O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1935

Quinta-feira, 3 de Abril de 1997

I Série - Número 56

DIÁRIO

Da Assembleia da República

VII LEGISLATURA

2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 2 DE ABRIL DE 1997

Presidente: Ex.mo Sr. António de Almeida Santos

Secretários: Ex.mos Srs. Artur Rodrigues Pereira dos Penedos
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz

SUMÁRIO

1.ª Parte - Para comemorar os 21 anos da Constituição da República e homenagear a memória dos ex-Deputados Sá Carneiro e Salgado Zenha, às 15 horas e 35 minutos entrou na Sala das Sessões o cortejo em que se integravam o Presidente da República, Jorge Sampaio, o Presidente da Assembleia da República, Almeida Santos, os Vice-Presidentes, os Secretários da Mesa, a Secretária-Geral da Assembleia da República e o Chefe do Protocolo do Estado.
Na Sala encontravam-se já, além dos Deputados, dos Ministros da Presidência (António Vitorino), dos Negócios Estrangeiros (Jaime Gama) e da Justiça (José Vera Jardim), do Ministro Adjunto (Jorge Coelho) e do Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Costa), familiares dos homenageados e outros convidados.
Constituída a Mesa, na qual o Sr. Presidente da República tomou lugar à direita do Sr. Presidente da Assembleia da República, a Banda da Guarda Nacional Republicana, postada nos Passos Perdidos, executou o Hino Nacional.
Seguiram-se os discursos dos Srs. Deputadas Isabel Castro (Os Verdes), Luís Queiró (CDS-PP). Luís Sá (PCP), Barbosa de Melo (PSD) e António Reis (PS), do Sr. Presidente da Assembleia da República e do Sr. Presidente da República.
Eram 17 horas e 15 minutos quando a .sessão foi suspensa para se proceder à cerimónia do descerramento dos bustos dos ex-Deputados Sá Carneiro e Salgado Zenha.

2.ª Parte - A sessão plenária teve reinicio às 17 horas e 55 minutos, tendo-se dado conta da entrada na Mesa das propostas de lei n.º 78 e 79/VII e dos projectos de lei n.º 292, 293 e 294/VII.
Foi discutida a proposta de resolução n.º 38/VII - Aprova, para ratificação, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e o Acordo Relativo à Aplicação da Parte XI desta Convenção. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Costa), os Srs Deputados Carlos Luís (PS), Guilherme Silva (PSD). Nino Abecasis (CDS-PP), Moreira da Silva (PSD), Rubem de Carvalho (PCP) e Isabel Castro (Os Verdes)
A Câmara aprovou um parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias autorizando a retoma do mandato de um Deputado do PSD e de outro do PCP.
Entretanto, foi aprovado o projecto de deliberação n.º 38/VII - Prorrogação do período de funcionamento da Comissão Eventual para a Revisão da Constituição (Presidente da AR), tendo usado da palavra os Srs. Deputados Guilherme Silva (PSD), António Braga (PS), Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP), Octávio Teixeira (PCP) e Isabel Castro (Os Verdes).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 30 minutos.

Página 1936

SÉRIE - NÚMERO 56 1936

O Sr. Presidente: - Sr. Presidente da República, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Srs. Convidados, declaro aberta esta sessão comemorativa do 21.º aniversário da aprovação da Constituição da República Portuguesa e de homenagem à memória dos ex-Deputados Sá Carneiro e Salgado Zenha.

Eram 15 horas e 35 minutos.

A Banda da Guarda Nacional Republicana executou o Hino Nacional.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco José Pinto Camilo.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Henrique José de Sousa Neto.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
Joaquim Moreira Raposo.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos das Dores Zorrinho.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Lameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Mário Manuel Videira Lopes.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.

Página 1937

3 DE ABRIL DE 1997 1937

Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Calvão da Silva.
João Carlos Barreiras Duarte.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Macário Custódio Correia.
José Manuel Costa Pereira.
José Mário de Lemos Damião.
José Mendes Bota.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Menezes Lopes.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Rui Fernando da Silva Rio.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Afonso de Pinto Galvão Lucas.
Armelim Santos Amaral.
Fernando José de Moura e Silva.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Manuel Fernando da Silva Monteiro.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia da Silva.
Nuno Cruz Abecasis.
Sílvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
Bernardino José Torrão Soares.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
João António Gonçalves do Amaral.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, em nome Do Grupo Parlamentar de Os Verdes, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (os Verdes):- Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs.
Convidados, Sr.as e Srs. Deputados: Celebra hoje a

Página 1938

I SÉRIE - NÚMERO 56 1938

Assembleia da República mais um aniversário da Constituição de 1976.
Disse celebra? Disse e repito-o nos exactos termos em que, para nós, essa celebração se entende: a celebração da Constituição como o momento de reflexão sobre o nosso passado recente, que não deve, que não pode ser esquecido, e sem a referência matricial do qual não será possível dar presente ao futuro; a celebração da Constituição como o momento que nos remete inevitavelmente para a lembrança do fim da ditadura, para o 25 de Abril, para as primeiras eleições livres na sequência dele realizadas, para a esperança de milhares de mulheres e homens juntos, finalmente juntos, num gesto novo em liberdade, a eleger pela primeira vez a sua Assembleia, os seus Deputados e aneles confiar para que das suas mãos nascesse um novo texto constitucional, de ruptura com o passado.
Um texto novo para um tempo novo, acreditava-se...
Um desafio que não foi fácil, mas os Constituintes souberam honrar; no confronto das suas ideias, na vivacidade do debate, na pluralidade de opiniões e na diversidade de conceitos, elaborando, no novo Parlamento, um texto que o fez, então, credibilizar.
Um texto de extrema importância: programático, definidor dos nossos valores fundamentais, orientador do sentido da construção que à nossa história colectiva pretendíamos imprimir para o futuro, e orientador do sentido da construção que se cria traçar - uma sociedade humanizada, solidária, justa e ecologicamente equilibrada.
Um texto, como autêntica "carta da liberdade", consagrados de um conjunto de clássicos direitos, liberdades e garantias fundamentais, que o regime ditatorial de todo eliminara.
Mas, mais e ainda, um texto definidor de um vasto conjunto de direitos positivos de natureza económica, social, cultural e ambiental - também eles negados no passado -, de modo a dar conteúdo a um conceito global e indivisível de democracia: a democracia não só como a liberdade mas como as condições do exercício dessa liberdade.
Um conceito que hoje, mais do que nunca, faz sentido sublinhar nesta celebração que não temos para nós como ritual esvaziado de conteúdo, que não entendemos como simples evocação e homenagem saudosa àqueles que marcaram este lugar, e a morte já roubou, que não confundimos com desejo de travar a História, congelar o tempo e recusar a mudança; mas uma celebração que nós, Os Verdes, preferimos associar à memória viva das coisas vivas, lembrando precisamente, neste momento em que a Constituição da República atinge a sua idade maior, que há valores, como a liberdade e a solidariedade, que não morreram, que não morrem, que não perdem a sua juventude, que resistem ao tempo e que resistem à mudança; valores eternos de que hoje, mais do que nunca, Srs. Deputados, em nome da nossa memória, importa não abdicar; valores que constituem, inquestionavelmente, um valioso e indivisível património de direitos, que é forçoso, enquanto reserva colectiva, saber preservar, pondo fim ao tremendo fosso entre a sua proclamação e a sua vivência, dando-lhes o conteúdo que, em muitos domínios da política, do social e do cultural, não raro lhes falta, sob pena de total descrédito das instituições e da própria democracia.
Uma nova fase, que se reclama, que permita ultrapassar o velho patamar da proclamação de direitos para o seu exercício; uma nova fase em que não basta proclamar paixões, porque aquilo que verdadeiramente conta é fazê-las viver - da educação à cultura, da saúde à habitação, do emprego à reforma.
Direitos e bens estes que não podem ficar à mercê da vulgar lógica dos mercados, vendidos como se de um qualquer bem de consumo se tratasse; direitos e bens que a todos têm de ser garantidos e que, por isso, têm de ser socialmente partilhados. Trata-se de um investimento que não é um investimento qualquer, mas um investimento do País na sua riqueza maior, nas pessoas - aquelas que lhe dão identidade, corpo e sentido, aquelas que quotidianamente constróem o seu presente, aquelas que garantirão o seu futuro.
Um futuro, Srs. Deputados, que há que, também ele, de modo antecipativo, equacionar no Texto constitucional, numa reflexão que atenda às transformações da sociedade portuguesa, aos novos fenómenos que nela se manifestam, aos diferentes contornos da organização social, aos sinais de mudança que é preciso interpretar e fazer reflectir numa nova geração de direitos, que façam evoluir conceitos, que incorporem novos bens jurídicos, que atendam aos novos desafios da ciência, que alarguem mecanismos de garante e de controlo dos cidadãos face às instituições, que diversifiquem formas de participação nas tomadas de decisão e que respondam aos novos paradigmas que se colocam à Humanidade.
Direitos esses que correspondam à multiplicidade da organização familiar e que a protejam, qualquer que seja a expressão que ela assuma; que tenham em conta os direitos dos homossexuais; que, atentos ao eclodir dos inquietantes fenómenos de intolerância, combatam o racismo, garantam os direitos dos imigrantes e respeitem os direitos das minorias étnicas, como a dos ciganos, hoje tão gravemente ameaçada no nosso País; que dêem resposta aos gritantes problemas de exclusão social; que ponham fim à estigmatização dos deficientes; e que não se alheiem do novo debate que à bioética nos impõe travar.
Direitos e respostas novas que urge encontrar para questões como a igualdade e a não discriminação entre sexos, como uma questão-chave dos direitos humanos e da igualdade de oportunidades entre mulheres e homens, manifestamente longe de, até hoje, ter sido atingida, uma situação gritante que, nos nossos dias, confronta não as mulheres mas a sociedade no seu conjunto com as suas limitações, falências-limite, que põem em causa a própria democracia; enfim, uma realidade que impõe uma redefinição de conceitos, valores e a adopção de uma estratégia que permita ultrapassá-la. Uma estratégia que, à linear lógica dos números - que qualquer quota poderia sugerir -, se não restringe, antes está muito para além desta, na identificação das causas, na interpretação dos interditos, na assumpção da discriminação, que no feminino se conjuga. Uma estratégia que a todos os níveis de organização da vida comunitária importa implementar: na educação, na formação, na cultura, na vida profissional e económica, na vida privada e familiar, na vida pública e política.
Respostas ainda que se reclamam prioritárias perante o novo paradigma que à Humanidade se coloca e que o Texto constitucional tem de encontrar na defesa dos valores ambientais, como os valores da vida, da paz, como valores inerentes ao próprio desenvolvimento.

Página 1939

3 DE ABRIL DE 1997 1939

Um desenvolvimento que sustentado se enuncia, mas não basta rotular, como se de uma fórmula esvaziada de conteúdo se tratasse. Antes importa caracterizar e preencher nos seus traços diferenciadores, na perspectiva da solidariedade e do respeito para com os direitos das gerações vindouras, na visão de longo prazo, na prevenção, na responsabilização individual e colectiva e na busca de diferentes formas de viver, de produzir e de consumir, o que, na visão cultural implícita, determina a garantia do acesso à informação e a participação democrática de todos em igualdade na tomada de decisão.
Respostas, pois, que correspondam a uma relação ética que permita uma diferente relação do homem com a natureza e do homem consigo próprio; uma relação que favoreça uma utilização racional dos recursos e uma partilha socialmente justa.
Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da Repúblicas, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Convidados: A Constituição da República que hoje celebramos, como grande "carta de liberdade", de organização social, de estruturação na diversidade do poder político e dos direitos fundamentais, constitui um marco de referência colectiva da nossa História, não apenas da recente.
Ela é, pois, um bem comum que urge preservar; um bem que não é passível de troca; um bem que não pode ficar ao sabor de acordos de bastidor; um bem que não pode ser submetido à pequenez lógica de mesquinhos interesses partidários e à mercê de vulgares negócios de ocasião.
A Constituição da República que hoje celebramos é um bem que é pertença de todos nós, que a todos obriga e que a todos respeita.
Celebrá-la é, pois, dizer isso mesmo, mas celebrá-la é também dizer que a sua defesa é uma responsabilidade de que todos e cada um de, nós não devemos abdicar.

Aplausos de Os Verdes, do PCP e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, em representação do Grupo Parlamentar do CDS-PP, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. e Srs. Convidados, Srs. Deputados: A efeméride que hoje assinalamos tem um particular significado para o Partido Popular, que se associa à comemoração de mais este aniversário da Lei Fundamental com a consciência de que é necessário reflectir sobre o percurso que nos trouxe até este momento.
Esta reflexão implica a referência, ainda que breve, à evolução registada pela Constituição da República de 1976.
Todos se recordam de que o texto inicial da Constituição era profundamente programático, dominado por ideais socializantes e marcadamente estatistas.
Em 3 de Abril de 1976, o CDS, agora Partido Popular, votou contra.
Mas votámos contra, note-se, o articulado global da Constituição, não contra os ideais que o povo português incumbiu os Deputados constituintes de consagrar na lei fundamental.
Não votámos contra a dignidade dos homens livres que voluntariamente limitam o poder, assim fundando o próprio conceito de soberania do povo.
Não votámos contra a responsabilidade dos cidadãos que, por direito próprio, criam as instituições, escolhem o regime em que pretendem viver, os homens que os hão-de governar e as propostas políticas que melhor correspondem às suas aspirações.
Não votámos contra o reconhecimento do valor e da dignidade essencial da pessoa humana e dos direitos fundamentais em que estes se exprimem.
Votámos contra, isso sim, a instrumentalização da Constituição por forças temporalmente maioritárias, o aprisionamento do povo português a um dado momento da sua História e, reflexamente, a alienação da soberania sobre o seu próprio futuro.
Quisemos impedir a consagração formal de dogmas como a apropriação colectiva dos meios de produção, dos solos e recursos naturais, a absurda mitificação do plano como instrumento privilegiado do progresso económico e ainda a limitação do sector privado da economia a um papel remanescente e sobrante no quadro geral da actividade económica.
Fizemo-lo na convicção de que exercitávamos um dos direitos primaciais da democracia: o direito de dizer não, porque só em democracia é possível dizer não, só em democracia é possível sustentar o pluralismo e recusar a unanimidade.
Foi, em suma, não só um voto de liberdade mas uma atitude de coragem, que apenas viria a ser compreendida - não por todos, saliente-se - anos mais tarde.
Com a primeira revisão pôde finalmente iniciar-se o consenso democrático em torno da Constituição, que permitiu sacudir o paternalismo marxista, abrir o leque constitucional à expressão de princípios alternativos aos que dataram a Constituição em 1976 e prepará-la para o caminho que, desde aí, a tem orientado no sentido do pluralismo democrático.
No debate político dessa revisão, o CDS sempre esteve na primeira linha da modernização da Constituição, na tentativa de encontrar um fim para a querela constitucional, pois sempre entendemos a lei fundamental como um espaço de consenso e de tranquilidade entre os portugueses.
Nessa medida, batemo-nos pela extinção do Conselho da Revolução e pela criação de órgãos normais de tipo democrático, como o Conselho de Estado, o Tribunal Constitucional e o Conselho Superior de Defesa Nacional; pugnámos pela eliminação definitiva da legitimidade revolucionária e a consagração da legitimidade democrática; propusemos a supressão de todas as referências a noções antidemocráticas e ultrapassadas e a afirmação, em toda a sua plenitude, do conceito de Estado de direito democrático; defendemos a atribuição da fiscalização da constitucionalidade das leis a um genuíno Tribunal Constitucional, formado unicamente por juristas; obtivemos a constitucionalização do estatuto da oposição, nos precisos termos que constavam de lei ordinária proposta pelo CDS.
Congratulamo-nos, por isso, com o importante contributo que demos no sentido de ajudar a Constituição a ultrapassar a concepção dos que nunca entenderam o 25 de Abril como a revolução para a democracia e sempre tentaram a revolução contra a democracia.

Página 1940

I SÉRIE - NÚMERO 56 1940

Não deixámos, porém, de manifestar na altura aquilo que, em nosso entender, se manteve como carga fortemente negativa: a referência feita ao socialismo, como meta da sociedade portuguesa; a permanência, sem alteração, de parte significativa das normas respeitantes à organização económica; e anão consagração das modificações que julgávamos indispensáveis em matéria de reforma agrária.
Impunha-se, por isso, rever novamente a Constituição, condição essencial para evitar o divórcio entre um articulado normativista e a realidade de uma sociedade que se revelava cada vez mais alheia ao modelo que lhe havia dado origem.
Esta ruptura tornou-se patente a partir do momento em que se concretizou a adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, que, como é sabido, assenta todo o seu processo de integração nas virtudes da livre concorrência e da iniciativa privada.
A revisão de 1989 foi um passo decisivo neste sentido, mas também no do aprofundamento da democracia, graças à instituição, embora não à utilização, do referendo político e legislativo como instrumento adequado à concretização do princípio democrático.
O caminho até aqui percorrido, de que demos breve nota, só foi possível porque neste Parlamento subsiste, desde 1982, um arco constitucional formado pelos partidos democráticos, do qual apenas ficaram de fora aqueles que sempre teimaram em manter uma Constituição estática, dissociada da evolução da sociedade.
Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados: Tanto o consenso constitucional democrático como a inexistência de querela constitucional foram difíceis conquistas do nosso edifício político e é necessário preservá-las como valores em si mesmos da nossa democracia.
A Constituição da República Portuguesa está novamente a passar por um processo de revisão.
Já tivemos ocasião de referir os motivos da nossa discordância relativamente ao acordo de revisão constitucional recentemente assinado entre as direcções partidárias do PS e do PSD.
Entendamo-nos, porém: o referido acordo contém aspectos positivos, aos quais o Partido Popular manifestou o seu assentimento, por se aproximarem de ideias que sempre defendeu e propôs.
O CDS-Partido Popular, aliás, tem sido sistematicamente pioneiro nos processos de revisão constitucional. Fomos os primeiros a salientar que pretendíamos a modernização do sistema político, o aprofundamento da democracia participativa e a valorização do papel dos cidadãos portugueses.
Mas o acordo de revisão constitucional apresenta-se-nos marcado por duas consequências contraditórias. O conjunto de boas soluções e avanços na modernização constitucional, que o assinalam pela positiva, é acompanhado por propostas que podem pôr em risco a convivência dos partidos democráticos que formam o arco constitucional. Referimo-nos, designadamente, às alterações acordadas em matéria de sistema eleitoral.
Por princípio, entendemos que as alterações constitucionais não podem ficar dependentes das boas intenções do legislador ordinário, porque isso seria inverter a hierarquia legislativa e seria sinal de um recuo assustador na maturidade do nosso regime.
A história recente, aliás, recorda-nos - noutro contexto, é certo - o exemplo do célebre artigo 8.º da Constituição de 1933, que, a par de uma ampla consagração dos direitos e garantias individuais dos cidadãos, não deixava de estatuir, mais à frente, que leis especiais regulariam o exercício de alguns dos mais expressivos desses direitos, como os da liberdade de expressão do pensamento, de reunião ou de associação, com o que se esvaziou de conteúdo útil o dito preceito constitucional.
É a lei constitucional que dá garantias e não a lei ordinária, que varia consoante a conjuntura político-partidária.

Aplausos do Deputado do PS Manuel Alegre.

Esta nossa preocupação é tanto mais legítima quanto a solução prefigurada no acordo PS/PSD delega igualmente na lei ordinária a fixação do número de Deputados que, futuramente, comporão este Parlamento, balizando-a entre limites cuja amplitude é absolutamente incompreensível.
Em suma, o Acordo permite tudo e o seu contrário e autoriza as maiores suspeitas nesta matéria.
É por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que vai ser preciso escolher entre uma boa revisão e uma revisão sob suspeita.
E queremos deixar claro que, nesse combate, o CDS-Partido Popular está tão determinado como sempre esteve na sua história.
O Parlamento, dizia Mirabeau, deve ser um mapa reduzido do povo. Foi com este aforismo que, na Revolução Francesa, se enunciaram, como pressupostos do sistema eleitoral proporcional, a igualdade material, traduzida na exigência de voto igual quanto ao valor do resultado; a adequação à democracia partidária, em que cada partido tem um programa de acordo com a ideologia ou interesses que propugna; e a representação de todos os grupos sociais no Parlamento, que deve ser o espelho da sociedade política.
Afigura-se-nos que assim deverá continuar a ser. A cada um o que é devido: a percentagem de mandatos deve aproximar-se, tanto quanto possível, da percentagem dos votos.
Hoje, como sempre, continuaremos a lutar pela credibilidade das instituições democráticas, no sentido de estas permitirem o acesso de todas as sensibilidades e convicções à representatividade política.
Os portugueses, cidadãos comuns de um País tão antigo como o nosso, aperceber-se-ão rapidamente de todas as tentativas de hegemonização do sistema político, e da monopolização do mesmo, em favor de uma "classe política" que faz e desfaz as coisas para nela se perpetuar.
Talvez esses portugueses se indignem, talvez se resignem, mas a nós, hoje e aqui, cabe-nos apelar para o sentido do bem público e para a seriedade institucional, em homenagem à ideia da representatividade e da genuinidade democrática dos homens políticos e dos parlamentares, como representantes do povo, hoje e no futuro!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente: - Estou certo de que o Grupo Parlamentar do CDS-PP já neste momento relevou ao Presidente da Assembleia o facto de, inadvertidamente, ter alterado a ordem das intervenções que é habitual e que mais

Página 1941

3 DE ABRIL DE 1997 1941

uma vez foi consensualizada. A falta, afinal de contas, não é grave.
Para uma intervenção, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Convidados: Realizando-se hoje o descerramento dos bustos dos ex-Deputados Salgado Zenha e Sá Carneiro, gostaria de evocar a sua memória e cumprimentar os seus familiares.
Comemoramos hoje 21 anos da aprovação da nossa Lei Fundamental, aprovada na Assembleia Constituinte por Deputados que aqui saudamos, mas escrita também nas ruas, nas fábricas e nos campos, nos escritórios e nas empresas, nas escolas, nas prisões, na clandestinidade e no exílio. A todos os que participaram dessa forma na escrita da Constituição da República Portuguesa queremos também saudar e apresentar a homenagem do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Esta é a Lei Fundamental da liberdade conquistada, da promessa da igualdade real de direitos e de estatuto. Acusam-na de ter "marcas semânticas" do 25 de Abril. Ainda bem que as tem. Não há muitas maneiras de dizer sonho e liberdade, participação e igualdade, democracia no país e no quotidiano, direito à educação, à saúde, a reformas dignas, ao ambiente, à habitação, numa palavra, direito à dignidade de cada um e de todo um país.
Alguns querem, a pretexto do consenso e da modernidade, uma Constituição mínima, da família das constituições liberais do século XIX. Nós respondemos que a modernidade da Constituição consiste em garantir os direitos e as conquistas obtidas no penoso caminho da luta do povo. Um caminho que permitiu incorporar mais e mais direitos fundamentais e somar aos direitos, liberdades e garantias clássicos os direitos dos trabalhadores e os direitos sociais, os direitos de participação, os chamados "novos direitos", como o direito ao ambiente.
Aqui reafirmamos que todos estes direitos devem ser cumpridos e levados à prática. É a política dos governos que se deve conformar com a Lei Fundamental e não a Constituição que deve ser reescrita de acordo com as orientações de direita dos governos que a violam.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A Lei Fundamental pode ser o campo da liberdade e de um projecto transformador e de desenvolvimento do País; um projecto que não confunde abertura à Europa e ao mundo com dependência e abdicação face ao neoliberalismo e a centros burocráticos instrumentalizados pelas multinacionais.
Definitivamente, somos parte de um povo que não quer a terra de que falava o médico do Ensaio Sobre a Cegueira, de Saramago, quando dizia: "Somos feitos metade de indiferença, metade de ruindade". Queremos antes um país livre e de gente livre, em que haja campo para expandir a generosidade e solidariedade; um país em que o humanismo esteja no centro das preocupações; um país de empregos dignos, de trabalho com direitos, de representação eleitoral justa, de poder local forte e democrático.
Comemorar a Constituição não é apenas lembrar os caminhos percorridos e os caminhos prometidos; é também ponderar o momento que vivemos e o que está preparado para nos ser imposto.
Digamos claramente: o espírito da Constituição, que aponta para uma democracia aberta, real e plural, é negado pelo conteúdo e pela forma do acordo com que o PS e o PSD pretendem condicionar a revisão constitucional.
Digamos ainda mais claramente: o debate público e aberto, o confronto de ideias e o pluralismo, que constituem das mais importantes potencialidades dos parlamentos, foram substituídos pela interrupção por 100 dias do funcionamento da Comissão Eventual de Revisão Constitucional e por acordos secretos de restritos directórios partidários. Secretos para os Deputados dos outros partidos, secretos para a opinião pública, secretos, porventura, para muitos Deputados dos próprios partidos que estabeleceram o acordo.
Nem a dignidade da Assembleia da República, dos Deputados ou da vida política saiu favorecida com esta vergonhosa operação negocial.
Muito menos poderemos concordar com muitas das alterações acordadas. Apenas alguns exemplos: é desvirtuar a ideia de Constituição remeter para leis ordinárias aspectos fundamentais do sistema político, como o sistema eleitoral da Assembleia da República e das câmaras municipais.
É igualmente inadmissível, entre outros aspectos, pretender atentar contra a proporcionalidade da conversão de votos em mandatos, prejudicando a representação de partidos, regiões, sectores e camadas sociais, que, assim, ficam mais longe dos Deputados e do Parlamento; liquidar o pluralismo das câmaras; limitar direitos dos trabalhadores; adulterar o actual modelo de Estado unitário com regiões autónomas, afectando também o estatuto do Presidente da República.
Sabemos todos, igualmente, que foi estabelecido um acordo entre o PS, o PSD e o PP para criar dificuldades ou mesmo impossibilitar a regionalização. Denunciamos o manobrismo da proclamação de datas para instituir as regiões por quem fez acordos para adiar, dificultar ou mesmo impossibilitar esse objectivo.
Os mesmos que proclamaram que os Deputados e o referendo orgânico dos municípios não teriam legitimidade para instituir as regiões pretenderam inviabilizar a alteração da Constituição que permitiria o referendo sobre a Moeda única, uma das transformações com mais consequências para o nosso futuro colectivo. Nesta matéria, parece que já não se colocaria a questão da falta de legitimidade da Assembleia da República para decidir.
Em relação a estas e outras alterações negativas da Constituição não vale o argumento, que já foi usado, de que, apesar de tudo, com o que sobraria após a revisão, continuaríamos a ter uma boa Lei Fundamental. O que é importante é que cada alteração negativa acordada interpela-nos e responsabiliza todos e cada um de nós e não pode ser branqueada, seja de que forma for.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Página 1942

I SÉRIE - NÚMERO 56 1942

O Orador: - Uma Constituição vale na medida em que seja uma Constituição viva e para ser vivida; para ser invocada no dia-a-dia; para servir de protecção aos que mais dela carecem; e para ser a Carta a seguir no exercício do poder e na luta por alternativas.
Esta é a Constituição que queremos viva e vivida. Não é certamente intocável - poderia ser aqui e ali aperfeiçoada -, o que não deve é ser empobrecida e degradada.
Não faz sentido elogiar a Constituição e estar quase sempre em regime e em clima de revisão ou de pré-revisão contínua de aspectos fundamentais que a degradariam.
Não é aprofundar a democracia representativa deixar mais eleitores em mais círculos com uma menor representação na Assembleia da República.
Não é favorecera descentralização dificultar a criação das regiões administrativas e tornar as câmaras menos democráticas e plurais.
Não é contribuir para a transparência negociar secretamente e nos bastidores um acordo que tenta confiscar a capacidade real de o Parlamento decidir em debate aberto.
O combate, porém, não terminará aqui: o PCP e o seu Grupo Parlamentar continuarão a luta pela liberdade e os direitos fundamentais, por uma democracia genuína, de conjugação da representação política justa e proporcional com a participação e a democracia directa, de concretização da democracia económica, social e cultural.
Faremos uso de todos e cada um dos direitos que a Constituição consagra, no combate político geral e no combate pela própria Constituição.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, repete-se hoje a tradição exaltante de termos connosco, a assistir aos nossos trabalhos, numerosos estudantes das nossas escolas, hoje, com particular significado. Costumamos saudá-los carinhosamente, façamo-lo uma vez mais.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo, em representação do Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados, Ex.mos Familiares dos Drs. Sá Carneiro e Salgado Zenha, Srs. Convidados: A Assembleia da República comemora o 21.º aniversário da Constituição prestando homenagem a dois portugueses ilustres, já desaparecidos, que, ao longo da sua vida, em postos da maior projecção serviram Portugal e a Democracia e aos quais muito deve a instituição parlamentar - Francisco Sá Carneiro e Francisco Salgado Zenha.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A partir de hoje, na reduzida galeria de figuras políticas deste século, existente no Palácio de São Bento, os bustos de ambos ficarão a lembrar, na perenidade do bronze, a grandeza da sua dedicação aos ideais que os nortearam e a admiração desta nossa geração de Deputados pela obra que um e outro realizaram em prol da liberdade e da dignidade dos portugueses, num combate pela Democracia a que se entregaram sem descanso e sem cálculos e em que empenharam, por fim, todo o seu sentido de cidadania.
Esta homenagem é, decerto, para enaltecer os dois vultos da nossa História política contemporânea. Mas honra também, e muito, aqueles que dela tiveram a iniciativa e aqueles que vieram ao Palácio de São Bento com o fito de a prestar. Num tempo aparentemente dominado pelo endeusamento do efémero, pelo niilismo que faz tábua rasa de tudo quanto é passado, pelo culto da competição e do êxito a qualquer preço, pela absolutização dos interesses e caprichos de cada um, pela incapacidade de perceber os valores e princípios permanentes em que mergulham e cobram sentido não só a vida pessoal, familiar e profissional, como também as relações da pessoa com a comunidade dos seus próximos ou dos seus vizinhos e com a própria comunidade nacional -, num tempo assim, dizia, é importante que a Assembleia da República continue a mostrar capacidade de admirar e tenha a ousadia de chamar a atenção dos portugueses para cidadãos que um dia nela tomaram assento e que pelas suas obras e virtudes merecem um lugar de eleição na memória colectiva.

Aplausos do PSD, do PS e do CDS-PP.

Pelo simbolismo desta evocação no aniversário da Constituição de 1976 que, na nossa idade, institucionalizou a Democracia em Portugal, é, pois, justo louvar a Assembleia da República e felicitar pela iniciativa o Sr. Presidente, os grupos parlamentares e os Srs. Deputados, o que faço com o maior gosto!
Permitam-me que saliente dois ou três traços comuns ao perfil dos homenageados de hoje.
Em primeiro lugar, ambos se afirmaram na vida e na sociedade através do exercício da profissão de advogados. Foi nas lides do foro e no trato do Direito que um e outro atingiram uma surpreendente notoriedade no início das suas carreiras (Salgado Zenha nos finais da década de 40 e Sá Carneiro nos princípios da década de 60). Inteligência, saber e competência técnica, probidade, combatividade, capacidade de trabalho, clareza de espírito e frontalidade, eis algumas das qualidades que ninguém de são juízo recusa a estes dois juristas e advogados que muito dignificaram a sua classe e a Ordem profissional que os representa.
Depois, foi ainda através da sua formação jurídica, assim o julgo, que Sá Carneiro e Salgado Zenha afinaram a sua percepção pessoal das graves distorções do modelo político e constitucional imposto pelo salazarismo - "o cinto apertado de ferro", de que falava Salgado Zenha nos tempos de estudante de Coimbra ou a Câmara de Deputados "atenta, veneradora e obrigada" ao Chefe do Governo, como Sá Carneiro, findas as ilusões da reforma marcelista, caracterizava a Assembleia República. A verdade é que o combate cívico de ambos se traduziu, dir-se-ia, numa "luta pelo Direito": pelas liberdades fundamentais, pela participação dos cidadãos na vida política e pela concretização em Portugal da ideia do Estado de direito. A liberdade de opinião, de religião e de crença, a liberdade de reunião e de manifestação, a liberdade de associa

Página 1943

3 DE ABRIL DE 1997 1943

ção e de constituição de partidos políticos, as garantias do processo penal, a abolição dos tribunais criminais especiais, os abomináveis plenários, etc., etc., foram temas recorrentes na reflexão e na acção do católico e social-democrata que foi Sá Carneiro, como do laico e socialista que foi Salgado Zenha.
Será interessante notar, por último, que a acção pública de ambos decorreu, até ao 25 de Abril, dentro das fronteiras de Portugal e, por isso, em permanente contacto com as dificuldades, os anseios e a concreta maneira de viver do povo que somos. A partir do 25 de Abril, ambos cessaram a sua actividade profissional de sempre e passaram, como se a sua vocação tivesse sido outra, a dedicar-se de corpo e alma à vida política no partido, no parlamento ou no governo.
Mas é natural que, me ocupe um pouco mais de Sá Carneiro e relembre hoje alguns dos seus projectos e feitos políticos.
Ele tinha a firmeza de vontade, a capacidade de ver longe e largo, a atenção aos dados concretos e às voltas e contravoltas da acção política, a clareza de objectivos e a coragem que são próprias e fazem os "líderes de comando". O seu carisma chamava-o a correr com gosto o risco de ganhar ou perder os desafios que, de imediato, descobria nos mundos em que entrava e logo se propunha moldar pelos seus valores e ideais.
Em 1969, acreditou nas promessas da "primavera marcelista" e foi candidato a Deputado nas listas da União Nacional para, como reza o comunicado divulgado no Porto e subscrito por mais três companheiros, todos eles próximos de D. António Ferreira Gomes (cito) "assegurar a indispensável participação dos cidadãos na vida do Estado" e a "instauração de um regime de tipo europeu ocidental". Mas quando perdeu a esperança na reforma de fundo do modelo político legado por Salazar, depois de árduas e brilhantes batalhas parlamentares que travou e perdeu com os "duros do regime", Sá Carneiro não hesitou e renunciou ao mandato. O gesto teve efeitos demolidores como é hoje claro pela certeza que criou no espírito público da impossibilidade de auto-reforma do sistema constitucionalizado em 1933.
Após o 25 de Abril, Sá Carneiro lançou o Partido Popular Democrático dando-lhe a ideia ("a social democracia para Portugal") e o aval da seca personalidade: os democratas especialmente preocupados com a justiça social,
não marxistas nem socialistas, puderam aderir sem reservas a este partido e participar na vida política. Entrou com entusiasmo no I Governo Provisório, como ministro adjunto de Palma Carlos, mas a breve trecho percebeu o que
estava a acontecer e, numa assembleia que reunia membros da Junta de Salvação Nacional e do Movimento das Forças Armadas (a 13 de Junho de 1974), alertou os dirigentes militares para os desvios em curso ao Programa do MFA. Caminhava-se, eis o alerta, para um (cito) "socialismo imposto" ou para uma "ditadura militar", embora com vista à futura instauração de uma democracia, pondo-se, assim, de lado a via inicialmente escolhida, segundo a qual "as reformas de fundo deviam ser proteladas para a altura em que o eleitorado fosse chamado a escolher". Pouco tempo depois, por já não existirem os pressupostos que o haviam levado a ministro, acompanhou Palma Carlos na queda do I Governo Provisório e só voltou à esfera governamental no período de vigência da Constituição da República. Mais uma vez o seu gesto foi clarificador, mostrando que havia forças político-militares empenhadas na criação de um sistema que pouco, ou nada, tinha a ver com a democracia - como o 28 de Setembro, o 11 de Março e o "Verão quente" viriam comprovar.
Em 1979, lançou com êxito a coligação eleitoral "Aliança Democrática", através da qual sociais-democratas, democratas cristãos e reformadores puderam assumir a governação do País e prossegui-la mesmo depois do obscuro acontecimento que em Camarate lhe ceifou a vida, sendo Primeiro-Ministro. O arco político que vai do centro-esquerda à direita democrática pôde assim, finalmente, ver-se incumbido pelo eleitorado da tarefa de governar e de levar a cabo políticas novas e livres dos dogmas e preconceitos que as ideologias em moda entre nós no seguimento do 25 de Abril alimentaram e ameaçavam eternizar. Por meio de tal iniciativa, Sá Carneiro mostrou ao País que a democracia nada tinha. a ver com a demagogia; que os democratas não têm de ser, fatalmente, governantes sem vontade e sem projecto; que o respeito pela vontade popular não implica líderes subservientes aos caprichos de uma opinião publicitada, manipulável e movediça; que o regime democrático, em suma, não deve hesitar em bulir com a infinidade dos interesses que andam sempre entretecidos em qualquer situação concretamente existente! Ao sair para sempre da cena política Sá Carneiro tinha mudado o clima moral que nela encontrara ao entrar.
Estes são três feitos na biografia de Sá Carneiro que atestam de forma cabal o ter sido ele um "líder de projecto", uma "personalidade histórica", um "autor de Nação" que soube alterar, em obediência aos ideais da liberdade e da dignidade da pessoa humana, as situações históricas e a geografia dos espaços por onde a sua estrela e a sua vontade o levaram e de cujo destino nunca se alheou.

Aplausos do PSD.

Há um ano assinalámos o aniversário da Constituição da República com a aprovação da deliberação que criou a Comissão Eventual para á Revisão Constitucional. Alguns frutos do processo político então desencadeado são já visíveis. Lembrá-lo hoje também deve fazer parte da nossa comemoração.
Em Dezembro terminou a primeira leitura das inúmeras propostas de revisão apresentadas pelos Deputados, com a audição de várias personalidades e instituições interessadas no processo constitucional. Posso testemunhar pessoalmente a profundidade e a riqueza dos debates aí travados, mas melhor do que eu falarão as Actas.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É, aliás, urgente a transcrição das gravações para que o que se disse se torne em tempo acessível aos Deputados e aos demais interessados na revisão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Uma nota merece ser destacada aqui: a boa fé triunfou em toda esta fase do processo de revisão.

Página 1944

1944 I SÉRIE - NÚMERO 56

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os Deputados empenharam-se, sobretudo, em descobrir, face a cada proposta, a solução mais ajustada aos dados do tempo histórico que o País vive; as querelas partidárias, naturais em qualquer Parlamento, não marcaram decisivamente o trabalho da Comissão. Por outro lado, não se formou na Assembleia da República qualquer maioria legislativa visando esvaziar o conteúdo prático de propostas de revisão que pretendem a constitucionalização de matérias que, segundo a Constituição vigente, são de natureza legislativa. O processo de revisão, numa palavra, vem proporcionando uma meditação séria sobre as grandes questões constitucionais do nosso tempo, com o respeito pelas regras da boa fé, da justiça e da lealdade do confronto democrático - como, aliás, eu próprio esperava.

Aplausos do PSD.

Entretanto, os dois partidos capazes de formar a maioria constitucional chegaram a acordo quanto a algumas matérias consideradas importantes nesta revisão. Nisto apenas se seguiu uma constante do processo constitucional na democracia portuguesa, desde 1975. Os Pactos "MFA-Partidos", o que antecedeu as eleições para a Assembleia Constituinte e o que sucedeu ao 25 de Novembro são a primeira expressão de tal prática.
A verdade é que tenho participado activamente nos trabalhos da Comissão e nada, a bem dizer, me surpreende no que o PS e o PSD acertaram e tornaram público no "Acordo Político de Revisão da Constituição da República", assinado em 6 de Março. O que me parece necessário é que se retomem os trabalhos e se conclua rapidamente o processo de revisão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Já Rousseau lembrava que os períodos de revisão devem ser curtos para que a instabilidade se não instale na comunidade política.
Uma das soluções anunciadas merece-me, por fim, uma referência especial: a consagração do direito de voto dos emigrantes na eleição presidencial.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Trata-se de matéria em que o PSD sempre teve uma posição definida e que remonta a Sá Carneiro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Que aos emigrantes devia ser reconhecido em plenitude o ius sufragii foi tema recorrente na intervenção política do fundador do PPD/PSD.
A propósito desse voto dos emigrantes e - notem também a propósito do voto dos analfabetos e dos jovens com menos de 21 anos, recusado por uns ou outros em virtude dos riscos da falta de informação, de despolitização, de dependências de várias ordem, escreveu Sá Carneiro (e cito) "a opção política é essencialmente moral", para significar que o princípio da igualdade de todos no exercício dos direitos políticos é um princípio absoluto, que não admite ressalvas nem reservas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Vai, pois, fazer-se, finalmente, justiça aos emigrantes.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Reis, em representação do PS.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.as e Srs. Familiares de Salgado Zenha e Sá Carneiro, Ilustres Convidados: Saudar o 21.º aniversário da Constituição de 1976 é, antes de mais, saudar o esforço abnegado dos 250 constituintes que, em escassos 10 meses, puseram de pé a Lei Fundamental da Nação.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em circunstâncias históricas difíceis, num país privado de vivência democrática durante quase cinco décadas, a Assembleia Constituinte foi o precioso laboratório da experimentação de uma nova prática política de debate de ideias, projectos e valores, conflitual, sem dúvida, mas também sujeita desde logo às regras elementares do convívio democrático.
Num país profundamente dividido e vulnerável à tentação da imposição pela força de um novo poder inspirado nos princípios do vanguardismo revolucionário, a Assembleia Constituinte foi a demonstração prática e imediata da superioridade moral e política do poder democrático-representativo, legitimado pelo sufrágio universal, sobre quaisquer outras formas de poder, fossem elas vanguardistas, bonapartistas ou anarcopopulistas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ela foi, afinal, o símbolo maior da vitória da razão sobre a forca, do civismo sobre a violência, da paz sobre a guerra civil.
Num Portugal saído de uma longa ditadura socialmente conservadora e opressiva, a elaboração da Constituição não podia ficar confinada à redacção das linhas gerais de um sistema de funcionamento democrático dos órgãos de soberania, antes teria de dar resposta às prementes expectativas e anseios de mudança social, que esmagadoramente se fizeram sentir, numa dimensão que extravasava largamente da sua redutora expressão utópica em sectores minoritários.
Graças aos sábios equilíbrios que os constituintes souberam gerar no texto constitucional, tanto ao nível do controlo recíproco dos diferentes poderes, como ao nível da organização económico-social, foi possível dar a resposta justa aos anseios da sociedade portuguesa, evitando tentativas de involução antidemocrática e criando um clima de progressiva paz social propício à regulação negociada dos conflitos.

Página 1945

3 DE ABRIL DE 1997 1945

Consolidadas as instituições representativas, reorganizada a vida económica e garantidos os direitos fundamentais dos trabalhadores, ficou aberto o caminho, na década de 80, a duas revisões constitucionais, as quais, longe de empobrecerem ou violarem os princípios fundamentais da Constituição de 1976, mais não fizeram do que dispensar algumas válvulas de segurança do sistema então montado, numa salutar confirmação da maturidade democrática do regime instituído por força da Revolução do 25 de Abril.
Com efeito, tanto a aceitação de um Conselho da Revolução, até 1982, como a aposta num forte sector público da economia, até 1989, foram sempre por nós entendidas não como princípios imutáveis da arquitectura institucional do Estado ou da organização económica da sociedade mas, sim, como benéficas e úteis almofadas de protecção de uma democracia cujo parto não foi fácil.
De facto, só por ingenuidade ou má fé se poderia pretender que um país saído de uma longa ditadura, apoiada num velho e conservador patronato que prosperou à sua sombra, e tendo acabado de experimentar em ano e meio o choque de projectos de sociedade tão antagónicos como aqueles que se defrontaram entre nós, seria capaz de singrar despreocupadamente e em segurança as rotas de cruzeiro das consolidadas democracias europeias, sem recorrer a dispositivos políticos e económicas preventores do risco de involuções antidemocráticas.
As revisões constitucionais nunca foram, pois, para os socialistas, actos de ruptura com a Constituição de 1976 que configurassem atitudes de arrependimento tardio em relação a alguns dos seus mecanismos instrumentais. Nem tão pouco pretextos para ceder à tentação de reinventar a Constituição, que ciclicamente acomete os que, bem no íntimo, não se reconhecem no essencial do labor dos constituintes.
As revisões constitucionais serão, antes, e sempre, para nós, fruto da necessidade de alargar e melhorar os meios que, em cada circunstância histórica e em função da experiência adquirida, permitem uma mais plena afirmação da cidadania e um mais democrático exercício do poder político, no pleno respeito pelos princípios fundamentais da Constituição de 1976, sem cairmos, porém, no exagero das revisões consecutivas e a todo custo, ditadas quer por propósitos de guerrilha partidária quer por excessivos perfeccionismos, quiçá obedecendo mais a desejos de exibicionismo retórico de uma constitucionalite aguda do que a efectivos anseios da sociedade civil. Porque se há um valor democrático que importa igualmente preservar, ele é o da estabilidade constitucional, inequívoco sinal de maturidade e normalidade na vida política de um país e mesmo de respeito e admiração pelo seu património histórico de valores e princípios democráticos.
Houve mesmo, por isso, quem nas nossas fileiras questionasse a utilidade e a necessidade da actual revisão constitucional, sobretudo na presente conjuntura política em que a nova maioria socialista tem contribuído para dissipar os temores suscitados pela prática política da velha maioria cavaquista. Apesar disso, o PS entendeu que a crise de legitimação que, nesta viragem de século, espreita as democracias ocidentais, justificava a introdução no texto constitucional de alguns salutares dispositivos preventores, do perigo de um crescente divórcio entre as instituições e os cidadãos, perigo esse porventura não eliminável apenas por via de um diferente estilo de governação.
Por isso, partimos para a actual revisão animados pelo propósito de responder a esse desafio, mais cultural que juridicista, de promover o revigoramento e aprofundamento da dinâmica participativa do regime democrático, cientes de que assim poderíamos contribuir para evitar a desvinculação social dos cidadãos em relação ao espaço público, com a consequente emergência de indesejáveis pulsões populistas, frutos tantas vezes de um individualismo atomista e egotista.
O acordo de revisão constitucional entretanto alcançado com o PSD veio criar as condições políticas necessárias para que tal propósito se veja satisfeito. Com efeito, para além de positivos aperfeiçoamentos do regime constitucional de direitos, liberdades e garantias, o acordo contempla uma indesmentível abertura do sistema político aos cidadãos, na base de um novo equilíbrio entre uma democracia representativa reforçada na sua componente parlamentar e formas de iniciativa e participação directa dos cidadãos, e viabiliza ainda reformas descentralizadoras e impulsionadoras de uma maior transparência no exercício do poder, sem que, obviamente, ponha em causa qualquer dos princípios fundamentais da Constituição de 1976, a começar pelo sistema de representação proporcional, o qual é, aliás, não o esqueçamos, um dos limites materiais de revisão.
Não esperem, porém, de nós, no momento presente, exercícios contabilísticos sobre o deve e haver de tal acordo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Porque apesar do papel determinante sempre desempenhado pelo PS desde a Constituinte, entendemos que nem a Constituição nem qualquer das suas revisões deve ser objecto de apropriação partidária. Quem se empenha em retirar dividendos partidários de um acordo de revisão constitucional só demonstra duas coisas: primeiro, que não tem sentido de Estado; segundo, que continua a ter um enorme défice de credibilidade política, que assim se esforça por colmatar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A actual revisão constitucional não se esgota, porém, no acordo alcançado entre o PS e o PSD. Por um lado, seria desejável que muitas das suas soluções viessem a obter o acolhimento de todas as forças partidárias sinceramente empenhadas no reforço dos direitos dos cidadãos e no melhoramento dos mecanismos da democracia participativa. Por outro lado, existe ainda um amplo campo de consenso interpartidário em muitas matérias não contempladas no acordo.
Seria lamentável que o alargamento do consenso da revisão constitucional acabasse por ser inviabilizado em função de motivações de pura guerrilha partidária, ditadas mais por cálculos políticos interesseiros do que por sinceras objecções ideológicas.
Pela nossa parte, a celeridade que importa imprimir desde já à conclusão do processo de revisão não será impeditiva da necessária abertura a um tal consenso alargado, na certeza de que o País carece agora de um longo ciclo de estabilidade constitucional, que esta revisão deveria proporcionar.

Página 1946

I SÉRIE - NÚMERO 56 1946

Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. as e Srs. Familiares de Salgado Zenha e Sá Carneiro, Ilustres Convidados: Permitam-me, para concluir, duas palavras de homenagem aos ex-Deputados Salgado Zenha e Sá Carneiro, cuja memória hoje homenageamos.
Salgado Zenha, a quem me ligaram laços de profunda camaradagem e sincera amizade, desde os anos de combate 3 ditadura, e de quem me orgulho de ter sido um dos seus vice-presidentes quando assumiu a liderança do Grupo Parlamentar do PS, há 21 anos, foi um dos grandes resistentes à ditadura e um dos principais artífices da vitória e consolidação do regime democrático no pós 25 de Abril.

Aplausos do PS, do PSD e do CDS-PP.

Eleito constituinte, só tarefas de grande responsabilidade nos governos provisórios o impediram de nos dar aqui um contributo mais directo para a elaboração da Constituição de 1976. Mas o seu conselho avisado pesou sempre nas decisões que aqui tomámos e, como líder parlamentar entre 1976 e 1982, foi inestimável o seu contributo para a consolidação do regime democrático.
Sá Carneiro, cujas tentativas para liberalizar o regime ditatorial testemunhámos com simpatia, foi sempre um político frontal e de coragem, independentemente das profundas discordâncias que dele nos separaram, sem esquecer as respeitantes ao método de revisão da Constituição de 1976.
Para além do gesto simbólico do descerramento dos bustos, de um e de outro, que melhor homenagem lhes poderemos prestar do que a consagração na Constituição de 1976 de mais direitos, de melhor representação, de mais participação e de melhor transparência, de forma a que a República esteja apta a enfrentar por muitos e bons anos os desafios do futuro?
Viva a Constituição, viva a República!

Aplausos do PS, de pé.

O Sr. Presidente: - Sr. Presidente da República, Srs. Ex-Deputados Constituintes, Srs. Representantes das Famílias de Salgado Zenha e Sá Carneiro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Srs. Convidados: Sr. Presidente da República, é reconfortante para todos nós que tenha querido estar connosco nesta sessão comemorativa do 21.º aniversário da aprovação da Constituição da República e evocativa da memória de Sá Carneiro e Salgado Zenha. V. Ex.ª foi um de nós, e dos mais brilhantes. E comunga connosco, até por razões de amizade e camaradagem, na apreciação que fazemos das referências que continuam a ser, para tantos portugueses, como políticos e como cidadãos, os que hoje lembramos e homenageamos.
Maria Irene Zenha e Francisco de Sá Carneiro, agradeço a vossa presença, cumprimento-vos e cumprimento em vós as famílias dos dois portugueses ilustres cuja memória evocamos comovidamente, perpetuando no bronze a sua passagem por esta Casa e o prestígio que para ela daí decorre.

Aplausos do PS, do PSD, do CDS-PP e de alguns Deputados do PCP.

Srs. ex-Deputados Constituintes, evocar a data em que foi aprovada a Constituição da República é render homenagem aos constituintes que a tornaram possível, isto é, que foram capazes de a conceber e realizar, no afã de "transformarem em poder construtivo o movimento que destruiu á ordem anterior". Instituir a liberdade possível sem impossibilitara ordem necessária era tarefa exaltante. Essa sorte de quadratura do círculo, por entre dificuldades que são conhecidas, foi possível.
Nos poucos que continuam Deputados, e nos Professores Doutores Jorge Miranda e Marcelo Rebelo de Sousa, bem como ria Sr.ª Dr.ª Maria de Jesus Barroso Soares, que aqui simbolizam todos os ausentes, eu quero render sincera homenagem ao universo dos homens e mulheres que, vencendo dificuldades, incompreensões e até resistências, conseguiram captar com assinalável prudência e equilíbrio a constituição material difusa na turbulência dos espíritos subsequente à ruptura constitucional operada pela Revolução de Abril.

Aplausos do PS e do PSD.

Após duas revisões em profundidade ditadas pelo assentar das águas e pelas profundas mutações sociais e políticas entretanto ocorridas no cenário global, a Constituição de 1976 permanece, no essencial, fiel aos valores estruturantes da sua matriz.
Uns mais datados, outros menos, todos os nela originariamente consagrados terão reflectido o estado de espírito em que foi gerada. O estado de espírito de um País que acabava de libertar-se de meio século de ditadura, opressão e medo e que, por isso mesmo, tendeu a hipertrofiar os valores contrários. Onde era a ditadura foi a democracia; onde era a opressão foi a liberdade; onde era o medo foi a distensão; onde era a censura foi a livre crítica; onde era o arbítrio foi o direito; onde era o privilégio foi a não discriminação; onde era a teimosia colonial foi a autodeterminação; onde era a guerra, foi a paz.
Como todas estas salutares antíteses passaram a ser vividas com a embriaguez das auroras que tardam, não raro o justo limite deu lugar ao excesso. E este deixou no texto constitucional as marcas da febre com que foi gerado.
Marcas exaltantes, como a generosidade com que acolheu a afirmação de direitos que são hoje património universal; marcas que o eram menos, como alguma hipertrofia ideológica e programática, para já não falar, dada a transitoriedade de que se revestiu, do encastoamento de poderes castrenses no edifício do futuro Estado de direito. Daí uma certa querela - que em dimensão reduzida permanece - entre os que a quiseram qua tale e os que a teriam querido mais enxuta de ideias e mais despida de orientações.
A verdade, porém, é que a Constituição de 1976 se não reclamou da eternidade. E nasceu munida de flexibilidade bastante para se deixar rever em profundidade.
Num primeiro momento acolheu, sem descaracterização desestruturante, o expurgo dos transitórios compromissos castrenses que o processo revolucionário aconselhou. O Estado de direito que hoje somos perfeccionou-se aí.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Num segundo momento consentiu, sem sobressalto, na modernização do sistema económico nela

Página 1947

3 DE ABRIL DE 1997 1947

originariamente previsto, com ablação de limitações ao funcionamento de um sistema de economia mista - de mercado com controle - deslizante para um sistema de mercado aberto, hoje exigência da nossa integrarão comunitária, temperado, ao nível da distribuição, por fortes preocupações de justiça social. Uma terceira revisão, de âmbito restrito, limitou-se a afastar calços constitucionais na roda da nossa adesão à União Europeia.
A partir daí, a Constituição de Abril atingiu um grau de maturidade e um ponto de equilíbrio que reduziram o significado e o âmbito da que está em curso. Nesta, já se não enfrentam bloqueios constitucionais ou embargos políticos dignos de registo. A vida portuguesa, na sua complexidade, tem cabido na sua moldura sem constrangimentos éticos, políticos ou mesmo sociais. Couberam nela governos constitucionais e presidenciais; de maioria absoluta e de maioria relativa; monopartidários ou em coligação; de esquerda, de centro e de direita. A dissolução do Parlamento, a demissão de governos, ou mesmo a sua queda antecipada podem considerar-se excepção. E é patente a inexistência de movimentos de opinião da orla da sublevação popular contra ela.
Discordâncias, sempre as haverá. Mas são mais o reflexo de insatisfações pessoais do que de exigências colectivas.
Srs. Deputados, tendes no torno, à espera do vosso fiar, a revisão em curso. Vai ocorrer o que sempre ocorreu: uns a quererem-na maximalista, outros minimalista, outros assim-assim.
Afastado parece, se bem ajuízo, o risco de um impasse. Desejariam muitos - e eu incluo-me nesses - que a tentativa de afastamento desse risco tivesse tido lugar no cenário "a cinco" da própria Comissão de Revisão.

Aplausos do Deputado do PS Manuel Alegre.

E isso teria sido possível, ainda que por apelo a suplementos de flexibilidade e paciência.
Mas não o entenderam assim as direcções dos dois principais partidos, únicos que podem assegurar a maioria de votos necessária a que a revisão se faça. Optaram por entender-se a céu aberto, de preferência a entenderem-se por debaixo da mesa, simulando que o faziam em cima dela. Nestas emergências, o recurso à simulação - que também dá pelo nome de hipocrisia não é tão raro quanto isso.
Se considerarmos que a opinião de todos é relevante, mas que só o voto de dois o é, e que as dificuldades do processo se concentram assim na vontade destes, tenho de reconhecer que afinal lamento o que, de certo modo, decorre da natureza das coisas.
Compreendo que os que defendem o statu quo constitucional, propendam a defender, para a sua alteração, os caminhos que assegurem um grau maior de imobilismo e dificuldade. Os que, pelo contrário, defendem a subversão do aquis constitucional vêem com maus olhos a sua marginalizarão da fase verdadeiramente decisória, convictos a justo título de que poderiam influenciar as decisões. Os que se situam entre esses dois extremos e querem impor a sua marca nos equilíbrios a estabelecer, tendem a prezar mais os círculos fechados do que a discussão aberta. É natural que seja assim.
Daí que a história se repita. Sempre que os dois principais partidos cederam à tentação de circunscrever a si próprios o núcleo dos decisores relevantes dirão que são os resultados eleitorais que ditam esse constrangimento mas o argumento, tendo lógica quantitativa, não tem tanta quantidade lógica.
Não me cabe ajuizar - pelo menos neste momento sobre o mérito ou demérito do essencial da revisão que se desenha. Mas uma coisa podemos ter desde já por certa: a próxima revisão também não será descaracterizante. Respeita os limites materiais de revisão e, para além desse respeito, deixa inalterada a constituição material. Muito provavelmente, vai acontecer o que sempre aconteceu: ser a revisão considerada má até que, após a sua aprovação, todos a julguem boa e voltem a rever-se, globalmente, na Constituição de todos nós. Partos constitucionais sem dor é que é milagre de que não há notícia.

Risos do PS e do PSD.

Pode questionar-se durante quanto tempo vai o essencial da identidade caracterial do povo português manter-se fiel à herança histórica com a qual se conformou.
A dúvida tem esta explicação: o mundo está registando mutações abissais de realidades, valores e comportamentos. Na origem delas estão saltos tecnológicos que tudo subvertem e os modelos organizativos e institucionais do passado começam a revelar preocupantes sinais de desadequação. Pior do que isso, apavorantes sintomas de incapacidade de aggiornamento. "Num mundo que muda - já lembrava Ripert - não são admissíveis verdades eternas".
Continuamos no entanto a pensar, a funcionar e a agir como se tudo continuasse a ser o que foi, mas já não é. Continuam a existir constituições que cheiram a Montesquieu, a Adam Smith, à Rerum Novarum e a Jean Monnet, enquanto que a realidade de hoje, em acelerado processo de subversão e mundialização, rejeita os mitos confortáveis desses pais do próximo passado e rebenta pelas costuras do constitucionalismo do presente.
Quero dizer com isto que, mais do que nunca, temos de estar preparados para evoluir e mudar, de olfacto apurado para o cheiro dos cadáveres institucionais, sistémicos, valorativos e comportamentais a que continuamos agarrados, que bem podem ser alguns dos pilares constitucionais que temos por duráveis. Precisamos, mais do que nunca, de antenas prospectivas da realidade do futuro e de rejeitar, mais do que nunca, o espírito dogmático e conservador.
Começo a ter a dolorosa intuição de que o futuro previsível não cabe nas constituições do presente. Mas esta não é uma premonição própria para dias de consagração e de festa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Convidados: Salgado Zenha e Sá Carneiro foram dotados daquela capacidade de antecipação do futuro que torna os homens grandes.
Em plena ditadura, anteciparam - lutando por ele um futuro de liberdade e democracia; por entre os excessos de Abril, lutaram por equilíbrio e moderação. E quando a liberdade e a democracia, por momentos, estiveram de novo em risco, bateram-se uma vez mais por elas. Figuram, por direito próprio, na galeria dos mais nobres pais do moderno Estado de direito português.

Página 1948

I SÉRIE - NÚMERO 56 1948

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Figuram ainda entre os primeiros responsáveis políticos que tiveram a percepção de que a integrarão de Portugal nas Comunidades Europeias era o nosso novo destino colectivo, finda a ilusão da perenidade do império colonial. Recusaram, aliás, omito dessa perenidade, quando a generalidade dos portugueses ainda raciocinava e vivia no pressuposto dela.
Não foram, assim, em muitos aspectos, homens do seu tempo, concebido como forma de amarração intelectual e política. Viveram, por milagre dessa espécie de bruxaria que toca os mais dotados, em função do porvir. Anteviram-no e tiveram a coragem de desagradar aos deliciados com o conforto das convencionais rotinas. Foram assim, parafraseando James Clark, não políticos a pensar na próxima eleição, mas estadistas apensar na próxima geração.
Sá Carneiro optou por lutar por dentro contra a ditadura, assumindo alguma aparente incoerência em nome da eficácia da sua luta. Salgado Zenha preferiu continuar a combater por fora, mais exigente com a coerência do que com a eficácia do seu combate. Qual deles gerou mais incomodidade? Eis uma avaliação difícil. Fácil só a conclusão de que, um e outro, estiveram do mesmo lado da barricada e contribuíram com a sua inteligência e a sua coragem para o apodrecimento da maçã do poder despótico.
Quando a Constituição de Abril veio a ser o que foi, em parte o foi porque, antes de ter sido escrita pelos constituintes, havia sido assumida por aqueles que por ela lutaram, sofreram e morreram.

Aplausos do PS, do PSD e do Deputado do CDS-PP António Galvão Lucas.

Salgado Zenha e Sá Carneiro figuram entre os mais ilustres desses pré-constitucionalistas. Sabiam de antemão a Constituição que queriam e em coerência com ela viveram.
Descobri Sá Carneiro através da leitura dos excelentes artigos de opinião que, em plena ditadura, publicava no Expresso. Depois, através das notícias sobre o protagonismo da ala liberal na Assembleia Nacional e o papel por ele desempenhado no contexto dessa ala, que os jornais e o grupo político em que me integrava faziam chegar até mim. Admirei-o, assim, intelectualmente antes de pessoalmente o conhecer, mas nas posições que já então assumia estava presente o seu carácter.
O 25 de Abril marcou-nos um encontro de que guardo uma impressão inolvidável. Foi no I Governo provisório, de que ambos fizemos parte até à chamada "crise Palma Carlos", na sequência da qual ele viria a pedir a demissão. Depois disso, eu fui ficando nos sucessivos governos provisórios até que, no IV, eu próprio me demiti por já não ser capaz de acompanhar a passada frenética da revolução por caminhos que haviam deixado de ser os meus. O futuro viria a dar-me razão. O País passou a não se rever também nesse galope em direcção a um desastre colectivo e forçou a classe política a arrepiar caminho. A primeira revisão da Constituição, que intensamente vivi, constitucionalizou esse arrepio.
Fora do governo, onde foi de facto o equivalente de um vice-primeiro-ministro, Sá Carneiro dedicou-se à expansão do partido que havia fundado, identificado com a social democracia. Essa identificação reflectiu-se fielmente no seu primeiro programa e ainda no seu projecto de "uma Constituição para os anos oitenta". Num e noutro, Sá Carneiro reflectiu o ideário prevalecente nos primeiros tempos do 25 de Abril. Dele se viria a progressivamente distanciar. E tão ajustadamente o fez que o País fez vitorioso o seu partido e fez dele primeiro-ministro. Foi a morte, e não outro, o adversário que desse pedestal subitamente o apeou.
Sempre que veio ao Parlamento - e muitas vezes veio confirmou-se como parlamentar brilhante. De palavra fácil ao serviço de convicções fortes, dialeta subtil, doseando em termos hábeis autoritarismo e flexibilidade, condimentos reveladores de uma personalidade forte. Forte sem trair as exigências e os valores do ideário social democrata e, sobretudo, incapaz de ser indiferente à sorte dos mais desfavorecidos.
Marcou, com a sua passagem pelo poder, o novo Estado de direito democrático. Relembro-o com admiração, com respeito e com saudade.
Com Salgado Zenha as minhas relações vinham de mais longe. Desde Coimbra, em cuja Universidade coexistimos. Três anos de avanço em relação ao meu curso chegariam, em regra, para uma atitude de reciproco distanciamento. Mas havia a comunhão de ideias e o facto de ele ser visita frequente da minha república, onde tinha outros amigos e correligionários. Por isso, talvez por isso, deu por mim. Eu por ele é que não podia deixar de dar, porque Zenha foi ídolo da minha geração.
Primeiro presidente eleito da Associação Académica, demitido e preso, outros títulos de glória não seriam precisos, mas tinha-os! Era um estudante brilhante, a quem o regime roubou uma cátedra, um orador fluente e um exemplo de lucidez e coragem política para todos nós. Nasceu assim em mim uma admiração que havia de perdurar pela vida fora. Eça disse o mesmo da sua admiração por Antero, ídolo também da sua geração académica.
Ele já formado e eu em instâncias disso, reencontrámo-nos na campanha eleitoral da candidatura do General Norton de Matos, na qual eu fiz o meu baptismo de togo político; ele advogado em Lisboa, eu em Lourenço Marques, fomos, reciprocamente, correspondentes um do outro. Fui assim beneficiário e testemunha do seu altíssimo nível profissional.
Quando vinha a Lisboa - e vinha muitas vezes - fazíamos reuniões conspirativas em que se debatiam esperanças e desilusões. Reunia invariavelmente o grupo do costume: nós os dois, o Mário Soares, o Raúl Rêgo, o Gustavo Soromenho, o Vasco da Gama Fernandes, o Teófilo Carvalho dos Santos, o Magalhães Godinho, o Manuel Mendes, outros ainda. O Tito de Morais, neste momento tão doente, andava por Angola, primeiro, e pelo exílio, depois. Aí o conheci e para sempre o estimei. Desejo-lhe, sinceramente, um rápido restabelecimento.
Grupo do costume eram eles também para a PIDE, sempre que esta resolvia fazer algumas prisões exemplares.
Reencontrei-o também, como Ministro da Justiça e depois das Finanças, nos governos provisórios. Reencontrei a inteligência, a verve, a ironia, a exemplar rectidão de carácter. Filiado no Partido Socialista, de que ele era um dos mais destacados dirigentes, viemos, de jure, a co-

Página 1949

3 DE ABRIL DE 1997 1949

pertencer à família política a que de facto já pertencíamos há muito.
Com o PS na oposição, experimentámos a exaltante aventura parlamentar. Como simples Deputado e como líder da nossa bancada, confirmou-se como parlamentar brilhante. Ficaram célebres muitas das suas intervenções, pelo rigor argumentativo, pela ironia cáustica, pela palavra fácil, pela exigência ética, ideológica e política.
Referência moral do Partido Socialista lhe chamou Mário Soares. E foi isso o que ele foi, e permanece sendo, para todos os que de perto o conheceram.
Cedo o ceifou também a morte. Diz-se que os deuses roubam cedo os que mais amam. Sá Carneiro e Salgado Zenha, bem justificaram esse amor.
Tive a honra de estar na origem da proposta de que a Assembleia da República mandasse esculpir e passar ao bronze os bustos destes dois grandes portugueses. De há muito se não venerava por esse meio a memória dos que honraram esta Casa ao passarem por ela. E raros serão os ex-Deputados que em mármore ou bronze ornam os espaços do Palácio de S. Bento que se alcandoraram, pela notoriedade política e parlamentar, aos cumes do mérito atingidos pelos nossos homenageados de hoje. Não foram, certamente, os únicos a justificar a distinção, mas figuram, seguramente, entre os que mais a mereceram.
A memória das nossas referências humanas deve ser cultivada. É esse um espaço que não podemos deixar ocupar pela inveja, pela avareza ou pela ingratidão. O gesto de hoje não deve ser por nós encarado como um impulso ou um rasgo. Ao fim de décadas retomámos este caminho. Vamos continuar a passar por ele.
É tempo de felicitar a escultora Carla Gonçalves pelo primor emprestado à captação, sem o suporte do original, da expressão dos dois ilustres desaparecidos.
Quero também felicitar o meu ilustre antecessor, Presidente Barbosa de Melo, pela feliz execução da deliberação unânime desta Assembleia.
Após ouvirmos o Sr. Presidente da República, que nesta Casa usa da palavra por direito próprio, interromperemos esta sessão para podermos testemunhar o acto histórico de descerramento dos bustos dos homenageados pela mão dos seus familiares aqui presentes.
Salgado Zenha e Sá Carneiro, que continuavam connosco pela recordação inapagável, passarão a estar também connosco através da doce ilusão de uma presença simbólica.

Aplausos do PS, do PSD, do CDS-PP, de Os Verdes e de alguns Deputados do PCP.

O Sr. Presidente da República (Jorge Sampaio): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. ex-Deputados Constituintes, Ilustres Representantes das Famílias de Salgado Zenha e de Sá Carneiro, Srs. Membros do Governo; Srs. Deputados, Ilustres Convidados: Nem sempre, como hoje sucede, uma cerimónia evocativa é simultaneamente uma honra e uma satisfação profunda para quem nela participa. É que, para além do aniversário da Constituição da República, o que aqui nos traz é um acto de justiça para com os homens a cuja memória prestamos homenagem e, sendo um acto de justiça para com esses homens, é também um acto de confiança nas instituições criadas pela Constituição de 1976, Constituição de que se comemora hoje mais um aniversário.
Os constituintes de então são credores do nosso reconhecimento. Souberam, no respeito pelas regras da democracia, ultrapassar, mau grado todas as dificuldades e incidentes do percurso, divergências e contradições. Aceitando o veredicto do voto, construíram uma Constituição que, reflexo dos tempos que então se viviam, manteve ao longo das sucessivas revisões, ditadas pelo evoluir das circunstâncias, o seu esqueleto essencial, isto é, a consagração da liberdade e do estatuto de cidadania durante décadas negado aos portugueses.
Matriz e marco do Portugal democrático, a Constituição de 1976 traduzia, naturalmente, as contradições e as esperanças nascidas com a Revolução de Abril. Foi obra de constituintes empenhados sem reservas na construção de um Portugal novo e para quem a democracia era a conquista maior do 25 de Abril.
Democracia que a Constituição consagrou e que, se aqueles que conheceram o gosto amargo da repressão e da ausência de todas as liberdades medem hoje, no seu dia-a-dia, o significado, a sociedade portuguesa, no seu conjunto, interiorizou como valor natural inalienável. Nisso reside, aliás, a melhor prova de que a democracia se foi consolidando ao longo dos anos. A liberdade tornou-se parte do quotidiano dos portugueses e não é mais a lufada de ar fresco que o 25 de Abril trouxe mas o ar que todos os dias respiramos.
Só que - não devemos esquecê-lo - a democracia é um processo que se consolida, aprofundando-se através de uma acrescida participação dos cidadãos na vida pública. Não podemos ignorar que, com demasiada frequência, uma certa incultura democrática torna os cidadãos presas fáceis das campanhas que vão sendo desenvolvidas contra as instituições. E aqui vale a pena chamar a atenção para a necessidade de uma pedagogia democrática que é obrigação de todos nós e, às vezes, está por fazer. É importante e urgente levar junto dos cidadãos e, em particular, junto das escolas, o conhecimento das instituições democráticas, como regra ignoradas, e o seu significado como instrumentos de afirmação da cidadania. É um desafio que deixo a todos e a que, devo reconhecê-lo, também não posso nem quero furtar-me.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Associar a evocação de Sá Carneiro e Salgado Zenha à comemoração do aniversário da Constituição da República é também uma forma de prestar homenagem não só aos que lhe deram corpo mas àqueles que, ao longo dos anos, lutaram para que isso fosse possível.
Francisco Sá Carneiro e Francisco Salgado Zenha foram homens de percursos distintos, de ideologias diferentes e de diferentes gerações, portadores de tradições culturais e experiências políticas divergentes, se não opostas, mas ambos marcaram de forma indelével, pela sua coragem e vigor das suas convicções, o processo de consolidação da democracia no pós 25 de Abril e ambos, ainda que por vias e modos diversos, deram um inestimável contributo na luta contra a ditadura.
Sá Carneiro, oriundo de um meio conservador, integrado nas esferas dirigentes do salazarismo, foi cultivando a

Página 1950

1950 I SÉRIE - NÚMERO 56 

sua resistência no interior das influências que o rodeavam e acabou por entrar na política por opção própria e porque, como ele dizia, «por muito que se tenha sido educado no descrédito da política, é-se forçado a reconhecer que quando se começa a tomar em profundidade consciência da nossa própria existência pessoal e das realidades que nos cercam somos constantemente conduzidos a ela».
Sá Carneiro torna-se, assim, Deputado à Assembleia Nacional, acreditando no "marcelismo" como via para uma mudança do regime. As suas intervenções fizeram história e foram ditadas pela independência e pela coragem com que se manteve fiel aos propósitos que haviam justificado a sua opção. A experiência durou 3 anos, se tanto, e Sá Carneiro, perdidas as ilusões, renunciou, em 1973, ao mandato de Deputado, sem, no entanto, ter renunciado ao combate pela democracia.
Salgado Zenha, diversamente, foi formado na luta estudantil de oposição ao regime, luta que se tornou insensivelmente, como aconteceu com tantos dos estudantes universitários activos na vida associativa, em luta política pura e simples. Membro do Partido Comunista nos anos 40, será dirigente activo do MUD Juvenil e presidiu, em 1944, à Associação Académica de Coimbra. Nos anos 50 afasta-se do Partido Comunista e adere à Resistência Republicana e Socialista, criada em 1955 por Mário Soares, que viria a transformar-se, duas décadas mais tarde e após várias mutações, no Partido Socialista.
São, pois, dois percursos separados, por vezes opostos, que vão levar, depois do 25 de Abril, os dois juristas que, causídicos notáveis, também no foro haviam revelado as suas invulgares qualidades de inteligência - à Assembleia Constituinte, à Assembleia da República e aos Governos da República.
Porém, se os percursos foram distintos e as suas posições ideológicas divergiram, algo existia nas suas experiências que os levava a uma concepção da democracia, e, em especial, da democracia representativa, que lhes era comum e se traduzia numa prática pautada pelos mesmos valores da frontal idade e da coragem da rebeldia criadora. Ambos enfrentaram sempre sem tibiezas as dificuldades, cada vez que sentiam em causa os seus valores, recusando as convenções e os oportunismos, que podem tornar fácil uma carreira política mas lhe retiram o único sentido que, para eles, podia ter, isto é, o da realização dos projectos em que acreditavam.
Recusando o paternalismo dos ditadores ou a disciplina de clã, quando esta fere os ditames da consciência e a independência do pensamento, a democracia era, para ambos, a resolução das divergências através do debate de ideias, ou seja, o respeito pela opinião do contrário.
Salgado Zenha e Sá Carneiro não eram, honra lhes seja feita, homens de consenso, no que este possa significar de abdicação permanente de princípios e de valores, de negação do confronto de ideias e de projectos. Eram, sim, e ainda bem, homens de convicções, lutando por elas sem cedências a consensos fáceis mas paralisantes, não deixando, por isso, de serem homens tolerantes e que respeitavam o veredicto do voto como instrumento último para dirimir os conflitos em democracia. Eram, nesse sentido, representantes por excelência da democracia parlamentar, na sua expressão mais elevada e mais capaz de dignificar as instituições.
É, pois, esta Casa o lugar próprio para perpetuar a sua memória e é dever de todos nós honrar o que de saber democrático nos legaram.
Podemos - devemos, sem dúvida -, quando se comemora o aniversário da Constituição, interrogar-nos sobre se o nosso sistema político e parlamentar tem evoluído por forma a seguir os caminhos que estes homens procuraram que trilhasse. Certamente que nem sempre e nem sempre da melhor maneira, mas a lição de perseverança que eles também nos deixaram ensina-nos que está na mão de todos nós, responsáveis políticos ou cidadãos comuns, fazer com que o seu curso vá no sentido de uma prática política mais rigorosa, mais transparente, mais fiel aos valores e princípios de que cada qual se diz portador. Valores e princípios que os eleitos submeteram ao sufrágio e que os cidadãos que neles votaram têm o direito de ver respeitados, antes de mais, por quem os assumiu.
Salgado Zenha e Sá Carneiro acreditaram firmemente na importância de uma instituição parlamentar independente, respeitada e olhada pelos cidadãos como um elemento chave do controlo do executivo e da elaboração das leis. Uma instituição composta por pessoas livres e responsáveis, acima de tudo, perante aqueles que os elegeram. É nosso dever, também para com eles, como exemplo que foram de uma luta árdua e difícil pela instauração da democracia, mas, sobretudo, para com os cidadãos deste País, prosseguir a consolidação dessa democracia e prestigiar as instituições.
Que o sistema político carece de reformas que lhe dêem uma maior transparência e assegurem o exercício da cidadania é, creio, incontroverso.
Não deve, nem pode, o Presidente da República pronunciar-se sobre a revisão das instituições que está em curso. Isso lhe impõe o respeito, a que sempre será fiel, pela separação de poderes e também o respeito pelos que foram mandatados pelo voto para prosseguirem essa revisão. Mas pode, e deve, o Presidente da República manifestar o seu empenho no aperfeiçoamento das instituições democráticas, que a todos compete, aproximando-as dos cidadãos e fazendo com que estes nelas se reconheçam. Essa foi, Srs. Deputados, uma das nobres mensagens que Sá Carneiro e Salgado Zenha nos deixaram e também o propósito maior dos constituintes de 1976.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quero, por isso, agradecer publicamente o que fizeram por nós e por Portugal.

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Presidente: - Sr. Presidente da República, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Srs. Convidados, declaro encerrada esta exaltante cerimónia comemorativa e evocativa.
Vamos fazer uma breve interrupção, após o que se seguirá a ordem normal dos trabalhos, fora deste propósito específico.

Eram 17 horas è 15 minutos.

A Banda da Guarda Nacional Republicana executou de novo o Hino Nacional.

Página 1951

3 DE ABRIL DE 1997 1951

Realizou-se, então, o cortejo de saída, composto pelas mesmas individualidades do da entrada.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos retomar os nossos trabalhos.

Eram 17 horas e 55 minutos.

O Sr. Secretário vai anunciar os diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidas, as seguintes iniciativas legislativas: propostas de lei n. os 78/VII Estabelece a regulamentação do trabalho de estrangeiros em território português, que baixou às 1.º e 8.º Comissões, e 79/VII - Autoriza o Governo a estabelecer medidas que viabilizam a aplicação e a execução das penas de prestação de trabalho a favor da comunidade; projectos de lei n. os 292/VII - Revê o regime jurídico do segredo de justiça (CDS-PP), que baixou à 1.ª Comissão, 293/VII - Estatuto do agente da cooperação (PS), que baixou à 2.8 Comissão, e 294/VII - Confirma o passe social intermodal como título nos transportes colectivos de passageiros e alarga o âmbito geográfico das respectivas coroas (PCP), que baixou à 4.ª Comissão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos dar início à discussão da proposta de resolução n.º 38/VII - Aprova, para ratificação, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e o Acordo relativo à Aplicação da Parte XI desta Convenção.
Para uma intervenção, tema palavra o Sr. Deputado Carlos Luís.

O Sr. Carlos Luís (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta de resolução n.º 38/VII aprova, para ratificação, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e o Acordo relativo à aplicação da Parte XI da mesma Convenção.
A Constituição da República Portuguesa define, nos termos do disposto no artigo 5.º, o conceito de território e, no seu n.º 2, determina que "A lei define a extensão e o limite das águas territoriais, a zona económica exclusiva e os direitos de Portugal aos fundos marinhos contíguos".
Portugal também se rege, no direito interno, por uma outra legislação, de que se salientam, pela sua importância, os seguintes diplomas: a Lei n.º 2080, de 21 de Março de 1956, que promulgou as bases do regime jurídico do solo e subsolo da plataforma continental; a Lei n.º 2130, de 22 de Agosto de 1966, que promulgou as bases do regime jurídico do mar territorial e da zona contígua; o Decreto-Lei n.º 47 973, de 30 de Setembro de 1967, e o Decreto-Lei n.º 49 369, de 11 de Novembro de 1969, que aplicam os princípios emergentes da Lei n .º 2080 às concessões para pesquisa e exploração de petróleo e de prospecção, pesquisa, avaliação e exploração dos recursos minerais na plataforma continental; a Lei n.º 33/77, de 28 de Maio, que fixa a largura e os limites do mar territorial e estabelece uma zona económica exclusiva; o Decreto-Lei n.º 119178, de 1 de Junho, que veio adaptara Lei n.º 33/77 e subdividir a zona económica exclusiva.
Portugal é subscritor de todas as convenções e acordos internacionais relevantes sobre esta matéria, tendo ratificado, em 3 de Agosto de 1962, mediante a publicação do Decreto-Lei n.º 44 490, de 3 de Agosto de 1962, a Convenção sobre o Mar Territorial e a Zona Contígua, a Convenção sobre o Alto Mar, a Convenção sobre a Plataforma Continental e o Protocolo de Assinatura facultativo relativo à regularização obrigatória das divergências, aprovado na 1.ª Conferência do Direito do Mar adoptada.
No âmbito da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, adoptada em Montego, a 10 de Dezembro de 1982, em que Portugal participou, enunciam-se as grandes regras pelas quais esta Convenção se regerá, em termos de prevenção da poluição de relações entre Estados, salvaguardando-se o exercício respectivo do direito de soberania na promoção de uma nova ordem jurídica internacional para os mares e oceanos, tendo sempre presente a utilização pacífica dos seus recursos.
No capítulo V da referida Convenção encontramos ainda expressa referência à zona económica exclusiva, considerada como a situada para além do mar territorial e adjacente a este, submetida a um regime jurídico particular estabelecido e em virtude do qual os direitos e a jurisdição do Estado costeiro e os direitos e liberdades dos outros Estados são segurados pelas disposições pertinentes da Convenção.
Na zona económica exclusiva, os Estados costeiros mantêm o seu direito de soberania na exploração, conservação e gestão dos recursos naturais, biológicos ou não biológicos, das águas adjacentes aos fundos marinhos, os fundos marinhos e o seu subsolo.
A zona económica exclusiva não vai além das 200 milhas marítimas e, dentro da sua área, todos os Estados costeiros têm liberdade de navegação e de utilização do mar para outros fins lícitos, devendo os demais Estados respeitar e cumprir os direitos dos Estados costeiros.
Sendo premente uma uniformização da legislação internacional sobre o direito do mar, de forma a poder tratar os problemas do espaço oceânico como um todo, a presente proposta de resolução visa permitir a Portugal, enquanto anfitrião da Expo 98, que se realizará sob a égide dos oceanos, e com uma larga faixa marítima pela qual urge zelar, mediante esta ratificação, o aproveitamento e o benefício que daí advirá, com uma melhor protecção dos seus interesses marítimos, salvaguardando-se, porém, mediante a declaração de reserva, as eventuais dificuldades das disposições desta Convenção em relação às zonas marítimas de soberania ou jurisdição portuguesa.
Importa realçar que a presente Convenção já foi ratificada por alguns Estados, nomeadamente a Suécia, a França, a Itália, os Países Baixos, a Áustria, a Irlanda, a Alemanha, a Finlândia e a Grécia.
Pela presente resolução, Portugal compromete-se a aceitar a Parte XI da Convenção relativa à área, nomeadamente dos recursos minerais sólidos, líquidos ou gasosos sitos na área, no leito do mar ou no seu subsolo, sendo que a área e seus recursos são, nos termos da Convenção. considerados património comum da humanidade, comprometendo-se todos os Estados a não interferirem nas esferas dos demais nem a reivindicar ou exercer soberania nos mesmos.
A referida área encontra-se exclusivamente aberta para a utilização pacífica e o aproveitamento dos recursos no

Página 1952

1952 I SÉRIE - NÚMERO 56

seu âmbito deve ter por fim o desenvolvimento humano da economia mundial e o crescimento equilibrado do comércio internacional, bem como a cooperação internacional aberta para fins pacíficos.
Para cumprir estes objectivos, a Convenção em apreço instituiu a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, com personalidade jurídica internacional, capacidade jurídica e constituída por todos os Estados-partes, que, nos termos desta ratificação, mereceu alguns ajustamentos e terá como órgãos principais uma Assembleia, um Conselho, um Secretariado, uma Comissão Jurídica e Técnica e um Comité Financeiro.

O Sr. Acácio Barreiros (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos de apreciar e votar um parecer da l.ª Comissão, relativo à retoma de mandato pelo Sr. Deputado Ruben de Carvalho, que vai usar da palavra em seguida. Julgo, por isso, que a apreciação e votação do parecer deve ter precedência sobre o uso da palavra pelo Sr. Deputado.
Peço, pois, ao Sr. Secretário que nos dê conta do relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Sr. Secretário (Artur Penedos): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o relatório e parecer refere-se à retoma do mandato pelos Srs. Deputados Carlos Eugénio Pereira de Brito, do PSD, e Ruben de Carvalho, do PCP, em 1 de Abril corrente, inclusive, cessando, respectivamente, os Srs. Deputados José. Carlos Póvoas e Joaquim Matias.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votar o parecer.

Submetido à, votação, foi aprovado por unanimidade.

Já agora, Srs. Deputados, uma vez que estamos em pausa discursiva, talvez possamos proceder, de imediato, à apreciação e votação do projecto de deliberação n.º 38/ VII - Prorrogação do período de funcionamento da Comissão Eventual para a Revisão da Constituição (Presidente da AR).
Trata-se de um projecto de deliberação, que já foi distribuído e é vosso conhecido, no qual a Assembleia delibera, nos lermos do n.º 2 da Deliberação n.º 10-PL, prorrogar por mais 60 dias o período de funcionamento da Comissão Eventual para a Revisão da Constituição.
Vamos proceder à votação do referido projecto de deliberação.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas gostaria de interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, conforme ficou consensualizado na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, o alargamento do prazo era de 90 dias e não de 60 dias, como V. Ex.ª acabou de anunciar.

O Sr. Presidente: - É verdade, Sr. Deputado, mas este projecto de deliberação foi redigido por mim na sequência de um pedido do Sr. Presidente da Comissão em exercício.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, interpelo de novo a Mesa no sentido da surpresa que essa informação nos causa, sendo certo que, em sede de Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares e por proposta do meu grupo parlamentar, acordámos que seria o Sr. Presidente a apresentar o projecto de deliberação, aliás, nos termos em que o fez já com a anterior prorrogação, prevendo-se o alargamento do prazo por 90 dias.
Nestes termos, creio que ficou claro para todos nós que seria esse o seu teor.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, isso é verdade, mas, nesse momento, não havia notícia da iniciativa do Sr. Presidente da Comissão em exercício. Uma vez que houve essa notícia, pergunto ao Sr. Presidente, Deputado Guilherme Silva, se tem alguma objecção a que sejam 90 dias em vez de 60 dias.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, a razão de fixarmos o prazo em 60 dias é a de darmos sinal de alguma celeridade nos nossos trabalhos. Além disso, não haverá prejuízo em se fazer posteriormente uma segunda prorrogação, se tal se mostrar necessário.
Apontarmos desde já para os 90 dias dá a ideia de que não há uma grande pressa na conclusão dos trabalhos da revisão constitucional. Foi esta a razão por que apontei nesse sentido. Aliás, não é inviável fazermos depois uma segunda prorrogação e penso que seria pedagógico mantermos os 60 dias.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Pedagógico?

O Sr. Presidente: - Acha pedagógico, Sr. Deputado António Braga?

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, é evidente que o Partido Socialista também está interessado em que a questão da revisão constitucional se resolva o mais rapidamente possível, nos termos em que entendermos ser razoáveis, na discussão parlamentar que se impõe. O prazo de 90 dias completa justamente o final desta sessão legislativa, por volta do final do mês de Junho. Portanto, nesse sentido, a parte pedagógica a que se refere ó Sr. Deputado Guilherme Silva está também contida no prazo dos 90 dias.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, se os 90 dias vão servir para rever o acordo celebrado entre o PS e o PSD a nossa bancada dá a sua concordância a esse prazo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, não vou repetir o que já foi dito pelo Partido Socialista na

Página 1953

3 DE ABRIL DE 1997 1953

medida em que o Sr. Presidente também já explicou o porquê da alteração do número de dias. De qualquer modo, e face à explicação do Sr. Vice-Presidente da Comissão Eventual para a Revisão da Constituição, eu diria que a pedagogia não pode querer impor aquilo a que se costuma chamar, em termos parlamentares, uma actividade "mata-cavalos" da Comissão.
Por conseguinte, seria mais prudente manter os 90 dias de que tínhamos falado esta manhã.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, penso que a preocupação de pedagogia já está um pouco retardada.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Muito bem!

A Oradora: - Portanto, há que assumir agora o ritmo certo para uma conclusão minimamente credível deste processo de revisão constitucional, por parte do Parlamento.

O Sr. Presidente: - Parece-me que a lógica quantitativa vai para os 90 dias. Portanto, se concordassem, dávamos por assentes os 90 dias.
O Sr. Deputado Guilherme Silva pretende usar novamente da palavra ou resigna-se?

Risos.

O Sr. Guilherme Silva (PSD)- Sr. Presidente, como Presidente em exercício da Comissão Eventual para a Revisão da Constituição já expressei a minha opinião. No entanto, sentindo que para haver consenso, e em representação do PSD, terei de dar anuência aos 90 dias, não posso deixar de expressar que deve ficar clara a preocupação de celeridade e de mostrarmos trabalho, dado que uma coisa que muitas vezes se aponta aos Deputados é de que não fazem. que demoram, que se arrastam. Dêmos o exemplo nestas pequenas coisas, pois, por vezes, a tal pedagogia de que eu falava e o exemplo também são bons.

O Sr. Presidente: - Se me permitissem, corrigia, mesmo à mão, a alteração dos 60 para 90 dias, rubricando a correcção.
Vamos, então votar o projecto de deliberação n.º 38/ VII - Prorrogação do período de funcionamento da Comissão Eventual para a Revisão da Constituição.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à apreciação da proposta de resolução n.º 38/VII - Aprova, para ratificação, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e o Acordo Relativo à Aplicação da Parte XI desta Convenção.
Em representação do Governo, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Costa): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Na ausência do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e dos respectivos Secretários de Estado, que estão em missão oficial no estrangeiro, cumpre-me apresentar à Assembleia, para ratificação, esta proposta de resolução.
Permitam-me VV. Ex.as que dirija uma primeira palavra ao Dr. Mário Soares, que, não tendo podido estar presente porque se encontra no estrangeiro, se fez representar pelo Dr. Mário Ruivo. Gostaria, pois, de referir que a mensagem que o Dr. Mário Soares dirigiu à Assembleia da República, em 5 de Fevereiro de 1996, chamando a atenção da Assembleia e, indirectamente, do Governo para a necessidade de se proceder à ratificação desta Convenção internacional, que Portugal já assinou em 1982 e que desde então aguarda ratificação, constituiu um impulso essencial para que o Governo, então ainda em início de funções, tivesse reaberto um dossier que estava há muito tempo encerrado, de forma a poder ser remetido à Assembleia da República e ser hoje aqui presente para aprovação.
O Governo acompanha, com muita atenção, o trabalho muito interessante que, sob a presidência do Dr. Mário Soares e sob a égide das Nações Unidas, vem sendo desenvolvido pela Comissão Mundial Independente para-os Oceanos, que culminará com uma reunião final, a ter lugar precisamente em Lisboa, aquando da realização da Expo 98, visando a elaboração de um relatório internacional, a ser presente à Assembleia Geral das Nações Unidas, que antevemos terá, no próximo milénio, a relevância, neste domínio decisivo dos oceanos, que relatórios idênticos, do saudoso Willy Brandt ou da ex-Primeira-Ministra da Noruega, Brundland, tiveram sobre as relações Norte/Sul ou sobre o ambiente e o desenvolvimento.
Este trabalho, que o Dr. Mário Soares hoje representa, que engrandece Portugal - em Fevereiro de 1996 enviou à Assembleia da República uma mensagem - culminou um desígnio sempre por ele acalentado ao longo de toda a sua presidência: o do reencontro de Portugal com o mar, não numa lógica passadista daquilo que foi a nossa relação no tempo das Descobertas mas com os olhos postos no futuro.
As preocupações que vem revelando e manifestando, quer a título pessoal, quer enquanto Presidente desta Comissão, quanto à sustentabilidade dos oceanos, enquanto património comum da humanidade e património intemporal que temos de legar às gerações vindouras, designadamente sobre questões candentes da maior relevância, da biodiversidade à gestão racional dos recursos marinhos, o papel fundamental dos oceanos na revelação do clima, o controlo efectivo das contaminações tóxicas e radioactivas e ainda essa questão fulcral, para a qual tem chamado a atenção, dá partilha e da transferência dos saberes científicos e tecnológicos, são questões que estão na ordem da agenda internacional do próximo milénio.
Apresentamos hoje, pois, para ratificação conjunta, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 10 de Dezembro de 1982, e o Acordo Relativo à Aplicação da Parte XI da mesma Convenção, assinado por Portugal também já em 29 de Julho de 1994.
Trata-se de dois documentos da maior relevância que devem ser entendidos como um instrumento conjunto, atenta a génese do Acordo Relativo à Parte XI e às suas disposições, que estabelecem claramente a necessidade de ser integrado no conjunto da Convenção.

Página 1954

I SÉRIE - NÚMERO 56 1954

A Convenção, que foi aprovada em 1982, resultou de nove anos de intenso trabalho e procurou codificaras convenções anteriores sobre o Direito do Mar, as práticas consuetudinárias até então adquiridas, e, mais do que isso, procurou inovar, correspondendo à resolução n.º 2749, de 1970, da Assembleia Geral das Nações Unidas, que havida proclamado os oceanos e os fundos marinhos, para além das águas sob jurisdição nacional, como património comum da humanidade, cujo aproveitamento devia beneficiar toda a humanidade, independentemente da situação geográfica de cada um dos Estados e com uma particular atenção aos Estados em vias de desenvolvimento, no quadro de uma ordem económica internacional mais justa e equitativa.
Esta Convenção de Montego Bay é, por isso, particularmente inovadora no domínio do Direito do Mar porque não se limitou a codificar mas avançou nos domínios inteiramente inovadores, designadamente em toda a parte em que regulamenta aquilo que a própria Convenção designou como a Área, ou seja, os fundos marinhos e oceânicos, para além das áreas sob jurisdição nacional. É também inovadora em toda a Parte XII e XIII, na qual se dedica à protecção e preservação do Direito do Mar e também à investigação científica oceânica, matérias relativamente às quais, aliás, Portugal teve um papel particularmente activo no quadro da Terceira Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, papel a que não foi naturalmente indiferente o facto de Portugal ser também representado nesta Terceira Conferência pelo ilustre Dr. Mário Ruivo.
O Acordo Relativo à Aplicação da Parte XI que foi possível obter, sob a égide das negociações, pelo Sr. Secretário Geral das Nações Unidas em 1994, veio viabilizar a eliminação de grande parte das dificuldades que tinha levado diversos Estados, após terem assinado a Convenção em 1982, a recusarem-se durante longos anosa proceder à sua ratificação. A obtenção deste Acordo, que permitiu viabilizar um consenso internacional quanto à aplicação da Parte XI da Convenção, permitiu desbloquear esta situação e neste momento já 116 Estados ratificaram a Convenção de Montego Bay, 10 dos quais membros da União Europeia, da qual só cinco Estados, entre os quais Portugal, ainda não procedeu à sua ratificação.
Permitam-me chamar a atenção para o facto de esta Convenção ser particularmente importante para Portugal em dois pontos essenciais. Em primeiro lugar, porque vem consolidar, no âmbito do Direito Internacional, as inovações introduzidas pela legislação portuguesa a partir de 1977, em particular o alargamento do nosso Mar Territorial para 12 milhas e a consagração de uma Zona Económica Exclusiva de 200 milhas. Em segundo lugar, na medida em que, ao permitir até uma extensão de 24 milhas contadas da linha de base o estabelecimento de uma zona contígua, permite a Portugal, como se faz, aliás, desde já, na declaração que acompanha a proposta de resolução, o restabelecimento de uma zona contígua ao seu Mar Territorial.
Como certamente sabem, ao alargar o Mar Territorial para 12 milhas, Portugal consumiu, no Mar Territorial, a antiga zona contígua de seis milhas. O alargamento que agora é previsto e possível no âmbito desta Convenção, do estabelecimento de uma zona contígua no Mar Territorial até 24 milhas da linha de base, permite-nos restabelecer, para além das 12 milhas do Mar Territorial,
uma zona contígua de 12 milhas, nos quais Portugal poderá exercer importantes poderes de jurisdição e fiscalização relevantes no que respeita à protecção das nossas águas territoriais em matéria ambiental.
Chamo ainda a atenção para a importância da declaração que acompanha esta resolução, na qual Portugal reafirma a delimitação constante do Direito Interno em matéria de Mar Territorial, Plataforma Continental e Zona Económica Exclusiva do continente, arquipélagos e ilhas integrantes dos dois arquipélagos, dos Açores e da Madeira; reafirma que as fronteiras marítimas com os Estados com costas opostas ou adjacentes com Portugal são as historicamente definidas com base no Direito Internacional e, portanto, não são afectadas com a ratificação desta Convenção; e declara, desde já, estabelecer uma zona contígua de 12 milhas marítimas adjacente ao Mar Territorial.
Portugal não se considera vinculado por qualquer declaração unilateral, aprovada por qualquer Estado, no âmbito da respectiva ratificação da Convenção.
Portugal exprime ainda o seu entendimento de que, enquanto potência administrante de Timor Leste, exerce os direitos previstos na Resolução III da Acta Final, ao notificar internacionalmente que, nos termos desta resolução, os direitos e interesses emergentes da Convenção devem beneficiar o povo do território não autónomo de Timor Leste, benefícios e direitos que devem ser destinados a promover o seu bem-estar e desenvolvimento.
A última declaração, para a qual chamo particular atenção, tem a ver com a ressalva de transferência de competências que, em alguns dos domínios desta Convenção, Portugal já promoveu para a então Comunidade Europeia, de que hoje é depositária a União Europeia, que lhe sucedeu.
Como sabem, a própria Comunidade Europeia já assinou esta Convenção, ainda não procedeu à sua ratificação, embora já o possa fazer, visto que a condição que a Convenção impõe para a ratificação por uma organização internacional é a de a maioria de os Estados membros terem procedido à ratificação, o que neste momento já aconteceu, uma vez que 10 dos 15 Estados membros da União já procederam à ratificação.
Esta ressalva é essencial porque, nos termos desta Convenção, há matérias relativamente às quais Portugal assume obrigações que só pode corresponder indirectamente enquanto Estado membro da União Europeia, dado que já transferiu competências para a União no exercício destas competências.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado, ninguém nega a importância desta Convenção e da sua ratificação por Portugal. Mas é sabido que vieram a público algumas dúvidas sobre consequências que, eventualmente, poderiam advir de uma determinada interpretação do disposto no n.º 3 do artigo 121.º da Convenção relativamente às Ilhas Selvagens, que integram o Arquipélago da Madeira, a Região Autónoma da Madeira, ou seja, saber se essas ilhas pode-

Página 1955

3 DE ABRIL DE 1997 1955

riam vir a ser tratadas como meros rochedos, com consequências decorrentes desta Convenção relativamente às actuais áreas da Plataforma Continental e da Zona Económica Exclusiva. Trata-se, obviamente, de uma matéria delicada mas relativamente à qual eu próprio fiz um requerimento ao Governo, que, através do Sr. Ministro dos Negócio Estrangeiros, me tranquilizou no sentido de que essa questão estaria salvaguardada e de que não havia o risco de uma interpretação que levasse a aplicação daquela disposição às Ilhas Selvagens.
É certo que a História regista, desde há mais de uma centena de anos, a exploração económica quer na caça quer na pesca e a presença humana naquelas ilhas, que, aliás, sempre se designaram como ilhas. Consequentemente, parece que temos um património histórico e um passado de presença e de exploração das Ilhas Selvagens que afasta a aplicação do n.º 3 do artigo 121.º da Convenção. Mas a verdade é que estamos ali na proximidade das Canárias, que têm tido algum comportamento nem sempre de compreensão e de integral respeito por essa área, decorrente da consideração daquelas ilhas.
A questão que queria colocar, face às declarações que o Sr. Secretário de Estado referiu, que Portugal consigna ao ratificar esta Convenção, e aos, trabalhos que foram efectuados pelo Governo na preparação desta proposta de resolução para efeitos de ratificação, consiste em saber se pode tranquilizar-nos no sentido de que a conjugação destas razões e argumentos são bastantes, articulados com as declarações que estão consignadas, para salvaguardar e afastar qualquer risco de perda de direitos da Região Autónoma da Madeira e do Estado português relativamente a esses aspectos, em particular da Zona Económica Exclusiva e da Plataforma Continental.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário nos termos desta Convenção, de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Sr. Deputado Guilherme Silva, agradeço a questão que colocou porque, apesar de nos últimos meses essa matéria parecer estar esclarecida, nunca é demais clarificá-la.
Em primeiro lugar, não está nem nunca esteve em causa a soberania de Portugal sobre as Ilhas Selvagens e sobre o correspondente Mar Territorial. Houve, em tempos, alguém que terá suscitado dúvidas sobre os limites da Zona Económica Exclusiva, e só dessa, das Ilhas Selvagens. E essa dúvida pareceria resultar de uma interpretação incorrecta, do meu ponto de vista, do n.º 3 do artigo 121.º da Convenção de Montego Bay. Esse artigo classifica, no n.º 1, o que são ilhas: são as formações naturais de terra rodeadas de água que ficam a descoberto na preia-mar isto é claro; depois, a única ressalva que existe é a de considerar, numa outra figura atípica, o que são rochedos, que são as formações que, por si próprias, não se prestam a habitação humana ou a vida económica, e que não devem ter Zona Económica Exclusiva nem Plataforma Continental.
Ora, este n.º 3 do artigo 121.º é, aliás, suficientemente claro para se perceber que não há qualquer dúvida sobre a classificação das Selvagens como ilhas visto que, em 1970, as Ilhas Selvagens foram decretadas reserva especial. Portanto, qualquer restrição que existe relativamente ao exercício de qualquer actividade nas Ilhas Selvagens não resulta da própria natureza destas ilhas, como imporia o n.º 3 do artigo 121 º, mas resulta da força da lei que, num acto de direito interno unilateral do Estado português, entendeu que devia ser uma reserva natural e, como tal, com algum tipo de actividades limitadas.
Aliás, como sabe, existem cidadãos portugueses que residem, em exercício de missão de soberania, nas Ilhas Selvagens.
De qualquer forma, para que não houvesse qualquer tipo de dúvidas, entendemos que a declaração que consta da proposta de resolução é suficiente para que ninguém tenha dúvidas de que a ratificação por Portugal desta Convenção não pode ter qualquer implicação quanto à delimitação que Portugal já estabeleceu do seu Mar Territorial, da sua Plataforma Continental e da sua Zona Económica Exclusiva.
Isto não obsta, naturalmente, a que negociações, que estão encerradas desde 1978, com o Reino de Espanha, quanto à delimitação do flanco sul da Zona Económica Exclusiva ria subárea da Madeira, não possam, um dia, ser retomadas. E é desejável que sejam retomadas. O que fica claro - e isso consta da declaração anexa à proposta de resolução - é que Portugal também estabelece e fixa quais são os meios contenciosos de resolução de qualquer conflito se este não puder ser resolvido por formas não contenciosas.
Devo dizer-lhe que, desde 1978, não há qualquer dúvida sobre essa delimitação e, no entendimento do Governo, que julgo partilhado pelo conjunto da Assembleia, creio que esta declaração é suficiente para que não sejam postos em causa os direitos históricos de Portugal nesta matéria.

O Sr. Presidente: - Informo os Srs. Deputados que, tendo sido ouvidas, como era próprio, as Regiões Autónomas, através dos seus órgãos de Governo próprios, acabaram de emitir parecer favorável à aprovação desta proposta de resolução.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis para uma intervenção.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Às vezes apetece-me dizer, com todo o respeito que tenho por esta Casa, que a importância das coisas que aqui discutimos é inversamente proporcional ao número de Deputados presentes na Sala. Talvez poucas vezes se tenha discutido um problema tão importante para os destinos de Portugal como este que hoje aqui nos traz. Trata-se de saber qual a posição que Portugal quer ocupar, nos séculos que estão para vir, num dos pontos que será vanguarda da tecnologia e da ciência e uma das matérias fundamentais para a subsistência da humanidade.
Curiosamente, este país desenvolveu há pouco tempo as suas energias, com êxito, em algumas áreas que dizem respeito a isto. Refiro-me à conquista da Expo 98, tirando-lhe todo o seu folclore e ficando com aquilo que, de facto, é importante para Portugal, que é a exposição que, no início do novo milénio, vai tratar em profundidade os problemas dos oceanos e que conseguimos conquistar para Lisboa. Conseguimos também que as Nações Unidas con-

Página 1956

I SÉRIE - NÚMERO 56 1956

sagrassem o ano de 1998 como o Ano dos Oceanos. Conseguimos que o nosso antigo Presidente da República, Dr. Mário Soares, amigo de todos os que aqui estão, mas, mais do que isso, uma personalidade de relevo no mundo, ocupasse, em nome de Portugal, a presidência da Comissão Independente Mundial dos Oceanos.
E, por força das circunstâncias e da geografia, acontece que, na área, no tal espaço que não pertence a nenhuma das nações em si mas que deve ser partilhado nas suas riquezas e potencialidades por toda a humanidade, existem alguns valores singulares e que merecem realce. É o caso, por exemplo, das fontes quentes submarinas que, em parte, estão nessa vasta área mundial mas que, curiosamente, se prolongam para dentro das áreas que vieram a caber a Portugal. Isto tem um significado enorme e quer dizer que estaremos em condições, como ninguém, de poder vir a exploraras potencialidades; as consequências e até as utilidades ainda hoje insuspeitadas que essas fontes quentes podem ter. Como se sabe, um dos problemas que afligirá a humanidade, e que sempre a afligiu, é o problema da energia. Até aí dispomos de fontes de energia de potencialidades insuspeitadas.
Acontece ainda, Sr. Presidente, que o mais importante não é aquilo que vai sair, de certeza, desta Assembleia que é a ratificação deste acordo internacional sobre o mar e a aprovação específica do seu capítulo XI. Digamos que isso "são favas contadas"! Ninguém pode esperar que aconteça outra coisa, principalmente de um país que, como disse, quer estar na vanguarda de uma das tecnologias mais importantes para o futuro da humanidade. Não poderíamos, quando 120 países já ratificaram este acordo, ser o 121.º afazer marcha atrás! Isso não fazia sentido! Era completamente disparatado!
Mas o que é importante é que hoje esta Assembleia faça uma referência e uma recomendação, que se dirige, naturalmente, àqueles que detêm o poder executivo neste momento - e eu vejo tão poucos, um único membro do Governo e uma meia dúzia de Deputados da maioria, quando se discutem, repito, coisas fundamentais para o futuro dos portugueses!
Mas isso não me coíbe, Sr. Presidente, de fazer esta recomendação com muita força: é importante que nós tragamos para Portugal algumas das instituições internacionais que vão ser da maior relevância nos tempos e no milénio que está a chegar - refiro-me, por exemplo, ao Tribunal do Mar, que já houve fortes esperanças de colocar em Portugal.
E permita-me, Sr. Presidente, para os que se tiverem esquecido, que recorde aqui que, como Presidente da Câmara de Lisboa, comprei o Palácio do Marquês de Tancos para instalar o Tribunal do Mar em Lisboa. Que isso não caia no esquecimento nem do Governo nem da Câmara porque esse palácio pode vira ter uma situação privilegiada, sobre o porto de Lisboa, nesta nossa nova epopeia de Descobertas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, as coisas são como são e eu diria que a qualidade dos que aqui estamos supera bem a pouca quantidade dos que cá estão! Façamos nós um acto de solidariedade e comprometamo-nos a endemoninhará vida àqueles que detêm o poder. Esta corrida não pode ser perdida, a título nenhum esta corrida pode ser perdida! Não pode ser este o último acto de Portugal em relação ao mar, tem de ser o novo primeiro acto que cometemos nesta Assembleia, para um futuro a que temos direito, em que temos condições e que tem de ser explorado - explorado, digo bem - em todas as suas potencialidades, por portugueses.
Felizmente, temos aqui entre nós um velho amigo meu, um velho soldado desta luta pelos oceanos e pelo futuro de Portugal, que é o Mário Ruivo. Falta aqui o Pedro Pinto, que é o outro grande herói desta batalha. Temos um connosco, temos o outro em espírito. Estejamos nós com eles para aquilo que vamos ter de fazer no futuro.

Aplausos do CDS-PP e do Deputado do PS Carlos Luís.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apreciamos hoje a Convenção sobre Direito do Mar, assinada em 1982, em Montego Bay, na Jamaica. Não se trata apenas de mais uma Convenção. Pela importância do seu objecto e pela sua relevância para Portugal, esta é uma Convenção que deve merecer especial atenção desta Assembleia.
Foi fruto da Terceira Conferência sobre Direito do Mar, que decorreu durante nove anos de longas e difíceis negociações, entre 1973 e 1982. Nove anos aos quais somos forçados a juntar mais 12 até à data em que a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou um conjunto de regras, que estão também aqui em apreciação, e que, na prática, se consubstanciam na alteração à Parte XI da Convenção, a sua parte mais inovadora e também mais polémica.
Não se julgue, porém, que a realidade internacional esperou imutável durante este tempo. A História nunca espera! E o Direito Internacional tem a vantagem sobre os direitos nacionais de pouco dever a imobilismos positivistas. A realidade internacional transformou-se radicalmente e o Direito Internacional mudou também, com ela, pela força derrogatória dos costumes que se foram fixando. É assim que muitas das disposições inovatórias da Convenção, que hoje apreciamos, são já mera codificação das normas costumeiras entretanto firmadas, das quais o mais expressivo exemplo são as zonas económicas exclusivas.
Mas, ao falarmos sobre uma Convenção do Direito do Mar nesta Casa, não podemos, antes de mais, deixar de realizar uma homenagem e salientar dois acontecimentos, todos da maior relevância para Portugal.
Desde logo consideramos devida uma homenagem aos portugueses ilustres que marcaram as páginas da história do Direito do Mar, como autores nos vários episódios do seu nascimento, do seu desenvolvimento e da sua divulgação científica. Como esquecer Frei Serafim de Freitas, o defensor do Mar Português na célebre querela sobre a liberdade dos Mares com Grócio no século XVII? Ou ainda Barbosa de Magalhães, a cuja imaginação criadora, na Conferência Internacional de 1930, se deve o gérmen do que são hoje as nonas contíguas. Uma palavra, ainda, ao Embaixador Pedro Pinto, obreiro de Portugal nesta Terceira Conferência que originou a presente Convenção ora em apreciação. E, entre muitos outros, que anonimamente têm contribuído para esta ciência, permita-se-nos que nomeemos o Professor Doutor Armando, Marques Guedes, de quem tive a honra de ser aluno e a quem se deve a

Página 1957

3 DE ABRIL DE 1997 1957

formação em Direito do Mar de mais de 4000 estudantes de Direito na última década em, pelo menos, duas universidades portuguesas.
Queremos ainda aqui enaltecer o importantíssimo precedente que constituiu a elaboração do texto único da Convenção, em língua portuguesa, da autoria dos sete países de língua oficial portuguesa. Não foi tarefa fácil, é no entanto um esforço de salientar, com resultados merecedores dos mais elevados aplausos para o futuro da língua portuguesa e para o bom relacionamento entre todos os sete países de língua oficial portuguesa.
Finalmente, não menos relevante, é a Declaração anexa à Convenção lembrando o caso especifico do território de Timor Leste e a plena aplicabilidade ao mesmo da III Resolução anexa à Acta Final da Conferência, enquanto território não-autónomo e de acordo com o estatuto de potência administrante que as Nações Unidas atribuíram a Portugal e com os direitos inalienáveis do povo de Timor Leste.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Convenção que apreciamos representa o primeiro grande texto do Direito Internacional contemporâneo, encerrando em si os princípios fundamentais de uma nova ordem internacional.
Nela são evidentes as mudanças na comunidade internacional. Mudanças perceptíveis, fundamentalmente, quanto aos objectivos da Convenção. Nela vemos consagrado um grande objectivo de solidariedade entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento claramente consagrado na afirmação dos recursos e riquezas oceânicas como Património Comum da Humanidade.
Tal objectivo de solidariedade encontra expressão evidente não só na parte XI da Convenção, relativa à criação da área e da gestão dos recursos aí existentes por uma nova organização internacional, a autoridade, em nome e por conta da comunidade internacional, mas também na concretização de limites aos direitos de soberania e de jurisdição dos Estados costeiros nas restantes partes do mar.
Tal como o direito de propriedade hoje encontra limites derivados de considerações sociais, também os direitos do Estado costeiro se vêem, assim, limitados face à consagração de direitos aos Estados interiores e aos Estados em desenvolvimento, bem como decorrentes de necessidades ambientais e de preservação dos recursos.
Com a Convenção de 1982 os Estados costeiros deixam de ser senhores absolutos dos recursos e riquezas existentes nos seus mares soberanos ou sob sua jurisdição exclusiva. Tenhamos bem noção desta mudança radical, com repercussões bem evidentes em Portugal, país que reivindica jurisdição sobre 1 milhão e 700 mil quilómetros quadrados de mar, equivalente a 18 vezes o território nacional.
É uma mudança que podemos lamentar, mas, convenhamos, era uma mudança inevitável e que a Portugal só não trará prejuízos relevantes se soubermos acautelar, devida e oportunamente, os seus direitos. Conhecidos, desde o final do século XIX, que os recursos marítimos são finitos, normal é que a sua gestão deixasse de ser vista de forma egoísta, a bem de toda a humanidade, actual e vindoura.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Concentremo-nos nas grandes novidades desta Convenção e nas suas repercussões para Portugal.
De especialmente relevante encontramos os novos regimes jurídicos dos estreitos internacionais, do direito de passagem nas várias partes do mar sob soberania do Estado costeiro, das águas arquipelágicas, dos achados de natureza arqueológica ou histórica na Zona Contígua, da Zona Económica Exclusiva, da Plataforma Continental e da Área.
Estes regimes jurídicos são novos face às anteriores Convenções de 1958, no entanto, como já referimos, desde 1973 até hoje parte substancial destas novidades constitui já direito internacional costumeiro.
Vejamos a relevância para Portugal de alguns destes novos regimes. No que se refere aos achados de natureza arqueológica ou histórica, o artigo 303.º da Convenção autoriza o Estado costeiro, na sua Zona Contígua, a considerar como infracção cometida no seu território ou no seu Mar Territorial a remoção não autorizada de tais achados. Posto é que o Estado costeiro reivindique uma Zona Contígua, que a Convenção autoriza seja alargada até às 24 milhas marítimas.
Ora, acontece que Portugal, que tanto necessita desta especial protecção para os achados de natureza arqueológica ou histórica que, sabe-se, repousam em profusão nos seus mares costeiros, não pode prevalecer-se desta vantagem! Não o pode fazer, porque Portugal não tem ainda uma Zona Contígua.
A Zona Contígua portuguesa tinha sido criada pela Lei n.º 2030, de 1966, mas foi extinta em 1977, pela lei n.º 33/77. Tal deveu-se, na altura, ao alargamento das águas territoriais portuguesas para 12 milhas marítimas, consumindo, assim, a Zona Contígua. No entanto, a Convenção de 1982 permite estender tal zona para 24 milhas, nu seja, 12 milhas para além das águas territoriais.
É certo que Portugal passaria a ter igualmente deveres sobre essa nova área sob sua jurisdição. Deveres de fiscalização, que importam em avultadas despesas em equipamentos e apetrechamento da nossa Marinha e Força Aérea, mas despesas que Portugal já tem que assumir em maior vulto com a sua ZEE de 200 milhas marítimas.
No que se refere à Plataforma Continental apenas referiremos que a Convenção permite estendê-la até às 350 milhas ou mesmo até às 100 milhas para lá da batimétrica dos 2500 metros. Em todo o caso para lá das 200 milhas o Estado costeiro tem de pagar uma contribuição à autoridade internacional. Estas distâncias são muito diversas das fixadas pela legislação nacional, a qual, por um lado, fica muito aquém, e por outro, vai muito além daqueles limites.
Com efeito, a Lei n.º 2080 Lixou, em geral, a largura exterior da nossa Plataforma Continental no limite da linha de 200 metros de profundidade da água, o que é manifestamente pouco face ao limite autorizado pela Convenção.
Mas o Decreto-Lei n.º 49 369, quanto ao aproveitamento de recursos minerais, situou o limite até onde "a profundidade das águas suprajacentes permita a prospecção, pesquisa, avaliação e eventual exploração dos recursos naturais", o que é manifestamente mais do que o limite autorizado pela Convenção. Uma tal delimitação conflitua claramente com a área, cuja gestão está atribuída à Autoridade em nome da Comunidade Internacional, pelo que há, claramente, um desajustamento da extensão da nossa plataforma continental ao novo regime instituído.

Página 1958

I SÉRIE - NÚMERO 56 1958

No que se refere à problemática da atribuição ou não às Ilhas Selvagens, na Região Autónoma da Madeira, de Plataforma Continental e ZEE, escuso-me de dizer mais, pois tal assunto já foi abordado nesta Assembleia pelo meu distinto colega Guilherme Silva.
No que se refere ao regime das ZEE, importa ter em atenção que os direitos atribuídos ao Estado costeiro prefiguram-se como direitos de fruição, isto é, de apropriação e utilização da energia e dos produtos e recursos vivos e não vivos existentes na zona, limitado por um dever de partilha dos recursos vivos, considerados excedentários, com os Estados interiores e com os Estados geograficamente desfavorecidos.
Tal regime de partilha é substancialmente diverso do regime historicamente originário das ZEE que reside nas Zonas Especiais de Pesca dos finais dos anos 40 que, aliás, ainda são mantidas por alguns países em detrimento das novas ZEE. Nas Zonas Especiais de Pesca a exclusividade do Estado costeiro é mais evidente, sendo sintomático que os países com maior dependência da actividade piscatória prefiram manter estas Zonas, como o Japão e o Reino Unido.
Portugal, tendo em vista o regime finalmente consagrado na Convenção, deveria aprofundar esta questão, no sentido de analisar se os seus reais interesses residem na nova ZEE ou na anterior Zona' Especial de Pesca consuetudinariamente consagrada. É que Portugal é livre, face á Convenção, de não consagrar uma ZEE, como outros países o fizeram, inclusivamente 'países como a Alemanha, membros da União Europeia e já vinculados à Convenção.
Finalmente, importa tecer algumas breves considerações sobre a Área.
Parte mais polémica da Convenção, residindo na estrutura da sua gestão pela Autoridade Internacional para os Fundos Marinhos os problemas fundamentais que impediram a entrada em vigor da Convenção durante 12 anos, até finais de 1994, e razão por que alguns dos países desenvolvidos, como o Reino Unido e os Estados Unidos da América, ainda a não ratificaram.
A Área em causa representa uma vasta extensão de 185 milhões de quilómetros quadrados, cerca de metade da área do globo coberta pelo tear e maior do que a área de terra emersa existente.
As objecções levantadas a Parte XI da Convenção relativa à Área, furam-no por parte dos países economicamente desenvolvidos, que se viam com o encargo de custear a Autoridade Internacional e com o dever de repartir os seus proveitos preferencialmente pelos países em desenvolvimento. Portugal viu-se incluído no primeiro grupo, razão pela qual viu, igualmente, atrasar a sua ratificação da Convenção.
Mas o que devemos repensar, e este é o momento para o fazer, é o papel que Portugal deve ter face ao mar, aos seus recursos e às suas riquezas. E pensar se, infelizmente, nesta querela sobre a gestão dos recursos da Área, não estaremos mais próximos do grupo de países que a Convenção quis beneficiar do que daqueles que, em teoria, sairiam prejudicados.
Tem Portugal condições técnicas e económicas de explorar as riquezas do fundo do mar? É a pergunta que importa fazer!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é nossa intenção terminar esta intervenção sobre a Convenção do Direito do Mar num mar de tristezas, até porque somos intrinsecamente optimistas é a. última década vivida em Portugal só alimentou mais este optimismo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas no que toca ao mar Portugal tem ainda tanto a fazer! Não basta a Expo 98 dedicada aos oceanos ou a presidência portuguesa da Comissão Mundial dos Oceanos. Não .podemos olhar para o "mar salgado" e ver nele apenas as "lágrimas" vertidas pelos portugueses; temos de saber construir as potencialidades que nos levem a ver nele, também, os barcos de pavilhão português, incluindo os navios de exploração oceanográficos, as redes dos nossos pescadores, as instalações e estruturas de perfuração e de escavação das nossas empresas.
É este o mar português que gostaríamos de ver no século XXI, para que não acabemos como a prece do poeta: "Senhor, a noite veio e a alma é vil,/Tanta foi a tormenta e a vontade!/Restam-nos hoje, no silêncio hostil,/O mar universal e a saudade."
Queremos, desta Convenção, mais que apenas a saudade!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Carlos Luís e Ruben de Carvalho.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Luís.

O Sr. Carlos Luís (PS): - Sr. Deputado Moreira da Silva, ouvi com atenção a sua intervenção. Logo no início V. Ex.ª falou de imobilismo, depois arrastou vários considerandos.
Já agora aproveito para cumprimentar o ex-Presidente da Câmara de Lisboa, hoje nosso colega, Deputado Nuno Abecasis, por ter disponibilizado as instalações adequadas para que o Tribunal do Mar tivesse a sua sede em Portugal.
V. Ex.ª sabe que esta Convenção data de 1982, ruas, como nesta e noutras coisas, o Governo anterior arrastou-se num certo imobilismo e, como não foram desencadeados mecanismos necessários para que o Tribunal do Mar ficasse sediado em Portugal, apesar da boa vontade do ex-Presidente da Câmara de Lisboa...

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Isso começou em 1982!

O Sr. António Braga (PS): - Dói, não dói!?

Protestos do PSD.

O Orador: - Srs. Deputados, deixem-me formular a pergunta...
Mais uma vez quero cumprimentar o Sr. Deputado Nono Abecasis pelo facto de ter disponibilizado as instalações para que a sede do Tribunal do Mar fosse em Portugal. Mas como não foram desencadeados pelo Governo anterior os mecanismos apropriados para que isso aconte-

Página 1959

3 DE ABRIL DE 1997 1959

cesse, é evidente que outros países com forte tradição marítima levaram para esses países, no caso concreto a Alemanha, o Tribunal do Mar, que hoje está sediado em Hamburgo, porque Portugal perdeu essa oportunidade.
De facto, a sede do Tribunal do Mar podia estar em Portugal e se hoje não a temos foi devido ao imobilismo do Governo anterior, que não permitiu concretizar essa hipótese numa realidade.
Felicito o actual Deputado Nuno Abecasis pelos mecanismos que desencadeou para que isso fosse uma realidade e a pergunta que lhe coloco, Sr. Deputado Moreira da Silva, é a seguinte: porquê esse imobilismo? Porquê esse atraso no desencadear dos mecanismos apropriados para que Portugal pudesse ter a sede do Tribunal do Mar?
Por outro lado, este Governo ainda não está a governar há dois anos, c desde 1982 até 1995, imagine V. Ex.ª o calvário dos anos que foram percorridos... VV. Ex.ª estiveram 10 anos sozinhos a governar, então o porquê da assunção, só agora, destas responsabilidades aqui em Plenário? É que não sei se se referiu a este Governo ou ao anterior.
Trata-se, pois, de duas perguntas distintas: por que é que o Governo anterior não desencadeou os mecanismos apropriados para que a sede do Tribunal do Mar fosse aqui em Portugal e por que razão só agora a assunção da ratificação em Plenário da Convenção do Mar.
Já agora, aproveito a oportunidade para lhe dizer que ainda há dias o nosso embaixador no Conselho da Europa, Embaixador Álvaro Guerra, me fez chegar cerca de 20 tratados que Portugal assinou no âmbito da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, e alguns deles há 10, 12 e 14 anos, e que estão agora a chegar quase semanalmente aqui a Plenário para serem tomadas as devidas medidas.
Como vê, esse imobilismo governativo, essa "almofada", não assenta ao actual Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Moreira da Silva, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V.Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente:- Tem , então, a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Deputado, registo dois factos muitos importantes na sua intervenção. Primeiro, considero ser um claro elogio ao Governo do PSD, pois vejo pelas suas afirmações que se limitou a falar do Governo do PSD como se não existisse Governo do PS... Bom, de facto, estamos de acordo consigo, não existe Governo do PS! Mas daí a vir aqui só falar do que o Governo do PSD fez nestes últimos 10 anos... É que eu esperava de si alguns elogios aos seus correligionários do Governo do PS.
Segundo, verifico também a sua raiva perante o Governo do PS e, pasme-se, até pelo Governo do Dr. Mário Soares de 1983 a 1985. Esses anos passaram por si como se não existissem como também está a passar por si este último ano e meio em que a maior parte dos Parlamentos da União Europeia aproveitaram para ratificar a Convenção de Montego Bay sobre Direito do Mar e em que só agora e à pressa chega aqui a Plenário essa Convenção para ratificarmos.
Ora, o que se verifica é que os senhores perderam um ano e meio, como têm perdido em tudo o resto, para se poder ratificar esta Convenção.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E o que se verifica é que se não tivéssemos perdido esse tempo talvez pudéssemos ter aqui sediadas algumas das organizações internacionais de que agora vem falar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Esperemos que não percam mais tempo e que, finalmente, comecem a governar para bem de Portugal e dos portugueses.

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - A demagogia tem limites!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Deputado Moreira da Silva, vou fazer duas perguntas, sendo a primeira delas a que acabou de ser formulada pelo Sr. Deputado Carlos Luís, mas, confesso, fiquei perfeitamente perplexo com o que ouvi, porque não percebo como é que um atraso de ano e meio desculpa um atraso de 10 anos!... Alguém vai explicar-me esta aritmética!...
A única coisa absolutamente clara é que o Governo do PSD desde 1982 não deu qualquer passo para a ratificação da Convenção de Montego Bay. E, ao que parece, o que é tanto mais insólito quanto ouvimos da sua boca, o PSD considera a Convenção de Montego Bay um diploma particularmente positivo.
Mas a explicação surgiu na sua intervenção, pois o senhor disse que Portugal se viu integrado no número das nações mais ricas que tinham algumas dúvidas relativamente ao estatuto de exploração dos fundos marítimos e isso terá sido o motivo do atraso.
Ó Sr. Deputado, francamente, há duas coisas que não compreendo e que lhe peço que me explique: como é que nos vimos integrados nesse conjunto de nações mais ricas? Como é que isso aconteceu? Quem é que nos integrou? E ainda por cima, possivelmente contra nossa vontade, ao que parece, ou, pelo menos, contra vontade do Governo da altura?!
Portanto, vimo-nos integrados num sítio onde não queríamos estar e eu gostaria de saber porquê.
Segunda questão: por que carga de água não saímos de lá e não defendemos uma posição de acordo com os nossos interesses, em devido tempo, coisa que os senhores não

Página 1960

1960 I SÉRIE - NÚMERO 56

fizeram antes e que só o estamos a fazer agora com atraso?
Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Moreira da Silva.

O Sr. Moreira da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr . Deputado Ruben de Carvalho, de si, excelentíssimo colega, já percebo melhor essa pergunta.

Risos do PSD.

De si já percebo melhor essa pergunta e a si talvez possa dar algumas explicações, pois não estive para presumir o não esclarecimento do Deputado do Partido Socialista para poder dá-las. Mas esclareço-o, desde já, sobre a sua primeira pergunta no sentido de saber por que é que fomos integrados nos países ricos. Olhe, por causa dos governos do PSD, por exemplo,...

Aplausos do PSD.

Risos do PCP e de Os Verdes.

... que, durante 10 anos, governaram e, durante 10 anos, permitiram que Portugal se integrasse, plenamente, no grupo dos países mais desenvolvidos da Europa Ocidental. Quer outra explicação?! Esta é a melhor explicação que lhe dou mas, infelizmente, se calhar, com este Governo do Partido Socialista, pelo rumo que o País está a tomar, regressaremos ao grupo dos países em vias de desenvolvimento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas quero perguntar-lhe por que é que, se tinha tanta pressa na ratificação, não pediu ao Dr. Mário Soares - que, pelos vistos, tem tanto interesse nesta Convenção, e bem -, quando ele era Primeiro-Ministro, que a trouxesse aqui para ratificação? Por que é que a culpa é dos governos do Professor Cavaco Silva e não do governo do Dr. Mário Soares, nos anos de 1983, 1984 e 1985? Por que é que a culpa não é dos governos do Partido Socialista, do Engenheiro António Guterres?
E, para que fique perfeitamente ciente da sua clara e despropositada afirmação, vou mencionar-lhe só duas ou três datas. Se olhar para as datas das ratificações desta Convenção pelos países que são nossos colegas na União Europeia verá que todas aquelas que até agora ocorreram - e, tirando nós, falta apenas a assinatura de quatro países - foram no ano de 1996. Portanto, o que lhe pergunto é o seguinte: por que é que Portugal também não ratificou esta Convenção em 1996?
Sr. Deputado, antes disso não era possível ratificar! ...Portugal tinha um compromisso com a União Europeia e não podia ratificar esta Convenção antes que estivesse resolvido o diferendo sobre a aplicação da sua Parte XI, o que só foi resolvido no final de 1994. Se, em 1996, oito ou nove países da União Europeia ratificaram esta Convenção, por que é que Portugal não o fez também? É essa a questão que se põe e a evidência diz-nos que a culpa é exclusivamente do Governo do Partido Socialista, que, mais uma vez, nada fez nesta matéria, como não tem feito noutras.

Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Sr.as e Srs. Deputados: A medida política que hoje somos chamados a tomar é simples na sua tramitação parlamentar, mas assume transcendente importância não apenas para o nosso País mas também para tudo quanto significou, significa e significará a presença de Portugal no mundo.
Se alguma sombra pode pairar sobre esta ratificação de texto de Montego Bay pela Assembleia da República Portuguesa é apenas a de ela ser tardia. Não inexplicavelmente, mas inaceitavelmente tardia.
A verdade é que, Sr.as e Srs. Deputados, a importância de quanto se refere aos mares e oceanos no futuro da humanidade é meridianamente estratégico para Portugal e, felizmente, estes anos de atraso entre a elaboração e assinatura do Tratado e a sua ratificação, hoje, não significaram paralisia e inoperabilidade da acção portuguesa nestes campos, antes pelo contrário, em alguns aspectos.
A Constituição da Comissão Mundial Independente sobre os Oceanos, no quadro da ONU e da UNESCO, e o seu planificado funcionamento, culminando com a reunião em Lisboa, no próximo ano, e coincidindo com outro passo de clara relevância, que é a realização da Expo 98, subordinada ao tema "Oceanos, património da Humanidade", e, igualmente, com a celebração do Ano Internacional dos Oceanos, assim designado por proposta de Portugal na Assembleia Geral das Nações Unidas, são realidades vivas que integram o nosso país num esforço para o qual tem particular interesse e autoridade.
Não pode deixar de ser sublinhado, como significante expressão do empenho português neste campo e do reconhecimento universal de tal empenho, que à Comissão Mundial Independente sobre os Oceanos presida, por expresso convite do Secretário-Geral da ONU e do Director-Geral da UNESCO, uma personalidade portuguesa com a relevância institucional de alguém que exerceu a presidência da República.
Houvesse o acto que hoje aqui concretizamos sido executado mais cedo e, seguramente, outras intervenções poderiam já ter-nos sido abertas, nomeadamente a instalação e composição do Tribunal Internacional do Direito do Mar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Tratado de Montego Bay, na grande riqueza dos estudos que o antecederam, no cuidado colocado no seu processo negocial e no carácter simultaneamente eficaz e consensual das medidas do seu articulado, corresponde a uma época da História do mundo onde a diversidade dos sistemas políticos e económicos no planeta apontavam o indispensável caminho da negociação e do entendimento para assegurar o futuro dos povos.
Não ignoramos que as alterações no equilíbrio mundial, ocorridas entre 1982, ano em que foi assinado esta Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, e os dias de hoje, serão responsáveis por atrasos na ratificação de alguns Estados, desejosos, talvez, de alterar, no

Página 1961

3 DE ABRIL DE 1997 1961

sentido de egoísmos hegemónicos, o que foi acordado com os olhos postos na humanidade.
Terá sido pena que Portugal tenha sido vulnerável a essas pressões, pois, como já disse, este atraso na ratificação não serviu o País.
Os oceanos são vitais definitórios inseparáveis da nossa identidade nacional e da nossa vida colectiva.
Sem saudosismo patriótico, mas com o orgulho de pertencermos a um povo que, com o seu trabalho e determinação, construiu um país na terra em que nasceu e nas águas que navegou, assumimos a evidência de que Portugal tem a sua vida tanto ancorada no continente como enraizada nos oceanos.
O processo de integração europeia coloca-nos particulares responsabilidades nesta área e não pode passar sem reparos a inaceitável vagueza do ponto 13 do artigo 2.º da proposta de resolução, sobre as transferências de soberania de Portugal para a Comunidade nestas áreas vitalmente estratégicas e cuja concretização se deixa para ulterior documento.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As palavras de leis e tratados consubstanciam a história dos Homens, para ela constituem normativas e projectos. Mas não são apenas essas palavras que fazem a História e com todas é necessário escrevê-la.
O mar, como aqui já vimos, está, em Portugal, profundamente ligado a tudo aquilo que somos, que escrevemos, que sentimos e que amamos. Ratificamos hoje um tratado internacional que, falando dos oceanos, se encontra na infinda alameda da História com as palavras da poesia, porque, como recordava António Gedeão, temos, portugueses, nisto de mares e oceanos, a infinita marca que nos dá a História de que quem mergulhou no fundo do sonho, esses, fomos nós.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Ruben de Carvalho, a pergunta não é só para si e talvez nem sequer seja uma pergunta. Penso que estamos a fazer aqui um singular percurso: o da autoflagelação.

Risos do CDS-PP.

No entanto, penso também que, provavelmente, estamos a esquecer-nos de uma coisa importante: a de que, para esta história de ratificações, nem cedo nem tarde. Nem tarde para irmos a reboque, como está a acontecer, nem cedo para não podermos contar com uma coisa que é muito importante e que se chama o voto, no momento da verdade, para obtermos ás tais instalações em Portugal de instituições internacionais.
Não adianta muito falar aqui no Tribunal Internacional do Direito do Mar, pois esse está perdido, mas há outras instituições, que não estão perdidas, relacionadas com os oceanos. Refiro, nomeadamente, os grandes laboratórios
oceanográficos que terão de ser instalados no próprio mar, a que nós podemos ter aspirações, já que temos capacidade humana para explorá-los. Não tenhamos um medo reverencial sobre as tecnologias que são precisas desenvolver - aliás, a própria Convenção, na Parte XI, prevê a partilha das tecnologias -, pois, em algumas áreas, até as temos.
Por isso, chamo a atenção dos Srs. Deputados para o seguinte: se queremos concretizar a vinda para Portugal de algumas instituições ligadas aos oceanos - e é importante que o consigamos -, o bom caminho não é o da autoflagelação, nem o de, de repente, o PS e o PSD largarem a chamar nomes um ao outro, porque isso não adianta nada. O que está para trás, com todos os seus defeitos, já passou, não interessa, não vamos ganhar nada com isso. O que é agora importante é que todos nós dêmos as mãos e usemos tanto a influência dos nossos partidos como a da nossa frente diplomática, para que possamos obter aqui os êxitos que obtivemos na conquista da presidência da Assembleia Geral, bem como outros triunfos que, recentemente, tivemos na nossa vida diplomática internacional.
Era para isto, Sr. Deputado Ruben de Carvalho, que, certo da sua compreensão, queria chamar a sua atenção. Abandonemos essa má prática da autoflagelação, já dissemos o que era preciso e, agora, há que trabalhar seriamente, se não quisermos perder a corrida e esta, bem ou mal, começou em 1996. E, pelo menos, uma coisa não perdemos: o voto daqueles que podiam ficar furiosos connosco e votavam contra nós.
Portanto, isso já não foi mau, e vamos agora tirar proveito disto tudo.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Abecasis, quero apenas dizer-lhe que não faz parte dos meus hábitos autoflagelar-me e que, em rigor, não me autoflagelei. Eu apenas tentei flagelar o Sr. Deputado Moreira da Silva e a política do PSD!... Foi esse o meu objectivo.

Risos do PCP.

Penso que, nessa situação - e tendo os olhos, tal como o Sr. Deputado, postos no futuro -, é fundamental não propriamente utilizar métodos como flagelações mas, pelo menos, aprendermos com os erros cometidos. Ora, o que é facto é que, em relação aos atrasos que se verificaram, não há um erro mas, sim, dois, ou seja, há o atraso em si, que não se explica, mas há também as razões do atraso. É em relação a estas duas questões que, penso, devemos tirar conclusões, pois, como o Sr. Deputado diz, e muito bem, há possibilidades que ainda estão em aberto, tais como agências europeias dos oceanos para Portugal, aquilo que resultar da reunião, no próximo ano, em Portugal, etc. Há várias perspectivas abertas, mas, então, muita atenção, não cometamos novamente o erro de ficarmos 14 anos à espera de ratificar um tratado e, muito menos, o de nos submetermos a interesses que não são manifestamente os nossos, como sejam, nomeadamente, os que são ditados pela voracidade sobre as riquezas dos fundos marítimos, como aconteceu relativamente à assinatura desta Convenção.

Página 1962

1962 I SÉRIE - NÚMERO 56

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Para uma pequenina intervenção, minúscula, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Se é para uma intervenção, terá de aguardar a sua vez.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Não é para uma intervenção, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, faça favor.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Deputado Ruben de Carvalho, o que eu queria era que não ficássemos nós, das pontas, a falar no futuro, enquanto o centro fala do passado. É esse o meu medo.

Risos do CDS-PP e do PCP.

O Sr. Carlos Luís (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Carlos Luís (PS): - Sr. Presidente, como ainda tenho tempo, se me permitir...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se é para uma intervenção, terá de inscrever-se e aguardar a sua vez.

O Sr. Carlos Luís (PS): - Então, usarei da palavra no momento oportuno, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

O Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Cobrindo mais de 70% a superfície do planeta, correspondendo a mais de 97% do total de água disponível na terra, responsáveis por grande parte do oxigénio que respiramos, os oceanos são elementos determinantes no equilíbrio da vida é na manutenção dos seus sistemas de suporte e fundamentais na moderação do clima, no sustento de plantas e animais, no fornecimento de plâncton, proteínas, energia, transportes e emprego. São pólos de aproximação entre povos e culturas, geradores de actividade cultural, social e económica. Os oceanos são entendidos hoje não, tal como no passado, como uma ameaça mas, sim, como uma inesgotável e desconhecida fonte de riqueza, na qual seguramente o homem encontrará muito do seu futuro.
No entanto, hoje eles são também um património ameaçado, em perigo, em risco de naufragar, devido à poluição sem fronteiras sobre eles lançada pelo homem, que transformou os seus fundos num imenso vazadouro para os subprodutos da sua civilização absurda. Trata-se de um valioso património que, numa autêntica pirataria dos tempos modernos, é transformado, a saque, nos seus recursos, reservas e riquezas, e que, também por isso, importa preservar, encontrando à escala planetária, com urgência, instrumentos eficazes de cooperação e gestão e um código de conduta orientador de povos e nações capaz de definir uma diferente relação de conhecimento, utilização sustentada dos recursos e partilha socialmente justa.
Esta preocupação, esta necessidade, tem sido de há muito reconhecida, nomeadamente quando, perante as Nações Unidas, o Embaixador de Malta alertava para o perigo eminente que poderia resultar da exploração desenfreada e apropriação das riquezas mineiras por um punhado de potências industrializadas. É uma prioridade que a Terceira Conferência das Nações Unidas, há longos 15 anos realizada, soube reconhecer e traduzir na elaboração de uma Convenção sobre o Direito do Mar. Trata-se de um documento que, com frontalidade e rigor, definiu, nas suas 17 Partes, 320 artigos e 9 anexos, um conjunto de questões essenciais e que, ultrapassando o domínio do chamado direito marítimo tradicional para a gestão dos oceanos, foi capaz de identificar questões-chave, como a defesa dos interesses dos países em desenvolvimento, a conservação do meio ambiente, a segurança, o .acesso e transferência de tecnologias, o aproveitamento de fontes energéticas, a investigação científica e a preservação da biodiversidade, entre tantas e tantas outras.
Trata-se de questões essenciais que os países industrializados, desde logo, trataram de boicotar, por se terem sentido afectados nos seus interesses e na impunidade que vinham gozando e pela perda de privilégios, de algum modo instalados. Esta atitude revelou bem a hipocrisia da defesa dos princípios ecológicos por algumas nações quando os seus grandes interesses estão em jogo, mas em caso algum se pode compreender, a não ser no âmbito da mais tacanha e paroquial subserviência, por parte do Estado português, durante longos anos alheado da defesa deste documento.
Com efeito, como explicar que Portugal, pequeno país com uma das maiores zonas económicas exclusivas da Europa, aí compreendidos os ricos mares dos Açores e da Madeira, tenha ignorado este documento e não tenha agido desde logo para a sua defesa e ratificação? Como explicar o nosso silêncio, apesar de as nossas águas serem ponto de passagem de três quartos do trânsito de navios no planeta, e por isso mesmo sofreram os resultados dessa circulação? Como explicar o silêncio, apesar do saque dos nossos recursos naturais por frotas estrangeiras? Como explicá-lo, apesar da quase provável hipótese de as fossas atlânticas serem depósitos de resíduos nucleares? Como explicá-lo, apesar do mais que certo saque do nosso património arqueológico subaquático? Como explicá-lo, senão por uma visão paroquial e subserviente de seguidismo, hoje aqui exemplarmente explicada pelo PSD na lógica de "maria-vai-com-as-outras", que não foi capaz tão-pouco de respeitar a tradição portuguesa nesta matéria, o carácter inovador e o vanguardismo científico que há quase um século atrás Portugal tinha sabido assumir, na perspectiva do interesse nacional, conciliando a investigação oceanográfica com o objectivo do próprio desenvolvimento nacional?
Trata-se de uma falta de visão que marca a própria falta de preocupação ecológica, tristemente presente ao não entender que os mares são, seguramente, na vastidão das

Página 1963

3 DE ABRIL DE 1997 1963

áreas oceânicas e no valor das respectivas zonas económicas exclusivas, a maior reserva inexplorada da humanidade.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O desenvolvimento sustentado e a própria sobrevivência do planeta estão indissociavelmente ligados aos avanços na gestão dos oceanos. Há que entendê-lo!
A Convenção que agora ratificamos dá um passo tardio mas decisivo nesse sentido, ao assumir que estamos perante uma herança comum da humanidade e que é necessário modificar práticas. Esta Convenção é um passo importante, mas sê-lo-á apenas na medida em que saibamos perceber que o que acontece no mar, em grande medida, é o resultado das políticas seguidas em terra.

A Sr.ª Heloísa Apolónia (Os Verdes): - Muito bem!

A Oradora: - Por isso, o que nós hoje ratificamos, o documento que vamos abraçar, é um documento importante, que implica um crescente grau de envolvimento e responsabilidade do nosso país.
O planeta precisa do mar, nós precisamos de ambos, mas, mais do que as palavras, que são importantes e que Portugal, finalmente, com tanto atraso, vai ratificar, importa dar conteúdo aos actos que se lhe sigam.

Aplausos de Os Verdes e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Luís.

O Sr. Carlos Luís (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Srs. Deputados: Gostaria apenas que ficasse registada na acta a res, posta ao apelo que o Sr. Deputado Nuno Abecasis lançou há momentos, para que seja constituído um lobby, quer a nível parlamentar, quer a nível dos partidos políticos, visando que as agências internacionais eventualmente ligadas ao mar sejam sediadas em Portugal, ou que aqui possam ocorrer eventos ligados ao mar.
Apenas para que conste na acta, por ser justo e ter todo o mérito, quero salientar a acção extraordinária que o Dr. Mário Soares tem vindo a desenvolver em diversas instâncias internacionais, nomeadamente junto das Nações Unidas e na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, a cuja última sessão plenária se fez acompanhar pelo Professor Doutor Mário Ruivo, tendo participado em eventos e criado aí um lobby junto dos países-membros no sentido de que a futura agência internacional das Nações Unidas sobre os oceanos possa ter a sua sede em Portugal.
Quer enquanto cidadão, quer na influência de magistratura extraordinária que é, o Dr. Mário Soares, em termos internacionais, tem sido uma bandeira - e aqui orgulho-me de ser um militante do Partido Socialista -, a formar este lobby no sentido de potenciar as capacidades de Portugal para que cá possa ser instalada a sede da agência internacional das Nações Unidas sobre os oceanos.
De igual modo, todos os membros do Governo, mais especificamente o Ministro dos Negócios Estrangeiros, estão a sensibilizar todas as chancelarias portuguesas no sentido de travarem este mesmo combate.
Sr. Deputado Nuno Abecasis, nós, o grupo parlamentar e o Partido Socialista, através desse ilustre embaixador que é, sem dúvida, o Dr. Mário Soares, estamos a cumprir na medida do possível essas aspirações, que interpreto com um sentido suprapartidário e de Estado.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou fazer uma intervenção muito curta, mas não gostaria de deixar de sinalizar algumas coisas.
Em primeiro lugar, quero transmitir ao Sr. Deputado Nuno Abecasis que tomamos em boa conta o apelo que nos dirigiu, mas não o satisfaremos no que toca ao Tribunal Internacional do Direito do Mar, visto que, hoje, a sua localização já não está disponível. Este Tribunal está localizado em Hamburgo, não obstante os esforço que tanto o Sr. Deputado como, recordo-me, o então Presidente da República fizeram no sentido de vir ele a ser instalado em Lisboa. Mas as coisas, na vida, são como são e não será por acaso que o Tribunal está sediado em Hamburgo e que a Alemanha foi o primeiro país da União Europeia a proceder à ratificação desta Convenção, em 14 de Outubro de 1994. Não sei se foi por isso ou não, mas a verdade é que o Tribunal está sediado em Hamburgo.
Sr. Deputado Moreira da Silva, quanto ao que disse sobre a zona contígua e a utilidade da sua existência, chamo a atenção para o facto de, no ponto 2 do artigo 2.º da proposta de resolução, Portugal declarar que, numa zona de 12 milhas contígua ao seu mar territorial, exercerá os direitos que lhe são conferidos pelo artigo 33.º, ou seja, os direitos e os poderes que lhe são conferidos em termos de zona contígua.
Finalmente, quanto à crítica feita pelo Sr. Deputado Ruben de Carvalho à vaguidade do ponto 13 do artigo 2.º desta proposta de resolução, devo dizer-lhe que não se trata de vaguidade mas, sim, de prudência resultante do facto de, quando os Estados-membros da, então, Comunidade Europeia procederam à assinatura desta Convenção, terem notificado a Comunidade de um conjunto de competências que lhe teriam sido transferidas. Essas competências, hoje todos o reconhecem, estão desactualizadas, pelo que tem vindo a ser desenvolvido um esforço pela Comissão, por um lado, e pelos 15 Estados-membros, por outro, no sentido de proceder a uma actualização das matérias que estão transferidas. Portanto, o que está em curso é uma notificação conjunta por parte da União e dos 15 Estados Membros às Nações Unidas, sobre qual é o conjunto das competências transferidas, para que não haja aqui um sistema de geometria variável, que, depois, seria extremamente complexo.
Assim, neste momento, o que existe é aquilo que está notificado por parte da Comunidade, havendo também um esforço no sentido de sistematizar e estabilizar essas competências e daí fazer-se esta ressalva quanto ao futuro.

Página 1964

I SÉRIE - NÚMERO 56 1964

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Tipo acordo da revisão constitucional. As matérias difíceis ficam para a lei ordinária!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por encerrado o debate da proposta de resolução n.º 38/VII - Aprova, para ratificação, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e o Acordo relativo à Aplicação da Parte XI da Convenção.
A próxima sessão plenária realizar-se-á amanhã, pelas 15 horas. No período de antes da ordem do dia, haverá declarações políticas e serão tratados assuntos de interesse político relevante e, no período da ordem do dia, discutir-se-ão as propostas de lei n.os 70 e 72/VII e o projecto de lei n.º 224/VII (PSD).
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 30 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social Democrata (PSD):

Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Bento da Silva Galamba.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
José António Ribeiro Mendes.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.

Partido Social Democrata (PSD):

Álvaro dos Santos Amaro.
João Bosco Soares Mota Amaral.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Pedro Manuel Cruz Roseta.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Augusto Torres Boucinha.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.

DIÁRIO
Da Assembleia da República

Depósito legal n.º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P

1 - Preço de página para venda avulso, 9$50 (IVA incluído).

2-Para os novos assinantes do Diário da Assembleia da República, o período da assinatura será compreendido de Janeiro a Dezembro de cada ano. Os números publicados em Outubro, Novembro e Dezembro do ano anterior que completam a legislatura serão adquiridos ao preço de capa.

3-O texto final impresso deste Diário é da responsabilidade da Assembleia da República.

PREÇO DESTE NÚMERO 285$00 (IVA INCLUÍDO 5%)

Toda a correspondência, quer oficial, quer relativa a anúncios e a assinaturas do "Diário da República" e do "Diário da Assembleia da República",
deve ser dirigida à administração da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, E.P., Rua de D. Francisco Manuel de Melo, 5-1099 Lisboa codex

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×