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21 DE FEVEREIRO DE 1997 1503

na penalização de mulheres - como se isso resolvesse fosse o que fosse -, persistir em estigmatizá-las, tornando ainda mais difícil aquilo que já o é e lançando nas margens da clandestinidade mulheres entregues à sua solidão, ao seu terror, aos seus medos, à ilegalidade da interrupção de uma gravidez que as exclui e as coloca totalmente fora da lei e fora de quaisquer cuidados de saúde?
Fora da lei, correndo inúteis riscos de mutilações que, porventura irreversivelmente, as poderão impossibilitar no futuro de uma maternidade feliz, jogando em muitos casos a sua própria vida.
Mulheres, a maioria, em lugares sem quaisquer condições de higiene, desumanos e sórdidos, tão sórdidos quanto o rentável negócio que em seu torno se movimenta.
Mulheres, outras menos desafortunadas, buscando noutras paragens a assistência e a segurança que o seu próprio país nega e o seu dinheiro permite comprar, numa situação de desigualdade, ela própria insustentável numa democracia.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

A Oradora: - Problemas reais de um país real, que não qualquer outro, aquele de que estamos a falar: aquele em que o aborto clandestino ainda constitui um gravíssimo problema de saúde pública (sem paralelo na Europa) e constitui a segunda causa de morte materna.
Trata-se, pois - e é essa, hoje, a nossa responsabilidade enquanto Deputados e não qualquer outra -, da responsabilidade de fazer, não juízos de valor, que esses nos não cabem, não considerações morais, esse não é o nosso papel, depois destes longos anos de silêncio que mais se parecem com hipocrisia, centrar o debate nos exactos termos em que ele se coloca. Ou seja, assumindo com frontalidade que a actual lei profundamente penalizadora para a mulher (e, em termos comparativos, das mais restritivas da Europa) se provou inadequada e perversa para os fins que se propunha e que importa aprovar, sem falsos tabus, sem hipocrisias, sem fingir que se não vê o que a realidade mostra, uma nova lei que, caminhando diferentemente pela despenalização e pelo alargamento dos prazos, atinja os objectivos que outros, por essa mesma via, souberam alcançar: a protecção da vida, o fim da ilegalidade do aborto, a sua redução progressiva.
Alterações no sentido de permitir o alargamento de prazos propostos, ajustar-se à evolução da técnica e da ciência médica e dela fazer beneficiar a mulher com vantagem, recorrendo ao diagnóstico pré-natal e, nesta visão claramente pró-natalista, evitar inúteis interrupções por mera precaução.
Alterações que equacionem a maioria das situações na base das quais o aborto ilegal e inseguro no nosso país se pratica: falta de informação; falhas nos métodos contraceptivos; instabilidade na vida da mulher; exclusão social.
Alterações que não vêm colocar a interrupção da gravidez, no entendimento de Os Verdes nem tão pouco no entendimento de nenhum dos subscritores dos projectos de lei em discussão, como método contraceptivo, com o qual se não confundem mas, antes, como um meio que, em caso de recurso, a ninguém a seu pedido deve ser negado, no quadro da prestação dos cuidados de saúde.
Um recurso que não desresponsabiliza em caso algum o Estado de cumprir as funções de que manifestamente tem estado arredado. Informando, prevenindo, implementando a educação sexual dentro e fora das escolas, apoiando, divulgando e promovendo o planeamento familiar, valorizando a função social da maternidade e da paternidade, apoiando a família.
Um recurso e um direito que se quer reconhecido mas que não obriga ninguém. Nem tão pouco deve dar a quem contra ele legitimamente possa estar o direito de o negar e sujeitar outrem ao risco da humilhação, da clandestinidade, da ilegalidade, do perigo de vida.

Aplausos de Os Verdes, do PCP e de algumas Deputadas do PS.

Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O direito à vida e a viver a vida é para nós, Os Verdes, um direito inalienável que se respeita mas não se concebe sem ser em coerência e numa perspectiva mais ampla. Aquela que nos faz recuar a guerra e a indústria de morte que a alimenta. Aquela que nos faz recusar a pena de morte e os que dela são partidários. Aquela que nos faz rejeitar os que falam de idosos, como se de um estorvo se tratasse. Aquela que nos faz denunciar a hipocrisia de quem silencia a marginalização das crianças e só ergue a sua voz quando em marginais transformados.
Um direito à vida, pois, para nós só entendível desde que respeite a liberdade sexual de cada mulher, fazendo do nascimento não o fruto de um mero acto biológico, automático, casual mas na dimensão humana diferenciadora das outras espécies da natureza naquilo que a transcende e engrandece. Ou seja, fruto do desejo, da vontade de uma maternidade e paternidade livremente assumidas.
Um direito à vida que, para nós, Os Verdes, se inicia e é inseparável do direito ao amor.

Aplausos de Os Verdes, do PCP e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Marques.

O Sr. Alberto Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este debate conjunto sobre os projectos de lei em apreço não poderia limitar-se a um debate mais ou menos apaixonado, mais ou menos alinhado com qualquer desses diplomas e portanto, em nossa opinião, este é o momento privilegiado para uma efectiva avaliação social, política e humanitária sobre a situação pós-Leis n.ºs 3/84 e 6/84, respectivamente a Lei de Educação Sexual e Planeamento Familiar e a Lei de Exclusão da Ilicitude em Alguns Casos de Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG).
Importa, pois, neste momento privilegiado, que sejamos capazes de, com serenidade, com profundidade e com verdade, analisar o que mudou, o que se passa, qual o estado de coisas em matéria de interrupção voluntária de gravidez, e não só. Aspectos como a natalidade, a sexualidade, a acessibilidade das mulheres ao será iço de saúde para apoio em situações de planeamento familiar, de aconselhamento sexual e de anticoncepção, bem como de vigilância adequada da gravidez e de apoio em situações de interrupção voluntária da gravidez já previstas na actual lei merecem de todos nós uma perspectiva de avaliação, para se saber o que mudou e como estão as coisas.
Considerando os dados fornecidos pela Direcção-Geral de Cuidados de Saúde Primários, e em jeito de avaliação - é nessa perspectiva que me coloco -, importa aqui, de modo sumário e breve, analisar alguns elementos relativos à anticoncepção e ao planeamento familiar no nosso País.

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