O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1655

Quinta-feira, 6 de Março de 1997

I Série - Número 47

DIÁRIO
Da Assembleia da República

VII LEGISLATURA

2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 5 DE MARÇO DE 1997

Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral

Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
José Ernesto Figueira dos Reis
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação da ratificação n.º 28/VII, de requerimentos e da resposta a alguns outros.
O Sr. Presidente anunciou o pedido de renúncia ao mandato do Sr. Deputado do PS Vital Moreira, tendo de seguida, sido aprovado o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo à sua substituição.
Em debate de urgência, requerido pelo CDS-PP, sobre planeamento familiar, usaram da palavra, a diverso título, além da Sr.ª Ministra da Saúde (Maria da Belém Roseira), os Srs. Deputados Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP). Alberto Marques e Marta do Rosário Canteiro (PS), Jorge Roque Cunha (PSD), Helena Santo (CDS-PP), Odete Santos (PCP), Isabel Castro (Os Verdes), Agostinho Moleiro (PS) e Paulo Mendo (PSD).
O Sr. Deputado João Rui de Almeida (PS) deu conta da deslocação do Sr. Primeiro-Ministro e de membros do Governo ao distrito de Coimbra no âmbito do «Governo em diálogo» e respondeu ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Calvão da Silva (PSD).
O Sr. Deputado Carvalho Martins (PSD) insurgiu-se contra o facto de nenhum dos 10 concelhos da distrito de Viana do Castelo estar contemplado no despacho do Sr. Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional onde são definidas as localizações prioritárias para atribuição da majoração dos apoios previstos no Regime de Incentivos às Microempresas (RIME). Respondeu, depois, ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Marques Júnior (PS).
Ao abrigo do n.º 2 do artigo 81.º do Regimento, o Sr. Deputado Joaquim Matias (PCP) criticou o Governo por ter excluído do Plano Director Municipal de Almada as áreas dos estaleiros da Linave e do Plano Integrado de Almada.

Ordem do dia. - Foi discutida, na generalidade. a proposta de lei n.º 69/VII - Revisão da 2.º Lei de Programação Militar (Lei n.º 67/93, de 31 de Agosto) tendo usado da palavra a diverso título, além do Sr. Ministro da Defesa Nacional (António Vitorino), os Srs. Deputados Pedra Holstein Campilho (PSD), Fernando Pereira Marques (PS), Luís Queiró (CDS-PP), João Amaral (PCP), Correia de Jesus e Falcão e Cunha (PSD), Raimundo Narciso (PS), Cardoso Ferreira (PSD). Eduardo Pereira e Acácio Barreiros (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 35 minutos.

Página 1656

1656 I SÉRIE - NÚMERO 47

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Bento da Silva Galamba.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueira.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Góes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Roleira Marinho.
António Soares Gomes.
Artur Ryder Torres Pereira.
Carlos Alberto Pinto.

Página 1657

6 DE MARÇO DE 1997 1657

Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Costa Pereira.
José Mário de Lemos Damião
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
João António Gonçalves do Amaral.
Joaquim Manuel da Fonseca Matias.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Isabel Maria de Almeida e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta do expediente que deu entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, e foi admitida, a ratificação n.º 28/VII, sobre o Decreto-Lei n.º 42/97, de 7 de Fevereiro, que altera disposições do Decreto-Lei n.º 408/93, de 14 de Dezembro (Lei Orgânica da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos) e do Decreto-Lei n.º 187/ 90, de 7 de Junho (Aplicação do novo sistema retributivo ao referido organismo) (PSD).
Entretanto, na reunião plenária de 26 de Fevereiro foram apresentados na Mesa os seguintes requerimentos: ao Ministério da Cultura, formulados pelo Sr. Deputado Fernando Pereira Marques; a diversos ministérios, formulados pela Sr.ª Deputada Manuela Ferreira Leite; aos Ministérios para a Qualificação e o Emprego e da Solidariedade e Segurança Social, formulados pelos Srs. Deputados Filomena Bordalo e Costa Pereira; à Secretaria de Estado da Comunicação Social, formulado pelo Sr. Deputado Roleira Marinho; ao Ministério do Ambiente, formulados pelas Sr.as Deputadas Heloísa Apolónia e Isabel Castro.
O Governo respondeu também aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Ismael Pimentel, na sessão de 27 de Fevereiro; Isabel Castro, na sessão de 19 de Dezembro; Jorge Ferreira, na sessão de 15 de Janeiro; Sílvio Rui Cervan, na sessão de 5 de Fevereiro, e Roleira Marinho, na sessão de 12 de Fevereiro.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, devo ainda anunciar que deu entrada na Mesa a declaração de renúncia ao mandato do Sr. Deputado Vital Moreira, que passarei a ler:
Ex.mo Senhor Presidente da Assembleia da República:
Nos termos do Estatuto dos Deputados, venho apresentar a V. Ex.ª declaração de renúncia do cargo de Deputado, que aliás assumi transitoriamente, em substituição do titular originário do mandato.

Página 1658

1658 I SÉRIE - NÚMERO 47

Prevaleço-me da oportunidade para apresentar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, bem como aos demais Deputados, os meus melhores cumprimentos.
Em consequência, temos o relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, referente à substituição do Sr. Deputado Vital Moreira, do PS, com início em 5 de Março corrente, inclusive, pelo Sr. Deputado Rui Namorado.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, está em apreciação o relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias que acabou de ser anunciado.
Não havendo inscrições, vamos votar o parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, não havendo declarações políticas previstas para hoje, tem precedência, segundo acordo entre os grupos parlamentares, o debate de urgência, requerido pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP, sobre planeamento familiar.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar atesa.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, não tenho intenção de interpelar mas de consultar a Mesa sobre a precedência que foi definida, no sentido de saber se, à semelhança do que sucedeu numa outra ocasião, as declarações produzidas pelos Deputados, ao abrigo do seu direito individual, têm também precedência.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado João Amaral, foi acordado que o debate de urgência teria precedência, até para atender à presença dos membros do Governo. Apenas as declarações políticas terão precedência sobre o debate de urgência. É assim que tem sido entendido.
Após o debate de urgência, haverá um período de uma hora no qual usarão da palavra os Srs. Deputados inscritos para tratar de assuntos de interesse político relevante.
Para introduzir o debate de urgência, tema palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Partido Popular agendou este debate por duas razões.
Em primeiro lugar, por força da constatação generalizada de causa e efeito entre uma fraca e ineficiente resposta por parte dos serviços públicos em matéria de educação sexual e planeamento familiar e a prática de abortos clandestinos.
Em segundo lugar, porque no passado dia 20 o PP assumiu, com o seu sentido de voto, uma particular responsabilidade perante as mulheres portuguesas: a de promover e participar abertamente em todas as iniciativas, dentro e fora da Assembleia da República, que possam combater as causas cerceaduras da dignidade e liberdade da mulher.
Convirá recordar aqui que este não é um processo novo. A actual Lei n.º 3/84, de 24 de Março, está em vigor há treze anos e foi regulamentada. A avaliação que dela se faz é, no entanto, pouco satisfatória. Com efeito, só cerca de 30% das mulheres em idade fértil, inscritas em centros de saúde, frequentam a consulta de planeamento familiar. Mesmo considerando que das restantes uma percentagem razoável de mulheres recorra a outros serviços de saúde que não os públicos, julgamos poder afirmar, sem erro, que cerca de 40% poderão não ter efectivamente cobertura ou tê-la de forma pouco satisfatória.
Face aos resultados, combinados com o número ainda que dificilmente estimado mas certamente considerável de abortos clandestinos, convirá perguntar desde já, se a lei em vigor é desadequada ou está ultrapassada, face às necessidades das mulheres e às características específicas desta concreta problemática feminina.
Julgamos que não. Trata-se, em nossa opinião, apenas e só, de um caso mais de «letra morta», explicável por várias razões, mas, obviamente, inaceitável.
Em primeiro lugar, estamos a falar de prevenção. Sabemos que, em Portugal, a prevenção, a todos os níveis, parece não merecer em regra a devida atenção, preferindo-se sistematicamente remediar em vez de prevenir. Assim, esta atitude de fundo reflecte-se tanto nos serviços que, pressionados por necessidades de toda a ordem, tendem a subalternizar estas matérias, como nas próprias mulheres, sobretudo as menos diferenciadas e as mais carenciadas, que, por falta de informação e condições, tendem a não recorrer às consultas.
Por outro lado, constatou-se que não existem disponíveis, pelo menos de forma generalizada, métodos anticonceptivos, no local da consulta, sendo os mesmos prescritos e, portanto, não gratuitos. Ora, considerando o universo que nos preocupa e onde se incluem os principais grupos de risco, esta gratuitidade é essencial.
Por fim, e ainda nesta sumária análise das razões de fraca eficácia da lei, convém referir o pouco que é feito a montante, isto é, nas escolas, locais privilegiados para a formação e informação de práticas de vida saudáveis, e noções de sexualidade e saúde. Também aqui, sob pena de nunca se vir a atalhar realmente as causas, há que fazer profundas mudanças e investimentos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Concretizando, parece que a questão fundamental se resume em saber como trazer a uma consulta de planeamento familiar esses cerca de 40% de mulheres em idade fértil aparentemente sem cobertura.
Neste ponto, parece relevante considerar os chamados grupos de risco que são os que mais interessam e, possivelmente, os mais atreitos, por força das circunstâncias, à prática do aborto clandestino nas piores condições.
Em primeiro lugar, as mulheres residentes em áreas degradadas, incluindo mulheres imigrantes legalizadas ou em situação de clandestinidade. Sugere-se um trabalho de campo - unidades móveis com um técnico de saúde especializado na área materno-infantil, que, no terreno, detectasse as situações, dando-lhes o adequado encaminhamento.
Segundo, as prostitutas. Sugere-se a articulação dos competentes serviços de saúde com as organizações civis ligadas a esta problemática - deslocação periódica de técnicos de saúde às dependências destas organizações e, ainda, o recurso a unidades móveis nos locais de maior concentração de prostituição.
Terceiro, as adolescentes, para as quais se sugerem consultas próprias de ginecologia e obstetrícia nos hospitais.
Em quarto lugar, os toxicodependentes. Sugere-se a deslocação de técnicos de saúde especialistas aos princi-

Página 1659

6 DE MARÇO DE 1997 1659

pais centros de atendimento e recuperação de toxicodependentes, num programa de articulação com os hospitais; consultas próprias para toxicodependentes grávidas nos diferentes serviços de obstetrícia.
Para além desta intervenção específica junto dos grupos de risco enunciados, haverá, concomitantemente, que tornar mais eficaz o funcionamento e articulação das unidades de saúde do SNS.
Assim, em primeiro lugar, promover sempre que possível o planeamento familiar durante o puerpério, não obstante a baixa demora média dos partos normais. Seria a forma mais expedita de não deixar sem seguimento situações que se podem vir a tornar de risco.
Aqui, é igualmente importante investir no chamado «planeamento da alta», ou seja, procurar obter com antecedência o quadro clínico e social da mulher, que permita o aconselhamento dos métodos anticoncepcionais mais adequados à situação concreta.
Em segundo lugar, articulação efectiva entre o hospital e o centro de saúde através da notícia de nascimento, de forma a que o centro de saúde conseguisse a adesão da mulher para, no mais breve espaço de tempo, recorrer às consultas de pediatria, revisão de puerpério e planeamento familiar.
Em terceiro lugar, preparação das consultas, de forma a ser possível aconselhar à mulher o método mais adequado, considerando-a como um todo, nas suas circunstâncias clínicas, sociais culturais e económicas.
Em quarto lugar, recurso à laqueação de trompas sempre que as situações configurem casos em que uma nova gravidez pode acarretar sérios riscos para a saúde da mãe, malformação do feto, ou se trate de mulheres toxicodependentes em elevado grau, sero-positivas, com um elevado número de filhos num quadro de carência económica, ou doentes mentais.
São estas algumas sugestões que aqui deixamos, na convicção de que todas podem ser discutidas, aperfeiçoadas e aplicadas na prática, certamente com resultados. Dependem, em nossa opinião, mais da consciência e vontade dos que, nos diferentes serviços públicos, têm a seu cargo estas valências. Dependem de um estado de espírito e de uma determinação.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Marques.

O Sr. Alberto Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, ouvimos com a maior atenção a exposição que fez sobre o tema deste debate de urgência que a sua bancada agendou.
No entanto, Sr.ª Deputada, um pouco à semelhança do que tem sido a nossa preocupação, em sede da Comissão Parlamentar de Saúde, com o problema das urgências hospitalares e com a conclusão a que já chegámos de que um desses problemas tem a ver com a falsas urgências hospitalares, permita-me que lhe diga, com todo o respeito e simpatia que temos por si, que, com este debate, iniciámos uma nova preocupação: a preocupação com as falsas urgências parlamentares.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em primeiro lugar, importaria dizer-se - e nós fazêmo-lo com toda a certeza e com toda a satisfação - que o planeamento familiar em Portugal sofreu um alargamento da oferta e um salto significativo com a criação do médico de família e do centro de saúde, em 1982.
De facto, temos hoje uma excelente cobertura em termos de actividades de planeamento familiar Ainda não atingimos os objectivos a que todos nos propomos, mas é justo dizer e reconhecer que o desempenho dos médicos de família tem sido fundamental no esclarecimento das mulheres, das famílias e no desenvolvimento do planeamento familiar em Portugal.
Com efeito, segundo dados dos relatórios da Direcção-Geral de Saúde, estima-se que 97% das grávidas têm vigilância pré-natal; 99% dos partos são hospitalares; 76% das puérperas iniciam um método contraceptivo e cerca de 88% das mulheres em idade fértil utilizam algum método contraceptivo.
Contudo, há, em nossa opinião, um aspecto fundamental. É necessário reconhecer que na área dos adolescentes há, sem dúvida, muito trabalho a desenvolver e muitas necessidades não são satisfeitas, em particular em relação aos grupos mais desfavorecidos e economicamente marginalizados.
Pergunto-lhe, Sr.ª Deputada, se concorda connosco em que é urgente melhorar a preparação dos técnicos de saúde, nomeadamente no atendimento aos adolescentes, para que, quer na vertente clínica quer nos aspectos educativos ligados à saúde reprodutiva, se possa facilitar o acesso dos adolescentes ao planeamento familiar.
Gostaríamos de saber se concorda com esta nossa preocupação relativamente aos adolescentes, tanto mais que sabemos que, em Portugal, a taxa de natalidade nos adolescentes é cerca de cinco a seis vezes superior à taxa de natalidade em adolescentes na União Europeia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Marques, começaria por lhe dizer que no dia em que considerarmos que o combate às causas, sejam elas quais forem, é uma falsa urgência parlamentar, este Parlamento, no meu entendimento, pode fechar as portas.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Ouvi aqui, e todos, ouvimos nas audições que tiveram lugar e durante o debate já efectuado, que, realmente, uma fraca eficácia desta lei era uma das causas do aborto clandestino. Não sei se deixou de ser passados 15 dias, mas nós consideramos que não.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Alberto Marques (PS): - Claro que não!

A Oradora: - As indicações que tenho são de que a taxa de cobertura é de 30%. Também já vimos, no anterior debate, que os números não são o nosso forte nacional, mas isto significa, da sondagem que fiz junto dos centros de saúde, que só 30% das mulheres em idade fértil, inscritas nos centros de saúde, têm, com regularidade, uma consulta de planeamento familiar.

Página 1660

1660 I SÉRIE - NÚMER0 47

O que quero dizer-lhe é que a nossa intervenção foi no sentido de considerar que não se pode dar a grupos que não são homogéneos métodos idênticos. Penso que uma toxicodependente não vai com facilidade a uma consulta de planeamento familiar. Não sei se é essa a sua opinião, a minha não é certamente. Uma adolescente também não vai com facilidade a uma consulta, a menos que haja consultas específicas para adolescentes - e é isso que é preciso criar. E as prostitutas estão completamente a descoberto, como o Sr. Deputado sabe. Aliás, isso foi referido durante as audições a que procedemos e eu confirmei-o com as duas únicas organizações que temos em Lisboa e na Grande Lisboa no âmbito desta problemática.
Portanto, o que lhe queria dizer é que não considero uma falsa urgência parlamentar tentarmos reflectir porque é que não conseguimos chegar aos grupos de risco. E que os grupos de risco não são iguais a todos os outros. O nosso objectivo é contribuir para que, saindo de uma letargia que tem sido constante, se conseguisse chegar aos grupos de risco.
Questionou-me em relação às adolescentes. Com certeza que sim! Mas também não são todas iguais entre si. E quero dizer-lhe que o que sugeri para as adolescentes, sugeri para as prostitutas, para a mulheres imigrantes, sobretudo as que estão ainda em situação de clandestinidade, que, como sabe, são muitas. Sugeri um trabalho que tem de ser feito no terreno porque o problema é trazer estas mulheres a uma consulta normal nos centros de saúde. Se o Sr. Deputado está contente com os resultados que obteve, fique com a sua satisfação. Eu não estou contente! Penso que podíamos ir muito mais longe, e temos de ir muito mais longe.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Rosário Carneiro.

A Sr.ª Maria do Rosário Carneiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Ministra da Saúde: O planeamento familiar e a educação sexual são direitos. Direitos indissociáveis, juridicamente reconhecidos e consagrados no nosso ordenamento jurídico. Direitos cujo exercício viabiliza a promoção da igualdade pelo exercício da sexualidade livre e responsável, a regulação da fecundidade e da realização de uma natalidade desejada, o exercício da maternidade e da paternidade responsáveis. Direitos fundamentais para o desenvolvimento de uma política de saúde pública na área da saúde e bem-estar da mulher, da criança e da família.
Desde 1976, pode observar-se em Portugal um movimento, se bem que não uniforme, de desenvolvimento progressivo do enquadramento legal e da criação de estruturas de planeamento familiar. Constata-se uma significativa modificação dos comportamentos, bem como a alteração de indicadores relativos à mortalidade materna, perinatal e infantil. Esta evolução é positiva, de algum modo, mas não é claramente suficiente. No entanto, a assumpção do conceito de saúde reprodutiva e a integração do planeamento familiar neste conceito exigem informação e educação mais amplas e dinâmicas nesta área.
A Lei n.º 3/84, de 24 de Março, prevê a educação sexual e o planeamento familiar como direitos fundamentais a serem implementados pelo Estado. Prevê-se aí a educação sexual destinada aos jovens com o envolvimento das famílias. Por seu lado, a Lei de Bases do Ensino determina a introdução da valência da educação sexual na disciplina de desenvolvimento pessoal e social. No entanto, e para além de esta disciplina ter carácter opcional, toda a integração temática não é sistemática nem eficazmente desenvolvida.
É inquestionavelmente fundamental o desenvolvimento da educação dos adolescentes e das famílias, educação que tem de ser feita de forma desassombrada, que tem de romper tabus e preconceitos, de fornecer conhecimentos objectivos, mas que tem também de dar o respectivo enquadramento ético e cívico, educação que absorve a informação e educação sexual, ultrapassando uma abordagem limitada às questões reprodutivas da sexualidade, revelando-a nos seus aspectos positivos e enriquecedores, mais amplos da relação interpessoal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Ministra: O planeamento familiar e a educação sexual são matérias que dispõem de quadros jurídicos, pelo menos suficientes para o desenvolvimento real de uma política que respeite direitos fundamentais nesta áreas e vise a construção de uma sociedade mais saudável e mais livre. O seu desenvolvimento depende inequivocamente de uma vontade política clara e da afectação de recursos, da definição de medidas, assim como do indispensável envolvimento de toda a sociedade civil. Mas também não haverá planeamento familiar e educação sexual eficazes sem que haja uma aceitação e uma adesão de cada comunidade e de cada cidadão.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Roque Cunha.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para o PSD, o planeamento familiar é muito mais do que evitar a gravidez não desejada. Para nós, o planeamento familiar é também a possibilidade de incentivar a maternidade e combater a quebra demográfica. Para o PSD, o planeamento familiar é indissociável de um apoio a uma política natalista.
Quando, em 1976, Albino Aroso ordenou que o planeamento familiar fosse uma das actividades ou «valências» que deveria existir em todos os centros de saúde, iniciou-se em Portugal uma das mais necessárias e bem sucessivas revoluções comportamentais do nosso povo. Acabado um período em que sexo, educação sexual, maternidade e relacionamento entre homem e mulher eram assuntos tabu e pecaminosos, a sociedade portuguesa descobriu - com à liberdade - a ignorância, o desconhecimento e a incapacidade de controlo da maternidade em que se encontravam a juventude e os casais portugueses. Numa altura em que os casais podiam controlar o número e o espaçamento das suas gravidezes, em Portugal, em 1976, ainda a maternidade surgia porque Deus o queria, as gravidezes eram cercadas de práticas e comportamentos mágicos tradicionais, e a sexualidade era ainda palavra sem direitos de livre circulação. Ainda nos lembramos dos tempos em que o CDS se opunha a tudo e quase tudo...
Deste ambiente, decorria, naturalmente, um cortejo de dramas e de servidões, que brutalmente se traduziam pelo diário atendimento nos hospitais de sepsis pós-aborto, de uma mortalidade infantil brutal, de um enorme número de casos de paralisia cerebral por anoxia e traumatismo de parto, etc., etc. Foi contra este estado de coisas que se

Página 1661

6 DE MARÇO DE 1997 1661

iniciou em 1976, nos centros de saúde, a consulta de planeamento familiar por decisão de Albino Aroso, Secretário de Estado da Saúde do VI Governo Provisório, e desenvolvida depois pelos sucessivos Governos Constitucionais. Este programa teve um reforço em 1984, com o lançamento do Programa de Saúde Materno-Infantil, também pelo Dr. Albino Aroso, e alargado em 1994 para o Programa de Saúde da Mulher e da Criança.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, os resultados destas medidas e do desenvolvimento do País desde 1975 foram espectaculares repito, espectaculares. E, a bem da memória e contra a tendência de auto flagelação, gostaria de o demonstrar. Bastará comparar o que era a sociedade portuguesa em 1969 - ano de arranque de uma política de saúde com algum sentido, que foi iniciada pelas primeiras leis de enquadramento hospitalar do Ministro Neto de Carvalho e, três anos depois, pela publicação de decretos-leis pelo Secretário de Estado Gonçalves Ferreira - com o que passámos a ser em 1993, para aquilatarmos o que estas leis e toda a mudança de comportamentos provocaram face à maternidade e à sexualidade por parte dos casais e dos jovens. Em 1969, de 193 500 partos, só 65 mil se realizaram em hospitais ou maternidades, sendo 5700 deles fetos mortos; a mortalidade infantil era de 54 por mil, o que significa que mais 10 500 mortos no primeiro ano de vida se iam juntar aos 5700 nados mortos. Em 1993, para 113 mil partos, quase todos (98%) realizados em ambiente hospitalar, apenas, se verificaram 917 nados-mortos; a mortalidade infantil passou, pois, para 8 por mil e hoje está em 7 por mil, o que significa que, no primeiro ano de vida, morreram 993 crianças, que juntos aos nados-mortos dão uma perda, infelizmente, ainda de duas mil crianças. O salto qualitativo que foi dado, felizmente longe da mortandade dos finais da década de 60 e início da de 70! Muitas vidas foram poupadas, contrabalançando assim um dos aspectos «negativos» do planeamento familiar e da educação sexual, que foi a diminuição da taxa de natalidade, que o conhecimento e utilização dos anticoncepcionais provocou.
Actualmente, em mais de duzentos centros de saúde, existem valências de planeamento familiar em consultas de rotina. Foram cerca de 400 mil as consultas de saúde materna; cerca de 550 mil consultas de planeamento familiar; e cerca de 2500 mil consultas de saúde infantil. Estou a ser um pouco exaustivo com estes números porque, ao analisarmos aquilo que foi feito, permite-nos não ter uma visão completamente catastrofista da situação.
Há muito por fazer, com certeza. E, por isso, criticamos o Ministério da Saúde que tem parada, desde há dois anos, a integração no Programa de Saúde da Mulher e da Criança do projecto de tratamento da esterilidade conjugal em todos os centros de saúde, projecto para o qual estava já nomeado como responsável o Prof. Agostinho Almeida Santos. Criticamos ainda o Ministério da Saúde por assistirmos, desde há dois anos, a uma paragem de quase todos os programas de acção que recebeu do Governo anterior, e apenas cito o cartão de utente, a organização das unidades de saúde, a criação da rede de cuidados continuados, que foi objecto de protocolo com a União das Misericórdias e que são, todos eles, programas indispensáveis para que o trabalho dos centros de saúde possa adquirir a capacidade de actuação e de integração que o Serviço Nacional de Saúde necessita e vocacionar-se para dar mais resposta ao planeamento familiar. Criticamos ainda o Governo por ter metido na gaveta o grave problema do financiamento do sistema de saúde, nada propondo para a sua resolução, obrigando o Ministério a uma política de racionamento e de penúria, que apenas terá como resultado o aumento constante do deficit e o pagamento «com língua de palmo» daquilo que hoje se devia fazer e que o sub financiamento não permite. Que não sejam preocupações economicistas que impeçam a melhoria e modernização das consultas de planeamento familiar. É necessário mais organização, com certeza mas, para aumentarmos a capacidade de resposta, necessitamos de mais meios.
Sr. Presidente, Sr.ª Ministra, Sr.ªs e Srs. Deputados: Somos ainda de opinião que a luta contra o aborto clandestino se faz pela educação, apoio e aconselhamento da mulher e dos casais, e que a taxa de natalidade apenas crescerá se a maternidade for incentivada, a grávida apoiada por uma segurança social financiada e motivada, e os mecanismos da adopção tornados mais céleres vão nesse sentido algumas iniciativas legislativas que o PSD vai apresentar nesta Assembleia da República. Os centros de saúde e os hospitais têm ainda que melhorar muito a quantidade e qualidade do seu funcionamento nesta área e incentivar e facilitar o acesso dos jovens e, particularmente, dos adolescentes. No entanto, muito já fazem estes profissionais com o pequeno orçamento de que dispõem. E o que fazem, garante que serão capazes de fazer muito mais, com boa relação custo/benefício, se lhes forem garantidas mais meios e encontrado o enquadramento jurídico de gestão financeira, de gestão de pessoal e de relacionamento com terceiros que lhes abra as portas dá modernidade. O que não queremos, é continuar à espera da «grande e admirável reforma da saúde» enquanto os serviços se degradam, sem concursos de titulação nas carreiras, inflexibilidade nessas carreiras, com orçamentos que já consideram os deficit como sua parte integrante e com as instituições cada vez menos autónomas e mais impossibilitadas de gerir os seus recursos humanos e os seus magros orçamentos.
Srs. Deputados, o PSD defende que o planeamento familiar deve ser incentivado e promovido, de modo a que a população possa utilizar os meios disponíveis no sistema de saúde. O PSD defende ainda que as unidades de saúde possam encontrar, com as escolas e grupos socio-económicamente mais débeis e grupos de risco, formas que incentivem e facilitem o acesso ao planeamento familiar, como, por exemplo, o Centro de Atendimento de Juventude que existe já no Centro de Saúde de Aldoar, no distrito do Porto. O PSD defende que deve ser incentivado o trabalho das organizações não governamentais, especialmente as organizações de juventude, já que parecem ter mais êxitos nas questões ligadas a mudanças de comportamento.
O PSD reafirma que a política de planeamento familiar é indissociável de uma política de natalidade.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente, João Amaral.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Santo.

A Sr.ª Helena Santo (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado, pelas intervenções que ouvi, acabei de concluir que este debate é, de facto, muito urgente porque os senhores falam-me de um país que, seguramente, não é este; falam-me de uma realidade que, seguramente, não é aquela que vivemos neste país!

Página 1662

1662 I SÉRIE - NÚMERO 47

Sr. Deputado, ao ouvir a sua intervenção, de imediato olhei para uma carta que tenho aqui - e da qual posso, depois, enviar-lhe cópia - de uma doente de Loures que afirma que no Centro de Saúde de Loures, que se situa a 6 km de Lisboa, está há um ano para conseguir uma consulta de planeamento familiar.
Mas recordo-lhe mais: os Srs. Deputados, infelizmente, nas vossas intervenções, esquecem-se de que existe também um meio rural, de que existem também as mulheres do meio rural, onde foram construídas dezenas de centros de saúde, as chamadas extensões, que não funcionam por falta de médicos, que nem sequer têm um enfermeiro, em que as pessoas, para conseguirem uma consulta de planeamento familiar, terão de ir à sede do concelho, onde estão em «bichas» infindáveis. E quando os Srs. Deputados vêm à Assembleia falar de planeamento familiar como uma maravilha, tenho de dizer que não foi uma maravilha no passado, continua a não ser e era bom que se recordassem, de facto, do país real em que os homens e as mulheres que vivem na província também têm direito a consultas de planeamento familiar.
Sr. Deputado, gostava, pois, de lhe colocar a seguinte questão: quando fala nos centros de saúde, lembra-se, por acaso, desta realidade? Se conhece esta realidade, como pode dizer que há uma boa política de planeamento familiar quando estes centros de saúde estão encerrados e quando nos centros de saúde dos concelhos não se conseguem consultas? Pergunto-lhe se esqueceu esta realidade ou se apenas falou da cidade, de dois ou três centros de planeamento familiar que, seguramente, só o Sr. Deputado conhece!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Roque Cunha.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Deputada, todos estamos de acordo de que é necessário fazer mais e melhor, de que é possível dar uma melhor capacidade de resposta. Mas ao ouvir a sua pergunta, pareceu-me que não estava, de facto, neste país porque não tenho qualquer dúvida de que existem dificuldades. E as dificuldades que existem não se verificam tanto nas zonas rurais como na Área Metropolitana de Lisboa, nos tais grupos de risco a que faço referência, onde esses problemas são muito mais agravados. E mais: apesar da falta de incentivo que o CDS-PP sempre foi dando a este tipo de política no passado, queria aqui fazer uma clara diferença conceptual da forma como encaramos este problema. Para nós, um médico de família, hoje, tem os instrumentos mínimos para fazer um planeamento familiar adequado; se tem dúvidas, e sempre que existem, nomeadamente as relativas aos problemas de esterilidade, tem a possibilidade de fazer a referência ao centro hospitalar da sua área geográfica.
Mas há uma coisa em que concordo consigo: de facto, aquilo que acontece hoje é que o sub financiamento que existe em relação a este tipo de preocupação não nos permite ter um grande optimismo no sentido da melhoria efectiva da qualidade da prestação de trabalho.

Aplausos do PSD.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Inércia, Sr. Deputado, inércia!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Ministra da Saúde: Este debate, para o PCP, não é novo e a urgência não é de agora. Passou a ser urgente para o CDS-PP que, há treze anos, em 1984, quando votava contra um projecto de lei apresentado pelo PCP, anunciou, pela voz do seu Deputado, que ia apresentar um projecto de lei sobre planeamento familiar. Até hoje... !

Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Parece ser urgente para o CDS-PP, que já se esqueceu que foi da sua responsabilidade, de um ministro do CDS, um despacho, em 1981, que vedava aos jovens o acesso a consultas de planeamento familiar!

Vozes do PCP: - Bem lembrado!

A Oradora: - Este debate sobre planeamento familiar não pode ser travado nos termos em que está circunscrito pelo CDS-PP. Desde já, não pode alhear-se de um debate sobre educação sexual, de que parece que o CDS-PP tem medo. E preciso, realmente, que se saiba se continuamos a querer manter atitudes culturais obsoletas, de vergonha hipócrita, sobre o funcionamento do aparelho reprodutor, numa sociedade que, dessa maneira, fermenta a própria violência sexual e física contra o sexo feminino. Essa violência esconde posicionamentos que se identificam no fundo com os que, mais ou menos encapotadamente do que outros, entendem que a contracepção servirá a promiscuidade sexual.
Existem, de facto, tabus na sociedade portuguesa que lutas não muito distantes e importantes - as lutas dos anos 60 - ainda não conseguiram arredar de todo da sociedade portuguesa. Tabus inadmissíveis num Estado de direito democrático que a todos - e não só às classes de risco - tem de reconhecer o direito ao planeamento familiar, o direito à sexualidade. Esses tabus servem objectivamente o posicionamento daqueles que, apoiando as políticas económicas neo-liberais que levam à não intervenção do Estado na área dos direitos sociais, impõem a esse mesmo Estado a «vigilância sobre os quartos de dormir», para usar uma feliz expressão de um autor canadiano.
Isso aconteceu por uma maioria de um voto, na recusa da despenalização do aborto até às 12 semanas.
É essa recusa que é o enquadramento deste debate dito de urgência. É um debate proposto por quem quer aliviar a consciência, por quem quer passar para o exterior uma imagem de preocupação com os problemas das mulheres portuguesas.

Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Mas a verdade é que se o planeamento familiar, entendido como um direito de todos, é importante no combate ao aborto clandestino, e se é uma condição necessária, é também verdade que não é condição suficiente para resolver o grave problema de saúde pública das mulheres que é o aborto clandestino. Muitos outros países o entenderam há muito e o encaram como um problema de direitos humanos das mulheres.
Sabemos que, depois da experiência do Dr. Albino Aroso, já no ano de 1976 (tão atacado pelos defensores

Página 1663

6 DE MARÇO DE 1997 1663

dos métodos naturais de contracepção, que hoje tanto falam de planeamento familiar), depois dessa experiência pioneira, muitos avanços houve em matéria de planeamento familiar, apesar de tudo, apesar de retrocessos mais recentes, como o fim das valências de contracepção, o fim das consultas específicas para os jovens.
Sabemos das dificuldades sentidas pelos profissionais de saúde que não dispõem de tempo para a execução de um programa de planeamento familiar. Sabemos como muitos disponibilizam muito do seu tempo livre para actividades de informação e divulgação da importância do controle dos nascimentos como uma importante componente do direito à sexualidade. Sabemos que nos serviços minguam os meios anticoncepcionais à disposição dos casais. Sabemos da falta de médicos de família.
Mas, sabemos também, o planeamento familiar ainda não é entendido como um direito, ainda não se integra, de facto, nos cuidados primários de saúde. Entendemos que toda esta situação tem de ser alterada. Todos, mas todos os meios anticoncepcionais, incluindo meios que nalguns países frentes de direita têm combatido, como a pílula do dia seguinte - que tanto combate tem merecido -, devem Ser gratuitos.
Mas um bom planeamento familiar tem de passar por outra concepção dos direitos da mulher. Atitudes culturais que advogam os famosos métodos naturais e que ainda encontramos sobre representados no universo da sociedade portuguesa têm na base uma profunda desconfiança em relação à mulher. A mesma desconfiança que leva à penalização do aborto porque muitos entendem que, quer a despenalização, quer o planeamento familiar, serviriam a promiscuidade sexual. A gravidez e o aborto clandestino seriam, para estes, a punição da promíscua.
É esta mentalidade que contribui, apesar de tudo, para a praticamente inexistente educação sexual. E sem esta, sem que os adolescentes entendam o seu corpo, sem sentirem que é um pecado olharem-no ao espelho, o planeamento familiar sofre a primeira falência e a taxa de gravidezes adolescentes continuará a ser preocupante.
O planeamento familiar - e este debate - não pode desligar-se dos direitos sociais, da efectivação do direito ao ensino para todas as cidadãs e cidadãos porque, se for desligado, o planeamento familiar é selectivo e eugénico e dirige-se às adolescentes que não têm quaisquer possibilidades de singrar na carreira, de ter acesso ao emprego e que vêem apenas na maternidade uma realização pessoal desistindo da realização profissional.
O planeamento familiar não pode efectivar-se como um direito sem a realização dos direitos sociais das mulheres, dos homens deste país, sem o direito ao trabalho, sem o direito a uma vida digna. Independentemente disto, o planeamento familiar surge como uma medida eugénica aliás, patente na intervenção da Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto -, uma medida para as classes desfavorecidas, uma medida para as classes em risco, uma medida de controlo social.
Sr. Presidente, vou terminar deixando algumas perguntas.
Pode o Estado impor à mulher a procriação negando-lhe o direito à sexualidade?
Pode o Estado exercer o controlo social através do planeamento familiar?
Pode o Estado ser fautor da violência brutal contra o sexo feminino, porque é ele que dá o exemplo?
Nós dizemos: Não!

Aplausos do PCP e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, assistem à nossa reunião plenária um grupo de 70 alunos da Escola Primária n.º 3, da Amora; um grupo de 45 alunos da Escola do Ensino Básico dos 2.º e 3.º ciclos de Minde; um grupo de 42 alunos da Escola Secundária José Afonso, do Seixal; um grupo de 40 alunos da Escola Secundária de Mangualde; um grupo de 40 alunos da Escola Secundária Jácome Ratton, de Tomar; um grupo de 50 alunos da Escola de Ensino Básico D. Dinis, de Leiria: um grupo de 100 alunos da Escola dos 2.º e 3.º ciclos da Branca, de Albergaria-a-Velha; um grupo de 60 alunos da Escola Secundária de António Nobre, do Porto.

Aplausos gerais, de pé.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto para defesa da consideração da bancada.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Lamento muito ter de fazer o que vou fazer porque trouxemos este debate a Plenário sem qualquer intuito provocatório. Pelo contrário, pensámos que, na sequência de tudo o que foi dito nesta Assembleia da República, este tema era pacífico, embora possa ser visto com cambiantes das diferentes bancadas, e é isso que é desejável.
A Sr.ª Deputada Odete Santos não pode estar a atribuir-nos coisas que esta bancada não disse, não pensa, não pretende, não quer fazer, não propõe, Fazer isso é cómodo, é fácil, mas é intelectual e politicamente muito desonesto.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Quem nesta bancada está em desacordo com aquilo que eu disse? Ninguém! E aquilo que eu disse está em desacordo em quê com aquilo que a Sr.ª Deputada disse? Nada! No entanto, o que a Sr.ª Deputada não quer é que mais ninguém diga aquilo que a Sr.ª Deputada disse. E o que a Sr.ª Deputada tem que aprender é que há coisas que nós vamos dizer juntas embora talvez movidas por coisas diferentes. E desse direito não abdico, Sr.ª Deputada, independentemente do que esta bancada disse ou deixou de dizer há 13 anos. Há 13 anos eu não estava aqui, estava com o Dr. Albino Aroso a trabalhar no planeamento familiar.
A Sr.ª Deputada tem que se conformar com o facto de que a defesa de certos direitos das mulheres não são exclusivamente seus. E ainda bem que não são exclusivamente seus, ainda bem que são cumulativa e colectivamente nossos. Isso é que é importante.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Por conseguinte, Sr.ª Deputada, não vale a pena, neste debate, voltar com essa conversa.
Falei da gratuitidade dos medicamentos e a senhora responde com critérios economicistas! Falei da importância da laqueação das trompas, a senhora responde-me com tabus e preconceitos! A senhora diz que estou a aliviar a consciência e eu devo dizer-lhe que estou a fazer um acto de coerência que esta bancada assumiu publicamente fazer e que está a cumprir tão cedo quanto lhe foi possível, isto é, 15 dias depois.

Aplausos do CDS-PP.

Página 1664

1664 I SÉRIE - NÚMERO 47

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para dar explicações, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente , a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto enfiou a carapuça toda... Isso é consigo! Sei que é Deputada independente do Grupo Parlamentar do CDS-PP, mas quem requereu o debate de urgência foi o CDS-PP e aquilo que eu disse está amplamente provado nas páginas do Diário da Assembleia da República, em intervenções, no tal despacho de 1981, sobre o impedimento de os jovens irem à consulta. Tudo isto está provado!
Registo que a Sr.ª Deputada, em nome do CDS-PP, toma a atitude em relação ao PCP de que «se não os podes derrotar junta-te a eles».
Sr.ª Deputada, não falei nunca em economicismo. E a Sr.ª Deputada não quis responder ao de que a acusei no seu discurso, ou seja, que a Sr.ª Deputada entende o planeamento familiar, da maneira como o apresenta, como um planeamento de conteúdo eugénico, para exercer o controlo social, e não como um direito.
Relativamente a todas as questões que aqui coloquei relativamente à personalidade da mulher, ao direito à dignidade da mulher como pessoa humana a Sr.ª Deputada não tem uma única linha no seu discurso, como não se referiu a questões complexas que estão a montante e que podem provocar a falência do planeamento nos jovens, as questões relativas à educação sexual, que, pelos vistos, continuam a ser difíceis de discutir na sociedade portuguesa.
Sr.ª Deputada, não é a si que dirijo as minhas últimas palavras. Mas na minha intervenção havia uma frase que lhe era dirigida. É que V. Ex.ª denegriu a luta dos anos 60 numa intervenção muito recente que eu ouvi. A luta dos anos 60 foi, de facto, pela emancipação da mulher, pelo direito à sexualidade, não à promiscuidade sexual. Essa frase era-lhe dirigida porque tive ocasião de a ouvir quando fui ao programa Parlamento.
Mas as minhas últimas palavras são para o CDS-PP: é melhor que corram para a «bicha das cataratas» para apanharem vez para tirarem as cataratas dos olhos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, Sr.ª Ministra da Saúde: Penso que é importante neste momento do debate situar os exactos termos em que, para nós, o planeamento familiar é entendido, ou seja, como uma incumbência do Estado no sentido de promover todos os meios necessários à divulgação de métodos de planeamento familiar organizando as estruturas jurídicas e técnicas que permitam esse exercício.
Julgo que é importante dizer isto porque, efectivamente, o planeamento familiar, para nós, não se confunde com um factor de política demográfica, não se confunde com uma medida e uma forma de contenção social porque ele é, sim, e tão só, um direito à saúde, um direito enquanto parte integrante dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos autonomamente considerados. Julgo que é importante, todos estes anos de silêncio volvidos, todos estes anos de inoperância volvidos, em que se quer misturar a discussão do planeamento familiar com a discussão da interrupção voluntária da gravidez, fazer um debate sem fugir às questões, fazer um debate dizendo preto no branco o que não funcionou ao longo destes anos. E julgo que teria sido importante, se se quer de facto constatar a falência do planeamento familiar no nosso país, dizer claramente se se é ou não partidário da educação sexual porque as duas questões estão ligadas.
A educação sexual desapareceu das escolas, ninguém manifesta a intenção de a devolver ao seu lugar exacto a escola. Lamentamos que o PP não tenha, sobre esta matéria, claramente dito aquilo que havia de dizer, ou seja, se a educação sexual está ou não também a montante, se a educação sexual é ou não parte integrante e se tem que ser considerada em paralelo com o planeamento familiar. Nós julgamos que sim!
É importante que isto tenha sido dito neste momento dos interditos culturais e religiosos que impedem muitas mulheres de ter acesso ao planeamento familiar. E isto não é uma coisa do passado. Quando lemos ontem num jornal que o Vaticano, finalmente, preconiza a indulgência para os casais que utilizem contraceptivos, vemos que estamos parados, vemos que há muitas razões que justificam e explicam que a Igreja, lamentavelmente, não seja parceira da educação sexual, não seja parceira do planeamento familiar e era importante e teria sido útil que essa questão hoje aqui tivesse sido dita.

Aplausos da Sr.ª Deputada da PCP Odete Santos.

Aquilo que nos parece que era importante abordar no debate de hoje, sobre o planeamento familiar, era saber porque é que muitas mulheres não ocorrem ao planeamento evidente que o sistema não funciona, é evidente que o sistema está em falência, mas também era curioso dizer se as mulheres são ou não, nas empresas, penalizadas por faltarem, por se ausentarem para irem às consultas de planeamento familiar. Era importante dizer se as consultas de planeamento familiar estão organizadas, nos seus horários, para corresponder àquilo que é hoje a violência que se vive no mundo do trabalho. Essas questões foram elegantemente contornadas, não foram ditas e, se se quer tocar nesse assunto, se se quer alterar, é importante que não se fuja aos problemas. E o problema é que, independentemente de haver dificuldade de acesso e de o sistema funcionar mal, sem condições, sem meios, sem técnicos, ele também não funciona adequado àquilo que é o exercício de um direito - porque é disso que se trata e não de uma benesse -, por forma a acautelar problemas em grupos de risco.
Nada tenho contra o facto de as toxicodependentes, as prostitutas, as imigrantes, de todas as mulheres dos chamados «grupos de risco», como aqui foram designadas, terem acesso ao planeamento familiar, mas para mim o planeamento familiar não é uma preocupação para estas mulheres mas, sim, para todas elas,...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - ...cujos direitos sexuais e reprodutivos têm de ser garantidos.
Julgo que era este importante debate que aqui se devia fazer, era essa a selecção que havia que cuidar de ser feita, sob pena de termos reproduzido questões vagas, sob pena de termos contornado e ziguezagueado à volta de questões que não funcionam, de termos omitido aquilo sobre o que é, por ventura, menos fácil de falar mas que, se evitarmos falar, seguramente, não estamos a contribuir

Página 1665

6 DE MARÇO DE 1997 1665

para a alteração do problema - porque é disso que se trata e é um problema para nós, para Os Verdes -, que é inseparável da educação sexual.
E por demasiadas vezes continuamos a ver a fuga à questão da educação sexual, que para nós é tão importante nas escolas como qualquer outra área. Esta questão não pode ser escamoteada, tem de ser discutida, sobretudo num país onde as mães adolescentes são, em média, duas e três vezes mais do que no resto da União Europeia.
Este é o problema! Evitá-lo não ajuda a solucioná-lo!

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, gostaria que a Sr.ª Deputada Odete Santos, se possível já, dissesse perante os Srs. Deputados em que momento e em que local é que eu afirmei - se bem entendi as suas palavras - ou associei a educação sexual, as lutas feministas dos anos 60 à promiscuidade sexual. Em que sítio, rádio, revista, jornal ou televisão V. Ex.ª me ouviu dizer isso? Gostaria que explicasse, porque acho essa afirmação da maior gravidade.
Muito rapidamente, quero também dizer à Mesa que na intervenção que li da tribuna referi expressamente as escolas como locais privilegiados para a formação e informação de práticas de vida saudáveis e noções de sexualidade e saúde.

A Sr.ª Helena Santo (CDS-PP): - A Deputada Odete Santos não ouviu!

A Oradora: - Eu acho que os microfones estão a funcionar...
Finalmente, queria dizer que eleger grupos de risco não é eugenia. Assim, queria que a Sr.ª Deputada Odete Santos dissesse hoje e aqui o que é que acha que é deixar uma mulher com uma doença mental sem uma laqueação de trompas para ela voltar grávida daí a uns meses?... Isso é que eu gostava que me dissesse! Se não é eugenia, o que é isso?!...

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, as perguntas eram dirigidas à Mesa, mas esta está com alguma dificuldade em responder-lhe. Ora, como a Sr.ª Deputada Odete Santos também quer interpelar a Mesa, dar-lhe-ei a palavra para habilitar a Mesa a responder à Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

Risos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, informaria a Mesa de que num programa televisivo a que fui, há quase 15 dias, o programa Parlamento, a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto afirmava mais ou menos isto: que quem queria despenalizar o aborto resolvia o problema à maneira dos anos 60. É claro que o resto é interpretação minha!

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Ah!

A Oradora: - Ó Sr.ª Deputada, a senhora é mais nova do que eu, se calhar não sabe o que se passou nos anos 60 quando nós lutávamos pela emancipação da mulher e aquilo que pessoas que se situam na sua área diziam das raparigas estudantes que lutavam pela emancipação... A Sr.ª Deputada não sabe isso, é mais nova do que eu, mas leu. Não se finja de ignorante!...

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Não

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr.ª Deputada, a Mesa já está esclarecida...

A Oradora: - Foi isto que se passou, foi o que eu ouvi e foi o que eu fiz questão de dizer.
Quanto ao resto...

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr.ª Deputada, já chega.

A Oradora: - Sr. Presidente, peço que recomende à Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto a leitura de um livro de um médico canadiano, Angus McLaren, da Editora Terramar, História da Contracepção, que lhe dará o relato de como a própria pioneira da contracepção, Margaret Sanger, foi acusada de defender o planeamento familiar eugénico.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr.ª Deputada, já chega!
Sr.ªs Deputadas, vou ter necessidade de lhes fazer uma recomendação: é que há um livro chamado Regimento da Assembleia da República...

Risos.

...que, certamente, noutra ocasião, as senhoras poderão ler, juntamente comigo, se quiserem.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Saúde.

A Sr.ª Ministra da Saúde (Maria de Belém Roseira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de dar alguns esclarecimentos relativos a algumas das coisas que ouvi e usar também do direito à defesa da honra do meu Ministério.
Alguns Srs. Deputados - peço desculpa, mas vou utilizar a expressão da Sr.ª Deputada Isabel Castro - falaram da falência do planeamento familiar. Ora, quero dizer que não há falência do planeamento familiar, haverá, eventualmente, insuficiência do planeamento familiar, como há, infelizmente, muitas insuficiências na área da saúde.
Quero também dizer, como testemunha pessoal, que vivi, por dentro, o Ministério da Saúde, ainda no tempo do Ministério dos Assuntos Sociais, e constatei o difícil que foi para o Dr. Albino Aroso falar em planeamento familiar e institucionalizar nos centros de saúde essas consultas - aliás, esse longo trabalho, de mais de 20 anos, não foi só feito pelo Dr. Albino Aroso mas também por muita gente, nomeadamente da Direcção-Geral da Saúde. E como os ministros não trabalham sozinhos, gostaria de salientar o papel fundamental que a Dr.ª Purificação Araújo exerceu nesta área durante muitos anos, persistentemente, e com o obstáculo de muita gente.

Aplausos da Deputada do PCP Odete Santos.

Página 1666

1666 I SÉRIE - NÚMERO 47

É preciso que se diga isto para que fique muito claro!
Peço-vos desculpa se, às vezes, sou muito energética em determinadas coisas mas eu vivo este assunto muito por dentro, tive ocasião de testemunhar isto ao longo de mais de 20 anos e prezo-me de tentar ser uma observadora isenta.
Para abordar as questões que a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto aqui levantou relativamente à saúde da mulher e da criança, devo dizer-lhe que um longo e importante trabalho foi feito pela Comissão Nacional de Saúde da Mulher e da Criança que se ocupou deste tema e que trabalhou persistentemente, contra a resistência de muita gente, porque temos de vencer a resistência dos nossos próprios profissionais, pois, muitas vezes, algumas medidas de ajustamento e de reorganização colidem com interesses estabelecidos, com práticas, e todos nós conhecemos a resistência à mudança.
Queria aqui salientar também a importância do papel desempenhado pelo Professor Torrado da Silva, como Presidente da Comissão Nacional de Saúde da Mulher e da Criança, sucedendo ao Dr. Albino Aroso, e do Dr. Mário Cordeiro, como pessoas que, persistente e coerentemente, com uma política objectiva e com uma acção decidida, têm levado a bom termo, apesar de todas as dificuldades, algum progresso nestas matérias. Aliás, tomáramos nós que os nossos indicadores de saúde tivessem todos evoluído tão bem como evoluíram os desta área.
É claro que o Ministério da Saúde, através da Direcção-Geral, continua a actuar nesta área, existindo já as equipas móveis, a que se referiu a Sr.ª Deputada, para ir junto das pessoas que não vão aos centros de saúde: são variadíssimos grupos, são as minorias étnicas, são as prostitutas. Vamos, pois, trabalhar com estes grupos e incentivar através da integração que se fez em sede comunitária do que é a luta contra a SIDA, juntamente com as doenças sexualmente transmissíveis, que foi também outra área que se abandonou ao longo destes últimos anos, uma vez que as duas coisas estão intimamente ligadas - aliás, até primeiro têm de ser «apanhadas» as doenças sexualmente transmissíveis para depois conseguirmos ter uma acção adequada na prevenção da SIDA.
Para além disto, estamos também a alargar o horário das consultas nos centros de saúde para permitir aquilo que é a preocupação das Sr.as Deputadas: é que, muitas vezes, as mulheres para poderem ir a uma consulta de planeamento familiar têm de faltar ao seu trabalho, porque os horários dos centros de saúde não estão ajustados ao período laboral das pessoas.
Também em relação a isto queria dizer-vos o seguinte: não se pode medir a actividade em planeamento familiar só pela existência de consultas de planeamento familiar, porque há actividades de planeamento familiar inseridas na
consulta de clínica geral. Portanto, em muitos sítios, e de acordo com uma possibilidade de organização que tiveram, estão identificados os tempos para o planeamento familiar que estão organizados de outra maneira.
Assim, de acordo com um estudo de que dispomos da Direcção-Geral da Saúde - que tenho muito gosto em disponibilizar - posso dizer-vos que «a procura de serviços de planeamento familiar em 1993 foi de 79,3%n, tendo recorrido aos centros de saúde cerca de 53,7%...», portanto mais do que os dados que a Sr.ª Deputada dispunha.
Quero ainda dizer que «(...) a avaliação das taxas de cobertura ou de utilização dos serviços por parte da população é feita com maior rigor quando considerada através de estudos na comunidade e não só estudos feitos em função da existência ou não de consultas de planeamento familiar» .
Quanto ao Sr. Deputado Jorge Roque Cunha, quero dizer-lhe que eu não estou no Ministério há dois anos, estou apenas há um ano e cinco meses. Se calhar, a si, parece-lhe tempo de mais, mas... É a diferença entre o tempo psicológico e o cronológico, mas, efectivamente, estou no Ministério há menos de dois anos e se o Dr. Paulo Mendo, que criou essa valência , não teve tempo de implementa-la...

O Sr. Paulo Mendo (PSD): - Eu estive no Ministério 18 meses!

A Oradora: - Sim, esteve 18 meses...

Bom, mas há aqui uma série de coisas que estamos a fazer nesta área e para nós o planeamento familiar não é só a promoção da natalidade, até porque planeamento familiar tem muito que ver com o acompanhamento de determinadas situações em que até a natalidade não é baixa, mas temos é que educar as pessoas para uma paternidade responsável.
Quero também frisar - e muito inequivocamente que o Ministério da Saúde não pode fazer tudo sozinho nesta área: a educação sexual é fundamentai e é altura de identificarmos adequadamente os tabus que continuam a persistir na sociedade portuguesa, pois, mesmo com a articulação entre os dois Ministérios, através dos Programas de Educação para Todos, do Programa de Educação nas Escolas, mesmo assim, de cada vez que há uma campanha informativa, as associações levantam-se contra aquilo que consideram ser a degradação dos valores morais da sociedade portuguesa.
A este propósito, faço um apelo especial à Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, ...

Risos.

... para nos ajudar a combater os tabus que grassam na sociedade portuguesa e que persistem...

Aplausos do PS.

...em continuar a considerar que o mundo dos anos 90 e o mundo dos anos não diria 60 mas 50, em que as coisas não aconteciam, não eram reais. Realmente vivemos numa sociedade cada vez mais virtual, mas numa virtualidade em que nós, todos os dias, somos confrontados com os mesmos problemas que existiam há muitos anos, mas com uma gravidade acrescida.
E eu, talvez porque sou mulher, talvez porque gosto muito de trabalhar nesta área, talvez porque considere que só se justifica o sacrifício que representa trabalhar nesta área se se falar verdade sobre as coisas, considero que é tempo de dizer: basta, vamos trabalhar a sério todos em conjunto, abandonando os tabus e falando das coisas com verdade e sem nada escondido, pois os nossos problemas são graves e temos de preparar as pessoas, os jovens, os adolescentes, os casais, para uma paternidade responsável! Mas o Ministério da Saúde sozinho não consegue fazer isso, tem de fazê-lo com outras entidades.
Vamos evitar que permanentemente existam «velhos do Restelo» que não nos deixam trabalhar como hoje a modernidade exige e como os perigos da sociedade perante jovens ainda imaturos, porque não puderam viver, possam ser protegidos e defendidos, verdadeiramente, numa promoção e defesa permanente da sua saúde.

Aplausos do PS.

Página 1667

6 DE MARÇO DE 1997 1667

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Mota Amaral.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Moleiro.

O Sr. Agostinho Moleiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero congratular-me com as declarações da Sr.ª Ministra da Saúde sobre um tema tão importante a nível nacional como é o do planeamento familiar.
De qualquer modo, quero recordar que, há cerca de 20 anos, alguns sectores mais conservadores da sociedade portuguesa movimentaram-se e mobilizaram as suas forças contra a implementação do Programa de Planeamento Familiar, nomeadamente contra o uso da pílula e do preservativo. Todos disso aqui se recordam, certamente.
Apelavam a princípios morais e religiosos que não viriam a ter reflexo no comportamento da generalidade das portuguesas e dos portugueses.
De facto, é bem verdade que, no plano das medidas inovadoras e da tolerância intersocial, o nosso povo caminha sempre à frente de muitos dos nossos políticos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Esta é uma verdade histórica, que se aplica à execução do Programa de Planeamento Familiar, em curso desde há 20 anos.
O Partido Socialista vê, assim, com surpresa positiva, esta iniciativa de debate da direita. A direita, portuguesa tem toda a legitimidade para fazê-lo, não obstante, reconheça-se, chegar tarde demais. Aliás, diga-se que, em matéria de planeamento familiar simbólico, já deveria ter dado um filho desejado, em idade de ir à tropa.

Risos do PS.

O Orador: - Em matéria de planeamento familiar, o PS está onde sempre esteve, ou seja, na vanguarda, uma vanguarda decerto aberta à participação das outras forças políticas, na procura da melhor solução para as famílias portuguesas.
Planear a família não é, para o Partido Socialista, reduzi-la ou limitá-la. É, fundamentalmente, adequá-la ao desejo dos casais que em consciência decidam, face às suas capacidades e disponibilidades, o tamanho da sua família, no respeito pelos direitos e liberdade da mulher.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Planear a família é também para nós apoiar e dar solução aos casos de esterilidade, de acordo com os meios técnicos, humanos e materiais disponíveis.
Planear a família é ainda dar resposta aos casos graves de famílias que maltratam ou abandonam os seus filhos, nomeadamente com o recurso à adopção.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Planear a família deverá ser ainda, .em última análise, promover a natalidade que, em algumas regiões, está a atingir níveis preocupantes. Hoje, como todos sabem, em Portugal morre-se cada vez mais e nasce-se cada vez menos. O saldo fisiológico é negativo.
Ainda numa óptica mais abrangente - e esta por influência profissional -, planear a família é ainda melhorar as condições de apoio à maternidade e à paternidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Naturalmente que para o Partido Socialista a grande medida de fundo é a educação sexual no quadro da Educação geral. Esse é o grande e fértil terreno onde, com garantias, se semeia e cultiva o planeamento familiar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Os Srs. Deputados Paulo Mendo e Maria José Nogueira Pinto pediram a palavra, mas a Mesa confronta-se com a circunstância de os respectivos grupos parlamentares já não disporem de tempo. No entanto, vou dar a palavra, por 1 minuto, a cada um dos Srs. Deputados.
Tem a palavra, Sr. Deputado Paulo Mendo.

O Sr. Paulo Mendo (PSD): - Sr. Presidente, Sr.ª Ministra da Saúde, ouvi, com muito interesse, o que disse e desejo associar-me às referências que fez aos funcionários, chamemo-lhe assim, do Ministério da Saúde que, desde há anos, lutam nesta área, muito concretamente a Dr.ª Purificação Araújo e os meus colegas Torrado da Silva e Mário Cordeiro.
Gostava também de dizer-lhe que estou perfeitamente de acordo que se trata de uma área que tem de ser cada vez mais integrada na saúde. Discordo completamente da existência de serviços especializados voltados uns contra os outros, porque a Medicina é integrada e por isso esta área deve incidir, sobretudo, no médico de família e nos programas de grande abrangência, como é o caso do Programa de Saúde da Mulher e da Criança, que pretende, precisamente, abarcar todos estes assuntos.
Sr.ª Ministra, fiz e deixei, sob a forma de despacho, no Ministério da Saúde, a introdução, no Programa Materno-Infantil ou, se quisermos, no Programa de Saúde da Mulher e da Criança, que fiz distribuir por todos os centros de saúde, da valência de tratamento da esterilidade, uma vez que a esterilidade é a componente de política natalista que obrigatoriamente deve acompanhar a política de planeamento familiar. Gostava de saber, Sr.ª Ministra, qual é a situação desse projecto, que, aliás, está publicado no Diário da República, ou seja, se há, eventualmente, alguma modificação das políticas ou se se trata apenas de um atraso conjuntural.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, que também dispõe de 1 minuto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, quero apenas dizer à Sr.ª Ministra da Saúde que fico satisfeita por saber que algumas das medidas, pelos vistos até já em curso, vão ao encontro daquilo que aqui referi, ou seja; à criação de respostas específicas.
Julgo também ter entendido que a Sr.ª Ministra nos fez um apelo no sentido do combate aos tabus. A Sr.ª Ministra sabe, tão bem ou melhor do que eu, de onde vêm os tabus. Os tabus vêm da estupidez e da preguiça e contra

Página 1668

1668 I SÉRIE - NÚMERO 47

os tabus da estupidez e da preguiça a Sr.ª Ministra e eu já lutámos o bastante para termos «galões» nos ombros. Repito, é da estupidez e da preguiça que vêm esses tabus e não, como aqui quiseram insinuar, de outro lado, e, ao falar do Sr. Dr. Albino Aroso, não se esqueça que ele é um católico e um cristão.
Portanto, os tabus vêm da estupidez e da preguiça e para lutar contra esses tabus pode sempre contar comigo, Sr.ª Ministra.

Vozes do CDS-PP e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, se assim o entender - e para isso a Mesa concede-lhe também 1 minuto -, tem a palavra a Sr.ª Ministra da Saúde.

A Sr.ª Ministrada Saúde: - Muito obrigada, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Paulo Mendo, eu não obstaculizei o cumprimento de qualquer despacho por si exarado enquanto Ministro da Saúde. Ele tendo sido publicado, terá sido ou não absorvido pelos centros de saúde em função das suas disponibilidades de tempo e dos seus recursos humanos.
Não há dúvida - e o Sr. Deputado sabe-o - que temos falta de médicos de clínica geral, mas temos, sobretudo, falta de enfermeiros a nível dos cuidados de saúde primários. Portanto, todas as acções que estamos a desenvolver no sentido de privilegiar a opção por essas áreas de prestação de cuidados, quer para médicos quer para enfermeiros, produzirão resultados práticos a seu tempo.
Contudo, com tantos problemas a nível da saúde das pessoas; é natural que numa actividade nova, até porque está coberta pelos hospitais através dos centros dos serviços de medicina reprodutiva, haja um encaminhamento para esses hospitais, uma vez que se trata de consultas de bastante especialidade, e que não haja, de facto, a criação de um tempo próprio para esta valência específica. Porém, não posso afirmar se isto é ou não um panorama nacional. A ninguém foi vedado que o fizesse; pelo contrário, os serviços desta área continuaram a desenvolver a sua acção, naturalmente sem prejuízo de eu também referir aquilo que já aqui disse muitas vezes ou, pelo menos, duas vezes - o de que este não é propriamente um dos nossos problemas mais prementes. A sociedade soube resolver esta questão através de outros mecanismos ao longo do tempo, tais como a adopção; etc., e é natural que, em termos de prioridade de saúde, este não seja um dos serviços que mais se tenha desenvolvido, mas em função das próprias estratégias hospitalares e não porque tenha havido alguma obstaculização da minha parte. Pelo contrário, considero que nessa área devemos acompanhar o que se faz lá fora de mais «de ponta», temos de dar essa oportunidade aos nossos profissionais, tanto mais que, felizmente, até do ponto de vista internacional, temos profissionais muito cotados em todas as áreas - aliás, quando eles fazem formação no estrangeiro é muito frequente serem requisitados para lá continuarem. Agora, em termos daquilo que são as nossas prioridades de saúde isso não é propriamente algo que me preocupe tanto como o controlo das doenças transmissíveis ou algo semelhante, já que esses são para mim os verdadeiros problemas de saúde pública.
Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto, temos, efectivamente, alguns «galões» obtidos na luta contra a estupidez e a preguiça e eu faria um apelo a que todos nos ajudassem a combater a estupidez, a preguiça, o imobilismo e a atitude de «meter a cabeça na areia», que é muito pior do que tudo isso junto.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.- Deputadas e Srs. Deputados, esgotámos o tempo previsto - e até com algum excesso - para este debate de urgência sobre planeamento familiar, requerido pelo CDS-PP, mas a importância do assunto e a sua relevância nacional justificam-no perfeitamente. Como a lista de oradores está esgotada, está também encerrado este debate.
Ainda no período de antes da ordem do dia, inscreveram-se, para intervir sobre assuntos de interesse político relevante, os Srs. Deputados João Rui de Almeida, Carvalho Martins e Joaquim Macias.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: O Primeiro-Ministro acaba de cumprir, no distrito de Coimbra, mais um «Governo em diálogo».
Durante três dias, o Primeiro-Ministro, acompanhado por vários membros do Governo, teve a oportunidade de contactar in loco com a realidade deste distrito, percorrendo 13 dos seus 17 concelhos.
Conhecer no próprio meio as realidades, constatar as carências, ouvir as pessoas, as autarquias, as associações, os sindicatos, descentralizar o exercício do poder, significa uma nova forma de governar, uma forma de governar mais próxima das pessoas e da realidade nacional.
O povo do distrito de Coimbra gostou, a oposição não gostou.

Vozes do PS: - Claro!

O Orador: - É difícil entender esta oposição da oposição, é difícil explicar porquê. A oposição facilmente dirá que era necessário mais, muito mais, mas mesmo assim não conseguirá fazer-se compreender junto das populações, que por todo o lado saudaram esta nova forma de governar o País.
Muitas resoluções foram tomadas em benefício do distrito de Coimbra, das quais destacarei algumas: o arranque definitivo da ponte Europa, em Coimbra (importante e imprescindível obra para a ligação das duas margens do Mondego); o Centro de Congressos em Coimbra no Convento de S. Francisco; importantes melhoramentos no porto da Figueira da Foz, objecto de um projecto multimodal - o que significa que foram, finalmente, reavaliadas as extraordinárias condições deste porto -,estrutura portuária tão esquecida.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem?

O Orador: - ... mas com tantas potencialidades, que se reveste da maior importância para o desenvolvimento regional, não esquecendo também que se trata do porto marítimo português com mais fácil acesso à rede ferroviária internacional que nos liga a Espanha e à Europa; assinaláveis melhoramentos na rede viária e ferroviária (ligação do IC1 ao nó de Pombal da auto-estrada; o IP3 S.ta Eulália /Trouxemil e Raiva/Trouxemil; a EN 112 Portela do Vento/Pampilhosa (muito bem identificada pelo Sr. Ministro João Cravinho como um projecto solidário de uma zona do interior); a EN342 - Miranda do Corvo/ Lousã; a ligação ferroviária ao porto da Figueira da Foz; o troço ferroviário Pampilhosa/Quintans e Albergaria/A1farelos); melhores e mais instalações para as forças de segurança; melhores instalações de saúde e de ensino (Cen-

Página 1669

6 DE MARÇO DE 1997 1669

tro de Saúde de Oliveira do Hospital e de Góis, o Centro de Reabilitação da Região Centro no Hospital Rovisco Pais, na Tocha, as escolas de Penela e de Penacova); melhores instalações de solidariedade social (Centro de Dia de Ereira e o Lar de Idosos de Mira); a entrega de 700 ha no Baixo Mondego à Associação de Regantes; mais oportunidades para a Universidade de Coimbra e para os seus estudantes na área da Administração Pública; mais equipamentos para a prática do desporto; cedência de terrenos florestais para habitação social em Mira; melhores equipamentos para as corporações dos bombeiros do distrito, etc. etc.
Mas, para além destas e de outras medidas, este Governo quis também ouvir todos os presidentes das câmaras municipais do distrito, momento importante para abordar as questões mais prementes que se colocam aos 17 concelhos. Ouviu também associações, sindicatos, entidades públicas e privadas e pessoas anónimas que, espontânea e livremente, colocaram os seus problemas. De realçar ainda que, pela primeira vez depois do 25 de Abril, o Conselho de Ministros reuniu na cidade de Coimbra.
Foi neste ambiente de diálogo e de verdadeira convivência democrática que decorreu esta visita a Coimbra. A este propósito, queria aqui realçar o facto de os Deputados da oposição, eleitos pelo círculo de Coimbra, terem também sido convidados a acompanhar o Primeiro-Ministro nesta visita de trabalho.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Realço este facto porque, durante os oito anos das duas legislaturas anteriores, não me lembro de ter sido convidado alguma vez, como Deputado da oposição, para acompanhar idênticas realizações do então Primeiro-Ministro Cavaco Silva.

O Sr. José Magalhães (PS): - Ele era assim.

O Orador: - Queria aproveitar esta oportunidade para saudar e cumprimentar a Sr.ª Deputada Fernanda Mota Pinto, os Srs. Deputados Carlos Encarnação e Calvão da Silva e os Deputados socialistas pelo círculo de Coimbra, que responderam positivamente ao convite para estarem presentes nesta visita ao seu/nosso distrito, dignificando assim o estatuto de Deputado.
Sr. Presidente, Sr.as Deputadas e Srs. Deputados: Fazemos, pois, um balanço positivo deste «Governo em diálogo» no distrito de Coimbra.
Os Deputados do PS vão, no entanto, continuar a chamar a atenção, como, aliás, têm vindo a fazer, para os vários problemas que é necessário resolver no nosso distrito e vão também continuar a relembrar que Coimbra e a Região Centro não podem ficar esquecidas nem podem ser preteridas face aos dois grandes centros de Lisboa e Porto.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Acabámos de ouvir um colega e amigo, o Deputado João Rui de Almeida,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Fez uma excelente intervenção!

O Orador: - ... fazer um balanço do «Governo em diálogo» no distrito de Coimbra. Foram três dias em que, como referiu, os Deputados do PSD o acompanharam.
Quero assinalar, em primeiro lugar, que, já antes do convite, eu próprio anunciei aqui, durante uma intervenção, que os Deputados do PSD lá estariam para receber o Sr. Primeiro-Ministro, porque um Deputado eleito pelo povo não precisa de ser convidado para estar presente em muitas, ou quase todas, dessas actividades. Mesmo que não tivesse sido convidado, eu estaria lá, como anunciei.
Em segundo lugar, quero congratular-me com a visita, dizendo que o Governo aberto, em diálogo, se traduziu em coisas bem feitas, boas, mas também teve coisa meros boas e não bem feitas. As coisas boas e bem feitas foram as inaugurações de obras efectuadas pelos Governos anteriores; no entanto, também teve coisas más, algumas foram mesmo de retrocesso, e são essas que, com certeza, esperam que eu enuncie apenas exemplificativamente.
Em primeiro lugar, temos o caso do IP3. Todos sabemos que esta obra deveria ser inaugurada em 1998. Qual não é o meu espanto, e do PSD, quando ouço o Sr. Ministro anunciar que só em 1998 a BRISA iniciará os trabalhos, ficando por se saber se está a referir-se a Janeiro ou a Dezembro. Esperemos que ainda seja em 1998!
Mais grave ainda: ficamos a saber que o IP3 deixa de ser itinerário principal para ser uma auto-estrada, a fazer pela BRISA, paga através de portagens por todos os que lá passarem. Ou seja, o Governo presente aboliu portagens em Lisboa e no Porto e vai dar portagens de prémio às gentes de Coimbra e da sua região, num troço onde antes, com características de auto-estrada mas sendo um itinerário principal, não se pagava qualquer portagem. É, com certeza, um prémio de consolação para o Partido Socialista, designadamente para os seus órgãos locais, mas é uma grande desconsolação para nós, PSD, que tínhamos um itinerário principal com características de auto-estrada e sem pagar portagens.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Já não serão portagens virtuais, Sr. Deputado. Pelos vistos, estas serão mesmo portagens reais!
Em segundo lugar - e é o segundo tópico que lhe dou para o seu balanço positivo, e, para mim, negativo, do «Governo em diálogo» -,temos o caso da primeira pedra da ponte da Europa, em Coimbra. Consta do programa oficial distribuído pelo gabinete do Sr. Primeiro-Ministro: «Lançamento da primeira pedra da ponte da Europa, junto ao cruzamento das Lajes». Sr. Deputado, ou eu me engano muito e em Coimbra não foi possível encontrar uma pedra para lançar, ou eu me engano muito e essa pedra encontrada caiu ao rio antes de ser lançada!

Risos do PSD.

Não houve o lançamento da primeira pedra. Porquê, Sr. Deputado? O que aconteceu de tão grave para ser riscado de um programa oficial, autenticado pelo Sr. Primeiro-Ministro?

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado. queira concluir.

O Orador: - Concluo já, Sr. Presidente.

Página 1670

1670 I SÉRIE - NÚMERO 47

Mas houve outra coisa bem feita: a interrupção do «Governo em diálogo» para o Sr. Primeiro-Ministro vir a Lisboa. Fez bem. Tratava-se de uma causa nacional; a da revisão constitucional. Pena foi que às quatro e meia da manhã o resultado não pudesse ter sido mais positivo!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Calvão da Silva, aproveito para precisar um pouco a minha intervenção. O Sr. Deputado foi um dos Deputados do PSD que acompanhou a visita na totalidade, com interesse e até com alegria, tendo mesmo dito que ele próprio estava contagiado com a alegria que se projectava naquelas atitudes de desenvolvimento no distrito de Coimbra que estavam a verificar-se.
No entanto, houve algo que não percebi bem. Ê que o Sr. Deputado Calvão da Silva foi convidado oficialmente. E a diferença é que isto aconteceu pela primeira vez em oito anos. Pelo menos, que me lembre, comigo não aconteceu. Ê uma diferença importante, perceba isso. É um sinal de respeito pela oposição. Portanto, creio que é de registar positivamente esse facto.
Por outro lado, não se compreende bem o facto de o povo ter gostado e a oposição não. O senhor, pelos vistos, não gostou totalmente.
O Sr. Deputado mencionou duas questões: o lançamento da pedra e o IP3.
Quanto ao lançamento da pedra, devo dizer-lhe que é algo simbólico. Se dá grande importância a isso... O lançamento da pedra é simbólico, o que interessa é assumir publicamente que se vai iniciar essa obra importante.
Quanto ao IP3, aí, aconselho-o a ter um pouco mais de cuidado, porque os senhores andaram anos a adiar as questões do IP3 e outras.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Não, não! Fizemos metade!

O Orador: - Não, foram muitos anos. Os senhores demoraram muitos anos, esqueceram-se e, de repente, nós lembrámo-nos. Isto aconteceu no distrito de Coimbra, o que também é de assinalar. Em 1998, já teremos o IP3 numa zona extremamente importante, que é o troço Trouxemil/Santa Eulália.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carvalho Martins.

O Sr. Carvalho Martins (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Incrédulo, li o despacho n.º 91/96, do Ex.mo Sr. Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional, onde são definidas as localizações prioritárias para atribuição da majoração dos apoios previstos no Regime de Incentivos às Microempresas (RIME).
Não queria acreditar! Seria possível que nenhum repito, nenhum - concelho do distrito de Viana do Castelo estivesse incluído na listagem das localizações prioritárias?!
Li e reli o despacho. Pedi até outro Diário da República do mesmo dia, pois pensei que alguém tivesse feito fotomontagem do anexo onde estão os respectivos concelhos.

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Tudo estava claro: nenhum dos 10 concelhos do distrito de Viana do Castelo era, para o Ex.mo Sr. Secretário de Estado do Desenvolvimento Regional, localização prioritária para efeitos de majoração de incentivos às microempresas. O que ontem, nos Governos do PSD, era prioritário, hoje, no Governo do PS, não o é. Para o Governo do PS, o distrito de Viana do Castelo não existe. Tem grandes empresas e não microempresas. O desemprego não existe. Os problemas sociais e ambientais não existem. É, de facto, um Governo virtual, porque despacha perante realidades virtuais.

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Como é possível constarem das localizações prioritárias os concelhos de Fafe, Guimarães e Vila Nova de Famalicão e nenhum concelho do distrito de Viana do Castelo?!

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Um escândalo!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vale a pena analisar a estrutura empresarial do Alto Minho, para facilmente chegarmos a uma conclusão.
O distrito de Viana do Castelo apresenta grandes assimetrias no que diz respeito à distribuição regional, apresentando uma forte dicotomia litoral/interior.
O concelho de Viana do Castelo tem uma densidade populacional de 266,5 habitantes/km2 e o de Melgaço de 59, 1 habitantes/km2.
O distrito de Viana do Castelo apresenta uma população relativamente pouco jovem. A faixa etária até aos 14 anos corresponde a 21 % da população, o conjunto das pessoas em idade activa não chega a 64% e o grupo populacional, abrangendo idades acima dos 65 anos, não ultrapassa os 15%.
Apesar de nos últimos anos se ter assistido a um aumento significativo do número de empresas na região, com uma taxa de crescimento superior à do País, elas têm claramente um posicionamento fraco no contexto nacional, com uma característica, o que toma absurdo o despacho do Ex.mo Sr. Secretário de Estado: as unidades de pequena dimensão representam 83% das empresas do distrito e empregam menos de 10 trabalhadores cada uma. A dimensão média das empresas da região é de 8,2 trabalhadores, o que é bastante abaixo da média do País - 14 trabalhadores - e, de entre as empresas com menos de 10 trabalhadores, 75% destas não chegam a ter 5 trabalhadores. Há até concelhos, como Paredes de Coura, onde a média de trabalhadores por empresa é inferior à unidade.
Convém lembrar que a resolução do Conselho de Ministros n.º 154/96 diz que podem candidatar-se a este regime de incentivos as empresas que têm menos de nove trabalhadores. Como é possível, quando 83% das empresas tem menos de 10 trabalhadores, nenhum concelho fazer parte das localizações prioritárias?! Tem de ser, de certeza, um despacho virtual!

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - É um Secretário de Estado virtual, também!

Página 1671

6 DE MARÇO DE 1997 1671

O Orador: - Convém relembrar também que este programa de iniciativas de desenvolvimento local, criado nos Governos do PSD e dirigido às micro e pequenas empresas, tem como objectivos a criação de postos de trabalho, a fixação da população, a preservação da diversidade cultural - e tão rico é o Alto Minho! - e a melhoria dos meios técnicos. Inclui igualmente serviços de apoio social e ambiental, o que quer dizer que podem também concorrer aos incentivos instituições sem fins lucrativos.
Será que o distrito de Viana do Castelo não precisa deste tipo de investimento? Convém lembrar também o n.º 4 do artigo 10.º, que diz que as pequenas empresas e as instituições sem fins lucrativos só podem propor projectos de investimento tendo como objecto actividades consideradas prioritárias e/ou em localizações igualmente prioritárias. Veja-se a importância das localizações prioritárias na majoração dos incentivos!
Este distrito contribui com cerca de 4% para a formação do emprego global da região Norte. E, se fizermos uma análise por concelhos, verificamos que 57% do emprego total concentra-se no concelho de Viana. Veja-se a situação dos outros nove concelhos!
Em termos de investimentos feitos em terrenos, edifícios, máquinas e material de transporte com duração superior a um ano, o distrito representa 4,3% do total do País e 10 % da região Norte.
O valor bruto da produção representa 0,7% do País e 1,8% da região Norte, o que demonstra a necessidade urgente de aumentar o investimento no distrito.
O desemprego está acima da média do País e cresceu, em relação a 1995.
Enfim, são indicadores claros da profunda injustiça que será se todos os concelhos de Viana do Castelo não fizerem rapidamente parte das localizações prioritárias. É uma exigência dos Deputados eleitos pelo PSD! É uma exigência das populações do Alto Minho!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Carvalho Martins, enquanto Deputado eleito pelo círculo de Viana do Castelo, também comungo das preocupações manifestadas por si em relação a este distrito, no que diz respeito ao facto de não ter sido considerado, como localização prioritária para efeitos da majoração dos apoios previstos no RIME.
Eu próprio, ao tomar conhecimento do despacho, já fiz diligências no sentido de saber o que se passava efectivamente e quero acreditar - o Sr. Deputado não referiu isso - que, conforme é referido no despacho, este assunto pode ser corrigido. O despacho, depois de definir quais são os concelhos onde estão previstas estas majorações, diz: «sem prejuízo de outras localizações que venham a ser abrangidas e definidas por despacho posterior». Para mim, devo dizer-lhe, não faz qualquer sentido que não venha a surgir um despacho posterior a corrigir aquilo que é hoje, manifestamente, uma anomalia verificada em relação ao distrito de Viana do Castelo.
Assim, quero juntar a minha voz à do Sr. Deputado no que diz respeito a este tipo de preocupações e comungar da análise que fez, do ponto de vista estatístico, em relação a Viana do Castelo, que me parece ter todas as condições, seja qual for o critério que se adopte, para considerar como região a precisar urgentemente de incentivos destinados a fomentar o seu próprio desenvolvimento.
No entanto, quero dizer-lhe também que não comungo (e creio que o Sr. Deputado compreende que seja assim) das suas preocupações ou do que afirma, quando diz que o Governo se esqueceu de Viana do Castelo. O Governo tem tido Viana do Castelo como uma região que é necessário não descuidar. O problema das acessibilidades, que tanta polémica levantou nesta Casa, é um elemento que foi manifestamente «agarrado» por este Governo e se mais se não fez foi porque as condições não o permitiram.

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Onde?! Onde?!

O Orador: - Esta preocupação está latente. Agora, se o Sr. Deputado quiser que lhe diga que gostaria que as coisas andassem mais depressa e que Viana do Castelo fosse a primeira das primeiras prioridades deste Governo, também o digo.
Mas percebo perfeitamente que as coisas não possam ser assim, porque este Governo tem uma preocupação de conjunto, com o todo nacional, e Viana do Castelo não está esquecida. Não obstante, é importante que os Deputados eleitos pelo círculo de Viana do Castelo - e é este o sentido da minha intervenção, tal como o de juntar a minha voz à sua -,independentemente dos partidos pelos quais foram eleitos, se preocupem e tenham sempre presente uma exigência em relação ao Governo, para que não se esqueça, aí sim, de que Viana do Castelo, sendo uma das regiões do País a necessitar de maior desenvolvimento, tem de estar nas suas prioridades quando trata desta questões. E, manifestamente, quanto a esta matéria, isso não aconteceu.
Vamos fazer os possíveis para que o Governo dê cumprimento integral ao seu despacho, ou seja, para que consiga fazer um novo despacho abrangendo zonas dos concelhos mais necessitados de Viana do Castelo.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Carvalho Martins.

O Sr. Carvalho Martins (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Marques Júnior, fico satisfeito, em meu nome e no dos Deputados do PSD eleitos pelo círculo de Viana do Castelo, por V. Ex.ª também ficar preocupado com este despacho.
Deixe-me dizer-lhe o seguinte: está clara aqui uma intenção. É dramático olhar para as localizações e vermos que nelas constam todos os distritos da região Norte e nem um único concelho do distrito de Viana do Castelo. Há uma intenção clara do Governo, por mais voltas que queiramos dar a este despacho.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E é isto que nos preocupa.
Quanto à segunda questão, tenho dito que o Governo, no Alto Minho, faz que faz, mas só faz o que vem de trás. Não vale a pena fazer as obras que estão a ser feitas no distrito de Viana, porque elas já vêm todas de trás. Foram concursos lançados pelo Governo anterior e estão em andamento. Mas lanço-lhe um desafio, porque ele é importante para o distrito de Viana do Castelo e reconheço que o PSD não o fez: vamos rapidamente fazer o IC9,

Página 1672

1672 I SÉRIE - NÚMERO 47

porque essa seria uma obra deste Governo; vamos imediatamente fazer a continuação do IC1 entre Viana do Castelo e Vila Praia de Âncora, que estava prometida pelo Governo anterior, pois, como sabe, neste momento ninguém pode dizer quando vai avançar, e sabe que é determinante para o distrito. Essas sim, digo que são obras deste Governo. Agora, dizer que vão fazer o troço Porto/Viana, quando a obra foi toda lançada pelo Governo anterior, meu caro amigo, isso é fazer que faz, mas só faz o que vem de trás.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, ao abrigo do artigo 81.º, n.º 2, do Regimento portanto, não desconta no tempo atribuído ao Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português -,tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Matias. Dispõe, para o efeito, de 10 minutos.

O Sr. Joaquim Matias (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi o Governo anterior que abriu um conflito com a Câmara Municipal de Almada, primeiro, retendo por mais de dois anos, sem justificação, a ratificação do Plano Director Municipal (PDM) de Almada, que deveria ter sido efectuada normalmente no prazo de 90 dias; depois, com a absurda resolução n.º 100/95, numa das últimas reuniões do Conselho de Ministros desse Governo, recusando a ratificação do PDM de Almada, com base no falso argumento de que o Plano não respeitava a delimitação da Reserva Ecológica Nacional.
Tal facto levou a Câmara Municipal de Almada a apresentar, já ao actual Primeiro-Ministro, reclamação/impugnação da referida resolução do Conselho de Ministros e a interpor recurso contencioso de anulação desta deliberação no Supremo Tribunal Administrativo.
O Governo actual, quase no termo da resposta da entidade recorrida, pareceu, então, dar razão à Câmara. Assim, através da resolução n.º 25/96, de 29 de Fevereiro, revogou a resolução do Governo anterior, de não ratificação do PDM de Almada, pondo fim ao recurso contencioso, e, através da resolução do Conselho de Ministros n.º 34/96, de 12 de Março, ao aprovar a delimitação da Reserva Ecológica Nacional do Concelho de Almada, anulou definitivamente todos os argumentos invocados para não ratificação do PDM pelo Governo anterior.
Chegamos, então, a um ponto, cuja consequência lógica seria, finalmente, a ratificação do PDM de Almada. No entanto, o que veio a verificar-se foi algo bem diverso. O Governo abriu um novo e mais absurdo conflito com a Câmara Municipal de Almada. Alegando compromissos assumidos pelo Governo anterior com a reestruturação da Lisnave, adiou a ratificação do PDM até 5 de Dezembro de 1996 e, ao fazê-lo, excluiu do Plano Director a área dos estaleiros da Lisnave e a área do Plano Integrado de Almada.
Com que legitimidade um Governo retira a um município o direito, conferido por lei, de estabelecer o ordenamento de importantes parcelas do seu território? Nenhuma!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Este exercício de tutela, além de ilegítimo e incompreensível, é injustificável do ponto de vista técnico.
Importa aqui referir que o PDM de Almada começou a ser elaborado, em 1987, num. processo amplamente participado por empresas públicas e privadas, comunidade escolar, movimento associativo e outras instituições interessadas no desenvolvimento do concelho.
Em 1988, teve lugar um debate público sobre um primeiro diagnóstico e um quadro de objectivos estratégicos, que conduziram à aprovação dos estudos sumários e do programa preliminar, em 2 de fevereiro de 1989.
Em 1990, foi constituída, por despacho conjunto, a Comissão de Acompanhamento do PDM e, em 16 de Agosto, foi constituída a Comissão Técnica do PDM, por despacho do Ministro do Planeamento e da Administração do Território, uma vez que a Câmara Municipal de Almada optara pelo novo regime jurídico dos planos municipais de ordenamento do território.
Em 17 de Novembro de 1992, a Comissão Técnica emite o seu parecer sobre o PDM, globalmente positivo. Após a realização de amplo e participado inquérito público, ponderados os resultados e atendidas as recomendações da Comissão Técnica do PDM, foi aprovado pela assembleia municipal e enviado à Direcção Regional de Ordenamento do Território (DROT), em Junho de 1993, passando a ser, nessa altura, o sexto PDM a ser elaborado em todo o País.
Seguiu todas as tramitações legais, respeitou todos os encaminhamentos processuais e resultou num trabalho final de qualidade reconhecida.
Verifica-se neste processo que a administração central, através dos seus representantes na Comissão Técnica, não só controlou a elaboração do Plano como, inclusivamente, o influenciou.
Mais: durante os mais de cinco anos de elaboração, durante a participada fase de inquérito público e durante os mais de três anos que aguardou a ratificação, nunca os representantes da administração central na Comissão Técnica, incluindo o representante da Comissão de Coordenação Regional (CCR). que presidia à mesma, levantaram quaisquer obstáculos ao ordenamento das áreas do Plano Integrado de Almada (PIA) e da Lisnave.
Com que fundamento pode o Governo chamar a si as medidas de planeamento, programação e execução necessárias à conclusão do PIA, retirando ao município a competência de aprovar os planos de urbanização no seu território?
Do que já se conhece, tem o Governo vindo a alienar lotes deste território para construções, que ultrapassam, em muito, a densidade de ocupação do solo admissível para o local, impedem a localização e construção do equipamento colectivo de que as populações daquela zona carecem, inviabilizam a requalificação que o PDM preconiza para aquela área sensível e nem sequer respeitam a delimitação da Reserva Ecológica Nacional.
Assim, fundamento legal não é com certeza.
Quanto à área da Lisnave, o Governo, em vez de anular a Portaria n.º 343/95 do Governo anterior, que ilegalmente prevê para o local um plano de utilização e urbanização, com vista a realizar 40 milhões de contos de unidades de participação do Fundo Imobiliário Margueira Capital, invoca essa mesma portaria para justificar a decisão.
Depois de referir que a negociata com o Grupo Mello é um péssimo negócio e o Governo «vendeu» o que não podia, diz o Professor Nunes da Silva, em artigo publicado no jornal Público de 19 de Dezembro de 1996: «O actual Governo, aceitando as condições leoninas do contrato celebrado pelo seu antecessor, apenas sancionou a

Página 1673

6 DE MARÇO DE 1997 1673

espoliação do Estado, que tal negócio significa. Em vez de aproveitar o próprio PDM e a actual situação do mercado imobiliário para renegociar algo que é mais digno de investigação policial do que de gestão de coisa pública, o Governo preferiu ceder às pressões de um grupo económico, sacrificando o PDM de Almada, a população e a economia do concelho».
No PDM de Almada, a área das instalações da Lisnave é designada como espaço industrial, o que consagra o uso existente, devido ao grande impacto que esta indústria tem na economia do concelho e porque, como já se disse, nunca esta definição foi posta em causa nem pela administração central nem pela Lisnave, durante a elaboração do PDM. Ao contrário, l milhão de contos, investidos no Pólo Tecnológico de Almada, tinham como objectivo o desenvolvimento desta mesma sua área industrial.
Quanto à reestruturação da Lisnave e do sector de reparação naval, importa salientar, antes de mais, que Portugal tem os maiores e mais bem equipados estaleiros do mundo e dispõe de uma localização e clima privilegiados.
A Lisnave é o primeiro estaleiro a nível europeu e o terceiro a nível mundial! Facturou, em 1996, mais de 30 milhões de contos, tendo que recorrer a centenas de subempreiteiros, por serem insuficientes os trabalhadores do quadro, face à quantidade de trabalho executado.
Assim, a concretização do plano Governo/Mello, que conduz ao encerramento do Estaleiro da Margueira e ao espartilhar da Lisnave em três empresas, não é do interesse dos trabalhadores da Lisnave nem do País.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Por responder permanecem as seguintes questões: como serão neste plano salvaguardados os direitos individuais, colectivos e contratuais dos trabalhadores? Por que foram as negociações entre o Governo e os Mello feitas sempre à margem dos trabalhadores?
Não se trata sequer de uma questão de diálogo, que o Governo diz privilegiar; é o respeito pela própria lei e pela resolução do Conselho de Ministros, que impõem a audição dos trabalhadores; que não foi feita.
O interesse nacional e dos trabalhadores exigem a adopção de outra política virada para o incremento da actividade de construção e reparação naval, com a consequente manutenção de postos de trabalho e a criação de outros mais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O chamado novo plano de reestruturação da Lisnave, estabelecido pela resolução do Conselho de Ministros, de 13 de Fevereiro de 1997, e a ratificação do PDM de Almada constituem, em última análise, uma negociata entre o Governo e o Grupo Mello, feita à custa do erário público, sem respeito pela autonomia do poder local e com prejuízo do desenvolvimento do concelho de Almada.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A promiscuidade entre o Governo e este grupo económico para promover uma complexa e ardilosa manobra de engenharia financeira, engendrada, diga-se, pelo grupo, chegou ao ponto de o Governo, em completa submissão aos interesses dos Mello, não respeitar as competências do poder local expressas na lei, não respeitar o poder local e a sua autonomia, constitucionalmente institucionalizada, não respeitar os direitos legais das organizações dos trabalhadores, não respeitar as próprias resoluções do Conselho de Ministros.
Este acordo lesa gravemente a população do concelho de Almada e da Península de Setúbal, os direitos dos trabalhadores da Lisnave, os interesses do sector de construção e reparação naval e os interesses nacionais.
Este acordo, por fim, fere a legalidade do Estado de direito democrático.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 17 horas e 20 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, vamos dar início à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 69/VII - Revisão da 2.º Lei de Programação Militar (Lei n.º 67/93, de 31 de Agosto).
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional (António Vitorino): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O Governo apresenta à Assembleia da República a presente proposta de lei de revisão da 2.ª Lei de Programação Militar, centrada numa dupla ordem de preocupações: por um lado, trata-se de adequar o instrumento jurídico essencial do reequipamento das Forças Armadas aos constrangimentos financeiros emergentes da Lei do Orçamento de Estado para 1997, que expressamente cominava a presente revisão, tendo em vista o tecto financeiro máximo de 20 milhões de contos, inscritos para este fim no Orçamento do corrente ano; por outro lado, visa-se permitir a introdução de algumas adaptações, especificamente para o último ano de vigência desta 2.ª Lei de Programação Militar (LPM), através da flexibilização dos instrumentos de gestão financeira dos diferentes programas, minorando, assim, os efeitos perversos da rigidez, gerada pelo facto de, ao longo do seu período de execução - 1993/1997 -, a mesma nunca ter sido objecto da revisão bianual, prevista na Lei-Quadro das Leis de Programação Militar.
No contexto da apresentação da presente proposta de lei, o Governo enviou à Assembleia da República o relatório de execução anual, previsto no n.º 3 do artigo 5.º da Lei n.º 1/ 85, de 23 de Janeiro (alterada pela Lei n.º 66/93, de 31 de Agosto) - a Lei-Quadro das Leis de Programação Militar.
Porque é assim que um Governo procede pela primeira vez, no âmbito da execução da 2.ª LPM, optámos por um relatório não apenas referente ao ano transacto, como estaríamos obrigados por lei, mas, pelo contrário, por um documento que contém a explicação e a descrição exaustiva de balanço, que abrange mais latamente todos os quatro anos de execução da 2.ª Lei de Programação Militar, com resultados consolidados reportados a 31 de Dezembro de 1996.
Assim, no período 1993/96, foram inscritos 120,936 milhões de contos, de que foi deduzida a reserva de 6%, nos termos definidos pelos sucessivos decretos-leis de execução orçamental, de onde resulta, para o aludido período, uma dotação efectiva de 117,299 milhões de milhões de contos, executada em cerca de 64%, isto é, 74, 996 milhões de contos, conforme consta do quadro de páginas 4 do aludido relatório de execução.

Página 1674

1674 I SÉRIE - NÚMERO 47

Neste contexto, para o ano de 1997, transitam cerca de 42 milhões de contos de saldos acumulados, nos termos das regras aplicáveis da Lei-Quadro das Leis de Programação Militar.
Sem entrar agora em detalhes injustificados no quadro do presente debate, as insuficiências atinentes à execução da 2.ª LPM podem reportar-se, no essencial, à tardia entrada em vigor da própria Lei (Agosto de 1993), a processos de aquisição específicos, que se interpuseram, por razões de urgência relacionadas com as missões internacionais em que Portugal participou - desde a ONUMOZ à UNAVEM, passando pela UNPROFOR e pela IFOR, na Bósnia -, bem como a diversas especificidades de concursos complexos e extremamente competitivos, de par com a rigidez do quadro legal vigente, o Decreto-Lei n.º 55/95, de 29 de Março, quando aplicado à aquisição de equipamentos militares.
Sem embargo, e tendo em vista proceder à caracterização rigorosa da envolvente financeira da 2.ª Lei de Programação Militar, importa referenciar ainda que, em 31 de Dezembro último, dos saldos então apurados, já se encontravam comprometidos cerca de 5,799 milhões de contos para 1997, encontrando-se em curso procedimentos administrativos referentes a outras aquisições, no montante global de 8,589 milhões de contos.
Neste contexto, poder-se-á questionar o significado da revisão da 2.ª LPM apenas para o horizonte do comente ano. O Governo entende que tal exercício se justifica não só para introduzir os acertos necessários no período terminal de um ciclo de planeamento militar como para permitir que, até ao final do corrente ano, a Assembleia da República se debruce sobre o novo instrumento jurídico de reequipamento das Forças Armadas, a 3.ª lei de programação militar, destinada a vigorar para um ciclo de planeamento de seis anos (1998/2003), de acordo com uma alteração da Lei-Quadro das Leis de Programação Militar, que o Governo apresentará concomitantemente ao Parlamento.
Este reajustamento para seis anos do ciclo de planeamento militar, com revisões intercalares de dois em dois anos, visa torná-lo mais adequado à lógica dos ciclos bianuais de planeamento de forças, quer nacional quer no âmbito da NATO.
Para efeitos de reforçar a transparência destes dois ciclos de planeamento e sua ligação recíproca, o Governo incluiu, embora apenas como elemento informativo e a título meramente indicativo, o que designamos por «referencial-guia» da 3.ª LPM, que constitui um repositório exaustivo do grau de preparação actual da futura lei de programação militar.
Como é evidente este «referencial-guia» da 3.ª LPM não está submetido, neste momento, à apreciação da Câmara, pois, ao contrário do que sucedeu com a revisão da 2.ª LPM, não foi ainda apreciado pelo Conselho Superior de Defesa Nacional nem objecto de aprovação em Conselho de Ministros.
Esta inclusão destina-se, pois, a permitir uma análise mais consistente das opções contidas na revisão da 2.ª LPM, face ao natural e previsível desenvolvimento da programação militar, nos anos subsequentes.
É entendimento do Governo que a revisão da 2.ª LPM, ora proposta, não contende com o processo, em curso, de reavaliação de alguns conceitos e referenciais estratégicos, enquadradores e condicionantes da Defesa Nacional e das Forças Armadas.
Refiro-me, por um lado, ao objectivo constante do Programa do Governo e da Lei das Grandes Opções do Plano de procedermos à reavaliação do Conceito Estratégico de Defesa Nacional e do, dele decorrente, Conceito Estratégico Militar, bem como às consequências daí emergentes na caracterização das Missões das Forças Armadas do Dispositivo e do Sistema de Forças.
Por outro lado, tenho em mente a redefinição das regras essenciais do sistema de recrutamento do contingente, na sequência das decisões que vierem a ser tomadas pela Assembleia da República, no quadro do processo de revisão da Constituição da República.
O Governo reconhece que um exercício cartesianamente puro recomendaria que se aguardasse o termo do processo de reavaliação dessas componentes de enquadramento, antes de as fazer repercutir em sede de planeamento de forças e de reequipamento das Forças Armadas.
Sem embargo, a descoincidência temporal de processos que correm em paralelo dificultam que observemos com total rigor um faseamento no tempo idealmente concebido.
Com efeito, um qualquer compasso de espera, em sede de programação militar, determinado pela necessidade de previamente se concluir o debate e a reavaliação daqueles conceitos estratégicos enquadradores e dos aludidos elementos estruturantes, seria extremamente prejudicial para o desenvolvimento, a bom ritmo e sem soluções de continuidade, do processo de reequipamento e modernização das nossas Forças Armadas.
O que é tanto mais relevante quanto certas dinâmicas envolventes, sobretudo na vertente externa - como a reestruturação e alargamento da NATO, a redefinição do estatuto da UEO, a clarificação da evolução futura do segundo pilar da União Europeia -, não dependem apenas da nossa exclusiva vontade política e subordinam-se a calendários ainda não totalmente objectivados.
A que acresce ser minha convicção que a reavaliação dos conceitos estruturantes não virá a produzir resultados que pressuponham alterações radicais ou que ponham em causa o essencial da programação militar que tem vindo a ser seguida no nosso país. Na realidade, para cabal projecção dessa reavaliação no domínio da programação militar, afigura-se-me ser suficiente o mecanismo da revisão bianual da 3.ª lei de programação militar, quer para efeitos de redefinição das especificações dos equipamentos a adquirir quer para efeitos de introdução de novos equipamentos que venham a justificar-se em tal contexto.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, a orientação estratégica referente à revisão da 2.ª LPM tem por eixo orientador a definição e a edificação de um sistema de forças que, na medida das disponibilidades possíveis:
garanta a dissuasão de acções que atentem contra a integridade do território nacional, de par com a vigilância e controlo do espaço estratégico de interesse nacional em tempo de paz, ponderada a análise do tipo de ameaças existentes; assente o seu desenvolvimento na prioridade reconhecida a forças e meios passíveis de utilização «dupla», em termos de projecção de forças no exterior e enquanto elemento fundamental de sustentação da própria política externa do Estado (nomeadamente no desenvolvimento de missões de paz e humanitárias e acções de baixo/médio grau de violência fora do quadro do artigo V do Tratado de Washington), no quadro das organizações em que participamos e das alianças a que pertencemos, como a ONU, a NATO, a UEO e as EUROFORÇAS;
contemple programas de reequipamento, específica e ou essencialmente orientados para a satisfação de missões denominadas de «interesse público».

Página 1675

6 DE MARÇO DE 1997 1675

Em face destes três grandes princípios, importa realçar os seguintes programas, a que foi conferida prioridade no âmbito da revisão proposta à Assembleia da República, alguns dos quais já constantes da 2.ª LPM e que continuarão a desenvolver-se na futura 3.ª LPM:
no que concerne aos órgãos e serviços centrais do Ministério, os programas de I&D e o programa de modernização da indústria de defesa, que inclui o programa da arma ligeira (PACAL); no que concerne ao EMGFA, o programa de completamente do Sistema Integrado de Comunicações (SICOM); no que concerne à Marinha, os programas de manutenção da capacidade submarina, o início do programa de manutenção da capacidade oceânica e o estudo da recuperação da capacidade de guerra de minas, bem como um programa específico de projecção de forças, atinente aos fuzileiros; no que concerne ao Exército, o levantamento do grupo de aviação ligeira do Exército e a prossecução dos programas de levantamento e modernização da Brigada Aerotransportada Independente (BAI) - com especial destaque para a artilharia de campanha e o esquadrão de reconhecimento - e da Brigada Mecanizada Independente (BMI) - com especial destaque para a capacidade operacional dos carros de combate M60 e das viaturas M113, adquiridas no âmbito do Tratado CFE, e a modernização da bateria de Artilharia Anti-Aérea (AAA) e do respectivo grupo de artilharia de campanha; no que concerne à Força Aérea, a aquisição da capacidade de intercepção com todo o tipo de tempo (All Weather lnterception) e de alcance além-horizonte (Beyond Visual Range), no quadro do programa de modernização de meia-vida (Mid Life Upgrade) da 1.ª Esquadra de F 16.
Conforme resulta do quadro anexo à proposta de lei, nele se identificam exaustivamente os programas a que se dá continuidade, os que são inscritos na lei pela primeira vez, os que se concluirão no exercício de 1997 e ainda os que terão continuidade na 3.ª Lei de Programação Militar.
Pela especial relevância, em termos de opção legislativa, sublinho, como programas novos, inseridos pela primeira vez na Lei de Programação Militar (e sem contar com os que mudaram apenas de designação ou sofreram ajustamentos de mero pormenor): no tocante à Marinha, a manutenção da capacidade hidro-oceanográfica, da capacidade de assinalamento marítimo, da capacidade de combate à poluição e da capacidade do Sistema de Autoridade Marítima, programas estes que terão continuidade no âmbito da 3.ª lei de programação militar; no tocante ao Exército, o investimento em infra-estruturas no Campo - Militar de Santa Margarida, que prosseguirá na 3.ª LPM, no quadro da contracção do dispositivo territorial do Exército e sua concentração geográfica; no tocante à Força Aérea, o upgrade do radar da Base Aérea n.º 11, em Beja, e o programa, a que já aludi, Mid Life Update, da 1.ª Esquadra dos F 16, este último com continuidade na 3.ª LPM.
De par com esta caracterização, identificam-se ainda os programas considerados prioritários por cada ramo, tendo em vista a melhor reafectação de saldos, no decurso da execução orçamental de 1997, desta forma conferindo uma indicação mais precisa quanto ao sentido que o Governo pretende dar à utilização dos recursos disponibilizados pela flexibilização dos mecanismos de gestão financeira propostos no articulado da presente proposta de lei.
São eles: para a Marinha, como prioridades, a manutenção da capacidade de comando e controlo, da capacidade submarina e da capacidade de projecção de força; para o Exército, a melhoria do sistema de comunicações permanente, o levantamento do grupo de aviação ligeira, as infra-estruturas de Santa Margarida, a mecanização do 1.º Batalhão de Infantaria Motorizada da BMI, o completamente do Grupo de Artilharia de Campanha e o levantamento da Bateria de Artilharia, ambos da BMI, bem como quatro programas da BAI (infra-estruturas, reequipamento do Comando das Tropas Aerotransportadas, completamente dos três batalhões da BAI e do levantamento da respectiva Companhia de Transmissões); para a Força Aérea, essencialmente, o programa Mid Life Update dos F 16.
Para um melhor enquadramento destas prioridades em especial e das opções orientadoras de todos os programas constantes da presente proposta de lei, o Governo, em colaboração íntima e frutuosa com o EMGFA e os três ramos, juntou ao articulado, apresentado à Assembleia da República, um conjunto de fichas, que constituem uma primeira tentativa de uniformização dos suportes informáticos dos elementos caracterizadores dos investimentos em programação militar.
Assim, para cada programa, procurou-se identificar não apenas o custo dos equipamentos a adquirir mas também a estimativa dos investimentos conexos à sua instalação e plena utilização, bem como a apresentação de um custo estimado da projecção dos novos equipamentos, em termos quer humanos quer financeiros, nos orçamentos correntes das Forças Armadas.
Esta preocupação decorre da ideia de que a aquisição de equipamentos pressupõe a criação de condições optimizadas para a sua cabal e plena utilização, devendo, por isso, encarar-se, na ponderação necessária à sustentação da decisão sobre cada aquisição, o peso específico do envelope financeiro global, nele compreendendo quer o custo directo dos equipamentos quer o custo induzido anualmente pela sua utilização.
Só assim será possível ter uma imagem integral das implicações de cada investimento ou aquisição e das possibilidades efectivas de uma sua utilização optimizada. Só assim será possível conciliar as disponibilidades financeiras existentes - com as limitações sobejamente conhecidas - com a efectiva adequação dos equipamentos às finalidades para que se destinam.
Nem sempre o que tem um custo inicial mais barato constitui, vistas as coisas no prazo completo de efectiva utilização previsível dos equipamentos, a opção de mais sustentada racionalidade económica. Ponderação esta tanto mais relevante quanto vivemos - e decerto continuaremos a viver - tempos de contenção da despesa pública e de relativa estagnação dos orçamentos na área da defesa nacional.
A resposta a este desafio residirá no rigor e na sustentação dos meios para os fins que prioritariamente pretendemos satisfazer, de par com a flexibilização dos próprios mecanismos de gestão financeira e de contratualização das aquisições, reforçando a agilidade das condições de recurso a outras fontes de financiamento para além das dotações orçamentais e optimizando quer a política de contrapartidas em benefício da economia nacional quer a possibilidade de participação nos projectos da indústria nacional.
As Fichas dos programas permitem ainda sublinhar, identificadas que são as finalidades dos equipamentos, o

Página 1676

1676 I SÉRIE - NÚMERO 47

crescente peso dos investimentos destinados ao que denominei «duplo uso», respondendo, assim, em simultâneo, às missões das Forças Armadas quer de defesa do território nacional e de participação no dispositivo aliado de defesa colectiva quer das novas tarefas no âmbito das missões de paz, humanitárias e de gestão de crises.
Como último apontamento, gostaria de sublinhar ainda que a presente lei acolhe dois programas, que são tributários de uma especial preocupação ambiental e que respondem a duas necessidades inerentes à utilização de manuseamento de meios e equipamentos militares: por um lado, a Força Aérea inscreveu uma verba de 700 000 contos, destinada a proceder à retirada de amianto de instalações da Base Aérea de Beja, e, por outro, foi criado um programa permanente de desactivação de munições, a gerir pelo Ministério da Defesa e em articulação com as indústrias de defesa.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A harmonizarão dos programas de reequipamento das Forças Armadas decorre de um louvável trabalho de elevada valia técnico-militar, levado a cabo em conjunto com as Forças Armadas, cujos responsáveis tiveram ocasião de explanar as opções determinantes perante a Comissão Parlamentar de Defesa Nacional. A presente proposta de lei mereceu o parecer favorável do Conselho Superior de Defesa Nacional e é assim, agora, submetida à vossa apreciação e decisão.
O Governo assume, naturalmente, a responsabilidade pelas opções aqui apresentadas, convicto de que será possível, no decurso de 1997, prosseguir o processo de modernização das Forças Armadas em moldes que viabilizem, até ao final do ano, a decisão deste Parlamento sobre o subsequente ciclo de planeamento militar.
O esforço de investimento público aqui apresentado representa um compromisso de reconhecimento do papel insubstituível das nossas Forças Armadas e da confiança e responsabilidade do conjunto da colectividade nas missões confiadas aos militares dos três ramos das Forças Armadas.
A decisão sobre esse compromisso cabe soberanamente à Câmara, na certeza de que VV. Ex.as serão, decerto, os melhores intérpretes do interesse nacional.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Holstein Campilho.

O Sr. Pedro Holstein Campilho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, foi com grande desilusão, devo dizer-lhe, que assisti à sua intervenção; porque ela, no fundo, diz-nos que está a apresentar uma revisão da Lei da Programação Militar, que podia ter sido apresentada quase há 17 meses. Ela é-nos apresentada hoje e, na melhor das hipóteses, estará disponível em Abril para execução, por isso temos oito meses para pô-la em execução.
V. Ex.ª referiu. aquilo que lhe parecia importante nos programas e nas fichas para a hipótese da 3.ª lei, mas nada nos diz em relação à sua execução.
Sr. Ministro, V. Ex.ª diz-nos ainda que, em Dezembro de 1996, estavam comprometidos 13 milhões de contos, o que quer dizer, pelos números que temos em cima da mesa, que estão por comprometer 49 milhões.
O Sr. Ministro referiu problemas tão importantes como a capacidade submarina, a capacidade de projecção de forças no Estado-Maior da Armada, a aviação ligeira do Exército, o levantamento da Bateria de Artilharia Antiaérea da Brigada Mecanizada Independente (BMI) e o levantamento do esquadrão de reconhecimento da Brigada Aerotransportada Independente (BAI), mas a questão é esta: com estes programas todos e da forma como tem as verbas atribuídas, o que é que o Governo tem preparado em relação à efectiva execução desses programas até ao fim do ano?
Sr. Ministro, este é o ponto fulcral da discussão e era isso que eu estava à espera que nos viesse comunicar hoje, mas V. Ex.ª não teve uma palavra sobre esse assunto. A questão primordial que temos entre mãos é a de saber até que ponto é que esta lei, os números e os programas que V. Ex.ª nos propõe vão ser efectivamente executados, não apenas os programas que têm transição nos anos subsequentes como também os programas novos que nos apresenta.
O que está em causa, Sr. Ministro, repito - e era sobre isto que queria ouvir a sua resposta -, é como vai fazer isto. Como é que está a negociação de contrapartidas? Em que fase estão as negociações Estado a Estado? Como é que vão ser aplicadas estas verbas? Que garantia temos nós de que estes 49 milhões de contos, que V. Ex.ª não referiu, vão ser aplicados até ao fim do ano?

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Ministro da Defesa Nacional, quero informá-lo de que tem cinco pedidos de esclarecimento, por isso pergunto-lhe se deseja responder já ou no final a todos os pedidos de esclarecimento.
Quero, no entanto, chamar-lhe a atenção para o facto de já não dispor de tempo suficiente para responder individualmente a cada Deputado.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, então, responderei às primeiras três perguntas e, depois, às duas restantes.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, como V. Ex.ª referiu na sua intervenção, estamos numa fase de mudança e de grandes opções em matéria de política de defesa nacional e em matéria de organização das torças armadas no que concerne, nomeadamente, aos conceitos enquadradores da defesa nacional.
Vive-se, como também foi sublinhado por V. Ex.ª e, uma situação de expectativa no que concerne às transformações a ocorrer no quadro da NATO e aos resultados previsíveis no âmbito da CIG, quanto à política de defesa e segurança na Europa.
Esta proposta de lei de reviso da 2.ª Lei de Programação Militar, que, em 1993, já foi aprovada com um atraso de oito meses e cuja primeira revisão não foi efectuada - convém sublinhar aqui este facto -, fecha um ciclo iniciado precisamente cm 1993.
Queria pedir a V. Ex.ª se nos podia enfatizar até que ponto a inclusão de novos programas nesta proposta de lei reflecte o processo de mudança que referi atrás e aquelas mudanças que são previsíveis, quer do ponto de vista estratégico quer do ponto de vista estrutural; se nos podia dizer até que ponto está ponderada a necessidade de con-

Página 1677

6 DE MARÇO DE 1997 1677

tribuição da indústria nacional para a implementação dos diversos programas de equipamento das forças armadas; e também até que ponto é que se tem em conta a importância no impulsionar da I&D nacional, a qual, como sabe, era explicitamente referida em vários programas nesta 2.ª Lei de Programação Militar.
Finalmente, Sr. Ministro, queria pedir-lhe se, porventura, nos poderia dizer alguma coisa sobre aquilo que o Governo pensa em relação ao regime jurídico aplicado à compra de material militar, que, em grande medida, pode contribuir para as dificuldades de execução das leis de programação militar.

(O Orador reviu.)

A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, queria fazer uma pergunta a V. Ex.ª, mas não sem antes lhe dizer que, ao contrário do Sr. Deputado Pedro Holstein Campilho, não fiquei desiludido com a sua intervenção, fiquei até surpreendido com o seu estado de «prontidão militar» relativamente à torrente de informação que aqui nos trouxe. Mas essa torrente de informação, porventura, por ser, eventualmente, excessiva numa intervenção do tipo daquela que V. Ex.ª aqui veio fazer, talvez tenha deixado para trás alguns aspectos e algumas opções estratégicas que teria sido mais importante facultar a esta Assembleia.
E uma delas é um ponto concreto que o Sr. Ministro aqui nos traz e que tem a ver com uma prioridade, que V. Ex.ª referiu na sua intervenção, na actual Lei de Programação Militar e, porventura, nas seguintes, que é a manutenção da capacidade submarina da Armada. Ora, sabemos que, na actual Lei de Programação Militar, estão inscritos para esse efeito, para o presente ano, cerca de 9 milhões de contos e que é um dos grandes programas que se encontra suspenso.
Encontra-se suspenso, julgo eu - pelo menos é a explicação que é dada -, porque se aguarda ainda uma decisão sobre a alternativa para a aquisição dos submarinos, se novos ou usados, se três ou quatro, não sei se de tecnologia tradicional ou outra - julgo que aí a questão já não se porá -, o que significa, na realidade, que está em risco, se esta decisão não for tomada, calculo eu, a própria capacidade técnica da Armada portuguesa. pela própria rotação normal dos seus quadros, poder vir a perder essa capacidade submarina.
Queria perguntar ao Sr. Ministro, uma vez que esta decisão continua a não ser tomada, qual é a informação que pode dar a esta Assembleia relativamente à questão dos submarinos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder aos três pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Holstein Campilho, não sei se deva usar da palavra, nesta Câmara, a título de resposta de membro do Governo ou se deva pedir ao Sr. Presidente que me conceda a palavra para defender a honra e a consideração dos dois Ministros da Defesa meus antecessores, Dr. Fernando Nogueira e Dr. Figueiredo Lopes, na medida em que, visivelmente - presumo que o Sr. Deputado Pedro Holstein Campilho os conhece bem -, a intervenção que V. Ex.ª fez visava pôr em causa a diligência e o empenho com que esses meus dois antecessores, durante o ano de 1995, não cumpriram a obrigação, a que muito bem aludiu, de rever a Lei de Programação Militar.
Fique sublinhado que, neste debate, não fui eu que introduzi esse tema, foi ó Sr. Deputado Pedro Holstein Campilho. Tantas maneiras que V. Ex.ª tinha para me atacar e foi logo escolher aquela que, sinceramente, me parece mais maladroite - para utilizar uma expressão francesa, porque, em português, «desajeitada» poderia parecer excessivamente forte!...
De todo o modo, devo dizer que, neste momento, o objectivo central da apresentação desta proposta de lei de revisão da 2.ª Lei de Programação Militar visa, essencialmente, permitir a introdução de mecanismos de flexibilização da gestão financeira, para que, exactamente, seja possível potenciar a capacidade de exaurir os saldos significativos acumulados durante o ano de 1997.
Vou ser totalmente sincero, Sr. Deputado: não é possível, com alto grau de probabilidade, exaurir os saldos durante o ano de 1997. Mas, já agora, devo chamar-lhe a atenção para o facto de, no quadro da execução da lei de
programação militar, em 1996, não só terem sido despendidos 13 milhões de contos efectivamente como foram assumidos compromissos firmes e irrefutáveis de cerca de 6 milhões de contos, o que dá, aproximadamente, um total de 19 milhões de contos, e estão em curso de andamento, já reportados a 31 de Dezembro de 1996, cerca de 9 milhões de contos de procedimentos administrativos para novas aquisições.
Significa isto que, excluindo os procedimentos administrativos, que ainda podem sofrer retrocessos, obviamente, se somarmos o que foi efectivamente despendido em 1996 com os compromissos firmes tomados no final de 1996, isto representa uma execução 70% acima da execução média dos quatro anos anteriores.
Não creio que seja com um sentimento de vergonha que estou aqui, perante a Câmara, para responder pelos resultados de que sou efectivamente responsável, que são os resultados do ano de 1996.
Sobre a maneira de executar a Lei de Programação Militar, é evidente que há vários instrumentos que podem e devem ser utilizados. O primeiro é a flexibilização na gestão financeira que é proposta à Assembleia da República, isto é, permitir que, para além da regra da Lei-Quadro das Leis de Programação Militar, que só permite a reafectação até 30% dos programas, seja viável uma reafectação superior aos 30% de cada programa, para garantir a optimização da execução dos assinaláveis saldos acumulados no final do ano de 1996.
Há um segundo critério que é o de que, neste momento, muitos dos compromissos que estão assumidos são exequíveis durante o ano de 1997 e muitos dos procedimentos administrativos que estão em curso garantirão a conclusão dos processos de aquisição durante o ano de 1997.
É evidente que há alguns grandes programas que são mais complexos e mais difíceis, e o Sr. Deputado Luís Queiró referiu o da capacidade submarina. É um programa que está inscrito desde o princípio desta Lei de Programação Militar. Neste momento, já teve quatro anos de

Página 1678

1678 I SÉRIE - NÚMERO 47

execução e, na realidade, ainda não foi tomada a decisão. Estou convicto de que ela será tomada em 1997. Porquê? Porque, estando concluídos - e já agora permito-me dizer-lhe que o programa não está suspenso - os estudos de natureza técnica, neste momento estão em cima da mesa duas opções: ou a aquisição de submarinos usados ou a aquisição de submarinos novos.
E há exactamente, na minha intervenção, um parágrafo que se refere a isso. É preciso saber comparar os números dos submarinos usados com os números dos submarinos novos, tendo em conta o período de vida deste tipo de equipamentos, para se saber qual é a opção cuja racionalidade económico-financeira melhor se justifica. E evidente que, se estivéssemos apenas a discutir na base do que é o custo mais barato, ninguém tem a menor dúvida de que os submarinos usados têm um custo mais barato do que os submarinos novos.
Sem embargo, entendo, no entanto, que a opção tem de se sedimentar na comparação entre o custo global de uma frota submarina durante o período integral da sua vida e não apenas na fase da sua aquisição inicial.
Isto significa, portanto, que, durante o ano de 1997, será tomada a decisão quanto à aquisição dos submarinos.
Em relação às questões colocadas pelo Sr. Deputado Fernando Pereira Marques, gostava de, no essencial, dar-lhe duas indicações, a primeira das quais tem a ver com a estimativa que temos sobre a incorporação da indústria nacional no quadro da execução desta Lei de Programação Militar até 31 de Dezembro de 1996. Assim sendo, em relação à indústria nacional, estimamos que tenham sido afectados cerca de 6,8 milhões de contos da verba global despendida de 74 milhões de contos; que em relação ao domínio das infra-estruturas, esse investimento se cifra na ordem dos 3,5 milhões de contos, de que também é beneficiária a indústria nacional; e no domínio das comunicações cerca de 1,6 milhões de contos. Acrescem aqui a esta identificação as verbas correspondentes a contrapartidas de contratos firmados, que não estão incluídas neste cômputo que acabei de apresentar.
Quanto ao regime jurídico aplicável, partilho a preocupação de que o Decreto-Lei n.º 55/95 apresenta algumas dificuldades de execução e de aplicação quando se trata da aquisição de equipamentos militares. É evidente que se trata da transposição de uma directiva comunitária. Essa directiva comunitária não vincula a área da indústria de defesa e não vincula a área de aquisição dos equipamentos para as forças armadas, mas não podemos ignorar o facto de o Decreto-Lei n.º 55/95 ter tido uma sólida preocupação de transparência, de rigor e de controlo dos concursos públicos.
Creio que o que é desejável é que seja possível aplicar um regime simplificado de procedimentos administrativos, sem perda do rigor e do controlo da transparência do processo dos concursos públicos. O Ministério das Finanças tem em adiantado curso de estudo uma alteração ao próprio Decreto-Lei n.º 55/95. É intenção do Ministério de Defesa introduzir nessa alteração algumas especificidades aplicáveis à aquisição de equipamentos militares.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Pedro Holstein Campilho (PSD): - Cá estaremos para ver!...

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, a proposta que V. Ex.ª aqui apresentou na sua intervenção reflecte o passado e as vicissitudes que teve a programação militar em Portugal.
Para recordar, a primeira Lei de Programação Militar, a Lei n.º 87/91, estava praticamente na sua totalidade comprometida por uma chamada lei intercalar que aprovou quatro programas - portanto, era uma lei fantasma. Depois, tivemos um ano, que foi o ano de 1992 - e acho que é o cúmulo em matéria de programação militar em que não houve programação militar: houve uma espécie de deslizamentos sem lei, que foi a negação de tudo o que devia ser a programação militar. E depois tivemos esta lei, que devia ter sido revista em 1995, e não foi, que devia ter sido, aprovada antes de 1993, e não foi - foi aprovada com oito meses de atraso, como já foi dito.
E chegou-se, portanto, a esta situação. E o Sr. Ministro dirá, com razão, que muito daquilo que se passa de errado na forma como esta lei é apresentada resulta do passado. Direi que é verdade. Temos uma situação, aliás, também original, estamos a debater uma programação militar, que, por definição, é plurianual, para um ano. É um plurianualismo de um ano! Mas esta é a sua herança! Uma pesada herança!
Agora o que já não é pesada herança é ter apresentado esta proposta em Fevereiro, para ser discutida em Março e aprovada em fins de Março, isto é, uma lei para um ano, que é aprovada para nove meses, porque o resto da sua vigência é retroactiva, e isso já é da sua responsabilidade.
Queria colocar-lhe duas questões muito concretas, a primeira das quais tem a ver com a afectação das forças. Quando, em 1993, discutimos aqui a 2.ª Lei de Programação Militar, que agora é revista, o Governo enviou-nos um memorandum com a descrição das forças atribuídas à NATO e níveis de prontidão. Este é um documento essencial, porque quando discutimos programação militar, em Portugal temos de saber - parece estranho, mas é verdade - se os equipamentos com que estamos a dotar as Forças Armadas se destinam a Portugal ou ao estrangeiro. É exactamente para sabermos a que se destinam que peço ao Sr. Ministro que actualize e forneça à Assembleia, à semelhança do que fez o Governo anterior, um documento onde se descreva detalhadamente quais as torças atribuídas à NATO e à UEO neste momento, quais os níveis de prontidão dessas forças, devendo a descrição ter em atenção designadamente os equipamentos que estão aqui hoje em debate, nomeadamente os F-16 e o Programa de Modernização de Meia-Vida, qual e a afectação e o nível de afectação que os F-16 têm e qual o nível de afectação do Programa de Reequipamento dos Fuzileiros, que é um outro programa muito sensível a este nível. Esta ë, portanto, uma questão que deixo à sua consideração.
A segunda pergunta é geral, é sobre a natureza da lei: a Lei de Programação Militar tem de ser entendida pelo país; o país tem de perceber por que razão se gastam tantos milhões de contos, assim como tem de perceber como eles se gastam na Expo. Por maioria de razão, tem de perceber por que é que se gastam com as Forças Armadas. O país é capaz de ter necessidade de perceber por que é que, nas opções tomadas, a das patrulhas oceânicas, que tem tanto interesse nacional, é posta em, plano secundário, não sendo sequer considerada no quadro desta lei nem no do tal documento sobre a 3.ª lei de programação militar. O país tem de perceber a razão pela qual, ao nível da Força Aérea, um equipamento tão importante como

Página 1679

6 DE MARÇO DE 1997 1679

o da renovação da nossa capacidade de busca e salvamento, o que traduzido à letra significa a renovação dos Puma, nem sequer é referido? E por que é que, a nível do Exército, a «implementação», usando esta palavra nobre - mas parece-me que não está aqui o Sr. Deputado Manuel Alegre -,...

Risos do PCP e do PS.

... da BLI é também secundarizada, não sendo sequer referida?

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, faça favor de sintetizar o seu pedido de esclarecimento, porque já ultrapassou o tempo regimental.

O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
O país quer uma resposta a estas questões, porque, se não, não estamos a fazer uma programação tendo por óptica a defesa nacional e os interesses da defesa nacional mas, sim, a fazer uma coisa que nada tem a ver com isto.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Correia de Jesus.

O Sr. Correia de Jesus (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, como sempre, gostei de ouvi-lo, embora hoje V. Ex.ª me parecesse menos político e mais técnico, mas penso que isso é consequência do peso da governação. Todas as pessoas que se vêem confrontadas com as responsabilidades e dificuldades do Governo efectivo da Nação começam, como é natural, a determinada altura, a sentir necessidade de se refugiarem um pouco nas questões técnicas, já que o campo político fica melhor aos parlamentares.
No entanto, gostava de colocar-lhe duas questões simples, embora me pareçam de fundo.
O relatório da Comissão de Defesa Nacional conclui que a proposta de lei está em condições de subir a Plenário e de por ele ser discutida e votada na generalidade. É uma conclusão formal. Mas em política interessam-nos muito mais as conclusões materiais e substantivas acerca das propostas de lei e dos projectos de lei.
Assim, gostaria de testar com V. Ex.ª esta conclusão-síntese a que cheguei, depois de ter analisado a proposta de lei: o Governo aumenta os programas e diminui as receitas. Gostava que o Sr. Ministro me avalizasse ou infirmasse esta conclusão-síntese que formulei.
Em segundo lugar, pergunto-lhe, Sr. Ministro, se não entende que existe alguma incongruência quando o Governo apresenta nesta Assembleia aquilo a que chama «referencial-guia da 3.ª lei de programação militar» sem, entretanto, nos termos debruçado sobre a definição do novo conceito estratégico de defesa nacional e também sobre a do conceito estratégico militar.
Era sobre estas duas questões que gostaria de ouvir a opinião do Sr. Ministro.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Falcão e Cunha.

O Sr. Falcão e Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, a minha pergunta é muito concreta e refere-se ao reforço da capacidade submarina.

Como tive oportunidade de chamar a atenção do Sr. Ministro, o que, naturalmente, nem seria preciso, em sede de Comissão, a verba de 10 milhões de contos comportada neste orçamento para reforço da capacidade submarina representa 15% do total e, em relação à Armada, representa 60% da dotação que lhe é atribuída. Quer em sede de Comissão quer depois na audição que a Comissão teve com o Estado-Maior da Armada, ficou para mim muito claro que a decisão sobre este programa é difícil. Novos ou usados, três ou quatro, 100 ou 150 milhões de contos, são as balizas em que o Sr. Ministro vai ter de se movimentar, o que me leva a crer, até pela resposta que teve oportunidade de me dar em Comissão, que dificilmente esta decisão irá ser tomada em tempo útil. Nestas condições, Sr. Ministro, a minha pergunta concreta é esta: é possível admitir, é admissível considerar que os 10 milhões de contos afectos ao programa de reforço da capacidade submarina vão mesmo ser utilizados em 1997? Ou, Sr. Ministro, estamos em face de uma orçamentação que apenas constitui um «amortecedor» que o Governo quererá utilizar na altura própria para cumprir os critérios referentes à manutenção do tecto do défice público a que se obrigou?

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, começo por sublinhar que a proposta de lei que hoje venho aqui apresentar à Assembleia da República não é uma proposta de lei para nove meses ou, melhor, só será para nove meses no que diz respeito ao reescalonamento da verba prevista para o orçamento de 1997, de 20 milhões de contos, na medida em que, como sabe no decurso do debate orçamental, estava prevista a inscrição de aproximadamente 131 milhões de contos e que por razões que nessa altura tivemos ocasião de debater foi reduzida para 20 milhões de contos. Verdadeiramente, só há nove meses úteis para o aproveitamento do reescalonamento das verbas concernentes ao orçamento de 1997, porque os 42 milhões de contos de saldo que transitam não estão condicionados a estes nove meses, já existiam no ano passado, já existiam há dois anos, já existiram há três anos.
Portanto, neste contexto, não há essa limitação temporal. Mas é também por isso que propomos uma flexibilização: é para permitir uma utilização mais ágil, permitindo, designadamente, concluir ou reforçar programas, cujo estádio de adiantamento administrativo permita melhores garantias de conclusão efectivamente em 1997, em vez de chegarmos ao final do corrente ano com um volume de saldos equiparável àquele com que terminámos em 1996, em 1995 e em 1994.
Gostaria de sublinhar que o Governo forneceu toda a informação que lhe pareceu pertinente e importante para o debate desta matéria, mas terei muito gosto em fornecer o documento que V. Ex.ª solicita, sublinhando aliás, como vai ver - que não há alterações substantivas em relação àquele que V. Ex.ª tem na mão, nem quanto às forças afectas nem quanto ao respectivo grau de prontidão.
Em relação aos patrulhas oceânicas, é verdade que não há uma verba significativa inscrita nesta lei para 1997. A Marinha inscreveu no «referencial-guia da 3.ª lei de programação militar» 1 750 000 contos para o reforço da

Página 1680

1680 I SÉRIE - NÚMERO 47

capacidade oceânica, o que, segundo a informação que tenho - mas estaremos disponíveis para discutir o assunto no quadro da 3.ª lei de programação militar -, atendendo à renovação necessária dos meios existentes, será suficiente para um escalonamento no tempo.
Quanto à Força Aérea, o programa de busca e salvamento não é referido na Lei de Programação Militar de 1997, mas está inscrito no «referencial-guia de 1998/2003», susceptível de ser, aliás, ajustado no tempo. Há um programa de aquisição de helicópteros para busca e salvamento para renovação da frota Puma, no quadro da 3.ª lei de programação militar.
Quanto à BLI, é verdade, o Sr. Deputado tem razão. Isso corresponde a uma preocupação minha. Estamos em fase de reavaliar o dispositivo territorial do Exército português, de prosseguir a contracção do dispositivo territorial do Exército português. Isso tem a ver, naturalmente, com o futuro da Brigada Ligeira Independente (BLI) e consequentemente, uma vez tomada essa decisão, será possível ter, com maior rigor, a avaliação do investimento necessário para uma BLI reconduzida à sua vocação e dimensão considerada necessária para satisfazer as necessidades da cobertura do território nacional por parte do Exército.
Em relação ao Sr. Deputado Correia de Jesus, gostava de dizer que de vez em quando tenho estas derivas: gostar de demonstrar que também sei fazer contas e que também sei números, que devem ser tomadas à conta de vaidade e não de tecnocratismo apenas.

Risos do PSD.

E, como «pecado confessado é metade de um pecado perdoado», espero que V. Ex.ª na sua indulgência, acabe, no final, por me perdoar.
Devo dizer que não partilho da sua leitura de que aumenta nos programas e diminui nas receitas. Na realidade, o que diminui é a verba inscrita no orçamento de 1997, mas como o peso dos saldos acumulados é particularmente significativo - é-o, aliás, por força do arrastamento ao longo dos anos -, esta proposta de lei tem exactamente como objectivo permitir a agilização da gestão financeira, acabar com o tecto de 30% no limite das transferências possíveis para que a reafectação dos saldos permita uma utilização optimizada das verbas disponibilizadas para os três ramos das Forças Armadas. Há diminuição das receitas, mas há agilização da gestão financeira, para permitir a realização dos programas que sejam de facto exequíveis no decurso do exercício de 1997.
Em relação à questão do Conselho Estratégico de Defesa Nacional e do Conselho Estratégico Militar, sou da opinião de que é possível encarar a sua revisão até ao final do ano de 1997. Sem embargo, entendo que não deveríamos parar o processo de planeamento militar à espera dessa reavaliação, porque não antevejo alterações radicais. Poderá haver alterações que justifiquem que certo tipo de equipamentos tenha outras especificações que não exactamente aquelas que aqui vêm previstas; poderá haver até outros equipamentos que podem ser necessários para acrescentar ou até para substituir; no entanto, creio, sinceramente, que para isso é suficiente o mecanismo da revisão bianual da Lei de Programação Militar. Mas até posso estar disponível para considerar a possibilidade de prever que, com a aprovação dos novos conceitos de estratégia de defesa nacional e de estratégia militar, tenha de haver uma revisão extraordinária da Lei de Programação Militar fora do ciclo bianual de programação militar.
Sr. Deputado Falcão e Cunha, nenhum de nós, provavelmente, poderá neste momento responder à pergunta colocada por V. Ex.ª. No entanto, eu diria que uma boa negociação da decisão sobre submarinos levará a que não se tenha de gastar já no ano de 1997 os cerca de 10 milhões de contos inscritos. Mas, repare, a 2.ª Lei de Programação Militar, aprovada em 1993; inscrevia para o programa da capacidade submarina 16 milhões de contos e até à data não foram praticamente gastos mais do que 200 000 ou 300 000 contos em estudos. Isto significa, portanto, que estamos, em relação ao programa da capacidade submarina, com a gestão de um saldo pesado em virtude de não haver, até este momento, uma decisão sobre a matéria. Entendo que a negociação sobre os submarinos, que tem de estar concluída este ano, porquanto a necessidade de renovação da frota começa no ano 2001 e é preciso, portanto, firmar os contratos de maneira a que entre em operação a primeira unidade no ano de 2001, é uma negociação complexa, difícil sem dúvida alguma, que exige alguma engenharia financeira. Não devemos encará-la apenas como estando sustentada em exclusivo por verbas inscritas no Orçamento do Estado pois pode haver outras fontes de financiamento, desde logo, o recurso ao crédito ou a uma negociação de engenharia financeira que nos permita suavizar no tempo os pagamentos inerentes ao projecto da capacidade submarina, exactamente para impedir que 60% do orçamento de investimento da Armada esteja consumido pela capacidade submarina e, assim, afectar a outras prioridades do equipamento da nossa Marinha verbas que desta forma podem ser disponibilizadas.
Exemplo disso é o programa de reequipamento dos fuzileiros. Inscrevemos, pela primeira vez este ano, um programa de cerca de 900 000 contos, que é fundamental para a sobrevivência da nossa unidade de fuzileiros, que terá de ser redimensionada, mas que merece - não só por tradição histórica mas pelas capacidade operacional e importância evidenciadas, quer no nosso dispositivo interno quer no dispositivo de projecção de forças - o apoio decidido do Governo.
Esta afirmação é feita com a inscrição de um programa de 900 000 contos, que, estou convencido, permitirá o reequipamento, no essencial, da nossa unidade de fuzileiros que tão grandes serviços tem prestado e deve continuar a prestar, no futuro, a Portugal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.as e Srs. Deputados, esta proposta de lei foi apreciada pela Comissão de Defesa Nacional. Para apresentar as conclusões do respectivo relatório, tem a palavra o Sr. Deputado Raimundo Narciso.

O Sr. Raimundo Narciso (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 69/VII que o Governo apresentou à Assembleia da República foi, pelos Deputados da Comissão de Defesa Nacional, analisada detalhadamente nos seus aspectos mais gerais, visto que um outro debate terá lugar na especialidade, e usufruiu da vantagem de dispormos de elementos detalhados, programa a programa, e de um historial completo fornecido pelo Ministério da Defesa Nacional. Tivemos também oportunidade de aprofundar os nossos conhecimentos e de tirar dúvidas num debate em que o Sr. Ministro esteve acompanhado pelo Sr. Almirante Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas e, ainda, de

Página 1681

6 DE MARÇO DE 1997 1681

reunir com todas as chefias dos ramos das Força Armadas, tendo daí retirado conclusões que nos permitem hoje fazer este debate de uma forma mais esclarecida.
Esta proposta de lei decorre de obrigações legais, já aqui referidas, e exige que nos pronunciemos sobre um valor importante cerca de 60 milhões de contos distribuídos por um elevado número de programas. Trata-se de uma parte substancial de um total aprovado em 1993 no montante 158 milhões de contos, resultante, como aqui já foi referido, de dificuldades de execução que não são de agora. Pelo contrário, sem falar na disputa partidária, radicaram-se em dificuldades objectivas, umas, de concurso, outras, relativas à necessidade de encontrar no mercado, nos concorrentes que se apresentavam, os sistemas de armas que mais nos convinham e também, diga-se em abono da verdade, em dificuldades financeiras do Estado sem as quais se teriam resolvido muito mais facilmente certos problemas dessa ordem. Portanto, se excluirmos do debate a demagogia ou as tentativas de ganhos partidários, verificaremos que, ao longo de todo este tempo, a média de execução não foi alta e que deparou com as dificuldades que acabei de referir.
Para uma verdadeira apreciação dos valores em causa e dos sistemas de armas que deverão ser adquiridos e sobre os quais nos pronunciamos, este momento devia levar-nos a uma reflexão sobre o papel de Portugal na União Europeia, sobre Portugal como país euro-atlântico, sobre Portugal no Mundo tendo presente as nossas grandes potencialidades na cooperação com África.
As Forças Armadas, ao contrário do que sucedeu no passado, irão ter um papel bastante mais interveniente na esfera externa. Conservarão, sem dúvida, uma função primordial na defesa do território da Pátria, mas poderão e, do meu ponto de vista, «deverão» - ter um crescente e significativo papel na política externa, como já sucedeu e sucede, com a IFOR, a SFOR, a UNAVEM III, com a ONUMOZ no passado, em Moçambique, na cooperação com África e, agora, no norte de África com a presença de comandos no MINURSO.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, mas afinal isto é uma intervenção!...

O Orador: - Este momento deverá levar-nos a enquadrar estes números numa envolvente bastante mais geral.
Sr. Deputado João Amaral, peço-lhe que me deixe apresentar este relatório da forma que me parece ser a mais lógica e integrada, que não se cinge apenas à enumeração de números.

O Sr. João Amaral (PCP): - Então, tivesse posto Sr. Deputado. essas questões no relatório para nós as discutirmos em Comissão!...

O Orador: - Vou sublinhar alguns programas que, do meu ponto de vista, constituem, de forma prioritária, objecto do estudo e debate neste Hemiciclo. Quero referir, como consta do relatório, o Programa Manutenção da Capacidade Submarina, que é do montante de 9 milhões de contos, mas que se refere a valores que, no futuro, com a compra de submarinos, oscilarão entre 90 e 150 milhões de contos.
Gostava de referir-me, muito brevemente, no Exército, ao levantamento do 1.º Grupo de Aviação Ligeira do Exército, que tem inscritos 1,380 milhões de contos, mas que, na sua totalidade, levará a um dispêndio de cerca de 20 milhões de contos, e aos completamentos, como já aqui foi referido, de várias unidades da BMI e da BAI.
Em relação à Força Aérea, não tanto pelos valores envolvidos na programação deste ano mas pelas repercussões para o futuro no seu prosseguimento se o Governo e esta Assembleia o vierem a aprovar, importa referir o programa de modernização da meia-vida dos aviões F-16 (F-16 Mid-Life Update), que custará, na sua totalidade e na programação previsível que o Governo apresentou até ano 2003, 25 milhões de contos.
Estes são os principais programas que, a meu ver, vêm referidos no relatório, mas naturalmente que a sua aprovação tem a ver com considerações mais vastas e com a envolvente que inicialmente comecei por mencionar.
Se me é permitido, gostava de falar-vos de uma notável intervenção que o Sr. Deputado Medeiros Ferreira proferiu em Novembro, no Instituto de Altos Estudos Militares, sobre a defesa militar de Portugal no virar do século, porque corresponde à minha opinião e diz respeito a considerações que terão de estar presentes no debate desta lei e principalmente no da 3.ª lei de programação militar. Refere ele que « a política externa do Estado português é uma das áreas mais sensíveis da afirmação da soberania e deve ser acompanhada pelo fortalecimento do instrumento militar»..
Suponho que é importante ter presente que a nova situação geo-estratégica, o novo conceito de defesa nacional, as novas missões que virão a colocar-se às nossas Forças Armadas obrigarão, a essa luz, a ponderar com atenção as despesas que hoje aqui tentaremos aprovar e aquelas que, provavelmente, este ano o Governo apresentará sob a forma de proposta de lei da 3.ª lei de programação militar, o que nos obrigará a um debate mais profundo e sério porque, na decorrência desses conceitos mais gerais, que servirão de baliza às considerações sobre a Lei de Programação Militar, teremos de definir os sistemas de armas que interessam às Forças Armadas, que, nos próximos tempos, terão seguramente um papel significativo na política externa e na projecção da imagem de Portugal na Europa.
Este relatório termina com um parecer que, como já foi referido, considera que a proposta de lei se encontra em condições de ser aqui debatida e avaliada por todos nós.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, salvo melhor opinião, penso que devia ser dada a palavra ao relator da proposta de lei que está a ser debatida porque, da parte do Sr. Deputado Raimundo Narciso foi-me dada ouvir uma intervenção que teve a ver muito pouco com o relatório e, acima de tudo, com aquilo que foi consensualizado em sede de Comissão de Defesa Nacional.

O S. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, foi dada a palavra ao Sr. Deputado Raimundo Narciso para apresentar o relatório. Ele utilizou o tempo á sua discrição e, não se tendo afastado do tema em debate, a Mesa não tinha qualquer razão para chamar-lhe atenção. De

Página 1682

1682 I SÉRIE - NÚMERO 47

resto, a Mesa nem sequer conhecia o relatório da Comissão de Defesa Nacional e, portanto, não podia pronunciar-se sobre ele.
Para uma intervenção, tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado Cardoso Ferreira.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: As Leis de Programação Militar, incorporando e programando a aplicação de planos de médio prazo de investimento público no reequipamento das Forças Armadas e nas infra-estruturas de defesa destinam-se a proporcionar os meios necessários à realização do plano de forças decorrente de um processo de planeamento fundamentado no conceito estratégico militar.
Apresentou o Governo à Assembleia da República uma proposta de lei de revisão da 2.ª Lei de Programação Militar. Esta lei, aprovada em 1993, com uma dotação de 120 396 milhares de contos, até 1996, enquadrava temporalmente o quinquénio 1993/1997.
Propõe o Governo, nesta revisão, através de dotação do Orçamento do Estado para 1997 e afectação dos saldos existentes em 31 de Dezembro de 1996 a execução de programas no valor global de 62 303 milhares de contos, fundamentando a sua iniciativa legislativa essencialmente nos objectivos de reorganização e modernização das Forças Armadas.
Uma referência especial para o facto de a presente proposta de revisão, segundo o Governo, visar ainda servir de ponto de ligação para uma 3.ª lei de programação militar, juntando para o efeito um «referencial-guia» para essa mesma lei.
A primeira questão que se suscita é a de saber qual o grau desejável, para o Governo, de execução dos programas orçamentados para 1997. Por outras palavras, há que ajuizar se o Governo, ao rever a lei, quer realmente a maior taxa possível de execução ou se, pelo contrário, nos encontramos perante uma operação contabilística destinada a, no final, aligeirar o défice orçamental com significativas verbas sobrantes de programas não executados.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em nossa opinião, todos os elementos de análise apontam para esta última conclusão. Senão vejamos: o Governo alude na sua exposição preambular e em número significativo de programas, como « referencial-guia», a uma 3.ª lei de programação militar.
Um jornal diário de ontem, citando fontes militares e governamentais, refere a intenção de ser atribuída a essa lei para o período 1998/2003 um montante de 210 milhões de contos e, mais, de eventualmente a essa verba serem acrescidas verbas sobrantes da 2.ª Lei o que, a verificar-se, creditaria ao Governo a espantosa inovação de transformar o princípio até aqui adoptado de planeamento deslizante, no âmbito da mesma lei, em actividade legislativa deslizante.
A aprovação de uma Lei de Programação Militar tem a seguinte tramitação: os Chefes de Estado-Maior, face à orientação do Governo e à directiva de planeamento do Ministro da Defesa Nacional, elaboram o anteprojecto de lei do seu âmbito.
Seguidamente, os anteprojectos referidos são presentes ao Conselho de Chefes de Estado-Maior, que sobre eles delibera, designadamente com vista à sua harmonização e consolidação.
Depois, o Conselho Superior Militar, sob orientação do Governo, por intermédio do Ministro da Defesa Nacional, elabora o projecto de proposta de lei de programação militar.
O Governo, por intermédio do Ministro da Defesa Nacional, submete o projecto de proposta de lei de programação militar a parecer do Conselho Superior de Defesa Nacional.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Isso toda a gente sabe!

O Orador: - Toda a gente sabe, mas, provavelmente, nem V. Ex.ª de tudo sabe.
Recebido o parecer do Conselho Superior de Defesa Nacional o Governo aprova em Conselho de Ministros a proposta de lei de programação militar a submeter à Assembleia da República para apreciação e aprovação.
O Governo e o Ministério da Defesa Nacional não forneceram, respectivamente, às chefias militares, para elaboração de uma 3.ª lei de programação militar, a sua orientação nem a directiva de planeamento; nem qualquer anteprojecto de uma nova proposta de lei foi presente a Conselho de Chefes de Estado-Maior; nem o Conselho Superior Militar elaborou qualquer projecto de proposta de uma nova lei; nem ao Conselho Superior de Defesa Nacional foi submetido para parecer qualquer projecto de proposta de nova lei; e, finalmente, nenhuma proposta de uma 3.ª lei de programação militar foi aprovada em Conselho de Ministros.
Estamos, assim, sem margem para dúvidas, na presença da referência a uma lei que nem sequer se começou a preparar, que não existe nem se sabe quando verá a luz do dia e que, se um dia aparecer, não nos surpreenderia se trouxesse como referencial-guia uma 4.ª lei de programação militar. Em resumo, estamos perante uma lei virtual.
Não obstante, 41 dos 71 programas constantes da proposta de lei que esta Câmara agora aprecia, no montante de 41 015 milhares de contos, ou seja, dois terços do montante global previsto gastar até final de 1997, têm indicação de continuidade na tal 3.ª lei de programação militar.
Sabendo-se que a Lei-Quadro das Leis de Programação Militar é omissa quanto ao trânsito dos saldos de uma lei para outra, é por demais evidente a intenção do Governo de, no final de 1997, obter com este exercício um confortável saldo de verbas não gastas que permita aliviar o défice ou, quem sabe, compensar outras despesas na área da Defesa no próximo ano, sem deixar de alimentar expectativas legítimas e responsáveis das chefias militares de verem o país dotado de Forças Armadas modernas e adequadamente equipadas para as missões que lhes estão destinadas. E, a menos que o Governo anuncie hoje que procederá às iniciativas legislativas adequadas para uma melhor execução das verbas propostas. as nossas considerações são pertinentes e fundadas.
Mas há mais elementos que permitem sustentar esta análise da proposta de lei em apreço. Dos 62 303 milhares de contos previstos gastar até final de 1997, 42 303 transitaram como saldos dos anos de 1993, 1994, 1995 e 1996. Disse-nos aqui o Sr. Ministro que era portador de uma pesada herança e que, ao fim e ao cabo estes saldos resultaram de uma má gestão de governos anteriores. Deveria ter dito também o Sr. Ministro que nos prometeu a revisão desta Lei de Programação Militar para inícios de 1996, depois, para meados de 1996 e ainda para fins de 1996, a qual, curiosamente, só aparece em 1997.

Página 1683

6 DE MARÇO DE 1997 1683

Ou seja: ao longo de três anos e meio não se conseguiram executar programas no montante, em números redondos, de 42 000 milhares de contos e espera agora o Governo convencer esta Assembleia e o país de que nos oito meses e meio que restam até ao final do ano, se a lei entrar em vigor no próximo mês, conseguirá executar programas no montante de 62 000 milhares de contos.
Acresce ainda que quase todos os programas de maior envolvimento financeiro, como o da nova arma ligeira (5886 milhares de contos), o dos novos submarinos (9329 milhares de contos) e o dos helicópteros para o Exército (1382 milhares de contos), entre outros, são na sua fase final conduzidos peio Ministério da Defesa Nacional conjuntamente com os Ministérios da Economia e da Indústria ou objecto de negociações Estado a Estado, nomeadamente para a obtenção de contrapartidas.
Quanto aos novos submarinos, saliente-se que, até ao dia 19 do mês passado - e acabámos de ouvir agora o Sr. Ministro -, não havia sido tomada qualquer decisão. Posso adiantar, portanto, que neste momento ainda não foi tomada qualquer decisão.
Tudo isto somado, a baixa taxa de execução até final de 1996, a condução política pelo Governo dos programas financeiramente mais significativos e a inexistência atempada de decisão são elementos coadjuvantes para a conclusão de que o Governo sabe que não é possível gastar até ao fim deste ano de 1997 todas as verbas inscritas na sua proposta de lei ou, pelo menos, uma parte muito significativa e satisfatória e nem se trata de um wishful thinking expressão que o Sr. Ministro da Defesa Nacional gosta de empregar quanto a decisões de carácter aleatório.
Esta proposta de lei é uma mal disfarçada operação de contabilidade, que contradiz de forrara chocante, por evidente, atitudes enfatizadas por este Governo como a transparência na acção política e o rigor na gestão orçamental.
A política é a arte do possível. O Governo, inovador, pretende fazer-nos acreditar que pode ser a arte do impossível.

O Sr. Pedro Holstein Campilho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sabemos que os recursos são escassos e que é preciso governar estabelecendo prioridades para a satisfação das necessidades dos portugueses e equilíbrios na economia. Era desejável, ao contrário do que esta proposta evidencia, que o Governo governasse sem reserva mental, com transparência e rigor.
Sr. Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Estão, assim, demonstrados à saciedade o verdadeiro significado e as consequências desta proposta de revisão da 2.ª Lei de Programação Militar.
As Forças Armadas verão adiado, em alguns programas muito provavelmente sine die, o esforço levado a cabo nos últimos anos de modernização e reequipamento, com reflexos inevitáveis na prontidão e no produto operacional, apesar do indiscutível espírito de missão e grande profissionalismo de todos quantos as integram.
É o passo seguinte de uma estratégia que, ao invés da assumpção frontal e transparente de reformas na instituição militar, prefere o redimensionamento por via orçamental de que é exemplo o constrangimento abrupto a que as Forças Armadas foram sujeitas com o Orçamento do Estado para 1996, cuja tendência se manteve no Orçamento do Estado para 1997.

O Governo, aparentemente generoso, dá com uma mão o que garantidamente sabe vir-lhe a cair na outra, podendo oportunamente passar para a opinião pública, oficiosamente, os seus méritos de, junto das Forças Armadas, ter conseguido rigor na aplicação das verbas e contenção nos gastos impostos.
Para alguns, a manutenção do poder pode levar a sobrepor a demagogia ao sentido de Estado, insinuando ao País que se tira às Forças Armadas para dar à Saúde, ou à Educação, ou à Segurança Social. Sabemos, Sr. Ministro, que tais atitudes não são comportáveis no seu quadro de valores. Esperamos que o mesmo aconteça no partido que o apoia.

A Sr.ª Maria Carrilho (PS): - Não se preocupe!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, Srs. Deputados: Cabe ao Governo a vontade política necessária para a melhor execução possível, até final de 1997, das verbas constantes nesta proposta de revisão da 2.ª Lei de Programação Militar.
É essa vontade que o Governo demonstra não ter.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Cardoso Ferreira, foi com certa ansiedade que estive à espera de ver por onde é que as dificuldades do seu partido lhe permitiam avançar. Verifico que é através de projectos de intenção sem qualquer sentido. A resposta é boa, foi uma boa saída. Mas deixe que lhe coloque algumas questões.
Em primeiro lugar, tal como eu próprio e os Deputados da Comissão de Defesa Nacional, o Sr. Deputado sabe que o Governo prometeu que a 3.ª lei de programação militar entrará na Assembleia para ser discutida pela Comissão antes do fim da actual sessão legislativa ou, o mais tardar, logo que se inicie a próxima. Portanto, está o senhor em condições de, antes de terminar esta sessão legislativa, obter resposta a algumas questões que suscitou e, nessa altura, poderá colocá-las ao Sr. Ministro de uma forma mais concreta.
Em segundo lugar, não sei onde é que o Sr. Deputado obteve essas informações sobre a 3.ª lei de programação militar, ou seja, sobre o referencial-guia. O conhecimento que tenho é o de que, por não haver um projecto dessa lei para ser discutido em Conselho de Ministros, claro que não foi aprovado nessa sede. Mas também sei - e o Sr. Ministro certamente nos esclarecerá - que um tal projecto foi largamente analisado com os Chefes do Estado-Maior dos três ramos e que o referencial-guia é um documento sério, suportado por aquelas chefias. O Sr. Deputado também sabe disso, até porque creio que o Sr. Ministro o disse em sede de comissão.
Em terceiro e último lugar, parece-me boa essa sua ideia da apresentação o mais rapidamente possível do referencial-guia da 4.ª lei. É que tal dar-nos-á uma ideia clara para podermos ver como se desenvolvem programas que não são para um, dois ou três anos mas, sim, para 5, 10 ou 15. Mas há mais: essa apresentação baliza um caminho e teremos a facilidade de, em cada momento, poder-mos exigir ao Governo que retome os caminhos que indicou nesses programas-guia. Repito que me parece boa

Página 1684

1684 I SÉRIE - NÚMERO 47

ideia e que, seguramente, o Governo aceitá-la-á. Aliás, proponho mesmo ao Sr. Ministro que, a meio do prazo da 3.ª lei, nos apresente um referencial-guia da 4.ª lei pois tal ocorrerá seguramente em 1999 e será um prazer continuar a tê-lo entre nós nessa altura.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Cardoso Ferreira, vou fazer-lhe uma pergunta muito breve.
Aliás, aproveito para recordar um momento de há pouco em que lhe dirigi um pequeno aparte. O Sr. Deputado estava a fazer a resenha do modus faciendi de aprovação das leis de programação militar e eu que, por dever de ofício tal como o Sr. Deputado, tinha lido a lei, disse-lhe que já sabia como é que isso se fazia, embora sem perceber a sua interpretação política que o senhor demonstrou a seguir. O Sr. Deputado respondeu-me que, de facto, eu já sabia aquilo, mas que não sabia tudo. E não sei, Sr. Deputado! Não sei tudo, mas sei, sobretudo, que o Sr. Deputado sabe muito mais do que eu próprio sobre estas matérias, sendo esta a razão que me leva a fazer-lhe uma pergunta.
V. Ex.ª defendeu uma ideia que penso que toda a gente aceita, até mesmo o Governo: não vai ser possível gastar todo o dinheiro que está à disposição este ano para investimentos em sede de programação militar. O próprio Governo também sabe disto, com certeza, e não acredita que, com uma taxa de execução de 13 milhões de contos por ano, aliás, na sequência do modus faciendi económico do anterior governo, seja possível gastar os 60 milhões de contos que tem à sua disposição.
V. Ex.ª perguntou se o Governo quererá reduzir o défice orçamental nesta matéria por via de uma operação contabilística. Então, conhecendo as posições próximas que ambos os partidos, PSD e PS, têm em matéria de redução de défice orçamental e de aproximação aos critérios nominativos de Maastricht, pergunto ao Sr. Deputado: V. Ex.ª não deseja também a redução do défice orçamental?

O Sr. Raimundo Narciso (PS): - Antes é que desejava!

O Orador: - Pergunto-lhe mais: considera, portanto, que em si mesmo esse é um objectivo negativo?
E pergunto-lhe ainda: mas, apesar de a 3.ª lei de programação militar que aí vem proposta pelo Governo, não considera que temos ao nosso alcance a possibilidade de nela incluir os saldos que porventura venham a existir no final deste ano na aplicação dos programas que muito bem entendermos, uma vez que há a vontade política e o poder legislativo para fazê-lo?
Por fim, pergunto-lhe: estão V. Ex.ª e o seu grupo parlamentar disponíveis para, em conjunto com todos os grupos parlamentares, sendo esta uma área em que deve existir grande consenso, elegermos esses programas em que serão aplicados os saldos existentes, sabiamente e com seriedade?

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Eduardo Pereira, a primeira nota que quero deixar-lhe é a de que quem é poder e governo é V. Ex.ª enquanto eu sou oposição. Quando o oiço, dá-me a sensação de que ainda não se habituou bem a essa ideia! Portanto, esta nota é só para ajudá-lo a situar-se nessa nova posição.

Risos do Deputado do PSD Pedro Holstein Campilho.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Estou habituadíssimo!

O Orador: - Quanto à questão da entrada em vigor da 3.ª lei de programação militar até ao Verão de 1997, o Sr. Ministro e o Governo prometeram-nos a revisão desta 2.ª lei durante todo o ano de 1996, o que não aconteceu.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Já estava prometida desde 1994!

O Orador: - Portanto, devo dizer-lhe que acredito sinceramente que o Governo possa ter essa calendarização, embora duvide de que possa vir a ser possível. Mas, até ao Verão, veremos se se concretiza ou não.
Temos de trabalhar com os dados de que dispomos neste momento, os quais são que a revisão desta 2.ª Lei podia ter sido feita em 1996. Tanto assim é que, durante todo esse ano, o Governo prometeu várias vezes que a apresentaria à Assembleia c não o fez. Todos sabemos porquê: dava muito mais jeito que a revisão tivesse lugar no ano de 1997.
Relativamente à questão da 4.ª lei de programação militar, o Sr. Deputado acha óptima essa ideia de cada vez que se apresenta uma lei de programação militar trazer logo a próxima. Provavelmente, nessa linha, até vai sugerir ao Sr. Ministro Sousa Franco que, quando nos apresentar o Orçamento do Estado para 1998, traga logo o de 1999... O tal «referencial-guia»... Sr. Deputado, compreenderá que não é razoável o que diz!
Quanto ao Sr. Deputado Luís Queiró, agradeço-lhe muito que diga que sei muito mais destas matérias do que o senhor. Isso é por uma razão muito simples: sou bom aluno e vou às aulas!

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - «Presunção e água benta...»

O Orador: - Sr. Deputado, se preferir, digo de outra maneira: o Partido Social-Democrata está sempre presente nas reuniões da Comissão de Defesa Nacional.
Relativamente à questão do défice orçamental, é evidente que estamos de acordo em reduzi-lo. Mas o que está aqui em causa não é isso; antes são a transparência e o rigor.

O Sr. Pedro Holstein Campilho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Para um Governo que se tornou o grande campeão da transparência c do rigor, não é possível trazer-nos uma proposta de revisão da 2.ª Lei de Programação Militar contendo verbas que, em relação aos programas mais volumosos, se sabe seguramente que não vai poder executar.
Ora, o que queremos e dizemos ao Governo é simples: queremos uma declaração formal do Governo de que vai

Página 1685

6 DE MARÇO DE 1997 1685

tomar as medidas necessárias e adequadas para que não se repitam erros do passado - que só foram passíveis de percepção devido à experiência de quem iniciou este tipo de programação - e que, à face dessa experiência, tome todas as medidas para que haja a melhor e maior execução possível durante o ano de 1997. É que o Governo conhece - e o Sr. Ministro elencou-os - os constrangimentos diversos que existem, nomeadamente a legislação que é preciso alterar. Portanto, atendendo a tudo isso, ou o Governo leva a cabo a execução ou, então, lamentavelmente, as conclusões que aqui extraímos são fundadas e verdadeiras.

O Sr. Pedro Holstein Campilho (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, coloquei apenas três questões ao Sr. Deputado Cardoso Ferreira: uma quanto às suas dúvidas sobre a data de apresentação da 3.ª lei de programação militar; uma outra sobre os referenciais-guia; e outra, muito concreta, no sentido de saber como é que o Sr. Deputado Cardoso Ferreira soube que não tinha havido nem análise nem consenso entre o Sr. Ministro da Defesa Nacional e os Chefes de Estado-Maior dos três ramos no que diz respeito ao referencial-guia.
Ora, gostaria que a Mesa solicitasse ao Sr. Deputado Cardoso Ferreira que respondesse à segunda das minhas três questões.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - A Mesa, por simpatia, dirige essa pergunta ao Sr. Deputado Cardoso Ferreira , servindo de «eco» à dúvida do Sr. Deputado Eduardo Pereira.
Assim, concedo 0,5 minutos ao Sr. Deputado Cardoso Ferreira para responder.
Faça favor.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, responderei em 30 segundos.
E tal esta inovação do referencial-guia que teria sido perfeitamente natural e justificável que o Sr. Ministro, quando apresentou o seu documento em sede da Comissão de Defesa Nacional, tivesse elaborado um pouco mais acerca desta 3.ª lei de programação militar, nomeadamente que tivesse dito que já há estudos avançados, que as coisas estão muito encaminhadas, que «já dei a minha directiva». Era isto que eu gostaria que o Sr. Deputado perguntasse ao Sr. Ministro: « Já deu a directiva de planeamento?»

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Ele vai responder!

O Orador: - É que estas questões são importantes para nós ajuizarmos.
O que o Sr. Ministro nos disse foi: «Bom, há a questão do conceito estratégico de defesa nacional, tem implicações no conceito estratégico militar. Há a Conferência Intergovernamental. Há a reestruturação da NATO...». Ou seja, referiu-nos uma série de reformas e de conceitos estruturantes cujos contornos ainda não são bem conhecidos, mas, em relação a esta 3.ª lei, para além dos mapas, não nos disse que houvesse muito mais. Portanto, somos levados a concluir que se trata de meras projecções e que o processo de elaboração da 3.ª lei de programação militar ainda nem sequer começou.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Ministro da Defesa Nacional, tinha pedido a palavra para que efeito?

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, embora com algum pesar, vou ter de invocar a figura regimental de defesa da honra.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Então, tem a palavra para o efeito.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, é com algum pesar que invoco a defesa da honra e faço-o apenas para tirar uma conclusão de natureza filosófica: não basta ir às aulas, é preciso estar com atenção.
O Sr. Deputado Cardoso Ferreira deveria ter a hombridade de reconhecer que esteve distraído quando expliquei à Comissão de Defesa Nacional que o referencial-guia tinha sido harmonizado em Conselho de Chefes de Estado-Maior, que tinha sido objecto de discussão em sede do Conselho Superior Militar, que envolveu o compromisso político do Ministro da Defesa Nacional e que só não tinha sido submetido a parecer do Conselho Superior de Defesa Nacional e à aprovação em Conselho de Ministros. Dei esta explicação à Comissão e fui totalmente claro sobre a directiva que emiti para este referencial-guia.
Portanto, é completamente inusitada, despropositada e falha de fundamento a indicação de que os estudos nem sequer começaram.
Portanto, é completamente inusitada, despropositada e falha de fundamento a indicação de que nem sequer os estudos começaram. É, aliás, uma ofensa ao trabalho profícuo que as nossas Forças Armadas e os chefes militares assumiram para que este referencial-guia pudesse ser trazido hoje aqui, a esta Assembleia, como elemento informativo, como nenhum governo fez antes! Porque, antes, nunca aqui veio nenhum governo para cumprir esta obrigação legal, que é proceder à revisão bianual da lei, como determina a Lei-Quadro das Leis de Programação Militar.

Aplausos do PS.

V. Ex.ª não pode acusar-me de estar a actuar com reserva mental, quando o que lhe falta é autoridade moral!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, compreendo perfeitamente a dificuldade em que V. Ex.ª se encontrou, depois das diversas considerações que aqui foram feitas.
Brilhante e ágil intelectualmente como é, V. Ex.ª gizou este incidente, e fê-lo para desviar as atenções da questão fundamental.

Risos do PS

Página 1686

1686 I SÉRIE - NÚMERO 47

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Estou inscrito para intervir. Não se precipite, Sr. Deputado!

O Orador: - Enfim, arranjou agora este fait divers que lhe permite não ter de responder a muitas coisas!

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Acha que ofensa à honra é um fait divers?!

O Orador: - Sr. Ministro, deixe-me dizer-lhe que nunca foi minha intenção, como deve imaginar, pôr em causa a sua honra e consideração pessoal, que, aliás, muito prezo, como já o disse várias vezes, publicamente. Todavia, há aqui circunstâncias que são perfeitamente incontornáveis.
Por exemplo, o Sr. Ministro prometeu a revisão desta lei ao longo de 1996 mas nada fez; prometeu-nos essa revisão no princípio de 1996, em meados de 1996 e em Outubro de 1996 e isso não aconteceu!

O Sr. Raimundo Narciso (PS): - O que é que isso tem a ver com o documento guia?!

O Orador: - Vamos admitir que houve circunstâncias que, porventura, não o permitiram, mas o senhor, como muito bem diz, é o responsável político.
A verdade é que questiono que, em 1997, possa surgir uma lei. Além disso, há uma série de requisitos legais que fazem parte da elaboração de uma lei de programação militar e posso ter estado distraído, num ponto ou noutro, Sr. Ministro, mas não me parece, sinceramente, que a preparação desta lei esteja num estado tal que lhe permita vir aqui utilizá-la como referencial-guia. Essa é que é a questão fundamental, a questão política, Sr. Ministro! Mas, naturalmente, V. Ex.ª tecerá as considerações que muito bem entender na sua intervenção.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Esta proposta deve ser analisada a partir de dois ângulos, o dos seus pressupostos formais e o dos programas nela incluídos.
Quanto às questões de forma, a proposta de lei consubstancia uma já conhecida, e falada, manigância contabilística, com a qual se procura transformar o seu verdadeiro conteúdo, que é o de uma redução real de verbas, numa espécie de « favor» feito às Forças Armadas.
A proposta tem sido apresentada como «atribuindo» às Forças Armadas 62 milhões de contos mas, na realidade, visa a consumação de dois golpes no financiamento da programação militar.
O primeiro é o corte efectivo das verbas atribuídas para este ano de 1997. A verba prevista na lei aprovada, em 1997, era de 37,9 milhões de contos e a verba que a presente revisão inscreve é de 20 milhões. Ora, excluída a desorçamentação da verba para os F16 (no valor de 6,5 milhões de contos), a redução é de menos 11,4 milhões de contos. Há, assim, um corte orçamental de 30%o na verba prevista para este ano.

O Sr. Pedro Campilho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Quanto aos restantes 42 milhões de contos, eles são saldos de encargos orçamentais de programação militar inscritos nos anos de 1993 a 1996.
Portanto, do ponto de vista orçamental, são verbas de anos findos, que não representam nenhum encargo do corrente ano orçamental. Por força da lei, esses saldos transitam até à completa execução dos programas a que estão afectos. Falar assim de uma lei de revisão da lei de programação militar que vale 62 milhões de contos é uma espécie de - peço desculpa e espero que não vá defender a honra pelo que vou dizer! - «conto do vigário», porque os 42 milhões de saldos, como demonstrei, não são valores desta revisão.
O segundo golpe refere-se precisamente à questão dos saldos. O que foi comunicado às Forças Armadas, e consta dos elementos que nos foram fornecidos quer pela Força Aérea quer pelo Exército, é que, destes 62 milhões de contos, o que não for gasto até 31 de Dezembro de 1997 não poderá já ser aproveitado pelas Forças Armadas. Esta apropriação dos saldos é inaceitável.
Evidentemente, as Forças Armadas vão ter enormes dificuldades em aplicarem 62 milhões de contos nos nove meses que restam até ao fim do ano, desde a data da publicação da lei que resultar desta discussão As dificuldades são muitas, desde a burocracia do Ministério até às imposições do Decreto-Lei n.º 55/95, que o PS tanto criticou quando estava na oposição mas que mantém em vigor, com o cortejo de indescritíveis dificuldades que cria às aquisições do Estado.
Esta intenção de apropriação dos saldos constitui mais uma vez, peço-lhe que não defenda a hora, pois trata-se de uma caracterização política - uma espécie de ultimato, de diktat, feito às Forças Armadas. Mas é ilegal, por violar o n.º 4 do artigo 4.º da Lei-Quadro das Leis de Programação Militar, é politicamente inaceitável, por representar uma violação grosseira do compromisso nacional, assumido através da Lei n.º 67/93 - a 2.ª Lei de Programação Militar -, no financiamento do sistema de forças e infra-estruturas de defesa necessárias às Forças Armadas para o exercício das missões que lhe foram confiadas pelo Estado, e é feito fora de tempo, atrasadamente, por quem se atrasou três meses, deixando às Forças Armadas escassos nove meses para cumprirem o que nem razoavelmente num ano era exigível que fosse feito.
Por todas estas razões, o PCP vai apresentou uma proposta de artigo novo, para garantir que os saldos ocorridos em 31 de Dezembro deste ano possam ser aproveitados para os fins previstos na lei, com os conteúdos aí definidos.
Os dois golpes que descrevi têm razão de ser no cumprimento dos critérios de Maastricht. Normalmente, é esse o argumento invocado. Com o primeiro golpe, a despesa pública no corrente ano diminui 11,4 milhões de contos; com o segundo golpe, os saldos da lei permitiriam que o défice de 1998 diminuísse na exacta quantia desses saldos.
Se Maastricht significa, também desta forma. menos defesa nacional e, portanto, menos garantias da independência e soberania, então, é mais uma razão para criticarmos duramente o Tratado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas acresce dizer que os valores em jogo são, desse ponto de vista. completamente irrisórios. Por exemplo, o valor do corte feito este ano é menos de 0,1 %

Página 1687

6 DE MARÇO DE 1997 1687

do PIB! Mais do que necessidade de cumprir Maastricht, peço desculpa, isto é fundamentalismo «maastrichtiano»!
Temos assim todas as razões para considerar que a proposta de alteração do PCP reunirá os votos suficientes para ser aprovada. Conhecidas as críticas feitas em todos os partidos, a conclusão é que, se os votos corresponderem às críticas, a proposta é aprovada.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Conhecidas as críticas feitas em todas as bancadas parlamentares, a conclusão óbvia, evidente, é a de que se os votos corresponderem às críticas, a proposta é aprovada.

Risos do PCP e do PSD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma breve referência aos programas nela incluídos.
Inserindo-se a proposta na 2.ª Lei de Programação Militar, não tem sentido repetir aqui o debate ocorrido em 1993, nem tem cabimento fazer aqui a antecipação do debate que faremos até ao fim do ano sobre a 3.ª lei de programação militar.
Assim, o que assinalo, em nome do PCP, é o facto desta revisão da 2.ª Lei de Programação Militar se inserir numa perspectiva para a defesa nacional e Forças Armadas que privilegia a inserção nas Forças NATO e UEO, bem como a participação em operações realizadas fora do território nacional, pondo em segundo lugar as necessidades específicas de defesa nacional, designadamente a defesa da integridade territorial, o controlo das zonas marítimas de jurisdição ou interesse nacional e a eficácia em toda essa área marítima das operações SAR.
Não estou a dizer que esses programas previstos na lei não se compatibilizam com estes objectivos, o que digo é que é inaceitável que estes objectivos passem para segunda prioridade.
Esta perspectiva é visível, por exemplo, na Marinha, na prioridade agora atribuída ao reequipamento dos Fuzileiros, que, depois de ter sido subestimado durante anos e anos, vem agora justificado, na sua parte mais significativa, com a necessidade de integração e interoperacionalidade com força anglo-holandesa, isto enquanto continua adiado o investimento nas indispensáveis patrulhas oceânicas; no Exército, na prioridade atribuída à BAI e BMI, unidades afectas à NATO e UEO, em prejuízo do investimento e implementação da BLI e, em geral, de sistemas e forças de concepção marcadamente defensiva em território nacional; na Força Aérea, na prioridade dada ao Programa Meia-Vida dos F16, em prejuízo da renovação da capacidade SAR (substituição urgente dos PUMA).
No debate da 3.ª lei de programação militar haverá oportunidade de fazer uma análise mais circunstanciada de toda esta matéria.
Para já, e assinaladas as suas preocupações, o PCP irá propor novos programas nesta lei que permitam preparar opções na 3.ª lei de programação militar, tendo em vista as prioridades que assinalei, designadamente patrulhas oceânicas, BLI e capacidade SAR.
Apresentamos estas propostas convictos de que são esses programas os que correspondem a uma política de defesa nacional que tenha como primado a garantia dos interesses nacionais.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Raimundo Narciso.

O Sr. Raimundo Narciso (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, como é natural, reconheço a sua inteligência e conhecimento da matéria; por isso é de elogiar o esforço que fez e a forma como tratou este problema, mas suponho que a sua argumentação cai por terra se analisarmos os factos como eles são.
O Sr. Deputado está muito preocupado com o facto de estes saldos não poderem transitar para o ano seguinte. Ora, se tivermos em conta que este documento nos faz a projecção para a 3.ª lei de programação militar, o Governo e as Forças Armadas já nos propõem 35 milhões de contos para o próximo ano, mas esta Assembleia, o Sr. Deputado e eu próprio poderemos, eventualmente, se o considerarmos insuficiente, reforçar para mais 10, 20 ou 30 milhões!
Naturalmente, o Sr. Deputado reconhecerá que não faz sentido, nem me parece que seja de boa e honesta contabilidade, deixar ficar estes 62 milhões de contos, arrastando-os de ano para ano, quando todos nós reconhecemos a dificuldade em os consumir. Durante quatro anos foram executados cerca de 13 milhões de contos por ano e, efectivamente, o Governo deixou uma grande margem de manobra às Forças Armadas para tentarem executar 62 milhões. Provavelmente, vai haver um grande saldo.
Não há, - na realidade, qualquer preocupação legítima, em relação à míngua de meios para execução, por parte das Forças Armadas. Não há! Basta examinar o que se tem passado e ter presente este «bolo» que aqui acresce. Portanto, essa sua intervenção mais pareceria a de um «delegado sindical» das Forças Armadas, mas creio que a razão não é tanto essa. Apesar de o Sr. Deputado ter colocado de um forma soft a sua preocupação em relação aos critérios de Maastricht, creio que é aí que se cifra a sua preocupação, apesar de estar em causa um número relativamente restrito.
Creio que é de boa e honesta contabilidade não fazer transitar esses saldos e dar maior transparência aos valores que são programados. Na realidade, fazer o contrário seria masoquista da parte do Governo, seria esconder num «cantinho» da contabilidade orçamental um valor que, efectivamente, existe e que melhorará, ainda que em parte ínfima, o Orçamento. Mas esse trânsito deve ser feito, porque é real, verdadeiro, transparente; fazer o contrário seria tentar fazer uma engenharia financeira a contrario, contra os interesses nacionais, se tivermos em conta e como referência os critérios de Maastricht.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, agradeço a sua tolerância e vou tentar ser muito breve na resposta que vou dar.
Agradeço ao Sr. Deputado Raimundo Narciso os elogios que teceu acerca do que sei sobre esta matéria, mas vou ter de os devolver; porque aprendi muito consigo. Agora, o que se passa é que o aluno ultrapassou o mestre! Realmente, já sei mais do que V. Ex.ª, porque não é aceitável o seu raciocínio, e passo a explicar porquê.
O que está na actual lei e consubstanciado nesta proposta de lei é um certo volume financeiro para os programas que aí estão definidos. Assim, o que está previsto para

Página 1688

1688 I SÉRIE - NÚMERO 47

o primeiro ano da futura lei de programação militar são 35 milhões de contos, para outros programas ou para outras fases subsequentes dos programas, ano a ano - o programa concreto tem uma primeira fase neste ano, uma segunda no ano de 1998, uma terceira no ano de 1999, etc. Ora, as verbas que estão consignadas para estas fases e que são inscritas no Orçamento deste ano, ou são gastas neste ano ou são verbas que estão afectas a essas fases e devem, portanto, transitar até ao cumprimento dessas fases. Tenho isto como completamente líquido do ponto de vista doutrinal.
Até devo dizer mais: não há nada na lei, nem na Lei-Quadro das Leis de Programação Militar nem nesta Lei de Programação Militar, que diga que esses saldos não devem transitar. Ou seja, até poderia concluir que a minha proposta é desnecessária!

O Sr. Pedro Campilho (PSD): - Exactamente!

O Orador: - Já uma vez perguntei ao Sr. Ministro se não terá um pequeno golpe - um terceiro! -, bem preparado, que é, no fim do ano, dar esses saldos às Forças Armadas, porque nada é de excluir neste mundo da política!
Mas, à cautela, gostaria de deixar claro aos Srs. Deputados este facto de terem de votar, pronunciando-se agora sobre a inscrição desse trânsito dos saldos.
Quando me diz que posso aumentar o valor dos 35 milhões no ano da 1.ª Lei de Programação Militar, respondo-lhe que não!

O Sr. Pedro Campilho (PSD): - Com certeza!

O Orador: - Eu não preciso de aumentar esse valor porque tenho os saldos! E o que o Sr. Deputado quer fazer é tirar os saldos para depois me obrigar a inscrevê-los como despesa. Ora, eu não preciso de o fazer!

O Sr. Raimundo Narciso (PS): - É mais transparente!

O Orador: - Quando digo eu, quero dizer as Forças Armadas!

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Ah, bom!

O Orador: - Esclareçamos aqui este ponto, que é o do «sindicalismo», o das formulações feitas aqui em nome das Forças Armadas!

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Foi um lapsos linguae, mas é muito significativo: Esse « eu» vale a intervenção!

O Orador: - Sr. Deputado Raimundo Narciso, não vou responder dizendo que o senhor parece aqui, no Parlamento, um delegado sindical do Governo, porque pareceria mal estar a fazê-lo na presença do Governo. Mas digo-lhe uma coisa: se a sua concepção do debate sobre as Forças Armadas já chegou ao ponto de dizer que, num debate desta natureza, quem defende um certo modelo de financiamento é um delegado sindical das Forças Armadas, então V. Ex.ª e, realmente, ultrapassou tudo aquilo que me ensinou...

Risos do PS e do PSD.

... e já está numa fase em que, devo dizer, não só o aluno ultrapassou o mestre como está a sujeitar-se a uma firme e clara reprovação. Vai chumbar, Sr. Deputado Raimundo Narciso!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem agora a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Neste debate sobre a revisão da 2.ª Lei de Programação Militar, compete fazer aqui um primeiro balanço, ainda que não definitivo, da sua execução e pronunciarmo-nos sobre as propostas concretas de revisão dos investimentos programados.
Recordemos que, no debate de há quatro anos da 2.ª Lei de Programação Militar, o então Ministro da Defesa e os vários Deputados que intervieram revelaram uma clara consciência da extrema complexidade quer da elaboração da lei quer da sua execução, desde logo, porque se inseria num quadro de acentuada degradação da capacidade operacional dos três ramos das Forças Armadas, mas também porque havia a consciência de que nos encontrávamos numa fase de profundas transformações geo-estratégicas e de aceleradas modificações tecnológicas, que implicavam reformulações de fundo das alianças militares em que estamos inseridos e exigiam grande prudência na definição dos investimentos.
A tudo isto acrescia o facto de a 2.ª Lei de Programação Militar ter uma diferença essencial em relação à 1.ª Lei de Programação Militar: na verdade, enquanto a l.ª Lei assentava predominantemente na ajuda externa, esta 2.ª Lei assenta, em mais de 90%, em dotações do Orçamento do Estado, implicando um grande esforço financeiro nem sempre facilmente explicável a uma opinião pública para quem, muitas vezes, é pouco perceptível a natureza das ameaças que justificam esses investimentos.
Foi tendo em conta todos esses condicionalismos que a Lei de Programação Militar determinou que, no período de 5 anos da sua vigência, fossem feitas revisões de dois em dois anos, com reafectações de verbas, anulação de programas que viessem a mostrar-se desadequados e, mesmo, a inscrição de novos programas entretanto entendidos como necessários.
É, ainda, forçoso reconhecer hoje que, na altura, não foram previstas muitas das dificuldades que se vieram a verificar na aplicação concreta da lei.
A tudo isto acresce ainda que entre a 1.ª e a 2.ª LPM houve um ano de hiato, o que interrompeu o prosseguimento normal de programação das despesas militares.
Por outro lado, o elevado número de programas tornaram a sua gestão muito complexa. Só ao Exército compete gerir 41 programas, cada um dos quais subdividido em vários subprogramas.
Por outro lado ainda, o facto de a realização desta LPM depender essencialmente não da ajuda externa - e, portanto, de negociações governo a governo ou no seio das alianças de que fazemos parte - mas, sobretudo, de dotações do Orçamento do Estado, obriga as Forças Armadas a promover um elevado número de concursos públicos sem terem a necessária experiência na sua elaboração nem possuírem o apoio jurídico que os complexos cadernos de encargos exigem.

Página 1689

6 DE MARÇO DE 1997 1689

Aproveito para manifestar a opinião de que a futura LPM deverá ser acompanhada por uma lei-quadro reguladora das normas dos concursos públicos a promover pelas Forças Armadas, com cláusulas especiais que atendam à natureza específica das aquisições militares.
Além disso, nesta LPM estão inscritos programas dependentes de decisão política, decisão essa que veio a revelar-se muito mais complexa do que o inicialmente previsto.
Acresce a tudo isto o facto de a lei ter sido aprovada tardiamente, em 1993, pelo que, em termos práticos, se perdeu o primeiro ano de execução, além de não ter sido feita a primeira revisão que estava programada, com os consequentes prejuízos na sua execução.
Todos estes condicionalismos justificam a situação complexa em que nos encontramos ao abordar a actual lei de revisão da 2.ª Lei de Programação Militar.
A sua execução nos primeiros quatro anos é de pouco mais de 60%, o que não pode deixar de ser considerado razoável, tendo em conta o que atrás foi dito, revelando uma capacidade de gestão das Forças Armadas que não pode deixar de ser elogiada. Mas esse grau de execução leva a que tenhamos agora de discutir a aplicação não só dos 20 milhões de contos para 1997 mas também dos cerca de 42 milhões de contos, que correspondem a saldos não gastos em anos anteriores e que transitam para o último ano de vigência da lei.
Não nos leva a lado nenhum a questão de saber se há capacidade de execução, em 1997, da verba total de 62 milhões de contos, tendo em conta os montantes realizados em anos anteriores. Aliás, quer o Chefe do Estado-Maior-General quer as chefias militares dos três ramos das Forças Armadas, quando colocados, pela Comissão, diante dessas questões, foram unânimes em garantir total empenho na concretização de todos os investimentos.
A questão essencial está em saber se algum programa considerado importante fica prejudicado por esta revisão. Ora bem, todos os programas considerados objectivos essenciais desta Lei de Programação Militar mantêm-se com dotações que indicam clara vontade de os executar. Aliás, a actual proposta de lei de revisão revela um grande progresso ao indicar com rigor os vários programas e sub-programas a executar, incluindo os novos programas entretanto considerados essenciais pelas Forças Armadas, e indicando mesmo, claramente, quais os programas prioritários.
Propõe-se, ainda, no seu artigo 2.ª, uma cláusula de flexibilidade que permite afectar a esses programas prioritários verbas inscritas noutros programas que entretanto se venham a revelar de improvável execução. Esta cláusula de flexibilidade é essencial, tendo em conta a experiência anterior, e revela a vontade política do Governo de evitar que entraves burocráticos de última hora afectem a capacidade de investimento das Forças Armadas.
E, se me permitem, Srs. Deputados, também não me parece oportuno discutirmos hoje, aqui, qual o futuro de eventuais saldos correspondentes a verbas não gastas até Dezembro de 1997, data em que se conclui a vigenciada actual LPM. Esse debate deverá ser feito quando se debater a 3.ª Lei de Programação Militar e, como o Governo se compromete a apresentar essa 3.ª Lei ainda este ano, esta Assembleia terá, então, oportunidade de fazer uma avaliação serena da situação, de acordo com as informações do Ministério da Defesa e das chefias militares, incorporando, seguramente, na nova lei, a continuidade dos programas que considerar essenciais e que não tenham, entretanto, sido concluídos.
Aliás, dentro do rigor já assinalado que presidiu à actual proposta de lei, são já indicados com clareza quais os programas cuja execução se prevê transitar para além de 1997.
Também será garantido, como é óbvio, o pagamento de eventuais verbas que venham a ser comprometidas este ano mas que, por várias razões, só possam ser efectuadas depois de Dezembro de 1997.
Mas para não se dizer que fugimos às questões levantadas, esclareço, desde já, que a posição do PS é a de que os saldos decorrentes das despesas não efectuadas ou não comprometidas não devem transitar para a próxima lei de programação militar. Nessa questão, estamos de acordo com a política do anterior governo, quando, no final da vigência da l.ª Lei de Programação Militar, em Dezembro de 1991, não fez transitar, e muito bem, as verbas não gastas para o Orçamento seguinte. Trata-se de uma questão de rigor na gestão do dinheiro dos contribuintes e não seria aceitável que às Forças Armadas fosse concedido um estatuto de privilégio em relação a toda a Administração Pública.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não estamos aqui a debater a 3.ª lei de programação militar, pelo que não será correcto introduzir questões sobre o futuro das Forças Armadas. Esse debate terá lugar nesta Assembleia antes do final do ano. Estamos aqui a discutir um instrumento legal fundamental para as Forças Armadas poderem concretizar investimentos essenciais, na maior parte dos casos já aprovados por esta Assembleia em 1993.
A Comissão de Defesa Nacional pôde ouvir, com todo o pormenor, as explicações do Sr. Ministro da Defesa e dos responsáveis dos três ramos das Forças Armadas e todos se pronunciaram pela urgência da aprovação desta proposta de lei. Foi, aliás, em nome dessa urgência que a Comissão de Defesa Nacional acelerou os trabalhos de análise da proposta, permitindo o seu agendamento em curto espaço de tempo, numa atitude responsável, que o PS regista com apreço.
As Forças Armadas Portuguesas, o Governo e esta Assembleia da República possuem agora uma experiência muito rica sobre a gestão de investimentos plurianuais, a qual permitirá, seguramente, que a 3.ª lei de programação militar constitua um avanço em relação à actual lei.
Estamos a discutir a modernização essencial da nossa capacidade militar, por forma a que as Forças Armadas possam continuar, como até aqui, a garantir as missões que lhe estão atribuídas no plano nacional e no plano internacional.
O profundo empenho do Governo e da Assembleia da República na defesa do prestígio e da capacidade operacional das nossas Forças Armadas continuará a ser, como até aqui - estou certo disso! -, um factor determinante da solidez da nossa defesa nacional.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Inscreveu-se, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Pedro Campilho. Vou dar-lhe a palavra, mas, antes, informo-o de que o seu grupo parlamentar dispõe apenas de um minuto.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Campilho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Acácio Barreiros, vou fazer-lhe uma pergunta muito simples.

Página 1690

1690 I SÉRIE - NÚMERO 47

V. Ex.ª referiu-se à inovação da flexibilidade de gestão dos programas, à capacidade de os programas serem introduzidos ou modificados para execução de outros, se não houver possibilidade de os executar. A pergunta que lhe faço é muito simples: qual é, nessa altura, na sua opinião, a dead line, o limite, para que se possa tomar a decisão de passar um programa de um lado para o outro?
Isto, porque, embora V. Ex.ª tenha sido claro e não haja nenhum preceito legal nesse sentido, fiquei com a convicção de que os saldos não transitam e têm a vontade de fazer com que as coisas corram o melhor possível e se aproveitem o melhor possível as verbas disponíveis. Então, qual é o limite para a passagem desses programas?

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Campilho, tenho pena de não o poder esclarecer, mas, de facto, não tenho uma ideia precisa sobre o limite. Como o Sr. Deputado sabe, isso foi discutido com os comandos militares e foi dito que se pensa que o mês de Maio será, enfim, mais ou menos, a data limite para fazer a reformulação dos investimentos. O que penso ser importante nesta cláusula de flexibilidade é que não é um cheque em branco, ou seja, estão indicados os programas prioritários e foi bem explicado o que é que se pretendia fazer.
Portanto, penso poder depreender das suas, palavras o total acordo com esta proposta de lei, nomeadamente com o artigo 2.ª.

O Sr. Pedro Campilho (PSD): - Quanto ao meu acordo, no final veremos!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Vou fazer uma intervenção muito breve sobre esta matéria, uma vez que ela já foi aqui amplamente discutida e são conhecidas as posições dos diversos grupos parlamentares. Porém, não descuro a necessidade de salientar um ou dois pontos políticos que me parecem importantes, o primeiro dos quais tem a ver com o objectivo das leis de programação militar.
As leis de programação militar, de facto, destinam-se a incorporar e a programar a aplicação de planos de médio prazo de investimento público no reequipamento das Forças Armadas e nas infra-estruturas de defesa, o que significa que está aqui presente uma ideia e uma necessidade de planeamento a médio prazo. A lei de revisão que estamos hoje a discutir parece-me representar o fracasso desse planeamento relativamente a este quinquénio, planeamento que, aliás, julgo absolutamente indispensável, pois estamos a falar de investimentos muito vultosos, estamos a falar de uma área onde não pode haver, obviamente, uma apreciação casuística das necessidades de programação militar.
Ora, a baixa taxa de execução que esta Lei de Programação revela, bem como o atraso na sua execução, introduzem, de facto, um elemento negativo e de crítica relativamente a este planeamento não conseguido tanto por este Governo como pelo anterior, uma vez que esta Lei de Programação sofreu uma mudança governamental decorrente das eleições de 1995.
Em segundo lugar, quero também dizer aqui que o Governo, no proémio da proposta que nos enviou, encontra várias justificações e causas para esse atraso, as quais são claras no que respeita, por exemplo, às indefinições quanto à capacidade submarina, de que já tivemos oportunidade de falar aqui, e à suspensão ou congelamento até ao momento do programa de aquisição dos helicópteros para as Forças Armadas. Aqui, até se desenha, porventura, alguma descoordenação no Governo, porque se tratava de helicópteros que abrangiam não só as necessidades do Ministério da Defesa Nacional mas também as do Ministério da Administração Interna, no que respeita ao Serviço Nacional de Bombeiros, ideia que foi entretanto abandonada, o que significa, portanto, que o Governo não conseguiu formar atempadamente uma ideia concreta em relação ao tipo de helicópteros e aos serviços ou missões que deviam prosseguir.
Por outro lado, já foi aqui referida, igualmente, a complexidade da aplicação do Decreto-Lei n.º 55/95 aos processos aquisitivos, mas, também aqui. o Governo, conforme o Sr. Ministro já confessou, podia ter enveredado por um programa ou por um método simplificado que não afectasse a necessidade óbvia de transparência nestes processos aquisitivos. Não o fez e podia tê-lo feito, uma vez que a aquisição de material de defesa está excluída do âmbito de aplicação desta legislação.
Além disso, também foi referido o atraso de oito meses com que esta lei entrou em vigor em 1993.
Trata-se, enfim, de razões que, ligadas ainda às constantes mutações do quadro geo-estratégico, com certeza absoluta, levaram a alterar algumas das opções nos sistemas de armas, mas que, de facto, não fazem esquecer o fracasso desta necessidade política de planeamento do investimento nas Forças Armadas e nos equipamentos de defesa.
Quero deixar muito claro que o nosso grupo parlamentar não atribui esta responsabilidade aos ramos militares nem aos chefes militares, uma vez que, na lei, a responsabilidade pela promoção da execução atempada e planificada da lei de programação militar compete ao Governo e, portanto, o Sr. Ministro, como representante do Governo nesta área, tem de responder por ela.
Ora, tudo isto me leva, muito rapidamente, a tirar a seguinte conclusão: há necessidade de este Governo prestar garantias de execução atempada de futuras leis de programação militar e também da conclusão desta. É que não nos podemos esquecer de que estamos a falar de matérias tão importantes como reestruturação, redimensionamento e reequipamento das Forças Armadas Portuguesas, estamos a falar de matérias tão relevantes como o aumento da capacidade militar em áreas onde se situam as nossas maiores vulnerabilidades neste domínio e também da adaptação das nossas Forças Armadas às novas missões e às novas necessidades decorrentes das contínuas mutações geo-estratégicas a que todos assistimos, estamos a falar de um correcto e eficaz enquadramento das nossas Forças Armadas no âmbito da NATO e também da UEO.
Por isso, torna-se necessário que, pelo menos, tiremos a lição para o futuro de que os programas militares passarão a merecer uma outra atenção e um outro cuidado na sua planificação e no seu planeamento. E há programas que são relevantíssimos para o futuro das Forças Armadas, para a defesa nacional e para a independência do País, alguns dos quais estão referidos na própria legislação e no relatório que acompanhou esta discussão parlamentar.
Refiro, desde logo, o SICOM, o sistema de comunicações do comando operacional do EMGFA, e o seu enqua-

Página 1691

6 DE MARÇO DE 1997 1691

dramento no sistema de comunicações da NATO; refiro, e realço novamente, o Programa Manutenção da Capacidade Submarina e a necessidade de evitar que se perca essa capacidade no futuro, por falta de decisões políticas atempadas, pois sei bem que estamos a falar de muito dinheiro; refiro outro programa, que me parece, de facto, muito importante e que tem a ver com reequipar os Fuzileiros e dota-los de uma adequada capacidade de combate, pois trata-se de uma tropa de elite que não pode ficar esquecida; retiro o concurso e o programa de aquisição dos helicópteros, a defesa antiaérea, no domínio do Exército, e ainda, obviamente, ao programa de modernização dos F-16, agora que atingem a sua meia-idade.
Se bem que entenda e procure fazer um esforço para entender estes novos conceitos de planeamento deslizante que nos trazem aqui de dois em dois anos, os quais têm, pelo menos, a virtualidade de obrigar a Assembleia da República a ter uma intervenção mais sistemática nesta matéria, espero, mas espero sinceramente, Sr. Ministro, que, no futuro, este planeamento deslizante não se transforme num verdadeiro deslize no planeamento da aquisição dos equipamentos para as Forças Armadas.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional, que vai beneficiar de uma doação de tempo por parte do PS, que, de acordo com o Regimento, é de cinco minutos.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero agradecer ao PS por poder beneficiar deste «saldo», o saldo do tempo.

Risos.

Em segundo lugar, inscrevi-me apenas para esclarecer dois pontos que me pareceram importantes no decurso do debate e que gostaria que ficassem claros.
Em relação a um ponto de filosofia, que tema a ver com a intervenção do Sr. Deputado João Amaral, gostaria de deixar claro que a antinomia que o Sr. Deputado João Amaral coloca, no investimento em equipamento exclusivamente dedicado à garantia e salvaguarda da independência nacional e da defesa do território nacional e o investimento em equipamentos que nos fazem participar num sistema de alianças que asseguram a defesa colectiva, não é partilhada pelo Governo. Esta é uma divergência de filosofia, de fundo.
Entendemos que o facto de estarmos a investir em modernização e equipamento das Forças Armadas para melhor garantir as nossas responsabilidades no contexto das alianças em que participamos é também um investimento na garantia e na salvaguarda da independência nacional. Portanto, não há contradição, há cumulação de objectivos.
A minha segunda observação é relativa à intervenção que acabou de ser feita pelo Sr. Deputado Luís Queiró. O calembur, o jogo de palavras entre o planeamento deslizante e o deslize do planeamento é interessante. Acho que há, de facto, diferenças entre planeamento deslizante e planeamento deslaçante e o que é preciso é impedir que o deslize dê em deslaçamento. E isso não é apenas um jogo de palavras, tem a ver com o facto de permitir o enquadramento do debate sobre a questão dos saldos.
Por isso, pergunta-se se o que é mais importante é decidir em abstracto e em globo a locação de meios financeiros ou se é garantir as condições para a tomada de decisões sobre os equipamentos a adquirir e garantir a sustentação financeira dessas decisões. Pessoalmente, penso que o que deve preocupar e centrar o debate, aqui, nesta Assembleia, é a decisão sobre o tipo de equipamentos a adquirir, ficando a sua sustentação financeira garantida no quadro de um exercício plurianual, que naturalmente não se esgotará no ano de 1997.
Há pouco pretendi dar esta resposta ao Sr. Deputado Falcão e Cunha, quando ele me perguntou se será possível gastar os 10 milhões de contos previstos para os submarinos no ano de 1997. Não sei responder a essa pergunta e devo dizer que não me parece ser essa a questão essencial. A questão essencial é a de que é imprescindível ter uma decisão em 1997 sobre os submarinos, de maneira a que a primeira unidade possa entrar em operação no ano de 2001, sem que haja perda da capacidade submarina na nossa Marinha. Se isso se traduz, forçosamente, no gasto efectivo de 10 milhões de contos no ano de 1997, parece-me ser apenas uma decorrência da necessidade da decisão. Se houver uma boa negociação quanto à decisão, provavelmente não é necessário gastar 10 milhões de contos em 1997, mas cumpre-se o objectivo essencial, que é ter a decisão e firmar o contrato para garantir a subsistência da capacidade submarina em Portugal.
Esta é que é a minha preocupação essencial.
Quanto à questão dos saldos, o Sr. Deputado João Amaral entende que a proposta que fez é inútil, porque já decorria da lei, mas «como o seguro morreu de velho», pelo sim e pelo não, o Sr. Deputado João Amaral acabou por trazer a proposta.
Devo dizer, com toda a sinceridade, que tenho uma interpretação contrária, à luz da Lei-Quadro das Leis de Programação Militar.
Na realidade, não há qualquer violação da Lei-Quadro das Leis de Programação Militar quando se interpreta as mesmas no sentido de que os saldos transitam, em termos plurianuais, no quadro do exercício da mesma lei de programação militar, mas não transitam de lei de programação militar para outra lei de programação militar. E o que resulta do facto do n.º 4 do artigo 4.º, que foi, aliás, introduzido na redacção originária da Lei-Quadro das Leis de Programação Militar, prever que os saldos só transitam no fim de cada ano económico para o orçamento do ano seguinte, para reforço das dotações dos mesmos programas até à sua completa execução, interpretado à luz do n.º 2 do artigo 4.º, que diz que «em execução da lei de programação militar poderão ser assumidos os compromissos necessários para os períodos abrangidos (...)» - sendo os períodos abrangidos o período de execução dessa mesma lei de programação militar -, «(...) mediante os procedimentos estabelecidos e respeitadas as competências próprias».
Não se trata de um problema de interpretação desejada porque nem sequer estou aqui a centrar o debate no de sentido de «fechar portas» ou de fazer afirmações apolíticas. O que estou aqui a dizer apenas é que o momento para tomar uma decisão desse género e desse jaez é a 3.ª lei de programação militar. De facto, se virmos, em paralelo com o passado, em termos de programação militar, o que verificamos é que no ano de 1991 se concluiu a execução da 1.ª Lei de Programação Militar e os saldos existentes à época, três milhões de contos, caíram, no sentido de que não foram repescados subsequentemente, foram devolvidos ao Tesouro, não tiveram qualquer aplicação para o equipamento das Forças Armadas.

Página 1692

1692 I SÉRIE - NÚMERO 47

Houve a lei intercalar de 1992, que gerou um saldo, também ela, de cerca de 3,8 milhões de contos, e esse saldo foi recuperado pela 2.ª Lei de Programação Militar em 1993. É a 2.ª Lei de Programação Militar que, numa decisão autónoma e independente de qualquer trânsito automático, pois não está previsto na Lei-Quadro das Leis de Programação Militar, torna à decisão de repescar os saldos de 1992.
Mais, a decisão tomada por esta Assembleia da República; em 1993, de inscrever os saldos da lei intercalar de 1992 não foi em acréscimo à dotação orçamental para 1993, em sede de Lei de Programação Militar, foi em abatimento ao tecto financeiro definido para o primeiro ano de execução da 2.ª Lei de Programação Militar, isto é, os 21 milhões de contos que estavam inscritos corresponderam a 17 milhões de dotação orçamental e 3 milhões de saldos que transitaram do passado.
Isto para demonstrar que a questão do trânsito automático não resolve nenhum problema de fundo, porque se o trânsito automático se traduzir na diminuição do tecto financeiro para o primeiro ano de execução da 3.ª Lei de Programação Militar, é um jogo de soma nula.
O que estou a dizer é que entendo que essa decisão deve ser tomada no contexto do debate da 3.ª Lei de Programação Militar. E acrescento mais: é evidente que é possível raciocinar sobre esta matéria com o objectivo de diminuir o défice, mas também é possível raciocinar sobre esta matéria e adoptar soluções instrumentais cujo único objectivo é agravar o défice sem salvaguardar os interesses da programação militar.
Portanto, entre essas duas soluções, creio que há outras susceptíveis de ser encaradas, que não agravam o défice apenas pelo desporto de tornar mais difícil a corrida de obstáculos para chegar à moeda única, há métodos que não precisam, forçosamente, de sacrificar os interesses das Forças Armadas para salvaguardar a contenção da despesa pública. Não há, portanto, da minha parte, Sr. Deputado João Amaral, nenhuma «malandrice»!
Com esta proposta, não vou dizer que o Sr. Deputado actuou como sindicalista, de maneira nenhuma, não é o seu perfil... Digamos que, no limite, o Sr. Deputado João Amaral actuou como gestor de negócios, o que só lhe fica bem.

O Sr. João Amaral (PCP): - Olhe que essa do gestor de negócios não é comigo!

O Orador: - Gestor de negócios no sentido do Código Civil! Não há negócio mais nobre do que o que vem previsto no Código Civil - negócio jurídico, naturalmente.
Como acho que o momento em que esta Assembleia tem de tomar a decisão sobre os saldos é aquando da discussão da 3.ª Lei de Programação Militar, que vai ser discutida próximo do Natal, sugiro ao Sr. Deputado João Amaral que retire agora a sua proposta e a apresente em Dezembro deste ano, o que poderá fazê-lo passar à História não como gestor de negócios nem como sindicalista mas como «Pai Natal das Forças Armadas»!

Risos e aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado João Amaral, pediu a palavra mas não dispõe de tempo. Para que efeito pretende usar da palavra?

O Sr. João Amaral (PCP): - Se o Sr. Presidente não quiser ser o meu «Pai Natal», farei uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Não estamos ainda no Natal. De qualquer modo, tem a palavra.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito obrigado, Sr. Presidente. Neste jeito quase de interpelação, diria o seguinte: Sr. Presidente, eu nunca disse que o trânsito se faria para a 3.ª Lei de Programação Militar e essa á a grande diferença entre o meu raciocínio e o do Sr. Ministro. Porque se o trânsito é feito para a 3.ª Lei de Programação Militar, isso, do ponto de vista financeiro, é o mesmo que não aproveitar os saldos. A outra técnica é fazer reverter os saldos para o orçamento mas com afectação definida, o que é a mesma coisa, do ponto de vista financeiro, pois significa que, em vez de 35 milhões em 1998, para o primeiro ano de aplicação da Lei de Programação Militar, será inscrito um número que resulta da diferença entre 35 milhões e o saldo desta lei. Do ponto de vista de vista financeiro, é a mesma coisa!
Porém, o que eu digo é que nada na Lei de Programação Militar permite infirmar a ideia de que as verbas que estão afectadas na actual Lei de Programação Militar para o cumprimento de determinados programas militares concretos não devam continuar a ser aplicadas a esses programas enquanto eles não estiverem concluídos - completamente concluídos ou concluída a fase que estava prevista nesta Lei de Programação Militar.
Continuarei a defender esta tese, Sr. Ministro, e a sua argumentação, em termos jurídicos, não me convenceu. Todavia, compreendo-o: é que V. Ex.ª quer ser, em relação a esta polémica, não um jurista mas um político, e não vou dizer que quer ser o Ali Babá das Forças Armadas porque parecia mal!

Risos gerais.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado João Amaral, já que fez uma interpelação à Mesa e sem pretender ser gestor de negócios do Governo, devo dizer-lhe que o trânsito que propõe envolve manobras perigosas e pode acabar em acidente.

Risos gerais.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, em jeito de interpelação, gostaria que ficasse registado que a divergência de interpretação jurídica entre mime o Sr. Deputado João Amaral subsiste.
Na versão do Sr. Deputado passariam a existir duas leis de programação militar em aplicação simultânea - a nova, a 3.ª, e a 2.ª, jacente e moribunda - à custa dos saldos que se arrastariam sabe Deus por quantos anos. Todavia, é uma interpretação que não perfilho, pois não há coincidência nesta matéria.
De todo o modo, assim como o Sr. Deputado não está metido em negócios, também não tenho nada a ver com 40 ladrões.

Risos gerais.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, está encerrado o debate, na generalidade, da proposta de lei em apreço. Faremos a sua votação amanhã, juntamente com outros diplomas, no período habitual de votações.
A próxima reunião terá lugar amanhã, às 15 horas. Do período de antes da ordem do dia constará um debate de urgência sobre o estado da agricultura em Portugal e votos

Página 1693

6 DE MARÇO DE 1997

para assinalar o Dia da Mulher e do período da ordem do dia a discussão conjunta de propostas de lei 57 e 64/VII. Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 35 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Manuel Alegre de Melo Duarte.
Rui Manuel dos Santos Namorado.

Partido Social Democrata (PSD):

Arménio dos Santos.
Bernardino Manuel de Vasconcelos
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
João Álvaro Poças Santos.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
José Augusto Gama.
José Carlos Pires Póvoas.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António de Almeida Santos.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.

Partido Social Democrata (PSD):

António Paulo Martins Pereira Coelho.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Gilberto Parca Madaíl.
José Mendes Bota.
Luís Carlos David Nobre.
Manuel Acácio Martins Roque.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Armelim Santos Amaral
Manuel Fernando da Silva Monteiro.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

Página 1694

1694 I SÉRIE - NÚMERO 47

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

Depósito legal n.º 8818/85

I - Preço de página para venda avulso, 9$50 (IVA incluído).

2-Para os novos assinantes do Diário da Assembleia da República, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Outubro, Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa.

3-O texto final impresso deste Diário é da responsabilidade da Assembleia da República.

PREÇO DESTE NÚMERO 380$00 (IVA INCLUÍDO 5%)

Toda a correspondência, quer oficial, quer relativa a anúncios e a assinaturas do «Diário da República» e do «Diário da Assembleia da República», deve ser dirigida à administração, da Imprensa Nacional - Casa da Moeda, E.P., Rua de D. Francisco Manuel de Melo, 5-1099 Lisboa Codex

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×