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Quinta-feira, 10 de Abril de 1997 I Série - Número 59

DIÁRIO Da Assembleia da República

VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 9 DE ABRIL DE 1997

Presidente: Ex.mo Sr. João Bosco Soares Mota Amaral

Secretários: Ex.mos Srs. José Ernesto Figueira dos Reis
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco
João Cerveira Corregedor da Fonseca

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da entrada na Mesa das propostas de resolução n.º 49 e 50/VII, dos Projectos de lei n.º 301 e 305/VII do projecto de resolução n.º 46/VII e projecto de deliberação n. º 39/VII, de requerimentos e da resposta a alguns outros
Em declaração política, o Sr. Deputado Lino de Carvalho (PCP) criticou a política de privatizações e questionou o Governo acerca das acções de publicidade e propaganda relativas a essa política, tendo, depois, respondido a pedidos de esclarecimento do Sr Deputado Vieira de Castro (PSD).

Ao abrigo 83.º, n.º 2, do Regimento, o Sr Ministro da Presidência (António Vitorino) solicitou a cooperação institucional da Assembleia para a apreciação e aprovação de um conjunto de iniciativas legislativas que o Governo vai apresentar até 23 de Maio p f. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Pedro Passos Coelho (PSD), Octávio Teixeira (PCP). José Magalhães (PS), Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP). Isabel Castro (Os Verdes). Luís Queiró (CDS-PP). Pedro Pinto (PSD) - cuja intervenção suscitou uma outra do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Costa) e António Braga (PS).
O Sr. Deputado Moura e Silva (CDS-PP) trouxe à colação alguns problemas que afectam o distrito do Porto, tendo depois respondido a um pedido de esclarecimento do Sr Deputado Pedro Baptista (PS).
Por último, o Sr. Deputado Lemos Damião (PSD) abordou a temática da educação em Portugal.
Foi debatido e aprovado o voto n.º 67/VII - De protesto pela venda de aviões militares ingleses à Indonésia (PCP). Intervieram no debate. a diverso título, os Srs Deputados José Calçada (PCP), Nuno Abecasis (CDS-PP). Eduardo Pereira (PS). Pedro Roseta (PSD) e Isabel Castro (Os Verdes).
Foi igualmente apreciado, tendo silo aprovado, o voto n.º 68/VII - De congratulação pela reconciliação nacional em Angola no momento em que fama posse a Assembleia Nacional e é formado o Governo de Unidade e Reconciliação Nacional (PSD), ,sobre o qual intervieram tis Srs, Deputados Carlos Encarnação (PSD), Maria José Noguerr6 Pinto (CDS-PP). Pedro Baptista (PS). João Amaral (PCP) e Isabel Castro (Os Verdes).

Ordem do dia. - Foram discutidos, conjuntamente, na generalidade, os projectos de lei n.º 128/VI1 - Atribui à iniciativa dos cidadãos o poder de propor a realização de consultas locais (PCP). 237/VII - Altera a Lei n. 49/90, de 24 de Agosto (Consultas directas aos cidadãos eleitores a nível local) (PSD). 303/VII - Altera a Lei n.º 49/90, de 24 de Agosto, que estabelece o regime de consultas directas aos cidadãos eleitores a nível local (PS) e 304/ VII - Altera a Lei n.º 49/90, de 24 de Agosto, relativa às consultas directas aos cidadãos, (CDS-PP). Usaram da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados José Calçada (PCP). Miguel Macedo (PSD). Cláudio Monteiro (PS). Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP), Artur Torres Pereira (PSD) e Joaquim Sarmento (PS).
A Câmara procedeu também à apreciação conjunta, na generalidade, dos projectos de ler n.º 191/VII - Estatuto do trabalhador-estudante (PS). 247/VII - Reforça os direitos dos trabalhadores estudantes (PCP) e 302/VII Altera a Lei n.º 26/81, de 21 de Agosto (Estatuto do Trabalhador-Estudante) (PSD), tendo usado da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Bernardino Soares (PCP), Sílvio Rui Cervan (CDS-PP). Gonçalo Almeida Velho e Sérgio Sousa Pinto (PS), Sérgio Vieira (PSD), Afonso Cardal (PS) e Manuel Alves de Oliveira (PSD), que fez a síntese de dons relatórios da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, um relativo aos projectos de lei n.º 19l/VII e 247/VII e outro relativo ao projecto de lei n.º 302/VII.
O Sr. Presidente encerrou a .sessão eram 20 horas e 5 minutos

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O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Adérito Joaquim Ferro Pires.
Agostinho Marques Moleiro.
Aires Manuel Jacinto de Carvalho.
Alberto de Sousa Martins.
Albino Gonçalves da Costa.
Aníbal Marcelino Gouveia.
António Alves Marques Júnior.
António Alves Martinho.
António Fernandes da Silva Braga.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Gavino Paixão.
António José Guimarães Fernandes Dias.
Arlindo Cipriano Oliveira.
Arnaldo Augusto Homem Rebelo.
Artur Miguel Claro da Fonseca Mora Coelho.
Artur Rodrigues Pereira dos Penedos.
Carlos Alberto Cardoso Rodrigues Beja.
Carlos Alberto Dias dos Santos.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel Amândio.
Carlos Manuel Luís.
Cláudio Ramos Monteiro.
Domingos Fernandes Cordeiro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira Marques.
Fernando Antão de Oliveira Ramos.
Fernando Garcia dos Santos.
Fernando Manuel de Jesus.
Fernando Pereira Serrasqueiro.
Francisco José Pereira de Assis Miranda.
Francisco Manuel Pepino Fonenga.
Henrique José de Sousa Neto.
Joaquim Sebastião Sarmento da Fonseca Almeida.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Fernandes Valente.
Jorge Manuel Gouveia Strecht Ribeiro.
José Adelmo Gouveia Bordalo Junqueiro.
José Afonso Teixeira de Magalhães Lobão.
José Alberto Cardoso Marques.
José Carlos Correia Mota de Andrade.
José Carlos da Cruz Lavrador.
José Carlos Lourenço Tavares Pereira.
José da Conceição Saraiva.
José de Matos Leitão.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Rabaça Barradas e Silva.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rosa do Egipto.
José Manuel Santos de Magalhães.
José Maria Teixeira Dias.
José Pinto Simões.
Jovita de Fátima Romano Ladeira Matias.
Júlio Manuel de Castro Lopes Faria.
Luís Afonso Cerqueira Natividade Candal.
Luís Pedro de Carvalho Martins.
Manuel António dos Santos.
Manuel Jorge Pedrosa Forte de Goes.
Manuel Martinho Pinheiro dos Santos Gonçalves.
Manuel Porfírio Varges.
Maria Amélia Macedo Antunes.
Maria Celeste Lopes da Silva Correia.
Maria da Luz Gameiro Beja Ferreira Rosinha.
Maria do Carmo de Jesus Amaro Sequeira.
Maria do Rosário Lopes Amaro da Costa da Luz Carneiro.
Maria Fernanda dos Santos Martins Catarino Costa.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Maria Isabel Ferreira Coelho de Sena Lino.
Mário Manuel Videira Lopes.
Martim Afonso Pacheco Gracias.
Miguel Bernardo Ginestal Machado Monteiro Albuquerque.
Natalina Nunes Esteves Pires Tavares de Moura.
Nelson Madeira Baltazar.
Osvaldo Alberto Rosário Sarmento e Castro.
Paulo Jorge dos Santos Neves.
Pedro Luís da Rocha Baptista.
Pedro Ricardo Cavaco Castanheira Jorge.
Raimundo Pedro Narciso.
Rui Manuel dos Santos Namorado.
Rui Manuel Palácio Carreteiro.
Sérgio Carlos Branco Barros e Silva.
Sérgio Paulo Mendes de Sousa Pinto.
Victor Brito de Moura.

Partido Social Democrata (PSD):

Adriano de Lima Gouveia Azevedo.
Álvaro dos Santos Amaro.
Amândio Santa Cruz Domingues Basto Oliveira.
Antonino da Silva Antunes.
António Costa Rodrigues.
António de Carvalho Martins.
António dos Santos Aguiar Gouveia.
António Fernando da Cruz Oliveira.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Barradas Leitão.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
Arménio dos Santos.
Artur Ryder Torres Pereira.
Bernardino Manuel de Vasconcelos.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Eugénio Pereira de Brito.
Carlos Manuel de Sousa Encarnação.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Marta Gonçalves.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Duarte Rogério Matos Ventura Pacheco.
Eduardo Eugénio Castro de Azevedo Soares.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Pedro Peniche de Sousa Moutinho.
Fernando Santos Pereira.
Filomena Maria Beirão Mortágua Salgado Freitas Bordalo.
Francisco Antunes da Silva.

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Francisco José Fernandes Martins.
Francisco Xavier Pablo da Silva Torres.
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva.
Hermínio José Sobral Loureiro Gonçalves.
Hugo José Teixeira Velosa.
João Álvaro Poças Santos.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Calvão da Silva.
João do Lago de Vasconcelos Mota.
João Eduardo Guimarães Moura de Sá.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Martins Ferreira do Amaral.
Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Gama.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Bernardo Veloso Falcão e Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Guilherme Reis Leite.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Rezende Moreira da Silva.
José Macário Custódio Correia.
José Mário de Lemos Damião.
Luís Manuel Gonçalves Marques Mendes.
Luís Maria de Barros Serra Marques Guedes.
Manuel Acácio Martins Roque.
Manuel Alves de Oliveira.
Manuel Castro de Almeida.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Joaquim Barata Frexes.
Manuel Maria Moreira.
Maria do Céu Baptista Ramos.
Maria Eduarda de Almeida Azevedo.
Maria Fernanda Cardoso Correia da Mota Pinto.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Manuela Dias Ferreira Leite.
Mário da Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva.
Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de Souza e Holstein Campilho.
Pedro José da Vinha Rodrigues Costa.
Pedro Manuel Mamede Passos Coelho.
Rolando Lima Lalanda Gonçalves.
Sérgio André da Costa Vieira.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

António Afonso de Pinto Gaivão Lucas.
Armelim Santos Amaral.
Augusto Torres Boucinha.
Fernando José de Moura e Silva.
Gonçalo Filipe Ribas Ribeiro da Costa.
Jorge Alexandre Silva Ferreira.
Luís Afonso Cortez Rodrigues Queiró.
Maria Helena Pereira Nogueira Santo.
Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Nuno Jorge Lopes Correia dá Silva.
Nuno Kruz Abecasis.
Silvio Rui Neves Correia Gonçalves Cervan.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António João Rodeia Machado.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Fernando Araújo Calçada.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel da Silva Viana de Sá.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Ecologista Os Verdes (PEV):

Heloísa Augusta Baião de Brito Apolónia.
Isabel Maria de Almeida e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas, dos requerimentos e das respostas a requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (José Reis): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: propostas de resolução n.º5 49/VII - Aprova, para ratificação, a emenda ao artigo XIII da Convenção Constitutiva da União Latina, assinada em Paris, em 15 de Maio de 1954, que baixa à 2.º Comissão; 50/VII - Aprova, para ratificação, a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 9 de Dezembro de 1948, que baixa à 2 º Comissão; projectos de lei n. os 301/VII - Criação da freguesia de Montenegro no município de Faro (PS), que baixa à 4 .ª Comissão; 305/VII - Elevação de Leça do Balio à categoria de vila (PSD), que baixa à 4.ª Comissão; projecto de resolução n.º 46/VII - Proposta de candidatura ao Prémio Houphuet-Boigny (Presidente da Assembleia da República); projecto de deliberação n.º 39/VII - Prorrogação do período de funcionamento da Comissão Parlamentar de Inquérito ao acordo estabelecido entre o Estado e o Sr. António Champalimaud (Presidente da Assembleia da República).
Foram apresentados à Mesa os seguintes requerimentos, na reunião plenária do dia 02/04/97: ao Ministério da Solidariedade e da Segurança Social, formulado pela Sr.ª Deputada Elisa Damião; aos Ministérios dos Negócios Estrangeiros, da Defesa Nacional e da Educação, formulados pelos Srs. Deputados Arnaldo Homem Rebelo, Sérgio Sousa Pinto e Jorge Roque Cunha; ao Sr. Primeiro-Ministro, formulado pelo Sr. Deputado Miguel Miranda Relvas; à Secretaria de Estado da Segurança Social, formulado pelo Sr. Deputado Nuno Correia da Silva; a diversos Ministérios e à Câmara Municipal de Almada, formulados pelo Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa; aos Ministérios do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território e das Finanças, formulados pelo Sr. Deputado Luís Sá; ao Ministro da Presidência, formulado pela Sr.ª Deputada Odete Santos; ao Ministério da Administração Interna, formulados pelos Srs. Deputados João Amaral e António Filipe; aos Ministérios da Cultura e da Educação, formulados pela Sr. Deputada Heloísa

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Apolónia; à Câmara Municipal de Oeiras, formulados pelo Sr. Deputado Jorge Ferreira.
O Governo respondeu aos requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados, no dia 3 de Abril de 1997: Fernando Pedro Moutinho, Maria da Luz Rosinha, Isabel Castro, Heloísa Apolónia, António Filipe, Soares Gomes, Macário Correia, Carlos Marta, José Cesário, Ricardo Castanheira, Rodeia Machado, Hermínio Loureiro, Roleira Marinho, Gonçalo Ribeiro da Costa, Carlos Zorrinho, Jorge Roque Cunha e Francisco José Martins.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como se costuma dizer, para tudo há um limite. E, de facto, Srs. Deputados, mesmo para as campanhas de auto-propaganda do Governo tem de haver um limite: o da ética, da transparência, da verdade e da boa gestão dos dinheiros públicos.

Vozes do PCP e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os portugueses têm sido surpreendidos, nas últimas, semanas com intoxicantes e maciças campanhas de publicidade de promoção da política de privatizações do Governo do Partido Socialista.
Nos jornais, na rádio, na televisão, o Ministério das Finanças, com o dinheiro dos contribuintes, com o dinheiro dos portugueses, promove anúncios sobre a política geral de privatizações, vendendo "gato por lebre".
Não se trata, Srs. Deputados, de um anúncio concreto, procurando encontrar candidatos a uma concreta operação de privatização. Trata-se de anúncios de propaganda genérica, que, inclusive, configuram formas de publicidade enganosa.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É que, Srs. Deputados, não é verdade que o interesse nacional não exija que o Estado se mantenha presente em sectores tão estratégicos como as telecomunicações, a produção e distribuição de energia eléctrica ou o sector financeiro.
Não é verdade que as privatizações promovam melhores condições de trabalho. O que é verdade é que as privatizações - e desde logo o caminho da sua preparação têm dado lugar a milhares de despedimentos e de novos desempregados, têm promovido uma cada vez maior precarização e instabilidade nas relações de trabalho.
Não é verdade que as privatizações contribuam para a libertação de recursos para investimentos nas áreas de saúde ou da educação. O que é verdade, como a vida tem demonstrado, é que a política de privatizações nos sectores produtivos e de serviços tem sido acompanhada pela desresponsabilização do Estado nas áreas sociais, por menores investimentos na saúde, na educação, na segurança e no apoio à terceira idade.
O que é verdade, Srs. Deputados, é que as privatizações só são necessárias para um Governo, como o do PS, que definiu como orientação abater pura e simplesmente as empresas públicas, como há tempos referiu com meridiana clareza o Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças.
Esta política de privatizações não tem sequer fundamento em qualquer preocupação de racionalidade económica. O Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças confirmava, na mesma entrevista, que o Governo não tem qualquer linha de actuação definida quanto ao futuro do sector empresarial do Estado.
O único objectivo do Governo é entregar aos grandes interesses privados, nacionais e multinacionais, sectores produtivos rentáveis onde o Estado, por razões de interesse nacional e social, ainda mantém alguma presença.
O único objectivo do Governo é financeiro, é o de encher os cofres com vista a cumprir os critérios de Maastricht, mesmo contra os interesses do País.
Não tendo quaisquer argumentos sólidos para esta política, que faria inveja à Sr.ª Thatcher, o Governo opta pela publicidade, pela propaganda, para enganar o País e os portugueses. E é para esta questão específica que queremos chamar a atenção da Assembleia da República.
Tivemos, anteriormente, a publicidade enganosa sobre a aplicação da "lei das 40 horas".
Tivemos essa suprema forma de mistificação que foi pôr a CP a publicar anúncios com a divulgação dos seus prejuízos (em resultado de uma política ferroviária e de gestão ruinosa), como forma de "justificar" o seu desmembramento e a privatização dos seus serviços na área da exploração das linhas. Uma vergonha!
Srs. Deputados, podem ter e terão, com certeza opiniões diferentes das do PCP sobre a política de privatizações. Mas, seguramente, os Srs. Deputados estão de acordo em que um mínimo de decência e de direito à indignação exige uma explicação sobre esta política publicitária.
Quanto custa? A quem foi adjudicada? Em que condições foi adjudicada? Houve ou não concurso público?
Sobre isto, entregámos na Mesa um requerimento com pedido urgente de resposta.
Mais, é inaceitável que o Governo propagandeie a política de privatizações do PS à custa dos dinheiros públicos. É também inaceitável que o Governo substitua uma política séria de discussão e esclarecimento por publicidade enganosa, o que significa, além do mais, a subversão das condições e regras normais do debate político, favorecendo o partido do Governo, com o recurso a amplas campanhas de publicidade pagas com os dinheiros públicos. Já estamos a prever que, a seguir a estas, outras virão - sobre a saúde, a segurança social, a educação com o objectivo de, daqui até às próximas eleições, ir proporcionando ilícitas vantagens ao partido do Governo, através de enganosas campanhas maciças de publicidade, repito, pagas com os dinheiros dos contribuintes.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Este tipo de campanhas de publicidade, ultrapassando o que fez o próprio Governo do PSD, subverte inclusive o sentido que normalmente é aceitável para a publicidade do Estado, que é o da informação objectiva aos cidadãos sobre serviços de interesse público.
É inaceitável que um Governo que apela aos trabalhadores para aceitarem políticas de moderação salarial e corta nas despesas sociais consuma dezenas de milhares de contos em auto-publicidade enganosa.
A política de privatizações tem-se transformado num enorme cambão, em subavaliações, em leilão do patrimó-

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nio público. O exemplo da negociata com António Champalimaud para a reconstituição do seu império aí está, para atestar, como um símbolo, da promiscuidade com os grandes senhores da alta finança, a favor de quem se desbarata e leiloa o património público. .
Esta campanha de publicidade, a favor, objectivamente, do partido do Governo, no quadro de uma política decidida daqui até às eleições, ultrapassa, por isso, também aqui, todos os limites.
É preciso dizer basta, Srs. Deputados! De facto, para tudo há um limite!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, vou juntar a minha à sua preocupação, perante a tendência da generalização da propaganda feita quantas vezes à custa de dinheiros públicos.
Durante a discussão do Orçamento do Estado para 1997, manifestámos a nossa preocupação e insurgimo-nos quanto a uma dotação muito expressiva que o Governo vai repartir de uma forma completamente discricionária. Também constatámos que já se iniciaram os anúncios de obras para serem inauguradas nas vésperas das eleições autárquicas, de forma a, de alguma maneira e isso é que é grave -, poderem condicionar o voto livre dos cidadãos.
Sr. Deputado Lino de Carvalho, estamos de acordo em que o Governo, mesmo através de publicidade paga, informe os cidadãos sobre as questões que lhes possam interessar.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas já não estamos de acordo em que o Governo, por exemplo, faça um anúncio como o que temos visto na televisão acerca da "lei das 40 horas". E não estamos de acordo porque não é para informar, é publicidade enganosa.
Já agora, deixe-me referir-lhe o caso da Câmara Municipal de Lisboa, que, penso, ultrapassa todos os limites. Desde a apropriação indevida de obras que foram lançadas pelo Governo central até à publicidade, em meios institucionais ou não, acerca de iniciativas da Câmara, vale tudo! Ao que se diz, a Câmara Municipal de Lisboa tem gasto algumas centenas de milhares de contos com essa publicidade.
Ainda bem que V. Ex.ª veio aqui denunciar aquilo que sempre consideramos ser um escândalo mas particularmente num ano de eleições. Por isso nos congratulamos com as críticas que fez.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Vieira de Castro, pelos vistos, o PS acha preferível não se meter nesta discussão nem justificar o injustificável.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Consciência pesada!

O Orador: - E até penso que sei porque é. O PS está à espera da próxima campanha de publicidade, que o Sr. Ministro António Vitorino vai aqui trazer dentro de minutos, com a tal lista de iniciativas a tomar daqui até à campanha eleitoral. Deve ser disso que está à espera e é por isso que não se mete agora neste debate.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Pode ser receio de overdose!

O Orador: - Mas é evidente que o que está a passar-se é inaceitável. Como disse na minha intervenção, entendemos que há um sentido para a publicidade do Estado: é o objectivo de informação aos cidadãos sobre serviços de interesse público. Ninguém a contesta.
Agora, o que não é minimamente aceitável é que a CP promova o anúncio - e, penso, não há memória no País nem no Mundo de algo semelhante - dos seus próprios prejuízos, para justificar depois o seu desmembramento e a política ferroviária do Governo.
O que é inaceitável é o anúncio enganoso sobre a "lei das 40 horas" na televisão e noutros órgãos de comunicação.

O Sr. Artur Penedos (PS): - O Sr. Deputado Lino de Carvalho sabe que isso não é verdade!

O Orador: - O que é inaceitável é que se gastem dezenas de milhar de contos, na televisão, na rádio e em publicações luxuosas, com informação genérica sobre a política de privatizações, que nem sequer se destina a orientar a publicidade para uma operação em concreto de privatização mas, sim, para dar aos cidadãos a ideia... É curioso que o anúncio refere que os contribuintes ganharão aquilo,... os trabalhadores ganham aquilo,... os emigrantes,... os jovens,... os beneficiários... Só falta dizer que o PS é o melhor até às eleições!
É todo um processo, Sr. Deputado Vieira de Castro, que subverte as regras normais do debate democrático. O Governo substitui o debate, a política e o esclarecimento por campanhas de publicidade enganosa, pagas com os dinheiros públicos, programadas daqui até à eleições para, através disso, dar ilícitas vantagens ao partido do Governo, ao Partido Socialista, nas próximas eleições autárquicas.
Esta é uma denúncia que tem de ser feita, tanto mais se nos lembrarmos como o PS protestou, quando estava na oposição, contra campanhas de publicidade do PSD, as quais, neste aspecto, ficavam muito aquém daquilo que hoje está a ser feito.

Vozes do PSD: - Ah!...

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, queira terminar.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

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É esta denúncia que aqui trazemos, mas, Sr. Deputado, vou sentar-me sabendo que logo a seguir vou ouvir o Ministro António Vitorino trazer aqui mais um elemento, mais um apport, a esta campanha de publicidade que o Governo de PS decidiu empreender. É o que temos a seguir.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem agora a palavra o Sr. Ministro da Presidência, para uma intervenção ao abrigo do artigo 83.º, n.º 2, do Regimento. Dispõe de 10 minutos para o. efeito.

O Sr. Ministro da Presidência (António Vitorino): Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, agradeço o carinho especial do pré-anúncio da minha intervenção, feito pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho, que não quis deixar de distinguir a minha presença aqui, e que retribuo com muito gosto.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Na intervenção de encerramento do debate sobre o estado da Nação, que decorreu neste Assembleia no final da sessão legislativa passada, tive ocasião de afirmar que esta legislatura ficaria assinalada por um novo modelo de relacionamento do Governo com a Assembleia da República.
Tal entendimento decorria não propriamente da circunstância de o Governo não dispor nesta Assembleia de uma maioria parlamentar de apoio expressa em mais de metade dos Deputados, como sucedera nos últimos 10 anos, mas antes e essencialmente da concepção que o Governo e o PS perfilham quanto ao papel do Parlamento no sistema político português.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Muito bem!

O Orador: - A valorização do pluralismo de opinião na formação da vontade popular, o reconhecimento do papel central do diálogo com as oposições e a afirmação do primado do Parlamento na produção legislativa constituem postulados da concepção que perfilhamos sobre o funcionamento do nosso sistema democrático. Há que reconhecer que, fiéis a este entendimento, contribuímos, em paralelo com o normal exercício dá controlo da acção do Governo pelas oposições, para que o Parlamento tenha voltado a ser o centro do debate político em Portugal!

Aplausos do PS.

Estamos cientes de que o Parlamento inicia agora a fase final da 2.º Sessão Legislativa, fase essa onde normalmente se assiste à intensificação do accionamento dos mecanismos de controlo e fiscalização da actividade governativa. Acresce que, no quadro da definição dos agendamentos parlamentares, esta sessão legislativa compreende ainda o relevante debate em Plenário da revisão constitucional e, previsivelmente, de algumas iniciativas legislativas desta directamente decorrentes.
Por isso, o Governo pretende, através desta minha intervenção, solicitar à Assembleia da República a necessária cooperação institucional, tendo em vista a apreciação e aprovação de um significativo conjunto de iniciativas legislativas destinadas a viabilizarem reformas de fundo que o Governo reputa essenciais ao cabal cumprimento do programa político sufragado nas eleições de Outubro de 1995.
Este pedido de cooperação institucional assenta, desde logo, na convicção de que há que criar as condições para que, através do diálogo e da formulação de alternativa credíveis e consistentes, seja possível enfrentar alguns dos mais candentes problemas com que se debate a sociedade portuguesa.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Muito bem!

O Orador: - Nas sociedades modernas e complexas, governar em diálogo, procurando a concertação possível em cada momento, é governar bem! Governar em tensão, provocando o conflito, é governar mal!

Aplausos do PS.

O Governo não tem a pretensão de deter sobre cada assunto um exclusivo da "verdade universal". Pelo contrário, entendemos que é do confronto de diferentes perspectivas, na sede própria que é o Parlamento, que pode resultar enriquecido o debate democrático e que as soluções políticas poderão encontrar apoio alargado na própria sociedade.
Mas este Governo não se refugia nas fantasias dos oásis, porque não pretendemos ser cegos, surdos ou mudos perante a realidade do País. Assumimos um desígnio nacional - o de integrarmos, desde a primeira hora, o núcleo central de decisão do processo de integrarão europeia -, temos um Programa de Governo, viabilizado nesta Assembleia, e um mandato de legislatura que, em tudo o que de nós dependa, será, efectiva e integralmente, cumprido.
Entendemos, de igual forma, que, dispondo apenas de uma maioria relativa de apoio nesta Assembleia, é importante confrontar as oposições com as responsabilidades que, neste contexto, lhes cabem efectivamente.

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Orador: - Responsabilidades quanto à criação das condições políticas necessárias ao próprio exercício da acção governativa e responsabilidades quanto à formulação de políticas alternativas àquelas que defendemos, porque essa é a essência do debate parlamentar e da própria alternância democrática.

O Sr. António Reis (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, o Governo tenciona entregar, até ao próximo dia 23 de Maio, nesta Assembleia, 32 propostas de lei, das quais três apenas serão pedidos de autorização legislativa.
No melhor espírito de cooperação institucional, gostaria de deixar claro perante VV. Ex.ª qual o conjunto de iniciativas legislativas que o Governo reputa essenciais e que desejaríamos ver aprovadas até ao início das férias de Verão da Assembleia. Trata-se de um conjunto de propostas de lei que giram em torno de quatro grandes áreas de reforma do Estado, nos domínios da justiça, da educação,

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do reforço do poder local e da competitividade da nossa economia.
Em primeiro lugar, a aprovação da Lei de Bases do Sistema Educativo, já pendente nesta Assembleia desde Junho de 1996, e da Lei de Financiamento do Ensino Superior, diplomas que, na sequência do Programa de Desenvolvimento da Rede Nacional de Ensino Pré-Escolar, dão continuidade à reforma em curso no sector da educação, possibilitando assim, designadamente, a alteração do regime de formação dos professores, de acesso ao ensino superior, de qualificação do ensino politécnico e de reforço do financiamento, da autonomia e da qualidade do nosso ensino superior.
Esperamos, aliás, Srs. Deputados, que, neste capítulo, estejamos assim a dar uma oportunidade a que o principal partido da oposição desminta cabalmente a preocupante notícia ontem divulgada, de que, em matéria de Financiamento do ensino superior, a sua posição estará dependente do grau de contestação que a proposta de lei do Governo venha a registar por parte das associações de estudantes!

Aplausos do PS.

Para o Governo, o financiamento do ensino superior e as medidas de acção social escolar a ele indissoluvelmente ligadas constituem um imperativo de justiça social e de equidade, onde os valores e os princípios que defendemos não dependem de cálculos de conveniência ou de índices de popularidade fácil.
Trata-se de uma reforma suficientemente relevante e inovadora, que não se compadece com nenhum síndroma de cata-vento, em que a verdade de Estado da manhã se transforma em mera especulação à tarde!
Em segundo lugar, o combate ao crime, em particular ao crime contra as pessoas, associado à modernização do sistema judiciário e prisional, com base nas propostas de revisão do Código Penal, da Lei do Cheque, das penas de execução de trabalho a favor da comunidade. No capítulo da segurança dos cidadãos, gostaria ainda de solicitar a prioritária apreciação da Convenção EUROPOL e da respectiva lei regulamentar, como instrumentos de grande relevância na coordenação de esforços supranacionais de combate ao crime organizado, ao tráfico de droga, de armamento e de materiais nucleares.
Estas iniciativas prosseguem as reformas em curso no sector da justiça, já marcadas, designadamente, pela revisão do Código de Processo Civil.
Em terceiro lugar, cito três diplomas estratégicos para o reforço da competitividade das empresas, em particular, e da sociedade, em geral: o da revisão da Lei de Delimitação de Sectores, especialmente no que concerne ao sector das telecomunicações e das indústrias de defesa, a nova Lei de Bases das Telecomunicações e a alteração da Lei da Televisão, enquadrados pela políticas definidas no Livro Branco da Sociedade de Informação, que será presente, ainda, este mês, à Assembleia da República.
Em quarto lugar, pretendemos completar a reforma da legislação estruturante do poder local, na sequência da revisão da Lei da Tutela e da Lei das Associações de Municípios, com a apresentação da Lei das Empresas Públicas Municipais e da Lei-Quadro das Atribuições e Competências das Autarquias Locais, que regulará, ela mesma, o próprio financiamento das competências transferidas, tal como consta do Programa do Governo.
Trata-se, Srs. Deputados, de uma etapa essencial da reforma do Estado em prol da descentralizarão, imprescindível neste momento em que nos acercamos da revalidação do mandato democrático dos autarcas, o que postula o cabal esclarecimento do quadro institucional e organizativo em que serão chamados a actuar no futuro.
Acresce que, ao ser reafirmado pelo Partido Socialista o inequívoco compromisso de concretizar o processo de regionalização, esta lei demonstra que a regionalização não é feita à custa das competências dos municípios, nem impede mesmo o seu reforço, a que se procede na proposta de lei do Governo.

Aplausos do PS.

Em quinto lugar, referirei três diplomas da maior importância: uma proposta de lei de autorização legislativa para a revisão do Código da Estrada, instrumento essencial para o reforço da segurança nas estradas e para combater a afrontosa taxa de sinistralidade rodoviária - e isto nada tem a ver com a falta de travões com que se comportam alguns partidos da oposição; a proposta de revisão da Lei Orgânica do Banco de Portugal, a que importa proceder, desde já, por forma a adaptá-lo ao novo Estatuto do Banco Central Nacional, no quadro dos mecanismos previstos no Tratado da União Europeia para a terceira fase da União Económica e Monetária; e, finalmente, a lei que autoriza o Governo a proceder à integrarão na função pública dos trabalhadores que se encontrem em irregular situação de precariedade.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Em 9 de Fevereiro do ano passado, o Primeiro-Ministro propôs, em intervenção nesta Assembleia, uma agenda política marcada pelas reformas do sistema político, do Estado-Providência e do reforço da competitividade global da economia e da sociedade portuguesa.
O conjunto de iniciativas hoje anunciadas dão continuidade à estratégia de execução das grandes reformas, então enunciada, sem nos afastarmos da preocupação de conciliar o diálogo com a eficácia da acção governativa.
Outras iniciativas que se encontram em preparação dependem da conclusão do processo de revisão constitucional, de que citarei os casos da revisão do Código de Processo Penal, da Lei de Imprensa, da Lei Orgânica do Ministério Público, da Lei das Finanças Regionais, da Lei Eleitoral e da Lei do Serviço Militar.
Esta "carta de rumo" das reformas que o Governo pretende adoptar assenta, assim, num calendário que se articula com a divulgação pública e o subsequente debate aberto sobre os estudos e as opções estruturantes das três reformas nucleares, que o Governo assumiu como compromisso de Legislatura: a reforma do sistema fiscal, a reforma do sistema de saúde e a reforma da segurança social, que farão de 1998 o ano da reforma do Estado-Providência.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Ministro, chamo a sua atenção para o facto de o seu tempo se ter esgotado. Tem de sintetizar.

O Orador: - Sr. Presidente, concluo, de imediato.

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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este pedido de cooperação institucional, que hoje formulo perante a Câmara, em nome do Governo, visa tornar claro, perante o País, quem é que quer mesmo as reformas de fundo em Portugal e quem é que se limita a reclamá-las virtualmente, mas, depois, se entretém a empatá-las!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Pela nossa parte, recusamos liminarmente qualquer dicotomia entre diálogo e eficácia na acção reformadora do Estado. Aqueles que mais afoitamente se desdobram em acusações de que o Governo não governa, são os mesmos que sempre se mostraram mais renitentes em encontrar plataformas de entendimento, que viabilizassem as reformas necessárias. E isto para já não falar de serem os mesmos responsáveis por várias dessas reformas não terem sido feitas durante 10 anos, quiçá em condições mais favoráveis, decerto de forma menos complexa do que aquela em que hoje somos chamados e actuar.
Mas as dificuldades não nos fazem esmorecer. Antes representam um teste a quem proclama vontade reformista com reserva mental e a quem acredita sinceramente que as reformas são importantes em função do interesse nacional.
Pelo seu lado, o Governo reedita a sua disponibilidade para o diálogo e para encontrar as plataformas de entendimento que viabilizem as reformas essenciais, sem condições e com todos aqueles que sinceramente estejam apostados em enfrentar connosco os desafios que se colocam a Portugal nesta viragem de século.

Aplausos do PS.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, não consegui tomar nota exaustiva do dilúvio de promessas agora anunciadas pelo Sr. Ministro da tribuna, pelo que pergunto à Mesa se deu entrada algum conjunto de diplomas, de propostas de lei e, nomeadamente, alguma relativa ao financiamento do ensino superior, que há mais de 15 dias foi anunciado como tendo sido aprovado em Conselho de Ministros.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, até agora, não deu entrada na Mesa qualquer das propostas a que fez referência.

Vozes do PSD: - Não deu entrada? Ah!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - No entanto, julgo que o Sr. Ministro anunciou que o Governo as iria enviar.
Na decorrência da intervenção do Sr. Ministro, está previsto, de acordo com o n.º 3 do artigo 83.º do Regimento, um período de debate de duração não superior a 20 minutos. Cada um dos partidos está informado sobre o tempo de que dispõe para intervir e, no final, o Sr. Ministro usará da palavra em nome do Governo.
De acordo com a ordem das inscrições, tem a palavra, para intervir no debate, o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, a sua participação neste período de antes da ordem do dia na Assembleia da República só pode caracterizar-se como um enorme e imenso flop.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É que o Sr. Ministro - e já veremos, talvez, por que razões - parece ter tido necessidade de vir à Assembleia da República fazer uma coisa, que francamente não consideramos inédita neste Governo, que consistiu em anunciar propósitos e fazer promessas. Mas, Sr. Ministro, houve um elemento surpresa, que a comunicação social, de facto, não antecipou: é que normalmente esse conjunto de manobras de diversão costuma estar a cargo de outro membro do Governo, o Sr. Ministro Adjunto.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É verdade!

O Orador: - Percebemos, agora, pela sua presença aqui e pela sua intervenção, que o Ministro Jorge Coelho trata das manobras de diversão em relação ao Partido Socialista e o Sr. Ministro da Presidência das manobras de diversão em relação à oposição.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas, Sr. Ministro, apesar de tudo, esperaríamos que, fora desta competição governamental, existisse alguma palavra e alguma boa fé da parte do Governo e que, à semelhança do que acontece em muitos países do mundo, também hoje, em Portugal, o anúncio de uma medida por parte do Governo fosse levado a sério pelo conjunto da sociedade portuguesa e até da sociedade política.
Na verdade, o Partido Socialista, no Governo, tem sido useiro e vezeiro em anunciar prolixamente aquilo que nunca fez, nunca tem pronto ou ultimado, nem nunca apresentará, e tem sido habitual o Governo fazer anúncios repetidos de medidas que acabam por nunca chegar à Assembleia da República.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Por exemplo?

O Orador: - Recordo ao Sr. Ministro que o fim do imposto de sisa foi anunciado publicamente por mais de quatro vezes!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sabemos que essa "grande" medida, que resulta, de resto, de um compromisso com o Partido Popular e que esteve na base da aprovação do primeiro Orçamento do Estado da autoria deste Governo, implicava

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algumas alterações ao imposto sobre o património e esperava que o Sr. Ministro tivesse vindo à Assembleia da República anunciar que era intenção do Governo, a muito curto prazo, apresentar essas alterações, enfim, que tivesse vindo dizer-nos o que vai acontecer à sisa. E por que não também àquelas medidas, tantas vezes anunciadas, sobre o corte de estradas? Estamos à espera, com certeza, de uma próxima contestação para ouvir da parte do Governo um novo anúncio sobre uma nova lei de criminalização do corte de estradas.
Sr. Ministro, eu estava à espera, talvez nas 32 medidas que se propôs aqui descrever, que o Sr. Ministro aqui trouxesse o anúncio de um programa de emergência sobre o emprego, que aguarda, há um ano e meio, a maior atenção do Governo, para que a Assembleia da República sobre ele se possa debruçar.

Aplausos do PSD.

Aguardávamos, Sr. Ministro, eventualmente, alguma iniciativa legislativa do Governo que visasse a duplicação dos fundos para as autarquias locais. Porém, Sr. Ministro, nem a intenção de apresentar uma nova lei das finanças locais V. Ex.ª veio aqui anunciar, ficou-se pela lei das associações de municípios e pelas atribuições e competências dos municípios. Estará o Governo à espera que se finalizem as eleições autárquicas para apresentar aqui uma nova lei das finanças locais, Sr. Ministro?
Por fim, Sr. Ministro, também estamos habituados a que o Governo anuncie com pompa medidas importantes que demora a trazer ao conhecimento da Assembleia. É o caso, como o Sr. Deputado Luís Marques Guedes já aqui fez alusão, da lei do financiamento do ensino superior.
O Sr. Ministro acaba por vir aqui dizer que é intenção do Governo tratar rapidamente do que respeita à Lei de Bases do Sistema Educativo. Mas, Sr. Ministro, não acha curioso que o Conselho de Ministros tenha aprovado, há já 15 dias, uma lei do financiamento das universidades e que o Sr. Ministro da Educação tenha afirmado publicamente que entendia que Junho era o melhor mês para vir discutir essa matéria à Assembleia? Será, Sr. Ministro, que ainda teremos de aguardar mais tempo pela oportunidade e conveniência com que o Governo não aprova mas resolve agendar as matérias na Assembleia?

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, o seu tempo extinguiu-se.

O Orador: - Termino de imediato, Sr. Presidente.
Para finalizar. Sr. Ministro, dir-lhe-ei que a oposição não precisa que V. Ex.ª aqui venha convencê-la, com uma mão cheia de promessas, de que, passado ano e meio de tomar posse, o Governo finalmente vai decidir-se a governar. O que o País precisa é que o Partido Socialista e o Governo o convença de que está, de facto, a governar. E o Sr. Ministro não precisa de vir à Assembleia da República, em sinal de desespero, fazer promessas aos partidos da oposição e, muito menos, ao PSD. É que, do nosso lado, tem V. Ex.ª duas certezas: a promessa, que temos cumprido, de estabilidade política no País e a prioridade a todos os agendamentos do Governo.

O Sr. Ministro da Presidência: - Está registado!

O Orador: - Porém, Sr. Ministro, o problema é que não há agendamentos do Governo, porque este Governo não traz à Assembleia da República nem sequer aquilo que anuncia e isso é que é profundamente lastimável.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para intervir no debate, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, o Governo tem vindo a seguir uma trajectória que é a dos ante-anúncios, dos pré-anúncios, dos anúncios... E nós continuamos à espera das concretizações desses anúncios. Mas ainda não é agora que vamos ter essa oportunidade. O Sr. Ministro veio aqui informar acerca da apresentação de, se ouvi bem, 32 propostas de lei, que darão entrada na Assembleia da República até 23 de Maio - de 1997, presumo...

Risos do PCP.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Costa): - Pode tomar nota na agenda!

O Orador: - No entanto, Sr. Ministro, isto suscita-me duas questões, a primeira das quais tem a ver com o seguinte: o Sr. Ministro trouxe à colação para esta sua intervenção o pedido de cooperação institucional entre a Assembleia da República e o Governo, no sentido de a Assembleia permitir ao Governo ter instrumentos para governar.
A questão que lhe coloco é esta: porquê a necessidade sentida pelo Governo de vir fazer esse pedido de cooperação institucional agora? Tem o Governo tido falta de cooperação institucional por parte da Assembleia da República para lhe fornecer os instrumentos necessários para governar? Esta a primeira questão.
A segunda questão, Sr. Ministro, tem a ver com a cooperação institucional, que é aquilo que V. Ex.ª pede. Ora, quando anuncia a apresentação de 32 propostas de lei até 23 de Maio e, depois, solicita que elas sejam discutidas e votadas até ao fim da sessão legislativa, o que é que o Governo pretende? Pretende cooperação institucional ou pretende monopolizar todos os Plenários da Assembleia da República para discutir apenas as iniciativas do Governo?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O que é que esteve a fazer até agora?!

O Orador: - Sr. Ministro, ainda tivemos a esperança de que, no meio destes anúncios, V. Ex.ª nos viesse dizer, porque teve participação directa e tem responsabilidades directas e acrescidas no caso, que, depois de tudo aquilo que se tem passado nos últimos tempos, para além das 32 propostas de lei, o Partido Socialista e o Governo estariam na disposição de avançar de vez com o processo de regionalização. Mas o Sr. Ministro, embora tenha responsabilidades directas naquilo que foi negociado em sede do chamado acordo com o PSD para a revisão constitucional,, não nos veio trazer isso.

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Mas veio trazer outra coisa e quando solicita que a Assembleia da República discuta e vote as 32 propostas de lei até ao fim da sessão legislativa, eu diria: que belo programa o Governo quer trazer para a possibilidade de a Assembleia da República fazer uma análise serena do processo de revisão constitucional!

Aplausos do PCP.

Risos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para intervir no debate, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, a proposta que acaba de apresentar à Assembleia da República de cooperação institucional para a aprovação, em devido tempo, de um vasto conjunto de iniciativas legislativas merece da parte da bancada do PS um rotundo sim, mas um sim fundamentado no mérito das propostas...

Vozes do PSD: - Ah!...

Orador: - ... e, simultaneamente, um sim redobradamente convicto face ao vazio das oposições, claramente revelado em perguntas feitas e não acompanhadas de qualquer iniciativa.

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Ih!...

O Orador: - Nunca, nesta Assembleia da República, foram discutidas tantas iniciativas dos partidos da oposição! Nunca, no Plenário da Assembleia da República, tantos projectos de lei, debates de actualidade e debates de urgência foram discutidos por iniciativa dos partidos da oposição, com o apoio da bancada da maioria e com a sua solidariedade institucional!
Mas a solidariedade, Srs. Deputados, é como as pontes, tem duas partes: nós precisamos da vossa e os senhores precisam da nossa. Por isso, quando os senhores rejeitam a nossa proposta para que se discuta a Lei de Bases do Sistema Educativo em tempo útil, ou seja, o mais depressa possível, como agora fizeram na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, estão a quebrar esse pacto de cooperação institucional e estão a dizer o contrário do que disse o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho há poucos minutos. .

Vozes do PS: - Sim, senhor! É verdade!

Vozes do PSD: - É falso!

O Orador: - O Sr. Ministro da Presidência teve ocasião de sublinhar vários e importantes princípios de condução da actuação governamental neste período. E gostaria de assinalar, com muito apreço, aquele que deixou aqui exarado respeitante ao processo de regionalização, em relação ao qual o Grupo Parlamentar do PS anunciou publicamente a mais que elevada prioridade.
Como teve o devido zelo de sublinhar, entre regionalização e aprofundamento das autonomias municipais, não há contradição, mas há ajustamentos de calendário a fazer. Por isso, gostaria de lhe pedir, Sr. Ministro, que clarificasse a visão do Governo em relação ao ajustamento das propostas atinentes ao reforço do poder municipal e o calendário da regionalização, que, aliás, deve estar articulado com o calendário da revisão constitucional, fazendo os dois um bloco e um todo.
É importante que, hoje, fique aqui clarificado perante o País a ordem de reformas; para nós, não há qualquer dúvida de que elas são articuláveis e, por isso, importa clarificar também como.

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, o Sr. Ministro anunciou, na última parte da sua intervenção, que serão apresentados pelo Governo, ainda dentro do prazo proposto, importantes diplomas. Aludiu à Lei Orgânica do Ministério Público e à Lei de Imprensa. Repare-se, no que se refere à última, que a maioria parlamentar já aprovou uma lei, revogando a "lei da rolha" aprovada pela maioria anterior, que suprimiu as ameaças que impendiam sobre a liberdade de imprensa, designadamente sobre os jornalistas portugueses, e essa medida foi tomada aqui - e é mérito registá-lo - logo na primeira sessão legislativa. Mas, quanto à revisão da Lei de Imprensa, que é uma operação política e legislativa complexa, o Sr. Ministro anunciou a medida mas não o prazo e a ideia do Governo quanto ao calendário.
Ora, isso leva-me a uma última pergunta, Sr. Ministro. Alguns destes diplomas envolvem, pela sua complexidade, um elevado grau de participação pública. A Lei de Imprensa, por exemplo, tem de ser discutida com a participação, naturalmente não havendo a dos jornalistas, de Outras entidades que exprimem a opinião pública; o Código Penai e a revisão da Lei Orgânica do Ministério Público têm de ser discutidos com a participação das associações representativas do sector e, por isso, a nossa pergunta é, manifestamente, Sr. Ministro, sobre a necessidade de celebrarmos todos um acordo de calendário.
Ora, para celebrarmos um acordo de calendário que envolva a realização, na Assembleia da República, da revisão constitucional, que é da sua competência exclusiva, não do Governo, das reformas estruturais e dos processos de consulta pública precisamos de ter um cenário temporal claro.
Creio que os, partidos da oposição não têm qualquer razão de queixa em relação às suas iniciativas, porque têm da parte desta bancada o compromisso de, na 1. ª Comissão, discutirmos todas as iniciativas que estão pendentes até ao fim do mês de Abril. Repito: até ao fim do mês de Abril, todas as iniciativas pendentes estarão discutidas e votadas. É o nosso compromisso.
Más, em relação a outras, temos de ter um horizonte que tenha em conta que o período normal da sessão legislativa não se prolongará para muito depois do início de Julho e, portanto, temos de fazer programação a médio prazo.
Sr. Ministro, gostaríamos de ter também, da parte do Governo, um contributo para esse acordo de calendário, mas a nossa resposta, em termos gerais, é inequivocamente

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sim. É tempo de fazer essas reformas e estamos empenhados em fazê-las.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - É tempo, diz muito bem!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para intervir no debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, se a sua fala já foi descorsoante, a fala do Sr. Deputado José Magalhães tornou-a muito mais!
Devo dizer que estamos muito preocupados porque se percebe nitidamente, nos dois discursos, que o Governo não sabe o que é que vai fazer.

O Sr. José Magalhães (PS): - Como é possível concluir tal coisa?!

A Oradora: - Isso foi aquilo que percebemos claramente!
Queria dizer-lhe, desde já, que tem dois pressupostos profundamente errados. Ao contrário do que julga, as sociedades modernas não se governam em diálogo,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Ai não?!

A Oradora: - ... governam-se em tensão controlada! Em diálogo já ninguém governa ninguém!

O Sr. José Magalhães (PS): - Como é que sabe?!

A Oradora: - Com toda essa conversa, entra no terceiro ano de mandato sem as reformas sequer iniciadas e já sabemos que não as fará!
Mas o segundo pressuposto, muito mais grave, e que está completamente errado, é que a responsabilidade da criação das condições objectivas à acção governativa compete ao Governo - esse foi o compromisso que o Governo assumiu com os portugueses - e à bancada do PS.
Ora, a bancada do Partido Socialista e o Governo têm criado condições negativas objectivas a si mesmos. É a isto que temos assistido aqui!
As reformas fazem-se com coragem política, mas não a vemos. Vemos um Governo de parlamentas, normalmente trazendo aqui uma nota parlamentar muito interessante, mas não vemos, de facto, uma caminhada de execução. Portanto, aí o que é preciso é coragem política. É preciso uma estratégia, coragem política para fazer e uma bancada!
Agora, o que me espanta - e muito! - é que o Sr. Ministro não explique como é que vai compatibilizar as reformas de fundo com a revisão constitucional. Porque, obviamente, pegando aqui em três iniciativas - o Sr. Ministro misturou o Código da Estrada com a saúde, com a educação, com o Banco de Portugal, mas eu, separo as águas -,.na educação, na saúde e na segurança social, pergunto-lhe: como é que o Sr. Ministro, os seus colegas e o Conselho de Ministros, presidido pelo Sr. Eng. Guterres, pensam essas reformas se não se sabe o que é que vai acontecer em sede de revisão constitucional? Ou, então, se as tinham pensado - e note que isto era perfeitamente possível -, como é que se explica que, em sede de revisão constitucional, VV. Ex.ªs não tivessem feito um acordo, neste caso transversal, o mais amplo possível, para assegurarem essas reformas?

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Um acordo com o PP!

A Oradora: - Porque essa reformas nascem na revisão constitucional, Sr. Ministro, e o que vemos é que não está lá nada! Quer dizer: mesmo o acordo feito entre o PS e o PSD nem sequer contempla, que se saiba, esses três pontos!
Portanto, Sr. Ministro, não venha atirar para cima desta bancada qualquer responsabilidade de qualquer reforma do sistema social. Vai atirar isso para os seus colegas que criaram comissões de reflexão e livros brancos, que ainda não acabaram. Não sei, portanto, qual é o discurso do Sr. Deputado José Magalhães, porque eu também podia criar um livro amarelo e estar aqui toda a vida a pensar!

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Portanto, o Governo criou os livros brancos, depois, o primeiro passo, em termos de objectivos estratégicos, era a revisão constitucional, mas caos costumes disse nada" e agora chega aqui com um cabaz de medidas...

O Sr. José Magalhães (PS): - Cabaz, disse bem!

A Oradora: - ... e diz assim: "a responsabilidade de criar condições para o Governo governar é da oposição". Ó Sr. Ministro!...

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para intervir no debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Presidência, V. Ex.a, pela forma como se dirigiu ao Parlamento, fez lembrar aqueles publicitários que, para enganar os consumidores, apresentam um grande pacote, como se o tamanho fosse sintoma do que quer que seja.
De facto, a observação daquilo que disse é um bom exemplo do que é a publicidade enganosa: pródigo em palavras, parco em medidas.
Julgar-se-ia que o Sr. Ministro viria anunciar grandes projectos, que os cidadãos desde há muito esperam, designadamente na Área Metropolitana de Lisboa. Por exemplo, esperávamos que viesse anunciar que o metropolitano para Odivelas, a solução para melhorar a vida das pessoas, iria, finalmente, tal como tinha sido prometido, ser posta em prática, mas não o fez.
Portanto, se há um registo naquilo que disse, o registo é a sua capacidade, essa evidenciada, de reutilizar propos-

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tas, projectos e promessas, que disse e redisse neste Parlamento vezes sem fim. Mas isso, como calcula, Sr. Ministro, não chega.
As questões que têm a ver com a qualidade de vida das pessoas, as questões ambientais são, no dizer da titular da pasta, catastróficas, mas sobre essa matéria o Sr. Ministro nada disse.
Aquilo que lhe pergunto, depois das muitas palavras, dos muitos projectos, que são projectos sobre os quais, ao longo do tempo. temos ouvido dizer que estão em vias de estudo, de análise, de publicação ou de discussão, é o que é que trouxe de novo, para além do excesso de palavras, do excesso de velocidade e da alteração do Código da Estrada?

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para intervir no debate, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Queiró, mas dispõe de muito pouco tempo.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Sr. Presidente, serei muito breve!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Aliás, tem mesmo de ser.

O Sr. Luís Queiró (CDS-PP): - Conto com a benevolência do Sr. Presidente.
Sr. Ministro, V. Ex.ª veio aqui trazer a intenção do Governo de apresentar na Assembleia da República um conjunto de projectos legislativos e, simultaneamente, pedir a colaboração institucional da Assembleia.
Já aqui foi referido o cabaz, porventura pouco organizado e pouco coerente, do conjunto de projectos que aqui veio apresentar, alguns deles, aliás, curiosos. Por exemplo, já tive aqui vários debates com o Sr. Ministro da Justiça a propósito do projecto de revisão do Código de Processo Penal, que foi prometido para 1986, depois para o princípio de 1997 e hoje foi aqui anunciado para depois da revisão constitucional. Isto revela bem a desorientação que o Governo traz aqui.

O Sr. José Magalhães (PS): - E não tem de ser depois?! Não há medidas que dependem da revisão?!

O Orador: - Ora, um dos projectos que V. Ex.ª aqui referiu como tendo de ser debatido aqui na Assembleia é o Código da Estrada. Tem vindo a ser anunciado, pelo responsável governativo, que vai ser introduzido nas cartas de condução um sistema de pontos por infracção, para aqueles condutores que as pratiquem. Ora bem, o Governo, desde 1995, tem um mandato que se pode equiparar a uma carta de condução governativa. Portanto, Sr. Ministro, a proposta que lhe faço aqui de colaboração institucional desta Assembleia é que, sempre que V. Ex.ª e o seu Governo falhem uma proposta, hesitem numa promessa, infrinjam o vosso mandato parlamentar, nós anotamos aqui o ponto na vossa carta de condução governativa e, logo que a carta de condução governativa esteja completa, tal como a dos pobres condutores portugueses, V. Ex.ª e o seu Governo venham aqui e assumam as vossas responsabilidades, apresentando a vossa demissão.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.

O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de sublinhar que a intervenção que fiz aqui, perante o Plenário, tem um objectivo muito claro: trata-se de firmar um compromisso que resulta do entendimento que fazemos do mandato parlamentar. É que nós acreditamos, de facto, que o Governo depende da Assembleia da República.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não concebemos o Parlamento como uma Câmara de ratificação pura e simples das iniciativas legislativas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Se outros, no passado, não tiveram esse comportamento perante o Parlamento, assumam a sua responsabilidade e não verberem este Governo por assumir a pureza do sistema parlamentar em todas as suas dimensões e em todo o seu alcance.

Aplausos do PS.

Devo dizer, começando pelo Partido Popular, que, na verdade, a argumentação dos Srs. Deputados que falaram me parece uma argumentação boomerang, na medida em que aquilo que quiseram ver, na descoordenação da intervenção do Governo e da bancada do Partido Socialista nesta matéria, foi o que eu vi nas intervenções dos Srs. Deputados Maria José Nogueira Pinto e Luís Queiró.
Disse a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto que eu tinha confundido tudo e que não tinha feito a destrinça entre as iniciativas que estavam dependentes da revisão constitucional e as que dela não estavam dependentes. No entanto, o Sr. Deputado Luís Queiró provou que eu tinha feito exactamente essa distinção, ao verberar o atraso na apresentação da proposta de lei de revisão do Código de Processo Penal,...

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Ó Sr. Ministro!... Não tem mais nada para dizer?!

O Orador: - ... que está exactamente dependente da revisão constitucional.
É que a revisão do Código de Processo Penal está de facto dependente da revisão constitucional e eu tive o cuidado de sublinhar as iniciativas legislativas a que o Governo atribuía prioridade, as quais são totalmente independentes do desfecho do processo de revisão constitucional, e as que carecem de facto, para poderem proceder, da conclusão prévia do processo de revisão constitucional.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É como as propinas!

O Orador: - Nesse sentido, devo dizer que as distingo com uma grande clareza, e admito que os Srs. Deputados do Partido Popular não tenham estado com a atenção necessária para se aperceberem desta destrinça que fiz na minha intervenção.

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De qualquer modo, deram um contributo importante para a tensão controlada deste debate e, nesse sentido, deram um contributo para a governabilidade do Estado.
Em relação às intervenções do Sr. Deputado Octávio Teixeira, gostava de dizer que apresentei 32 iniciativas legislativas mas não as enumerei, como deve ter reparado, pois V. Ex.ª é especialista em números e, como tal, deve ter reparado nisso. Eu enunciei, sim, aquelas que entendemos que seria importante para o País que estivessem debatidas até às férias de Verão e como verificará daquelas, e apenas dessas, que eu elenquei, e que irei distribuir agora numa lista para uma leitura sistemática mais fácil, não há qualquer intenção de monopolizar os agendamentos parlamentares. Permitimo-nos até pensar que um plenário por semana será suficiente para, até ao Verão, contemplar não as 32 iniciativas legislativas, porque não foi isso que eu vim aqui dizer, mas aquelas iniciativas legislativas, naqueles quatro grandes núcleos de reforma (justiça, educação, competitividade da economia, segurança dos cidadãos) que enumerei durante a minha intervenção.
Sr.ª Deputada Isabel Castro, é verdade que não trago a proposta de lei relativa ao metropolitano de Odivelas. Tem toda a razão! Escapou-me, na minha vocação de jurista, que o metropolitano de Odivelas estava dependente de uma proposta de lei e não deixarei de chamar a atenção do Sr. Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território para esse facto.
Quanto à questão suscitada pelo Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, peço desculpa, mas, como sabe, os últimos são os primeiros e os antepenúltimos são ainda mais primeiros que os últimos.
Compreendo que V. Ex.ª tenha aqui querido dar o seu contributo ao flop que foi a minha intervenção, e um contributo inestimável, porque, quando eu esperava que o Sr. Deputado desfraldasse a bandeira e o discurso do seu partido dizendo "o Governo não governa e a prova disso é que se sente agora na obrigação de trazer 32 iniciativas legislativas" - era esta a linha de ataque que eu presumi que viesse da bancada do PSD -, ..

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Não me diga, Sr. Ministro!

O Orador: acabou por fazer uma declaração simpática,...

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Está a ver!...

O Orador: - ... que registo como agradável, no sentido de que o PSD assuma aqui, perante o País, o compromisso de viabilizar os agendamento que o Governo considera prioritários. Espero, sinceramente, que V. Ex.ª ainda tenha tempo de fazer passar essa onda de espírito de cooperação institucional aos seus Deputados da Comissão de Educação,...

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sim?!

O Orador: - ... onde o Governo aguarda, desde Junho de 1996, que seja apreciada a proposta de lei de bases do sistema educativo.

Aplausos do PS.

Vozes do PSD: - Há males que vêm por bem!

O Orador: - Acrescentaria, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, que até esperava que o PSD criticasse as prioridades políticas do Governo - a justiça, a educação, a segurança dos cidadãos -, mas, pelos vistos, não foi isso que os Srs. Deputados entenderam dever fazer.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - No entanto, as propostas entregues são zero!

O Orador: - Não, não! Há propostas de lei entregues e talvez a Mesa possa esclarecer o Sr. Deputado Luís Marques Guedes dizendo que já deu entrada na Assembleia da República...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A Mesa ainda não as anunciou!

O Orador: - A Mesa pode esclarecer, de certeza absoluta! Sr. Deputado Luís Marques Guedes, confie na Mesa, como eu confio, e vai ver que já deu entrada na Assembleia da República a proposta de lei de revisão do Código Penal. E não me enganei, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, quando falei numa proposta de lei de revisão do Código Penal e não numa proposta de autorização legislativa para a revisão do Código Penal, porque este Governo entende que as opções essenciais de política criminal devem ser materialmente discutidas na Assembleia da República. Esta proposta de lei deu entrada na Assembleia da República e é isto que pretendemos ver discutido até ao Verão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E é a proposta de lei de revisão do Código Penal que contempla a questão, que tanto preocupava o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, sobre os cortes de estradas.
De há várias semanas a esta parte que o Governo tornou claro que entendia não lhe caber tomar uma iniciativa legislativa autónoma e própria, sobre os cortes de estradas,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - ... e ser esta uma matéria que deveria ser objecto de regulamentação no quadro do Código Penal no seu conjunto. Essa matéria...

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Essa é outra!

O Orador: - Não é outra, Sr. Deputado! Não tenho a pretensão de que o PSD me oiça. Não tenho esta pretensão! Santo António e os peixes tinham uma relação ambígua e não quero reeditar a relação de Santo António com os peixes no que concerne ao PSD, mas, ao menos, façam um esforçozito para ouvir o que estou neste momento a dizer, pois estou a dizer o contrário da sua interpretação.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Aguardo ansiosamente, Sr. Ministro!

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O Orador: - Estou a dizer que a questão dos cortes de estradas é contemplada na proposta de lei material do Código Penal, que já deu entrada na Assembleia da República. E devo dizer que há várias iniciativas a que fiz referência que já estão depositadas na Assembleia da República,...

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Desta vez é para valer!

O Orador: - ... não é só a relativa à revisão do Código Penal, há também a da Convenção EUROPOL e a respectiva lei de execução, a da lei de bases do sistema educativo. Quanto à relativa à lei do Tribunal de Contas, será entregue na Assembleia da República até ao dia 23 de Maio. Não é uma promessa vaga, não é um prazo para a calendas gregas. Eu disse "23 de Maio", a tempo de a Assembleia da República proceder à apreciação atempada e cuidada das iniciativas legislativas, do conjunto das propostas de lei que o Governo reputa de prioritárias para aprovação até ao Verão, o que permitirá também criar espaço para que, por exemplo, o PSD também cumpra muitas das promessas que tem vindo a fazer, de apresentar iniciativas legislativas que ainda não apresentou.
Por exemplo, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, no Diário de Notícias de 10 de Julho de 1996, afirmou que o PSD iria apresentar uma nova lei sobre a responsabilidade civil da administração e dos seus agentes e ainda não entrou; o Professor Marcelo Rebelo de Sousa falou, em 10 de Outubro de 1996, que iria apresentar um projecto de lei de revisão do Estatuto dos Professores e ainda não o entregou; o Professor Marcelo Rebelo de Sousa falou, em 10 de Outubro, que iria apresentar um programa de emergência para as listas de espera das operações nos hospitais e ainda não apresentou;...

Vozes do CDS-PP: - É tudo igual!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Ministro da Presidência, peço-lhe que conclua, porque já esgotou o tempo.

O Orador: - VV. Ex.ªs perdoar-me-ão, mas se estamos a falar de matérias incumpridas, nem sequer é descortês ou desleal que o Governo revele, com sinceridade, a enorme expectativa com que aguarda as iniciativas que o Professor Marcelo Rebelo de Sousa garantiu que iriam dar entrada na Assembleia da República.

Aplausos do PS.

Risos do PSD.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Venha para aqui! Há aqui uma inversão!

O Orador: - Não há qualquer inversão, é apenas o afloramento de um aforismo popular. Srs. Deputados, "amor com amor se paga!"
Sr. Presidente, Srs. Deputados:...

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Ministro da Presidência, peço-lhe que termine, porque já esgotou o seu tempo e há ainda outros oradores inscritos.

O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente.
Para concluir, digo ao Sr. Deputado José Magalhães que, para nós, é totalmente claro que o processo de regionalização assumido pelo PS como compromisso indeclinável é perfeitamente compaginável não só com o calendário das medidas legislativas que o Governo pretende ver aprovadas nesta Assembleia da República até ao Verão como, inclusivamente - e resulta perfeitamente coerente o avanço do processo de regionalização, que é um compromisso do PS mas também do Governo -,com as iniciativas legislativas no domínio do reforço das competências e atribuições das autarquias locais.

Aplausos do PS.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Peço a palavra, para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Faça favor.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, quero interpelar a Mesa e ao mesmo tempo felicitar o Sr. Ministro António Vitorino, porque, de facto, acabámos de viver um momento histórico.
O Sr. Ministro António Vitorino acaba de inventar um modo contínuo governamental, ou a eternização governamental, conseguido pelo consenso compulsivo da oposição. É um novo método de governo que impede qualquer distinção entre os actos do Governo e os da oposição.
Nunca pensei que chegássemos aqui, mas, de facto, é, em meu entender, uma invenção notável e, assim, o Governo tem condições para se poder eternizar. Nós é que não daremos essa contribuição.

Risos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - A Mesa regista a observação do Sr. Deputado Nuno Abecasis.
Tem a palavra, para interpelar a Mesa, o Sr. Deputado António Braga.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, no decorrer deste debate que acabou agora de se travar com o Sr. Ministro António Vitorino e o Parlamento, foi feita uma afirmação que eu queria agora corroborar, que é justamente o facto de, na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, o PS ter visto "chumbada" uma proposta de calendarização para a discussão da proposta da lei de bases do sistema educativo, quer do PP, quer do Governo, que pretendia fazer a discussão e preparar a votação na generalidade até ao final dos trabalhos parlamentares, até às férias do Verão.
Era esta a informação que eu queria dar, em termos de complementar o discurso que aqui acabou de ser feito.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É preciso ter "lata"!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - A Mesa regista a sua informação, Sr. Deputado António Braga, mas não quero deixar de assinalar, relativamente a uma interpela-

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ção feita no início deste debate e sobre a qual respondi que não tinham dado entrada na Mesa as propostas de lei anunciadas pelo Sr. Ministro da Presidência, que o conjunto das propostas de lei não deram, com certeza, entrada na Mesa, mas verificou-se que algumas delas, isoladamente, tinham dado entrada. Assim, quero confirmá-lo, para que tudo fique claro e como deve ser. Não sou capaz de dizer o número das que deram entrada, mas algumas entraram efectivamente.
Para exercer o direito regimental da defesa da honra, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Pinto.

O Sr. Pedro Pinto (PSD): - Sr. Presidente, pedi a palavra para exercer o direito regimental da defesa da honra em nome individual, numa parte, e como Presidente da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, noutra.
Veio hoje aqui o Sr. Ministro da Presidência, aliás, numa prática que vai sendo corrente neste Governo, procurar desfocar as questões fundamentais das matérias laterais, tendo referido que a Comissão de Educação, Ciência e Cultura estava a boicotar a lei de bases do sistema educativo.
É pena, por ser tão caricata a forma como o Sr. Ministro diz isso e de certeza que estava a falar para a bancada do Partido Socialista,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: - ... porque se neste momento está a ser discutida a lei de bases é por os partidos da oposição desta Casa terem feito uma proposta, na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, nesse sentido. O PS, até há três semanas atrás, não tinha apresentado na Comissão qualquer proposta para que a lei de bases fosse discutida...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... e há três dias atrás, num flic-flac caricato, veio apresentar uma proposta de calendário, quando já sabia que na Comissão de Educação, Ciência e Cultura havia unanimidade, dada por um grupo de trabalho, do qual faziam parte os Deputados do Partido Socialista, para se iniciar essa mesma discussão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas, mais uma vez, o PS, na necessidade de se auto-justificar, fez um flic-flac: retirou o consenso que tinha dado e pôs os Deputados que tinham estado a trabalhar nessa matéria na posição indelicada de dar o dito por não dito.
Este Governo tem de parar de dizer que é a Assembleia da República que trava o seu trabalho. Aliás, já ouvimos isto aquando da discussão sobre o ensino pré-escolar mas, coisa engraçada, ele foi decidido nesta Casa em Dezembro, era urgentíssimo, fundamental, já passaram praticamente quatro meses e continuamos à espera da regulamentação sobre o pré-escolar!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Ministro, nesta Casa, se alguém não quis tratar da Lei de Bases do Sistema Educativo, que fique claro que foi o Governo e o Partido Socialista. Mas vamos mais longe: o PS propôs, inclusivamente, que a matéria da lei de bases fosse "parada" e surgisse um novo projecto apenas relativo à questão do acesso, porque a lei de bases deveria ser discutida de forma aprofundada no tempo.
Tenho imensa pena que o Sr. Ministro da Presidência não pense como o Ministro da Educação e o Partido Socialista ou, então, se calhar pensam todos da mesma maneira, que é pensar de maneira nenhuma!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Pedro Pinto, prevê o Regimento que seja dada a palavra, para dar explicações, à pessoa que o Sr. Deputado entende tê-lo agravado. Nestas condições, gostaria de saber se devo dar a palavra ao Sr. Ministro da Presidência ou ao Sr. Deputado António Braga.

O Sr. Pedro Pinto (PSD): - Como é óbvio, ao Sr. Ministro!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Pelos vistos, é o Sr. Ministro da Presidência a pessoa em causa.
Para dar explicações, tem então a palavra o Sr. Ministro da Presidência.

O Sr. Ministro da Presidência: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, fico um pouco estupefacto por ter ofendido a honra do Sr. Deputado Pedro Pinto,...

Vozes do PSD: - Da Comissão!

O Orador: - ... na medida em que o Sr. Deputado não se encontrava na sala das sessões quando falei. Deve haver um fenómeno qualquer de telepatia!

Protestos do PSD.

O Sr. Pedro Pinto (PSD): - Como sabe, a reunião plenária é transmitida por circuito inferno para os gabinetes dos Deputados!

O Orador: - É que se estivesse na sala ou, então, noutro lugar a ouvir a minha intervenção, não teria cometido a ousadia e a imprudência de afirmar que eu tinha utilizado expressões impróprias no debate político, o que eu jamais faria! Designadamente a expressão que o Sr. Deputado me atribuiu directamente: a de que eu tinha acusado esta Assembleia de "boicotar" o trabalho do Parlamento.
V. Ex º pode perder a serenidade nesta matéria, mas posso garantir-lhe que o muito respeito que tenho pela Câmara me impediria, jamais, de utilizar uma expressão grosseira desse jaez.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para exercer o direito regimental de defesa da honra ou consideração da bancada, tem a palavra o Sr. Deputado António Braga.

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O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, pedi a palavra para defesa da honra da minha bancada na sequência das afirmações do Sr. Deputado Pedro Pinto, que, ao defender a honra da sua bancada, acusou o Partido Socialista injustamente, de forma hábil mas grosseira do ponto de vista objectivo, de ter adoptado uma determinada posição para a preparação e a discussão das temáticas no seio da Comissão da Educação, Ciência e Cultura, designadamente sobre a matéria da Lei de Bases do Sistema Educativo.
Em primeiro lugar, gostaria de dizer ao Sr. Deputado Pedro Pinto que não é verdade que, alguma vez, o Partido Socialista tenha obstado ao que quer que fosse no seio da Comissão de Educação, Ciência e Cultura. Além do mais, tanto quanto sabemos, sempre que uma proposta ou um projecto de lei baixam à comissão ficam automaticamente preparados para ser discutidos e trabalhados. Foram esses o sentido e o espírito que sempre presidiram à nossa colaboração na Comissão de Educação, Ciência e Cultura.
O Sr. Deputado Pedro Pinto veio aqui invocar o facto de o PS ter participado num grupo de trabalho e dado adesão a um texto, mas lembro que assinalei na reunião da comissão uma divergência em relação à calendarização da discussão da Lei de Bases do Sistema Educativo, calendarização essa que não foi feita, pelo que o PS entendeu enriquecer esse documento apresentando um calendário e concretizando o conjunto das audições, debates e colóquios. Reputamos como importante que esse calendário se realize até ao final da sessão legislativa, isto é, até ao Verão.
Foi isto que se passou na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, ou seja, o PS acrescentou um calendário ao documento saído do grupo de trabalho constituído no seio da comissão. E tinha todo o direito de fazê-lo! Não há aqui "flic-flac" algum, nem alteração de posição; bem pelo contrário, existe uma posição construtiva de querer fixar um calendário concreto que estava ausente desse documento de trabalho.
Contudo, como o Sr. Deputado Pedro Pinto bem sabe, os partidos da oposição reprovaram, em bloco, essa calendarização e, reparem, nem sequer estamos a falar na aprovação final global mas na preparação da discussão na generalidade desse diploma, o que significa que haverá ainda um período posterior para preparar a discussão na especialidade. Para nosso espanto foi reprovada essa nossa tentativa de enriquecimento do documento, e não houve qualquer alteração de comportamento ou intransigência por parte do PS, pois ao fixar um calendário concreto fê-lo com a coerência que tem mantido na Comissão de Educação, Ciência e Cultura.
Nesse sentido, as insinuações que o Sr. Deputado Pedro Pinto dirigiu ao Grupo Parlamentar do PS são descabidas, infundadas e só se entendem enquanto tentativa permanente de dilatar, o mais possível, a discussão dos documentos. Quem quisesse colaborar e estivesse de boa fé, como acreditamos que todos podem estar, não tinha qualquer objecção de fundo a sustentar contra o documento de calendarização. Os senhores apenas se agarraram, formalmente, ao facto de, no documento de trabalho, não vir registada essa intenção; justamente porque ela era tão genérica, quisemos concretizá-la, formalizando-a numa proposta objectiva.
Sr. Presidente, pedi a palavra porque nestas coisas da política temos de ter comportamento e regras claras entre nós. E a regra fundamental aqui quebrada foi, justamente, a interpretação grosseira que foi feita do comportamento do PS na Comissão de Educação, Ciência e Cultura.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para dar explicações, tem, a palavra o Sr. Deputado Pedro Pinto.

O Sr. Pedro Pinto (PSD): - Sr. Presidente, quase não valia a pena dar qualquer tipo de explicação, mas vou dar, porque tenho da política uma visão um pouco diferente da do Sr. Deputado António Braga.

Vozes do PS: - Vê-se!

O Orador: - Desafio o Sr. Deputado António Braga - apesar de saber que os Srs. Deputados do PS não gostam muito do debate frontal - a perguntar aos elementos do grupo de trabalho se algum é capaz, tirando os Deputados do Partido Socialista - e dele faziam parte Deputados de todos os outros partidos - de vir aqui dizer que o que afirmei não é verdade!

O Sr. António Braga (PS): - Não é verdade!

O Orador: - Mas o mais importante foi aquilo que o Sr. Deputado António Braga não disse, ou seja, que foram, realmente, os partidos da oposição que disseram que era necessário começar a discutir a Lei de Bases do Sistema Educativo.

O Sr. António Braga (PS): - Não foram nada, foram todos!

O Orador: - Até um partido da oposição ter posto em cima da mesa esta matéria, o Partido Socialista estava mudo, calado!

O Sr. António Braga (PS): - Não é verdade!

O Orador: - O Sr. Deputado António Braga, tal como o Governo, também não respondeu, preferindo desvalorizar, com um ar de alguma foram superior - estou a falar de alguém de quem até gosto, mas todos nós já andamos cá há muito tempo para saber que quando não queremos responder, mais vale "atirar para canto" - por que é que, ainda há 15 dias, queriam separar da Lei de Bases do Sistema Educativo a questão do acesso, e agora já não. Entendam-se! Ao Governo compete governar e ter o apoio fundamental da bancada do Partido Socialista, mas os senhores não acertam uma! Não acertaram no pré-escolar e...

Protestos do PS.

... não vão acertar na Lei de Bases do Sistema Educativo! O caricato é que haja um partido que faça um calendário, com o seguinte: "Na próxima segunda-feira, às 15 horas: reitores". Portanto, como Presidente da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, convoco os reitores para as 15 horas de segunda-feira.

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O Sr. António Braga (PS): - Não é às 15 horas, é às 12!

O Orador: - Para as 11 horas da manhã convoco a CGTP e para quarta-feira a UGT.

O Sr. António Braga (PS): - Não é verdade! Não há nenhuma quarta-feira!

O Orador: - Isto é verdade! Até uma criança de escola, desculpe que lhe diga, Sr. Deputado, sabe que não é possível organizar trabalhos desta maneira com instituições responsáveis. Os senhores não tiveram qualquer papel no processo e, de repente, porque alguém da bancada do Governo resolveu dizer-vos que era importante que fizessem alguma coisa,...

O Sr. António Braga (PS): - Não é verdade!

O Orador: - ... apresentaram um mapa com uns "quadradinhos", escreveram lá dentro o nome de umas instituições e vieram dizer: "Como vêem, no Partido Socialista até fazemos o que vocês querem!" Fizeram mal, por isso toda a oposição rejeitou a vossa proposta. Agora vamos ter, sim, uma boa metodologia para a discussão da Lei de Bases do Sistema Educativo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: Sr. Presidente, depois de ter ouvido estas últimas intervenções, gostaria de transmitir a V. Ex.ª e, por intermédio de V. Ex.ª, a toda a Câmara o seguinte: no passado dia 20 de Junho de 1996, o Governo apresentou uma proposta de lei de alteração da Lei de Bases do Sistema Educativo. Ora, nos ternos do Regimento, as comissões parlamentares têm direito a 30 dias para elaborar o relatório, antes de a proposta de lei poder subir a Plenário para discussão na generalidade.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Exactamente!

O Orador: - Esse prazo terminou a 20 de Julho de 1996, mas foi-me transmitido, por diversas vezes, em conferência de líderes, o entendimento de que, uma vez que se tratava de um diploma estruturante do sistema educativo, deveria procurar-se uma metodologia consensual, por isso foi solicitado ao Governo que não procedesse ao seu agendamento.
O Governo agendou esse debate e, por três vezes, nos últimos dois meses, em sede de conferência de líderes, chamei a atenção da Mesa para a morosidade deste processo em sede de comissão. Na penúltima conferência de líderes foi-me dito que, finalmente, a Comissão de Educação, Ciência e Cultura iria discutir a metodologia de apreciação prévia da proposta de lei e, mais uma vez, o Governo disponibilizou-se a aguardar que a metodologia fosse esclarecida para proceder ao seu agendamento.
Sr. Presidente, sejamos muito claros: tudo tem um limite. Uma metodologia que é aprovada para impedir a discussão da proposta de lei antes do início do próximo ano lectivo não revela boa fé no relacionamento com o Governo e é uma metodologia perante a qual o Governo não se verga!

O Sr. José Magalhães (PS): - Claro!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Para que ninguém tenha dúvidas, queria comunicar a V. Ex.ª que, já na próxima conferência de líderes, o Governo proporá o agendamento da Lei de Bases do Sistema Educativo, porque não considera admissível que seja necessário um ano para nem sequer começar a apreciar a lei em termos substantivos. Portanto, na próxima conferência de líderes, eu próprio proporei o seu agendamento.

A Sr.ª Manuela Ferreira Leite (PSD): - Mas vocês têm alguma legitimidade moral?...

O Orador: - Sr. Presidente, para terminar, gostaria de dizer que a intervenção do Sr. Deputado Pedro Pinto...

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Secretário de Estado, a interpelação é dirigida à Mesa e não ao Sr. Deputado Pedro Pinto. Peço-lhe que não continue, para não prolongar esta troca de palavras entre os Srs. Deputados.

O Orador: - Sr. Presidente, dirijo-me à Mesa, precisamente.
De facto, este incidente só teve uma virtude: a de ficarmos a saber, até à próxima conferência de líderes, se o Sr. Deputado Luís Marques Mendes optará pela prioridade que o Deputado Pedro Passos Coelho declarou que o PSD dará aos agendamentos das iniciativas do Governo ou se dará preferência à estratégia do "empatanço", estratégia manifestamente prosseguida pelo Sr. Deputado Pedro Pinto.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs.. Deputados, lamento, mas a Mesa não dará mais a palavra para intervenções sobre esta matéria. O assunto está encerrado, pelo que passamos ao ponto seguinte da ordem de trabalhos.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, gostaria de usar da palavra...

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, não posso dar-lhe a palavra. Este assunto está encerrado.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Gostaria que o Sr. Presidente me perguntasse para que efeito pretendo usar da palavra!

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O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Para defesa da honra da bancada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Então, tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, a minha preocupação era que ouvisse aquilo que me motivava, e creio que vai perceber a motivação deste meu pedido de defesa da honra e consideração da bancada. É que o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares veio aqui, de algum modo, denegrir a intervenção do Sr. Ministro da Presidência...

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Ah, foi?...

O Orador: - ... e, ao mesmo tempo, levantar suspeições sobre a bancada do PSD, bem como dos outros partidos da oposição,...

Vozes do PSD: - E do PS!

O Orador: - ... o que nós só podemos entender como algum verdadeiro desentendimento com a bancada do Partido Socialista!

Vozes do PSD: - Desespero!

O Orador: - Porque o destinatário da intervenção do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares não podia ser qualquer partido da oposição; só podia ser a bancada do Partido Socialista!

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, quis o Governo - não vamos pessoalizar a questão -, através do Sr. Ministro da Presidência, vir fazer promessas ao .Parlamento: 32 promessas que não enumerou! Definiu prioridades e estamos entendidos sobre elas. Há, no mínimo, incompatibilidade entre as prioridades definidas no Programa do Governo, e que ao fim de ano e meio não vimos concretizadas, e aquelas que o Sr. Ministro aqui quis vir destacar em nome do Governo.
Há algo que a bancada do PSD nunca aceitará: não aceitará que o Governo, muito menos através do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito menos, porquê?!

O Orador: - ... se queira destinar a fazer confusionismos sobre os trabalhos da própria Assembleia, porque isso contrasta flagrantemente com aquilo que é programado e proclamado pelo Sr. Ministro, e muito bem, como intenção de cooperação institucional - e esperamos que venha a ser concretizada, porque há um ano e meio que estamos à espera de que o Governo dê uso à cooperação institucional -, quando, de facto, aquilo que o Sr. Secretário de Estado quer fazer é desculpar o Governo pela falta de iniciativa,...

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - É preciso ter lata!...

O Orador: - ... com aquelas que são as iniciativas democráticas da oposição. Isso, Sr. Presidente, nunca aceitaremos!
Mas, Sr. Presidente, houve uma coisa que a bancada do PSD registou com muita apreensão...

O Sr. José Magalhães (PS): - Ao menos uma!

O Orador: - Houve várias, Sr. Deputado, mas esta, pelo menos, suscitou muita, muita apreensão: com este voluntarismo súbito que o Governo aqui veio manifestar, gostaríamos de saber se tem, nas suas prioridades, o calendário que a própria Assembleia da República se destinou para a revisão constitucional.

O Sr. Ministro da Presidência: - Respondi sobre isso.

O Orador: - É que nós estávamos a pensar que, em matéria de revisão constitucional, até ao fim da sessão legislativa, teríamos um processo bem sucedido e concluído e, desse modo, seria possível realizar um referendo sobre regionalização em tempo útil.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tememos que o Governo tenha uma má programação sobre esta matéria e que, com aquilo que veio aqui hoje anunciar, caia no risco não apenas já de desautorizar o Governo mas de atraiçoar a própria bancada do Partido Socialista relativamente à programação que foi feita. Desta feita, não será só o Sr. Ministro Adjunto Jorge Coelho a ficar, talvez, com o seu calendário "furado", será o próprio Partido Socialista que terá grandes dificuldades em mostrar, até ao fim, que está de boa fé no processo dos trabalhos de revisão constitucional.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Magalhães (PS): - Que irresponsabilidade!...

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, foi, para mim, uma surpresa...

Risos do PSD.

Vozes do PSD: - É sempre!

O Orador: - ... o desnorte que marcou a intervenção do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho. Hoje, conseguiu mesmo estar pior do que naquela tarde "inspirada" em que imputou ao Sr. Primeiro-Ministro declarações que se veio a provar que não tinha feito...

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - V. Ex.ª tem uma memória prodigiosa!

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O Orador: - O Sr. Deputado veio aqui falar em cooperação institucional, procurando simular e inventar um problema de disfunção entre a intervenção que fiz e a intervenção do Sr. Ministro da Presidência.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Compreendo que é um problema delicado!

O Orador: - Ó Sr. Deputado, se esteve atento, o Sr. Ministro da Presidência, perante a sua disponibilidade, pois proclamou da primeira fila da sua bancada que podíamos contar com o PSD para reconhecer sempre total prioridade às iniciativas do Governo, disse que ficava satisfeito e que esperava que ainda fosse a tempo de dizer isso aos seus companheiros da Comissão de Educação, onde aguarda, há vários meses, o agendamento da Lei de Bases do Sistema Educativo. Qual não foi a nossa surpresa...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Como sempre!...

O Orador: - ... quando vimos entrar na Sala o seu companheiro de bancada Pedro Pinto, que nos veio dar a novidade de que, ao contrário do que o Sr. Deputado tinha dito, os três partidos da oposição, em Comissão, tinham estabelecido um calendário de audição prévia...

Vozes do PSD: - Não é verdade!

O Orador: - ... que impede o agendamento dessa lei de bases.
Sr. Deputado, sei que a intervenção do Sr. Ministro da Presidência foi muito incómoda para VV. Ex.as...

Risos do PSD.

O Sr. Ministro da Presidência: - Eu sei que gostam...

Risos do PS e do PSD.

O Orador: - Foi, foi! E foi muito incómoda porque VV. Ex.ªs deixaram-se cair na armadilha...

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - VV. Ex.as fizeram uma armadilha?!...

O Orador: - ... de andar dois meses a dizer que o Governo não governa e que o Governo não faz reformas e quando se amarraram, a vocês próprios, à obrigação de viabilizarem as reformas do Governo, foram surpreendidos, porque verificaram que o Governo não andou a dormir, esteve a trabalhar e tem 32 propostas de lei para apresentar até ao dia 23 de Maio.

Vozes do PSD: - Onde estão elas?!

O Orador: - A surpresa foi tão grande que os senhores não conseguiram mudar o discurso e, como não conseguiram, vieram aqui repetir o discurso estafado que andaram a fazer.
Sr. Deputado, creio que o Parlamento tem, com certeza, mais a fazer ... .

Vozes do PSD: - Tem, tem!

O Orador: - ... do que andarmos aqui a perder-nos com questiúnculas. Portanto, para não roubar mais tempo a W. Ex."s, quero que o Sr. Deputado fique ciente de duas coisas: em primeiro lugar, quem quer reformas vai ter de ser confrontado com elas...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Quem quer reformas tem de esperar pelo Governo do PSD!

O Orador: - ... e, perante elas, decidir se tem alternativa ou se as viabiliza; em segundo lugar, não venha dizer que há cooperação institucional e, por outro lado, em sede de comissão, inviabilizar a existência de reformas.
Pensem bem, até à próxima conferência de líderes, se aceitarão ou não o agendamento imediato da discussão na generalidade da Lei de Bases do Sistema Educativo,...

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Fale para a sua bancada!

O Orador: - ... porque o apoio do PS, esse, já foi claramente manifestado.
Olhe, Sr. Deputado, aproveite os próximos dias para pensar!

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - "Desculpas de mau pagadora..."

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, permite-me o uso da palavra?

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado António Braga, pensava que já havíamos encerrado este assunto. Pede a palavra para que efeito?

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente, pela nossa parte, não gostaríamos de prolongá-lo, mas, simplesmente, o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho ofendeu a honra da minha bancada na prelecção que fez, tentando dizer coisas que gostaria de aclarar e de, defendendo a honra da minha bancada, poder demonstrar que ele não o fez como devia ter feito: galhardamente!

O Sr. José Magalhães (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, não pode a Mesa, de forma nenhuma, privá-lo de defender a honra da sua bancada.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Braga (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho padece de vícios antigos,-...

O Sr. José Magalhães (PS): - Padece, padece!

O Orador: - ... porque, em vez de perceber e de responder politicamente àquilo que foi suscitado pelo Governo quanto à urgência que tem nos seus diplomas e à dignida-

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de com que pretende tratar e respeitar a Assembleia da República, entendeu, no discurso do Sr. Secretário de Estado, e disse-o, um "recado ao PS". Nada mais injusto e inglório, Sr. Deputado!

O Sr. José Magalhães (PS): - E insultuoso! De intriga!

O Orador: - Isso era um vício do "cavaquismo"! O Sr. Deputado estava habituado a isso e não resistiu a dizer que eram "recados para o PS"!
Mais, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho: perceba que, nesta Assembleia da República, há um grupo parlamentar que apoia o Governo, que é o Grupo Parlamentar do Partido Socialista!

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - É?!...

O Orador: - Não há dúvidas sobre isso!
Mais ainda, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho: entenda que este grupo parlamentar apoia o Governo, na base de um contrato que tem com os eleitores portugueses e não de qualquer relação que tenha, boa ou má, com a oposição ou com o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho ou com o PSD. .

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Nessa medida, não há qualquer recado que o Governo nos mande, porque não manda!
O que aqui ouvimos dizer, e subscrevemos, é uma crítica em relação ao comportamento do PSD, que é errático, inconsequente, tentando permanentemente atrasar e arrastar os processos de decisão. É disso que se trata, Sr. Deputado! E a deliberação que foi tomada na Comissão de Educação é o exemplo claro e oportuno que demonstra essa tese, em absoluto contraditória com o seu próprio discurso aqui, na Assembleia da República.
Por isso, Sr. Deputado, para finalizar, entenda uma coisa simples: o Grupo Parlamentar do PS não recebe recados de ninguém, nem do seu grupo parlamentar, aliás, muito menos do seu grupo parlamentar. Mas pode contar com o Grupo Parlamentar do Partido Socialista para trabalhar conjuntamente com aqueles que o quiserem fazer nas grandes reformas de que o País precisa e que os senhores anunciam num dia, tão demagogicamente, para dizerem o contrário no outro.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para dar explicações, querendo, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho. Peço-lhe que se limite aos três minutos, para podermos passar ao ponto seguinte da nossa ordem de trabalhos.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Vou fazer o possível, Sr. Presidente.
Sr. Deputado António Braga, entendeu o Sr. Deputado que eu tinha ferido a honra da bancada do Partido Socialista,...

O Sr. António Braga (PS): - Por nos comparar à maioria do "PSD cavaquista"!

O Orador: - ... por evidenciar o complexo de estar a apoiar um partido que agora está no Governo. Nós nunca ficámos com complexos disso, aprendemos com os nossos erros!

Vozes do PS: - Não se nota!

O Orador: - Os senhores, possivelmente, aprendem pouco com o que fazem!

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Também fazem pouco!

O Orador: - Sr. Deputado, afastado que está que me imputava algum vício pessoal - cheguei a temer que me imputasse algum vício, mas não, afinal, eram vícios políticos antigos -, há um vício que não ternos, sobretudo daqueles que são mais importantes e que tocam, nomeadamente, com matérias de revisão constitucional: trata-se de matéria tão fundamental e importante que não foi a direcção partidária do PSD...

O Sr. Ministro da Presidência: - Vá por aí, vá...

O Orador: - ... que aprovou um acordo com o Partido Socialista...

O Sr. José Magalhães (PS): - Cuidado com o que vai dizer! Meça as suas palavras!

O Orador: - Se o Deputado José Magalhães tiver paciência para me ouvir,...

O Sr. José Magalhães (PS): - Tenho!

O Orador: irá corroborar aquilo que estou a dizer.
Foi justamente o Grupo Parlamentar do PSD que ratificou e aprovou um acordo constitucional com o Partido Socialista,...

O Sr. Ministro da Presidência: - Cuidado com as palavras!

O Orador: - ... mas, relativamente ao Partido Socialista, ainda hoje sabemos que foi a sua direcção nacional que aprovou esse acordo e não a direcção parlamentar ou o grupo parlamentar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Ministro da Presidência: - Cuidado com as palavras...!

O Orador: - Portanto, Sr. Deputado, em matéria de autonomia e de respeito pelo grupo parlamentar, estou eu, em nome do meu grupo parlamentar, de consciência bem tranquila.

O Sr. Luís Marques Mendes (PSD): - Escusavam de ter ouvido isto!

O Orador: - Em segundo lugar, Sr. Deputado, também ouvi, da sua parte, alguma insinuação quanto à boa

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fé do propósito, que aqui enunciei, de dar prioridade a todo o agendamento do Governo em matéria fundamental. Já agora, não se esqueça de referir que também disse que já desesperamos, desde há um ano e meio, que o Governo traga matérias fundamentais para apreciação da Câmara.

O Sr. José Magalhães (PS): - Quando chegam, os senhores não as querem!

O Orador: - Por isso, ainda bem que o Sr. Ministro enumerou algumas, mas, Sr. Deputado, não se esqueça do seguinte: se, porventura, o Governo esperou um ano e meio para fazer uma avalanche legislativa nesta Casa, não pode impedir-se de correr o risco de desautorizar um calendário anunciado pelo Sr. Ministro Adjunto quanto a uma previsível data para o referendo sobre a regionalização. Faça o Governo tudo o que estiver ao seu alcance para impedir que a Assembleia da República conclua o processo de revisão constitucional até ao final desta sessão legislativa e é a desautorização já não apenas do Sr. Ministro Adjunto mas de todo o Governo e do Partido Socialista, no que respeita a um referendo sobre a regionalização.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, passamos, então, ao ponto seguinte dos nossos trabalhos de hoje, que se traduz no tratamento de assuntos de interesse político relevante.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Moura e Silva.

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Importa desmistificar as responsabilidades acerca dos muitos problemas com que o Porto e o seu distrito há muito se deparam, apurar a verdadeira causa e penalizar politicamente os que muito falam e nada fazem.
Durante os Governos de Cavaco Silva, assistimos a uma errada política de estratégia de desenvolvimento para o distrito do Porto, sem critérios de prioridade de investimento ao nível de obras públicas de vulto, não só capazes de marcar uma época mas de servirem como pólos de iniciativa e estímulo para o sector privado. Em benefício não sabemos de que interesses, o Porto foi perdendo em qualidade de vida e em competitividade no seu sector produtivo, ao arrepio das populações que, ao longo dos anos, se têm comportado como trabalhadores dedicados e solidários com o País.
Aqueles, os socialistas, que durante esse período muito barafustaram, muito criticaram e muito agitaram procedem, com o Governo socialista, de igual modo, ou seja, submissos, quedos e mudos às atrocidades que ao Porto e ao seu distrito têm vindo a fazer.

O Sr. Pedro Baptista (PS): - O senhor é que é mudo!

O Orador: - O que mais preocupa o PP e as populações é que os ilustres senhores que conduzem as políticas socialistas do Norte limitaram a sua prioridade política à discussão com o PSD acerca de quem melhor posicionado está para ser o futuro presidente de uma região, que não se sabe se as populações querem e desejam.
Diziam que era preciso mudar de políticas. Hoje, percebemos que mudar de políticas não chega - é preciso mudar de políticos!
Gostaria de realçar alguns assuntos que me merecem especial destaque, não só pela sua grandeza mas também pela importância de que se revestem para o Porto e para a sua região.
Há cerca de seis anos que o famigerado metropolitano do Porto foi anunciado. Antes de mais, queremos realçar a importância, diria mesmo a vital importância, de que se reveste esta obra para a Área Metropolitana do Porto e para as suas gentes. Numa região com acessibilidades estranguladas, com um trânsito verdadeiramente caótico, sem uma planificação rodoviária, sem critério de Prioridade para os transportes públicos, é óbvio que cada dia de atraso no início de funcionamento do metropolitano do Porto constitui mais drama, mais horas perdidas em intermináveis filas de engarrafamento, que são também factores impeditivos do desenvolvimento da região.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Muito bem!

O Orador: - Ou seja, progresso, desenvolvimento e bem-estar vão sendo sucessivamente adiados. Urge pôr termo a esta tendência. É necessário dar ao Porto e à sua região o que merecem.
Admitir como demorada a viabilização de um projecto como este parece-me razoável, menos razoável me parece que muitos dos problemas tenham surgido por questões de conflitualidade político-partidária.
Já nos tínhamos habituado, com pena nossa, a verificar que o metropolitano do Porto permanecia estacionado na primeira estação administrativa e da querela.
Sabemos que não estão ainda garantidas as fontes de financiamento e que o Governo promete ajudar, mas não diz como nem quando.
Mas não bastava tudo isto: constata-se agora que o primeiro troço do metropolitano do Porto se situa entre o Porto e Bruxelas. Admitimos que terá "apeadeiro" em Lisboa, na sede do Ministério do Equipamento, Planeamento e Administração do Território...
Perguntamos: que problemas existem? Há ou não irregularidades no concurso? São infundadas as dúvidas quanto ao rigor e à transparência do processo e, consequentemente, quanto a alegadas violações do princípio da igualdade de tratamento? Assiste ou não razão às empresas excluídas da terceira, e última, fase do concurso? O PP exige saber! As populações exigem saber! Uma certeza parece existir: a de que haverá aumento de custos.
De muitos, mesmo muitos, problemas relacionados com o ambiente - tratamento de lixos domésticos e industriais, falta de rede de saneamento e ausência de uma solução para acabar de vez com os esgotos a céu aberto e impedir que os do Porto e Gaia tenham a "central de tratamentos no rio Douro" - podia aqui falar. Destaco, contudo, o problema surgido com a acumulação de escórias hospitalares nas unidades de saúde do Porto.

O Sr. José Calçada (PCP): - Uma vigarice!

O Orador: - Importa referir que, só no Hospital de Santo António, há cerca de 25 toneladas de escórias armazenadas em "bidões selados hermeticamente",...

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O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Uma vergonha!

O Orador: - ... as quais são o produto de laboração da incineradora desde Abril de 1996, quando foi inaugurada. E, como todos sabem, daí para cá, a Câmara Municipal do Porto deixou de recolher esses resíduos e a LIPOR de recebê-lo e tratá-los.
Algumas dúvidas têm sido colocadas acerca dos motivos que estão na origem do facto de a LIPOR ter interrompido um serviço que garantiu durante anos. De acordo com informações do Ministério do Ambiente e do Hospital de Santo António, esta posição da LIPOR aparece associada à decisão do Governo de abandonar os planos para a construção de uma incineradora de lixos hospitalares na região do Porto.
Esta posição parece-nos grave tanto mais quanto, de acordo com um protocolo assinado pelo Ministério da Saúde no tempo do Governo do Professor Cavaco Silva, a LIPOR ficaria responsável pela gestão do novo equipamento, que o Governo pagaria. Ao que parece a actual equipa do Ministério do Ambiente pôs de lado a incinerada como solução privilegiada para tratar resíduos hospitalares em favor de outras tecnologias.
Resultado: "zangam-se as comadres e sabe-se a verdade". Ou seja: um governo (o do passado) atribui; o outro (o presente) retira; a LIPOR zanga-se e fecha a porta; e os resíduos hospitalares amontoam-se sem que alguém se preocupe com os efeitos nefastos que daí advêm. Estamos fartos de "guerrinhas de bandeiras políticas". Peço-lhes ou, melhor, exijo que se deixem de falatórios e passem às acções.
Podia estar aqui por muito mais tempo afalar-vos dos inúmeros problemas com que se depara o distrito do Porto, mas quero, somente, tecer alguns comentários sobre alguns problemas que existem bem a norte do distrito.
Há vários anos atrás, o Governo, alegando falta de rentabilidade, encerrou, na denominada linha do Tâmega, o troço compreendido entre Amarante e Arco de Baúlhe. As populações manifestaram-se contra esta decisão, a CP disponibilizou alternativa rodoviária e o Governo prometeu construir uma variante à Estrada Nacional n.º 210, entre Amarante e Terras de Basto. Importa referir que esta obra, promessa de sucessivos governos, ainda não passou de mera intenção e de um abortado concurso.
Lamento a falta de cumprimento das promessas feitas e a pouca atenção e interesse que as autarquias têm dado a este problema.
Para quem como eu conhece a região, é angustiante assistir à degradação dos imóveis, digo estações e apeadeiros, sem que nada seja feito para a sua conservação e para disponibilizar esses imóveis ao serviço das autarquias, dos jovens e das populações que tão carenciados estão de espaços de cultura, recreio e de sedes para as suas colectividades e organizações. As populações já se cansaram de falsas promessas de viabilização da linha férrea para fins turísticos; já se habituaram e já não ligam às notícias de entretenimento acerca do projecto. É mesmo s6 "falar para inglês ver", como diz o nosso povo.
Mas refiro-me, ainda, à necessidade, urgente da construção da circular Amarante e Terras de Basto. Permitir o desenvolvimento de uma região completamente abandonada pelo poder político com características rurais e que tem assistido ao abandono dos seus filhos à procura de emprego noutras paragens, sabe-se lá em que condições, tem de ser considerado como prioridade das prioridades da acção política. Este povo, humilde e trabalhador, não pode ficar abandonado à sua sorte - que neste caso é de má sorte.
Realço ainda um problema surgido no Verão passado em Amarante com a falta de qualidade da água da rede pública. O rio Tâmega tanto serve de vazadouro para o saneamento como de captação de água para fornecimento da rede pública. A construção da barragem a sul de Amarante, no rio Tâmega, e a consequente paragem das águas provocaram o aparecimento de uma micro-alga venenosa que se activa com o calor. Inicialmente, os problemas surgiram no concelho de Marco de Canavezes e enquanto o seu presidente não se poupava a esforços para resolver o problema de forma perene, permitindo às populações de Marco de Canavezes o abastecimento de água nas melhores condições potáveis, os autarcas de Amarante ficaram indiferentes, convencidos de que o problema nunca seria seu. Ou seja: "trancas à porta depois de casa arrombada". Atitudes como esta, no mínimo, metem dó. Como resultado da inoperância dos autarcas de Amarante, as suas populações, no Verão passado, viram-se confrontadas com a necessidade de recorrer aos poucos contentores ou reservatórios dos bombeiros voluntários espalhados pela cidade. Lamentavelmente, imagem parecida com a que assistimos no terceiro mundo, ou seja, as populações em fila de recipiente na mão.
Importa interrogar: o novo Verão está aí e o que foi feito desde então? Que diligências estão a ser feitas junto do Ministério do Ambiente?
Termino dizendo que não me assiste qualquer sentimento bairrista, mais ou menos fanático, contra ninguém em particular nem contra nenhuma região, muito menos Lisboa, mas para ficarem com uma ideia da diferença de tratamentos lhes digo: se compararmos os distritos de Lisboa e Porto, verificamos que o primeiro tem apenas mais 400 mil habitantes que o segundo e beneficiou de uma dotação que corresponde quase ao triplo da que foi atribuída ao Porto, ou seja, 32 500$ per capita, no Porto, e, em Lisboa, 73 400$. Obviamente que nos interrogamos acerca dos critérios de distribuição territorial dos dinheiros públicos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Se com a distribuição dos dinheiros públicos o Governo levanta suspeições, como seria com a regionalização? Assim não c possível homogeneizar o desenvolvimento, nem implementar a justiça social. Não é por acaso que o distrito do Porto tem médias de desemprego superior às do todo nacional. Assim, não haverá unidade nacional. Será que querem reduzir o País a uma cidade?! Só em Portugal se vê tamanha redução do país! Aqui começa a mesquinhez do nosso espírito e é essa mesquinhez que mostramos ao mundo.
Como se podem argumentar razões para a realização da Expo 98 em Lisboa? Sem critérios rigorosos de custos, mesmo sendo uma obra de interesse nacional, que custos vai ter para todo o País? A intenção ou o valor acrescido das exposições internacionais não é precisamente o do desenvolvimento de outras cidades que não a capital? No

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país vizinho a Expo 92 ou os Jogos Olímpicos realizaram-se na capital? Claro que não!
O objectivo não é o de mostrar ao mundo que Vasco da Gama saiu do "Porto de Lisboa" mas, sim, o de lembrar ao mundo que Portugal foi em tempos um país bravo de navegadores e descobridores. E isto podia mostrar-se em Sagres ou em Moledo. Mas a Expo 98 já expôs publicamente como se pode, de sorriso nos lábios, brincar com milhões de contos. Pequenas quantias para pequenas pessoas! A Expo 98 já expôs publicamente o que entende o Governo por regionalização: uma Lisboa cada vez maior e com mais equipamento, talvez tão grande que lá caibam todos os portugueses. E assim se realizará a velha máxima: "Lisboa é Portugal e o resto é paisagem".

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Baptista.

O Sr. Pedro Baptista (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Moura e Silva, em primeiro lugar quero esclarecer muito claramente que, ao contrário de outros Deputados, de outros partidos, que já tiveram maiorias absolutas e já foram governo, os Deputados socialistas, como todos os socialistas, sejam aqueles que estão na Federação Distrital do Porto sejam aqueles que executam cargos nas autarquias do Porto, tal como os Deputados socialistas que estão aqui nesta Câmara, têm mostrado muito claramente que não são mudos...

Vozes do CDS-PP: - Surdo!

Risos gerais.

O Orador: - Têm toda a razão. Sim, sim, claro que queria dizer surdo. Se fosse mudo não me faria ouvir por VV. Ex.as e não teria provocado esta vossa reacção, que ouvi por não ser surdo.
Assim, e retomando o fio à meada, o que é certo é que os socialistas do Porto não são surdos, nem mudos, nem estão quedos e, por isso, não preciso de estar a demonstrar as atitudes que constantemente têm tomado em defesa da sua região.
No entanto, gostaria que o Sr. Deputado Moura e Silva tivesse vindo aqui falar do Metro do Porto ou do problema da CP em relação à região do Tâmega, mas que o tivesse feito numa perspectiva mais positiva, mais compreensiva em relação aos interesses da própria região e do Porto.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Mas nós não somos governo, somos oposição!

O Orador: - É porque V. Ex.ª sabe muito bem que os problemas levantados contra o Metropolitano do Porto resultam de protestos por parte de quem não ganhou os concursos. Esses são processos absolutamente normais, estão na lei, e é perfeitamente normal que antes de o metropolitano chegar à Trofa, a Matosinhos e a Santo Ovídio tenha de passar por Bruxelas.

Vozes do PSD: - Onde você já vai!

O Orador: - Acho que V. Ex.ª está a fazer um aproveitamento demagógico até porque estou convencido de que em breve V. Ex.ª me acompanhará numa viagem no Metropolitano do Porto,...

Risos do PSD.

... mesmo que o Dr. Menezes do PSD não seja capaz de ver esse passeio que vai ser feito.
Da mesma forma quero dizer ao Sr. Deputado, embora não tenha tempo...

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - De facto não tem tempo, faça favor de concluir.

O Orador: - Termino de imediato, Sr. Presidente.
Quero dizer-lhe que em relação à CP comungo das suas preocupações porque também conheço o drama de Arco de Baúlhe e estou perfeitamente convencido de que, numa perspectiva de modernização, o Governo do Partido Socialista saberá resolver os problemas causados pelo Governo do Partido Social-Democrata.

Risos do PSD.

Finalmente, Sr. Deputado Moura e Silva, quero dizer-Ihe que gostei muito de ouvir as suas preocupações regionalistas e muito mais gostaria que V. Ex.ª tomasse contra a direcção do seu partido uma posição claramente ao nosso lado a favor da regionalização.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para responder ao pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Moura e Silva.

O Sr. Moura e Silva (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Pedro Baptista, agradeço as suas perguntas, mas confesso que fiquei um pouco decepcionado pois esperava que o Sr. Deputado se associasse aos problemas que aqui levantei e que de alguma forma se disponibilizasse para ajudar a combatê-los ou, pelo menos, a atenuá-los ou resolvê-los parcialmente. Infelizmente isso não aconteceu c daí a minha decepção e o meu lamento.
Falou do Metro do Porto?

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Do "Centímetro"!...

O Sr. Artur Penedos (PS): - Isso é para o PP.

O Orador: - Sr. Deputado, o senhor sabe, como eu, que há um processo de impugnação junto do Tribunal Europeu; que foram pedidas explicações ao Sr. Ministro João Cravinho e que até hoje não conhecemos a resposta. O que sabemos é que 60 milhões de contos, que constituem quase 50% do seu financiamento, estão suspensos e isso é que é importante aqui realçar - e, mais, com o aval do Estado!...
Porém, estou de acordo consigo quando diz que cada dia de atraso no início do funcionamento do Metro do Porto constitui mais drama para as populações do Porto e

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constitui de certa forma mais um entrave ao desenvolvimento daquela região. 

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Orador: - Em relação à linha do Tâmega ninguém fica mais chocado do que eu quando passo por aquelas zonas e assisto à degradação constante dos espaços sem que algo seja feito para o impedir. Admito que as autarquias tenham algumas dificuldades em resolver o problema, mas importa levantar a nossa voz em defesa de quem sofre naquela zona, lá, longe do poder. Mas infelizmente, tenho que dizê-lo, só assistimos a conferências de imprensa para alimentar as guerrinhas políticas, quando o que importa é que cada um de nós se ponha ao lado dos problemas que as pessoas sentem e ajude a resolvê-los ou atenuá-los.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, o tempo de que dispunha esgotou-se, queira terminar.

O Orador: - Sr. Presidente, só para terminar, gostaria de dizer que me identifico com a linha de orientação do meu partido e respeito aquilo que foi a decisão majoritária do meu partido.

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A ineficácia do sistema educativo é patente e não é de agora. E a circunstância desta ser uma constatação generalizável a um grande número de países talvez dê razão aos que reconhecem nela o reflexo de uma enorme complexidade de problemas, eventualmente mesmo de natureza civilizacional. Mas o que é preocupante é que ao centrarmos no sistema educativo a discussão destas questões, não nos damos conta de que a sua génese ameaça muito mais do que a eficácia e a justificação social da escola, minando paulatinamente os valores e os padrões de referência que balizam a nossa cultura e o sentido de intervenção cívica que caracterizou os momentos mais auspiciosos da nossa História.
Dois artigos recentes da Professora Maria Filomena Mónica lançaram, como ciclicamente acontece no pais, a discussão apaixonada sobre uma série de epifenómenos educacionais: exames, manuais, programas e normas de avaliação. A particularidade, desta feita, reside no facto de o discurso vir de uma mulher de esquerda, que o organiza numa lógica que muitos rotulam de direita passadista. Por mim, tenho-os por criteriosos e certeiros, ainda que me não colham surpreendido. O seu mérito reside na sinopse conseguida sobre o que tem sido o "bacoquismo" nacional face às modas pedagógicas que nos invadiram e à submissão, que é antiga e contínua, a posições tutelares, quer de natureza sindical quer de ordem corporativa ou pseudo-científica. O debate educativo em Portugal tem sido monopolizado por defensores de teorias niilistas, que levam a degradação do ensino a limites insustentáveis, caracterizado por uma submissão do poder político e respectiva capacidade de decisão a estruturas sindicais de representatividade duvidosa e norteado doutrinariamente por essa espécie híbrida dos cientistas da educação. propagandistas da aprendizagem sem esforço, coveiros da mística do estudo, detractores da  disciplina pedagógica. defensores da massificação da mediocridade, em nome da democratização utópica.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Decorreu suficiente tempo para ser hoje claro o sentido da paixão pela Educação deste Governo. No seu programa, melhor, nas três páginas a que nesse programa se circunscreveu a Educação Nacional, não constavam mais que enunciados genéricos, meramente retóricos. Temos hoje autoridade para constatar que dali não brotou uma s6 medida eficaz, prenunciadora de qualquer alteração de fundo. E o problema que se coloca ao País é de uma restruturação profunda que, necessariamente, tem que ser dolorosa. A título meramente paradigmático, permitam-me que vos confronte com uma sucessão de tópicos, que mais não se compadece com a escassez do tempo consignado a esta intervenção.
Assim, é inquestionável que Portugal já gasta com a Educação uma percentagem do PB superior à de alguns países mais ricos; é inquestionável que o crescimento dessa percentagem não pode continuar, pois que é minha convicção que o resultado que oferecemos ao País, depois de aplicados os cerca de mil milhões de contos do Orçamento do Estado, é fraquíssimo e não justifica minimamente o esforço financeiro dos portugueses que pagam impostos. Torna-se, pois, imperioso promover uma reengenharia do sistema que assente em modernos modelos de análise custo-benefício. Nenhuma organização está hoje adequada às regras emergentes das sociedades abertas quando tem comprometido com pagamento de salários quase 90% do seu orçamento.
A Educação tem de ser desfuncionalizada. Doa a quem doer, os serviços administrativos tem de ser acordados da letargia em que vivem, pelo extermínio do pesadelo burocrático que constituem.
A Inspecção-Geral de Educação é uma miragem; a avaliação educacional é um mito. Nenhuma instituição progride hoje sem um órgão eficaz de supervisão, avaliação e controlo. Estamos cansados de ver protelar, com argumentos falaciosos, a avaliação do desempenho dos docentes e a avaliação institucional das escolas e dos serviços. Chega de paliativos e de adiar a tomada de decisões com o esgrimir da complexidade do problema. Os juizes são avaliados, os médicos são avaliados, os professores também têm de ser avaliados. E todas as avaliações tem de ser consequentes, isto é, devem produzir efeitos na gestão do sistema.
Por paradigmáticos, atente-se em resultados recentemente vindos a público e originários da Comissão Externa de Avaliação dos Cursos de Física: 85% dos alunos que frequentam as licenciaturas respectivas, nas 12 Universidades que as ministram, estão nos dois primeiros anos de ensino; por referência ao' número de entrada, são menos de 50% aqueles que conseguem licenciar-se, mas, mesmo assim, consomem, em média, mais de 30% do tempo nor-

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mal. Nestes cursos, a média das notas das provas específicas de matemática é inferior a seis valores!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao ensino superior todos os cidadãos devem ter acesso, mas o Estado só deve financiar os que não tenham recursos para tal e aproveitem o esforço da colectividade. São escandalosos os índices de repetência. Será igualmente escandaloso se os anunciados empréstimos para financiar estudantes de parcos recursos não tiverem um carácter reembolsável e não forem rigorosamente condicionados pelo aproveitamento dos estudantes. Assim se faz nos EUA, apesar do seu rendimento per capita ser cerca de seis vezes superior ao nosso. É escandaloso o sobre financiamento do ensino superior em detrimento do básico e do pré-escolar, verdadeiramente os níveis de frequência universal e, logo, potencialmente mais democratizantes. O ensino superior é um ensino de elites. Tenhamos coragem de reconhecê-lo, sem preconceitos. Esta é 'a realidade. O corporativismo dos universitários é indesejável ao desenvolvimento do País e como tal deve ser encarado.
Ciclicamente preclodida pela demagogia eleitoralista em que este Governo tem vivido, a definição de uma propina única, como recentemente foi anunciado, é imoral, injusta, iníqua e irresponsável. Carregando o fardo preconceituoso de uma esquerda igualitária, este Governo e o partido que o suporta foram incapazes de romper com a obsessão que os caracteriza. Não nos iludamos: a serviços diferentes devem corresponder preços diferentes. A Universidade portuguesa só se revigora quando a sua autonomia for mais do que figura de retórica. E isso terá de traduzir-se em propinas diferenciadas.
Que desilusão, Sr. Presidente e Srs. Deputados depois de tanto tempo de tabu!
Já que estamos no subsistema do ensino superior e de paradigmas nos ocupamos, permitam-me que vos relembre que é inaceitável, por recurso a simples critérios de bom senso, a demagogia que grassa no acesso ao ensino superior. É sabido que a quantidade nunca gerou a qualidade. Mas temos os Magníficos Reitores tolhidos pelo receio de as suas Universidades ficarem com bancos por ocupar. O que acabou por ser decidido neste quadro não é mais do que a retoma do velho estilo burocrático, que tudo finge mudar para tudo deixar na mesma. Sabe alguém qual a nota mínima para entrar nas Universidades? Dizem que é 10. Pois eu digo que não! Só depois das provas classificadas e aplicadas as manipulações estatísticas previstas se saberá qual é a nota mínima. E, teoricamente, esta nota pode descer até zero, bastaria para tanto que uma determinada quantidade de candidatos entregasse as suas provas em branco. Tanto engenho até merecia esta resposta dos estudantes portugueses, assim eles tivessem a necessária capacidade de organização.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os portugueses que pagam impostos, na fictícia hipótese de lhes ser outorgada capacidade de decisão, aceitariam este estado de coisas? Não me assiste qualquer dúvida - a resposta seria um rotundo não! Só insanos admitem a uma licenciatura alunos que, nas respectivas nucleares, valem 4, 3, 2, ou 0. Mas é assim em Portugal, no dealbar do terceiro milénio. No exemplo atrás citado, dos cursos de Física, os avaliadores sublinham no seu relatório que a situação tem piorado nos últimos anos, exactamente aqueles que coincidem com os da aplicação da famigerada reforma em curso.
Seria gratificante ouvir o Sr. Ministro da Educação afirmar, como afirma, que a educação básica deve ensinar a ler, a escrever e a contar se, do mesmo passo, o víssemos intervir na ineficácia dos modelos de formação inicial de docentes. Daqui o convido a uma análise criteriosa dos curricula para que constate que o que lhes sobra em simplismo das chamadas ciências da educação lhes falta em instrumentos práticos que confiram aos jovens mestres a competência para ensinar o que preocupa, aparentemente, o Sr. Ministro: a ler, a contar e a escrever. E digo aparentemente porque se a preocupação do Sr. Ministro fosse para tomar a sério não o teríamos a propor, como fez, que os bacharelatos passassem para dois anos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Falei-vos de posturas niilistas na nossa escola, circunstância em que fomos antecedidos por outros, que nos acompanham também na constatação da crise vivida pelos sistemas educativos. Uma recente avaliação, levada a cabo em 41 países e numa amostra de 300 000 estudantes, sobre o ensino das ciências nas escolas, coloca os asiáticos (Singapura, Coreia do Sul e Japão) na cabeça da lista de proficiência, enquanto a vetusta França, por exemplo, não passa da 28.ª posição - claro que Portugal não consta sequer deste estudo! Valerá a pena reflectir sobre a eventual relação existente entre este facto e a explosão económica dos referidos países. Os que nos antecederam no niilismo já promoveram essa reflexão e já a abandonaram. É isso que nos diferencia deles. Também aqui, com a origem insuspeita da "maternidade" da Sr.ª Secretária de Estado da Inovação Educacional, se produziu, há bem pouco, um estudo que alarmou o País por concluir sobre a profunda iliteracia das nossas gentes. Resumiu-a a Sr.ª Secretária de Estado em livro, enquanto investigadora, mostrando-nos que mais de 80% dos portugueses são incapazes de preencher o mais simples dos impressos. O que não conhecemos são as medidas de política que a governante tenha então tomado para inflectir, com eficácia, a situação que ajudou a denunciar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Calçada (PCP): - Distribui impressos...

O Orador: - Chegou a hora de reagirmos: basta de reforma; procedamos à contra-reforma! É o futuro que o exige, é Portugal que o reclama!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr.ªs Deputadas e Srs. Deputados, temos de passar agora ao tema dos votos. Com a palavra reservada para amanhã, para o período antes da ordem do dia, fica o Sr. Deputado Paulo Pereira Coelho, a quem agradeço a compreensão pelo adiamento porque, de outra forma, não cumprimos o calendário dos nossos trabalhos de hoje.
O primeiro dos votos que se encontra pendente de apreciação da Assembleia da República é oriundo do CDS-PP, mas, entretanto, a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto fez saber à Mesa que requeria o adiamento da discussão deste voto, de protesto, formulado pelo CDS-PP, relativamente à questão do aval concedido à UGT. Sr. Deputado Nuno Abecasis, confirma esse requerimento?

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O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, de facto, isso deveu-se ao grande acumular de assuntos nesta primeira parte da reunião e a haver coisas agendadas, que são urgentes.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Penedos.

O Sr. Artur Penedos (PS): - Sr. Presidente, a informação que me foi dada pela Mesa era no senado de que a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto iria pedir consenso às bancadas para retirar ou para adiar a votação deste voto n.º 66/VII. Desejaria saber se a Mesa vai ou não consultar as bancadas no sentido de saber se há ou não consenso para esse efeito.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado Artur Penedos, a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto deu a informação à Mesa de que iria pedir a palavra para solicitar às bancadas que se consensualizasse o adiamento da apreciação deste assunto. Simplesmente, a Sr.ª Deputada, neste momento, não está presente e o que podemos saber da bancada do CDS-PP foi aquilo que acabámos de ouvir, pelo não vale a pena estarmos a perder mais tempo com esta matéria.
Vamos passar ao voto seguinte, o voto n.º 67/VII De protesto pela venda de aviões militares ingleses à Indonésia, proposto pelo PCP. Para fazer a respectiva apresentação, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O nosso é um voto a que posso chamar muito singelo, mas que nos parece ter particular significado, desde logo porque se prende com a situação, indirectamente embora, do povo de Timor Leste. Como é sabido (se me permitem um ligeiro intróito), a Inglaterra - ou, agora, o Reino Unido - é tradicionalmente considerada como a mais antiga democracia representativa do mundo desde a Magna Carta, e apresenta particularidades muito interessantes nesse domínio tendo em conta que não possui sequer aquilo a que se pode chamar uma Constituição escrita. É, portanto, um Estado com um conjunto de países em que o Direito consuetudinário apresenta uma força muito particular desde sempre e onde, com frequência, incidentes que, noutros países, seriam considerados como menores acabam, não raramente, por constituir jurisprudência. Daí, exactamente, a particular importância que alguns incidentes que noutros países, eventualmente, não assumiriam esse foro, assumem no caso do Reino Unido e, nesta situação concreta, de Inglaterra.
Ora, a questão que aqui nos traz tem a ver com a prisão recente de activistas dos direitos humanos pelo povo de Timor, efectuada pela polícia inglesa, - repetindo uma actuação que já tinha acontecido em Julho do ano anterior. Nessa altura (e isso consta do nosso voto de protesto), os activistas presos, que protestavam pela venda de armas da Inglaterra à Indonésia, acabaram por ser julgados em tribunal, tendo-os o juiz mandado em paz "porque tinham infringido a lei para se oporem a um crime mais grave - o genocídio do povo timorense". Parece-nos particularmente interessante esta observação de um tribunal inglês e parece-nos que o mínimo que poderíamos fazer em sede da Assembleia da República era não sermos insensíveis a esta situação.
É dentro deste quadro que, relativamente, a uma recente prisão de quatro mulheres que protestavam junto de uma fábrica de material de guerra que exporta aviões para a Indonésia, o nosso voto de protesto incide contra a venda de aviões militares ingleses à Indonésia, por um lado, e, por outro lado, tem o sentido de nos solidarizarmos com os activistas de direitos humanos em relação à luta do povo de Timor Leste. É este o sentido, perfeitamente claro e que nos parece escorreito, com que queremos apresentar o nosso voto.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. António Braga (PS): - Isto é a parte esclarecida do PCP! Só lhe faltou fazer a citação em inglês!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Cada um dos partidos dispõe de três minutos para se pronunciar sobre este voto de protesto. Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PP, como é evidente, apoia, e apoia com convicção, o voto de protesto que acaba de ser apresentado pelo PCP. Nem outra coisa teria sentido quando esta Assembleia, este país e todas as suas forças políticas têm um grau de unanimidade tão grande em volta dos problemas que se referem a Timor e à sua autodeterminação. É evidente que não pode ser-nos indiferente que qualquer país, e muito menos um país amigo, com quem temos alianças de longos séculos, se entretenha (e eu digo entretenha porque nem sequer estou convencido de que isso tenha um grande significado económico) a vender armas de guerra, destruidoras, que até sabemos que, senão em Timor pelos menos noutros pontos da Indonésia, têm sido utilizadas para reprimir os líderes e os legítimos anseios das populações. De facto, não é este o caminho. Penso que não podemos ser muito rigorosos com determinados países do mundo, exigindo que ninguém lhes venda armas, e depois vendermos armas a outros que fazem as mesmas ou piores atrocidades que os primeiros. Aqui, Sr. Presidente, como estamos numa assembleia portuguesa, direi que "ou comem todos ou não come ninguém"! E nós estamos desse lado. Por isso, damos o nosso voto positivo a este protesto que aqui é apresentado.
. Faço apenas uma nota: é que não sei se se trata de activistas dos direitos humanos, porque esta designação tem um endereço específico e eu, quando estou a defender os direitos dos timorenses, e muitas vezes o tenho feito na própria rua, não sei se posso classificar-me como um activistas dos direitos humanos nem sei se serei assim classificado por outros. O que sei é que, neste caso concreto, foram timorenses - timorenses que defenderam os seus direitos, timorenses que têm um estatuto de cidadãos portugueses em Inglaterra e que, por causa de defenderem os seus direitos e de defenderem aquilo que as próprias Nações Unidas defendem, são presos! Isto é inadmissível! Penso que isto é mais relevante do que serem quaisquer outros activistas da defesa dos direitos humanos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

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O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, apenas uma curta declaração para manifestarmos a nossa posição de que votaremos favoravelmente este voto de protesto apresentado pelo PCP. Não quero deixar de salientar que esta falta ocorre num país com o qual temos laços de profunda amizade e que é um exemplo de democracia no mundo. Gostaria também de salientar o seguinte: no corpo do protesto, preferia ter visto uma solidariedade com os timorenses que protestaram e com todos aqueles que os acompanharam do que propriamente esta singela declaração de solidariedade com os activistas de direitos humanos que se manifestaram no Reino Unido. De qualquer forma, é um pormenor que saliento apenas para chamar a atenção dos redactores e que não constitui motivo suficiente para não votar favoravelmente, mas teria sido mais feliz uma referência aos timorenses e àqueles que os acompanharam neste protesto.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, a posição do PSD é, evidentemente, semelhante à dos outros grupos parlamentares. Vamos aprovar este voto de protesto não tanto porque, como alguém referiu, há entre nós uma unanimidade em defesa de Timor mas porque se trata de instrumentos que podem consubstanciar novas violações dos direitos do povo timorense, em especial, e dos direitos do Homem, em geral. É um dos grandes problemas que se colocam à consciência das democracias do nosso século, nomeadamente aos países da Europa, esta prática de inversão de valores que acontece e que não ignoro que acontece também noutros países e aqui gostaria de generalizar porque, ao contrário do que alguns entenderam, não vejo que seja mais grave ser feito pela Inglaterra ou ser feito por qualquer outro país da Europa. Não sei quem é que deu a entender isso mas eu julgo que a gravidade é exactamente a mesma. Quando há uma violação dos Direitos do Homem, o facto de ser um antigo aliado ou outra coisa qualquer não é suficiente para classificar de mais grave uma violação dos Direitos do Homem. O que é grave, em si, é a inversão de valores que consiste em pôr interesses económicos, que resultam de venda de armas, à frente dos direitos da pessoa.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Entendamo-nos nesse ponto. Parece-me, aliás, haver agora uma concordância generalizada a esse respeito. No entanto, não queria deixar de referir que este voto contém - aliás, isso foi sublinhado pelos proponentes - um elogio ao sistema democrático inglês.

O Sr. José Calçada (PCP): - É melhor do que a ditadura indonésia!

O Orador: - No fundo, há este paradoxo de um sistema que leva à violação dos direitos humanos, do povo timorense, mas, ao mesmo tempo, o tribunal, com rapidez - e sublinho com rapidez -, dá a sentença lapidar e justíssima, mostrando que o tribunal inglês tem consciência da hierarquia dos valores. Eles infringiram uma lei menor para não se oporem a uma lei muito superior, que é a lei da protecção dos direitos da pessoa, e para se oporem a um crime mais grave. Por isso, foram absolvidos.
Finalmente, quanto à questão dos "activistas" - e eu e alguns Colegas aqui da bancada também já tínhamos referido isso -, não sei se o Grupo Parlamentar do PCP não quereria, pura e simplesmente, retirar esta palavra, uma vez que o problema não é serem ou não activistas dos direitos humanos. Tenho, aliás, o maior respeito pelas pessoas que se auto-intitulam, ou que alguém os intitula, activistas dos direitos humanos, mas acho que devíamos solidarizar-mo-nos com todos, activistas ou não, os que se manifestam contra esta venda e pela defesa dos Direitos do Homem em geral.
Com todo o respeito que me merecem os activistas e não sei quem é que dá essa qualificação -, todas as pessoas que protestam contra as violações dos Direitos do Homem, sejam ou não activistas, merecem igual respeito e igual acessibilidade. Com certeza que estarão de acordo connosco.
Tirando isso, a palavra "activista" aqui no texto parece-me excessiva, porque não sei se os timorenses que foram perseguidos e presos eram ou não activistas, ou se era um e o outro não, mas ë evidente que todos merecem a nossa solidariedade.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Queira concluir, Sr. Deputado

O Orador: - Para concluir, Sr. Presidente, no essencial, aprovaremos este voto porque somos coerentes com a nossa postura. Os Direitos do Homem estão acima e têm de estar acima de todas as outras considerações.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero dizer tão-só, em nome de Os Verdes, que apoiamos totalmente este voto de protesto. Ele nasce de um direito e de uma acção, que são extremamente importantes, de cidadãos em defesa da vida, da paz e de um povo, que é vítima de genocídio. Ele nasce daquilo que é o paradoxo dos que se afirmam em defesa desses direitos ao serem reprimidos por uma lei absurda e por fazerem ouvir o seu protesto e dos interessei economicistas que se sobrepõem à defesa desses valores, neste caso, vendendo armas.
Portanto, subscrevemos inteiramente este voto. De outro modo, não poderia ser entendido por qualquer destes grupos parlamentares, porque ele traduz a solidariedade em relação ao povo de Timor Leste, traduz a denúncia da hipocrisia daqueles que sobrepõem aos direitos da vida e aos direitos da paz outros interesses, neste caso, economicistas e belicistas.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

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O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de dizer que - e alguns Srs. Deputados já se referiram ao assunto - só por mero lapso, na parte do voto propriamente dito, não aparece a palavra "timorenses", à excepção, logo no primeiro parágrafo, da prisão de "estudantes timorenses".
Por conseguinte, se houvesse, aceitação por parte de todos os grupos parlamentares e da Mesa, proporíamos que se acrescentasse essa palavra ao texto: "A Assembleia da República protesta vivamente contra a venda de aviões militares ingleses à Indonésia e solidariza-se com os "timorenses" e os activistas dos direitos humanos (...)". De facto, foi por mero lapso que não se fez a referência aos timorenses no voto propriamente dito.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Sr. Deputado, não vejo que haja qualquer objecção por parte dos grupos parlamentares. Assim sendo, vamos votar este voto de protesto, com a modificação que o Sr. Deputado Octávio Teixeira acabou de fazer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Passamos à apreciação do voto n.º 68/VII - De congratulação pela reconciliação nacional em Angola no momento em que toma posse a Assembleia Nacional e é formado o Governo de Unidade e Reconciliação Nacional, apresentado pelo PSD.
Para apresentar o voto, no tempo regimental de três minutos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, o PSD, quando governo, teve o privilégio de, ao interpretar o interesse nacional, criar as condições que permitiram, em relação ao Estado angolano, a normalização das relações Estado a Estado, o fim da guerra, o apoio ou caminho para a democracia, a realização das eleições e a reconciliação entre o povo angolano.
É por esse conjunto de motivos que apresentamos este voto, no momento particularmente significativo e simbólico em que a Assembleia Nacional angolana toma posse e o Governo de Reconstrução e Unidade é constituído e toma também posse perante ela.
Consideramos que tudo isto é um bom augúrio para o povo angolano a que o Parlamento português não pode ficar indiferente.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

Orador: - A partir deste momento é mais verdade e penso que todos os portugueses, sem distinção de partidos, deveriam estar unidos nesta consideração: os países de expressão portuguesa em África são, no seu conjunto, um exemplo de um bom caminho. É por todas estas razões, sendo a paz irreversível em Angola, sendo a reconciliação absolutamente indispensável e sendo o fim da guerra, que aquele país conhece há mais de 30 anos, absolutamente capital para o futuro de Angola, que estamos aqui a apresentar este voto, num acto solidário do Parlamento português.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não é pelas mesmas razões mas é exactamente pelas razões contrárias às que foram aqui invocadas pela bancada do PSD que o meu partido gostaria de lembrar este acontecimento importante para a vida da Nação angolana e dos angolanos.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

A Oradora: - Pensamos que é muito triste que seja saudado aqui aquilo que pode ser o primeiro passo efectivo para um futuro de paz de nove ou 10 milhões de irmãos nossos com aquelas razões. Porque não são aquelas razões. Quem acompanhou de perto a história de Angola - e eu acompanhei -, de um lado e do outro, sabe bem como é difícil um povo crescer na sua independência; como é difícil um povo de guerrilheiros que, de um lado e de outro, lutou pela sua sobrevivência, pousar as armas; como é difícil sobreviver à concentração urbana; como é difícil sobreviver à desertificação dos campos e como é difícil viver em nações e países onde todos os sistemas são quebrados.
Por isso, é em nome deste enorme sofrimento do povo angolano de ambos os lados, do grande esforço que eles fizeram para pousar essas armas e por esta tentativa de paz - que esperamos que seja muito sucedida - que a minha bancada se solidariza. Não se solidariza com rigorosamente mais nada!

Aplausos do CDS-PP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para se pronunciar sobre a mesma matéria, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Baptista.

O Sr. Pedro Baptista (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, também eu poderia entrar em polémica com o Sr. Deputado Carlos Encarnação em relação ao aproveitamento político-partidário que fez pela forma como introduziu a sua intervenção, mas a bem de um outro sentido de Estado não o vou fazer.

O Sr. António Braga (PS): - Muito bem!

O Orador: - Não o vou fazer e vou apenas dizer que a bancada do Partido Socialista dá o seu apoio ao voto de congratulação apresentado.
Com efeito, hoje, dia da tomada de posse da Assembleia Nacional angolana e da institucionalização da reconciliação nacional, é um grande dia, que perspectiva tempos promissores para o sucesso de um longo processo de paz em Angola, tanto mais importante quanto o povo angolano merece essa paz e dela necessita para, definitivamente, encetar os processos de desenvolvimento e de consolidação da democracia, face aos quais nós, portugueses, não podemos deixar de nos sentir especialmente' solidários.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Também para se pronunciar sobre o mesmo assunto, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome do Grupo Parlamentar do PCP, quero afirmar que votaremos favoravelmente o voto de congratulação aqui apresentado, com o sentido de que se vive um momento histórico no processo angolano, um momento que tardava, que deixou muitas feridas e que também teve responsáveis. Mas não se trata agora de apurar responsabilidades, trata-se de construir um futuro melhor para o povo angolano, para a paz em África e em todo o mundo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, quero dizer tão-só que nos associamos e votaremos favoravelmente este voto, na convicção profunda de que o momento que hoje se assinala corresponda ao início de uma nova etapa para o povo; angolano, ao início da paz, ao fim do sofrimento, ao fim da guerra, na convicção e na esperança de que seja o início de um processo de construção que, julgo, por demais o povo angolano anseia.
É nessa esperança e nessa convicção que subscrevemos inteiramente este voto.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Vamos, pois, proceder à votação do voto n.º 68 /VII - De congratulação pela reconciliação nacional em Angola no momento em que toma posse a Assembleia Nacional e é formado o Governo de Unidade e Reconciliação Nacional, apresentado pelo PSD.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Para interpelar a Mesa, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.ª Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): - Sr. Presidente, o Partido Popular solicita o adiamento do voto n.º 66/VII, de protesto pelo aval concedido pelo Governo à UGT, para a próxima semana, uma vez que tomou conhecimento que o Sr. Ministro das Finanças vem à Comissão de Economia, Finanças e Plano falar exactamente sobre este tema, na próxima sexta-feira, podendo mesmo deixar de ser oportuno a apresentação do voto de protesto.

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - A Mesa tomou nota da sua declaração, Sr.ª Deputada.
Quanto aos votos apresentados e votados será dado o encaminhamento habitual. Quando envolvem potências estrangeiras é feita a respectiva comunicação às embaixadas dos países em causa,.
Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

Eram 18 horas e 10 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente (Mota Amaral): - Srs. Deputados, vamos dar início à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.º`128/VII - Atribui à iniciativa dos cidadãos o poder de propor a realização de consultas locais (PCP), 237/VII - Altera a Lei n.º 49/90, de 24 de Agosto (Consultas directas aos cidadãos eleitores a nível local) (PSD), 303/VII - Altera a Lei n.º 49/90, de 24 de Agosto, que estabelece o regime de consultas directas aos cidadãos eleitores a nível local (PS) e 304/VII - Altera a Lei n.º 49/90, de 24 de Agosto, relativa às consultas directas aos cidadãos (CDS-PP).

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente João Amaral.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Por força da Lei n.º 49/90, de 24 de Agosto, apenas as assembleias ou os órgãos executivos da autarquia, ou um terço dos membros das assembleias ou dos órgãos executivos da autarquia em efectividade de funções podem assumir a iniciativa de apresentar propostas sobre a realização de consultas locais.
No essencial, o que agora pretendemos com a apresentação do nosso projecto de lei de lei n.º 128/VII é que, para além das entidades atrás referidas, possam também tomar a iniciativa de propor a realização de consultas locais os cidadãos eleitores da área da respectiva autarquia local, não podendo a proposta ser apresentada por menos de 1/10 dos eleitores recenseados na área da respectiva autarquia, não sendo, no entanto, em nenhum caso, exigível um número de proponentes superior a 5000 cidadãos eleitores.
Entendemos estes números como sensatos e razoáveis, politicamente e quantitativamente, sob pena de, se mais restritivos fossem, esvaziarem de sentido útil o próprio conteúdo do nosso projecto de lei. Não pretendemos montar um simples cenário de aparências, simulando dar aos cidadãos com uma das mãos aquilo que, afinal, se lhes retiraria com a outra.
Se se visa, como é o caso do nosso projecto de lei, garantir o acesso dos cidadãos ao exercício do poder político local, facultando-lhes um instrumento para suscitarem uma tomada de decisão sobre determinada matéria com plena eficácia jurídica, mal seria que tal se fizesse em termos tais que, na prática, viessem a anular essa faculdade.
Como expressão que são da democracia participativa, as formas de intervenção dos cidadãos nas actividades da Administração Pública e no próprio exercício do poder político, nomeadamente do poder político local, devem ser estimuladas e reforçadas. É dentro deste entendimento aliás, que, para o artigo 241.º da Constituição da República e em sede da Comissão Eventual para a Revisão da Constituição, foi possível, até ao momento, atingir-se a seguinte sugestão de redacção: "As autarquias locais podem submeter a referendo dos respectivos cidadãos eleitores matérias incluídas nas suas atribuições, nos casos, nos termos e com a eficácia que a lei estabelecer, a qual pode

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admitir a iniciativa dos cidadãos eleitores". Aliás, se bem que circunstancialmente, esta redacção é exemplar, pela positiva, das potencialidades institucionais de um funcionamento, política e eticamente sério, da Comissão Eventual para a Revisão da Constituição e, por contraste, torna ainda mais saliente e condenável o negócio global engendrado pelos estados-maiores do PS e do PSD em matéria de revisão constitucional, à revelia desta Assembleia, à revelia da respectiva Comissão, à revelia ainda da generalidade dos Deputados dos seus grupos parlamentares e contrariando frontalmente compromissos eleitorais e programáticos do Sr. Engenheiro Guterres e do seu Governo.
Aqueles que dizem pretender a vivificação da democracia representativa através de formas de reforço da participação do cidadão pela via da democracia directa, não podem, por outro lado, subverter princípios e práticas fundamentais de representatividade até agora consagrados na Constituição da República. Tal comportamento, no mínimo, levar-nos-ia a olhar com justificada suspeição os seus esforços com vista ao reforço da democracia directa, esforços que estariam enfermos de uma incurável hipocrisia política ou de um oportunismo de todo inaceitável.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No entanto, mais do que questionarmos a oportunidade deste debate, o importante é que ele nos permita concluir da existência nesta Assembleia de uma vontade real de abertura à participação popular, à participação dos cidadãos, no domínio que ora apreciamos, domínio em que, independentemente dos critérios de interpretação da Constituição da República, tem vindo a assumir um peso determinante e restritivo a nossa forte tradição centralista.
Pela nossa parte, e com o nosso projecto de lei, estamos a dar um contributo sério para uma real abertura à participação. E fazemo-lo à luz da Constituição da República existente e não à luz daquela outra, ou daquelas outras, que por aí correm na penumbra dos corredores, ou no "secretismo" das primeiras páginas dos jornais.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para apresentar o projecto de lei n.º 237/VII, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com o projecto de lei n.º 237NII, que ora discutimos na generalidade, o Partido Social Democrata dá um passo em frente no aperfeiçoamento do sistema político cuja evolução consideramos essencial para o reforço do regime democrático.
Todos sentimos hoje que a democracia representativa em que vivemos não esgota o desejo e a necessidade de participação cívica e política dos cidadãos.
Problemática reconhecidamente comum das democracias representativas, o aprofundamento e a diversificação das possibilidades de efectiva participação dos cidadãos tem mobilizado todos quantos reflectem sobre a evolução social e política das modernas sociedades.
Num tempo em que se generaliza, para os cidadãos e os eleitores, o acesso a informação cada vez mais instantânea e diversificada, num tempo em que aumenta o grau de escolarização e de instrução dos povos c numa época em que a opinião pública reclama e exige o permanente escrutínio dos poderes políticos, importa repensar as democracias, modernizar os sistemas e procedimentos e alargar as oportunidades de participação dos cidadãos.
Sem prejuízo da democracia representativa de que somos defensores, não reconhecer hoje a necessidade de efectivação de mecanismos de democracia directa é, mais do que perigoso imobilismo, sinal de confrangedora cegueira política.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, com esta iniciativa legislativa o PSD honra a sua tradição referendária, objectivo político pelo qual sempre lutámos e que hoje, finalmente, vemos com satisfação amplamente partilhado.
Como é sabido, o recente acordo de revisão constitucional, que vincula o Partido Socialista e o Partido Social Democrata, promove alterações importantes neste domínio ao alargar o âmbito das matérias passíveis de recurso ao referendo. É também, por esta razão, um bom. acordo de revisão constitucional. E, pelas razões atrás referenciadas, é um acordo útil e de grande significado político para Portugal e para os portugueses.
Mas se nos orgulhamos da nossa tradição referendária, não esquecemos - e antes valorizamos - a tradição municipalista que marca a nossa História, integra e informa a organização democrática do nosso Estado e interessa de forma directa às populações respectivas na prossecução dos seus interesses próprios.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Compreende-se, por isso, que sejam opções do PSD reflectidas neste projecto de lei, por um lado, conferir aos cidadãos a capacidade de iniciativa de consultas locais, por outro, permitir que estas venham a revestir, também, eficácia meramente consultiva e, finalmente, alargar o âmbito das matérias passíveis deste tipo de referendos.
Compreende-se também que a nossa proposta imponha o prazo de 30 dias para que o órgão autárquico competente, em reunião extraordinária convocada expressamente para o efeito, delibere sobre as propostas apresentadas pelos cidadãos e que o não cumprimento desta obrigação seja considerado, para todos os efeitos legais, uma omissão legal grave.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É fundamental.

O Orador: - Assim se permitirá interessar, de forma mais directa e participada, os cidadãos na discussão e decisão de relevantes opções das respectivas autarquias.
Se é certo que, nos termos da lei em vigor, é já possível a realização de consultas locais, sempre com eficácia vinculativa e por exclusiva iniciativa dos órgãos autárquicos ou de alguns dos seus membros, não é menos verdade que, quase sete anos passados sobre a aprovação da Lei n.º 49/90, nenhuma consulta local foi ainda realizada.
É convicção do PSD que as alterações propostas vão viabilizar estas consultas populares e que o efectivo recurso a este mecanismo democrático vai também contribuir para o desejável reforço do poder local.
Neste sentido, aliás, recordo a Recomendação do Comité de Ministros do Conselho da Europa, adoptada em

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15 de Fevereiro de 1996, que, nos seus considerandos, destaca que "o referendo local pode ser considerado como um instrumento de participação directa que responsabiliza todos os cidadãos, permite a resolução democrática de situações de conflito e contribui para a afirmação da autonomia local e para o reforço do sentimento de pertença dos cidadãos a uma comunidade".
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata manifesta, desde já, toda a disponibilidade para discutir, de forma alargada e profunda, as soluções concretas que agora propõe, pelo 'que desde já anuncia a vontade de viabilizar, na generalidade, todos os projectos apresentados sobre esta matéria.
O que nos interessa é aperfeiçoar, diversificar, alargar e efectivar os meios de participação política dos cidadãos porque sabemos que disso depende a vitalidade da nossa democracia e a credibilidade do sistema político.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para apresentar o projecto de lei n.º 303/VII, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 303/VII, apresentado pelo Partido Socialista, visa, no essencial, duas alterações importantes ao actual regime das consultas directas dos cidadãos eleitores a nível local.
Em primeiro lugar, do que se trata é de densificar o conceito, apesar de tudo vago e indeterminado, que utiliza a actual Lei n.º 49/90, de competência exclusiva dos órgãos autárquicos, por forma a permitir uma interpretação menos restritiva do que aquela que tem sido feita e por forma a permitir, no fundo, que seja efectivamente viabilizada a realização de consultas directas dos cidadãos eleitores a nível local.
Em segundo lugar, visa-se introduzir um mecanismo de iniciativa popular em matéria de consultas locais, não de iniciativa popular em sentido próprio, uma vez que a deliberação da sua realização continua a ser a deliberação do órgão de tipo assembleia da autarquia, assembleia de freguesia, assembleia municipal e, no futuro, assembleia regional, mas, no fundo, de uma espécie de petição qualificada, que permita que os cidadãos se dirijam a essas assembleias, solicitando-lhes que tomem uma decisão, com prazo fixado na lei, sobre a realização de uma consulta, permitindo-lhes, portanto, ultrapassar a eventual inércia dos membros, quer do órgão executivo quer do órgão deliberativo.
As duas alterações agora propostas são pacíficas no seu essencial, tendo em conta aquilo que se conhece dos projectos de lei apresentados pelos vários partidos. Mas é sintomático que sempre foi pacífica - e tem sido pacífica ao longo dos anos - aposição dos vários partidos sobre consultas locais e, não obstante, até hoje nunca se realizou uma consulta a nível local. Em 1982, quando foi introduzida na Constituição da República essa possibilidade, todos os partidos fizeram declarações de voto no sentido desandar esta abertura à participação dos cidadãos na vida pública. No entanto, quase oito anos decorreram até que fosse aprovada a Lei n.º 49/90, a qual, regulamentando o direito constitucional consagrado em 1982, viria, finalmente, permitir a realização de consultas locais. Desde então nenhuma consulta se realizou, não obstante as iniciativas tomadas por algumas assembleias municipais, designadamente em virtude de, por parte do Tribunal Constitucional, ter sempre havido uma interpretação restritiva, sobretudo do conceito de competência exclusiva, o que significa, na prática, que tendo em conta a interpretação que tem sido fixada pelo Tribunal Constitucional, nenhuma consulta local pôde, até hoje, ser realizada.
Parece que dos projectos de lei agora apresentados resulta evidente - e do projecto de lei do Partido Socialista resulta evidente - que o que se pretende é flexibilizar o regime, por forma a permitir que essas consultas sejam efectivamente realizadas. E é nesse sentido que se propõe, de acordo e em conformidade com o texto da Constituição em vigor, que haja uma clarificação do conceito de competência exclusiva das autarquias locais.
Por competência exclusiva - não é, obviamente, esta a sede para fazer dissertações doutrinárias e muito menos para discutir problemas técnico-jurídicos - entende-se, normalmente, qualquer competência própria de um órgão administrativo que ele exerce com autonomia em relação a outros órgãos. Se assim é, isso significa, em rigor, que quase todas as competências dos órgãos autárquicos são competências próprias desses órgãos, que eles exercem com autonomia em relação a quaisquer outros órgãos, sejam eles de autarquia de grau superior sejam eles órgãos do Estado, o que, na. prática, permitiria - c permite, de acordo com uma leitura objectiva do texto constitucional e da lei em vigor - que sejam realizadas consultas sobre a generalidade das matérias relativamente às quais as autarquias têm de pronunciar-se, não só aquelas sobre as quais elas têm de pronunciar-se a título deliberativo mas também sobre as que têm de pronunciar-se a título consultivo, intervindo em processos da competência de outras entidades. E isto pela simples razão de que o que está em causa é definir a posição da autarquia nessas matérias, não está em causa vincular outras entidade, não está em causa mais nada que não seja permitir que os cidadãos possam participar por outra via que não seja a via meramente representativa.
Por essa razão é preciso, de uma vez por todas, clarificar, e não seria necessária a revisão constitucional para permitir a realização de referendos locais se não fosse a interpretação restritiva e a falta de vontade política nalguns casos, designadamente de algumas autarquias locais, que têm insistido nessa matéria. Será positivo que ela seja revista e que essas dúvidas sejam antecipadas, mas é também positivo que haja um sinal político por parte de todos os partidos - e o Grupo Parlamentar do Partido Socialista dá disso sinal com este projecto de lei - de que essas consultas possam ser realizadas.
Por outro lado, em matéria de iniciativa popular do referendo local - o que, de certa forma, é também uma maneira de ultrapassar a inércia de algumas autarquias locais ou de alguns órgãos autárquicos no sentido de permitir que as próprias populações desencadeiem o processo e, pelo menos, obriguem a autarquia a tomar uma posição sobre essa matéria (a de realizar ou não o referendo ou a consulta local) -, entendeu também o Partido Socialista que, sem violação da Constituição - porque não se trata de prever aqui a iniciativa popular directa, se quiserem, mas apenas uma petição qualificada à assembleia

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municipal para que essa tome uma deliberação sobre a realização da consulta -, entendeu o Grupo Parlamentar do Partido Socialista que, apesar de tudo, era importante que fosse clarificado que essa iniciativa não só é possível como deve ser exercida em termos razoáveis, isto é, em termos de serem praticáveis, designadamente evitando que o estabelecimento de um limite máximo de, cidadãos que devem subscrever uma petição dessa natureza seja de tal modo excessivo que, na prática, inviabilize a realização de qualquer consulta local.
Por essa razão, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista entendeu que seria natural articular essa previsão normativa com aquela que consta de diplomas que foram discutidos e aprovados, na generalidade, aqui, nesta Assembleia, designadamente dos diplomas relativos às candidaturas independentes dos cidadãos às autarquias locais, pela razão óbvia de que não se pode exigir como condição da iniciativa popular em matéria de consultas locais um número substancialmente mais elevado, talvez nem mesmo um número mais elevado, do que aquele que é exigível para os cidadãos apresentarem uma candidatura aos órgãos autárquicos, para não dizer em relação ao número que é exigido para os cidadãos apresentarem, perante o Tribunal Constitucional, o pedido de constituição de um partido político, para não dizer em relação ao número que é exigido para os cidadãos eleitores apresentarem uma candidatura à presidência da República. Isto é, não faria sentido que para viabilizar a participação dos cidadãos na vida pública tosse necessário estabelecer uma exigência que, afinal, era mais gravosa do que aquela que é estabelecida para eles se constituírem em partido político e para, pela via representativa, participarem também, directamente, na vida pública.
Isto é, se o limite fosse superior ao que é estabelecido, quer para a constituição de partidos políticos quer para a apresentação de candidaturas de cidadãos independentes a autarquias locais, isso, na prática, significaria que seria mais fácil aos cidadãos eleitores organizarem-se para constituir um partido político e concorrer ao órgão autárquico. Porventura com o número de assinaturas que é necessário para constituir um partido político teriam o número de votos suficientes para se fazerem eleger e, uma vez sendo eleitos, teriam a iniciativa de apresentar propostas, dado que passariam a ser membros dos órgãos autárquicos e resolveriam o problema por essa via.
Assim, como é preciso haver alguma razoabilidade, é por esse motivo que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresenta uma proposta realista que tem em consideração esses factores e que não estabelece uma fasquia demasiado elevada que, na prática, inviabilize a realização dos referendos locais.
Numa palavra, o único objectivo - e esse é o objectivo político e é isso que nos interessa discutir nesta Assembleia - é o de tornar efectivamente possível a realização de consultas locais para acabarmos de vez com as manifestações de intenção que, não passando do papel, na prática impedem os cidadãos de terem uma participação na vida pública. E há, obviamente, um segundo sinal político com a apresentação deste projecto de lei: o sinal de que o reforço da autonomia local também se faz pelo reforço da participação dos cidadãos na vida dos órgãos autárquicos e isso significa também que o reforço da descentralização pela qual se tem batido o Grupo Parlamentar do PS e da nova maioria não se esgota na regionalização e não é alternativo no sentido de que é possível reforçar a autonomia local a todos os níveis, ou seja, ao nível da freguesia, ao nível do município e ao nível das regiões administrativas, que esperamos venham a ser implementadas e relativamente às quais também será possível esta modalidade de participação dos cidadãos nos respectivos órgãos autárquicos.
Gostaria de concluir dizendo que sendo, obviamente, interesse do Grupo Parlamentar do Partido Socialista a flexibilização do regime das autarquias locais, há, evidentemente, disponibilidade desse grupo parlamentar para acolher todas as sugestões constantes de todos projectos de lei apresentados nesta Assembleia, para que, em comissão, se possa trabalhar num projecto que, independentemente do timing e de ser ou não necessário ou conveniente esperar pela conclusão do processo de revisão constitucional, permita que, desde já, se possa começar o trabalho na especialidade...

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Muito bem!...

O Orador: - ...e que desde já se possa articular um projecto de lei que, sem prejuízo do que vier a acrescer de melhoria no texto da revisão constitucional em relação a esta matéria, possa, tão cedo quanto possível, viabilizar a realização de consultas locais e evitar, no fundo, que, mais uma vez, os direitos de participação e os direitos de cidadania na Constituição sejam um mero enunciado de teoria constitucional e não sejam um direito efectivado, um direito prático dos cidadãos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para apresentar o projecto de lei n.º 304/VII, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: A matéria que hoje estamos aqui a discutir foi introduzida na Constituição da República Portuguesa com o processo de reviso constitucional que ocorreu em 1982. O meu partido não perdeu tempo e em 1984 tomou a iniciativa de apresentar um projecto de lei sobre esta mesma matéria. Debalde, embora em 1986 a Assembleia da República se tenha pronunciado de novo sobre esta matéria, também sem qualquer consequência efectiva. Novamente, em 1988, voltou a debater-se na Assembleia da República a questão das consultas locais aos cidadãos, mas só em 1990 esta matéria viria a ter consagração legal e, a partir daí, haveria a possibilidade, que, infelizmente, nunca chegou a concretizar-se, de os cidadãos, a nível local, poderem ser consultados sobre matérias que lhes dizem directamente respeito.
A posição do meu partido sobre esta matéria é e sempre foi extremamente clara. Andámos e andamos sempre à frente, tomámos a dianteira neste processo.
Já em 1988 o CDS apresentou um projecto de lei que integrava uma interpretação ampla da Constituição, onde nem sequer se excluíam as matérias de âmbito financeiro como referendáveis em sede de consulta local.
Também em 1988 deixámos claro, no debate que nessa altura ocorreu, que entendíamos que, por simples re-

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missão para a lei das atribuições e competências das autarquias locais, poderia o conjunto dos cidadãos eleitores requerer aos órgãos deliberativos das autarquias locais que deliberassem e convocassem a organização de um referendo local. Ficou expresso que era esse o nosso entendimento sobre o espectro mais largo de hipóteses de convocação de referendos locais.
Na altura, infelizmente, à excepção do PS, nenhum dos outros partidos seguiu a nossa posição.
O PCP, na verdade, sempre desconfiou dos referendos. Em 1988 reconheceu que a situação política tinha evoluído, que o enquadramento constitucional tinha evoluído, que ele próprio, porventura, tinha evoluído, mas não conseguiu disfarçar os seus medos, invocando o conhecido chavão da autonomia do poder local, esquecendo e confundindo, porventura, que uma coisa é autonomia do poder local, outra bem superior e inegável é a soberania popular, que está na génese da autonomia do poder local. Também sabemos que, em matéria de referendos, o PCP é como lhe convém: é a favor de uns e é contra outros, conforme lhe convenha ou não. Em 1988 isso ficou bem expresso, quando nem sequer foi capaz de votar favoravelmente os projectos de lei que na altura se discutiam sobre esta, matéria. Mas, não sendo também capaz de votar contra, não teve outro remédio senão mesmo abster-se.
O PS, por sua vez, em 1988, colocou sérias reservas ao instituto do referendo local. Julgamos mesmo que o facto de ter apresentado um projecto de lei sobre a matéria mais não se deveu do que à necessidade de ir a reboque das outras iniciativas que tinham sido de antemão apresentadas. E se é verdade que no seu projecto de lei previa a possibilidade de grupos de cidadãos pedirem a convocação de um referendo local, certo é, também, que na discussão na especialidade deixou cair rapidamente essa hipótese, que acabou por não vir a ter consagração legal, como sabemos.
O PSD, ao invés do que apresenta hoje, não previu esta iniciativa popular. Aquilo que hoje apresenta como uma das suas grandes bandeiras há uns anos não era sequer bandeira. Deixou mesmo claro que havia matérias que não poderiam ser de forma alguma referendáveis,...

Vozes do PSD: - E há!

O Orador: - ... para além das que são irrevogáveis, das que são exercidas no uso de um poder vinculado, por exemplo, mas não são, essas que estão em causa.
O Partido Popular, Sr. Presidente e Srs. Deputados, nesta matéria, como noutras, desta vez honra a nossa tradição. Não temos a imodéstia de dizer que o nosso projecto de lei não é o mais progressivo, porque é, de facto, o mais progressivo, o mais inovador, o que vai mais adiante, o que não deixa margem para dúvidas sobre a capacidade e a legitimidade de os cidadãos, em termos locais, se pronunciarem por intermédio de referendo sobre matérias que lhes dizem directamente respeito.
Atribuímos, por esta forma, a cidadania plena aos portugueses. É que assumimos, com este projecto de lei, a nossa oposição ao monopólio dos partidos políticos e não compreendemos como é que, ainda há algumas semanas, partidos houve nesta Assembleia que vieram defender a participação de cidadãos no processo eleitoral para as câmaras municipais através da constituição de listas independentes e agora não aceitam, não propõem, que, numa atitude de coerência, esses mesmos cidadãos possam propor referendos. Ora, se há grupos de cidadãos que podem constituir listas para se candidatarem aos órgãos das autarquias locais, nomeadamente às câmaras municipais, por maioria de razão também essa mesma solução legislativa deve existir para a convocação de referendos locais. Ou seja, se se pode o mais, também se pode o menos.
O Partido Popular, por outro lado, com o seu projecto, quer garantir a maior celeridade do processo que corre no Tribunal Constitucional, quando se trata de fiscalizar a constitucionalidade das propostas de convocação de referendos. É que a democracia, para ser eficaz, tem de ser aquela que permite respostas rápidas atempadas e não a que responde muito tempo depois, com respostas atrasadas, porventura já inúteis pelo decurso do tempo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muitas vezes é a falta de celeridade dos mecanismos da democracia portuguesa que gera a desconfiança do povo português no sistema político. É isso que urge alterar. O Tribunal Constitucional e todos os órgãos das autarquias locais envolvidos no processo de convocação de um referendo local têm necessidade de acelerar todo o processo, de encurtar os prazos de forma a que a opinião dos portugueses seja tomada em conta, ouvida, auscultada, de uma forma célere e eficaz, em tempo útil.
Esta é a única forma de não esvaziar o efeito pretendido com os referendos locais. Os portugueses não entendem sequer como é que lhes pode ser coarctada a possibilidade de, por si próprios e sem qualquer enquadramento partidário, convocarem ou pedirem ao Tribunal Constitucional a convocação de um referendo.
É que, de outra forma, não estamos a reconhecer aos portugueses a cidadania plena, a capacidade de por si decidirem e de por si se organizarem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto do Partido Popular é, inegavelmente, mais, amplo, mais vasto, do que os outros aqui presentes. No entanto, como os outros projectos de lei são menos do que o nosso, aceitaremos, por esse motivo, viabilizar os restantes três, como forma de, na especialidade, podermos, em conjunto, contribuir para que, rapidamente e sem quaisquer restrições, os portugueses possam vir a organizar referendos, possam vir a ser consultados em referendos locais, sem qualquer restrição ou' enquadramento de carácter meramente partidário.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Miguel Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, vou apenas colocar-lhe uma pergunta e fazer umas considerações muito breves.
Creio que V. Ex.ª acabou. por incorrer numa confusão que julgo ser perigosa entre democracia representativa, democracia popular e o que representa o referendo ou a consulta local. Aliás, essa confusão perpassa um pouco nas opções que acabam por adoptar no vosso projecto de lei, quando, designadamente no artigo 6.º, reconhece aos cidadãos o poder de iniciativa, atribuindo-lhes o poder de convocação da consulta local. É evidente que pode responder-me que esta é uma questão de pormenor e que pode ser acertada...

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O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - É uma opção de fundo!

O Orador: - Então, Sr. Deputado, quero chamar-lhe a atenção para o seguinte: se esta é uma opção de fundo e se vai confirmar-me o que consta do vosso projecto de lei, então, os senhores, na revisão constitucional, quando se falou da questão do referendo, tinham uma opção completamente diferente. Esta discussão foi lá travada e os seus representantes na Comissão tinham um entendimento completamente diferente em relação ao poder de iniciativa que os cidadãos teriam para accionar este tipo de mecanismo.
Ora, a pergunta que quero fazer-lhe é a seguinte: o que mudou desde essa discussão na revisão constitucional até agora para que o Partido Popular, que ainda por cima teve mais tempo do que os outros partidos, designadamente o meu, apresente à última hora este projecto de lei, invertendo agora a posição que então tinha assumido?

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Miguel Macedo, julgo que a confusão, se a há, reside em si. Esta matéria, para o Partido Popular, não é uma questão de pormenor. A possibilidade de um grupo de cidadãos eleitores, por si, convocarem o referendo, uma consulta local, não é uma questão de pormenor mas, sim, de fundo. Esta matéria já. o Partido Popular, embora de forma mais restritiva, tinha abordado em 1988,...

Vozes do PSD: - E o CDS?!

O Orador: - ... ao contrário, do PSD.
Portanto, não temos lições a receber nesta matéria. Se há lições a dar e a receber, quem pode dá-las somos nós e quem deve recebê-las é o PSD. Não somos nós que entendemos que o referendo é caro, não somos nós que dizemos que as matérias são difíceis de entender pelo povo português, não somos nós que entendemos que há matérias que nem sequer devem ser objecto de consulta ao povo português.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Responda à questão de fundo!

O Orador: - Não somos nós que defendemos isso.. Portanto, a nossa posição é clara, é antiga, não é de hoje, e, por isso, não temos quaisquer lições a receber mas, sim, a dar ao PSD.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Resposta clara!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa, tinha essa dúvida em relação à sua intervenção e permaneci com ela após a sua resposta ao esclarecimento pedido pelo Deputado Miguel Macedo.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Ainda bem!

O Orador: - Em minha opinião, há aqui uma questão que, apesar de tudo, é essencial, e é preciso ser sério nessa matéria.
O que eu disse da tribuna é que o projecto de lei do PS apresentava uma solução que configurava como uma petição qualificada e não como uma convocação directa dos cidadãos eleitores, por uma razão muito simples: é que há um texto constitucional em vigor. E o texto constitucional em vigor, tanto quanto sei - e já agora pergunto-lhe se tem opinião diferente sobre essa matéria -, não permite outra coisa que não seja a decisão dos órgãos autárquicos. Portanto, quanto muito, o que se pode encontrar é uma solução que permita aos cidadãos dirigirem-se aos órgãos autárquicos de forma privilegiada para suscitarem a questão.
Já agora, sobre essa matéria, e a propósito do problema da constitucionalidade colocado, também lhe pergunto como é que chega à conclusão, a propósito de outra questão do seu projecto, de que as associações de municípios, afinal, também são autarquias locais e não associações públicas e de que, relativamente às matérias da sua competência, também pode haver referendo. É que o problema da oportunidade constitucional pode ser discutido em termos políticos, mas, em termos jurídicos, obviamente que o Grupo Parlamentar do PS defende ó seu projecto como conforme à Constituição em vigor, independentemente de haver interpretações que, porventura, sejam divergentes. E a questão é a de saber se os senhores também não estão a pensar numa Constituição virtual, que, porventura, nem sequer é aquela que vai resultar do processo em curso, é outra imaginária, e que não viabilizará sequer esse tipo de soluções.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro da Costa.

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Cláudio Monteiro, de facto, nós não sabemos, ninguém sabe, julgo - se calhar, nem o senhor -, qual é a Constituição que vai sair desta revisão constitucional. Portanto, estamos todos no domínio das incógnitas. E como estamos todos no domínio das incógnitas e como o processo de revisão não está fechado e, por este andar, não estará tão cedo -, julgo que é possível, no domínio da técnica legislativa, avançar com o projecto de lei hoje aqui apresentado pelo Partido Popular.
Aliás, devo recordá-lo de que o Partido Socialista, depois de ter dado o acordo ao agendamento destas matérias para hoje, tentou, ontem, a pretexto de meras formalidades, desagendar estas matérias. Foi a pretexto disso que o Partido Popular fez a proposta, que, julgo, terá sido aceite na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, de estas matérias baixarem às comissões uma vez que são duas as comissões que se debruçam sobre esta matéria - sem votação.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Não, não!

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O Orador: - Julgo ter sido esse o consenso a que se chegou, ontem, na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Está mal informado!

O Orador: - Portanto, como o processo de revisão não está concluído, estamos todos em tempo de não coarctar a liberdade e a plenitude da cidadania aos portugueses.

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Os Srs. Deputados Artur Torres Pereira e José Calçada pediram a palavra para, sob a forma de interpelação à Mesa, prestarem um esclarecimento.
Sr. Deputado Artur Torres Pereira, vou dar-lhe a palavra, mas peço-lhe que se lembre da situação em que estamos.

O Sr. Artur Torres Pereira (PSD): - Sr. Presidente, essa situação não me sai da memória e, sobretudo, da vista.
Muito rapidamente, gostaria de dizer que, quando esta questão foi discutida na Comissão de Administração do Território, Poder Local, Equipamento Social e Ambiente eu estava a exercer a presidência da Comissão devido a doença do nosso Presidente, Deputado Eurico Figueiredo. E, de facto, a Comissão, por consenso de todas as bancadas, excepto do CDS-PP,...

O Sr. Gonçalo Ribeiro da Costa (CDS-PP): - Por maioria!

O Orador: - ...por uma questão formal, decidiu suscitar a questão do eventual desagendamento desta matéria, que estava marcada para hoje. Mas fê-lo porque, tendo sido esta matéria objecto de discussão .e de parecer da 1.ª Comissão, que nós não conhecíamos dado o curto espaço de tempo que tivemos para a analisar, e tendo havido dois projectos de lei que foram apresentados no tempo regimental limite para a sua aceitação, entendemos que, a 24 horas do debate no Plenário e dadas algumas dúvidas que também se nos colocavam em relação à forma Bebem discutir esta matéria, carecíamos de mais tempo para o efeito. Ora, ,foi por isso - e apenas por isso -que colocámos essa questão do desagendamento, que, de resto, não obteve acordo por parte da Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares. Assim sendo, a Comissão vem para este debate com quatro projectos de lei, em relação aos quais não houve da parte de nenhum partido político, até ao momento, qualquer requerimento, no sentido de propor que os diplomas baixassem à Comissão sem votação.
Encontramo-nos, pois, na situação de termos quatro projectos de lei, em relação aos quais há uma discussão na generalidade e irá haver uma votação na generalidade e os quais o meu partido já anunciou que, pelas razões, de resto, também já aduzidas pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro e pelas ainda não aduzidas pelo Sr. Deputado José Calçada mas que depreendemos da sua intervenção, está na disposição de votar favoravelmente - e todos, inclusive o do CDS-PP -, para, depois, em sede de especialidade, fazermos um documento escorreito, que possa cumprir os objectives que todos, afinal, aqui nos revelámos aparentemente disponíveis para viabilizar.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado José Calçada, que certamente será tão sucinto quanto o Sr. Deputado Artur Torres Pereira.

O Sr. José Calçada (PCP): - Sr. Presidente, serei muito mais sucinto do que o Sr. Presidente imagina - e sei que a sua imaginação vai longe.
Quero somente dizer que subscrevo integralmente as palavras do Sr. Deputado Artur Torres Pereira - aliás, ele tirou-mas da boca -, que se limitou a descrever (actualmente, sem adjectivos, o que aconteceu e a repor a verdade dos factos.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Dou, agora, a palavra ao Sr. Deputado Joaquim Sarmento, que foi o relator do projecto de lei n.º 237/VII na 1.º Comissão, para fazer a síntese do respectivo relatório.

O Sr. Joaquim Sarmento (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, o relatório foi aprovado por unanimidade e nele eu tinha dividido a questão em quatro vertentes: conteúdo das consultas, eficácia das consultas, iniciativa das propostas e conteúdo das propostas.
Em relação à eficácia das consultas e à iniciativa e conteúdo das propostas, ofereceria o merecimento do próprio relatório, Sr. Presidente, na medida em que me iria repetir. De facto, em relação a essas vertentes não houve controvérsia de qualquer natureza.
Em relação ao conteúdo das consultas, cumpre-me dizer o seguinte: o presente projecto de lei do PSD pretende alterar a Lei n.º 49/90, de 24 de Agosto, introduzindo, nomeadamente no n.º 3 do seu artigo 2.º, alterações de algum significado. "A subtracção de certas matérias ao referendo local, ainda que respeitantes à `competência exclusiva dos órgãos autárquicos' não se afigura ferida de inconstitucionalidade, já que o artigo 248.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa precisa que as consultas serão efectuadas `sobre matérias incluídas na sua competência exclusiva, nos casos, nos termos e com a eficácia que a lei estabelece. Tal significa que no actual quadro constitucional a possibilidade de limitação restritiva do âmbito das consultas está explicitamente admitida, remetendo-se a sua precisão para a lei especial".
Acontece, porém, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o projecto de lei em apreço alarga e não restringe o âmbito da competência exclusiva dos órgãos autárquicos. E, então, coloca-se a seguinte questão: não será de duvidosa constitucionalidade, à luz do artigo 241.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa,, alargar o âmbito da competência exclusiva dos órgãos autárquicos?
De acordo com a interpretação restritiva que tem sido feita - e que foi aqui referida, de uma forma brilhante, pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro -, do conceito de competência exclusiva dos órgãos autárquicos, é discutível que o legislador ordinário possa preceituar o conteúdo do n.º, 3 do artigo 2.º do projecto em apreço.

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Dentro deste conceito, as limitações previstas no n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 49/90, de 24 de Agosto, têm cobertura constitucional, mas não o alargamento do conteúdo das consultas para matérias mesmo que de interesse local mas que não preenchem o rol das competências exclusivas dos órgãos autárquicos.
Aceitámos, porém, o conceito menos restritivo - e tal interpretação foi aprovada por consenso, portanto por unanimidade, pela 1.º Comissão -, pelo que cabem nas competências exclusivas dos órgãos autárquicos as matérias ínsitas no n.º 2 do artigo 2.º do presente projecto, dentro do princípio que enumero no relatório e que está consignado no n.º 3 do artigo 2.º do projecto de lei do PS, o qual considera incluídas na competência exclusiva dos órgãos autárquicos as competências próprias dos órgãos das autarquias locais que por eles sejam exercidas sem sujeição ao poder de supervisão dos órgãos do Estado ou das autarquias de grau superior.
A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias legitimou-me para aqui no Plenário referir que, em relação às eventuais inconstitucionalidades contidas nos projectos de lei do PS e do CDS-PP, cujos relatórios não foram atempadamente apresentados na reunião da l.ª Comissão, ela aprova este conceito menos restritivo. No entanto, o relator viu-se na necessidade de acrescentar o seguinte: "Está em curso o processo de revisão constitucional, no âmbito do qual foram apresentadas propostas tendentes a eliminar limitações do actual quadro constitucional, em matéria de referendos locais. Importa, por conseguinte, articular devidamente o processo legislativo, com a alteração constitucional em curso".
Isto representa uma autocrítica, que foi assumida por todos os grupos parlamentares no âmbito da l.ª Comissão, da qual faço parte, e que, em termos conclusivos, espelha o seguinte: estes projectos, em termos de compaginação ou de consonância com o texto constitucional, não são textos exemplares.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por encerrada a discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.º5 128/ VII (PCP), 237/VII (PSD), 303/VII (PS) e 304/VII (CDS-PP), que serão votados no dia e hora regimentais.
O ponto seguinte da nossa ordem de trabalhos consiste na discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.os 191/VII - Estatuto do trabalhador-estudante (PS), 247/VII - Reforça os direitos dos trabalhadores-estudantes (PCP) e 302/VII - Altera a Lei n.º 26/81, de 21 de Agosto (Estatuto do Trabalhador-Estudante) (PSD).
Como o Sr. Deputado que devia apresentar o projecto de lei do Partido Socialista não se encontra na Sala, dou a palavra ao Sr. Deputado Bernardino Soares para apresentar o projecto de lei n.º 247/VII, do PCP.
Tem a palavra.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, o PCP quer deixar expresso, no início deste debate, que considera imperativa a necessidade de todos os projectos relativos a legislação laborai preverem a consulta pública às organizações de trabalhadores. Ora, como dois dos projectos que hoje estamos aqui a discutir não reúnem este requisito, queremos deixar bem expressa a nossa posição em relação a esta matéria, que é a de considerarmos essencial esta consulta pública.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ser trabalhador-estudante é, cada vez mais, no nosso país um acto de vontade e de coragem. Os que o são contrariam a lógica de um sistema que facilmente os empurra para fora da escola e de uma sociedade que penaliza as famílias e obriga os jovens a muito cedo procurarem emprego para aliviarem as faltas lá de casa. Ser trabalhador-estudante é atrever-se a fazer valer os seus direitos num mundo laborai cada vez mais desregulamentado e instável. É conquistar a palmo o direito a avançar na sua formação quando lhe devia ter sido dada de bandeja.
Só pelo simples facto de se trabalhar e estudar ao mesmo tempo se justificaria uma protecção especial. Mais ainda quando muitas outras dificuldades se levantam e entravam a luta do trabalhador pela sua formação escolar e pessoal e pela sua valorização profissional.
O Estatuto do Trabalhador-Estudante leva já quase 16 anos de vigência e, durante este tempo, muito se alterou. Desde logo, a crescente precarização do emprego, que hoje atinge a maioria dos jovens e lhes limita a aplicação do Estatuto.
O Estatuto do Trabalhador-Estudante, passados todos estes anos, necessita, obviamente, de alguns acertos para o adaptar à evolução das realidades. Mas não foi este o principal obstáculo ao reconhecimento dos direitos dos trabalhadores-estudantes, foram, sim, a deficiente ou inexistente regulamentação de tantos aspectos da lei, bem como a ausência de fiscalização que garantisse o seu cumprimento. Estes foram os principais entraves a que o Estatuto cumprisse na plenitude as suas funções.
Muitas das garantias e direitos que seriam devidos aos trabalhadores-estudantes foram negados e, por isso, propomos em alguns casos a sua referência expressa. São exemplos disso o direito à acção social escolar, a garantia do subsídio de refeição na dispensa para exames ou a participação na gestão escolar e educativa dos trabalhadores-estudantes.
Foi muitas vezes posto em causa o direito à acção social escolar, esquecendo-se que, apesar de serem trabalhadores e, portanto, auferirem rendimento, têm muitos deles carências económicas e sociais plenamente justificativas de uma explicitação legal que imponha a aplicação deste direito.
A lei actual garante já a manutenção da remuneração e outros direitos quando se trata de dispensa para frequência de aulas. Mas, na prática, como, aliás, denunciaram as organizações de trabalhadores e de trabalhadores-estudantes foi frequentemente negado o direito ao subsídio de refeição. Daí que seja útil a clarificação inequívoca desta questão.
Por outro lado, é necessária a criação de condições justas e adequadas nos estabelecimentos de ensino, desde logo a própria existência de ensino em horário adequado - o pós-laboral -, mas também a existência de serviços de apoio às aulas, como a secretaria, a biblioteca ou a cantina. Sem isso não estarão criadas as condições necessárias para suprir as dificuldades dos trabalhadores-estu-

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dantes, que, desde logo, por o serem, enfrentam muitas. A sua participação na gestão da escola acautela a criação destas condições, garantindo uma maior sensibilização de quem dirige o estabelecimento de ensino.
De resto, os sucessivos governos primaram pela ausência de uma política de desenvolvimento do ensino, nomeadamente do pós-laboral.
As restrições orçamentais dos estabelecimentos de ensino, causa directa da ausência de cursos do ensino nocturno e de condições dignas para os trabalhadores-estudantes, a par da falta de orientações por parte dos governos para o cumprimento do Estatuto, levaram a um cada vez mais difícil acesso ao ensino por parte dos trabalhadores.
Não há uma cobertura nacional de estabelecimentos de ensino que permita que, em todo o País, os trabalhadores possam ter acesso à escola. No ensino superior as restrições ao financiamento empurram as escolas superiores para a limitação dos cursos nocturnos. São conhecidos casos, como o do Instituto Superior Técnico ou o do Instituto Superior de Economia e Gestão, em que se caminha, se não houver intervenção em sentido contrário, para o desaparecimento do ensino pós-laboral, em muitos casos impossibilitando até a conclusão dos cursos por quem já os iniciou.
O actual Governo não mudou a política anterior e, em ano e meio, nada se avançou nesta matéria. A intenção anunciada no Programa do Governo de aperfeiçoar a legislação referente aos trabalhadores-estudantes não teve qualquer tradução prática. O Governo não intervém nesta matéria, deixando degradar uma situação já de si grave.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP, ao apresentar este projecto de lei, pretende aperfeiçoar os direitos dos trabalhadores-estudantes nas empresas e alargar o seu conteúdo. Desde logo, alargando a qualificação de trabalhador-estudante aos estudantes que trabalham por conta própria, que, estando desempregados, se inscrevam nos centros de emprego, que frequentem cursos de formação profissional ou de ocupação temporária de jovens ou que estejam adstritos a qualquer vínculo ao serviço militar.
Em tempo de vínculos precários e da flexibilização horária que o PS aprovou, mal se compreenderia que fosse de outra forma. O projecto do PS, talvez com a má consciência que a mensagem do Sr. Presidente da República sobre a lei da flexibilidade e da polivalência lhes deixou, prevê em determinado momento um horário máximo de oito horas diárias e 40 semanais para os trabalhadores-estudantes. Pareceria positivo à primeira vista, mas, logo no número seguinte, o PS desfaz as dúvidas, prevendo que a entidade empregadora possa afastar unilateralmente esta disposição em favor da lei geral que flexibiliza os horários, com as consequências trágicas para a frequência das aulas que esta norma traz para os trabalhadores-estudantes.
O PCP propõe também a existência de um contingente especial no acesso ao ensino superior, enquanto existirem restrições quantitativas globais neste acesso, isto é, enquanto se mantiver o regime de numerus clausus que o PS prometeu combater.
Não é um privilégio injustificado mas, sim, um direito razoável para quem está fortemente condicionado na sua avaliação por factores extrínsecos à sua própria valia escolar.
Propomos ainda a existência de uma atenção especial no plano pedagógico e programático aos trabalhadores-estudantes, provavelmente com reflexos na preparação do corpo docente e na adequação dos programas.
Consideramos, igualmente, que este Estatuto deve ser amplamente divulgado junto dos estudantes, uma vez que muitos não conhecem os seus direitos. Conhecer os direitos é um passo fundamental para os exercer e os defender. Por isso, a obrigatoriedade da divulgação do Estatuto nas escolas é fundamental para suprir esta lacuna.
Do balanço feito da aplicação do Estatuto e tendo em conta que é nítido o propósito inicial de dar especial atenção ao reconhecimento dos direitos no trabalho, resulta que foi também na escola que surgiram dificuldades de aplicação do Estatuto. A diversidade de procedimentos e de requisitos exigidos em cada estabelecimento de ensino, tantas vezes ao arrepio do que a lei prevê, tem dificultado o exercício dos direitos dos trabalhadores-estudantes.
E se no plano laborai a acção de fiscalização e actuação do Governo poderá ser indirecta, é particularmente inadmissível que nos estabelecimentos de ensino, especialmente nos públicos, que dependem directamente do Ministério da Educação, se criem entraves à aplicação da lei.
Por isso, se exige uma uniformização, salvaguardando os estudantes de uma certa discricionaridade existente.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, falemos do organismo previsto na lei para os problemas dos trabalhadores-estudantes. A lei já o prevê, mas nunca foi criado por nenhum governo e muito menos por este. Não se trata de mais um serviço público a sobrecarregar a estrutura do Estado, trata-se, sim, de um instrumento fundamental para fiscalizar e denunciar os incumprimentos, para propor regulamentações e melhorias, para garantir, no fim de contas, a completa aplicação do Estatuto. Por isso, é fundamental a participação lado a lado do Governo, dos estudantes e trabalhadores-estudantes e dos representantes dos trabalhadores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Falar dos trabalhadores-estudantes e do seu Estatuto é falar do acesso de um grande número de cidadãos, especialmente jovens, ao ensino; é falar do direito à melhor formação pessoal e escolar; é falar da melhoria da nossa sociedade e do desenvolvimento do País.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Sílvio Rui Cervan e Gonçalo Almeida Velho.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, V. Ex.ª começou por dizer que ser trabalhador-estudante é um acto de coragem. Ora, se ser trabalhador é um acto de coragem e se ser estudante é outro acto de coragem, ser trabalhador-estudante é um duplo acto de coragem!
O Sr. Deputado falou no verdadeiro problema da aplicabilidade do actual Estatuto do Trabalhador-Estudan

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te, que é a ausência de fiscalização. Mas o que o Partido Comunista aqui nos veio trazer, hoje, com este projecto de lei não foi mais e melhor fiscalização, porque mais não fez do que propor quatro onde se propunha dois, propor dez onde se propunha cinco, enfim alargar quantitativamente as regalias existentes. O Partido Comunista pegou na lei que tinha e alargou-a.
Sr. Deputado, em meu entender e no entender do Partido Popular, o problema que se coloca não é tanto, ou, pelo menos, não é exclusivamente - e sê-lo-á cada vez menos - o da relação entre a empresa e o trabalhador-estudante. Se o problema se continua a pôr exclusivamente na relação entre o trabalhador-estudante e a empresa, cada vez mais se transforma numa aplicabilidade muito duvidosa e, na prática, em letra-morta, que era aquilo que o Partido Popular não queria que acontecesse.
As empresas não são Santas Casas da Misericórdia e não é possível pedir-lhes mais sacrifícios, por muito que usufruam também das vantagens da formação dos seus trabalhadores! Ora, o vosso projecto, curiosamente, ou talvez não, sobrecarrega as empresas e iliba o Estado da função correctora, porque é ao Estado que cabe essa função muito importante.
No artigo 11.º-C, o que se refere à acção social escolar, se calhar, valia a pena evoluirmos para uma discriminação positiva, e o Partido Popular poderia até estar de acordo se o Partido Comunista e V. Ex.ª defendessem que os trabalhadores-estudantes que precisassem tivessem melhores regalias ao nível da acção social escolar. Mas não vale a pena transferir esse ónus única e exclusivamente para as empresas, porque, se não, estamos realmente a fazer letra-morta.
Sr. Deputado, mais duas notas.
Primeira, para lhe dizer que a realidade prática, que o Sr. Deputado bem conhece e também, como eu próprio, tenta alterar, diz-nos, por exemplo - e não é preciso ir muito longe -, que, no Instituto Superior Técnico de Lisboa, o trabalhador-estudante não tem acesso à papelaria a partir das 17 horas. É este o drama do trabalhador-estudante!
As dificuldades têm de ser transpostas também para a relação entre os estabelecimentos de ensino e o trabalhador-estudante, porque aquilo que se pode fazer pelo trabalhador-estudante está mais no campo da relação entre o estudante e o estabelecimento de ensino. E sem querer violar a autonomia universitária,...

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado, peço-lhe que conclua.

O Orador: - Estou a terminar, Sr. Presidente.
Estava eu a dizer que, sem querer violar a autonomia universitária, era importante que os trabalhadores-estudantes dispusessem das mesmas condições de apoio dos seus colegas, no que diz respeito a bares, cantinas, bibliotecas, transportes, etc. Essa é a igualdade que não existe mas que urge consagrara

Vozes do CDS-PP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado Bernardino Soares, quer responder já?

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Então, tem a palavra.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan, queria dizer-lhe que, se se justificava que não tivesse tido tempo para ler o projecto de lei do PSD, que apenas foi entregue na passada sexta-feira, essa justificação já é mais difícil, penso eu. em relação ao projecto de lei do PCP.
Quando o Sr. Deputado afirma que se trata apenas de um alargamento quantitativo da lei já existente, parece-me que, no mínimo, está a incorrer num erro de leitura.
Vou chamar-lhe aqui a atenção para algumas diferenças, para V. Ex.ª poder analisar melhor o nosso projecto de lei. Por exemplo: a explicitação de que este Estatuto se aplica tanto às escolas do ensino público como às do privado - pensei que estivesse desperto para esta realidade; o facto de os trabalhadores por conta de outrem não serem, como até agora, os únicos a poderem beneficiar deste Estatuto, mas também os trabalhadores por conta própria, que, muitas vezes, escondem uma situação de vínculo laboral precário; os desempregados inscritos nos centros de emprego; os que frequentam cursos de formação profissional. Enfim, são várias as alterações!
Outra inovação do nosso projecto de lei é a existência para os trabalhadores-estudantes de um contigente especial no acesso ao ensino superior. Não sei se o Sr. Deputado deu por esta inovação, mas parece-me, a não ser que tenha lido mal a lei em vigor, que, até agora, não existia qualquer contingente especial para os trabalhadores-estudantes.
Outra inovação, ainda, são as condições pedagógicas que se exigem para os trabalhores-estudantes.
Enfim, há aqui outros exemplos de medidas inovadoras, como a que diz respeito aos serviços de apoio, que V. Ex.ª referiu na sua intervenção como necessários e que também vêm expressos no projecto de lei do PCP.
Mas, mais do que as minhas palavras, permitia-me ler um pequeno extracto de um documento, cujo autor depois direi, que diz assim: "Das alterações determinadas pelo artigo 2.º do projecto de lei ora em apreço, resulta (...): Que sejam adaptados os conteúdos programáticos à realidade do ensino pós-laboral (...); A criação de um contingente especial para trabalhadores-estudantes, no acesso ao ensino superior público; A obrigação de o Governo promover um organismo (...)". Sr. Deputado, quem escreve isto é o seu colega de bancada Nuno Correia da Silva, precisamente num relatório sobre este projecto de lei. Ora, como os relatórios têm uma perspectiva pedagógica também para facilitar a análise do projecto de lei, penso que, neste caso, devia servir-lhe também para isso.
Quanto à visão excessiva desta questão do trabalhador-estudante como uma relação entre o trabalhador e a empresa, devo dizer-lhe que é evidente que muito do que se refere à aplicação do Estatuto se joga entre o trabalhador e a empresa, mas, na minha intervenção, ficou perfeitamente claro que também existem muitos obstáculos a nível da escola, que precisam de ser eliminados, e é nesse sentido que vão muitas das propostas que apresentamos.
Portanto, à laia de conclusão, julgo que a sua intervenção se enquadra perfeitamente nos objectivos que, em muitos casos, estão expressos no nosso diploma e por isso aconselho-o a fazer uma leitura mais cuidada.

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O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalo Almeida Velho.

O Sr. Gonçalo Almeida Velho (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Bernardino Soares, quero, antes de mais, felicitar o Partido Comunista Português pelo tacto de ter apresentado este diploma, depois de a sua discussão ter sido inviabilizada nas 5.ª e 6.ª Legislaturas. Está de parabéns o Partido Comunista, como estão de parabéns todos os trabalhadores-estudantes deste país, bem como os partido que propuseram à Assembleia a discussão deste assunto.
Mas, se me permite, Sr. Deputado, todos os diplomas são meritórios, mesmo aqueles que plagiam alguns dos diplomas ora em discussão. Em meu entender, todos eles têm algumas falhas, inclusive o do PCP, as quais irei apontar aqui.
Os senhores têm o cuidado de, ao alargarem o âmbito de aplicação do diploma, preverem que o mesmo se aplica - artigo 2.º, alínea e) - àqueles que " estejam inscritos como desempregados num centro de emprego". Sr. Deputado, imagine que um jovem estudante, para poder usufruir do Estatuto do Trabalhador-Estudante, se emprega, mas, a dado momento, como não lhe interessa estar empregado, despede-se para ter direito a fazer a sua boa vida. Ora, de acordo com o vosso diploma, este jovem estudante pode continuar a fazer exames a seu bel-prazer e a exigir à universidade as regalias que lhe são conferidas pelo Estatuto do Trabalhador-Estudante. Pergunto-lhe se não acha que este alargamento é um tanto ou quanto excessivo. É que eu entendo, mas admito que seja defeito meu, que ao legislador deverá competir a tentativa de cercear as ilegalidades que possam ser cometidas por alguns jovens.

Vozes do PS: - É evidente!

O Orador: - Sr. Deputado, como sabe, o Partido Socialista, nomeadamente a Juventude Socialista, prevê a mesma situação, mas apenas para o caso de desemprego involuntário, isto é, o jovem trabalhador não se despede, não incorre numa situação de desempregado por sua livre iniciativa, para poder gozar das tais regalias. Ora, neste caso, entendemos que faz todo o sentido que este jovem, ainda que desempregado, possa ter acesso ao Estatuto do Trabalhador-Estudante.
Mas falemos de igualdade. Conteúdos programáticos diferentes para estudantes do mesmo curso superior e diplomas idênticos e não de menor valia?! Acha que os custos inerentes que a universidade terá de comportar para elaborar novos conteúdos programáticos, bem como dar formação específica a novos professores, se justificam à partida, quando os trabalhadores-estudantes saem da universidade com menos valia do que os outros? Fica a pergunta.
Mas voltemos aos tais benefícios de se ser desempregado. Ao preverem, no artigo 11.º-B, um contingente especial no sistema de acesso para os trabalhadores-estudantes, não acha uma fraude, se, entretanto, um jovem trabalhador-estudante se desempregar, ele poder entrar directamente na universidade uma vez que ele, à partida, tem garantido um lugar nessa quota, chamemos-lhe assim?
Estas são algumas das questões que gostaria de ver respondidas pelo Sr. Deputado.
Em todo o caso, nem tudo é mau. Queria elogiar o seu partido pelo facto de ter consagrado também a possibilidade de as universidades poderem manter abertas as secretarias por um período mais lato, nomeadamente no pós-laboral, para poderem prestar auxílio aos trabalhadores-estudantes.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Gonçalo Almeida Velho terminou o seu pedido de esclarecimento dizendo que nem tudo é mau, mas, a meu ver, a sua intervenção aponta precisamente em sentido contrário. Deixe-me dizer-lhe que, ao introduzirmos a cláusula de os desempregados inscritos nos centros de empregos poderem ter acesso ao Estatuto do Trabalhador-Estudante, sinceramente, não vislumbrámos que esta situação pudesse ser aproveitada em tão larga escala por um jovem que, estando empregado, se desemprega para poder ter acesso ao Estatuto do Trabalhador-Estudante.
Salvo melhor opinião, nos dias que correm, tomara os jovens poderem encontrar um emprego quanto mais despedirem-se de propósito para terem acesso ao' Estatuto do Trabalhador-Estudante. Sr. Deputado, em minha opinião, essa questão não tem qualquer cabimento e nem sequer residualmente se coloca. O exemplo que aqui trouxe não tem qualquer relevância, quando se trata, ao fim e ao cabo, de garantir a um trabalhador-estudante, que está desempregado, inscrito no centro de emprego - e que por isso pode, o que infelizmente não acontece muitas vezes, a qualquer momento, ser chamado para uma determinada oferta de emprego -, o acesso ao Estatuto do Trabalhador-Estudante para, deste modo, usufruir e beneficiar das garantias previstas no Estatuto. Não me parece que isto seja tão disparatado e ainda menos na situação laborai em que vivemos, que o Sr. Deputado tão bem conhece.
Em relação ao desemprego involuntário, devo dizer que a alternativa proposta pelo Sr. Deputado não é inovadora, uma vez que essa norma já consta da actual lei. Embora o projecto de lei do PCP não afaste essa situação do desemprego involuntário, ela quer dizer tão simplesmente isto: guando alguém tem direito ao Estatuto do Trabalhador-Estudante e, depois, se vê privado do seu emprego, - não perde por isso direito à aplicação do Estatuto do Trabalhador-Estudante.

Vozes do PCP: - Claro!

O Orador: - Ora, esta uma situação completamente diferente da que descreveu.
Quanto aos conteúdos programáticos, não há aqui uma imposição da sua existência. Devo dizer que existem já, mesmo em instituições do ensino superior, alguns cuidados no que diz respeito ao ensino pós-laboral, mas, em meu entender, esta norma tem uma aplicação por excelência, no que toca ao ensino básico e secundário, onde estas carências são muito grandes e onde há desfasamentos

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bastante grandes, no que diz respeito aos programas e à pedagogia aplicada aos trabalhadores-estudantes.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para fazer a apresentação do projecto de lei n.º 191/VII, da iniciativa do PS, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Quero, em primeiro lugar, felicitar os Grupos Parlamentares do PCP e do PSD por se terem associado a esta iniciativa política da Juventude Socialista do Grupo Parlamentar do PS.
Com a apresentação deste projecto de lei, traz a Juventude Socialista a Plenário a sua quinta iniciativa legislativa, a qual versa uma matéria do maior relevo, à altura das soluções legislativas que até aqui apresentámos para outras grandes questões nacionais.
Trata-se agora de apresentar à Câmara um Estatuto do Trabalhador-Estudante materialmente novo, que, globalmente consagre uma importante evolução legislativa num domínio da maior importância para milhares de jovens e para milhares de trabalhadores.
O Estatuto do Trabalhador-Estudante, vertido na Lei n.º 26/81, de 21 de Agosto, veio consagrar um importante conjunto de normas especialmente aplicáveis a quem, pretendendo prosseguir os seus estudos, desenvolva simultaneamente uma actividade profissional. A especial protecção que o legislador de 1981 quis conferir a estes estudantes que, com acrescidas dificuldades decorrentes da sua inserção no mundo laborai, procuram investir na sua formação e ver realizado o seu direito à educação constitucionalmente reconhecido traduziu-se na consagração de um amplo leque de direitos e regalias. No entanto, a ausência de vontade política para criar os instrumentos que dariam operatividade ao diploma, bem como a própria evolução da realidade educativa e laborai, acompanhada dos ensinamentos colhidos de um já longo período de vigência de 15 anos da legislação em apreço, concorreram decisivamente para a necessidade, hoje por todos sentida, de rever profundamente as soluções legais do texto de 1981.
Do conjunto das alterações propostas pela Juventude Socialista e pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, destacam-se as seguintes inovações:
Em primeiro lugar, o âmbito de aplicação do Estatuto do Trabalhador-Estudante é alargado aos trabalhadores com vínculo precário, aproximando-se a lei da realidade laborai dos nossos dias, marcada pela proliferação, quantas vezes abusiva, de outras formas de contratação, em prejuízo do contrato de trabalho;
Por outro lado, quando a oferta privada de ensino assume hoje uma dimensão impossível de prever à data da entrada em vigor da Lei n.º 26/81, é alargada expressamente a aplicabilidade do diploma aos trabalhadores-estudantes que frequentem instituições privadas de ensino:
Opera-se, finalmente, uma distinção entre trabalhador-estudante e trabalhador a tempo parcial, para efeitos de diferenciação do regime aplicável a uns e outros.
Numa matéria do maior melindre e dificuldade, que esvaziava completamente de utilidade o actual Estatuto ainda em vigor e determinava o seu carácter de legislação irremediavelmente obsoleta, vem este projecto de lei harmonizar o Estatuto do Trabalhador-Estudante com a legislação laborai em vigor, pela fixação de limites ao período normal de trabalho e à duração de trabalho semanal, em alternativa à aplicação das regras de adaptabilidade e flexibilidade estabelecidas na lei geral, acompanhadas de regalias específicas para o trabalhador.
Este diploma vem, ainda, estabelecer a interdição da aplicabilidade de quaisquer regimes de prescrição aos trabalhadores-estudantes, por não ser, a nosso ver, legítima a sua sujeição a regras agravadoras do esforço de conciliação entre o trabalho e o prosseguimento dos estudos e contrárias às finalidades do presente diploma.
Exclui-se, por outro lado, a possibilidade de os trabalhadores-estudantes serem sujeitos a normas que limitem o número de exames a realizar na época de recurso, em ordem a compensar atrasos e favorecer, tanto quanto possível, a sua progressão nos estudos.
No mesmo sentido e pelas mesmas razões, propõe-se a criação de uma época especial de exames aplicável aos trabalhadores-estudantes.
Avança-se decisivamente nas garantias de cumprimento do presente Estatuto, pela fixação de um prazo para a operacionalização de um organismo de controle da aplicabilidade do diploma pelas entidades dependentes do Ministério da Educação e, correspondentemente, habilita-se a Inspecção-Geral de Trabalho, nos termos conjugados do respectivo Estatuto e deste diploma, para conhecer das infracções cometidas pelas entidades empregadoras.
Propõe-se, ainda, a extensão do regime de prestação de exames ou provas de avaliação à apresentação de trabalhos, quando estes os substituam.
Com a apresentação deste diploma. a Juventude Socialista precipitou um debate inadiável em torno da actualização de uma lei decisiva para a criação de condições de uma efectiva igualdade de oportunidades na realização do direito à educação e para que o ensino possa funcionar como eficaz instrumento de promoção individual e de mobilidade social e não como factor de reprodução da desigualdade na sociedade portuguesa.
Outras propostas vieram recentemente juntar-se à nossa. Interessa agora que saibamos concentrar os nossos esforços numa nova lei, numa lei melhor, sem que percamos de vista aquilo que nos move: aprofundar a justiça e a igualdade de oportunidades no sistema educativo e na sociedade portuguesa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Informo a Câmara de que se encontram inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Sílvio Rui Cervan e Bernardino Soares.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, com a certeza de que o Partido Socialista e a Juventude Socialista aqui, hoje, nos apresentam este projecto de lei com as melhores intenções, parece-me que algumas destas propostas carecem de aplicabilidade prática e também podem transformar este diploma em letra-morta. Se não, vejamos.

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Propõem VV. Ex.ªs que não se limite o número de exames nas épocas de recurso. Mas não concorda V. Ex.ª que o problema dos estudantes é já hoje, na actual situação, o de não disporem de tempo e condições para estudarem para os exames que podem fazer? Propõem VV. Ex.ªs épocas novas para os trabalhadores-estudantes. Mas estão VV. Ex.ªs a propor uma coisa que é claramente uma violação da autonomia universitária.
Estamos, hoje, essencialmente a discutir um projecto de lei que se quer com aplicabilidade prática às realidades laboral e educacional. Sr. Deputado, o n.º 2 do artigo 2.º do vosso projecto de lei está a abranger tantas e tão díspares situações que, além de banalizar e prejudicar aqueles que efectivamente merecem e carecem de legislação adequada, abre claramente caminho à fraude, e fá-lo ao não propor num único ponto do diploma como é que se melhora aquilo que efectivamente tem de ser melhorado, que é a fiscalização. O actual Estatuto do Trabalhador-Estudante não tem hoje aplicabilidade.
Aproveito para dizer que, em relação à questão lançada há pouco pelo Sr. Deputado Bernardino Soares sobre o ensino superior particular e cooperativo, quando fui presidente da associação de estudantes na minha universidade, a primeira grande batalha que travei com o reitor dessa universidade teve a ver com a exigência da aplicação do Estatuto do Trabalhador-Estudante. Ou seja, o querer-se ir muito depressa nem sempre se vai bem. Era, sobretudo, importante que o actual Estatuto tivesse aplicabilidade prática e que as diversas universidade fossem sensibilizadas para a forma como estuda um trabalhador-estudante e as condições que tem - como exemplo, para poder vir à cabeça, temos a Universidade de Coimbra, onde não há flexibilidade de horários, não há horário pós-laboral, não há aulas à noite. Como é que o Sr. Deputado contorna esta realidade?

O Sr. Presidente (João Amaral): - Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, há um outro pedido de esclarecimento. Deseja responder já ou depois?

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Respondo depois, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto, em primeiro lugar, devo dizer que nos associamos com vontade a este debate; no entanto, não quero deixar de lembrar, como, aliás, o seu colega de bancada, Sr. Deputado Gonçalo Almeida Velho, há pouco fez, que o PCP já apresentou noutras legislaturas projectos de lei deste teor, que infelizmente foram rejeitados, mas, se assim não tivesse sido, os diplomas aqui apresentados hoje já não teriam de ser tão abrangentes, porque muita coisa já escana resolvida.
Devo dizer também que acompanhei com entusiasmo o processo de apresentação deste projecto de lei pela Juventude Socialista, já que, primeiro, foi anunciado pelo Congresso da Juventude Socialista e, depois, mais tarde, anunciaram que o iriam apresentar, em virtude de assim terem decidido no Congresso. Finalmente, apresentaram o projecto de lei, que contém matérias bastante positivas.
No entanto, não quero deixar de apresentar-lhe três dúvidas muito concretas.
A primeira tem a ver com a diferenciação que fazem entre os trabalhadores a tempo inteiro e os trabalhadores a tempo parcial. Parece-me que a limitação das regalias para os trabalhadores a tempo parcial apenas às facilidades para prestação de exames não tem muita lógica. Por que é que um trabalhador a tempo parcial não terá necessidade de ver o seu horário de trabalho adaptado ao horário que tem na escola? Imagine que um trabalhador tem um horário fixo, da parte da manhã, e que as aulas do curso que pretende frequentar só existem da parte da manhã. Não há justificação para que junto da entidade empregadora se possa adaptar este horário, de modo a permitir a frequência das aulas? E, por outro lado, não será justo que este trabalhador, mesmo sendo a tempo parcial, possa ter direito, uma vez que também tem exames e por isso também tem de ter a possibilidade de estudar, dentro dos critérios estabelecidos pela lei, a marcar as suas férias ou a gozar dias sem vencimento? Não me parece que isto seja muito descabido nem que esta diferenciação justifique a discrepância que os Srs. Deputados apresentam entre os trabalhadores a tempo inteiro e os trabalhadores a tempo parcial.
A outra dúvida tem a ver com o curioso preceito que apresentam em relação às 40 horas de trabalho. Os Srs. Deputados, como eu já disse na minha intervenção, apresentam uma norma que diz que os trabalhadores-estudantes não trabalharão mais de 8 horas/dia e 40 horas/semana - o que está muito bem! -, mas, logo a seguir, dizem que a entidade empregadora pode, unilateralmente, dizer "Não, senhor! Não é assim!" e, não sendo assim, aplica-se o regime da lei geral. Mas nós sabemos qual é o regime da lei geral: é aquele que permite que numa semana um trabalhador trabalhe, por exemplo, 50 horas. Ora isto, para quem é trabalhador-estudante, para quem tem de sair às 17 horas e 30 minutos para entrar nas aulas às 18 horas, é uma injustiça gritante.
Portanto, sugiro aos Srs. Deputados que, no espírito da mensagem do Sr. Presidente da República, se chegaram ao ponto de prever esta limitação horária para os trabalhadores-estudantes, não dêem com uma mão para depois tirarem com a outra, porque de outro modo mais vale nada disto vir neste projecto de lei.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan, agradeço os pedidos de esclarecimento que teve a amabilidade de fazer e vou procurar esclarecer as dúvidas que colocou.
Em primeiro lugar, quero dizer-lhe que o projecto de lei da Juventude Socialista foi a primeira iniciativa a ser apresentada na Assembleia da República, e o Sr. Deputado Bernardino Soares sabe bem que foi assim.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Não o neguei!

O Orador: - Os três projectos de lei surgiram intercalados de seis meses: o da Juventude Socialista surgiu há um ano; há cerca de seis meses, surgiu o do PCP; e,

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na semana passada, surgiu o da JSD. Curiosamente, estes três diplomas tiveram um processo de gestão semelhante ao do vinho: quanto mais antigos, melhores!

Risos do PS.

A verdade é que tivemos a preocupação de auscultar uma série de associações representativas dos trabalhadores-estudantes e todas elas, unanimemente, valorizavam muito a ideia de, por um lado, extinguir o limite de provas a realizar na época de recurso, uma vez que coincide, geralmente, com o período de férias e, portanto, não se criam problemas de maior no que toca à realização dessas provas e, por outro lado - e esta também é uma aspiração antiga -, criar uma época especial destinada aos trabalhadores-estudantes. E sendo estes instrumentos unanimemente valorizados pelos trabalhadores-estudantes, parece-me mais ou menos gratuito estar aqui a debater o interesse político e a utilidade prática de que os mesmos se revestem.
Em matéria de fiscalização do cumprimento, tivemos o cuidado de, por um lado, estabelecer um prazo com vista à operacionalização de um organismo do Ministério da Educação que possa controlar o cumprimento do diploma por parte das entidades que são tuteladas pelo Ministério, o que é, por si, um instrumento decisivo, e, por outro lado, responsabilizar, expressamente, a Inspecção-Geral de Trabalho no que toca a incumprimentos da responsabilidade das entidades empregadoras. Julgo que avançámos até onde podíamos e, mais tarde, quando esta matéria for regulamentada, o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan terá ocasião de pôr a sua produtividade ao serviço deste fim tão nobre.
Sr. Deputado Bernardino Soares, como sabe, ao introduzir um estatuto de trabalhador-estudante que imponha condições draconianas aos empregadores, extingue o interesse desta legislação, pelo simples facto de, em três tempos, conseguir acabar com a população de trabalhadores-estudantes. O Sr. Deputado tem de ter a percepção de que, desde logo, há uma diferença fundamental entre um trabalhador a tempo parcial e um trabalhador-estudante, propriamente dito.
Com efeito, não se pode equiparar a situação de um estudante que passa as manhãs numa papelaria, atrás de um balcão, e à tarde estuda no ensino secundário com a de uma pessoa que, por exemplo, está empregada num banco, num escritório, numa fábrica, com um dia sobrecarregadíssimo. Seria uma injustiça para com a entidade empregadora papelaria introduzir uma legislação que fixa regalias tão onerosas para ela como para a outra entidade empregadora! Esta é uma questão óbvia.

O Sr. Bernardino Vasconcelos (PCP): - Não são esses os exemplos de tempo parcial!

O Orador: - Vai perdoar-me, Sr. Deputado, mas o resto é demagogia.
De facto, com essas propostas, o Sr. Deputado transforma a contratação de um trabalhador-estudante por parte das entidades empregadores numa espécie de mecenato, porque as condições são tão draconianas... Aliás, é curioso que a JSD se limite a copiar descaradamente o nosso diploma, de uma ponta à outra - o que muito nos honra, e felicitamo-los por isso -, acrescentando depois um dia às dispensas. Já os senhores demonstraram alguma criatividade, pois apresentaram um diploma que é materialmente diferente do do PS, embora não se trate de um novo estatuto mas de uma alteração ao actual. De qualquer modo, acrescentam dois dias às dispensas!
Quer dizer, daqui a 10 anos, quando se fizer uma nova revisão ao Estatuto do Trabalhador-Estudante, a manter-se esta cadência tão simpática de reformas da legislação, já podemos antecipar o conteúdo das propostas da JCP e da JSD: a primeira propõe mais duas horas e a JSD mais uma hora de dispensa! Portanto, uns e outros são muito previsíveis.
Por último, na parte inovatória, que é, curiosamente, a pior do seu diploma, o Sr. Deputado Bernardino Soares faz a sugestão de que seja institucionalizada uma quota de acesso ao ensino superior. Sr. Deputado, queremos criar regras que sirvam os verdadeiros trabalhadores-estudantes, construindo, de facto, um conjunto de regalias que os protejam e estabelecendo uma discriminação positiva. Mas não queremos injectar ou estimular na vida universitária uma proliferação fraudulenta de pseudo-trabalhadores-estudantes, que era o que aconteceria, porque as suas propostas significam abrir a porta à fraude.
O vosso diploma é, nalguns aspectos, francamente demagógico, inaplicável e completamente inconciliável com o mercado de trabalho e, noutros aspectos, nem sequer consegue garantir os mínimos em matéria de protecção dos trabalhadores-estudantes.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para fazer a apresentação do projecto de lei n.º 302/VII, da iniciativa do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Vieira.

O Sr. Sérgio Vieira (PSD): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Milhares são os jovens, e não só jovens, que em Portugal se encontram sobrecarregados por uma dupla condição: a de serem simultaneamente trabalhadores e estudantes. Acresce a esta dupla condição um esforço tantas vezes aumentado pela falta de condições de trabalho e, também, de estudo.
Os trabalhadores-estudantes, desejosos de evoluírem, cultural e tecnicamente, acompanham a sua vida profissional investindo na sua formação e educação. Esta vontade de evolução cultural e técnica é positiva e benéfica para a realização pessoal e social destes cidadãos, para as empresas e todo o meio laborai, mas também - e importa afirmá-lo - para o crescimento e desenvolvimento do nosso país.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Em atenção às dificuldades, unanimemente reconhecidas, que se deparam aos trabalhadores-estudantes, a Lei n.º 26/81, de 21 de Agosto (Estatuto do Trabalhador-Estudante), representou a consagração de um importante conjunto de direitos e de regalias. Direitos e regalias para aqueles que, ao concorrerem para a sua valorização técnica e cultural, trazem efeitos benéficos para a sua qualidade de vida e para a produtividade do trabalho, contribuindo substancialmente para o crescimento e desenvolvimento de Portugal.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

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O Orador: - O Estatuto do Trabalhador-Estudante, aprovado nesta Assembleia há 16 anos atrás, em 1981, foi, sem dúvida, um importante reconhecimento do valor e mais valia daqueles que, ávidos de aprender e de se aperfeiçoar profissionalmente, se deparavam com um duplo e pesado esforço.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: No entanto, importa hoje proceder à adequação da Lei n.º 26/81, de 21 de Agosto, à evolução das novas realidades educativa e laboral. Adequação da lei, bem como o seu aperfeiçoamento, no sentido de propiciar uma melhoria das condições dos trabalhadores-estudantes, tendo em atenção a praxis laboral, bem como a criação de condições necessárias à educação ao longo da sua vida.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É hoje indubitavelmente possível avançar nos direitos concedidos aos trabalhadores-estudantes, bem como corrigir e clarificar algumas distorções da lei aprovada há 16 anos atrás, neste Hemiciclo. E não poderia deixar de referir a feliz coincidência, que a todos nós deve motivar ainda mais na discussão desta questão, de que quando hoje aqui discutimos a importância e o papel dos trabalhadores-estudantes, bem como o seu estatuto, se celebra o Ano Europeu da Educação e Formação.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Nesse sentido, apresento aqui hoje, em representação do Grupo Parlamentar do PSD e do grupo de Deputados da JSD, o projecto de lei n.º 302/VII - Alteração à Lei n.º 26/82, de 21 de Agosto (Estatuto do Trabalhador-Estudante).
O nosso projecto de lei representa um sincero contributo para a adequação da legislação às novas realidades, propondo aperfeiçoamentos à lei actual que propiciem uma clara melhoria das condições aos trabalhadores-estudantes. Move-nos a firme intenção e vontade de reconhecer o mérito, a mais-valia para o País e o duplo esforço daqueles que, com a legítima e louvável opção de evoluírem, cultural e tecnicamente, desenvolvem a sua vida profissional apostando na sua educação e formação.
Assim, Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, o projecto de lei que agora apresento propõe o alargamento do âmbito de aplicação do Estatuto do Trabalhador-Estudante aos estudantes que frequentem cursos de pós-graduação, mestrados ou doutoramentos.
É também proposto pelo projecto de lei do PSD uma harmonização do referido Estatuto em questões que julgamos determinantes para o atenuar do duplo esforço dos trabalhadores-estudantes, designadamente através das facilidades para frequência de aulas, prestação de exames ou provas de avaliação, férias, licenças, e, por Fim, as isenções e regalias nos estabelecimentos de ensino.
As importantes questões referentes à cessação das facilidades e direitos dos trabalhadores - estudantes, bem como os requisitos exigidos para fruição de regalias são também objecto de alteração do nosso projecto de lei.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Não poderia deixar, no entanto, de, com mais pormenor, abordar uma proposta vertida no projecto de lei n.º 302/VII que, para nós, representa uma importante inovação no Estatuto do Trabalhador-Estudante. Refiro-me à existência de incentivos às entidades empregadoras.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Assim, propomos que os encargos com os trabalhadores-estudantes por parte das empresas sejam considerados custos, para efeitos de IRC, em valor correspondente a 1 15% do total. Ficam também as entidades empregadoras dispensadas das contribuições para a segurança social no que respeita às dispensas de prestação de trabalho decorrentes da aplicação do estatuto em apreço.
São duas propostas que consideramos importantes e determinantes no âmbito dos trabalhadores-estudantes, que beneficiam as entidades empregadoras que apostam e incentivam a valorização técnica e cultural dos seus trabalhadores, bem como - estamos certos - contribuirão para o atenuar do duplo e pesado esforço dos trabalhadores-estudantes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Encontram-se também em apreço neste debate o projecto de lei n.º 19l/VII, do PS, e o projecto de lei n.º 247/VII, do PCP. No entender do Grupo Parlamentar do PSD, 'estas duas iniciativas legislativas representam, na generalidade, contributos importantes e válidos para o aperfeiçoamento e adequação do Estatuto do Trabalhador-Estudante à nova realidade educativa e cultural.
Neste sentido, é intenção do PSD viabilizar estes dois projectos de lei para que, em sede de especialidade, à semelhança do que sucedeu há 16 anos atrás, possamos, o mais brevemente possível, aprovar um texto conjunto de um novo e de um melhor estatuto do trabalhador-estudante.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados Afonso Candal e Sílvio Rui Cervan.
Tem a palavra o Sr. Deputado Afonso Candal.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Sérgio, Vieira, a questão que lhe quero colocar tem a ver com a forma como os proponentes dos diversos projectos de lei encaram o próprio trabalhador-estudante. De facto, analisado o projecto de lei do PSD, ele nada tem de inovador, nem sequer vai tão longe como os outros projectos de lei que estão hoje, aqui, em discussão, e a única inovação que contém, de alguma forma, repugnamos.
De facto, gostava de esclarecer os "porquês" desta inclusão, porque de duas uma: ou o Sr. Deputado Sérgio Vieira e os proponentes deste projecto de lei consideram os trabalhadores-estudantes como trabalhadores incompetentes, preguiçosos e desleixados, cabendo ao Estado compensar as pobres empresas que têm trabalhadores desses nos seus quadros ou encaram-nos, como nós os encaramos, como pessoas das mais capazes, organizadas, combativas e aplicadas e que, de alguma forma, a sua própria valorização pessoal e académica interessa às próprias empresas que os empregam.
Neste caso, com a disposição final dos incentivos às entidades empregadoras, VV. Ex.ªs apenas aproveitaram a

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"boleia" do Estatuto do Trabalhador-Estudante para fazer aprovar uma proposta que já apresentaram, não exactamente nestes moldes mas em termos semelhantes, em sede de Orçamento do Estado, na discussão na especialidade. Aliás, a mesma proposta também está consagrada, em parte, num dos projectos de lei que já apresentaram nesta Casa. No fundo, esta é uma proposta descartável, que fica bem em qualquer sítio! Só não percebo, de facto, o que está aqui a fazer.
Se a perspectiva de VV. Ex.as é a primeira, compreendo porque a trouxeram hoje a debate, embora não concorde em absoluto com ela, mas se a proposta aparece, mais uma vez, à "boleia", pergunto, então: em quantos diplomas e em quantas ocasiões teremos de discutir esta proposta ou uma proposta ligeiramente alterada, como tem acontecido até agora?

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Como há mais um orador inscrito, pergunto se o Sr. Deputado Sérgio Vieira deseja responder já ou depois.

O Sr. Sérgio Vieira (PSD): - Respondo depois, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Sérgio Vieira, não fique mal impressionado com o Sr. Deputado Afonso Candal, porque ele é bastante bom, só que nem sempre exerce!

Risos do CDS-PP.

De facto, o Sr. Deputado Afonso Candal fez mal em criticar um elemento tão positivo do projecto de lei do PSD ou da JSD, conforme quiserem. Efectivamente, a concessão de incentivos a entidades empregadoras é um elemento positivo e a ter em consideração, pese embora descorde da forma utilizada. Em todo o caso, o quantitativo e a forma apresentada poderá ser melhorada, em sede de discussão na especialidade.
Em relação ao facto de o diploma poder passar uma imagem diferente do trabalhador-estudante, deixe-me que lhe diga que a questão não é passar uma imagem improdutiva, porque um trabalhador que trabalha 30 horas em vez de 40 não produz o mesmo! Essa é a realidade do trabalhador-estudante, e não têm de ser as empresas a suportar este ónus acrescido.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - E a responsabilidade social das empresas?

O Orador: - Srs. Deputados da Juventude Socialista, se me permitem, estou a tentar fazer uma pergunta ao Sr. Deputado Sérgio Vieira. Depois, em sede de especialidade, podemos discutir todas estas questões, e mais algumas!
Com efeito, gostava de perguntar ao Sr. Deputado Sérgio Vieira como é que, através deste projecto de lei, compagina a flexibilização dos horários com a autonomia universitária. É muito fácil estar aqui a apresentar uma proposta ou um processo de intenções neste sentido, mas existe a seguinte questão prévia: não podemos dizer que flexibilizamos, que promovemos cursos nocturnos, que atribuímos aos trabalhadores-estudantes horários compatíveis quando, na prática, muitos de nós - e o Partido Popular assume hoje, aqui, esse ónus - defendem a autonomia universitária. Podemos sensibilizar as universidades públicas e privadas, pedir para que assim seja, mas não através de um projecto de lei, porque há autonomia universitária.
Portanto, gostava de saber como é que o Sr. Deputado Sérgio Vieira compagina estes dois interesses que sei que diz defender.

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Não compagina!

O Sr. Bernardino Soares (PCP): - Já percebi por que é que o PP não apresentou nenhum projecto de lei! Identifica-se!...

O Sr. Presidente (João Amaral): - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Vieira.

O Sr. Sérgio Vieira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, começando por responder ao Sr. Deputado Sílvio Cervan, dir-lhe-ei que registo com agrado a sua concordância com a inovação proposta pelo PSD no que diz respeito a incentivos fiscais às entidades empregadoras.

O Sr. Afonso Candal (PS): - Não admira!

O Orador: - Discordará o Sr. Deputado do número que é presente ou de um ou outro pormenor, ruas, Sr. Deputado, tive oportunidade de dizer da tribuna que esta questão do estatuto dos trabalhadores-estudantes deve ser encarada não na base da trica político-partidária mas como uma questão acima desse tipo de debate. E, nesse sentido, manifestei a vontade de que seja possível, em sede de especialidade, em reunião de comissão, suceder o que se verificou há 16 anos atrás, nesta Assembleia, com um projecto de lei do PSD e outro do PCP - na altura, não mais nenhum -,...

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - Quando?

O Orador: - ... ou seja, da discussão na especialidade resultou um texto conjunto, o actual Estatuto do Trabalhador-Estudante, que hoje, volvidos 16 anos, importa, obviamente, alterar. A nossa disponibilidade para a discussão na especialidade é total e, como é evidente, espero que o Partido Popular, não tendo apresentado uma iniciativa legislativa sobre esta questão, possa, nessa sede, participar na elaboração de um texto conjunto que dê corpo a um novo estatuto do trabalhador-estudante.
Sr. Deputado Afonso Candal, há pouco, disse umas coisas que nem cheguei a anotar, no sentido de que nós entendíamos que os trabalhadores-estudantes eram preguiçosos, eram isto, eram aquilo, eram aqueloutro, enfim, alguma coisa que lhe deve ter ficado bem dizer. Obviamente que não é assim, Sr. Deputado! O que entendemos, e o Sr. Deputado Sérgio Sousa Pinto também o entende,

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porque o disse há pouco, é que é necessário apoiar aquelas empresas ou entidades empregadoras que apostam, que incentivam, que valorizam o tacto de terem trabalhadores que, simultaneamente com o seu trabalho do dia-a-dia, apostam na sua evolução cultural e técnica. É isto que propomos, Sr. Deputado! E, em suma, esta é uma das vertentes do projecto de lei do PSD, que tem a ver com a relação do trabalhador-estudante no estabelecimento de ensino e com as condições que lhe têm de ser propiciadas, e que também não esquece uma inovação quanto à relação que o trabalhador-estudante deve ter com a entidade empregadora. É isto que defendemos, é isto que está no nosso projecto de lei!
Termino, voltando a fazer votos para que esta discussão do Estatuto do Trabalhador-Estudante não assuma alguns contornos que VV. Ex.ªs, por vezes, querem que sejam assumidos,...

O Sr. Sérgio Sousa Pinto (PS): - A saber...

O Orador: - ... para que seja, em especialidade, uma discussão tranquila e serena, a bem dos trabalhadores-estudantes, e para que possamos aprovar aqui, no Hemiciclo da Assembleia, o mais rapidamente possível, um novo estatuto do trabalhador-estudante.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que pergunto ao Sr. Deputado Manuel Alves de Oliveira, relator da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, se pretende usar da palavra para fazer a síntese dos dois relatórios, um relativo aos projectos de lei n.º 191 e 247/VII e outro relativo ao projecto de lei n.º 302/VII.

O Sr. Manuel Alves de Oliveira (PSD): - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Então, tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Alves de Oliveira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, dado o adiantado da hora e já que a matéria substantiva constante dos três projectos de lei foi apresentada e explanada pelos primeiros subscritores, gostaria apenas de fazer uma referência.
Existem dois relatórios da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, um dos quais diz respeito, conjuntamente, aos projectos de lei n.ºs 191/VII e 247/VII, apresentados, respectivamente, pelo PS e pelo PCP, e o outro é relativo ao projecto de lei n.º 302/VII, apresentado pelo PSD.
Os relatórios foram aprovados por unanimidade, mas, no entanto, a Comissão de Educação, Ciência e Cultura pretendeu ressalvar, a exemplo do que já fez o Sr. Deputado Bernardino Soares na sua intervenção inicial, que só o projecto de lei n.º 247NII, apresentado pelo PCP, foi submetido à participação das organizações de trabalhadores para cumprimento do previsto na alínea d) do n.º 5 do artigo 54.º e no n.º 2 do artigo 56.º da Constituição da República Portuguesa.
Nessa perspectiva, a Comissão foi de parecer que os projectos fossem apreciados em Plenário, cuidando-se pelo suprimento daquele vício nos projectos de lei n.º5 191/VII e 302/VII, ou seja, instando-se a participação das organizações de trabalhadores, nos termos constitucionais e regimentais.

O Sr. Presidente (João Amaral): - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por encerrado o debate.
Quanto à votação destes projectos de lei, há uma questão procedimental relativamente a alguns deles, pelo que, amanhã, no início da sessão, farei consultas aos Srs. Líderes parlamentares, para os devidos efeitos.
A próxima reunião plenária realiza-se amanhã, pelas 15 horas, e tem como ordem de trabalhos um debate de urgência, com o Sr. Ministro da Defesa, sobre defesa nacional e Forças Armadas, a realizar no período de antes da ordem do dia, e a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 67/VII - Aprova o novo regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais, a qual terá lugar no período da ordem do dia.
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 5 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Francisco José Pinto Camilo.
Gonçalo Matos Correia de Almeida Velho.
Joaquim Moreira Raposo.
Jorge Manuel Damas Martins Rato.
José Manuel de Medeiros Ferreira.

Partido Social Democrata (PSD):

António Germano Fernandes de Sá e Abreu.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
João Carlos Barreiras Duarte.
José Manuel Costa Pereira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Fernando da Silva Rio.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Ismael António dos Santos Gomes Pimentel.
Manuel José Flores Ferreira dos Ramos.

Partido Comunista Português (PCP):

Bernardino José Torrão Soares.
Maria Luísa Raimundo Mesquita.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Bento da Silva Galamba.
António de Almeida Santos.
Artur Clemente Gomes de Sousa Lopes.
Elisa Maria Ramos Damião.

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Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Francisco Fernando Osório Gomes.
João Carlos da Costa Ferreira da Silva.
João Rui Gaspar de Almeida.
José António Ribeiro Mendes.
José Carlos das Dores Zorrinho.
Laurentino José Monteiro Castro Dias.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alberto Barbosa de Oliveira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Francisco dos Santos Valente.
Maria Jesuína Carrilho Bernardo.
Nuno Manuel Pereira Baltazar Mendes.
Paula Cristina Ferreira Guimarães Duarte.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rosa Maria da Silva Bastos da Horta Albernaz.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Sónia Ermelinda Matos da Silva Fertuzinhos.

Partido Social Democrata (PSD):

Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
José Mendes Bota.
Lucília Maria Samoreno Ferra.
Luís Carlos David Nobre.
Luís Filipe Menezes Lopes.

Partido do Centro Democrático Social - Partido Popular (CDS-PP):

Manuel Fernando da Silva Monteiro.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Ruben Luís Tristão de Carvalho e Silva.

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