos que não. Com efeito, também tive oportunidade de dizer da tribuna que o facto de hoje senhos Governo não vos dá o direito, neste caso concreto, de nos criticar, porque na Legislatura passada uma iniciativa semelhante teve, da nossa parte, a abstenção, pois. apesar de concordarmos com ela do ponto cie vista do escopo último, não concordávamos quanto aos rocios a utilizar. Por isso retirámos também a nossa iniciativa, porque entendíamos que do ponto de vista técnico-jurídico, na altura, ela não estaria bem elaborada ou necessitaria de alguns aperfeiçoamentos. Por isso, hoje a nossa posição é coerente com a do passado.
No que toca à questão da atribuição de subsídios, já tivemos oportunidade. durante esta Legislatura e por proposta do Governo, de fazer uma clarificação respeitante à Lei n.º 33/87, a Lei das Associações de Estudantes, de modo a dotar de transparência esta mesma prática de atribuição de subsídios, não permitindo a sua politização ou partidarização.
Quanto ao funcionamento do Conselho Consultivo de Juventude e à postura do Sr. Secretário de Estado da Juventude, só quero crer que isso será mais por mérito do Sr. Secretário de Estado...

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - É por defeito!

O Orador: - ... do que por demérito das associações que lá estão representadas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís David Nobre.

O Sr. Luís David Nobre (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 195/VII, designado por lei-quadro do apoio ao associativismo, de iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, que sobe hoje a Plenário, visa estabelecer o enquadramento legal dos apoios a conceder pelo Estado ao movimento associativo. Não cabe, pois, no âmbito do presente projecto de lei a criação de normas jurídicas enquadradoras ou regulamentadoras do direito de associação, o qual é objecto de expressa consagração constitucional e foi regulado de forma genérica pelo Decreto-Lei n.º 594/74 e de forma específica por legislação vária, própria para cada sector de vivência associativa, atendendo às especificidades da sua dinâmica e do seu escopo social.
Pretende-se com este projecto de lei tão-somente estatuir, por via legislativa, um conjunto de incentivos a atribuir pelo Estado e o respectivo enquadramento no âmbito da Administração Pública. Assim, restringiremos a nossa apreciação ao conteúdo do referido diploma, fazendo-se desde já a breve nota de que o mesmo, no essencial, é a mera reposição de iniciativas legislativas anteriores, entre as quais destacamos os projectos de lei apresentados na V e na VI Legislaturas.
Durante todo este período de tempo, aos autores do presente projecto de lei não sobreveio qualquer novidade no referente aos apoios a conceder. Ou seja, a filosofia presente neste projecto de lei é exactamente a mesma, tirando algumas pequenas alterações de "corte e costura", que a das iniciativas apresentadas anteriormente. A imaginação dos autores deste projecto de lei não é fértil, pelo que os motivos que no passado nos levaram a abster-nos de dar o apoio a projectos de lei semelhantes mantêm-se na sua totalidade para o presente. Mas convém recordar o porquê desta atitude.
Nos termos desta iniciativa legislativa, o apoio ao associativismo, em geral, será enquadrado por um instituto público, o denominado instituto do associativismo, dotado de autonomia administrativa e financeira, com delegações regionais, sendo que na sua direcção deverão estar representadas, obrigatoriamente, três instituições: a Associação Nacional de Municípios Portugueses, a Assembleia Nacional de Freguesias e a Federação Portuguesa das Colectividades de Cultura e Recreio. Gostaríamos, pois, de questionar os ora proponentes sobre a razão da manutenção destas três entidades, sempre ao longo deste período de tempo, sendo certo que os mesmos não vislumbraram o surgimento de novas realidades associativas que merecessem igual acolhimento.
Importa, contudo, reiterar a mesma objecção que fizemos no passado relativamente à necessidade de registo das associações, prevista neste projecto de lei. Como todos sabemos, a ser aprovado este projecto de lei, uma associação poderia ter de formular, para ter existência e apoios jurídicos, três registos diferentes: o primeiro, no governo civil, aquando da sua constituição; o segundo, por exemplo, no RNAJ ou no Ministério para a Qualificação e o Emprego; e, o terceiro, neste instituto do associativismo. Gostaríamos de saber porquê esta fé "registai" dos proponentes em relação a fenómenos que devem ser o mais desburocratizados possível e aligeirados no seu enquadramento jurídico.
Quanto às previsões associativas do apoio em concreto, a presente iniciativa legislativa fica-se por um apoio formulado em termos genéricos e vagos. Diz que deverá o instituto do associativismo conceder apoio técnico-financeiro, à formação, a deslocações, etc., sem concretizar de

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modo algum os critérios de selecção desses apoios, as prioridades a conceder e os tipos de associação a privilegiar.
Quanto aos benefícios ele carácter fiscal, os mesmos são atribuídos ele uma forma quase ope legis. Para beneficiar deles. bastaria, única e exclusivamente, constituir uma associação, proceder a um, dois ou três registos, conforme o tipo ele associação, e depois gozar-se-ia de uma imensidade de benefícios fiscais, consistindo estes em isenções fiscais ope legis.
Perguntamos se o mérito na obtenção deste tipo de apoios não deve ser critério relevante, não devendo estes ser concedidos. conforme se propõe agora, de modo indiscriminado.
É também atribuído neste projecto de lei um encargo adicional ao Estado. Seria o Estado a suportar todos os encargos referentes a despesas com a segurança social dos trabalhadores destas instituições ou associações, o que implicaria que, mesmo que alguns destes trabalhadores não estivessem afectados a uma actividade especificamente relacionada com o escopo dessa associação, esses trabalhadores gozariam dessa mesma isenção. Encontraríamos aqui, se a imaginação o permitisse, muitas formas de o Estado suportar encargos não devidos.
Finalmente. quero fazer uma objecção de fundo: entendemos que o apoio ao associativismo não deve de modo algum ser centralizado numa única instituição, pois esse facto impediria a selectividade. A experiência demonstra-nos que, existindo vários organismos com carácter especializado na administração central que concedem apoios, esses apoios seriam sempre concedidos de uma forma muito mais criteriosa do que por um organismo apenas, o chamado instituto do associativismo, o que decerto não seria a melhor solução. Em nossa opinião, esta responsabilidade (leve ser dividida e segmentada por vários organismos da administração central, mediante a sua partilha responsável com a administração local.
Gostaríamos ainda de referir duas questões, a primeira das quais tem a ver com o facto de os motivos que nos levam a não apoiar este projecto de lei, nos dias de hoje, serem exactamente os mesmos do passado. Como já referi, discordamos do tipo de apoio, centralizado e burocratizado, que os proponentes mantêm reiteradamente há quase quatro anos. Entendemos, contudo, que a nossa coerência não terá sido seguida por pessoas que, no passado, não colocaram tantas reservas como nós a este mesmo projecto de lei e que. agora. manifestam reservas que, atendendo ao seu conteúdo, ultrapassam as nossas. Ou seja, as nossas reservas têm a ver com o tipo de instituto e a forma com que se pretende apoiar o associativismo e não com o apoio ao associativismo, que, quanto a nós, é devido e merecido.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para unia intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira Ramos.

O Sr. Ferreira Ramos (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É-nos hoje aqui apresentado para discussão o projecto ele lei n.º 195/VII - Lei-Quadro de Apoio ao Associativismo (PCP). Este projecto de lei é uma reprise do projecto de lei n.º 18/VI, ao qual foram introduzidas apenas algumas pequenas alterações, mantendo-se a substância. Compreender-se-á, assim, que se mantenha também a posição do Partido Popular que foi a de abster-se aquando da votação desse diploma. E abstivemo-nos, basicamente, porque analisámos esse como este projecto de lei em duas vertentes: a primeira, quando faz depender o apoio ao associativismo da criação de um instituto do associativismo. Nós entendemos nesta bancada que o associativismo é um dos passos de liberdade da sociedade civil, em que deve estar somente presente a liberdade das pessoas para se associarem e em que não deve haver quaisquer peias ou enquadramentos que podem ser tutelares, e que este apoio ao associativismo não poderá nunca compaginar-se com a criação de uma estrutura pública burocratizante, com delegações regionais e competências extensas, que pode, de alguma forma - como já foi aqui referido ao longo do debate -, estimular "subsídio-dependências". Entendemos nesta bancada que o associativismo tem uma genuína origem na vitalidade dos vários estratos sociais e que deve ser estimulado através de alguns apoios, mas não através da criação de mais uma estrutura pesada.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, a criação do instituto do associativismo não merece a nossa concordância. Depois, já numa parte final do projecto de lei, nomeadamente quando se fala em algumas reestruturações dos vários apoios que são dados às associações, entendemos que será necessário e útil fazer uma reflexão acerca de um novo enquadramento destes apoios, muitos dos quais já resultaram da iniciativa dos vários grupos parlamentares. Relembro aqui, por uma questão de precisão, aquilo que se passa em relação ao reembolso do IVA e em relação a alguns bens adquiridos pelas associações, temas estes já algumas vezes aqui discutidos. Assim, dentro da posição de coerência do Partido Popular, iremos abster-nos na votação, de modo a, em sede de comissão e caso este projecto de lei seja aprovado na generalidade, podermos dar o nosso contributo, no sentido de encontrar um quadro geral que "enxugue" algumas das várias situações hoje existentes legalmente e que, em nossa opinião, interessa remeter a um quadro próprio e único no apoio ao associativismo, mantendo-o sempre, volto a referir, com uma forte capacidade, de autonomia dos cidadãos e com uma origem certa na força da sociedade civil no nosso país.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Heloísa Apolónia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O associatívismo tem uma forte tradição e significado em Portugal. As diversas expressões do associativismo têm um papel fundamental na dinamização e no desenvolvimento da sociedade e na implementação de valores de participação e de democracia nos cidadãos, tendo um papel comunitário e social extremamente relevante.
As associações constituem um efectivo espaço de participação dos cidadãos, um espaço de aprendizagem e de prática de respeito e de relação com os outros, um espaço, portanto, também de formação para a cidadania. E é de realçar igualmente a função de espaço de convívio entre as pessoas destas associações, numa sociedade que avança, a passos largos, para o isolamento das pessoas e para

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o individualismo. Nas grandes cidades, muitas delas desumanizadas e despersonalizadas, funcionando como espaços onde as pessoas se encontram, muitas vezes por motivações diferentes, onde participam, onde encontram objectos de interesse, onde se conhecem e convivem. Nas pequenas vilas ou aldeias, nomeadamente, no interior, como espaços de dinamização e de actividade, a maior parte das vezes os únicos espaços onde as pessoas podem construir em conjunto actividades atractivas.
As associações representam, ainda, um espaço de democratização, de aprendizagem e de actuação segundo valores democráticos. É o exemplo também da eleição dos órgãos de direcção dessas associações, num espírito de participação e de envolvimento dos sócios, e cujos dirigentes dão o seu tempo livre à prestação de um trabalho voluntário, que contribui para o desenvolvimento da comunidade. muitas vezes depois de um dia cansativo de trabalho, muitas vezes com poucas condições, num espírito que não pode deixar de ser louvado e apreciado.
Os movimentos associativos actuaras, com grande espírito de partilha dos seus equipamentos e infra-estruturas, para a comunidade onde estão inseridos. Quantos estudantes usufruem da prática da educação física no pavilhão da colectividade- pelo facto de a sua escola não ter gimnodesportivo nem equipamento para o desporto? Muitas colectividades contribuem, desta forma, para a garantia de uma educação mais completa dos jovens, onde a componente física assume um papel muito importante.
As colectividades, como uma das expressões do associativismo, com o leque de actividades que normalmente cobrem, permitem a ocupação atractiva de tempos livres dos jovens e das pessoas em geral, permitindo ganhar o gosto por certas actividades, pratica-las e, muitas vezes, contribuir até para a formação profissional. Muitas pessoas, que se iniciaram no coro de uma associação, fazem hoje da música uma carreira profissional. Muitos desportistas, que se iniciaram no clube de uma associação, fazem do desporto hoje uma carreira profissional.
O papel destes movimentos associativos no desenvolvimento da sociedade é inquestionável. Por isso, é inconcebível que o Estado, reconhecendo esse valor, não valorize essa acção também com um apoio efectivo ao associativismo- porque é sabido também que estes movimentos associativos enfrentam no seu dia-a-dia grandes dificuldades financeiras e materiais e, muitas vezes, não podem crescer e multiplicar a oferta de actividade devido às dificuldades que enfrentam - e não se pode esquecer que frequentemente são os únicos espaços, numa localidade, que a população usufrui para a prática do desporto, da música, da dança, do teatro, etc.
Um apoio efectivo por parte do Estado é fundamental para fomentar a existência e o desenvolvimento do movimento associativo.
Nesta legislatura, "Os Verdes" tiveram já oportunidade de receber e ouvir representantes de federações de colectividades, de apreciar documentos reivindicativos de colectividades, de participar em debates sobre esta matéria, de contactar individualmente associações culturais, desportivas e recreativas e, portanto, de conhecer as reivindicações, as necessidades e as preocupações, que estas associações enfrentam para sobreviver, quando prosseguem fins de grande valor.
Depois da apreciação do projecto de lei hoje aqui em discussão, é forçoso concluir que este vai, de facto, ao encontro clãs reivindicações do movimento associativo, propondo um quadro de apoio adequado, por 'parte do Estado, com a garantia da independência das associações.
As colectividades, por exemplo, não podem continuar a ser vistas e a ser tomadas como sociedades comerciais e lucrativas, porquanto não prosseguem fins lucrativos.
Não tem lógica o facto de as associações adquirirem bens necessários e fundamentais para a prossecução dos seus objectivos e actividade e o Estado ainda receber uma quantia por esse facto. As associações prestam um serviço à comunidade e ainda têm de pagar ao Estado por isso. Daí, a importância da proposta de reembolso do IVA.
Este projecto de lei prevê outro conjunto de isenções, benefícios importantes, como a dedução em IRS e IRC das quotizações e contribuições às associações.
É por tudo o que ficou dito que "Os Verdes" votarão favoravelmente este projecto de lei, na convicção de que este representa um bom contributo para o desenvolvimento, crescimento e reforço destes movimentos associativos, para que eles não se extingam.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, findo o debate sobre o projecto de lei n.º 195/VII - Lei-Quadro de Apoio ao Associativismo (PCP), vamos passar à discussão conjunta dos projectos de lei n. os 260/VII - Reembolso dos montantes pagos a título de propinas de matrícula ou de inscrição (CDS-PP) e 271/VII - Reembolso de propinas do ensino superior pagas nos anos lectivos de 1992 a 1995 (PSD).
Para introduzir o debate, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como todos sabemos, a Assembleia da República, em Novembro de 1995, por proposta do Governo, aprovou uma lei que suspendeu o regime legal então vigente relativo ao pagamento de propinas no ensino superior.
Na altura, o Partido Popular teve ocasião de dizer que discordava do regime de propinas então em vigor, mas que lhe parecia errado que, para substituir uma má lei por uma boa lei, o Governo - e, naquele caso, a própria Assembleia da República - suspendesse a lei que estava em vigor e adiasse, sabe-se lá até quando, a elaboração de uma boa lei de financiamento do ensino superior, onde naturalmente, tal como sempre defendemos, se deve enquadrar o regime das propinas a pagar.
Ironicamente, core os votos a favor do Partido Socialista e a aquiescência do PCP, a suspensão desse regime legal de propinas colocou em vigor uma legislação anterior ao 25 de Abril de 1974, no que diz respeito ao pagamento da frequência do ensino superior pelos estudantes que o frequentem. Isto é apenas uma pequena ironia e, com certeza, não será mais do que isso, mas dá bem para medir o atraso com que Portugal se encontra neste momento e que tem consequências óbvias, visíveis a olho nu: o atraso no regime do financiamento do ensino superior e, obviamente, o atraso na qualidade e na quantidade de ensino superior que existe neste momento no País e que, em nossa opinião, é insuficiente para as necessidades de desenvolvimento do próprio País.
Também na altura dissemos ao Governo que teria todo o apoio do PP para substituir a má lei por uma boa lei e até perguntámos ao Sr. Ministro da Educação se era intenção do Governo vir a propor essa boa lei e ele -

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ministro ainda h á pouco tempo e, porventura, pouco habituado à relatividade destas coisas - prometeu que, até Junho de 1996, apresentaria à Assembleia da República uma proposta de lei de financiamento do ensino superior, onde, segundo ele, se deveria inscrever o problema do pagamento das propinas. Estamos em Fevereiro de 199,7 e não há rasto nem notícia dessa proposta de lei.
O problema é que, na mesma altura, perguntámos também ao Sr. Ministro da Educação por que é que, na proposta do Governo, se prema o reembolso das propinas relativas ao 'ano lectivo de 1995!1996 e não se previa qualquer outro reembolso' A resposta que o Ministro da Educação deu à Assembleia da República - e peço, inclusivamente, licença para citar - foi esta: "Quanto aos estudantes dos anos anteriores, peço muita desculpa, mas o País vive num Estado de direito, e aquilo que acontece é que aqueles que, anteriormente, não pagaram as suas propinas terão hoje um problema com as suas Universidades e não podemos pensar que alguém vai deixar de pagar ou de cumprir aquilo que foram os compromissos que existiam por força de uma lei que estava em vigor e que era inteiramente válida".

Vozes do PS: - Exactamente!

O Orador: - Concordámos em absoluto como Sr. Ministro da Educação, mas, talvez por desconfiança, ainda o ano passado, requeremos exactamente que nos informasse quais as cobranças, entretanto efectuadas, das propinas que não Foram pagas, e deviam tê-lo sido, enquanto vigorou a lei que foi suspensa, quantos estudantes as pagaram, qual o montante apurado e, portanto, qual o grau de cumprimento da lei, uma vez que ele garantiu aqui, no Parlamento - aliás não seria de esperar outra coisa que seria integralmente aplicada e cumprida, como é próprio de um Estado de direito.
O requerimento que fizemos não obteve resposta. Presumimos que não houve tempo, porque o Governo, a partir dessa resposta que nos deu aqui, na Assembleia da República, nada fez para assegurar que quem não cumpriu alei suspensa, quem não pagou as propinas, quando o devia ter feito, fosse obrigado a fazê-lo - aliás, na sequência de igual esquecimento quanto à apresentação, até Junho de 1996, da tal proposta global de financiamento do ensino superior, que, pelos vistos, também ainda não passou das intenções de um pacto ou das gavetas do Ministério.
Sucede que a questão da proposta de lei para o financiamento do ensino superior é um problema político do Governo que se traduz apenas num prejuízo de todo o ensino superior na manutenção dos defeitos que o sistema de financiamento actual - por curiosidade, aquele que vigorava no tempo do Professor Veiga Simão - implica neste momento para o ensino superior em Portugal, e, obviamente, os estudantes portugueses, a juventude portuguesa e as famílias portuguesas não deixarão de responsabilizar politicamente o Governo por esse trágico esquecimento do ponto de insta dos superiores. interesses do ensino superior.
Agora, guando se trata de cumprir alei e pagar impostos ou taxas, do nosso ponto de vista, não é admissível que quem não cumpriu a lei e não pagou os impostos ou as taxas fique impune e que quem as pagou ganhe razão e motivos para, numa próxima oportunidade, também a não cumprir, exactamente porque chega à conclusão de que, em Portugal, o crime compensa e de que quem não cumpre, mais farde ou mais cedo, é beneficiado, sancionado e porventura até aplaudido por não ter cumprido.
Está aqui em causa, além de um problema, que, com certeza, é o mais importante, de financiamento do ensino superior, uma questão de autoridade do Estado, porque não sei como é que o Governo do Partido Socialista vai exigir o cumprimento da futura lei do financiamento do ensino superior, seja ela qual for e seja aprovada quando for, com este pecadilho de ter consentido, por omissão, no incumprimento da lei e nada ter feito para reparar a injustiça que deriva de nada ter sucedido a quem não a cumpriu.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Não é verdade!

O Orador: - Parece-me que isto começa a ser uma perigosa filosofia de base do Governo, aliás aplicável a outros domínios da actividade.
Mas, no que diz respeito concretamente ao problema das propinas, desde o início, que dissemos ao Governo que, de duas, uma: ou reembolsava toda a gente ou cumpria a lei que vigorou e fazia pagar a quem não pagou e devia ter pago as propinas a que se furtou, porque as leis em democracia aplicam-se a todos os cidadãos e não apenas a alguns.
E esta a verdadeira questão política e de autoridade pública que está em causa com a iniciativa legislativa que o Grupo Parlamentar do PP hoje aqui apresenta.
É sabido que temos ideias sobre o financiamento do ensino superior e até já entregámos na Mesa da Assembleia uma iniciativa legislativa sobre esta matéria; é sabido que o Partido Popular defende a existência de propinas; mas é sabido também que o Partido Popular não aceita que quem não cumpre a lei possa ser privilegiado ou beneficiado por esse incumprimento e, mais do que isso, que o Governo, que é um órgão de soberania que deve ser responsável, pactue com o incumprimento da lei e nada faça para a fazer cumprir, porque tem essa obrigação constitucional, política e legal. É isso que não aceitamos.
É por isso que, de duas uma: ou o Governo explica à Assembleia da República como promoveu o cumprimento da lei das propinas que vigorou no País por parte de quem não pagou ou o Partido Popular continuará a defender que o Governo tem a obrigação moral de devolver o dinheiro das pessoas que pagaram as propinas.
Quando estão em causa regras claras de cumprimento da lei e de justiça social, não há duas posições possíveis. Como diz o povo: "ou há moralidade ou comem todos"! É precisamente para que haja moralidade que o Grupo Parlamentar do Partido Popular hoje aqui apresenta este projecto de lei.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Para apresentar o projecto do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Vieira.

O Sr. Sérgio Vieira (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PSD e os Deputados da JSD apresentaram o projecto de lei n.º 271/VII, que agora fundamento, sobre reembolso de propinas no ensino superior, por uma questão de elementar justiça.
O nosso projecto de lei tem por objectivo terminar com uma situação injusta e desigual decorrente da atitude Taxista e inconsequente do Governo apoiado pelo Partido Socia-

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lista e que o Estado, como pessoa de bem, tem de corrigir. .

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Antes de mais, importa deixar bem claro uma questão de fundo, que para nós é fundamental: o PSD defende a existência de propinas.

O Sr. José Calçada (PCP): - Não me diga!

O Orador: - Defendemo-lo no passado, quando éramos Governo, e defendemo-lo hoje, que somos oposição. Não foi com os nossos votos que este Parlamento suspendeu a Lei das Propinas,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... foi por proposta do Governo, com o apoio entusiástico da bancada do Partido Socialista.

O Sr. José Calçada (PCP): - Ah!

O Orador: - Quando o PS o fez afirmou que era a favor do princípio das propinas, que discordava do sistema vigente e que iria apresentar uma nova proposta de lei. O PSD continua à espera. Só então saberemos o que é que o PS pensa verdadeiramente acerca desta questão.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O PSD, no passado, procedeu à revisão do sistema de propinas que são devidas pela matrícula e inscrição anual nas instituições do ensino superior público, revisão essa de uma valor de propina fixado há mais de 50 anos, em 1941, estabelecendo que os montantes provenientes do pagamento de propinas constituiriam receitas próprias das instituições do ensino superior público. a serem afectadas à prossecução de acções que visassem a melhoria da qualidade de ensino e a promoção do sucesso educativo.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Assim, a partir do ano lectivo de 19921 1993, milhares de famílias contribuíram, com natural esforço financeiro, para assegurar a frequência dos seus filhos no ensino superior público. No entanto, a Lei n.º 1/96, de 9 de Janeiro, do Governo socialista suspendeu as propinas.
Face a esta suspensão socialista, o Governo criou um sistema claramente injusto e desigual. E porquê injusto e desigual? Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, injusto e desiguala dois níveis: injusto e desigual entre os estudantes que tiveram de realizar um efectivo esforço financeiro para frequentar o ensino superior de 1992 a 1995 e aqueles que não fizeram esforço financeiro algum, violando a lei; injusto e desigual entre os estudantes dos anos lectivos de 1992 a 1995 e os estudantes dos anos lectivos de 1995/1996 e 1996/1997.

Assim, a par de estudantes que, de uma forma responsável e de boa fé, cumpriram a lei, outros houve que não a cumpriram e beneficiaram injustamente dos recuos legislativos do PS nesta matéria do pagamento de propinas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Aqueles que cumpriram a lei e pagaram o que era devido ficaram claramente prejudicados e em situação desigual em relação àqueles que, impunemente, a não cumpriram e não pagaram o que era devido.

O Sr. António Braga (PS): - Mas devem pagar!

O Orador: - Esta é uma situação injusta e desigual, que urge corrigir. O crime, o incumprimento da lei não pode jamais compensar.
Do mesmo modo, não se justifica que os estudantes que cumpriram a lei devam pagar mais do que os seus colegas dos anos seguintes, que foram beneficiários de uma suspensão da lei que mais se assemelhou a uma verdadeira revogação.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 271/VII, do PSD, propõe-se corrigir a injustiça e a desigualdade do actual sistema, decorrente da suspensão socialista das propinas. Injustiça e desigualdade que, infelizmente, advêm da atitude taxista e inconsequente do Governo apoiado pelo Partido Socialista.

O Sr. Carlos Coelho (PS): - Muito bem!

O Orador: - Injustiça e desigualdade que o Estado, como pessoa de bem, tem de corrigir.
Tal só pode ser alcançado mediante o reembolso dos montantes cobrados nos anos lectivos de 1992/1993, 1993/1994 e de 1994/1995 que tenham excedido os montantes em vigor nos anos lectivos de 1995/1996 e 1996/1997. Reembolso que porá cobro à injustiça e à desigualdade entre estudantes que pagaram, com responsabilidade e boa fé, cumprindo a lei, e aqueles que não pagaram, violando, de forma impune, a lei então existente.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Ao terminar esta minha intervenção, não posso deixar de fazer um apelo dirigido à bancada do Partido Socialista, um sincero apelo para que o Partido Socialista não tenha, relativamente a esta matéria de elementar justiça e igualdade para os estudantes portugueses, a mesma intransigência e a mesma teimosia que tem revelado em outras matérias e em outras questões.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente. - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ricardo Castanheira.

O Sr. Ricardo Castanheira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Sérgio Vieira, ainda antes de colocar-lhe qualquer questão, devo dizer que fico espantado com a habilidade e com a celeridade com que o PSD apresenta iniciativas legislativas deste teor. Realmente fico espantado que o PSD, nestas matérias que lá fora adquirem elevada adesão social - e compreendo que esta será efectivamente um exemplo disso -, num objectivo puramente eleitoralista, apresente hoje aqui este tipo de iniciativas legislativas.
Mas há alguns problemas a contornar, Sr. Deputado Sérgio Vieira, e era isso que gostava que me ajudasse a esclarecer.
Primeiro: existem alguns problemas do ponto de vista legal, isto é, a; lei, de acordo com o princípio plasmado e com disposições jurídicas, nomeadamente o artigo 12.º do Código Civil, produz efeitos para o futuro e não efeitos retroactivos. Portanto, a proposta de lei do Governo, na

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altura, não poderia, obviamente, produzir efeitos para o passado.
Segundo: o PSD, que é autor, não apenas moral mas efectivo, das anteriores leis de propinas, perfeitamente desajustadas e injustas. cujo preço político que tiveram de pagar é conhecido, apresenta-se hoje como se nada tivesse a ver com o passado. O seu colega Deputado Luís Filipe Meneses, há bocado, falou nas "intervenções do OMO"... Agora compreendo que V. Ex.ª está de facto a querer branquear o passado... É porque, há pouco, eu não tinha compreendido a expressão...
A questão concreta que quero colocar-lhe é esta: como é que o Sr. Deputado do PSD vai explicar isso, hoje, neste momento, depois deste debate, em primeiro lugar, aos reitores, uma vez que muitos deles já aplicaram, no âmbito da própria autonomia universitária e do seu espaço de jurisdição, os valores respeitantes às propinas e, em segundo lugar, aos estudantes, que participaram nos órgãos universitários na decisão da afectação dessas receitas provenientes de propinas a determinado tipo de actividades? Relembro-lhe, por exemplo, que, em Coimbra, houve, inclusive, um referendo na academia para que tal fosse determinado.
Portanto, pergunto ao PSD, que aqui, numa tentativa clara de branquear o passado vai dar explicação aos estudantes, aos reitores, às Universidades e às famílias, o que é que vai fazer com esse dinheiro que estava em caixa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Vieira.

O Sr. Sérgio Vieira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ricardo Castanheira, em relação ao comentário que V. Ex.ª fez no início do seu pedido de esclarecimento, que teve a ver- com a habilidade e com o eleitoralismo, devo dizer que para V. Ex.ª, pelos vistos, as questões de justiça e igualdade são questões ligadas à habilidade e ao eleitoralismo,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - .. ruas para nós não, Sr. Deputado! São questões de princípio, custe a quem custar.

Aplausos do PSD.

Em segundo luar. Sr. Deputado Ricardo Castanheira, esqueceu-se de afirmar aqui - e não sei se falou ou não em nome da juventude socialista - que a juventude socialista sempre defendeu as propinas. É verdade, sempre o fez com muita vergonha e muito baixinho. Mas a verdade é que as defendeu.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: - Fico um ,pouco preocupado por o Sr. Deputado, aquando da sua intervenção, não ter mostrado qualquer tipo de preocupação pelo facto de, aguando do debate da suspensão da lei das propinas, em 29 de Novembro de 1995, o Sr. Ministro da Educação ter afirmado neste plenário que iria apresentar uma proposta de lei "até ao próximo mês de Junho...

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Até ao próximo, não!

O Orador: - ... do ano de 1996".

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - É uma citação!

O Orador: - Já passou tanto tempo, Sr. Deputado!... Por isso, fico preocupado por não ter mostrado qualquer preocupação relativamente a esta matéria,...

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Exactamente!

O Orador: - ... por o Governo que V. Ex.ª suporta, que o PS suporta, ainda nada ter apresentado no que toca a esta matéria. Possivelmente, teria ficado melhor ao partido político e à juventude partidária que V. Ex.ª aqui representa, que sempre falou nestas questões, baixinho é certo, mas foi falando, que não tivesse mostrado qualquer tipo de preocupação em relação a esta matéria.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - É preciso dialogar!

O Orador: - Para terminar, o Sr. Deputado Ricardo Castanheira não leu o projecto de lei do PSD.

Vozes do PSD: - Pois não!

O Orador: - Não leu o projecto de lei do PSD e cometeu um erro ao falar da questão dos reitores. O projecto de lei do PSD em nada prejudica as Universidades. Mais - e vou ler aquilo que V. Ex.ª não se deu ao trabalho de ler: diz o ponto 3 do artigo único do projecto de lei do PSD que "O Governo procederá à reposição, perante as instituições do ensino superior, das quantias a reembolsar (...)".

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: - Sr. Deputado, tenho aqui o projecto de lei e posso emprestar-lho para, finalmente, poder lê-lo.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Através do projecto de lei n.º 260/VII, pretende o CDS-PP que seja efectuado aos estudantes o reembolso dos montantes pagos a título de propinas ou de inscrição relativamente aos anos lectivos de 1993/94 e 1994/95, medida a ser implementada com a entrada em vigor do Orçamento do Estado para 1988, fixando o prazo para o reembolso até 31 de Janeiro de 1988.
De acordo com os autores do presente projecto de lei, o reembolso das propinas relativas ao ano lectivo de 1995/96, consagrado através da Lei n.º I/96, de 9 de Janeiro, traduz uma solução legalmente injusta para os cidadãos que rectamente cumpriram a lei nos anos lectivos de 1993/94

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e 1994/95, defendendo que ou se reembolsam todos ou não se reembolsa ninguém ....

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - ... caso contrário, está a sugerir-se aos cidadãos que o crime compensa.

Aplausos do Deputado do CDS-PP Jorge Ferreira.

A presente iniciativa legislativa vem na sequência da proposta de lei n.º I/VII, aprovada pela Assembleia da República com os votos favoráveis do PS, os votos contra do PSD e do CDS-PP e as abstenções do PCP e de Os Verdes, que deu origem à Lei n.º 1/96 de 9 de Janeiro, que suspendeu a vigência das Leis n.os 20/92, de 14 de Agosto, e 5/94, de 14 de Março, repristinando os n. os 1 a 4 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 418/73, de 21 de Agosto, com exclusão das respectivas normas regulamentares. A matéria objecto da presente iniciativa legislativa deve ser analisada à luz da Lei n.º 1/96, de 9 de Janeiro que veio determinar a suspensão da vigência das Leis n.ºs 20/92, de 14 de Agosto, e 5/94, de 14 de Março, procedendo à repristinação. para os cursos de bacharelato, de licenciatura e de professores do ensino básico ministrados em estabelecimentos de ensino público, dos n.os 1 a 4 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 418/73, de 21 de Agosto, ou seja, no que respeita aos montantes a pagar e ao momento de o fazer, excluindo as respectivas normas regulamentares.
O referido diploma legal determina, por outro lado, que o pagamento das propinas deve ser realizado no prazo fixado pelo estabelecimento de ensino, sob pena de caducidade da matrícula e dos direitos que lhe são inerentes e, por outro, que os estudantes que tenham pago, a título de propina referente ao ano lectivo de 1995/96, um valor superior àquele que deveriam pagar nos termos da legislação repristinada sejam reembolsados pelas instituições de ensino superior da respectiva diferença, num prazo a fixar pelos estabelecimentos. No que respeita às propinas devidas pela realização de mestrados ou doutoramentos, remete o citado diploma para o disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 216/92. de 13 de Outubro. A regulamentação desta lei, como é sabido, cabe aos órgãos competentes das instituições de ensino superior.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - No que respeita ao montante a pagar pelos estudantes a título de propinas encontra-se, pois, em vigor o regime estabelecido nos n.os 1 a 4 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 418/73, de 21 de Agosto, repristinado pela Lei n.º 1/96.
Assim, estabelece o artigo 3.º do citado diploma que pela matrícula nos estabelecimentos de ensino superior público e pelas inscrições são devidas propinas, sendo de 100$ a propina de matrícula e de 1200$ ou 600$ as propinas de inscrição em todas as disciplinas, correspondentes, respectivamente, a um ano ou a um semestre. Por último, as propinas de inscrição em cada disciplina isolada anual são de 300$ ou 150$, se for semestral.
O projecto de lei do CDS-PP, que visa o reembolso dos montantes pagos em excesso, constitui uma medida descabida, só podendo ser justificável por motivos meramente político-partidários ou eleitoralistas.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - Do ponto de vista jurídico, esta iniciativa apresenta evidentes imperfeições, desde logo, ao não referir expressamente e com clareza qual a leia que visa introduzir alterações, ou seja, a Lei n.º 1/96, de 9 de Janeiro, que estabelece as normas relativas ao sistema de propinas.
O que o CDS-PP pretende em concreto é a extensão do regime previsto no artigo 5.º da Lei n.º 1/96 aos alunos que pagaram propinas nos anos lectivos de 1993/94 e 1994/95 ao abrigo das disposições legais vigentes na altura, ou seja, nos termos das leis já referidas.
Ora, o princípio geral do Direito, nos termos do artigo 12.º do Código Civil, é o de que a lei só dispõe para o futuro. Não tinha sentido algum, no caso vertente, atribuir eficácia retroactiva da Lei n.º 1/96 às situações passadas.

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - Com efeito, na situação em apreço, entendemos que não tem qualquer razão de ser legislar no sentido da devolução dos montantes pagos a título de propinas nos anos lectivos de 1993/94 e 1994/95, pois os argumentos invocados pelos autores do projecto de lei em análise, longe de se afigurarem relevantes, apresentam-se irrealistas e demagógicos.
A Lei n.º 1/96, que estabelece as normas relativas às propinas, determinando o reembolso dos montantes pagos em excesso pelos estudantes no que respeita apenas às propinas do ano lectivo de 1995/96, em momento algum pode ser interpretada como uma medida susceptível de incentivar os cidadãos ao não cumprimento da lei ou ao seu cumprimento tardio.
A suspensão da vigência do quadro jurídico relativo ao sistema de propinas correspondeu ao cumprimento de uma promessa do Governo da nova maioria e tem de ser entendida como uma medida transitória até à aprovação de um novo quadro jurídico adequado, mais justo e negociado com os agentes educativos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O reembolso dos montantes em excesso pagos a título de propinas, como é lógico, só poderia aplicar-se ao ano lectivo de 1995/96, ano que corresponde ao da aprovação da nova lei. Não teria sentido,. até por razões de natureza jurídica, aplicar a mesma regra a situações passadas, em que os pagamentos relativos às propinas foram efectuados ao abrigo das leis vigentes e, como tal, devem ser integralmente respeitados. Aliás, aquando da discussão na generalidade da proposta de lei que deu origem à Lei n.º 1/96, o Sr. Ministro da Educação, justamente em resposta a uma questão colocada pelo líder do Grupo Parlamentar do CDS-PP, teve a oportunidade de referir que "(...) quem é reembolsado em 1995/96 são os estudantes que pagaram uma verba que nem sequer estava estipulada para o referido ano lectivo. Avançou-se em termos de pagamentos das propinas sem se ter previamente definido um quantitativo para esse ano lectivo. Portanto, (...)" - diz o Ministro - "(...) o que se vai fazer é o reembolso deste ano, correspondente à suspensão de uma propina que se aplicaria em 1995/96 e de que não se sabia previamente qual era o valor - poderia ser superior ou inferior". Continua o Ministro, "Optámos por represtinar a lei de 1973 e, consequentemente, esses estu-

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dantes serão reembolsados, de forma evidente, em função desta argumentação".

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Continue, Sr. Deputado, continue!

O Orador: - "Quanto aos estudantes dos anos anteriores, peço muita desculpa, mas o País vive num Estado de direito e aquilo que acontece é que aqueles que anteriormente não pagaram as suas propinas terão hoje um problema com as suas Universidades, (...)" - repito, Sr. Deputado Jorge Ferreira, com as suas Universidades "(...) e não podemos pensar que alguém vai deixar de pagar ou cumprir aquilo que foram os compromissos que existiam por força de uma lei que estava em vigor e era inteiramente válida".

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - A explicação dada pelo Sr. Ministro da Educação, com a qual concordamos integralmente, tem todo o sentido e justificação e não existem hoje circunstâncias supervenientes que nos levem a pensar de outro modo.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Existem, existem!

O Orador: - De facto, em momento algum os alunos que estiveram inscritos ou matriculados nos anos de 1993/94 e 1994/95 viram violados os seus direitos, porquanto aquilo que pagaram a título de propina foi ao abrigo da lei vigente, que não resultou de um Governo do Partido Socialista, não sendo pois legítimo usar agora a medida do PS como argumento para o incumprimento de obrigações legais ou para o seu cumprimento fora dos prazos.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Muito bem!

O Orador: - A iniciativa legislativa do PSD, o projecto de lei n.º 271/VII, corresponde quase na íntegra ao projecto de lei n.º 260/VII do CDS-PP, distinguindo-se apenas no que respeita aos anos lectivos a reembolsar, já que o do PSD aponta para os anos lectivos de 1992/93, 1993/94 e 1994/95 enquanto que o do CDS-PP diz respeito apenas aos últimos dois anos lectivos.
Os argumentos invocados pelo Grupo Parlamentar do PSD são igualmente demagógicos, não podendo ser atendíveis. Com efeito, a suspensão da lei das propinas não criou qualquer sistema injusto; antes pelo contrário, o seu objectivo foi precisamente impedir a continuidade das injustiças que o anterior sistema vinha comportando a vários níveis, quer para os estudantes quer para as famílias.

Vozes do PSD: - Nota-se! Nota-se!

O Orador: - O PSD, esse sim, foi o responsável directo durante vários anos pela criação de um sistema injusto, nunca tendo tido a coragem de o reconhecer ou de encontrar resposta válida para atenuar essas mesmas injustiças.

Aplausos do PS.

A lei aprovada - reafirma-se - só tem sentido aplicar-se a partir do ano lectivo que coincide com o da sua aprovação e não aos anos antecedentes em que vigorava um regime jurídico válido, e num Estado social de direito as leis são para cumprir.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A lei aprovada recentemente nesta Câmara em nada violou os direitos daqueles que cumpriram a lei, como em nada beneficia, nem pode beneficiar, aqueles que a não cumpriram.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por tais razões, também não podemos dar o nosso apoio à iniciativa do PSD, que mais uma vez procura protagonismo político numa área em que não goza de qualquer autoridade para o fazer.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): - Bem lembrado!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As iniciativas do CDS-PP e do PSD não merecem, pois, a concordância do Grupo Parlamentar do' PS. Aliás, nem se compreende que tais iniciativas partam de partidos políticos que, desde a primeira hora, se manifestaram contra a suspensão do anterior regime de propinas.

Vozes do PSD: - Ohhh...!

O Orador: - Só o eleitoralismo, o facilitismo, a demagogia e a lógica oposicionista "do quanto pior melhor" podem justificar estas iniciativas legislativas, que em nada dignificam quem as apresenta.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Informo a Câmara de que se encontram inscritos para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Carlos Coelho, Jorge Ferreira e Sérgio Vieira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, a sua intervenção, Sr. Deputado Fernando de Sousa, custa a entender. Foi uma intervenção que se espraiou pelos projectos de lei apresentados mas que não dá resposta às questões fundamentais e antes de mais transporta uma incoerência do PS, partido que cada vez que fala na Assembleia tem notas de divergência relativamente às posições do passado.
Sr. Deputado Fernando de Sousa, é o mesmo Partido Socialista que várias vezes nesta Casa e fora dela acusou a lei das propinas que o governo que eu integrei propôs e fez aprovar nesta Casa como uma lei iníqua, uma lei injusta?! É o mesmo Partido Socialista que agora vem dizer que quer "agarrar" cada tostão cobrado ao abrigo dessa lei?!

Protestos do PS.

Seria natural que ó Sr. Deputado Fernando de Sousa, coerentemente com aquilo que disse sobre a lei, dissesse "Sim, senhor. Nós, socialistas, não queremos guardar um tostão cobrado ao abrigo dessa lei que tanto criticámos. Não queremos reservar nos cofres da universidade uma única receita cobrada com uma lei que tanto vilipendiámos!" Mas, de facto, não foi isso que o Sr. Deputado

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Fernando de Sousa veio aqui dizer. Pelo contrário, veio dizer que nem pensar em devolver as propinas a quem as pagou, mesmo em nome da igualdade, como muito bem o Sr. Deputado Sérgio Vieira recordou do alto daquela tribuna.
Sr. Deputado Fernando de Sousa, afinal em que posição é que ficamos? O PS é a favor ou contra as propinas?

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Não sabe!

O Orador: - Recordo-me que quando esta maioria conjuntural se criou, no início desta legislatura, para suspender a lei das propinas, o Sr. Deputado Fernando de Sousa e os Srs. Deputados do Partido Socialista disseram que a suspensão era para apresentarem uma outra lei, que o PS não era contra as propinas mas conca a lei das propinas do PSD c, por isso, ia fazer uma "lei rosa das propinas". A verdade é que. como o Sr. Deputado Sérgio Vieira já recordou, os prazos estão claramente ultrapassados e é legítimo perguntar. Sr. Deputado Fernando de Sousa, para que é que foi a suspensão.

O Sr. António Braga (PS): - Para dialogar!

O Orador: - Foi, de facto, para vermos uma "lei rosa das propinas" ou foi para esquecer as propinas?!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. António Braga (PS): - Foi para dialogar!

O Orador: - Como é que o Sr. Deputado explica o atraso do Governo? Como é que explica que o Governo do PS ainda não tenha apresentado a tal "proposta de lei rosa das propinas"? Não pensa que é legítimo que fique a ideia de que o que os senhores querem é esquecer a matéria?!
Sr. Deputado Fernando de Sousa, como explica...

O Sr. António Braga (PS): - Sabe o que é o diálogo, Sr. Deputado? Veja, Sr. Deputado!

Neste momento, o Deputado do PS António Braga mostra o livro Autonomia das Universidades.

O Orador: - Ah! É o diálogo, está a dizer o Sr. Deputado António Braga!
Sr. Presidente, tomo-o como testemunha desta resposta do Sr. Deputado António Braga. Ficamos agora a saber que o diálogo, que já foi desculpa para várias coisas, é agora desculpa para o incumprimento de prazos que o Governo a si próprio se obrigou. Não foi esta Casa que disse ao Governo que tinha 15 dias para legislar, foi o próprio Governo e a bancada socialista que se obrigaram a um prazo que o Sr. Deputado António Braga considera estar já prejudicado por força do diálogo.
Sr. Deputado, ficamos a saber que o diálogo agora proíbe e impede o Governo de cumprir os seus próprios compromissos. É notável!

O Sr. Presidente: - Faça favor de concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente. Sr. Deputado Fernando de Sousa, como explica a quem pagou, a quem cumpriu a lei e está lado a lado com quem a não cumpriu, essa desigualdade? Qual é a resposta do PS a essas pessoas que cumpriram a lei e que agora vêem os Srs. Deputados do PS, de contradição em contradição, de promessa em promessa, de adiamento em adiamento, a não querem fazer aquilo que é justo, que é nivelar todos por igual.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Coelho, fazer prova testemunhal contra registo magnético não é fácil.

Risos do PSD.

Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando de Sousa, foi com alguma dificuldade que consegui encontrar uma pergunta para fazer, porque o Sr. Deputado fez mais a "crónica da vida do reino", no que diz respeito à produção legislativa sobre esta matéria, do que exprimiu uma posição política, que era o que se lhe exigia sobre a posição do Grupo Parlamentar do PS. Mesmo assim, V. Ex.ª conseguiu dizer algumas coisas que me suscitaram várias observações' e uma pergunta.
Quanto às observações, o Sr. Deputado disse que o nosso projecto de lei era juridicamente imperfeito. Nunca mais me esqueço que, desde que o seu grupo parlamentar quis fazer uma lei da República a dar ordem à polícia para investigar umas caixas de papel do antigo Primeiro-Ministro, fiquei com uma bitola da imperfeição jurídica. Penso que neste caso superamo-la largamente, a benefício da perfeição jurídica.
Em segundo lugar, é um objectivo político-partidário, tem toda a razão. V. Ex.ª nunca falou tão bem nem tão verdade!

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Muito obrigado!

O Orador: - É um objectivo político é um objectivo partidário do PP o facto de a lei ser igual para todos. Compreendo que isso lhe cause imensa impressão, porque o senhor é socialista, e compreendo que este princípio do Estado de direito democrático, lá nas raízes ideológicas do socialismo, ainda lhe cause alguma perturbação no discurso e no raciocínio. Mas é, Sr. Deputado, um objectivo político, é verdade, um objectivo partidário, tem toda a razão, e lamento que não seja também um objectivo político e partidário do seu partido.
Devo reconhecer que, porventura, errámos e assumo-o claramente: em vez de um projecto de lei, devíamos ter feito um projecto de recomendação. Vou explicar-lhe porquê: é que, em matéria de educação, o Grupo Parlamentar do PS tem aquilo a que chamo "o reflexo condicionado do cavaquismo", ou seja, está sempre contra porque suspeita de que aquela iniciativa já foi apresentada por algum ministro do PSD. Mas sendo um projecto de recomendação, o Grupo Parlamentar do PS pensa desta forma: o Governo pode não cumprir, a ideia pode ser boa; na dúvida, votamos a favor.
É por esta razão que, se calhar, em vez de um projecto de lei sobre esta matéria - contra, aliás, a doutrina ilustre do nosso presidente -, devíamos ter entregue um

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projecto de resolução com uma recomendação ao Governo para que, por sua vez, recomendasse às universidades que cobrassem o dinheiro em falta. Foi um erro que assumo claramente. Mas, também, como vi que não vinha mal ao mundo fazer urna lei recomendando o cumprimento da lei (e penso que esta não é uma imperfeição jurídica), optámos pelo projecto de lei.
Muito claramente. gostava de conhecer a sua opinião sobre este assunto: o que é que o senhor faz a quem não pagou? Deixa impune'? E como é que justifica aos cidadãos que pagaram a injustiça de que se sentem hoje alvo por parte da inépcia de um Governo que não tem capacidade política nem autoridade no meio académico para fazer cumprir alei que esteve em vigor? Esta questão não é de governos do PS ou do PSD, Sr. Deputado! É uma questão do Estado de direito!
Houve uma lei em vigor e o Ministro da Educação garantiu o seu cumprimento. Daí, o que V. Ex.ª referiu quanto a serem as universidades que têm de a fazer cumprir e deve repeti-lo ao Ministro da Educação do seu Governo, porque foi ele que garantiu aqui que ia fazê-lo. Se calhar, inadvertidamente, V. Ex.ª tentou criticar o Ministro da Educação. Marçal Grilo, o que também não é novo nem original, vindo mesmo da sua bancada.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Vieira.

O Sr. Sérgio Vieira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando de Sousa, devo dizer que a intervenção que fez em representação do Partido Socialista me deixou surpreendido.
Dela recordo três aspectos: referiu-se à história processual da questão das propinas. que ocupou um terço da sua intervenção. à natureza jurídica de cada um dos projectos de lei, tendo, por fim. citado o Sr. Ministro da Educação, o qual disse - nunca é demais relembrá-lo aqui -, em 29 de Novembro de 1995 que, até Junho de 1996, teria uma proposta de lei sobre a questão do financiamento e das propinas Estamos quase em Fevereiro de 1997, já passou mais de um ano, e ainda não conhecemos essa proposta.
Recordo-me que, na altura, argumentou-se que era preciso suspender as propinas para pacificar o ensino superior. Aliás, pacificaram-no com grande delicadeza e astúcia, apresentando uma proposta de alteração da lei de bases do sistema educativo. Com ela, perdeu-se esse objectivo e o ensino superior entrou em polvorosa e em grande ebulição.
Sr. Deputado Fernando de Sousa, não sei se é pelo facto de, mesmo com a vocação suspensiva do Governo, não ser possível a pacificação do ensino superior que ainda não conhecemos a tal proposta de lei. Não sendo esse o caso, ficamos à espera para saber, de uma vez por todas, o que é que o Partido Socialista pensa sobre esta matéria.
Disse V. Ex.ª que não adveio da suspensão da lei das propinas um sistema injusto. Esta foi a única frase que ouvi da sua intervenção acerca de questões de princípio e de igualdade, às quais nos referimos.
Sr. Deputado Fernando de Sousa, não acha injusto que tenha havido estudantes que, de 1992 a 1995, cumpriram a lei e pagaram as propinas devidas enquanto que outros, que não cumpriram, o fizeram impunemente'? Acha isto justo e equilibrado? Acha que fomenta a igualdade entre estudantes?

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Diga lá! É justo?

O Orador: - Sr. Deputado Fernando de Sousa, não consigo compreender que V. Ex.ª e o Partido Socialista considerem este um sistema justo. A suspensão das propinas por parte do Governo. que V. Ex.ª apoia e suporta, criou um sistema injusto. Está claro aos olhos de toda a gente menos aos de quem não quer ver e o Estado, como pessoa de bem, tem de corrigir esta situação.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa, para responder.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Sérgio Vieira, se não se importa, até porque a sua intervenção está directamente ligada à do Deputado Carlos Coelho, começarei por responder às questões que foram colocadas pelo Sr. Deputado Jorge Ferreira, a quem saúdo por voltar novamente às questões da Educação. Recordo que quando começou esta legislatura o Sr. Deputado Jorge Ferreira foi aparecendo na Comissão de Educação Ciência e Cultura, julguei que ia ficar mas, depois, teve outros compromissos e, agora, volta outra vez para discutirmos as questões da educação, e ainda bem. Bem-vindo, pois.
Sr. Deputado Jorge Ferreira, não fiz a "crónica do reino", o que fiz foi a história das contradições crónicas do CDS-PP.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Essa é boa!

O Orador: - É que, de facto, é uma contradição um partido que defende o princípio das propinas e votou contra a suspensão das propinas, vir agora com uma iniciativa legislativa pela qual quer levar a obrigar que quem pagou seja reembolsado, sem se saber onde há-de ir buscar-se o dinheiro. E que solução mais liberal e mais aberta do que aquela que o CDS-PP propõe? Ora, pois, é "pedir" ao Orçamento do Estado para tratar dessa "ridicularia"!
A lei é igual para todos! Nós estamos é contra uma certa irresponsabilidade que decorre da apresentação de iniciativas legislativas que sabemos que não podem ser levadas a cabo e cujas soluções são, de facto, totalmente irrealistas, pois nada têm a ver com a realidade.
Sr. Deputado Jorge Ferreira, quando, na sequência da intervenção do Sr. Ministro da Educação, os estudantes ficaram isentos do pagamento de propinas em 1995/1996, primeiro, a maior parte deles ainda não estava a pagá-las e, segundo, ainda nem sequer estava fixado o montante das propinas para aquele ano. Esta é uma situação totalmente distinta do que se passava nos anos anteriores em que havia legislação, normas jurídicas, que enquadravam perfeitamente a situação. Portanto, nada tem a ver o "trigo" com o "joio"! Não tente confundir as coisas porque, efectivamente, não são confundíveis.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Então, e a pergunta que eu fiz? Não dá resposta?

O Orador: - Já aí vem! Tem razão.
Quanto à questão que colocou, pergunte às universidades que, ao abrigo da autonomia, aplicaram esse dinheiro como muito bem entenderam. Portanto, Sr. Deputado Jor-

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ge Ferreira, coloque essa questão aos reitores das universidades e aos directores das faculdades para que lhe respondam o que fizeram ao dinheiro e como há-de ser resolvida essa questão.
Sr. Deputado Sérgio Vieira, a lei das propinas já aí vem. É verdade que demorou um pouco mais do que estava previsto. E demorou porquê? Porque, como os senhores sabem. ainda antes de a Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite ter sido responsável pela equipa do Ministério da Educação, os senhores mandaram fazer um estudo sobre o financiamento do ensino superior. E que fizeram? Foram a esse estudo, tiraram o que dizia respeito às propinas e não cuidaram de curar de todas as outras questões que se prendiam com o financiamento.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Vai daí, faz-se outra comissão!

O Orador: - Ao contrário, o Sr. Ministro da Educação do Governo do PS, concertadamente, estabelecendo o diálogo que o PSD não tinha travado sobre esta matéria, entendeu que era preciso aparecer com uma lei-quadro do financiamento do ensino superior. Esse diálogo, esse entendimento, essa concertação, como sabem, demorou um pouco mais, o que levou a que se atrasassem um pouco os prazos. Mas posso garantir-lhe que, dentro de muito pouco tempo, a lei-quadro do financiamento do ensino superior,...

Vozes do PSD: - Quanto?

O Orador: antes do final desta sessão legislativa...

Risos do PSD e do CDS-PP.

Vozes do CDS-PP: - Outra vez em Junho?!

O Orador: - ... antes do final desta sessão legislativa, cá estará para os Srs. Deputados debaterem - não a lei das propinas mas a lei-quadro do financiamento do ensino superior.
Portanto, a sua apresentação demorou porque era preciso dialogar, estabelecer consensos e ouvir os parceiros relativamente a esta matéria.
Sr. Deputado Carlos Coelho, queria que nos entendêssemos sobre duas ou três questões que são fundamentais.
Em primeiro lugar. nunca incentivámos os estudantes do ensino superior a não pagarem as propinas.

Vozes do PSD: - É falso!

O Orador: - Se conhece alguma coisa, demonstre-me o contrário!
Em segundo lugar, nunca pusemos em causa o princípio de pagamento das propinas; fomos contra, isso sim, esta lei das propinas, por considerarmos, por um lado, que a acção social escolar existente era inadequada e, por outro, que os mecanismos utilizados para distinguir entre quem pagava e quem não pagava não estavam adequados à realidade, fazendo com que muitos que não deviam pagar pagassem e isentando do pagamento das propinas muitos estudantes que deveriam pagar.

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado, já esgotou o seu tempo.

O Orador: - Sr. Presidente, para terminar, queria dizer que somos a favor das propinas,...

O Sr. José Calçada (PCP): - Logo vi!

O Orador: - ... que a lei-quadro está pronta e, em breve, dará entrada nesta Assembleia. Portanto, em matéria de cumprimento ou não cumprimento, de pagamento ou não pagamento,...

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - O que é que vão fazer a quem não pagar impostos?!

O Orador: - Respeitem a autonomia das universidades e ponham essa questão às universidades.
Todavia, em nosso entendimento, Sr. Deputado Jorge Ferreira, quem não pagou deve pagar.

Vozes do PSD e do CDS-PP: - Como?!

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Isso é fácil de dizer!

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito regimental de defesa da honra da bancada, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando de Sousa, queria defender a honra da minha bancada num ponto que nos é muito caro, o da coerência. Queria explicar-lhe - e o senhor como professor universitário entenderá facilmente o que vou dizer - que somos a favor das propinas, sempre fomos! O que não somos é a favor de sistemas hemiplégicos de propinas.

Risos do CDS-PP.

Queremos livrar o Sr. Ministro da Educação dessa "doença", da hemiplegia das propinas, e por isso dizemos: ou pagam todos ou não paga ninguém!

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador. - E como parece que os senhores não têm coragem para fazer com que todos paguem, então, devolvam o dinheiro e nunca mais voltamos a falar no assunto!

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Exactamente!

O Orador: - Hemiplegia em política, como na vida, é um desastre.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.

O Sr. Fernando de Sousa (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Abecasis, estava em vigor um ordenamento jurídico...

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

O Orador: - ... com o qual não concordávamos, mas sempre o respeitámos e nunca defendemos que alguém

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devia pôr em causa esse ordenamento jurídico e essa legalidade. Num Estado de direito, o Sr. Deputado não pode defender o que aqui veio defender, porque só a partir do momento em que surgiu uma nova lei e um novo Governo é que foi suspensa a lei das propinas.
Portanto, esta questão não tem nada a ver com a situação anterior, que estava ao abrigo de uma ordem jurídica diferente, o que o Sr. Deputado Nuno Abecasis, como imérito jurista que é, facilmente compreenderá.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - É engenheiro!

Risos do PSD e do CDS-PP.

O Orador: - Peço desculpa, como imérito engenheiro que é, facilmente compreenderá!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa já está na posse dos resultados das eleições a que se procedeu, pelo que passo a proclamá-los.
O resultado da votação para a eleição de cinco representantes para o Conselho de Opinião da RTP foi o seguinte: foram eleitos, com 109 votos, três elementos constantes da lista A, proposta pelo PS, António Pedro Vasconcelos, Maria Manuela Crespo Pinho e Melo e Fernando Manuel Crespo Cruz Baptista Lopes, e dois elementos da lista B, proposta pelo PSD, com 75 votos, Vasco Graça Moura e João Vasco de Lara Everard Amaral. Verificaram-se ainda 5 votos brancos e 15 votos nulos.
Na eleição para dois membros da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) foram eleitos os Deputados José Manuel Santos de Magalhães, do PS, com 122 votos sim, 59 votos não, 13 abstenções, 8 votos brancos e 2 votos nulos, e José da Silva Marques, do PSD, com 132 votos sim, 34 votos não, 13 abstenções, 23 votos brancos e 2 votos nulos.
Quanto à eleição da representação portuguesa na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa foram eleitos, com 187 votos sim, 13 votos brancos e 4 votos nulos, como membros efectivos, os Srs. Deputados Alberto de Sousa Martins (PS), João Bosco Soares Mota Amaral (PSD), Carlos Manuel Luís (PS), Pedro Manuel Cruz Roseta (PSD), Francisco José Pereira de Assis Miranda (PS), Maria Manuela Aguiar Dias Moreira (PSD) e José Manuel de Medeiros Ferreira (PS) e, como suplentes, os Srs. Deputados Fernando Alberto Pereira .Marques (PS), João Álvaro Poças Santos (PSD), José Manuel Niza Antunes Mendes (PS), António Paulo Pereira Coelho (PSD), Laurentino José Monteiro Castro Dias (PS), António Afonso de Pinto Galvão Lucas (CDS-PP) e Lino António Marques de Carvalho (PCP).
Relativamente à eleição para a Assembleia da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa foram eleitos, com 186 votos sim, 15 votos brancos e 3 votos nulos, como membros efectivos, os Srs. Deputados António Fernando Marques Ribeiro Reis (PS), Carlos Alberto Pinto (PSD), José da Conceição Saraiva (PS), Maria Eduarda Almeida Azevedo (PSD), Mário Manuel Videira Lopes (PS) e João Calvão da Silva (PSD) e, como suplentes, os Srs. Deputados Gonçalo Filipe Ribas da Costa (CDS-PP) e Bernardino José Torrão Soares (PCP).
Finalmente, na eleição para o Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações, o candidato José Alberto de Almeida Marques Vidal não foi eleito, porque obteve o seguinte resultado: 129 votos sim, 50 votos não, 14 abstenções, 10 votos brancos e 1 voto nulo.
O candidato José Cândido de Sousa Carrusca Robin de Andrade obteve o seguinte resultado: 149 votos sim, 34 votos não, 9 abstenções, 11 votos brancos e um voto nulo, pelo que foi eleito.
O candidato Luís Novais Lingnau da Silveira também não foi eleito, porque obteve o seguinte resultado: 96 votos sim, 75 votos não, 11 abstenções, 20 votos brancos e 2 votos nulos.
Assim, há que repetir na primeira oportunidade a eleição dos dois elementos que não obtiveram os resultados suficientes para serem eleitos, se, entretanto, os respectivos partidos proponentes não os substituírem.
Para uma intervenção, tem apalavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Nós, comunistas, somos frequentemente acusados - na melhor das hipóteses, com alguma benevolência, noutras, com algum paternalismo - de possuirmos um incurável optimismo histórico. Não vale a pena, neste momento, discutir a validade dessas acusações ou denunciar a má consciência que, de forma geral, as suporta. Certo é que nem o mais irrealista optimismo nos conduziria a prever, há três ou quatro anos atrás, que o PP e o PSD viriam hoje a aderir, entusiástica e retroactivamente, ao coro do "Não pagamos! Não pagamos!",...

Vozes do PS: - Bem lembrado!

O Orador: - ... então entoado em todo o País por milhares de estudantes universitários, contra uma falsa política de financiamento do ensino superior público, que se resumia a uma política de propinas, levada a cabo por um Governo - imagine-se!.. - do PSD.

Risos do PS.

Manifestamente, a vida está cheia de surpresas, tornando cada vez mais difícil uma outra vida, a dos futurólogos, que, essa, não pode dispensar a previsibilidade das coisas.
De qualquer modo, cumpre-nos, por um lado, saudar a chegada dos novos aderentes ao coro do "Não pagamos!"...

Risos do PS.

... e, por outro, regozijarmo-nos com o facto, porque, afinal, os dois projectos de lei que hoje aqui se encontram em discussão podem ser tudo mas o que certamente não são é coerentes com a linha de pensamento e de prática política dos partidos proponentes.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Se a eventual aprovação do projecto de lei do PP configuraria um autêntico ataque terrorista contra as próprias instituições do ensino superior público,...

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... e por isso vale o que vale para quem vê no mercado puro e duro a solução dos problemas do nosso país, já o projecto do PSD, aparentemente menos brutal, possui, no entanto, idênticos objectivos e revela-se, consideradas as gravíssimas responsabilidades governamentais do PSD nesta matéria, de uma intolerável hi-

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31 DE JANEIRO DE 1997 1259

pocrisia política, vivendo paredes-meias com uma mal escondida sede de vingança.

Vozes do PSD: - Tschh!..

O Orador: - Na verdade, até parece que não foram governos do PSD e Ministros da Educação de governos do PSD que desencadearam, contra os estudantes e as suas famílias e contra o ensino superior público, uma autêntica guerra das propinas que, para além de iníqua no plano social e no da política educativa, recorreu a todos os meios no sentido de intimidar. chantagear e pressionar as famílias e os estudantes e, assim, os obrigar ao pagamento. Desde a publicidade na televisão - lembram-se, certamente, da família Silva que aparecia na televisão...

Vozes do PCP: - Era a do Cavaco!

Risos do PS.

O Orador: - ... toda contente por o filho pagar propinas -. onde as propinas apareciam travestidas de acto de justiça em favor dos mais necessitados, até à ameaça de se vedar o acesso à função pública aos alunos que não pagassem, como sabiamente alvitrou um ministro em entrevista famosa. de tudo o governo do PSD se socorreu para o "sucesso" cias propinas.
Neste esforço gigantesco. pode dizer-se que o PSD e o seu governo não olharam a despesas, ao contrário, aliás, das permanentes restrições orçamentais na área da educação e nomeadamente do ensino superior público, cujo estrangulamento propiciou as condições para o crescimento de um ensino superior privado de duvidosa qualidade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas que raio de lógica é esta, Srs. Deputados do PSD?... Os senhores, que obrigaram e forçaram o pagamento, pretendem agora a devolução? Os senhores, com este projecto, o que realmente pretendem é dos: ilibar o PSD e limpá-lo de uma marca que, em rigor, é indelével.

Aplausos do PCP

O PSD, com este projecto, assume, afinal, duas derrotas: a das propinas, que pretendeu impor, mas também a daqueles que forçou ao pagamento e de que agora se pretende arauto e defensor, nem que para tal tenha de defender uma tese que ofenderia um princípio geral do direito consagrado na não retroactividade da lei

A Sr.ª Natalina Moura (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... ou, pior ainda, uma tese absurda que conduziria a uma visão anti-histórica da lei e do direito, como se o que há ele mais permanente na lei não fosse a sua permanente mudança.
Os nossos provérbios populares são, aliás, uma fonte inesgotável para o justo enquadramento da prática do PSD nesta matéria: o PSD "fez a festa, atirou os foguetes e quer ir agora, a correr, apanhar as canas",...

Risos do PS

... o PSD "faz o mal e a caramunha", o PSD "atira a pedra e esconde a mão".
Estamos, afinal, perante um fait-divers dramático, produzido, montado, realizado e representado pelo PSD e que, do teatro, apenas possui o cenário, atrás do qual se pretende ocultar a questão fundamental: a do modelo de financiamento do ensino superior público em Portugal.
Pretende-se, assim, contundir o essencial com o acessório, através de uma inábil manobra de hipocrisia política. Hipocrisia que, no entanto, já não vai durar muito. Teremos, dentro de pouco tempo - sendo certo que, da parte do Governo do Partido Socialista, nunca se sabe o que quer dizer pouco tempo, mas isso é outra questão nesta Assembleia, projectos e propostas de lei que facilmente farão ruir o cenário tão zelosamente construído. Então, e só então, se fará uma clara separação de águas entre aqueles que, com este nome ou com qualquer outro, continuarão a clamar por "propinas" e aqueles outros que, como o Grupo Parlamentar do PCP, perspectivam a defesa de uma escola pública de qualidade como um objectivo estratégico na via do desenvolvimento e da independência do País. Esta é a verdadeira questão, a que alguns, por oportunidade ou oportunismo, pretendem fugir.

Aplausos do PCP.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, esgotadas as intervenções, dou por terminado o debate.
A próxima reunião plenária terá lugar amanhã, sexta-feira, às 10 horas, constando da ordem de trabalhos a discussão das propostas de resolução ri. os 19, 20, 21, 22 e 24/VII.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 40 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados.

Partido Socialista (PS):

Francisco Fernando Osório Gomes.

Partido Social Democrata (PSD):

Álvaro dos Santos Amaro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Gilberto Parca Madaíl.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
Luís Carlos David Nobre.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rui Fernando da Silva Rio.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
José Fernando Araújo Calçada.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

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1260 I SÉRIE - NÚMERO 33

Partido Socialista (PS):

Carlos Manuel Luís. Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Henrique José de Sousa Neto.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Raúl d' Assunção Pimenta Rêgo.
Sérgio Paulo Mendes cie Sousa Pinto.

Partido Social Democrata (PSD):

António Paulo Martins Pereira Coelho.
João Bosco Soares Mota Amaral.
José Mário de Lemos Damião.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Pedro Manuel Cruz Roseta.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS/PP):

António Afonso de Pinto Galvão Lucas.

Partido Comunista Português (PCP):

Lino António Marques de Carvalho.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Isabel Maria de Almeida e Castro.

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